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Manual de orientação Brasília, DF 2015 Série Manuais, n. 01 ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS

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ENFRENTAMENTO AO TRáFicO dE pEssOAs - Manual de orientação

Manual de orientação

Brasília, DF 2015

Série Manuais, n. 01

ENFRENTAMENTO AO TRáFicO dE pEssOAs

dEFENsORiA pÚBLicA dA UNiÃO

defensor público-Geral FederalHaman Tabosa de Moraes e Córdova

subdefensor público-Geral FederalFabiano Caetano Prestes

secretário-Geral de Articulação institucionalBruno Vinícius Batista Arruda

secretária de Atuação no sistema penitenciário e conselhos penitenciários

Tatiana Melo Aragão Bianchini

secretário de direitos HumanosClaudionor Barros Leitão

secretário de Assuntos internacionaisAdriano Cristian Souza Carneiro

secretário de Atuação itinerante (vaga)Bruno Vinícius Batista Arruda (resp.)

secretário de conciliação Extrajudicial e de Educação em direitos (vaga)

Bruno Vinícius Batista Arruda (resp.)

Manual de orientação

Série Manuais, n. 01

Brasília, DF 2015

ENFRENTAMENTO AO TRáFicO dE pEssOAs

© 2015 Defensoria Pública da União.A reprodução deste documento (total ou parcial) é permitida somente com a autorização prévia e oficial da DPU.Tiragem: xx.xxx exemplaresDistribuição e informações:

defensoria pública da UniãoSAUN Quadra 5 Lote C Torre C 15° andarCEP 70040-250 Brasília DF Compilação do GT Tráfico de Pessoas:Presidente: Vivian Netto Machado Santarém Membros: Leonardo Cardoso de MagalhãesMarcos Wagner Alves TeixeiraPedro de Paula Lopes AlmeidaThais Aurélia Garcia

Editoração: Raul Colvara Rosinha, Ph. D. Projeto gráfico: ASCOMCatalogação: Renata G. Mota

Defensoria Pública-Geral da UniãoBrasil. Defensoria Pública da União.

Brasil. Defensoria Pública da União. Enfrentamento ao Tráfico de pessoas: cartilha de orientação / Defenso-ria Pública da União. – Brasília: DPU, 2015. 28 p. : 21 cm. 1. Tráfico humano. 2. Assistência judiciária gratuita. I. Título.

CDDir 341.15CDDir 341.1219

Dados Internacionais de Catalogação na PublicaçãoImpresso no Brasil/Printed in Brazil

Apresentação 7

Introdução 9

Conceito 11

Principais modalidades de tráfico de pessoas 15

Indicadores gerais 16

Legislação interna 17

Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas 19

Planos Nacionais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil 20

Redes de Enfrentamento ao Tráfico de PessoasRedes e PolosComitês

20

Dificuldades e desafios 23

Como denunciar 24

Referências bibliográficas 26

sUMáRiO

7ENFRENTAMENTO AO TRáFicO dE pEssOAs - Manual de orientação

ApresentAção

O tráfico de pessoas (TP) é um fenômeno complexo, multifacetado e invi-sível: representa uma grave violação de direitos humanos.

Segundo estimativas da ONU, o TP atinge principalmente mulheres e crianças, fazendo milhões de vítimas em todo o mundo.

A exploração da vulnerabilidade humana constitui seu elemento propulsor. Pobreza, miséria, discriminação de gênero, de raça, preconceito, vergonha e culpa são alguns dos fatores que contribuem para a concretização desta que já é considerada uma das atividades criminosas mais lucrativas da atualidade.

O combate ao crime se fundamenta, tanto no campo internacional como no plano interno, em três eixos de atuação: prevenção e repressão ao crime, assistência/proteção às vítimas e cooperação.

Nesse cenário, a Defensoria Pública da União surge como órgão fundamen-tal para a execução das políticas públicas destinadas ao enfrentamento do tráfico de pessoas, em especial por meio da função de garantir acesso à Jus-tiça, orientação adequada e assistência jurídica às vítimas, nacionais e estran-geiras, residentes no Brasil ou no exterior.

O presente trabalho objetiva abordar, em linhas gerais, conceitos e infor-mações básicas sobre o tema, tendo em conta a importância da difusão do conhecimento no enfrentamento e a necessidade de uma visão global da questão, focada nos direitos humanos das vítimas, para a consecução de ações vinculadas às diretrizes previstas pelas normas internacionais e nacionais.

Bruno Vinícius Batista ArrudaSecretário-Geral de Articulação Institucional—SGAI

9ENFRENTAMENTO AO TRáFicO dE pEssOAs - Manual de orientação

Introdução

O livre acesso à informação, a mobilidade entre fronteiras e o crescimento dos movimentos migratórios, promovidos pelo fenômeno da globalização, facilitaram a atuação de organizações destinadas à prática do tráfico interna-cional de pessoas. É considerada a terceira atividade criminosa mais lucrativa da atualidade, ultrapassada apenas pelo tráfico de drogas e pelo de armas.

Denominada de “escravidão dos tempos modernos”, o tráfico de seres huma-nos passou a exigir da comunidade internacional maior cooperação para enfrentamento do problema, “corroborando para a necessidade de utilização de novas formas de combate, através da cooperação bilateral, regional e até multilateral, e ainda por meio da cooperação técnica policial, tecnológica, econômica e de mecanismos de comunicação.”

Nesse cenário, em 2003 entrou em vigor o Protocolo Adicional à Conven-ção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulhe-res e Crianças, também conhecido como Protocolo de Palermo, promul-gado no Brasil pelo Decreto 5.017, de 12 de março de 2004.

No campo interno, a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pes-soas, instituída pelo Decreto Presidencial 5.948, de 26 de outubro de 2006, representa um marco histórico em termos de política pública relacionada à temática, apoiando-se em três eixos fundamentais: prevenção, repressão e atendimento/proteção às vítimas.

Resultado dessa política, em 2008 foi promulgado o I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, com validade entre os anos de 2008 e 2010 (Decreto 6.347, de 8 de janeiro de 2008).

Atualmente está em vigor o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, aprovado pela Portaria Interministerial 634, de 25 de fevereiro de 2013, do Ministério da Justiça, Secretaria de Direitos Humanos e Secre-taria de Política para as Mulheres, com objetivos aprovados pelo Decreto

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7.901, com vigência de 2013 a 2016.

O Brasil surge no cenário do tráfico de pessoas como país de origem, de trânsito e de destino das vítimas. Esforços articulados de todas as esferas de governo e da sociedade civil são fundamentais para o devido enfrentamento.

Este texto contribui para a divulgação de informações relevantes e concei-tos básicos, relacionados à temática do enfrentamento ao tráfico de pessoas, visando a fomentar a difusão do conhecimento, enquanto instrumento de efetiva prevenção ao crime e proteção às vítimas.

11ENFRENTAMENTO AO TRáFicO dE pEssOAs - Manual de orientação

ConCeIto O Protocolo de Palermo define o que é tráfico de pessoas em seu artigo 3º: Para efeitos do presente Protocolo:

a. A expressão ““tráfico de pessoas” significa o recrutamento, o trans-porte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recor-rendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabi-lidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o traba-lho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;

b. O consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea a) do presente Artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na alínea a);

c. O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum dos meios referi-dos da alínea a) do presente Artigo;

d. O termo “criança” significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos.

A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas acolhe a defi-nição do Protocolo Adicional, conforme artigo 2º do Decreto Presidencial 5.948, de 26 de outubro de 2006:

“Art. 2o Para os efeitos desta Política, adota-se a expressão “tráfico de pes-soas” conforme o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão

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e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças, que a define como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escrava-tura, a servidão ou a remoção de órgãos.

§ 1o O termo “crianças” descrito no caput deve ser entendido como “criança e adolescente”, de acordo com a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Esta-tuto da Criança e do Adolescente.

§ 2o O termo “rapto” descrito no caput deste artigo deve ser entendido como a conduta definida no art. 148 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, Código Penal Brasileiro, referente ao sequestro e cárcere privado.

§ 3o A expressão “escravatura ou práticas similares à escravatura” deve ser entendida como:

I - a conduta definida no Art. 149 do Decreto-Lei nº 2.848, de 1940, refe-rente à redução à condição análoga a de escravo; e

II - a prática definida no Art. 1o da Convenção Suplementar sobre a Aboli-ção da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Aná-logas à Escravatura, como sendo o casamento servil.

§ 4o A intermediação, promoção ou facilitação do recrutamento, do trans-porte, da transferência, do alojamento ou do acolhimento de pessoas para fins de exploração também configura tráfico de pessoas.

§ 5o O tráfico interno de pessoas é aquele realizado dentro de um mesmo Estado-membro da Federação, ou de um Estado-membro para outro, den-tro do território nacional.

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§ 6o O tráfico internacional de pessoas é aquele realizado entre Estados distintos.

§ 7o O consentimento dado pela vítima é irrelevante para a configuração do tráfico de pessoas.”

A análise do conceito apresentado pelos diplomas normativos acima repro-duzidos permite concluir que:

O tráfico de pessoas pode ser internacional, praticado entre fronteiras de Esta-dos/Países distintos, ou doméstico, praticado dentro do território brasileiro;

O tráfico de pessoas possui três elementos principais: AÇÃO (recrutamento, transporte, transferência, alojamento e acolhimento), MEIO (ameaça, uso da força, outras formas de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autori-dade, abuso de uma situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração) e FIM (finalidade de exploração);

ATO + MEiOs + FiNALidAdE = TRáFicO dE pEssOAs

A realização de um ou alguns núcleos verbais é suficiente para caracterizar o tráfico de pessoas (princípio da alternatividade);

Para que se configure o tráfico de pessoas é necessária a combinação de, pelo menos, um dos itens de cada elemento, não sendo exigido, entretanto, que a exploração se consume, sendo suficiente a intenção;

O consentimento da vítima é irrelevante, se obtido por meio de uma das for-mas listadas no Protocolo, salvo no caso de criança, quando o consentimento é sempre irrelevante, ainda que praticado por meio de uma das formas listadas (nessa hipótese o tráfico só tem dois elementos: ação e fim);

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No caso da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, o con-sentimento da vítima é sempre irrelevante, seja ela criança, adolescente ou adulto e independente do meio empregado;

O tráfico de pessoas se caracteriza pela exploração da situação de vulnerabili-dade humana, que pode ser pessoal (relacionada à deficiência física ou mental, idade, cor, etnia, gênero, orientação sexual etc.), situacional (relacionada ao fato de a pessoa estar em situação migratória irregular, ou isolada, em país estrangeiro, em razão da língua, por exemplo) e circunstancial (diz respeito à situação econômica, como o desemprego e a pobreza, ou à dependência de substâncias entorpecentes);

Segundo o Protocolo de Palermo, a finalidade do tráfico de pessoas pode ser exploração sexual, exploração laboral, trabalho forçado, remoção de órgãos, mendicância forçada, adoção ilegal de crianças, casamento forçado, ou outra finalidade de exploração, envolvendo graves violações a direitos humanos;

O tráfico de pessoas não se confunde com o tráfico (ou contrabando) de migrantes. O tráfico de migrantes se verifica quando a pessoa é transportada consensualmente (sem o emprego de quaisquer dos meios identificados no caso de tráfico de pessoas) por terceiro (traficante) para outro país. Neste caso, apenas estão presentes como elementos a AÇÃO e o FIM, que é a obtenção de vantagem financeira, ou de outro benefício de ordem material (e não a exploração de outrem);

O tráfico de pessoas não se confunde com o sequestro internacional de crian-ças, previsto pela Convenção da Haia (promulgada no Brasil pelo Decreto 3.413, de 14 de abril de 2000). O sequestro internacional de crianças pressu-põe a retirada da criança do país de residência habitual, ou sua retenção por um dos genitores sem autorização do codetentor do direito de guarda (e sem finalidade de exploração do menor).

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prInCIpAIs modAlIdAdes de tráfICo de pessoAsPara fins de exploração sexual: é a exploração comercial do trabalho sexual de alguém por terceiros. Ocorre tanto nos casos de ingresso involuntário no mercado do sexo, como naquelas hipóteses em que a vítima ingressa volun-tariamente na prostituição, mas é impedida de sair, assumindo, nesse último caso, característica de trabalho forçado, com a servidão por dívida, a reten-ção de documentos, cerceamento de liberdade etc. É a forma mais comum de tráfico de pessoas no Brasil, atingindo principalmente mulheres na faixa etária entre 20-29 anos e crianças entre 10-14 anos;

• Para fins de exploração laboral: tem a finalidade de explorar o trabalho de alguém. O ato de exploração do trabalho de outrem constitui crime tipi-ficado pelo artigo 149 do Código Penal Brasileiro, que define situações que caracterizam o trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho; jornada exaustiva; trabalho forçado e servidão por dívida;

• Para fins de remoção de órgãos: é o tráfico que tem por finalidade a remoção de órgãos de uma pessoa para o transplante.

Muito embora possam ser apontadas modalidades principais, o fenômeno do tráfico de pessoas é complexo, dinâmico e multidimensional. Outras situações de exploração da vulnerabilidade humana, para fins comerciais, podem configurar tráfico de pessoas, tais como mendicância forçada, casa-mento servil, adoção ilegal de crianças, exploração de adolescentes no fute-bol e na prática de delitos, entre outras.

O tráfico de seres humanos constitui uma violação grave a direitos huma-nos, em especial à vida, à liberdade e à dignidade das pessoas, afetando mulheres, crianças, adolescentes, homens, travestis e transexuais, ainda que de maneira desigual.

A complexidade do fenômeno, a diversidade de causas e consequências, implica na necessidade de execução articulada das políticas públicas, com a cooperação entre os diversos órgãos públicos vinculados aos eixos de atu-

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ação, a participação ativa da sociedade civil e o fortalecimento das redes e postos avançados de atendimentos e proteção às vítimas.

IndICAdores gerAIsA identificação de uma situação de tráfico de pessoas, nem sempre evidente, é fundamental para determinar a atuação do agente público ou do cidadão em contato com uma possível vítima.

Assim sendo, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) elaborou uma lista de indicadores, que devem ser interpretados como sinais de uma situação de tráfico de pessoas, e não como provas defi-nitivas, tendo em conta as múltiplas possibilidades de determinantes.

De acordo com o UNODC, são indicadores gerais de que uma pessoa pode estar em situação de tráfico se:

Acreditar que tem de trabalhar contra sua vontade;For incapaz de abandonar seu lugar de trabalho;Mostrar sinais de que alguém está controlando seus movimentos;Sentir que não pode ir embora de onde está;Dar indícios de ansiedade e medo;Ser objeto de violência ou ameaças contra si mesmo, seus familiares ou seus seres queridos;Sofrer lesões ou incapacidades típicas de determinados trabalhos ou medi-das de controle;Desconfiar das autoridades;Receber ameaças de que será relatada às autoridades;Sentir temor em revelar sua situação migratória;Não estar de posse de seu passaporte ou outros documentos de viagem ou identificação, porque estes estão em poder de outra pessoa;Ter documentos de identidade ou de viagem falsos;

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Permitir que outros falem por si, quando alguém lhes dirige a palavra diretamente;Não ter dias livres;Ter uma interação limitada ou nula com a rede social;Não estar familiarizada com o idioma local;Não conhecer o endereço da sua casa ou do seu trabalho;Ser objeto de castigos para impor-lhe disciplina;Ser incapaz de negociar condições de trabalho;Receber uma remuneração escassa ou nula;Não ter acesso à atenção médica;Ter recebido o pagamento dos gastos com o transporte ao país de destino por meio de facilitadores, e estar obrigada a reembolsá-los, trabalhando ou prestando serviços nesse país.

A lista de indicadores é abrangente e inclui, além dos indicadores gerais, indicadores específicos para as diversas modalidades de tráfico de pessoas. Lembrando que não devem servir como prova determinante de uma situ-ação de tráfico, dependendo da correlação com outros fatores, mas podem revelar indícios em casos concretos.

legIslAção InternAO Código Penal Brasileiro não tipifica todas as modalidades de tráfico de pessoas como crimes autônomos, dependendo da interpretação sistemática do ordena-mento jurídico interno e internacional e da aplicação da legislação especial.

Apenas o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, com elementos pre-vistos pelo Protocolo de Palermo, encontra previsão expressa no Código Penal, nos artigos 231 (tráfico internacional) e 231-A (tráfico interno).

A tipificação das demais formas de tráfico de pessoas pode ser encontrada em normas especiais, dentre as quais destacam-se:

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Artigo 149 do Código Penal: “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto (...).”

Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente;

Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 - Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências;

Lei 6.815 de agosto de 1980 - Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, cria o Conselho Nacional de Imigração (CNIg).

Outros documentos relevantes em nível federal: Conselho Nacional de Imigração, Ministério do Trabalho e Emprego. Resolução Normativa CNIg 93, de 21 de dezembro de 2010 - DOU 23.12.2010. Dispõe sobre a concessão de visto permanente ou permanência no Brasil a estrangeiro considerado vítima do tráfico de pessoas;

Ministério do Trabalho e Emprego e Secretaria de Direitos Humanos - Portaria Interministerial 2, de 12 de maio de 2011. Cria o Cadastro Nacional de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condi-ções análogas às de escravo – “Lista Suja”.

19ENFRENTAMENTO AO TRáFicO dE pEssOAs - Manual de orientação

polítICA nACIonAl de enfrentAmento Ao tráfICo de pessoAsA Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Decreto Presi-dencial 5.948, de 26/10/2006) está estruturada em três eixos fundamentais, que devem servir de norte para a execução das atividades desenvolvidas por todos os órgãos públicos e demais agentes envolvidos no tema do enfrenta-mento. Em linhas gerais, são eles:

Prevenção: diminuir a vulnerabilidade de determinados grupos sociais ao trá-fico de pessoas e fomentar seu empoderamento, bem como engendrar políti-cas públicas, voltadas para combater as reais causas estruturais do problema.

Repressão ao crime e responsabilização de seus autores: ações de fiscaliza-ção, controle e investigação, considerando os aspectos penais e trabalhis-tas, e internacionais desse crime.

Assistência e proteção às vítimas: tratamento justo, seguro e não-discrimi-natório das vítimas, além da reinserção social, adequada assistência consu-lar, proteção integral e acesso à Justiça. Aplicável a brasileiros e estrangei-ros, uma vez que o Brasil é considerado país de destino, trânsito e origem do tráfico de pessoas.

A participação da Defensoria Pública da União é fundamental na execução da política nacional, tendo em conta os três eixos fundamentais, funcio-nando tanto na integração da rede de enfrentamento ao tráfico de pessoas como interlocutora e agente de encaminhamento, quanto na promoção e difusão de informação e conhecimento sobre o tema.

Também colabora, juntamente com o Ministério das Relações Exteriores, na definição de estratégias para assegurar agilidade nos procedimentos jurí-dicos, especialmente internacionais.

20 ENFRENTAMENTO AO TRáFicO dE pEssOAs - Manual de orientação

Oferece relevante papel de assistência jurídica às vítimas, brasileiras e estran-geiras, em especial na garantia de direitos relativos à situação de migração e à reparação civil e/ou trabalhista pelos danos sofridos.

plAnos nACIonAIs de enfrentAmento Ao tráfICo de pessoAs no BrAsIl Em conjunto com a Política Nacional, os Planos Nacionais surgem como instru-mentos de enfrentamento ao tráfico de pessoas, adotados pelo Estado brasileiro.

Resultado do Grupo de Trabalho Interministerial criado pela Política Nacio-nal, o I Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - PNETP foi promulgado em 8 de janeiro de 2008, pelo Decreto 6.347.

O I Plano Nacional de ETP contemplou ações específicas para as perspec-tivas da prevenção, responsabilização e repressão dos agentes e atenção às vítimas, no período em que esteve em vigor (2008-2010), ditando recomen-dações para a elaboração do II PNETP.

O II PNETP entrou em vigor a partir de 2013 e terá vigência até 2016, des-tacando como prioridade a intersetorialidade e a atuação em rede.

redes de enfrentAmento Ao tráfICo de pessoAs

Redes e Postos

A execução das ações e diretrizes previstas pelos Planos Nacionais preconiza atuação articulada com a participação de todos os agentes envolvidos com políticas públicas específicas e programas interligados ao tema, além da pro-teção em rede. Nesse sentido, a intersetorialidade implica na necessidade de articulação dos diversos atores envolvidos no enfretamento ao tráfico de pes-

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soas, para a execução dos principais objetivos da política nacional. Importa em parcerias e interdependência de serviços para garantir o direito das víti-mas do tráfico e a punição dos perpetradores.

Nessa perspectiva foram criados os Núcleos Estaduais de Prevenção e Enfreta-mento ao Tráfico de Pessoas (NETPs) e os Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante, objetivando garantir proteção às vítimas, atendi-mento multidisciplinar e execução de políticas públicas de prevenção e punição.

Os Núcleos são responsáveis por articular política e tecnicamente a imple-mentação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, tra-balhando para a criação de políticas e plano estaduais. Eles têm abrangência estadual e atuam na articulação de órgãos públicos e entidades civis envolvidos no enfrentamento ao tráfico e suporte às Polícias Federal e Civil, por meio do fornecimento de informações. Apoiam, ainda, o encaminhamento das vítimas para abrigos, para serviços de apoio psicológico, auxílio para retorno à cidade de origem e implementação de ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas com órgãos públicos e a sociedade civil. Têm competência ainda na área de desenvolvimento de pesquisas sobre o tráfico de pessoas, e na formação, capa-citação e sensibilização de órgãos e do público, sobre o tráfico.

Os Postos Avançados de Atendimento Humanizado ao Migrante foram concebidos para funcionar em espaços de grande circulação de migrantes e prestar atendimento imediato ao migrante deportado ou não admitido no país de destino, atender pessoas identificadas como vítimas de tráfico no exterior ou pessoas que apresentem indícios de tráfico e que retornem ao Brasil, além de funcionar em estreita articulação com o NETP do seu estado. Atuam, ainda, na prevenção, orientando o migrante em partida ou chegada (no caso de deportados ou não admitidos) sobre seus direitos e as precauções necessárias para prevenir situações de exploração ou tráfico. Os Postos estão situados nos aeroportos, portos e rodoviárias.

As competências dos Núcleos e Postos estão previstas na Portaria 31 da Secretaria Nacional de Justiça, de 20 de agosto de 2009.

22 ENFRENTAMENTO AO TRáFicO dE pEssOAs - Manual de orientação

Comitês

No âmbito federal, por intermédio do Decreto 7.901, de 4 de fevereiro de 2013, foi criado o CONATRAP – Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, vinculado ao Ministério da Justiça, para articular a atu-ação dos órgãos e entidades públicas e privadas. O CONATRAP mantém estrutura de gestão intersetorial, com participação do poder público, socie-dade civil e Conselhos Nacionais.

São atribuições do CONATRAP (Art. 5°):

I - propor estratégias para gestão e implementação de ações da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, aprovada pelo Decreto 5.948, de 2006;

II - propor o desenvolvimento de estudos e ações sobre o enfrentamento ao tráfico de pessoas;

III - acompanhar a implementação dos planos nacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas;

IV - articular suas atividades àquelas dos Conselhos Nacionais de políticas públicas que tenham interface com o enfrentamento ao tráfico de pessoas, para promover a intersetorialidade das políticas;

V - articular e apoiar tecnicamente os comitês estaduais, distrital e munici-pais de enfrentamento ao tráfico de pessoas na definição de diretrizes comuns de atuação, na regulamentação e no cumprimento de suas atribuições;

VI - elaborar relatórios de suas atividades; e

VII - elaborar e aprovar seu regimento interno.

Os Comitês Estaduais de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas atuam como canais de diálogo entre a sociedade e os governos municipais e estaduais, visando a articular a abordagem multidimensional na gestão da rede local.

A intersetorialidade é fundamental no trabalho do Comitê, por atuar em rede, ou seja, com muitos parceiros/representantes das mais diversas áreas (poder público, setor privado e sociedade civil), visando as articulações plu-rais e democráticas, para a definição de prioridades e criação de uma agenda

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comum de ações no enfretamento ao tráfico de pessoas. O Comitê possibi-lita, ao trabalhar diretamente com o NETPs, a oportunidade de ampliar a rede, pois viabiliza o encontro de atores/parceiros importantes, realizando os encaminhamentos fundamentais para o atendimento às vítimas do tráfico.

dIfICuldAdes e desAfIosSegundo o último Relatório Global 2014 sobre o Tráfico de Pessoas, produ-zido pelo UNODC (relativo ao período de 2010-2012), a exploração sexual é a finalidade mais frequente (53%), seguida pelo trabalho escravo (40%), remoção de órgãos (0,3%) e outras situações (7%).

Mulheres (49%) e crianças (33%) são as principais vítimas. No caso de crian-ças, foi observado um acréscimo de 5% comparado ao período de 2007-2010. Os homens são maioria na função de perpetradores condenados (72%).

Também foi constatado aumento no número de tráfico para fins de explora-ção laboral. Nesse grupo, as mulheres correspondem a 35% das vítimas.

No caso do Brasil, ainda segundo o Relatório Global, no período de avaliação foram detectadas cerca de três mil pessoas em situação de exploração laboral. Em relação ao tráfico de pessoas para exploração sexual, o número subiu de 59 em 2010 para 145 em 2012. A maioria das vítimas, detectadas nas diversas formas de exploração, eram brasileiras, embora, também, tenham sido noti-ciadas a existência de vítimas peruanas e bolivianas em território nacional.

O Diagnóstico sobre o Tráfico de Pessoas nas Áreas de Fronteiras do Brasil mostra que pelo menos 475 pessoas, no período de 2005 a 2011, foram identificadas como vítimas do tráfico de pessoas. A maioria delas é de mulheres entre 18 e 29 anos e adolescentes. O maior índice de casos reportados tinha como fina-lidade a exploração sexual.

No entanto, a sistematização de dados sobre tráfico de pessoas, tanto no campo internacional, como no cenário nacional, ainda não reflete, de forma real, a gravidade e magnitude do fenômeno, encontrando dificuldades em diversos fatores, dentre os quais destacam-se:

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› Impropriedade dos sistemas de informação das instituições de segu-rança pública e justiça criminal;

› Ausência de atuação integrada e cooperação;

› Legislação inadequada;

› Impunidade;

› Subnotificação;

› Falta de conhecimento do conceito;

› Falta do reconhecimento da condição de vítima.

Apesar dos grandes avanços conquistados, em especial pelo Brasil, na última década, o enfretamento ao tráfico de pessoas, que constitui crime clandes-tino e invisível, ainda depende da superação das dificuldades apresentadas e da efetiva integração entre os diversos atores estratégicos para identificação e repressão ao crime, sem perder o enfoque na visão global do fenômeno e dos direitos violados.

Como denunCIArDisque Direitos Humanos – Disque 100 (Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República).

Central de Atendimento à Mulher – ligue 180 (Secretaria de Políticas para as Mulheres).

Contatos no exterior:Espanha: 900 990 055 (opção 1) Informe: 61-3799.0180;Portugal: 800 800 550 (opção 1) Informe: 61-3799.0180;Itália: 800 172 211 (opção 1) Informe: 61-3799.0180.

Divisão de Assistência Consular do Ministério das Relações Exteriores – os endereços dos Consulados e Embaixadas do Brasil no exterior podem ser encontrados no Portal Consular, acessível em http://www.portalconsu-lar.mre.gov.br/apoio/embaixadas-e-consulados.Secretaria de Inspeção do Trabalho (Ministério do Trabalho)

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para os casos de tráfico de pessoas com fim de exploração laboral: Ministério do Trabalho – Esplanada dos Ministérios Bloco F Anexo Ala B – 1º andar – sala 161 – CEP 70.059-900. Telefones (61) 3317-6433/6435 – fax (61) 3317-8268.

Coordenadoria Nacional do Grupo Especial de Fiscalização Móvel da Secretaria de Inspeção do Trabalho (MTE)Tem como função resgatar trabalhadores em situação análoga à de escravos por meio da realização de operações de fiscalização.Contatos: Telefones: (061) 3317 6174 / 3317 6273 / 3317 6692 / 3317 6719. Fax: (061) 3226 9353.E-mail: [email protected]: http://portal.mte.gov.br/trab_escravo/.Endereço: Esplanada dos Ministérios Bloco F Anexo Ala B – 1º andar, Gabinete, Brasília/DF - CEP: 70.059-900.

Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – CONA-TRAE (vinculada à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República).

Departamento de Polícia Federal - DPF Site: http://www.dpf.gov.br/servicos/fale-conosco/denuncias ou pelo email [email protected]

Defensoria Pública da UniãoTelefone: 55 61 3319-4364 ou pelos e-mails [email protected] (Assessoria Internacional) ou [email protected] (Secretaria-Geral de Articula-ção Institucional). Para contato com a DPU, acesse www.dpu.gov.br, início, endereços e telefones.

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REfERêNCIAS BIBlIoGRáfICAS

UNODC - ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA DRO-GAS E CRIME. Manual contra o tráfico de pessoas para profissionais do sistema de justiça penal. ONU, Nova York, 2009.

TERESI, Verônica Maria; HEALY, Claire. Guia de Referência para a Rede de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas no Brasil. Brasília. Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Justiça, Outubro/2012.

REPÓRTER BRASIL. Tráfico de Pessoas em Pauta. Guia para jornalistas com referências e informações sobre enfrentamento ao tráfico de pessoas. Repórter Brasil, UNODC, Secretaria Nacional de Justiça, Ministério da Justiça. São Paulo, 2014.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. SECRETARIA NACIONAL DE JUS-TIÇA. ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA DROGAS E CRIME. Pesquisa ENAFRON – Diagnóstico sobre Tráfico de Pessoas nas Áreas de Fronteira. Brasília, 2013.

MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. SECRETARIA NACIONAL DE JUS-TIÇA. ESCRITÓRIO DAS NAÇÕES UNIDAS CONTRA DROGAS E CRIME. Relatório Nacional Sobre o Tráfico de Pessoas: Dados de 2012. Brasília, 2014.

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ENFRENTAMENTO AO TRáFicO dE pEssOAs - Manual de orientação

Secretaria-Geral de Articulação Institucional

www.dpu.gov.br