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1 Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR Os processos de comunicação em um espetáculo de dança: HQ 1 Wagner Rosa 2 Patrícia Cristina Ramos Santana 3 Resumo: Este artigo tem como objetivo estudar, de forma sucinta, o espetáculo HQ, do grupo Ballezinho de Londrina 4 , a fim de apontar como se deu, naquela obra, a transposição da linguagem estática das Histórias em Quadrinhos para a linguagem cênica da dança, buscando identificar os processos de comunicação instaurados entre estes dois universos e o público receptor. Para tanto, utilizou-se como instrumento de análise a teoria da comunicação de Harold Lasswell e a perspectiva metodológica da Crítica Genética, que nos possibilita acessar o processo criativo do autor a partir dos registros e materiais produzidos. O espetáculo HQ possui uma proposta cuja temática é comunicar não somente por meio de uma reprodução mecânica das “historinhas” que caracterizam a linguagem de inspiração, mas transpor aquele universo para o contexto cênico, e, no percurso, prestar uma homenagem à própria história daquela arte, a seus principais autores e personagens. Em linhas gerais, pode-se dizer que o grupo Ballezinho de Londrina conseguiu realizar aquilo a que se propôs: a transposição das imagens estáticas impressas nas páginas das revistas para uma linguagem de movimentos cênicos, apropriando-se de recursos característicos da primeira linguagem e conduzindo o público a sentir-se dentro das páginas, e conhecer um pouco mais sobre o universo das HQs. Palavras-chave: Comunicação; Dança; HQ; Crítica Genética; Ballezinho de Londrina. Abstract: This article aims to study, succinctly, the spectacle HQ, from the ballet group Ballezinho de Londrina, with the intention to show how the transposition from the comic books static language to the scenic language of the dance happened, in that particular play, seeking to identify the communicational processes placed between this two universes and the audience. For such, Lasswell's model of communication, and the methodological perspective of the Genetic Criticism have been used as an analysis tool, which allow us to access the author's creative process, from the produced records and materials. The spectacle HQ has a proposal whose theme is to communicate not only through mechanical reproduction of the comic books, that characterize it's inspirational 1 Trabalho apresentado no GT 4- Abordagens Analíticas em Comunicação Visual, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI. 2 Professor colaborador na Faculdade de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem na Universidade Estadual de Londrina (UEL) [email protected] 3 Graduada no Curso de Comunicação Social Publicidade e Propaganda, da Faculdade Pitágoras, unidade Londrina. E-mail: [email protected] 4 O Ballezinho de Londrina é um núcleo de trabalho artístico surgido nos processos de formação profissional continuada em dança da Funcart Fundação Cultura Artística de Londrina. Foi formado com o objetivo de complementação da formação acadêmica e a ampliação de experiências de seus componentes. O grupo constitui uma instância intermediária entre as atividades essencialmente de formação, desenvolvidas pela Escola Municipal de Dança de Londrina e o trabalho de produção profissional do Balé de Londrina. A linguagem desenvolvida é fruto de longo e intenso trabalho na busca contínua em associar a dança clássica a novas possibilidades de arte em movimento, suas interconexões com o espaço e o som.

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Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI

24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR

Os processos de comunicação em um espetáculo de dança: HQ1

Wagner Rosa2

Patrícia Cristina Ramos Santana3

Resumo: Este artigo tem como objetivo estudar, de forma sucinta, o espetáculo HQ, do

grupo Ballezinho de Londrina4, a fim de apontar como se deu, naquela obra, a

transposição da linguagem estática das Histórias em Quadrinhos para a linguagem

cênica da dança, buscando identificar os processos de comunicação instaurados entre

estes dois universos e o público receptor. Para tanto, utilizou-se como instrumento de

análise a teoria da comunicação de Harold Lasswell e a perspectiva metodológica da

Crítica Genética, que nos possibilita acessar o processo criativo do autor a partir dos

registros e materiais produzidos. O espetáculo HQ possui uma proposta cuja temática é

comunicar não somente por meio de uma reprodução mecânica das “historinhas” que

caracterizam a linguagem de inspiração, mas transpor aquele universo para o contexto

cênico, e, no percurso, prestar uma homenagem à própria história daquela arte, a seus

principais autores e personagens. Em linhas gerais, pode-se dizer que o grupo

Ballezinho de Londrina conseguiu realizar aquilo a que se propôs: a transposição das

imagens estáticas impressas nas páginas das revistas para uma linguagem de

movimentos cênicos, apropriando-se de recursos característicos da primeira linguagem e

conduzindo o público a sentir-se dentro das páginas, e conhecer um pouco mais sobre o

universo das HQs.

Palavras-chave: Comunicação; Dança; HQ; Crítica Genética; Ballezinho de Londrina.

Abstract: This article aims to study, succinctly, the spectacle HQ, from the ballet group

Ballezinho de Londrina, with the intention to show how the transposition from the

comic books static language to the scenic language of the dance happened, in that

particular play, seeking to identify the communicational processes placed between this

two universes and the audience. For such, Lasswell's model of communication, and the

methodological perspective of the Genetic Criticism have been used as an analysis tool,

which allow us to access the author's creative process, from the produced records and

materials. The spectacle HQ has a proposal whose theme is to communicate not only

through mechanical reproduction of the comic books, that characterize it's inspirational

1 Trabalho apresentado no GT 4- Abordagens Analíticas em Comunicação Visual, do Encontro Nacional

de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI. 2Professor colaborador na Faculdade de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutorando no

Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem na Universidade Estadual de Londrina (UEL)

[email protected] 3 Graduada no Curso de Comunicação Social – Publicidade e Propaganda, da Faculdade Pitágoras, unidade Londrina.

E-mail: [email protected] 4 O Ballezinho de Londrina é um núcleo de trabalho artístico surgido nos processos de formação profissional

continuada em dança da Funcart – Fundação Cultura Artística de Londrina. Foi formado com o objetivo de

complementação da formação acadêmica e a ampliação de experiências de seus componentes. O grupo constitui uma

instância intermediária entre as atividades essencialmente de formação, desenvolvidas pela Escola Municipal de

Dança de Londrina e o trabalho de produção profissional do Balé de Londrina. A linguagem desenvolvida é fruto de

longo e intenso trabalho na busca contínua em associar a dança clássica a novas possibilidades de arte em

movimento, suas interconexões com o espaço e o som.

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language, but to transpose that universe into a scenic context, and throughout that

journey, pay homage to the history of comic books, it's main authors and characters. In

general lines it can be said that Ballezinho de Londrina managed to accomplish what it

had set: the transposition of the static images printed on the comic book pages into a

language of scenic movements, using things that are characteristic to comics while

making the audience feel like they are inside the pages of a comic book, getting them to

know a little more about the world of comics.

Keywords: Communication, Dance, HQ; Genetic Criticism; Ballezinho de Londrina.

Introdução

A dança é uma linguagem de natureza expressiva e comunicativa. Cada

movimento dos bailarinos/artistas em cena tem a potencialidade de se tornar um diálogo

no palco e, associada a outros elementos, tais como a música, figurinos, cenário etc., a

linguagem artística ali produzida tem a possibilidade de comunicar ao público uma

mensagem, seja no campo da cognição ou da emoção. Segundo Siqueira (2006, p.8)

“[...] o significado é construído com o público por intermédio de uma interação entre

sujeitos comunicativos, uma vez que grande parte das peças é de caráter abstrato, não

narrativo”.

Parte-se desta premissa para analisar os processos comunicativos

instaurados no espetáculo HQ, produzido pelo grupo Ballezinho de Londrina, cuja

temática é inspirada nas tradicionais histórias em quadrinhos.

HQ é uma forma de arte que conjuga texto e imagens com o objetivo de

narrar histórias dos mais variados gêneros e estilos. A ideia é homenagear

esta forma de expressão por meio de referências aos seus mais relevantes

personagens (e, consequentemente, seus artistas criadores). (YOUTUBE,

2013).

O espetáculo, concebido e dirigido por Wagner Rosa, foi construído (da

idealização à realização) ao longo de um período de aproximadamente um ano. A

estreia aconteceu no dia 8 de setembro de 2012, no Circo Teatro Funcart, com

reapresentações no Teatro

Zaqueu de Melo, em Londrina, e no Teatro Municipal de Paranavaí, no

mesmo ano, e, em 2013, com nova temporada no Circo Teatro Funcart.

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Tal espetáculo servirá como objeto de análise deste trabalho, a fim de

investigar, através de materiais produzidos para a construção dele, como se deu a

transposição da linguagem estática dos quadrinhos para a linguagem cênica da dança, e

os processos de comunicação instaurados entre estes dois universos e o público

receptor.

Comunicação

O campo da comunicação é uma área de estudo e de práticas

fundamentalmente transdisciplinar, que abarca metodologias, objetos e referenciais

teóricos organizados em diversos outros campos. A pluralidade de possibilidades

enriquece, ao mesmo tempo em que dificulta, a pesquisa: trata-se de uma área que

requer um olhar complexo, que busque enxergar o todo, sem deixar de tentar entender

cada parte que compõe o fenômeno comunicacional. (SIQUEIRA, 2006, p.3)

Dentro do panorama das correntes teóricas do pensamento da

comunicação, baseamos-nos na teoria de Harold Lasswell como norteador de nossas

proposições. Para fundamentar sua teoria, Lasswell apoia-se na Arte Retórica de

Aristóteles, a mais conhecida e citada caracterização do processo de comunicação. Para

esse filósofo grego, pelo recurso à “arte da palavra artificial”, comunicar significa

persuadir. Em tal processo, há uma “pessoa que fala”, que pronuncia o discuro (quem);

dizendo alguma coisa (o que); que se dirige a alguém que “a ouve” (a quem). Este é,

portanto, o paradigma clássico da Comunicação. (POLISTCHUK; TRINTA, 2003,

p.88).

A “comunicação das ideias” proposta por Lasswell é concebida a partir

de sua pretensão em determinar a “estrutura e a função da Comunicação na sociedade”.

Para tal, retomou e expandiu o modelo retórico de Aristóteles. Se o filósofo grego havia

identificado o quem, o o quê e o a quem, a Lasswell coube acrescentar o por que meio

(como) e o com que efeitos (para quê). O ato de comunicação passou, assim, a ser

descrito como uma sequência interrogativa: Quem diz o quê, por que meio, a quem e

com que efeitos?

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Apesar de o contexto teórico em que Lasswell se situava ser definido

pelo ímpeto da comunicação política e da comunicação publicitária, essa teoria é

possível de ser aplicada em nossa pesquisa por centrar-se em uma ou outra das

perguntas pressupostas pelo modelo teórico. Estudar o quem é ocupar-se do

comunicador e das circunstâncias em que ele dá a partida e dirige tal processo – o que

se aplica à busca pela resposta dos nossos objetivos neste trabalho.

Crítica Genética

Tendo seu início com os manuscritos literários, e rapidamente ampliando

suas fronteiras para as mais distintas linguagens artísticas, a Crítica Genética estuda o

percurso criativo do artista, fazendo um processo de desmontagem e remontagem da

obra, observando materiais utilizados, ou não, ao longo do percurso. Tal processo apoia-

se no manuscrito – termo inicialmente empregado nos estudos literários para definir o

material não-publicado, composto por rascunhos, anotações, observações, diários,

mostra de materiais etc.

De acordo com Salles (1992, p.26), a Crítica Genética refaz, com o

material que possui, as etapas sucessivas da gênese de uma obra e os mecanismos que a

sustentam, tratando-se, portanto, de uma abordagem objetiva e científica do material

analisado, com a intenção de reconstituir e compreender o processo de sua construção.

O crítico genético busca, assim, dimensionar as “peças do quebra-

cabeça” e investigar os possíveis motivos que levaram o autor a utilizá-las ou não,

desvendando as pistas deixadas e tentando compreender a essência da obra. É sua

função, também, perceber os obstáculos enfrentados pelo autor/criador e os critérios que

regeram suas opções.

Salles (1992) postula que:

A Crítica Genética procura, portanto, compreender e explicar a ação, já que

convive com a continuidade e duração da gênese: planos, dúvidas, anotações,

idéias tomando corpo, sentenças se modificando, textos se formando,

angústias e prazeres. [...] as peças do mecanismo em ação, podem ser

isoladas para efeito de análise, mas devem ser colocadas de volta no

movimento da criação para que o pesquisador seja fiel a essa marcante

característica de seu objeto de estudo. Em outras palavras, ao separar este ou

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aquele elemento, não se pode perder a noção do movimento do todo em que

ele se insere. (SALLES, 1992, p. 37-38).

Para a realização dos estudos em Crítica Genética e, principalmente, sua

validação enquanto ciência, Salles (1992) aponta um percurso metodológico mais ou

menos estável, variável em função da diversidade de linguagens artísticas passíveis de

estudo e da infinita possibilidade de emprego dessas linguagens; além das

características únicas dos artistas/criadores com suas particularidades e idiossincrasias

que os distinguem entre si.

Para que possa realizar o trabalho com eficiência, é fundamental o

pesquisador tornar-se, minimamente, proficiente nas linguagens artísticas empregadas

para a construção da obra a ser analisada. Em seguida, deve realizar uma rigorosa coleta

e organização dos materiais utilizados na construção do objeto artístico. A essa

organização crítica dos documentos dá-se o nome de Prototexto, que é, por assim dizer,

“a reconstituição do que precedeu um texto, estabelecida por um crítico com a ajuda de

um método científico”. (NOEL apud SALLES 1992, p. 53). Salienta-se que a natureza

do Prototexto, diferentemente da simples organização dos materiais, trata-se de

estabelecer e, principalmente, explorar tais materiais em um processo analítico e

interpretativo.

Estando de posse desse material, o geneticista se expõe a um labirinto

criativo e o observa. O próprio manuscrito serve de norteador para as possíveis

interpretações que dele serão feitas. O pesquisador lida com a busca por compreensão

da materialização do processo ao analisar os passos concretos que o artista deu em

direção à sua obra. Desse modo, a Crítica Genética oferece a possibilidade de se fazer

uma investigação de caráter indutivo sobre o processo de criação.

Deve-se buscar, finalmente, por meio do confronto entre determinado

fragmento e a obra acabada, o diálogo do autor com sua obra. Este ir e vir constante

possibilita ao pesquisador produzir reflexões acerca do funcionamento daquele

mecanismo criativo e reconstruir seus possíveis caminhos sem perder o foco da

trajetória do artista. Estabelecer deduções acerca dos fatos que a constituíram através de

um processo indutivo conduzido pela materialidade das pistas deixadas.

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Esta metodologia será aplicada na análise do espetáculo HQ do

Ballezinho de Londrina a fim de entender como de deu a comunicação através do

processo criativo.

A Linguagem das Histórias em Quadrinhos

As Histórias em Quadrinhos se configuram como imagens pictóricas e

outros tipos imagéticos justapostos em sequência deliberada. (McCLOUD, 2002). Para

além das ilustrações, temos, nesta linguagem, distintas “imagens” presentes, tal como a

verbal, que assume um caráter pictórico, neste ambiente. A justaposição se dá pela sua

característica sequencial: não se trata apenas de uma colagem de linguagens – na

verdade, as relações de sinergia entre estas várias linguagens é que se torna, na

linguagem das Histórias em Quadrinhos, mais importante do que as próprias linguagens

originais em si. Neste sentido, podemos afirmar que as Histórias em Quadrinhos são um

importante veículo de integração de múltiplos recursos comunicativos, revelando grande

potencial expressivo e possibilitando a construção de diversas narrativas (OLIVEIRA,

2012).

Fazendo uso de recursos como o desenho, as linhas, as cores, o texto etc.,

as Histórias em Quadrinhos conseguem extrapolar o papel, garantindo assim a

elaboração das narrativas. Nelas, a utilização do espaço é um importante recurso para

sua composição. Constroem-se em sequência, com os quadros ocupando espaços

diferentes no papel. A transição entre os quadros se revela fator decisivo para garantir a

composição da narrativa. Essa transição pode se dar de várias maneiras, desde uma

representação de cada pequena mudança nas cenas, ou nos movimentos, até longas

alterações de tempo, espaço, aspecto, ideias e sentidos. Cada escolha na forma de

apresentar o transcorrer dos quadros resultará em efeitos diferentes. Para gerar efeito de

sentido, não apresenta todos os enquadramentos num fluxo contínuo, mas revela, em

poucos elementos, o essencial para que o leitor, por meio de sua imaginação, complete

os quadros.

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Outro recurso utilizado nesta linguagem, e que contribui para sua

eficiência comunicativa, é a forma dos quadros. (OLIVEIRA, 2012). De acordo com

McCloud (2002), ao revelar-se como um indicador da divisão do tempo e do espaço, o

quadro (vinheta) é o ícone de maior relevância. Ao mover os olhos pelo espaço da

página, o leitor tem a sensação de se mover no tempo. A forma dos quadros - ou até a

ausência destes - influenciará a experiência da leitura. Dentre muitas possibilidades

interpretativas podemos citar, a título de exemplo, um quadro sem contorno, que pode

dar mais leveza ou agilidade à leitura, enquanto uma imagem que extrapola os espaços

pode intensificar a dramaticidade de uma cena (OLIVEIRA, 2012).

Dos Quadrinhos à Cena: os processos de comunicação em HQ

Figura 1 - Banner de apresentação HQ

Fonte: Acervo pessoal do diretor

Sob a direção de Wagner Rosa, o espetáculo HQ foi produzido pelo

grupo Ballezinho de Londrina, no ano de 2012, com o intuito de trazer as páginas dos

quadrinhos para o contexto de um espetáculo de dança, de forma a comunicar, não só

por meio de uma reprodução mecânica das “historinhas” da linguagem de inspiração,

mas buscando transpor aquela para o contexto cênico, e, no percurso, prestar uma

homenagem à própria história das Histórias em Quadrinhos e a seus principais autores e

personagens.

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Considerando-se a teoria de Laswell, percebemos que o Ballezinho de

Londrina produz efeitos de comunicação ao público por meio de uma transposição de

linguagens. Há, em nosso entender, uma “transmutação de formas” que possibilita o

reconhecimento, por parte do público, dos ícones da primeira linguagem subsidiando a

temática da segunda, além da referência que se faz aos autores, as suas personagens e

aos gêneros oriundos da primeira. Situa também a plateia em relação aos possíveis

leitores das Histórias em Quadrinhos, transformados em artistas em cena, que são,

também, transmutados de leitores para autores (construtores) e personagens em cena.

Ao chegar ao Teatro, o público passa a ter uma aproximação com a

temática do espetáculo por meio de uma exposição de banners como mostram as figuras

2 e 3, os quais contam as partes da história das Histórias em Quadrinhos tal como

utilizados no espetáculo, subdivididas por gêneros. Esta primeira aproximação situa o

espectador acerca da temática e do contexto que envolvem o espetáculo que verão a

seguir.

Figura 2 – Gêneros da história em quadrinhos

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor

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Figura 3 – Outros banners que faziam parte da “recepção” dos espectadores do espetáculo.

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor

Num segundo momento, ao se acomodar nas poltronas, o público é

conduzido a uma “imersão” num ambiente que, mais uma vez, busca aproximar o

espectador da linguagem dos quadrinhos, ao ser colocado em contato com cartazes cujas

escritas são onomatopeias características desta linguagem. (Figuras 4 e 5).

Figura 4 - Banners com onomatopeias.

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor

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Figura 5 – Outros banners com onomatopeias.

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor

Ao se iniciar o espetáculo propriamente dito, há a projeção de um vídeo

que mostra os principais quadrinistas da História das HQs. Autores e personagens

surgem na tela em ordem cronológica, a partir das origens desta linguagem até os dias

atuais. Na sequência, os atores/bailarinos figuram o que podemos associar a “leitores”

de HQs (Figura 6), em gestuais que remetem a “posições físicas” e aspectos

idiossincráticos de relacionamento do homem com a HQ.

Figura 6 – Leitores

Autor: desconhecido. Fonte: Acervo pessoal do diretor

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Na sequência, os artistas/bailarinos assumem, também, a condição de

“construtores” de Histórias em Quadrinhos ao vivo, movimentando objetos em cena

como se a estivessem desenhando. Como consequência, há uma perceptível

transformação em que a linguagem estática das páginas vai sendo materializada, em

cena, em HQs vivas (Figura 7), por meio de uma ressignificação iconográfica

relacionada à temática, e, principalmente aos gêneros que a constituem no espetáculo:

infantil, aventura, heróis, super-heróis e mangás, além das principais personagens que

transitam por cada um desses.

Figura 7 - Personagens

Autor: Valéria Felix. Fonte: Acervo pessoal do diretor.

Para tanto, percebemos um amplo uso de recursos iconográficos

relacionados à forma: biombos (Figuras 8 a 12) e elásticos (Figura 13), fazem as vezes

dos quadrinhos, suas calhas e bordas, com o aspecto dos quadrados e retângulos que

constituem a linguagem das HQS.

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Figura 8 – Esboço da cena 1.

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor

Figura 9 – Esboço da cena 3.

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor.

Figura 10 - Esboço da cena 6.

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor.

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Figura 11 – Esboço da cena 7.

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor.

Figura 12 – Esboço da cena final.

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor.

Figura 13 - Quadrinhos em cena, produzidos por biombos e elásticos.

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor.

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Notoriamente há também, como recurso, o uso da imagem congelada,

que sugere uma transposição de tempo e espaço como mostra a figura 14, característica

da linguagem estática dos quadrinhos e que, em cena, comunicava de forma coesa a

situação cênica e sua fonte/origem.

Figura 14 - Sequência de imagens estáticas mimetizando a linguagem das Histórias em

Quadrinhos.

Autor: Wagner Rosa. Fonte: Acervo pessoal do diretor.

Outras características que acentuadamente contribuíram para a

transposição entre as linguagens foram os figurinos e acessórios desenvolvidos para o

espetáculo (Figuras 15, 16, 17 e 18). Na busca de uma representação clara, foi realizada

uma pesquisa a fim de se identificar ícones representativos dos gêneros dos quadrinhos,

buscando as principais características de cada um.

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Figura 16 - Gênero Aventura.

Fonte: Acervo pessoal do diretor

Figura 15 - Personagens infantis

Fonte: Acervo pessoal do diretor

Figura 18 – Super-Heróis.

Fonte: Acervo pessoal do diretor.

Figura 17 - Gênero Mangá

Fonte: Acervo pessoal do diretor.

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Juntamente com os figurinos e acessórios, as coreografias foram

desenvolvidas através do estudo do gestual das personagens das HQs, buscando

identificar, a partir de imagens estáticas, características que permitissem reproduzir os

trejeitos de cada uma delas, e manifestar cenicamente formas de se movimentar e

comunicar que caracterizassem efetivamente cada um dos personagens trazidos à cena.

Também a iluminação serviu de suporte para tornar o espetáculo mais

comunicativo, pensada e executada de forma a contribuir para criar atmosferas que

complementavam os aspectos cenográficos desejados, e direcionando, inclusive, o olhar

do público para aquilo que efetivamente se desejava comunicar a cada instante do

espetáculo, conduzindo-o a captar exatamente, a cada cena, a mensagem que se

desejava passar.

A trilha sonora, em HQ, também foi utilizada de forma a complementar

os aspectos comunicativos da cena. Cada sequência musical se encaixava rítmica e

melodicamente às características emocionais propostas para cada cena. Desta forma o

público, além da recepção visual, mantinha-se imerso ao universo lúdico proposto. Por

vezes, a trilha constituía um cenário sonoro, além de conduzir o ritmo do espetáculo

como um todo, por meio da sucessão de sons e silêncios que conduziam os bailarinos

em cena.

Considerações Finais

Estabelecer deduções acerca dos fatos que constituíram o espetáculo

através de um processo indutivo conduzido pela materialidade das pistas deixadas – esta

é uma das premissas básicas da Crítica Genética, na qual nos inspiramos para a

elaboração do presente texto. Esse esforço só foi possível em razão da coleta de

materiais, que nos permitiram reconstituir, mesmo que minimamente, os passos

criativos realizados pelo grupo, com o intuito de homenagear uma forma de arte e

expressão por meio de outra, ou seja, pela transposição de linguagens artísticas.

Materiais outros poderiam ter sido aqui analisados, entretanto, os limites de espaço e

tempo nos impelem a focar nos elementos apresentados.

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Considerando Lasswell e sua teoria, pode-se dizer que o grupo

Ballezinho de Londrina conseguiu fazer aquilo a que se propôs: a transposição das

imagens estáticas impressas nas páginas das Histórias em Quadrinhos para uma

linguagem de movimentos cênicos, característica essencial da Dança, apropriando-se de

recursos característicos da primeira linguagem e conduzindo o público a sentir-se dentro

das páginas, e a conhecer um pouco mais sobre o universo das HQs.

Referências bibliográficas

McCLOUD, Scott. Desvendando Quadrinhos. São Paulo: M. Books, 2ª ed., 2002.

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