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Enciclopédia VERBO das Literaturas de Língua Portuguesa 3 VERBO

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Page 1: Enciclopédia - Estudo Geral · auctores com a lição dos Padres da Igre- ja; Camões, em ••Sôbolos rios», concebe a resolução do dissídio que o atormenta mediante a ascensão

EnciclopédiaVERBO

das Literaturasde Língua Portuguesa

3

VERBO

Page 2: Enciclopédia - Estudo Geral · auctores com a lição dos Padres da Igre- ja; Camões, em ••Sôbolos rios», concebe a resolução do dissídio que o atormenta mediante a ascensão

Edição realizadasob o patrocinio da

SOCIEDADE CIENTÍFICADA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA

Direcçãojosz AUGUSTO CARDOSO BERNARDES

(da Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra)

ANÍBAL PINTO DE CASTRO(da Faculdade de Letras - Universidade de Coimbra)

MARIA DE LOURDES A. FERRAZ(da Faculdade de Letras - Universidade Clássica de Lisboa)

GLADSTONE CHAVES DE MELO(da Faculdade de Letras - Universidade Federal do Rio de Janeiro)

MARIA APARECIDA RIBEIRO(da Faculdade de Letras - Universidade de Coiinbra)

Secretaria-Geral

A cargo doDepartamento de Enciclopédias da Editorial Verbo

sob a direcção de João Bigotte Chorão

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NEOPLATONISMODa essência dinâmica do pensamento

de PIatão decorreu o desígnio de renovara sua filosofia, que encontrou os primei-ros representantes de relevo na cidade deAlexandria (a partir do séc. IV a. C.),apostados na sua integração sincréticacom diversas componentes da filosofiaantiga e com experiências religiosas pa-gãs, orientais, judias e cristãs. Se esta éuma das mais conhecidas vertentes doneoplatonismo, ela não é, porém, a úni-ca. Durante a Idade Média, a influênciade Platâo reflecte-se vivamente na dou-trina dos Padres da Igreja, em especialem Sto. Agostinho. No séc. xv, por suavez, o círculo de intelectuais que se reú-ne em torno da corte dos Mediei operauma leitura dos textos de PIa tão e dosneoplatónicos à luz dos novos ideais re-nascentistas. Marsilio Ficino traduziu asobras de Platão, os escritos herméticos,Plotino, Porfírio, Atenágoras, Iâmblico,Proclo e os hinos órficos. E ainda hojenão é possível interpretar profundamen-te Bergson ou Heidegger à margem dçpensamento do fundador da academia. Eem função desta fecundidade que melhorpodemos compreender gue, apesar de o

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N. ser uma corrente do pensamento filo-sófico, a sua intersecção com códigos li-terários de valor epocal tenha assumidotão vastas repercussões, em todas as lite-raturas. Bem o ilustra o caso português.

Na Baixa Idade Média, o ideário deSanto Agostinho e de S. Jerónimo, as-sociado ao pensamento cisterciense deBernardo de Claraval, são largamentedivulgados nas escolas episcopais econventuais, sendo também estudadosem vários scriptoria, com relevo paraSanta Cruz de Coimbra e Alcobaça. Te-ria sido no ambiente deste mosteiro queforam escritos, por mão anónima, entrefinais do séc. XIV e inícios do séc. xv,O Bosco Deleitoso e O Orto do Esposo,dois tratados onde visio e exempla sãocolocados ao serviço da apologia de umespirirualismo místico.

Mas o vasto impacto de que o pensa-mento neoplatónico desfrutará, no pa-norama das letras do séc. XVI, tanto noâmbito da tratadística como no do liris-mo amoroso, parece ser já prenunciadoquer pela citação do Fédon, na Tragediade la muy insigne reyna Dona Isabel, deD. Pedro, o Condestável, que é feita emfunção de pressupostos que se aproxi-mam da vertente socrática, quer pela de-fesa da prevalência do "querer grande»sobre o desejo levado a cabo pelo condedo Virnioso, numa composição recolhidano Cancioneiro Geral. Aliás, a teoria daimitação, pedra basilar de todo o labordo escritor quinhentista, ao incidir sobrea relação entre modelo e cópia, decorrede fundamentos epistemológicos de teorneoplatónico. E neste âmbito que se in-sere a questão do horacianismo. Mas re-cordem-se, além disso, os reflexos desseprincípio noutros campos artísticos, comrelevo para a teoria estética exposta porFrancisco de Holanda, a partir da cate-goria de ideia, no Tratado da PinturaAntiga.

A assinatura de um Diogo Brandão(quiçá o colaborador no Cancioneiro deGarcia de Resende) aposta ao exemplardas Epístolas de Ficino (Nuremberga,1497) que se encontra guardado na Bi-blioteca Municipal do Porto, ou a marcade posse de Álvaro Gomes que figura natradução ficiniana dos Platonis opera(Paris, 1518) conservados na Biblioteca

Geral da Universidade de Coimbra, su-gerem o interesse dispensado pelos inte-lectuais portugueses da época ao alterPlato florentino. João de Barros, na Ro-pica pnefma, e Belchior Belago e HilárioMoreira, nas suas orações de sapiência,mostram-se familiarizados com os seusescritos. Se Frei António de Beja, aocondenar a astrologia, no tratado Contraos Juízos dos Astrólogos, segue largospassos de um outro famoso expoente doN. florentino, Pico della Mirandola, Ál-varo Gomes, no Tratado da Perfeição daAlma, mostra-se crítico relativamente aFicino, em virtude da forma como co-nhece a magia e o domínio do oculto.O que não o impede de, em muitos ou-tros passos, invocar a sua autoridade, fa-zendo prevalecer a opinião de Pia tão so-bre a de Aristóteles. Na verdade, aolongo deste século o N. exerceu, directaou indirectamente, vastíssima influênciasobre uma produção em prosa que de-senvolveu temas e abrangeu géneros lite-rários muito diversificados, tendo pordenominador comum o propósito deconciliar o pensamento neoplatónicocom a doutrina católica. Assim se com-preende o interesse suscitado pela activi-dade da academia florentina.

Por sua vez, Camões teria conhecidonão só a teoria acerca do amor elaboradapor Marsilio Ficino como também os es-critos de Plotino, divulgados através datradução do alter Plato. Na ode VI, oamor é apresentado como um desejo in-tenso que se manifesta no plano da em-píria, susceptível, porém, de ser canaliza-do em sentido perfectivo. Neste âmbito,Pero de Andrade Caminha confere parti-cular importância à percepção visual, emconformidade com a teorização amorosaconsignada pelos tratados de Bembo,Castiglione e Leão Hebreu. A difusãodo N. amoroso, que anda intimamenteassociada ao /'petrarquismo, teria impli-cado exageros tais que Camões, no Filo-demo, ironiza a propósito do confrontoentre os apologistas do amor «pela passi-va» e aqueles que defendem, pelo con-trário, o amor "pela activa».

Apesar de, ao longo desta centúria, osreflexos literários do N. manterem ínti-mas relações com o plano religioso (An-tónio Ferreira concilia o exemplo dos

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auctores com a lição dos Padres da Igre-ja; Camões, em ••Sôbolos rios», concebea resolução do dissídio que o atormentamediante a ascensão até ao divino), entrefinais do séc. XVI e inícios do séc. XVII aassociação dessa corrente de pensamentoà doutrina cristã irá dar lugar a um des-tacado filão da poesia rnaneirista consa-grado ao divino. Assinalem-se, no planoda prosa, os tratados de Frei AmadorArrais e de Frei Heitor Pinto.

No séc. XvII, o grande prestígio deque goza a obra de Aristóteles tem porcontraponto o menor interesse dispensa-do ao pensamento neoplatónico, o qual,todavia, continua a ser associado a certosdomínios da expressão amorosa e da teo-ria pedagógica. No Romantismo, esseideário voltará a ser alvo de uma renova-da atenção, à luz de um sincrecismo emcujo âmbito avultam componentes deordem idealista. Quando, em finais doséc. XIX, Antero de Quental escreve umdos mais vigorosos ensaios filosóficosconcebido por um escritor português, oEnsaio sobre as Tendências Gerais da Fi-losofia na Última Metade do Sécu-lo XIX, o problema da criação será jácolocado em correlação com o dinamis-mo do ser em potência, a partir de umaperspectiva antropocêntrica. Os últimospoemas de Antero serão inspirados poresta doutrina.

Entre finais do séc. XIX e inícios do se-guinte, o N. deixa marcas indeléveis naprodução de decadentistas e simbolistas,para se projectar sobre muitos aspectosda actividade literária do séc. xx. Valhampor todos os nomes de Teixeira de Pas-coaes e de Fernando Pessoa. Do primei-ro, que recebeu grandes estímulos deAntero, recorde-se a dualidade entre avida, na sua interioridade dinâmica, euma exterioridade imposta pelo conven-cionalismo social. Do segundo, o contra-ponto irresoluto entre realidade e ficção,emblematizado pela heteronímia, e quelevará o poeta, dos caminhos da teosofiae do misticismo, até ao messianismo.BIBLIOGRAFIA: A. Moreira de Sá, «Introduçâo»a Álvaro Gomes, Tratado de Perfeição da Alma,Univ. de Coimbra, 1947; Mário Martins, Correntesda Filosofia Religiosa em Braga dos Sêa. IV a VII,Braga, 1950; G. M. Cruz Pontes, Estudo para UmaEdição Crítica do Livro da Corte Emperial, Univ.de Coimbra, 1957; Edward Glaser, «Introducciôn»:Fray Héctor Pinto, Imagen de la vida cristiana, ed.

e notas de E. G. Barcelona, Juan Flores, 1967; Ma-nuel Antunes, .0 platonismo de Fernando Pes-soa», in Grandes Contemporâneos, Lx., 1973;A. Llinares, .Platon et Arisrore dans les dialoguesde Heitor Pintos, in Ades du XVI colloque interna-tional de Tours, Paris, 1976; José V. de Pina Mar-rins, Humanisme et Renaissance de l'Italie au Por-tugal. Les deux regards de Janus, 2 vols., Lx., Paris,1989; Rira Mamoto, O Petrarquismo Português doRenascimento e do Maneinsmo, Univ. de Coimbra,1997.

Rita M arnoto