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ENADE COMENTADO - DIREITO 2012

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COMENTADO

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CONSELHO ADMINISTRATIVO

David Medina da Silva – Presidente

Cesar Luis de Araújo Faccioli – Vice-Presidente

Fábio Roque Sbardellotto – Secretário

Alexandre Lipp João – Representante do Corpo Docente

DIREÇÃO DA FACULDADE DE DIREITO

Fábio Roque Sbardellotto

COORDENADOR DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

Luis Augusto Stumpf Luz

CONSELHO EDITORIAL

Anizio Pires Gavião Filho

Fábio Roque Sbardellotto

Guilherme Tanger Jardim

Luis Augusto Stumpf Luz

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COMENTADO

PORTO ALEGRE, 2015

MAURÍCIO MARTINS REISORGANIZADOR

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© 2015 - FMP

CAPA Joni Marcos Fagundes da Silva

DIAGRAMAÇÃO Evangraf

REVISÃO DE TEXTO Evangraf

RESPONSABILIDADE TÉCNICA Patricia B. Moura Santos

Fundação Escola Superior do Ministério Público Inscrição Estadual: Isento

Rua Cel. Genuíno, 421 - 6º, 7º, 8º e 12º andares Porto Alegre - RS- CEP 90010-350

Fone/Fax (51) 3027-6565 E-mail: [email protected]

Web site: www.fmp.edu.br

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

© FMP 2015 CAPA Joni Marcos Fagundes da Silva DIAGRAMAÇÃO Evangraf REVISÃO DE TEXTO Evangraf RESPONSÁBILIDADE TÉCNICA Patricia B. Moura Santos

Fundação Escola Superior do Ministério Público Inscrição Estadual: Isento Rua Cel. Genuíno, 421 - 6º, 7º, 8º e 12º andares Porto Alegre - RS- CEP 90010-350 Fone/Fax (51) 3027-6565 E-mail: [email protected] Web site: www.fmp.edu.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

CIP-Brasil. Catalogação na fonte

Bibliotecária Responsável: Patricia B. Moura Santos – CRB 10/1914

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas

gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código

Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

E56 ENADE comentado : Direito 2012 [recurso eletrônico] / Maurício Martins Reis,

organizador. – Dados eletrônicos – Porto Alegre: FMP, 2015. ??? p.

Modo de acesso: <http://www.fmp.com.br/publicacoes> ISBN 978-85-69568-01-8

1. Educação Superior. 2. Questões Comentadas – Prova. 3. ENADE. I.

Reis, Maurício Martins. II. Título CDU: 378

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO .......................................................................... 7

QUESTÃO 2Daniela Oliveira Pires .................................................................. 9

QUESTÃO 3Daniel Martini ........................................................................... 14

QUESTÃO 4Maurício Martins Reis ............................................................... 20

QUESTÃO 5Plauto Faraco de Azevedo ......................................................... 24

QUESTÃO 6Francisco José Borges Motta .................................................... 28

QUESTÃO 7Daniel Martini ........................................................................... 32

QUESTÃO 8Yuri Schneider ........................................................................... 39

QUESTÃO 9Eduardo Carrion ........................................................................ 41

QUESTÃO 10Mauricio Martins Reis ............................................................... 46

QUESTÃO 11Antonio Carlos Nedel ................................................................ 50

QUESTÃO 12Daisson Flach e Fernando Monti Chrusciel ............................... 53

QUESTÃO 13Plínio Melgaré ........................................................................... 63

QUESTÃO 14Mauricio Martins Reis ............................................................... 70

QUESTÃO 15Rafael Maffini ............................................................................ 76

QUESTÃO 16Daisson Flach e Fernando Monti Chrusciel ............................... 83

QUESTÃO 17José Tadeu Neves Xavier ........................................................... 89

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QUESTÃO 18José Antonio Reich .................................................................... 95

QUESTÃO 19Liane Maria Busnello Thomé ................................................... 99

QUESTÃO 20Professor Luiz Fernando Calil de Freitas ................................. 103

QUESTÃO 21Norberto Flach ........................................................................ 109

QUESTÃO 22Cristina Pasqual ....................................................................... 113

QUESTÃO 23Guilherme Tanger Jardim ........................................................ 116

QUESTÃO 24Fabrícia Dreyer ........................................................................ 124

QUESTÃO 25Eduardo Carrion ...................................................................... 127

QUESTÃO 26José Tadeu Neves Xavier ......................................................... 130

QUESTÃO 27Alexandre Lipp João ................................................................ 135

QUESTÃO 28Valdete Severo ........................................................................ 139

QUESTÃO 29Gustavo Masina ...................................................................... 143

QUESTÃO 30José Tadeu Neves Xavier ......................................................... 148

QUESTÃO 31Cristina Pasqual ....................................................................... 149

QUESTÃO 32Gilberto Thums ....................................................................... 152

QUESTÃO 33Mauro Fonseca Andrade ......................................................... 166

QUESTÃO 34Professor Luiz Fernando Calil de Freitas ................................. 174

QUESTÃO 35Gilberto Thums ....................................................................... 179

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Apresentação

A Faculdade de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público resolve, de forma pioneira, publicar os comentários às questões de Direito encartadas no último certame do ENADE, Exame Nacional de Desempenho de Estudantes.

Nossos professores se encarregaram de não apenas explicar o gaba-rito de cada uma das perguntas formuladas na prova de 2012, senão de contemplar um contexto analítico de maneira a situar o estudante no ho-rizonte do conjunto de habilidades para a resolução do problema. Bem se explica, então, o aspecto inovador da presente obra, na medida em que cada docente, além de ter elaborado uma mais abrangente maneira de encarar o questionamento particular do exame, conferiu indicações bi-bliográficas acerca do tema correlato, com o que se corrobora a nota não apenas instrumental de nosso volume, senão a índole formativo-pedagó-gica do tomo. Mais um sinal a legitimar essa meta consiste nos comen-tários às questões de conhecimentos gerais, isto é, o livro aqui ultimado não apenas se debruçou sobre as questões estritamente de direito.

Acrescenta-se que a característica mais marcante do ensino contem-porâneo tem sido a competência em desbravar a tensão de complexi-dade transdisciplinar e interpretativa com os desafios de múltiplas or-dens. E, nesse complexo contexto social que dificulta o aprimoramento das instâncias da hermenêutica, há um sopro de esperança quando os estudantes, para realizarem a sua formação universitária, submetem-se a expedientes avaliativos na esteira do ENADE. Um Brasil melhor virá à me-dida que futuros profissionais – entre eles, os juristas – não se furtem de explorar com curiosidade e reflexão os meandros das épocas vindouras. Imbuídos de atino ético e na esteira dessa salutar competitividade em

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prol dos mais engajados do ponto de vista reflexivo é que se espera um cenário bem mais otimista para os próximos anos. Espera-se, assim, que a publicação ora ensejada contribua nessa perspectiva. Porque a justiça e a democracia não se bastam com leis perfeitas, senão com cidadãos partícipes integrados no sentido de um mundo melhor.

Maurício Martins Reis

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Daniela Oliveira Pires

A globalização é o estágio supremo da internacionalização. O pro-cesso de intercâmbio entre países, que marcou o desenvolvimento do capitalismo desde o período mercantil dos séculos 17 e 18, expande-se com a industrialização, ganha novas bases com a grande indústria nos fins do século 19 e, agora, adquire mais intensidade, mais amplitude e novas feições. O mundo inteiro torna-se envolvido em todo tipo de troca: técnica, comercial, financeira e cultural. A produção e a informa-ção globalizadas permitem a emergência de lucro em escala mundial, buscado pelas firmas globais, que constituem o verdadeiro motor da atividade econômica. SANTOS, M. O país distorcido. São Paulo: Publifo-lha, 2002 (adaptado).

No estágio atual do processo de globalização, pautado na integração dos mercados e na competitividade em escala mundial, as crises econô-micas deixaram de ser problemas locais e passaram a afligir praticamente todo o mundo. A crise recente, iniciada em 2008, é um dos exemplos mais significativos da conexão e interligação entre os países, suas econo-mias, políticas e cidadãos.

Considerando esse contexto, avalie as seguintes asserções e a rela-ção proposta entre elas.

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I. O processo de desregulação dos mercados financeiros norte-ame-ricano e europeu levou à formação de uma bolha de empréstimos especulativos e imobiliários, a qual, ao estourar em 2008, acarre-tou um efeito dominó de quebras nos mercados.

PORQUE

II. As políticas neoliberais marcam o enfraquecimento e a dissolução do poder dos Estados nacionais, bem como asseguram poder aos aglomerados financeiros que não atuam nos limites geográficos dos países de origem. A respeito dessas asserções, assinale a op-ção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justifi-cativa da I.

B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.

C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposi-ção falsa.

D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição ver-dadeira.

E) As asserções I e II são proposições falsas.

Comentários

O sistema capitalista vivencia períodos de crises cíclicas. Como exem-plo, podemos citar a crise do final dos anos de 1970, que produziu muitas transformações nas estruturas produtivas, gerando consequências para a relação Estado-sociedade, tanto no Brasil como em outros países. Tais consequências ocorrem em sentido oposto ao da elaboração das polí-ticas sociais e do controle social sob as mesmas, pois, diferentemente dos países que vivenciaram o Estado de bem-estar social, ou o chamado

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Welfare State, o Brasil não coexistiu com essa forma estatal. Podemos afirmar que, no Brasil, vivenciamos a experiência de um Estado desen-volvimentista. Segundo Roberto Bianchetti: “Entre nós, como lembra Ga-leano, conhecemos o Estado de mal-estar social” (BIANCHETTI, 1999, p. 10). No Brasil não houve propriamente a materialização de um modelo de bem-estar social, na sua acepção, e, sim, apenas um tímido avanço no campo de algumas garantias e da legitimação de alguns direitos conside-rados como básicos, dentre eles, a saúde e a educação. Nesse sentido, afirma David Harvey:

Devem-se acrescentar todos os insatisfeitos do Terceiro Mundo com um processo de modernização que prometia desenvolvimen-to, emancipação das necessidades e plena integração ao fordismo, mas que, na prática, promovia a destruição de culturas locais, mui-ta opressão e numerosas formas de domínio capitalista em troca de ganhos bastante pífios em termos de padrão de vida e de ser-viços públicos (por exemplo, no campo da saúde), a não ser para uma elite nacional muito afluente que decidira colaborar ativa-

mente com o capital internacional (HARVEY, 1989, p. 133).

Os primeiros sinais da crise do Estado intervencionista iniciaram na segunda metade da década de 1960 e no início da década de 1970, uma vez que essa forma estatal não conseguiu permanecer, conforme David Harvey, diante das “contradições inerentes ao capitalismo” (HARVEY, 1989, p. 135) que se materializavam, ainda segundo David Harvey, pela “rigidez dos compromissos do estado, rigidez nos mercados [...] e a fle-xível política monetária, na capacidade de imprimir moeda em qualquer montante que parecesse necessário para manter a economia estável” (1989, p. 136), pois as necessidades do sistema do capital sempre de-vem prevalecer com relação ao atendimento das necessidades básicas da população. No Brasil e na maioria dos países latino-americanos, nesse período, lutava-se contra as ditaduras militares, contra a repressão políti-ca e ideológica e a supressão de direitos e garantias constitucionais fun-damentais, ações inerentes ao período ditatorial; isso significa dizer que

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o Brasil sofreu as consequências da crise do modelo de bem-estar social, sem tê-lo sequer vivenciado. Foi com a crise do modelo de bem-estar social que o Neoliberalismo predominou enquanto orientação política, econômica e social, fazendo com que o Estado passasse por um processo de reconfiguração do seu papel, em todas as esferas e com relação às suas próprias determinações, de caráter social, econômico e político. O Neoliberalismo teve suas primeiras ideias difundidas ainda no início do século XX; entretanto, foi apenas ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), período em que o Estado de bem-estar social se consoli-dava, que o pensamento neoliberal começou a se destacar, prosperando significativamente somente na década de 1970, com a crise do modelo de bem-estar social. Enquanto corrente de pensamento, o Neoliberalis-mo possui três escolas: a Escola Austríaca, a Escola de Chicago e a Escola da Virgínia, ou Public Choice1; todas essas correntes possuem em comum a necessidade de passar para o mercado, com sua lógica de competiti-vidade, as regulações do Estado, sendo que as suas decisões devem ser guiadas visando, de acordo com Reginaldo Moraes, ao “sistema de pre-ços do mercado livre; é assim que ajustam a todo o momento seus planos de produção e de consumo” (MORAES, 2001, p. 44). Uma das suas carac-terísticas é a tendência à apropriação de conceitos, pois dessa forma cria mecanismos para legitimar a sua política. Podemos citar, como exemplo, o termo descentralização. Para os neoliberais, descentralização não está associada à gestão compartilhada dos entes federados (governo, Esta-dos e municípios), passando a significar a desobrigação do Estado para

1 De acordo com Reginaldo Moraes: “O pensamento neoliberal desdobrou-se, no pós-guerra, em algumas linhas ou variantes. Três delas são mais claramente definidas, embora uma quarta, a dos ‘anarcocapitalistas’ ou minimarquistas, como Robert Nozick, devesse ser lembrada. Mas as três principais são, pela ordem das ‘datas de nascimento’: escola austríaca, liderada por Friedrich August von Hayek, o patrono de todo o pensamento neoliberal contemporâneo; escola de Chicago, perso-nificada em T. W. Schultz e Gari Becker (ligada à teoria do capital humano) e principalmente Milton Friedman (1912-), o grande homem de mídia dessa escola e a escola de Virgínia ou public choice, capitaneada por James M. Buchanan (1919-). O grande nome da corrente neoliberal é sem dúvida Friedrich August von Hayek (1899-1922). Herdeiro da chamada escola austríaca de economia, o pensamento de Hayek é um descendente das reflexões de Carl Menger (1840-1921) e da posição ardorosamente antiestatista e anti-socialista de Ludwig von Mises” (MORAES, 2001, p. 42-43).

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com as políticas sociais, repassando-as para a sociedade civil. Uma das expressões que melhor definem o Neoliberalismo é “Estado mínimo”. De acordo com Vera Peroni, “é importante frisar que o Estado é mínimo apenas para as políticas sociais. Na realidade é o Estado máximo para o capital” (PERONI, 2006, p. 14) passando para o mercado o seu campo de atuação. Dito de outra forma, o mercado se torna o agente regulador da vida em sociedade, e não mais o Estado. De acordo com José Sanfelice: “[...] O Estado passa a ser foquista nas políticas sociais e vai jogando tudo para o mercado. O Estado faz política de foco. São políticas de gerencia-mento das tensões maiores ou aquelas que exigem investimentos que o setor privado não quer fazer” (SANFELICE, 2006, p. 62). Assim, a pres-tação das necessidades básicas da população, a promoção das políticas sociais, conforme o Neoliberalismo, devem ser realizadas seguindo uma lógica que favoreça as relações de mercado, tendo como estratégia a pri-vatização das instituições públicas, passando a responsabilização para o mercado. No entanto, o poder do Estado não é dissolvido, mas sim res-significado, pois sendo esse o principal sujeito das relações econômicas, sociais e políticas mundiais, a sua influência deve prevalecer, mas redefi-nida, segundo a lógica do capitalismo financeiro.

Bibliografia consultada:

BIANCHETTI, Roberto G. Modelo neoliberal e políticas educacionais. São Paulo: Cortez Editora, 1999.

HARVEY, David. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1989.

MORAES, Reginaldo. Neoliberalismo: de onde vem, para onde vai? São Paulo: Senac, 2001.

PERONI, Vera M. Vidal. Política educacional e papel do estado no Brasil dos anos 90. São Paulo: Xamã, 2003.

SANFELICE, José Luis. Políticas sociais: excertos. In: DEITOS, Roberto Antonio; RODRIGUES, Rosa Maria. Estado, desenvolvimento, democracia e políticas so-ciais. Cascavel: Edunioeste, 2006.

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Daniel Martini

INTRODUÇÃO

O debate internacional acerca da urgência da chamada “questão ambiental”, gerada sobretudo em decorrência da percepção de escas-sez e finitude dos “recursos naturais” enquanto matéria-prima para o desenvolvimento econômico, até então percebidos como inesgotáveis, trouxe consigo as bases fáticas e materiais para a formação do Direito Ambiental, inicialmente nascido no âmbito internacional e, depois, trans-posto para o direito interno dos Estados, tendo como grande desafio a construção de um Estado sustentável – ou Estado de Direito Ambiental, então levando em consideração os aspectos da necessidade de promo-ver um desenvolvimento econômico e social, observando-se, contudo, o equilíbrio ambiental para garantir para as presentes e futuras gerações o direito ao meio ambiente equilibrado, como elemento essencial à sadia qualidade de vida, à vida digna, além de perseguir um nível adequado de proteção jurídica do meio ambiente. Não há dignidade sem um piso ambiental, sem um patamar mínimo abaixo do qual não se reconhece uma vida com dignidade. O bem-estar ambiental é indispensável a uma vida digna, devendo, o Estado, garantir um mínimo existencial ecológi-co. Reconhece-se, deste modo, uma dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana.

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Para tanto, um dos pilares é a educação ambiental. Não há, deste modo, documento internacional, no âmbito do direito ambiental, que estabeleça obrigações ou objetivos aos Estados que não se refira à edu-cação ambiental. Como exemplo, a Agenda 21, criada durante a Confe-rência do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente (1992), um documento de conteúdo “soft Law”, ou seja, não vinculante aos Estados, mas uma declaração de propósitos e objetivos a serem perseguidos pelos Estados.

No Brasil, a Lei nº 6938, de 31 de agosto de 1981, que dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formu-lação e aplicação, dentre outras providências, estabeleceu como um dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana (art. 2º), devendo-se atender a determinados princípios, dentre os quais (inci-so X) “a educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a edu-cação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”.

Em 1988, a Constituição Federal, a primeira a sistematizar um capítu-lo sobre o meio ambiente, constitucionalizou o direito ao ambiente, es-pecialmente no artigo 225, atribuindo-lhe caráter de fundamentalidade, reconhecendo como sendo um direito fundamental de terceira geração (STF - MS nº 22164/SP; STF -MC -ADIN 3540-1), estatuindo uma norma--matriz ou norma-princípio (caput do artigo 225), uma série de normas -instrumento (incisos do § 1º) e um conjunto de determinações parti-culares (§§ 2º a 6º). Dentre as normas-instrumento, que são, pode-se dizer, as ferramentas colocadas à disposição (ou à imposição) do Poder Público para concretização do objetivo da norma-matriz, estabelecidas no parágrafo 1º, “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambien-te” (inciso VI).

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Assim, para regulamentar tal instrumento, restou aprovada a Lei nº 9795, de 27 de abril de 1999, que “Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providên-cias”. Segundo a Lei, “entendem-se por educação ambiental os proces-sos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, es-sencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade’ (art. 1º). Ainda, em seu artigo 2º, estatuiu que “a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo edu-cativo, em caráter formal e não formal.” A educação ambiental no ensino formal dar-se-á desde a educação básica até a educação profissional (art. 9º), e a educação ambiental não formal se dá através de ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente (art. 13).

Estabeleceu um direito à educação ambiental, definindo tarefas aos diversos atores da vida em sociedade (art. 3º): I – ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas pú-blicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a educação am-biental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente; II – às institui-ções educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas educacionais que desenvolvem; III – aos órgãos integran-tes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama, promover ações de educação ambiental integradas aos programas de conservação, recu-peração e melhoria do meio ambiente; IV – aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a di-mensão ambiental em sua programação; V – às empresas, entidades de

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classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efe-tivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo produtivo no meio ambiente; VI – à sociedade como um todo, manter atenção permanente à formação de valores, atitudes e habilida-des que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a preven-ção, a identificação e a solução de problemas ambientais.

Paralelamente, a Lei nº 10650, de 16 de abril de 2003, dispôs sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entida-des integrantes do Sisnama, concretizando o Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que propõe que se pro-picie o acesso à informação ambiental como forma de assegurar um nível adequado de conscientização ambiental e a participação da população às decisões afetas às questões ambientais.

Nenhuma dúvida, pois, acerca da importância da educação ambien-tal formal e não formal como instrumento de garantia do direito fun-damental ao ambiente, como estímulo à formação de uma consciência crítica sobre os problemas ambientais, dentre outros objetivos expressos no artigo 5º da mesma Lei.

ANÁLISE DA QUESTÃO

A questão está assim posta:

A floresta virgem é o produto de muitos milhões de anos que passa-ram desde a origem do nosso planeta.

Se for abatida, pode crescer uma nova floresta, mas a continuidade é interrompida. A ruptura nos ciclos de vida natural de plantas e animais significa que a floresta nunca será aquilo que seria se as árvores não ti-vessem sido cortadas. A partir do momento em que a floresta é abatida

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ou inundada, a ligação com o passado perde-se para sempre. Trata-se de um custo que será suportado por todas as gerações que nos sucederem no planeta. É por isso que os ambientalistas têm razão quando se refe-rem ao meio natural como um “legado mundial”.

Mas, e as futuras gerações? Estarão elas preocupadas com essas questões amanhã? As crianças e os jovens, como indivíduos principais das futuras gerações, têm sido, cada vez mais, estimulados a apreciar am-bientes fechados, onde podem relacionar-se com jogos de computado-res, celulares e outros equipamentos interativos virtuais, desviando sua atenção de questões ambientais e do impacto disso em vidas no futuro, apesar dos esforços em contrário realizados por alguns setores. Observe-se que, se perguntarmos a uma criança ou a um jovem se eles desejam ficar dentro dos seus quartos, com computadores e jogos eletrônicos, ou passear em uma praça, não é improvável que escolham a primeira opção. Essas posições de jovens e crianças preocupam tanto quanto o descaso com o desmatamento de florestas hoje e seus efeitos amanhã.

SINGER, P. Ética prática. 2 ed. Lisboa: Gradiva, 2002, p. 292 (adaptado).

É um título adequado ao texto apresentado acima:

A) Computador: o legado mundial para as gerações futuras

B) Uso de tecnologias pelos jovens: indiferença quanto à preservação das florestas

C) Preferências atuais de lazer de jovens e crianças: preocupação dos ambientalistas

D) Engajamento de crianças e jovens na preservação do legado natu-ral: uma necessidade imediata

E) Redução de investimentos no setor de comércio eletrônico: prote-ção das gerações futuras

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O método pelo qual a questão foi elaborada traz a colocação do pro-blema da irrepristinabilidade dos ambientes degradados (no caso, uma floresta). Um componente (microbem ambiental) do bem ambiental (macrobem ambiental) danificado ou destruído jamais será restaurado em sua forma original. Cresce em importância, pois, a necessidade ime-diata de preservação dos “recursos naturais” originais (florestas primá-rias), havendo que se falar, nas hipóteses de responsabilidade civil por danos ambientais, da reparabilidade da degradação remanescente, ou seja, a ruína ambiental que subsista ou perdure, não obstante todos os esforços de restauração (ver, a propósito: STJ – RE 1198727-MG).

Essa consciência ecológica deve surgir desde a formação da persona-lidade, desde a infância, perdurando por todo o processo evolutivo-inte-lectivo. Entretanto, dadas as conjunturas sociais e interesses econômicos que, não raras vezes, prevalecem sobre as questões de fundo, como a necessidade de preservação ambiental, as crianças são estimuladas ao consumo e às práticas consumistas, quando deveriam, ao contrário, des-de logo, receberem adequada educação ambiental para formação de va-lores ambientais.

Portanto, resposta adequada à questão é a alternativa “d”: Engaja-mento de crianças e jovens na preservação do legado natural: uma ne-cessidade imediata.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DILL, Michele Amaral. Educação ambiental crítica: a forma da consciência eco-lógica. Porto Alegre: Nuria Fabris Ed., 2008.

CARVALHO, Isabel Cristina Moura de; GRÜN, Mauro; TRAJBER, Rachel (orgs.). Pensar o ambiente: bases filosóficas para a educação ambiental. Brasília: Minis-tério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversi-dade, UNESCO, 2006.

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Maurício Martins Reis

É ou não ético roubar um remédio cujo preço é inacessível, a fim de salvar alguém, que, sem ele, morreria? Seria um erro pensar que, desde sempre, os homens têm as mesmas respostas para questões desse tipo. Com o passar do tempo, as sociedades mudam e também mudam os ho-mens que as compõem. Na Grécia Antiga, por exemplo, a existência de escravos era perfeitamente legítima: as pessoas não eram consideradas iguais entre si, e o fato de umas não terem liberdade era considerado normal. Hoje em dia, ainda que nem sempre respeitados, os Direitos Hu-manos impedem que alguém ouse defender, explicitamente, a escravi-dão como algo legítimo.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Secretaria de Educação Fundamental. Ética. Brasília, 2012. Disponível em: <portal.mec.gov.br>. Acesso em: 16 jul. 2012 (adaptado).

Com relação a ética e cidadania, avalie as afirmações seguintes.

I. Toda pessoa tem direito ao respeito de seus semelhantes, a uma vida digna, a oportunidades de realizar seus projetos, mesmo que esteja cumprindo pena de privação de liberdade, por ter cometi-do delito criminal, com trâmite transitado e julgado.

II. Sem o estabelecimento de regras de conduta, não se constrói uma

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sociedade democrática, pluralista por definição, e não se conta com referenciais para se instaurar a cidadania como valor.

III. Segundo o princípio da dignidade humana, que é contrário ao preconceito, toda e qualquer pessoa é digna e merecedora de respeito, não importando, portanto, sexo, idade, cultura, raça, re-ligião, classe social, grau de instrução e orientação sexual.

É correto o que se afirma em

A) I, apenas.

B) III, apenas.

C) I e II, apenas.

D) II e III, apenas.

E) I, II e III.

RESPOSTA QUESTÃO 4

Há aqui desdobramentos conceituais e casuísticos exigidos pelo ava-liador em torno dos parâmetros normativos centrais da ordem consti-tucional vigente nos marcos do Estado Democrático de Direito. Por con-seguinte, as formulações indicadas se encarregam de cogitar algumas conclusões mais ou menos abrangentes acerca dos fundamentos da ética contemporânea, dos quais ressoam as características da cidadania nos dias de hoje.

Os alicerces de fundamentação da Carta Constitucional de 1988 se assentam na dignidade da pessoa humana e na cidadania (artigo 1º, inci-sos II e III), ademais de o Brasil se comprometer em objetivo com a pro-moção irrestrita do bem de todos, sem preconceitos de qualquer ordem (artigo 3º, inciso IV). Qualquer pessoa é digna e merecedora de respeito pela incidência da tutela da dignidade da pessoa humana, na esteira adi-cional do princípio da igualdade ornamentado na parte inicial do caput

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do artigo 5º da Constituição brasileira (“Todos são iguais perante a lei”).

Por isso, a proteção da dignidade humana, numa de suas valências primárias a serem concretizadas, vem a combater qualquer sorte de pre-conceito, tendo em vista, consoante dito, a consideração da pessoa hu-mana como merecedora e digna de consideração. Daí porque se reprova, desde a instância normativa do texto constitucional, qualquer discrimi-nação odiosa haurida, exemplificativamente, de origem, raça, sexo, cor, idade.

O conceito de dignidade da pessoa humana, tomado em teoria, as-sumirá contornos bastante contundentes, tal qual se propõe na assertiva III, verdadeira portanto em sua descrição discursiva ao repudiar as práti-cas comuns preconceituosas. A dignidade se torna, então, o fundamen-to axiológico ético a justificar a supremacia argumentativa dos direitos fundamentais e dos direitos humanos nas relações sociais. Tal primazia ora se almeja espontaneamente por intermédio da assimilação cultural e educativa pelos seres humanos, ora coercitivamente através do imple-mento sancionador das normas de conduta. O referencial ético se proje-ta par e passo mediante a força prática do exemplo e da diretriz contra-fática da deontologia jurídica. Uma sociedade democrática e pluralista carece, pois, do suporte legiferante e jurisdicional encarregado de suprir normativamente – via incidência e aplicação – os indicativos contextuais de referência ética. Eis a chancela de procedência, sendo-lhe correto o conteúdo, da assertiva II.

A afirmativa I é o exemplo casuístico da ética e da cidadania posto em relevo na questão. Trata-se do tratamento a ser dispensado aos indivídu-os que cumprem pena privativa de liberdade nos estabelecimentos car-cerários. Há dispositivo constitucional conexo especificamente ao fato: o artigo 5º, inciso XLIX, prevê que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. A constrição de liberdade, embora condi-cionada ao lapso temporal de sua pena, não evita, destarte, ao preso o desempenho da cidadania, tampouco lhe acomete restrições de ordem

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qualitativa. O preso continuará merecendo respeito, vida digna e idea-lização pessoal, apenas com o condicionamento de intensidade respei-tante ao cumprimento de pena. Certamente ele, uma vez segregado da convivência normal em liberdade, não poderá aproveitar com o mesmo alcance o feixe de direitos desdobráveis da dignidade humana; todavia, não perderá em absoluto nem um deles, pois sequer a oportunidade em realizar os seus projetos poderá lhe ser retirada, senão ao máximo com-patibilizada restritivamente com o regime administrativo de execução penal (veja, por exemplo, o direito ao labor e ao estudo nas penitenci-árias). A sentença I igualmente está correta, pelo que a resposta a ser marcada é a letra “e”.

Bibliografia sugerida

COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

MORAES, Alexandre de; KIM, Richard Pae (orgs.). Cidadania: o novo conceito jurídico e a sua relação com os direitos fundamentais individuais e coletivos. São Paulo: Editora Atlas, 2013.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciên-cia universal. Rio de Janeiro: Editora Record, 2011.

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Plauto Faraco de Azevedo

A globalização é o estágio supremo da internacionalização. O pro-cesso de intercâmbio entre países, que marcou o desenvolvimento do capitalismo desde o período mercantil dos séculos 17 e 18, expande-se com a industrialização, ganha novas bases com a grande indústria nos fins do século 19 e, agora, adquire mais intensidade, mais amplitude e novas feições. O mundo inteiro torna-se envolvido em todo tipo de troca: técnica, comercial, financeira e cultural. A produção e a informação glo-balizadas permitem a emergência de lucro em escala mundial, buscado pelas firmas globais, que constituem o verdadeiro motor da atividade econômica. SANTOS, M. O país distorcido. São Paulo: Publifolha, 2002 (adaptado).

No estágio atual do processo de globalização, pautado na integração dos mercados e na competitividade em escala mundial, as crises econô-micas deixaram de ser problemas locais e passaram a afligir praticamente todo o mundo. A crise recente, iniciada em 2008, é um dos exemplos mais significativos da conexão e interligação entre os países, suas econo-mias, políticas e cidadãos.

Considerando esse contexto, avalie as seguintes asserções e a rela-ção proposta entre elas.

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I. O processo de desregulação dos mercados financeiros norte-ame-ricano e europeu levou à formação de uma bolha de empréstimos especulativos e imobiliários, a qual, ao estourar em 2008, acarre-tou um efeito dominó de quebras nos mercados.

PORQUE

II. As políticas neoliberais marcam o enfraquecimento e a dissolução do poder dos Estados nacionais, bem como asseguram poder aos aglomerados financeiros que não atuam nos limites geográficos dos países de origem.

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justifi-cativa da I.

B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.

C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.

D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição ver-dadeira.

E) As asserções I e II são proposições falsas.

Comentário

A história mostra que o homem sempre tendeu a ocupar o máximo espaço geográfico possível, tanto quanto lhe tem permitido a tecnologia e sempre que o interesse econômico lhe tem sido conveniente.

A globalização exprime essa tendência humana em configuração, profundidade e extensão inimagináveis até a sua realização contemporâ-nea. Isso se explica pelo avanço tecnológico de modo geral, especialmen-te da informática, que permite o contato simultâneo entre pessoas situa-

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das em diferentes pontos do planeta, trocando impressões, informações e realizando negócios da mais variada ordem.

A globalização atual tem feição neoliberal, o que significa que seu aspecto mais destacado é o mercado, isto é, o livre jogo das forças eco-nômicas, sem a intervenção do Estado, considerado necessariamente no-civo. Assim sendo, assegura-se a prevalência empresarial e advoga-se a necessidade de privatização dos bens estatais.

Estabeleceu-se o primado incontrastável da economia sobre a polí-tica, buscando nivelar todos os interesses do ponto de vista econômico, estimulando o consumo de bens sob o comando dominante das empre-sas multinacionais, interessadas no lucro e indiferentes à diversidade cul-tural e aos problemas locais.

Traço essencial da globalização neoliberal é o mercado financeiro, pelo qual passam somas incalculáveis, mediante a ação ilimitada do po-der econômico que paira sobre as fronteiras estatais, exigindo a não in-terferência do direito em suas atividades, o que o afasta de responsa-bilidade, como ocorreu com a crise financeira de 2007-2008. Coube à intervenção dos Estados, demonizados e tidos como nocivos à atividade econômico-financeira, fazer face à crise, socorrendo com trilhões de dó-lares os responsáveis pela grande farra da globalização financeira.

Em suma, querendo-se compreender a globalização, há que se ter em mente que é um fenômeno complexo, não podendo ser considerada tão só do ponto de vista econômico, separando e desconhecendo os de-mais aspectos que a compõem. É mister ultrapassar o aspecto neoliberal para que a tecnologia, o comércio e a indústria não ignorem a existência humana e o meio ambiente, cujo respeito é indispensável para a sobre-vivência.

Ainda discorda-se da afirmativa inicial da questão 05, pois a globa-lização não é o estágio supremo da internacionalização; é, na verdade, um estágio contingente, precário, que privilegia interesses econômicos

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financeiros em detrimento dos valores fraternidade, solidariedade e dig-nidade humana.

A parte II da questão 05 apresenta erro, uma vez que não há dis-solução do poder dos Estados nacionais, e sim seu enfraquecimento, e os conglomerados financeiros atuam não só dentro de seus países de origem, como, simultaneamente, nos demais países, em escala universal.

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Francisco José Borges Motta

O anúncio feito pelo Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear (CERN) de que havia encontrado sinais de uma partícula que pode ser o bóson de Higgs provocou furor no mundo científico. A busca pela partí-cula tem gerado descobertas importantes, mesmo antes da sua confir-mação. Algumas tecnologias utilizadas na pesquisa poderão fazer parte de nosso cotidiano em pouco tempo, a exemplo dos cristais usados nos detectores do acelerador de partículas large hadron colider (LHC), que serão utilizados em materiais de diagnóstico médico ou adaptados para a terapia contra o câncer. “Há um círculo vicioso na ciência quando se faz pesquisa”, explicou o diretor do CERN. “Estamos em busca da ciên-cia pura, sem saber a que servirá. Mas temos certeza de que tudo o que desenvolvemos para lidar com problemas inéditos será útil para algum setor.”

CHADE, J. Pressão e disputa na busca do bóson. O Estado de S. Paulo, p. A22, 08/07/2012 (adaptado).

Considerando o caso relatado no texto, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas.

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I. É necessário que a sociedade incentive e financie estudos nas áreas de ciências básicas, mesmo que não haja perspectiva de aplicação imediata.

PORQUE

II. O desenvolvimento da ciência pura para a busca de soluções de seus próprios problemas pode gerar resultados de grande aplica-bilidade em diversas áreas do conhecimento.

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justi-ficativa da I.

B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.

C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.

D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição ver-dadeira.

E) As asserções I e II são proposições falsas.

RESPOSTA

A solução da questão não passa por qualquer entendimento prévio do que seja o bóson de Higgs ou do para que serve um acelerador de partículas. O que o examinador quer verificar é se o candidato tem capa-cidade de compreensão do texto, de chegar a conclusões coerentes com as premissas apresentadas. Trata-se de uma questão de interpretação, nada mais do que isso.

Veja: o texto trata de pesquisa científica e de avanços tecnológicos, especula sobre a sua possível aplicação na área da medicina, e fecha com o seguinte argumento: a busca pela chamada ciência pura seria algo bom

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em si (isto é, ainda que não saiba imediatamente a que fim servirá). E por que razão? Porque produz resultados que acabarão, fatalmente, sendo valiosos a algum domínio do conhecimento.

As asserções I e II apenas explicitam esse entendimento. Diz-se ser necessário incentivar e financiar estudos nas áreas de ciências básicas, ainda que sem perspectiva de aplicação imediata de seus resultados (I), porque estes podem vir a ser importantes a outras áreas do conhecimen-to (II). A assertiva II justifica a assertiva I. Simples, pois.

Indo ao mérito da reflexão proposta pela questão, percebe-se que a fala do diretor do CERN indica uma forte crença no bem e no progres-so representados pelo desenvolvimento científico (é o que se chama de mito do progresso humano, ou de ideologia desenvolvimentista). Contu-do, como o próprio texto sugere, esse desenvolvimento é acompanhado de uma contingente dificuldade de se anteverem os efeitos e repercus-sões de sua aplicação, seja porque muitas das tecnologias são desco-bertas sem um fim traçado de antemão, seja porque, mesmo quando programadas, irradiam efeitos para os mais diversos âmbitos, nem todos imaginados.

É importante ter presente, porém, que as conquistas da evolução tecnocientífica são indissociáveis das inquietações que as acompanham. E, neste sentido, a apreciação ética/moral é indispensável para atender a indagações sobre a avaliação das ocorrências tecnocientíficas (sobre a eleição das bem-vindas, das repudiáveis, das que merecem ser paralisa-das ou limitadas etc.).

A chamada bioética é uma das áreas do conhecimento que se ocupa desse tipo de reflexão, de índole transdisciplinar, em que se submete o avanço da tecnologia à apreciação ética, e em que se reforça a ideia de que o debate ético é necessário frente à dinâmica e ambiguidade dos efeitos da tecnociência.

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Indicam-se abaixo, para servir de apoio, três referências bibliográfi-cas que perpassam a temática aqui suscitada.

BARRETO, Vicente de Paulo. A ideia de pessoa humana e os limites da bioética. In: BARBOZA, Heloisa Helena; MEIRELLES, Jussara M. L. de; BARRETO, Vicente de Paulo (orgs.). Novos temas de biodireito e bioética. Rio de Janeiro, São Pau-lo: Renovar, 2003.

_________; SCHIOCCHET, Taysa. Bioética: dimensões políticas e perspectivas normativas. In: COPETTI, André; STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo (orgs.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, Unisinos, 2006. p. 255.

MOTTA, Katia Borges. Direitos reprodutivos, direitos humanos e bioética: re-percussões éticas e jurídicas do projeto monoparental feminino. 2007. Disser-tação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Univer-sidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), São Leopoldo, 2007. Disponível em: <www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 24 jul. 2015.

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Daniel Martini

INTRODUÇÃO

O Direito Ambiental é uma disciplina que surge no âmbito da esfera internacional, ou seja, suas origens estão no campo do Direito Interna-cional, e somente depois incorporado ao direito interno dos Estados. Em 1968, numa iniciativa do Conselho Econômico e Social das Nações Uni-das, aprovada pela Assembleia Geral em 3 de dezembro de 1968, atra-vés da Resolução n.º 2.398, estabeleceu-se organizar um encontro dos países para debater a proteção ao meio ambiente, o que se daria no ano de 1972. Realizada, enfim, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, entre os dias 5 e 16 de julho de 1972, em Estocolmo, na Suécia, da qual participaram 113 países e mais de 400 organizações inter e intragovernamentais, além de organizações não governamentais, sendo esta a primeira conferência mundial sobre o homem e o meio ambiente. Nela foram debatidos temas atinentes ao desenvolvimento e meio ambiente, sob os enfoques econômico, social e político. Discuti-ram-se assuntos como chuva ácida e controle da poluição do ar, numa perspectiva global e de realmente empreender ações propositivas. Os resultados desta Conferência foram a adoção de uma declaração de prin-cípios denominada Declaração das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano (Declaração de Estocolmo), além de um conjunto de recomen-

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dações denominado Plano de Ação para o Meio Ambiente. Também dela surgiu a proposta da criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), órgão subsidiário da Assembleia Geral da ONU, criado pela Resolução 2.997, de 15 de dezembro de 1972. Esta Conferência abre a primeira fase do direito internacional ambiental: fase do funcionalismo, baseada no princípio da prevenção do dano (obrigação de resultado).

Nos anos oitenta, sob o patrocínio da ONU (UNEP), e dez anos após a Conferência de Estocolmo, é criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, encarregada de discutir e avaliar os resul-tados até então alcançados. Culminou por elaborar um relatório denomi-nado Our Common Future, também conhecido por Relatório Brundtland, onde se desenvolveu o conceito de desenvolvimento sustentável e que foi adotado pela maioria das legislações nacionais e também no âmbito dos documentos internacionais que dizem respeito à tutela do meio am-biente.

O Relatório Brundtland não só recomendou a realização de uma con-ferência mundial para tratar dos temas ligados ao meio ambiente e de-senvolvimento, como também delineou as bases para a grande conferên-cia mundial sobre meio ambiente: a Rio 92. Desta Conferência, que abriu a segunda fase do Direito Internacional Ambiental, a fase do globalismo ambiental, fundado sob os princípios da cooperação internacional e prin-cípio da precaução, surgiram três importantes documentos, embora com forma e conteúdo não vinculantes (soft law), mas indicadores de metas a serem perseguidas pelos Estados: a Agenda 21, a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, e a Declaração de Prin-cípios sobre as Florestas. Estes documentos guardam entre si uma voca-ção comum de servirem de estímulo aos Estados voltado para a adoção de políticas públicas e leis internas (de grandeza constitucional ou infra-constitucional) tendentes a acolher o seu conteúdo, bem como median-te a fixação de princípios básicos voltados a uma política ambiental de nível e alcance mundial. Os Estados, embora não vinculados, sentem-se

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constrangidos, no campo diplomático, a adotarem estes princípios nor-mativos como fundamentos e objetivos a serem perseguidos. Tornam-se, pois, obrigações de meio, deixando aos Estados a integração destas normas mediante a adoção de práticas compatíveis com os objetivos e a noção de desenvolvimento sustentável.

É, precisamente, na Declaração do Rio que estão inseridos princípios que já podem ser considerados no âmbito do Direito Ambiental Interna-cional, além de fontes do direito interno dos Estados, como os princípios da precaução, do poluidor-pagador, a responsabilidade comum, porém diferenciada, e a avaliação do impacto ambiental, dentre outros.

Nesta ocasião, igualmente, importantes tratados com vocação multi-lateral foram abertos à firma dos Estados, tais como a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas.

Contudo, mesmo após tais importantes e históricos eventos, que marcaram o Direito Ambiental Internacional, poucos progressos se ve-rificaram em termos de mudanças de comportamentos, apesar do ine-gável avanço do direito ambiental, fazendo nascer a expressão “déficit de implementação da Conferência do Rio”, demonstrando que muitos daqueles princípios ali surgidos, especialmente o do desenvolvimento sustentável, não atingiram uma aplicação prática em muitos dos países que, solenemente, assumiram os compromissos. Assim, foram realizadas sucessivas conferências como a de Joannesburgo, em 2002, conhecida como Rio+10, e do Rio de Janeiro, em 2012, também conhecida como Rio+20, ocorrida entre os dias 13 a 22 de junho de 2012.

Além dos debates “oficias”, que foram pautados pela temática do modo como estavam sendo usados os recursos naturais, surgiram outros debates paralelos, promovidos por organizações internacionais, como a Globe International, uma rede internacional de parlamentares que discute ações legislativas relacionadas ao meio ambiente, que patroci-nou a “Cúpula Mundial de Legisladores”, debatendo a necessidade da

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implementação de medidas legislativas imediatas, independentemente da transposição dos tratados internacionais ambientais, não obstante se-rem úteis.

A análise deste tema nos remete à temática da transposição dos tra-tados internacionais (mecanismos de hard Law) ao direito interno, com a aprovação e ratificação, assim como a criação de normas internas espe-cificadores destas obrigações, além da necessidade de adoção imediata dos países, em matéria de proteção ambiental, dos chamados mecanis-mos não vinculantes, de soft Law.

Neste sentido, a questão ora em comento.

ANÁLISE DA QUESTÃO

A questão que versa a temática ora estudada foi assim posta:

Legisladores do mundo se comprometem a alcançar os objetivos da Rio+20

Reunidos na cidade do Rio de Janeiro, 300 parlamentares de 85 paí-ses se comprometeram a ajudar seus governantes a alcançar os objetivos estabelecidos nas conferências Rio+20 e Rio 92, assim como a utilizar a legislação para promover um crescimento mais verde e socialmente in-clusivo para todos. Após três dias de encontros na Cúpula Mundial de Le-gisladores, promovida pela GLOBE International — uma rede internacio-nal de parlamentares que discute ações legislativas em relação ao meio ambiente —, os participantes assinaram um protocolo que tem como objetivo sanar as falhas no processo da Rio 92. Em discurso durante a sessão de encerramento do evento, o vice-presidente do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe afirmou: “Esta Cúpula de Legisladores mostrou claramente que, apesar dos acordos globais serem úteis, não precisamos esperar. Podemos agir e avançar agora, porque as escolhas

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feitas hoje nas áreas de infraestrutura, energia e tecnologia determina-rão o futuro”.

Disponível em: <www.worldbank.org/pt/news/2012/06/20>. Acesso em: 22 jul. 2012 (adaptado).

O compromisso assumido pelos legisladores, explicitado no texto acima, é condizente com o fato de que

A) os acordos internacionais relativos ao meio ambiente são autôno-mos, não exigindo de seus signatários a adoção de medidas inter-nas de implementação para que sejam revestidos de exigibilidade pela comunidade internacional.

B) a mera assinatura de chefes de Estado em acordos internacionais não garante a implementação interna dos termos de tais acordos, sendo imprescindível, para isso, a efetiva participação do Poder Legislativo de cada país.

C) as metas estabelecidas na Conferência Rio 92 foram cumpridas devi-do à propositura de novas leis internas, incremento de verbas orça-mentárias destinadas ao meio ambiente e monitoramento da imple-mentação da agenda do Rio pelos respectivos governos signatários.

D) a atuação dos parlamentos dos países signatários de acordos in-ternacionais restringe-se aos mandatos de seus respectivos go-vernos, não havendo relação de causalidade entre o compromisso de participação legislativa e o alcance dos objetivos definidos em tais convenções.

E) a Lei de Mudança Climática aprovada recentemente no México não impacta o alcance de resultados dos compromissos assumi-dos por aquele país de reduzir as emissões de gases do efeito es-tufa, de evitar o desmatamento e de se adaptar aos impactos das mudanças climáticas.

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Ora, a questão propõe a análise do fato de que os acordos interna-cionais não se bastam por si sós. Eles dependem, fundamentalmente, de duas coisas, para surtirem o efeito esperado.

Em primeiro lugar, a necessidade de ratificação, que é, segundo Fran-cisco Rezek, o ato unilateral com que a pessoa jurídica de direito interna-cional, signatária de um tratado, exprime definitivamente, no plano in-ternacional, sua vontade de obrigar-se. Essa ratificação tem sua forma e competência definidas na ordem constitucional de cada Estado. Segundo a Constituição brasileira (1988), compete privativamente ao presidente da República (art. 84) celebrar tratados, convenções e atos internacio-nais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional (inciso VIII), sendo da competência exclusiva do Congresso Nacional (art. 49) resolver definiti-vamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (I). Desse modo, não pode o presidente da República manifestar o consentimento definitivo sem o abono do Congresso Nacional, que, ainda assim, não o obriga à ratificação. A matéria deverá ser discutida e votada na Câma-ra e no Senado, e, em sendo aprovada, emite-se em decreto legislativo, que representa, unicamente, a aprovação do Congresso Nacional. Após a aprovação pelo Congresso Nacional, o tratado volta para o Poder Executi-vo para que seja ratificado. Com a ratificação do presidente da República, o tratado internacional deverá ser promulgado internamente através de um decreto de execução presidencial.

Em segundo lugar, dependem da edição de normas internas para transposição das obrigações assumidas. Este um papel fundamental dos legisladores: a edição de leis que especificam a transposição das obriga-ções assumidas pelo Estado no âmbito internacional e seu devido cum-primento no âmbito interno. Na esfera do Direito Ambiental, esse papel do legislador é deveras destacado, já que, por característica própria, o Direito Ambiental de cada Estado nasce justamente pela transposição das obrigações internacionais, advindas do Direito Ambiental Interna-

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cional, ao direito interno. Vale dizer, como regra, os Estados não editam leis restritivas quanto ao uso dos recursos naturais por vontade própria, mas por “imposição” externa. Ademais, as políticas setoriais derivam de prioridades resultantes de consensos globais, com eles devendo compa-tibilizar-se.

Desse modo, a questão discute o papel dos legisladores nos acor-dos internacionais, concluindo-se, de acordo com a alternativa “b”, que “a mera assinatura de chefes de Estado em acordos internacionais não garante a implementação interna dos termos de tais acordos, sendo imprescindível, para isso, a efetiva participação do Poder Legislativo de cada país”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

OLIVEIRA, Rafael Santos de. Direito ambiental internacional: o papel da soft law em sua efetivação. Ijuí: Editora Unijuí, 2007.

REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 12. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010.

SILVA, Solange Teles da. O direito ambiental internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.

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Yuri Schneider

Taxa de rotatividade por setores de atividade econômica: 2007-2009

A tabela acima apresenta a taxa de rotatividade no mercado formal brasileiro, entre 2007 e 2009. Com relação a esse mercado, sabe-se que setores como o da construção civil e o da agricultura têm baixa partici-pação no total de vínculos trabalhistas e que os setores de comércio e serviços concentram a maior parte das ofertas. A taxa média nacional

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é a taxa média de rotatividade brasileira no período, excluídos transfe-rências, aposentadorias, falecimentos e desligamentos voluntários. Com base nesses dados, avalie as afirmações seguintes.

I. A taxa média nacional é de, aproximadamente, 36%.

II. O setor de comércio e o de serviços, cujas taxas de rotatividade estão acima da taxa média nacional, têm ativa importância na taxa de rotatividade, em razão do volume de vínculos trabalhistas por eles estabelecidos.

III. As taxas anuais de rotatividade da indústria de transformação são superiores à taxa média nacional.

IV. A construção civil é o setor que apresenta a maior taxa de rotativi-dade no mercado formal brasileiro, no período considerado.

É correto apenas o que se afirma em

A) I e II.

B) I e III.

C) III e IV.

D) I, II e IV.

E) II, III e IV.

Questão de fácil resolução pelo candidato, sendo basicamente ne-cessário um simples raciocínio lógico e confrontação entre as assertivas e a tabela apresentada, onde se pode constatar que as afirmações I, II e IV são realmente as corretas, estando estas em acordo com a tabela apresentada. Já a assertiva III afirma premissa equivocada quanto ao ano de 2007.

A questão não exige conhecimento jurídico, mas sim de língua portu-guesa, interpretação de texto e raciocínio lógico.

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Eduardo Carrion

O caráter especial dos diplomas internacionais sobre direitos huma-nos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico brasileiro: eles estão abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infra-constitucional com eles conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. (...) A prisão civil do depositário infiel não mais se compatibili-za com os valores supremos assegurados pelo Estado Constitucional, que não está mais voltado para si mesmo, mas compartilha com as demais entidades soberanas, em contextos internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos direitos humanos.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE n.º 349.703-1/RS. Relator: Min. Gilmar Mendes. Julgamento em: 03/12/2008, DJe de 05/06/2009 (adaptado).

No que se refere à aplicação dos dispositivos dos tratados internacio-nais no direito interno, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas.

I. A recepção da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – pelo ordenamento jurídico brasileiro acarretou impedimento legal à prisão civil do depositário infiel.

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PORQUE

II. A previsão constitucional para prisão civil do depositário infiel foi revogada por força do status normativo supralegal dos tratados interna-cionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil.

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justi-ficativa da I.

B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.

C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.

D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição ver-dadeira.

E) As asserções I e II são proposições falsas.

A questão revela alguma complexidade porque envolve uma evolu-ção relativamente recente do entendimento do STF sobre a matéria, bem como uma reforma constitucional.

O § 2° do artigo 5º da Constituição dispõe que: “Os direitos e ga-rantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados interna-cionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Parte da doutrina passou então a entender que os tratados internacionais sobre direitos humanos “em que a República Federativa do Brasil seja parte” teriam automaticamente status constitucional, pelo menos aqueles que viessem a ser recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro a partir de então, não tendo sido este, entretanto, o entendimento do STF.

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A Emenda Constitucional n° 45, de 08/12/2004, acrescentou o pa-rágrafo 3º ao artigo 5° da Constituição: “Os tratados e convenções inter-nacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”. Ou seja, apenas os tratados internacionais sobre direitos humanos que fossem aprovados pelo mesmo quórum qualificado de aprovação pre-visto para as emendas constitucionais (artigo 60, § 2°) passariam a ter status constitucional, os demais tratados internacionais sobre direitos humanos mantendo, conforme transcrição acima na questão, status su-pralegal, embora infraconstitucional. Lembre-se que os tratados interna-cionais em geral, salvo aqueles sobre direitos humanos, mantém status apenas legal.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San José de Costa Rica, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 27, de 1992, e pro-mulgada pelo Decreto n° 678, de 1992, recepcionada, portanto, pelo or-denamento jurídico brasileiro, dispõe em seu artigo 7°, 7, que: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimple-mento de obrigação alimentar”. Por sua vez, a Constituição, em seu arti-go 5°, LXVII, preceitua que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.

Pelo exposto, a asserção II (“A previsão constitucional para prisão civil do depositário infiel foi revogada por força do status normativo su-pralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil”) está incorreta porque, entre outras coisas, significaria uma que-bra na hierarquia das normas. Lembre-se que apenas os tratados inter-nacionais sobre direitos humanos que forem aprovados nos termos do § 3° do artigo 5° da Constituição “serão equivalentes às emendas consti-tucionais”, o que não foi o caso da Convenção Americana sobre Direitos

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Humanos, Pacto de San José de Consta Rica, que mantém, portanto, um status supralegal, embora infraconstitucional.

Por sua vez, a asserção I (“A recepção da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica – pelo ordenamento jurídico brasileiro acarretou impedimento legal à prisão civil do depositá-rio infiel”) foi o entendimento do STF sobre a matéria. Há desdobramen-tos com relação a esse entendimento que escapam, porém, aos objeti-vos destas rápidas observações. De qualquer maneira, veja-se a seguinte passagem na obra de Alexandre de Moraes, indicada na bibliografia de apoio e de aprofundamento:

A Corte decidiu, em relação à vedação da prisão civil do depositá-rio infiel, que “a circunstância de o Brasil haver subscrito o Pacto de São José da Costa Rica, que restringe a prisão civil por dívidas ao descumprimento inescusável de prestação alimentícia (art. 7°, 7), conduz à inexistência de balizas visando à eficácia do que pre-visto no art. 5°, LXVII, da CF”; concluindo, que “com a introdução do aludido Pacto no ordenamento jurídico nacional, restaram der-rogadas as normas estritamente legais definidoras da custódia do depositário infiel”.

Dessa forma, o STF manteve a supremacia das normas constitucio-nais sobre o referido Pacto, porém inclinou-se pela interpretação da revogação das normas infraconstitucionais que disciplinavam a referida prisão civil, tendo inclusive, revogado sua Súmula 619 do STF (“A prisão do depositário judicial pode ser decretada no pró-prio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito”).

Assim e finalmente, a opção correta seria a de letra C: “A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa”.

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Bibliografia de apoio e de aprofundamento:

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação consti-tucional. São Paulo: Editora Atlas, 2013.

SILVA, Jose Afonso da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Ma-lheiros Editores, 2014.

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Mauricio Martins Reis

A Constituição brasileira de 1988 reconheceu o direito dos remanes-centes das comunidades de quilombos à propriedade definitiva das ter-ras que ocupam, devendo o Estado emitir os respectivos títulos (Art. 68, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Para dar efetividade ao texto constitucional, foi editado o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro, que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas. Importante notar que o referido Decreto é objeto de controle da constitucionalida-de perante o Supremo Tribunal Federal desde 2004, sem julgamento do mérito.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI nº 3.239. Relator Min. Cezar Peluso.

Acerca do processo de reconhecimento e titulação das terras quilom-bolas, avalie as afirmações a seguir.

I. Consideram-se comunidades dos quilombos os grupos étnico-ra-ciais, segundo critério de autoatribuição, com trajetória históri-ca própria, dotados de relações territoriais específicas, com pre-sunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

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II. Cabe ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (In-cra) regulamentar os procedimentos administrativos necessários à titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comuni-dades dos quilombos.

III. A caracterização dos remanescentes das comunidades dos qui-lombos deve ser atestada mediante autodefinição da própria co-munidade e deve ser levada a registro no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) do Ministério da Cultura.

IV. É responsabilidade exclusiva da União a identificação, o reconhe-cimento, a delimitação, a demarcação e a titulação das terras ocu-padas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.

É correto apenas o que se afirma em

a) I e II.

b) I e III.

c) III e IV.

d) I, II e IV.

e) II, III e IV.

RESPOSTA QUESTÃO 10

A aparência da indagação leva a crer – quase em desprestígio ao sis-temático objetivo do exame em aferir as competências interpretativas do candidato em face de problemas jurídicos – a estrita dependência do acerto da questão em vista do conhecimento prévio da legislação ora indicada, ou seja, o teor positivo do Decreto presidencial n. 4.887/03. Bastaria, pois, conectar as afirmativas em simplório comparativo com o direito legislado naquela norma para constatar quais delas se mostram conformes aos respectivos conteúdos. Apesar de referida corrigenda os-tensiva – o apontar direto de um sinalagma oficial reproduzido pelo cri-

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tério legislativo – repercutir inconteste o gabarito erigido pelo avaliador do certame, sói apontar para uma estratégia hermenêutica a partir do próprio campo de possibilidades assertivas delineado pela pergunta.

Antes disso, contudo, mister afigurar os dispositivos que esmiúçam o deslinde da controvérsia. Melhor dizendo, bastaria apontar para um único preceito do diploma legal invocado, pois ele já se mostra capaz de desvelar, mediante analítica lógica a ser utilizada internamente no con-frontar de coerência das afirmativas (em paralelo às combinatórias das respostas possíveis), a correta asserção. Deduz-se do artigo 3º do Decre-to presidencial competir “ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Fede-ral e dos Municípios”. Como num castelo de cartas, caem diretamente por terra as afirmações III e IV: no que toca à caracterização dos remanes-centes dessas comunidades, nem se trata de uma caracterização pura e simples a se bastar com a autoafirmação daquele grupo de pessoas, sen-do vertida tão logo em registro, tampouco perante o específico Instituto referido do Ministério da Cultura (equívocos inscritos na afirmativa III), tampouco a competência quanto ao processo de reconhecimento e titu-lação das terras quilombolas passa exclusivamente pela União, eis a pre-visão de concorrência perante os demais entes federativos (lapso citado pela afirmativa IV). Sendo ambas, III e IV, errôneas, sobra logicamente a alternativa “a” como a correta, eis que uma e/ou outra (III e IV) resultam citadas nas demais alternativas (“b”, “c”, “d” e “e”).

Conforme dito, seria razoável supor um caminho de resolução inde-pendente do recurso à base legal cogitada. As afirmativas I e III se mos-tram contraditórias em vista do critério de consideração legalmente ad-mitido para aqueles indivíduos que pretendam demonstrar o vínculo de ancestralidade conexo às comunidades quilombolas. Parece adequado

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supor que a afirmativa I se mostra mais cautelosa, prudente e equilibrada em seus requisitos e, portanto, infensa a manipulações egoísticas bene-ficiárias, do que a exclusiva manifestação volitiva de autopertencimento digna de registro (conforme teor da afirmativa III). Nesse passo, descar-tar-se-ia a hipótese III, ficando-se com a I; por conseguinte, sobrariam as alternativas “a” e “d”, restando saber em que medida a afirmativa IV poderia ser qualificada como certa ou errada (eis que a afirmativa II se-quer careceria de avaliação, pois é comum às alternativas que sobraram). Como se trata de mandamento constitucional e, forçoso reconhecer, o próprio enunciado entrevê o dever de o Estado lato sensu conferir efe-tividade ao texto constitucional, parece-nos de induvidosa constatação que a correlata competência para concretizar administrativamente o di-reito dos quilombolas não poderia passar ao largo dos demais entes fe-derativos, como os Estados e os municípios, motivo pelo qual se mostra errônea a suposição de exclusividade ao poder central da União em fazê--lo (afirmativa IV igualmente equivocada). Sobram, pois, como certas, as afirmações I e II, perfazendo-se o gabarito da alternativa “a”.

Bibliografia sugerida

CAMERINI, João Carlos Bemerguy. Os quilombos perante o STF: a emergência de uma jurisprudência dos direitos étnicos (ADIN 3.239-9). Revista Direito GV, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 157-182, jan.-jun. 2012.

PERLINGERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil-constitu-cional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999

SARMENTO, Daniel. Terras quilombolas e constituição: a ADI 3239 e a constitu-cionalidade do Decreto 4887/2003. Parecer elaborado a pedido da 6a Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, 2008

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Antonio Carlos Nedel

A questão de número 11 traz na sua apresentação uma prosaica cena do quotidiano burguês, em que um pai, comodamente instalado em sua poltro-na, responde as indagações do filho, dividido entre elas e a leitura do jornal.

No diálogo entre Calvin e seu pai, o examinador do Enade que ela-borou a questão vê a presença de temas que podem se relacionar com a filosofia do direito. Estará ele certo? Podemos dizer que sim, pois o diá-logo se movimenta no âmbito da normatividade do direito positivo, que desde sempre acompanha o ser humano como expressão ontológica da sua condição existencial.

Refletindo sobre o assunto, com a proverbial sabedoria de quem orienta o logos pelos meandros da razão prudencial, Aristóteles definiu o homem como um animal político, isto é, aquele que vive na pólis, sendo o a/pólis o que está fora dela, ou um bicho que vive abaixo ou um deus que vive acima.

Portanto, o homem é um ser que vive na pólis. E o que significa viver na pólis? Significa viver num mundo social ordenado por normas, isto é, regras que viabilizam a vida social. Aqui podemos vislumbrar o sentido do direito, identificado com a necessidade de ordem que vincula o ho-mem, projetada formalmente nas suas instituições positivas.

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Assim, a percepção de que vivemos sob a égide de uma ordem es-tatuída por normas, desde os tempos clássicos até os dias de hoje, con-tinua sendo a primeira intuição que todo ser humano tem do fenômeno jurídico; a intuição desse sentido ordenador também está presente nas perguntas de Calvin, nas quais se vê uma motivação crítico-questiona-dora que, parafraseando Heráclito, diremos ser consequência natural do animus dialético que move o mundo e realça o caráter histórico-cultural do direito positivo.

Voltemos agora nossa atenção para as assertivas que o examinador propõe a partir do diálogo, relacionando-as com a ordem jurídica brasi-leira, sem esquecer a dimensão universal dos questionamentos.

Analisando os conceitos jurídicos presentes nas perguntas e nas res-postas do diálogo, podemos concluir que a assertiva B é a correta por estar logicamente identificada com o nosso direito positivo, pois a res-posta do pai de Calvin, ao negar o término do seu mandato, constitui efetivamente questão referente à vigência da norma.

Cabe ressalvar, no que concerne à refutação da assertiva A, que o problema da validade da norma jurídica no contexto do direito positivo brasileiro, derivada da concepção político-jurídica do Estado moderno--iluminista, determina que uma norma só será jurídica e válida se assim o declarar o órgão que tem legitimidade e competência para a sua ela-boração. Portanto, para a nossa dogmática, uma norma será válida caso esteja integrada no ordenamento e logicamente conforme com os requi-sitos do ordenamento.

Logo, embora o problema da validade da norma esteja presente no diálogo, trata-se de um problema específico de validade formal ou vigên-cia, que o pai de Calvin invoca como fundamento da legitimidade para a manutenção do seu status quo.

Isso evidencia um entendimento lógico-formal-normativista do di-reito, que, derivado do jusracionalismo kantiano, foi reafirmado, entre

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outros, pelo neokantiano Hans Kelsen, para quem dizer que uma norma é válida significa dizer que ela vigora e vige em um determinado espaço e tempo. Neste sentido, conforme determina o artigo 2º da Lei de Introdu-ção às Normas do Direito Brasileiro: “Não se destinando à vigência tem-porária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.” Assim, em sintonia com a invocação de vitaliciedade reivindicada pelo pai de Calvin, se não vier determinado no texto normativo um prazo determinado de objetivo de vigência, este será ilimitado e o âmbito de validade se esten-derá pelo período da sua vigência, lembrando que, como todos os entes culturais concebidos pelo engenho humano, as normas jurídicas nascem, existem e morrem...

De um modo geral, a vigência da norma começa com a sua publica-ção oficial, observado o período da vacatio legis, que o legislador pátrio estabeleceu em 45 dias, conforme estabelece o artigo 1º do supracitado diploma legal. Cabe observar que durante o período da vacatio legis a norma já está investida de validade, porém não de vigência, podendo-se dizer que sua validade paira em suspenso. Logo, uma norma pode ser válida sem ser vigente, ou seja: validade e vigência não se confundem. Da mesma forma, uma norma válida pode ser vigente e não possuir eficácia, donde também se conclui que vigência e eficácia são qualidades distin-tas, referindo-se uma ao tempo de validade da norma e a outra à produ-ção de que a tornam eficaz no mundo prático da vida social. Conforme a análise de Tércio Sampaio Ferraz Junior, a norma só se torna eficaz quan-do encontra na realidade social as condições adequadas para a produção dos seus efeitos, mas, se a eficácia depende de requisitos inexistentes de fato, a ausência deles não afeta a validade da norma, mas a produção dos seus efeitos. Isso quer dizer que, mesmo ineficaz, a norma é válida, pelo simples fato de pertencer ao ordenamento jurídico.

Do exposto resta clara a incongruência das assertivas C, D e E, com os pressupostos formais do direito positivo brasileiro que denunciam a hegemonia formal do normativismo iluminista nos seus fundamentos.

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Daisson Flach1

Fernando Monti Chrusciel2

A expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil defi-nição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema por meio do qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e (ou) resolver seus litígios, sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve pro-duzir resultados que sejam individual e socialmente justos. Sem dúvida, uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo. O acesso não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é também, necessariamente, o ponto central da moderna processualís-tica. CAPPELLETTI, M.; GARTH, B. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Gracie Northfllet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p. 8-13 (adaptado).

Considerando o acesso à Justiça como um dos temas relevantes da processualística contemporânea, bem como a repercussão, no ordena-

1 Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor adjunto de Direito Processual Civil da UFRGS e professor da Faculdade do Ministério Público – FMP. Ad-vogado.2 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Ad-vogado.

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mento jurídico brasileiro, do movimento de acesso à Justiça iniciado por Cappelletti e Garth, no sentido de superação dos obstáculos para a efeti-va prestação da tutela jurisdicional, conclui-se que:

A) a autorização de julgamento por amostragem de recursos espe-ciais interpostos constitui obstáculo ao acesso à Justiça, pois pode prejudicar uma das partes pelo fato de não haver análise detalha-da do recurso.

B) o direito de acesso à Justiça não implica, necessariamente, direito de acesso à ordem jurídica justa, ou seja, a compatibilização do direito substancial com a realidade social, judicialmente.

C) a restrição do direito à assistência judiciária constitui um dos re-trocessos no acesso à Justiça trazidos pela Constituição Federal de 1988.

D) a alteração do cumprimento das sentenças e o procedimento su-maríssimo da Justiça do Trabalho são exemplos de reestruturação de práticas tradicionais no Brasil sob a perspectiva da ampliação do acesso à Justiça.

E) as violações de caráter difuso, ou seja, as lesões causadas ao cida-dão, individualmente, em diferentes esferas do seu patrimônio ju-rídico constituem obstáculo ao acesso à Justiça, em razão do alto custo do processo.

Breve introdução teórica

A questão proposta envolve os múltiplos aspectos do direito fun-damental à tutela adequada e efetiva dos direitos, a partir da seminal doutrina de Mauro Cappelletti e Brian Garth, que, em viés comparatís-tico, enfrentaram o crucial problema do acesso à justiça, um dos temas centrais de sua produção intelectual, marcada pela permanente análise crítica (e, portanto, verdadeiramente construtiva) e preocupação social.

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A doutrina de Cappelletti exerceu grande influência no Brasil, tendo sua obra circulado no ambiente acadêmico e institucional desde a década de 19703, com permanentes referências dos processualistas brasileiros, além de notoriamente influenciar diplomas que viriam, com grandes mé-ritos, a democratizar a justiça brasileira e ampliar o acesso ao serviço de justiça, como é o caso da Lei dos Juizados Especiais (originariamente Lei 7.244/84, posteriormente Lei 9.099/95), da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e, sob certo aspecto, também do Código de Defesa do Consu-midor, como se verifica das reiteradas citações dos autores do antepro-jeto.4

Feitas as iniciais considerações, cumpre examinar, ainda que sucinta-mente, o conteúdo do direito fundamental subjacente à questão formu-lada, no contexto das relações entre processo e Constituição.

O Direito Processual Civil contemporâneo deve ser visualizado em sua íntima conexão com os direitos fundamentais. Já o art. 1º do Código de Processo Civil de 2015 estabelece que “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas estabeleci-das na Constituição da República Federativa do Brasil”. Sob a perspectiva dos direitos fundamentais, o processo não pode ser compreendido como mera técnica, neutra a valores, senão como instrumento de realização e potencialização dos direitos fundamentais, constituindo verdadeiro “di-reito constitucional aplicado”.5 O exercício da jurisdição é conformado pela Constituição e orientado à realização de seus valores. Não por acaso a Constituição inclui no catálogo dos direitos fundamentais vários ligados

3 Para uma consistente análise da influência de Mauro Cappelletti no Direito Processual Brasilei-ro, vide: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. Cappelletti e o direito processual brasileiro. In: CAPPEL-LETTI, Mauro; GARTH, Brian. Processo, ideologias e sociedade. Tradução: Hermes Zaneti Junior. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2010. v. II, p. 07 a 16. 4 GRINOVER, Ada Pelegrini et al. Código de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.5 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Processo e constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 3.

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essencialmente ao processo e que, juntos, estruturam verdadeiro mode-lo constitucional de processo.

Dentre os direitos fundamentais processuais, interessa-nos mais de perto o que consta do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição: “a lei não exclui-rá da apreciação do poder jurisdicional lesão ou ameaça a direito”. Trata-se do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva.

O âmbito de proteção do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva envolve três aspectos indissociáveis e complemen-tares: a) o do acesso à justiça; b) o da adequação da tutela; e c) o da efetividade da tutela.6

Garantir o acesso à justiça implica dar a maior amplitude à presta-ção da tutela jurisdicional, pondo-a ao alcance de todos os que dela ne-cessitam. Nesse sentido, cumpre, inicialmente, dizer que não apenas os direitos individuais recebem a proteção da ordem jurídica, mas também os designados direitos transindividuais (comportando os direitos difusos, direitos coletivos e direitos individuais homogêneos). É importante lem-brar que a Constituição, ao regular os direitos e garantias fundamentais (Título II), faz referência aos “direitos e deveres individuais e coletivos” (Capítulo I). É também preocupação essencial do acesso à justiça o custo financeiro do processo, o que implica proporcionar a litigância gratuita àqueles que não têm condição de arcar com os custos do processo sem prejuízo do sustento pessoal e familiar, de modo a não alijar indivíduos ou grupos do serviço de justiça por deficiência de recursos. É também fundamental que o Judiciário chegue aos recantos mais isolados, alcan-çando até mesmo aquelas comunidades distantes dos centros urbanos maiores, o que, em um país de dimensões continentais, é um perma-nente desafio à administração da justiça. É, em suma, a garantia de uma jurisdição democrática e isonômica, da qual devem participar, com pari-dade de condições, todos aqueles que dela necessitam.

6 Conforme sistematização proposta por SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

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A tutela jurisdicional deve ser adequada à tutela dos direitos. Como instrumento para a tutela dos direitos, o processo deve ser apto para promover o fim a que se destina. Isso demanda o desenvolvimento da ordem processual de modo a disponibilizar técnicas que possam dar res-postas adequadas às necessidades reveladas pelas situações carentes de tutela, cuja imensa variabilidade determina necessária adaptabilidade e aderência à natureza do direito. Essa dimensão resta clara quando se observa, por exemplo, a própria dicção do art. 5º, XXXV, quando faz re-ferência a “lesão ou ameaça a direito”, evidenciando a necessidade de técnicas aptas à tutela preventiva, além da tutela repressiva. Assim, a conformação de procedimentos adequados pressupõe equilibrada rela-ção entre cognição e execução, a previsão de técnicas antecipatórias de tutela para casos em que se verifique a urgência em prover ou a existên-cia de um direito evidente, distribuição justa dos encargos probatórios (com utilização, por exemplo, de técnicas de inversão e dinamização das cargas probatórias), meios executivos aderentes à natureza do direito a ser tutelado, procedimentos diferenciados em vista das peculiaridades do direito material, entre outras necessárias adaptações.

Intimamente relacionada com os dois aspectos anteriormente sa-lientados está a necessidade de que a tutela jurisdicional seja efetiva. Trata-se de preocupação com o resultado do processo. É antiga a noção segundo a qual a previsão de um direito pela ordem jurídica outorga, simultaneamente, o direito à sua proteção efetiva. Atento à sua função instrumental, o processo deve garantir resultados efetivos. O processo civil brasileiro se distancia de uma perspectiva meramente declaratória dos direitos para afirmar a necessidade de uma tutela substancial, pres-tada na forma específica (de modo a garantir efetiva proteção do direito sob ameaça ou recomposição do direito violado).7 O processo deve, sob

7 Sobre o tema, com profundidade, SILVA, Ovídio Baptista da. Jurisdição, direito material e processo. Rio de Janeiro: Forense, 2008. Também: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. v. 1, p. 99 a 156.

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essa perspectiva, manter seu vínculo estreito com o direito material, de modo a instrumentalizá-lo de forma eficiente, garantindo que, dentro das possibilidades, a resposta estatal seja de efetiva tutela, entendida como a concreção do direito, mediante técnicas eficientes de decisão e de execução.8

Exame das assertivas

A) A assertiva é falsa. Trata-se da técnica de julgamento concen-trado de recursos especiais que encontra previsão no art. 543-C do CPC vigente (e que encontra mecanismo similar no novo CPC, art. 1.036, em relação aos recursos especial e extraordinário). Ha-vendo multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, o tribunal de origem que verificar tal situação, ou por determinação do tribunal superior, deve selecionar recur-sos representativos da controvérsia (dois ou mais, segundo o art. 1.036 do novo CPC) e encaminhar ao tribunal superior, ficando sobrestados os demais (no novo CPC, ficarão suspensos não ape-nas os recursos interpostos, mas todos os processos, individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma questão, art. 1.036) até que seja publicado o acórdão paradigma, o qual deverá orientar a decisão dos processos sobrestados. O julgamento concentrado é compatível com a função dos tribunais superiores de dar unidade à aplicação do direito, em nível constitucional (STF) e infraconsti-tucional (STJ), produzindo precedentes a serem observados pelos juízes e tribunais (art. 927 do novo CPC). Vários são os objetivos da disciplina do julgamento concentrado: a) promover tratamento isonômico, no sentido de que todos os jurisdicionados que este-jam na mesma situação recebam o mesmo tratamento; b) impor o

8 AMARAL, Guilherme Rizzo. Cumprimento e execução de sentença sob a ótica do formalis-mo-valorativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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respeito aos precedentes dos tribunais superiores como forma de dar previsibilidade, estabilidade, cognoscibilidade e segurança em relação aos critérios decisórios e seus fundamentos determinan-tes; c) racionalização da atividade dos tribunais superiores, evi-tando que tenham que decidir incontáveis vezes sobre a mesma questão de direito, o que implica atuação contrária à sua própria função constitucional e institucional9; d) oferecer tutela sem di-lações indevidas causadas por overload dos tribunais superiores (para além do já existente). Em se tratando, essencialmente, do exame de questão de direito, não havendo análise do material probatório, não há na adoção da técnica violação do acesso à jus-tiça, considerando que a matéria será examinada com profundi-dade pelo tribunal superior, aplicando-se isonomicamente o crité-rio definido, a partir dos seus fundamentos determinantes.

B) A assertiva é falsa. Conforme foi exposto na parte introdutória dos comentários, o direito à tutela adequada e efetiva dos direitos está intimamente conectado com o acesso à justiça. Na realidade, o acesso à justiça constitui elemento do direito fundamental em exa-me, enlaçado de forma incindível com a dimensão da adequação do processo e da efetividade da tutela, o que envolve a conformação de um processo apto à tutela do direito material, com olhos em seus aspectos específicos, mediante técnicas idôneas para o atingi-mento da finalidade. A eficiência do processo, a obtenção de resul-tados concretos é elemento essencial do processo justo. Formulada a assertiva em sentido negativo, revela-se equivocada.

C) A assertiva é falsa. A Constituição de 1988 não restringiu a assis-tência judiciária gratuita e, ao contrário, a previu expressamente. No art. 5º, LXXIV: “o estado prestará assistência jurídica integral

9 Sobre o tema, MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. São Paulo: Revista dos Tri-bunais, 2010. p. 475 a 480. ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Curitiba: Juruá Edi-tora, 2012. p. 442 a 447. Para um exame teórico dos modelos de cortes superiores e suas funções: MITIDIERO, Daniel. Cortes superiores e cortes supremas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

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e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Ade-mais, a Lei 1.060/1950 (Lei da Assistência Judiciária) foi recepcio-nada pela Constituição de 1988. Vejam-se, igualmente, as dispo-sições dos arts. 98 a 102 do novo CPC. Além disso, há previsão constitucional da atuação da Defensoria Pública (art. 134 da Cons-tituição), incumbida da defesa “integral e gratuita aos necessita-dos”, entre outras funções institucionais (vide, ainda, a Lei Com-plementar 80/1994, a Lei da Defensoria Pública e os arts. 185 a 187 do novo CPC).

D) A assertiva é verdadeira. Conforme a introdução teórica aos pre-sentes comentários, o acesso à justiça está conectado à neces-sidade de que a tutela jurisdicional seja adequada e efetiva. O procedimento sumaríssimo, introduzido no processo do trabalho pela Lei 9.957/2000, buscou dar maior celeridade à tramitação de determinados processos (até 40 salários mínimos), promovendo a concentração dos atos do processo e redução das formalidades processuais.10 Buscando maior efetividade, também andou bem o processo do trabalho ao reconhecer a aplicação subsidiária das re-gras do Código de Processo Civil no que respeita ao cumprimento de sentença, tornando desnecessária a instauração de demanda executiva autônoma para o cumprimento da decisão, adotando modelo sincrético, em que é possível realizar as funções cognitiva e executiva no mesmo processo.11 Em ambos os casos, o proces-so do trabalho busca, mediante reestruturação do procedimento, outorgar maior eficiência e celeridade à prestação jurisdicional, realizando assim, em maior medida, o direito fundamental à tute-la jurisdicional adequada e efetiva dos direitos.

10 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 11. ed. São Paulo: LTR, 2013. p. 368 a 374. Na mesma obra, enfocando o problema do cumprimento de sentença, p. 1077 a 1090.11 A referência aqui é às regras introduzidas no CPC/1973 pela lei 11.232/05, incorporada, com adaptações, ao novo CPC. No que tange às ordens de fazer, não fazer e entregar, já vinha o proces-so do trabalho aplicando subsidiariamente o CPC, configurando o modelo sincrético de processo.

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E) A assertiva é falsa. Em primeiro lugar, é falsa a assertiva porque induz confusão manifesta entre os designados direitos difusos, entendidos como “transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circuns-tâncias de fato” (art. 81, parágrafo único, I, do Código de Defesa do Consumidor – CDC), e os direitos individuais (que, de qualquer sorte, na hipótese de serem homogêneos, art. 81, parágrafo úni-co, III, do CDC, poderão ser objeto de ação coletiva). Em segun-do lugar, a assertiva é falsa por desconsiderar que a Constituição assegura a tutela de direitos individuais e transindividuais. Con-forme já referido, a Constituição, ao regular os direitos e garan-tias fundamentais (Título II), faz referência aos “direitos e deveres individuais e coletivos” (Capítulo I). Em nível infraconstitucional, há um microssistema de processo coletivo, voltado à tutela dos direitos transindividuais e individuais homogêneos, resultante da aplicação integrada de diversos diplomas que, em suas recíprocas implicações, configuram processos aptos à tutela dos diversos di-reitos transindividuais (Código de Defesa do Consumidor, Lei da Ação Civil Pública, Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, Estatuto do Torcedor, Lei de Improbidade, Lei da Ação Popular, nova Lei do Mandado de Segurança – com a disciplina do mandado de segurança coletivo –, entre várias outras).12

Referências bibliográficas

AMARAL, Guilherme Rizzo. Cumprimento e execução de sentença sob a ótica do formalismo-valorativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

CASTRO MENDES, Aluisio Gonçalves de. Ações coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

12 DIDIER JR, Fredie; ZANETI JR, Hermes. Curso de direito processual civil. Salvador: Jus Podium, 2010. v. 4. ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. CASTRO MENDES, Aluisio Gonçalves de. Ações coletivas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de (org.). Processo e consti-tuição. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

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ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Curitiba: Juruá Editora, 2012.

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ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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Plínio Melgaré

A Constituição brasileira de 1988 reconheceu aos índios sua organi-zação social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originá-rios sobre as terras que tradicionalmente ocupam (Art. 231). Sobre o pro-cesso de demarcação das terras indígenas, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima, em conformidade com a Portaria n.º 534/2005 do Ministério da Justiça (Petição n.º 3.388-RR, j. 19/03/2009).

Tendo como base os dispositivos da Constituição Federal e as deci-sões do judiciário a respeito da demarcação das terras indígenas, verifi-ca-se que:

A) os direitos dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocu-pam foram reconhecidos no texto constitucional, mas são exerci-dos com base em ato constitutivo de demarcação, de competên-cia da União.

B) a demarcação de terras indígenas deve ser feita em áreas fora de unidades de conservação, já que aos índios é permitido o uso dos recursos naturais de suas terras.

C) as terras indígenas, quando devidamente demarcadas, constituem território político dos índios, reconhecido e protegido pela União.

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D) as terras indígenas podem ser objeto de arrendamento, desde que assim autorizado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

E) a competência para a demarcação de terras indígenas é da União, na esfera do poder executivo.

COMENTÁRIO

A questão envolve a temática da demarcação das terras indígenas, em especial a da reserva Raposa Serra do Sol, localizada no Estado de Roraima. A área abriga uma extensão de mais de 1,7 milhão de hectares. Mesmo antes da década de 70, quando iniciou efetivamente o seu pro-cesso de identificação, essa área já fora alvo de disputa. Todavia, no ano de 2005, o presidente Luís Inácio Lula da Silva, por meio do Decreto de 15 de abril de 20051, homologou a demarcação da área da reserva indígena Raposa Serra do Sol. O ato do presidente seguiu plenamente os termos da Portaria nº 534/2005 do Ministério da Justiça, publicada no Diário Ofi-cial da União em 15 de abril de 2005, que definia os limites da reserva.

Nos termos do artigo 1º do citado Decreto, as terras da Reserva Ra-posa do Sol, destinadas à posse permanente das etnias Ingarikó, Makuxi, Patamona, Taurepang e Wapixana, foram demarcadas seguindo uma su-perfície contínua de 1.747.464 hectares. O artigo 4º do Decreto assegu-rava “a ação das Forças Armadas, para a defesa do território e da sobe-rania nacionais, e do Departamento de Polícia Federal do Ministério da Justiça, para garantir a segurança e a ordem pública e proteger os direitos constitucionais indígenas, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol”.

Nada obstante, a demarcação não se concretizou. De fato, havia um intenso litígio envolvendo a extensão da área da Reserva, além da situa-ção tensa vivenciada pelos grupos favoráveis aos termos da demarcação e por aqueles que a ela se opunham, como, por exemplo, produtores

1 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Dnn/Dnn10495.htm.

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rurais ali estabelecidos, favoráveis a uma demarcação descontínua da re-serva. Muitas manifestações, como bloqueio de rodovias, foram pratica-das. Em 2006, ações possessórias são interpostas visando à permanência de produtores rurais nas terras indígenas demarcadas.

Em meados do ano de 2007, o Supremo Tribunal Federal rejeita uma liminar, concedida pelo ministro Ayres Britto, que mantinha empresas agrícolas e pecuárias na Reserva. Na sequência, o Estado de Roraima pro-põe uma ação2 (Petição n.º 3.388-RR, j. 19/03/2009) em que requer seja suspenso, por conter vícios no processo demarcatório, o Decreto de 15 de abril de 2005, que delimitara a reserva Raposa Serra do Sol. No ano de 2008, a Polícia Federal inicia a retirada dos não índios da reserva. A ação da Polícia Federal encontra forte reação, gerando uma série de conflitos. Diante disso, o Supremo Tribunal Federal suspende a operação de retira-da promovida pela Polícia Federal.3 Bem, aqui se apresenta o contexto da questão ora comentada.

De um modo preliminar, cumpre destacar, como o fez o ministro Ayres Britto4, que a demarcação das terras indígenas, de acordo com a Constituição Federal, o Estatuto do Índio e o Decreto no 1775/1996, que alterou o Decreto no 22/1991, observa as seguintes etapas: 1. de-limitação antropológica da área; 2. declaração da posse permanente, por meio de portaria do ministro de Estado da Justiça; 3. a demarcação propriamente dita; 4. homologação, mediante decreto do presidente da República; e 5. registro, a ser realizado no Cartório de Imóveis da comarca de situação das terras indígenas e na Secretaria do Patrimônio da União.

2 O inteiro teor do acórdão que julgou a referida ação está disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630133.3 A rápida cronologia aqui apresentada pode, em seus pormenores, ser ampliada nos seguintes sítios: http://www.socioambiental.org/inst/esp/raposa/?q=cronologia&page=1, http://infografi-cos.estadao.com.br/public/politica/roraima-raposa-serra-do-sol/a-reserva.html e http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2009/raposaserradosol/. 4 Petição 3388/ Roraima. DJe 12.0. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagina-dor.jsp?docTP=AC&docID=630133. Acesso em 09 de maio de 2015.

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Sem embargo, a Constituição brasileira, com nítido escopo protetivo, normatiza a questão dos direitos indígenas no Capítulo VIII, do Título VIII, que se refere à ordem social. Nesse bloco normativo, de modo inova-dor, o artigo 231 assegura aos povos indígenas um direito básico: o de se manter indígena5, vivendo de acordo com o ethos próprio de sua cultu-ra. A singularidade das etnias indígenas, tão plurais em nosso país, é pro-tegida. Suas línguas, crenças, diferenças e valores são distinguidos pela Constituição como direitos essenciais à sua própria condição existencial. Nessa direção, é assegurado aos povos indígenas o direito à terra. E esse direito territorial assume forma peculiar: é reconhecido um direito origi-nário sobre as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, é dizer, um direito que se afirma e se constitui anterior ao Estado e independen-te deste. Conforme o magistério de José Afonso da Silva6, as terras que tradicionalmente são ocupadas pelos indígenas ancoram-se em quatro condições: 1. ser habitadas pelos indígenas em caráter permanente; 2. ser utilizadas pelos índios para suas atividades produtivas; 3. ser necessá-rias à preservação dos recursos naturais indispensáveis a seu bem-estar; e 4. ser necessárias para a sua reprodução físico-cultural.

No tema das terras indígenas, o papel do Estado brasileiro é o de reconhecer a titularidade sobre a terra – e não constituí-la. Então, o pro-cesso demarcatório acima citado cumpre o papel de chancelar, declarar e exteriorizar um direito originário e tradicionalmente formado. Esse di-reito, nos termos do artigo 231 da Constituição Federal, está conectado à ocupação real e atual da área, bem como a uma forma de ocupação tradicional.7 O ato demarcatório tão somente tem uma natureza declara-tória, o que torna a assertiva “A” da questão em comento errada.

5 Nesse sentido, ver Carlos Frederico Marés de Souza Filho in Comentários à constituição do Brasil, de J.J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo W. Sarlet, Lênio Luiz Streck. S. Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 2148 e seguintes.6 Comentário contextual à constituição. 5. ed S. Paulo: Malheiros, 2007, p. 869.7 Independente do juízo crítico que se faça, cita-se Yves Gandra da Silva Martins: “Todas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios lhes pertencem e a mais ninguém” (MARTINS, Yves Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do (coords.). Tratado de direito constitucional. S. Paulo: Saraiva, 2010. v. 2, p. 691).

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Independente disso, há de se destacar que as terras indígenas, nos termos do artigo 20 da Constituição Federal, integram o rol de bens per-tencentes à União. Assim, sobretudo a partir do julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal que envolveu a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, resta claro que a expressão “terras”, presente no texto cons-titucional, exclui qualquer pretensão de um território político autôno-mo.8 As terras indígenas, por definição da Constituição, integram o ter-ritório nacional, sendo pertencentes à União. Sem embargo, em termos jurídico-constitucionais, há uma valorização dos povos indígenas, susten-tando-se as suas diferenças – e o direito a elas – sem que se autorize um direito de independência e de secessão. Afirma-se a diferença, consoli-dando-a dentro dos moldes do Estado-nação.9 Errada, pois, a assertiva “C”.

Afirma-se, pois, que a normatividade constitucional define um mo-delo de ocupação próprio, peculiar, das terras indígenas. Tais terras são mantidas como bens pertencentes à União10, preservando-se a identi-dade própria de cada etnia, reconhecido um direito originário que ultra-passa a vontade do Estado, que, por seu turno, pelo agir da União, deve ser assegurado. Releva observar, nos termos do parágrafo 4º do artigo 231 da Constituição Federal, que as terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis, não sofrendo os direitos sobre elas a repercussão do tem-po: afinal, são direitos imprescritíveis. Diante disso, percebe-se o erro da assertiva “D”.

O artigo 225, parágrafo 1º, inciso III, da Constituição Federal legi-tima o Poder Público a estabelecer espaços de unidades de conserva-

8 Nesse sentido, o voto do ministro Ayres Britto. Petição 3388/ Roraima. DJe 12.0. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=630133. Acesso em 09 de maio de 2015.9 Nesse aspecto, decerto que uma dúvida surge: acaso essa postura não favorece um processo de assimilação por parte dos povos indígenas? Sobre isso, sugere-se, entre outros: ROULAND, Norbert (org.). Direito das minorias e dos povos autóctones. Trad. Ane Lize Spaltemberg. Brasília: UnB, 2004. p. 280 e seguintes.10 Garante-se a posse permanente das terras habitadas permanentemente pelos indígenas.

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ção. Contudo, a demarcação das terras indígenas, como já destacado, decorre de um direito originário dos povos indígenas. E esse reconhe-cimento não é excluído em razão de a área territorial ser reconhecida como unidade de conservação. Há de haver, sim, uma compatibilização das populações tradicionais com as exigências das unidades de con-servação, nos termos da legislação vigente. Dessa forma, igualmente errada está a assertiva “B”.

Por força do artigo 231 da Constituição Federal, a competência para demarcar as terras indígenas é da União. E essa competência afirma o papel da União em reconhecer o direito dos povos indígenas. E em um complexo normativo-constitucional que reconhece os direitos culturais próprios e autônomos das populações indígenas, “[...] toma vulto a com-petência constitucional da União para demarcar, proteger e fazer respei-tar todos os bens situados nas terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas [...]”.11 De outra banda, a consolidar esse entendimento12, re-corta-se o expresso no artigo 67 dos Atos da Disposições Constitucionais Transitórias, que estipulou um prazo de cinco anos, a contar da promul-gação da Constituição, para a União concluir a demarcação das terras indígenas. Por essa via, correta a assertiva “E”.

Ao fim e ao cabo, percebe-se, com o tratamento dispensado à temá-tica dos direitos dos indígenas, que a axiologia constitucional brasileira consolida um pendão solidário, afivelado a uma ordem fraterna e de re-conhecimento dos direitos das minorias, o que se coaduna, decerto, com as exigências de um Estado democrático e de direito.

11 Petição 3388/ Roraima. DJe 12.0. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/pagina-dor.jsp?docTP=AC&docID=630133. Acesso em 09 de maio de 2015 12 Nesse sentido, igualmente Carlos Frederico Marés de Souza Filho in Comentários à constitui-ção do Brasil, de J.J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo W. Sarlet, Lênio Luiz Streck. S. Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 2.148 e seguintes.

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BIBLIOGRAFIA INDICADA

GOMES CANOTILHO, J. J.; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo W.; STRECK Lênio Luiz. Comentários à constituição do Brasil. S. Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.

MARTINS, Yves Gandra da Silva; MENDES, Gilmar Ferreira; NASCIMENTO, Carlos Valder do. Tratado de direito constitucional. S. Paulo: Saraiva, 2010. v. 2.

ROULAND, Norbert (org.). Direito das minorias e dos povos autóctones. Trad. Ane Lize Spaltemberg. Brasília: UnB, 2004.

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à constituição. 5. ed. S. Paulo: Malheiros, 2007.

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Mauricio Martins Reis

Chamamos de julgamento (isto é, a faculdade graças à qual dizemos que uma pessoa julga compreensivamente) a percepção acertada do que é equitativo. Uma prova disto é o fato de dizermos que uma pessoa equi-tativa é, mais que todas as outras, um juiz compreensivo, e identificamos a equidade com o julgamento compreensivo acerca de certos fatos. E jul-gamento compreensivo é o julgamento em que está presente a percep-ção do que é equitativo, e de maneira acertada; e julgar acertadamente é julgar segundo a verdade.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Trad.: Mário da Gama Kury. 4 ed. Brasília: EDUnB, 2001, p. 121-123.

Na direção do que aponta o texto de Aristóteles, verifica-se que o ser humano, de modo constante, exerce a arte de julgar. Assim o faz em situações determinadas do cotidiano, decidindo acerca de suas condutas e das dos outros, analisando medidas e fatos e avaliando situações.

Com o operador do direito não é diferente, mormente com magis-trados, agentes responsáveis pela tomada de decisões nas relações pro-cessuais. Com base nesse entendimento e no texto acima apresentado, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas.

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I. A relação processual pressupõe o julgamento, o qual representa, para o magistrado, um agir com deliberações, uma vez que, ao decidir, esse operador jurídico se baseia na antecedente análise dos fatos e, de modo reflexivo, atinge o seu convencimento diante das provas apresentadas pelas partes no âmbito do processo.

PORQUE

II. Ao analisar os fatos apresentados na relação processual, o magis-trado deve ser equânime e aproximar-se das partes envolvidas, para formar o seu convencimento com base nas opiniões por elas emitidas, o que lhe permite deliberar de modo mais sensato, justo e compreensivo com todos.

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justifi-cativa da I.

B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.

C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.

D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição ver-dadeira.

E) As asserções I e II são proposições falsas.

RESPOSTA QUESTÃO 14

A questão dedica-se a examinar o grau de compreensão do candida-to e a respectiva capacidade de formular conclusões com coerência in-terna a partir de dados e premissas conferidos pelo próprio examinador a partir de uma fonte da literatura filosófica clássica. Isto quer dizer que no caso em tela não se cuida propriamente de testar os prévios conheci-

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mentos havidos pelos alunos, senão de avaliar a específica competência de interpretação com base estrita em conteúdos fornecidos pela prova, de modo a auferir-se a potencialidade de formular juízos conclusivos co-erentes ou não passíveis de contradição. Nesses termos, reitere-se, a in-dagação retém explicitamente a capacidade de o candidato assimilar o pressuposto evidenciado no antecedente, caracterizado por uma citação de Aristóteles, e de um comentário do examinador, para, então, assumir as consequências de duas assertivas e o relacionamento condicionante entre si.

A temática sob análise diz respeito à filosofia do direito, ou, melhor, ao filosofar jurídico. Ela contempla do examinando a competência do ra-ciocínio e da reflexão na sua dimensão mais básica, a saber, na medida da justificação interna entre meios pressupostos e fins coerentemente deduzidos daquelas premissas. Não se evidencia, pois, se o aluno é fa-miliarizado com a filosofia aristotélica, senão se ele é capaz de formular hipóteses consequentes de reflexão congruentes aos pressupostos nar-rados (sob a rubrica do filósofo) e assentidos pela banca examinadora (mediante o parágrafo posterior à citação).

O norte contextual da questão, ou seja, o pano de fundo epistemo-lógico de onde se sobressaem as expectativas avaliativas orientadas pelo propósito da correspondente fórmula expositiva, remonta à literatura so-bre a argumentação jurídica, acerca do plano de estudo responsável pela assimilação das estruturas racionais do discurso, entendido este como a razão prática direcionada pelo consenso na arena pública das razões, ou mediante a força do melhor argumento. Se o candidato possui co-nhecimentos elementares acerca de como procede a cadeia discursiva da racionalidade prática, isto é, as relações reciprocamente consideradas entre premissas e consequências na sua dimensão reflexiva dialética, não haverá maiores dificuldades na resolução de perguntas dessa natureza.

Aliás, o procedimento mais fundamental a se exigir do jurista consiste exatamente na capacidade de compreender e de identificar com proprie-

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dade as premissas do cotidiano forense para delas entabular conclusões em conformidade ao ordenamento positivo vigente. Tais premissas con-templam as matérias de fato e de direito, cuja interação argumentativa reivindica o proceder em direção à descrição narrativa do acontecimento – problematizável na figura da lide – submetido aos autos do processo e à correspondente adjudicação jurídica pela figura da hipótese normativa de incidência.

Indicam-se, destarte, três referências bibliográficas pertinentes à formação da competência preponderante exigida pela questão em co-mento. Logo a seguir virá o comentário tópico de justificação do gabarito sugerido para o problema formulado pelo examinador.

ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Traduzido por Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Editora Landy, 2006.

BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Traduzido por Denise Agostinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

MARCONDES, Danilo. Textos básicos de linguagem: de Platão a Fou-cault. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

Conforme antes referido, há dois pressupostos inerentes na com-preensão do problema posto pelo examinador. O primeiro é retirado da citação de Aristóteles e se pode descrever no sentido de conceituar o julgamento como uma faculdade humana ligada à compreensão e à per-cepção do critério sobre o equânime. Nesta primeira premissa advém a exigência aristotélica de que o conceito de julgamento implica a necessi-dade de um julgamento acertado conforme a verdade.

Em complementaridade, o segundo pressuposto, advindo do pará-grafo sucessivo ao trecho citado de autoria do examinador, atesta que a arte de julgar tanto ocorre em nosso cotidiano como no ofício técnico do magistrado. Agora, já de posse das duas premissas, podemos enfrentar os dois períodos (assertivas I e II) para os quais se pede a interpretação

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de seu relacionamento a partir do duplo enunciado introdutório. A pri-meira asserção fornecida concerne ao julgamento pelo Poder Judiciário, o qual representaria “um agir com deliberações, uma vez que, ao deci-dir, esse operador jurídico se baseia na antecedente análise dos fatos e, de modo reflexivo, atinge o seu convencimento diante das provas apre-sentadas pelas partes no âmbito do processo”. Em princípio, não haveria motivo para discordarmos desse primeiro enunciado, o qual se sintoniza com um conceito referencial a respeito do ofício do julgador, motivo pelo qual resta indispensável o exame da segunda asserção para o deslinde do problema.

Antes disso, porém, note-se a conjunção explicativa a conectar am-bos os enunciados. A conjunção “porque” remete ao juízo de explicação causal da segunda assertiva em relação ao primeiro período: nos ter-mos do examinador, pela análise das alternativas “a” e “b”, o conector “porque” haveria de ser o elo a confirmar que o enunciado II justificaria, como causa, o enunciado I, caso ambos sejam verdadeiros. Assim, a veri-ficação do enunciado II é crucial para o acerto da questão. Em sendo ele isoladamente falso, não poderia funcionar como suporte explicativo da assertiva I (nesse caso, a resposta do problema logo apareceria, e seria a resposta “c”, uma vez já assimilada que a assertiva I é correta, com o que se afastaria a alternativa “e”). Em sendo verdadeiro, poderia servir, ou não, como causa da assertiva I, já tomada em preliminar como verda-deira pela ausência de qualquer elemento aparente de estranhamento conceitual quanto ao ato de julgamento.

O que torna o enunciado II falso consiste no rigor de contraste entre o seu conteúdo sobre o que é o julgamento, ou quais são as suas partes componentes, e o conceito de Aristóteles do acertado julgamento a se aproximar da verdade (“e julgar acertadamente é julgar segundo a verda-de”). A discórdia se põe na medida em que o convencimento do julgador, conforme o enunciado II, se forma com base nas “opiniões” emitidas pe-las partes do processo, as quais o magistrado deve se aproximar de modo

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a elaborar o seu sentimento da justiça equânime. A opinião diverge da pretensão processual resistida (réu) e impulsionada (autor) por força do recurso aos argumentos que visam ao convencimento fundado na ver-dade ou na verossimilhança. Uma opinião, pura e simples, não possui relacionamento com o debate argumentativo, senão com o impulso retó-rico que almeja apenas a persuasão independentemente de quem tenha razão e da força normativa dos dispositivos legais e constitucionais. A opinião, pois, dista da verdade, ou do compromisso ético do direito em busca da justiça evidenciada nos reclamos institucionais que conformam o bem comum contextualizado em nossos instrumentos normativos. Por essa razão fundamental, o enunciado II é falso. Portanto, em sendo o primeiro verdadeiro e o segundo falso, a alternativa correta é a indicada pela letra “c”.

Um comentário final: em termos de estratégia, muitas questões são otimizadas no seu tempo de resolução mediante o aceno do raciocínio lógico do candidato. Assim sendo, vimos que, pela redação das alterna-tivas “a” a “e”, em sendo o enunciado II falso, restariam duas possibilida-des de resposta, “c” e “e”, restando a ele tão só verificar se o enunciado I é verdadeiro ou falso. Assim, com duas possibilidades pela frente, o alu-no evita o desgaste de se confrontar com um número elevado de conjec-turas, poupando o seu tempo e, melhor, sua envergadura interpretativa para perguntas com um maior alcance de dificuldade.

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Rafael Maffini1

COMENTÁRIOS

Não são unânimes, no Direito brasileiro, a definição e a classificação dos agentes públicos. Aliás, são conhecidos os vários modos de se sistematiza-rem as categorias funcionais que operam política ou profissionalmente suas atividades junto à Administração Pública. Seria de pouco proveito, nesse en-frentamento, o apego a questões meramente terminológicas. Pretende-se, ao contrário, compreender o que seja e quais são as espécies de agentes públicos previstas no texto constitucional. Cumpre salientar que a sistemati-zação que será proposta seguirá o critério do regime jurídico aplicável, rele-gando-se a um plano secundário a denominação atribuída a cada categoria.

Primeiramente, todavia, é imprescindível que se conceitue o que seja um “agente público”. Agente público é a pessoa natural que exerce função pública perante o aparato estatal. Na esteira do que sustenta Cel-so Antônio Bandeira de Mello (Curso de direito administrativo, p. 227), tem-se que “dois são os requisitos para a caracterização do agente públi-co: um, de ordem objetiva, isto é, a natureza estatal da atividade desem-penhada; outro, de ordem subjetiva: a investidura nela”.

1 Advogado em Porto Alegre; sócio-diretor do escritório Rossi, Maffini & Milman Advogados; mestre e doutor em Direito pela UFRGS; professor de Direito Administrativo.

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Dessa forma, todos aqueles que desempenharem uma atividade estatal através de um vínculo jurídico regular devem ser considerados “agentes públicos”. A denotar a amplitude de tal definição, tem-se que são muito abrangentes ambos os requisitos do conceito em questão. É de se observar, nesse sentido, que o conceito de “atividade estatal” é, per se, muito amplo. Do mesmo modo, a noção de “vínculo jurídico regular” afigura-se abrangente no sentido de que não se exige, a priori, que tal vínculo seja permanente ou temporário, remunerado ou gratuito, políti-co ou profissional.

Quanto à sistematização dos agentes públicos civis, várias são as suas categorias, dentre as quais se destaca, para a compreensão da questão ora comentada, a categoria dos chamados agentes administrativos. Os agentes administrativos correspondem aos agentes públicos que desem-penham as atividades estatais junto ao Poder Público, ressalvadas as fun-ções típicas de Estado, através de um vínculo jurídico regular e profissio-nal. Existem basicamente três subespécies de agentes administrativos, que passaremos a descrever.

A primeira das categorias de agentes administrativos consiste nos servidores públicos, os quais são os agentes administrativos que pos-suem um vínculo estatutário perante a Administração Pública. Aliás, a Constituição Federal emprega “servidores públicos” em sentido equiva-lente ao que Constituições passadas referiam como “funcionários públi-cos”. Tratam-se os servidores públicos, portanto, daqueles que mantêm um vínculo estatutário para com a Administração Pública, consoante im-põem os preceitos constitucionais (arts. 37 e 39 da CF, por exemplo) e infraconstitucionais (art. 2.º da Lei 8.112/1990, no plano federal).

Não raro, a expressão “servidores públicos” é empregada em setores da doutrina para a designação de um determinado gênero, que abarcaria também aqueles que possuem vínculo celetista. Tal utilização, contudo, não se mostra apropriada em razão dos preceitos constitucionais e infra-constitucionais vigentes, que resguardam claramente a expressão “servi-

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dor público” para designar aqueles que mantêm vínculos estatutários e a expressão “empregado público” para referir os celetistas que exercem funções perante a Administração Pública.

Os servidores públicos são, portanto, os agentes públicos estatutá-rios ocupantes de “cargos públicos” (art. 2.º da Lei 8.112/1990). É con-veniente recordar que os cargos públicos são de duas espécies: a) cargos públicos de provimento efetivo; b) cargos públicos de provimento em comissão.

Nesse sentido, é importante enfatizar que são estatutários os ocu-pantes de cargos em comissão, tal como os ocupantes de cargos efetivos, embora o estatuto preveja regimes jurídicos bastante diversos. Embora tais questões sejam analisadas a seguir mais minuciosamente, desde já é interessante apontar as principais diferenças entre os cargos efetivos e os cargos em comissão: a) diferenças quanto à possibilidade de aquisição de estabilidade, uma vez que os cargos efetivos dão aos servidores que os ocupam, desde que implementadas outras condições constitucionais, a possibilidade de aquisição de estabilidade, ao passo que os cargos em comissão não conferem aos servidores que os ocupam tal prerrogativa (art. 41 da CF); b) diferenças quanto ao ingresso, uma vez que os cargos efetivos são providos por concurso público, ao passo que os cargos em comissão são declarados em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, da CF); c) diferenças quanto ao desligamento, uma vez que os servi-dores ocupantes de cargos efetivos, mesmo os ainda não estáveis, são protegidos com limites ao desligamento, ao passo que os servidores ocu-pantes de cargos em comissão podem ser exonerados ad nutum; d) dife-renças quanto à organização em carreira, uma vez os cargos efetivos são ou devem ser organizados em carreira funcional, salvo os cargos efetivos isolados que, pelo pequeno número, não carecem de tal estruturação, ao passo que os cargos em comissão nunca serão organizados em carreira; e) diferença quanto à natureza das atribuições: os cargos de provimento efetivo devem ter atribuições de natureza técnica, ao passo que os car-

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gos em comissão somente podem ter atribuição de direção, chefia ou assessoramento, sendo inconstitucionais, por afronta ao art. 37, V, da CF, as leis que atribuírem funções técnicas a esses cargos; f) diferenças quan-to ao regime previdenciário: os servidores públicos ocupantes de cargos efetivos são inscritos ao regime de previdência próprio dos servidores (art. 40 da CF), ao passo que os servidores ocupantes exclusivamente de cargos em comissão estão submetidos ao Regime Geral de Previdência Social do INSS (art. 40, § 13, da CF).

Já os empregados públicos correspondem a uma espécie de agentes administrativos cujo vínculo funcional possui natureza celetista. Serão empregados públicos – na estrutura da Administração Pública –, aqueles que exercem suas funções em sociedades de economia mista e empresas públicas e, ainda, aqueles que exercem suas funções nos entes federados que optaram pela criação de um regime jurídico único de natureza cele-tista.

Ocorre que, embora o vínculo jurídico que os coliga à Administração Pública seja regido predominantemente pela Consolidação das Leis do Trabalho, os empregados públicos se submetam a regras constitucionais peculiares ao Direito Público, como é o caso do ingresso por concurso público, dos limites remuneratórios. Aliás, não tem se mostrado singela a tarefa de se compreender, quanto aos empregados públicos, o adequado cotejo das normas contidas na CLT com a principiologia constitucional aplicável à Administração Pública. Exemplo disso é a questão da estabi-lidade dos empregados públicos, existente quando o regime de empre-go público incide sobre os quadros da Administração Direta, autárquica ou fundacional, porém não aplicável quando o regime de emprego pú-blico incidir sobre empresas públicas e sociedades de economia mista, consoante jurisprudência da Justiça do Trabalho (Súmula 390, do TST). Ademais, o STF, ao julgar o RE 589.998 em regime de repercussão geral, entendeu que os empregados públicos das empresas estatais “admitidos por concurso público, não gozam da estabilidade preconizada no art. 41

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da CF, mas sua demissão deve ser sempre motivada”, dada a aplicação do regime jurídico-constitucional próprio da Administração Pública, notada-mente do princípio da motivação.

Por fim, uma categoria especial de agentes administrativos, a qual se mostra destacada na questão em comento, corresponde aos contratados emergenciais/temporários. Cumpre salientar que tais agentes públicos não são, a rigor, regidos pelo estatuto nem pela CLT, mas pelos termos dos respectivos contratos. Por óbvio, como o contrato não pode exorbi-tar dos direitos e garantias sociais previstos na Constituição Federal, que também são a fonte da legislação trabalhista, o referido vínculo contra-tual fica verdadeiramente muito aproximado do regramento celetista. Tal contratação emergencial/temporária tem previsão constitucional no art. 37, IX, da CF, pelo qual “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excep-cional interesse público”. Cada ente federado editará suas próprias leis acerca da matéria. No plano federal, trata-se da Lei 8.745/1993. Cumpre salientar que a contratação por prazo determinado aqui analisada pode se justificar, basicamente, em duas situações: a) quando há urgência no provimento de uma determinada função pública, de modo a não ser pos-sível a realização de um concurso público; b) quando, embora não haja urgência no provimento, trate-se de uma necessidade temporária, de sorte a não ser necessário um provimento de natureza permanente.

Em qualquer dos casos, não será necessária a realização de concurso público com todas as suas fases e complexidade, embora, por imposição do princípio da impessoalidade, não seja possível a adoção de critérios subjetivos de seleção dos contratados por prazo determinado, sendo comum a imposição de um processo de seleção simplificada. Cumpre salientar que é obrigatória a adoção de critérios de seleção que sejam objetivos e previamente divulgados, sob pena, inclusive, de configuração de ato de improbidade. Tais critérios de seleção serão preferencialmen-te meritórios (seleção pública simplificada, exame de currículo etc.), po-

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dendo ser também aleatórios (sorteio, ordem de chegada), mas sempre objetivos e pré-divulgados.

Cumpre salientar que a contratação por prazo determinado para o provimento de postos funcionais que não sejam de provimento urgente nem de provimento temporário afigura-se inconstitucional, por afrontar o princípio geral de que os postos funcionais da Administração Pública devam ser, em geral, providos mediante concurso público.

Diante disso, deve-se compreender que a necessidade de contrata-ção temporária e emergencial há de observar toda a pauta principiológi-ca estatuída pela Constituição Federal.

Analisando-se e interpretando-se o enunciado da questão ora ana-lisada, mostra-se evidente que as considerações lançadas pela ministra Cármen Lúcia, quando da prolação de seu voto nos autos da ADI 3.386, alinham-se à noção intrínseca ao princípio da eficiência.

O princípio da eficiência foi explicitamente inserido no texto da Cons-tituição Federal por meio da EC 19/1998, embora desde há muito já se reconhecesse tal condição, bem como sua importância no atual estágio do Direito Administrativo.

Trata-se de princípio de difícil definição e, talvez, nem se possa defini--lo sem o auxílio de parâmetros objetivos previamente estabelecidos. Isso significa dizer que não se pode constatar a eficiência de um agente públi-co ou de um determinado concessionário de serviços públicos sem que seja objetivada por normas previamente dispostas acerca da matéria. Em termos gerais, é princípio que impõe sejam as condutas administrativas orientadas a resultados satisfatórios, significando, assim, um primado de qualidade da ação da Administração Pública.

Tal consideração ganha importância na medida em que as mudanças que vêm ocorrendo em relação à função administrativa desde o início da década passada trouxeram consigo uma série de instrumentos que, aliados aos já existentes, determinam consequências bastante severas

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àqueles que, no desempenho da função pública, não agem com eficiên-cia. Lembre-se o instituto do estágio probatório, erigido à condição de requisito constitucional para a aquisição da estabilidade dos servidores públicos (art. 41, § 4.º, da CF), ou da possibilidade de que servidores já estabilizados sejam desligados de seus cargos por mecanismos de avalia-ção periódica de desempenho, realizada segundo parâmetros fixados em lei complementar (art. 41, § 1.º, III, da CF), ou, ainda, a possibilidade de decretação de caducidade de concessões de serviços públicos por inefici-ência na prestação do serviço (art. 38 da Lei 8.987/1995).

Por fim, não é apropriado afirmar que a eficiência teria o condão de sacrificar a legalidade. A eficiência deve ser sempre considerada em con-sonância com a validade da ação administrativa (legalidade, moralidade, impessoalidade etc.). Tais considerações justificam o gabarito da questão ora comentada.

BIBLIOGRAFIA:

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. 4. ed. São Paulo: RT, 2013.

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Daisson Flach1

Fernando Monti Chrusciel2

Poeminha sobre o trabalhoChego sempre à hora certa,contam comigo, não falho,pois adoro o meu emprego:o que detesto é o trabalho.Millôr Fernandes

Três apitosNos meus olhos você lêQue eu sofro cruelmenteCom ciúmes do gerenteImpertinenteQue dá ordens a você.Noel Rosa

1 Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Professor ad-junto de Direito Processual Civil da UFRGS e professor da Faculdade do Ministério Público – FMP. Advogado.2 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Advogado.

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FábricaQuero trabalhar em pazNão é muito o que lhe peçoEu quero um trabalho honestoEm vez de escravidão.Renato Russo

A partir dos textos acima, avalie as afirmações que se seguem.

I. No trecho “gerente / Impertinente / Que dá ordens a você” do texto de Noel Rosa, há referência indireta a um dos elementos caracteri-zadores da figura do empregado, que, conforme os termos da legis-lação trabalhista vigente, é o pressuposto da subordinação.

II. No texto de Noel Rosa e no de Renato Russo, há referências a te-mas de ordem trabalhista e constitucional, especialmente ao prin-cípio da dignidade da pessoa humana e ao direito a um ambiente de trabalho equilibrado.

III. Todos os textos fazem referência a algum tema do Direito do Tra-balho, como jornada e horário de trabalho, subordinação do em-pregado às ordens de quem representa a empresa e ambiente de trabalho equilibrado.

IV. O texto de Renato Russo apresenta viés histórico, porque a erradi-cação do trabalho escravo e degradante já foi alcançada no Brasil.

É correto apenas o que se afirma em

A) I.

B) II.

C) I e III.

D) II e IV.

E) III e IV.

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A questão aborda temas afetos ao Direito do Trabalho. A partir da transcrição de três textos de autoria de Millôr Fernandes, Noel da Rosa e Renato Russo, apresenta quatro afirmativas cuja correção deve ser anali-sada pelo examinando para a solução do problema.

A afirmativa I refere-se ao texto de Noel Rosa, apontando que há re-ferência indireta a um dos pressupostos da configuração da figura do em-pregado, nos termos da legislação vigente, qual seja, a subordinação. A relação de emprego é composta pelas figuras do empregador e do empre-gado, cujos conceitos estão previstos nos artigos 2º e 3º da CLT.3 Extraem-se das normas contidas nesses dispositivos os pressupostos da relação de emprego, quais sejam, trabalho não eventual, prestado com pessoalidade por pessoa física, em situação de subordinação perante o tomador dos ser-viços e com onerosidade.4 É a presença conjunta desses pressupostos que caracteriza o vínculo empregatício. O pressuposto da subordinação, trata-do na questão, decorre do poder de direção do empregador, que ordena e direciona o modo de realização dos serviços prestados pelo empregado. Paulo Emílio Ribeiro de Vilhena conceitua-a como “a participação integra-tiva da atividade do trabalhador na atividade do credor de trabalho”.5 Tem uma concepção de caráter objetivo, portanto. O que se subordina ao em-pregador é a força de trabalho e o modo de realização das atividades, e não a pessoa do trabalhador. Se a atividade realizada pelo trabalhador estiver integrada ao empreendimento, haverá subordinação. Assim, verifica-se correta a afirmativa I, na medida em que configura referência indireta ao pressuposto da subordinação o fato de o gerente dar ordens ao emprega-do, direcionando a consecução das suas atividades.

3 Art. 2º, caput, CLT: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assu-mindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.Art. 3º, caput, CLT: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.4 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 281-282.5 VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. p. 526.

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A afirmativa II estabelece que nos textos de Noel Rosa e Renato Russo haveria referência ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direi-to a um ambiente de trabalho equilibrado, temas de ordem trabalhista e constitucional. O princípio da dignidade da pessoa humana foi consagra-do pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º, inciso III6, como verdadeiro fundamento da República Federativa do Brasil, consistindo na proteção ao ser humano. Nessa condição, afigura-se como fonte de todos os direitos e garantias fundamentais, tendo plena aplicação no âmbito do Direito do Trabalho. O direito a um ambiente de trabalho equilibrado igual-mente encontra previsão constitucional, nos artigos 225 e 200, inciso VIII.7 Destes dispositivos, verifica-se que o meio ambiente do trabalho encontra-se inserido no meio ambiente considerado de forma global8, que conforme o inciso I do artigo 3º da Lei nº 6.938/81 consiste no “conjunto de condi-ções, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Analisando o texto de Renato Russo, observa-se que nele constam referências à dignidade da pessoa humana, através das expressões “trabalho honesto” e “escravidão”, e ao ambiente de trabalho equilibrado, ao mencionar “trabalhar em paz”. Contudo, no texto de Noel Rosa não se encontra qualquer referência a es-ses temas. O sofrimento mencionado pelo autor é de ordem estritamente pessoal e íntima, causado por ciúmes do superior hierárquico da pessoa a quem direciona a fala, não guardando relação com a dignidade da pessoa humana nem com o ambiente de trabalho equilibrado. Destarte, conclui-se que a afirmativa II está incorreta.

6 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Mu-nicípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como funda-mentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; [...].7 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso co-mum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...] VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.8 GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 1078-1079.

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Por sua vez, a afirmativa III dispõe que em todos os textos há refe-rência a algum tema do Direito do Trabalho, como jornada e horário de trabalho, subordinação do empregado às ordens de quem representa a empresa e ambiente de trabalho equilibrado. No texto de Millôr Fernandes encontra-se referência à jornada e ao horário de trabalho, a partir da ex-pressão “chego sempre à hora certa, contam comigo, não falho”. Jornada de trabalho compreende o período de tempo diário em que o empregado tem de se colocar à disposição do empregador, enquanto horário de traba-lho consiste na delimitação do início e do fim da duração diária de trabalho, considerando ainda os dias semanais de labor e os intervalos intrajorna-das.9 Como exposto anteriormente, no texto de Noel Rosa há referência à subordinação do empregado ao empregador, este representado no caso pela figura do gerente. Da mesma forma, verifica-se relação do texto de Renato Russo com o direito ao ambiente de trabalho equilibrado a partir da expressão “trabalhar em paz”. Afirmativa correta, pois.

A afirmativa IV, por fim, refere que o texto de Renato Russo apresen-taria um contexto histórico pelo fato da erradicação do trabalho escravo e degradante já ter sido alcançada no Brasil. Trata-se de afirmativa incor-reta, haja vista que o trabalho escravo ou análogo à condição de escravo ainda merece séria investigação e combate no país, atribuição assumida com destaque pelo Ministério Público do Trabalho. Não são raras as notí-cias de trabalhadores resgatados de situações desumanas e degradantes, tanto em áreas rurais quanto urbanas, na qual trabalhavam em jornadas exaustivas e sem a observância dos direitos trabalhistas mínimos. Esse tema foi inclusive objeto da recente Emenda Constitucional nº 81, de 2014, que alterou a redação do artigo 243 da Constituição Federal10 para

9 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013. p. 880-881.10 Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014)

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prever sanção de expropriação de propriedades rurais e urbanas onde foram localizadas exploração de trabalho escravo, sem qualquer indeni-zação e sem prejuízo de outras penalidades, bem como confisco e rever-são ao fundo especial com destinação específica de todo e qualquer bem de valor econômico cuja apreensão decorra da exploração de trabalho escravo.

Portanto, verificando-se corretas apenas as afirmativas I e III, conclui-se que a resposta da questão reside na alternativa C.

A título de sugestão bibliográfica para maiores estudos acerca do di-reito do trabalho, indica-se o Curso de direito do trabalho, de autoria do atual ministro do Tribunal Superior do Trabalho Maurício Godinho Delga-do, obra sempre muito prestigiada nesse ramo jurídico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013. 1504 p.

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. 1406 p.

VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura e supostos. 3. ed. São Paulo: LTr, 2005. 784 p.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e re-verterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014)

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José Tadeu Neves Xavier

John Locke, no século XVII, analisou a sociedade e organizou a defe-sa teórica da propriedade burguesa absoluta, que serviu de fundamen-to a muito que se conhece hoje do modelo de propriedade. A proprie-dade da terra passou a ser objeto no mundo das trocas. Na sociedade contemporânea, ela sofre uma série de limitações formais cujos conte-údos delineiam a sua função social, que se distingue da função social da posse e da função social da terra. A propriedade privada e seus consec-tários têm o caráter individualista dos direitos gerados nas concepções liberais do Estado moderno, e algumas restrições ao exercício desse direito ora se dão em favor da sociedade, ora em favor dos interesses dos próprios titulares dos direitos relacionados a ela. Considerando o texto acima, os fundamentos teóricos do direito de propriedade e os limites estabelecidos pelas suas funções na sociedade contemporânea, conclui-se que a demarcação de terras, como restrição oriunda dos di-reitos relativos à propriedade privada e das relações de contiguidade, é direito:

A) exclusivo do proprietário do bem, em razão da natureza dos inte-resses tutelados e do atendimento aos interesses sociais e à fun-ção social.

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B) de titular de direito real de qualquer classe, como o condômino e o credor pignoratício, atendendo-se, assim, a interesses sociais e à função social.

C) de titular de direito real de posse, uso e fruição do imóvel, incluí-dos o locatário e o usufrutuário, atendendo-se, assim, aos interes-ses sociais.

D) daqueles que se encontram no imóvel em razão de direito real, como o enfiteuta e o usufrutuário, o que atende diretamente aos interesses privados, sendo essa sua função.

E) de titular de direito real ou obrigacional, incluídos o usufrutuário e o depositário, o que atende a interesses privados e à sua função social.

Comentários

A questão colocada em debate tem por objeto central o tema da propriedade e dos direitos reais. De início é realizada a contextualização da propriedade em seu percurso histórico, desde a formação de sua con-cepção no pensamento liberal, em que era caracterizada pelo seu caráter de direito absoluto, até a noção atual, quando passa a sofrer uma série de limitações fixadas pelo ideal de função social.

A função social da propriedade possui previsão constitucional, sendo indicada no rol de direitos fundamentais (art. 5º, XXIII) e nos princípios da Ordem Econômica (art. 170, III). No pensamento jurídico atual, como afirmam Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, a função social dever ser compreendida como um princípio básico que incide no próprio conteúdo do direito de propriedade, somando-se as quatro faculdades conhecidas (usar, gozar, dispor e reivindicar), convertendo-se em um quinto elemento dessa importante figura jurídica (Curso de direito civil. São Paulo: Atlas, 2015. v. 5, p. 264).

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No âmbito dos direitos reais, a propriedade assume o papel de pro-tagonista, eis que essa espécie tem exatamente na propriedade a sua figura mais relevante, sendo ela o direito real por excelência.

Tradicionalmente a doutrina jurídica, nacional e estrangeira, distin-gue, dentro do pensamento jurídico, os direitos reais e pessoais. A noção elementar que norteia a distinção é a de que o direito pessoal vincula dois polos de uma relação jurídica, ou seja, funda-se numa ligação entre dois sujeitos, como é facilmente verificado na figura dos contratos, en-quanto os direitos reais traduzem a existência de vínculo jurídico entre pessoas e coisas, tendo como exemplo mais comum a propriedade. Par-tindo dessa premissa, a distinção entre os direitos reais e pessoais pode ser sintetizada nos seguintes termos: i – os direitos reais têm caráter ab-soluto, sendo passível de serem exercitados erga omnes, enquanto os di-reitos pessoais são relativos, somente sendo possível de serem exigidos perante o outro sujeito da relação; ii – os direitos reais tendem à durabi-lidade, possuindo existência mais perene, embora existam direitos reais limitados no tempo, já os direitos pessoais são comprometidos com a transitoriedade, como se verifica nas obrigações em geral; iii – os direitos reais são individualizados desde o seu nascimento, eis que recaem sobre determinada coisa, característica esta que não acompanha necessaria-mente os direitos obrigacionais, que poderão em certas modalidades ser determináveis apenas quanto ao gênero, qualidade e quantidade, como se verifica na obrigação de dar coisa incerta; iv – os direitos reais são pre-vistos em nosso ordenamento jurídico em número limitado, atendendo ao que é conhecido como princípio da tipicidade dos direitos reais, de forma que em grande parte estão concentrados no rol oferecido pelo art. 1.025 da Codificação Civil (propriedade, superfície, as servidões, usufru-to, uso, habitação, direito do promitente comprador do imóvel, penhor, hipoteca, anticrese, concessão de uso especial para fins de moradia e a concessão do direito real de uso), embora existam espécies reguladas em outros momentos dessa codificação (v.g. o direito real que advém do

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pacto de retrovenda) e em legislação esparsa (v.g. o direito de superfície previsto no Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001).

Cabe ressaltar que algumas espécies de direitos reais recaem com exclusividade sobre bens imóveis (v.g. o direito de superfície e a servi-dão), enquanto outros afetam tão somente bens móveis, como nas diver-sas modalidades de penhor, e há ainda aqueles que incidem sobre ambos (v.g. a propriedade e usufruto).

Feitas essas primeiras considerações sobre a propriedade e os direi-tos reais, passamos ao detalhamento da questão proposta. O enunciado, após as referências à concepção da propriedade, questiona sobre como deve ser considerado o direito à demarcação de terras, como restrição oriunda dos direitos relativos à propriedade privada e das relações de contiguidade. Passemos à análise das alternativas propostas:

A alternativa A indica que este seria direito “exclusivo do proprietário do bem, em razão da natureza dos interesses tutelados e do atendimento aos interesses sociais e à função social”, o que se mostra equivocado, pelo menos em dois aspectos. Primeiro porque esse direito não se refere a prerrogativa jurídica exclusiva do proprietário, também estando pre-sente em outras espécies de direitos reais e inclusive na tutela jurídica do possuidor, lembrando-se que a posse representa uma situação de fato merecedora de tutela jurídica, na qual alguém tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes do proprietário, o que geralmente se consolida na noção de uso e/ou fruição. Por outro lado, o direito de demarcação está atrelado precipuamente à tutela dos interesses do pro-prietário, vinculado à noção liberal da propriedade, e não aos interesses sociais e à função social.

A segunda alternativa propõe que esse direito seria do titular de di-reito real de qualquer classe, como o condômino e o credor pignoratício, atendendo-se, assim, a interesses sociais e à função social, o que tam-bém não está correto. O direito de demarcação não acompanha todas as

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formas de manifestações de direitos reais, estando ausente na hipótese do credor pignoratício, que terá o seu crédito relacionado a garantia real incidente sobre bem móvel, como ocorre no penhor industrial, agrícola, ou aquele incidente sobre automóveis. Vejamos a definição de penhor oferecida pela legislação: “constitui-se o penhor pela transmissão efetiva da posse que, em garantia do débito, ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alie-nação” (art. 1431, do CC).

A alternativa C traz a demarcação de terras como sendo direito do “titular de direito real de posse, uso e fruição do imóvel, incluídos o loca-tário e o usufrutuário, atendendo-se, assim, aos interesses sociais”. En-tretanto, a posse não pode ser caracterizada como direito real, o que torna incorreta a indicação nesse sentido. O mesmo pode ser dito quanto à relação de locação, que tem natureza de direito contratual.

A quarta alternativa é a que deve ser tomada como correta, pois indica ser a demarcação de terras direito “daqueles que se encontram no imóvel em razão de direito real, como o enfiteuta e o usufrutuário, o que atende diretamente aos interesses privados, sendo essa a sua função”. Esta afirma-ção está em consonância com o atributo da exclusividade que acompanha os direitos reais, dotados de oponibilidade perante toda a sociedade. Note-se que a enfiteuse, que pode ser conceituada como o direito real constitu-ído por ato inter vivos ou por disposição de última vontade, por meio do qual o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, mediante o pagamento de uma pensão ou foro anual, certo e invariável, não encontra mais previsão na Codificação Civil atual, mas são mantidas aquelas consti-tuídas antes da entrada em vigor dessa codificação.

A última alternativa está nitidamente errada, eis que, ao dispor que a demarcação de terras é direito “de titular de direito real ou obrigacional, incluídos o usufrutuário e o depositário, o que atende a interesses priva-dos e à sua função social”, deixou de considerar a clássica diferenciação dos direitos reais e obrigacionais.

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Sugestões Bibliográficas:

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. São Paulo: Atlas, 2015. v. 5.

RIZZARDO, Arnaldo. Direitos das coisas. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

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José Antonio Reich

Tendo-se recusado a cumprir ordem lícita de serviço, um emprega-do foi advertido, por escrito, por seu gerente. Ao receber a advertência escrita, recusou-se a assinar cópia do documento do empregador, sob alegação de não concordar com seu conteúdo. Foi, então, despedido por justa causa, sob a imputação de ato de indisciplina.

Nessa situação, infere-se que

A) o empregado agiu de forma ilegítima ao se recusar a assinar a ad-vertência do gerente.

B) a imputação de indisciplina ao empregado que se recusou a assi-nar a advertência foi medida tomada corretamente pela empresa.

C) a empresa agiu corretamente ao despedir o empregado por justa causa com base na recusa dele de assinar a advertência escrita.

D) a recusa do empregado em assinar a advertência constitui caso de insubordinação, sendo possível a terminação fundada nesse motivo.

E) a empresa errou ao demitir por justa causa o empregado que se recusou a cumprir ordem lícita de serviço, pois o gerente já o ha-via advertido.

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Comentário sobre a resposta

A presente questão aborda aspectos referentes ao poder diretivo inerente ao empregador, como também provoca a reflexão acerca dos princípios informadores da justa causa, em especial quanto ao procedi-mento a ser observado quando da despedida motivada.

O poder diretivo do empregador, segundo Sergio Pinto Martins (in Direito do trabalho), compreende não só o poder de organizar ativida-des, mas também de controlar e disciplinar o trabalho, de acordo com os fins do empreendimento. Neste sentido, o poder disciplinar é uma das formas de exteriorização do poder diretivo. O empregador, ao determi-nar o cumprimento de ordens correlatas às atividades objeto do contrato de trabalho, impõe ao empregado ater-se à disciplina e ao respeito, salvo se o referido mandamento for ilegal ou imoral.

Dessa forma, diante da recusa imotivada do trabalhador, este poderá ser punido por advertência (verbal ou escrita), suspenso de suas funções (suspensão disciplinar – “gancho”) ou, até mesmo, diante de reiterada indisciplina, despedido por justa causa, com fundamento no art. 482, “h”, da CLT.

De acordo com o referido doutrinador: “Não é necessário, contudo, que haja gradação nas punições do empregado. O empregado poderá ser dispensado diretamente, sem antes ter sido advertido ou suspenso, desde que a falta por ele cometida seja realmente grave. O melhor seria que na primeira falta o empregado fosse advertido verbalmente; na segunda, fosse advertido por escrito; na terceira fosse suspenso; na quarta fosse demitido.”

Importante destacar que o ordenamento trabalhista brasileiro não contempla expressamente critério de aplicação de penalidades pelo em-pregador. Assim, cabe ao empregador avaliar subjetivamente, de acordo com o caso concreto, a conduta do empregado e atribuir a respectiva penalidade.

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Conforme Maurício Godinho Delgado (in Curso de direito do tra-balho), a atuação disciplinar do empregador deve observar “requisitos circunstanciais”, também denominados pela doutrina de princípios in-formadores a fundamentar possível despedida por justa causa, a saber: nexo de causalidade entre o ato faltoso e a penalidade; adequação e pro-porcionalidade entre a falta e a pena aplicada; imediatidade da punição (evitando, assim, a ocorrência de perdão tácito); singularidade da puni-ção (“non bis in idem”); não alteração da punição; ausência de discrimi-nação; caráter pedagógico do exercício do poder disciplinar.

Na questão em tela, verifica-se que o empregador, em um primeiro momento, observou o requisito da proporcionalidade, quando da recusa do trabalhador a cumprir ordem lícita de serviço (ato de indisciplina), advertindo-o por escrito.

Por oportuno, Wagner Giglio (in Justa causa), ao tratar do ato falto-so da indisciplina, assim leciona: “Aos empregados que compõem a for-ça de trabalho cumpre seguir as instruções emanadas do empresário, atender ao planejamento e obedecer aos métodos de produção. A indis-ciplina do empregado, furtando-se a obedecer a essas ordens gerais de conduta, subverte todo o sistema orgânico de produção, dificulta o bom êxito da empresa, cria óbices à obtenção das finalidades do empreen-dimento. É por isso que a lei autoriza o despedimento do empregado indisciplinado.”

De outra parte, diante da recusa do trabalhador em assinar a adver-tência que lhe foi aplicada, deixou de observar o empregador o requisito circunstancial da singularidade da punição. Descabe ao empregador apli-car mais de uma pena em decorrência do mesmo ato faltoso ou de fato que decorra de desdobramento de uma punição já aplicada. Neste con-texto, conclui Sergio Pinto Martins (in Direito do trabalho) que, mesmo em se tratando de um grupo de faltas, mas havendo uma unidade em seu cometimento, a punição tem de ser unitária.

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No problema apresentado, tendo o empregador aplicado a pena de advertência por escrito, pelo ato de indisciplina praticado pelo trabalha-dor (não cumprimento de ordens), equivocada a decisão seguinte, de extinguir o contrato de trabalho por justa causa, diante da recusa do em-pregado de assinar o referido documento, alegando novamente a ocor-rência de ato de indisciplina.

Correta, pois, a alternativa “E”, no sentido de que “a empresa errou ao demitir por justa causa o empregado que se recusou a cumprir ordem lícita de serviço, pois o gerente já o havia advertido”.

Bibliografia mencionada

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 2015.

GIGLIO, Wagner. Justa causa. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 31. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

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Liane Maria Busnello Thomé

Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável en-tre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, art. 226, § 3.º.

É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

BRASIL. Código Civil. Lei n.º 10.406, de 10/01/2002, art. 1.723.

Pelo que dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme a Constituição, para dele excluir qualquer significado que impeça o re-conhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável hete-roafetiva.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n.º 4.277, Revista Trimestral de Jurispru-dência, v. 219, jan./mar. 2012, p. 240.

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Considerando os textos apresentados acima, avalie as seguintes as-serções e a relação proposta entre elas.

I. No plano jurídico, inclusive no que concerne a processos judiciais de natureza cível, ganhou força a interpretação de que deve ser reconhecida a união estável entre pessoas do mesmo sexo, em razão da decisão proferida na ADI n.º 4.277.

PORQUE

II. O Supremo Tribunal Federal é o intérprete máximo da Constitui-ção Federal, por exercer o controle de constitucionalidade, o que ocorre, entre outras hipóteses, quando julga uma ação direta de inconstitucionalidade.

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justifi-cativa da I.

B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.

C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.

D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição ver-dadeira.

E) As asserções I e II são proposições falsas.

COMENTÁRIOS

A assertiva correta é a letra “A”.

A Carta Magna de 1988 trouxe para a sociedade brasileira o reconhe-cimento de diversas formas de constituição de família que não só aquela formada pelo casamento civil. No artigo 226 o constituinte estabeleceu

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a expressa e máxima proteção estatal à família trazendo ao abrigo do sistema jurídico brasileiro novas estruturas de convívio familiar1 que não só aquela formada pelo casamento civil.

A Constituição Federal de 1988 trouxe o princípio da dignidade da pessoa humana2 como norteador de todas as regras infraconstitucionais. Reconhecida expressamente no título dos princípios fundamentais do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana como fundamento de nosso Estado democrático e social, reconheceu o fato de que o Estado existe em função da pessoa humana e não o contrário, já que a pessoa humana constitui a finalidade essencial, e não meio da atividade estatal.3

A dignidade da pessoa humana é valor essencial no ordenamento ju-rídico brasileiro e deve integrar todo o ordenamento pátrio, pois passou a compor o direito positivo brasileiro a partir da Constituição Federal de 1988.

Apesar da Constituição Federal de 1988 reconhecer a dignidade hu-mana como cerne do ordenamento jurídico brasileiro e inaugurar novas formas de família, o poder legislativo brasileiro, no âmbito infraconsti-tucional, resiste em regulamentar as uniões homossexuais e conceder direitos para as pessoas do mesmo sexo unidas em família.

Mesmo frente à omissão legislativa, o poder judiciário passou a pro-teger os direitos das pessoas do mesmo sexo, inicialmente reconhecendo como sociedade de fato, matéria de âmbito obrigacional, partilhando o patrimônio adquirido durante essa união afetiva, situação bem seme-lhante ao reconhecimento das relações concubinárias reconhecidas an-teriores à Constituição Federal de 1988. Gradativamente, as Cortes bra-sileiras passaram a proferir decisões nas quais reconheciam e protegiam os direitos das pessoas do mesmo sexo de constituírem família e seus efeitos a partir desse reconhecimento.

No ano de 2011 sobreveio a Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADIN) n. 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamen-

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tal (ADPF) n. 132, e o Supremo Tribunal Federal reconheceu, por unani-midade, a união entre pessoas do mesmo sexo como união estável. Com algumas variantes argumentativas, os ministros julgaram procedentes ambas as ações para dar ao artigo 1.7234 do Código Civil brasileiro in-terpretação conforme a Constituição Federal de 1988 e excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo como união estável.

Essa decisão foi um grande avanço, superando preconceitos e tabus; no entanto, inexiste qualquer normatização infraconstitucional positiva-da que reconheça expressamente esses direitos entre pessoas do mesmo sexo.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em maio de 2013, expediu a Resolução 175, que estabelece ser vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo5, mas de for-ma alguma esse instrumento normativo judicial tem o condão de subs-tituir a atuação do Poder Legislativo brasileiro, que deve editar uma lei, reconhecendo a dignidade da pessoa humana, a igualdade, a liberdade, a privacidade, a proibição de discriminação por motivo de orientação se-xual e o pluralismo familiar das pessoas do mesmo sexo que se unem em família, assegurando uma vida digna a todos os cidadãos, alcançando a igualdade pensada, protegida e reconhecida pela Constituição de 1988.

O ser humano é merecedor de proteção e de reconhecimento de sua dignidade6, um atributo inerente a qualquer pessoa que possui subs-tanciais diferenças, que devem ser reconhecidas e protegidas para que possa se desenvolver plenamente em sociedade.

A família é um espaço de liberdade e autonomia privada e o Estado, no seu papel de protetor de todos os direitos maiores, deve, por meio do Poder Legislativo, reconhecer expressamente os direitos das pessoas do mesmo sexo. É o que se espera!

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Professor

Luiz Fernando Calil de Freitas

O Estado de direito contrapõe-se ao Estado absoluto, porquanto, baseado na lei (que rege governantes e governados), reconhece aos in-divíduos a titularidade de direitos públicos subjetivos, ou seja, de posi-ções jurídicas ativas com relação à autoridade estatal (GRINOVER, A. P. Liberdades públicas e processo penal. 2. ed., São Paulo: RT, 1982. p. 5 [adaptado]).

Os direitos fundamentais do indivíduo representam limites obje-tivos à atuação do ente estatal. Esses direitos estabelecem, portanto, um padrão ético a ser seguido pelo Estado.

Nessa perspectiva, conclui-se que, em um Estado de direito,

A) o indivíduo é detentor de uma série de direitos fundamentais pro-tegidos por garantias normativas que asseguram sua plena efetiva-ção no plano prático.

B) a restrição da atuação do Estado está baseada no fato de o indiví-duo ser titular de direitos indisponíveis e, ao mesmo tempo, de-tentor de prerrogativas processuais.

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C) o agente estatal deve agir, na sua relação com o indivíduo, com base na ética, tendo em vista que os direitos públicos subjetivos exigem do Estado um compromisso moral com o cidadão.

D) a efetividade das garantias fundamentais é proporcional à liberdade concedida pelo Estado de direito ao indivíduo para o exercício de direitos fundamentais.

E) os limites encontrados pela autoridade estatal, em uma relação processual com um indivíduo, são estabelecidos em normas de cunho ético contempladoras de garantias fundamentais.

RESPOSTA À QUESTÃO 20

O Estado absoluto caracterizou-se, de um lado, pela circunstância de que a manifestação do poder político se efetivava através da vontade dos governantes, que, além de não serem escolhidos democraticamente pelos governados, não se submetiam à lei – é dizer, não havia limita-ções jurídicas1 ao poder político.2 Por outro lado, aos súditos não se reconhecia, de ordinário, a condição de sujeitos de direitos em face do

1 Em verdade, do ponto de vista jurídico absolutismo total não se pode afirmar que tenha existi-do, eis que o soberano sempre deveria submeter-se às normas régias sobre a sucessão no trono, assim como, de igual sorte, deveria submeter-se, com variável intensidade, às normas acerca do direito de propriedade. Em decorrência disso é que se afirma: “O sentido próprio só pode ser o de Estado absoluto como aquele em que se opera a máxima concentração de poder do rei (sozinho ou com seus ministros) e em que, portanto: 1º) a vontade do rei (mas sob formas determinadas) é lei; 2º) as regras jurídicas definidoras do poder são exíguas, vagas, parcelares e quase todas não reduzidas a escrito. Assim se explicam tanto os exageros dos teóricos do absolutismo (que susten-tam que os únicos deveres do príncipe para com seus súditos ou para com o Estado são deveres morais, embora gravíssimos) como os dos monarcómacos (que chegam a defender o tiranicí-dio)” (MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 42).2 ASCHERI, Mario. Costituzioni e codici con un cenno al Sei-Settecento. In: ASCEHRI, Mario (a cura di). Lezioni di Storia delle Codificazioni e delle Costituzioni. Torino: Giappichelli Editore, 2008: “Da antiguidade e da sua cultura, que o Medievo transferiu remodelando-a profundamente para a idade moderna, o Ocidente herdou o problema da organização do poder público, dos seus limites, e, portanto, do soberano (então denominado de formas variáveis, mas geralmente um Rei) que se torna ‘tirano’ para um povo variavelmente entendido como depositário do poder público, e, portanto – segundo a cultura vigente – variavelmente autorizado em alguns casos a resistir e a rebelar-se contra os abusos da autoridade pública até ao tiranicídio” (p. 1-2).

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Estado. Somente após a Revolução Francesa firmou-se a noção segundo a qual o Estado não é um fim em si mesmo, em razão do que os indivídu-os são sujeitos de direitos subjetivos públicos oponíveis àquele.

A clássica concepção do Estado de Direito de cunho liberal assenta-se, sobretudo, na criação de uma zona de liberdade na qual, por força dos direitos fundamentais de primeira geração, os sujeitos podem atu-ar livremente em acordo com suas opções individuais relativamente a temas como opção religiosa, liberdade política, liberdade de trabalho, ofício ou profissão etc. Nessa ambiência, concomitantemente e como complemento à proteção jusfundamental às liberdades individuais, sur-gem as denominadas competências negativas para o Estado, que já não poderá mais livremente criar na lei todo e qualquer obstáculo jurídico ao exercício das liberdades individuais, restando assim limitado na sua possibilidade de agir. É dizer, naquilo que interfere nas liberdades indivi-duais de primeira geração, a intervenção estatal somente poderá dar-se de modo constitucionalmente adequado, ou seja, de uma forma tal que, a um só tempo, não caracterize violação formal e ou material à cons-tituição e concretize o quanto constitucionalmente determinado. Nisso reside a causa da alusão a um padrão ético a ser seguido no âmbito do Estado de Direito, que não se pode, em hipótese alguma, confundir com o denominado Estado ético, assim cognominado em razão das experi-ências totalitárias do século XX, que se caracterizaram pela tentativa de estabelecer e impor um específico modelo de ética às sociedades em que se estabeleceram.

3

3 Especialmente na Itália fascista, a partir do pensamento de Adolfo Ravà exposto nas obras Il Diritto come norma técnica, de 1911, e Lo Stato come organismo ético, de 1914, e a distorção que dele se fez no sentido de justificar a ideia do Estado como um fim ético que exige o sacrifício das liberdades individuais ao impor uma ética estatal enquanto fonte suprema da moral e do direito, ambos reconduzíveis à vontade estatal ilimitadamente soberana – dentre os teóricos italianos que contribuíram para essa visão deturpada das ideias de Ravà fundadas em Kant, destacam-se Francesco Gentile (I diritti dell’uomo nella critica marxiana dell’emancipazione politica) e Carlo Costamagna (Storia e dottrina del facismo), para quem o Estado é a fonte exclu-siva da eticidade, o valor ético supremo, a suprema experiência moral humana sobre a face da terra (conforme NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito: do estado de

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De outra senda, é relevante considerar que, além da previsão cons-titucional dos direitos e liberdades fundamentais, o próprio ente estatal, no quadro do Estado de Direito, é dotado de estruturas voltadas à pro-teção e garantia daqueles. Genericamente denominadas garantias insti-tucionais, sejam elas as instituições de direito público, tais como a sepa-ração dos poderes, o Judiciário, a legislação, os cartórios e tabelionatos, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Polícia judiciária, os órgãos de segurança pública etc., que a um só tempo conferem visibilidade ao Direito, permitem o seu acontecer quotidiano e contribuem para a pro-dução de segurança jurídica, sejam, ainda, as classicamente denomina-das garantias-remédio4, que se constituem em direitos fundamentais de natureza jurisdicional. Verifica-se assim que não apenas o agir estatal, no Estado de Direito, está limitado pelos direitos fundamentais, como, por inflexão destes, aquele tem sua conformação e natureza alteradas por força das estruturas e instrumentos acima mencionados. De conse-guinte, é correto afirmar que no plano do direito objetivo o Estado de Direito contemporâneo não é apenas um modelo de Estado amigo dos direitos fundamentais, mas, a fortiori, um Estado que existe em função da garantia e promoção daqueles direitos.

Em complemento, deve-se acrescentar que a emergência dos direi-tos sociais de cunho prestacional impondo ao Estado um dever de agir – verdadeira obrigação de fazer – complementa e robustece sobrema-neira o influxo dos direitos fundamentais não apenas relativamente à teoria do Estado, como também e em especial em relação à teoria geral do direito. Isso se dá porque ao lado das imunidades produzidas pelos direitos da dimensão de defesa das liberdades individuais surgem, com os direitos sociais prestacionais, as expectativas legítimas a pretensões

direito liberal ao estado social e democrático de direito. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1987. Separata do volume XXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, p. 143-150).4 Constituição Federal, art. 5º, LXVIII (habeas corpus); LXIX (mandado de segurança); LXX (mandado de segurança coletivo); LXXI (mandado de injunção); LXXIII (ação popular); e art. 129, III (ação civil pública).

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juridicamente protegidas nas normas jusfundamentais. É dizer, ao lado do efeito geral produzido pela primeira geração consistente na limitação da ação estatal, que não pode validamente invadir a esfera individual de autodeterminação, surge o efeito genérico de vinculação estatal. O Esta-do de Direito contemporâneo é verdadeiramente um Estado de limites e vínculos – relativamente àqueles, tem-se a limitação estatal pelo efeito da obrigação de não fazer (pena de inconstitucionalidade por ação); re-lativamente a estes, tem-se a vinculação estatal pelo efeito da obrigação de fazer (pena de inconstitucionalidade por omissão).

Dessa forma, complementa-se o sentido geral dos direitos funda-mentais colocando-se a pessoa humana no centro do fenômeno jurídico, vez que na Constituição, mais propriamente nos direitos fundamentais, se estabelece tanto o que o Estado não pode fazer (limites) quanto o que o Estado deve necessariamente fazer (vínculos). Pode-se afirmar, em conclusão, que as relações entre Estado e indivíduos são presididas pela ética, mas não uma ética que se defina a partir do subjetivismo dos governantes, como no absolutismo e no totalitarismo, e sim a ética ob-jetiva que se extrai dos direitos fundamentais. Nesse sentido é que se afirma que os direitos fundamentais podem ser compreendidos como uma ordem objetiva de valores que constitui o fundamento material do ordenamento, ou seja, a essência da ordem jurídica de uma determinada comunidade em determinado momento histórico.

Bibliografia consultada:

ASCHERI, Mario. Costituzioni e codici con un cenno al Sei-Settecento. In: AS-CEHRI, Mario (a cura di). Lezioni di Storia delle Codificazioni e delle Cost-tuzioni. Torino: Giappichelli Editore, 2008.

MIRANDA, Jorge. Teoria do estado e da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

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NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito: do esta-do de direito liberal ao estado social e democrático de direito. Coimbra: Univer-sidade de Coimbra, 1987. Separata do volume XXIX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

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Norberto Flach

A advocacia é atividade profissional organizada e, nos termos da Constituição da República, “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei” (art. 133).

Estando o advogado submetido a normas deontológicas, tem na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) o órgão competente tanto para estabelecer o seu regramento ético e disciplinar como, ainda, realizar a fiscalização profissional e o julgamento das eventuais infrações éticas e disciplinares.

Em tal contexto, a OAB tem entre as suas finalidades promover “[...] a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Bra-sil”, conforme o art. 44, II, do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei no 8.096/1994).

Veja-se que a OAB é serviço público (art. 44, caput, do Estatuto), mas constitui entidade jurídica especial, sui generis, ao não manter “com ór-gãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárqui-co” (art. 44, § 1o, do mesmo art. 44). Ademais, o OAB tem forma federa-tiva, que deve ser observada inclusive na sua atuação disciplinar, como logo se verá.

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Trata-se o poder ético-disciplinar da OAB, assim, de manifestação do direito público, administrativo e sancionador. Isso porque a OAB acaba por desempenhar, em relação ao controle, à fiscalização e à eventual san-ção da atividade profissional dos advogados, uma função que tem natu-reza pública e, fosse de outra forma, seria desempenhada diretamente pelo Estado.

Assim, os elementos básicos da deontologia dos advogados estão enunciados pelo Estatuto, em seus artigos 31 a 33, e têm o seu deta-lhamento no Código de Ética e Disciplina, no Regulamento Geral e nos provimentos do Conselho federal da OAB.

Tal regramento estabelecido pelas normas próprias da advocacia, naturalmente, não exclui as imposições advindas da legislação em geral, como, por exemplo, os códigos de processo.

Isso porque, ainda que as normas próprias da advocacia tenham o privilégio da especialidade, é de rigor a consideração da totalidade do ordenamento jurídico no que dispuser sobre a deontologia da advocacia, sem prejuízo dos princípios da moralidade, como, aliás, prevê o art. 1o do Código de Ética.

Já as infrações disciplinares vêm tipificadas no art. 34 do Estatuto, seguindo-se as disposições acerca das sanções aplicáveis aos advogados, do art. 35 ao 43.

Mais adiante, o Estatuto cuida do processo disciplinar, do art. 70 ao 74, iniciando pela previsão da competência do Tribunal de Ética e Disci-plina do Conselho Seccional da OAB em cujo território tenha ocorrido a infração disciplinar. Nada obstante, o Estatuto (art. 72, § 1o) remete ao Código de Ética a especificação dos procedimentos disciplinares.

Pois a questão 21 do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) aplicado aos estudantes de Direito em 2012 versou sobre a ética profissional da advocacia. Assim era a questão:

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QUESTÃO 21

No artigo 1.º do Código de Ética do Advogado, afirma-se que “o exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional”. À luz de tais princípios e normas, bem como da legislação ordinária, avalie as afirma-ções a seguir.

I. O advogado deve recusar-se a fazer defesa criminal se considerar o réu culpado.

II. O advogado-empregado tem direito aos honorários de sucumbên-cia fixados em sentença referente a ação em que tenha atuado em nome da empresa que o emprega.

III. As verbas recebidas a título de honorários contratuais devem ser deduzidas dos honorários de sucumbência.

IV. A litigância de má-fé, prevista pelo Código de Processo Civil, deve ser objeto de ação específica, o que impede condenação do advo-gado nos próprios autos da ação em que atuou.

V. É permitido que uma sociedade de advogados que atue com dois profissionais distintos represente interesses opostos em um mes-mo processo.

É correto apenas o que se afirma em

A) I e III.

B) I e V.

C) II e IV.

D) II e V.

E) III e IV.

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Era correta a alternativa C, que dava como corretas as assertivas II e IV.

A assertiva II, primeira correta, faz referência à regra geral segundo a qual os honorários sucumbenciais pertencem ao advogado, conforme o disposto no art. 23 do Estatuto. Ademais, tem apoio na regra inscrita no art. 14 do Regulamento Geral, que diferencia os honorários de sucum-bência do salário ou remuneração do advogado empregado.

Já a assertiva IV tem apoio no parágrafo único do art. 32 do Estatuto: o advogado até pode ser solidariamente responsável, com seu cliente, pela lide temerária, desde que seja demonstrado o conluio entre os dois, em ação judicial própria, para lesar a parte adversa.

Finalmente, vale revisar as demais assertivas, verificando o porquê de sua incorreção.

A assertiva I afronta o disposto no art. 21 do Código de Ética: “É di-reito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado.”

A assertiva III afronta o disposto no art. 35, §§ 1o e 2o, do Código de Ética, que admite a possibilidade de compensação ou desconto dos honorários contratados, desde que haja prévio acerto, quando da con-tratação.

Por último, a assertiva V contraria o que está regrado no art. 15, § 6o, do Estatuto: “Os advogados sócios de uma mesma sociedade profissional não podem representar em juízo clientes de interesses opostos.”

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA:

BITTAR, Eduardo C. B. Curso de ética jurídica: ética geral e profissional. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

LÔBO, Paulo. Comentários ao estatuto da advocacia e da OAB. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

NALINI, José Renato. Ética geral e profissional. 12. ed. São Paulo: RT, 2015.

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Cristina Pasqual

Os argumentos e a racionalidade da teoria da aparência estão fun-damentados na ética das relações. Essa teoria tem por fim permitir a solução dos conflitos que surgem nos negócios jurídicos, no âmbito tanto do direito empresarial quanto do direito civil, motivados por divergências entre os elementos volitivos e as declarações feitas.

Acerca da teoria da aparência, objeto do texto acima, avalie as afir-mações a seguir.

I. A teoria da aparência pressupõe equívoco cometido por homem médio que considera como situação de direito uma situação de fato, cercada de circunstâncias enganosas.

II. Nos casos em que a teoria da aparência é aplicada, adota-se a ficção de inexistência do erro, e o negócio é validado conforme a convicção daquele que errou.

III. A teoria da aparência tem por objetivo proteger interesses, mes-mo que ilegítimos; assim, mediante sua aplicação, são reconheci-dos como válidos os atos praticados enganosamente.

É correto o que se afirma em

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A) I, apenas.

B) III, apenas.

C) I e II, apenas.

D) II e III, apenas.

E) I, II e III.

A teoria da aparência é constantemente utilizada como fundamento para solução de situações jurídicas, no âmbito do direito obrigacional, no direito das coisas, família e sucessões.

Fala-se por exemplo no credor aparente, no proprietário aparente, no casamento aparente ou ainda no herdeiro aparente.

Identificam-se muitos dispositivos no Código Civil brasileiro que se pautam pela teoria da aparência. Mediante sua aplicação busca-se a se-gurança jurídica nas relações entabuladas, tutelando-se as partes envol-vidas, seus interesses legítimos, assim como terceiros de boa-fé.

De uma forma geral, pode-se dizer que, segundo a teoria da aparên-cia, toda a vez que uma determinada situação ou relação for capaz de criar compreensão ou entendimento acerca de uma realidade, despertar a confiança em um sujeito deve ser o interesse de tal parte tutelada, sob pena de ferir o princípio da boa-fé e ainda, muitas vezes, a própria boa-fé subjetiva do agente.

A questão sob análise tem como alternativa correta a letra “c”, haja vista ser correta a menção de que a teoria da aparência pressupõe equí-voco, pois pode-se estar de boa-fé, crendo em uma determinada realida-de fática, que não condiz com a realidade jurídica, ou seja, pode o sujeito se enganar quanto à realidade, como ocorre, por exemplo, nos casos do denominado credor putativo. Da mesma forma, é correto dizer-se que, apesar de ter ocorrido erro por parte do agente, quando se aplica a te-

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oria da aparência não há que se falar na presença do vício de consenti-mento, pois o que se analisa é confiança despertada, no caso concreto.

Bibliografia indicada

KÜMPEL, Vitor Frederico. Teoria da aparência no código civil de 2002. São Paulo: Método, 2007.

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Guilherme Tanger Jardim

A cada dia que passa, a partícula contida na obra de Rebelais1 de que “o tempo matura todas as coisas: todas as coisas vêm à evidência graças ao tempo: o tempo é pai da verdade” está cada vez mais distante do homem contemporâneo, em todos os continentes. Os dois últimos séculos assistiram à passagem do Estado liberal indiviadualista ao Estado social de Direito, produto de profunda transformação política, econômi-ca e social no mundo ocidental. O sistema de liberdades formais se viu superado pelas exigências próprias da efetividade dos direitos e garan-tias resguardados pela Constituição. A versão linear de um Estado como simples administrador passivo e inerte (nightwatchman) abriu caminho para uma nova concepção participativa, que o elevou à condição de con-trolador e garantidor da operabilidade efetiva dos direitos impressos na Carta Fundamental.2

Alguns desses direitos postos na Constituição incidem diretamen-te sobre o processo civil, de forma a garantir, a todos que reclamem providência jurisdicional do Estado, uma resposta adequada, eficiente e tempestiva. Em outras palavras, não basta indicar que a decisão judi-cial é tomada sob a proteção da autoridade de um dispositivo legal. É

1 REBELAIS, François. Gargantua e Pantagruele. Roma: Formiggini Editore, 1925. p. 216.2 BERIZONCE, Roberto. O efectivo acceso a la justicia. La Plata: Libreria Editora Platense, 1987. p. 5.

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necessário demonstrar, ainda, que ela é equitativa, oportuna e social-mente útil.3

Sob esse prisma, o direito fundamental à duração razoável do pro-cesso, previsto expressamente no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constitui-ção Federal de 1988, assume relevante contorno. Assim como o princípio do século XX foi marcado pela superação do puro procedimentalismo e pelo nascimento da moderna ciência processual4, este início do século XXI deve servir de marco no que diz com a preocupação e efetivação de um processo justo e em tempo razoável.5 É necessário, portanto, que o legislador seja figura de relevo no desenvolvimento de mecanismos úteis a viabilizar, na maior medida possível, a obtenção desses resultados. E o legislador brasileiro tem realizado várias tentativas – algumas bem-su-cedidas e outras nem tanto – de propiciar à sociedade um processo civil que tenha duração não excessiva.

Uma das técnicas6 postas no ordenamento processual brasileiro que se mostra de extrema valia contra a morosidade processual7 é a da “an-tecipação da tutela”. Tal mecanismo permite que o autor veja sua pre-tensão (ou parte dela) atendida imediatamente, com cognição8 sumária9

3 PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p. 154.4 SOSA, Toribio Enrique. Reingeniería procesal. La Plata: Librería Editora Platense, 2005. p. 13. 5 SILVA, Jaqueline Mielke; XAVIER, José Tadeu Neves. Reforma do processo civil: leis 11.187, de 19.10.2005; 11.232, de 22.12.2005; 11.276 e 11.277, de 07.02.2006 e 11.280, de 16.02.2006. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2006. p. 17-19.6 A atividade técnica ou o ato técnico corresponde a procedimentos conjugados e bem orienta-dos para produzir resultados úteis (LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria geral do processo: primeiros estudos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 42).7 Que Comoglio rotulou como o “vizio congenito” ou o “peccato originale” dos principais mode-los de processo (COMOGLIO, Luigi Paolo. La durata ragionevole del processo e le forme alternati-ve di tutela. Rivista di diritto processuale, Padova, v. 62, n. 3, 2007, p. 591 e ss.).8 Cognição é a técnica utilizada pelo juiz para, através da consideração, análise e valoração das alegações e provas produzidas pelas partes, formar juízos de valor acerca das questões suscitadas no processo, a fim de decidi-las (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Editora Freitas Bastos, 1998. v. I, p. 249) 9 Por intermédio das técnicas de cognição sumária, o magistrado pode decidir desprovido de certeza (TARDIN, Luiz Gustavo. Fungibilidade das tutelas de urgência. São Paulo: Revista dos Tri-bunais, 2006. p. 42). Em outras palavras, o juiz antecipará (ou não) a tutela, levando em conta o conteúdo das provas colhidas até aquele momento processual.

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e com efeitos provisórios.10 Importante, contudo, a ressalva de que não se antecipa a eficácia jurídico-formal (declaração, condenação etc.) da sentença; antecipa-se, apenas, a eficácia que a futura sentença pode pro-duzir no campo da realidade dos fatos.11

No direito processual civil brasileiro, pode-se subdividir o fenômeno da antecipação da tutela em duas modalidades: as “antecipações espe-ciais” e as “antecipações gerais”. As primeiras (especiais) são mecanismos previstos em algumas ações de conhecimento de procedimento especial e reclamam o preenchimento de requisitos especialmente previstos no rito.12 Para todos os demais procedimentos em que não haja previsão específica de mecanismos antecipatórios, o legislador brasileiro previu mecanismos gerais de antecipação da tutela.

O primeiro está posto no artigo 273 do Código de Processo Civil bra-sileiro e tem a função típica de toda a antecipação da tutela: antecipar, com cognição não exauriente e de forma provisória, os efeitos práticos da futura sentença. Tal mecanismo pode ser empregado em ações de conhecimento de procedimento comum ordinário; de procedimento co-mum sumário; e de procedimento especial sem previsão especial de me-didas antecipatórias. A antecipação da tutela disciplinada no artigo 273 pode ser requerida (a) em virtude de “risco de dano” ou (b) em virtude de “resistência injustificada ao andamento do processo”. A primeira mo-dalidade tem como finalidade evitar que a parte sofra dano grave pela demora do processo e, consequentemente, da sua final satisfação. Como requisitos a sua obtenção, o legislador elenca cumulativamente: o pedi-

10 LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 79. 11 ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 48.12 Isso ocorre, por exemplo, na ação de alimentos regida pelo rito especial da Lei nº 5.478/68, na qual o legislador previu, no artigo 4º, a possibilidade de o autor, desde o início do procedimento, obter a concessão de “alimentos provisórios”, mediante a simples prova do grau de parentesco entre as partes ou da existência de prova pré-constituída da obrigação de alimentar (artigo 2º da Lei 5.478/68).

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do da parte13,14 (art. 273, caput); a verossimilhança15 do direito alegado (art. 273, caput); o risco de dano irreparável ou de difícil reparação16 (art. 273, I) e a reversibilidade da medida17 (art. 273, § 2º). Diferindo comple-tamente do objetivo da antecipação da tutela contra risco de dano, o legislador brasileiro utilizou-se da técnica da antecipação provisória me-diante cognição sumária, para punir ilícito processual.18 Para a concessão desse provimento, serão necessários, também de forma cumulativa: o pedido da parte (art. 273, caput), a verossimilhança do direito alegado (art. 273, caput), o abuso no direito de defesa19 ou manifesto propósito

13 Requisito necessário para manter a unidade de um sistema processual que é submetido aos princípios da demanda, do dispositivo, do ne procedat iudex ex officio e do nemo iudex sine actore (ALVIM, J. E. Carreira. Tutela antecipada: atualizada de acordo com as recentes reformas proces-suais. 5. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2007. p. 38).14 No que respeita ao conteúdo do requerimento, o objeto da antecipação será sempre igual ou menor (quantitativa ou qualitativamente) que o pedido formulado pela parte, pois, se maior, mais amplo ou mais extenso, restaria caracterizada decisão ultra petita (FADEL, Sérgio Sahione. Antecipação da tutela no direito processual civil. 2. ed., São Paulo: Dialética, 2002. p. 25).15 Que deve ser interpretada como “probabilidade”, como uma representação da realidade, ten-do-se em conta os elementos de prova concretamente disponíveis (TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. 2. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2005. p. 253). 16 Do ponto de vista terminológico, as expressões “dano irreparável” e “difícil reparação” são exemplos de conceitos jurídicos vagos ou indeterminados (não possuem conteúdo perfeitamente definido ou delimitado e, por isso, ficam na dependência de interpretação flexível do juiz ajustada à natureza das coisas, segundo as circunstâncias do caso concreto) (LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 72).17 No plano constitucional, “a reversibilidade dos efeitos gerados pela tutela antecipada está vinculada à necessidade de salvaguardar o núcleo essencial do direito fundamental à segurança jurídica do réu (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência: tentativa de sistematização. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 347). Porém, o Superior Trubunal de Justiça já decidiu que: “[...] O perigo da irreversibi-lidade, como circunstância impeditiva da antecipação dos efeitos da tutela, deve ser entendido cum grano salis, pois, não sendo assim, enquanto não ultrapassado o prazo legal para o exercício da ação rescisória, não poderia nenhuma sentença ser executada de forma definitiva, dada a impossibilidade de sua desconstituição. [...] Recurso Especial não conhecido.” (Superior Tribu-nal de Justiça, Terceira Turma, REsp 737.047/SC, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Julgado em 16.02.2006, DJ 13.03.2006, p. 321). E arremata Araken de Assis dizendo que tal requisito repre-senta lastimável retrocesso relativamente aos termos amplos e confortáveis dos requisitos posi-tivos de concessão da tutela antecipada (ASSIS, Araken de (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos limites da jurisdição e do direito à saúde. Porto Alegre: Notadez, 2007. p. 26).18 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência: tentativa de sistematização. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 331.19 Em sede de direito comparado, diz Luiz Guilherme Marinoni que a antecipação em caso de

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protelatório20 (art. 273, II) e a reversibilidade da medida (art. 273, § 2º).

Outra possibilidade de antecipação provisória da satisfação21 está as-sentada no parágrafo terceiro do artigo 461 do Código de Processo Civil. Versa tal dispositivo sobre as ações em que o autor pretende seja o réu compelido a realizar determinada conduta comissiva (fazer-desfazer)22 ou omissiva (abster-se de fazer)23, em vez de se contentar com a pura reparação pecuniária.24 Trata-se, pois, da viabilidade de ser antecipada a

“abuso de direito de defesa” tem certo parentesco com o référé provision do direito francês, segundo o qual é possível a antecipação quando a obrigação não seja seriamente contestável (artigos 771 e 809 do Código de Processo Civil francês), não sendo a urgência requisito para a concessão da provision (MARINONI, Luiz Guilherme. Antecipação da tutela. 9. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 346).20 O abuso de direito ou propósito protelatório são fundamentos completamente autônomos em relação ao periculum in mora (MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Tutela antecipada. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 46). Embora possam concorrer, a um só tempo, as situações dos incisos I e II, não é mister que elas se configurem conjuntamente para a antecipação da tutela, bastando a ocorrência da hipótese prevista no inciso I, ou no inciso II, como deixou claro o legisla-dor, servindo-se da conjunção coordenativa alternativa ou, que une pensamentos que se excluem (BERMUDES, Sérgio. A reforma do código de processo civil. Rio de Janeiro: Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1995. p. 37).21 O direito positivo brasileiro passou a admitir a tutela antecipatória e específica das obriga-ções de fazer e não fazer, inicialmente de forma localizada (no artigo 11 da Lei nº 7.347/85, que veio disciplinar a ação civil pública, no artigo 213 da Lei nº 8.069/90, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, e no artigo 84 da Lei nº 8.078/90, que aprovou o Código de Defesa do Consumidor), mas depois, de forma geral, no bojo das significativas reformas do Código de Processo Civil brasileiro, através da Lei nº 8.952, de 13.12.94 (PIMENTA, José Roberto Freire. Tutela específica e antecipada das obrigações de fazer e não fazer no processo do trabalho: co-minação de prisão pelo juízo do trabalho em caso de descumprimento do comando judicial. Rev. TRT - 3ªR, Belo Horizonte, jul./dez. 1997, p. 125).22 Atividade pessoal do devedor, que se vincula a executar trabalho físico ou intelectual, a rea-lizar obra com seu engenho ou com o emprego de materiais, ou a prestar fato determinado pela vantagem almejada pelo credor, mesmo não sendo trabalho (BITTAR, Carlos Alberto. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 55).23 Consistem em abstenções em que, muitas vezes, será necessário destruir o ato já praticado (BEVILÁQUA, Clóvis. Direito das obrigações. 9. ed. Rio de Janeiro: F. Alves, 1957. p. 60).24 Barbosa Moreira, no final da década de 70, já pregava que: “Não há dúvida de que a tutela específica é superior e deve ser preferida, sempre que possível, a qualquer outra forma. O que o ordenamento jurídico quer é que os deveres e obrigações se cumpram tais quais são. Se a al-guém é dado pretender, segundo o direito, que outrem se abstenha de algo, há de poder contar com o direito para conseguir a utilidade que espera da abstenção - essa utilidade, e não outra, “equivalente” que seja, ou inculcada como tal. E a necessidade de recorrer às vias judiciais para obter proteção nada altera, em princípio, no quadro: se o processo constitui instrumento para

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tutela específica dessas obrigações de conduta quando não só for rele-vante o fundamento da demanda, mas, sobretudo, quando houver justi-ficado receio de ineficácia do provimento meritório final.25

Destinado às obrigações de “entrega de coisa”, o artigo 461-A do Código de Processo Civil (a contar do momento em que seu parágrafo terceiro estatuiu que “aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos parágrafos 1° a 6° do artigo 461”) também abriu a possibilidade de o autor receber a coisa pretendida – móvel ou imóvel – em antecipação da tutela.26

Então, da análise dos artigos 273, 461 e 461-A do Código de Processo Civil brasileiro, a conclusão que se pode chegar é a de que, em princípio, qualquer que seja a natureza da ação, existe, em tese, a possibilidade de antecipação de tutela.27

Partindo-se à questão em comento, o primeiro passo é identificar-se que a modalidade de antecipação da tutela referida no enunciado é aquela prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, especificamen-te para o “caso de risco de dano”. Isso porque (a) a autora ingressou com

a realização do direito material, só se pode a rigor considerar plenamente eficaz a sua atuação quando ele se mostre capaz de produzir resultado igual ao que se produziria se o direito material fosse espontaneamente observado” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A tutela específica do cre-dor nas obrigações negativas. In: Temas de direito processual: segunda série. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. p. 31-32). Nesse sentido, complementa Luiz Guilherme Marinoni dizendo que “não há dúvida de que a tutela específica protege de modo mais adequado o direito material. A tutela dirigida a evitar o ilícito é, evidentemente, muito mais importante que a tutela ressarcitória. No caso de dano, principalmente de conteúdo não patrimonial, o ressarcimento na forma específica é o único remédio que permite que o dano não seja monetizado e que o direito, assim, encontre uma forma efetiva de reparação” (MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica (arts. 461, CPC e 84, CDC). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 70).25 GAIO JUNIOR, Antônio Pereira. Tutela específica das obrigações de fazer. 3. ed. Rio de Janei-ro: Forense, 2007. p. 91-92. 26 A obrigação de dar ou entregar coisa, tenha ela um objeto “específico” ou equivalente, tem cabimento, ex vi legis, o provimento antecipatório da tutela, preenchidos os pressupostos legais, nos mesmos moldes das demais obrigações, aplicando-se subsidiariamente, no que couber, o disposto nos §§ 1° a 6° do art. 461 do CPC (ALVIM, Luciana Gontijo Carreira. Tutela antecipada na sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 115).27 ALVIM, Carreira. Tutela específica das obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 113.

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“ação ordinária” – logo, não sendo o caso de tutela antecipada especial destinada às ações de rito especial; (b) a pretensão principal da autora era a de declarar inexigível o imposto de renda sobre valores recebidos a título de auxílio pré-escola – logo não sendo obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa; e (c) que a retenção do imposto implicava em diminuição de seus rendimentos, o que revelava evidente risco de dano.

Identificada a modalidade antecipatória e tendo-se em conta os re-quisitos acima referidos para sua concessão (pedido, verossimilhança das alegações, risco de dano irreparável ou de difícil reparação e reversibili-dade), o segundo passo é a análise das assertivas apresentadas na ques-tão. A primeira (I. O pedido de antecipação de tutela é cabível, visto que se demonstra, inequivocamente, a verossimilhança das alegações, apon-tando, inclusive, sua concordância com a decisão dos tribunais, conforme requisito exigido pelo Código de Processo Civil) revela-se verdadeira, pois o alinhamento da questão posta no processo com as decisões do Supe-rior Tribunal de Justiça dá, no caso concreto, verossimilhança ao direito da autora, pressuposto necessário à antecipação da tutela pretendida. A segunda (II. Nos termos previstos pela legislação vigente, em especial pelo Código de Processo Civil, deve a parte requerente demonstrar, para a obtenção da tutela antecipada, fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação) também se mostra verdadeira, pois, como já men-cionado, o risco de dano irreparável ou de difícil reparação é requisito essencial à antecipação de tutela reclamada.

Por fim, e partindo-se da premissa de que as duas assertivas são ver-dadeiras, importa a lembrança de que é necessário o preenchimento de mais de um requisito à antecipação da tutela em virtude de risco de dano e que esses pressupostos são “cumulativos”, ou seja, o fato de um estar preenchido não significa que os outros estejam e que a tutela antecipada será deferida. Nesse passo, fica claro que, mesmo sendo verdadeiras as assertivas I e II, uma não confirma a outra, posto que relacionadas a re-quisitos distintos (a I à verossimilhança e a II ao risco de dano) que deve-

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rão ser preenchidos cumulativamente para que seja antecipada a tutela no caso em comento.

Assim, a única resposta correta era a contida na alternativa “b”, qual seja: “As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.”

Para a complementação do estudo da matéria comentada, sugerem-se as seguintes obras:

MITIDIERO, Daniel Francisco. Antecipação da tutela. São Paulo: Revista dos Tri-bunais, 2013.

SILVA, Jaqueline Mielke. Tutela de urgência: de Piero Calamadrei a Ovídio Bap-tista da Silva. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2009.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação de tutela. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

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Fabrícia Dreyer

Uma das obrigações implícitas de quem exerce o direito de ação é a de apresentar com clareza o que se postula, “porque a exata compreen-são do postulado irá influir decididamente na possibilidade de defesa, dificultando o contraditório”, e “a ausência de clareza importa em retar-damento da prestação jurisdicional, maculando o princípio da duração razoável do processo”.

BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região, processo n.º 00634-2011-015-03-00-6 RO, DEJT de 25/06/2012.

Considerando a necessidade de clareza da postulação, conforme alude o texto acima, suponha que, em uma ação trabalhista, tenha sido impossível ao juiz determinar exatamente a pretensão do autor. Nessa situação, infere-se que

A) o autor incorreu em ofensa ao princípio da lealdade processual.

B) a falha do autor caracteriza falta de interesse processual de sua parte.

C) o juízo acionado deve declarar abuso do direito de ação pelo autor.

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D) o juízo acionado deve declarar inépcia da petição inicial ou do pedido.

E) a parte autora deve ser punida mediante aplicação do instituto da confissão.

Segundo estabelece o artigo 295, parágrafo único, do CPC, declara-se a inépcia da petição inicial quando dos fundamentos deduzidos não decorrer logicamente a conclusão, quando os pedidos são juridicamente impossíveis ou incompatíveis com outros formulados cumulativamente, ou, por derradeiro, quando a pretensão é apresentada de forma ambígua e obscura, não possibilitando se apreenda, com clareza, o efeito jurídico desejado.

O referido dispositivo processual civil é subsidiariamente aplicável ao processo do trabalho, na fase de conhecimento, por força do artigo 769 da CLT, sendo importante destacar, no entanto, que, nos termos do artigo 841 da CLT, a petição inicial no processo do trabalho, sendo escrita, deve conter, além da autoridade judiciária a quem é dirigida e da qualificação do reclamante, apenas uma breve exposição dos fatos de que resulte o dissídio, sendo, pois, inaplicáveis ao processo trabalhista as normas con-tidas nos artigos 282 e 286 do CPC.

Por conta dessa expressa previsão legal de simplicidade da petição inicial trabalhista, firmou-se na jurisprudência do TST – Súmula 263 – o entendimento de não ser viável se declarar a inépcia da petição inicial no processo do trabalho sem que se oportunizasse previamente à parte sanar o vício na petição inicial.

Não havendo despacho saneador no processo do trabalho, algumas situações graves de vício chegavam ao conhecimento do julgador somen-te no momento da sentença e, assim, compreendendo a gravidade de algumas situações, a jurisprudência consolidada no C. TST evolui e a re-dação da Súmula é alterada em 2003, firmando-se o entendimento no

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sentido de que vícios graves na petição inicial ao ponto de inviabilizar a plena compreensão do pedido, tal como se aponta na questão em co-mento, devem conduzir à declaração de inépcia da petição inicial.

A questão, portanto, se resolve pela incidência da Súmula 263 do C. TST, cuja atual redação preconiza:

PETIÇÃO INICIAL. INDEFERIMENTO. INSTRUÇÃO OBRIGATÓRIA DE-FICIENTE (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003.

Salvo nas hipóteses do art. 295 do CPC, o indeferimento da petição inicial, por encontrar-se desacompanhada de documento indis-pensável à propositura da ação ou não preencher outro requisito legal, somente é cabível se, após intimada para suprir a irregulari-dade em 10 (dez) dias, a parte não o fizer.

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Eduardo Carrion

A noção de Constituições rígidas é decorrência dos movimentos cons-titucionalistas modernos, surgidos principalmente a partir de meados do século XVII. Conquanto estivesse entre os objetivos desses movimentos idealizar nova forma de ordenação, fundamentação e limitação do poder político por meio de documento escrito, tornou-se necessária a distinção entre poder constituinte e poderes constituídos.

Considerando-se o disposto na Constituição Federal de 1988, seria constitucional lei que

I. permitisse a contratação de promotor de justiça, sem concurso pú-blico, mediante livre escolha do procurador-geral de justiça.

II. obrigasse membros de associações a permanecerem associados por vinte anos.

III. proibisse o anonimato em reclamações encaminhadas a qualquer ente da Administração Pública Direta e Indireta.

É correto o que se afirma em

A) I, apenas.

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B) III, apenas.

C) I e II, apenas.

D) II e III, apenas.

E) I, II e III.

Há consideração inicial sobre a emergência de Constituições rígidas com o surgimento do constitucionalismo clássico ou moderno, “princi-palmente a partir de meados do século XVII”. Movimento esse que se expressa primeiro na Inglaterra, posteriormente, no século XVIII, nos Estados Unidos e na França, desde então em outros países. O padrão torna-se o da elaboração de Constituições escritas e rígidas, a mais im-portante exceção sendo a Constituição inglesa, que, entretanto, embora costumeira, convive com textos constitucionais escritos, a exemplo da Magna Carta de 1215. No Antigo Regime, ou seja, na sociedade europeia anteriormente às revoluções democrático-burguesas, havia Constitui-ções, mas costumeiras, as denominadas “Leis Fundamentais do Reino”, correspondentes em grande parte a um regime autocrático, não sendo instrumento suficiente e eficiente de afirmação das liberdades e de con-trole do poder.

Uma Constituição escrita e rígida prevê um procedimento especial de reforma constitucional, mais dificultoso do que aquele exigido para a elaboração de uma simples lei ordinária. Isso favorece a supremacia for-mal da Constituição, bem como sua maior estabilidade e segurança. Tor-na-se uma precondição para o controle de constitucionalidade das leis. Constituição flexível, como contraponto a uma Constituição rígida, trata-se mais de uma memória histórica, uma experiência pontual no alvorecer do constitucionalismo clássico ou moderno.

O poder constituinte diferencia-se em poder constituinte originário, responsável pela elaboração de uma nova Constituição, e poder consti-

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tuinte derivado ou poder de reforma constitucional. Poderes constitu-ídos, por sua vez, são, de forma sumária, aqueles inscritos pelo poder constituinte na Constituição.

Com relação às alternativas da Questão 25, lembre-se que o acesso a cargo público depende, por via de regra, de concurso público, nos termos do artigo 37, II, da Constituição Federal. Existe regramento constitucional específico com relação ao Ministério Público. Nos termos do artigo 127, § 2°, da Constituição Federal, há, da mesma forma, previsão de concurso público para ingresso na carreira de promotor de justiça. Aliás, nem se trataria de contratação, como indica o enunciado, mas de nomeação de promotor de justiça. Por outro lado, nos termos do artigo 5º, XVII e XX, da Constituição Federal, “é plena a liberdade de associação [...]”, e “nin-guém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Finalmente, a Constituição Federal assegura, em seu art. 5°, IV, que é “livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Ra-zão porque, segundo o gabarito da prova, “seria constitucional lei que proibisse o anonimato em reclamações encaminhadas a qualquer ente da Administração Pública Direta e Indireta” (alternativa B – III, apenas). Veja-se, entretanto, em complemento, os incisos V (“é assegurado o di-reito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem”) e XIV (“é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercí-cio profissional”), ambos do artigo 5º da Constituição.

Bibliografia de apoio ou de aprofundamento:

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 2015.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação consti-tucional. São Paulo: Editora Atlas, 2013.

SILVA, Jose Afonso da. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Ma-lheiros Editores, 2014.

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José Tadeu Neves Xavier

Os relatórios, de forma sintética, identificaram os seguintes desafios que se colocam para o Judiciário:

1) uma trajetória de judicialização em que vários atores (governo, mídia e advocacia) fomentam o crescimento da litigiosidade;

2) uma conjuntura socioeconômica que colaborou para um cresci-mento vertiginoso de demandas ligadas ao sistema de crédito no Brasil;

3) um quadro de variados incentivos para a litigação e para a interpo-sição de recursos, o que só reforça a morosidade e o congestionamento do sistema judicial, em um círculo vicioso e em um contexto em que a cultura de conciliação ainda encontra pouco espaço. Diante desses desa-fios, conclui-se que, em face da crise da morosidade judicial, o Judiciário não pode agir mais reativamente ao aumento sistemático da litigância processual. Ações de caráter proativo, capitaneadas pelo Poder Judici-ário, incluindo-se o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), são necessárias para o efetivo combate do problema e passam pelo aperfeiçoamento da gestão judicial, pela legitimação dos mecanismos alternativos de reso-lução de conflito, pela elaboração de políticas de redução e de filtro das demandas judiciais e pela cooperação interinstitucional com órgãos da Administração Pública (no caso presente, com INSS, Ministério da Pre-

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vidência Social e Banco Central) e com instituições privadas ligadas ao maior número de litígios (bancos, empresas de telefonia etc.).

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Departamento de Pesquisas Judiciárias. Demandas repetitivas e morosidade na justiça cível brasileira. Brasília, jul. 2011. Dis-

ponível em: <http://www.cnj.jus.br>. Acesso em: 12 jul. 2012 (adaptado).

Considerando o contexto brasileiro abordado no texto acima, verifi-ca-se que

A) a disponibilização de crédito à população, em conjunto com a melhoria relativa de renda, cria condições de aplicação dos me-canismos alternativos de resolução de conflitos, já devidamente legitimados no sistema jurídico brasileiro.

B) a morosidade do Judiciário, como referido no texto, pode ser atribu-ída, entre outras causas, ao surgimento de demandas repetitivas ca-pitaneadas por grandes litigantes, que, continuamente, se recusam a legitimar os mecanismos alternativos de resolução de conflitos.

C) a existência de um sistema recursal que incentiva a litigância pro-cessual e a concentração das demandas repetitivas em poucos li-tigantes institucionais, tanto na Administração Pública quanto nas instituições privadas, favorecem a adoção de mecanismos alter-nativos de resolução de conflitos.

D) o Poder Judiciário, em conjunto com o CNJ, criou, conforme men-cionado no texto, condições para se melhorar a resolução dos conflitos, ao incentivar o acesso à justiça e a busca de solução do litígio processual de forma célere, reduzir o número de recursos processuais e estabelecer metas quantitativas de sentenças a se-rem cumpridas pelos magistrados.

E) o aumento da litigância processual é fruto, entre outros fatores, da melhoria de renda da população, do maior acesso à informação e da progressiva conscientização do cidadão acerca das suas garan-tias jurídicas e dos caminhos processuais de efetivação.

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Comentários:

A questão em análise põe em destaque um dos aspectos que mais tem ocupado a atenção da doutrina processual, que é o aumento cons-tante da litigância processual e suas inevitáveis consequências.

O principal efeito negativo que pode ser constatado como decorrên-cia do aumento da litigiosidade é a demora na prestação jurisdicional, o que levou o legislador a inserir no texto das Constituição Federal, no rol de Direitos Fundamentais, a previsão de que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII).

A nova Codificação Processual Civil também se ocupou do tema, tra-zendo em seu art. 4o a previsão no sentido de que “as partes têm o di-reito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

Neste cenário merecem destaque algumas novidades inseridas na nova codificação processual civil, visando pontualmente auxiliar na maior efetividade da prestação jurisdicional, proporcionando assim a redução do volume excessivo de processos que atualmente tramita no Poder Judiciário brasileiro e buscando alcançar a prestação jurisdicional com maior celeridade, que são: (a) a prioridade atribuída à conciliação e mediação, inclusive com a criação de audiência específica para este fim; (b) a incorporação na legislação do incidente de resolução de demandas repetitivas; e (c) julgamento diferenciado dos recursos extraordinários e especiais repetitivos (que já existe na legislação atual, mas recebe nova formatação, aparentemente mais eficaz).

Feitas essas considerações preliminares, passemos à análise das al-ternativas propostas:

A primeira alternativa (“a disponibilização de crédito à população, em conjunto com a melhoria relativa de renda, cria condições de aplicação dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos, já devidamen-

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te legitimados no sistema jurídico brasileiro”) mostra-se integralmente equivocada, pois, apesar de haver a previsão de legislação específica re-gulando a utilização da arbitragem no direito nacional (Lei nº 9.307/96), essa modalidade de resolução alternativa dos conflitos ainda não encon-trou plena aceitação em nosso sistema. Saliente-se que a arbitragem não pode ser utilizada como forma de solução de conflitos oriundos de rela-ções de consumo, que estão diretamente relacionadas às operações de crédito e à melhoria de renda da população.

A alternativa B também não está correta, pois dispõe que “a moro-sidade do Judiciário, como referido no texto, pode ser atribuída, entre outras causas, ao surgimento de demandas repetitivas capitaneadas por grandes litigantes, que, continuamente, se recusam a legitimar os meca-nismos alternativos de resolução de conflitos”. Na verdade, os grandes litigantes, como os bancos, as empresas de seguro saúde, as concessio-nárias e permissionárias de serviços públicos, atuam como demandadas. Tais demandas são capitaneadas pelos clientes dessas empresas.

A terceira alternativa, por sua vez, também apresenta raciocínio in-correto, afirmando que “a existência de um sistema recursal que incenti-va a litigância processual e a concentração das demandas repetitivas em poucos litigantes institucionais, tanto na Administração Pública quanto nas instituições privadas, favorecem a adoção de mecanismos alternati-vos de resolução de conflitos”. Esta assertiva não se mostra correta, pois a concentração das demandas repetitivas em poucos litigantes em nada auxilia ou atua como incentivo na adoção de formas alternativas de solu-ção dos conflitos.

A alternativa D está incorreta ao afirmar que “o Poder Judiciário, em conjunto com o CNJ, criou, conforme mencionado no texto, condições para se melhorar a resolução dos conflitos, ao incentivar o acesso à justi-ça e a busca de solução do litígio processual de forma célere, reduzir o nú-mero de recursos processuais e estabelecer metas quantitativas de sen-tenças a serem cumpridas pelos magistrados”. Embora a atuação do CNJ

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no cenário jurídico brasileiro tenha papel de destaque na administração da Justiça, não cabe a este a tarefa de redução de recursos processuais. A normatização do Direito Processual Civil é atividade a ser desempenhada pelo Poder Legislativo, por meio de lei.

Por fim está correta a alternativa E (“o aumento da litigância proces-sual é fruto, entre outros fatores, da melhoria de renda da população, do maior acesso à informação e da progressiva conscientização do cidadão acerca das suas garantias jurídicas e dos caminhos processuais de efeti-vação”). Todos os fatores indicados na afirmativa de alguma forma, com maior ou menor intensidade, colaboram para a intensificação da quanti-dade de demandas judiciais. A melhora de renda da população acaba por gerar maior capacidade de atuação econômica, o que ocasiona uma ati-vidade mais ativa da população, ampliando a potencialidade de conflitos. O acesso da população à informação auxilia na melhor compreensão do cidadão sobre os seus direitos no mercado de consumo e o desempenho das suas relações sociais em geral. O terceiro aspecto na verdade é con-sequência natural dos anteriores: a melhora das condições econômicas e do acesso à informação oportuniza o crescimento da conscientização da população acerca de suas garantias jurídicas e dos caminhos processuais para a sua efetivação, como ocorre em relação à utilização dos juizados especiais cíveis para a solução de conflitos.

Referências bibliográficas

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador: Juspodi-vum, 2015. v. 2.

GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil. São Paulo: RT, 2015.

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ALEXANDRE LIPP JOÃO

O Direito do Consumidor está calcado na presunção de vulnerabi-lidade do consumidor, que é representada pela desigualdade material existente entre fornecedor e consumidor no mercado de consumo. Des-taca-se, como principais características, a vulnerabilidade técnica, jurídi-ca, fática ou econômica e informacional.

O princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor justifica a visão intervencionista do Direito do Consumidor, como se pode verificar do art. 5º, inc. XXXII, da Constituição Federal, que estabelece que o Estado deve proteger o consumidor na forma da lei. Além disso, a defesa do consumidor é princípio da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa.

A Política Nacional das Relações de Consumo objetiva atender as ne-cessidades dos consumidores, a proteção da sua vida, saúde e segurança, a proteção dos seus interesses econômicos, a melhoria da qualidade de vida e a transparência nas relações entre fornecedores e consumidores.

No que se refere à proteção contratual, o Código de Defesa do Consu-midor inaugurou uma nova ordem, baseada no reequilíbrio das relações entre consumidores e fornecedores e na proteção do mais fraco, estabele-cendo novos deveres aos fornecedores, como transparência, informação,

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confiança e boa-fé. Esses deveres passam a ser exigidos na fase pré-con-tratual, durante a execução e até mesmo após o exaurimento do contrato.

A fase pré-contratual assume enorme importância, como o respeito à oferta e o princípio da vinculação, previsto no art. 30 do Código de De-fesa do Consumidor, bem como as alternativas postas à escolha do con-sumidor em caso de descumprimento da oferta (art. 35). Durante a exe-cução do contrato, assume relevo a norma que exige que o fornecedor oportunize ao consumidor o conhecimento do conteúdo do contrato, sob pena de este não ficar obrigado. Há, ainda, o direito de arrependimento, que se exerce no prazo de reflexão de sete dias, nas vendas à domicílio, pela internet ou por telefone. Além disso, a interpretação das cláusulas dúbias é feita a favor do aderente, no caso o consumidor. Finalmente, podemos apontar o rol ilustrativo de cláusulas abusivas.

Feitas essas considerações, passa-se ao exame da questão 27.

A questão é precedida de uma introdução sobre os contratos de massa, as ferramentas necessárias para interpretação pelos Tribunais e a visão intervencionista do Direito do Consumidor, seguindo-se as respec-tivas assertivas para avaliação.

QUESTÃO 27

Nos contratos de massa, os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana, do trabalho e da livre iniciativa, o preenchimento do conceito de “Estado Democrático de Direito”, os princípios da liberdade, justiça e solidariedade, o da igualdade e as diretrizes da política nacional do consumo, entre as quais se destaca o princípio da boa-fé, oferecem aos tribunais sólidas bases de referência para a interpretação, no contra-to, de uma “normativa intervencionista”, quando violados, ou em vias de serem violados, ditos princípios.

MARTINS-COSTA, J. Crise e modificação da ideia de contrato. In: TEPEDINO, G.; FACHIN, L. E. Doutrinas essenciais: obrigações e contratos. v. III. São Paulo: RT, 2011 (adaptado).

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À luz da visão intervencionista a que o texto acima alude e conside-rando a jurisprudência dos tribunais brasileiros, avalie as afirmações a seguir.

I. O simples descumprimento de um contrato dá ensejo à indeniza-ção por dano moral.

II. O Código de Defesa do Consumidor é aplicável a contratos firma-dos antes da vigência desse dispositivo legal.

III. Um juiz pode conhecer, de ofício, a abusividade de cláusulas con-tratuais em relação de consumo de que tenha conhecimento.

IV. Quando o consumidor for réu, a competência pode ser declinada, de ofício, para o seu domicílio.

V. O Ministério Público tem legitimidade para propor ação em defesa de interesses individuais homogêneos.

É correto apenas o que se afirma em

A) I e III.

B) I e IV.

C) II e III.

D) II e V.

E) IV e V.

Quanto à assertiva I, o simples descumprimento contratual, efetiva-mente, não gera dano moral. Ao contrário, o descumprimento enseja o pagamento de juros moratórios, cláusula penal e perdas e danos.

A assertiva II destaca a possibilidade de aplicação do Código de De-fesa do Consumidor a contratos celebrados anteriormente. A alternativa está errada porque a lei não pode retroagir para prejudicar o ato jurídico perfeito, conforme prevê a Constituição Federal (art. 5º, inc. XXXVI).

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Relativamente à assertiva III, que afirma a possibilidade de o Juiz conhe-cer de ofício a abusividade de cláusulas contratuais em relação de consumo de que tenha conhecimento, o erro reside na afronta ao limite do pedido do autor. O julgamento, nesse caso, seria extra petita e, portanto, vedado no nosso ordenamento processual. O Superior Tribunal de Justiça, a respeito de contratos bancários, editou a Súmula nº 381, que estabelece essa vedação.

A assertiva IV está correta. A competência para o processamento de ações envolvendo relações de consumo está prevista no art. 101, I, do CDC, que permite o ajuizamento no domicílio do consumidor. Assim, se a ação for ajuizada perante outro juízo, tratando-se de norma de ordem pública e do caráter protetivo do Código de Defesa do Consumidor, o juiz pode declinar de ofício a competência.

A assertiva V também está correta. A legitimidade do Ministério Pú-blico para a tutela coletiva do consumidor compreende os direitos e inte-resses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Sabe-se que os direi-tos e interesses individuais homogêneos são acidentalmente coletivos, mas dotados de relevância social e interesse público. A legitimidade está prevista no art. 8I, parágrafo único, III, combinado com o art. 82, I, ambos do Código de Defesa do Consumidor. Os direitos e interesses individuais homogêneos se caracterizam pela origem comum da lesão. Trata-se de uma ação voltada à obtenção de uma sentença condenatória genérica, que permite aos lesados o aproveitamento em caso de procedência.

Bibliografia:

MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman; BESSA, Leonardo. Ma-nual de direito do consumidor. São Paulo: RT, 2009.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor comen-tado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

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Valdete Severo

Avalie as seguintes afirmações com referência à competência da Jus-tiça do Trabalho para julgar ações de dissídios coletivos, possessórias, mandados de segurança e habeas data.

I. A competência funcional para processar e julgar dissídios coleti-vos é dos Tribunais Regionais do Trabalho ou do Tribunal Supe-rior do Trabalho, conforme a área de abrangência do conflito e a representação das categorias envolvidas no conflito de interes-ses.

II. A Justiça do Trabalho é incompetente para julgar ações possessó-rias, incluído o interdito proibitório, ainda que essas ações sejam decorrentes do exercício do direito de greve dos trabalhadores da iniciativa privada.

III. Os Tribunais Regionais do Trabalho são competentes para julgar mandado de segurança em que figure como autoridade coatora juiz, titular ou substituto, de vara do trabalho; juiz de direito inves-tido na jurisdição trabalhista e o próprio tribunal ou qualquer dos seus órgãos colegiados ou monocráticos.

IV. É da Justiça comum a competência para impetrar habeas data em favor do empregador, contra órgão de fiscalização da relação de

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trabalho que se nega a fornecer informações sobre processo ad-ministrativo.

É correto apenas o que se afirma em

A) I e II.

B) I e III.

C) III e IV.

D) I, II e IV.

E) II, III e IV.

COMENTÁRIOS:

ASSERTIVA I – VERDADEIRA:

A competência funcional (ou interna) pode ser vertical (hierárquica) ou horizontal. A incompetência funcional é absoluta, devendo ser decla-rada de ofício pelo juiz. A competência funcional está prevista na Consti-tuição, em Lei, e nos Regimentos Internos dos Tribunais:

CLT, Art. 678 - Aos Tribunais Regionais, quando divididos em Tur-mas, compete: (Redação dada pela Lei nº 5.442, de 24.5.1968)

I - ao Tribunal Pleno, especialmente:

a) processar, conciliar e julgar originariamente os dissídios coleti-vos;

Lei n. 7.701/88, Art. 2º - Compete à seção especializada em dissí-dios coletivos, ou seção normativa

I - originariamente:

a) conciliar e julgar os dissídios coletivos que excedam a jurisdição dos Tribunais Regionais do Trabalho e estender ou rever suas pró-prias sentenças normativas, nos casos previstos em lei;

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ASSERTIVA II – FALSA:

A Lei nº 7.783/89 dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiá-veis da comunidade, e dá outras providências. Anteriormente, a Justiça do Trabalho se limitava a julgar os chamados dissídios coletivos de greve, conforme previstos no parágrafo 3º do art. 114 da CF:

CF, Art. 114, § 3º Em caso de greve em atividade essencial, com pos-sibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

Atualmente, a competência abrange todas as ações que “envolvam” o exercício do direito de greve, tais como ações possessórias (interditos proibitórios) e ações indenizatórias, envolvendo, inclusive, danos causa-dos a terceiros.

Súmula Vinculante 23: A Justiça do Trabalho é competente para pro-cessar e julgar ação possessória ajuizada em decorrência do exercício do direito de greve pelos trabalhadores da iniciativa privada.

ASSERTIVA III – VERDADEIRA:

De acordo com o inciso IV do artigo 114 da Constituição, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar “os mandados de segurança, ha-beas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição”.

O mandado de segurança poderá ser impetrado contra o auditor fis-cal do trabalho ou o Delegado Regional do Trabalho em decorrência de aplicação de multas provenientes da fiscalização das relações de traba-lho (art. 114, VII, da Constituição), na interdição de estabelecimento ou setor, de máquina ou equipamento, no embargo à obra (art. 161 da CLT). Nesses casos, a ação deverá ser proposta perante a primeira instância.

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Caso figure como autoridade coatora juiz, titular ou substituto, de vara do trabalho, juiz de direito investido na jurisdição trabalhista e o próprio tribunal ou qualquer dos seus órgãos colegiados ou monocráti-cos, o Mandado deverá ser julgado pelo pleno do próprio tribunal, con-forme artigo 678, I, b, 3, da CLT.

No TST, a competência será da Seção de Dissídio Coletivo (art. 2.º, I, d, da Lei n.º 7.701/88) ou da Subseção de Dissídios Individuais 2 (art. 3.º, I, b, da Lei n.º 7.701/88).

ASSERTIVA IV – FALSA:

De acordo com o inciso IV do artigo 114 da Constituição, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar “os mandados de segurança, ha-beas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição”. O habeas data será de competência do juiz de primeiro grau, por não haver determinação de foro privilegiado.

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Gustavo Masina

INTRODUÇÃO DO TEMA

Muito se discutiu acerca da aplicação da LC 118/05, por meio da qual foi disciplinado que o prazo prescricional para a restituição de tributos sujeitos a lançamento por homologação é de 05 anos contados a partir do pagamento antecipado. A aludida regra legal inovou o sistema jurídico tributário, tendo em vista que até o surgimento da referida lei comple-mentar o Superior Tribunal de Justiça concedia para tais hipóteses prazo prescricional de 10 anos a contar do pagamento antecipado (tese dos 05 + 05 anos).

Ocorre, porém, que, além de dispor sobre o prazo prescricional re-lativo à restituição, a referida lei complementar trouxe em seu art. 4º disposição que estabelecia sua aplicação retroativa forte no art. 106, I, do Código Tributário Nacional, sob a justificativa de que seria lei inter-pretativa. Passou-se a discutir, então, se tal lei era mesmo interpreta-tiva e quais fatos estariam sujeitos ao (novo) prazo prescricional nela estabelecido.

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QUESTÃO 29

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATI-VO DA CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). LEI INTERPRETATIVA. PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO NOS TRIBUTOS SUJEI-TOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. ART. 3.º, DA LC 118/2005. POSICIONAMENTO DO STF. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SUPERADO ENTENDIMENTO FIRMADO ANTERIORMENTE TAMBÉM EM SEDE DE RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.

1. O acórdão proveniente da Corte Especial na AI no Eresp n.º 644.736/PE, Relator o Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 27/08/2007, e o recurso representativo da controvérsia REsp. n.º 1.002.932/SP, Pri-meira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/11/2009, firmaram o en-tendimento no sentido de que o art. 3.º da LC 118/2005 somente pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência. Sendo assim, a jurisprudência deste STJ passou a considerar que, relativamente aos pagamentos efetuados a partir de 09/06/05, o prazo para a repetição do indébito é de cinco anos a contar da data do pagamento; e, relativamente aos pagamentos an-teriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior.

2. No entanto, o mesmo tema recebeu julgamento do STF no RE n.º 566.621/RS, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 04/08/2011, quando foi fixado marco para a aplicação do regime novo de prazo pres-cricional levando-se em consideração a data do ajuizamento da ação (e não mais a data do pagamento) em confronto com a data da vigência da lei nova (09/06/2005).

3. Tendo a jurisprudência deste STJ sido construída em interpretação de princípios constitucionais, urge inclinar-se esta Casa ao decidido pela Corte Suprema competente, para dar a palavra final em temas de tal jaez, notadamente em havendo julgamento de mérito em repercussão geral (arts. 543-A e 543-B do CPC). Desse modo, para as ações ajuizadas a par-tir de 9/6/2005, aplica-se o art. 3.º da Lei Complementar n.º 118/2005,

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contando-se o prazo prescricional dos tributos sujeitos a lançamento por homologação em cinco anos a partir do pagamento antecipado de que trata o art. 150, §1.º, do CTN.

4. Superado o recurso representativo da controvérsia, REsp. n.º 1.002.932/SP, Primeira Seção, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 25/11/2009.

5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.

RECURSO ESPECIAL N.º 1.269.570 - MG (2011/0125644-3). Disponível em: <ht-tps://ww2.stj.jus.br>. Acesso em: 17 jul. 2012 (adaptado).

Considerando a ementa acima, avalie as seguintes asserções e a rela-ção proposta entre elas.

I. Aplica-se a ações ajuizadas a partir de 09/06/2005 o novo regime do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de repetição do indébito tributário de tributos sujeitos a lançamento por ho-mologação.

PORQUE

II. O STJ, revendo seu posicionamento anterior, consolidou entendi-mento, na esteira do decidido pelo STF, de que se deve considerar como marco para a aplicação do novo regime de prazo prescricio-nal a data do ajuizamento da ação (e não mais a data do pagamen-to do tributo), em confronto com a data da vigência da lei nova (09/06/2005).

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justi-ficativa da I.

B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.

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C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.

D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição ver-dadeira.

E) As asserções I e II são proposições falsas.

COMENTÁRIOS A RESPEITO DA QUESTÃO

A questão levantada diz respeito à mudança de interpretação pro-movida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca da aplicação da LC 118/05, promovida a partir do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (STF). No início, o STJ entendia que o novo prazo prescricional estabelecido pela LC 118/05 quanto à repetição de indébito de tributos sujeitos ao lançamento por homologação seria aplicável aos pagamentos realizados a partir do decurso do período de vacatio legis da LC 118/05 (09/06/05) e assim não atingiria os pagamentos realizados anteriormente a tal data. Ocorre, porém, que o STF, muito embora tenha declarado que a LC 118/05 não pode ser considerada lei interpretativa, vedando, assim, sua aplicação retroativa, acabou por admitir a aplicação do novo prazo prescricional a todas as ações ajuizadas posteriormente ao transcurso do prazo de vacatio legis da própria LC 118/05 (09/06/05), independente-mente da data em que realizados os pagamentos que originaram o pleito de repetição de indébito. Dessa forma, todos que ingressaram com ações posteriormente a 09/06/05 ficaram sujeitos ao novo prazo prescricional estabelecido pela LC 118/05. Dessa forma, segundo o entendimento do STF, para fins de verificação acerca de qual prazo prescricional deve ser considerado – se o prazo decenal ou se o prazo quinquenal estabelecido pela LC 118/05 –, não importa a data do pagamento antecipado, mas, sim, a data de ingresso da ação judicial. Diante do pronunciamento pro-movido pela Corte Constitucional, o STJ, que já havia firmado seu posicio-namento considerando como critério de distinção a data dos pagamentos

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antecipados, reviu seu próprio entendimento, passando a adotar, então, a tese de que o prazo prescricional de 05 anos introduzido pela LC 118/05 deve ser aplicado a todas as ações ajuizadas a partir de 09/06/05.

BIBLIOGRAFIA

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; LOBATO, Valter. Reflexões sobre o art. 3º da Lei Complementar 118. Segurança jurídica e a boa-fé como valores constitucionais. As leis interpretativas no Direito Tributário brasileiro. Revista Dialética de Direi-to Tributário, n. 117, p. 108.

PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. A aplicação da Lei Complementar nº 118/05 no tempo: o problema das leis interpretativas no Direito Tributário. Revista Dialé-tica de Direito Tributário, n. 116, p. 108.

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José Tadeu Neves Xavier

Questão de resolução através de raciocínio lógico e interpretação de texto. Optou-se por omitir tal comentário a fim de prestigiar as demais questões que exigem um raciocínio mais elaborado.

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Cristina Pasqual

Considere que Tito e Lívio devam determinada quantia a Sílvio e Feli-pe e que, vencida a dívida, Sílvio, isoladamente, tenha acionado Tito para a cobrança. Nessa situação, Sílvio teria direito a cobrar

A) 100% da dívida, pois a obrigação é indivisível.

B) 25% do valor da dívida, por se tratar de obrigação divisível.

C) 50% da dívida, dada a presunção de solidariedade passiva entre os devedores.

D) exclusivamente de Tito, já que ocorre litisconsórcio passivo neces-sário.

E) 100% da dívida, se Felipe vier a integrar o polo ativo da lide, pois há, na situação, um litisconsórcio ativo unitário.

As relações obrigacionais caracterizam-se por constituírem-se por vínculos jurídicos que se estabelecem entre pelo menos um sujeito deno-minado credor e outro denominado de devedor. Estabelecido tal vínculo, surge para o credor a obrigatoriedade de cumprir com uma prestação, a qual poderá ser de dar, fazer ou não fazer.

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A prestação de dar subdivide-se em entregar coisa certa, restituir coisa certa, dar coisa incerta e as chamadas dívidas pecuniárias, ou seja, aquelas que se executam mediante a entrega de dinheiro. A prestação de fazer, a qual pode ser personalíssima ou impessoal, caracteriza-se pelo fato de o devedor obrigar-se a executar uma atividade em prol do credor, e a prestação de não fazer é aquela na qual o devedor obriga-se a abster-se de uma determinada conduta.

Relativamente ao objeto da obrigação, ou seja, a prestação, as obri-gações também se classificam em divisíveis ou indivisíveis. As divisíveis caracterizam-se pelo fato de a prestação objeto da obrigação ser passí-vel de divisão. Não necessariamente ser dividida na sua execução, mas sim ser possível de ser fracionada, seja no tempo, seja entre os sujeitos, quando houver pluralidade de credores ou de devedores. As obrigações indivisíveis são aquelas nas quais a prestação não é passível de divisão, ou seja, nem no tempo, nem entre os sujeitos a divisão pode ocorrer, seja pela natureza da prestação, seja por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico.

No caso apresentado na questão, identifica-se que há uma relação obrigacional composta por dois credores e dois devedores, sendo os de-vedores titulares de uma prestação pecuniária, vencida.

Prestação pecuniária é aquela, como já mencionado, na qual o deve-dor tem de entregar dinheiro ao credor. Tal tipo de prestação é divisível por natureza, pois dinheiro é passível de divisão e na questão não há nenhum elemento que indique a pactuação da indivisibilidade.

Mais, não há também na questão uma obrigação solidária, pois a solidariedade não se presume, resulta ou de determinação legal ou con-venção entre as partes e por isso impossível a cobrança da integralidade da dívida de somente um dos devedores.

Diante disso, seguindo a regra aplicável à obrigação divisível, identi-fica-se que o artigo 257 do Código Civil brasileiro estabelece que, haven-

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do mais de um credor ou mais de um devedor, a prestação presume-se dividida proporcionalmente entre eles e, como há dois credores e dois devedores, fica evidente que cada um dos devedores tem que cumprir com 50% (cinquenta por cento) da prestação, pois assim o todo estará dividido proporcionalmente, e terá que pagar para cada credor metade de sua parte, ou seja, 25% (vinte cinco por cento) do todo para cada um dos sujeitos ativos da obrigação.

Assim, identifica-se que a letra “b” da questão traz a resposta corre-ta.

Bibliografia recomendada

FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2015. v. 2.

ZANGEROLAME, Flavia Maria. Obrigações divisíveis e indivisíveis e obrigações solidárias. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.). Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 181-210.

GOMES, Orlando. Obrigações. Atualizador Edvaldo Brito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

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Gilberto Thums

A questão n. 32 refere-se aos crimes de peculato, corrupção e concussão, que são crimes praticados por servidores públicos no exercício da função públi-ca. Esse tema é recorrente em concursos públicos ou provas de direito penal.

A assertiva I está incorreta porque no crime de peculato-apropriação o agente deve ter a posse do bem em razão da função. Exemplo: um juiz mandou sequestrar dinheiro de um réu e o depositou em sua conta ban-cária. Se houve prática de fraude para desviar dinheiro público, então o crime será de peculato-desvio (caso mensalão).

A assertiva II está correta porque se trata de concussão prevista no artigo 316 e a conduta é exigir vantagem indevida em razão da função pública, cujo crime é formal, de consumação instantânea.

A assertiva III está correta, pois é cópia do art. 317 do CP.

Segue abaixo uma síntese de crimes mais importantes praticados contra a administração pública.

CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

É imprescindível conceituar funcionário público sob o ponto de vis-ta do Código Penal. Em seu art. 327 é feita a interpretação autêntica –

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pelo próprio legislador: considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública (servidores da Administração Direta, inclusive estagiários). Equipara-se a funcionário público quem exerce car-go, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execu-ção de atividade típica da Administração Pública (funcionários da Admi-nistração Indireta e serviços típicos da Administração que são terceiri-zados, como SUS, CRVAs, serviços notariais etc.). Exemplo: médico que atende paciente SUS e exige dele pagamento pelos serviços pratica crime de concussão (art. 316). Quem ocupa cargo de chefia, direção, assessora-mento ou cargo em comissão tem a pena aumentada em 1/3 nos crimes dos arts. 312 a 326. O particular que não é funcionário público pode ser sujeito ativo desses crimes, desde que o faça em coautoria ou participa-ção com funcionário público.

Peculato

Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a pos-se em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concor-re para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Peculato culposo

§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

§ 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se pre-cede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é pos-terior, reduz de metade a pena imposta.

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Peculato – há três formas típicas:

a) peculato-apropriação ou desvio – art. 312: apropriar-se o funcio-nário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em pro-veito próprio ou alheio. Trata-se de peculato-apropriação (semelhante ao art. 168) quando o funcionário público tem a posse do bem em razão da função e passa a agir como se fosse dono da coisa. Ex. agente penitenci-ário que guarda os pertences dos presos e deles se apropria; policial que apreende bens de criminoso e não os entrega à autoridade policial. A consumação ocorre com a inversão do título da posse, quando o agente passa a comportar-se como se fosse dono da coisa; ou peculato-desvio, quando o agente não tem a posse do bem, mas o desvia em benefício próprio ou de terceiro. Essa forma é a mais comum, pois consiste na utili-zação de fraude ou falsificação de documentos para dar aparência de le-galidade do gasto do dinheiro público. Ex. viagens para fins particulares, simulação de despesas, notas falsas de aquisição de material ou presta-ção de serviços, tudo que engana a Administração Pública sobre gastos que não existiram, com o que ocorre o locupletamento patrimonial ilícito do funcionário público ou de terceiro. Cuidado: não confundir o crime de peculato-desvio com o art. 315 (emprego irregular de verbas) ou com o art. 359-D (despesa não autorizada por lei). No peculato o agente aufere vantagem patrimonial às custas do erário público, enquanto no 315 e 359-D houve um gasto em desacordo com norma legal, mas não ocorreu benefício do funcionário público;

b) peculato-furto: ocorre quando o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Trata-se de peculato-furto, pois o agente abusa das facilidades do cargo para subtrair, isto é, vai ‘dar uma de ladrão’ utilizando-se do ‘crachá’, que vai abrindo portas. Cuidado: não confundir com o crime de furto do art. 155, porque para

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haver peculato-furto o bem objeto da subtração deve estar sob a respon-sabilidade de Administração Pública; se for bem particular de funcionário público poderá haver crime de furto (art. 155). Confronto: se o agente é prefeito municipal e pratica peculato-apropriação ou desvio, sua conduta está tipificada no art. 1º, I, da Dec.-Lei 201/67 (princípio da especialida-de).

Cuidado: peculato de uso não é crime, salvo se o agente é prefeito (DL 201/67, art. 1º, II); para o funcionário público em geral constitui ape-nas ato de improbidade (Lei nº 8429/92); o mesmo ocorre com o pecula-to de serviços, como mão de obra pública para fins particulares. Classifi-cação: o peculato-apropriação e o peculato-desvio são denominados de peculato próprio, enquanto ao peculato-furto dá-se o nome de peculato impróprio;

c) peculato culposo: é quando o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem. A lei pune a desídia, o desleixo do funcionário público na guarda de bens públicos, conduta esta que dá causa a que outrem pratique crime contra a Administração. Assim, deve haver um nexo de causalidade entre a omissão do funcionário público e o resultado danoso contra a Administração. Exemplo: o encarregado da repartição esquece de fechar e trancar a porta, e por causa disso alguém subtraiu objetos do local. Nesse caso há dois crimes: quem subtraiu responde por peculato-furto (se funcionário) ou simplesmente furto (se particular). Cuidado: não se aplica ao peculato culposo o disposto no art. 16 do CP (arrependimento posterior), caso em que haverá extinção da punibilida-de se o funcionário público reparar o dano com sua conduta culposa até antes de transitar em julgado a condenação. Se for posterior, reduzirá a pena pela metade.

Peculato mediante erro de outrem

Art. 313 - Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

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26.2. Peculato mediante erro de outrem. É um crime que guarda se-melhança com o art. 169. O funcionário público não recebeu a coisa no exercício da função, porque não é da sua atribuição, mas tirou proveito do erro de terceiro apenas por ser funcionário público. Se fosse a função do agente de receber o bem e dele se apropriasse, haveria crime de pe-culato-apropriação (312). Alguns autores denominam essa forma típica de ‘peculato-estelionato’. Todavia há que se ter cuidado de não confun-di-la com o próprio crime de estelionato (art. 171). Entendo que se trata de uma anomalia legislativa, porque não faz diferença do ponto de vista da lealdade e da dignidade da função pública se o agente recebeu a coi-sa por erro de terceiro, se tinha ou não atribuição de recebê-la. Deveria sempre ser o crime do art. 312 ‘caput’. O legislador hipocritamente bene-ficia o ‘funcionário pilantra’.

Concussão

Art. 316 - Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Concussão. A conduta exigir significa impor, intimidar, valendo-se do cargo, com o fim de obter vantagem indevida. É uma espécie de extorsão, porém não há ameaça grave (147). O funcionário público apenas amea-ça cumprir seu dever ou praticar uma arbitrariedade. Se o funcionário público extrapola de suas funções poderá praticar o crime de extorsão do artigo 158. Ex. Policial ameaça enxertar droga e prender por tráfico se a pessoa não lhe entregar determinado valor. Na extorsão o mal é injusto e grave e não tem relação com a função pública ou qualidade do agente. Exemplo: para não executar um mandado de prisão, o oficial de justiça exige o pagamento de uma quantia em dinheiro. Isto é concussão. O crime tem muita semelhança com a corrupção passiva (317) em face do verbo solicitar. A diferença reside no poder de barganha que o fun-cionário público exerce. Quem pode exigir não pede ou solicita. Ex.: uma pessoa pratica um crime e é flagrada pelo policial; para não ser levada

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à delegacia o policial exige, e não solicita, a vantagem indevida, ainda que disfarçadamente. O crime do art. 316 é formal, de consumação ins-tantânea. Se o agente receber a vantagem será o exaurimento do crime. Cuidado: o crime pode ser praticado fora da função ou antes de assumi--la, mas deve ser em razão dela. Curiosamente o crime do art. 316, que é mais grave, tem pena menor do que a corrupção passiva (317), o que decorre das alterações legislativas sem critérios. Hoje não tem mais sen-tido distinguir a concussão da corrupção passiva, apenas didaticamente e para fins de prova em concurso público. Na concussão o agente exige e na corrupção ele solicita.

Se o crime for praticado por servidor do fisco, para não lançar tributo ou para cobrar parcialmente, ver o art. 3º, inc. II, da Lei nº 8.137/90.

Excesso de exação

Art. 316, § 1°: Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, empre-ga na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

§ 2º - Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.

Excesso de exação. Este crime nada ter a ver com a concussão, ex-ceto o verbo nuclear ‘exigir’. Exação é o rigor na cobrança de tributos ou dívidas. A lei pune o excesso do funcionário público. Este crime deveria estar tipificado na Lei nº 8.137, porque trata de cobrança de tributo ou contribuição social indevidos. Tributo indevido é o que não tem base le-gal para cobrança, diversamente do inexigível, que é o caso de tributo prescrito. Se for devido o tributo, mas o meio empregado for vexatório, humilhante, então haverá também o crime de excesso de exação. Custas e emolumentos não são considerados tributos; assim, o escrivão que co-bra acima do fixado no regimento de custas não pratica o crime de exces-so de exação. Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem,

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o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos, a pena será de reclusão, de 2 a 12 anos, e multa. Significa que, se o funcionário público embolsa o que cobrou indevidamente a pena é de 2 a 12 anos, se recolher aos cofres públicos o que cobrou indevidamente, a pena é de 3 a 8 anos, ou seja, será melhor embolsar, porque a pena será menor.

Corrupção passiva: trata do funcionário corrupto, podendo ocorrer mediante suborno de particular (art. 333) ou por ‘unha grande’ do fun-cionário, que ‘peita’ o cidadão, mediante solicitação da vantagem.

Corrupção passiva

Art. 317 - Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

a) Forma simples. O crime tem o ‘nomen juris’ equivocado, porque o primeiro verbo é ‘solicitar’, que representa conduta ativa, positiva. Pa-ciência. Assim o agente pode tanto tomar a iniciativa (isto é, ‘morder’ o cidadão), solicitando a vantagem indevida, quanto receber ou aceitar a promessa da vantagem por suborno, quando o particular oferece ou promete a vantagem ao funcionário público. Assim, é preciso conjugar sempre os crimes dos arts. 317 com 333, a fim de verificar quem prati-cou e tomou a iniciativa na corrupção. Se o funcionário público solicita a vantagem e o particular apenas paga, este não comete crime, apenas o funcionário. Trata-se de uma ‘mordida’ do funcionário público. Todavia, se o particular oferece ou promete a vantagem, isto é, suborna, já haverá o crime do art. 333, e se o funcionário público aceitar a promessa ou re-ceber a vantagem, também haverá corrupção passiva (317).

O crime deve ser praticado em razão da função pública (nexo funcio-nal), mas o funcionário público não precisa estar no exercício da função e poderá ocorrer mesmo antes de assumi-la. Ex.: um jurado que consta da lista mensal é procurado por defensor do réu; para absolver, o jurado

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solicita dinheiro. Mesmo não tendo ainda assumido a função de jurado no dia do julgamento, já está consumado o crime do art. 317, por solicitar vantagem indevida em razão de função pública.

O crime é formal, consumando-se mesmo sem receber a vantagem, e na forma de solicitar admite tentativa. Cuidado: pequenos mimos ou agrados recebidos por funcionário público como forma de agradecimen-to por ato realizado não configura o crime de corrupção passiva, sendo necessário que a oferta ou promessa de vantagem preceda ao ato fun-cional.

§ 1º - A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

b) Corrupção passiva majorada. É também denominada de corrup-ção qualificada, porque o funcionário público efetivamente não pratica o ato (omite-se ou abstém-se; ex.: não multar); ou retarda o ato (protelar; ex.: oficial de justiça protela a citação do réu ou cumprimento de manda-do); ou praticar o ato ilegalmente (ex.: soltar preso mediante pagamento de vantagem). Na corrupção passiva simples o ato do funcionário público geralmente é ato legal dentro de seu dever. Ex.: agilizar o cumprimento de mandado. É também denominada de corrupção imprópria, porque o funcionário público não pratica nenhuma ilegalidade. Na corrupção pró-pria o funcionário público pratica ato ilegal, infringe dever funcional.

§ 2º - Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

c) Corrupção passiva privilegiada. Trata-se de crime de pequena rele-vância, porque o funcionário público transige com o seu dever funcional diante de pedido de terceiro. Pode ser carteiraço, cantada, choradeira etc. Não se confunde com prevaricação, porque não há sentimento ou interesse pessoal a satisfazer (art. 319). O crime é da competência do

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JECrim. Confronto: se o crime de corrupção (suborno) envolver testemu-nha, perito, tradutor, intérprete, ver o crime dos arts. 342 e 343.

Facilitação de contrabando ou descaminho

Art. 318 - Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho (art. 334):

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

Facilitação de contrabando ou descaminho. Trata-se de crime funcio-nal próprio, porque somente pode ser cometido por funcionário público com atuação em zona alfandegária (fixa ou móvel), porque sua conduta consiste em facilitar (afastando obstáculos) o contrabando/descaminho. O tipo penal é remetido, isto é, sua caracterização depende de outro tipo penal. Assim, é necessário haver contrabando ou descaminho (art. 334) e o agente facilita esse crime. O crime é doloso, portanto exige consciência do agente de estar violando seu dever funcional. Não haverá crime se o agente dorme no posto ou negligencia seu dever funcional (agindo cul-posamente). O crime é formal e independe da ocorrência efetiva do con-trabando ou descaminho. Se outro funcionário público concorrer para o crime, mas sem ter atribuições funcionais de repressão ao crime do art. 334, haverá um rompimento da teoria unitária (art. 29), responderá ele por participação ou coautoria em crime de contrabando. Ex.: servidor do INSS que acompanha contrabandista para facilitar a passagem pela alfândega responderá pelo crime de contrabando, e não por facilitação, do art. 318.

Prevaricação

Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofí-cio, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Prevaricação. Trata-se de crime em que o funcionário público, in-fluenciado por sentimento (positivo ou negativo) ou interesse pessoal, deixa de cumprir seu dever ou age ilegalmente (vai fazer algo errado).

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Não há prevaricação, p. ex., se o agente dá prioridade de atendimento a alguém, ainda que movido por sentimento, se o ato não é ilegal. A desí-dia, a preguiça, a indolência ou o desleixo no cumprimento do dever não tipificam o crime; é necessário o dolo na conduta. Ex.: fiscal de trânsito flagra motorista por infração, mas deixa de autuá-lo por ser seu parente ou amigo; escrivão judicial deixa de expedir mandados ordenados pelo juiz para prejudicar o advogado contra o qual tem animosidade. O crime é da competência do JECrim.

Confronto: funcionário público que descumpre ordem de superior hierárquico em princípio não pratica crime (será infração disciplinar) nem responde por desobediência, visto que esse crime é praticado por parti-cular (330). Se o motivo do descumprimento da ordem é a satisfação de sentimento ou interesse pessoal, então haverá prevaricação. O STJ tem admitido que funcionário público responda por desobediência no caso de se tratar de ordem judicial e o destinatário da ordem não é subordina-do do juiz. Ex.: delegado de polícia.

Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho tele-fônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo: Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Prevaricação relacionada aos meios de comunicação do preso. Trata-se de tipo penal novo (Lei nº 11.466/2007), cujo objetivo é coibir o acesso de presos aos meios de comunicação por telefone ou rádio com o mundo externo. O crime é próprio, pois só pode ser praticado por agente peni-tenciário ou servidor ligado à administração penitenciária. Outros meios de comunicação são permitidos pela Lei nº 7.210, art. 41, XV. Conforme o art. 50 desta lei, constitui falta grave a posse de aparelho telefônico, de rádio ou similar. O crime é omissivo próprio, formal e doloso. O tipo penal é aberto e possui redação truncada – deixar de cumprir o dever de vedar o acesso... –, mas tem pena branda. A competência é do JECrim.

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Condescendência criminosa

Art. 320 - Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabili-zar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Condescendência criminosa. Trata-se de crime omissivo próprio, pois o agente deve ser superior hierárquico de outro funcionário público que praticou infração penal. Ex.: delegado de polícia que deixa de responsa-bilizar policial que praticou crime de abuso de autoridade. Cuidado: se o motivo da omissão da chefia deve-se a interesse ou sentimento pessoal, haverá crime de prevaricação, art. 319.

Confronto: se a omissão refere-se à apuração de crime de tortura – Lei nº 9.455, art. 1º, § 2º – o crime será de tortura, prevalecendo a norma especial. Exemplificando: delegado de polícia que toma conhecimento de crime de tortura praticado por seu subordinado e simplesmente deixa de tomar qualquer providência para a responsabilização do servidor pra-tica o crime de tortura do art. 1º, § 2º, da Lei nº 9.455.

Art. 321 - Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de fun-cionário: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa.

Parágrafo único - Se o interesse é ilegítimo: Pena - detenção, de três meses a um ano, além da multa.

Advocacia administrativa: a conduta patrocinar significa pleitear, requerer, advogar, interesse legítimo ou ilegítimo de alguém perante a Administração. O agente não tem competência para decidir sobre o pleito do interessado e então vale-se da condição de funcionário públi-co para patrocinar perante colegas ou superiores ou até subordinados. Normalmente se caracteriza por pedidos verbais. Diz-se que é o funcio-nário que serve de ‘alavanca’ ou ‘pistolão’ do interesse alheio. Não re-cebe qualquer vantagem, nem mesmo pratica a conduta por sentimen-

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to ou interesse pessoal. O crime tem pena branda e é da competência do JECrim.

Violação de sigilo funcional

Violação de sigilo funcional – possui três formas típicas:

Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não cons-titui crime mais grave.

a) O funcionário público toma conhecimento de fatos no exercí-cio da função e que devem ficar em segredo. Exemplos: integrante de comissão de concurso que conhece as questões ou o gabarito de uma prova e ‘vaza’ para alguém; servidor de vara de família que divulga fatos que tomou conhecimento em processo que corre em segredo de justi-ça; policial que sabe que será realizada diligência na casa de suspeito e o avisa antes etc. Se o funcionário público recebeu dinheiro para re-velar o segredo ou as informações sigilosas, haverá corrupção passiva qualificada, porque praticou ato funcional infringindo dever funcional (317, § 1º).

§ 1o Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:

I - permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e em-préstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;

II - se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.

b) Sigilo relacionado aos sistemas informatizados: trata-se de dis-posição penal incluída pela Lei nº 9.983/2000, que inseriu vários tipos penais no CP com o fim de proteger os sistemas informatizados da Admi-nistração Pública. Quem pode fornecer as senhas de acesso é somente o administrador de cada sistema, pois isso assegura a confiabilidade e a segurança dos dados que ali constam.

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O crime do art. 325, § 1º, se caracteriza quando o funcionário públi-co autorizado a acessar sistemas informatizados da Administração ‘que-bra’ o segredo da senha, fornecendo-a a alguém ou atribuindo a senha a alguém quando não poderia fazê-lo. Ex.: estagiário de órgão público, que não está autorizado a acessar determinado banco de dados, recebe a senha de seu chefe, que está ausente do serviço, para que possa atender a determinada solicitação. Assim, ao fornecer sua senha ao estagiário, o funcionário público quebrou o segredo para acesso ao sistema. O crime se consuma no momento em que a senha de acesso é revelada a terceiro, que deve ser funcionário público. Se o funcionário público não autori-zado acessar indevidamente o acesso restrito, também praticará crime, porém será o do inciso II. Assim, se o funcionário público não autorizado apenas tomou conhecimento da senha, mas nada fez para acessá-lo, este não praticará qualquer crime; o mesmo já não ocorre com o responsável que forneceu indevidamente a senha.

c) Forma qualificada: quebra de senha de acesso e uso indevido de acesso resultando em dano.

§ 2o Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

A hipótese aplica-se tanto ao funcionário público que ‘quebrou’ a senha de acesso quanto àquele que utilizou indevidamente a senha, se estas condutas resultaram em dano à Administração Pública ou a ter-ceiros. Exemplificando: a chefia imediata, indevidamente, fornece sua senha (empresta a senha) ao estagiário; este a utiliza e acessa o sistema indevidamente, obtém dados e os divulga, prejudicando a própria Admi-nistração ou empresas ou pessoas.

Confronto: o funcionário público que está autorizado a acessar os sistemas informatizados da Administração Pública e fornece dados inde-vidamente a terceiros, empresas etc. pratica o crime do art. 325 ‘caput’. Já o funcionário público que está autorizado a acessar os referidos siste-

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mas, se incluir dado falso, excluir ou alterar dado verdadeiro, com o fim de causar dano ou para receber vantagem indevida, pratica o crime do art. 313-A. O particular que divulgar informações sigilosas, que recebeu de funcionário público ou que obteve de forma indevida, pratica o crime do art. 153 § 1o-A.

Os crimes praticados por particulares contra a Administração cons-tam dos artigos 328 a 337-C. Destacam-se os crimes de desobediência, desacato, resistência, corrupção ativa, tráfico de influência, contrabando e descaminho (com nova redação desde 2014), e o tráfico de influência em transação internacional.

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Mauro Fonseca Andrade

Alfa ofereceu, no prazo decadencial previsto em lei, representação em face de Beta, em razão de injúria consistente na utilização de elemen-tos relativos à sua condição de portador de deficiência física, tais como “manco” e “aleijadinho”. Oferecida a denúncia, não houve possibilidade de composição, transação penal ou suspensão condicional do processo. Após algum tempo, em virtude da relação de amizade entre os filhos de Alfa e Beta, Alfa encaminhou ao juízo encarregado pedido de arquiva-mento do processo, pois perdera o interesse na persecução criminal.

Na situação apresentada, o juiz deveria:

A) julgar improcedente a ação penal e absolver o réu.

B) extinguir o processo, sem julgamento de mérito, por falta de inte-resse de agir de Alfa.

C) negar o pedido de Alfa, por ser irretratável a representação após o oferecimento da denúncia.

D) declarar extinta a punibilidade, diante da retratação da represen-tação por Alfa.

E) aceitar o pedido de Alfa, por ser retratável a representação ante-rior à prolação da sentença.

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INTRODUÇÃO

Ao estruturar a forma como as infrações penais poderão ser perse-guidas na esfera criminal, o Estado procura dividi-las, entre outros fato-res, de acordo com o seu impacto no meio social ou privado, bem como de acordo com o impacto daquela conduta sobre o bem jurídico protegi-do. Daí surgem, então, as infrações penais catalogadas como de interesse privado e de interesse público.

As primeiras são aquelas em que a movimentação do Estado, seja nos atos de investigação criminal, seja no ajuizamento da ação, depende exclusivamente da iniciativa do ofendido ou outros legitimados que não se confundem com o acusador público (leia-se, Ministério Público). Por tal razão, as infrações penais em que há interesse privado na sua perse-cução, e que dependem dessa iniciativa para o ajuizamento da ação, são chamadas de crimes de ação penal privada.

As segundas são aquelas em que o ajuizamento da ação é atribuição exclusiva do Estado, por meio do Ministério Público, razão pela qual são denominadas de crimes de ação penal pública. Mesmo assim, há crimes de ação penal pública que dependem da prévia autorização de um tercei-ro – regra geral, do ofendido – para que a investigação e a própria ação penal possam existir, ao passo que outros crimes prescindem completa-mente dessa autorização para que a persecução penal primária e secun-dária (leia-se, investigação criminal e processo penal) tenham seu início. Surge, então, a necessária divisão entre os crimes de ação penal pública condicionada e crimes de ação penal pública incondicionada.

A questão em análise diz respeito a um crime de ação penal pública condicionada à representação do ofendido, ou seja, à autorização de um terceiro para que o Estado possa instaurar a investigação criminal e ajui-zar a posterior ação penal de natureza pública. Mais que isso, a questão também trata da (im)possibilidade de essa autorização ser retirada após sua apresentação ao Estado, e, caso seja possível essa retirada, quais se-

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riam os limites temporais para que ela possa ser realizada de forma vá-lida, ou os efeitos produzidos por essa nova manifestação de vontade.

COMENTÁRIOS ÀS ASSERTIVAS

O crime apresentado na questão em comento é o previsto no arti-go 140, § 3º, do Código Penal (crime de injúria), considerado como de interesse público por envolver afirmação que invoca a deficiência física de uma pessoa para atingir sua honra e dignidade. Por tal motivo, o legis-lador estabeleceu que sua persecução penal somente se dará mediante representação do ofendido (artigo 145, § único, do Código Penal).

Não raras vezes, em crimes nos quais essa representação se faz ne-cessária para o início da persecução penal contra alguém, a pessoa ofen-dida repensa o efeito prático que eventual punição ao seu agressor pode-rá trazer aos seus interesses. É aí que entra a possibilidade, reconhecida pela legislação criminal, de o ofendido retirar aquela representação já oferecida por ele contra seu suposto agressor. A essa possibilidade, o di-reito processual penal chama de retratação da representação.

A questão em exame trata exatamente desse instituto, e oferece cin-co consequências de sua manifestação em um caso hipotético, dentre as quais somente uma se apresenta como correta.

Passemos, então, à análise de cada uma delas.

a. Improcedência da ação penal, com a absolvição do réu

Diz a primeira assertiva:

Na situação apresentada, o juiz deveria:

A) julgar improcedente a ação penal e absolver o réu.

Por se tratar de crime de ação penal pública, a manifestação do ofen-dido, no sentido de inocentar ou manifestar desinteresse na continui-

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dade da ação penal já instaurada contra seu suposto agressor, em nada influenciará no desenvolvimento do processo.

Caso assim não fosse, o réu de uma ação penal poderia, em razão de as provas até então obtidas indicarem claramente no sentido de sua autoria na prática da infração penal, agir diretamente sobre o ânimo do ofendido – leia-se, ameaçando-o de provocar algum mal a ele próprio ou a seus familiares –, com o fim de alcançar a impunidade por sua conduta.

Por tal razão, ajuizada a ação penal, nenhum efeito tem aquela re-tratação sobre o curso do processo penal e da sentença que dele advirá.

b. Extinção do processo, sem julgamento de mérito, por ausência de condição da ação

Diz a segunda assertiva:

Na situação apresentada, o juiz deveria:

B) extinguir o processo, sem julgamento de mérito, por falta de inte-resse de agir de Alfa.

Também nessa hipótese, aplica-se a mesma linha de raciocínio apre-sentada anteriormente, ou seja, não poderá o ofendido influenciar nos rumos da ação penal já ajuizada, caso venha a se retratar da representa-ção anteriormente oferecida. No entanto, a assertiva apresenta um com-ponente novo, qual seja, remete à perda de uma das condições para ação penal, como forma de justificar a extinção do processo.

Concretamente, há a indicação de que a ação penal, frente à retra-tação apresentada pelo ofendido, determinaria a perda do interesse de agir por parte do acusador público, o que levaria, então, à necessidade de extinção do processo. Entretanto, além da falha acima já apontada, outra também se verifica, qual seja, o momento em que as condições da ação penal devem ser averiguadas pelo Poder Judiciário, como forma de permitir o seu seguimento.

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Duas são as teorias a indicar o momento em que as condições da ação penal devem ser analisadas. A primeira teoria é a da apresentação (ou prospettazione), em que o exame é feito de forma abstrata, já no momento em que a ação é ajuizada. A segunda teoria é a da análise em concreto, que é realizada ao longo do processo, o que permitiria a extin-ção do processo, mesmo que ele já esteja em sua fase mais avançada.

Deixando clara sua opção pela primeira teoria, nosso Código de Pro-cesso Penal, no inciso III de seu artigo 395, previu a análise das condições da ação antes mesmo do primeiro momento de manifestação defensiva por parte do acusado. Em sendo assim, tendo a retratação da represen-tação ocorrida, de acordo com a questão em comento, “após algum tem-po” do oferecimento da ação penal, também por esse motivo não pode a retratação ser equiparável à perda do interesse de agir quando do ajui-zamento da ação penal.

c. Irretratabilidade da representação após o oferecimento da acu-sação

Diz a terceira assertiva:

Na situação apresentada, o juiz deveria:

C) negar o pedido de Alfa, por ser irretratável a representação após o oferecimento da denúncia.

Embora existam crimes cujo processamento seja de interesse do Es-tado (chamados, portanto, de crimes de ação penal pública), alguns deles exigem que um terceiro (regra geral, o ofendido) emita uma autorização para que a persecução penal se instaure contra o seu agressor. Todavia, para essa mesma situação, o próprio Estado permite que essa autoriza-ção seja, por assim dizer, “retirada” por quem anteriormente a emitiu. Essa “retirada” é chamada de “retratação” pela legislação criminal, mas não pode ser realizada a qualquer tempo.

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A legislação criminal não fixa um prazo em que ela poderá ocorrer, mas sim o momento imediatamente anterior em que ela poderá ser apresentada. Segundo o artigo 25 do Código de Processo Penal e o artigo 107 do Código Penal, a retratabilidade da representação somente poderá ocorrer até o momento do oferecimento da denúncia, ou seja, antes de o Ministério Público ajuizar sua ação penal condenatória.

Em sendo assim, a assertiva “C” se mostra plenamente correta, em razão do conteúdo das normas legais abaixo reproduzidas:

Artigo 25 do CPP. A representação será irretratável, depois de ofe-recida a denúncia.

Artigo 102 do CP. A representação será irretratável depois de ofe-recida a denúncia.

d. Extinção da punibilidade pela retratação

Diz a quarta assertiva:

Na situação apresentada, o juiz deveria:

D) declarar extinta a punibilidade, diante da retratação da represen-tação por Alfa.

A extinção da punibilidade depende de previsão expressa em lei, sendo que as hipóteses autorizadoras dessa extinção se fazem presentes no artigo 107 do Código Penal ou, excepcionalmente, em leis especiais.

A hipótese apresentada no caso em comento não se faz presente seja no Código Penal, seja em lei especial, razão pela qual, já por essa razão, a assertiva “D” se mostra incorreta.

Dúvida poderia existir quanto ao inciso VI do artigo 107 do Código Penal, por tratar ele de extinção da punibilidade derivada de “retratação do agente”. No entanto, essa retratação é aquela manifestada pelo su-jeito que praticou, em tese, a infração penal, daí por que o Código Penal designá-lo de “agente”. Na questão em análise, a retratação haveria sido

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realizada pelo ofendido/vítima, que se constitui em sujeito diverso da-quele referido na legislação penal.

Logo, a retratação que motiva a extinção da punibilidade menciona-da no Código Penal é aquela manifestada pelo autor, em tese, da infração penal, e não pelo ofendido da infração penal.

e. Admissão da retratação anterior à sentença

Diz a quinta assertiva:

Na situação apresentada, o juiz deveria:

E) aceitar o pedido de Alfa, por ser retratável a representação ante-rior à prolação da sentença.

Conforme já visto quando da análise da assertiva “C”, a retratação dos crimes de ação penal pública condicionada à representação, por expressa previsão legal, somente será admitida até o oferecimento da acusação. Do contrário, em se permitindo que a retratação possa ocor-rer em momento imediatamente anterior à prolação da sentença, o que teremos é a disponibilidade (poder de desistência) da ação penal pública por um particular, mais precisamente, pelo sujeito que figuraria como ofendido da infração penal.

Portanto, o artigo 25 do Código de Processo Penal e o artigo 102 do Código Penal deixam clara a incorreção da assertiva em tela.

CONCLUSÃO

A questão posta em análise disse respeito à possibilidade de retra-tação a ser oferecida em crime de ação penal pública condicionada à representação.

Para se alcançar a resposta correta, exigiu-se do candidato o conhe-cimento não só da correta tipificação do fato ali descrito, senão também

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que tal crime era de natureza pública condicionada à representação. Mais que isso, também se exigiu que o candidato soubesse que a representa-ção apresentada pela pessoa ofendida pode ser “revista” ou “retirada” por quem a apresentou, desde que essa retratação observe os limites impostos na legislação criminal.

BIBLIOGRAFIA

AVENA, Norberto. Processo penal. 2. ed. São Paulo: Método, 2013.

NICOLITT, André. Manual de processo penal. 5. ed. São Paulo: RT, 2014.

PACELLI, Eugenio. Curso de processo penal. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

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Professor

Luiz Fernando Calil de Freitas

Mandado de Segurança. Questões fáticas de alta indagação. Há que se distinguir a complexidade dos fatos e do tema de direito daque-las situações que não prescindem de abertura de fase de instrução. Se o caso está compreendido no campo da referida dificuldade, nem por isso o mandado de segurança exsurge como via imprópria, impondo-se o julgamento de mérito. Somente em se defrontando o órgão julgador com quadro a exigir elucidação de fatos cabe dizer da impertinência da medida, sinalizando no sentido do ingresso em juízo mediante ação ordinária

(RMS n.º 21514/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Julgamento em: 27/04/1993, publicado no DJ de 18/06/1993 p. 12111. Disponível em: <http://jusbrasil.com.

br>. Acesso em: 11 jul. 2012).

Considerando o trecho de julgamento reproduzido acima, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas.

I. É cabível mandado de segurança contra violação de direito líquido e certo, sendo estes atributos verificados pela sua comprovação imediata, independentemente da complexidade jurídica.

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PORQUE

II. Nos casos de complexidade jurídica, a garantia oferecida pelo writ é preservada, o que não ocorre em situações de complexi-dade fática, circunstância que exige dilação probatória e impede, por essa razão, a utilização desse remédio constitucional. A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justifica-tiva da I.

B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.

C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.

D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição ver-dadeira.

E) As asserções I e II são proposições falsas.

RESPOSTA À QUESTÃO 34:

Partindo-se da premissa de que o Estado detém o monopólio do uso da força, que deve ser exercido através do Direito e rigorosamente dentro dos limites jurídicos estabelecidos, tem-se que na ocorrência de violação dos limites constitucionalmente postos ao exercício do poder estatal, sejam eles de índole formal, sejam de índole substancial, ocorre ofensa ao princípio constitucional do devido processo legal. Na hipótese em que a violação aos limites do devido processo legal não caracterize lesão ou ameaça à liberdade de locomoção – protegida pelo habeas cor-pus – ou ao direito à informação acerca de dados relativos ao próprio sujeito – protegido pelo habeas data – tem lugar o mandado de segurança.

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Conforme expressa previsão constitucional, o mandado de seguran-ça será concedido para a proteção de direito líquido e certo não ampa-rado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ile-galidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

A resposta correta à questão não prescinde de abordagem prelimi-nar acerca da exigência de direito líquido e certo para que se possa exer-citar o direito ao mandado de segurança. O mandado de segurança é direito fundamental de natureza judicial, e, como em relação a todo e qualquer direito, também aqui há que se fazer a necessária distinção entre titularidade e condições de exercício. No caso do mandado de segurança, conquanto direito fundamental do tipo direito-garantia juris-dicional, sua titularidade é universal, o que equivale afirmar que todo e qualquer sujeito de direitos no âmbito da ordem jurídica brasileira pode, em tese, valer-se desse remédio constitucional para evitar ou reparar le-são a direito. Entretanto, a norma constitucional estabelece determina-das condições para o exercício de tal direito fundamental, dentre as quais ressalta a necessidade da demonstração da existência de direito líquido e certo. Hely Lopes Meirelles informa que a expressão legal anterior era di-reito certo e incontestável, ponderando no sentido de que nem a anterior nem a atual satisfazem, por impropriedade e significação equívoca, de vez que o direito, quando existente, será sempre líquido e certo; já os fa-tos é que podem ser imprecisos e incertos, dando margem à necessidade de comprovação e esclarecimentos necessários e suficientes à adequada aplicação do Direito ao caso concreto.

Na mesma direção e em complemento, prossegue Hely afirmando ser esse um conceito impróprio porque deveria aludir à certeza e liquidez não do direito, mas sim dos fatos e situações concretas. De conseguinte, a exigência constitucionalmente estabelecida quanto ao ponto em análise é que os fatos alegados pelo impetrante – que seriam o suporte fático apto à formação do direito subjetivo violado, autorizador da concessão da ordem

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pretendida na impetração – devam ser certos e, como tais, comprováveis documentalmente no momento da impetração, sob pena de não enfren-tamento do mérito e extinção do processo por falta de direito ao exercício do mandando de segurança. Única exceção é feita à hipótese em que o documento não esteja na posse do impetrante, e sim de órgão ou autori-dade pública que se negue a fornecê-lo, devendo ser judicialmente requi-sitada a sua exibição. Por outras palavras: em mandado de segurança não é viável discutirem-se fatos, que devem ser certos e vir comprovadamente demonstrados por documentos acostados à petição de impetração; o que se discute em mandado de segurança é o direito incidente sobre os fatos comprovados. Semelhante entendimento possui Menezes Direito, para quem há “na doutrina e na jurisprudência poucos desacertos com relação à matéria. O que o mandado de segurança exige é que o direito submetido a julgamento dispense qualquer dilação probatória”.

Feitas tais digressões acerca do significado da expressão direito líquido e certo, o objeto central da questão sob comento diz com a possibilidade de questão jurídica de grande complexidade poder ser objeto de mandado de segurança, não obstante a exigência de direito líquido e certo demons-trável por prova documental para que seja admissível a impetração. Por evidente que a complexidade da questão jurídica debatida não inviabiliza o mandado de segurança, já que não demanda dilação probatória. Como se sabe, o procedimento previsto para o processamento do mandamus não comporta dilação probatória. Entretanto, por mais complexa que seja a questão de direito objeto da impetração, não há necessidade de dilação probatória, eis que essa se destina à coleta da prova.

Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 625, cujo verbete diz: “Controvérsia sobre a matéria de direito não impede concessão de mandado de segurança”, em atenção a consolidado entendimento ju-risprudencial no sentido de que não constitui óbice ao cabimento do man-dado de segurança nem impede seu julgamento de mérito a dificuldade de interpretação das normas incidentes sobre os fatos objeto da impetração.

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Outra não é a compreensão de autores clássicos como Cretella Júnior e Celso Agrícola Barbi. Mais contemporaneamente, Silva Pacheco

verbera que a doutrina moderna do mandado de segurança define o direito líquido e certo como a certeza quanto à situação de fato, porque, afirma, o direito, por mais complexa que seja sua interpretação, tem na própria sentença o meio hábil para sua afirmação. Dessa forma, cor-retíssimo afirmar que a exigência de liquidez e certeza para o exercício do direito fundamental ao mandado de segurança para prevenir ou re-mediar lesão a direito diz respeito à necessidade de comprovação docu-mental dos fatos alegados na impetração como suporte fático da norma jurídica que se pretende ver aplicada e, de outro lado, igualmente corre-to é afirmar que a complexidade da questão jurídica debatida, presente a prova documental dos fatos alegados, não afasta a possibilidade de exercício do direito fundamental ao mandado de segurança.

Bibliografia consultada:

BARBI, Celso Agrícola. Do mandado de segurança. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à lei do mandado de segurança. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Manual do mandado de segurança. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

PACHECO, José da Silva. O mandado de segurança e outras ações constitucio-nais típicas. 3. ed. São Paulo: RT, 1998.

PEREIRA, Ruitemberg Nunes. O princípio do devido processo legal substantivo. São Paulo: Renovar, 2005.

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Gilberto Thums

Assunto de enorme importância neste novo milênio é o que diz res-peito ao rápido desenvolvimento das ciências biomédicas, com destaque para as questões referentes à genética e, particularmente, à sua relação com o Direito Penal. O avanço do conhecimento científico e de suas apli-cações técnicas, ao mesmo tempo que suscita novas esperanças à coleti-vidade, preocupa os indivíduos, dados os possíveis riscos e abusos decor-rentes de uma “livre” investigação científica das ciências que tratam da vida. Nesse sentido, a Lei n.º 11.105/2005 define como crime as manipu-lações realizadas com o fim de reproduzir um ser humano biologicamen-te idêntico a outro. Destacam-se, ainda, os seguintes documentos legais:

A Constituição Federal do Brasil, que, em seu artigo 5.º, inciso IX, garante a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística e cien-tífica, bem como a liberdade de comunicação, independentemente de censura ou licença, e a Lei n.º 11.105/2005, que, em seu artigo 26, prevê pena de reclusão de dois a cinco anos, além de pagamento de multa, para os responsáveis por clonagem humana. Com base no contexto des-crito acima, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas.

I. A tipificação penal da clonagem humana revela a preocupação do legislador quanto à tutela de bens jurídico-penais supraindividu-ais, tal como a intangibilidade do patrimônio genético humano.

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PORQUE

II. Sob a ótica de uma concepção científica, a pesquisa com clonagem de seres humanos tem respaldo jurídico, pois é positiva para o progresso científico da humanidade e constitui direito fundamen-tal.

A respeito dessas asserções, assinale a opção correta.

A) As asserções I e II são proposições verdadeiras, e a II é uma justi-ficativa da I.

B) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justificativa da I.

C) A asserção I é uma proposição verdadeira, e a II é uma proposição falsa.

D) A asserção I é uma proposição falsa, e a II é uma proposição ver-dadeira.

E) As asserções I e II são proposições falsas.

O gabarito informa que a alternativa correta é a “c”. De fato, ambas as asserções estão erradas. E a questão está mal formulada. Pela respos-ta tida como correta, percebe-se que o autor defende a sacralidade do genoma humano, apresentado, na resposta, como intangível. Primeira-mente, não existe algo único, imutável e determinado que possa ser dito o “patrimônio genético humano”. Tal patrimônio, tal como o percebemos no presente, decorre de milhares de anos de evolução, conforme descri-to por Charles Darwin em sua famosa teoria. E precisamos conviver com o fato de que o ser humano não é uma obra acabada. O mesmo vale para as demais espécies, mas isso não interessa nesta questão.

O enunciado da questão refere-se à proibição da clonagem de seres humanos, o que é, de fato, proibido no Brasil e em muitos outros países,

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porque se entende que essa é uma linha moral que não se deseja cru-zar. Do que não se segue que outras intervenções no código genético de cada indivíduo não possam ser realizadas. A clonagem é vedada, mas o patrimônio genético não é intangível. E a própria natureza se encarrega de alterá-lo sem que percebamos.

O tema da questão é muito interessante. Mas o fato de estar mal formulada confunde e prejudica quem for respondê-la, se tiver alguma informação sobre o tema. A resposta correta desta questão é, pois, a alternativa “e”.

DISCURSIVA 1

DISCURSIVA 2

DISCURSIVA 3

DISCURSIVA 4

QUESTÃO DISCURSIVA 4

Pelos estudos que temos desenvolvido sobre a matéria, pensamos que há bilateralidade atributiva quando duas ou mais pessoas se relacio-nam segundo uma proporção objetiva que as autoriza a pretender ou a fazer garantidamente algo.

Quando um fato social apresenta esse tipo de relacionamento, dize-mos que ele é jurídico. Onde não existe proporção no pretender, no exigir ou no fazer, não há Direito, como inexiste este se não houver garantia específica para tais atos.

Bilateralidade atributiva é, pois, uma proporção intersubjetiva, em razão da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir ou fazer, garantidamente, algo.

Esse conceito desdobra-se nos seguintes elementos complementa-res:

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I. sem relação que una duas ou mais pessoas, não há Direito;

II. para que haja Direito, é indispensável que a relação entre os su-jeitos seja objetiva, isto é, insuscetível de ser reduzida, unilateral-mente, a qualquer dos sujeitos da relação;

III. da proporção estabelecida deve resultar a atribuição garantida de uma prestação ou ação, que pode limitar-se aos sujeitos da rela-ção ou estender-se a terceiros.

REALE, M. Lições preliminares de Direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 51 (adaptado).

Com base no texto e no conceito de bilateralidade atributiva, redija um texto dissertativo, atendendo, necessariamente, ao que se pede a seguir.

a) Relacione os conceitos de direito subjetivo e dever jurídico com a bilateralidade atributiva. (valor: 4,0 pontos)

b) Explique como a garantia indicada pelo texto é essencial para ca-racterizar uma relação jurídica. (valor: 4,0 pontos)

c) Apresente um exemplo de relação jurídica válida, nos termos da bilateralidade atributiva, mencionando seus respectivos polos na relação. (valor: 2,0 pontos)

RESPOSTA QUESTÃO DISCURSIVA 4

A questão discursiva em tela retoma os conhecimentos mais básicos acerca da configuração normativa, ou seja, do fenômeno jurídico especi-ficamente qualificado como um acontecimento relevante para o mundo do Direito. Trata-se de enfrentar os conteúdos teóricos experimentados em disciplinas como a Introdução ao Estudo do Direito e a Filosofia do Direito. Há um descritivo introdutório sucedido por assertivas analitica-

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mente desdobráveis do correspondente teor, retiradas de um dos livros de doutrina mais importantes para a compreensão da ciência jurídicas em seus contornos mais elementares.

Demanda-se do candidato que responda com fundamento no tex-to de introdução e mais detidamente a partir do conceito consagrado de bilateralidade atributiva, segundo o qual trata-se de uma “proporção intersubjetiva, em razão da qual os sujeitos de uma relação ficam au-torizados a pretender, exigir ou fazer, garantidamente, algo”. A resposta deverá ser una, de cunho dissertativo, a contemplar em solução dialética de continuidade os três aspectos reivindicados nas formulações a, b e c. Antes do mais, reitere-se a necessidade de o avaliado efetuar uma detida leitura das premissas conceituais da questão, eis que com suporte nelas afigurar-se-á a exigência de coerência discursiva entre o seu conteúdo e o escrito dissertativo a ser elaborado.

Sugere-se para o tópico o estudo de livros introdutórios à ciência do Direito; além do próprio tomo de Miguel Reale (Lições preliminares de direito) indicado na questão, eis outros volumes característicos.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 2012.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Fo-rense, 2008.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da exis-tência. São Paulo: Saraiva, 2014.

Os conceitos de direito subjetivo e de dever jurídico se conectam à exata medida bilateral entre um agente ativo e passivo vinculados à feição normativa de uma previsão oriunda do ordenamento jurídico vi-gente. Se há direito subjetivo a se exercer (polo ativo), se o faz mediante outrem, a quem se imputa o correspondente dever. O conceito de bilate-ralidade atributiva, então, se materializa na noção de relação jurídica na qual se contrastam as partes de direito subjetivo e de dever jurídico. A

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própria gênese do fenômeno jurídico, da existência efetiva do Direito, in-variavelmente se liga à experiência da relação entre duas posições, uma a demandar o exercício de um direito (pretender, exigir ou fazer), outra a sofrer a respectiva atuação, cujo equilíbrio se faz atuar pela balança da proporcionalidade. Tal encadeamento causal é corroborado pelo argu-mento do texto inaugural, ao expressar que não há direito onde inexiste essa relação equânime entre os dois polos.

A garantia indicada pelo texto é igualmente essencial para caracteri-zar uma relação como sendo jurídica, na medida em que o Direito deixa de existir quando “não houver garantia específica para tais atos”. Trata-se da “atribuição garantida de uma prestação ou ação, que pode limitar-se aos sujeitos da relação ou estender-se a terceiros”, ou seja, ao aspecto constitutivo da atributividade na relação bilateral. A garantia representa o elemento de coerção (ou imposição sancionadora) oriundo da sobera-nia do Estado que exige o cumprimento das normas jurídicas reguladoras dos fatos sociais e, portanto, efetiva a potencialidade de consequências inibidoras ou confrontadoras do descumprimento das relações bilaterais de feitio jurídico. O instituto da garantia é monopolizado pelo Estado de Direito para apelar ao recurso legítimo da força nessa competência coer-citiva de zelar pela eficácia dos atos normativos e pelo atendimento das expectativas mutuamente estabelecidas pelas partes da relação jurídica, em especial através da intervenção do Poder Judiciário, provocado pela iniciativa do interessado ou de terceiro capaz de se provar pertinente à causa.

Qualquer relação jurídica válida com previsão no ordenamento em vigor pode ser referida para exemplificar-se o estudo em tela. Tome-se o caso da relação jurídica tributária (artigos 119 e 121 do Código Tribu-tário Nacional), em que o sujeito ativo, titular do direito subjetivo, é o Estado, a quem se atribui o poder de exigir o cumprimento da obrigação ordinariamente vertida sob a figura de um imposto. Em contrapartida, o sujeito passivo, titular do dever jurídico, é aquele que se vê obrigado ao

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pagamento da respectiva obrigação, pessoa física ou jurídica qualificada invariavelmente como o contribuinte. Assim sucederia, para se fixarem outras modalidades práticas possíveis, com o instrumento de um contra-to particular (Direito Civil), com a estrutura de um delito (Direito Penal).

DISCURSIVA 5

QUESTÃO DISCURSIVA 5

1. Inviolabilidade do Domicílio

1. 1. Noção

O inc. XI do art. 5º da CF/88 assegura a inviolabilidade do domicílio, nos seguintes termos:

XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de fla-grante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

A proteção do domicílio constitui forma específica de proteção da vida privada, assegurada genericamente no inc. X do art. 5° da CF, es-tando fundada na própria dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), como se vê do art. 11, 2 da CADH, que assegura a proteção do domicílio sob a rubrica da Proteção da honra e da dignidade, na formulação que segue transcrita:

2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação.

1.2. Conceito de Casa

De pronto cabe destacar que, embora tenha sido consagrada a ex-pressão inviolabilidade do domicílio, a proteção diz respeito ao local de

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residência, ainda que temporária, não tendo relevância aqui a distinção feita pela lei civil, que exige o ânimo definitivo para caracterização do do-micílio, como se vê da letra do art. 70 do CC: “O domicílio da pessoa natu-ral é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo”.

A proteção dispensada pela Constituição, calcada na proteção da dig-nidade e da vida privada se estende ao local de estada temporária, desde que a ocupação seja exclusiva, com restrição ao acesso de terceiros não autorizados. Subsídio válido na interpretação do conceito de casa men-cionado na norma constitucional pode ser encontrado nos §§ 4º e 5º do art. 150 do CP, que assim dispõem:

§ 4º - A expressão “casa” compreende:

I - qualquer compartimento habitado;

II - aposento ocupado de habitação coletiva;

III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.

§ 5º - Não se compreendem na expressão “casa”:

I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior;

II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

A comparação entre os §§ acima transcritos deixa claro que a nota essencial a justificar a proteção é a exclusividade do acesso, restando fora da proteção constitucional o local de livre acesso do público. Como não se trata aqui de proteger a propriedade, mas sim a dignidade e a vida privada, é intitulado à proteção constitucional o morador da habitação, a qualquer título, seja ou não proprietário.

Incluem-se, então, na proteção da lei:

a) imóvel alugado, ainda que por temporada;

b) aposento ocupado de habitação coletiva (CP, art. 150, § 4º, II), como quarto de flat (STF, HC 76.336, Sanches, 1ª T., u., 16.3.99) ou hotel (STF, RHC 90376, Celso de Mello, 2ª T., u., 3.4.07);

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c) estabelecimento empresarial, nas partes que não forem acessíveis ao público (CP, art. 150, § 4º, III; STF, RE 418416, Pertence, Pl., 10.5.06; TRF5, RHC 9805154386, Apoliano, 3ª T., u., 12.8.99), como, por exemplo, escritório (STF, RE 331.303-AgR, Pertence, 1ª. T., 10.2.04), ou depósito de uma loja e o consultório médico ou odontológico (STF, RE 251.445, Celso de Mello, 21.6.00).

1. 3. Exceções à Vedação de Ingresso

1. 3.1. Consentimento do Morador

Não há impedimento ao ingresso se o morador nele consente, como deixa claro o texto constitucional. Quer dizer, o ingresso será regular quando autorizado pelo morador ou gerente, caso se trate de estabeleci-mento empresarial (STF, HC 90836, Lewandowski, 1ª T., u., 12.6.07), ain-da que este tenha sido abordado em outro local (STF, HC 74.333, Corrêa, 2ª T., m., DJ 21.2.97). Em tal caso o ingresso poderá ocorrer até mesmo à noite, e sem mandado judicial (STF, HC 79512, Pertence, DJ 16.5.03).

1. 3.2. Flagrante Delito

A CF autoriza o ingresso em caso de flagrante delito (CPP, art. 302), em curso no interior da residência, o que também é objeto do § 3º do art. 150 do CP, segundo o qual:

§ 3º - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências: (...) II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.

Tem especial relevância o disposto no art. 303 do CPP, do seguinte teor: “Nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante de-lito enquanto não cessar a permanência”. Assim, será regular o ingresso para efetuar prisão em flagrante em casos como a manutenção de drogas em depósito ou do ingresso no cativeiro de vítima de extorsão, mesmo durante a noite (STF, HC 84772, Ellen Gracie, 2ª T., DJ 12.11.04).

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Assim, também quando o agente “é perseguido, logo após a prática do crime, pela autoridade policial”, nos termos do inc. III do art. 302 do CPP (STJ, HC 199900914732, Dipp, 5ª T., u., 13.3.01). Em caso de perse-guição durante à noite deve ser observada, contudo, a regra do art. 293 do CPP, que assim dispõe:

Art. 293. Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será in-timado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obe-decido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombará as portas e efe-tuará a prisão.

1.3.3. Desastre e Socorro

Também será permitido ingresso por ocasião de desastre, ou seja, do acontecimento repentino e desagradável que causa danos pessoais ou materiais, tanto de grandes proporções, como inundações, terremotos, maremotos ou deslizamentos de terra, quanto em situações que atinjam apenas uma residência, como incêndio ou desabamento. Em tais casos, necessidade de socorro imediato a eventuais vítimas sobrepõe-se à pro-teção da vida privada.

1.3.4. Determinação Judicial

Por fim, o ingresso é permitido, durante o dia com prévia autorização judicial, como já tive a oportunidade de afirmar:

Como resulta cristalino da mera leitura do texto constitucional, o acesso sem o consentimento do morador somente pode ser auto-rizado ou determinado por autoridade judicial, em decisão funda-mentada que decline a causa provável para a busca e apreensão ou prisão, cuidando-se de hipótese de reserva de jurisdição, discipli-nada pelos arts. 241-248 e 293 do CPP em matéria penal.

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Bem por isso, o § 2º do art. 283 do CPP reza: “A prisão poderá ser efe-tuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relati-vas à inviolabilidade do domicílio”. Quer dizer, ainda que haja autorização judicial, o ingresso durante a noite não é possível, sem consentimento do morador (STF, RE 460880, Marco Aurélio, 1ª T., u., 25.9.07).

2. Liberdade Provisória e Tráfico de Drogas

O art. 44 da Lei 11.343/06 vedava a concessão de liberdade provisó-ria nos crimes dos seus arts. 33, “caput” e § 1º, e 34 a 37. No entanto, o Plenário do STF veio a considerar tal restrição inconstitucional, de modo que, mesmo em caso de prisão em flagrante por tráfico de drogas, não há vedação à liberdade provisória, somente podendo ser mantida o acusado na prisão caso presentes os pressupostos e condição para decretação da prisão preventiva, nos termos do art. 312 do CPP (STF, HC 104339, Men-des, Pl., m., 10.5.12).

3. Abuso de Autoridade e Elemento Subjetivo

Já tive oportunidade de me manifestar sobre o tema, nos seguintes termos:

É o dolo, inexistindo forma culposa. Exige-se, além disso, o especial estado de ânimo de agir com o fim de abusar, ou seja, de utilizar com excesso ou de forma desviada a autoridade concedida ao ser-vidor, o que é revelado pelo próprio nomen juris: abuso, bem como pelas expressões abuso ou desvio de poder, utilizadas na alínea “h” do art. 4º. Se o funcionário agiu, ao contrário, movido pela vontade de atingir o fim público, não incide no crime de abuso de autoridade (Freitas: 47). A perquirição acerca do elemento subje-tivo tem acentuada importância prática para evitar que o servidor, temeroso de eventual persecução penal, deixe de dar o devido cumprimento ao seu dever, diante de uma situação fática em que as circunstâncias levam a crer que isso é exigido.

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4. Questão

Suponha que agentes da polícia civil, após invadirem, durante a ma-drugada, casa onde residem Antônio e Pedro, tenham encontrado, no quarto de Pedro, 15 quilogramas de maconha e 30 frascos de lança-per-fume. Suponha, ainda, que, com base nessa descoberta, os agentes te-nham efetuado a prisão de Antônio e Pedro.

Com referência à situação hipotética descrita acima, redija um texto dissertativo, respondendo, de forma fundamentada, às questões que se seguem.

a) Que norma de direito fundamental é aplicável à situação? (valor: 3,0 pontos)

b) A prisão de Antônio e Pedro deve ser mantida? (valor: 4,0 pontos)

c) A conduta dos policiais é legítima? (valor: 3,0 pontos)

5. Resposta

a) Aplica-se à questão a norma do inc. XI do art. 5º da CF, que trata da inviolabilidade do domicílio. Secundariamente, também incide a regra relativa à vedação da prisão sem mandado judicial, com exceção do caso de flagrante delito, objeto do inc. LXI do art. 5º, a saber:

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, sal-vo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente mili-tar, definidos em lei;

b) A prisão foi, aparentemente, regular, ao menos quanto a Pedro, em cujo quarto foram encontradas as drogas, tendo em vista que havia uma situação de flagrante do delito do art. 33 da Lei nº 11.343/06, na modalidade “manter em depósito”, considerada a quantidade de droga apreendida, que indica não estar destinada ao uso próprio, afastando a incidência do art. 28 da Lei de Drogas. Em se tratando de crime per-manente, há situação de flagrante enquanto durar a permanência, nos

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termos do 303 do CPP, o que autoriza o ingresso dos policiais ainda que sem mandado judicial ou consentimento do morador.

Embora regular a prisão, a sua manutenção dependerá de estarem presentes os requisitos e pressupostos para decretação da prisão preven-tiva (CPP, art. 312), a não ser que se entenda constitucional a regra do art. 44 da Lei 11.343/06, que veda a concessão de liberdade provisória nos crimes dos seus arts. 33, “caput” e § 1º, e 34 a 37, tema sobre o qual não há definição, sequer nos tribunais superiores, sendo que o tema já teve repercussão geral reconhecida pelo STF, ainda sem julgamento de mérito (RE 601384 RG, Marco Aurélio, 10.9.09).

c) A conduta dos policiais pode ser considerada legítima, desde que se parta do pressuposto de que havia uma fundada suspeita da situação de flagrante, tendo sido os agentes movidos pelo interesse de cumprir o seu dever legal como policiais. Do contrário, em não havendo fundada suspeita, a conduta poderia ser considerada abusiva, levando, eventu-almente, até mesmo, ao eventual enquadramento da conduta na Lei do Abuso de Autoridade (Lei 4898/65, art. 3º, b).