empreendedorismo, patrimÔnio e turismo: o caso do...

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EMPREENDEDORISMO, PATRIMÔNIO E TURISMO: O CASO DO CENTRO LUIZ GONZAGA DE TRADIÇÕES NORDESTINAS Autoria Denise Carvalho Taakenaka Administração/UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Isabela de Fátima Fogaça Rosa Turismo/UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Ariele da Silva Moreira Administração/UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Resumo O Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas é um ponto de convergência carioca das representações nordestinas e abriga em suas instalações a Feira de São Cristóvão, cuja origem se deu nas típicas feiras ao ar livre, no entorno do Pavilhão de São Cristóvão. Este espaço reuniu, no decorrer dos anos, a formação produtiva cultural em função do patrimônio do povo nordestino. Através deste trabalho buscou-se analisar o arranjo produtivo local do Centro de Tradições, por meio do mapeamento dos empreendimentos locais, na perspectiva do empreendedorismo turístico, patrimonial e cultural, buscando identificar a oferta de produtos e serviços turísticos e culturais e seu caráter empreendedor. A pesquisa foi realizada através de questionários, observações locais e de imagens dos estabelecimentos pesquisados. Os dados levantados foram coletados presencialmente, com o apoio dos membros da Empresa Júnior do Curso de Administração do Instituto Multidisciplinar (IM Jr.), localizado no Campus de Nova Iguaçu, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em novembro de 2016. O universo da pesquisa compreende a totalidade de barracas da Feira de São Cristóvão, 698 unidades e a amostra foi composta de 202 espaços ocupados. Os dados foram tabulados estatisticamente e as observações realizadas foram tratadas a partir das análises de conteúdo e de discurso. As diversas fases que foram observadas na evolução da Feira de Rua para o Centro de Tradições Nordestinas demonstraram as adequações de atitudes e do fortalecimento das atitudes empreendedoras de forma de fortalecer o arranjo local voltado ao patrimônio cultural e de implementar inovações.

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EMPREENDEDORISMO, PATRIMÔNIO E TURISMO: O CASO DO CENTROLUIZ GONZAGA DE TRADIÇÕES NORDESTINAS

AutoriaDenise Carvalho Taakenaka

Administração/UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Isabela de Fátima Fogaça RosaTurismo/UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Ariele da Silva MoreiraAdministração/UFRRJ - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

ResumoO Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas é um ponto de convergência carioca dasrepresentações nordestinas e abriga em suas instalações a Feira de São Cristóvão, cujaorigem se deu nas típicas feiras ao ar livre, no entorno do Pavilhão de São Cristóvão. Esteespaço reuniu, no decorrer dos anos, a formação produtiva cultural em função do patrimôniodo povo nordestino. Através deste trabalho buscou-se analisar o arranjo produtivo local doCentro de Tradições, por meio do mapeamento dos empreendimentos locais, na perspectivado empreendedorismo turístico, patrimonial e cultural, buscando identificar a oferta deprodutos e serviços turísticos e culturais e seu caráter empreendedor. A pesquisa foirealizada através de questionários, observações locais e de imagens dos estabelecimentospesquisados. Os dados levantados foram coletados presencialmente, com o apoio dosmembros da Empresa Júnior do Curso de Administração do Instituto Multidisciplinar (IMJr.), localizado no Campus de Nova Iguaçu, da Universidade Federal Rural do Rio deJaneiro, em novembro de 2016. O universo da pesquisa compreende a totalidade de barracasda Feira de São Cristóvão, 698 unidades e a amostra foi composta de 202 espaços ocupados.Os dados foram tabulados estatisticamente e as observações realizadas foram tratadas apartir das análises de conteúdo e de discurso. As diversas fases que foram observadas naevolução da Feira de Rua para o Centro de Tradições Nordestinas demonstraram asadequações de atitudes e do fortalecimento das atitudes empreendedoras de forma defortalecer o arranjo local voltado ao patrimônio cultural e de implementar inovações.

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Área temática: 2 - Empreendedorismo, Startups e Inovação Título: EMPREENDEDORISMO, PATRIMÔNIO E TURISMO: O CASO DO CENTRO LUIZ GONZAGA DE TRADIÇÕES NORDESTINAS

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Resumo O Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas é um ponto de convergência carioca das representações nordestinas e abriga em suas instalações a Feira de São Cristóvão, cuja origem se deu nas típicas feiras ao ar livre, no entorno do Pavilhão de São Cristóvão. Este espaço reuniu, no decorrer dos anos, a formação produtiva cultural em função do patrimônio do povo nordestino. Através deste trabalho buscou-se analisar o arranjo produtivo local do Centro de Tradições, por meio do mapeamento dos empreendimentos locais, na perspectiva do empreendedorismo turístico, patrimonial e cultural, buscando identificar a oferta de produtos e serviços turísticos e culturais e seu caráter empreendedor. A pesquisa foi realizada através de questionários, observações locais e de imagens dos estabelecimentos pesquisados. Os dados levantados foram coletados presencialmente, com o apoio dos membros da Empresa Júnior do Curso de Administração do Instituto Multidisciplinar (IM Jr.), localizado no Campus de Nova Iguaçu, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em novembro de 2016. O universo da pesquisa compreende a totalidade de barracas da Feira de São Cristóvão, 698 unidades e a amostra foi composta de 202 espaços ocupados. Os dados foram tabulados estatisticamente e as observações realizadas foram tratadas a partir das análises de conteúdo e de discurso. As diversas fases que foram observadas na evolução da Feira de Rua para o Centro de Tradições Nordestinas demonstraram as adequações de atitudes e do fortalecimento das atitudes empreendedoras de forma de fortalecer o arranjo local voltado ao patrimônio cultural e de implementar inovações. Palavras-chave: Empreendedorismo; Feira de São Cristóvão; Arranjo Produtivo Local Abstract The Luiz Gonzaga Center of Northeastern Traditions, a carioca’s point of convergence’s of the brasilian northeastern region’s traditions. It’s also home to the São Cristóvão Fair. In the course of the years, this space has brought together cultural production based on the heritage of the brasilian northeastern people. This work aimed to analyze the local productive arrangement of the Center of Traditions, through the mapping of local enterprises, from the perspective of tourism, patrimonial and cultural entrepreneurship, seeking to identify the offer of tourism and cultural products and services and their entrepreneurial character. The research was carried out through questionnaires, local observations and researched establishments’ images. The research universe comprises all the stands at the São Cristóvão Fair, 698 units and the sample was composed of 202 occupied spaces. The various phases that were observed in the evolution of the Street Fair to the Center of Northeast Traditions demonstrated the adaptations of attitudes and the strengthening of entrepreneurial attitudes in order to strengthen the local arrangement focused on cultural heritage and to implement innovations. Keywords: Entrepreneurship; São Cristóvão Fair; Local Productive Arrangement (cluster)

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EMPREENDEDORISMO, PATRIMÔNIO E TURISMO: O CASO DO CENTRO LUIZ GONZAGA DE TRADIÇÕES NORDESTINAS

Introdução No bairro de São Cristóvão, município do Rio de Janeiro, está localizado o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, ponto de convergência das representações histórico, religiosa e culturais nordestinas que, além de ser um espaço de memória, abriga em suas instalações a Feira de São Cristóvão, ambiente essencialmente comercial, cuja origem se deu nas típicas feiras ao ar livre, montadas e desmontadas nos finais de semana no entorno do Pavilhão de São Cristóvão, por volta das décadas de 1940/1950, em função do movimento de migração dos retirantes nordestinos na cidade, para trabalhar na construção da estrada Rio-Bahia (BR 116), e que buscavam manter viva a cultura de suas origens através de alimentos, música, hábitos e costumes. A Feira de São Cristóvão passou por vários momentos, desde seu início quando os retirantes traziam os produtos de sua terra natal e comercializavam no entorno do local, em uma típica feira rural, com os produtos expostos no chão, de forma completamente ilegal, passando por um segundo momento, quando absorveu as características de feira urbana, com os primeiros movimentos de legalização do comércio, a organização de representação dos participantes e a mudança na forma de exposição e comercialização dos produtos, agora em tabuleiros, ainda em barracas e no entorno do Campo/Pavilhão de São Cristóvão, até o terceiro momento marcante quando houve a conquista do espaço interno do Pavilhão e a estruturação das barracas em uma organização de “stands”, garantindo mais condições de infraestrutura, higiene e de permanência, pois nas novas barracas os produtos poderiam ser armazenados e preparados, neste momento é constituído o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas. Essa evolução é a base para a compreensão da formação produtiva cultural em função do patrimônio do povo nordestino, através deste trabalho buscou-se analisar o arranjo produtivo local do Centro de Tradições, por meio do mapeamento dos empreendimentos componentes do local, na perspectiva do empreendedorismo turístico, patrimonial e cultural, buscando identificar a oferta de produtos e serviços turísticos e culturais e seu caráter empreendedor. A pesquisa foi realizada a partir de resposta a um questionário semiestruturado que apurou a identificação dos estabelecimentos - nome fantasia, razão social, registros legais e de classificação do tipo de atividade econômica e fiscal, número de funcionários e endereço específico na feira; caracterização do ponto de venda - atratividade (aparência, vitrine, aparência, cheiro), organização (visibilidade da loja e seus produtos, posicionamento e acesso do caixa e de balcões, apresentação e informações dos produtos), e, atendimento (em relação aos atendentes/feirantes e os dias que funcionam as barracas). Foram realizadas, ainda, observações locais pelos pesquisadores acerca de comportamentos e registro de percepções dos empreendedores locais e de imagens (fotografias) dos estabelecimentos pesquisados. Os dados levantados foram coletados com o apoio dos membros da Empresa Júnior do Curso de Administração do Instituto Multidisciplinar (IM Jr.), localizado no Campus de Nova Iguaçu, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e o levantamento dos empreendimentos da feira foi realizado 10 e 19 de novembro de 2016.

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Considerando o universo de pesquisa a totalidade da Feira de São Cristóvão, 698 espaços/barracas disponíveis para a alocação de atividades, foram coletados dados em uma amostra de 202 espaços ocupados. A amostra se limitou à quantidade de barracas, independentemente da quantidade de espaços ocupados por elas dentro da feira. A figura 1 apresenta um mapa com a organização espacial da feira e a divisão das áreas de trabalho de cada equipe de pesquisa.

FIGURA 1 – Mapa do Pavilhão de São Cristóvão e organização do estudo de campo.

Fonte: Associação da Feira de São Cristóvão

Em seu tratamento, os dados foram tabulados estatisticamente e as observações realizadas foram tratadas a partir das análises de conteúdo e de discurso. Nem todas as barracas estavam disponíveis para responderem a pesquisa, ou por estarem fechadas ou por alguns ocupantes se recusarem a responder aos questionários.

Empreendedorismo Turístico e Cultural

O empreendedorismo tem sido considerado uma área de estudos desde as últimas décadas do século XX. O termo é um neologismo derivado da livre tradução da palavra Entrepreneurship, e representa, além da criação de empresas, o trabalho autônomo, os empreendimentos comunitários, o empregado empreendedor e as políticas governamentais para o setor. Esse processo pode ser voluntário ou involuntário, mas, segundo Timmons (1994 apud DOLABELA, 1999b, p. 29), “o empreendedorismo é uma revolução silenciosa, que será para o século 21 mais do que a revolução industrial foi para o século 20”. Como área específica de estudo, o empreendedorismo tem sido estudado a partir de diversas perspectivas, desde a perspectiva econômica, que atrela as atividades empreendedoras e o próprio empreendedor ao desenvolvimento econômico, à

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geração de inovações, de emprego e renda. Um segundo foco foi dado pelos comportamentalistas, que analisaram basicamente o empreendedor como produto social, fruto de atitudes, busca de auto realização, valores, relações estabelecidas com o meio, criatividade, persistência, internalidade e liderança, dentre outros comportamentos (HISRICH e PETERS, 2004). Num terceiro momento o empreendedorismo passou a ser atrelado às ciências da gestão (finanças, engenharia, marketing, etc.) pelas quais predominou o caráter tecnicista de cada área específica que não elimina uma das principais características do empreendedorismo, que “antes de ser técnico ou financeiro, é fundamentalmente um processo humano” (DOLABELA, 1999a, p. 129). A perspectiva psicológica que, por sua vez, focou estudos sobre os aspectos cognitivos e a personalidade do empreendedor, suas percepções memórias e motivações pessoais. Recentemente, com a emergência dos conceitos e necessidade de geração de valor e sustentabilidade, passou-se a perceber o empreendedorismo como elemento de integração e desenvolvimento social e cultural, atuando como elemento de diminuição da desigualdade socioeconômica. Segundo Page, Ateljevic e Almeida (2011, p.11), este é um campo de pesquisa que ainda está sendo construída, através de caminhos “não muito paradigmáticos” e que, frequentemente, tem seu progresso avaliado a partir de uma perspectiva independente. Esse arcabouço indica que o empreendedorismo pode ser caracterizado como um fenômeno regional, na medida em que a cultura, as necessidades e os hábitos de uma região determinam comportamentos. Neste sentido, Drucker (1989) relaciona a capacidade do ser inovador com o empreendedorismo, meio pelo qual o indivíduo explora a mudança como uma oportunidade para um negócio ou serviço diferente. O empreendedorismo frequentemente é atrelado aos pequenos negócios, o que não configura uma relação direta entre esses termos, mas sim com uma ação empreendedora, baseada em comportamentos que buscam a inovação, resultados positivos e alteração do contexto no qual se insere, e este tipo de atitude pode ocorrer não só na criação de uma empresa, mas em todos os estágios de seu ciclo de vida, e nem toda ação realizada em uma determinada organização é uma ação empreendedora. A relação entre empreendedorismo e turismo se dá no mesmo sentido, nas palavras de Page, Ateljevic e Almeida (2011, p.13),

o contexto turístico não é uma exceção. Apesar de as empresas de

turismo terem sido muito celebradas no contexto do desenvolvimento regional, do desenvolvimento sustentável e da diversificação econômica, somente uma pequena porcentagem delas é verdadeiramente empreendedora.

A ação empreendedora no ramo do turismo se dá de forma complexa, com uma diversidade de inovações oriundas de entidades tanto privadas como públicas. O desenvolvimento do turismo está relacionado ao desenvolvimento de destinos atrativos, que possa interessar a um número significativo de visitantes e envolve, ainda um arcabouço de diversos stakeholders que provém serviços diversos e dão sustentabilidade a um desenvolvimento local bem-sucedido, e pelo qual cada envolvido tem seus interesses e motivações particulares onde

[...] os empreendedores podem alcançar o sucesso de uma melhor

maneira ao trabalhar com outras pessoas e grupos com a possibilidade de juntos, conduzir projetos de mudanças. Isso, por natureza, assegura que o

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empreendedorismo seja também um processo político e que se encaixe no conceito de empreendedorismo institucional (PAGE, ATELJEVIC e ALMEIDA, 2011, p.94).

O empreendedorismo institucional considera a questão do ambiente onde as organizações e indivíduos atuam, constituindo um campo elaborado a partir de instituições e sustentado por rede de relações sociais, gerando práticas e comportamentos que representam os interesses e arranjos produtivos ou sociais para criar ou transformar as realidades existentes. Para que esses ambientes institucionais sejam bem-sucedidos, é necessária a convergência dos interesses dos stakeholders envolvidos, remetendo ao conceito de empreendedorismo coletivo que, segundo Spear (2000) corresponde ao

[...] empreendedorismo pluralístico apoiado em objetivos comuns,

mas não necessariamente impulsionado por uma motivação coletiva. Do ponto de vista da natureza humana, todos os envolvidos com o turismo ou outro desenvolvimento local têm os seus próprios interesses e motivações pessoais (PAGE, ATELJEVIC e ALMEIDA, 2011, p.13)

Considerando-se que parte da atuação do turismo está ligada à economia criativa e à cadeia de valor da indústria cultural, e que, para sua sobrevivência, este setor exige a articulação de seus stakeholders, em sua maioria multidisciplinares, através de uma organização de arranjos produtivos que venham a fortalecer a oferta e consumo de produtos ou serviços culturais, torna-se necessário compreender o processo do empreendedorismo criativo e cultural, e o papel deste tipo de empreendedor. A indústria criativa, por sua vez, é baseada na imaginação e na criatividade, assim como está associada ao talento, gerando riquezas, trabalho e renda, ocupando nichos de mercado específicos e pelo qual fatores como a representação e a memória cultural são imprescindíveis, assim como a manutenção dos elos com a terra e a história, em muitos casos (PORTUGAL, 2012). Portugal (2012), citando a UK DCMS (1997), ressalta que a

indústria criativa, sugere uma grande diversidade de atividades, mas que têm uma característica em comum: elas são sempre suportadas na imaginação e na criatividade individual e estão associadas à habilidade e ao talento, produzindo riqueza e postos de trabalho através da geração e exploração de novos conteúdos e propriedade intelectual.[...] Segundo a definição e mapeamento das indústrias criativas pelo DCMS, os sectores-chave identificados e que correspondem às sua definição, são: publicidade; arquitetura; mercado de artes e antiguidades; design; moda; filmes, vídeos e outras produções audiovisuais; design gráfico; software educacional e de lazer; música ao vivo e gravada; artes performativas e entretenimento; difusão através da televisão, rádio e internet; e escrita e publicação (PORTUGAL, 2012, p. 26-27).

Para Martins, Paiva Júnior e Ferreira (2016), o empreendedor cultural é responsável pela organização das atividades culturais e sua comercialização, assumindo riscos e identificando oportunidades no segmento cultural em que atua, combinando recursos criativos e econômicos, utilizam suas redes de contatos e negócios e geram bens e serviços que agreguem valor à localidade e setor de atuação. Portugal (2012) destaca a contribuição dos negócios criativos e culturais para o local onde estão inseridos, através do impacto direto de valores e culturas, da inserção de modelos mais flexíveis de negócios, e, ainda a importância da indústria criativa e seus arranjos produtivos na oferta de postos de trabalho e de inclusão social. Quanto à sua organização, geralmente está ligada à reputação da localidade à qualidade de vida e

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a oferta de produtos culturais diferenciados. Esses mesmos arranjos costumam estabelecer parcerias com o Estado em função do interesse público das atividades desenvolvidas, e é constituído, em sua maioria, por micro e pequenos empresários estabelecidos através de redes. Tanto o empreendedorismo turístico como o criativo e cultural lidam com fatores relativos ao legado do patrimônio “nordestino”, sejam eles intangíveis, ligados à identidade, história, cultura, memória, dentre outros, o que torna a compreensão da ação destes setores muito mais significativa quando é percebida em ambientes onde estes fatores estão inseridos, assim como fatores tangíveis, representados pelos produtos resultantes da “importação” de produtos nativos ou da comercialização de produtos inspirados na cultura nordestina, como a oferta de pratos, shows e entretenimentos típicos daquela região. Nesse sentido se adequa o estudo do caso da Feira de São Cristóvão e do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, sua constituição e relacionamento com a identidade, memória, cultura que representa e da localidade onde está inserida.

A Feira de São Cristóvão e o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas

Os empreendimentos da Feira de São Cristóvão e do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas se enquadram como atividades empreendedoras, que atuam no setor cultural e criativo, e, como elemento de atratividade turística do município do Rio de Janeiro, guardando fatores relacionados com a cultura nordestina e carioca, “evoluindo, se modificando e atuando diretamente no comportamento das pessoas que moram e usufruem” do bairro de São Cristóvão desde o tempo do império (ELZÁRIO JUNIOR e PORTO, 2002) e através das unidades de negócios que fazem ou fizeram parte destes empreendimentos, resguardadas as características individuais de cada ator deste processo, seja ele institucional ou humano. Segundo Euzário Junior e Porto (2002), tudo começou na década de 1940, que registrou um significativo movimento de migração de nordestinos para o Rio de Janeiro em busca de novas oportunidades de trabalho, e em função da construção da estrada Rio-Bahia (BR 116). Os nordestinos vinham para o Rio de Janeiro nos chamados caminhões paus-de-arara, que tinham seu ponto final no antigo Campo de São Cristóvão, e,

Como a viagem era muito demorada, os nordestinos chegavam cedo a São Cristóvão, linha terminal da cidade, e ficavam esperando a chegada de seus parentes com comida e viola para passar o tempo. Quando eles chegavam, já traziam os pedidos de compras dos que ficaram no Nordeste e a partir daí foi se estabelecendo um sistema de trocas de encomendas e venda de produtos, caracterizando uma feira informal. (EUZÁRIO JUNIOR e PORTO, 2002).

A popular Feira de São Cristóvão explora algumas oportunidades de negócios, inicialmente como ponto de encontro cultural, como local de trocas para os produtos trazidos pelos migrantes diretamente do Nordeste (início da feira propriamente dita), que se manteve por décadas no mesmo lugar, no entorno do Pavilhão de São Cristóvão (antigo centro de convenções do Rio de Janeiro), desde o início da década de 1960. No início do século XXI, a Feira de São Cristóvão acabou por se tornar um empreendimento de grande porte, com cerca de 700 barracas, de características

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populares, clima descontraído e receptivo, atraindo um público que se interessava pela cultura típica do Nordeste, reunindo cerca de 70.000 pessoas a cada final de semana. Devido à construção do Rio Centro – novo centro de convenções da cidade, e a questões estruturais (incêndio e queda de telhado), o Pavilhão acabou por ficar abandonado por muitos anos, quando, em 2003, através da atuação da Prefeitura do Rio de Janeiro, foram feitas obras de infraestrutura no pavilhão, que envolviam barracas fixas, palcos, banheiros públicos, estacionamento e segurança, e a Feira foi transferida definitivamente para dentro do Pavilhão. Este ambiente foi caracterizado em função da cultura nordestina, onde as ruas receberam os nomes dos nove Estados do Nordeste brasileiro, as praças, palcos e núcleos culturais receberam nomes de personalidades e artistas nordestinos, ou de cidades da região, e ainda conta com as estátuas de dois dos maiores ícones da cultura nordestina – Padre Cícero e Luiz Gonzaga – uma em cada entrada do pavilhão. A partir desta mudança a Feira de São Cristóvão passa a incorporar o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas. Com a passagem da Feira para dentro do Pavilhão e a criação do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, as atividades comerciais e turísticas se intensificaram e o Ministério Público exigiu uma melhor organização da governança, mais adequada às novas condições dos Feirantes, em função desta demanda foi fundada a Associação dos Feirantes do Centro Municipal Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas , que tem como propósitos manter a tradição e promover a cultura nordestina, assim como gerenciara as relações entre os feirantes e o poder público e as relações internas da Feira. Esta Associação divide a gestão do Centro de Tradições Nordestinas com uma unidade organizacional da Prefeitura do Rio de Janeiro, em função dos investimentos públicos realizados para a concretização do atual espaço de cultura e entretenimento.

A Caracterização do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas em 2016

Contendo uma área de 18.000 metros quadrados o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas foi projetado de forma a caracterizar barracas de feira, com aspectos característicos da região nordeste, totalizando, como já destacado, um montante de 698 espaços fixos, conforme demonstrado na figura 1, sendo que alguns destes espaços são utilizados como depósitos ou constituem espaços comerciais que unem mais de uma área reservada a cada barraca e outros simplesmente estão fechados. Do total de 698 espaços/barracas disponíveis para a alocação de atividades, apenas 202 estabelecimentos responderam à pesquisa (29%), conforme indicado no quadro 1, que descreve as quantidades de barracas (espaços) existentes e as quantidades de pesquisadas, conforme a divisão espacial organizada para a coleta de dados. Todos os dados apresentados a seguir são resultados da consolidação do levantamento realizado no local, nos dias destacados. Vale ressaltar ainda que nem todos os espaços/barracas estavam abertos nos momentos de levantamento dos dados.

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QUADRO 1: Quantidade e Distribuição das Barracas Existentes x Pesquisadas

Equipe/Quadrante Barracas

Existentes Barracas

Pesquisadas

Alfa 163 31

Beta 193 64

Gama 171 69

Delta 171 38

TOTAL 698 202

Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (2016)

A apresentação das informações coletadas está organizada de acordo com os blocos de levantamento dos dados, identificação da barraca e situação do ponto de venda. Tratando especificamente da identificação das barracas pode-se verificar que a maioria tem seus nomes fantasias, e em muitos casos, também a razão social, ligados aos proprietários e/ou fundadores (remetendo à questão da personalização do feirante original) ou à cultura e o bom humor nordestinos, conforme demonstrado na figura 2, que segue.

FIGURA 2 – Nomes Fantasias das Barracas

Fonte: Acervo da Pesquisa de Campo (2016)

Considerando os aspectos levantados relativos à regulamentação dos negócios da Feira, nos gráficos 1 e 2 pode-se observar o percentual de dados informados quanto à documentação básica dos empreendimentos, sendo esses o CNPJ, o Alvará. Somente duas barracas sabiam responder acerca do registro no CNAE. A maioria dos responsáveis pelos estabelecimentos que se encontravam no momento da pesquisa não soube ou não quis informar, logo foram consideradas as respostas “informado”, e “não informado”.

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GRÁFICO 1 – Número do CNPJ

Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (2016)

GRÁFICO 2 – Número do Alvará

Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (2016)

Das 202 barracas pesquisadas apenas 18 não informaram, ou não souberam informar, a razão social da empresa, dado este que pode indicar um grande número de formalização dos estabelecimentos. Já os dados acerca dos registros legais contrapõem esta informação, e podem indicar o desconhecimento de normas legais de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, até porque uma das funções dos pesquisadores era verificar se estes documentos estavam visíveis, como é exigido por lei no município do Rio de Janeiro. São normas estabelecidas de que as pequenas empresas comerciais devem afixar de forma visível, geralmente em um Quadro de Avisos nos seus estabelecimentos documentos como Alvará de Localização e Funcionamento, Cartão do CNPJ, Quadro de Horário atualizado, Quadro de Horário de Trabalho de Menores atualizado, Declaração de opção pelo Simples Nacional, Informe sobre a Obrigação de Emissão de Notas Fiscais, Licenças específicas segundo a atividade, Mapa de Riscos,

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Convenção Coletiva atualizada e Cópia da última GPS paga. Além de disponibilizar o Código de Defesa do Consumidor para consulta imediata. O último dado coletado para caracterizar as barracas foi o número de empregados do estabelecimento. Este dado é importante pois vai caracterizar o tamanho/porte dos empreendimentos. O gráfico 03 indica a relação da quantidade de funcionários em relação aos empreendimentos, em sua maioria os empreendimentos (67% das barracas) tem no máximo três funcionários, e em muitas das vezes neste montante é considerado o proprietário da barraca e seus familiares. Estes dados demonstram que as barracas, em sua maioria, se configuram como microempresas- tem entre 01 e 03 funcionários, voltadas para o empreendedorismo familiar, onde no geral as pessoas que ali trabalham são membros diretos de uma mesma família. Nas observações de campo, também, pode-se levantar que a mão de obra das barracas da feira, também em sua maioria, é oriunda diretamente do Nordeste brasileiro ou composta por descendentes de migrantes originais.

GRÁFICO 3 – Número de Funcionários X Número de Barracas

Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (2016)

Para compreender as características dos empreendimentos, e sua conexão com a cultura nordestina, foram analisados tipos de produtos comercializados. Foi levantado que a maioria das lojas não vende somente um tipo de produto e também que grande parte são produtos de origem nordestinas. Considerando as observações dos pesquisadores, constatou-se que mesmo com uma diversidade de produtos comercializados em alguns estabelecimentos, estes, em sua maioria, focavam em uma área de atuação. O gráfico 3, apresentado a seguir, demonstra os produtos comercializados nas barracas da Feira, destes produtos os mais comercializados, em ordem decrescente, são comidas prontas (tanto em lanchonetes como restaurantes e afins), bebidas, vestuário, mercearia, produtos nordestinos em geral, artesanato e cerâmica. Essa configuração de comercialização de produtos e serviços caracteriza o ambiente da feira basicamente como um local de entretenimento com o foco específico na cultura

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nordestina, enquadrando-se em algumas características do empreendedorismo criativo

GRÁFICO 4 – Produtos Comercializados na Feira de São Cristóvão por Barraca.

Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (2016)

Para compreender a questão cultural e empreendedora da Feira de São Cristóvão é importante entender o espaço no tempo em que suas atividades comerciais ocorrem, ao se verificar os dias de funcionamento das lojas, conforme o gráfico 5, ficou notório na análise desses dados que os finais de semana (sexta-feira, sábado e domingo) são os dias de maior funcionamento. Desta forma, evidencia que a feira traz um ambiente familiar e social, assim como pode destaca-se a presença dos trabalhadores de origem nordestina que buscam seu lazer em um local que remete às suas origens.

GRÁFICO 5 - Dias de Funcionamento

Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (2016)

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Caracterizadas as condições legais das barracas, foram observadas as condições das mesmas como pontos de venda. O primeiro item a ser observado foi a atratividade da barraca, mediante a observação da adequação da aparência geral, a organização e limpeza das vitrines, se a fachada se encontrava limpa e convidativa e se o cheiro também era um atrativo aos clientes. Diante de um posicionamento positivo ou negativo relativo às condições citadas, em geral as barracas apresentaram boa atratividade para seus clientes, conforme o gráfico 6, a seguir

GRÁFICO 6 – Atratividade das Barracas

Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (2016) Verificando as imagens registradas das fachadas e vitrines das barracas pode-se observar todo tipo de organização. As barracas maiores, situadas próximas às entradas do pavilhão e nas avenidas centrais, são melhor apresentadas e atrativas, geralmente apresentam uma decoração remetendo ao sertão nordestino, às festas, culinária, cultura, hábitos e costumes da população do Nordeste brasileiro. Já as barracas que se encontram mais na periferia da feira, nas ruas laterais, já são mais simples e trazem mais a cultura da feira, expondo seus produtos de forma mais aglomerada, até mesmo pelo pequeno espaço que têm para expor e armazenar os produtos. No geral todas as barracas mantêm um satisfatório de limpeza e higiene, como demonstrado na figura 3.

FIGURA 3 – Fachadas das Barracas da Feira de São Cristóvão

Fonte: Acervo da Pesquisa de Campo (2016)

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A avaliação das barracas quanto à organização de seu espaço físico e funcional considerou a boa visibilidade da loja e de seus produtos, o posicionamento e acesso do caixa e de balcões, a apresentação e informações dos produtos. As barracas foram bem avaliadas quanto à sua organização em sua maioria. O único quesito que apresentou uma menor diferença foi o relativo à visibilidade das promoções, que teve uma medição mediana e, em alguns casos (8% das barracas – 16 barracas), esse quesito não pode ser apurado, conforme o gráfico 7:

GRÁFICO 7 – Organização das Barracas

Fonte: Dados da Pesquisa de Campo (2016)

As imagens registradas corroboram os dados numéricos levantados, assim como os pressupostos de que conforme a localização e o tamanho da barraca maior a complexidade na organização do espaço, conforme destacado na figura 4. O espaço restrito da maior parte das barracas faz com que o aspecto visual e a organização das barracas estejam interligados pois, em muitas das vezes a vitrine é a própria estante de armazenamento de produtos.

FIGURA 4 – Organização das Barracas da Feira de São Cristóvão

Fonte: Acervo da Pesquisa de Campo (2016)

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O item que fechou a avaliação dos pontos de vendas foi em relação ao atendimento prestado pelos atendentes/feirantes. Como já foi apontado, a maioria dos trabalhadores da Feira de São Cristóvão são de origem nordestina direta ou de descendentes de nordestinos. Em 91% das barracas os atendentes foram considerados prestativos e atenciosos. As observações diretas mostraram que alguns hábitos de negociações das feiras livres ainda se mantêm dentro do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, o contato direto com o cliente, a simpatia e alegria típicas da cultura de um povo que sempre lutou para sobreviver e nunca perdeu suas esperanças, mesmo em situações adversas, situação esta observada através dos hábitos do cotidiano local, assim como em detalhes de depoimentos levantados durante a aplicação dos questionários, alguns comportamentos e fatos rotineiros da feira, que apoiaram à compreensão deste arranjo produtivo social, cultural e patrimonial. Foi observado, também, durante o levantamento de dados, um certo desencontro de interesses por parte dos responsáveis pela governança do Centro de Tradições, o que gera uma instabilidade para o ambiente da Feira e dos próprios estabelecimentos, assim como favorecimento de alguns em detrimento de outros. Assim como o fato de que, durante os vários estágios de existência e evolução da feira os seus frequentadores mudando. Segundo alguns depoimentos, no início da Feira predominavam os frequentadores que eram migrantes nordestinos, por várias razões, dente eles a oportunidade de se aproximar de sua cultura e tradições. Atualmente, os feirantes observam que a proporção de turistas não nordestinos chega a ser maior do que os migrantes. Alguns responsabilizam tal mudança ao fato de que ao ser transferida para dentro do pavilhão os custos, tanto para os feirantes como para os visitantes, aumentaram o que afastou o consumidor usual, o migrante que veio buscar trabalho numa das cidades mais desenvolvidas do país. As questões administrativas do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas têm trazido um volume de reclamações, pois uma gestão compartilhada, que é parte externa e vinculada ao poder público, através da Prefeitura do Município do Rio de Janeiro, responsável pelo poder administrativo da feira, e de outro lado interna, na qual a Cooperativa dos Comerciantes do Campo de São Cristóvão (Coocampo), composta por representantes dos feirantes, deixa a desejar em diversos aspectos, dentre eles:

falta de energia pública, mesmo para aqueles que já havia pago suas respectivas contas de energia à associação da feira;

cobrança pela entrada no ambiente fechado da Feira tem gerado certo impacto no público frequentados que, em função de algumas crises econômicas, que diminuiu;

má conservação de vários espaços no interior do pavilhão;

ausência de orientação aos comerciantes, pois, acompanhando a tendência dos pequenos negócios, a maioria não tem nenhum tipo de noção administrativa;

ausência de incentivos por parte da Prefeitura;

maioria das lojas não legalizadas;

maioria das lojas não possui um layout convidativo para os clientes;

maioria dos funcionários não está em boas condições de exercer sua profissão, devido ao ambiente da loja não está adequado.

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Considerações Finais Apesar do conceito de empreendedorismo no Brasil ser um tema relativamente novo, é evidenciado nesta pesquisa que este movimento, e seus principais atores, os empreendedores, podem ser considerados agentes de mudanças, assim como uma área de estudo em crescente evolução. O objeto de estudo mostrou que a mudança da Feira de São Cristóvão para dentro do Pavilhão trouxe benefícios de infraestrutura, ampliou o movimento turístico no local, mas também realçou as diferenças dos diversos públicos que frequentam este espaço. A questão do patrimônio cultural como norteador das atividades da feira se manteve, as pesquisas demonstraram claramente os vínculos com os hábitos, tradições e com a cultura nordestina, assim como a utilização destes como elemento de diferenciação da feira em si, e dos negócios que a integram, configurando um arranjo produtivo com base nos parâmetros culturais específicos desta população. Quanto aos empreendimentos da feira, a maioria é composta por empresas familiares e pequenos empreendimentos, assim como o ambiente de consumo também tem grande configuração familiar. Muitos empreendimentos representavam o sonho de alguns proprietários de ter sua independência econômica e/ou de melhoria das condições de trabalho. Percebeu-se, ainda que a maioria dos empreendimentos, principalmente os menores, tem uma forma de gestão amadora, demonstrado pelo desconhecimento de normas legais e ausência de práticas simples de gestão e de atendimento, fator esse que pode aumentar sensivelmente a probabilidade de mortalidade dos mesmos. O levantamento realizado ressaltou a organização das barracas de acordo com o público a ser atendido, nas avenidas centrais concentram-se as maiores e melhor estruturadas barracas, que atendem mais os turistas em geral, e nas ruas periféricas concentram-se barracas de tamanho menos, mas que mantém maior vínculo com a cultura e tradições dos primeiros momentos da feira e atendem mais aos migrantes nordestinos da cidade do Rio de Janeiro. Com os relatos encontrados dentro da feira comparados aos dados quantitativos levam à percepção da necessidade de um acompanhamento por parte dos órgãos competentes, sejam eles públicos ou as próprias organizações responsáveis pela governança local do espaço, de forma a garantir, aperfeiçoar e alavancar as atividades da Feira, principalmente no sentido de promover uma maior capacitação administrativa e gerencial dos proprietários das barracas e seus funcionários. O empreendedorismo é mais que inovar, é uma questão de atitude que deve ser cultivada através do fortalecimento dos estilos de seus empreendedores e na continuidade das atividades. As diversas fases que foram observadas na evolução da Feira de Rua para o Centro de Tradições Nordestinas demonstraram essas adequações e as diversas inovações implementadas. Referências

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___________ . O segredo de Luísa: uma ideia, uma paixão e um plano de negócios: como nasce o empreendedor e se cria uma empresa. São Paulo: Cultura Editores Associados, 1999b.

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