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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL Faculdade de Educação e Escola de Enfermagem Fundação Oswaldo Cruz Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnologia em Saúde EMILENE ANDRADA DONATO “Oxente, esse curso me abriu a mente!” - Caminhos do Cuidado e os efeitos da formação em Saúde Mental (crack, álcool e outras drogas) em Alagoas. JULHO 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

Faculdade de Educação e Escola de Enfermagem

Fundação Oswaldo Cruz

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnologia em Saúde

EMILENE ANDRADA DONATO

“Oxente, esse curso me abriu a mente!” -

Caminhos do Cuidado e os efeitos da formação em Saúde Mental

(crack, álcool e outras drogas) em Alagoas.

JULHO 2017

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EMILENE ANDRADA DONATO

“Oxente, esse curso me abriu a mente!” -

Caminhos do Cuidado e os efeitos da formação em Saúde Mental

(crack, álcool e outras drogas) em Alagoas.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como

requisito parcial e obrigatório para obtenção do grau

de Especialista em Acompanhamento,

Monitoramento e Avaliação na Educação em Saúde

Coletiva.

Orientadores: Milene Arlinda de Lima Mendes e

Pedro Augusto Papini

JULHO 2017

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RESUMO

O Sistema Único de Saúde (SUS), como ordenador da formação em saúde, tem assumido um

papel destacado na superação do paradigma biomédico, tecnicista, hospitalocêntrico. O

investimento na perspectiva da educação permanente permite a problematização do processo

de trabalho em saúde para provocar mudanças de práticas profissionais e da própria

organização de serviços. Portanto, o presente trabalho é um Relato de Experiência como

articuladora local no programa nacional AvaliaCaminhos, que realizou uma avaliação

institucional do projeto Caminhos do Cuidado - Formação em Saúde Mental (crack, álcool e

outras drogas) para Agentes Comunitários de Saúde e Auxiliares/Técnicos de Enfermagem da

Estratégia Saúde da Família, promovido em Alagoas, em 2014. Apresenta os efeitos

produzidos em cenários de cuidado, discutindo a relação entre saúde mental e atenção básica,

visibilizando ressonâncias nos territórios, mediante rodas de conversa com alunos e tutores. O

Caminhos do Cuidado se mostrou uma importante estratégia de qualificação dos trabalhadores

envolvidos, com ampliação da conceção de saúde e reposicionamento nos modos de sua

produção, valorizando tecnologias de escuta, acolhimento, vínculo, corresponsabilização,

apoio matricial, e o (re)conhecimento da redução de danos como ética viável. Espaços

coletivos de discussão e intersetorialidade são necessários para sustentabilidade dos

conteúdos. Tratou-se de uma potente ação educativa em larga escala com fortalecimento de

rede locais e para o cuidado integral em saúde.

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ABSTRACT

The Unified Health System (SUS), as coordinator of health training, has assumed a prominent

role in overcoming the biomedical, technicality, hospital-centered paradigm. The investment

in the perspective of permanent education allows the problematization of the health work

process to provoke changes in professional practices and in the service organization itself.

Therefore, the present work is a Report of Experience as a local articulator in the national

program AvaliaCaminhos, which carried out an institutional evaluation of the Caminhos do

Cuidado - Mental Health Training (crack, alcohol and other drugs) project for Community

Health Agents and Assistants / Technicians of Nursing of the Family Health Strategy,

promoted in Alagoas - Brazil, in 2014. It presents the effects produced in care settings,

discussing the relationship between mental health and basic care, visualizing resonances in the

territories, through conversation with students and tutors. The Care Paths proved to be an

important qualification strategy for the workers involved, expanding health design and

repositioning in the ways of their production, valuing technologies for listening, welcoming,

bonding, co-responsibility, matrix support, and (re)harm reduction as a viable ethic.

Collective spaces of discussion and intersectoriality are necessary for content sustainability.

This was a potent educational action on a large scale with the strengthening of local networks

and integral health care.

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SUMÁRIO

1. Introdução....................................................................................................................... 5

1.1 Breve contexto da Saúde Mental em relação à Atenção Básica no Brasil ........... Erro!

Indicador não definido. 1.2 Caminhos do Cuidado e AvaliaCaminhos em Alagoas ............... Erro! Indicador não

definido. 2. Percurso metodológico …. ............................................... Erro! Indicador não definido.

3. Relato de Experiência .................................................................................................... 17

3.1 A experiência Caminhos: feito uma aguardente que não sacia .............................. 17

3.2 Arapiraca: “terra do fumo”? .................................................................................. 19

3.3 Murici: sobre bêbados e equilibristas, uma chuva de casos .................................... 21

3.4 Cenários do Cuidado: histórias se repetem com forças singulares............................23

3.4.1 Ressonâncias no processo de trabalho ........................................................... 23

3.4.2 Articulação entre equipes/ políticas e áreas ................................................... 29

3.4.3 Ressonâncias no usuário ............................................................................... 29

4. Considerações Finais .................................................................................................... 31

5. Referências ................................................................................................................... 34

6. Anexos ......................................................................................................................... 38

6.1 Anexo 1 – Matriz Avaliativa do AvaliaCaminhos .................................................. 38

6.2 Cenários de Cuidado ............................................................................................. 39

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1. Introdução

[...] Longe o profeta do terror que a laranja mecanica anuncia

Amar e mudar as coisas me interessa mais

Amar e mudar as coisas, amar e mudar as coisas me interessa mais

Um preto, um pobre, um estudante, uma mulher sozinha

Blue jeans e motocicletas, pessoas cinzas normais

Garotas dentro da noite, revólver: cheira cachorro

Os humilhados do parque com os seus jornais

Carneiros, mesa, trabalho, meu corpo que cai do oitavo andar

E a solidao das pessoas dessas capitais [...]

"Alucinacao", música de Belchior

(1976).

Saúde Coletiva antes entendida como um campo de saber e práticas que se

desenvolveu próximo às escolas de medicina, com caráter “auxiliar” às ciências médicas,

constitui-se como um conjunto bastante amplo de disciplinas preocupadas com o social

(medicina preventiva, medicina social, saúde pública, etc). Transpassa o plano

individualizado da clínica e configura o coletivo como elemento primário na explicação do

processo saúde-doença e seus determinantes possíveis (AYRES, 2004).

O cuidado em saúde tomando como centro o usuário pede o inventar e reinventar da

prática em todas as direcoes, estimulando a capacidade critica e autonomia do sujeito em

encontro com a capacidade de pactuacao e alteridade do profissional, com abertura para

acolhida aos diversos modos de existência humana. Normas, limites, protocolos, podem

incorrer no modo prescritivo de operar saúde, na perda do fazer criativo, do poder inventivo e

da essência leve, que se convoca no cuidado em saude mental e sao próprios da ética do

cuidado integral.

Nesse contexto, surge a necessidade de discutir a atuação dos profissionais de saúde

inserida no ambiente interprofissional de trabalho em equipes e consoante com a visão de

integralidade em saúde. A fragmentação e sobreposição de saberes, conformados no

paradigma cartesiano, e a prática tradicional e antidialógica de “educação bancária”, conforme

ressaltou Paulo Freire (2007a), caracterizada pela narrativa de ausência de sujeitos do

conhecimento, considerados objetos vazios destituídos de vivências e historicidades e que

devem ser preenchidos com conteúdos pela transferência de conhecimentos daqueles

supostamente sabedores, está em questão.

Considerando o paradigma da complexidade e, portanto, outros atores e metodologias

plurais nos processos formativos, ressaltamos a perspectiva de Educação Permanente em

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Saúde (EPS) no cerne da relação entre educação e trabalho, com objetivo de mudanças nas

práticas profissionais que envolvem atenção e gestão da organização dos serviços de saúde no

SUS, em articulação às demandas dos usuários. No âmbito da saúde pública, as políticas de

saúde têm se constituído em importantes campos de debate, prescindindo dos mais diversos

atores sociais a ela ligados: pesquisadores, gestores, trabalhadores de saúde, população em

geral.

Sendo assim, o Ministério da Saúde (MS) tem, na última década, investido em

políticas, programas e ações indutivas para superação da segmentação do conhecimento e de

práticas no cuidado em saúde. O presente trabalho se configura, portanto, como uma análise

dos efeitos de uma dessas estratégias formativas de âmbito nacional. Trata-se de um relato de

experiência motivado por três espaços vivenciados pela autora em Alagoas: Projeto Caminhos

do Cuidado (coordenadora estadual), Programa de Avaliação Institucional Educativa

AvaliaCaminhos (articuladora local) e Especialização em Acompanhamento, Monitoramento

e Avaliação na Educação em Saúde Coletiva, como requisito de conclusão de curso como

aluna.

O projeto Caminhos do Cuidado foi promovido pelo Ministério da Saúde (MS), em

parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Grupo Hospitalar Conceição (GHC) e a

Rede de Escolas Técnicas do Sistema Único de Saúde (RET-SUS). Articulou ainda, as áreas

de saúde mental e atenção básica, em parceria com governo federal, instituições formadoras

de educação superior e profissional, e todos os municípios brasileiros. Foi voltada para todos

os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) do país e um Auxiliar/ Técnico de Enfermagem

(ATENF) por equipe de saúde da família, formando 284.868 profissionais de saúde até agosto

de 2015, em todo território nacional (BRASIL, 2016).

O AvaliaCaminhos se constitui como um programa nacional de avaliação institucional

educativa do projeto Caminhos do Cuidado, que terminou em agosto de 2015. Objetivou

identificar e potencializar as conquistas, desafios, recuos e avanços na formação e de

articulação entre instituições do projeto Caminhos do Cuidado. Além disso, pretendeu fornecer

registro dos procedimentos e instrumentos com potencial para se tornar uma política pública

ou estratégia político-educativa na rede de escolas, instituições de ensino e pesquisa e gestores

de saúde (OBSERVATÓRIO CAMINHOS DO CUIDADO, s/d).

Compondo o programa AvaliaCaminhos, o Curso de Especialização em

Acompanhamento, Monitoramento e Avaliação na Educação em Saúde Coletiva foi uma das

estratégias desenvolvidas em parceria com o MS e a Universidade Federal do Rio Grande do

Sul (UFRGS). Destinada à RET-SUS, a especialização teve duração de 12 meses (360 horas),

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na modalidade semipresencial, utilizando ferramentas de Ensino à Distância (EAD) e com dois

encontros presenciais (UFRGS, 2016).

Assim, o trabalho ora apresentado buscou relatar os efeitos produzidos pela formação

Caminhos do Cuidado nos cenários de cuidado de Alagoas, possibilitando a discussão de

elementos importantes na relação entre saúde mental e atenção básica, bem como iniciativas de

sustentabilidade de Educação na Saúde. Além disso, atentou às ressonâncias do curso para

promoção de integralidade em saúde. Para tanto, ouviu os sujeitos envolvidos e considerou a

epistemologia da complexidade como fundamentação.

Como princípio doutrinário primordial do SUS aqui destacado, a integralidade em

saúde diz respeito à condição de compreensão do ser humano de maneira integral e não

fragmentada, à organização das práticas de saúde no sistema e como resposta governamental a

problemas específicos de saúde. Um eixo prioritário de uma política de saúde, em que os

sujeitos implicados nos processos organizativos em saúde visam, segundo Pinheiro (2009), “a

superação de obstáculos e a implantação de inovações no cotidiano dos serviços de saúde, nas

relacoes entre os niveis de gestao do SUS e nas relacoes destes com a sociedade”. Como uma

questão de cidadania, está destacada na análise realizada.

1.1 Breve contexto da Saúde Mental em relação à Atenção Básica no Brasil

O processo de mobilização pela redemocratização no Brasil, aliado às demandas de

saúde coletiva da população, refletidas no movimento da Reforma Sanitária, deram origem ao

Sistema Único de Saúde (SUS). Expressão de um projeto de transformação social, com

disposição organizativa de serviços de saúde de caráter emancipatório e valor de cidadania, é

considerado ordenador da formação em saúde, segundo a Constituição Federal de 1988, em

seu Artigo 200, e Lei Orgânica da Saúde n.8080/ 1990.

O SUS tem assumido papel destacado na superação de paradigmas tradicionais nos

campos da saúde e da educação, com reorientação de estratégias e modos de cuidar na

realidade dos territórios, afirmando uma concepção ampliada de saúde e de produção social.

A saúde mental está contemplada como responsabilidade da atenção básica, que tem

se expandido pelo território brasileiro pela ESF e neste modelo opera numa dinâmica de

“complexidade invertida”, como destacou Lancetti (2013), em contraposição ao modelo de

pirâmide de complexidade no SUS. A relação entre saúde mental e saúde da família tem uma

importância evidente, porém coloca questões não tão evidentes, segundo o autor:

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Quanto mais se opera no território, no local onde as pessoas moram e nas culturas

em que as pessoas existem, quando há que conectar recursos que a comunidade tem

ou se deparar com a desconexão de diversas políticas públicas, quando se encontram

pessoas em prisão domiciliar, ou que não procuram ajuda e estão em risco de morte,

quanto mais se transita pelo território a complexidade aumenta (LANCETTI 2013,

p.131).

A clinica antimanicomial ou “reformática”, podemos assim dizer, merece ser

compreendida em pressupostos, acompanhada e avaliada continuamente para sua ampliação

em termos também qualitativos. O modelo circular da rede de serviços em mandala,

horizontaliza as relações e dilui hierarquias, de modo a democratizar a importância de cada

ponto de atenção que pode abrir acesso e acolhimento às pessoas na rede local de saúde,

imprimindo integralidade do cuidado.

Segundo Amarante (2008), na área de saúde mental, quanto à configuração de

paradigmas: “vive-se ainda uma fase de transição, com dois modelos funcionando

simultaneamente”. Ou seja, dois paradigmas antagônicos refletem ainda o atual cenário ético-

político-técnico-filosófico: o hospitalocêntrico, antigo, cartesiano, focado no hospital

psiquiátrico e empresarial, e o “reformático”, para superação do anterior, formulado à luz da

Reforma Psiquiátrica – movimento contemporâneo ao movimento da Reforma Sanitária, nos

anos 70, em que se priorizam os serviços substitutivos de base comunitária.

A Lei Federal n. 10.216/ 2001, conhecida como Lei da Reforma Psiquiátrica Brasileira,

dispôs sobre a protecao das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando o

modelo de atenção1. Foi aprovada após dez anos em tramitacao no Congresso Nacional,

evidenciando resistências a avanços na área, e dez anos depois se constituiu a Rede de Atencao

1 Em 2005, o MS propunha como objetivos e desafios da política nacional de saúde mental, o conjunto de

propostas a seguir: desospitalização; qualificar, expandir e fortalecer a rede extra-hospitalar, através de serviços

substitutivos ao hospital psiquiátrico, como os Centros de Atenção Psicossocial, Residências Terapêuticas e

Unidades Psiquiátricas em Hospitais Gerais; incluir e ampliar ações de saúde mental na atenção básica;

implementar uma politica de atencao integral a usuários de álcool e outras drogas; implantar o programa “De

volta pra casa”; manter um programa permanente de formação de recursos humanos para reforma psiquiátrica;

promover direitos de usuários e familiares, incentivando a participação no cuidado; garantir tratamento digno e de

qualidade ao louco infrator (superando o modelo de assistência centrado no Manicômio Judiciário); avaliar

continuamente todos os hospitais psiquiátricos por meio do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços

Hospitalares (PNASH/Psiquiatria); fortalecer políticas de saúde voltadas para grupos de pessoas com transtornos

mentais de alta prevalência e baixa cobertura assistencial; consolidar e ampliar uma rede de atenção de base

comunitária e territorial; implementar uma política de saúde mental eficaz no atendimento a pessoas que sofrem

com a crise social, a violência e o desemprego; e, por fim, aumentar recursos do orçamento anual do SUS para a

saúde mental (DONATO, 2010).

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Psicossocial (RAPS), regulamentada pela Portaria n. 3.088/ 2011, com amadurecimento da

organização dos serviços com capilaridade nos três níveis de complexidade do SUS, em meio a

ameacas dos interesses privatistas e medicalizantes na sociedade.

A RAPS, formada por servicos nos niveis de atenção básica, média e alta

complexidades do SUS, contribui com a implementacao de atencao integral em saude. Inclui

servicos como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)2 de vários tipos (infantil, para

adolescentes e adultos em sofrimento mental, para álcool e outras drogas), Servicos

Residenciais Terapêuticos (SRT's), leitos de saude mental em Hospitais Gerais, Servico

Médico de Urgência (SAMU), a Estratégia Saúde da Família (ESF), dentre outra opções.

Exclui definitivamente os hospitais psiquiátricos, ainda que subsistam, contraditoriamente,

com financiamento do SUS.

O paradigma manicomial, porém, se dissemina em novos formatos, como as clínicas

privadas voltadas para a dependência química, centradas no modelo estadounindense de

abstinência total ou religioso, beneficiadas pelo proibicionismo no cenário político, distantes

da estratégia européia de Redução de Danos3, incentivada com a RAPS. Este mesmo cenário

2 De acordo com a Portaria 3.088/ 2011 (BRASIL, 2011), que institui a Rede de Atenção Psicossocial no SUS:

CAPS I: atende pessoas de todas as faixas etárias com transtornos mentais graves e persistentes e com

necessidades decorrentes do uso de cracl, álcool e outras drogas (para municipios com populacao acima de 20 mil

habitantes); CAPS II: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes ou com necessidades

decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, conforme a organização da rede de saúde local (para

municipios acima de 70 mil habitantes); CAPS III: atende pessoas com transtornos mentais graves e persistentes,

com atenção continua em funcionamento vinte e quatro horas, ofertando retaguarda clínica e acolhimento noturno

a outros serviços de saúde mental, inclusive CAPS ad (para municípios com população acima de 200 mil

habitantes); CAPS ad: atende pessoas de todas as faixas etárias, que apresentam transtornos decorrentes do uso

prejudicial de álcool e outras drogas (para municipios acima de 70 mil habitantes); CAPS ad III: serviço para

todas as faixas etárias, com no máximo doze leitos para observação e monitoramento, em funcionamento 24 horas

(para municípios com população acima de 200 mil habitantes); CAPS i: atende criancas e adolescentes com

transtornos mentais graves e persistentes e que fazem uso de crack, álcool e outras drogas (para municipios com

populacao acima de 200 mil habitantes).

3 Redução de Danos se configura como “uma prática que visa possibilitar o direito de escolha e a

responsabilidade da pessoa diante de sua vida, flexibilizar os métodos para vislumbrar a universalidade da

populacao envolvida com drogas, com a qual a gestao publica está comprometida” (BRASIL. MINISTÉRIO DA

SAÚDE, 2013, p.154). Uma política e ética de ampliação da vida.

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político, para Amarante (2008), não consegue na mesma velocidade criar novos leitos

financiados pelo SUS em hospitais-gerais ou nos CAPS que funcionam como unidades de

atendimento abertas 24 horas e com capacidade de internação (AMARANTE, 2008).

Esse entrave faz com que os municípios ainda tomem como referência unidades

asilares para atendimento à demanda de casos mais graves, especialmente se a rede de atenção

psicossocial estiver fragilizada pela inexistência ou insuficiência de outros dispositivos

substitutivos. Um paradoxo continuamente enfrentado nas mais diversas regiões brasileiras.

Vale ressaltar que o numero de CAPS subiu de 148 unidades em 1998 para 1803 em

2012, enquanto o numero de leitos psiquiátricos em hospitais especializados diminuiu de

51.393 em 2002 para 29.958 em 2012. Além disso, o numero de Residências Terapêuticas no

Brasil aumentou de 85 em 2002 para 779 em 2012, e o numero de beneficiários do programa

De Volta para Casa subiu de 206 em 2003 para 4085 em 2012 (ALAGOAS, 2017).

Em Alagoas, conforme dados do setor de Supervisão de Atenção Psicossocial (SUAP)

da Secretaria Estadual de Saúde, existem 64 CAPS em funcionamento atualmente, sendo que

06 destes estao em processo de habilitacao. Destes, são 52 CAPS I; 07 CAPS II; apenas 01

CAPS infanto-juvenil; e 04 CAPSad. Há apenas 01 Unidade de Acolhimento (para pessoas em

situacao de vulnerabilidade que fazem uso de crack, álcool e outras drogas) e 15 leitos de

saude mental em dois Hospitais Gerais (09 leitos em Murici e 06 leitos em Rio Largo), em

contraposição à existência ainda de 600 leitos distribuídos em quatro hospitais psiquiátricos

(ALAGOAS, 2017).

Nesse sentido, olhar para a transição epidemiológica no Brasil, que até a primeira

metade do século 20 enfrentava doenças infecciosas transmissíveis, modifica e impacta a

organização das práticas nos serviços de saúde. As causas externas, junto com a transição

demográfica (envelhecimento da população, queda das taxas de fecundidade e natalidade,

condições sócio-econômicas degradantes) e com a transição nutricional (desnutrição para

sobrepeso e obesidade), indicam o acúmulo de doenças primitivas junto com as doenças da

modernidade, em países em desenvolvimento.

Os dados de morbi-mortalidade relacionados aos transtornos mentais comuns

impressionam. O Brasil desponta com a maior taxa de pessoas com transtornos de ansiedade

no mundo e o quinto em casos de depressão. Segundo estimativas da Organização Mundial da

Saúde (OMS), 9,3% (18,6 milhões) dos brasileiros têm algum transtorno de ansiedade e a

depressão afeta 5,8% (11,5 milhões) da população. Para isto, respondem fatores

socioeconômicos – pobreza e desemprego, e ambientais – estilo de vida em grandes cidades

(ABRASCO, 2017; CHADE, PALHARES, 2017).

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A depressão é a causa mais incapacitante em todo o mundo e principal causa de mortes

por suicídio, contribuindo com a carga global de doenças. No mundo, 322 milhões de pessoas

apresentam o quadro, estimando-se que entre 2005 e 2015 o número total aumentou 18,4 %.

Está em terceiro lugar dentre as causas de anos de vida perdidos por doença, relacionando-se à

queda da produtividade e com custo global calculado pela OMS em um trilhão de dólares por

ano por doenças vinculadas (ABRASCO, 2017; CHADE e PALHARES, 2017).

Portanto, entre os desafios de produzir saúde mental na atenção básica, onde a vida

acontece, referenciando ações de continuidade, longitudinalidade e coordenação do cuidado,

que afirmam outras possibilidades de modificar as condições de vida da população, a

qualificação de atores estratégicos a partir da formação do Caminhos do Cuidado foi

primordial. Afirmou-se a compreensão do social e do subjetivo como elementos “envoltórios”

no processo saúde-doença (termo de AROUCA, 1975; BASAGLIA, 1974 apud CAMINHOS

DO CUIDADO, 2013, p. 149), para incorporação à prática clínica e práticas de saúde.

A considerar os CAPS como lugar de passagem, com capacidade de aumentar o poder

contratual de seus usuários para que gerem normas para suas vidas, conforme Tykanori (1996),

são equipamentos substitutivos ao hospital psiquiátrico com capacidade de matriciamento de

outros dispositivos da rede de saúde. Com propósito de distanciamento da práxis fundada na

tutela e isolamento dos sujeitos, inclusive das disciplinas profissionais, a mudança de direção

de um sistema hospitalocêntrico e capscêntrico, para um “redebasicocêntrico” (termo usado

por SOUZA 2015, p.72), interessa à Reforma Psiquiátrica.

Um estudo realizado pela autora deste trabalho, constante em Donato (2010),

aprofundou o tema sobre Saúde Mental na Atenção Básica, a partir da avaliação da experiência

pioneira, desde o fim dos anos 90, no município de Camaragibe – PE. A partir da Matriz

Avaliativa construída, concluiu-se que a mudança de lógica de cuidado perpassa a atitude

reabiltatória no território com estratégias que fomentem a capacidade de reastaurar habilidades

e capacidades dos usuários pela clínica ampliada, desinstitucionalizante, além da reconstrução

do poder de contratualidade e exercício de cidadania, em que a qualificação dos trabalhadores

de saúde é essencial, dentre outros aspectos, em concordância com o presente trabalho.

Para questões complexas, portanto, não cabem respostas simplistas. Enveredemos pela

complexidade.

1.2 Caminhos do Cuidado e o AvaliaCaminhos em Alagoas

No estado de Alagoas, o Caminhos do Cuidado ficou sob responsabilidade da Escola

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Técnica de Saúde de Alagoas Professora Valéria Hora (ETSAL), que desenvolve processos

formativos para ACS e ATENF, público-alvo do projeto. Tais profissionais foram

considerados atores-chave por atuarem na porta de entrada do SUS e por terem o acesso a

ferramentas de abordagem e de vinculação às pessoas nos territórios espalhados pelo país, que

puderam ser potencializadas.

Vale destacar que o ACS representa o elo de ligação entre o serviço de saúde e a

comunidade, onde as pessoas produzem seus modos de vida, suas identidades e subjetivações.

Historicamente, tem sido ampliado seu papel no cuidado em saúde desde o foco materno-

infantil em sua origem no Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), em 1991,

passando pelo Programa de Saúde da Família (PSF), em 1994, até o fortalecimento do modelo

de atenção de Estratégia Saúde da Família (ESF) na atenção básica, em 2004.

Assim, nesse lugar de promoção à saúde, prevenção de doenças e agravos,

diagnóstico, reabilitação e cura que constitui a responsabilidade da atenção básica, o ACS

vive uma construção histórica de sua identidade profissional, contribuindo para a consciência

crítica e transformadora da realidade, embasado no aporte teórico freiriano, especialmente,

para enfrentamento dos problemas sanitários. Desse modo, também tem se dado a

ressignificação da práxis dos demais profissionais na saúde coletiva em consonância com as

demandas da contemporaneidade.

A ação educativa em foco abrangeu todos os 102 municípios alagoanos durante o ano

de 2014, representando 167 turmas e 6.583 matriculas, sendo 5.743 concluintes, conforme

dados do Observatório Caminhos do Cuidado (BRASIL, 2016b; 2016c). Vale destacar que,

em termos de qualificação profissional, o projeto atingiu profissionais de nível superior nos

papéis de orientadores pedagógicos (responsáveis pelo desempenho do trabalho pedagógico

localmente dos tutores) e tutores (facilitadores dos cinco encontros presenciais), além das

equipes estaduais (BRASIL, 2016; DONATO, 2015).

Os requisitos de recrutamento para tanto eram a experiência comprovada na atenção

básica ou na saúde mental, tendo sido captados duas orientadoras pedagógicas e cinqüenta

tutores no estado, mediante formações de 40 horas realizadas em Brasília - DF e em Maceió -

AL, sendo que alguns não deram seguimento ao trabalho efetivamente. Do total de tutores, a

maior parte (pelo menos 18 profissionais) atuavam na atenção ou na gestão de saúde do

município de Maceió, o que contribuiu para pensarmos possibilidades na perspectiva de

Educação na Saúde localmente.

A “Educacao na Saude” é compreendida como a producao e sistematizacao de

conhecimentos relativos à formacao e ao desenvolvimento para a atuacao em saude,

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envolvendo práticas de ensino, diretrizes didáticas e orientacao curricular (BRASIL, 2012).

Preconiza uma abordagem mais abrangente do que a “educação em saúde” – processo

educativo voltado para a apropriação temática pela população, contribuindo para aumentar a

autonomia das pessoas no seu cuidado e no debate com profissionais. Constitui natureza

diferente da “educação continuada”, configurada como um processo de aquisição sequencial e

acumulativa de informações técnico-científicas pelo trabalhador.

Para o exercício do trabalho vivo em ato, como uma opção político-pedagógica para o

fortalecimento da atenção básica, interessa-nos especialmente o fomento da discussão sobre a

ótica da EPS, pautada na Portaria nº. 278/2014, enquanto política do MS. Desse modo,

considera-se a “aprendizagem no trabalho”, em que aprender e ensinar se incorporam ao

cotidiano das organizações, e a “aprendizagem significativa” como fundamento para

transformar as práticas dos trabalhadores da saúde baseado nos seus saberes prévios.

Ainda que a formação Caminhos do Cuidado tenha o formato de capacitação, do ponto

de vista didático-pedagógico utilizou metodologias ativas e problematizadoras da realidade,

agregando equipes comuns para discutirem os conteúdos à luz dos seus processos no/ para o

trabalho compatilhado nos territórios. Foram trocados conhecimentos teórico-práticos, saberes

diversos, afetações subjetivas, simbólicas, que puderam materializar potências a partir dos

encontros do curso em ações em saúde nos cenários de cuidado.

O projeto disponibilizou material didático próprio, além de “kits” (mochilas, camisas,

canetas, Caderno do Aluno), bastante elogiados por todos os segmentos envolvidos ao longo

de todo o processo da formação e na avaliação institucional, certificando em 60 horas os

alunos (40 horas presenciais e 20 horas de dispersão). O investimento financeiro viabilizou o

aluguel de equipamentos multimídia para apresentação de vídeos, alimentação durante os

encontros, bolsas (remuneração por turma) e ajudas de custo para deslocamento desses tutores

para os municípios, além das equipes envolvidas.

Aos gestores municipais coube: disponibilizar salas, indicar locais para refeições e

liberar os profissionais em um dia útil da semana, ou seja, em horário de trabalho, entendendo

se tratar de uma qualificação em serviço, o que foi bem acolhido ante as pactuações realizadas.

Caso não houvesse o quantitativo necessário para realização da turma na sua localidade, o

gestor deveria também garantir o transporte dos trabalhadores para compor junto com os

alunos de um município mais próximo.

Isso foi recorrente na realidade de Alagoas devido à grande quantidade de pequenos

municípios e, consequentemente, menos trabalhadores de saúde para fechar o quantitativo de

turmas (40 alunos). Assim, com fôlego que fez chegar aos mais longínquos lugares, constituiu-

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se como uma estratégia política grandiosa e em tempo oportuno, em favor do fortalecimento da

RAPS e do cuidado integral em saúde, com foco na atenção básica.

Esse processo de planejamento, organização, implantação e implementação foi

diretamente desenvolvido, acompanhado e monitorado pela equipe de Coordenação Estadual,

situada na ETSAL, composta por mim enquanto coordenadora e quatro apoiadoras estaduais, e

articulado com o corpo gestor da instituição. Na gestão do trabalho, operacionalizamos

também os sistemas acadêmicos e de infra-estrutura, e contamos com o apoio intensivo de uma

Coordenadora Macrorregional de referência para o estado (elo entre vários estados e as

instâncias gestoras maiores - condutoras nacionais do processo político-pedagógico).

2. Percurso metodológico

O trabalho ora apresentado objetivou relatar os efeitos produzidos pela formação

Caminhos do Cuidado nos cenários de cuidado de Alagoas. Os objetivos específicos focaram

em discutir potencialidades e fragilidades na relação entre saúde mental e atenção básica,

iniciativas de sustentabilidade de Educação na Saúde, e visibilizar ressonâncias do curso para

promoção de integralidade em saúde.

Esta produção de Relato de Experiência é de natureza qualitativa, fundamentado em

pressupostos teóricos-metodológicos pós-críticos, ou seja, que representam o paradigma

científico emergente, baseado na epistemologia da complexidade. Reconhece-se na

complexidade a possibilidade de uma evolução metodológica em contraposição ao pensamento

dominante, que possui modos simplificadores de conhecimento que “mutilam mais do que

exprimem as realidades ou os fenômenos que tratam”, segundo Morin (2006, p. 5).

Para Morin (2006, p.13), a complexidade “é um tecido (complexus: o que é tecido

junto) de constituintes heterogêneas inseparavelmente associadas: ela coloca o paradoxo do

uno e do multiplo”. Um “tecido de acontecimentos, acoes, interacoes, retroacoes,

determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico”. Portanto, a produção da

experiência é tratada aqui como “conhecimento vivo”. A pesquisa como “ato coletivo, que

afirma sua funcao politica” e uma “ética a servico de novas relacoes e composicoes para

intervencao nas realidades” (OBSERVATÓRIO CAMINHOS DO CUIDADO, 2016).

Utilizou-se a avaliação institucional realizada no projeto AvaliaCaminhos sobre a

formação Caminhos do Cuidado, em encontro com uma análise da experiência-sentido

produzida como articuladora local no processo de coleta dos dados, e a fundamentação teórica

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que dialoga com esses achados. Assim, este trabalho integra três canais de vozes: dos sujeitos

da avaliação (alunos e tutores), da avaliadora e de teóricos que subsidiam as discussões dos

resultados.

Trata-se, portanto, de uma composição metodológica com elementos da pesquisa

etnográfica, pesquisa-ação e pesquisa-participante, fundada nos estudos sobre complexidade e

culturais de Edgar Morin (2006; 2000), Emerson Merhy (2009; 2004), Milton Santos (2010),

Paulo Freire (2007a; 2007b), Jorge Larrosa Bondía (2002), dentre outros. A avaliação

trabalhou com a perspectiva de problematização de pesquisa-experiência em saúde que

“convida a cada um manter no seu pensamento experiências de encontro, com seus gestos de

cuidar, com seus gestos de formacao em saude, de seus movimentos e derivas”, de acordo com

Observatório Caminhos do Cuidado (2016, p.16).

Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados: rodas de conversa, observação

participante, diário de campo (junto com o relato de experiência-sentido apresentado após as

rodas de conversa à equipe pedagógica do AvaliaCaminhos) e história oral (relativa aos

sujeitos das rodas de conversa). Cabe mencionar que as falas aspeadas que se seguirão na

discussão dos dados foram retiradas do meu diário de campo, sendo fragmentos guardados

também na minha memória.

Os dados primários foram produzidos com realização de três rodas de conversa como

produto solicitado do trabalho como articuladora local no projeto AvaliaCaminhos: duas rodas

com alunos da formação Caminhos do Cuidado e uma roda com tutores do Caminhos do

Cuidado, facilitadores do processo de aprendizagem, todos sujeitos da avaliação. As rodas de

conversa foram guiadas por dois Roteiros de Entrevistas disponibilizados pela equipe

pedagógica nacional (para alunos e para tutores), constando perguntas relativas às quatro

dimensões da Matriz Avaliativa do projeto AvaliaCaminhos (Anexos 1 e 2).

Apesar dos roteiros pré-estabelecidos, o processo se configurou como semi-estruturado,

por considerar se tratar de um espaço flexível de circulação da palavra, espontaneidade e de

encontro, com tempo relativo, a depender da dinâmica de funcionamento do grupo, que

duraram pouco mais de duas horas. Todos assinaram um Termo de Autorização de uso de

áudio e de imagem nas respectivas ocasiões para o programa AvaliaCaminhos, ao que se

pretendeu atender à Resolução n. 510 (07/04/2016), que rege a ética em pesquisas com seres

humanos.

As rodas de conversa ocorreram em Arapiraca, em novembro de 2016, com nove

participantes, e em Murici, em dezembro de 2016, com dez participantes. O convite e seleção

destes ficou a cargo dos representantes das gestões municipais de saúde, sendo critério de

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escolha os que tivessem concluído a formação. Nos dois momentos apenas compareceram

ACS’s. Com os tutores, ocorreu em maio de 2017, em Maceió, com quatro integrantes, tendo

sido feito convite a todos deste segmento.

Usou-se como critério de escolha dos municípios o fato de serem representativos do

ponto de vista populacional e de quantitativo de trabalhadores formados pelo curso. Foram

também considerados estratégicos por possuírem vários dispositivos da saúde mental em suas

redes locais, nos três níveis de assistência do SUS (atenção básica, média e alta

complexidade), com destaque para a boa cobertura da ESF (quase 100%), diversificando

também da experiência já iniciada junto à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) em Maceió,

em 2015, mencionada adiante.

Arapiraca foi um municipio que abraçou e foi abraçado pelo Caminhos do Cuidado,

tanto pela receptividade, como em termos quantitativos de turmas realizadas (13). Foram 546

alunos cadastrados e 468 alunos formados (86%), nao tendo concluido o curso 78 alunos

(14%). Em comparacao com a capital Maceió, por exemplo, há semelhanca na quantidade de

trabalhadores. Nesta, foram realizadas 14 turmas, 593 alunos cadastrados, 403 concluintes

(68%), no entanto 190 nao concluiram (32%), onde existem apenas 29% de cobertura de ESF.

(DONATO, 2015).

A Matriz Avaliativa do programa AvaliaCaminhos possui 04 (quatro) dimensões sobre

a formação Caminhos do Cuidado: Político, Gerencial, Itinerários Formativos e Cenários do

Cuidado (OBSERVATÓRIO CAMINHOS DO CUIDADO, s/d). Para atender aos objetivos

deste trabalho, procedeu-se com o recorte da dimensao “Cenários do Cuidado”, limitando-se a

esta dimensão. Por sua vez, esta dimensão possui 03 (três) chamados “Critérios de Avaliacao”

correspondentes: 1. Ressonâncias no processo de trabalho; 2. Articulação entre áreas/ políticas

e equipe; e 3. Ressonâncias nos usuários (Anexo 2).

Relacionadas aos três critérios de avaliação existem perguntas disparadoras, presentes

nos roteiros das rodas de conversa, sendo estes os temas discutidos e sobre as quais nos

baseamos para análise dos dados. Procedemos com a transcrição das rodas de conversa,

extraindo elementos de sentidos, que ficaram ressaltados, repetidos, tiveram destaque.

Na ordenacao dos dados entao foram recolhidos dados primários relacionados a

valores, atitudes e opinioes dos sujeitos entrevistados nas três rodas de conversa, consideradas

a observação do contexto, além das escritas e memória da avaliadora sobre o campo e a

experiência. Os documentos oficiais do projeto Caminhos do Cuidado e do AvaliaCaminhos

publicizados nos repositórios virtuais (sítios eletrônicos respectivos), também foram

analisados.

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3. Relato de Experiência

3.1 A experiênicia Caminhos: feito uma aguardente que não sacia4

Coordenadora estadual do projeto Caminhos do Cuidado, duas vezes participante da

formação de tutores de Alagoas, Articuladora local do programa AvaliaCaminhos, com relatos

da experiência em eventos científicos e técnico-políticos. Psicóloga sanitarista, docente e

pesquisadora interessada na relação saúde mental e atenção básica. As paragens e modelos

avaliativos sustentados em teorias pós-críticas disparadas no programa AvaliaCaminhos e na

especializacao que ora é concluída têm sido conectores de lugares diversos onde me encontro e

muitos significativos.

Do lugar de gestora da formação no estado, é possível atestar quão positiva foi a adesão

em Alagoas, elogiada e desejada, pactuada com secretários municipais de saúde e

posteriormente com gestores da área de atenção básica, à exceção de apenas um município,

realizada com a área de saúde mental. Recebíamos recorrentemente a demanda para inclusão

de profissionais de nível superior da ESF, de CAPS e de outros serviços das redes locais, além

de alguns secretários de saúde, fora do público-alvo.

Nessas situações, sugerimos a observância do caráter multiplicador do curso, as

possibilidades de trabalho contínuo junto aos tutores (servidores municipais da atenção básica

e da saúde mental), bem como a construção de alternativas locais para sustentabilidade dos

temas abordados, afirmando a tônica disparadora de processos de educação permanente em

saúde.

A experiência do Caminhos do Cuidado na capital, Maceió, conforme relatado em

Donato (2016), foi muito peculiar, sob alguns aspectos. Na abordagem do conteúdo teórico em

sala de aula, que perpassou três eixos teóricos-práticos: Reforma Psiquiátrica, Integralidade em

Saúde e Redução de Danos (RD), articulamos a participação da equipe do serviço Consultório

na Rua (único no estado). Isto favoreceu o (re)conhecimento desse dispositivo pelos

trabalhadores da atenção básica, a discussão sobre a articulação da rede, considerando o

território comum de trabalho, bem como a valorização de atores-chave com experiência em

RD, inferindo trocas importantes do ponto de vista político-pedagógico.

Além disso, devido à maior complexidade para implantação do curso, considerando

4 Fragmento da música “O que será (À flor da pele)”, do cantor e compositor Chico Buarque.

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adversidades (trocas de gestores, processos de gestão setorializados, greve de servidores), foi

necessária interrupção do cronograma de turmas e um apoio intensivo da equipe estadual.

Assim, criamos a Comissão de Educação Permanente em Saúde – Caminhos do Cuidado na

própria SMS, vinculada à Diretoria de Atenção à Saúde, que se reuniu de junho a novembro de

2014, e construímos, junto com gestores das áreas técnicas, profissionais da gestão,

orientadora pedagógica, tutores e alunas do projeto, ações para organização da formação,

planejamento de apoio institucional/ matricial da saúde mental para a atenção básica.

Também, elaboramos uma avaliação pós-curso, constituída como Instrumento

Diagnóstico do Cuidado em Saúde – Caminhos do Cuidado (com questões abertas e fechadas),

iniciada em agosto de 2015. Tratou-se do único estado que desenvolveu uma proposta de

avaliação da formação até a chegada do Programa de Avaliação Institucional Educativa

AvaliaCaminhos, de âmbito nacional. Vale destacar que vários membros da comissão eram

servidores do município, assim como eu, de modo a ser possível maior trânsito neste espaço,

bem como o duplo papel da equipe vinculada ao Caminhos do Cuidado, ampliando seu escopo

de atuação.

Mobilizamos, portanto, desde a coleta de informações dos alunos, inclusive corpo-a-

corpo para adesão ao curso, até a proposta de inserção das ferramentas do Caminhos do

Cuidado em dois projetos-piloto da SMS à época: 1. Reestruturação da atenção básica, a

começar por um Distrito Sanitário-piloto, constante na sua Matriz de Intervenção (com foco na

EPS e uso de Projeto Terapêutico Singular, Genograma e Ecomapa); e 2. Matriciamento em

Saúde Mental (início em agosto de 2015), em parceria com a Universidade Federal de Alagoas

(UFAL) e a Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal) - Residências e

Graduações, em dois distritos sanitários, disponibilizando o material bibliográfico para

formação das equipes matriciadoras e atores envolvidos.

Assim, a experiência de Maceió não foi encerrada na formação de turmas em dezembro

de 2014, pois criou organicidade nos processos de gestão do cuidado em saúde, estendendo-se

a outros processos formativos e se tornando uma estratégia para trabalho com as temáticas sob

o signo da EPS. Alinhou-se à perspectiva do “quadrilátero da formacao”, envolvendo Ensino,

Gestão, Atenção e Controle Social (por terem participantes convidados do movimento social

de luta antimanicomial inicialmente), conforme Ceccim e Feuerwerker (2004), sublinhando

criatividade e resistência compartilhadas.

Isto porque os resultados em depoimentos orais e escritos e os trabalhos apresentados

pelos alunos no evento de fechamento do projeto em Alagoas no final de 2014, foram muito

valiosos. Afirmavam a potência ativada para desconstruções e reconstruções de conceitos e

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afetos direcionados a temáticas distantes até o momento desse público, evidenciando a

dimensão integral e humanista da saúde nos mais diversos espaços de atenção.

Dessa forma, ao escolher avaliar a produção de sentidos da formação no território

estadual nessa oportunidade, inevitavelmente me perpassa como sujeito também dessa

experiência a aproximação entre o que é dito e o que é praticado, na perspectiva freiriana,

como partícipe, cidadã e educadora. Essas experiências nos autorizaram novas formas de

encontros, de observação e de contato. Humanizar-nos(me) requer abertura continua,

pressupõe o despojamento honesto, acolhida ao estranhamento, suspensão de julgamentos,

depuração da experiência. O "pacote Caminhos" a isso muito nos favoreceu.

Permite-me integralizar e revigorar ciclos vividos, constituindo um mundo do trabalho

produtivo com experiências que me constituem enquanto travessia, perigo, abertura,

exposicao, receptividade, paixao, como indicou Bondía (2002). Como, segundo esse autor, "o

sujeito apaixonado não possui o objeto amado, mas é possuido por ele [...], dominado pelo

outro, cativado pelo alheio, alienado, alucinado". No sentido popular é uma “cachaca”,

tamanha satisfação de acompanhamento contínuo desse processo de implantação,

implementação e avaliação.

3.2 Arapiraca: “terra do fumo”?

Arapiraca se localiza a 160 km de Maceió, na 7a. Regiao de Saude e 2a.

Macrorregional do estado (são duas, sendo a 1a. Macrorregional localizada em Maceió). Esta

se situa no centro do estado e engloba 50 municipios. Possui cobertura de praticamente 100%

de Estratégia Saude da Familia, e é referência em organizacao de rede no estado, atraindo

muitos estudantes residentes para conhecer a gestao municipal, além de ser destaque

internacional com o Programa Arapiraca Garante a Primeira Infancia (AGAPI)5.

Uma estrada permeada pela expectativa de boa conversa com atores de uma rede de

saúde considerada de referência no estado e uma curiosidade sobre a relação do curso com a

5 De acordo com o IdeiaSUS (s/d), o AGAPI, lancado em 2013, conta com acoes intra e intersetoriais

envolvendo diversas secretarias do municipio: Secretarias de Planejamento, Saude, Assistência Social,

Educacao, Cultura, Politicas para as Mulheres e Conselhos dos Direitos da Crianca e do Adolescente e Tutelar,

voltadas para o DPI – Desenvolvimento da Primeira Infancia. As acoes conjuntas estao voltadas para o “bem

estar fisico, mental, afetivo, cognitivo e social da familia e/ou com crianca de até 6 anos, com objetivos de

capacitar os profissionais envolvidos na assistência/cuidado à crianca”, desde a gestacao até os 6 anos, segundo

informacoes do municipio. Vários relatos na roda mencionaram esse programa e como os conteudos aprendidos

do Caminhos do Cuidado foram conduzidos para esse programa, nas mais diversas acoes.

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identidade culturalmente disseminada do local: “terra do fumo”. Convidamos uma ex-tutora

do Caminhos do Cuidado para o momento, que destacou o quão evoluiu a aprendizagem dos

alunos sobre as temáticas trabalhadas.

Com a fala fluindo solta, foram rememoradas atividades do curso e ações no campo

interessantes desde 2014, permeando todas as dimensões da Matriz Avaliativa. Ao final,

chamou-nos atenção o relato de um ACS, de que havia um compromisso ético-politico que

perpassava o Caminhos do Cuidado, necessário na atualidade, contrário à lógica manicomial,

inclusive em sua forma moderna de clínicas privadas sem estrutura de saúde, no que toca a

relacao publico-privado e precarizacao do SUS. Ele interrogou inclusive se não seria

pertinente a criacao de um “projeto de lei municipal” para regulamentar a implantacao de

serviços especializados em saúde mental, afirmando a necessidade do controle social

participar das discussões.

Adversidades do contexto local, como rotatividade de profissionais, desmotivação por

salários atrasados, seleção de prioridades de trabalho, conforme rotina dos manuais e

protocolos, foram enxergadas como dificuldades para a sustentabilidade das ações, conteúdos

e instrumentos propostos. Ao mesmo tempo, a partir das críticas e auto-críticas, revelou-se o

potencial da equipe e possibilidades de aplicação dos conteúdos em outros fazeres ou

programas, bem como a insurgência do controle social.

Como seria lidar com o cuidado integral, saude mental e reducao de danos, em um

território com a qualidade de “terra do fumo” pelo plantio disseminado que lhe trouxe

desenvolvimento econômico no século passado? Qual o impacto nos hábitos familiares, ações

sobre tabagismo, padrao de morbi-mortalidade, representacao das drogas nessa sociedade?

Ante a pergunta, ao estilo “casca de banana”, estranhamento. Em meio a um silêncio

prolongado, apenas um participante respondeu que isso fez parte do passado e que as novas

geracoes nao têm se identificado com essa cultura na cidade.

De fato, a agricultura já não está mais focada no cultivo de fumo. Segundo Soares

(2014), a cultura do fumo foi introduzida em Arapiraca no século XIX, em torno de 1890, e

de 1920 a 1970 o fumo atingiu seu auge, trazendo um retorno positivo para os plantadores no

Nordeste. No entanto, a produção de fumo no município entrou em decadência a partir da

década de 1980 com fôlego até 1998, em decorrência da mudança na dinâmica da economia

brasileira, mas a fama de cidade fumageira se mantém.

A região fumageira, composta pelos municípios de Arapiraca, Craíbas, Girau do

Ponciano, Lagoa da Canoa, Feira Grande, Coité do Noia, Limoeiro de Anadia, Taquarana,

Junqueiro e São Sebastião, no seu auge chegou a ter 40 mil hectares de área plantada. “O

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fumo arapiraquense, neste período, era exportado para Europa, Ásia e Estados Unidos. Hoje,

quase 20 anos depois, há somente cerca de 10 mil hectares de fumo”, ou seja, cerca de 25%

do que já se cultivou (SOARES, 2014).

Ao tratamos sobre promocao à saude, percepcao de aumento de casos e diversificação

de drogas, suicidio, intersetorialidade: desenvoltura pelos participantes. E como nos

debruçamos na cultura? Benjamin (2012, p.124) questiona: “Qual o valor de todo patrimônio

cultural, se a experiência nao mais o vincula a nós?”. Os “logos”/ sentidos dos caminhos

percorridos apareceram. Tempo, espaço, experiências singulares.

3.3 Murici: sobre bêbados e equilibristas6, uma chuva de casos

O municipio fica a 60 km da capital, na 3a Regiao de Saude de Alagoas e 1a

Macrorregional de Saude, e possui pelo menos 28.335 habitantes. Conforme o Observatório

Caminhos do Cuidado (BRASIL, 2017b), foram cadastrados 71 alunos na formacao, sendo

que 69 alunos concluíram (97,1%) e os 02 alunos nao concluintes representam 2,8%. Para a

roda de conversa nesse município, contamos com o apoio de um ex-tutor do Caminhos do

Cuidado, vinculado ao município.

A roda de conversa foi rica em expressões, palavras e emoções. Muitos foram os

casos trazidos para a roda sobre os quais deixamos fluir a reflexao e critica no tocante ao

cuidado produzido à luz do impacto do Caminhos do Cuidado. Nesta roda, inclusive, pelas

ilustracoes que foram desvelando as falas, ao final percebemos que para além de um momento

avaliativo, movimentamos de maneira marcante uma ação de educação permanente.

Claramente, podemos configurar como uma “encomenda” a disponibilidade de um

espaco de encontro para compartilhamento de experiências sobre o cuidado produzido no

território, bem como a efetivação do dispositivo de apoio matricial para os casos que

envolvem a saude mental diretamente. Observou-se que o CAPS e o Núcleo de Apoio à Saúde

da Família (NASF) precisam operar a articulação para matriciamento efetivamente. Nem

todas as equipes ali representadas se sentem à vontade para assumir a ética de reducao de

danos ou autônoma para transpor os protocolos de rotina do servico em meio a acoes,

programas e politicas especificas consideradas prioritárias.

6 Fragmento da musica “O bêbado e a equilibrista”, composta por Joao Bosco e Aldir Blanc, em 1978,

conhecida na voz da cantora Elis Regina.

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Compreendemos a angustia gerada pela necessidade de rupturas em nossos saberes-

fazeres cotidianos, tao permeados por planejamentos, planos, atribuicoes formais, verbos

engessados, burocratizacao das relacoes e de nosso tempo, institucionalidades diversas. Em

contrapartida, vários depoimentos imprimiram uma maturidade admirável no que tange a

dimensao do encontro, a transdisciplinaridade, o trabalho vivo na saude.

Uma liberdade autorizada para lidar com as diferencas e o tempo de cada sujeito na

relacao com as drogas e escolhas dos caminhos da vida; a afirmacao de igualdade, eqüidade e

inclusao social, que perpassa acionar os bracos do estado, do servico publico, e afirmar a

condicao de direitos quando necessário; a ética de reducao de danos operada em ato.

Mais uma vez, a forca da roda nos convidou ao estranhamento e à empatia a todo o

momento. De situacoes relatadas de “gente pobre arrancando a vida com a mao”7, ao vinculo

construido numa relacao estabelecida pela alteridade e compromisso ético no papel de

cuidador, o que se ouviu foram pessoas em franco processo de fuga do modus operandis da

prescricao no trabalho, da normatividade, da negacao diante das adversidades da realidade.

Ao proceder com a transcricao da roda pude novamente me emocionar e reconhecer

que a educacao na saude nos requer uma atitude vigilante. O caminho aponta para criacao de

condicoes e instauração de espacos para discutir possibilidades, abertura, o olhar da altura do

outro, bem como orientado pelo prazer na travessia de pesquisa/avaliacao feita com liberdade.

Exercitamos a liberdade para estar com aqueles outros.

A Matriz Avaliativa foi balizadora do planejamento da atividade. Mas, muito mais foi

vivido o exercício da deriva, a autorização do navegar, forjando-me naquela experiência como

pesquisadora. Os corpos indicavam precisar falar de suas vivências, referir seus medos,

limites, acolhimento às lágrimas, mas também reconhecimento de muitos avancos,

superacoes, inventividades no território. Aquiescemos, escutamos, intervimos.

A compreensao do exercicio de cidadania defendido em liberdade precisa ser efetivada

nos mais diversos espacos, incorporando as novas tecnologias que defendemos. Se

aprendemos enquanto intervimos, ensinamos e revolvemos o terreno, na posicao de

pesquisadora me senti direcionando a bussola para o outro, aqueles outros, para seus

objetivos, suas demandas.

Vários casos de alcoolismo foram relatados, tentativas de suicídio e transtornos

mentais comuns recorrentes. Ao final, a sensação foi de que cada pepita encontrada

7 Fragmento da musica “Gente”, composta pelo cantor Caetano Veloso.

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possibilitou um encontro valioso. Uma mina de ouro produzida por atores-equilibristas numa

rede alinhavada entre limites e tensões, mas com o olhar direcionado para sujeitos concretos.

3.4 Cenários do Cuidado: histórias se repetem com forças singulares

3.4.1 Ressonâncias no processo de trabalho

Os participantes desse processo são atores/atrizes do campo das possibilidades, em

notório esforço para atuação na clínica “peripatética”, para Lancetti (2014). Essa clínica de

movimentos diversos mobiliza forças afetivas que operacionalizam o ato do cuidado numa

relação de forças ou poder disponíveis em um território e numa organização sanitária. Os ACS

“levam acoes e paixoes coletivas, solidárias, e tecem fio a fio redes microssociais de alto poder

terapêutico”; “sao o dedo do Estado, mas de um Estado constituinte por producao biopolitica”

(idem, p. 94-95).

Confirmamos ressonâncias no processo de trabalho como reposicionamento de diversos

alunos frente à questão das drogas, agenciamentos de redes – formal e informal, e uso de

diversas tecnologias do cuidado (acolhimento, escuta qualificada, vínculo), de maneira

significativa. A valorização da educação dialógica e problematizadora, baseada na participação

dos cidadãos e no desenvolvimento da autonomia compunha o rol de princípios e ações da

promoção da saúde e pôde ser resgatada nas conversas.

Assim, o Caminhos do Cuidado disparou reflexões sobre os desafios da atuação

profissional que rompe com o modo tradicional de clínica, objetificada, protocolar. De partida,

por exemplo, um ACS de Arapiraca disse que o curso provocou reflexões sobre o real papel na

comunidade, dentro de outra lógica que não comporta preconceito e moralismo. Chamou de

“atitude corajosa”, tendo como destinatárias pessoas que necessitem de atenção, como usuários

de drogas, idosos, pessoas em situação de abandono, etc.

Foi lembrado que na experiência de formacao, o lancamento a novos “settings”

(espaços de abordagem terapêutica e nesse caso de cuidado em saúde) como um bar, teve

impacto profundo para uma ACS, porque ao invés destas pessoas serem convidadas à unidade,

foi a equipe quem se dirigiu até onde estavam, e realizaram o que chamaram de “palestra”.

Então, para se acionar coragem, nada a fazer senão esquecer o medo.8 Sublinhamos essa

palavra, que circulou várias vezes nas três rodas. Temor em se deparar com o inusitado, o

8 Fragmento da musica “Caçador de mim”, de 1981, do cantor Milton Nascimento.

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improviso, como questões do viver em alteridade: um desafio.

Constituímos um primeiro sentido destacado: superação de medo, preconceitos e

estigmas. A desconstrução, ou atenuação, de preconceitos e estigmas sobre a questão das

drogas e desmistificação da loucura, colocando em suspensão posturas censoras e julgamentos,

favoreceu a visibilidade de novos sujeitos nos territórios e práticas de saúde, bem como a

atualização do compromisso ético no processo saúde-doença-cuidado no SUS.

A mudanca de perspectiva do medo para a atitude corajosa se deu pelo “olhar

diferenciado” empregado após o curso, como mencionou uma ACS de Arapiraca. A

aproximação foi possível pela identificação dos sentimentos que bloqueavam o se lançar em

travessia na alteridade do outro, acessando a razão pela qual desenvolvem seu papel: estar com

as famílias, com quem convivem na realidade cotidiana. No exercício de empatia, a

humanizacao. “Sao pessoas iguais à gente, que nao tiveram oportunidade que nós tivemos”, foi

dito por outra ACS.

Claramente, chegam à memória fragmentos emocionados, mobilizados por afetações

no campo. Incertezas dos objetivos serem alcançados, resignação por não ter governabilidade

de resolver demandas complexas como a condição sócio-econômica e auto-estima baixa de

usuários em depressão, tristeza pelo sentimento de impotência quando a pobreza se mostrava

covarde, mas também alegrias com a resolutividade de acolhimentos, orientações com base na

redução de danos, a compreensão da multicausalidade dos problemas enfrentados pelas

pessoas.

Uma indagação animada poderia traduzir o impacto do curso na vida dos trabalhadores:

“Esse curso me abriu a mente! Eu disse: “oxente!”, ressoando a quebra de uma pedra chamada

preconceito. Dessa ACS de Murici registrei, portanto, um fragmento sensível que segue como

inspiração do título deste trabalho, com o sotaque da língua regional e singularidade de sua

força. Alguns tutores engrossaram o coro dos movimentos de superação de seus próprios

preconceitos, mesmo tendo alguma afinidade com pessoas em sofrimento mental, mas não em

condição de dependência química, exceto nos casos relativos a abuso de cafeína, açúcar, outros

alimentos, medicamentos controlados, que passaram a ampliar a percepção sobre a questão.

As drogas, em conceito, puderam ser ressignificadas, tanto no que concerne aos tipos e

padrões de consumo (uso, abuso, dependência), como nas lentes de enxergar a multiplicidade

de motivações para este consumo. Droga, considerada pela OMS como qualquer substância

não produzida pelo organismo que tem propriedade de atuar sobre um ou mais de seus

sistemas, causando alterações em seu funcionamento (BRASIL, 2013). Do ponto de vista

jurídico estão classificadas em lícitas e ilíticas, de modo que influencia o pensamento coletivo

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de diferentes sociedades, tendo em vista adentrar no campo da moral.

Servindo para socialização, prazer, alívio da dor, religiões, ou outras motivações, a

alteração dos sentidos historicamente faz parte da existência humana. Em vários depoimentos,

de maneira implícita, ficou ressaltado entre alunos e tutores o peso correntemente colocado na

substância e menos na compreensão do problema como expressão da relação estabelecida com

a substância. O olhar sobre a cultura deve ser massa de modelar o trabalho, é consistência e

direção. Buscas ativas em regiões de difusão de drogas, bares, trabalho em escolas sobre o

tema, são produto de formas diferentes de evidenciar a aprendizagem, naturalizando modos de

se relacionar com a questão.

Como cita Bondía (2002), a experiência, portanto, “é o que nos passa, o que nos

acontece, o que nos toca. Nao o que se passa, nao o que acontece, ou o que toca".

Experimentar a formação Caminhos do Cuidado, de diversas posições (aluno, tutor, equipe

estadual, etc), implicou mesmo na realização de uma "travessia", tantos são os sentidos

singulares produzidos.

Santos e Ferla (2017), afirmam que o Caminhos do Cuidado potencializou a reflexão

sobre o cuidado a usuários de álcool e outras drogas e se configurou como um importante

passo para a oferta de cuidado na atenção básica, ainda que não tenha sido suficiente para

mudar a cultura dos serviços. Esses usuários passaram a ser vistos como desejantes, em suas

singularidades e histórias de vida. Ao olharmos para a “colheita” de dados realizada em

Alagoas, corroboramos.

De sentimentos mencionados de “nao saber como agir” diante desses casos ao

reconhecimento de que a valise com a “caixa de ferramentas”, conforme Merhy e Fuerwerker

(2009), necessárias para realização da integralidade do cuidado estava facilmente acessível, da

ordem das relações, foram perceptíveis mudanças no cuidado. Estas presentificadas em termos

como uso de “jogo de cintura”, “saber o momento de chegar junto”, “respeito ao momento do

outro”. Respeito às escolhas dos sujeitos e suas histórias de vida, análise do melhor momento

para abordagem, disponibilidade para conversa, escuta, vários foram os dispositivos acionados

desde então.

A metodologia da formacao tratava da potencializacao da acao. O oposto da educacao

bancária, que Paulo Freire denunciou, em que há um depósito de conteudos nos alunos na

lógica de “transmissao de conhecimentos”. Uma perspectiva crítica-reflexiva, teórico-prática,

que facilitou substancialmente a compreensão do tema à luz da humanização em saúde. Muitas

mudanças de posturas antes moralistas, distanciadas, omissas, foram atribuídas à formação.

Dessa forma, verificamos outro importante sentido, que nos chega como uma

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reinvenção das práticas de cuidado, de suma importância por provocar um reposicionamento

dos alunos frente à questão das drogas e do cuidado em saúde. Ou seja, traduz novos fazeres

fundados no alargamento da clínica pela flexibilidade de postura adotada para compreensão

das queixas e possíveis soluções, expansão das práticas e superação da concepção de saúde

como “ausência de doença” e “bem-estar” (ainda que o termo tenha aparecido por vezes).

Pareceu mais sintonizado com o conceito ampliado de saúde, como “direito”, com valor social,

de acordo com Batistella (2007).

Inquietações transbordaram com o “envoltório” social para compreensao do processo

saúde-doença-cuidado, como trazido por uma ACS: “se o pai e a mae nao têm renda, será que

é só por culpa deles mesmo?”, “e as oportunidades que ele teve na vida?”, “será que é a culpa é

deles?”, “sao n fatores”, depois de toda estrutura oferecida “pra onde ele volta?”. Apareceram

também na fala de um ACS de Arapiraca sobre a necessidade de uma “visão não mais curativa

e, sim, também, de cuidado”, com apoio à pessoa em sofrimento, bem como a familiares.

A aproximação de temáticas como redução de danos, principalmente, e reforma

psiquiátrica, foi um ganho importante promovido pelo projeto, segundo Santos e Ferla (2017),

que avaliaram as percepções de tutores. Também, para os demais segmentos envolvidos,

conforme relatórios das coordenações estaduais, constantes no Observatário Caminhos do

Cuidado (BRASIL, 2016). Sendo assim, essas perspectivas emancipatórias em encontro com a

atenção básica ganharam complexidade na práxis, compondo um espaço ético-político em que

se afirmou a produção vida, tanto em redes formais (institucionais), quanto informais.

Chamou-nos atenção, por exemplo, quando um ACS de Arapiraca indagou acerca da

ausência de equipamentos comunitários, sociais, esportivos e de lazer em sua comunidade,

para ele associado à ociosidade das pessoas, justamente num tempo globalizado em variedade-

informação. Na coreografia executada localmente, os diversos modos de existência se

encontram, se movimentam, se constituem enquanto micropolítica, fundando determinada

cultura: um universo com amplas possibilidades, existências e ausências.

Para Santos (2010), o território é chão, mais população, fato e sentimento de

pertencimento, trabalho e residência, trocas materiais e espirituais. No entanto, sofre da

contradição de que, ao mesmo tempo em que acolhe os vetores da globalização, impondo

novas ordens, também nele se produz uma contraordem, já que há uma produção de pobres,

excluídos e marginalizados.

Ora, foram especialmente esses sujeitos os destinatários do projeto Caminhos do

Cuidado, nossa motivação para abraçá-lo e sustentá-lo. Historicamente enquadrados na classe

dos degenerados e perigosos, em meio à normose da sociedade, os loucos, dependentes

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químicos, a população em situação de rua, ganharam visibilidade e maior atenção dos

cuidadores de referência de onde vivem – territorializados ou desterritorializados. Um

exercício de compreensão e uso de perguntas com “como”, que motivacoes, quem é esse outro,

qual seu projeto de felicidade e o que é possível de oferta.

Nos cenários estudados, a clínica cartográfica ou “artesanal”, chamada também por

Lancetti (2014), apareceu em sua potência regenerativa. Foi problematizado o higienismo

social. “Fazer ao outro o que o outro gostaria que fosse feito a ele”, num pacto de cuidado

genuíno, de alteridade, no trabalho da redução de danos, apareceu como fazendo mais sentido

do que a ética cristã disseminada de “fazer ao outro o que gostaria de que fosse feito a si

mesmo”. Registramos, por exemplo, a evidência de “boas conversas” serem condutoras de

práticas de redução de danos nos territórios: “vá diminuindo a quantidade, que você fuma

cinco vezes, diminua mais!”, “muda esse papel”.

Chamaram atencao duas ACS’s que atestaram como a aproximação com a família é

imprescindível, faz parte do acolhimento, mas demanda entrar em contato com sentimentos

desconfortáveis, por vezes. Em “a gente se sente muito pequeno” ou a nao conformidade de

que “a morte é a saida, que a cadeia é saida, nao é!”, é a potência de vida que fala mais alto. A

pulsação em alto e bom som de que vale a pena investir em saúde, em qualificação, no aporte

organizativo de uma rede intersetorial de atenção que de fato se interessa em cuidar. Há saídas.

Foram articulados encontros, pessoas, processos de trabalho, contribuicoes para

aquecer redes. Pura acao. Tecnologias da interação, centradas no trabalho vivo, pilares do

cuidado integral e transdisciplinar, em uso de “tecnologias leves”. Foram estas observadas nos

depoimentos, provocadas junto a outros membros da equipe da ESF, demandas para

dispositivos da rede e equipamentos comunitários, (re)conhecidos especialmente após a

formação.

Além disso, como já mencionado, as evoluções auto-afirmadas sobre as práticas no

território, geraram também o desejo de que os colegas de nível superior também vivenciassem

o curso e pudessem apoiar e investir em novos olhares para o cuidado compartilhado. Isto foi

ressaltado repetidamente, por alunos e tutores, além de gestores ao longo da implantação do

projeto, bem como lamentado pela não sustentabilidade das ações, tendo sido tímidas as

iniciativas de espaços duradouros de EPS, de maneira geral. “Quais foram os entraves que a

gente teve?”, “por que a gente nao conseguiu exercer um pouco além do que a gente

desejava?”, foi conseguido ver “um leque de opcoes” sobre que tipo de ofertas as prefeituras

têm para oferecer, “que acolhida têm?”, disseram ACS’s.

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3.4.2 Articulação entre áreas/ políticas e equipes

Do ponto de vista conceitual, a saúde como campo de conhecimento se inscreve na

ordem da interdisciplinaridade, e como prática social, na ordem da intersetorialidade (SOUZA,

2007). Essa perspectiva a legitima para dialogar e interconectar-se com as demais disciplinas,

já que se pode entender a promoção da saúde como expressão de qualidade de vida, consoante

com o paradigma da produção social da saúde.

Chamou-nos atenção a potência de articulações existentes, o entrelaçamento entre

saúde e cidadania, o acolhimento e escuta operados nesse processo: vários casos contados de

articulação após o curso com o NASF, Centro de Referência de Assistência Social (CRAS),

Centro de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS), Bolsa Família, CAPSad,

com oportunidade de apoio à reinserção na família de um jovem que tentava suicídio e até de

“salvar a familia”, porque existiu “uma acao em prol da vida dele, como da familia”, como

colocou uma ACS.

Alguns trabalhadores informaram ter operado discussões de casos em reuniões de

equipe, inserindo a EPS no contexto das unidades de saúde da família. Também, mencionou-se

entre os tutores o uso de oficinas e rodas de conversa com as temáticas abordadas junto à

comunidade, dos seus lugares de serviços em ESF, NASF e no centro ambulatorial de cuidados

a pessoas portadoras de hepatites virais/ doenças sexualmente transmissíveis/ HIV/ AIDS

(Síndrome da Imunodeficiência Adquirida). Compreendeu-se como valorosa a qualificação do

trabalho em saúde e abertura de discussão junto a escolas públicas, inclusive de articulação de

ações com o Programa Saúde na Escola/ MS, por exemplo.

Em antagonismo a práticas sintonizadas com a ciência moderna cartesiana: o

paradigma da complexidade, que liga, complementa, soma, supera a fragmentação e se

enriquece com as diferenças. No caminho contrário à logica comum de encaminhamento em

que há uma desresponsabilização do profissional que demandou o caso para outro profissional

sem troca de informações e afinamento, reconheceu-se a necessidade de todos “sustentarem”

essa rede, operando a co-responsabilização, metaforicamente como no exercício de criação de

uma teia comunicativa e integrada realizada no primeiro encontro do curso, de forma brilhante.

Assim, em meio a divergências sobre a “institucionalidade” dos conteudos trabalhados

para o cuidado em saúde, o argumento de que foram/ são transversais às ações de saúde, ao

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invés de servirem apenas a uma área programática ou política específica, (re)vigora na roda,

sendo lembrada a atividade da teia do primeiro encontro do curso. Viu-se que “a lógica do

Caminhos do Cuidado” nao seria da saude apenas: “é a lógica dentro de mim”, de “tentar

estabelecer contato com o outro, usar a lógica do outro também”, disse uma ACS.

Há que se ressaltar, no entanto, os desafios apresentados para o aquecimento das redes

locais, desde a organização da gestão do trabalho que começa internamente nos serviços até a

conversa para operar a referência e contra-referência. Algumas equipes disseram desenvolver o

espaço de compartilhamento de casos e discussões de trabalho independentemente de irem

apenas os ACS’s, outros mencionaram dificuldades da estrutura física, sem sala apropriada, ou

disponibilidades. Sabiamente, uma ACS resumiu: “Não é eu-quipe, é equipe!”.

3.4.3 Ressonâncias no usuário

Desde a Declaração de Alma-Ata, em 1978, muitos governos do mundo vêm tecendo a

cobertura de serviços de saúde e institucionalizando a noção de local e território, apoiando

iniciativas de participação social e desencadeando e fortalecendo a estratégia de atenção

primária na saúde, especialmente após a Carta de Ottawa, em 1986, trazendo uma “Nova

Promoção da Saude”.

Localizamos aqui um espaço de trabalho que traz em essência a civilidade como lógica

de solidariedade, se fazemos encontrar essa perspectiva da formação com o pensamento de

Milton Santos. A despeito de um estado policial em contradição a um estado social, em que

soberania induz à disciplina dos corpos, em termos foucaultianos, com respercussões para o

controle dos comportamentos e manutenção da ordem moral vigente, “a despeito de sermos o

que somos, podemos desejar também ser outra coisa” (Santos, 2010, p.114).

No Brasil, racismo, machismo e outros formatos de violência relacionados à questão de

gênero e sexualidades, ódio de classe e proibicionismo no tocante às drogas teimam em

contribuir para desfechos comuns de “morte e cadeia”, como referiu um ACS. É só

observarmos os índices altíssimos de mortalidade relacionados, que fazem o país despontar em

relação ao mundo. Portanto, são muitos os enfrentamentos para validação de caminhos que

afirmem a liberdade dos corpos e responsabilidades pessoais, em que o Estado não se

sobreponha em autoridade, mas em prevenção e proteção à saúde.

A ética usuário-centrada a partir da formação, que identificamos como mais um forte

sentido, possibilitou o aumento no registro dos dados e condições de oferta de acesso a demais

ações da ESF. Foi dito que o curso “veio pra gente e a gente pôde chegar até as pessoas”, de

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modo a facilitar o acesso aos serviços de saúde e registros dos dados, passando a unidade de

saúde a ver aquelas pessoas de maneira diferente.

Entre autonomia e controle, um campo permeado de disputas e tensões, o encontro

trabalhador-usuário está para o reposicionamento no campo das ações de saúde e não nos

núcleos profissionais, conforme Merhy e Feuerwerker (2009). O reconhecimento do usuário

como gestor legítimo da sua própria vida deve contar com o saber do trabalhador a serviço do

melhor arranjo para condução de sua vida.

Assim, validar o acolhimento, vínculo, corresponsabilização e autonomia como

práticas da produção em saúde, inclusive como manejo de situações de crise na atenção

básica, ao tempo que é um desafio pela complexidade das situações, também é a clínica

desejada. Alguns relatos emocionados atestaram essa ética como objetivo: “eu procurei a

assistência do Bolsa Família, a gente indo junto tá mais forte”, “eles confiam tanto na gente”,

“tem sido uma experiência unica na minha vida”, “eu nunca tinha vivido isso”, “o curso me

ajudou muito”.

Os instrumentos utilizados na formação como o Ecomapa, Genograma e PTS (projeto

terapêutico singular), foram considerados novidades e úteis, porém não chegaram a ser

aplicados continuamente. No entanto, foi reforçado o impacto do curso do ponto de vista

relacional, quanto às relações vinculares, à transformação em espaços de saúde os mais

diversos lugares, ganhos ainda duradouros: “conseguimos aperfeicoar o ouvir”, “conseguimos

trazer mais homens, o que é mais dificil, principalmente o que tem contato com a droga”,

“falei bastante com ele, questao de umas quatro horas de relógio mesmo”, e por aí

caminhamos. Finalizamos com a satisfação de uma ACS de ouvir de um usuário: “você

chegou no momento certo, na hora certa!”.

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4. Considerações Finais

Um exercicio de reconhecimento de nossos “logos” tratou o AvaliaCaminhos. Se

“logos” em grego significa “sentido” e nao “estudo”, por que correntemente nao aprendemos a

identificar esta compreensao nos diversos espacos de formacao, já que sao as “logias” que

nomeiam nossas ciências? Sob que ética fomos educados e educamos? Faz-se necessário

avançarmos para "compreensao” da realidade, ao invés de estudo desta, simplesmente. Afirma-

se assim, uma dependência da singularidade de cada sujeito, não massificada ou

homogeneizada pelas “grades”, normas, estruturas, utilitarismos, a que estamos submetidos

nas “disciplinas” de aprendizagem.

Avaliações pós-curso coletadas em 2014 no instrumento no âmbito da gestão de saúde

de Maceió apontam para produção de novos sentidos, do agir mais comunicativo, de

enfrentamento de resistências individuais e da própria equipe contra estereótipos e medos

relacionados à loucura, drogas, pessoas em situação de rua, culturalmente vistos com lentes

fantasiosas e moralistas, como escrevemos em Donato (2016). Atualizamos o olhar a partir

desse processo de avaliação no AvaliaCaminhos, ampliado para o estado de Alagoas,

observando a continuidade de elogios e impacto positivo da formação.

Naquele momento, reflexões provocadas sobre modos de acolher, de agir, de enfrentar

as dificuldades da vida, de reforçar o lugar da doença ou da saúde, com tecnologias relacionais

existentes e os instrumentos apresentados, foram novidades para o público atingido, assim

como a solicitação de apoio matricial para dar continuidade com mais segurança ao processo

disparado. Foi buscada a ampliação do escopo territorial de cuidado e aprofundamento do

olhar sobre a experiência vivida para os sujeitos, com correspondência do processo pelos

mesmos, tal como apontado dois anos depois e por atores de outros municípios.

Amorosidade voltada para mudar as coisas, como sinaliza o poeta na entrada deste

trabalho, campo aberto para o Ser, o Existir. Ainda que a produção de documentos, resolucoes,

normatizacoes e apontamentos bem fundamentados pelo MS legitimem o fazer consoante com

os preceitos da Reforma Psiquiátrica em todos os cantos do Brasil, oferecendo-lhes aparatos

“universais” para balizamentos de acoes municipais, pouco se efetivam se os afetos não forem

trabalhados e discutidas as realidades locais de maneira próxima. A formação Caminhos do

Cuidado trouxe essa comprovação.

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Descolonizar o pensamento da nossa sociedade brasileira, apropriarmo-nos da nossa

identidade tão diversa, pensar uma outra globalização para reinterpretar o que fazemos da

história de nossa sociedade contemporânea, é um desafio da educação brasileira. Aliadas ao

reconhecimento da cultura, iniciativas que potencializam a integração de pessoas, articulam e

aquecem redes, conectam saberes e fazeres, e discutem o sentido da produção do trabalho no

ato/ em situação, possibilitam como no caso desta formação uma práxis dialógica, habilitando

ético-politicamente os sujeitos a trabalharem de forma mais engajada.

No processo genuíno de aprendizagem, todos ensinam, todos aprendem. Com o curso

do Caminhos do Cuidado as palavras de alunos e tutores puderam se corporificar,

engessamentos se dissolver, lugares formais ceder à clinica em “espacos desprotegidos”,

posições de poder serem embaralhadas, conferindo abertura à centralidade no sujeito e família

de cuidado. Nesse sentido, é gratificante, também do lugar de gestora estadual desse processo,

comprovar que o investimento na qualificação dos trabalhadores voltada para saúde mental na

atenção básica chegou até os usuários, rejuvenesceu processos de trabalho, desbloqueou

caminhos interrompidos para a integralidade em saúde.

Como os modos de produzir saúde estão atrelados aos modos de gerir os processos de

trabalho, é imprescindível que o impacto positivo do projeto seja reconhecido pelos gestores

de saúde para sua consolidação. A valorização de trabalhadores de nível médio foi propulsor

do elo entre instituições e comunidade, de enfrentamentos a desafios complexos, com

instrumentalização para o acolhimento a pessoas com questões voltadas para o uso, abuso e

dependência de drogas, tentativas de suicídio, psicoses e neuroses graves, no território onde

vivem, que passaram a ter maior visibilidade e compreensão de causas multifatoriais.

Do “tirar o foco do medicamento e botar na conversa”, “eu tenho sofrido junto com a

família, mas não tenho deixado a familia só”, a transformação de relações e práticas, alterando

modos de trabalhar em saúde, chama-nos atenção para a qualidade do trabalho demonstrada

nos exemplos trazidos versus a lógica produtivista, capitalista, com supervalorização do

emprego do tempo de trabalho em atividades protocolares, simplistas, desconectadas das

necessidades da população e dos casos existentes no território: a “laranja mecanica” anunciada

em Belchior. Resistências no trabalho vivo!

A necessidade de apoio matricial com discussão de casos continuamente junto com os

dispositivos das redes locais, chama atenção também para a saúde dos trabalhadores, por vezes

imersos em sentimentos de frustração, tristeza, resistência à continuidade de abordagens por

dificuldades concretas e materiais enfrentadas no manejo do cuidado. Ainda, a falta de

condições de trabalho e suporte da equipe, rede, gestão, à ausência de políticas públicas e

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ações afirmativas em defesa da vida, de maneira mais acessível.

A criação de espaços de educação permanente em saúde solicitados pelos sujeitos,

sublinhou o reconhecimento das potencialidades do projeto para seguimento dos avanços na

área, sendo estes indicativos para atenção dos gestores de saúde. Possibilidades de

acompanhamento das capacitações realizadas no SUS e fomento em lugares que figurem como

lócus de convergência da pluralidade de saberes diversos e técnicos investidos na força de

trabalho em saúde, dão sentido à práxis humanizada, tendo em vista que mudanças profundas

na formação em saúde requerem ações complexas.

Pelo exposto, respondendo aos objetivos deste trabalho, podemos considerar que sobre

a dimensão Cenários de Cuidado no estado, em se tratando dos mais diversos espaços –

urbanos e rurais, aconteceram mudanças significativas com ressonâncias no processo de

trabalho e no usuário, articulações em rede, políticas e equipes. Apontamentos

complementares serão válidos, considerando as outras três dimensões da Matriz Avaliativa do

programa AvaliaCaminhos (Político, Gerencial e Itinerários Formativos), cabendo Alagoas

falar a sua própria língua sobre o experimentado, a que recomendamos uma continuidade.

Assim, seguem desafios a velhos problemas no setor, agora, no entanto, com reforços

significativos ao cuidado em saúde e novas possibilidades de enfrentamento pela via da

educação na saúde. As inferências positivas após as conversas realizadas, significaram respiro,

dialogicidade, reflexão crítica, um movimento afirmativo vivo da educação reconhecida com

caráter político e libertador. “Nao à toa o projeto tem a palavra caminhos no plural”, apontou

um ACS, já que são várias as saídas para cada situação. Uma abertura ao risco e à aventura do

espírito, como indicou Freire (2007a). O Caminhos do Cuidado foi isso: uma amálgama para

fortalecimento da Reforma Psiquiátrica, da Redução de Danos e do SUS.

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6. Anexos

6.1 Anexo 1 – Matriz Avaliativa do AvaliaCaminhos

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6.2 Cenários de Cuidado

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