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Sem Opção Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Poder - Seção: - Assunto: Política - Página: Capa e A8 - Publicação: 15/05/20 URL Original: Em reunião, Bolsonaro reclamou da PF, citou a família e disse: 'Vou interferir' Em reunião, Bolsonaro reclamou da PF, citou a família e disse: 'Vou interferir' 'Não vou esperar f. minha família toda de sacanagem', disse presidente, segundo AGU O presidente Jair Bolsonaro falou na reunião ministerial de 22 de abril em "interferir" na Polícia Federal, segundo transcrição feita pela Advocacia-Geral da União, e disse que não iria esperar "f." alguém de sua família ou amigo dele para poder tomar providências. Além de ter mencionado a PF na reunião, ao contrário do que declarou nos últimos dias, Bolsonaro classificou como uma “vergonha” não ter acesso a informações de órgãos de inteligência e avisou: “Por isso, vou interferir. Ponto final”. "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", disse. Dois depois dessa reunião, Bolsonaro, de fato, exonerou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo , o que resultou na saída do ex- ministro Sergio Moro do governo. A primeira medida do novo comando da corporação foi substituir o superintendente do Rio de Janeiro. A transcrição foi entregue nesta quinta-feira (14) pela AGU ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello, relator do inquérito que apura as acusações feitas por Moro contra Bolsonaro. O órgão do governo apenas destacou trechos da reunião que diz ter relação com as investigações sobre as afirmações do ex-juiz da Lava Jato de que o presidente interferiu na Polícia Federal. A defesa de Moro questionou a ausência de trechos que considera "relevantes" , mas diz que, mesmo assim, a transcrição divulgada pela própria AGU confirma as referências à PF. A Advocacia-Geral da União solicitou que sejam tornadas públicas todas as declarações do presidente durante a reunião, exceto a “breve referência a eventuais e supostos comportamentos de nações amigas”. O argumento da AGU é que Bolsonaro se referia à segurança pessoal dele e de familiares, a cargo do Gabinete de Segurança Institucional, sem relação com a atuação da PF. Segundo a transcrição, o presidente diz que não pode ser “surpreendido com notícias” e se queixa de órgãos vinculados à segurança. “Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não tem informações; a ABIN tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas… aparelhamento etc. A gente não pode viver sem informação”, disse. Após se queixar de não estar recebendo informações da PF e de outros órgãos de segurança, Bolsonaro afirma: "E me desculpe o serviço de informação nosso —todos— é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final.”. Bolsonaro não deixa, claro, segundo a transcrição, ao que se refere quando fala em carência de "aparelhamento" na Abin, mas usa como exemplo do que quer uma metáfora sobre a necessidade, em sua visão, de ouvir "atrás da porta" o que os filhos estão falando. Além do vídeo, os depoimentos colhidos até agora no inquérito que apura as acusações de interferência de Bolsonaro na PF reforçam a narrativa de Moro após pedir demissão . Oito depoimentos prestados confirmaram a versão do ex-ministro de que o presidente, desde agosto do ano passado, queria trocar o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. E sete acrescentaram o desejo dele de mexer no comando da Superintendência do Rio. O inquérito, porém, ainda busca informações de possíveis interesses de Bolsonaro em investigações da PF. Bolsonaro chegou a dizer nas últimas semanas que não tem nenhum parente investigado pela PF. Mas, como mostrou reportagem da Folha, a corporação no Rio tem uma série de apurações e interesses que esbarram nele e em sua família .

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Page 1: Em reunião, Bolsonaro reclamou da PF, citou a família e ... · A prática adotada por Bolsonaro, no entanto, acabou sendo usada contra ele. O ex-juiz da Operação Lava Jato e ex-ministro

SemOpção

Veículo: Folha de S. Paulo - Caderno: Poder - Seção: - Assunto: Política -Página: Capa e A8 - Publicação: 15/05/20URL Original:

Em reunião, Bolsonaro reclamou da PF, citou a famíliae disse: 'Vou interferir'Em reunião, Bolsonaro reclamou da PF, citou a família edisse: 'Vou interferir''Não vou esperar f. minha família toda de sacanagem', disse presidente,segundo AGUO presidente Jair Bolsonaro falou na reunião ministerial de 22 de abril em "interferir" na Polícia Federal, segundo transcriçãofeita pela Advocacia-Geral da União, e disse que não iria esperar "f." alguém de sua família ou amigo dele para poder tomarprovidências.Além de ter mencionado a PF na reunião, ao contrário do que declarou nos últimos dias, Bolsonaro classificou como uma“vergonha” não ter acesso a informações de órgãos de inteligência e avisou: “Por isso, vou interferir. Ponto final”."Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f.minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha quepertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final.Não estamos aqui para brincadeira", disse.Dois depois dessa reunião, Bolsonaro, de fato, exonerou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, o que resultou na saída do ex-ministro Sergio Moro do governo. A primeira medida do novo comando da corporação foi substituir o superintendente do Rio deJaneiro.A transcrição foi entregue nesta quinta-feira (14) pela AGU ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello, relatordo inquérito que apura as acusações feitas por Moro contra Bolsonaro.O órgão do governo apenas destacou trechos da reunião que diz ter relação com as investigações sobre as afirmações do ex-juizda Lava Jato de que o presidente interferiu na Polícia Federal.A defesa de Moro questionou a ausência de trechos que considera "relevantes", mas diz que, mesmo assim, a transcriçãodivulgada pela própria AGU confirma as referências à PF.A Advocacia-Geral da União solicitou que sejam tornadas públicas todas as declarações do presidente durante a reunião, excetoa “breve referência a eventuais e supostos comportamentos de nações amigas”.O argumento da AGU é que Bolsonaro se referia à segurança pessoal dele e de familiares, a cargo do Gabinete de SegurançaInstitucional, sem relação com a atuação da PF.Segundo a transcrição, o presidente diz que não pode ser “surpreendido com notícias” e se queixa de órgãos vinculados àsegurança.“Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não tem informações; a ABINtem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente… temos problemas…aparelhamento etc. A gente não pode viver sem informação”, disse.Após se queixar de não estar recebendo informações da PF e de outros órgãos de segurança, Bolsonaro afirma: "E me desculpeo serviço de informação nosso —todos— é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalharassim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final.”.Bolsonaro não deixa, claro, segundo a transcrição, ao que se refere quando fala em carência de "aparelhamento" na Abin, masusa como exemplo do que quer uma metáfora sobre a necessidade, em sua visão, de ouvir "atrás da porta" o que os filhos estãofalando.Além do vídeo, os depoimentos colhidos até agora no inquérito que apura as acusações de interferência de Bolsonaro na PFreforçam a narrativa de Moro após pedir demissão.Oito depoimentos prestados confirmaram a versão do ex-ministro de que o presidente, desde agosto do ano passado, queriatrocar o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. E sete acrescentaram o desejo dele de mexer no comando daSuperintendência do Rio.O inquérito, porém, ainda busca informações de possíveis interesses de Bolsonaro em investigações da PF.Bolsonaro chegou a dizer nas últimas semanas que não tem nenhum parente investigado pela PF. Mas, como mostroureportagem da Folha, a corporação no Rio tem uma série de apurações e interesses que esbarram nele e em sua família.

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A preocupação com investigações, desconhecimento sobre processos, síndrome de perseguição, inimigos políticos e fake newssão alguns dos principais pontos elencados por pessoas ouvidas pela Folha para tentar desvendar o que há no Rio.No depoimento prestado em 2 de maio, dias depois de pedir demissão do Ministério da Justiça, Moro afirmou que Bolsonaroqueria trocar a diretoria-geral da PF e ter o controle da Superintendência no Rio, estado do presidente.“Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, disse Bolsonaro a Moro, por mensagem deWhatsApp de março, segundo transcrição do depoimento do ex-ministro à PF no inquérito que tramita no STF.O inquérito foi aberto pelo ministro Celso de Mello a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem caberádecidir sobre denúncia ou arquivamento.Se Bolsonaro for denunciado, a Câmara aprovar o prosseguimento e o STF aceitar a abertura de ação penal, ele é afastado docargo automaticamente por 180 dias.Os crimes investigados são: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça,corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra.De acordo com interlocutores do PGR, Moro pode ser enquadrado nos três últimos, e Bolsonaro, nos seis primeiros.Nesta semana, a PF e a PGR ouviram delegados federais, membros do governo Bolsonaro —entre eles três ministros— e umadeputada federal. Os investigadores também assistiram ao vídeo da reunião ministerial de 22 de abril.Os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) confirmaramem seus depoimentos a intenção de Bolsonaro de trocar o superintendente do Rio, mas por questões de falta de produtividade.Na sua fala à PF, porém, o atual diretor-executivo da corporação, Carlos Henrique Oliveira, rebateu e negou problemas deprodutividade no estado. Ele comandava a área até recentemente, quando foi transferido para Brasília após a queda de Valeixoda diretoria-geral da PF.Carlos Henrique virou atual número dois da PF, tendo sido nomeado oficialmente na quarta (13) pelo ministro da Justiça, AndréMendonça.Há omissão de contexto e de trechos relevantes, diz defesa de MoroA defesa do ex-ministro Sergio Moro disse que foi surpreendida com a petição da AGU em favor do presidente."A transcrição parcial revela disparidade de armas pois demonstra que a AGU tem acesso ao vídeo, enquanto a defesa não tem",afirmou."A petição contém transcrições literais de trechos das declarações do presidente, mas com omissão do contexto e de trechosrelevantes para a adequada compreensão, inclusive na parte da 'segurança do RJ', o trecho imediatamente precedente", disse.Segundo a defesa, "de todo modo", mesmo o trecho divulgado "confirma que as referências diziam respeito à PF e não ao GSI"."A transcrição parcial que busca apenas reforçar a tese da defesa do presidente reforça a necessidade urgente de liberação daintegralidade do vídeo", disse Rodrigo Rios, advogado de Moro.Leia a seguir a íntegra das declarações de Bolsonaro feitas na reunião e relacionadas aoinquérito, segundo a AGU.“Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das ForçasArmadas que não têm informações; a ABIN tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque táfaltando realmente… temos problemas… aparelhamento etc. A gente não pode viver sem informação. Quem é que nunca ficouatrás da… da… da… porta ouvindo o que seu filho ou sua filha tá comentando? Tem que ver para depois… depois que elaengravida não adianta falar com ela mais. Tem que ver antes. Depois que o moleque encheu os cornos de droga, não adiantamais falar com ele: já era. E informação é assim. [referência a Nações amigas] Então essa é a preocupação que temos que ter:“a questão estratégia”. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso —todos— é uma vergonha, umavergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não éameaça, não é extrapolação da minha parte. É uma verdade”(...)"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f.minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha quepertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final.Não estamos aqui para brincadeira"

Inovação de Bolsonaro, gravação de reuniõesministeriais leva governo a mais uma criseGustavo Uribe , Daniel Carvalho , Ricardo Della Coletta e Marina Dias8-11 minutos

A gravação completa de reuniões ministeriais não era comum nos governos passados e foi adotada pelo presidente JairBolsonaro como estratégia de publicidade para as suas redes sociais.Desde que assumiu o mandato, ele costuma escalar uma equipe para captar imagens e vídeos de sua rotina como presidente.

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Além de falar sobre a sua agenda oficial, o presidente aproveita a filmagem para fazer elogios a aliados e críticas a adversários.A prática adotada por Bolsonaro, no entanto, acabou sendo usada contra ele. O ex-juiz da Operação Lava Jato e ex-ministro daJustiça e Segurança Pública Sergio Moro afirma que o vídeo do encontro do dia 22 de abril com a equipe de ministros evidenciaque o presidente queria interferir na Polícia Federal.O conteúdo foi exibido nesta terça-feira (12) na Polícia Federal em Brasília e faz parte de um inquérito que tramita no STF(Supremo Tribunal Federal) contra Bolsonaro. Após a apuração da PF, a PGR (Procuradoria-Geral da República) avaliará se cabeuma acusação formal.Segundo técnicos do governo, não há norma ou regra que discipline a gravação de audiências no Palácio do Planalto e não háobrigatoriedade para que o presidente registre em áudio ou imagem todas a reuniões de sua agenda oficial.Os conteúdos gravados, que costumam ser solenidades e discursos, são enviados para o processo de documentação daPresidência da República, incorporando-se ao arquivo histórico.Pelo menos nas três gestões anteriores ao de Bolsonaro, eram raras as gravações na íntegra de encontros ou reuniõespromovidos pelo chefe do Poder Executivo para tratar de estratégias do governo ou do cenário político.Nas administrações de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), por exemplo, eram permitidas filmagens nos iníciosou términos de reuniões amplas com o objetivo de gerar material de imagem para os veículos de imprensa.Nesses momentos, era comum que assuntos polêmicos ou sensíveis não fossem tratados. Justamente para evitar um futuro mal-estar, assessores presidenciais falavam sobre amenidades, como partidas de futebol e peças de teatro.Se uma reunião vinha sendo parcialmente registrada e algum tema sensível seria tratado, a gravação costumava serinterrompida a pedido do próprio presidente, de acordo com o relato de assessores da época.Sob Lula, a assessora especial Clara Ant acompanhava todas as reuniões e registrava tudo o que era dito pelo presidente edemais participantes. As anotações dela depois eram usadas para cobrar ministros sobre decisões tomadas nos encontros, porexemplo.No governo Michel Temer (MDB), eram feitas gravações também quando um dos participantes do encontro solicitava. No caso,as imagens e os áudios captados eram apenas de quem havia requerido, como de líderes sindicais ou dirigentes empresariais.Para integrantes das gestões passadas, o episódio ocorrido com Bolsonaro deve-se tanto à inexperiência de sua equipe, que nãopreviu que temas delicados pudessem ser tratados no encontro, quanto à obsessão do presidente em produzir conteúdo para asredes sociais.Na terça, na rampa do Palácio do Planalto, o presidente disse que a fita da reunião deveria ter sido destruída e que o conteúdoteria de ser mantido em sigilo. "A reunião ministerial sai muita coisa. Agora, não é para ser divulgado. A fita tinha que, apósaproveitar imagens para divulgação, ser destruída. Não sei por que não foi", disse.Diante da crise em cima da reunião de abril, Bolsonaro não permitiu imagens no encontro com ministros no Palácio da Alvoradana terça. Além disso, nesta quarta-feira (13), anunciou que não faria mais reuniões ministeriais. Segundo o presidente, ele teráagora apenas encontros individuais.Uma vez por mês, disse Bolsonaro, fará o hasteamento da bandeira nacional e tomará café da manhã com seus assessores, oque chamou de confraternização de, no máximo, uma hora e meia. "Decidi: não teremos mais reunião de ministros. Para evitareste tipo de problema", disse Bolsonaro."Vai ser bandeira nacional, café, às 9h, 9h30, o pessoal vai embora. Bater um papo, um olhar para a cara do outro, trocar umaideia, individualmente tratar de um assunto ou outro. Mas uma reunião [será] mais uma confraternização mensal de todos osministros", afirmou.Não é a primeira vez que a gravação de um presidente gera uma crise política.Em 2017, Temer foi gravado no Palácio do Jaburu pelo empresário Joesley Batista. O conteúdo foi usado em denúncia contra elepor corrupção passiva.No ano anterior, o emedebista já havia sido gravado escondido pelo então ministro da Cultura, Marcelo Calero, que pediudemissão após ser pressionado a liberar um empreendimento imobiliário no qual o ex-ministro Geddel Vieira Lima tinhacomprado um apartamento, em Salvador.Para evitar novas gravações, Temer instalou no gabinete presidencial um dispositivo que dificulta a compreensão de áudioscaptados por aparelhos eletrônicos.Chamado de misturador de voz, o aparato interfere na gravação do som ambiente e sobrepõe o áudio de conversas feitas nolocal de despachos do presidente.Em comparação, nos Estados Unidos, a ordem geral é que não se pode gravar nada dentro da Casa Branca, ocupada atualmentepor Donald Trump, a quem Bolsonaro é alinhado.Na década de 1970, havia um sistema de captação de áudio dentro do Salão Oval, na mesa onde despacha o presidenteamericano, mas ele foi desinstalado após o governo de Richard Nixon (1969-1974) e o escândalo Watergate, em 1972.Na época, gravações telefônicas mostraram que Nixon tinha conhecimento do roubo de documentos da sede do PartidoDemocrata, seu adversário, e ajudaram a interromper na metade o segundo mandato do republicano —que renunciou ao cargoantes de sofrer um impeachment no Congresso.O trauma e a obsessão por segurança têm reflexos até hoje no governo dos EUA. Com exceção a jornalistas durante eventospúblicos, funcionários e visitantes são instruídos sobre as regras claras que proíbem gravações desde os primeiros minutos na

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Casa Branca.Mas há exceções para registros escritos e verbais que devem seguir um longo protocolo de segurança e são permitidos apenas apessoas autorizadas.A Lei de Registros Presidenciais, de 1978, estabelece que o presidente e o vice devem registrar conversas com autoridades deoutros países inclusive para garantir a segurança nacional americana.Dessa forma, durante um telefonema ou uma sessão de videoconferência, a equipe da sala de situação da Casa Branca fazanotações em tempo real, que serão comparadas ao fim da reunião com as feitas por outras autoridades do governo—geralmente, um integrante do Conselho de Segurança Nacional responsável pelo país com quem o presidente ou vice-presidente americano está conversando.Juntas, essas notas vão dar origem a um rascunho oficial, que é enviado ao secretário de Segurança Nacional, que pode fazeredições antes de aprovar a versão final, enviada a pessoas-chave do governo.As anotações podem também ser transferidas para um sistema com acesso restrito caso contenham informações consideradassensíveis. Todos os registros são enviados para o Arquivo Nacional dos EUA após a conclusão de cada mandato presidencial e láficam armazenadas —só perdem o caráter de "confidencial" após período que vai de 10 a 25 anos.Autoridades e analistas afirmam que o governo Trump não cumpre esse processo com o rigor que deveria, omitindo informaçõesde anotações e transferindo para o sistema restrito informações que poderiam prejudicá-lo pessoalmente. O site Politico afirmaque isso foi feito, por exemplo, no caso da transcrição do telefonema entre Trump e Volodimir Zelenski, presidente da Ucrânia,que gerou a abertura de um processo de impeachment contra o republicano, absolvido pelo Senado em janeiro.

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