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EM BUSCA DO PARAÍSO PERDIDO _________________ A TEORIA DOS TIPOS HUMANOS NO SISTEMA OUSPENSKY- GURDIEFF 1

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Page 1: Em Busca do Paraíso Perdido

EM BUSCA DOPARAÍSO PERDIDO

_________________ A TEORIA DOS TIPOS HUMANOS NO SISTEMA OUSPENSKY-GURDIEFF

DE MARCOS S. QUEIROZ

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2PREFÁCIO

O livro do antropólogo Marcos A Queirós. vem acrescentar à literatura especializada a divulgação de uma nova teoria tipológica, mas também de uma verdadeira e completa teoria da essência e personalidade humanas. Trata-se da teoria do filósofo e matemático russo Peter Ouspensky (1878-1947) acrescida das contribuições de seu discípulo Rodney Collin e enriquecido, neste trabalho, com interpretações, exemplos e aplicações praticas dadas pelo próprio autor.

O saber humano, como é divulgado atualmente no meio acadêmico. É ilimitado na sua fragmentação, porque sempre haverá algo a acrescentar ao conhecimento vigente. Faltam a ele propostas unificadoras que tragam uma compreensão mais abrangente do ser humano. Como demonstra o autor em seu texto, um dos “mitos” do racionalismo tem sido a ilusão de se chegar ao conhecimento completo do homem pelo acúmulo quantitativo de informações. Neste sentido, a tipologia apresentada nesta obra não pretende ser apenas um saber a mais que se dilui entre outros existentes. Ela se distingue como um instrumento que pretende estimular o autoconhecimento e, com isso, elevar o nível de ser do homem. Um saber com tal objetivo não pode ser adquirido mecanicamente, mas emerge do grau de evolução da consciência. Depende do nível de “ser” e não do “ter”.

A teoria de Ouspensky-Collin é uma aproximação nova e antiga ao mesmo tempo, que tem o mérito de propor uma tipologia que contempla três planos de realidade: o biológico, o psicológico e o cósmico, na medida em que os tipos se relacionam a certas glândulas endócrinas (que imprimem um certo padrão de comportamento) e estas, por sua vez, a determinados corpos celestes.

Com exceção da antiga tipologia dos gregos, com seus quatro tipos básicos (sanguíneo, fleumático, bilioso e melancólico), não conhecemos outra tipologia que tenha se preocupado em alcançar estes três níveis de realidade. Mesmo Jung, cuja tipologia nos é de inestimável valor, não se aventurou tanto, talvez pelos limites impostos pela ciência oficial da época, ainda bastante influenciada pelos pressupostos positivistas. O leitor poderá fazer disso a leitura que lhe convier: simbólica, mística ou fenomenológica. Contudo, ele não poderá deixar de admitir que, seja qual for a vertente escolhida, essa teoria traz novos subsídios práticos para um melhor entendimento da pessoa em si mesma e do seu universo de relações interpessoais.

Vivemos hoje em um mundo repleto de conflitos incessantes gerados em grande parte pela intolerância e desrespeito à individualidade. A teoria dos tipos proposta por Ouspensky –Collins pode nos permitir uma melhor compreensão das dificuldades na aproximação entre tipos opostos (por exemplo, ente o mercurial e o marcial), mas também sugerir formas de superação dessas dificuldades, seja pela indicação de exercícios que o autor cautelosamente sugere, seja pelo respeito prudente das diferenças tipológicas individuais na formação de pares ou grupos, ou apenas pela tomada de consciência dessas diferenças.

O trabalho do professor Queiróz nos dá uma visão geral da teoria. Mas é suficiente para que os profissionais e leigos, interessados no conhecimento da natureza humana, dele se beneficiem não só pela ampliação do conhecimento mas, quem sabe, pela aplicação imediata e pratica em seu cotidiano.

Parabenizo o autor pela ousadia de trazer assunto tão polêmico ao meio acadêmico, que, infelizmente, com freqüência o percebe pelo prisma de um certo preconceito cartesiano.

Professor Dr. Joel Sales Giglio, Professor do Departamento de Psicologia Clínica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas

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da UNICAMP e Coordenador do Núcleo de Estudos Psicológicos UNICAMP.

Quando em desgraça com os homens e a fortuna,Em mim recolhido, lamento meu destino,O surdo céu importuno com meus queixumes;E, olhando-me, a minha sorte maldigo.Quando quisera ser mais rico de esperança,Amigos invejando assim como seus préstimos,Desejando a arte de uns, de outros a influência, Tendo prazer ínfimo dos meus maiores gozos;E pois, pensando assim, quase a mim me desprezo,Por sorte em ti penso e então nesse estado-Como a cotovia ao romper da aurora se ergueDa terra sombria - canto hinos às portas do céu,Pois o teu doce amor lembrado traz tanta riquezaQue desdenho trocar minha sorte com a dos reis.

Willlian Shakespeare Soneto XXIX

Nasce o que brilha apenas para o já;Para o porvir, o que é real viverá.

Goethe, Fausto.

INTRODUÇAO

O saber popular e as artes, através dos mitos, da literatura, do teatro, da pintura, entre outras formas de manifestações culturais, frequentemente observam que certas características físicas e as psicológicas entre seres humanos obedecem a padrões determinados. A literatura e o teatro, em particular, revelam personagens inconfundíveis que de uma certa forma tornaram-se estereótipos universais a partir de uma estreita sintonia entre características físicas, temperamento psicológico e o papel executado. . É impossível imaginar, por exemplo, a maneira de ser de Dom Quixote num físico baixo e gordo, ou o de Sancho Pança num físico alto e magro. Da mesma forma, de acordo com a caracterização de Shakespeare, o temperamento jovial e fanfarrão de Salstaff, ou o delicado e frágil de Desdêmona, não seriam de todo adequados num físico vigoroso e forte como o de Otelo ou o de Joana D´Arc.

Este saber difundido pelas artes, no entanto, não tem sido incorporado pela ciência moderna. Por mais interessante e tentador que possa parecer, à idéia de que haja um determinante tipológico por trás de cada individuo se contrapõe em três obstáculos importantes: o envelhecimento da teoria dos tipos proveniente dos gregos antigos, diante da emergência da ciência moderna; o insucesso das tentativas de ressuscitar essa idéia a partir de uma postura determinista e, finalmente, o “ethos” individualista

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fortemente arraigado na cultura ocidental de que o ser humano é único e teria em si a responsabilidade individual de escolher o seu próprio destino, apesar dos inúmeros fatores que o influenciam.

O objetivo maior deste livro é propor a retomada de uma reflexão sobre tipos, tendo em vista contribuir para o desenvolvimento de uma teoria que, conforme sustentamos, gera conhecimentos antropológicos e psicológicos simples e universais. Apesar de antiga, esta teoria é praticamente desconhecida do meio acadêmico e cientifico.

Este livro concentrará o estudo dos tipos humanos a partir de dois autores que estabeleceram princípios definitivos sobre este tema. Trata-se da teoria dos centros de gravidade de Peter Ouspenskye a dos tipos humanos propriamente ditos de um de seus discípulos,Rodney Collin. A proposta destes autores destaca-se de outras tipologias em virtude de sua maior abrangência, universalidade e objetividade. Modernamente, Friedlander publicou uma obra baseada em Rodney Collin, onde tece comentários e explicações que contribuíram significativamente para este trabalho. De um modo geral, em relação a esses autores, este livro pretende acrescentar observações que foram por mim acumuladas ao longo de quinze anos de estudo sobre o sistema Ouspensky-Gurdjieff.

Mostraremos ao longo desta obra que os princípios estabelecidos por Ouspensky e Rodney Collin são complementares e estabelecem pontos de referência extremamente importantes na caracterização de um padrão para a grande variedade de comportamentos e atitudes psicológicas do ser humano.

De um modo geral, essa teoria compreende os impulsos, as expectativas, as reações e as tendências que informam o comportamento humano. Como disse Rodney Collin, ela explica por que as essências de algumas pessoas são compatíveis ou incompatíveis, atraem ou repelem, ou ainda são indiferentes com relação à essência de outras; explica também por que algumas pessoas compreendem ou não compreendem ou ainda necessitam de

um tipo intermediário para compreender um ao outro. Somente a partir do conhecimento do mecanismo humano é possível trabalhar no sentido de libertar-se de seus determinantes mecânicos.

O primeiro capitulo introduz uma visão da produção cientifica a respeito dos tipos humanos, ao mesmo tempo que discute os motivos de esta teoria ter-se posicionado às margens da ciência moderna. O segundo capítulo descreve os tipos humanos de acordo com a visão de Rodney Collin. Uma visão das glândulas endócrinas é introduzida, uma vez que há uma correspondência entre elas e a tipologia humana. O terceiro capitulo descreve as funções próprias do ser humano de acordo com a visão de Ouspensky. É argumentado que cada uma das funções básicas correspondentes aos centros instintivo, motor, intelectual e emocional predomina em cada individuo, tornando-o receptivo a um conjunto limitado de estímulos e de interesses. O quarto capitulo introduz o sistema Ouspensky-Gurdieff com o intuito de dotar os tipos e as funções de um sentido que permite o conhecimento e o estudo de si mesmo e dos outros de um modo objetivo, visando à formação de uma consciência ampliada. O quinto e último capitulo, ainda de acordo com o sistema Ouspensky-Gurdieff, volta a comentar os tipos e as funções tendo em vista a perspectiva de um trabalho em si mesmo objetivando o autoconhecimento e a transformação do nível do ser.

Este trabalho não poderia ter sido realizado sem o apoio do Núcleo de Estudos Psicológicos (NEP) da UNICAMP, em particular dos Professores Mauricio Knobel e Jel Giglio. Tudo começou em l.989 com a idéia de um grande seminário organizado pelo NEP, através da Assessoria de Eventos da UNICAMP, sobre esse tema. Esse seminário surpreendeu pelo interesse de um público que compareceu em número significativo. Realizado em 23 de novembro de 1989, aproximadamente 400 pessoas, entre estudantes e professores, se inscreveram e de dispuseram a ouvir por seis horas (três em cada período) de um sábado, idéias que até pouco tempo

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atrás não recebiam dignidade cientifica. O conteúdo desse seminário foi gravado e serviu de base para este livro.

Compartilho com o NEP a postura de que a abordagem cientifica, contanto que se baseie na observação sistemática, se expresse em termos de modelos autocoerentes e tenha consciência de seus próprios limites pode e deve se estender para áreas pouco convencionais, mesmo aquelas que apresentam dificuldade de ser apreendidas pela quantificação matemática. A grande virtude do professor Giglio, atual diretor do NEP, talvez por sua condição de musico e de cientista, foi e continua sendo a capacidade de ampliar a ciência para áreas novas, permitindo assim, que em favor do homem, num sentido mais amplo possível, o método cientifico ilumine aspectos da cultura popular e de tradições que extrapolam as circunstâncias e os interesses restritos da nossa época e momento histórico.

Companheira insuperável na verdadeira aventura que significa o processo de aprendizagem sobre a condição de ser humano, dedico este livro à minhas esposa Mary.

A TEORIA DO TIPOS E OPENSAMENTO CIENTIFICO

MODERNO

1. BREVE HISTORIA DA TEORIA DOS TIPOS

A primeira tentativa conhecida de classificação dos seres humanos em tipos no mundo ocidental provém dos gregos antigos.

Alem dos deuses do Olimpo, que, como veremos adiante, representavam efetivamente uma caracterização tipológica, havia também a teoria dos humores, cujos traços ainda podem ser observados nos dias atuais. De acordo com essa teoria, o equilíbrio emocional e físico de um individuo depende do equilíbrio de quatro fluidos ou humores contidos em seu corpo, quais sejam, o sangue, a bílis negra, a bile amarela e a fleuma. A predominância natural de um desses elementos em cada individuo configura um tipo físico e psicológico, com tendências e predisposições favoráveis e desfavoráveis. Essa cosmologia, por muito tempo, teve expressão significativa na civilização ocidental, servindo principalmente a terapêutica medica. No século XVII, no entanto, tal teoria, assim como a idéia de influência planetária, perdeu a sua legitimidade diante da emergência da ciência moderna. Enquanto o “ethos” ativo e intervencionista dessa última mostrava uma compatibilidade muito com um tempo de descobrimentos, conquistas e grandes empreendimentos comerciais, a idéia de dependência a formas que escapam ao controle humano, como a idéia de tipo pressupõe , tornou-se inadequada ao contexto.

Os séculos XVIII e XIX assistiram à emergência de outras teorias que visavam a estabelecer e caracterizar tipos humanos. A frenologia, em particular, através de Franz Joseph Gall, visava a analisar os contornos do crânio a fim de determinar, em sintonia com o determinismo da época, o caráter, os talentos e as disposições psicológicas do individuo. Nessa mesma linha determinista, e ainda influenciado pelo positivismo de Augusto Comte e o evolucionismo de Darwin, Lombroso, professor da Universidade de Turim, acreditava que a criminologia poderia desenvolver-se como uma ciência positiva autônoma. Para isso, desenvolveu estudos mostrando o relacionamento de certos traços físicos (no que se refere principalmente a malformações do esqueleto e do crânio) com a tendência ao comportamento anti-social e ao crime.

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O determinismo radical implícito na frenologia e nas idéias de Lombroso foi duramente criticado durante o processo de consolidação do meio cientifico moderno. Trata-se de teorias frágeis que serviram a propósitos obscuros e não puderam resistir ao método experimental. Modernamente, essas teorias foram ressuscitadas pelo fascismoe, principalmente, pelo nazismo, sistemas políticos criminosos que estimularam o estudo de tipos com o intuito de produzir suporte à visão preconcebida de que haveria diferenças qualitativas naturais entre as diversas raças humanas.

Recentemente, o ideal democrático recusou e tem recusado a idéia de tipos, em grande medida por causa desse perigo. No entanto, o fato de certas experiências políticas malsucedidas não terem encontrado uma boa aproximação moral e cientifica para essa idéia não invalida as fortes evidências que sustentam a sua realidade.Jung argumenta que disposições típicas no comportamento humano são tão recorrentes e generalizadas que não poderiam ser atribuídas a uma questão de consciência., liberdade pessoal, raça, condição social ou cultural. A partir desse ponto de vista ele constrói uma teoria bastante sofisticada em que dois tipos gerais foram determinados a partir de sua postura em relação ao objeto: o introvertido e o extrovertido. Enquanto o primeiro é voltado para uma vida interiorizada e introspectiva, evitando a preponderância do objeto, o segundo é voltado para uma vida exteriorizada e extrospectiva, comportando-se positivamente em face do objeto. Esses dois tipos gerais formam combinações com quatro tipos denominados funcionais: dois racionais, pensativo e sentimental, e dois irracionais, perceptivo e intuitivo. Embora sofisticada, a teoria de Jung não é tão simples e abrangente como a que propomos neste livro.

Outros estudos modernos procurando estabelecer uma base cientifica para a idéia de tipos humanos foram realizados com maior e menor grau de sucesso De um modo geral, no entanto, essas investigações, embora tivessem tido ampla divulgação e repercussão

entre o público em geral, são limitadas, o que contribuiu para não estimular continuidade em investigações cientificas nesta linha.Kretschmer, que publicou vários trabalhos sobre psiquiatria, é um caso em questão. Enquanto professor na Universidade de Tubingen, na Alemanha, ele sustentava que o conhecimento cientifico do relacionamento entre a constituição física e determinados tipos de desordens mentais pode ser estabelecido e é indispensável para o desenvolvimento de uma psiquiatria preventiva. Com sua obra Physique and Character, que em 1947 chegou à vigésima edição na língua inglesa (embora a publicação original tenha sido em alemão), o autor conseguiu notoriedade internacional. Nesse trabalho é desenvolvida a teoria de que algumas desordens mentais sérias aparecem mais freqüentemente entre pessoas com certas características físicas. Foi sugerido, por exemplo, que a esquizofrenia seria mais comum entre pessoas finas e magras, com membros alongados, enquanto os tipos rotundos, com tronco largo e membros curtos, seriam mais propensos à psicose maníaco depressiva. Os tipos atléticos, com físico bem proporcionado, teriam, por sua vez, menor propensão às desordens mentais mencionadas acima. Esse aspecto de sua teoria é hoje em dia amplamente conhecido, tendo se tornado parte da cultura popular do Ocidente. O trabalho do antropólogo norte americano Willian Sheldon, continuando essa linha de investigação, também chegou a ser bastante divulgado. O seu método divide o ser humano em três tipos básicos: o extomórfico (um tipo leve, rápido e rijo), o mesomórfico (um tipo alto, com ossatura e musculatura bem desenvolvidas) e o endomórfico (um tipo forte e pesado).

Um estudo extremamente importante sobre tipos humanos foi desenvolvido dentro do campo da endocrinologia por Louis Berman, que construiu uma teoria baseada na predominância, num indivíduo, das funções de uma dada glândula endócrina. A predominância das funções da glândula supra-renal, por exemplo, produz, em suas palavras, um individuo com tendência à cor de cabelos vermelha,

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sardas na pele e temperamento explosivo. Já a predominância das funções da glândula tireóide produz um individuo magro de cabelos grossos, dentes bem nivelados, com olhar intenso e brilhante, percepções rápidas e temperamento impulsivo e nervoso. Endocrinologistas modernos, embora muitas vezes desconheçam a investigação de Bermanm, concordam que existe um elemento de verdade em suas principais conclusões.

Antes de enveredar pela teoria proposta por Ouspensky e Rodney Collin, gostaríamos de mostrar um fator importante relativo a ela, qual seja, a sua marginalidade (e as implicações e os significados dessa situação) diante do paradigma cientifico dominante na ciência ocidental moderna. Para isso, é necessário abrir uma discussão a respeito do que significa paradigma cientifico.

2.A EMERGENCIA DA RACIONALIDADE CIENTIFICA MODERNA.

O século XVI assistiu à emergência da racionalidade cientifica moderna, modelada por um pensamento ativo, interventor e transformador de realidades, a partir de pensadores tais como Descartes, Bacon, Galileu e Copérnico. Nessa racionalidade, a natureza sofre uma profunda ruptura com relação ao mundo humano e torna-se objeto a ser explorado e desvendado pela razão, que, por sua vez, torna-se o sujeito do conhecimento. Nas palavras de Luz (1988:18-livro Natural, Racional, Social), “o antropocentrismo renascentista é pratico, conquistador, colonizador. Assinala uma cisão não apenas entre a ordem divina e ordem humana, mas também entre ordem humana e ordem natural. Separam-se Deus, homem e natureza. O homem é herdeiro do espólio do reino natural, legado da Idade Média, e deve entrar na posse desse reino. Prometeu libertou-se, afinal”.

A característica da racionalidade renascentista que serve como alicerce fundamental do pensamento moderno refere-se à propriedade da forma ou do método em relação ao conteúdo ou verdades resultantes desse método. Enquanto o método deve ser

perene, as descobertas são mutáveis, em constante transformação, ou (a partir do século XIX), em continua evolução (Luz, 1988:30). Nesse contexto, a grande questão filosófica, presente entre os gregos antigos, e que perdurou por toda a Idade Média, que é a relação entre transcendência e imanência, entre o que está em cima e o que está embaixo, tornou-se totalmente irrelevante. A Terra foi desamarrada de seu Sol, do cosmo mais amplo que a sustentava, de Deus que lhe dava sentido. A emergência da razão como apropriadora do mundo e das coisas deslocou o mundo de sua ordem pré-estabelecida e, com isso, fez desaparecer toda a verdade objetiva na qual o intelecto e a emoção humana poderiam agarrar-se. O único eixo que permitiu alguma base à racionalidade passou a ser o próprio pensamento, o “penso logo existo” de Descartes. Sem Deus e sem uma realidade ultima a ser conhecida, cada vez mais o mundo visto pelo pensamento cientifico passou a ser um projeto que se constrói a si mesmo a partir de suas próprias leis. Libertada da natureza, do mito e de Deus, a razão prometeu o paraíso na terra, desviando o olhar humano de questões que remetam à essência das coisas que, juntamente com os meios psicológicos de apreendê-la (a sensibilidade, as emoções e a intuição), foi desqualificada como irrelevante e incognoscível.

Aliada ao poder dominante, a ciência produziu uma implacável perseguição a todas as formas alternativas do pensamento, o que não impediu que, mesmo marginalizadas, muitas delas tivessem persistido ao longo do tempo. O grande apelo de uma parte considerável desses saberes marginalizados refere-se à conexão entre o céu e a terra, entre o homem e a natureza ou entre o homem e seu propósito ou destino. Essas dimensões perdidas pela ciência têm permanecido guardadas profunda e silenciosamente no imaginário e nas representações populares de muitos povos em diferentes idades, independentemente das condições materiais que impõem um modo especifico de vida social e econômica.

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Algumas filosofias conseguiram resistir à tirania da racionalidade cientifica de um modo mais explicito, embora raramente chegassem a ameaçar o império da razão. Nietzsche, por exemplo, indagava se o acordar do mito para o logos, da imaginação para a realidade, não seria apenas uma potenciação de um sonhar ainda mais fantasmagórico, ainda mais longe da essência originaria das coisas, Esta rebelião contra a tirania da razão assentava-se no pressuposto de que outras formas de pensar baseadas na emoção, na intuição e na sensibilidade próprias da poesia e das demais manifestações artísticas seriam mais adequadas para se aproximar do âmago das coisas, num plano que transcende o mundo projetado pela mente lógica. Ao se deparar com o fato de que a ruptura epistemológica produzida pela revolução copernicana decretara a morte de Deus. Nieztsche percebeu que a única alternativa para o caos estaria na possibilidade de o homem fazer de si mesmo um super-homem em substituição a Deus. Essa idéia implica que, pela própria vontade, o homem construiria a si mesmo como um ser total e não apenas como um ser parcialmente inteligente. Nieztsche, contudo, nunca foi claro o suficiente sobre como realizar esse empreendimento em si mesmo, num plano psicológico.

Após mais de um século da revolta de Nieztsche contra as implicações da racionalidade moderna que considerava decadente, o nosso tempo atual mostra mais do que nunca que a realidade produzida pelo evolver dessa racionalidade está mais próxima de um sonho fantasmagórico do que da luz prometida.; É cada vez mais claro que o pensamento cientifico, envolto em seu paradigma dominante, assim como a realidade por ele desvendada, apresenta limites bem estreitos demais para conter a potencialidade humana de transcender uma dimensão restrita contida abaixo do olhar humano. A ciência, que desde o Renascimento, passando pelo Iluminismo, tornou-se um veículo extremamente ativo, interventor e construtor de realidades, está sendo freada pelos limites da Terra e da Vida que clamam por uma perspectiva menos desintegradora e mais “holística” da realidade. O movimento ecológico tem sido um

propulsor de peso na elaboração de um novo paradigma cientifico baseado na idéia de sistema integrado em harmonia. (ver Capra, O Ponto de Mutação, Cultrix, SP, 1993).

É nesse contexto que faz sentido expor o pensamento do matemático e filosofo Ouspensky, que se preocupou em mostrar a pobreza da racionalidade cientifica moderna e sua incapacidade de permitir um benefício real pra o desenvolvimento interior do ser humano. Para ele, um pensamento que considera esse aspecto irrelevante não poderia ser considerado sério. Em sua obra Tertium Organum, ele expõe os limites da racionalidade cientifica ao mesmo tempo que assenta as bases de uma ciência cuja preocupação fundamental seria justamente focalizar o “noumeno” (o âmago essencial das coisas), rechaçado como incognoscível pelo pensamento cientifico por não poder ser medido, por não poder submeter-se às leis matemáticas. A psicologia, para Ouspensky, seria a base de todas as ciências pelo simples fato de que todas elas são produtos da mente humana. Conhecer-se a si mesmo seria o empreendimento fundamental em que se assenta qualquer possibilidade de conhecimento real.

Esse pensamento nunca foi reconhecido pela racionalidade cientifica moderna exatamente por não compartilhar seu paradigma dominante, mecânico e fragmentador da realidade. Atualmente, acredito que a sociedade esteja mais preparada para receber e compreender a importância de perspectivas integradoras que possam trazer harmonia e desenvolvimento ao ser humano. É exatamente essa a proposta do chamado sistema Ouspensky-Gurdjieff, no interior do qual pretendemos focalizar mais especificamente a teoria dos tipos humanos.

2. A QUESTAO DO PARADIGMA CIENTÍFICOPor que razão teria a ciência moderna recusado a idéia de que

as manifestações dos seres humanos são determinadas por um determinado padrão tipológico? A resposta de um cientista da área

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de ciências exatas e naturais teria, muito provavelmente, um cunho positivista. Diria que por não haver uma base segura que resistisse a critica e à verificação experimental ela foi descartada, em favor de posturas mais exatas e verdadeiras e, assim, superada pelo desenvolvimento cientifico. A postura positivista afirma que a ciência justifica a si mesma porque a qualquer momento pode checar experimentalmente ou uma hipótese ou uma teoria. Não confirmados os fatos, estas são imediatamente descartadas, e outras novas viriam a ser outra vez testadas. O conhecimento assim acumulado serve para garantir um saber mais evoluído e avançado no futuro.

A principal critica que se pode fazer a esse principio positivista próprio da ciência moderna é que ele desconsidera a manifestação de um determinado conhecimento alternativo, seja ele do presente ou do passado. É evidente que ao apreciá-lo, se não houver preocupação em entendê-lo dentro de suas premissas e contexto, ele será reduzido a um saber inferior. Traduzido pela racionalidade positivista, um determinado saber alternativo é isolado de seu contexto mais amplo, perdendo assim a ligação com outros saberes existentes e com o conjunto da sociedade e cultura a que pertence. Nesta condição, ele acaba por perder o sentido, a função e a utilidade, para se transformar numa curiosidade morta e insignificante. Todas as civilizações e culturas e todos os conhecimentos e saberes são, de uma forma ou de outra, posicionados em relação àqueles que é considerado o mais evoluído e com maior poder de penetração na realidade das coisas, ou seja, o saber cientifico produzido pela civilização ocidental moderna.

O conceito antropológico do etnocentrismo, ou seja, a tendência de avaliar o “outro” a partir de valores culturais subjetivos, explica essa postura ao mostrar a dificuldade de observar imparcialmente qualquer fenômeno sem impregná-lo com valores subjetivos pertencentes ao mundo do observador. Sob esse ponto de vista, avaliar outras culturas e outras épocas históricas é um empreendimento extremamente delicado e perigoso. Mesmo o saber

de culturas “primitivas” pode revelar um grau de complexidade surpreendente, mas, para perceber isso, o investigador deve estar disposto a superar a sua própria subjetividade.

O conceito de paradigma de Kunn (A estrutura das Revoluções científicas, Editora . Perspectiva) contribui para que o conhecimento cientifico direcionado pela racionalidade positivista só pode ocorrer no interior de um determinado meio cultural. De acordo com a definição deste autor, paradigma é análogo a um mapa que norteia e governa a percepção, as perguntas e os procedimentos do cientista diante de seu objeto de conhecimento; ou como uma lente que permite configurar e ordenar certos fatos de uma realidade que, em si mesma, é infinita. Um outro mapa, uma outra lente, ou seja, um outro paradigma produziriam uma configuração diferente da realidade e, conseqüentemente, uma outra ciência. É importante enfatizar que o paradigma, da mesma maneira que uma determinada cultura, é arbitrário. Da mesma forma que os axiomas da geometria, ele não pode ser justificado pela ciência, na medida em que cria para esta as suas normas, fatos e critérios de eficácia.

Vários fatores determinam a formação e subsistência de um paradigma, entre os quais é impossível criar, de um lado, a tradição científica, sua historia e desenvolvimento e, de outro, a sociedade mais ampla e seus interesses ideológicos, culturais, sociais e econômicos. A influência de cada um desses fatores varia, caso a caso, conforme o contexto em que se manifestou.

A medicina oriental tradicional presta-se admiravelmente para mostrar que, sob o ponto de vista de um paradigma, os fatos dimensionados por um outro são invisíveis ou não existentes. É precisamente o caso, quando se pensa em meridianos e seus pontos que, operados pela acupuntura, estimulam aspectos Yin e Yang dentro de uma concepção de equilíbrio orgânico. Esses aspectos não podem ser vistos pela medicina ocidental simplesmente porque falta nela a lente e o mapa que dimensionam esse tipo de realidade.

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A comunidade acadêmica tende a refutar qualquer descoberta cientifica que entre em conflito com o paradigma dominante, obrigando-a a esperar o momento oportuno para ser reconhecida. Novos conhecimentos só poderão ser reconhecidos nas chamadas revoluções cientificas, quando então, o paradigma dominante entra em colapso e um novo emerge em sintonia maior com fatores sociais, culturais e econômicos da sociedade mais ampla. A história mostra muitos exemplos nesse sentido, seja no campo da ciência, seja no da filosofia ou das artes. Talvez o mais dramático tenha sido o de Galileu Galilei e a sua proposta heliocêntrica, que entrou em conflito com o paradigma geocêntrico então dominante.

Diante do exposto, a postura positivista de que a ciência acumula verdades e descarta inverdades torna-se simplista e ingênua. Ao acreditar que o acumulo quantitativo de conhecimento do todo é, como ironizou Sartre, equivalente à tentativa de se chegar à unidade acrescentando noves a 0,99. Essa ilusão pode também ser comparada à história antiga de cegos que tentam descrever o elefante. Cada um apalpa uma parte do animal e o descreve de acordo com o seu conhecimento parcial. A soma de todas essas descrições certamente chegará a algo muito diferente do animal que se pretende descrever.

Estamos agora em melhores condições para levantar algumas hipóteses no sentido de explicar os motivos pelos quais a idéia de tipos tem permanecido às margens da ciência. Em primeiro lugar, para a ciência moderna, o ser humano é apenas uma entidade abstrata, representada por uma média estatística. Em segundo lugar, fatores históricos e culturais produziram uma repulsa com relação à idéia de um padrão configurando tendências inatas no comportamento humano. Embora percebido como resultado do seu meio social, cultural e histórico, como dizia Sartre, a liberdade é a condição que prevalece em última instância no comportamento humano.

Nas ciências biomédicas dizer que, por exemplo, o sal provoca um aumento na pressão arterial ou o tabaco produz um

aumento na incidência de câncer pulmonar não tem qualquer sentido se for verdade que a natureza humana não é única e que diferentes tipos de organismo reagem diferentemente a um determinado estimulo. A medicina tradicional chinesa ou coreana dimensionam precisamente este aspecto.

Da mesma forma que a medicina grega antiga, elas pressupõem que o ser humano divide-se em cinco tipos básicos, cada um dos quais apresentando compatibilidades diferenciais com determinados alimentos, comportamentos ou mesmo posturas diante da vida. Não é difícil entender que tal medicina é incompatível com o paradigma dominante da medicina ocidental moderna.

A tensão provocada pela proximidade dos dois paradigmas é análoga, no campo religioso, à proximidade de dois deuses provenientes de religiões diferentes. Muitas guerras ocorreram pela incapacidade dos que sustentam uma determinada cosmologia em perceber que uma alternativa a ela não significa necessariamente uma ameaça de desintegração. Pelo contrário, vários exemplos históricos mostram que o convívio de dois paradigmas opostos pode significar, em cada um deles, geração de energia e revitalização diante das ameaças verdadeiramente existentes no interior deles mesmos: a estagnação, a esclerose e a morte.

Um determinado paradigma pode ser mais ou menos fechado ou aberto, dependendo do contexto social, político, histórico, cultural, econômico e geográfico em que ocorre. Quanto mais aberto ele se manifestar, maior a probabilidade de se tornar mais objetivo e universal. Assim ocorreu na Grécia antiga, no Renascimento e Iluminismo europeus, para citar apenas uns poucos exemplos mais conhecidos na historia.

É nesse sentido que Popper denuncia o perigo de a ciência normal existir como prisioneira de um determinado paradigma e afirma que ä produção de uma ciência verdadeira (que pretende ver alem dos limites das lentes paradigmáticas) envolve necessariamente

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uma ruptura com o formato de nossas teorias, nossas expectativas, nossa experiência,nossa experiência passada e nossa linguagem.

É inegável que a antropologia também apresenta muitos aspectos que traduzem exatamente essa aspiração, ou seja, renunciar a si mesmo (no que isso significa valores, crenças e estrutura lógica e lingüística) para poder executar um vertiginoso mergulho na alteridade.

Os romances de Castañeda, ao relatarem a tentativa de contato com o mundo do índio Don Juan, dramatizam o grande esforço necessário para sair de si mesmo e entender o “outro”. Fragmentos desse mundo obtidos por meio de esforço para superar os limites impostos pelo pensamento lógico e racional de modo algum podem ser considerados como troféus de conquista que exaltam o pensamento cientifico. Em vez de se desintegrar diante do contato com exata realidade estranha e incompatível com seus valores e medidas, através da escala e da relatividade, o pensamento cientifico tem a chance de se renovar e de crescer escapando da esclerose produzida pelo dogma.

Nesta altura, temos condições de propor o principal ponto de sustentação teórica deste livro, ou seja, encontrar perspectivas mais universais e objetivas que transcendam qualquer sociedade, cultura ou momento histórico em particular. Entendemos que o papel de uma ciência verdadeira seria exatamente o contrario do que Kunn denominara “ciência normal”, ou seja, uma ciência acadêmica presa ao seu paradigma dominante e cega para tudo o que é inovador. O verdadeiro papel da ciência seria, portanto, libertar o conhecimento de todas as amarras que o deturpam e o aviltam e, ao mesmo tempo, dirigi-lo para aquilo que permita elevar as possibilidades próprias da condição de ser humano.

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OS TIPOS HUMANOSDE ACORDO COMRODNEY COLLINS

1.AS GLÂNDULAS ENDÓCRINAS E OS TIPOS HUMANOSA base fundamental da teoria dos tipos desenvolvida por

Rodney Collin indica que, por razoes principalmente hereditárias, cada ser humano apresenta uma glândula endócrina predominante em relação às demais, o que caracteriza um tipo específico que governa grande parte de seu comportamento. Vários fatores podem explicar essa predominância, sem que ela signifique necessariamente um aumento no nível dos hormônios correspondentes. É possível, por exemplo, que os tecidos sejam mais sensíveis aos níveis normais de um determinado hormônio, ou ainda, que os neurotransmissores ou outras substâncias conhecidas e desconhecidas possam exercer esse efeito, seja ele estimulado pelos hormônios num processo de retroalimentação ou não. No organismo humano, o mecanismo mais intimo das glândulas endócrinas é ainda em grande medida obscuro. O que é importante destacar é que a ciência reconhece conhecer muito pouco sobre o funcionamento glandular e seus hormônios. Sabe-se, no entanto, que por meio de reações químicas dos hormônios elas estimulam ou inibem uma resposta fisiológica complexa. Todas elas têm em

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comum o fato de secretar na corrente sanguínea “mensageiros químicos” que regulam e integram funções corporais. Nesse sentido, as glândulas endócrinas medem constantemente os ingredientes sanguíneos e do fluido intersticial das células a fim de regular varias funções no organismo, tais como a temperatura, queima de energia, reprodução, crescimento, desenvolvimento, metabolismo de alimentos, etc. Quando ocorre um desequilíbrio qualquer nessas funções, uma determinada glândula o detecta e secreta na corrente sanguínea uma mensagem que atua no sentido de restabelecer o equilíbrio fisiológico. As glândulas podem desempenhar papeis antagônicos entre si, mas, no conjunto, elas são complementares. Por exemplo, uma provoca um aumento de combustão energético no organismo e outra, uma diminuição; uma induz ao movimento, outra, ao repouso; uma inibe uma reação fisiológica e outra a estimula; e assim por diante. Todas as glândulas, no entanto, são indispensáveis para a manutenção saudável da vida, sendo que uma deficiência em qualquer uma delas pode causar grave desarmonia no organismo humano ou mesmo a morte. A maior parte das glândulas endócrinas (a pituitária anterior, a pituitária posterior, a tireóide, as supra-renais, os testículos e os ovários) atuam a cada momento respondendo aos vários estímulos processados pelo sistema nervoso central. De um modo geral, no entanto, elas atuam e afetam todo o corpo e seus diferentes sistemas, tais como os relativos ao esqueleto, aos músculos, à circulação, à respiração, à digestão, ao urinário e ao reprodutivo Cada individuo possui em si todas as glândulas endócrinas e assim pode experimentar as potencialidades e as limitações de todos os tipos. No entanto, a combinação entre si dessas glândulas, com a predominância de uma sobre outras, imprime nele um padrão de resposta aos vários estímulos que recebe do meio externo, caracterizando dessa forma a sua individualidade e unicidade, o que impede que dois indivíduos do mesmo tipo sejam absolutamente iguais.

1. CARACTERISTICAS ATIVO-PASSIVO E POSITIVO-NEGATIVO

São sete os tipos humanos que, como será explicado adiante, por razoes tradicionais receberam nomes que se relacionam com os planetas visíveis a olho nu, ou seja, lunar, venusiano, mercurial, saturnino, marcial, jovial e solar. O tipo lunar está relacionado com o pâncreas, o venusiano, com as paratireóides, o mercurial, com a tireóide, o saturnino com a pituitária posterior, o marcial, com as supra-renais, o jovial, com a pituitária anterior e o solar com o timo. Esses sete tipos podem ser ativo, passivo, positivo e negativo. A essência ativa é aquela que, mecanicamente, diante de qualquer situação, manifesta-se um impulso de tomar iniciativas, com tendência a considerar que, sem a sua participação ou intervenção, os empreendimentos deixariam de existir ou passariam a existir de um modo incompleto. Diante de obstáculos, a essência ativa inclina-se a procurar condições para removê-los. A civilização ocidental pode ser tomada como exemplo de cultura ativa, onde a inventividade e industriosidade, os descobrimentos e descobertas, a conquista da natureza, de outros povos e culturas são aspectos extremamente valorizados. Já a essência passiva inclina-se por deixar as iniciativas para os outros, tendendo a considerar-se dispensável na ordem das coisas, O sentimento de que o mundo giraria da mesma forma e as coisas teriam o mesmo curso, com ou sem a sua participação, a persegue na maioria dos seus empreendimentos e na maior parte de sua vida. Diante de um obstáculo, sempre haverá a tendência de contorná-lo, ao invés de removê-lo. A civilização oriental, com algumas exceções, pode ser tomada como um exemplo de cultura passiva, onde se privilegia a adaptabilidade às condições naturais, evitando o confronto e a intervenção drásticos com relação à natureza. O exemplo de Buda, ao sentar-se ao pe de uma figueira esperando pelo entendimento de

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todas as coisas, ao invés de ir procurá-lo ativamente, é um caso em questão. A máxima de Confúcio “Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam” é outra exemplo de preceito moral passivo. O mesmo ocorre com a medicina oriental tradicional. A acupuntura, por exemplo,m baseia-se numa interação harmônica de energias e forças naturais para restabelecer o equilíbrio e a saúde, ao contrario do aspecto muitas vezes agressivo e drasticamente intervencionista da medicina ocidental alopática. Os tipos são também positivos ou negativos, o que significa dizer que mecanicamente eles mostram uma visão e uma postura diante de si mesmos e do mundo identificadas com s aspectos positivos ou negativos. De cada situação. Os tipos positivos tendem a mostrar uma mentalidade construtiva e a não observar os aspectos difíceis e desagradáveis da vida. Eles raramente imaginam, por exemplo, que um negócio venha a dar errado ou um empreendimento seja prejudicado por acontecimentos imprevistos. Se um copo está com líquido até a sua metade, eles diriam que ele está quase cheio. Eles tendem, portanto, a ser otimista, dando pouca consideração aos obstáculos e às forças negadoras de uma iniciativa qualquer.Os tipos negativos, pelo contrário, tendem a focalizar justamente os aspectos difíceis e desagradáveis da vida. Eles mostram mais facilmente insatisfação com as coisas e com o rumo dos acontecimentos, revelando constantemente uma visão crítica da realidade. No exemplo do copo com líquido até a sua metade, ele diria que está quase vazio. Eles tendem, portanto, a ser pessimistas, hiperdimensionando em cada coisa ou situação o lado negativo, os obstáculos e as forças negadoras, sejam elas reais ou imaginárias. Como veremos, o tipo lunar aparece como passivo e negativo; o venusiano, passivo e positivo, o mercurial, ativo e negativo; o saturnino, ativo e positivo; o marcial, ativo e negativo; o jovial passivo e positivo e, finalmente, o solar, ativo e positivo. É importante enfatizar que as características ativa ou passiva, positiva ou negativa não apresentam nenhuma vantagem objetiva.

Em situações normais e corriqueiras da vida, no entanto, muitas vezes esse não é o caso, pois uma ou outra dessas características pode representar uma vantagem real. . Numa situação de crise política e social, por exemplo, pode ser vantajoso para um homem de negócios ser passivo e negativo, uma vez que, nesse contexto, minimizar as dificuldades para um empreendimento qualquer pode implicar um alto risco de fracasso. É evidente que ser ativo ou positivo também pode ser mecanicamente mais adequado para muitas outras situações.

2. OS TIPOS DE ESSÊNCIA.A descrição que em seguida será feita dos tipos está mais

próxima de uma caricatura, um exagero idealizado, do que de uma descrição empírica da realidade. Numa determinada população é mais comum encontrar indivíduos que apresentam uma combinação de pelo menos dois tipos, fato esse que atenua as características de cada um. Essa combinação, no entanto, como será explicado adiante, só pode ocorrer com relação ao tipo seguinte de uma seqüência predeterminada, de modo a permitir que ocorram tipos lunares-venusianos, venusianos-mercuriais, mercuriais-saturninos, saturninos-marciais, marciais-joviais e joviais-lunares. A exceção a esta regra ocorre com o tipo solar que pode combinar com qualquer outro tipo.

A descrição que faremos a seguir obedece rigorosamente à teoria estabelecida por Rodney Collin, que, no entanto, apenas lançou as suas bases sem chegar a desenvolvê-la. Em sua obra, a teoria dos tipos aparece diluída numa abordagem muito mais ampla dentro do contexto do sistema Ouspensky-Gurdieff, o qual também será comentado na parte final deste livro. Todos os exemplos citados aqui foram colhidos ao longo de quinze anos de experiência e estudo dessa teoria a partir dos ensinamentos de Robert Burton, mencionado anteriormente. É evidente que o assunto está longe de

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ser esgotado, uma vez que a teoria, se não se tornar pratica, perde o seu valor.Na descrição que se segue procuraremos encontrar afinidades entre os tipos com o corpo celeste que representa. O leitor pode entender esta preocupação, por enquanto, como uma analogia poética. Na parte final do livro tentaremos mostrar que de fato o relacionamento do ser humano com aspectos cosmológicos é mais poderoso do que parece à primeira vista.

2.1 O TIPO LUNAR A glândula predominante no tipo lunar é o pâncreas, que é, ao mesmo tempo, uma glândula exócrina (enquanto secreta hormônios no sangue, a partir das ilhas de Langerhans) Os hormônios endócrinos secretados pelo pâncreas são a insulina, que abaixa o nível de glicose no sangue, e o glucagon, que o aumenta. Dessa maneira, a ação endócrina do pâncreas é controlar o nível de combustão energética da glicose, a principal fonte de energia do organismo. A insulina queima o excesso de açúcar no sangue, num processo antagônico ao das supra-renais. Enquanto essas ultimas provocam combustão do açúcar como resposta a estímulos urgentes e altamente emocionais, a primeira o antagoniza em tecidos periféricos, esfriando, assim, o fogo das atividades resultantes da adrenalina. Já a ação do glucagon contribui para impedir que a glicose no sangue caia a níveis perigosamente baixos, principalmente nos casos de jejum ou de fome. A sua secreção no sangue aumenta quando há um declínio na glicemia e diminui quando ocorre o contrário. Quando ocorre uma queda na produção de insulina, ou uma hiper secreção de glucagon, aumenta o nível de açúcar no sangue, resultando na doença conhecida como diabetes mellitus. Quando essa disfunção se encontra em fase adiantada, os tecidos orgânicos não utilizam a glicose necessária para o organismo, resultando em vários tipos de desequilíbrios, inclusive a morte. Uma outra função

da insulina secretada pelo pâncreas refere-se ao controle da distribuição de líquidos no organismo (por meio da retenção de sódio) através do sistema linfático, tarefa essa que é executada em conjunção com o coração e os rins. Esta função é, de uma certa forma, análoga à da Lua em relação à Terra, que também contribui para a distribuição de líquidos neste planeta. Tanto física como psicologicamente o tipo lunar apresenta várias analogias com o corpo celeste que o representa. É um tipo com formas arredondadas, principalmente a cabeça e o rosto.; é também imaturo, fraco e com um aspecto infantil de quem não teve um desenvolvimento pleno. Sua cor tende a ser esbranquiçada e pálida, sua estatura, pequena, e seu porte e traços, delicado. Psicologicamente, ele se mostra tímido, reservado e introvertido, quase sempre agindo sem confiança em si mesmo, como se não tivesse nenhum atrativo que pudesse provocar a atenção e o interesse dos outros. O tipo lunar sente-se mais confortável sendo anônimo e invisível. Quando possível ele se esconde atrás de um titulo ou de uma posição social. Com isso, a impressão que muitas vezes causa nos outros e a de uma figura enigmática, inescrutável e um tanto estranha. Por mostrar-se frágil e indefeso, ele também invoca sentimento de proteção. O lunar é o tipo mais passivo, ou o mais feminino de todos, sendo também, ao mesmo tempo, negativo, ou seja, tende a identificar-se com os aspectos desagradáveis ou feios de cada coisa ou situação. Essas duas características formam uma essência que constantemente demonstra insatisfação com quase tudo que a cerca e ao mesmo tempo mobiliza muito pouco esforço para mudanças. Isso ocorre porque se trata de um tipo pessimista, com tendência a permitir, pela inércia, estagnação em seu mundo interno e externo. Se mudanças ocorrem, de um modo inquestionavelmente favorável, ele poderá ainda assim concentrar-se no ponto de que nada é eterno e que no fim o pior ira acontecer naturalmente. Quando essa atitude radicalizada haverá um comportamento neurastênico, insatisfeito

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com tudo e com todos, sem no entanto encontrar forças para propor qualquer alteração construtiva nas circunstancias de sua vida. Se, por exemplo, ao tipo lunar for mostrado um objeto bonito, ele poderá reconhecer a beleza, mas muito provavelmente irá concentrar sua atenção em algum problema, como, por exemplo, o fato de não estar bem conservado ou cuidado ou ainda o fato de não estar no melhor dos lugares. Assim como a Lua não apresenta movimento próprio de rotação, o lunar é lento, com tendência à estagnação. Trata-se de um tipo profundamente conservador que não atrai alteração alguma prática em sua vida. No entanto, intelectualmente ou artisticamente ele pode mostrar uma disposição criativa e inovadora, a partir de sua visão critica e inconformada com o mundo. João Pessoa, por exemplo, representava muito bem essa combinação de atitudes. É possível observar nas manifestações externas de sua vida uma forte tendência para um comportamento metódico e conservador com pouca demonstração de movimento e vibração. Ao mesmo tempo, no que diz respeito à sua vida interior e à sua produção poética, não resta dúvida a respeito de seu caráter criativo e revolucionário. O raio de ação tanto físico como mental do lunar é pequeno e limitado. Isso que dizer que raramente ele se interessa ou se concentra em assuntos ou situações nos quais não sinta competência e domínio. No entanto, no contexto desse raio de ação, ele demonstra ser meticuloso, profundo e perfeccionista. O tipo lunar aprecia a noite e a solidão defensiva de quem investe tudo para preservar o seu pequeno mundo, que ele partilha com muito poucas pessoas. Nesse mundo há um aspecto que é só seu, um segredo íntimo que é preservado como um consolo emocional e um senso de identidade. Também nesse particular o seu comportamento é análogo ao fato de a Lua apresentar um lado oculto que não é mostrado a ninguém. Ele tende também a ser celibatário e se constitui família não se mostra prolífico. Socialmente é, com freqüência, desajeitado, introspectivo, frio e um tanto esquisito. O ambiente em que melhor

se adequaria seria aquele em que pudesse presenciar os acontecimentos sem sr visto ou observado. Muitas vezes a sua expressão impessoal, emocionalmente alheia aos acontecimentos provoca exatamente aquilo que procura, ou seja, permanecer sem ser notado ou invisível para os outros. O lunar apresenta intensas variações emocionais e mostra muita dependência de seu estado de humor. A sua emoção negativa mais freqüente é a melancolia ou a tristeza. Muitas vezes, radicalizando esse sentimento, tende a resvalar um aspecto um tanto mórbido. Exemplos nesse sentido são os de Chopin, Baudelaire, Sartre, Kafka, Edgar Allan Poe, além de Fernando Pessoa. Por ser fisicamente fraco e sem iniciativa, sob o ponto de vista do tipo lunar o mundo é quase sempre observado como uma ameaça contra a qual é necessário estar sempre na defensiva. Com esse propósito, a sua palavra favorita é o “não, prodigamente usada em várias situações e contextos. O traço principal da personalidade lunar é nesse sentido a teimosia ou a resistência passiva a seguir qualquer orientação, sugestão ou indicação, simplesmente para se defender do que considera uma imposição ou controle intolerável. Resistindo ou dizendo não, ele se sente real. Às vezes, a compulsão pela resistência passiva é tão grande que ele precisa criar imaginariamente as ameaças ao seu pequeno mundo de modo a lhe conferir realidade. Trata-se de uma característica muito comum em crianças com quem, muitas vezes, é preciso fazer uma proposta contrária para conseguir que ela faça o que é necessário. Acreditando que a sua participação num empreendimento qualquer é pefeitamente dispensável e que de qualquer maneira ele não dará certo, dificilmente o tipo lunar assume compromissos com outras pessoas. Alem disso, sabendo que é dependente do seu estado de humor, o compromisso tenderá a ser visto como uma precisão insuportável. Obedecer ou seguir alguém muitas vezes significa para ele subjugar-se, ou seja, ter o seu pequeno mundo invadido e destruído. A defesa do que considera seu é geralmente feita peã

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solidão, quando é possível, ou pelo uso das regras, dos costumes e das leis como um escudo protetor, quando a interação social é inevitável. É comum, nesse sentido, o lunar mostrar-se meticulosamente intransigente, vendo no comportamento dos outros um constante perigo e ameaça de quebra ou ruptura da ordem estabelecida. Por isso, freqüentemente ele procura emprego nas burocracias públicas, e ninguém mais do que ele consegue ser tão meticuloso no trato das regras que a normatizem, Por esse motivo tende a se investir no papel do guardião das normas, das etiquetas e das convenções sociais. É a maneira pela qual ele extrai a sua força e o seu poder, mas muitas vezes faz isso apenas pelo amor à meticulosidade. Um outro traço comum ao tipo lunar é a tendência a seguir um ponto de vista, um objetivo ou uma meta de um modo obstinado, inflexível, sem trégua e desvio. Muitas vezes a situação ou o contexto que produziu essa reação muda e o individuo continua com o mesmo comportamento, sem que mostre a menor percepção da mudança. Para seguir o objetivo a que se propôs, ele muitas vezes dispensa totalmente a aprovação social ou o reforço psicológico. Existe nesse aspecto uma rigidez muito difícil de ser removida ou mesmo atenuada. Um ponto positivo desse traço é que, diante de uma meta ou objetivo, dificilmente ocorre dispersão ou distração. O tipo Lunar é extremamente persistente e geralmente leva os poucos empreendimentos que assume ate o fim, sejam quais forem os obstáculos, sem se importar tampouco com o tempo que pode levar. Quando esse traço se radicaliza, no entanto, ele recebe o nome de lunatismo e aí dificilmente ocorrem boas conseqüências. Hitler pode ser tomado como um exemplo extremado de como o traço de lunatismo pode se manifestar. Se a frieza do lunar pode incomodar os outros tipos em várias situações sociais, há um aspecto extremamente positivo nessa característica em contextos difíceis de crise emocional ou de perigo.

Nesse caso, dificilmente o tipo lunar perde a sua compostura, podendo contribuir com uma ajuda inestimável. A idade média, principalmente a assim chamada Alta Idade Média, foi um período lunar. O isolamento dos feudos e dos monastérios, o rígido laço que prendia o servo ao ser senhor, a resistência pessimista a qualquer mudança e a desvalorização da vida humana são aspectos que remetem inevitavelmente às características desse tipo. O mesmo ocorre em várias manifestações artísticas e filosóficas desse período, como o canto gregoriano, a arte e a filosofia bizantina e o estilo gótico, que demonstram uma rigidez fria e estéril mas plena de detalhes na forma e no conteúdo. O fenômeno da Inquisição mostra também a intolerância e a dificuldade de conviver com pontos de vista diferentes. O padrão de beleza desse tipo, ao difundido pela pintura religiosa medieval e pré-renascentista, é aquele representado pelas Virgens Marias e santos da Igreja Católica. Lucas Cranach pintou vários nus que expõem a beleza mundana segundo o ponto de vista lunar, ou seja, mulheres frágeis, imaturas, de compleição pequena, cor leitosa e pouco sensuais. Fra Angélico mostra como ninguém a virtude lunar de pureza, inocência e fragilidade quase infantis que acomp0anham as manifestações positivas desse tipo. Hoje em dia esse padrão de beleza chega a ser muito valorizado socialmente. Uma outra civilização lunar, alem da Idade Média européia, é a chinesa. O isolamento secular desse país tem como tradição a Grande Muralha, cujos propósitos foram eminentemente defensivos. Ainda hoje esse isolamento e auto-suficiência ocorrem, mesmo diante da transformação do mundo numa aldeia global. O aspecto introvertido e misterioso dessa cultura, muitas vezes estereotipado nos contos ou nos filmes policiais, traduz muitas vezes uma imagem apropriada das características desse tipo.

2.2 O TIPO VENUZIANO.

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As glândulas predominantes no tipo venusiano são as paratireóides, quatro pequenas glândulas que se localizam ao lado da tireóide e funcionam em relação a ela como um complemento neutralizante. Elas produzem o paratormônio, que se opõe e equilibra a calcitonina, um hormônio produzido pela tireóide. Enquanto este último diminui a concentração de cálcio no sangue e em outros fluidos corporais, o primeiro a aumenta. A estabilidade da concentração de cálcio no sangue é essencial para uma ampla variedade de funções corporais, incluindo, em particular, a manutenção da excitabilidade normal dos nervos e dos músculos. O paratormônio gerencia o nível de cálcio e fósforo na corrente sanguínea, comandando, sempre que necessário, a transferência desses elementos a partir dos ossos.Com esse propósito ele atua também nos rins e no sistema digestivo. A falta de cálcio nessas estruturas e no sangue produz sintomas que são opostos ao comportamento normal do tipo venusiano, ou seja, espasmos musculares, hiperexcitabilidade, convulsões e nervosismo. Produz também retardamento físico e mental, malformação de unhas e dentes e varias outras seqüelas relativas ao distúrbio do controle de cálcio e fósforo no organismo. Já uma superatividade das paratireóides, produzindo uma concentração excessiva de cálcio naquelas estruturas, pode ocasionar uma falta desse elemento nos ossos, o que poderia enfraquecê-los. Dessa forma, ao contrário da tireóide, que produz movimento e volatilidade, a ação da paratireóide deve produzir repouso, passividade e vida vegetativa. De alguma forma, a homeostase do cálcio é essencial para o crescimento e desenvolvimento celular dos tecidos de tal modo que, com a dominância dessa glândula no individuo, haverá tendência a ocorrer uma falta de consistência óssea e ao mesmo tempo uma abundancia de tecidos e de sangue. Sob o ponto de vista psicológico, esse aspecto se traduz num caráter maleável, sem rigidez ou mesmo consistência e, ao mesmo tempo, uma postura calma, plena e

satisfeita como a de quem vive numa abundância preguiçosa e vegetativa. O tipo venusiano é feminino, plácido, sereno, lento e contemplativo. Suas formas são arredondadas, peito pequeno, ombros estreitos, quadris largos e pernas grossas. Muitas vezes exibem também cabelos e pelos abundantes. As características passiva e positiva emprestam também um excelente apoio para qualquer projeto ou empreendimento. Embora não tenha em sua essência um impulso propriamente criativo, capacidade de liderança e iniciativa para gerar forças e tomar decisões, torna-se muitas vezes indispensável ,por sua lealdade e apoio constante, para o prosseguimento e a continuidade de um empreendimento que outros iniciaram. Para esses tipos, tomar decisões, mesmo as mais simples e corriqueiras, pode constituir-se num processo penoso e angustiante. No entanto, a sua capacidade de adaptação a situações e atividades difíceis pode ser realmente extraordinária. Sob extrema pressão, quando qualquer outro tipo sucumbiria ou se sustentaria à custa de um enorme esforço, a sua maleabilidade permite conformar-se a adaptar-se como um camaleão que, ao mimetizar a natureza ao redor, encontra um meio eficaz de sobrevivência. Evidentemente, para que essa maleabilidade seja possível é necessário que na haja nele posições e posturas muito firmes. O tipo venusiano apresenta, nesse sentido, uma falta de consistência ou convicção em sua própria postura ou posicionamento. Diante de qualquer atitude mais firme que a sua ele tende a ceder espaço, colocando-se numa posição subalterna. A mente do venusiano é extremamente aberta, compreendendo as razoes para as atitudes dos outros, mesmo quando consideradas reprováveis. Ele consegue ver a lógica no argumento de todos, sendo que dificilmente força para impor a sua própria posição. Essa mesma abertura, que permite ver os vários lados de uma situação, o impossibilita, no entanto, de concentrar-se alguns pontos em

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detrimento de outros. Configurando uma opinião ou uma postura inconsistentes. Por isso o mundo lhe parece tão amplo e com tanta variedade que qualquer pressão que implique escolha e tomada de decisão assume um caráter extremamente difícil, senão impossível, porque significa necessariamente algum tipo de seleção, com a conseqüente exclusão de uma ampla gama de realidade. A sua tolerância chega ao ponto de perder o discernimento prático sobre o certo e o errado, o bonito e o feio. Isso não quer dizer que ele não saiba discernir entre uma coisa e outra, mas simplesmente que a sua capacidade de tolerar, aceitar e se adaptar ao errado e ao feio é grande ao ponto de não permitir que o seu discernimento se torne prático. Na educação de uma criança, por exemplo, ele tende a ser totalmente permissivo, incapacidade de censurar ou impedir, por meio de castigos, a manifestação de certos comportamentos indesejados. Como jardineiro, é provável que tenha receio de arrancar certas variedades de plantas para imprimir mais harmonia ao jardim. Em casos extremos, talvez ele tenha dificuldade de eliminar até o mato. Além de plantas, o venusiano é bastante ligado em casa e família. Com as crianças, usa uma linguagem muito próxima delas, o que geralmente permite uma ótima comunicação. Muito mais do que disciplina e luta pela vida, ele ensina a usufruir prazeres sensuais simples que a vida oferece, como, por exemplo, o simples ato de estar e permanecer juntos usufruindo a companhia um do outro. A situação ideal para ele é aquela em que se coloca na posição de servir. Sem a preocupação e a responsabilidade de tomar decisões servindo e implementando as decisões tomadas por outros, ele se mostra caloroso, simpático e otimista. Não exercendo qualquer pressão ou competição e deixando os outros completamente ã vontade, ele inspira confiança, sendo, por esse motivo, bastante popular e muito apreciado pelos demais tipos. O fato de ser passivo e positivo faz com que o tipo venusiano tenda a ceder a outros o seu próprio espaço, mesmo que isso lhe

traga prejuízo. Ele pede muito pouco de seus amigos e está sempre disposto a sacrificar os seus próprios interesses em favor de umasolicitação. Isso ocorre mecanicamente, sem que haja necessariamente consciência do processo. Numa conversa, por exemplo, nada mais fácil do que interrompê-lo, cortar o que vinha dizendo e introduzir um novo tópico de interesse. É provável que ele nem chegue a notar que tudo isso ocorreu, tão disposto está a ceder o que lhe pertence,. A característica apontada acima o torna um ótimo confidente. O seu olhar sereno e a sua aparência calma agem como um solvente com relação aos problemas dos outros. Além disso, ele se mostra sempre disposto a ouvir e a participar intensamente das dificuldades alheias. É como se esquecesse da sua própria vida e de seus próprios problemas para deixar sua mente povoada com a vida e os problemas dos outros. Essa é a principal característica ou a principal fraqueza do tipo venusiano, ou seja, a característica da não existência . Este traço manifesta-se como uma espécie de auto-anulação diante de qualquer outra força, representada por alguma outra pessoa ou evento externo. Indivíduos venusianos estão constantemente preocupados com a vida dos filhos, do cônjuge ou de amigos, e tudo o que fazem é em função deles. Em seus empregos eles são extremamente dedicados e vivem em função da firma em que trabalham. Empregadas domésticas, por exemplo, muitas vezes passam a viver a vida emocional dos patrões e a se preocupar com o que ocorre com eles mais do que os acontecimentos que envolvem a sua própria vida. Por não terem desenvolvido uma vida própria, os tipos venusianos frequentemente entram em crise, quando seus filhos se afastam, quando se aposentam ou quando perdem o cônjuge. A impressão que o traço de não-existência deixa nos outros é realmente a de alguém que não esta presente. Numa festa, por exemplo, a que sabemos ter comparecido, digamos, dez pessoas, lembramos de apenas nove e, sem sucesso, forçamos a memória para nos lembrar do ultimo. É bem provável que ele seja venusiano

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com traço de não-existência, por causa de sua habilidade especial de passar invisível, totalmente desapercebido. Assim, esse traço manifesta-se como um não-estar-presente e, realmente, o venusiano tende a ficar completamente fora do ar, desligado da realidade que o cerca. Isso ocorre principalmente, em situações difíceis, em que ele se sente pressionado. Mas ocorre também diante de um grupo de pessoas, quando então se sente anulado pelos demais. Um outro traço que acompanha o desenvolvimento da personalidade venusiana é a bondade mecânica, ou seja, a incapacidade de dizer não e a tendência a ceder à vontade dos outros, mesmo em situações que envolvem prejuízo de seus próprios interesses. Como veremos no ultimo capitulo, esta característica, como as demais relativas aos outros tipos, constitui obstáculo importante que o individuo deve tentar controlar para favorecer as suas possibilidades de evolução. O planeta Vênus é o que, no sistema solar, apresenta maior semelhança com o planeta terra. Analogamente, o tipo venusiano sente-se perfeitamente à vontade com as condições de vida neste planeta, principalmente quando elas lhe permitem um contato maior com a natureza em geral e com as plantas,. Em particular, com as quais sente uma finidade especial. E mais provável que possa ficar ele mesmo sem alimento do que uma planta sob os seus cuidados sem água. A manifestação de passividade e positividade venusiana apresenta analogia com a vida de um vegetal. Assim como uma das funções das glândulas paratireóides é a de fomentar o crescimento vegetativo, das células, esse tipo também age no sentido de contribuir para um crescimento lento, positivo e natural de qualquer coisa ou de qualquer empreendimento., Por tudo isso, a constância de sua força passiva, a placidez E serenidade com que reage a situações difíceis e a sua capacidade de permanecer invisível diante da turbulência do mundo humano constituem aspectos positivos que, de um certo modo são análogos ao crescimento natural dos vegetais.

Essas características apontadas acima produzem no tipo venusiano um aspecto excessivamente descontraído e relaxado, propício a gerar situações em que faltam ordem e comando. É exatamente isso que ocorre com a sua vida em geral. No trabalho, a tentativa de manter os papéis e as contas em ordem quase sempre constituem um empreendimento sem esperança de ser atingido, Sugerir que ele internalize uma autodisciplina ou uma atitude que organize os fatos do seu dia-a-dia é pedir o impossível uma vez que ele só consegue agir sob uma intensa pressão ou comando externo. Sendo assim, ele se posiciona sempre atrás dos acontecimentos. Em situações extremas, uma dona de casa venusiana daria a impressão aos outros de que nada em sua família está sob controle e de que a casa vive num estado de caos permanente. Panelas no fogo, fraldas de criança ainda por lavar, compras para serem feitas, o preparo de filhos para irem à escola, tudo isso, empreendido sem nenhum esquema, gera um quadro caricatural de perda de controle e desordem, quadro este que muitas vezes corresponde ao cotidiano desse tipo. A arte venusiana exibe uma abundância de cores vivas como a pintura de Gauguin, cujos temas, centrados nas Ilhas dos Martes do sul, também refletem muito bem esse tipo. A pintura romântica de Delacroix, principalmente quando os temas são provenientes da sua experiência da Argélia, exibe também tipos venusianos muito bem caracterizados. Um exemplo marcante disso é a sua pintura As Mulheres de Argel. A música venusiana apresenta características calorosas, sensuais, serenas e um tanto nebulosas como a música árabe e hindu em geral. No Ocidente, a música de Satie e de Debussy também constituem bons exemplos. Na indumentária, esse tipo gosta de roupas confortáveis, soltas, vistosas, coloridas e naturais como o algodão ou a seda.Países que mostram características venusianas são aqueles onde predominam traços receptivos, calorosos, hospitaleiros, otimistas,

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passivos, desorganizados, preguiçosos, não asseados e não –existentes. Não é difícil perceber que o Brasil, por exemplo, é um país venusiano, principalmente as suas regiões Norte e Nordeste. O Egito, a Índia, as Ilhas dos Mares do sul são também paises e regiões onde predominam características desse tipo.

2.3 O TIPO MERCURIAL. A glândula predominante no tipo mercurial, a tireóide, que se localiza na parte anterior do pescoço, desempenha um papel-chave na regulação do metabolismo, secretando três hormônios muito importantes, a triiodotironina (T3), a tiroxina (T4) e a calcitonina. Enquanto esta ultima abaixa o nível de cálcio no sangue, em direta oposição à ação da paratireóide, a T3 e T4 controlam as atividades das enzimas que, por sua vez, controlam a velocidade com que a energia é consumida nas células do organismo. Por esse meio, a tireóide regula o combustão de ar no processo de respiração, e simulando o consumo de oxigênio das células da maior parte do organismo. Como decorrência da estimulação do metabolismo há um aumento de apetite, perda de peso, aumento da temperatura corporal e da pressão arterial e diminuição do nível de colesterol na corrente sanguínea. Esta glândula é também necessária para o desenvolvimento e crescimento de crianças, sendo que um funcionamento deficiente pode implicar nanismo e retardamento mental, entre outros desequilíbrios. De um modo geral, pode-se dizer que a ação da tireóide imprime velocidade no organismo. Seus hormônios catalisam os processos mencionados acima ao provocar a queima de energia celular, de tal modo que, quanto mais intenso for o seu trabalho, mais rápido e mais nervoso parecerá o indivíduo. Em caso de hiperfunção desta glândula, o organismo reage com suor excessivo, taquicardia, tremores, proeminência de globo ocular, aumento de pressão arterial, entre outras disfunções. O tipo mercurial é geralmente magro e pequeno, mas bem proporcionado, com traços faciais bem delineados, olhos brilhantes e

agitados. O seu aspecto físico tende a mostrar uma idade inferior àquela que tem. Trata-se, no âmbito psicológico, de um tipo impulsivo, nervoso, com percepções rápidas e tendência a crises explosivas e de insônia. A analogia com o planeta mercúrio ocorre por vários motivos. O planeta é o menor do sistema solar, não tem movimento de rotação, uma condição imatura próxima da de satélite. No entanto, o seu movimento de translação ocorre com uma velocidade muito maior do que a dos outros planetas. Esse fator, juntamente com a sua proximidade do sul, o torna pouco visível em relação à terra. Na mitologia grega antiga, Mercúrio usava asas nos calcanhares, o que lhe dava grande velocidade para desempenhar a sua função de mensageiro dos deuses. Essa função lhe permitia acompanhar os principais acontecimentos que ocorriam entre os demais deuses e, assim, fazer parte do cenário dos principais eventos do Olimpo. Essa representação é bastante apropriada para se compreender aspectos importantes desse tipo, uma vez que o coloca em transição constante no cenário principal de poder, sem que nele possa permanecer definitivamente devido a uma constituição leve e rápida, mais talhada ao movimento do que ao estabelecimento consistente de raízes. O tipo mercurial é ativo e negativo e, nesse caso, essas condições significam tendência a um desempenho agitado, rápido e nervoso. Subjacente a essas atitudes, encontra-se uma percepção da realidade colorida pela suspeita constante de que a qualquer momento os eventos podem virar contra os seus interesses. Tudo constitui uma ameaça e é preciso agir para que o pior não ocorra. Muito individualista, esse tipo não é propriamente talhado para servir ou seguir os outros. Os propósitos que guiam a sua ação são geralmente egoístas, raramente deixando-se levar por princípios morais que traduzam necessidades e anseios coletivos. Mesmo quando se preocupam com os outros é muito difícil se convencerem

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de que possam fazer qualquer coisa sem antes encontrar fama, gloria ou principalmente poder. A sua visão negativa não é dirigida somente ao mundo, mas inclui a si mesmo. Sob o poder dessa perspectiva, consideram-se fracos para lidar com as poderosas forças que regulam a convivência social. Daí a obsessão pelo poder, que se torna a única defesa da sua própria visão negativa do mundo, Ir em busca desse objetivo, no entanto, eles raramente o fazem de um modo aberto e direto, principalmente porque os motivos que lhes dão suporte na maioria das vezes obscuros e movidos pela insegurança e medo de fracasso. Assim como o planeta que o representa, também o tipo mercurial exibe características imaturas, que o fazem muitas vezes parecer-se a uma criança, que pensa ser o centro do universo e que tudo existe para seu próprio usufruto. Da mesma forma como esse planeta, que é visível poucas vezes ao longo do ano a partir da Terra, o tipo mercurial mostra também um comportamento furtivo e dissimulado. No entanto, ao contrário do lunar, que exibe uma imaturidade tímida e reservada, o mercurial mostra uma grande facilidade de contato e de comunicação. Tal como o planeta Mercúrio, que aparenta ter luz própria devido à sua proximidade do sol, o tipo mercurial também procura brilhar, sem no entanto gerar meios para isso. O seu raio de ação é pequeno e limitado mas a sua velocidade engana, fazendo crer que age em várias direções ao mesmo tempo. Vários artifícios são utilizados para atrair a atenção dos outros. O tipo mercurial gosta de ser visto, observado e de chamar a atenção. A sua voz é poderosa e veemente, seus gestos, amplos e vigorosos. A sua argúcia, perspicácia e humor também impressionam. A sua impetuosidade e arrojo mostram também, na aparência, poder de realização e capacidade de empreender com sucesso qualquer iniciativa. No entanto, centrado em si mesmo e sem condições de ir além de seus próprios limites, dificilmente ele pode cumprir tudo aquilo que propõe. Por isso, muitas vezes, é considerado inconsistente e pouco sério.

O tipo mercurial geralmente não se conforme em desempenhar papeis secundários. Se as condições de sua vida frustrarem essa auto imagem ele poderá adotar atitudes de insubordinação furtiva e manipulativa das regras de convivência social com o propósito de reverter a situação que considera desfavorável. Parece-lhe perfeitamente normal, nesse contexto, adquirir o que considera seu por direito, ainda que os meios para isso sejam ilícitos ou pouco recomendáveis. Ao mesmo tempo verifica-se a tendência à insegurança, sugestionabilidade e dependência da opinião publica. Pessimismo ocorre não só para com a realidade externa que o circunda mas sobretudo para com a sua vida íntima. Essa característica, ao lado de uma compulsão pelo agir, muitas vezes gera uma vontade constante de ser aceito e querido. Ser tratado com frieza ou indiferença, significa, nesse contexto, uma ameaça à imagem positiva de si próprio que procura oferecer aos outros e, ao mesmo tempo, confirma a auto-imagem negativa que procura esconder mas sempre, em seu íntimo, o acompanha. Como o tipo mercurial não é criativo, ele mostra pouca capacidade de gerar forças para qualquer empreendimento que envolva a participação de um número maior de pessoas. No entanto, ele pode ser incansável na perseguição de seus propósitos e, a curto prazo, pode ser muito convincente e com um alto grau de persuasão. A rapidez de seus processos mentais o leva a acompanhar o raciocínio de seus interlocutores antecipar as dúvidas e os receios que possam surgir a qualquer momento. Com isso, ele demonstra estar preparado para respondê-los ou rebatê-los, dando a impressão de que o assunto em questão se encontra bastante amadurecido e sob total controle. Com segurança ele é capaz de defender com igual competência tanto a Deus como ao Diabo e nutre um gosto especial pelo desempenho de papeis ambíguos. Trata-se de uma forma de esperteza que se mostra muito apropriada para algumas profissões

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como, por exemplo, vendedores de qualquer tipo de mercadoria, comerciantes, mascates e, principalmente, advogados. Ele pode também ser um ótimo entretenedor, desempenhando bem papéis que atraem a atenção dos demais e o deixam em evidência diante de um público. É o caso de muitos políticos, artistas de televisão, cantores, humoristas, etc. A sua agilidade e versatilidade mostra, à primeira vista, alguém que conhece de tudo e sobre tudo tem uma opinião. Embora essa opinião possa ser emitida com brilho, geralmente lhe falta profundidade. É possível também que mude radicalmente de posição quando confrontado ou se por qualquer motivo considerar isso conveniente ou lucrativo. Em qualquer circunstância, a atração pelas argumentações e discussões na defesa de idéias é irresistível. A sua impetuosidade não lhe permite permanecer quieto, uma postura muito mais apropriada para quem pretende digerir e compreender bem uma opinião. Assim, ele está sempre interrompendo o interlocutor para mostrar um argumento que para ele é definitivamente melhor. As características principais desse tipo são o poder e a vaidade. O poder que ele manifesta, no entanto, não é confrontativo, mas furtivo, manipulativo e indireto. Ele se interessa por qualquer situação que envolva jogo de forças, mas dificilmente se coloca diretamente em posição de luta, preferindo ficar na retaguarda, manipulando os contendores e tramando estratégias que possam reverter em vantagens pessoais. O personagem Iago da peça Otelo de Shakespeare, mostra muito bem esse aspecto. Visando ao poder, ele estabelece um novelo de manipulações e intrigas no sentido de indispor o comandante. Otelo contra sua mulher Desdêmona e seu subordinado Cássio. A vaidade própria desse tipo revela, muitas vezes, uma imaturidade infanto-juvenil de se considerar bonito, inteligente, importante e capaz. Muito tempo é dedicado à aparência e ao modo como se apresenta em público. Mesmo quando não tem nada do que se gabar, sempre encontra motivos triviais que se transformam em

características próprias de um herói. Ter estilo próprio é um pouco considerado indispensável para o seu senso de identidade e de auto-estima. Diante de um elogio ou de uma bajulação, ele pode perder qualquer contato com a realidade e assim esse aspecto se transforma numa fraqueza e numa armadilha em que se vê constantemente preso. Países latinos em geral apresenta características mercuriais bem pronunciadas, com a exceção de Portugal, que parece ser lunar-venusiano. A aversão a seguir regras, normas e leis sociais ao lado de um individualismo muitas vezes exacerbado são aspectos mercuriais que se mostram, com maior ou menor intensidade, na maioria dos países latinos. A França e a Itália, em particular, exibem uma forte tendência mercurial. É suficiente um turista tentar comprar mercadorias de um vendedor numa das muitas barracas de rua em Florença, por exemplo, para entender o poder de persuasão ativo, impositivo e muitas vezes manipulativo desse tipo. Basta também dar uma volta pelo centro de Nápoles para perceber a agitação e nervosismo tão tipicamente mercuriais, de um tráfego indisciplinado de gente e veículos. Os perigos existentes nesta cidade raramente se assemelham aos de Nova York ou Londres, por exemplo, onde, em certos bairros, em certas horas, ocorre a possibilidade real de um transeunte ser agredido e assaltado com violência. Em Nápoles, o perigo encontra-se, com maior probabilidade, em ter de repente a carteira roubada por um esperto e ágil ladrão que se evade sem deixar marcas ou vestígios. A leveza e a frivolidade, ao lado da constante busca de glória e poder, são condições que perpassam quase todos os eventos históricos importantes da França. O Japão também pode ser tomado como outro exemplo de um país marcado por influências mercuriais. O fato de emprestar tantos elementos de outras culturas como a chinesa, a coreana e, modernamente, as do mundo ocidental mostra uma capacidade de imitar e de reproduzir maior do que a de criar. É

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evidente que outras características culturais e históricas concorrem para anular nesse país o individualismo e a incapacidade de trabalho em equipe.

2.4 O TIPO SATURNINO A glândula endócrina predominante no tipo saturnino é a pituitária anterior que corresponde a um dos lóbulos da pituitária, um órgão do tamanho de um caroço de cereja que se localiza junto ao cérebro, na altura do meio da testa. Esta glândula é fundamental para todo o sistema endócrino na medida em que, pela atuação de seus hormônios tróficos com relação às demais glândulas endócrinas, ela domina e controla o trabalho das mesmas. Pela ação de seus hormônios endócrinos secretados na corrente sanguínea ela estimula e regula, entre outras funções, a constituição, a produção de estrógeno e progesterona (os hormônios sexuais) e o pensamento abstrato. O exagero de suas funções na infância resulta no organismo humano no crescimento anormal dos ossos, principalmente nas junções e extremidades como as mãos, os pés e o queixo. Esse tipo de anormalidade é chamado acromegalia pela medicina. O gigantismo pode ocorrer na infância ou adolescência, em casos mais extremos. Quando, por outro lado, ocorre uma subatividade desta glândula, o resultado é o nanismo. Qualquer anomalia que nela ocorra produz vários desequilíbrios orgânicos relacionados com as funções das demais glândulas endócrinas, principalmente as glândulas sexuais, a tireóide, o pâncreas e as supra-renais. O hormônio do crescimento continua a ser secretado também em adultos, não só nas crianças. Ele exerce um efeito antiinsulina e também age no sentido de mobilizar ácidos graxos dos depósitos de gordura. O tipo saturnino é geralmente alto e forte, com ossatura e musculatura bem desenvolvida. Tanto a cabeça como os dentes são grandes; o nariz e a maça do rosto, salientes; o queixo, quadrado. No

aspecto psicológico, ele demonstra uma atitude compreensiva e tolerante, além de grande capacidade de aprendizagem, disciplina e autocontrole. Apresenta também uma tendência natural para governar e controlar o seu ambiente físico ou social. Como o planeta Saturno, que tem muitos satélites e procura atrair e absorver meteoros e meteoritos para a sua órbita, ele também mostra uma forte tendência a agir como um pai que procura controlar e manter os filhos sob a sua tutela. Também como Saturno, que é um planeta grande com um a ampla órbita em torno do Sol e com uma considerável influencia no sistema planetário, ele tende a ver em cada individuo, mesmo aqueles que se mostram estranhos e deslocados, alguém que possa se encaixar com algum papel útil dentro da sua área de influencia. O saturnino é também positivo e otimista, com grande capacidade de empreender e se comprometer com atividades que gerem recursos e possibilidades para os demais. Ele também pode ser considerado o mais maduro e responsável de todos. O seu aspecto é quase sempre severo, aparentando mais idade do que realmente tem. Agindo como um pai que procura encontrar um lugar adequado para cada um de seus muitos filhos, ele mostra tolerância para com as limitações e admira as qualidades dos outros. Alem disso, naturalmente procura proteger os fracos e os oprimidos. Isso ocorre, no entanto, somente no caso de haver aceitação da sua liderança e comando. O comando do saturnino manifesta-se como se ele tivesse a missão de realizar a construção de um grande empreendimento. Não importa que, para completá-lo, toda a sua não seja suficiente. Todas as pessoas passam a ser vistas como auxiliares em potencial nesta grande construção. Se tiver um componente emocional forte e se for religioso é muito provável que se transforme num missionário disposto a aturar grandes privações em regiões remotas do mundo para edificar o que considera um serviço e uma obra em favor de um poço ou da humanidade.

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Quando criança e jovem, em sua seriedade e introspectividade, o saturnino se mostra tímido. O mundo parece-lhe grande demais para a sua tendência dominadora. Mais tarde, pouco a pouco, acumulando evidencia que alimentam a auto-imagem de que ele é indispensável para uma série de atividades, torna-se extremamente confiante em si próprio. A sua principal fraqueza é a característica de dominância, ou seja, o traço que se desenvolve em sua personalidade com o qual se imagina indispensável para a realização de qualquer tarefa ou missão. Trata-se de uma tendência a imaginar que sem ele o mundo não giraria. Esse traço manifesta-se como se o seu portador tivesse que cumprir constantemente uma responsabilidade ou missão difícil ou mesmo penosa. Segundo o seu ponto de vista, o mundo está povoado de problemas e se alguém tem de resolvê-los ninguém estaria melhor preparado do que ele. A compulsão pelo domínio aplica-se não só em relação aos outros como a si mesmo. Para isso, ele está disposto a dispensar a si próprio a pior parte e o mais árduo trabalho. Se houver a necessidade de controlar a repartição de bens proveniente de uma herança, por exemplo, ele tenderia a propor-se a parte menos valorizada para que se legitime como verdadeiramente imparcial no controle e na distribuição dos bens. O controle, para ele, deve ser procurado exclusivamente como um fim em si mesmo e não pelo propósito de favorecimento pessoal. A sua fraqueza é exatamente não poder deixar de dominar qualquer situação ou evento, por mais trivial que posa parecer. Para ser exercido, o domínio necessita de uma contrapartida intelectual, faculdade essa que geralmente esse tipo tem bem desenvolvida. Capacidade empreendedora e inventividade são aspectos da sua essência que o tornam apto a desempenhar o papel de gerente ou administrador de cooperações industriais, comerciais e, principalmente, financeiras no mundo moderno. Controle, planejamento e ordem são condições extremamente valorizadas pelo tipo saturnino. Escapar delas significa

simplesmente permitir a presença de seu arquiinimigo, ou seja, o caos, contra o qual ele está constantemente em guarda. Estatística e medida numérica comparativa é o modo como nessa maneira rigidamente ordenada de pensar se manifesta no âmbito das coisas; hierarquia é o modo como se manifesta no âmbito social. A sua posição de liderança lhe parece tão naturalmente óbvia que nenhuma oposição seria facilmente compreendida ou aceita. A radicalização dessa tendência pode produzir um tipo dogmático, formatário, obcecado pelas regras e com um pensamento unidimensional que não entende o papel construtivo da crítica. O conjunto de características apontadas acima mostra também que, no mundo saturnino, sobra pouco espaço para comportamentos espontâneos com vibração emocional. Em seu mundo lógico, racional e controlado não há lugar para a imprevisibilidade. Por isso, seus hábitos são conservadores, preferindo sempre o seguro ao risco da novidade. Assim, sob o ponto de vista dos demais tipos, principalmente os positivos, este estado constante de controle parece sério em demasia. É como se não houvesse aceitação da idéia de que tudo pode arranjar-se sozinho se for possível deixar o seu curso livre. É muito difícil imaginar um tipo saturnino divertindo-se numa montanha russa de um parque infantil. Nem é necessário ir tão longe, uma vez que ele raramente se diverte de um modo solto e descontraído qualquer que seja a circunstância. Em relação aos outros tipos, embora de um modo tolerante, ele quase sempre se comporta como se os estivesse ensinando, instruindo ou aconselhando. Para relaxar, prefere estar sozinho ou no máximo na companhia de outro tipo saturnino, a quem ele respeita como um igual. O saturnino é um tipo prático e moderado. Não o atraem coisas ou situações exageradamente refinadas. Na sua severidade consigo mesmo tende a considerar o luxo como um sinal de acomodação ou mesmo decadência, tendência esta que se manifesta mesmo em

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situações triviais. Numa sala com muitas poltronas e cadeiras confortáveis é provável que ele escolha para si a única cadeira desconfortável disponível. A figura de Abraham Lincoln representa tipicamente esse aspecto saturnino. Sendo um tipo lógico que persegue incessantemente a justiça e que baseia seus pensamentos e ações em fatos concretos e previsíveis, o saturnino pode encontrar-se numa situação muito desconfortável quando tem que tomar decisões sem ter certeza a respeito dos resultados de sua ação. Essa hesitação que muito frequentemente o acompanha provém do medo do imprevisível, do caos e, principalmente, de cair em ridículo se sai estratégia falhar. Esse ridículo, evidentemente, na maioria das vezes, só existe em sua imaginação. A resistência do tipo saturnino a tomar decisões sem que todos os dados estejam disponíveis e mostrem um caminho seguro o leva muitas vezes a uma atividade mental excessivamente intensa. Nesse caso, há uma tendência a ocorrer, se for possível usar essa analogia, uma constipação mental, devido à dificuldade de eliminação de impressões, o que ocorre naturalmente pelo falar, pelo choro e pelo riso. A sua emoção negativa mais freqüente é a indignação. Para ele, justiça significa um mundo feito de regras claras e impessoais que permitem o desempenho social e econômico no que considera um jogo limpo. Nesse sentido, não há para ele nada mais desleal do que burlar ou manipular as regras ou, ainda mudá-la no meio do jogo. Como em muitos contextos isso ocorre frequentemente, o sentimento de indignação é uma resposta muitas vezes irresistível. Como a época moderna estimula o controle, a ordem, a predicabilidade, a mensuração, as tomadas de decisões racionais, e estimula a inventividade tecnológica e científica ela se mostra essencialmente saturnina.Assim, os heróis modernos e os artistas de cinema mundialmente aclamados são em geral tipos que gravitam em torno do saturnino. O padrão de beleza tanto masculino como feminino também corresponde a essa imagem. As mulheres ósseas,

magras e altas, tipo manequim, com expressão forte. Os homens são altos, fortes e com expressão viril. Assim como a Idade Média valorizava o tipo lunar, a Renascença, o jovial, a época moderna valoriza o saturnino. Em tempos atuais nas sociedades modernas, esse tipo apresenta vantagens na obtenção de empregos bem remunerados e muitas vezes predomina entre homens e mulheres bem sucedidos. No entanto, é necessário enfatizar que este favoritismo é circunstancial e de maneira alguma corresponde a qualidades que possam ser tornadas como objetivas. Os capítulos seguintes encarregar-se-ão de mostrar que, em relação à consciência, esse tipo não apresenta nenhuma vantagem diante dos demais. A Inglaterra é um país essencialmente saturnino. Personifica bem o inglês o personagem Sherlock Holmes, uma representação muito bem caracterizada desse tipo. Como o seu país esse personagem é uma figura sóbria, quieta, pensativa, taciturna e otimista. Apresenta também grande capacidade lógica e intelectual, refletindo um considerável poder de iniciativa e de controle do ambiente e dos acontecimentos. A construção do império britânico, com uma pequena ilha conquistando meio mundo, é um exemplo do extraordinário poder de realização desse tipo. O modo como esse império foi governado mostra também como o traço de dominância se manifesta. Em primeiro lugar, não há nele nenhuma contradição no fato de dominar. A maneira racional de controle é um outro aspecto que se salienta desse traço. Através do que veio a ser chamada “Undirect Rule” , o controle colonial desse império fazia-se, como regra, não pela violência ou pela força, mas pela delegação de poder aos locais e pela divisão de suas forças. Assim, países como a Nigéria ou a Índia formaram-se de um modo totalmente arbitrário, juntando etnias e culturas completamente diferentes com o propósito de dividir para governar.

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Nota-se também entre os ingleses um comportamento tolerante e conservador, o mais propício para a obtenção de controle e domínio. Ao lado desse aspecto, o medo do novo e da desordem que o movimento acarreta é inevitável. O sentimento de ridículo proveniente da possibilidade de perda de compostura ou de autoridade encontra-se subjacente à atitude empedernida e severa que quase sempre acompanha as manifestações desse tipo.

2.5 O TIPO MARCIAL As glândulas endócrinas dominantes no tipo marcial são as supra-renais, que formam um par e se localizam acima dos rins. Consistem de duas partes: a medula, que secreta as catecolaminas, e o córtex, que secreta hormônios corticais. Tanto os hormônios da medula como os do córtex criam um aumento considerável do tônus, sensitividade e alerta do organismo. As supra-renais são, como mencionou Rodney Collin, glândulas da paixão. As catecolaminas (constituídas basicamente por dois hormônios, a norepinefrina ou noradrenalina e a epinefrina ou adreenalina) atuam no sistema simpático, preparando o organismo para ações extremas diante do perigo e do estresse, provendo-o de vigor necessário para escapar, fugir, lutar e autopreservar-se. A adrenalina produz aumento considerável na queima de açúcar, uma maior irrigação dos músculos (que se tornam mais firmes e contraídos), dilatação da pupila, contração dos vasos sanguíneos , provisão de maior quantidade de ar no organismo maior força de contração do coração e maior nível geral de alerta a partir de uma ação cerebral. Em geral ela estimula todo o metabolismo corporal com o propósito de adaptar o organismo para ações extremas envolvendo a sua sobrevivência, como no caso de luta ou fuga. Os hormônios corticais regulam as seguintes atividades no organismo humano: os níveis de sódio e potássio na corrente sanguínea, ambos elementos vitais na manutenção da estabilidade eletrolítica dos fluidos corporais; o metabolismo da glucose e de

outros carboidratos e finalmente os hormônios sexuais, tanto os andrógenos como os estrógenos. Alguns desses hormônios atuam no sentido da reabsorção de sódio e eliminação de potássio pelos rins; outros influenciam o metabolismo da glicose, exercendo também um efeito antiinsulinico. Esses hormônios, em altas concentrações, são também importantes como antiinflamatórios. De um modo geral, a atuação dos hormônios corticais se faz em estreito relacionamento com a ação da pituitária anterior. Ocorrendo uma subatividade do córtex, cai a taxa de glucocorticoides no organismo, o que resulta na doença de Addison, ocasionando perda de peso, fadiga, anemia e intensificação da pigmentação da pele, pondo em risco a vida do individuo. Com uma superatividade desta glândula (doença de Cushing), ocorre falta de potássio e, consequentemente, tremor muscular, degradação acentuada de proteínas, aumento do nível de açúcar no sangue, e, em mulheres, virilismo. A obesidade e o enfraquecimento da pele são outras conseqüências. O tipo marcial é geralmente forte, de estatura mediana, sendo freqüente a cor de pele e de cabelos avermelhados e muitas vezes com sardas. Seu temperamento é vigoroso, energético e passional, como o guerreiro representado principalmente pela literatura e pintura clássicas ocidentais. Trata-se de um tipo extremamente ativo e impulsivo, com uma enorme capacidade de empreendimento e realização. A sua ação, no entanto, nem sempre vem como resultado de uma tomada de decisão amadurecida. Apresenta nesse sentido grande dificuldade de digerir as impressões e agir controladamente por meio da razão. A sua hiper sensitividade provoca uma propulsão irresistível para agir ao primeiro estímulo. Como o sentimento de urgência nem sempre permite tempo para interpretar o significado desse estímulo, dificilmente a ação será a melhor possível. Quando exagerado, o temperamento marcial é, de certa forma, incompatível com o exercício de atividade que exija a participação

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lenta e segura do centro intelectual, como, por exemplo, a atividade de planejamento em geral. A sua energia exdcessi8va e a sua hipersensitividade, que o propelem a tomadas de decisão urgentes e impulsivas, se antagonizam com o controle necessário nessas atividades. O tipo marcial é também negativo, o que significa que seu comportamento é muita vezes destruidor e confrontativo, como no caso dos conflitos e das guerras. A sua visão de mundo tende a ser, nesse sentido, maniqueísta, com uma separação rígida entre os que considera bons e os que considera maus. Sob o seu ponto de vista, não é possível estabelecer compromisso com esses últimos, assim como não se pode acomodá-los em qualquer situação tolerável. Dessa forma, não sobram muitas alternativas: eles devem ser simplesmente destruídos, eliminados ou erradicados do convívio social. Qualquer meio justifica essa missão, principalmente a violência, que é frequentemente considerada a melhor maneira de impor a sua visão de mundo. Essas características imprimem nesse tipo uma postura disciplinada, rígida e muito pouco maleável, onde somente o confronto, a luta e a conquista garantem uma solução duradoura para um problema. .Marte, o planeta que o representa, repele os asteróides, os recusa como satélites e os impede de se aproximarem perigosamente da Terra, ao contrário de Saturno e Júpiter, que os atraem para a sua própria órbita. Da mesma forma, o tipo marcial também se coloca como o guerreiro ou o policial sempre disposto a combater sem trégua os inimigos da ordem, repelindo-os do convívio social. A sua impulsividade, no entanto, o leva frequentemente a atirar primeiro e interrogar depois. Há um aspecto juvenil sempre presente nesse tipo. A tendência a dividir o mundo entre bandidos e mocinhos, a se ver como herói, a cumprir seus objetivos como se fossem conquistas, a dar um aspecto de vitória aos seus sucessos e derrota aos seus fracassos, tudo isso, aliado a um orgulho viril e passional, são exemplos de seu

comportamento que demonstram essa característica. Daí o seu gosto por aventuras, por excitações extremas que a ação e a luta proporcionam. Por esse motivo, ele tende a se colocar em situações de perigo e de emergência por puro prazer ou pela necessidade fisiológica de produzir e de queimar o excesso de calor que gera em seu organismo. O vigor excessivo entre os marciais manifesta-se também em seu comportamento passional. Mais do que qualquer outro tipo, ele precisa soltar o seu excesso de energia, inclusive pela via sexual, para impedir que ela se torne explosiva dentro de si. É comum encontrar tipos marciais entre revolucionários, guerrilheiros e contestadores inflamados do sistema social e político em que vivem. Eles frequentemente tomam uma causa como uma razão de vida e geralmente se colocam no front da batalha. Dentro das organizações a que pertencem são muitas vezes chamados de “colaboradores sinceros mas radicais” e por isso considerados inadequados para negociações e diplomacia, sendo postos de lado quando tais oportunidades ocorrem. Mesmo quando não há razões para agir como um revolucionário, a sua interação com o cotidiano e com os obstáculos normais do dia-a-dia tendem a se transformar em verdadeiras batalhas de uma guerra. A sua postura usual, nesse sentido, ainda que se trate de uma situação trivial qualquer, é a de quem parte para a luta de peito aberto e andar determinado. Quando confrontado, o marcial não se satisfaz com nada menos do que a luta e espera que os seus contendores mantenham a sua posição. Nada o irrita mais do que a tentativa de manipulação e ambigüidade no comportamento dos outros. Nesse sentido, as tentativas de negociação e contemporização podem ser consideradas apenas um sinal de fraqueza. Para ele, a luta é o plano onde todas as incertezas , as dúvidas e principalmente as pendências devem ser decididas. Aos fracos, a derrota, e aos fortes, a vitória; ou as batatas, como sugeriu com ironia Machado de Assis, certamente representando a visão de um tipo mais passivo.

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O marcial pode também ser bastante cruel, inclusive consigo mesmo, ao impor a si e aos outros condições extremamente duras de existência. Até com os filhos ele pode mostrar essa característica, submetendo-os a castigos severos. Mesmo quando não há faltas, a rigidez disciplinar é muitas vezes vista como absolutamente necessária para forjar o caráter de uma criança. Se ela rola escada abaixo machucando-se, é provável que ele pense de um modo muito bem intencionado: “Ótimo, agora ela deverá aprender a ser mais cuidadosa”. A dor é quase sempre vista como um grande mestre porque as pessoas dificilmente esquecem as suas lições. Gurdjieff conta que seu pai, provavelmente um tipo marcial, fazia com que ele se levantasse todos os dias as quatro horas da manha no inverno e o obrigava a se colocar nu debaixo de uma queda d’água gelada. Gurdieff provavelmente do mesmo tipo, agradece ao pai por ter tido esse trabalho, uma vez que resultou nele uma têmpora suficientemente forte para tolerar as durezas da vida sem esmorecer seu ânimo na perseguição de seus objetivos. A postura policialesca do marcial o faz um tipo bastante desconfiado sobre a intenção dos outros. Segundo o seu ponto de vista, é da natureza humana a tendência a burlar as regras, a manipulá-las em favor próprio, a fazer “corpo mole”, a se tornar indisciplinado e a conseguir o que não é devido. De acordo com a sua visão negativa do mundo, as pessoas têm em si mesmas uma inclinação natural para a indolência e para o mal. Portanto, devem ser constantemente lembradas que a lei e a ordem devem ser mantidas e que, para isso, pessoas como ele estão vigilantes. Sem essa vigilância o mundo descambaria inevitavelmente para o caos e para evitar isso o castigo para os infratores deve ser exemplar. De algum modo, o tipo marcial se considera privilegiado em relação aos demais. Para ele, ninguém melhor do que ele próprio para levar adiante uma iniciativa ou um empreendimento. Os outros pouco podem contribuir, mesmo que queiram, porque são moles, indisciplinados e fracos. Daí considerar melhor fazer tudo sozinho

ou com a ajuda de outros marciais. Entre esses últimos existe um respeito mútuo natural. Sendo pratico e impulsivo, o tipo marcial encontra dificuldades com o pensamento abstrato e com a idéia de relatividade. Para ele, a única ordem legitima é a de seu próprio mundo, mesmo que seja pequeno e insignificante. Os outros , desde que constituam ameaça a esse mundo, devem ser combatidos ou erradicados como ervas daninhas. Neste mundo, no entanto, ele mostra um ótimo espírito de lealdade à equipe a que pertence. Quando o seu papel nessa equipe é simples e bem definido ele o cumpre rigorosamente como se fosse o objetivo maior de sua vida. Nesse sentido, é um cumpridor de ordens, aquele que põe um plano ou uma estratégia em prática para funcionar O tipo marcial está sempre fazendo alguma coisa. Raramente se permite alguns momentos de descontração alegre ou de entrega aos pequenos prazeres da vida se não tiver um sentimento tranqüilizador de obrigação cumprida. No entanto, como as suas obrigações são muitas e seu padrão de realização alto, ele terá em sua vida poucos momentos tranqüilos. A carreira militar , com seu espírito de corporação e as variadas pressões que exerce no individuo, atrai sobremaneira o marcial. Dificilmente algum outro tipo consegue sucesso nessa carreira e chega aos seus postos mais altos. Para o marcial, entretanto, tudonela lhe parece natural, inclusive a postura rígida e o estado de prontidão que, para os outros tipos, parece ser tão artificial. Via de regra, o marcial se mostra inimigo do mercurial, e ambos se colocam na posição de bandido e mocinho. Em muitos aspectos eles são opostos, embora ambos sejam ativos e negativos. O poder mercurial é indireto, furtivo, manipulativo e se exerce de um modo sinuoso. O seu desejo de ser querido e aceito o faz muitas vezes esconder o que realmente pensa. Para o tipo marcial, essas

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características lhe parecem simplesmente desonestas e por isso intoleráveis. O marcial se manifesta quase sempre de uma maneira direta, sem meandros ou subterfúgios. Seus modos são bruscos e abruptos, sem se incomodar se o que diz vai ou não ofender ou ferir o seu interlocutor. Sua expressão é dura, sem nenhuma preocupação em mostrar qualquer desejo de ser querido, como, por exemplo, através de um sorriso. Para ele, essa é a melhor maneira de ser sincero e objetivo. A sua emoção negativa mais freqüente é a explosão de raiva. O traço principal que se desenvolve na personalidade do tipo marcial, ou seja, a sua fraqueza dominante, é o poder e o medo, ambos com iguais possibilidades de gerar a violência. O poder é sempre confrontativo e direto e algumas vezes resultante do medo. Um exemplo de país marcial é a Alemanha, principalmente a região prussiana. Basta aprender um pouco sobre a sua história e seus valores culturais ou visitar qualquer de suas cidades para perceber o que significa ser marcial. Só para dar um exemplo, enquanto o controle de pagamento de ingresso no metro londrino é feito principalmente através da educação dos usuários, no metro de Frankfurt é feito através de uma fiscalização muito mais direta e ameaçadora. Quanto à história, o estado militarista prussiano e as duas últimas Grandes Guerras não deixam duvida quanto ao tipo predominante no país. Os Estados Unidos da América são também um pais com fortes tendências marciais, embora atenuadas pelo aspecto saturnino, também bastante pronunciado. É possível observar o culto à violência que ocorre nesse pais através da arte, da literatura e dos divertimentos consumidos pela sociedade. Os filmes constituem uma forma das mais importantes de divulgação da violência, que é quase sempre exibida como algo normal, corriqueiro e estimulante. Mesmo os desenhos animados para crianças são extremamente carregados de violência para o padrão dos outros tipos.

Os heróis e os galãs, que se constituem em figuras exemplares da cultura americana, são também saturno-marciais. Da mesma forma o são as figuras lendárias do “faroeste”, onde o extermínio de búfalos ou de tantos povos indígenas é freqüentemente mostrado oomo um sinal de força e virtude de uma nação emergente. A música tanto de Beethoven como de Wagner demonstra uma força e um vigor bastante agressivos, próprios do tipo marcial, embora temperada por um componente emocional bem desenvolvido. Da mesma forma, é marcial o traço da pintura de Van Gogh, com sua ousadia agressiva de cores e de linhas. A vida desses artistas, além da sua arte, deixa também poucas dúvidas sobe o seu tipo. Muito provavelmente foram também marciais os filósofos Karl Marx e Nerbert Marcuse com suas posturas revolucionárias e confrontativas com relação à ordem estabelecida, valorizando as forças sociais negativas, que, segundo eles, permitem ao mesmo tempo a erradicação do velho e do esclerosado) na sociedade e a emergência de uma nova ordem social e política mais evoluída e perfeita.

2.6 O TIPO JOVIAL

A glândula endócrina predominante no tipo jovial é a pituitária posterior, que é embriológica e funcionalmente uma parte do cérebro, com estreito relacionamento com o hipotálamo, que, por sua vez, desempenha uma função reguladora do sistema endócrino. A pituitária posterior secreta dois hormônios principais que são produzidos no hipotálamo. O primeiro deles, a casopressina, tem umefeito no equilíbrio dos fluidos corporais e no equilíbrio eletrolítico do organismo. Ele produz um efeito anti-diutético, causando um aumento de reabsorção de água, diluindo os fluídos corporais e concentrando a urina. Quando a produção desse hormônio é

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deficiente, um volume, um volume excessivo de água é perdido na urina, desequilíbrio esse que é chamado de diabetes insípido. O outro hormônio, a oxitocina, controla os músculos involuntários do organismo, em particular os intestinos, a bexiga e o útero. Também regula a produção de leite para a amamentação e por isso a pituitária posterior é considerada a glândula das qualidades maternas. O tipo jovial é fisicamente grande, principalmente a cabeça e o tórax, com tendência a apresentar também uma barriga proeminente. As suas formas são femininas e arredondadas, com pouco pelo no corpo. As pernas e os quadros são finos em relação ao seu tórax volumoso. As mulheres apresentam mamas expressivas e os homens tendem a se tornar calvos. Psicologicamente, como conota o seu nome, esse tipo tende a ser alegre, colorido, comunicativo e tolerante, embora mostre periodicidade e ciclos no ritmo de suas atividades e em seus estados de humor. O jovial é passivo, ou seja, feminino em sua essência. NO entanto, a sua facilidade de comunicação, a sua aparência extrovertida, exibindo um verdadeiro senso de teatro e drama, a sua capacidade de realização dos mais variados empreendimentos e o seu impulso para atingir notoriedade publica, todas essas tendências podem confundir à primeira vista um observador, por mostrar na aparência um tipo muito ativo. Em realidade, esse observador não está totalmente errado, porque talvez por ainda receber a influencia residual do tipo marcial, o jovial seja o mais ativo de todos os tipos passivos. A passividade manifesta-se principalmente numa ausência de determinação, motivos ou impulsos próprios. Além disso, como não é naturalmente disciplinado, a sua tendência à dispersão torna-lhe difícil desenvolver capacidade para administração e gerenciamento de qualquer fator ou recurso. No entanto, se for bem informado sobre os objetivos formulados por outros e estiver convencido da conveniência dos mesmos, então, mais do que qualquer outro tipo, ele poderá conduzi-los e torná-los viáveis.Com entusiasmo, força,

criatividade e energia, ele abre caminhos e arregimenta os colaboradores necessários para a sua implementação. No entanto, a dispersão do jovial não o torna muito confiável para prosseguir um empreendimento indefinidamente, sobretudo se estiver solitário nessa atividade, porque, avesso à rotina, ele muda frequentemente de interesse e o seu entusiasmo passa a se concentrar em outro assunto resultante de um novo e irresistível apelo. Esse é o sentido de sua periodicidade e de sua existência fluida e movediça, que muitas vezes são consideradas como sinal de inconsistência. O jovial é também positivo, ou seja, mostra otimismo e tendência a se identificar com os aspectos positivos de cada evento ou situação, deixando de ver ou considerar os obstáculos. A sua positividade manifesta-se também com um sentido de prodigalidade e abundancia exibicionista, às vezes extravagante na apresentação de si mesmo e de tudo o que faz. Ao contrário do venusiano, a sua positividade não é nem estética nem contemplativa, sendo pelo contrário manipuladora e intervencionista, principalmente no que diz respeito ao aspecto emocional do relacionamento humano. A sua facilidade de comunicação é extraordinária, indo ao âmago emocional das pessoas e capturando o seu segredo mais íntimo. A sua tolerância e interesse emocional para com os outros lhe permitem lidar com eles mesmo num plano íntimo e delicado, porque revela um sincero impulso para ajudar, cuidar, proteger e aliviar as suas tensões e sofrimentos, inspirando, assim, a confiança.Essa facilidade de comunicação muitas vezes o estimula a desenvolver um sentimento de auto-importância e uma grande confiança em si mesmo, resultando daí um desconhecimentos das barreiras sociais e psicológicas que são construídas na personalidade e usadas como defesa pela maioria dos indivíduos. Assim, não é difícil para ele saber falar com desenvoltura com qualquer pessoa dequalquer classe ou status social., mesmo um rei, um general ou um

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presidente de república. Sob um ponto de vista negativo, essa característica pode estimular a invasão da privacidade alheia e a manipulação de seus segredos com o propósito de conseguir vantagens. Com essa qualidade, o jovial é atraído para qualquer profissão que envolva relações públicas, podendo ser um bom professor, um artista versátil e um eficiente diplomata. Essa última é uma carreira tipicamente jovial,na medida em que é passiva, ou seja, põe em prática políticas governamentais formuladas por outros, e positiva, ou seja, permite facilitar contatos humanos e harmonizar posições políticas e assuntos antagônicos e difíceis. Um aspecto negativo das características apontadas acima é a tendência a falar desnecessariamente a partir de uma postura superficial de quem está sempre disposto a expor um tema ainda não suficientemente amadurecido. Nesse sentido, por eliminar as impressões recebidas sem tê-las submetido a um processo de amadurecimento, esse tipo tende a se comportar de um modo exatamente oposto ao do saturnino. O jovial apresenta um componente emocional bem desenvolvido. Todo o ambiente que, além de estimular as emoções, remova as barreiras e promova um ritual de igualdade será por ele procurado, promovido ou animado. As figuras mitológicas ou literárias que representam de um modo radical esse tipo são o Papai Noel, com seu desprendimento e seu ar bonachão, trazendo concórdia e harmonia emocional.; Baco, o deus que por meio do vinho promovia descontração, igualdade e o partilhamento de sentimentos humanos básicos e comuns e Falstaff, personagem irreverente e fanfarrão de várias peças de Shakespeare. O palhaço , um demolidor do sério e do convencional, é também uma representação que ilustra bem esse tipo. O jovial é também extremamente criativo no que diz respeito às artes em geral, principalmente a música, o teatro e a literatura,. Muitos dos grandes compositores, poetas, escritores e pintores foram joviais ou parcialmente joviais, como Bach, Brahms, Schumann,

Schubert, Shakespeare, Walt Whitman, Rembrandt e muitos outros.Seja qual for a arte em que se concentra, ele muitas vezes chega a produzir uma obra rica e bastante numerosa. Tal como o planeta Júpiter, que concentra o maior número de satélites de todos os planetas, o jovial apresenta um forte impulso para manter um grande numero de pessoas, filhos, parentes, amigos ou dependentes gravitando ao seu redor. Nesse aspecto, desenvolve-se o seu traço ou fraqueza principal que é o poder e a vaidade. O poder jovial é muito diferente do poder mercurial e marcial, não se mostrando nem sinuoso nem confrontativo, mas manipulativo no que diz respeito às emoções humanas. Nesse sentido ele expressa um sentimento profundamente arraigado de que realmente pode ajudar os outros a resolverem os seus problemas, principalmente se estes dependerem de contatos com outras pessoas ou simplesmente envolverem conflitos emocionais. Esforçando-se para resolver problemas dessa natureza, ele espera em troca reconhecimento de prestígio e ascendência sobre os que receberam seus favores. Um outro aspecto de seu poder se manifesta por sua total aversão às regras, regulamentos, códigos morais e burocracia, os quais tenta superar por meio de sua simpatia pessoal e pela facilidade com que controla o comportamento dos outros. Manipular o relacionamento humano no sentido de obter favores para si mesmo ou para os que se encontram sob a sua ‘ Órbita é algo que esse tipo faz melhor do que qualquer outro. A vaidade jovial não é frívola como a do mercurial, mas está relacionada exatamente com o seu sentimento de auto-importância e capacidade de transitar entre pessoas importantes. Nesse sentido, o jovial acredita que realmente pode fazer muito mais do que os outros tipos e a sua vaidade clama por um público que reforce esta imagem. Em função disso, comporta-se de um modo pomposo e extravagante com uma preocupação constante de chamar a atenção sobre si. Um país com forte componente jovial é a Áustria, Viena, a capital da música, mostra em sua cultura vários aspectos desse tipo,

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tais como o caráter positivo, passivo, alegre e extrovertido. Talvez não tenha sido coincidência o fato de ela ter se tornado a capital da diplomacia européia no século dezenove. O sul da Alemanha, em particular a Bavária, também apresenta essas características de um modo marcante, facilmente visível nas festas, músicas e danças.

2.7 O TIPO SOLAR A glândula predominante no solar é o timo, uma pequena massa que contém glóbulos brancos localizada na parte central do peito. Pouco se sabe sobre o seu funcionamento, a não ser que desempenha uma função de defesa imunológica na infância ao produzir linfócitos, elementos fundamentais contra as invasões do organismo por elementos estranhos. Com o crescimento do indivíduo, esta glândula tende a perder essa função, sendo que na altura da adolescência já terá se tornado totalmente atrofiada. A sua predominância significa a manutenção de características físicas e psicológicas infantis e imaturas que, de um modo geral caracterizam o comportamento e a maneira de ser do solar. O solar pode se combinar com qualquer outro tipo, formando, por exemplo, combinações como lunar-venusiano-solar, marcial-jovial-solar, mercurial-solar, ou qualquer outra. ‘ E como se a energia que caracteriza a sua manifestação fosse acrescentada em maior ou menor dose, aos demais, ao invés de constituir um tipo único por direito próprio. A analogia com a infância é o traço forte no tipo solar. Fisicamente ele se parece com uma criança, com a sua pele delicada e de tonalidade rosada, dentes pequenos e uma constituição geral frágil. As suas manifestações, tanto físicas como psicológicas, são muito intensas, rápidas, energéticas e vibrantes como se resultassem de um metabolismo mais rápido, como ocorre com crianças. Isso mantém neles um movimento leve, sem peso ou massa, mas incessante, como se fosse uma forma mais pura de energia que vibrasse em movimentos e expressões delicados e irradiasse como se fosse o próprio Sol.

No entanto, como conseqüência disso, ele parece necessitar constantemente de repouso e de alimentos principalmente os que se transformam em energia mais rapidamente como, por exemplo, o açúcar. Um animal que reproduz bem a vibração do tipo solar é o beija-flor, justamente por se mostrar delicado, leve, energético e vibrante. Psicologicamente, o tipo solar resiste a adaptar-se ao mundo sério dos adultos. Nesse sentido ele exibe um comportamento refinado como se pertencesse a um outro mundo de vibração mais sutil como a energia radiante e luminosa do Sol. Esse comportamento, no entanto, pode ser visto também como fantasioso e ingênuo, inadaptado às condições de vida na Terra. Existe no Solar uma verdadeira compulsão para lidar com as diversas situações existenciais, mesmo aquelas que exigem uma certa seriedade, como se fizessem parte de um mundo encantado dos contos de fada, fora da influencia dos aspectos duros, difíceis e brutais da vida. Todo evento do mundo real ele procura travesti-lo com sua fantasia e, através dela, cria oportunidades para brincar. Peter Pan, com sua recusa a crescer e a se tornar um adulto, personifica muito bem esse tipo. O solar é bastante ativo, característica esta que se expressa em sua incapacidade de se submeter à vontade ou aos desígnios de uma outra pessoa e em seus projetos, na maioria das vezes fantasiosos, que procura realizar mesmo quando não é apoiado ou sofre resistências dos outros. Nesse contexto, a evidencia dos fatos não significa muito, uma vez que dificilmente ela o demove de seus planos e iniciativas, mesmo quando sugere e indica um curso de ação alternativo. Nesse sentido, esse tipo coloca-se numa posição solitária em relação aos demais, na medida em que não os influencia nem se deixa influenciar por eles. O solar é também bastante positivo, o que significa uma incapacidade de ver os obstáculos e o lado negativo das coisas,

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impedindo-o de se defender delas. Isso se traduz em ingenuidade, o seu traço ou fraqueza principal, que frequentemente o coloca emsituações difíceis, justamente por impedi-lo de antecipar ou prever os problemas que circundam qualquer empreendimento ou iniciativa. Em nenhum momento, ocorre a ele que alguém poderia nutrir má intenção, má fé, ou simplesmente vontade de tirar proveito dele. É uma conseqüência natural, nesse contexto, ser tapeado por uma pessoa inescrupulosa, assim como colocar-se em posição a facilitar assaltos, roubos e outros atentados contra a sua pessoa. Tais características podem realmente levar o tipo solar a várias dificuldades colocando-o numa posição de inadaptabilidade diante da vida e do mundo. Enquanto o venusiano é completamente adaptado às condições de vida na Terra, o solar, pelo contrário, é completamente inadaptado. Do seu ponto de vista, o mundo parece muito pesado, a vida bastante sem graça e as pessoas, sérias demais. Quando essa característica se mostra exageradamente acentuada, então o solar pode se tornar amargo, a sua tendência de brincar com tudo se transforma em deboche e a sua não-seriedade em irresponsabilidade. O suicídio ou a acomodação a uma vida que conduza a debilitar a sua saúde ou levá-lo a uma morte prematura ocorrem com mais freqüência nele do que em qualquer outro tipo. A energia abundante e de intensa vibração do solar faz dele ótimo entretenedor, com uma capacidade carismática de atrair a atenção e cativar os outros. Essa atração, no entanto, não chega a ser duradoura, ocorrendo mais num plano idealizado do que real, uma vez para os outros não é fácil seguir e acompanhar o seu ritmo, que sempre sugere acontecimentos excitantes e surpreendentes, como deve parecer uma festa a crianças. No entanto, por ser deslocado da realidade dura da vida e da luta pela sobrevivência, a influencia e atração que procura exercer sobre os outros, com muito maior probabilidade, ocorrem somente com relação a outros tipos solares. Pos isso, embora considere natural receber admiração de todos os que o cercam, dificilmente ele consegue se projetar como um líder, o que muitas vezes acarreta frustração e sentimento de isolamento.

O solar pode se estabelecer em vários campos da arte, podendo ser, por exemplo, um pintor com um traço fino e intenso ou um bailarino com movimentos vibrantes e graciosos. Um ambiente social onde pudesse ser reconhecido e admirado e onde a sua vida pudesse transcorrer como uma fantasia refinada, equivalente à arte que produz, é um sonho que ele não pode deixar de cultivar.Ao perseguir uma idéia ou empreendimento, o tipo solar muitas vezes comporta-se como uma criança que diante de algo excitante, se esquece de se alimentar, de se proteger do frio ou de cumprir uma obrigação qualquer. Ele age como se tivesse obrigação de servir a uma forma mais sofisticada de energia e para isso está sempre disposto a sacrificar as suas formas mais pesadas. Ao mesmo temo, tende a considerar que os outros, se não podem manifestar e agir dessa forma, deveriam pelo menos render a ele tributos e considerações especiais. Considera-se , nesse sentido, uma pessoa que se diferencia por uma causa nobre e que por isso mesmo merece receber os seus dividendos através de uma justiça especial. Frequentemente o solar desperta nos outros um sentimento de proteção, o que ocorre principalmente com o saturnino e o jovial. Esse sentimento á análogo ao que ocorreria com relação a uma criança desprotegida num ambiente hostil. NO entanto, dificilmente ele se deixa proteger ou cede às advertências sobre os perigos que o circundam. Ele faz o que acha que deve fazer e raramente leva em consideração a opinião dos outros. Este é um traço que se caracteriza como um meio-termo entre a teimosia e o poder. Exemplos bastante ilustrativos da maneira de ser do solar encontra-se na vida e na obra de Mozart. A sua música reflete a energia intensamente ativa, positiva, vibrante, leve e refinada. Em muitas ocasiões, não obstante a sua complexidade forma, ela parece mais uma brincadeira divertida do que uma peça séria e pretensiosa. Milos Forman, em seu filme Amadeus, mostra muita sensibilidade por escolher um tipo solar para representar o papel de Mozart. O roteiro, ainda que contenha alguma fantasia, é perfeitamente

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coerente com o que poderia ter ocorrido a um individuo com esse tipo de essência. A maneira como esse grande compositor desenvolvia seus planos sem dar qualquer satisfação a ninguém, nem a seu pai, nem ao arcebispo de Salzburg, nem às figuras que integravam a expressão musical dominada na corte; o modo irreverente e brincalhão como tratava os demais, inclusive o imperador, com quem não conseguia manter um contato serio e formal; a ingenuidade de achar que, por ser o melhor musico de sua época, todas as portas se lhe abririam; a ingenuidade, ainda, de considerar, no seu leito de morte, Salieri (o causador da maior parte dos seus problemas) um amigo; a maneira um tanto debochada com que se referia aos seus colegas músicos, como uma forma de compensar as suas frustrações; o modo um tanto irresponsável como geria a sua situação domestica e familiar, todas essas condições expressam admiravelmente características próprias do tipo solar. Como lembra Friedlander, a personagem Violeta Valéry da ópera La Traviata de Verdi, também pode ser tomada como um bom exemplo desse tipo. A sua beleza delicada e frágil que magnetizava e cativava um grande numero de admiradores; o seu comportamento eletrizante que a conduziu a uma vida dedicada inteiramente ao prazer e ao divertimento; o seu abandono a uma paixão própria dos contos de fadas que se chocou com a moral e os costumes implacáveis e injustos da época; o seu fim prematuro e trágico; todos esses eventos refletem um traço que também caracteriza admiravelmente o tipo solar.

3A TEORIA DAS FUNÇÕES

DE OUSPENSKY &GURDJIEFF

1. Introdução A teoria dos tipos de Rodney Collin complementa-se com a teoria das funções de Peter Ouspensky. De acordo com esse autor, em condições normais toda atividade humana resulta da combinação de cinco funções entre si, quais sejam, a instintiva, a motora, a emocional, a intelectual, a sexual. Estas funções são inteligências independentes que caracterizam o ser humano. Em condições excepcionais, duas outras funções podem também operar: a emocional superior e a intelectual superior. O centro da função intelectual localiza-se no que se convencionou chamar de cérebro, caracterizando-se pela habilidade de pensar, raciocinar, comparar e simbolizar experiências através da linguagem. É próprio dele todo tipo de pensamento que se processa através de uma lógica que ordena a realidade externa e o modo de vê o mundo. Esta função predomina principalmente no comportamento organizado e burocrático moderno. A vida contemporânea, de um modo geral, impõe forte pressão nesse centro, exigindo constantes tomadas de decisões baseadas em estratégias racionais.

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Quando esse centro predomina em relação aos demais, ocorre uma preocupação com formalizações exatas, o que é característico das ciências em geral mas se manifesta mesmo em áreas que não são fundamentalmente intelectuais. Na religião, por exemplo, há uma preocupação excessiva com interpretações e significados dos princípios que a fundamentam, como foi o caso do escolasticismo ou do cristianismo bizantino. Na arte ocorre uma preocupação excessivacom a formalização , que se manifesta de um modo mais frio e exato, como, por exemplo, em várias expressões da pintura moderna, o cubismo em particular. Esse centro comporta uma propensão ao comportamento emocionalmente controlado, em que as decisões resultam de cálculos racionalmente conduzidos. A estatística e a informatização (que na vida moderna tornaram-se imprescindíveis no gerenciamento de pequenos e grandes negócios, e mesmo no gerenciamento doméstico) são instancias em que o centro intelectual predomina. Paises como os Estados Unidos e principalmente a Inglaterra são tipicamente intelectuais. O centro da função emocional localiza-se no peito, sendo próprio dele todo tipo de emoção que empresta ao mundo ou à realidade externa um certo colorido e uma certa vibração impossível de serem apreendidos pelo centro intelectual. Quando essa função predomina em relação às demais, ocorre uma preocupação constante com pessoas em geral. As situações dramáticas são sempre valorizadas e os sentimentos interpretados de modo a atrair a atenção dos demais. As tomadas de decisão tendem a ser impulsivas, mesmo que tenham sido premeditadas e intelectualmente calculadas. O que não for traduzível emocionalmente passa a não despertar interesse, a não ter valor. As artes e as religiões são meios privilegiados de expressar esse centro, embora a filosofia também se deixe envolver por ele. As épocas medieval, barroca e romântica, cada uma à sua maneira, impuseram forte pressão nesse centro, exigindo constantes batalhas emocionais interiores. Paises latinos em geral, particularmente a Itália, são tipicamente emocionais.

O centro das funções motoras localiza-se no cerebelo e na coluna vertebral, e é próprio dele permiti5r qualquer tipo de movimento externo que envolva a musculatura estriada. Nenhum movimento comandado por se centro nasceu com o individuo, sendo que todos eles foram aprendidos, inicialmente por imitação. É próprio desse centro predominar em várias atividades que exijam movimento, tais como o esporte em geral e a dança. Na musica, a marcha ou a valsa são tipicamente motoras, embora também emocionais. Os estados unidos exibem um forte componente motor, alem do intelectual, na medida em que o seu modo de vida predominante não reforça o estabelecimento de raízes e estimula a mudança, a velocidade e a descoberta do novo. O Japão também pode ser tomado como um exemplo de cultura motora por causa da sua engenhosidade em assimilar e aperfeiçoar tecnologias e processos industriais. Os ciganos, assim como os povos nômades em geral, constituem outra cultura que valoriza radicalmente as funções motoras. O centro das funções instintivas localiza-se na coluna vertebral e é próprio dele o controle de todo o trabalho interno da maquina humana envolvendo a musculatura lisa como no caso do batimento cardíaco, do movimento peristáltico dos intestinos, da respiração, entre outros. É o único centro que funciona todo o tempo sem que tenha havido a necessidade de ter aprendido as suas funções, que nasceram com o individuo E operam independentemente de sua vontade. Comandadas por ele estão as sensações ligadas aos sentidos côo o tato, o paladar, a visão, o olfato e a audição. Quando esse centro predomina numa cultura ocorre uma ênfase em preocupações com o estabelecimento de raízes firmes num determinado território. Enquanto o espaço para os centros intelectual e emocional não se restringe à dimensão física, para o centro instintivo o espaço é eminentemente territorial. Há também uma forte preocupação com a família e os laços de parentesco.As

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tradições culturais baseiam-se em aspectos sensoriais, principalmente em comidas, temperos e condimentos. Valorizam-se ambientes amplos e confortáveis. O Brasil, particularmente a sua região Nordeste, a Índia, o Egito, a França e a Itália podem ser tomados como exemplos de culturas nas quais existe um forte componente instintivo. No Brasil, é difícil programar um acontecimento social sem que a refeição deixe de tomar um amplo espaço. Um exemplo de religiões instintivas seria a umbanda ou o candomblé, que apresentam uma cosmologia concreta, onde os deuses e demônios são personificados com pouca abstração. Na musica, o componente instintivo manifesta-se em seu aspecto sensorial e sensual, alem de rítmico. A musica árabe e a hindu tradicionais, o samba e outras musicas e danças folclóricas de origem africana são outros exemplos em que predomina a função instintiva. Os quatro centros descritos acima denominam-se centros inferiores, que determinam a maior parte dos impulsos, desejos e comportamentos humanos. Conhecê-los significa entrar em contato com um aspecto fundamental do mecanismo humano. Como veremos adiantem em cada individuo um desses centros predomina em relação aos demais, o que imprime nele uma forma padronizada de comportamento ou uma caracterização tipológica. Alem desses quatro centros, há também o centro sexual, o centro emocional superior e o centro intelectual superior, que não caracterizam propriamente uma tipologia. O centro das funções sexuais localiza-se nas glândulas sexuais e no cérebro. Sua manifestação permeia todo o organismo, e grande parte do comportamento humano é por ele motivada. Quando funciona corretamente, com toda a sua qualidade energética, ocorre ação criadora através da harmonia entre os demais centros. O seu impulso criativo pode ser dirigido tanto para as artes como para o relacionamento entre sexos opostos na geração de um novo ser. No entanto, dificilmente esse centro opera com uma energia adequada.

Isso significa dizer que na maioria das vezes o seu funcionamento ocorre pelo empréstimo de energia de outros centros, principalmente o instintivo e o emocional, o que constitui uma fonte das mais importantes de desequilíbrio funcional da maquina humana, como veremos adiante. Conhecer as possibilidades abertas pelo uso correto deste centro é impossível sem antes conhecer muito bem o funcionamento dos quatro centros inferiores, uma vez que a característica fundamental do centro sexual é a busca da perfeição, o que exige a participação de todos os quatro centros ao mesmo tempo numa determinada atividade. A teoria das funções pressupõe a existência de dois outros centros, que, no entanto, como já foi mencionado, normalmente permanecem inativos no ser humano. Tr5ata-se do centro emocional superior e do centro intelectual superior, que por alta de combustível adequado, alem de não caracterizar tipos, dificilmente encontram condições para se manifestar e, por isso, permanecem inoperantes. Este combustível só começa a ser formado a partir do uso correto dos cinco centros básicos descritos acima. O centro emocional superior é capaz de perceber a conexão de todas as coisas onde se assentam o amor consciente e a compaixão. Nele não há diferenciação entre emoção positiva e negativa. Num plano superior, tudo é positivo, mesmo a dor ou o sofrimento. Um exemplo desse ultimo caso pode ser encontrado em certas pecas musicais de Bach, como na Paixão Segundo São Mateus, onde a musica supera o significado de tristeza ou alegria e se estabelece numa dimensão que as transcende. O centro intelectual superior percebe as leis que governam todas as coisas em que se assenta a sabedoria consciente. Nele não existe a negação. Uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo, dependendo da postura de quem observa. Este centro compreende o lugar de cada coisa num universo onde tudo se afirma num grande “Sim”.

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2. A VELOCIDADE E A ESTRUTURA DOS CENTROS Cada um dos centros mencionados acima opera com uma determinada qualidade de energia, o que produz diferentes capacidades de comunicação e apreensão da realidade. Um dos aspectos dessa diferenciação é a velocidade com que funcionam. O centro intelectual é o mais lento e funciona a uma velocidade muito menor do que a apropriada ao centro motor e instintivo, que por sua vez funcionam com uma velocidade muito menor do que a apropriada ao centro emocional quando esse último funciona adequadamente. O centro sexual manifesta-se como o mais veloz e vibrante de todos os centros. Ainda que não se possa verificar estas diferentes velocidades com precisão, é facilmente observável que os processos motores e instintivos são muito mais rápidos do que o relativo ao pensamento. A velocidade do centro motor pode causar um espanto e admiração desse ultimo, como, por exemplo, na execução de um movimento esportivo ou artístico, ou ainda quando alguém tenta pegar um objeto em queda. Os centros motor e instintivo, embora muito mais rápidos do que o centro intelectual, permitem que este ultimo os observe e estude. Observar e estudar o centro emocional em funcionamento já é um empreendimento muito mais difícil devido a sua incrível velocidade. Quando funciona adequadamente, o centro emocional pode, por exemplo, num salão com muita gente desconhecida, imediatamente reconhecer em qual ambiente seria bem acolhido, em qual seria visto com indiferença e em que seria repelido. Uma expressão sutil da musculatura facial e do olhar significa para ele o mesmo que um livro, ou vários livros, para o centro intelectual. Nem se fosse concedido a esse ultimo muito temo de estudo seria ele capaz de captar em todas as suas implicações o que o centro emocional capta em poucos minutos. A comparação com o centro sexual é ainda mais dramática . Para dar um exemplo, no que se convencionou chamar de amor à primeira

vista, esse centro é capaz de numa fração de segundos reconhecer a possibilidade de se compatibilizar ou não com um parceiro em vários aspectos de sua essência e de seu ser. Se o centro intelectual tivesse d realizar essa operação, muito anos seria necessário para chegar a um resultado que certamente seria qualitativamente inferior. Os centros motor, instintivo, emocional e intelectual dividem-se em duas partes, uma positiva e outra negativa, que representam a dualidade do mecanismo humano. A parte positiva do centro intelectual é o “sim”; a negativa o “não. A parte positiva do centro emocional é a emoção positiva, como no caso do amor e da esperança; a parte negativa, emoções negativas como no caso do pesar. A parte positiva do centro motor é o movimento; a negativa, o repouso. A parte positiva do centro instintivo traduz-se em sensações de prazer; a negativa, em sensações de desprazer ou de dor. Dissecando um pouco mais a fisiologia dos centros, temos que cada centro inferior se divide em três partes: a intelectual, a emocional e a motora. Cada uma dessas partes, por sua vez, se subdivide, ainda, em mais três partes, a intelectual, a emocional e a motora, que serão consideradas nesta analise. Para facilitar a nomenclatura as subdivisões, as representações de um conjunto de cartas de baralho mostram-se bastante conveniente. O naipe de paus representa o centro instintivo, o de espadas, o motor, o de copas, o emocional, e o de ouros, o intelectual. Como cada centro é dividido em três segmentos, a parte instintivo-motora é representada pelo valete; a emocional, pela dama, e a intelectual, pelo rei. A duplicidade de cada uma das figuras contidas nas cartas de baralho representam as partes positivas e negativas. Essa divisão permite representar a parte emocional do centro moto5r como a dama de espadas, a parte intelectual do centro instintivo como o rei de paus, a parte motor do centro emocional como o valete de copas, a parte emocional do centro intelectual como a dama de ouros e assim por diante.

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Tanto o centro instintivo quanto o centro motor são representados por dois conjuntos de carta de cor preta (paus e espadas), simbolizando as partes mais básicas do mecanismo humano, as que se ligam ao nível da terra e ao mundo animal. Os dois outros centros, o intelectual e o emocional,são representados pelo conjunto vermelho (ouros e copas), simbolizando elementos que permitem ao ser humano alcançar reinos mais altos de consciências. O centro sexual e os centros superiores não apresentam divisão entre positivo e negativo entre partes e subpartes instintivo-motora, emocional e intelectual. Esses centros só se manifestam sob um ponto de vista positivo e indivisível.

3. OS CENTROS DE GRAVIDADE. Cada indivíduo gravita em torno de um dos quatro centros inferiores mencionados acima. Isso significa dizer que, embora todos os centros se manifestem num indivíduo, um deles predomina no relacionamento que se estabelece com o mundo. Deste modo, favorece-se um determinado centro através de atitudes que o caracterizam mesmo quando as circunstâncias externas mostrarem ser mais apropriado o uso de um outro centro. O centro de gravidade é como uma lente que só permite aos indivíduos captarem do mundo dados compatíveis com ele, sendo que os demais centros se mostram distorcidos ou desfocalizados. É como se quatro estações de radio funcionassem ao mesmo tempo, mas uma delas num tom mais alto. Há, portanto, indivíduos centrados no centro instintivo, no centro motor, no centro emocional ou no centro intelectual, com traços físicos e psicológicos bastante distintos. A caracterização física e psicológica dos indivíduos centrados em cada um dos quatro centros de gravidade que faremos a seguir é mais uma caricatura exagerada do que um retrato. Vários outros fatores podem atenuar ou acentuar esse quadro, sendo que o principal deles refere-se aos tipos (mostrados no capítulo anterior) e

às circunstâncias das subdivisões dos centros, que por serem muito sutis não serão tratados nesta oportunidade. De um modo esquemático e geral, os valetes (as partes mecânicas) de cada centro caracterizam-se por movimentos repetitivos e imitativos sem qualquer intencionalidade. Eles se deixam contaminar e repetem mecanicamente o estimulo externo que recebem. Já as damas (as partes emocionais) de cada centro manifestam-se com grande intencionalidade diante do objeto de sua identificação, sendo que o seu nível de atenção é sempre ativado ou atraído por meio de um dado estimulo externo. Elas sempre querem ser compreendidas e raramente compreendem. Os reis (as partes intelectuais) de cada centro, por sua vez, dirigem a sua atenção para fora por meio de um esforço intencional. Eles compreendem antes de tentar ser compreendidos e só têm o poder de penetrar na realidade que cada momento oferece.

3.1 O CENTRO INSTINTIVO Indivíduos centrados no centro instintivo são fisicamente fortes e pesados, principalmente na constituição de seus órgãos internos. Geralmente apresentam um tronco grande em relação aos membros, sendo que as pernas, os braços e o pescoço são quase sempre relativamente curtos. Psicologicamente, há neles um forte apelo às sensações produzidas pelos órgãos dos sentidos, que em geral são apurados. Gostam de comer e beber, sabem distinguir paladares, apreciam odores e contatos físicos. A sensação de conforto é sempre perseguida e o ambiente mais apreciado é aquele que reproduz a sensação de proteção, calor e aconchego. O lar, a família e a pátria constituem os seus ambientes prediletos. Preocupações com saúde e com dietas são também constantes. Indivíduos centrados nesse centro apresentam um espírito de equipe incomparável. Mostram uma noção de território bastante acurada, promovendo as linhagens de parentesco e os vínculos de

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raça, de bairro, de nacionalidade ou de profissão, ou ainda, simplesmente, de time de futebol. São leais e sabem reconhecer os amigos, companheiros e aliados. São também, sobretudo, práticos com uma atitude utilitária diante do saber. Embora possam se adaptar em vários tipos de profissões, as idéias são as que, de um lado, se preocupam com a saúde, a medicina e as profissões paramédicas e, de outro, com a defesa territorial, com a carreira militar. Sob um ponto de vista negativo, as pessoas centradas neste centro podem ser frias emocionalmente, o que quase sempre ocorre quando a perseguição dos objetivos instintivos torna-se suprema. Se há necessidade de espaço, se a quantidade de alimento ou de abrigo não é suficiente para todos, o centro instintivo não hesita em lançar mão de qualquer via, inclusive violência, para garantir o conforto e a sobrevivência tanto sua como dos seus. De um modo geral, o centro instintivo tem dificuldade em abstrair qualquer aspecto da realidade e agir em termos que não apresentam contornos concretos, práticos e utilitários. Muitas vezes, sob o seu ponto de vista, há uma forte distinção entre "eu“ e os “outros” e entre “nos” e "eles” e tudo será feito, seja quais forem as conseqüências, para proteger o "eu” e o “nos”. "Aos amigos, tudo, aos inimigos a lei” é uma máxima política e cultural brasileira bem instintiva, na qual inexiste um sentimento maior que transcende o grupo de aliança local. É amplamente conhecido, nesse sentido, o espírito de corporação tanto dos militares como dos médicos, entre os quais dificilmente um erro é julgado e condenado publicamente. Na produção acadêmica, a compartimentalização do saber em áreas dominadas por chefes de disciplinas que não admitem que outros intervenham no que consideram “a sua área” é um outro exemplo em questão. O valete de paus (a parte instintivo-motora do centro instintivo) é responsável por todo o trabalho interno do mecanismo humano como, por exemplo, a respiração, a digestão, a circulação sanguínea ou ainda sensações de quente ou frio que funcionam sem qualquer

participação da vontade. O individuo centrado nesta carta é, em geral, fisicamente pesado e psicologicamente frio, embora a fidelidade seja, quase sempre, um traço marcante. Seu ponto de vista é geralmente prático e concreto, tendo dificuldade de manifestar sentimentos mais leves e pensamentos mais abstratos. Os hábitos relacionados com o território onde habita, a área de atuação e de trabalho, o seu tipo de alimentação e a rede social com que interage, inclusive a família, geralmente se mostram hiperdimensionados. A dama de paus (a parte emocional do centro instintivo) tende a se sentir emocional, e, portanto, real, diante de eventos relacionados com o centro instintivo, como por exemplo, diante de uma mesa de jantar. Seu ponto de vista gravita em torno do prazer proporcionado pelos sentidos, em competição com os sentimentos e o pensamento abstrato. Os hábitos relacionados com o território e a rede social, tendo como referencia a família e o trabalho, exercem uma atração irresistível. Esta carta tende a imprimir um viés emocional negativo a qualquer sensação de desconforto que, geralmente, é superdimensionado e dramatizado. Trata-se de uma conexão da parte negativa da parte emocional do centro instintivo (sensações de desprazer) com a parte negativa da parte emocional do centro emocional (emoções negativas), ou seja, o resultado de um trabalho errado do centro. O rei de paus (a parte intelectual do centro instintivo) é a inteligência que permeia o trabalho do centro instintivo. Essa inteligência sabe o que precisa fazer ou deixar de fazer para preservar e proteger a saúde e o equilíbrio do mecanismo humano. Ela sabe reconhecer, por exemplo, quando um alimento é necessário ou prejudicial numa determinada ocasião. Na situação de doença, esta carta extrairá energia dos outros três centros inferiores numa tentativa de restabelecer o equilíbrio do organismo. Quando isso ocorre, pode-se experimentar uma inabilidade para andar e falar e uma falta de desejo de estar com

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outros. O contato com esta carta produz também um aumento inusual de apreensão diante de um meio ambiente estranho. O indivíduo centrado nesta carta é fisicamente mais leve e psicologicamente mais frio do que os anteriormente descritos. Seus gestos e hábitos são medidos e controlados, consciente de aquisição e dispêndio de energia ao longo de um dia ou de um período. Existe nele também um forte componente de avaliação de correlação de forcas num ambiente social, e uma preocupação de quem é quem em termos de prestigio e poder. Com cada pessoa tende a agir de acordo com essa avaliação, tendo em vista preservar seu poder sobre um determinado território ou sobre uma determinada área. De uma certa forma, o rei de paus tem tido uma trajetória difícil no Ocidente, uma vez que desenvolver a inteligência da maquina sobre sua própria condição há muito deixou de ser culturalmente estimulado, uma vez que promove um individualismo exacerbado em oposição a desígnios coletivos e sociais mais elevados. A renúncia dessa inteligência no âmbito individual parece ter sido uma condição para que ocorressem o crescimento e o desenvolvimento em complexidade da sociedade ocidental. Platão coloca este problema através de um dilema representado pelos mitos de Hígia (deusa da saúde) e Asclépio (ou Esculápio, deus da medicina). Para os adeptos de Hígia, a saúde dependia primordialmente de como os homens governavam suas vidas. Nesse caso, ao médico cabia descobrir como um indivíduo poderia melhor se adaptar ao seu meio social e físico através de restrições comportamentais e dietéticas, despertando para isso, evidentemente, a inteligência do centro instintivo. Já os seguidores de Asclépio acreditavam que o principal papel do médico era tratar a doença e corrigir as imperfeições trazidas pela vida através de terapias impessoais, sem se preocupar muito em encontrar um modo de vida particular que equilibrasse o paciente com o seu meio ambiente. A ênfase recaia, portanto, no aspecto sintomático e curativo da medicina. Platão mostra ter sido um adepto de Asclépio, uma vez que criticava o cuidado e o controle excessivo com o corpo que o

método de Hígia muitas vezes acarretava, privando assim o indivíduo de praticar o seu oficio, se é pobre, e de se por a serviço do Estado, se é rico. O caminho apontado por Platão privilegia os aspectos emocionais e intelectuais, necessários para os empreendimentos e as atividades públicas e sociais, em detrimento de uma preocupação excessiva com o centro instintivo. É inconcebível pensar que os gregos antigos pudessem viajar, desenvolver o comercio e ter uma preocupação tão grande com a ciência, as artes e a política se estivessem tão preocupados e concentrados no que é adequado ou inadequado para o centro instintivo de cada uma das pessoas. De um modo geral, este caminho foi seguido pelo Ocidente desde a cultura grega antiga, sendo ainda reforçado na época renascentista, com o desenvolvimento da ciência e, principalmente, na Revolução Industrial. Descartes, um dos principais filósofos a assentar os princípios do pensamento racional, sendo por isso considerado um dos precursores do pensamento cientifico modero, considera a sensibilidade, toda ela, proveniente do centro instintivo, como uma fonte de ilusão incompatível com o intelecto e a razão . Com a industrialização e o modo de vida urbano, o comportamento em geral e a alimentação em particular foram padronizados pela necessidade da produção econômica e social. Com isso, desde criança o individuo não é estimulado a reconhecer, através do rei de paus, aquilo de que necessita, principalmente se houver conflito com as normas sociais.No que diz respeito à saúde, os procedimentos médicos modernos, alem de se configurarem dentro de um padrão que não leva em consideração a essência e a situação particular de um determinado indivíduo, adota medicamentos poderosos e terapias extremamente intervencionistas, como, por exemplo, as diferentes formas de cirurgias que não levam em consideração a capacidade de cada organismo de restabelecer a sua saúde dentro de um processo natural de regeneração. Esses

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procedimentos geralmente se fazem por meio da anestesia do rei de paus, que assim é impedido de se manifestar e se desenvolver. O desenvolvimento do rei de paus ocorreu de um modo muito mais completo no Oriente, embora muitas vezes isso tenha se verificado em detrimento do centro emocional. O conflito entre estes dois centros revela-se internamente na maioria dos indivíduos e externamente entre indivíduos centrados no centro instintivo emocional. Enquanto para os primeiros os segundos são pouco confiáveis, para os segundos os primeiros são frios e egoístas. Apesar de extremamente difícil, é aconselhável que o rei de paus seja desenvolvido. Equilibrando a saúde e permitindo maior harmonia instintiva, é mais provável que o indivíduo encontra condições de atingir o rei dos outros centros e harmonizar o seu mecanismo como um todo.

3.2 O CENTRO MOTOR As pessoas centradas no centro motor são fisicamente alongadas, magras e com musculatura bem desenvolvida. Os membros, em particular as pernas, são relativamente compridas em relação ao tronco. O físico é talhado para se movimentar e por isso o esporte, a dança e as viagens exercem nelas forte atração. Psicologicamente, manter uma situação estável lhes é difícil e por isso tendem constantemente a procurar por situações novas. Sempre têm em vista um novo emprego, novas amizades, nova casa, nova cidade ou novo país. Ainda que seja um plano de fantasia, este indivíduo pode considerar a possibilidade de um novo parceiro conjugal, mesmo no caso de ser feliz com o atual, só pelo apelo estimulante que qualquer tipo de mudança nele exerce. Diante de uma determinada dificuldade, uma pessoa centrada nesse centro muitas vezes sai fisicamente da situação em que se encontra, dando, por exemplo, uma volta ou um passeio como um meio de relaxar e encontrar soluções para o problema. O excesso de energia motora neste individuo tende a congestionar o centro intelectual, resultando em imaginação ou devaneio mental, uma

válvula de escape que constitui, como veremos no próximo capítulo, um trabalho errado co centro, produzindo grande desgaste de energia. Como as pessoas centradas nesse centro têm dificuldade com qualquer atividade que as faça permanecer paradas, um forte antagonismo com o centro intelectual se manifesta, principalmente quando este exige longas horas de leitura e estudo. O conhecimento e o saber, sob o ponto de vista do centro motor, só tem sentido quando forem práticos e aplicáveis fisicamente à realidade, sendo difícil a aquisição de um saber teórico meramente especulativo. A parte motora-instintiva do centro motor, ou o valete de espadas representa a memória desse centro, ou seja, tudo aquilo que aprendemos no que se refere a movimento físico, como, por exemplo, andar, comer, abrir uma porta, guiar um automóvel, praticar um esporte, etc. Ela se inclina para movimentos mecânicos repetitivos, independentes de intenção ou vontade. As pessoas centradas nesta carta tendem a fazer um excesso de movimentos quando andam ou quando executam qualquer atividade. As pernas e as mãos continuam em movimento mesmo quando sentadas. Quando treinadas, executam bem qualquer operação que exija velocidade de movimentos automáticos. São bons motoristas, atletas e, no futebol, ótimos ponteiros. Apresenta, também grande facilidade de aprender línguas, principalmente o seu aspecto falado, quando quase sempre o fazem de um modo perfeito, sem sotaque. Na música, pode haver talento para aspectos que envolvam ritmo, tão necessários no samba e no jazz. A imitação de voz e trejeitos de outras pessoas é também muitas vezes bem executada. E atividades fabris que exijam movimentos automáticos, como os executados por Charles Chaplin em Os Tempos Modernos, considerados insuportáveis para os demais centros de gravidade, são, se não apreciados, pelo menos tidos como razoáveis.

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A dama de espadas (a parte emocional do centro motor) inclina-se para o prazer do movimento, que se expressa principalmente na dança. As pessoas centradas nesta carta são em geral elegantes e graciosas e por isso adaptam-se bem no papel de manequins. Como a execução de quase todas as artes que envolvem movimento exige de alguma forma a participação desta carta, as pessoas nela centradas geralmente manifestam vocação e facilidade para aprendê-las. Assim ocorre, alem da dança, como teatro, a música, a mímica, e outras formas derivadas dessas artes. O mesmo se dá com várias manifestações esportivas, principalmente as que apresentam um componente emocional, como a patinação no gelo, a ginástica olímpica e os esportes de equipe. O rei de espadas (a parte intelectual do centro motor) introduz um elemento de cálculo no sentido de imprimir exatidão ao movimento. De um modo geral, quando se aprende um novo movimento esta carta executa uma função vital ao sustentar a atenção requerida pelo processo de aprendizagem após a perda de interesse pela dama de espadas. As pessoas nela centradas executam movimentos com precisão, economia e praticidade, podendo ser bons cirurgiões, desenhistas, arquitetos e executores de qualquer atividade manual que exija algum tipo de perícia. Esta é uma carta que se dirige aos aspectos físico-mecânicos do mundo de um modo critico e pratico e por isso mesmo induz a um comportamento industrioso e inventivo. Isso é particularmente verdadeiro no que se refere a processos que resultem em melhoramentos e aperfeiçoamentos da execução de maquinas e engenhos. O desenho industrial e a arquitetura são também bons exemplos de atividades que exigem a participação destas cartas. Nas artes, a pintura, o desenho, e a escultura são também tipicamente apropriadas para ela.

3.3 O CENTRO INTELECTUAL. As pessoas centradas nesse centro são geralmente magros e de estatura mediana. Psicologicamente apresentam movimentos e

emoções contidas, seu olhar parece estar constantemente produzindo algum tipo de cálculo e, assim, seu mundo é dimensionado em forma de números e palavras. Muitas vezes o saber tende a ser confundido com o conjunto de dados estatísticos e informações sem vida própria. O excesso de digestão mental em relação a determinado objeto ou situação faz com que esta pessoa demonstre estabilidade e consistência. Dificilmente ela muda radicalmente de opinião ou de humor, justamente porque estes foram formados durante longo processo, permitindo uma ampla assimilação dos vários aspectos da impressão recebida. Ao mesmo tempo, justamente porque raramente age de modo impulsivo, dando tempo suficiente para digerir as impressões recebidas, essa pessoa pode ser aberta às opiniões dos outros sem ser por ele influenciável. Sob o ponto de vista desse centro, o centro emocional é instável e rápido demais para ser confiável. Ser mais lento nesse sentido significa ser menos penetrante, mas mais exato e consistente. Para os tipos intelectuais, as emoções em geral introduzem um elemento de imprevisibilidade e de risco. Por esse motivo, eles devem estar sempre sob controle, fazendo com que o indivíduo pareça contido e não espontâneo. As pessoas centradas nesse centro são também lentas e muitas vezes não captam aspectos sutis de uma interação social. Elas têm dificuldades de entender piadas e as entrelinhas de uma conversa em geral. Por isso nem sempre se sentem à vontade em ambientes com vida social muito intensa. Pelo contrário, preferem ver-se cercadas por poucas amizades. Uma condição importante que elas tentam consistentemente imprimir em suas vidas é a estabilidade, porque o excesso de mudança de situações prejudica ou impede o controle das mesmas. Há, nesse sentido, uma tendência natural a serem conservadoras, ao contrário das pessoas centradas no centro motor, que naturalmente tendem a procurar situações novas.

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O valete de ouros (a parte motora-instintiva do centro intelectual) inclina-se para atividades de coleta e armazenagem de dados sobre uma realidade qualquer. É um arquivo ambulante disposto a ver uma situação nova através de dados antigos, comparados sem qualquer intencionalidade. Este tipo pode ficar plenamente satisfeito com uma descrição de uma determinada situação através de números e medidas, eliminando a necessidade de estar presente a ela. Trata-se de uma carta muito útil que pode trazer subsídios importantes relacionados com a realidade que se procura conhecer, auxiliando a compreensão dela. O problema do valete de ouros, no entanto, é que. Como num banco de dados, ele classifica as informações binariamente, o que é insuficiente para o processo de conhecimento. Alem disso, ao invés de estudar, analisar e compreender uma realidade qualquer em to a sua dimensão e complexidade, ele só sabe rotular em associação com realidades análogas, de um modo formatório e sem inteligência. O valete de ouros não serve para pensar. Sua função apropriada é prover informação útil ao rei de ouros. Como, no entanto, este geralmente está ausente ou dormindo, o valete costuma substituí-lo, tomando decisões para as quais não se encontra capacitado,nem tem competência. A realidade assim rotulada, no entanto, perde seu poder explicativo se houver mudança de situação. Um fato qualquer, dentro de um contexto, pode ter um sentido completamente diferente, ou mesmo oposto, se colocado em outro contexto. O valete de ouros não entende isso e age como se os fatos fossem realidades em si mesmas, com significado independente do contexto em que se situam. Assim, essa carta costuma tomar situações aparentemente similares, mas de significados completamente diferentes, para explicar um fato novo que exige, para o seu entendimento, uma nova observação. A característica mais pronunciada nos indivíduos centrados nesta carta é o processo mental associativo, ou seja, associações mecânicas de idéias , eventos e lembranças nas quais uma atrai a outra de um

modo concatenado, mas automático, sem que haja um salto qualitativo com poder de produzir uma idéia nova mais abrngente. A dama de ouros (a parte emocional do centro intelectual) inclina-se para a parte estética do conhecimento e o desejo de conhecer e compreender. É a carta que se emociona pela qualidade, grandeza e beleza do saber, alem de propiciar satisfação pela descoberta ou pela solução de problemas. O que muitas vezes falta nas pessoas centradas nesta carta são certas qualidades como consistência, persistência e intencionalidade em seus propósitos intelectuais. Sendo atraídas pelo conhecimento, elas tendem a ser dispersivas nos seus muitos planos de estudo, sem saber dosar a energia necessária para um continuado processo de aprendizagem. Num momento deixam-se levar por um grande entusiasmo e no momento seguinte podem sentir indiferença pelo mesmo objeto. Ou ainda podem ter tantos planos de tantos estudos que tornam inviáveis todos eles. Isso ocorre porque sua função depende de interesse em vez de esforço e intencionalidade. Outro bom exemplo refere-se à atitude impetuosa diante de um livro, impedindo a sua leitura do começo ao fim. Numa livraria, há a tendência a adquirir muito mais livros do que se poderia ler. O rei de ouros (a parte intelectual do centro intelectual) é uma carta muito rar4a, sendo própria de poucos cientistas e homens de saber. O que a caracteriza é o esforço intencional com que se procura o conhecimento. O indivíduo nela centrado é capaz, sem dispersões, permanecer concentrado num teorema matemático, por exemplo, por muito tempo, mesmo quando realiza outras atividades que envolvem o centro motor ou instintivo. A capacidade de criação, invenção e descoberta ‘característica desta carta. Quando se lhe apresenta uma grande variedade de conhecimentos, ela tentará utilizá-los seletivamente de modo tal que nova compreensão passa a ser gerada. O maior atributo desta carta é a noção de relatividade, o que quer dizer que nada é absoluto e que as propriedades de cada coisa só existem e são verdadeiras em relação a outras coisas. Neste caso,

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dois princípios aparentemente contraditórios sobre um mesmo objeto podem coexistir e ser verdadeiros ao mesmo tempo, o que é incompreensível para o valete de ouros. O rei de ouros entende que a realidade é complexa e construída a partir de contradições. Desvendá-las significa, por exemplo, perguntar como aspectos contraditórios podem coexistir numa mesma realidade. No entanto, pode ser difícil par esta carta entender que o conhecimento profundo e objetivo passa a ser um processo que requer mais do que meramente a função intelectual. O centro emocional deve ser desenvolvido de modo a permitir o florescimento da compreensão, uma vez que é necessário sentir o que se sabe.

3.2 O CENTRO EMOCONAL

As pessoas centradas no centro emocional tendem a ter formas físicas arredondadas. As pernas são roliças, os ombros e a cabeça, arredondados, e a barriga, saliente. Quase sempre elas apresentam uma propensão para engodar, embora, ao contrário dos que são centrados no centro instintivo, possam ser ágeis e leves. Psicologicamente são pessoas extrovertidas, de fácil comunicação, que entendem que para viver é absolutamente necessário alimentar as emoções. Dificilmente a vida é vista de um modo aprazível se não contar com um ambiente propício para criar e desenvolver os sentimentos próprios do relacionamento entre seres humanos, como o amor e a amizade ou seus equivalentes negativos. Assim, o mundo é visto principalmente em termos de coes e formas e nele as palavras têm pouca importância. Muitas vezes a comunicação entre indivíduos centrados nesse centro parece não levar em conta o conteúdo. A única coisa que parece importar é o calor transmitido pelo ritmo e a musicalidade da expressão. A musica é na verdade a forma de expressão natural desse centro.Os tipos emocionais mostram também uma tendência a serem volúveis, sujeitando suas decisões ao seu estado de humor do momento, que

por sua vez tende a variar muito num período ou, em casos mais drásticos, num mesmo dia. Por isso, suas ações e seus estados mentais são frequentemente imprevisíveis ou instáveis, quase sempre oscilando num ciclo de periodicidade. Dificilmente ocorre, em seus processos mentais, uma digestão suficiente de impressões. Essas ultimas tendem a ser eliminadas pelo riso, pelo choro e pelo falar desnecessário antes que possam amadurecer e ser úteis. O movimento romântico na musica, na literatura e na dança expressam em o caráter de valorização dos sentimentos humanos, mesmo quando esses são incompatíveis com a razão e com a necessidade de sobrevivência. Esse aspecto mostra a forte oposição que existe ente o centro emocional, de um lado, e o centro intelectual e instintivo, de outro. Sob o ponto de vista do centro emocional, tanto o centro intelectual como o instintivo lhe parecem, cada um à sua maneira, frios, lentos, pesados, sem graça e sem vibração. O valete de copa (a parte mecânica do centro emocional) é um carta onde predominam as emoções de fácil expressão que se propagam sem nenhuma intencionalidade, mas apresentam um forte poder de difusão. Esse tipo de emoção se desenvolve melhor no dia-a-dia e serve para expressar cortesias rotineiras entre as pessoas, tais como desejar um bom dia, ou dar um até logo, facilitando a comunicação. Ela é atraída pelos ambientes sociais com um numero razoável de pessoas, de modo a permitir um contágio emocional com expressões como a risada o barulho e o falatório. Festas da cerveja, de tradição alemã, festas de aniversário em geral, quermesses, são exemplos de ambientes onde esta carta encontra condições ótimas de expressão. Qualquer lugar onde ocorra aglomeração humana, como, por exemplo, um estádio lotado de futebol ou um comício político, pode também significar um apelo irresistível para a expressão desta carta, principalmente quando se grita um “gol”ou quando se aplaude o discurso. O mesmo apelo emana de manifestações patrióticas, de moralidade religiosa e de sentimentalidade romântica. Esta carta

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gosta também de contar e ouvir piadas e frequentemente faz trocadilhos e chistes jocosos só pelo prazer de provocar risos e descontração. Qualidades quase sempre presentes nesta carta são a expressividade e a comunicabilidade através do gosto de se encontrar com as pessoas. Nesses encontros os rituais de introdução e de despedida constituem o ponto alto, porque é neles que as emoções são mais fortemente expressas com beijos, abraços e apertos de mão. Evidentemente não há nenhuma intencionalidade nessas expressões rituais. Se diante da pergunta “Como vai você e a família?” Houver uma resposta adequada e minuciosa, especificando a situação domestica, de trabalho, ou qualquer outra envolvendo cada um dos membros da família, o interlocutor com certeza ficaria totalmente confuso. O mesmo aconteceria se, diante do convite bem brasileiro “Apareça lá em casa”ao final de um encontro, o interlocutor tirasse uma agenda e perguntasse qual seria o dia mais conveniente para tal visita. A dama de copas (a parte emocional do centro emocional) difere da carta precedente na medida em que as emoções são mais densas e se apresentam com maior intensidade. Nesse caso, elas dependem muito mais do estado de humor interior e muito menos dos estímulos do meio social. Por isso os sentimentos adquirem um contorno mais sólido e estão menos sujeitos ao processo de contagio que ocorre com o valete de copas. Essa solidez, no entanto, não significa que haja consistência. Pelo contrário, os estados de humor podem variar e flutuar enormemente: num momento, gostam e amam; noutro momento, detestam e odeiam com a mesma intensidade o mesmo objeto. A manifestação da dama de copas nunca é neutra. Daí a sua tendência a julgar situações ou pessoas de um modo radicalmente favorável ou desfavorável. Esta carta é muito perceptiva a respeito de outras pessoas, permitindo uma interação mais profunda do que com o valete de copas. Ela funciona também como um verdadeiro gerador de energia emocional da maquina humana. No entanto, na ausência do rei de

copas, que sabe acumular e distribuir intencionalmente essa energia, tudo o que foi gerado, e às vezes um pouco mais é gasto em banalidades. Manter em si essa energia é geralmente penoso e por isso é necessário inventar situações em que gastá-la, se ela não existir na realidade. Por conseguinte, indivíduos centrados nesta carta muitas vezes procuram situações de conflito ou de dificuldade somente para gastar a energia emocional que têm acumulado. Um exemplo muito bem caracterizado da dama de copas é a rainha da história Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll. De uma certa forma, ela exige que toda a atenção seja nela focalizada. Ao mesmo tempo, ela quer ser compreendida e obedecida em qualquer circunstancia, mesmo quando as ordens são contraditórias. O rei de copas (a parte intelectual do centro emocional) corresponde à inteligência das emoções e seu principal atributo é a noção de escala. Tanto o valete como a dama de copas não tem qualquer noção de proporção dos acontecimentos. Assim, uma banalidade qualquer pode transformar-se num dramalhão. Já o rei de copas sabe medir os acontecimentos de modo que possam ser avaliados na sua escala real. Esta capacidade propicia um discernimento mais preciso sobre as noções de certo e errado, formando no individuo a sua consciência moral. À luz do tempo, por exemplo, um acontecimento doloroso atual perde o significado com que é avaliado no momento em que ocorre. Da mesma forma, um acontecimento dramático à primeira vista pode na verdade se reduzir a pó diante de toda uma vida. O rei de copas é capaz de trazer esse fator junto ao acontecimento de modo a fazer com que ele adquira perspectiva e significados que não apareçam à primeira vista. Para que exista uma verdadeira noção de escala é necessário que os acontecimentos sejam observados em sua verdadeira natureza, o que exige intencionalidade na observação. Falar mal de uma dama de copas, por exemplo, é algo terrível para ela porque ela só sabe

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perceber as coisas em bloco: é a totalidade da pessoa falando mal da sua totalidade. Falar mal de um rei de copas desperta nele apenas curiosidade. O rei de copas é capaz de olhar para o estado emocional de um indivíduo, inclusive ele mesmo, analisá-lo e extrair conclusões. É uma inteligência que está acima das emoções e que se alimenta delas, ao compreendê-las. A leitura dos sonetos de Shakespeare, da poesia de Goethe ou de Rilke ou o entendimento da musica de Bach exigem a participação desta carta. Da mesma forma, o estudo das psicologia não pode ir muito longe sem a sua presença. O rei de copas é uma carta que dói bastante desenvolvida no Ocidente, principalmente através da poesia, da pintura e das artes em geral. Esta carta teve seus pontos altos na Grécia antiga, no Renascimento e no Iluminismo europeus, começando o seu declínio após a Revolução Industrial. Os centros superiores permanecem inativos para a grande maioria da humanidade. Mesmo os reis dos vários centros não são comumente expressos e a vida levada pela grande maioria dos indivíduos não requer a sua expressão. O motivo dessa baixa taxa de utilização do que a maquina humana contém em potencial é, como veremos adiante, a incapacidade do ser humano de aperfeiçoar o que foi legado pela natureza. O desenvolvimento dos reis exige longo trabalho de educação das funções inferiores e o cultivo dos centros superiores é algo que exige um longo trabalho em si mesmo através de uma escola especial. As partes que se seguem neste livro foram designadas para dar um significado maior a respeito da idéia de tipo e de função à luz do sistema Ouspensky-Gurdieff. Nelas, a idéia de geração em si dos reis e dos centros superiores seta apresentada. Somente então, os centros superiores terão significado porque não se pode chegar até eles sem um determinado trabalho de harmonização dos centros inferiores.

4O SISTEMA

OUSPENSKY-GURDIEFF

1-INTRODUÇÃO É necessário mencionar, a respeito das teorias dos tipos de Rodney Collin e das funções de Ouspensky & Gurdieff, em primeiro lugar, que elas não consistem de apenas pedaços de conhecimentos desconectados de outros aspectos do ser humano e do relacionamento deste com o Universo. Pelo contrário, elas se encontram em sintonia com um sistema de pensamento que pretende explicar o ser humano, com todas as suas potencialidades, em conjunção com leis objetivas do Universo.Uma breve analise de alguns aspectos da parte psicológica desse sistema é necessária para que toda a teoria dos tipos e das funções adquira um significado mais profundo, embora pela sua importância pratica essa teoria se sustente em si e por si mesma como um campo legitimo e auto-suficiente de conhecimento. Para os interessados numa compreensão mais abrangente do sistema, inclusive de seus aspectos místicos, que extrapolam o alcance deste trabalho, recomendamos a leitura da obra de Ouspensky e de Rodney Collin já mencionada. O sistema Ouspensky-Gurdieff parte de uma premissa fundamental, qual seja, o fato de ser impossível ir muito longe no conhecimento do mundo externo sem primeiro haver um mergulho profundo em si mesmo no sentido de detectar os meios pelos quais qualquer conhecimento se torna possível. A necessidade de nos conhecermos, embora tenha sido, com Sócrates, a base fundamental da filosofia e da ciência ocidentais, encontra-se há muito tempo esquecida.

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Conhecer a realidade num nível que ultrapassa a aparência superficial exige, como vimos anteriormente, uma nova forma de pensar que, a partir do desenvolvimento das partes intelectuais dos centros, atinge as funções (emocional e intelectual)superiores. Um exemplo dessa nova forma de pensar encontra-se no conceito de compreensão, que a rigor não permite a possibilidade de discordância. Quem compreende terá diante de si uma única atitude legítima, ou seja, a de concordância, ou o grande “SIM” próprio do centro intelectual superior. A mente lógica, regulada pela parte mecânica do centro intelectual, dividida pelo sim e pelo não, não pode evidentemente compreender esta definição. Este sistema parte do pressuposto de que o ser humano resulta de um mecanismo complexo que reponde (através da influencia dos tipos e dos centros de gravidade, além da experiência e das circunstancias de vida) aos vários estímulos externos sem poder cultivar o poder da vontade, que, embora exista em estado embrionário, dificilmente encontra condições de se desenvolver. Sem este desenvolvimento, o desenrolar de uma vida é normalmente preenchido pela sucessão de respostas automáticas aos vários estímulos externos que a envolvem. Inexiste neste processo o ato da criação, nem externa, no sentido de um “fazer”, nem interna, no sentido de se “fazer”. O ser humano, no entanto, possui uma peculiaridade sui generis que se define pela sua capacidade potencial de conhecer o seu próprio mecanismo físico e psicológico e de governá-lo num sentido consciente. Num certo sentido, conhecer-se a si mesmo significa conhecer, de um lado, os estímulos e as influências externas que nos movem e, de outro, a maneira como eles são processados, assimilados e respondidos através do condicionamento imposto pelas circunstancias que engendram os diversos planos de uma vida. De um modo geral, o ser humano resulta das várias influências recebidas e que, bem ou mal, foram digeridas e assimiladas (como veremos adiante) de acordo com um padrão correspondente à sua essência e que atualmente ele reproduz. Tudo o que adquiriu nesse

sentido, como, por exemplo, a língua e, com ela, a sua maneira de ver, perceber, classificar e avaliar as coisas e os eventos que o circundam, assim como a sua cultura, proveniente da nacionalidade, da família ou da profissão, resulta de um conjunto acidental de fatores que passam a governar a atitude e o comportamento do ser humano. Além disso, o modo como essas influências são processadas depende de qualidades geneticamente determinadas que, como veremos, encontram-se codificadas, em sua essência. Enquanto não desenvolve vontade própria e, com ela, controle sobre esse conjunto acidental de fatores, é razoável supor que um indivíduo pouco difere de uma marionete. Em circunstâncias excepcionais, no entanto, ele pode adquirir o poder de conhecer e comandar a si mesmo, o que constitui o objetivo maior desse sistema. Inicialmente, o estudo de si concentrar-se-á no discernimento do que é verdadeiro e do que é falso em si mesmo. Mais tarde, o que é falso terá necessariamente de ser controlado pela vontade que nasce como resultado de um trabalho voltado para si mesmo e que necessariamente implica luta contra os aspectos mecânicos que nos governam. Neste contexto, vontade define-se pela capacidade de fazer aquilo que não queremos, opondo-se a desejo, que se define pelo impulso que nos leva a fazer aquilo que queremos. Esse sistema propõe, portanto, um novo ponto de referência que permite verificar as condições que tornam possíveis o estudo, o conhecimento e o controle dos nossos estados mentais, visando a um nível mais alto de penetração na realidade de cada momento e, sobretudo, em nós mesmos. Menos do que uma teoria intelectual, as idéias desenvolvidas no interior desse propósito devem ser tomadas como instrumentos ou ferramentas de trabalho para serem utilizados na observação, estudo e transformação de si mesmo. Os resultados virão na exata proporção dos esforços despendidos. O entendimento de que não somos mais do que um mecanismo, embora complexo e com a possibilidade de adquirir consciência, é

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muito importante nesse sistema. A possibilidade de evolução começa com o estudo desse mecanismo. Se não fosse pela sua condição mecânica, o seu comportamento seria imprevisível e nesse caso não haveria nenhuma possibilidade de auto-estudo e, portanto, nenhuma chance de evoluir. Se, em circunstâncias normais, pouco podemos fazer com relação a nós mesmos, menos ainda é possível com relação a influencias externas que dependem de fatores mais poderosos, sujeitos a um número muito maiores de leis. Quem pretende estudar e trabalhar em si mesmo deve deste o começo renunciar à ilusão de que pode fazer qualquer coisa, a não ser pequenas mudanças no seu nível de ser numa dimensão muito precisa; o aqui e o agora. Uma maneira de trabalhar adequadamente em si mesmo é considerar as circunstancias que nos cercam como uma peça de teatro sobre a qual não podemos exercer qualquer influencia significativa. Nessa peça, como muito bem sugeriu Epicteto, somos atores com um papel que certamente não escolhemos, cabendo-nos apenas, através da separação, nos esforçar para apresentar um bom desempenho. Já o homem dominado pelo sono acredita que pode fazer muitas coisas, intervindo no cenário e no roteiro da peça no sentido de acomodá-los aos seus caprichos. É evidente que, assim agindo, ele não só não exercerá nenhuma mudança real nesse espaço como também desempenhará mal o seu papel. Nesse espaço, através de pequenas intervenções em si mesmo e no seu meio ambiente, será possível fazer alguma coisa. Pouco a pouco, momento a momento, algo considerável poderá ser acumulado dentro de um certo período de tempo.

2. ESSÊNCIA E PERSONALIDADE

O reconhecimento do que é verdadeiro num individuo deve começar pelo conhecimento do que faz parte da sua essência, em oposição ao que faz parte da sua personalidade. Essência diz respeito a todas as qualidades inatas, físicas ou psicológicas, exibidas pelo

individuo, tais como vocação por música, matemática ou atividades manuais. Qualquer que seja essa vocação, ela deverá ser desenvolvida pela personalidade, que é adquirida no meio familiar, social e cultural com a finalidade de dotar a essência de uma forma e expressão. Normalmente, a personalidade deveria dar suporte e contribuir para o desenvolvimento da essência, no sentido de a educar, lapidar e refinar. Não se pode ir muito longe sem a sua influencia, uma vez que ela introduz muitas possibilidades e recursos. Alguém que tenha vocação para a música, por exemplo, necessita aprender uma forma de expressá-la a qual será transmitida de acordo com a oportunidade que tiver de absorver as influencias do seu meio social, do seu pais ou da sua época histórica. Quando isso não ocorre, a essência permanece em estado bruto, o que se verifica freqüentemente entre camponeses ou trabalhadores manuais, muitos dos quais com verdadeiro talento para vários tipos de artes que nunca poderão ser expressos pela falta de uma personalidade bem desenvolvida. No entanto, é muito mais freqüente ocorrer a predominância da personalidade sobre a essência, principalmente em situações urbanas, em que o individuo tem um certo grau de educação. Nesse caso, ele passa a adquirir gostos e inclinações que, além de não corresponderem à sua essência, podem até mesmo danificá-la. Um exemplo dessa situação ocorre quando, em busca de status, de dinheiro ou de honrarias, um individuo deixa de cultivar as suas inclinações naturais e passa a viver em função desses objetivos. Sempre que isso ocorre a essência é sufocada, interrompendo-se algumas vezes definitivamente, as possibilidades de evolução. A teoria dos tipos e dos centros de gravidade analisados nos capítulos anteriores diz respeito à essência, o que significa dizer que a sua principal finalidade refere-se à observação e ao estudo de si mesmo e dos outros a partir de um mapa mais objetivo da realidade. Um tipo venusiano, por exemplo, pode ter desenvolvido, a partir da imitação de um ente familiar ou de um professor ou de qualquer

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outra pessoa, que tenha nele exercido influencia, aspectos próprios de um tipo marcial, ou seja, poder confrontativo e comportamentos que denotam coragem, A observação de si mesmo indicará que este aspecto da sua personalidade consome uma enorme quantidade de energia e produz resultados pouco satisfatórios. Ser simplesmente venusiano, nesse sentido representa uma grande vantagem. Em vez de procurar compensar as fraquezas próprias de um tipo ou de um centro de gravidade com a aquisição de imposturas, o individuo deveria se conformar com as qualidades e os limites próprios do seu tipo e, ao mesmo tempo, procurar obter qualidades que transcendem o nível da essência. O objetivo nesse caso, não é se tornar um mecanismo perfeito, mas adquirir consciência de si mesmo, a partir das condições da sua essência, uma qualidade superior a qualquer atributo mecânico que se possa acrescentar ao seu eu. Falsa personalidade refere-se à auto-imagem que se constrói com todos os mecanismos psicológicos necessários para protegê-la. Ela se desenvolve na infância como resposta às pressões para receber aprovação dos pais, dos professores e do mundo familiar e social em geral. Trata-se de fenômeno que ocorre, em maior ou menor proporção, com todos nós, pela própria condição do ser humano que é extremamente dependente de um meio social e familiar e que desde cedo aprende a gostar daquilo que não é e a não gostar daquilo que é necessário para o seu desenvolvimento. A falsa personalidade pode acabar por dominar a vida de um individuo com um conjunto de atitudes e padrões de comportamento contrários à sua verdadeira natureza. É evidente que o estudo e a educação são necessários para o desenvolvimento da essência. Como, no entanto, dificilmente eles se adaptam às suas peculiaridades, pode-se dizer que a falsa personalidade tende a ser tanto maior quanto mais estudo e educação tiver o indivíduo. Reconhecer e se aproximar da essência, por outro lado, poderá revelar vocações ou talentos que nunca foram estimulados e, por

isso, nunca desenvolvidos. Educá-los e desenvolvê-los passa a ser uma obrigação da personalidade. Conhecer-se a si mesmo significa reconhecer em si as características básicas e fundamentais da própria essência e dos aspectos da personalidade que promovem ou impedem o seu crescimento e desenvolvimento. Uma parte significativa da psicologia desse sistema consiste em métodos que permitem discernir em si mesmo o que pertence à essência, à personalidade e à falsa personalidade. Esse discernimento é fundamental, uma vez que, embora a personalidade seja indispensável, somente a essência pode de fato crescer e se desenvolver. Algumas formas de falsa personalidade não chegam a resistir à fase inicial de observação e trabalho em si e, diante dele, logo se esvanecem em fumaça, tal a sua inconsistência. Outras formas, no entanto, mostram-se muito mais fortes e difíceis de ser erradicadas, permeando toda a essência a aparecendo como uma mascara que adquiriu vida própria. Nesse caso, o trabalho em si pode revelar-se difícil, doloroso e prolongado, exigindo uma ajuda competente. A falsa personalidade é antagônica ao trabalho em si, impondo-lhe toda a sorte de resistências, uma vez que o crescimento da essência significa a sua redução ou mesmo a sua morte. O crescimento da falsa personalidade, por sua vez, significa o tolhimento e até mesmo a morte da essência, o que é caracterizado por um comportamento sem escrúpulos e hesitações, presente, muitas vezes, em grandes personagens da vida social. Como disse Ouspensky a respeito, é uma ironia que os vivos devam ser governados pelos mortos. Diante dessa constatação, o que podemos fazer de mais sensato é tentar escapar desse tipo de influência.

3. OS TRAÇOS PRINCIPAIS

O desenvolvimento da falsa personalidade ocorre através de traços ou características que acabam por governar a maior parte do

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comportamento e da vida interior de um individuo. Essas características revelam-se através de atitudes na sua relação com o mundo externo. Como vimos na descrição dos tipos, há uma correlação entre certas características e certos tipos, como, por exemplo, a teimosia e o lunatismo associados ao lunar; a não-existência e a bondade mecânica, ao venusiano; a vaidade, ao mercurial e ao jovial; o poder, ao mercurial, ao jovial e ao marcial; a dominância, ao saturnino, o medo, ao marcial e, finalmente a ingenuidade, ao solar. Embora possam predominar em certos tipos, essas características podem ser encontradas em qualquer individuo, assim como três outras não mencionadas anteriormente: a ganância (tendência a procurar e acumular mais do que se pode assimilar), o traço de vagabundo (ausência de discernimento sobre valores em geral) e o de satélite (tendência a gravitar em torno de alguma outra pessoa). Considerando que cada indivíduo possua um traço principal e outros secundários, aumenta ainda mais livremente um intercâmbio de traços entre os vários tipos. Isso é particularmente verdadeiro com a vaidade, que se não for principal será um dos traços secundários na configuração da falsa personalidade da grande maioria dos indivíduos. Embora se predisponha na essência, o traço principal organiza a falsa personalidade, dimensionando a maior parte dos interesses que compõem o comportamento humano. Por meio dele, a razão de viver e o sentimento de realidade e de identidade que cada um nutre a seu próprio respeito são forjados. Um individuo com poder, por exemplo, só se sente real quando encontra condições de se impor; um com teimosia, quando resiste; um com vaidade, quando atrai atenção, e assim por diante. Cada um dos traços descritos acima pode reforçar ou modificar a manifestação dos tipos vários graus. A teimosia, um traço passivo e negativo, é totalmente compatível e por isso reforça várias características do tipo lunar. Se, no entanto, esse traço se manifestar no saturnino, um tipo ativo e positivo, ele se mostrará antagônico e,

por isso, modificará o comportamento no sentido de atenuar várias das características desse tipo. Um saturnino com teimosia ou não-existência é menos severo e mais brando e passivo do que um com dominância; um lunar com vaidade é mais ativo do que um com teimosia e, assim por diante. De um modo geral, quanto mais longe da essência encontrar-se um individuo, mais forte será a expressão de seu traço principal. O seu estudo só pode ter um propósito legitimo, que é o de minimizar suas manifestações pela consciência de sua existência. É importante ter em vista, no entanto, que não é possível erradicá-las completamente e nem este seria um objetivo de trabalho sensato. O traço principal, assim como toda manifestação mecânica existente no individuo, constitui um obstáculo necessário ou mesmo indispensável para a sua evolução. Sem ele, o individuo não teria do que se separar e a partir do que desenvolver uma vontade e controle. Neste sentido, o traço principal confere uma referencia a partir da qual o individuo pode desenvolver em si aspectos não mecânicos.

4. OS MUITOS “EUS” E O “EU” – VERDADEIRO Prosseguindo com a observação e o estudo de nós mesmos chegaremos inevitavelmente à conclusão de que funcionamos como mecanismos de estímulo-resposta através de vários pensamentos, sentimentos ou sensações que na sua curta existência se expressam como se fossem nós mesmos. Trata-se dos vários “eus”, muitos deles contraditórios entre si, que nos habitam e governam. Isso quer dizer que o ser humano é múltiplo e mostra um sentido limitado de unidade. Quando cada um desses “eus” surge, age como se fosse único e verdadeiro, passando a governar por um instante a totalidade do ser humano, De acordo com seu interesse esse “eu” toma iniciativas que muitas vezes irão entrar em conflito com os “eus” subseqüentes. Evidentemente, em condições normais, o indivíduo não sabe disso. Ele imagina ter consciência e unidade. O fato de ter um nome,

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uma profissão, um estado civil, um status e alguns hábitos pessoais reforça nele essa imagem. Esta ilusão é difícil de ser quebrada justamente porque no momento em que alguém pensa em si mesmo apenas nesse momento, sente um vago sabor de unidade. NO momento seguinte, no entanto, como ensinava Platão, ele mergulha de novo, por muito tempo, no mar do esquecimento, uma característica inalienável da condição humana. A ilusão de lembrança de si e de uma vontade indivisível não permite o esforço e a luta interior, sem os quais nada pode mudar e muito menos evoluir. O processo da possibilidade de desenvolvimento de suas potencialidades inicia-se geralmente com uma certa insatisfação com a condição e o estado de vida interiores. Esta situação, aliada a uma sensação, um sentimento ou pensamento, ainda que vagos e imprecisos, de que existe uma realidade mais estável, profunda e verdadeira por debaixo da turbulência e irracionalidade comuns às condições normais de existência, pode impulsionar o individuo no sentido de procurar as condições que propiciem uma mudança em seu nível de ser. Se houver sorte nessa procura e disposição de sacrifício pela submissão a uma influencia superior, ele estará inevitavelmente dividido em dois, um aspecto mecânico inevitável e outro menos mecânico que, sob a orientação dessa influencia, observa e estudos o primeiro aspecto. Esse aspecto menos mecânico constitui um eu”com assento na parte intelectual do centro emocional (rei de copas) denominado por Ouspensky pelo termo “mordomo”, encarregado de controlar a harmonizar os “eus” provenientes dos demais centros. O mecanismo humano harmonizado pelo “mordomo”permite que pouco a pouco o verdadeiro eu”possa se desenvolver e, ao final de um longo processo, governar o indivíduo. Essa divisão pode ser percebida como desagradável para os “eus” mais mecânicos, que podem se rebelar diante da disciplina imposta, mas é importante deixar claro que sem ela qualquer possibilidade de mudança definitiva e duradoura é praticamente impossível.

O mordomo deve se encarregar de trazer o individuo para a sua essência, educá-la e refiná-la a partir de uma personalidade adequada e com isso permitir um ambiente interior harmônico no qual o verdadeiro “eu” possa se manifestar. É importante esclarecer nesta altura que o verdadeiro “eu” encontra-se numa dimensão que está além da essência. Como geralmente os “eus” não se conhecem uns aos outros, é comum o fato de “eus completamente contraditórios entre si encontrarem expressão num mesmo individuo. Para um mesmo objeto pode haver "eus” que amam e detestam, apóiam e combatem, concordam e discordam. O resultado é a inconsistência e a direção errática que normalmente caracterizam o comportamento e as ações humanos. Geralmente isso não é percebido porque são desenvolvidos amortecedores que evitam a colisão de “eus” contraditórios. Apenas quando eles se manifestam ao mesmo tempo, o que é muito raro, será possível a constatação de que realmente o individuo não tem unidade, é múltiplo e dividido. Um aspecto fundamental para o desenvolvimento do “eu”verdadeiro é permitir que os vários “eus”sobre um mesmo objeto apareçam ao mesmo tempo, num processo que envolve necessariamente a remoção dos amortecedores. Essa operação fera fricção e, consequentemente, uma energia que se bem utilizada produz respostas cada vez menos mecânicas, condição fundamental para o despertar do “eu” verdadeiro. Todos os “eus” vêm e vão conforme os estímulos, sem que no percurso de uma vida se tenha qualquer condição de desenvolver o “eu”verdadeiro, o único capaz de transcender os “eus”provenientes dos centros instintivo, motor, emocional e intelectual e lembrar de si mesmo. Viver ao sabor desses vários “eus” sem que ocorra um processo de separação com relação a eles significa viver ao sabor de desejos contraditórios que não levam a lugar algum. Em circunstâncias normais, como vimos, o ser humano não lembra de si mesmo porque a natureza o fez de um modo

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incompleto, sendo que a partir de um certo ponto de seu desenvolvimento a tendência natural é a degeneração e a morte. Para se completar, para evoluir ou para viver de acordo com aquilo a que tem direito o ser humano deve fazer-se a si mesmo, por meio do próprio esforço e trabalho. É exatamente esse o sentido bíblico de que, expulso do paraíso, o ser humano foi condenado ao trabalho para poder reconquistá-lo. O estudo de si mesmo começa por reconhecer que os diferentes “eus”não se situam num mesmo plano. Uns são mais confiáveis e necessários que outros, tendo em vista o propósito da evolução. Um aspecto fundamental do trabalho em si ocorre no controle dos “eus”desnecessário ou perniciosos e na promoção dos “eus” necessários para esse propósito. Esse controle não significa modificar substantivamente os “eus, mas usá-los com um propósito diferente. Ao invés de permitir que eles governem e drenem a nossa energia, transformá-los em combustão para o propósito superior de desenvolvimento da consciência.

5. SER E SABER

Como matéria acadêmica , a psicologia não respondia à grande maioria das questões que interessavam a Ouspensky, porquanto, focalizando o homem como ele é ou como ele se apresenta, ela não tinha nenhum interesse com respeito à sua potencialidade evolutiva. Em sintonia com as demais ciências ocidentais modernas, ela não reconhecia, como ainda não reconhece, o fato de que ao indivíduo é possível conhecer tanto quanto o seu nível de ser permite, o que significa dizer que o conhecimento é uma variável dependente do nível de ser de quem o detém. Para este sistema, o caráter fundamental de uma psicologia verdadeira é reconhecer entre os fenômenos mentais aquilo que serve e aquilo que não serve ao desenvolvimento das potencialidades evolutivas do ser humano. Este reconhecimento não pode ser realizado exclusivamente através do saber, que para tal precisa ser

transformado, paulatinamente, numa experiência prática e numa vivência íntima, que ultrapassam em muito a mera informação intelectual. Para que um maior saber possa ser absorvido é imprescindível que haja uma transformação qualitativa no nível de ser de um individuo. O saber nesse sentido serve apenas como um instrumento, ainda que indispensável, para o objetivo de mudança do nível de ser. Sem esse objetivo o saber perde a sua utilidade e transforma-se em alimento para a falsa personalidade, ou seja, um acessório inútil e prejudicial às possibilidades evolutivas. O saber só tem valor, portanto, quando penetra o ser, ou seja, quando o indivíduo passa a agir de acordo com suas palavras, ou a ser aquilo que sabe, pensa e diz. A obtenção de conhecimentos verdadeiros sobre si mesmo e sobre o mundo torna-se, no entanto, tão indispensável como uma direção para um viajante. Para chegar a qualquer parte é necessário encontrar, reconhecer e seguir um caminho correto. A vontade é imprescindível para isso, uma vez que o caminho que visa à transformação do nível de ser vai contra o tráfego ou a corrente de mecanicidade que normalmente impulsiona tanto o mundo como o ser humano. A essência corretamente educada permite o uso das partes intelectuais dos centros, o que já significa um nível superior. No entanto, como já foi observado, a essência é apenas o início de um longo processo de evolução. Não é difícil compreender que uma árvore ou um ser humano adulto possuam níveis de ser diferentes de uma semente ou de uma criança. É, no entanto, difícil aceitar que dois seres humanos adultos ou um mesmo ser adulto em momentos diferentes possam ter níveis de ser tão distantes um do outro quanto o de uma semente e uma árvore madura, ou ainda, mais do que essa comparação permite supor. Imagine-se, pelo contrário, que a diferença entre os seres

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humanos seja apenas uma questão de saber e de inteligência, quando, na verdade, esses conceitos são parciais e limitados. Em realidade, num pequeno espaço de tempo, um mesmo individuo pode apresentar níveis de ser com grande diferença qualitativa entre si. Embora os vários estados mentais de um ser humano normal se manifestem de um modo instável e descontrolado, é possível fazer com que os mais altos se tornem mais perenes. Este é o sentido que o sistema entende por evolução. É necessário cultivar um constante crescimento do nível de ser para que novas conexões e relações sejam estabelecidas, novas perguntas sejam formuladas sobre o mundo e sobre nós mesmos e, assim, um novo saber seja adquirido. Isso evidentemente não acontece mecanicamente, por si mesmo. Essa mudança só pode ser alcançada através de estudo, trabalho e esforço, desde que corretamente conduzidos. O conhecimento que este sistema pretende transmitir encontra-se, portanto, muito longe de se situar num plano desinteressado, estando, pelo contrário, profundamente comprometido com relação à mudança do nível de ser do indivíduo.

6. OS ESTADOS DE CONSCIÊNCIA. O nível se ser do homem depende da sua consciência, que, por sua vez, se manifesta em quatro estados fundamentais: o sono, a vigília, a consciência de si e a consciência objetiva. Cada um desses estados implica, em relação ao precedente, novos e insuspeitados poderes. O estado de sono é aquele em que menos podemos fazer, uma vez que os processos mentais ocorrem sem qualquer intencionalidade, controle ou propósito definidos. Nele, a conexão com a realidade é praticamente inexistente. A vigília é o estado em que normalmente o ser humano passa a maior parte de sua vida. O que o distingue do primeiro estado é o fato de que através dele muitas outras atividades podem ser

realizadas. No entanto, como o estado de sono não desaparece totalmente na vigília, as suas manifestações continuam a exercer grande influencia e por isso esse estado é também chamado de consciência relativa. O estado de consciência de si é aquele em que se pode dizer com toda a propriedade que realmente o ser humano está acordado. Nessa condição dele exerce suas várias atividades, aparentemente como todos os outros indivíduos, mas com a diferença de que sabe o que está fazendo e tem controle sobre o que faz. Trata-se de um estado que em condições normais só ocorre excepcionalmente, o que significa dizer que normalmente o ser humano não lembra de si mesmo e não esta presente ao que faz. Por tudo isso pode-se dizer que nessa condição o ser humano vive ao sabor de desejos contraditórios provenientes de seus vários “eus”, sem vontade unificada, impossibilitado de fazer.Em ocasiões excepcionais, estímulos externos podem provocar artificialmente a lembrança de si, resultando na produção de memória, que pode variar de acordo com o poder de penetração do estímulo, ou seja, pode ser mais ou menos vívida, rica em detalhes, dependendo da intensidade de lembranças de si. Se olharmos em retrospectiva para nossas vidas, no entanto, poderemos verificar que estes momentos de memória são extremamente reduzidos. Podemos nos lembrar, por exemplo, de alguns eventos extraordinários como uma festa de aniversário, uma comemoração ou uma viagem. Ao longo de um dia, certamente temos algumas passagens que podem sobreviver outros dias. Esses momentos são, no entanto, insignificantes diante do nosso total e completo esquecimento. Para cada evento que lembramos existiram milhões que foram totalmente e definitivamente esquecidos. O que fica indelével na memória é tão insignificante que representa apenas uma pequena ilha num grande oceano. Quando um evento é gravado em nossa memória, ele pode estar tão presente agora como quando da sua ocorrência e, exatamente por

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isso, escapa das leis e dos limites impostos pelo tempo. Nesse sentido, o momento presente ( a memória só pode se dar no presente) coincide com a eternidade, uma dimensão mais profunda da realidade. Conquistar o estado de lembrança de si não é mais do que adquirir memória sobre si mesmo. Não há nada mais refinado para se reter do que esse contato que independe de qualquer estímulo externo e existem si e para si. Embora o ser humano contenha todas as possibilidades de poder conquistar esse estado, ele necessita reconhecer o caminho que conduz até ele e nutrir constantemente as condições que permitem manter o rumo sem desvios. Uma vê conquistado esse estado de consciência, ou seja, desenvolvida em uma lembrança constante que não se desvia pela ação de estímulos externos, pode-se dizer que o indivíduo se torna imortal. Não é correto pensar que há algum problema nos estados de sono e de vigília. O problema reside, isso sim, na ausência da lembrança de si. Da mesma forma, não há problema com qualquer tipo de “eu”, mas sim com a ausência de uma consciência que dá a eles perspectiva, dimensão e escala. Rodney Collin traça uma analogia interessante sobre a passagem do segundo para o terceiro estado de consciência ao afirmar que esse empreendimento é equivalente à transformação de um boneco de pau em ser humano, como na história de Pinochio, de Collodi. A história da pequena sereia, de Hans Christian Andersen, pode também ser entendida como uma parábola sobre a transformação de um estado de consciência, mostrando o esforço e o grande tributo necessário para essa mudança. A consciência objetiva é um estado muito distante do nosso nível de ser presente. Portanto é um estado sobre o qual podemos falar muito pouco. Uma distinção importante desse sistema com relação à grande maioria de religiões e filosofias que pretendem elevar a condição humana repousa no fato de que este sistema renuncia à pretensão de estudar e compreender atributos que pertencem ao

quarto estado de consciência, sem antes haver conquistado plenamente o terceiro. Podemos, entretanto, imaginar o que esse estado significa pelos poderes que ele pressupõe, ou seja, o pleno conhecimento de todas as forças que compõem o Universo como elas se manifestam em cada momento da realidade. Dentro de um universo vivo, cada momento, significa um campo de possibilidades que, com uma intervenção consciente podem tornar-se reais e adquirir o propósito de gerar rumos totalmente novos. Desse modo, uma cultura ou uma civilização podem ser fecundadas. Estamos agora em condições de dizer mais precisamente o que significa evolução no sistema Ouspensky-Gurdieff. Evolução significa exatamente elevar o nível de ser humano no sentido de se aproximar e, no fim, conquistar o terceiro e o quarto estados de consciência. Com esse objetivo, os métodos desse sistema procuram inicialmente produzir um ambiente artificial que possibilita promover e prolongar o terceiro estado de consciência, visando como objetivo final à sua conquista. Esse empreendimento é dos mais difíceis, exigindo esforço, trabalho e determinação constante, além, evidentemente, de muita sorte de encontrar condições favoráveis para que possa ocorrer. A consciência deve ser conquistada através do próprio esforço e trabalho. Não pode ser simplesmente transmitida e, mesmo que isso fosse possível, ela não teria nenhum valor. Certas drogas têm o poder de remover os amortecedores, permitindo ao indivíduo um contato objetivo consigo mesmo e com a realidade que o cerca. Isso é consciência porem destituída do sentido e da direção sustentados pela manifestação de uma vontade consciente. Sem essas condições sobraria para a consciência apenas o sentimento avassalador de perplexidade ou mesmo um estado de horror ou loucura. Gurdjieff costumava contar para estudantes novos uma anedota interessante a respeito desse ponto. Dizia ele, que em certa ocasião,

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em uma escola da qual participava, foi possível fazer uma cabra se tornar consciente. Diante do espanto dos estudantes que queriam saber o que fora feito dela ele dizia com naturalidade que ela servira como prato num banquete. Se fosse possível alguém fazer um outro alguém consciente, isso não serviria para nada uma vez que a consciência sé se torna legitima com o desenvolvimento paralelo de uma vontade.

7. OS OBSTÁCULOS À EVOLUÇAO

Esse sistema reconhece cinco grandes obstáculos à evolução: a mentira, a identificação, a imaginação, o falar desnecessário e a expressão de emoções negativas. Sempre que esses obstáculos se manifestam em sua plenitude num determinado indivíduo significa que ele está perdido no estado de sono. O conhecimento dos obstáculos, justamente com a resistência a se deixar envolver por eles, ajuda a minimizá-los e a posicionar o indivíduo numa situação mais favorável em relação à lembrança de si. Não se trata propriamente de impedir a manifestação dos obstáculos, uma vez que sem eles não teríamos sobre o que trabalhar e nesse caso a consciência seria impossível. Não se trata tampouco, evidentemente, de sucumbir a eles. Todos os obstáculos devem ser controlados e sua manifestação reduzida. O milagre produzido pelo trabalho resume-se na possibilidade de, através do exercício de superação dos obstáculos, fortalecer o nosso nível de ser. Se não houvesse obstáculos teríamos que inventá-los par produzir consciência.

7.1 A MENTIRA

Esse obstáculo diz respeito não tanto à mentira convencional que distorce intencionalmente um evento ou uma informação sobre algo, mas a uma forma muito mais perniciosa que é mentir sobre nós mesmos, sobre o nosso conhecimento e nossas certezas, convicções

e capacidades. Trata-se, enfim, de manter uma fachada de importância, de poder e de saber que não corresponde à realidade. Esse tipo de mentira ocorre com uma freqüência muito maior do que gostaríamos de admitir. É muito comum afirmar coisas que não sabemos, enfatizar pontos de que não temos certeza e com isso investir na manutenção de uma imagem que em absoluto corresponde ao que de fato somos. Por esse motivo, Ouspensky chega a afirmar que uma definição muito apropriada da psicologia é o estudo da mentira. A mentira distorce a visão de si, ao mesmo tempo que exige o dispêndio de uma enorme quantidade de energia para manter essa falsa imagem. De qualquer modo, sob o seu ponto de vista, o trabalho em si mesmo torna-se dispensável, uma vez que não há razão de se fazer tanto esforço para se adquirir o que se pensa já possuir.

7.2 A IDENTIFICAÇÃO

A identificação corresponde a um estado em que toda a atenção de um indivíduo dirige-se a um único evento ou coisa, com a exclusão de todo o resto, inclusive de si mesmo. Em maior ou menor grau, a influencia desse estado é poderosa, fazendo com que os indivíduos sejam governados pelos objetos e circunstâncias que os cercam. Só é ,possível escapar da identificação separando-se dos “eus” que irresistivelmente se inclinam em direção ao objeto, introduzindo nesta interação um “eu”que observa que reconhece a impressão que esse objeto produz. Esse processo é o começo da lembrança de si e ao mesmo tempo, na medida em que permite dimensionalizar o objeto em sua real perspectiva, é também a base para o conhecimento de um nível mais objetivo da realidade. Com maior ou menor freqüência e intensidade, temos áreas de identificação que correspondem ao que acreditamos ou não

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acreditamos, ao que gostamos e não gostamos e ai que sentimos ser correto ou errado. O que caracteriza o estado é um comportamento fixo, unilateral, voltado ou atraído pelos estímulos externos. Perdido no mundo externo, sem noção de escala e relatividade, o objeto assume formas exageradas, desproporcionais e distorcidas como se estivesse fora de foco. No estado de identificação mais intensa, um indivíduo sentir-se-á igualmente miserável diante de um evento sério como a perda do emprego num período de recessão econômica ou a derrota de seu time de futebol. Pegar o próximo trem ou metrô, por exemplo, passa a ser uma questão de vida ou morte. Defender uma posição política pode se transformar em briga violente e assim por diante. Outras formas podem não ser tão intensas mas se manifestam de um modo contínuo, como, por exemplo, a identificação com lucros e perdas emocionais, sociais ou financeiras. Nenhum pensamento ou ação são claros e lúcidos nesse estado, uma vez que diante de um objeto qualquer o indivíduo se anula, tornando-se ele mesmo objeto, enquanto o objeto se torna vivo com poderes de governá-lo. Como em todos os outros obstáculos, com a identificação ocorre uma perda substancial de energia, exaurindo o indivíduo e deixando-o sem possibilidades de desenvolver as suas potencialidades. Fatores como sexo, família, dinheiro, posse de bens materiais, prestígio e status social constituem áreas críticas que, em maior ou menor proporção exercem forte apelo à identificação. Essas áreas geram um tipo de apego em que o indivíduo passa a construir a sua identidade e a se reconhecer através dos objetos que possui ou controla. Se houver uma perda desse objeto o individuo sentirá como se fosse uma parte dele que estivesse sendo perdida. Competições esportivas em geral, assim como idéias religiosas, filosóficas ou políticas, podem transformar-se em fonte inesgotável de identificação. Um tipo muito comum e importante de identificação é a consideração interna, ou seja, a identificação com pessoas. Trata-se de um estado em que o indivíduo coloca a si mesmo no centro de

todos os acontecimentos. A preocupação com o que os outros pensam ou não pensam dele é constante, gerando também uma grande perda de energia e muitas vezes um sofrimento totalmente inútil. O indivíduo sofre porque não se lembram de seu aniversário, porque suspeita que alguém pensa mal dele, porque não recebeu a devida atenção ou ainda porque não recebeu a promoção no emprego. Como conseqüência desse estado deixa-se de falar o que se pensa ou de fazer o que se acha que deve ser feito, em função de uma autocensura sempre motivada pelo que o outro iria pensar a respeito. Em muitas ocasiões a consideração interna ocorre diante de pessoas a quem se considera importante ou com status social superior. Agindo como se fosse o centro do Universo, o individuo não se dá conta de que dificilmente os outros, com quem ele se preocupa tanto, têm tempo a perder prestando atenção nele. O modo mais eficaz de combater a consideração interna é a consideração externa, ou seja, a prática de considerar a relação com os outros de um ponto de vista que coloca igual importância nos outros e em si. Ao contrário de recusar estar presente às circunstancias do momento, a consideração externa exige estar presente no sentido de entender o ponto de vista dos outros e colocar-se na posição de servir no que for possível. É uma posição humilde, que aceita as próprias limitações e por isso não se preocupa com o que os outros pensam ou dizem.

7.3 A IMAGINAÇAO A imaginação é o processo pelo qual a mente trabalha compulsivamente, sem nenhuma intencionalidade ou propósito, através de uma cadeia associativa iniciada por um estímulo externo qualquer. Nesse estado, a mente se dissocia dos estímulos que estão presentes no meio ambiente imediato. Veremos adiante que esse processo ocorre por meio de trabalho errado dos centros, resultando em grande desperdício de energia.

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A imaginação substitui o estar presente, uma vez que nela os sonhos se combinam com eventos e estímulos externos formando um mundo que tem muito pouco a ver com a realidade. A sua manifestação revela uma condição muito pior do que o sono, ou seja, o estado em que menos se pode fazer. Isso porque, o sono tem um propósito de recompor as energias perdidas ao fim de um dia e, embora signifique uma condição apenas vegetativa, é um processo positivo. Já a imaginação é simplesmente uma maneira de desperdiçar inutilmente a pouca energia que normalmente o ser humano é capaz de acumular. A imaginação é um processo dos mais mecânicos e involuntários. Ela toma conta do individuo e o governa sem permitir que ocorra qualquer contato com a realidade externa e muito menos consigo mesmo. Para perceber o seu grau de mecanicidade basta fazer um experimento, ou seja, tentar imaginar intencionalmente. Não é difícil chegar à conclusão de que isso é totalmente impossível. A imaginação, quando é negativa, torna-se ainda mais perigosa, porque, além de implicar um desperdício ainda mais intenso de energia, pode induzir o indivíduo a tomar decisões e iniciativas em bases totalmente irreais. No entanto, o ser humano frequentemente penetra nesse mundo pesado e obscuro que compreende, alem de uma sucessão de imagens sem nexo ou sentido, toda sorte de preocupações com saúde, negócios, situação financeira, acidentes, catástrofes e assim por diante.

7.4 O FALAR DESNECESSÁRIO O falar desnecessário é uma espécie de imaginação extrovertida. Fala-se compulsivamente de um modo automático por meio de uma cadeia de associações mecânicas, impedindo retenção, amadurecimento, digestão e assimilação de qualquer tipo de impressão. Gasta-se nesse processo, uma grande quantidade de energia. As impressões constituem o alimento mais refinado e importante que o indivíduo pode receber. Para que possam alimentar as partes

mais nobres do ser humano, é necessário processá-las através de um trabalho de digestão, refinamento ou mesmo transformação de seu conteúdo. O falar desnecessário impede esse processo. Como resultado, o individuo permanece constantemente vazio, exaurido de energia e impossibilitado de dirigir sua atenção ao exterior e estar nele presente.

7.5 AS EMOÇOES NEGATIVAS

A emoção negativa pode ser considerada o mais comum e perigoso de todos os obstáculos à lembrança de si mesmo. Elas constituem o principal amortecedor da falsa personalidade que impede alguém de ver e aceitar sua situação objetivamente. Por isso, o seu estudo tem um lugar extremamente importante nesse sistema. Exemplos de emoções negativas são a melancolia, a tristeza, a autopiedade, o tédio, o medo, a raiva, o ódio, a inveja, o ciúme, a cobiça, a indignação, a desconfiança, a impaciência, etc. Esse tipo de emoção pode manifestar-se subitamente e não permanecer por muito tempo, como, por exemplo, a raiva, ou pode constituir-se num estado permanente no indivíduo, como, por exemplo, a inveja, o medo, a autopiedade. NO primeiro caso, o desperdício de energia é, intenso e explosivo; no segundo, é menos intenso, mas constante como um Vazamento contínuo. Em qualquer circunstância, trata-se de uma expressão extremamente mecânica. A predominância de um determinado tipo de negatividade obedece às características dos tipos humanos. Como vimos anteriormente, há uma tendência do lunar a expressar melancolia, tristeza e intolerância; do venusiano, autopiedade; do mercurial, suspeita, inveja e impaciência; do saturnino, indignação; do marcial, raiva e intolerância; do jovial, autopiedade e, finalmente, do solar, frustração e ressentimento. A freqüência e a intensidade das emoções negativas ocorrem de acordo com o nível de ser do indivíduo. Para muitos, elas podem

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manifestar-se tão intensamente que não deixam espaço a nenhuma emoção positiva, como o amor, a confiança, a é ou a esperançam exaurindo completamente o centro emocional e impedindo qualquer possibilidade de trabalho em si. A lembrança de si exige um acúmulo de energia ou hidrogênio que só pode ser obtido através de um estado emocional especial que normalmente o individuo não consegue manter. A energia apropriada para a lembrança de si é acumulada principalmente através das fricções produzidas pelo contato natural com o mundo. Tropeçar em uma pedra significa uma grande oportunidade para a lembrança de si. Se, no entanto, ficarmos indignados imaginando quem poderia ter deixado a pedra no caminho, ou com autopiedade diante de nossa má sorte, então a energia gerada é simplesmente desperdiçada e o indivíduo termina o processo com menos hidrogênio e possibilidades do que em seu estado anterior. As emoções negativas funcionam como um hábito ou um vicio resultante da extrema fraqueza humana que é não resistir ao menor acumulo de hidrogênio s mais refinados, sem que ocorra uma verdadeira compulsão para desperdiçá-los. Estes hidrogênios , que serviriam como combustível da consciência, incomodam o estado de sono em que o ser humano normalmente vive e pretende continuar vivendo. Pensa-se, normalmente, que a manifestação de emoções negativas é, em muitos casos, um processo necessário para a saúde e em outros uma virtude moral que merece ser louvada. Pensa-se, nesse sentido, que se o individuo não puser para for o que sente pode desenvolver, por exemplo úlceras estomacais ou mostrar-se fraco e sem dignidade moral diante dos outros. Assim, esta manifestação é muitas vezes considerada própria de alguém sincero que diz o que pensa a respeito de uma pessoa ou situação, principalmente se houver preocupação com justiça ou ordem social. Um exemplo desse ultimo caso pode ser encontrado na tão freqüente indignação contras as ações do governo.Outros exemplos são o ódio (que pode ser instigado contra

os outros como uma forma de solidariedade e mesmo patriotismo) e o ciúme (que pode ser visto como uma forma de amor). Na verdade , não existe nada mais danoso para o equilíbrio da maquina humana e para o desenvolvimento de suas potencialidades di que as emoções negativas, sendo que o trabalho em si exige a cessação imediata da sua expressão. Esta é, de fato, uma das poucas coisas que o homem pode fazer. Ouspensky dá o exemplo do soldado que não expressa negatividade diante de um sargento rude simplesmente porque sabe que será punido se o fizer. Geralmente, não expressamos negatividade diante de nenhum superior, mas somente diante daqueles que consideramos inferiores ou dependentes, como, por exemplo, os filhos, os esposos ou os empregados. O estudo das emoções negativas começa com a observação do padrão de sua manifestação, que felizmente é mecânico, ou seja, bastante previsível, pois não há mais que uns dois ou três padrões diferentes. Sempre um determinado estimulo provoca uma determinada negatividade. Uns, por exemplo, não suportam pressões instintivas e se irritam diante da fome ou do cansaço; outros não suportam a intensidade da energia sexual e a desperdiçam com manifestações de ciúme ou medo de não ser correspondido ; outros ainda não podem evitar expressar negatividade diante de perdas materiais, e assim por diante. Todos nós temos as nossas emoções negativas favoritas. Trabalhar com elas significa observá-las, verificar o que produzem em nós, como vemos o mundo a partir de seu ponto de vista e em que estado nos deixam. Se formos corajosos o suficiente para encará-las de frente e honestos para reconhecer a condição em que ficamos quando sob o seu domínio só nos resta uma atitude correta, ou seja, uma intensa vontade de nos ver livres delas.Uma vez que dificilmente temos um número grande de padrões de negatividade, é possível antecipá-las e trabalhar com elas quando não estamos negativos. Nesse caso é preciso entender o seu mecanismo e propor

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o objetivo de não expressá-las quando o estímulo estiver presente. Se permitirmos ficar negativos primeiro (e ficar negativo implica sempre uma permissão ou uma concessão aos “eus”fracos que nos governam), então será tarde demais para se poder fazer alguma coisa. Uma atitude correta na luta contra a negatividade é compreender que só nós somos responsáveis pelo nosso estado. Ninguém é capaz de produzir este estado em ninguém, mas somente trazer à tona o que já existe em nosso interior. Se essa atitude for realmente assimilada, então uma grande parte das emoções negativas deixará de existir, porque elas se assentam no pressuposto de que sempre alguém é culpado pelo nosso estado e que temos muitas razoes provenientes das circunstancias da nossa vida para ficarmos negativos. Ao mesmo tempo, é necessário adquirir uma atitude positiva diante das fricções, lembrando que elas constituem a única oportunidade que temos para acordar. Não expressar emoções negativas não significa que todos os “eus” negativos desapareçam. Significa simplesmente que a identificação com eles não seria tão forte, permitindo um “eu”observador estar presente no processo. Isso provocaria uma divisão no indivíduo, ou uma separação, que, como vimos, é o inicio do mais nobre de todos os propósitos, ou seja, a transformação da negatividade ou a afirmação d si mesmo diante do sofrimento e da dor. De uma certa maneira, é possível traçar uma analogia entre o trabalho com nossas fraquezas e a vigem ao inferno de Dante Alighieri. Conduzido por um mestre, Virgilio, antes de visitar o purgatório e o céu, Dante desce ao inferno, onde se confinam todas as fraquezas humanas. No trabalho em si, da mesma forma, sob uma condução apropriada, devemos descer ao nosso inferno interior, não no sentido de erradicá-lo ou mesmo iluminá-lo, mas de usá-lo como matéria prima da nossa própria transformação.

5A UTILIZAÇAO DATEORIA DAS FUNÇOES E DOS TIPOS NO SISTEMAOUSPENSKY-GURDIEFF

1- A UTILIZAÇÃO DA TEORIA DAS FUNÇOES

Dissemos anteriormente que o processo de evolução exige, num primeiro passo, longo período de observação e estudo do mecanismo humano. É necessário observar como se desenvolve a multiplicidade de “eus” em relação aos centros, distinguir os provenientes da essência, os da personalidade e os da falsa personalidade. Num segundo passo, é necessário começar a trabalhar esses eus” no sentido de permitir a ascendência de uns e o controle de outros. O conhecimento das funções mostra um aspecto fundamental do funcionamento e operação do mecanismo humano, permitindo que todos os “eus” possam ser divididos de acordo com a sua procedência em relação aos quatro centros inferiores. Para seu funcionamento pleno, envolvendo seu aspecto criativo, o centro sexual depende da harmonia e do trabalho correto dos centros

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inferiores. Os centros das funções emocionais e intelectual superiores, embora plenamente desenvolvidos, não encontram energia apropriada para funciona e, por isso, dificilmente são postos em ação ao longo da existência de um ser humano. Os quatro centros inferiores apresentam velocidades diferentes, sendo que o intelectual é o mais lento, o emocional o mais rápido, e o motor e o instintivo colocam-se numa posição intermediária. O estudo e a observação de si ocorrem inicialmente através de alguns “eus” intelectuais, que observam os “eus”dos demais centros. Trata-se, portanto, de uma observação feita por “eus”mais lentos do que a grande maioria dos “eus”observados. A observação e o estudo do centro emocional, por exemplo, quando este trabalha com a energia apropriada, só é possível antes ou após a sua manifestação, porque a sua velocidade é tão grande que o “eu”observador não pode acompanhá-la. Inicialmente, portanto, o trabalho em si é dirigido aos quatro centros inferiores. Só após estudá-los e harmonizá-los é possível dirigir a atenção e entender a manifestação do centro sexual e dos centros superiores. Nesse processo é imprescindível desenvolver plenamente o centro emocional, em particular o rei de copas ( a parte intelectual do centro emocional), porque é através dele que se pode chegar aos centros superiores e à conquista do terceiro estado de consciências. É necessário aprender a permanecer emocional mesmo em situações em que não há estimula para esse centro, como ocorre em situações normais como o osso dia-a-dia. Estar presente implica necessariamente admiração, gratidão, amor e esperança, diante de um dia, da vida e, sobretudo, de si mesmo, sentimentos estes próprios do centro emocional superior. Basta lembrar que o rei de copas está apenas a um passo do centro emocional superior para se concluir que as possibilidades abertas para ele são maiores do que as abertas para as demais cartas, Quando o centro emocional funciona adequadamente, a maior vibração e poder de penetração na realidade e em si mesmo são

produzidos. Há vários exercícios que permitem o cultivo do rei de copas, sendo que o principal deles refere-se à não-expressão de emoções negativas. O controle do valete e da dama de copas (das parte mecânicas e emocionais do centro emocional) é também importante nesse sentido, porque, se deixadas sem restrições, essas cartas tendem a exaurir a energia da maquina humana, anulando a possibilidade de acesso às partes mais nobres representadas pelo rei. Cultivar o rei de copas é sobretudo habituar o indivíduo a se alimentar de impressões refinadas, exigindo também um certo sacrifício do centro instintivo. É necessário duvidar dos “eus”que estão muito cansados para ir a um concerto ou a um museu ou dos que estão indispostos para se dedicar a uma leitura que consideram “pesada”e difícil. É preciso aprender a fazer o que o centro instintivo não quer, não se identificando, portanto, com ele.

1.1 O TRABALHO ERRADO DOS CENTROS.

A harmonização dos centros exige, alem de estudo, intervenção em seus desequilíbrios, uma condição que ocorre frequentemente no mecanismo humano através do trabalho errado dos centros. Este último é o responsável direto pela incapacidade de acumular energia para funcionar com os centros superiores e, consequentemente, pela impossibilidade de evoluir. O trabalho errado dos centros ocorre por causa da possibilidade de cada centro emprestar energia de um outro, a fim de não permitir um colapso do mecanismo quando um ou mais centros, por qualquer motivo, cessam de operar. Entretanto, no estado de sono, essa troca de energia faz-se sem nenhuma razão aparente, a não ser a total falta de discernimento que caracteriza esse estado. O uso inadequado de energia entre os centros pode parecer inofensivo à primeira vista. No entanto, como hábito, ele pode danificar irremediavelmente o funcionamento dos centros.

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Em qualquer circunstancia, o trabalho errado dos centros envolve uma grande perda de energia que ocorre sob diversas formas de expressão, as quais podem se manifestar como num vazamento constante e contínuo ou como uma explosão súbita, dependendo do tipo ou do centro de gravidade do indivíduo envolvido. Sob esse ponto de vista, o trabalho em si mesmo significa um gerenciamento enérgico no sentido de preservar e acumular as formas mais refinadas de energia, sem permitir a sua degradação pelo uso incorreto dos centros. Para muitos, o uso do centro emocional e intelectual, principalmente em suas formas mais refinadas, não ocorre de todo. Nesse caso, o individuo vive uma vida amortecida em seus sentimentos e pensamentos, que por sua vez só se manifestam com o empréstimo da energia do centro motor. O centro motor pode imitar o ato de pensar sem que haja qualquer operação do centro intelectual, ou sorrir sem que ocorra qualquer emoção verdadeira. Como vimos, é impossível imaginar intencionalmente e basta fazer esta tentativa para entender que o processo da imaginação só ocorre com o uso do centro intelectual pela energia motora. Nesse sentido, a imaginação equivale ao sonho que ocorre de manha pouco antes de acordar, aquele sonho que produz cansaço, irritação e perda de energia. Quando a imaginação torna impossível manter, por exemplo, a atenção concentrada num assunto, movimentar-se por um momento, satisfazendo as necessidades do centro motor é, muitas vezes suficiente para restabelecer o equilíbrio entre os centros. Um exemplo de intervenção indevida da energia do centro intelectual no centro motor pode ser encontrado em motoristas inseguros num transito difícil. Essa intervenção pode provocar um acidente, porque não é próprio do centro intelectual dirigir automóvel, uma vez que ele não tem reflexos suficientemente rápidos para isso. O uso. Incorreto do centro emocional é uma das práticas mais comuns e freqüentes entre os seres humanos. Ele se faz com a energia dos centros motor , instintivo ou sexual, cada um

imprimindo a sua característica própria. As emoções negativas em geral, com pouquíssimas exceções, resultam desse trabalho errado. Quando se usa a energia do centro sexual no centro emocional a situação é mais explosiva. O ciúme é um caso em questão. Conforme a sua intensidade, pode levar a um processo de autodestruição e crime. Esse uso errado da energia sexual revela-se ainda por uma veemência no falar e no agir que pode também levar o individuo ao fanatismo religioso, político ou esportivo.

1.2 A HARMONIZAÇAO DOS CENTROS. Um aspecto dos mais importantes da teoria dos centros de gravidade é que, em relação à possibilidade de evolução, não há qualquer vantagem em ser centrado em qualquer um deles ou mais precisamente, em cada uma das caras mencionadas acima. É muito importante lembrar que não existe possibilidade de evolução mecânica . Toda a possibilidade reside na vontade e na determinação de evoluir. Se essa vontade existe verdadeiramente ela atrairá as condições que tornarão a evolução possível. Assim, um indivíduo centrado no valete de paus (parte mecânica do centro instintivo). Assim, um individuo centrado no valete de paus (parte mecânica dos centro instintivo) com esse tipo de vontade tem possibilidades infinitamente maiores do que um individuo centrado no reis de ouros ou de copas (parte intelectual do centro intelectual ou do centro emocional) sem esse tipo de vontade. De qualquer maneira, ser centrado numa carta qualquer não significa que não se tenha ou não se possa ter outras cartas bem desenvolvidas através da personalidade e da educação. Um objetivo importante desse sistema é permitir um desenvolvimento harmônio e equilibrado do mecanismo humano. O desenvolvimento da consciência ocorre concomitantemente a esse processo. Evidentemente, certa habilidades são melhor executadas a partir de um determinado centro de gravidade. Nenhuma educação poderia

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produzir, por exemplo, um musico de talento se não houvesse uma predisposição hereditariamente contida em sua essência. No entanto, a educação permite que um indivíduo aprenda a participar e a entender um mundo que normalmente a sua essência não se predispõe a focalizar. Trabalhar em si significa harmonizar os centros, o que exige desenvolver partes que nunca ou raramente se manifestam, corrigir o seu trabalho errado e introduzir mais centros funcionando numa mesma atividade. A consciência requer pelo menos três centros funcionando plenamente ao mesmo tempo. Isso raramente ocorre porque os centros dormem alternadamente. Dificilmente nos emocionamos quando exercemos uma atividade intelectual ou dificilmente pensamos intencionalmente quando andamos. Alem disso, estando quase sempre identificados com o nosso próprio centro de gravidade, torna-se impossível a participação conjunta de um outro centro. A participação de mais de um centro em qualquer atividade permite uma construção muito mais rica da realidade. O que nos impressiona na verdadeira obra de arte é exatamente esse tipo de participação. Um bom pianista, por exemplo, deve executar uma peça musical com técnica perfeita, exigindo a participação dos centros motor e instintivo.; deve também sentir a música que executa, com a participação do centro emocional; e deve, finalmente, lê e interpretar a partitura, através da participação do centro intelectual. O mesmo ocorre com o escritor, com o escultor, com o poeta e também com o cientista, na medida em que sua ciência tenha um caráter universal e se preocupe com um aspecto estático. Copérnico, por exemplo, quando propôs a sua teoria heliocêntrica, justificou-a em comparação com a teoria geocêntrica de Ptolomeu por ser mais simples e esteticamente mais harmônica, sendo este fator um forte indicio de que também seria mais verdadeira. Dificilmente os centros funcionam com sua plena capacidade, isto é, com a participação de suas partes intelectuais. Para a manutenção pura e simples da vida não é necessária a presença dos

reis dos centros, que na maior parte das pessoas se encontram num estágio muito rudimentar de desenvolvimento. Mesmo indivíduos centrados num dos reis geralmente apresentam os demais dormindo, o que significa desequilíbrio . O desenvolvimento unilateral do centro de gravidade conduz a situações perigosas, como no caso do artista temperamental, do esportista ingênuo ou do cientista louco. Todos estes casos, representações exploradas na literatura ou no cinema, constituem exemplos de desenvolvimento de um único centro que, em decorrência disso, desequilibra o mecanismo humano em seu conjunto. A vida moderna, na medida em que estimula a formação de especialistas, induz a essa forma de desequilíbrio. Como vimos, ser centrado num determinado centro de gravidade significa que o individuo tende a se identificar com ele. Não só o mundo será visto sob a óptica desse centro como também o individuo só se sentira real quando da sua participação. Para impedir a identificação com o centro de gravidade é necessário desenvolver o técnica de atenção dividida e separação. Separação significa cultivar em nós algo independentemente de tudo aquilo que experimentamos; algo que depende da experiência mas não se reduz a ela; algo que observa as reações da maquina humana sem se confundir com elas. Em outras palavras, isso significa cultivar a nossa consciência, um estado que não pertence aos centros porque não é mecânico Inicialmente, a atenção dividida e a separação se fazem com o uso dos reis das partes intelectuais) dos vários centros, que permitem avaliar a experiência e a manifestação dos outros “eus”de um modo mais imparcial e exato. Eles entendem que todos os “eus”de um modo mais imparcial e exato. Eles entendem que todos os “eus” são passageiros e, portanto, não reais. Somente após o domínio dos reis dos centros é possível adquirir a verdadeira consciência de si mesmo, que opera com o centro emocional superior.

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O cultivo dos reis dos centros, portanto, exige necessariamente esforço e sacrifício. Permanecer num museu observando obras de arte por algumas horas, por exemplo, pode alimentar o rei de copas. Permanecer numa biblioteca para o estudo de ciências, da mesma forma pode alimentar o rei de ouros. No entanto, os “eus”provenientes dos valetes podem se rebelar, tentando sugerir cansaço, fome ou outras coisas “mais importantes”para fazer. Para que o rei de copas ou o rei de ouros possam existir e se manifestar, é necessário que esses “eus”sejam controlados. Esse é o sentido oculto do termo sacrifício, ou seja, não há possibilidade de adquirir algo mais valioso sem haver o desprendimento ou o controle de algo menos valioso. De um certo modo, os reis se comunicam mais facilmente entre si, o mesmo acontecendo entre as damas e os valetes. Entender esse aspecto é muito útil para o trabalho, porque permite a aproximação dos outros reis a partir do contato com apenas um. Permite também avaliar a participação de um interlocutor a partir da sua expressão. Por exemplo, se o indivíduo estiver desalinhado, sem compostura física, ou seja, no valete do centro motor, é bastante provável que ele também se expresse nos âmbitos emocional e intelectual dessa forma. Por outro lado, corrigir uma postura motora, procurar movimentar-se e falar de um modo mãos intencional, ou seja, com o rei do centro motor, muito provavelmente permitirá uma aproximação maior com o rei dos centros emocional e intelectual. A educação do centro motor desde criança, no que se refere à postura e ao falar corretamente, sem gíria, é mais fácil do que a educação dos centros emocional e intelectual exatamente por ele ser mais acessível. O centro instintivo tende a dominar o mecanismo humano, tornando muito difícil que o seu ponto de vista não predomine. Como constantemente ele procura por situações de conforto e segurança, dificilmente essas situações coincidem com o que requer

o trabalho em si e o desenvolvimento da parte intelectual dos demais centros. Assim como as partes mais baixas constituem obstáculo para o desenvolvimento das partes mais altas, o centro instintivo como um todo constitui obstáculo ao desenvolvimento dos demais centros. Isso ocorre porque este centro é auto-suficiente e procura fazer com que todos os demais sirvam às suas necessidades. O trabalho em si, portanto, implica necessariamente em conflito dirigido às partes baixas de todos os centros e, em particular, ao centro instintivo como um todo.

1.3 AS IMPRESSÕES.

O ser humano recebe do mundo três tipos de alimentos: a comida, o ar e as impressões. Ele pode passar sem comida por vários dias e sem ar por alguns minutos, mas não pode passar mais do que três segundos sem impressões. De longe, as impressões constituem a forma de alimento mais sofisticada que o ser humano processa. Como o rei de copas opera com uma forma refinada de energia, ele é capaz de reconhecer e diferenciar as impressões que o individuo recebe. O mundo é povoado de varias qualidades de impressões, sendo que captar as mais refinadas e evitar as de baixa qualidade requer estudo e uma reprogramação da máquina. O ser humano está normalmente habituado a funcionar com uma energia bastante densa proveniente de impressões de baixa qualidade que se habituou a acumular no seu cotidiano. Muitos indivíduos não podem deixar de se alimentar de impressões de baixa qualidade, como notícias de crime ou catástrofes em rádio, jornal ou televisão. Aliás, esses meios de comunicação, principalmente por causa da necessidade de comunicar alimento de fácil assimilação para a maioria da população, lidam principalmente com esse tipo de impressão.

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Além de ser inadequada para o funcionamento dos reis dos centros, essa energia pode ainda contaminar o mecanismo do indivíduo, induzindo a trabalho errado do centro e a emoções negativas. É necessário reconhecê-la, seja para evitá-la, seja para diante dela exercitar a separação e a sua transformação pela lembrança de si. O ser humano capta impressões externas e as utiliza como combustível para alimentar as diferentes partes de seu mecanismo. Assim conforme as suas atividades e seus relacionamentos, é possível dizer que parte do mecanismo recebe ou não recebe alimento. Via de regra, há uma atração de energias equivalentes de modo que quanto mais um individuo possuir hidrogênios refinados maior a possibilidade de adquirir e acumular cada vez mais esses hidrogênios. Quanto menos ele possuir a possibilidade de perder os poucos que tem. O rei do centro emocional exige um tipo muito refinado de impressão consubstanciado na música, na literatura e nas artes em geral. O centro emocional superior só poderia existir num ambiente totalmente artificial e isolado da manifestação normal da vida em sociedade. Esse isolamento, no entanto, ocorre interiormente como resultado da transformação de energia comum em energia consciente. Esse é o verdadeiro trabalho que o ser humano foi condenado a cumprir. Nesse sentido, as impressões de baixa qualidade apresentam um grande propósito, qual seja, dar perspectiva e escala e ainda permitir através da sua transformação, a existência de impressões refinadas. A lembrança de si é fundamental no processo de transformação de energia bruta em energia refinada. Com essa visão, o mal não só coexiste com o bem como o torna possível. A única dificuldade ou o único mal residem no nosso estado crônico de esquecimento de nossas possibilidades.

3. A UTILIIZAÇÃO DA TEORIA DOS TIPOS

Da mesma forma que as funções, os tipos correspondem a um aspecto dos mais importantes da essência humana, condicionando todo o seu comportamento e a produção de todos os seus “eus”. O jogo de atração e repulsa entre indivíduos, matéria- prima de grande parte das obras de arte, pode ser perfeitamente entendido por essa teoria que também serve como um mapa a nortear o caminho da evolução , como tentaremos demonstrar. A teoria dos tipos significa, portanto, uma ferramenta de trabalho indispensável para o conhecimento de si mesmo e dos outros. Ela está também conectada com um aspecto cosmológico que transcende a sua dimensão psicológica. Para a mente científica de nosso tempo, como sugerimos anteriormente, este aspecto pode ser entendido mais como uma linguagem figurativa e simbólica calcada numa tradição milenar do que propriamente em fatos positivos tomados ao pé da letra. Essa teoria pressupõe inicialmente que o ser humano representa um cosmo completo, análogo aos demais cosmos de maior ou menor magnitude do Universo. Segundo a definição de Rodney Collin, como significa uma criatura universal e completa que contem em si mesma todas as possibilidades, inclusive as de autoconsciência e autotransformação. Ele recebe três tipos diferentes de alimento: o sólido, o líquido, o ar e, finalmente, as impressões; produz seis processos principais: o crescimento, a digestão, a eliminação, a corrupção, a cura e a regeneração. Esses processos digerem, transformam, utilizam e combinam os três alimentos mencionados acima. Existe no universo uma cadeia ou hierarquia de vários cosmos, cada um formado pela repetição infinita de um cosmo menor, que por sua vez representa uma partícula infinitesimal de um cosmo maior. O ser humano, tomado individualmente, encontra-se no meio desse conjunto. Dentro dele situam-se o elétron, a molécula e a célula; alem dele, a Natureza, a Terra, o Sol, e a Via Láctea. Sendo assim, o ser humano apresenta-se de um modo análogo aos outros

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cosmos do Universo., de maneira que estudar as leis de do outro, como foi expresso na máxima “Assim na Terra como no Céu”. Um dos postulados fundamentais da teoria dos tipos refere-se à grande importância atribuída à influencia do sistema solar na humanidade. Esta influência é indispensável para o entendimento do comportamento humano, seja em termos individuais, seja em termos coletivos. O fato de ser um cosmo que se comunica com outros cosmos significa que devem necessariamente existir no ser humano órgãos que captam, recebem e transmitem a influência proveniente dos corpos celestes, exercendo funções análogas às dos planetas em relação ao sistema solar,. Este papel é desempenhado pelas glândulas endócrinas. As influências planetárias no ser humano são diretamente exercidas pela Lua, pelos planetas e pelo próprio Sol. Além do Sol, os corpos celestes que o influenciam mais diretamente são os visíveis a olho nu, sendo três dentro da órbita terrestre (Lua, Mercúrio e Vênus) e três fora da órbita terrestre ( Marte, Júpiter e Saturno). O conjunto desses seis planetas, juntamente com o sol, define os sete tipos de essência humanos. A influência de Urano e Netuno é muito sutil e geralmente ocorre apenas em relação à humanidade, dentro de uma dimensão de civilização, não chegando a se manifestar individualmente no homem e, com isso caracterizar um tipo específico. A influência de Urano representa as funções sexuais, no que se refere à sua capacidade criativa, que poucos indivíduos conseguem desenvolver plenamente. No organismo humano, este planeta é representado pelo hipotálamo, que, através da pituitária anterior, domina e controla o trabalho dos testículos e do ovário. Em condições especiais, o hipotálamo pode ser diretamente influenciado por aquele planeta, permitindo assim a conexão com os aspectos superiores da sexualidade criativa. Em O Banquete, de Platão, a conexão da sexualidade criativa e superior com o planeta Urano é posta muito claramente quando Sócrates alude aos ministérios e aos ensinamentos de Diotina para

explicar que existem dois tipos de amor, correspondentes a Afrodite Urânia e à Afrodite Pandâmia. Enquanto a primeira incorpora o amor de natureza divina, a segunda incorpora o amor profano. Portanto, embora seja comum a todos os seres humanos, a atividade sexual governada por este planeta deve ser de uma ordem muito mais refinada, envolvendo o ato da criação num sentido muito mais amplo do que o da procriação. A influencia de Netuno, por sua vez, é ainda mais sutil. Ela é representada no organismo humano pela glândula pineal, que se situa no centro do cérebro a meio caminho entre as têmporas. As funções dessa glândula são praticamente desconhecidas pela ciência. Alguns pesquisadores sugerem que uma dessas funções seria regular a quantidade de luz absorvida pela retina. No entanto, o fato de parecer inativa leva outros pesquisadores a considerá-la um órgão dos sentidos que se atrofiou ao longo da evolução fisiológica do ser humano. Ao invés de um vestígio atrofiado de um órgão inerte, a glândula pineal representa um órgão relacionado com as faculdades mais altas possíveis ao ser humano, tendo em vista a sua vida psíquica consciente. Nesse sentido ela é um órgão cujas funções existem, no ser humano normal, apenas em estado potencial, uma vez que a grande maioria da humanidade não chega a desenvolver uma vida psíquica própria de um estado superior de consciência. Um aspecto importante da influencia planetária definida pelos tipos é que ela atinge exclusivamente o nível da essência. Se o individuo vive em falsa personalidade essa influencia será muito enfraquecida ou mesmo anulada, o que significa inevitavelmente se expor às influencias qualitativamente inferiores àquelas provenientes dos corpos celestes mencionados. Embora a influência da Lua seja densa e pesada e a do Sol, radiante e luminosa, isso não significa em absoluto que um tipo de essência influenciado pelo Sol apresente vantagem em relação a um influenciado pela Lua quanto à evolução e obtenção de consciência.

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Isso significa, em primeiro lugar, que a energia pesada e mecânica da Lua pode influenciar qualquer indivíduo de qualquer tipo que viva num nível aquém de sua essência. Significa também que o tipo humano influenciado pela Lua, o lunar, vivendo de acordo com a sua própria essência, embora apresente várias analogias com esse satélite, está livre da sua influência mais pesada e mecânica. É curioso lembrar que os sete corpos celestes, que designam os sete tipos de essência humanos, correspondem exatamente aos nomes, em várias línguas latinas e saxônicas., dos sete dias da semana, ou seja, lunar, marcial, mercurial, jovial, venusiano, saturnino e solar. A mitologia grega antiga pode ser tomada como um outro exemplo, a sugerir uma aproximação com a teoria dos tipos. A sinfonia Os planetas que Gustav Holst compôs em 1918, também mostra que ele certamente conhecia as influências planetárias e os tipos que cada planeta representa. Esses são apenas alguns exemplos que sugerem o fato de esse conhecimento não ser novo, mas ter existido há muito tempo, expressando-se de muitas maneiras em várias culturas. De acordo com a teoria dos tipos cada glândula endócrina funciona no ser humano como uma antena que permite captar o magnetismo de um corpo celeste particular. Desse modo, há uma correlação entre a Lua e o pâncreas, entre Mercúrio e a Tireóide, entre Vênus e as paratireóides, entre Marte e as supra-renais, entre Júpiter e a hipófise posterior, entre Saturno e a hipófise anterior, entre Urano e as glândulas sexuais e finalmente entre Netuno e a glândula pineal. O Sol é representado no corpo humano pelo timo. Os tipos se definem pela afinidade entre esses corpos celestes e as glândulas correspondentes no organismo humano. Com exceção de Urano e Netuno que, como já dissemos, em condições normais não chegam a influenciar mecanicamente a essência do ser humano tomado individualmente, todos os outros corpos do sistema solar exercem uma influencia direta nesse âmbito. É importante salientar que todo o ser humano é susceptível à influência de todos os corpos celestes mencionados acima. No entanto, uma determinada

influência é maior, assim como uma determinada glândula correspondente é dominante em seu organismo, o que é suficiente para caracterizá-lo como pertencente a um determinado tipo. O equilíbrio pleno entre todas essas glândulas só pode ocorrer artificialmente através do despertar da consciência de si mesmo, como resultado do trabalho e da harmonização do mecanismo humano. Portanto, o equilíbrio ou a harmonização entre as manifestações das glândulas endócrinas é uma condição e ao mesmo tempo uma conseqüência da evolução do nível de consciência no ser humano. Como já sugerimos, uma vez que não temos condições de discutir a validade dos principais postulados cosmológicos desse sistema, a verificação das idéias dele decorrentes deve se fazer num âmbito exclusivamente psicológico, numa postura utilitária que serve ao propósito de produzir conhecimentos práticos sobre os outros e sobre si mesmo. Nesse sentido, é possível experimentar, verificar e concluir que os tipos existem e funcionam, quer concordemos ou não com os princípios teóricos que lhes dão suporte. Nesse sentido a avaliação desses postulados deve se fazer na base dos resultados que são capazes de produzir. Como disse Rodney Collin, a teoria dos tipos deve ser, sobretudo, um instrumento que permite a observação e o estudo de essências humanas, possibilitando assim um conhecimento objetivo de si mesmo e dos outros. As suas implicações cosmológicas não chegam a ser indispensáveis para essa finalidade. Se admiti-la como um conceito cientificamente confiável incomoda o leitor sugerimos que a tome com um sentido meramente poético. A figura da página seguinte expressa bem a composição e o movimento dos tipos permitindo uma visão global da interação entre eles. Trata-se de uma figura de nove pontos determinados na superfície de um circulo por duas figuras separadas e combinadas entre si. Os tipos estão dispostos nos pontos deste eneagrama e movimentam-se no sentido lunar- venusiano-mercurial-saturnino--

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marcial-jovial-lunar. O triangulo eqüilátero central representa o tipo solar, que pode se combinar com todos os demais tipos. A maioria dos indivíduos no mundo real, no entanto, situa-se em algum lugar das linhas entre os pontos do eneagrama, numa posição entre dois tipos, podendo inclusive haver a combinação com qualquer lado do triangulo central, que representa o tipo solar. Os tipos mais próximos no eneagrama daquele de um determinado indivíduo exercem influencia maior do que os mais distantes.

Assim, um tipo venusiano-mercurial, por exemplo, deve ter um reconhecimento maior e recebe uma influência mais intensa do lunar e do saturnino do que, por exemplo, do marcial e do jovial.Como vimos anteriormente, os tipos de essência podem ser ativos e passivos, alem de positivos e negativos. Seguindo o movimento do eneagrama, essas características alternam-se de tal modo que o tipo lunar aparece como passivo e negativo; o venusiano, passivo e positivo; o mercurial ativo e negativo; o saturnino, ativo e positivo; o marcial, ativo e negativo; o jovial, passivo e positivo e finalmente o solar, ativo e positivo.

2.1 O RELACIONAMENTO ENTRE OS TIPOS

As características dos tipos desempenham um papel dos mais importantes no jogo de relacionamento humano através de formas de interação baseadas em atração e repulsa. De um modo geral, entre os tipos positivos, se não chegam a atrair ou mesmo a se compreender, pelo menos há tolerância. Já entre os tipos negativos existe uma certa repulsa, que atinge ponto culminante no relacionamento do mercurial com o marcial. No caso do relacionamento entre esses tipos, o poder manipulativo e indireto do primeiro colide com o poder confrontativo e destruidor do segundo, tornando a interação predisposta ao conflito. Esse tipo de interação foi imortalizado por Shakespeare no relacionamento entre o marcial Otelo e o mercurial Iago.No que diz respeito aos indivíduos do mesmo tipo, sejam eles positivos ou negativos, em geral eles se aceitam e se compreendem, embora o relacionamento possa se caracterizar pela monotonia. Uma atração maior pelo mesmo tipo ocorre principalmente entre os lunares, marciais e saturninos. Não é coincidência, nesse sentido, que as corporações bem-sucedidas ao longo da história, como, por

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exemplo, a dos monastérios, a militar e a dos clubes masculinos ingleses da época vitoriana, tenham sido dominadas por cada um desses tipos respectivamente.No casamento, a melhor associação é aquela representada por indivíduos que estejam no eneagrama, como, por exemplo, lunar e lunar venusiano e venusiano-mercurial e assim por diante. O casamento entre tipos alternados, como, por exemplo, entre o lunar e o mercurial ou entre o venusiano e o saturnino é muito mais difícil de ser sustentado.Uma forma de interação muito freqüente ocorre entre os tipos opostos no eneagrama, ou seja, entre o lunar e o saturnino, entre o venusiano e o marcial, entre o mercurial e o jovial. Neste relacionamento verifica-se ao mesmo tempo uma máxima atração e uma máxima repulsa, produzindo uma interação tempestuosa e plena de conflitos convivendo com atração, interesse e fascínio. No caso de relacionamento amoroso, ele se caracteriza por uma instabilidade turbulenta devido às maneiras divergentes de encarar o mundo e a vida. Em qualquer situação, no entanto, os traços principais e os centros de gravidade podem modificar o jogo de atração e repulsa. Além disso, é importante lembrar que a base do relacionamento entre tipos é sempre mecânica. Nada impede , portanto que um relacionamento entre tipos antagônicos, baseado na compreensão ou mesmo no amor, possa ser desenvolvido. Para isso, é necessário superar essa base mecânica rumo a um mundo mais refinado, só possível de ser atingido com o desenvolvimento da consciência. Uma maneira não mecânica de experimentar a idéia de tipos refere-se à aquisição da experiência daquele imediatamente acima no eneagrama, de tal modo que o que para este último é mecânico transforma-se em virtude não mecânica para a essência do tipo anterior. É sempre necessário lembrar que o resultado de um trabalho em si mesmo feito corretamente pela razão correta nunca pode ser mecânico.

Dessa maneira, a evolução adquire um movimento prático e preciso. O lunar, um tipo duro, frio e isolado, deve adquirir a maleabilidade, o calor e o interesse pelos outros do venusiano; o venusiano, um tipo lento, vegetativo e inconsistente, deve adquirir a rapidez, a esperteza e uma vida mais voltada para si mesmo do mercurial; o mercurial, um tipo rápido, esperto, imaturo e egocêntrico, deve adquirir o caráter sereno e responsável, sempre voltado a uma ordem maior do que a de seus próprios interesses imediatos, do saturnino; o saturnino, um tipo frio, contido, reservado e com medo de tomar iniciativas, deve adquirir a impetuosidade e a coragem do marcial; o marcial, um tipo duro, violento e destrutivo, deve adquirir a sensibilidade de relacionamento humano e a capacidade diplomática do jovial; o jovial, um tipo extrovertido, com vida voltada para fora, constantemente preocupado com os outros, deve adquirir a profundidade, o comedimento e a introspecção do lunar. O solar, que se encontra fora da circulação dos tipos, mas que se combina com cada um deles, deve seguir, através dessas cominações o mesmo desenvolvimento dos demais. Para isso, ele deve transformar o seu sentimento de inadaptação e inadequação.

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CONCLUSÃO

A tipologia analisada neste livro, por se referir a um conhecimento objetivo da essência humana, apresenta uma área de aplicação universal, independente de cultura ou qualquer circunstancia de vida. Este conhecimento pode ser aplicado para

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propósitos múltiplos (como de fato tem sido por indivíduos com certas qualidades intuitivas) e para propósitos mais específicos relacionados com o conhecimento e o aperfeiçoamento de si mesmo. Cada tipo e cada centro de gravidade apresentam qualidades e limitações que permitem um desempenho mais ou menos adequado conforme uma determinada atividade ou empreendimento. Intuitivamente, um diretor de teatro escolhe para o papel, de Papai Noel um tipo jovial centrado no centro emocional. Procurando criar ação violenta e contraste dramático, Rubens em O Rapto das Sabrinas, retrata os raptores romanos como marciais centrados no centro instintivo e as raptadas, joviais lunares centradas no centro emocional. A sensibilidade no mundo dos negócios muitas vezes promove um tipo saturnino centrado no centro intelectual para desempenhar o papel de executivo ou gerente. O lunar é frequentemente escolhido para desempenhar o papel de guardião de uma ordem tradicional. Inúmeros outros exemplos dessa natureza poderiam ser encontrados e o que todos eles têm em comum é o fato de que a adaptação do tipo ao papel a ser desempenhado na vida ou no palco ocorre intuitivamente sem que para isso haja a intervenção de uma teoria. É evidente que o jogo de combinações entre as características da essência de um indivíduo torna a sua relação com as circunstancias de sua vida muito mais sutil e complexa di que uma simples lista de correspondências entre o tipo e papel poderia supor. Embora não se possa prever uma correspondência mecânica entre um tipo e determinadas atividades, é inegável que esta teoria contribui para melhor compreender este relacionamento. Quando o sintoma entre o tipo e papel não se verifica, no entanto o resultado mostra inadaptações e inadequações que em algumas ocasiões, beiram o ridículo, como seria o caso imaginar um tipo saturnino centrado no centro intelectual ou instintivo desempenhando o papel de Papai Noel, ou um tipo lunar centrado no centro emocional desempenhando o papel de guerreiro. Se contrastes dramáticos como estes não ocorrem muito frequentemente nas

situações da vida, outros menos notáveis são muito comuns, gerando possibilidades reduzidas. A teoria dos tipos pretende trazer à tona, através do centro intelectual, um conhecimento que o centro emocional conhece intuitivamente e, com isso, duplicar as possibilidades de adaptar o indivíduo aos inúmeros papéis que desempenha na vida. Além disso, essa teoria pode se tornar uma ferramenta de valor inestimável para o conhecimento, aperfeiçoamento e evolução pessoal. No mundo da essência humana ocorrem incompatibilidades e afinidades naturais entre os tipos, sendo que o conhecimento deles, quando penetra o ser de um indivíduo, conduz necessariamente à tolerância, um atributo que permite adquirir e desenvolver em si mesmo a experiência dos outros, a sua visão de mundo e a sua psicologia. Cada tipo percebe o mundo de um modo subjetivo e parcial, de tal forma que somente a experiência do conjunto de todos eles poderia produzir uma visão mais objetiva do todo. Dificilmente um individuo teria condições ou interesse de se aproximar e entender a experiência de um outro com o qual mantém um relacionamento de aversão. O entendimento dos tipos assentado numa atitude de tolerância, no entanto, estimula a observação e a compreensão dessa repulsa, ao invés do confronto ou oposição. Uma vez que temos em nós todas as glândulas e todos os centros e, com isso, a experiência potencial de todos os tipos, este voltar a atenção para os outros significa também um voltar a atenção para si mesmo. Se, por exemplo, um marcial dirigir-se a alguém acusando-o de alguma falta, é suficiente entender que esse comportamento é natural para esse tipo. Da mesma maneira, se um venusiano permanecer sereno dia te de um momento de grande pressão que sofre um grupo de interesses, esse comportamento não significa indiferença ou outra coisa criticável, mas uma expressão que corresponde à essência desse tipo. É um engano pressionar um indivíduo a se comportar de um modo que não condiz com a sua essência; ao mesmo tempo é

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uma virtude contribuir para a educação e refinamento do que constitui sua essência. Se temos em nós todas as glândulas e centros, e, com isso, a experiência potencial de todos os tipos, a relação entre essas diversas partes, no entanto, é normalmente desequilibrada. A aquisição de um estado consciente exige uma intervenção neste desequilíbrio no sentido de gerar maior harmonia tanto em nossa química interna como nas reações externas correspondestes, uma vez que é impossível a manifestação da consciência de si mesmo com partes do mecanismo humano inoperantes ou adormecidas. Para finalizar este livro, seria interessante lembrar uma das mais perigosas ilusões a que está sujeito o ser humano e que sem dúvida constitui um grande obstáculo à utilização prática das idéias desse sistema. Trata-se da ilusão de que uma idéia nos pertence se a entendemos intelectualmente ou mesmo emocionalmente. Em realidade, para que uma idéia penetre o ser de um indivíduo, ela deve se tornar prática, contribuindo para tornar o momento presente real. É sempre importante lembrar que essa condição, como dizia Ouspensky, é totalmente impossível de ser conseguida isoladamente no estado de sono.

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