2 - o paraíso perdido - marcus cruz

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Página | 5 Teoria da História OPARAヘSO PERDIDO: APONTAMENTOS SOBRE A TEORIA DA HISTモRIA E OS HISTORIADORES Por Marcus Cruz grande historiador inglês da Guerra Fria Edward Hallet Carr em seu singelo e denso livro “Que é a história?”, que reúne seis conferências proferidas em 1961 na Universidade de Cambridge em homenagem ao historiador Georges Macaulay Trevelyan, utiliza uma imagem para demonstrar o total e amplo desinteresse dos historiadores, no caso do século XIX, pela discussão dos aspectos teóricos da história: “Esta era uma idade da inocência e os historiadores caminhavam no Jardim do Paraíso, sem um fragmento de filosofia para cobri-los, nus e sem vergonha diante do deus da história. Desde então conhecemos o Pecado e experimentamos a Expulsão do Paraíso; os historiadores que hoje fingem prescindir da filosofia da história estão meramente tentando, inútil e auto conscientemente, como membros de uma colônia de nudista recriar o Jardim do Paraíso em seu subúrbio ajardinado” 2 2 CARR, Edward Hallet. Que é historia? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p.21 Seguindo ainda a imagem de Carr o número de historiadores que desejam, procuram e tentam ser nudistas é espantosamente grande. Julio Aróstegui, Professor Titular de História Contemporânea da Universidade Complutense de Madrid lamenta em obra recentemente lançada no Brasil que “Essas questões [metodologia, filosofia ou teoria da história], como sabemos, não tem na universidade espanhola – e curiosamente, muito menos nas faculdades de História – um estatuto próprio definido” 3 Neste pequeno artigo gostaria enquanto docente que ministra disciplinas da área de Teoria e Metodologia da História voltar minhas reflexões para examinar o lugar das questões de ordem teórica e conceitual, para a importância dos problemas inerentes aos procedimentos metodológicos do conhecimento histórico na formação do jovem historiador seja do bacharel, seja do licenciado. A conclusão que se impõe após este íntimo e pessoal certame é de que por um lado as discussões dos aspectos teóricos e metodológicos da História são essenciais não apenas para os neófitos, mas para todos os integrantes do campo historiográfico. No entanto, por outro lado, é incontestável a pequena frequência e baixa densidade do debate conceitual e epistemológico entre os historiadores. Em um texto no final do século XX, que serve de introdução à coletânea Passados Recompostos. Campos e Canteiros da História, Jean Boutier e Dominique Julia afirmam: “Em que pensam os historiadores? A questão parecerá a muitos uma piada pois, ao contrário do que ocorre com os filósofos, não se espera dos historiadores que sejam virtuoses do conceito, nem que elaborem complexas arquiteturas teóricas” 4 . A visão dos autores 3 ARモSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica. Teoria e método. Bauru, SP: EDUSC, 2006. p.12. 4 BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique. Em que Pensam os Historiadores? In BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique (org). O

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Teoria da História

O PARAÍSO PERDIDO: APONTAMENTOS SOBRE A TEORIA DA

HISTÓRIA E OS HISTORIADORES

Por Marcus Cruz

grande historiador inglês da Guerra FriaEdward Hallet Carr em seu singelo e densolivro “Que é a história?”, que reúne seisconferências proferidas em 1961 na

Universidade de Cambridge em homenagem aohistoriador Georges Macaulay Trevelyan, utiliza umaimagem para demonstrar o total e amplo desinteressedos historiadores, no caso do século XIX, pela discussãodos aspectos teóricos da história:

“Esta era uma idade da inocência e os historiadorescaminhavam no Jardim do Paraíso, sem um fragmentode filosofia para cobri-los, nus e sem vergonha diantedo deus da história. Desde então conhecemos o Pecadoe experimentamos a Expulsão do Paraíso; oshistoriadores que hoje fingem prescindir da filosofia dahistória estão meramente tentando, inútil e autoconscientemente, como membros de uma colônia denudista recriar o Jardim do Paraíso em seu subúrbioajardinado”2

2 CARR, Edward Hallet. Que é historia? Rio de Janeiro: Paz eTerra, 1982. p.21

Seguindo ainda a imagem de Carr o número dehistoriadores que desejam, procuram e tentam sernudistas é espantosamente grande. Julio Aróstegui,Professor Titular de História Contemporânea daUniversidade Complutense de Madrid lamenta em obrarecentemente lançada no Brasil que “Essas questões[metodologia, filosofia ou teoria da história], comosabemos, não tem na universidade espanhola – ecuriosamente, muito menos nas faculdades de História– um estatuto próprio definido”3

Neste pequeno artigo gostaria enquanto docente queministra disciplinas da área de Teoria e Metodologia daHistória voltar minhas reflexões para examinar o lugardas questões de ordem teórica e conceitual, para aimportância dos problemas inerentes aosprocedimentos metodológicos do conhecimentohistórico na formação do jovem historiador seja dobacharel, seja do licenciado. A conclusão que se impõeapós este íntimo e pessoal certame é de que por umlado as discussões dos aspectos teóricos emetodológicos da História são essenciais não apenaspara os neófitos, mas para todos os integrantes docampo historiográfico. No entanto, por outro lado, éincontestável a pequena frequência e baixa densidadedo debate conceitual e epistemológico entre oshistoriadores.

Em um texto no final do século XX, que serve deintrodução à coletânea Passados Recompostos. Campose Canteiros da História, Jean Boutier e Dominique Juliaafirmam: “Em que pensam os historiadores? A questãoparecerá a muitos uma piada pois, ao contrário do queocorre com os filósofos, não se espera dos historiadoresque sejam virtuoses do conceito, nem que elaboremcomplexas arquiteturas teóricas”4. A visão dos autores

3 ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica. Teoria e método.Bauru, SP: EDUSC, 2006. p.12.4 BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique. Em que Pensam osHistoriadores? In BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique (org).

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corrobora nossa perspectiva de que o debate teórico,conceitual e metodológico no campo historiográficotem sido sistematicamente relegado a um segundoplano pelos historiadores ou até mesmo, o que é pior,sequer tem sido enfrentado pelos artesãos da oficina daHistória.

Esta não é uma postura é nova e, portanto, não podeser atribuída apenas aos historiadores contemporâneos,como podemos notar pelas palavras de Henri Berr nolivro La Synthèse en Histoire. Essai critique etthéorique, publicado em 1911: “A crise da História... oestado inorgânico dos estudos históricos...provém dofato de que um número excessivo de historiadoresjamais refletiu sobre a natureza de sua ciência” 5. Aanálise do fundador da Revue de Synthèse Historique,apesar de centenária, infelizmente, continua atual eválida.

Tal situação vivenciada e característica do campohistoriográfico data dos primórdios do estabelecimentodeste, nas primeiras décadas dos oitocentos quando ohistoricismo, no bojo da tradição histórica alemã, nabusca de fundar uma ciência histórica rejeitafirmemente a filosofia da História, especialmenteaquela formulada por Georg Wilhelm Friedrich Hegel.A opção hegemônica na historiografia do século XIX foiafirmar que o historiador não é um teórico, que suaocupação não é filosofar, mas sim, uma vez retiradosdos documentos, narrar os acontecimentos comorealmente aconteceram (wie es eigentlich gewesen) nacélebre e sempre citada fórmula de Leopold von Ranke.

Apesar da postura extremamente crítica em relação àprodução histórica realizada pelos historiadoreshistoricistas e metódicos as correntes historiográficasdo século XX mantiveram uma resistência quaseinstintiva às questões teóricas e conceituais inerentesao conhecimento histórico, podemos citar comoexemplo deste posicionamento o grupo dos Annales.Em todas as “gerações” desta escola encontramosposturas de rejeição ao debate teórico. Comecemospor um dos fundadores dos Annales d’histoireéconomique e sociale:

“A sua filosofia? Feita de qualquer maneira, comfórmulas tiradas do Auguste Comte, do Taine, doClaude Bernard que se ensinavam nos liceus, se

Passados Recompostos. Campos e Canteiros da História. Riode Janeiro: Editora UFRJ: Editora FVG, 1998. p.21.5 BERR, Henri. La Synthèse en histoire. Essai critique etthéorique. Paris, Félix Alcan, 1911. p.15.

mostrava buracos e roturas, lá estava, na altura própria,a ampla e macia almofada do evolucionismo para osdissimular. A História sentia-se à vontade na correntedestes pensamentos fáceis; aliás, muitas vezes o dissecomigo, os historiadores não tem necessidadesfilosóficas muito grandes.”6

Representante da segunda “geração” dos Annales,Braudel assumi postura muito próxima de seuorientador de tese na aula inaugural do College deFrance de 1950 afirma sobre a filosofia da história:“Certamente, não nessa falência da filosofia da história,preparada muito tempo antes e em cujas ambições econclusões precoces ninguém mais aceitava, mesmoantes do início deste século”7. A preocupação centraldos historiadores ligados ao programa annalista secentravam em questões de ordem metodológica, ouseja, estabelecer procedimentos para o ofício dohistoriador como podemos perceber nesta outrapassagem retirada da mesma aula inaugural citada apouco:

“Uma história nova só é possível pelo enormelevantamento de uma documentação que responde aessas novas questões. Duvido mesmo que o habitualtrabalho artesanal do historiador esteja na medida denossas atuais ambições. Com o perigo que isso poderepresentar e as dificuldades que a solução implica, nãohá salvação fora dos métodos do trabalho em equipes”8

As declarações outro ilustre representante dosAnnales, Georges Duby, são ainda mais reveladorasacerca do lugar secundário, ou mesmo do não lugar dareflexão teórica nesta perspectiva historiográfica. Ementrevista a Guy Lardreau, o medievalista Francesmarca bem claramente sua posição: “Tentemos vercomo é que se trabalha. Você é filósofo, eu souhistoriador; não tenho muito gosto pelas teorias; o meuofício, faço-o, e não reflito por aí além sobre ele. Pensoque temos que partir do concreto, da maneira de fazer,de trabalhar – na oficina”9.

Essa atitude, porém, não se limita aos Annales ela seencontra disseminada mesmo entre autores que sedebruçam sobre a história da escrita da história. Na

6 FEBVRE, Lucien. Combates pela história. Lisboa: Presença,1984. p.16.7 BRAUDEL, Fernand. Posições da história em 1950. InBRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a Historia. São Paulo:Editora Perspectiva, 1978. p. 21.8 Idem. p.26.9 DUBY, Georges; LARDREAU, Guy. Diálogos sobre a NovaHistória. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1989. p. 36.

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introdução de sua obra, bastante conhecida, sobre ahistoriografia Charles Olivier Carbonell afirma:

“O objetivo desta curta síntese é expor de um ponto devista histórico – isto é situando-a constantemente noseu contexto – a diversidade dos modos derepresentação do passado no espaço e no tempo.Assim, falar-se-á mais de Heródoto do que de Platão,de Suetónio do que de Cícero, de Mabillon do que deRousseau, de Mommsen do que de Dilthey, de LucienFebvre do que de Raymond Aron...”10.

Em suma, entendemos ser uma marca distintiva datanto na constituição, quanto na consolidação docampo historiográfico, a marginalização do debateepistemológico. No entanto, a crise paradigmática queatingiu o pensamento histórico no último quartel doséculo XX pode se apresentar como uma oportunidadepara o adensamento das discussões teóricas entre oshistoriadores. Diante da demolidora e desconstrutoracrítica que atingiu e abalou o paradigma historiográficoiluminista, na denominação utilizada por CiroFlamarion Cardoso, é mais do que necessário, é urgenteque a comunidade acadêmica histórica proponha erealize um intenso e franco debate se não paraestabelecer um novo paradigmática historiográficopelo menos para refletir acerca do ofício doshistoriadores no que parece ser um novo regime dehistoricidade.

A questão que podemos nos colocar é, apósaceitarmos a necessidade da realização deste debate,qual o escopo destas discussões? Entendemos que areflexão historiográfica deve privilegiar a construçãode um aparato conceitual, ou seja, a elaboração de umconjunto de instrumentos analíticos que possibilitemaos historiadores se dedicarem ao objetivo primordial,qual seja a explicação dos processos históricos detransformação social.

Marc Bloch na sua derradeira obra Apologia daHistória ou o ofício de historiador já clamava pelanecessidade do pensamento histórico estabelecer oque ele denomina de nomenclatura:

“Pois toda análise requer primeiro, como instrumento,uma linguagem apropriada capaz de desenhar comprecisão os contornos dos fatos, embora conservando aflexibilidade necessária para se adaptar

10 CARBONELL, Charles Olivier. Historiografia. Lisboa:Teorema, 1987. p.6.

progressivamente às descobertas, uma linguagemsobretudo sem flutuações nem equívocos”11

A preocupação central de Bloch é com a mobilidadeda significação dos vocábulos ao longo do tempo e asdificuldades que isto traz para o trabalhohistoriográfico. No entanto, podemos observar tambéma percepção do autor de que além das questões dosentido das palavras, estas remetem para algo maisprofundo, para uma problemática que o historiador nãopode ser furtar de enfrentar:

“Estimar que a nomenclatura dos documentos possabastar completamente para fixar a nossa seria omesmo, em suma, que admitir que nos fornecem aanálise toda pronta. A história, nesse caso, não teriamuito a fazer. Felizmente, para nossa satisfação, não énada disso, eis por que somos obrigados a procurar emoutro lugar nossas grandes estruturas de classificação.Para fornecê-las, todo um léxico já nos é oferecido,cuja generalidade se pretende superior às ressonânciasde qualquer época particular. Elaborado, sem seuobjetivo preestabelecido, pelos retoques de váriasgerações de historiadores ele reúne elementos de datae de proveniência muito diversos.” [grifo nosso]12

Bloch, portanto, afirma a necessidade doshistoriadores buscarem nossas grandes estruturas declassificação. Mas o que seriam essas grandes estruturasde classificação? Em nossa interpretação entendemosque o autor salienta a necessidade da pesquisa históricaconstruir um instrumental analítico, em outras palavrasum conjunto de conceitos que permitam a explicaçãodos processos históricos.

A constituição de um campo de conhecimento ocorre,na maioria das vezes, concomitantemente com aconstrução dos conceitos que irão não somenteestabelecer os parâmetros analíticos da disciplina, emalgumas situações a partir de complexos sistemasformais, mas também individualizar a área de saber emrelação as demais. Como afirma Julio Aróstegui:

“Dessa forma, sempre que um certo tipo de estudo darealidade define com a devida clareza seu campo, seuâmbito, seu objeto, quer dizer, o tipo de fenômenos aque se dedica, e se vai desenhando a forma de nelespenetrar, ou seja, seu método, surge a necessidade deestabelecer uma distinção, pelo menos relativa, entreesse campo que se pretende conhecer – a sociedade, a

11 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício deHistoriador. Rio de Janeiro : Jorge zahar, 2001. p.135.12 Idem, p. 143.

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composição da matéria, ávida, os números, a mentehumana, etc. – e o conjunto acumulado deconhecimento e de doutrinas sobre tal campo. Acriação de um vocabulário específico para umadeterminada área de conhecimento começa aí: naforma de diferenciar na linguagem um certo objeto deconhecimento e a disciplina cognoscitiva científica quedele se ocupa”13

Paradoxalmente no momento em que a História seestabelecia enquanto um campo de conhecimento, istoé ao longo do século XIX, a rejeição radical da filosofiada história limitou ou mesmo afastou as discussõesteóricas e epistemológicas do processo de constituiçãoárea do saber, fazendo que os historiadores dosoitocentos se voltassem fundamentalmente para acriação de procedimentos metodológicos quegarantiriam a cientificidade e a legitimidade daHistória.

É candente, portanto, a necessidade dos historiadoresse lançarem destemidamente ao debate teórico e aorefinamento conceitual de seus instrumentos deanálise. No entanto, essas discussões precisam superarcerta atitude bastante comum na historiografia doséculo XX que, muitas vezes, sob o manto legitimadorda interdisciplinaridade, a rigor, o que fez foi saquear,importar, sem uma reflexão crítica mais aprofundada,conceitos de outras ciências sociais. Foi o queaconteceu, por exemplo, com o conceito de conjunturaoriundo da economia, ou o de estrutura, tomado doestruturalismo levistraussiano, ou mais recentementecom a noção de cultura da antropologia simbólica,especialmente aquela proposta por Clifford Geertz.

O debate teórico que se impõe não pode serrealizado sem o estabelecimento de diretrizes capazesde não somente nortear as discussões, mas também decriar as condições para um certame frutífero eprodutivo. Um caminho que nos pareceparticularmente fecundo visando atingir o objetivo deadensar o debate teórico do campo histórico é oproposto por Arno Wheling, ou seja a história da escritada história se constituir como um “laboratório” de umaepistemologia histórica. Nas palavras do próprio autor:

“Laboratório, sem nenhum travo fisicalista, porque setrata da possibilidade de aplicação das categorias e dosprocedimentos epistemológicos a determinados tiposde fontes - as obras historiográficas – com caráter de

13 AROSTEGUI. Op. cit. 27.

exercício intelectual, que contribua para o refinamentoteórico do campo”14

Esta proposta apresenta-se como de grande interessepelo própria tipologia do conhecimento histórico quepossui um caráter auto reflexivo que o diferencia noconjunto da Ciências Sociais, ou seja o trabalho dohistoriador exige um continuo e constante exercício dememória, de retomada da produção do conhecimentojá produzido acerca da temática da pesquisa. Aocontrário de um físico que lê o Philosophiae naturalisprincipia mathematica de Newton, publicado em 1687,nos dias de hoje apenas por curiosidade, um historiadorcontemporâneo lê, por exemplo, History of the Declineand Fall of the Roman Empire de Edward Gibbonpublicado entre 1776 e1788 com interessehistoriográfico. Isto significa dizer que em decorrênciada característica auto reflexiva de conhecimentohistórico, os historiadores dialogam com as obrashistóricas do passado, os historiadores que nosantecederam ainda são nossos interlocutores, o quetorna pertinente e fecunda a perspectiva deinvestigação da história da escrita da História comocampo de debate da teoria da História.

14 WHELING, Arno. Historiografia e epistemologia históricaIN MALERBA, Jurandir (org). A História Escrita. Teoria ehistória da historiografia. São Paulo Contexto, 2006. p. 175.

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Desta forma a história da escrita da História passariaser integrada à história da ciência, assumindo acondição de lócus por excelência de formulação deuma epistemologia histórica. Pois como afirmaWheling:

“O ‘território do historiador’, assim como o dosdemais campos científicos é composto por uma redeem que interagem questões epistemológicas,metodológicas e empíricas, só seccionáveis e distintaspor artifício lógico; mas é inegável que as questões denatureza epistemológica, nos diferentes camposcientíficos, por sua vez articulam-se, comoepistemologias ‘setoriais’ que são, à epistemologiageral e dão o tom da abordagem científica docampo.”15

A construção de uma teoria da história, de umaepistemologia histórica configura-se, pelo menos assimnos parece, como uma tarefa premente e da qual oshistoriadores não podem se furtarem sob a pena dereduzirem a História a um mero jogo de linguagem ouum amontoado de descrições densas.

Não pretendemos oferecer uma resposta definitivapara a questão proposta, mas levantar possibilidades dereflexão, que nos parecem especialmente pertinentesem um momento em que na história os problemasrelativos a construção de uma teoria da histórianecessitam assumir uma relevância central para ocampo historiográfico.

Gostaria de finalizar voltando à imagem inicialtomada de Edward Hallet Carr acerca da perda dainocência dos historiadores quanto às questões teóricasconcernente à História. Como no celebre poema deJohn Milton, Paraíso Perdido, os historiadores foramexpulsos do Jardim do Éden e teremos que refletirteoricamente com o suor de nossos rostos e com doresde parto elaborar nossos conceitos, mas a redenção nosaguarda.

Marcus Cruz: Doutor em História Social pela UniversidadeFederal do Rio de Janeiro e Professor Adjunto na área deTeoria da História do Departamento de História e doPrograma de Pós-Graduação em História da UniversidadeFederal de Mato Grosso. Membro fundador do VIVARIUM –Laboratório de Estudos da Antiguidade e Medievo.

15 Idem, ibidem.

Edward Hallett Carr (1892–1982)