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A BRINCADEIRA COMO ATIVIDADE PRINCIPAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA DE PESQUISA E INTERVENÇÃO. José Ricardo Silva. Prof. Dr. José Milton de Lima. UNESP/Presidente Prudente. PÓS-GRADUAÇÃO. [email protected] Temático:

Resumo: A pesquisa parte do pressuposto de que a brincadeira, de modo geral, vem

sendo desvalorizada nas instituições de Educação Infantil. Sob a metodologia pesquisa-

intervenção objetivamos, investigar e intervir, embasados na Teoria Histórico-cultural,

na concepção e na prática de uma professora no que tange o uso das brincadeiras. Os

resultados apontam que a brincadeira está presente na rotina da creche e nas propostas

da educadora e é entendida como importante para o desenvolvimento infantil. No

entanto, esta valorização da brincadeira está presente apenas no discurso, pois, não há

reflexo desse discurso na prática, já que predominam o laissez-faire, isto é, o

espontaneismo e, também, jogos complexos para as crianças. As intervenções práticas

pautadas na relação entre o brincar mediado e o brincar livre, demonstraram a

importância da atuação do professor na ampliação da cultura lúdica das crianças,

avanços na qualidade do brincar e na diversificação de conteúdos e temas.

Palavras-chave: Educação Infantil; brincadeira; teoria histórico-cultural.

1. Introdução1

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Desde Platão (1965), Comenius (1997), Froebel (2007 apud KISHIMOTO;

PINAZZA), e até os dias atuais, com destaque para os documentos oficiais (BRASIL,

1998, 2009), a brincadeira tem sido indicada como um elemento que deve compor o

currículo das instituições de educação das crianças.

Porém, algumas pesquisas, por exemplo, Amaral (2009), Carvalho (2006),

Sant’Ana (2004), Vanti (2002), Lima (2005) e (BRASIL, 1998), afirmam que, de um

modo geral, a brincadeira tem sido, desvalorizada, secundarizada, ou ainda, não

compreendida com um elemento da cultura imprescindível para o desenvolvimento das

crianças nas instituições de Educação Infantil.

2. Justificativa

Entendemos a importância de um processo de desenvolvimento psíquico

e social que deva se iniciar a partir dos estágios iniciais da vida da criança. No entanto,

algumas práticas em instituições infantis estão somente fundamentando-se em costumes

assistencialistas e deixando de lado o caráter educacional das ações no dia-a-dia. Nesse

sentido, é correto afirmar que, a utilização não adequada das brincadeiras podem, sem

dúvida, acarretar prejuízos no desenvolvimento global das crianças.

3. Objetivo

O objetivo desta pesquisa foi, inicialmente, investigar, descrever e

analisar através de observações e entrevista qual a concepção de brincadeira que a

educadora possuía e como ela a utilizava com as crianças. Posteriormente a esta etapa

de reconhecimento e descrição da realidade, foram realizadas intervenções teóricas e

práticas com o intuito de trazer para a sua prática docente o entendimento e uso de

brincadeiras de acordo com a perspectiva da Teoria Histórico-cultural.

4. Referencial teórico

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Inicialmente, é preciso entender que, não são todos os processos humanos que

correspondem a atividades. Sobre este dado, Leontiev (2010) ressalta que atividades são

apenas aquelas que satisfazem alguma necessidade especial para o homem em sua

relação com o mundo mediante um propósito específico. Para ele, um processo pode ser

denominado como atividade somente quando o objetivo coincidir com o motivo que

estimulou o sujeito a executá-la. Assim, a atividade está estritamente relacionada às

emoções e sentimentos. É também durante a atividade que experiências psíquicas como

as emoções e os sentimentos ocorrem profundamente ligadas a ela.

“Por atividade, designamos os processos psicologicamente caracterizados por

aquilo a que o processo, como um todo, se dirige (seu objetivo), coincidindo sempre

com o objetivo que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo”

(LEONTIEV, 2010, p. 68).

Portanto, as atividades principais são as atividades de maior relevância para o

desenvolvimento integral dos sujeitos em determinado período, é por meio delas que o

processo de humanização se intensifica. De acordo com Mukhina (1996), ao longo dos

sete primeiros anos de vida da criança, ela assimila sucessivamente vários tipos de

atividades. As três primeiras atividades principais são: comunicação, ação com objetos e

jogo. Elkonin (2009), partindo do mesmo entendimento, denomina as três primeiras

atividades principais da criança como: contato emocional direto do bebê, manipulatória

objetal, brincadeira de papéis sociais.

Para que a criança avance de uma atividade principal para a próxima, ela precisa

se apropriar de uma gama considerável de informações referentes á atividade principal a

qual se encontra. Por exemplo, para um bebê, além de satisfazer suas necessidades

orgânicas, o adulto contribui para imprimir ao longo de seu desenvolvimento uma

consciência humana. Estes são os primeiros passos que facilitarão à criança generalizar

em sua individualidade todas as objetivações humanas e, num futuro próximo, analisar e

diferenciar os objetos e os fenômenos culturais em suas propriedades mais específicas.

Durante o período de desenvolvimento do bebê, há um salto qualitativo em seu

desenvolvimento motor que o possibilita interagir com os objetos do meio.

Ao seu redor, há uma considerável quantidade de objetos do cotidiano adulto,

cujo domínio coloca-se como desafiador para a criança. Inicialmente, a criança apenas

segura o objeto e depois, o solta, leva-o à boca, perto dos olhos, sacode-os e solta. Nesta

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etapa, para a criança, os objetos não possuem funções sociais. Um cabo de vassoura não

serve de apoio para a ação do varrer, uma panela não serve para cozer ou fritar

alimentos, estes objetos são apenas manipulados por ela aleatoriamente. Todo este

desenvolvimento é marcado pelo surgimento da linguagem. É através dela que a criança

conhecerá os nomes dos objetos, suas funções sociais e desenvolverá a sua

comunicação.

Corroboramos com Martins (2009), quando esta afirma que cabe ao adulto, por

meio da comunicação verbal com a criança, oferecer os objetos que a rodeiam,

denominando-os, considerando os seus significados e usos sociais e suas características

físicas. Em constante contato com o mundo adulto e o uso social dos objetos, a criança

os conhece e reconhece sua função social.

Toda esta evolução da criança não ocorreria sem a participação efetiva do adulto.

É ele quem tira ou concede o objeto, quem o nomeia e socializa seu significado. E esta

dinâmica interativa entre a criança e o objeto somente torna-se possível com o surgimento

e o desenvolvimento da linguagem. Isto significa que, na primeira metade do segundo

ano, toda proposta de atividades educativas enriquecedoras da manipulação objetal deve,

também, priorizar ações facilitadoras da compreensão da linguagem dos adultos à criança.

Segundo a autora supracitada:

Ainda que a verbalização própria restrinja-se a poucas palavras; que ocupam, inclusive, o lugar de orações inteiras; sob condições de estimulação, a compreensão pela criança pode ser bastante ampla. Neste sentido, é fundamental a associação entre palavras e objetos (ou imagens), a exposição da criança a um vocabulário rico e, acima de tudo, que o adulto dirija-se à criança sempre, com a máxima clareza, no que se inclui uma dicção correta. (MARTINS, 2009, p. 111-112).

Esta estruturação possibilita à criança um vasto conhecimento sobre os objetos e

a função social que desempenham, contribuindo para que, assim, aumente o interesse da

criança em explorar e conhecer cada vez mais sobre o mundo em que vive.

Daqui a conclusão pedagógica da necessidade de alargarmos a experiência da criança se quisermos proporcionar à sua atividade criadora uma base suficientemente sólida. Quanto mais veja, escute e experimente, quanto mais aprenda e assimile, quanto mais abundantes forem os elementos reais de que disponha na sua experiência, tanto mais importante e produtiva será, mantendo-se idênticas as restantes

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circunstâncias, a atividade da sua imaginação. (VIGOTSKI, 2009, p. 18).

A imaginação criadora age de forma diferente de acordo com o estágio de

desenvolvimento, portanto, há diferença da imaginação criadora de uma criança e de um

adulto. Por isto, não é correto afirmar, que a criança possui poder imaginativo maior que

o adulto. Já que a sua experiência de vida é relativamente mais pobre que as

experiências que os adultos apresentam. O que ocorre, na verdade, é que as crianças

representam mais que os adultos por não serem tão reprimidas socialmente.

Na idade pré-escolar1, as crianças apresentam uma tendência de que seus desejos

sejam realizados quase que imediatamente. Para melhor ilustrar Vigotski (apud

PRESTES, 2010), destaca que, não é possível encontrar uma criança que queira fazer

algo no futuro e para isso planeje dias antes. Por isso mesmo que, durante a idade pré-

escolar, há grande acúmulo de desejos irrealizáveis e ou esquecidos no momento. Para

resolver esta questão, a criança cria um mundo ilusório e imaginário, onde tais desejos

podem ser realizados. Este momento é entendido como um ponto-chave para o

surgimento da brincadeira, terceira atividade principal da criança. Para o autor, se não

houvesse esta necessidade de realizar desejos irrealizáveis das crianças, não existiria a

manifestação da brincadeira.

Ao assumir papéis e substituir um objeto por outro, a criança coloca a si mesma

no lugar do outro e desempenha uma função social. Ela assume, utilizando-se de

objetos, funções, profissões, atos rotineiros e dá vida ao que pôde captar mentalmente.

Quando passa a denominar-se nos objetos ou nas ações por meio das atividades que

cria, a criança está exercendo o jogo protagonizado/brincadeira de papéis sociais

(ARCE; SIMÃO, 2006).

Sob este enfoque teórico, torna-se correto afirmar que, a brincadeira favorece o

desenvolvimento cultural das crianças, já que é por meio dela que a criança, também, se

apropriará das objetivações humanas. A brincadeira é a forma específica da criança de

apropriar-se do mundo e de se constituir enquanto sujeito. A brincadeira influencia o

1 Ao longo de sua obra, Vigotski refere-se a diversas idades: primeira infância, que seria a criança até 3 anos, e a idade pré-escolar, que seria a criança acima de 3 e até 6 ou 7 anos. Por isso, mesmo que esta pesquisa não abarque toda a Educação Infantil e, mais especificamente crianças com 3 e 5 anos de idade, este termo aparecerá no corpo deste trabalho por optarmos pela utilização da mesma linguagem desta vertente teórica.

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desenvolvimento psíquico favorecendo a formação da imaginação ativa, capacitando a

criança a dominar conhecimentos, funções sociais e normas de comportamentos.

Tendo um papel tão importante para o desenvolvimento das crianças, as

brincadeiras de faz de conta devem ser compreendidas pelos professores a fim de

organizá-las para favorecer avanços a um patamar de desenvolvimento mais elevado às

crianças. Assim, segundo Lima (2005, p. 159) “[...] a atuação pedagógica e intencional

do adulto, na Educação Infantil, adquire uma importância decisiva para o

desenvolvimento psíquico da criança”.

5 Metodologia

Em nossa pesquisa, iniciamos o processo investigativo utilizando a observação

(VIANNA, 2003) e a entrevista semi-estruturada (OLIVEIRA, 2007). Após um

determinado período, iniciamos o processo de intervenção teórico e prática sobre a

realidade constatada. Estas intervenções visam transformar qualitativamente o fazer

docente, para isso, foi estabelecido uma relação de parceria entre pesquisador e

educadora, para que ambos estivessem engajados na busca pela mudança.

Para a intervenção teórica, foram utilizados os conceitos de brincadeira e

atividade principal da Teoria Histórico-cultural. Para as intervenções na prática

docente, são utilizadas, entre outras, as indicações pedagógicas de como utilizar os

jogos de Boronat (2001).

Entendemos esta proposta de pesquisa como pesquisa-intervenção

fundamentado em Castro, Besset e colaboradores (2008), pois espera-se que, através de

um plano relacional igualitário que elimina a linha imaginária que separa pesquisador e

sujeitos da pesquisa, surjam contribuições para uma transformação da realidade

constatada. “A pesquisa-intervenção tem contribuído para o rompimento da dicotomia

que separa “sujeitos” de “objetos” de pesquisa.” (MOREIRA, 2008, p. 430)

De acordo com Cassab e Cassab (2008), este método de pesquisa possibilita aos

sujeitos participantes, total envolvimento para que, assim, o conhecimento seja

apropriado de diferentes maneiras a partir da especificidade de cada um. Esta

metodologia mostra-se como possibilidade de formação tanto para a educadora

envolvida quanto para o pesquisador durante o desenvolvimento e finalização da

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pesquisa. Assim, ao fim da pesquisa, ambos terão construído aprendizagens para suas

ações teóricas e práticas.

6 Desenvolvimento da pesquisa

Realizamos uma entrevista semi-estruturada para levantar os primeiros dados

sobre a concepção que a educadora participante da pesquisa possuía em relação às

brincadeiras. Nosso próximo passo foram as observações. Estas foram realizadas ao

longo do primeiro semestre de 2011, duas vezes por semana. Reconhecemos que as

observações não seriam mais necessárias, no momento em que as brincadeiras as

propostas da educadora demonstravam uma constante, ou seja, as brincadeiras

começaram a ser repetitivas e, de acordo com a própria educadora, seu trabalho se

resumia “aquilo mesmo”.

Após este período de investigação sobre a concepção e a prática da educadora

em relação às brincadeiras, estruturamos uma leitura do trabalho realizado por ela. Esta

análise foi, posteriormente, compartilhada com a professora para que juntos,

pudéssemos identificar possíveis erros em nossa análise investigativa. Porém, não houve

qualquer tipo de discordância sobre os dados levantados.

Nosso passo seguinte foram as intervenções teóricas. Elencamos, na perspectiva

da Teoria Histórico-Cultural, alguns conceitos que consideramos essências para que a

professora pudesse realmente compreender as nossas futuras intervenções práticas.

Iniciamos este processo com o conceito de brincadeira, seu surgimento na criança e o

conceito de atividade principal. Em seguida, trouxemos para as nossas discussões, as

indicações pedagógicas de Boronat (2001) de como o professor pode trabalhar com as

brincadeiras. Esta autora elenca, ainda, tipos de jogos que podem facilitar a prática

docente e contribuir com o desenvolvimento infantil. Todo este arcabouço teórico, foi

lido e discutido no tempo, espaço e condições da professora participante da pesquisa.

Ela mesma escolhia a quantidade de texto e o tempo para suas leituras prévias.

Para que a nossa intervenção tivesse um sentido para aquela professora, naquele

espaço institucional, optamos por iniciar nossas propostas (re) significando algumas

brincadeiras desenvolvidas por ela durante o período observado. Além disso, todos os

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tipos de jogos elencados por Boronat (2011), foram contemplados em nossa

intervenção.

Entendemos esta relação entre teoria e prática como essencial para a formação

do profissional envolvido na pesquisa. Acreditamos que, as contribuições de Boronat

(2001), vão de encontro ao que Charlot (2006) indica como uma teoria que faz sentido

fora da teoria, ou seja, uma teoria que interessa ao professor interessado em transformar

a sua prática diária. Durante todas as intervenções práticas, chamamos a atenção da

professora para o tipo de jogo desenvolvido para que ela se apoderasse daquelas

experiências assim que nossa pesquisa chegasse ao fim. Com o fim de nossas

intervenções, nos reunimos mais uma vez com a educadora para fazer uma avaliação

final sobre a pesquisa como um todo.

7 Resultados

Durante todo o período investigativo, nos foi possível elaborar algumas

respostas para as nossas perguntas: A brincadeira está presente na creche? Sim, a

brincadeira está presente na creche. Este dado pode ser confirmado por meio da rotina

estabelecida pela creche, pelos brinquedos e pelo tempo disponibilizado no

agrupamento e pelas propostas da professora.

Qual a concepção de brincadeira que os envolvidos apresentam? De acordo com

a diretora e a coordenadora da creche, a brincadeira deve fazer parte da rotina das

crianças. Para tanto, elas indicam um quadro onde constam as possibilidades de

brincadeira na creche (piscina de bolinhas, parque, motoca). Também, há, por vezes,

algumas indicações por parte da coordenadora junto às professoras de como a

brincadeira pode estar presente em alguns momentos. A professora participante da

pesquisa, também concorda que a brincadeira deve fazer parte de suas propostas, pois

auxilia no desenvolvimento das crianças. Estes indicativos nos expressam que a

brincadeira é considerada, por estes atores, como imprescindível para o

desenvolvimento infantil e que, por isso, deve estar presente na creche. No entanto,

percebemos que esta valorização da brincadeira é presente apenas no discurso das

entrevistadas, pois, não há reflexo desse discurso na prática, já que há grande presença

do laissez-faire, do espontaneismo e de jogos complexos.

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Foi observado, que a brincadeira livre, sem qualquer intervenção por parte da

educadora, fez-se presente em todas as manhãs. Este dado nos remeteu as indicações

das propostas oficiais (BRASIL, 1998), em que esta tendência é denominada como

“laissez-faire”. Defendemos um brincar livre desde que este seja possibilitada por

experiências enriquecedora propostas anteriormente pela professora. Já durante as

brincadeiras propostas pela professora, constatamos uma tendência escolarizante. Nestes

momentos, houve a valorização de jogos adaptados, mas, ainda com grande presença de

regras complexas, levando ao desinteresse rápido das crianças e, consequentemente, ao

estresse da docente. Apesar de haver tentativas de utilização da brincadeira, por vezes, a

concepção vigente ora era o “laissez-faire”, ora eram adaptações de brincadeiras pré-

escolares.

Esta constatação não nos pareceu estranha, pois, a professora nos confessou que,

durante a sua formação inicial, continuada e sua atual formação em serviço, a

brincadeira não foi e não é abordada de forma a facilitar o seu o uso. Assim, as suas

propostas são decorrentes de observação de outras professoras e de tentativas.

Durante as nossas intervenções, procuramos instrumentalizar esta professora

com conhecimentos teóricos e práticos tomando como base a teoria histórico-cultural.

As intervenções teóricas abordaram a brincadeira enquanto manifestação social e

cultural da criança. Apresentamo-la como atividade principal e destacamos o papel do

educador como mediador entre a criança e o mundo.

Em suas pesquisas, Elkonin (2009), Mukhina (1996) e Lima (2005), ressaltam

que a brincadeira é uma atividade essencial no processo de formação das crianças. Esses

autores defendem que a brincadeira pedagogicamente potencializada pode contribuir

significativamente no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, tais como:

o pensamento, a imaginação, a atenção, a concentração, a memória e a linguagem.

Por isso, não desconsideramos a importância de um brincar livre

intencionalmente proporcionado pela professora a partir de suas propostas. Contudo, é

preciso que, enquanto educadores, possamos garantir toda esta riqueza que a brincadeira

traz em seu cerne e, que tais momentos sejam de qualidade humanizadora.

8 Considerações finais

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Não é possível favorecer o desenvolvimento infantil apenas cuidando das

crianças e não intervindo em suas ações. É preciso que enxerguemos nas brincadeiras,

todas as manifestações das crianças. Durante todo o ato de brincar, a criança externaliza

o seu conhecimento de mundo, as suas vontades e expectativas. Cabe ao educador

captar estas informações e transformá-las em propostas para outras brincadeiras e

ampliar cada vez mais o seu repertório de comportamentos e objetos sociais. Por meio

destas propostas, o educador pode potencializar a brincadeira de modo que favoreça o

interesse da criança e, consequentemente, o seu desenvolvimento. Agindo desta forma,

o professor estará agindo sobre as capacidades das crianças, garantindo os investimentos

necessários para uma educação emancipadora elevando as suas possibilidades humanas.

Em continuidade a esta discussão, podemos destacar o quanto as crianças

contribuíram para a elaboração das intervenções práticas realizadas. O “monstro”,

trabalhado no conto e na modelagem da massinha, a coleta de folhas pelo parque para o

registro da brincadeira de escalada e a confecção de bolos para a padaria no tanque de

areia, foram elementos fictícios oferecidos pelas próprias crianças ao dramatizarem ou

realizarem alguma destas funções durante as brincadeiras que criaram sozinhas.

Poderíamos repetir as cenas tal como faziam as crianças durante as brincadeiras que

criavam? Sim. Mas isto, as crianças já o faziam sem qualquer tipo de intervenção, nossa

ou da professora. Optamos por trazer uma experiência nova, com contos, figuras, novos

objetos e novas sensações. Entendemos que, neste momento, a imaginação, a

criatividade e a concentração foram estimuladas por meio de novos investimentos e

novas vivências às crianças.

No cotidiano de uma creche, a todo o momento, estamos sendo bombardeados

pelas crianças com ricas informações que favorecem o desenvolvimento de brincadeiras.

Para apreender estas informações, faz-se necessário uma relação de interlocução entre o

educador e a criança. Não é possível contribuir com o desenvolvimento das crianças

desconsiderando o seu interesse, o seu conhecimento de mundo e favorecendo sempre as

mesmas experiências às crianças. É preciso fazer mais, ir além, para que elas também

possam conhecer mais e ir além. As discussões acerca do desenvolvimento infantil,

presentes na teoria histórico-cultural, nos indicam que a criança se apropria da cultura

humana por meio de mediação estabelecida com um adulto ou com outras crianças mais

desenvolvidas. Por isso, mais uma vez enfatizamos o papel do professor na socialização

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das brincadeiras na Educação Infantil, pois é ele quem exerce o papel de mediador dessa

manifestação cultural essencial à aprendizagem e ao desenvolvimento da criança no

espaço educativo.

Não há como o processo de humanização ocorrer sem que haja as devidas

condições para que esta finalidade seja contemplada. Nesse sentido, acreditamos que o

professor ao reconhecer nas crianças os seus níveis de desenvolvimento, entender que a

mediação de conhecimento contribui para o desenvolvimento e que o jogo de regra

explícita é uma forma mais elaborada das brincadeiras, a criança, consequentemente,

entrará em contato com o mundo, aprenderá e construirá cada vez mais sua

personalidade e identidade social e esse processo se constituirá como efetivamente

humanizador.

Nossa análise nos permite dizer que um trabalho realizado, estruturado sobre a

relação teoria e prática, traz benefícios para a formação continuada dos envolvidos. No

entanto, é preciso ressaltar que, se não houver continuidade neste tipo de ação, os

ganhos podem se perder ao longo do tempo. A problemática da falta de orientação

teórica durante as HTPC locais deve ser revista pela gestão, e esta servir de exemplo

para todas as demais instituições a fim de garantir a socialização dos saberes às

crianças. Acreditamos que muitos problemas que prejudicam o sistema educacional

brasileiro podem ser sanados por meio da práxis reflexiva.

Por fim, longe de mostrarmos uma resposta certa e única para as questões e

problemas educacionais relacionados à brincadeira na Educação Infantil, entendemos

que esta pesquisa, sustentados pela teoria histórico-cultural, poderá indicar um possível

caminho, de como utilizar a brincadeira enquanto atividade principal na creche.

Buscamos contribuir com a compreensão do papel mediador do professor envolvido no

processo educativo para promover o desenvolvimento infantil que não está dado

biologicamente através de brincadeiras.

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