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DEMOCRACIA VIVA 40 SETEMBRO 2008

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Em 5 de outubro, a Constituiçãobrasileira completa duas décadas.Resultado do trabalho de umaAssembléia Constituinte consideradaexemplar por estudiosos(as), realizadode 1987 a 1988, é também fruto dapressão da sociedade civil organizada –que se empenhou para que as reaisdemandas da população fossemincluídas na nova Carta. Desde suapromulgação, a Constituição Cidadã,como foi batizada pelo presidente da

Brasil comemoraaniversário daConstituiçãoCidadã

Assembléia, Ulysses Guimarães,é festejada como o documento quetrouxe nosso país de volta à vidademocrática e abriu novaspossibilidades de exercício dacidadania. Mas nossa legislação maisimportante tem sido respeitada?Como vem se dando essaaplicabilidade no cotidiano do Brasil?Onde o sopro de democracia fluiu eonde ficou congelado? Este é ummomento especial para fazermos taisreflexões. Para contribuir com odebate, a revista Democracia Vivapublica três artigos: um do juristaMarcello Cerqueira; outro da cientistasocial Gisele Silva Araújo; e outro doespecialista em Direitos Humanos,Pedro Cláudio Cunca Bocayuva.Confira a seguir.

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De pé, com as mãos parao alto, Ulysses Guimarães.A sua direita, MoreiraAlves e, à sua esquerda,Paes de Andrade.(Constituinte – Sessão de2 de fevereiro de 1987)

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A Constituição de 1988 marcou a rupturacom a extenuante ditadura militar de 1964e foi feita por meio de negociações, como aConstituição anterior, de 1946 (ruptura pac-tuada). Isso a aproximou do modelo espanhol(transición pactada) e a afastou do modeloportuguês (revolucionária, na origem).

Os setores mais avançados não queriamrepetir o modelo anterior e propunham, comose recorda, “Constituinte livre, soberana e ex-clusiva”. Livre se auto-explica, e com “sobe-rana” e “exclusiva” queria-se dizer que elanão teria funções legislativas ordinárias e quese dissolveria após a promulgação do novotexto, convocando eleições gerais.

A primeira questão que então se apre-sentava para a Ordem dos Advogados doBrasil (OAB) era a convocação da Constituinte,pois ela poderia definir, ou pelo menos forte-mente orientar, seu modelo. Sabe-se que umaConstituinte só está vinculada aos termos desua convocação.

Nesse sentido, o então presidente daOAB nacional, o advogado Herman AssisBaeta, levou ao ministro da Justiça, FernandoLyra, os termos da entidade. O ministro encar-regou o consultor jurídico do ministério deredigir o caminho por onde deveria seguira convocação:

Simples projeto de lei ordinária de inicia-tiva do Executivo submeteria ao CongressoNacional a outorga de poderes consti-tuintes aos representantes do povo eleitosem 1986. A lei daí resultante seria sub-metida a referendo popular. Evitava-se aconvocação por Emenda Constitucional,

Vinte anos daConstituição:para BetinhoMarcello CerqueiraAdvogado, autor do livro A história das constituições – origem e reformas

já que a sistemática de sua aprovaçãoexige quorum de dois terços em ambasas casas do Congresso. Ora, em 1982, foieleito um terço dos membros do SenadoFederal, que em sua maioria gostaria departicipar da Constituinte, embora nãotivesse poderes originários para tanto.A fixação do quorum de maioria simplescontornaria esse obstáculo. Diferente-mente, a hipótese de convocação pormeio de Emenda Constitucional teria deconciliar-se com a pretensão de senado-res residuais (Lobo; Leite, 1989, p. 4).

Tal não se deu e, de certa forma, emba-raçou o passo dos trabalhos constituintes. É que,naturalmente, os interesses permanentes deuma Assembléia Constituinte são diferentes dosque pressionam o Congresso no dia-a-dia.

De qualquer forma, a Constituição foipromulgada e trouxe aporte significativo de di-reitos fundamentais e sociais, ao mesmo tempoque seu texto, demasiadamente analítico, incor-porou normas que mais bem seriam tratadasem leis ordinárias. Mesmo a lei que criou aPetrobras, por exemplo, alçada à norma cons-titucional, nem por isso viu protegida a inte-gralidade do monopólio estatal do petróleo.

Divergências e insensatez

Pouco tempo após a sua celebração e a pretextodo fim do socialismo real – que teve a queda domuro de Berlim como ponto de maior expressãoe exploração –, setores inconformados com osinegáveis avanços da Constituição de 1988 já

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reclamavam sua “revisão”, brandindo disposi-tivo do Ato das Disposições Transitórias quechamava a plebiscito o eleitor para decidir entrea forma de governo (presidencialismo ou par-lamentarismo) e a nostálgica volta ao passadocom outro exótico império nos trópicos.

Isso se o eleitor pudesse escolher entreum sistema desconhecido (o parlamentarismo,com vida efêmera com Jango) e a forte atraçãomessiânica do presidencialismo. Marx, no 18Brumário, ao comentar o golpe do II Bonaparte– que, de alguma forma, aqui se reproduziriacom a recandidatura de Fernando Henrique –,dizia que um parlamento eleito estava em rela-ção metafísica com o povo, ao passo que o pre-sidente eleito mantinha com ele relação direta.

Recorda-se que, presidente eleito, Tan-credo Neves constituiu comissão de estudospara oferecer um anteprojeto de Constituição,que restou conhecida pelo nome de seu presi-dente, professor Afonso Arinos.

A Comissão Arinos inclinou-se para osemipresidencialismo (ou o semiparlamenta-rismo), nos moldes já praticados na França,desde De Gaulle, e em Portugal (mais miti-gado), após Constituição nascida da Revolu-ção dos Cravos (e que permanece, mesmo apósas reformas liberais que aproximaram o paísda Comunidade Européia).

Já assumindo a cadeira presidencial, e emface de divergências com o texto da ComissãoArinos, sobretudo com a adoção do semipre-sidencialismo – que sugeria uma nova eleiçãopara um novo governo –, o presidente JoséSarney limita-se a publicar o relatório Arinos noDiário Oficial da União, e não o envia como pro-posta do governo para a nascente Constituinte.

Razoável que no projeto Arinos cons-tasse a “medida provisória”, que vai buscarraízes na “ordenanza” italiana, cultura tão agosto do saudoso professor. Só que, naquelecontexto, a medida é expedida por um primeiro-ministro dependente do Parlamento que oescolheu, e que a qualquer momento podederrubá-lo com uma moção de desconfiança.

Transplantá-lo para um regime presi-dencialista (forte) foi insensatez, da qual sepaga o preço da desorganização legislativa emesmo do desequilíbrio entre poderes (Execu-tivo versus Legislativo), pedra angular do prin-cípio de separação deles. O excesso de poderesdo presidente da República enfraquece e desor-ganiza o Legislativo, além de abrir passo parasituações de exceção (como esse arremedo de“estado policial” que ora se apresenta desen-volto e incontrolável).

Mal entrava em vigor e a nova Consti-tuição já enfrentava a arremetida de setoresconservadores dentro e fora do governo. Logoem seguida, veio a investida do “emendão” dogoverno Collor, que já usara o remédio amargoda “medida provisória” para confiscar a pou-pança. Depois, cláusula perempta do Ato dasDisposições Constitucionais Transitórias (ADCT)seria ilegalmente ativada na pretensão inútil deoperar uma ambiciosa “revisão constitucional”– instituto, como se sabe, estranho ao direitoconstitucional brasileiro, que só reconhece opoder de emenda ao seu texto.

A “revisão” seria convocada na formado art. 3º do ADCT, mas sua fonte materialestava no anterior art. 2º do mesmo diploma.Ou, em outras palavras: na hipótese de o elei-torado sancionar o sistema “parlamentarista”ou a “monarquia”, então a norma seria ativada,mas apenas para compatibilizar o texto cons-titucional com a novidade (parlamentarismo emonarquia). Os demais dispositivos da Consti-tuição restariam intocados.

A pretensão de votar uma “revisão” am-pla da Constituição (espécie de terceiro turnoconstituinte) iria esbarrar na dificuldade deoperar interesses que se repeliam. No início,observou-se até certa euforia envolvendo seto-res que desejavam reformas para servir exclusi-vamente a seus interesses. No curso dos deba-tes, entretanto, verificou-se a impossibilidadede agradar a todos. Naturalmente, uma modi-ficação atendia a uma parte, mas prejudicavaoutra que, por sua vez, entrava em conflitocom uma terceira, e assim sucessivamente.A reforma, aparentemente inovadora, é conti-da pelo conservadorismo.

O espírito que animou a Constituiçãobrasileira parcialmente já deixou seu corpo.As reformas a mutilaram. As vicissitudes polí-ticas afastaram a aplicação prática dos ideaisque a escreveram. A proposta da criação deum Estado Democrático de Direito, fundadona soberania, na cidadania, na dignidade, nosvalores sociais do trabalho e no pluralismo po-lítico, foi substituída por um estado liberal.

Os objetivos fundamentais da Repú-blica, grafados no art. 3º da Carta Magna, maisparecem, agora, motivo de triste ironia: cons-truir uma sociedade livre, justa e solidária; ga-rantir o desenvolvimento nacional; erradicar apobreza e a marginalização e reduzir as desi-gualdades sociais e regionais; promover o bemde todos, sem preconceitos de origem, raça,sexo, cor, idade e quaisquer outras formasde discriminação.

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A Constituição de 1988, além de reto-mar e ampliar a ordem democrática, antes feridade morte pela ditadura militar, consolida comodireitos – e também os amplia – aquilo queera um misto de conquistas populares e con-cessões das elites na esfera social. Ela adicionaà cidadania civil e política a dimensão social.

Desde a Revolução de 1930, um pactonão-escrito, impregnado de contradições, a quenão faltaram períodos demorados de autorita-rismo, dava curso a um projeto nacional. Seu con-teúdo era a busca do desenvolvimento, às vezesacelerado, outras lento. Mas sempre buscado.

A longa e penosa construção do pactoenvolvia a coesão das mais diferentes forçassociais e políticas. O conflito entre essas for-ças, contudo, era menor do que o consensona implementação do pacto. Militares, porexemplo, desferem o golpe de Estado de 1964,do qual resultaria a longa e amarga ditadura.E, mesmo assim, dão seqüência, em parte, aum projeto que antes era conduzido por seusadversários, embora os governos militaresexacerbassem o lado perverso do desenvolvi-mento capitalista no Brasil: a concentração depropriedade e de renda, que agravou a já se-cular discriminação social.

A Constituição teria vindo para conduziro mesmo processo, mas de forma a reduzir osaspectos negativos. Afinal, uma nação efeti-vamente para todos. Essa utopia foi frustradapelas “reformas” que, mutilando o corpo daConstituição, afastaram seu espírito.

Economia desprotegida

O desmanche do pacto constitucional produzi-do pelas forças do mercado e seus subalternosoperou-se em fraude à Constituição. A acumu-lação democrática e social que o processo cons-tituinte (constituição material) fez desaguar naConstituição em vigor é subtraída pela vontadedo governo federal, conjugada à maioria con-gressual de três quintos – que modifica o textoao sabor dos interesses do mercado, de con-veniências políticas casuísticas e, sobretudo, dainsuportável pressão norte-americana.

No que diz respeito à soberania nacio-nal, foram suprimidas da Constituição signifi-cativas normas de proteção à economia dopaís: controle da remessa de lucros do capitalestrangeiro; conceito de empresa nacional;domínio da União sobre o subsolo; monopóliodo petróleo, monopólio sobre a pesquisa e alavra de recursos minerais e o aproveitamentodos potenciais de energia hidráulica; mono-pólio ou controle estatal sobre as telecomuni-cações. Tratou o texto constitucional de pro-teger a economia de aberturas tão insensatasquanto apressadas que, afinal, ocorreram,acentuando a dependência externa que o paísterá enorme dificuldade de reverter.

As privatizações selvagens alienaram opatrimônio público e empenharam o futuro,visto que haveremos de sofrer indefinidamentea remessa para o exterior de lucros de empresasque não exportam bens ou serviços. No limite,a ameaça mais grave foi a tentativa de priva-tização de nossos rios, que agora parece afas-tada. Os rios existem sem hidroelétricas, masestas não podem viver sem os rios. O ar, as flo-restas e os rios não são bens do Estado e nemde particulares. São bens públicos, constitu-cionalmente indisponíveis; são direitos difusos,pertencem a toda a população.

Quanto aos direitos do cidadão e dacidadã, sua dimensão dá bem a medida do re-gresso a que o país continua, até hoje, sendosubmetido. Como se sabe, um dos grandesesforços dos socialismos deste século consis-tiu em desmercantilizar aspectos essenciais darelação de trabalho. A educação universal egratuita, o sistema público de saúde, as várias

Solenidade de entrega de um dos substitutivos do relator Bernardo Cabrala Afonso Arinos e Ulysses Guimarães (Constituinte – Gabinete do Presidente –26 de agosto de 1987)

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formas de previdência e seguridade consagra-ram direitos que passaram a fazer parte signi-ficativa da remuneração do trabalho; o mer-cado, ou seja, a força patronal, deixou de sera principal reguladora do comportamento dosseres humanos como trabalhadores.

Compatível com esses progressos dahumanidade, a Constituição de 1988 consa-grou esses direitos, especificamente em seu Ca-pítulo II. As “reformas” realizadas, ou aindaem andamento e, agora, sob novo patrocínio,objetivam reduzir ou suprimir esses direitos.Trata-se regressivamente de empreender umesforço global de remercantilização das rela-ções de trabalho.

Tornam-se mercantis as prestações deeducação, a saúde pelo sistema de seguro pri-vado, a previdência comandada por fundosde pensão, apenas para citar alguns exemplos.Os direitos sociais são substituídos pelo perfilda demanda de serviços em um mercado emexpansão. O mesmo processo de encolhimentoocorre com a cidadania política.

As formas clássicas de supressão dos di-reitos políticos são as ditaduras ou tiranias.Desgraçadamente, nosso país experimentoutodas. Mas o neoliberalismo, oferece soluçõesmais sutis. Os anuários políticos revelam quenunca houve um número tão grande de demo-cracias liberais na história contemporânea comoagora (excetuando episódios em curso na Fran-ça e na Itália). Para alguns comentadores, tra-ta-se de uma avassaladora onda de democrati-zação que penetrou na América Latina, na Áfricae nos antigos países do Leste Europeu. Contudo,nunca a forma democrática esteve tão dissociadada substância democrática que a ela dá vida.

A elite do poder busca impor um siste-ma político que se assenta em chefias de go-verno identificadas com a “globalização” pre-datória, uma administração pública baseadaem agências regulatórias que, a experiência deoutros países nos permite afirmar, se tornamindependentes de tal forma que sobre elas nãorecaem controles de nenhuma natureza

E, finalmente, um Poder Legislativo esva-ziado de suas atribuições, submetido ao garrotevil das medidas provisórias, ameaçado por refor-mas partidária e eleitoral restritivas à soberaniapopular e pela imposição da perda de mandatopor “infidelidade partidária” imposta por umJudiciário ao qual falecem poderes para tanto.

A economia mundial se retrai, e os novosromanos já demonstram sinais de exaustão aomanter suas conquistas guerreiras no Iraque eno Afeganistão. A chamada “Ata Patriótica” é o

santo e a senha para ampliar as perseguiçõesem Guantánamo aos suspeitos de sempre, etambém sempre em prejuízo das liberdadescivis na América. O petróleo alcança preços ines-perados, e a carência de alimentos assombra omundo (“Um fantasma ronda a Europa...”).1

Aqui, em nossas praias, temos a cons-tante ameaça à soberania da Amazônia e aColômbia de Uribe como ponta-de-lança dosinteresses norte-americanos, já agora respal-dados pelo ressurgimento da desarquivada4ª Frota. Internamente, a ação macarthista daPolícia Federal e do Ministério Público, às quaissetores do Judiciário se associam.

Vida que segue

Releio o texto e verifico que imprimi a eleum tom pessimista, longe da minha formahabitual de ver e sentir o mundo. Com isso,pareceu-me ter desconsiderado as conquistasdemocráticas e sociais que vieram com a rede-mocratização e a Constituição em vigor.

De certa forma, ao realçar os recuos daConstituição, posso passar a impressão de que,longe de minha vontade, “anistiei”, por assimdizer, os que revogaram, pela força, a Constitui-ção de 1946, os quais, entretanto, não foramanistiados pelas sucessivas leis de anistia: é quea anistia não foi recíproca e os torturadores,ou o que resta deles, não foram anistiados.

Os subúrbios do autoritarismo se ex-pressam não apenas nas milhares de escutaspoliciais, muitas e muitas clandestinas, na espe-tacularização das prisões, sempre cobertas poruma rede de televisão, ou na “denúncia” doMinistério Público do Rio Grande do Sul con-tra o Movimento dos Trabalhadores RuraisSem-Terra (MST), que procura restaurar proce-dimentos próprios da ditadura militar – tenta-tiva canhestra de repristinar a revogada lei desegurança nacional do regime militar.

É claro que sonhamos com “a volta doirmão do Henfil” e devemos render nossas ho-menagens aos que lutaram pela redemocrati-zação do país. E ficar alertas. Vida que segue.

REFERÊNCIA

LOBO, E. H.; LEITE, J. C. do P. Comentários à Constituição Federal.

Rio de Janeiro: Edições Trabalhistas, 1989. p. 4.

1 Primeira frase doManifesto Comunista,de Karl Marx e FriedrichEngels, publicado em 1948.

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“Das invenções humanas, ela é a maiscomplexa e sutil, mistificadora e hipócrita,verdadeira e cruel. Ostenta os rasgos utó-picos – mesmo os que nascem para seremgestos e símbolos –, oculta os vínculosideológicos – até os mais necessários –e dissimula a sua essência: o poder, naforma que ele é exercido por pessoas, ins-tituições e formações sociais do tope.”(Fernandes, 1989, p. 360)

É bastante razoável que um artigo sobrea Constituição de 1988 relembre as expecta-tivas que sobre ela recaíram desde a sua pro-mulgação e lamente as frustrações relativas aoseu descumprimento até então. A universali-zação dos direitos sociais ali prevista não serealizou sob o falso argumento da impossibi-lidade financeira do Estado, e mesmo os direi-tos de origem liberal – vida, liberdade e proprie-dade – se aplicam à parcela da população quepossui meios privados para defendê-los.1

A ineficácia das Constituições na suapretensa função de ordenar a vida social nãoé entretanto uma novidade. Desde o Império,a dicotomia “Brasil Legal versus Brasil Real”

FlorestanFernandes,a RevoluçãoBurguesa e aForça Normativada ConstituiçãoGisele Silva AraújoDoutora em sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), professora

do Departamento de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

e do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

anima as análises sobre este país, embora otema não constitua em absoluto uma particula-ridade nacional. Ainda no século 19, FerdinandLassalle denunciava as cartas constitucionaiscomo meras “folhas de papel”, reunião depropósitos retóricos que nada podem diantedas “forças reais de poder” (Lassalle, 1933).O problema não estaria então no descaso coma legalidade, mas nas irreais exigências e espe-ranças que sobre ela se depositam.

Dizer das perdas e ganhos da sociedadebrasileira com a Constituição de 1988 remeteportanto ao seu confronto com a realidade quelhe deu origem e que a opera. Trata-se de in-vocar o chamado processo de modernizaçãoatravés do qual várias sociedades incorporaramo modo de vida e as instituições desenvolvidasde forma pioneira na Europa Ocidental, e aelas adaptaram suas tradições.

Ler a Constituição de 1988 sob a óticada modernização brasileira se torna tarefa rela-tivamente fácil quando o autor de uma dasobras capitais no tema da passagem do Brasil àordem moderna foi também membro da Assem-bléia Constituinte de 1987-88. Florestan Fernan-des, mais de uma década depois de publicar

1 Embora o § 1º do Art. 5ºda Constituição determineque todos os direitosfundamentais têmaplicabilidade imediata,a doutrina jurídica legitimao descumprimento dosdireitos sociais em funçãode restrições orçamentárias.Cf. Araújo, Santos, 2008.

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A Revolução Burguesa no Brasil: Ensaio de In-terpretação Sociológica (1975), foi Deputadoconstituinte pelo Partido dos Trabalhadores (PT)e seus artigos de jornal da época foram reuni-dos na coletânea A Constituição Inacabada:Vias Históricas e Significado Político (1989).

No último artigo ali publicado, FlorestanFernandes atesta a ineficácia das Constituições.Seu diagnóstico é de que as classes dominan-tes – ou simplesmente “os de cima”, nos seustermos – têm acesso privilegiado ao Estado, epodem então agir ignorando a existência depreceitos constitucionais sem serem importu-nados, ou mesmo “desconstitucionalizar aConstituição”. Florestan seguia assim toda umatradição de leitura do Brasil pela dicotomia“Legal versus Real”.

Sabia ele, entretanto, que esta não erauma especificidade de 1988, nem tampouco doBrasil. Ontem e hoje, aqui e alhures, as formaspolíticas continuavam inúteis quando confron-tadas com substância social refratária. Os tem-pos então pareciam não ser outros. Depois dosesforços constitucionais, dos quais ele partici-para em aparente paradoxo com sua própriaapreciação, conclui que permanecia “Tudo comodantes no quartel de Abrantes” (Fernandes,1989, p. 371).

No entanto, se a legalidade não produ-zia as mudanças que dela se esperavam, ela tam-pouco era inócua. As Constituições serviam defato para encobrir as reivindicações secularesde igualdade, cumprindo a função inversa depreservar o status quo hierárquico e desigual.Ter uma Constituição avançada significava daruma resposta meramente simbólica, uma subli-mação de desejos insatisfeitos de descoloni-zação, “a melhor maneira de manter intocávelo ‘país real’” (Fernandes, 1989, p. 350).

Por que Florestan Fernandes partici-paria da Constituinte de posse de diagnósticotão definitivo? Ao que tudo indica, aquela erauma face persistente da história, mas não umacondenação sumária. Seus vários artigos dejornal, escritos ao sabor das derrotas e vitóriasna Constituinte, expõem avaliações ora mais,ora menos pessimistas.

O fio da meada destas oscilações nãoestá neles, mas na tese da Revolução Burguesano Brasil (1975), obra também elaborada emdiálogo com uma realidade em transformação:uma parte escrita antes do Ato InstitucionalNº 5, a outra depois.

A análise de Florestan Fernandes parao processo de modernização do Brasil tem rele-vância em si, mas é também importante porque

ruma contra a maré. Ela se opõe a teorias quepareceram mais interessantes a alguns setores,que têm hoje largo trânsito na mídia e que iden-tificaram o Estado como o grande vilão dosmales do Brasil. Retomar Florestan ilumina as-pectos pouco ressaltados sobre a Constituiçãode 1988, e permite corrigir o alvo da crítica.

Burgueses: os donos do Estado

Segundo a interpretação mais difundida e quetem como livro seminal Os donos do Poder(1958), de Raymundo Faoro, as carências dopaís têm origem na herança ibérica. Portugalteria sido uma porta de entrada torta para omoderno, condenando-nos à perpétua repro-dução de um Estado ampliado, cujo funciona-lismo público se apropria das energias libertá-rias da iniciativa privada em proveito pessoal.Não é esta a conclusão de Florestan.

Embora a sociologia tomasse comomodelo clássico de modernização uma revolu-ção com revolução, à moda da França de 1789,o sociólogo paulista via aqui um andamentoreformista, já apontado por personagens doImpério e da 1ª República. Para Florestan, a“vinda da Família Real” – outra efeméridedeste 2008 em que se comemoram os 20 anosda Constituição – teria precipitado uma revo-lução sem revolução: a Independência “trans-formística” realizada em 1822.

Sem mostrar-se como tal, e portanto“encapuzada”, a revolução da independênciafincou a primeira estaca da modernidade noEstado e nas instituições jurídicas brasileiras,enquanto na sociedade só havia o latifún-dio, o senhor de engenho e a escravidão.2

Ao Estado caberia pois estar à frente de umasociedade que, pela sua iniciativa privada, repro-duzia a dominação patriarcal típica da ordemsenhorial. Era ele, portanto, o único portadorda novidade.

A revolução encapuzada da Indepen-dência, entretanto, teria ainda outro efeito.A internalização da metrópole em 1808 traziaao Brasil as práticas de importação e exportaçãode mercadorias que antes eram monopólio por-tuguês. Iniciou-se um lento processo de trans-formação do senhor de terras em agente capi-talista – em burguês, nos termos de Florestan.

Seria fraca, no entanto, uma burguesiaque não rompia com a ordem senhorial e quese inseria no capitalismo internacional em po-sição subserviente, exportadora e importadora,agente interno do renovado estatuto colonial.Incapaz então de estabelecer seu domínio

2 Sobre as duas correntesna interpretação do Brasil,ver, de Luiz Werneck Vianna,“Weber e a interpretação doBrasil”. Para uma excelenteleitura do Brasil que retomae vai além de FlorestanFernandes, ver, do mesmoautor, A Revolução Passiva:Iberismo e americanismo noBrasil, em particular, ocapítulo “Caminhos edescaminhos da revoluçãopassiva à brasileira”(Werneck Vianna, 1997)e A Transição: Da Constituinteà Sucessão Presidencial(Werneck Vianna, 1989).

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Eleição para presidente da Assembléia Nacional Constituinte (Constituinte – Sessão

de 2 de fevereiro de 1987)

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diretamente no plano econômico e promovera modernização, valer-se-ia da política.

Ocupou então as estruturas do Estado,tornando-o instrumento do desenvolvimentocapitalista dependente e do controle das deman-das dos de baixo. A transição para a ordemsocial competitiva no Brasil, se fez, portanto,através da autocracia burguesa: a modernizaçãoseria obra de um Estado fechado à democrati-zação, privatizado pelos interesses dominantesnada libertários (Fernandes, 1975).

Para Florestan, portanto, não era a bu-rocracia do Estado – como se esta pudessese isolar totalmente das forças econômicas –,que roubava a cena da iniciativa privada; aocontrário, era a própria burguesia que erguiaum Estado autoritário para levar a frente seusinteresses sem o incômodo assédio das clas-ses dominadas.

Houve evidentemente variações nestearranjo ao longo do século 20. A 1ª Repúblicaliberal teve como protagonistas os fazendeirosde café paulistas que controlaram os de baixopela polícia e pela política dos governadores.Vargas são dois: o da ditadura do Estado Novoe o eleito democraticamente, morto pelo fecha-mento da política já em curso.

No período subseqüente recrudescemas demandas sociais, repelidas pelo autori-tarismo que se instala com a ditadura militar.Não é o caso de detalhar aqui este histórico.O importante a ressaltar é que 1964 respondepor mais um ciclo da autocracia burguesa: a

ocupação do Estado pelas classes dominantespara promover nova rodada de desenvolvi-mento capitalista. A Constituição de 1988, aoreunir de forma praticamente pioneira os di-reitos civis, políticos e sociais, parecia entãopôr um termo a tal andamento.

1988: sublimação ou disputa

A Assembléia Constituinte de 1987-1988 tinhapor missão reconstruir o “Brasil Legal”: a dita-dura militar parecia ter domesticado a mobi-lização popular, extirpando suas energias re-volucionárias, de modo que a Constituiçãopoderia cumprir a sua tradicional função sim-bólica de manter tudo como antes.

No entanto, “as lutas sociais, que pare-ciam dormitar no subconsciente de uma mas-sa silenciosa de cidadãos apáticos, estavam defato fervilhando no substrato da sociedade.Subiram rapidamente à superfície” (Fernandes,1989: p. 89), e ameaçaram construir institutosjurídicos capazes de modificar o coração do “paísreal”, como os que pretendiam a facilitação dasecularmente obstada reforma agrária.

A Constituinte tornou-se um campo dedisputa. Dizia Florestan, que “enquanto as eliteseconômicas e políticas das classes dominantesquerem brecar o processo constituinte”, os debaixo não só querem “explodir a bastilha”, mastambém “partir de uma posição avançada naprática de uma democracia de participaçãoampliada” (Fernandes, 1989, p. 308).

Embora o Legislativo fosse montadomajoritariamente pelo poder econômico, asclasses dominantes perceberam que os parla-mentares podiam sucumbir às pressões popu-lares. Assim, lançaram mão de organizaçõesespecialmente criadas para influir na Consti-tuinte, como a União Democrática Ruralista(UDR), a União Brasileira dos Empresários (UBE)e o Centrão, entre outros expedientes,3 deforma que “a Constituição ficasse contida emuma camisa-de-força, pela qual a reprodu-ção do ‘país real’ permanecesse inatingível”(Fernandes, 1989, p. 351).

Não havia, por parte das classes domi-nadas, a visão utópica de que poderiam exer-cer de pronto a soberania do povo, ditando asi mesmas suas próprias leis. Mas assedia-ram a Constituinte através de institutos comoo da iniciativa popular, pretendendo construirbases democráticas para as lutas pela univer-salização dos direitos. A Constituição deve-ria, então, refletir todas as classes e ser ex-tensa, contendo um “rol máximo de normas

3 Embora Florestan nãomencione, a literaturaaponta, neste sentido,a criação do IL – InstitutoLiberal, do IEDI – Institutode Estudos para oDesenvolvimento Industriale do PNBE – PensamentoNacional das BasesEmpresariais.

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constitucionais”, protegendo de forma exaus-tiva os estratos mais sacrificados do país (Fer-nandes, 1989, p. 88-89).

Os avanços da Constituinte foram obs-tados ainda por fatores externos. O país peri-férico e satelizado sofreu forte intervenção dosEstados Unidos quanto aos termos de sua Cons-tituição. “As regras vêm de fora e são estabe-lecidas pelo sistema capitalista mundial de po-der.” Ocorre que aqui elas encontram solo fértil.O “particularismo cego, entreguista e egoístados estratos dirigentes das classes dominantes”(Fernandes, 1989, p.365), resultante do modocomo se desenrolou a revolução burguesa noBrasil, não oferece resistência e aceita de bomgrado aquelas imposições.

O pêndulo, então, haveria de balançarmuitas vezes contra a democracia, anulandorupturas fundamentais que podiam ter tido lu-gar na Constituinte. O resultado concreto, noentanto, não foi uma ”peça homogeneamenteconservadora, obscurantista ou reacionária”(Fernandes, 1989, p. 360). Conciliadora, a Cons-tituição contém ameaças aos privilegiados.

“Sem perderem qualquer regalia, elesassistem horrorizados à rotinização de liber-dades individuais e coletivas ou de direitossociais, e à universalização do acesso a meioslegais que a exclusividade convertia em fontede odioso despotismo” (Fernandes, 1989, p.360-1). Tratava-se, doravante, de garantir quea Constituição – parcialmente ganha em dispu-tas minuciosas – não se “convertesse, em seusaspectos mais promissores, em letra morta”(Fernandes, 1989, p. 309-310).

Tempestade e esperança

Passados 20 anos da Constituição, e emboraos meios legais inéditos tenham sido aciona-dos,4 várias daquelas normas foram anuladasexplícita ou tacitamente. Logo após a promul-gação, Florestan vê no horizonte nuvens queanunciam tempestade. A “internacionalizaçãoda economia pressupõe que as burguesiasnativas e a comunidade internacional de ne-gócios caminhem juntas” (Fernandes, 1989, p.371). Renovavam-se os meios autocráticos, deforma a permitir que os rumos do país conti-nuassem a ser dirigidos de fora.

Além disso, desrespeitando os direi-tos constitucionalizados e negligenciando oEstado Social desenhado pela Constituição, asclasses dominantes optaram pela “violênciainstitucional”, pelo controle policial das clas-ses populares, e pelo aumento exponencial do

encarceramento (Fernandes, 1989, p. 361).5

Parte dos juristas do país se esmera em justifi-car o injustificável: constroem princípios extra-constitucionais para legitimar o descumpri-mento de normas expressas na Constituição,baseando-se na alegação tecnicista da restri-ção financeira.

Para Florestan, já que o próprio parla-mento – representação do povo – não defen-de a Constituição, cabe à sociedade civil resis-tir diretamente à “sabotagem constitucional”das elites no poder (Fernandes, 1989, p. 371).A Constituição não vale em si e por si. Ela sóserá um recurso para a extinção da autocraciaburguesa caso os de baixo, despertando uma“consciência de classe crítica”, convertam aConstituição em valor, mobilizando-a nassuas lutas políticas cotidianas (Fernandes,1989, p. 362).

Para refutar o argumento de Lassallede que as Constituições são meras “folhas depapel”, Konrad Hesse sustentou a existênciade uma “vontade de Constituição” (Hesse,1991). Hesse, no entanto, não desmenteLassalle. A força normativa da Constituiçãodepende de agentes reais que sustentem talvontade. No Brasil, diante da autocracia bur-guesa que se apropriou do Estado, esta tarefaestá nas mãos dos de baixo. “Só em seme-lhante contexto 1934, 1946 ou 1988 deixa-rão de provocar paralelos melancólicos, quefazem prever acontecimentos indesejáveis”(Fernandes, 1989, p. 362).

REFERÊNCIAS

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como fundamentos da legitimidade constitucional: a

utilização de argumentos sociológicos da clássica teoria

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. e SANTOS, Rogerio Dultra dos. A doutrina jurídica

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Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

. A Constituição inacabada: Vias Históricas e Significado

Político. São Paulo: Estação Liberdade, 1989.

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Sergio Antonio Fabris, 1991.

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http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/constituicaol.html.

Acesso em 23 de agosto de 2008.

WERNECK VIANNA, Luiz. A Transição: Da Constituinte â Sucessão

Presidencial. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1989.

. A Revolução Passiva: Iberismo e americanismo no Brasil.

Rio de Janeiro: Revan, 1997.

. “Weber e a Interpretação do Brasil”, disponível em

http://www.acessa.com/gramsci/?id=85&page=

visualizar, acessado em 10 de agosto de 2008.

4 Florestan já indicavaa judicialização da políticacomo sendo causada, entreoutras coisas, pelo usodos meios previstos naConstituição, como Açãode Declaração deInconstitucionalidadee Ação Popular.

5 No artigo “A Constituiçãode 1988: conciliação ouruptura?”, publicadooriginalmente na Folha deSão Paulo em 04/10/1988,Florestan Fernandes afirma:“... os de cima terão derecorrer à violênciainstitucional ou deverãoaprender, por fim, aconviver com e a respeitaros de baixo.” (Fernandes,1989, p. 371).

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A transição política brasileira da ditadura paraa democracia, que se desdobrou na Anistia,na Constituinte e nas eleições diretas, acaboumarcada por ambigüidades e ambivalências porcausa das tentativas de refluxo e reciclagem dacontra-reforma por parte do antigo “Centrão”e da tutela das Forças Armadas.

Apesar das contenções e amarras quemarcaram o processo de transição, a presençade forças populares e a incidência de movi-mentos sociais no plano da institucionalidadedeixaram marcas no conteúdo e no caráterprogramático da nossa Constituição.

Esse componente popular se projetacomo uma sombra, um espectro de democraciaque ronda uma revolução democrática incon-clusa. O que explica os diversos ziguezagues,como o que levou ao impedimento de Collor eà nova carga de energia popular na eleição deLula, sempre amortecida entre as continui-dades das seqüelas do domínio neoliberal, dosintentos de golpes institucionais e da morbi-dez corruptora da pequena política arrivista.

A recomposição das bases de nossocapitalismo não conseguiu anular o impulsonascido do poder constituinte das lutas pelademocratização fundamentado na extensãode direitos. A luta pela cidadania integral e adinâmica progressiva de superação das desigual-dades ainda encontram referências positivas e

À esperada realrevoluçãodemocráticaPedro Cláudio Cunca BocayuvaAssessor do Núcleo de Direitos Humanos da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase)

afirmativas para a mobilização do poder sobe-rano das classes populares como única susten-tação para a progressão de direitos e a radica-lização da democracia no Brasil.

O dilema

Não podemos avançar na autoconsciência e naorganização autônoma dos sujeitos coletivossem passar pelo resgate e pela interpretaçãoprática dos elementos de transformação conti-dos na versão original da Carta Magna de 1988.Ao afirmarmos que vale o que está escrito, noscolocamos na linha de resgate e libertação daspotencialidades presentes, na perspectiva deampliação e reconhecimento de direitos comoresultados ainda presentes, como forçasinerciais da intensa participação popular orga-nizada no processo constituinte.

Refletir sobre as restrições, os avançose os retrocessos ligados ao processo da Cons-tituição é a única condição de repensarmos acentralidade do acesso e da promoção dos di-reitos, fundamentais para uma estratégia deampliação da democracia como valor universal.

Os elementos de farsa e restrição ge-rados e transformados por força das lutasdeixam um legado, uma base de reconheci-mento de direitos políticos, econômicos, sociaise culturais, que serve para o questionamento

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mais fundo da nossa dinâmica institucional– que vai muito além da substituição do “en-tulho autoritário” pela judiciarização da po-lítica e pela privatização e mercantilizaçãoda coisa pública.1

A criminalização de movimentos sociais,a defesa da impunidade dos torturadores, aapropriação dos fundos públicos, a degrada-ção dos direitos e a desnacionalização fazemparte de um processo que só pode ter respostana via da Constituição e dos atores políticoscapazes de resgatar o potencial e a trajetóriade lutas pela democracia.

A atual relação de forças entre as clas-ses dominantes e as classes populares exigepráticas de resistência e construção de alter-nativas cujo potencial de avanço se relacionacom os novos direitos inscritos na Constitui-ção Cidadã.

Levantar essa perspectiva de reflexãonecessária não nos livra de exame mais pro-fundo das limitações e contradições que encer-ram a polêmica sobre o processo constituinte.As formas restritivas, que derivam do poderda chamada “República Constitucional”, blo-queiam, na estrutura do Estado e na socie-dade civil, a progressão do potencial emanci-patório e do poder constituinte popular.

No meio da fragmentação e da precari-zação da vida social, a única ponte para ligaruma frente única dos sujeitos populares, pararealizar as reformas sociais estruturais e garan-tir a ampliação dos direitos reside no caráterunificador do sentido programático e no valorético normativo expresso nas lutas inconclusasque se escrevem nas ambivalências de nossaConstituição. O fundamento de legitimidadedo arcabouço institucional e legal deve sair dasformas abstratas dos princípios para o terrenode normas efetivas, condicionando a ação es-tatal de maneira mais favorável para a rede-finição de políticas.

A luta contra as desigualdades depen-de de realizarmos o federalismo de lugares, demodo a garantir a cidadania integral. O projetopolítico de democracia progressiva só se reali-zará por meio de plataformas e políticas susten-tadas por um bloco popular, que precisa daautoconsciência e da reflexão sobre as questõesda ordem republicana para nos ajudar a rompercom a “nostalgia imperial” e a lógica do estadode exceção permanente.

A ênfase na mercantilização da vidasocial desenvolve-se contra uma cultura demo-crática (com base no exercício e na promoçãode direitos) e promove o fascismo social a

partir da construção de contextos e imagensque barram a demanda coletiva por direitos.O corpo das multidões destituídas é visto comoameaça pelos dispositivos que tentam impedira passagem para um período popular e demo-crático em nossa história republicana.

O que vale do que está escrito?

O aniversário de 20 anos da chamada Consti-tuição Cidadã pode e deve ser um momento dereflexão. Diante de tantas emendas (mais de 62até março de 2008), que geram um “mal-estarda Constituição”, segundo Samuel RodriguesBarbosa (1999), deveríamos arriscar a emendada revisão geral, precedida de plebiscito?

Por força de todo o ataque ao patrimô-nio estatal que solapa as bases materiais dodesenvolvimento autônomo nacional, nos res-taria apenas assumir o esgotamento da forçanormativa de longa duração da Constituição?

Nessa linha, Fábio Konder Comparato(2008) insiste no caráter patrimonialista e nalógica oligárquica aberta na década de 1990,que alienou a população do processo de deci-são em matérias decisivas, tais como as ques-tões trabalhistas e previdenciárias ou o tempode duração dos mandatos eletivos.

A maioria das mudanças usadas paradesqualificar os princípios constitucionais foiresultado legal do intento de superação do“nacional desenvolvimentismo” e do “getu-lismo” – processo no qual Fernando HenriqueCardoso foi muito mais longe do que FernandoCollor de Mello.

Desde então, o uso da prerrogativa dasmedidas provisórias, o espetáculo das CPIs ea disputa de ações diretas de inconstituciona-lidade fazem parte de um quadro mais geralde morbidez, corruptibilidade e casuísmos, querepresenta o cenário material e político doimpério do globalismo financeiro e do indivi-dualismo possessivo.

A esse processo da sociedade políticacorresponde, na sociedade civil, a substituiçãodo cidadão e da cidadã pelo consumidor(a), oproletariado pelo precariado e a transformaçãoda questão social urbana e da questão agráriaem “casos de polícia”. A cultura do medo seinstala com mais facilidade num ambiente deexploração da economia da insegurança, mo-bilizada pelo discurso dos jogos de guerracontra as periferias e os(as) jovens (conduzidopor torturadores, paramilitares, tropas de elitee especialistas em tecnologia) que ganha astelas e a audiência.

1 Para essa reflexão,podemos sugerir arecuperação das reflexõesde Raymundo Faoro (1981).

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Pode parecer a conseqüência lógica deum raciocínio crítico, necessariamente pes-simista, que tenhamos de propor uma saída nadireção de uma nova Constituinte, uma vez queo processo da anterior esteve marcado pelasrestrições da sua soberania, em um quadro dederrota da emenda das “Diretas Já”. Até mesmoporque uma reforma restrita da política, ouuma continuidade de reformas do tipo datributária, só deve levar água ao moinho dacontra-reforma constitucional permanente.Na dialética negativa do argumento crítico maissólido, o vício de origem marca a fragilidadeda criatura (a Constituição de 1988), que seconverteu numa caricatura.

Será que, por isso, podemos realizaruma manobra institucional, por dentro da ló-gica das emendas, para deter, em definitivo,esses atentados ao poder soberano do povo?Bastaria estabelecer o instituto da revisão gerale, por meio desse, realizar um plebiscito, demodo a convocar uma Assembléia Constituintecom funções exclusivas, eliminando o vício deorigem do Congresso Constituinte de 1986,que produziu a Constituição de 1988. Como

veremos, mesmo que esse objetivo possa serlogicamente correto, para ampliar o poderinstituinte e o controle democrático, é precisobuscar os elementos contraditórios e umacorreta avaliação das disputas em crise, comoa crise de hegemonia dentro de uma transiçãodemocrática inconclusa, em um quadro detransição paradigmática global.

Devemos buscar a resposta que rela-cione o poder constituinte à soberania popular,como base de uma democracia participativa,dentro das disputas reais e da dinâmica pro-cessual da crise de hegemonia. Isso significaum tipo de crise que não pode ser resolvidano plano de uma batalha só, pela guerra demanobra direta. Para o bem ou para o mal, aquestão do valor da Constituição só pode sermedida em sua relação com o processo histó-rico da transição democrática.

Cabe – como fará a Ordem dos Advo-gados do Brasil (OAB), no seu congresso na-cional em novembro deste ano – medir o papelda Constituição de 1988 na qualidade de ins-trumento de defesa e ampliação de direitosdiante dos problemas da democratização, no

Residência oficial do presidente da Câmara dos Deputados – 24 novembro de 1987

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quadro da atual reestruturação capitalista glo-bal, com todas as implicações e todos os pro-cessos de crise do Estado e dos paradigmaspolíticos clássicos.

Isso exige percepção da luta pelos di-reitos sob a ótica do pragmatismo radical, daacumulação de forças e das contradições quefazem com que a crise não gere estabilizaçãoda dominação. Em vez de vermos um problemano caráter programático da Constituição, nãodevemos ver aí a sua força? Em vez de vermos,nos impasses, a força oligárquica e corporativa,não podemos identificar elementos de umacrise de legitimidade? Em vez de vermos apenasos recuos, não podemos perceber disputas econquistas? De todo modo, não se resolvem asbatalhas sobre os direitos coletivos e a demo-cracia, sobre os modos de governar e organi-zar o poder do Estado, sobre as políticas e ogasto público, sobre a tributação, as desigual-dades, a propriedade, o trabalho e a previdên-cia sem antes definir um patamar de conquis-tas que foram obtidas, mesmo que permeadasde recuos e derrotas parciais.

A construção da democracia e a po-tência política da cidadania não podem pres-cindir das conquistas parciais escritas no textooriginal. Aliás, esse esclarecimento sobre o quefoi escrito pelo constituinte sob a pressão dacidadania (movimento pela participação popu-lar) abriu brechas decisivas, sem as quais nãose pode avançar. Controvérsia semelhantemarcou o debate sobre as reformas de basee a ampliação da democracia antes de 1964,face aos limites e às restrições da Constituiçãodo pós-guerra.

Existe o risco de se tentar avançar semter por base a superação sustentada real, oque pode produzir mais regressão que avanço.A questão da mobilização para o resgate dasconquistas democráticas passa pela capacidadede defesa organizada de direitos. O conheci-mento se entrelaça e amplia o interesse. Por isso,as bases subjetiva e objetiva da Constituiçãodependem do arco de forças capaz de lhes darsustentação material e simbólica. Os direitossão sustentados se pudermos responder aosquestionamentos sobre quem tem interesse emdefender o artigo 6 (dos direitos sociais), quemtem interesse em defender a função social dapropriedade, quem tem interesse em defendero instituto da lei de iniciativa popular.

As derrotas não se resolvem por saltossem que as forças sociais estejam em movi-mento. Estamos longe de uma frente únicade mobilização popular, estamos longe de

um cenário sem contradições e opacidades.A nitidez é boa para ensinar lições reais, muitasvezes amargas, como a que aprendemos noreferendo sobre o estatuto do desarmamento/comércio de armas.

Para avançar na cultura dos direitos, épreciso aprender a defendê-los e conhecê-los,conhecer e se apropriar da Carta, conhecer seusprincípios, reafirmar sua base normativa po-tencial de caráter programático. Precisamosreagir contra o esbulho perpetrado pela sanhaneoliberal das emendas questionando os defei-tos de base, o que só pode ser realizado comuma cultura política que ponha na ordem dodia o ato de fazer valer o que foi escrito, únicacondição de avançar e superar.

Resgate necessário

No aniversário da Constituição Cidadã, o quevale é resgatar o poder e a legitimidade quelhe foi dada por uma potência soberana sem-pre contraditória, sempre em gestação, queprecisa se pôr em movimento, tendo à mão oque foi escrito 20 anos atrás. Porque, para aConstituição do espaço da cidadania, vale oque está escrito!

O Congresso Nacional, a magistratura,o Ministério Público e as organizações sociaisdevem assumir a responsabilidade de avaliaros resultados da implementação do progra-ma democrático, expresso na Carta de 1988.Esse programa foi o resultado de grandesmobilizações pela participação popular e degrandes disputas sobre a natureza e o caráterdas normas que refundaram a institucionali-dade do regime democrático depois de maisde 20 anos de ditadura.

Como ponto de corte da transição de-mocrática, o processo constituinte inseriu oreconhecimento dos direitos econômicos, so-ciais e culturais no centro das normas orienta-doras do funcionamento das instituições doEstado e dos direitos e deveres da cidadania.

Avaliar o resultado substantivo dos di-reitos e a legitimidade de nossas instituiçõesexige leitura crítica do quadro de desregula-mentação, de descumprimento e da não-efetivação dos direitos nascidos da AssembléiaConstituinte. A questão da universalizaçãodo acesso aos direitos como fundamento eobjetivo de realização de um projeto nacionalbaseado na soberania democraticamente rea-lizada, na forma representativa e nas formasparticipativas, é o principal indicador para aavaliação do estado da democracia no Brasil.

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22 DEMOCRACIA VIVA Nº 40

Outro indicador importante deve serconstruído para avaliar as tensões imanentesao compromisso democrático de 1988, advin-das dos golpes e das revisões sofridas pelaConstituição por força das políticas de ajuste,das medidas provisórias e das modificaçõessubstantivas derivadas da agenda de aberturainternacional, sob a égide das contra-reformasconservadoras em favor do modelo neoliberal.

Na comemoração de 20 anos da Cons-tituição Cidadã, são necessárias mobilizaçõese audiências públicas que levem em conta todoo esforço histórico realizado pelas forças so-ciais engajadas na defesa de direitos humanoscivis, políticos, econômicos, sociais, culturaise ambientais.

As atividades sobre a questão social eo estado dos direitos no Brasil devem pautar oquestionamento sobre a consistência e a legiti-midade de nosso ordenamento constitucional,na perspectiva de reconstrução de estratégiaspara implementar um desenvolvimento funda-mentado na efetivação da justiça social.

Os temas do pacto federativo, do orça-mento, dos fundos e das políticas públicas, daparticipação democrática, do sistema de pro-teção, da garantia e promoção dos direitoshumanos, do acesso ao sistema de justiça, dosconflitos e da violência do Estado e na socie-dade, da crise do Estado, dos problemas darepresentação política, do colapso e da crisedo modelo de desenvolvimento concentradorde renda e poder, do direito à informação e àcomunicação, das questões da ciência e datecnologia, dos problemas das discriminaçõesracial, sexual, de gênero e de geração devem serpostos em debate. Relacionam a estrutura eos processos de nossa democratização incon-clusa sob o olhar crítico da reflexão sobre aqualidade de nossa democracia.

A questão das desigualdades e das se-gregações social, espacial, étnica, de gênero ede geração devem servir de guia para o debatesobre a Constituição como instrumento mate-rial e simbólico, objetivo e subjetivo, de viabi-lização da transformação das realidades encon-tradas em nossa vida cotidiana.

O problema da legitimidade e da lega-lidade do ordenamento jurídico-político setraduz nos conflitos sobre o cumprimento e odescumprimento do estado democrático dedireitos, nos termos definidos pelo compro-misso com a ampliação da cidadania comoconjunto de práticas. A questão constitucio-nal da democracia depende do poder vivo dasua apropriação permanente pela soberania

popular como fundamento das ações pelaexigibilidade e pela justiciabilidade do direitoao desenvolvimento, baseadas na realização dobem-estar individual e coletivo.

O impulso da democratização se rela-ciona à afirmação prática do direito a ter di-reitos, da tradução concreta do ideal da igualliberdade como fator simbólico e objetivo dademocratização. A questão da efetivação doEstado e do estatuto dos direitos deve guiar aação ético-política, tomando como princípioo sistema de garantias e a orientação normativado processo de efetivação material e da publici-zação das práticas de uma cultura democráticaenraizada na vida social e política de um país.

A agenda dos movimentos de direitoshumanos e da cidadania organizada deve incluira tarefa de avaliação do estado de cumprimentodos direitos, de enfrentamento dos desafioslançados em 1988, de modo a produzirmos amudança de rumos para avançar, efetivamente,na democratização. Essa deve ser uma maneirade superarmos as desigualdades, a segregação,a discriminação e a injustiça social em todasas suas formas, no plano do poder decisório ena vida cotidiana, nos diferentes contextos ter-ritoriais da cidade e do campo.

REFERÊNCIAS

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