elementos para o uso transgressor do direito do trabalho · o que a autora faz é exatamente tentar...

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Elementos para o Uso Transgressor do Direito do Trabalho: compreendendo as relações sociais de trabalho no Brasil e a função do Direito diante das possibilidades de superação da forma capital

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Elementos para o Uso Transgressor do Direito do Trabalho:

compreendendo as relações sociais de trabalho no Brasil e a função do Direito diante das possibilidades de

superação da forma capital

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Juíza do Trabalho, Mestre em Direitos Fundamentais pela PUC/RS, Doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP, professora e pesquisadora da FEMARGS — Fundação Escola da Magistratura do Trabalho do RS,

membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital.

Valdete Souto Severo

Elementos para o Uso Transgressor do Direito do Trabalho:

compreendendo as relações sociais de trabalho no Brasil e a função do Direito diante das possibilidades de

superação da forma capital

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EDITORA LTDA.

Rua Jaguaribe, 571 CEP 01224-003 São Paulo, SP — Brasil Fone (11) 2167-1101 www.ltr.com.br Abril, 2016

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Índice para catálogo sistemático:

Todos os direitos reservados

Versão impressa — LTr 5433.4 — ISBN 978-85-361-8762-4 Versão digital — LTr 8906.2 — ISBN 978-85-361-8783-9

Severo, Valdete Souto

Elementos para o uso transgressor do direito do trabalho : compreendendo as relações sociais de trabalho no Brasil... / Valdete Souto Severo. — São Paulo : LTr, 2016.

Bibliografia.

1. Capital-trabalho 2. Direito do trabalho 3. Direito do trabalho — Brasil I. Título.

16-01220 CDU-34:331(81)

1. Brasil : Direito do trabalho 34:331(81)

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“O capital, que tem boas razões para negar os sofrimentos das gerações de trabalhadores que o circundam, é em seu movimento prático, tão pouco condicionado pela perspectiva do apodrecimento futuro da

humanidade e seu irrefreável despovoamento final quanto pela possível queda da Terra sobre o Sol. (...) O capital não tem, por isso, a mínima consideração pela saúde e duração da vida do trabalhador, a

menos que seja forçado pela sociedade a ter essa consideração. (...) De modo geral, isso tampouco depende da boa ou má vontade do capitalista individual. A livre concorrência impõe ao capitalista individual, como leis eternas inexoráveis, as leis imanentes da produção capitalista. (...) Ao atingir certo nível de desenvolvimento, ele engendra os meios materiais de sua própria destruição. A partir desse momento, agitam-se no seio da sociedade forças e paixões que se sentem travadas por esse modo de produção. Ele

tem de ser destruído e é destruído.”

MARX, Karl. O capital. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.

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Sumário

Apresentação ............................................................................................................................................................... 9

1. Introdução ............................................................................................................................................................... 11

2. Elementos para a Compreensão da Sociedade do Capital e do Direito do Trabalho................................................ 13

2.1. Aspectos da construção do imaginário contemporâneo acerca da relação social de trabalho: tempo e liberdade na sociedade do capital ........................................................................................... 14

2.2. Estado e direito: a ideologia na sociedade de trocas ........................................................................... 30

2.3. Escravidão, ditadura e democracia: rastros determinantes para a compreensão da relação so- cial de trabalho no Brasil .......................................................................................................................... 46

2.4. Os discursos do direito do trabalho no Brasil do século XXI: fundamentalidade x flexibilização 66

2.5. Elementos para uma crítica construtiva: o direito do trabalho e as contribuições de Marx para a compreensão da alienação e da luta de classes na sociedade do capital .............................. 76

3. Os Limites e as Possibilidades do Direito do Trabalho no Século XXI .................................................................. 93

3.1. Os limites e as (im)possibilidades do Discurso Emancipatório da Dignidade Humana para a aplicação das normas trabalhistas .......................................................................................................... 97

3.2. A linguagem do direito e as possibilidades de desvelamento do discurso do capital ...................105

3.3. Reconstruindo o discurso da proteção: o princípio como parâmetro para a aplicação das normas fundamentais trabalhistas .......................................................................................................................120

3.4. O tempo de trabalho e as possibilidades do direito: análise de algumas questões relacionadas à jornada .....................................................................................................................................................138

3.5. Da garantia de emprego à terceirização: mais alguns elementos para o uso das normas em favor do desvelamento dos limites e das incoerências do capital .....................................................159

4. Considerações Finais ou que Espaço o Direito do Trabalho ainda Pode/Deve Ocupar num Cenário de Resis- tência ao Capital no Século XXI ............................................................................................................................173

Referências Bibliográficas ....................................................................................................................................177

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Apresentação

Bom, dizer que me sinto muito honrado em fazer a apresentação da presente obra jurídico-político-so-ciológica da minha querida amiga, Valdete Souto Severo, não traduz nem de perto o que efetivamente sinto.

No entanto, não é fácil explicar em palavras esse sentimento. De fato, o contato com a Valdete e suas ideias é tão inquietante, estimulante e desafiador que qualquer lugar comum, por mais gentil que se pre-tenda, é completamente alheio à verdade do momento.

As suas convicções, sempre fundamentadas, impõem diálogos francos e verdadeiros, e a grande ver-dade é que mais que as palavras valem as ações. A inquietação da autora advém exatamente da verificação de que muito se fala e pouco se tem feito para realizar mudanças concretas na realidade. Portanto, parece-me que a melhor forma de agradecê-la por essa honra é a de firmar aqui um compromisso público de levar adiante as ideias desenvolvidas neste seu belíssimo trabalho.

A obra que vos apresento, aliás, explica bem melhor o que estou tentando dizer, pois seu texto é car-regado de uma verdade incontrolável, traduzida, precisamente na explicitação de franco sentimento. De uma maneira mais direta, o resultado que se tem é algo raro, quando a autora se confunde com a obra e, por consequência, a obra com a autora.

O leitor, então, não apenas adquirirá conhecimento, mas se verá desafiado a levar adiante as ideias expressas no livro, e para isso, já adianto, terá que vencer algumas compreensões preconcebidas.

Ora, se o Direito é pensado como uma técnica de preservação da ordem, ou seja, de manutenção das coisas como elas se encontram, como um direito pode ser transgressor? A transgressão, ademais, não se-ria, em si, uma ação antijurídica, contrária ao próprio Direito? E, visto por outro ângulo, conhecendo-se a verdadeira feição conservadora do Direito, não seria ingênuo atribuir-lhe uma função emancipadora? Essa ilusão não seria mais alienante que a própria forma jurídica?

Diante dessa tensão, que envolve a realidade social, o Direito e o desejo de contribuir para a construção de uma sociedade melhor, só mesmo um enfrentamento sincero pode trazer elementos efetivamente úteis à superação das encruzilhadas.

Claro que, como em toda obra, as ideias se completam na mente do receptor, e é por isso que se torna importante essa advertência inicial, para que o leitor se permita receber a mensagem transmitida, ao invés de rechaçá-la antes de ler o texto. É importante, pois, que afaste a tentação de criar obstáculos a uma nova compreensão.

A imagem que me vem à mente é a do filme Matrix, que instiga a cada um de nós a ser o “escolhido” para superar os obstáculos à compreensão da realidade e, com isso, ter a condição necessária para interagir de forma eficiente com ela, buscando melhorá-la.

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O que a autora faz é exatamente tentar nos retirar das amarras dos conceitos arbitrariamente construídos que servem para nos alienar, escancarando-nos a realidade da relação capital-trabalho e a função estruturante e ao mesmo tempo reacionária que atribuímos, mesmo sem querer, ao Direito, para, na sequência, deixar expresso um desafio ao leitor.

E pensemos bem. No mundo de quase certezas absolutas em que pouco espaço se reserva às utopias, é muito bom se sentir desafiado!

Muito obrigado por isso e por sua generosa amizade, Valdete.

São Paulo, 10 de agosto de 2015.

Jorge Luiz Souto Maior

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1. Introdução

Este estudo tem por objetivo investigar a possibilidade de uso do Direito do Trabalho como elemento de tensão da forma capital, especialmente a partir de algumas situações concretas. O pressuposto inicial é que o Direito do Trabalho pode assumir função que extrapole o horizonte último da realização de um estado social capitalista: a função de revelar as contradições do sistema, tensionando-o até torná-lo insustentável.

O Direito é instrumento da sociedade de trocas, à medida que cria máscaras jurídicas que fixam posi-ções sociais e justificam, por exemplo, que a própria força de trabalho seja tratada como uma mercadoria. A investigação dos pressupostos filosóficos que sustentam a modernidade evidenciam isso, notadamente em Kant, com sua noção liberal de liberdade e de dignidade humana como um atributo individual, que sequer impede completamente o uso do outro como meio para a realização de uma finalidade, e em Hegel, com a construção dos conceitos de sujeito de direitos, propriedade privada e contrato.

O Direito do Trabalho inscreve-se no pressuposto filosófico da modernidade, embora introduza já em sua origem (em seu princípio) um discurso diferenciado. Surge historicamente como um conjunto de normas que tensiona, ao mesmo tempo em que sustenta, o modo de (re)produção do capital. Reproduz a lógica de continuidade da exploração, por meio de um conjunto de designações (uma linguagem) que contribui de-cisivamente para que tudo permaneça como está. Ao mesmo tempo, tem também um caráter transgressor, contendo em si o gérmen de sua própria superação.

A percepção desse caráter paradoxal do Direito do Trabalho conduz à formulação de três questões a serem aqui investigadas: (a) qual o lugar de fala e a função do Direito do Trabalho na (re)produção do sistema do capital; (b) qual a possibilidade de promover mudanças capazes de alterar a lógica de perversidade que caracteriza o capital, desde o seu próprio instrumento de manutenção; e (c) porque é importante lutar pelo uso comprometido e intransigente das normas de proteção ao trabalho.

A primeira questão exigirá revisitar os conceitos de tempo e de liberdade e os contornos que esses valores sociais adquirem na modernidade. Implicará análise da construção histórica das normas trabalhis-tas, especialmente no Brasil, a fim de permitir compreender como a linguagem da valorização do trabalho assalariado e a necessidade de minimização dos efeitos nocivos do capital foram sendo engendrados. E também como puderam fazer surgir um ramo novo do direito burguês, em que a voz da classe trabalhadora (ainda que apenas enquanto classe trabalhadora) tivesse espaço.

A segunda questão depende em larga medida da compreensão da ideologia que permeia o discurso do capital e que contamina também o discurso do trabalho, sob a perspectiva jurídica. O reconhecimento de que o trabalho é fonte de riqueza e elemento constitutivo do que é ser humano, convive com o fato de que o trabalho assalariado também causa sofrimento e miséria, alienação e estranhamento. A possibilidade de promover alterações reais, então, não está na simples reprodução do discurso trabalhista, por mais humanista que ele seja. Precisa ir além, usando a linguagem para o desvelamento das falácias desse aparentemente bem intencionado propósito jurídico.

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Nesse sentido, o discurso jurídico contemporâneo que se fundamenta na proteção ao trabalho, notada-mente a partir da segunda metade do século XX, pretende-se transformador, embora sequer cogite alterar a base das relações econômicas e sociais em que se inscreve. Pois bem, o que aqui sustento é justamente que esse discurso deve ser elevado ao seu potencial máximo, a fim de revelar sua própria impossibilidade.

A necessária eficácia dos direitos fundamentais, a prevalência dos direitos sociais, a pretensão de instauração de um capitalismo inclusivo e solidário, são pressupostos que, caso fossem levados a sério, promoveriam a explosão do sistema. Daí é possível extrair duas conclusões: o discurso solidário do direito constitucional trabalhista contemporâneo é falacioso e, nesse sentido, destinado ao fracasso. Por outro lado, exatamente porque se sustenta em premissas incompatíveis com a lógica do capital, contém a potenciali-dade da ruptura, pois sua aplicação integral evidenciará os limites do sistema e revelará a necessidade de sua superação.

Chega-se à terceira questão. É importante lutar pelo uso comprometido das normas de proteção ao trabalho, não apenas para garantir que o trabalhador “de carne e osso” tenha condições minimamente dignas de existência e, por consequência, possibilidade de se organizar, pensar a realidade e operar mudanças, mas, sobretudo, para que as incoerências do capital possam ser desveladas. Então, para que o próprio discurso humanista do direito social seja percebido como um engodo.

Aqui, assume relevância a contribuição de Marx, especialmente quando evidencia o que há de perverso na relação social entre trabalho e capital, e no discurso que a justifica e naturaliza. A forma capital é o me-tabolismo da sociedade de trocas, baseada na produção — circulação — produção de mercadorias, na qual tudo, mesmo o homem e a natureza, precisam necessariamente ser reduzidos à condição de coisa. Diante desse cenário, normas de proteção que sustentam a necessidade da venda de tempo de vida constituem paliativos, que enfrentam os sintomas sem atacar a doença. Então, é a doença que precisa ser investigada e enunciada, a fim de que seja possível perceber a realidade e enfrentar as causas da miséria humana e do esgotamento dos recursos naturais.

Esses serão os pressupostos a partir dos quais algumas questões concretas serão examinadas. O ca-minho é a reconstrução do conceito de princípio e da noção de proteção que está na origem do Direito do Trabalho, para utilizá-lo como filtro e condição de possibilidade da própria normatividade trabalhista. E, com isso, comprometer o intérprete com esse discurso que se pretende transformador, exatamente para que a sua aplicação possa revelar seus próprios limites.

A oportunidade do tema é demonstrada pelo aumento significativo no número de produções literá-rias que se dedicam a expor os limites do capital ou a defender a necessidade de sua superação. Há muito tempo Marx não aparecia com tanta frequência em cursos de pós-graduação e títulos de obras literárias. A necessidade histórica de retornar a Marx para compreender o momento atual e lidar com as incoerências do capital revelam uma tensão que não deve ser negligenciada. Esse despertar, aliado à construção jurídica de ideais de solidariedade, inclusão social e garantia de preservação da dignidade formam um contexto no qual o Direito do Trabalho pode e deve servir como elemento de desocultação, denúncia e superação.

Investiga-se, portanto, que espaço o Direito do Trabalho pode ou deve ocupar no cenário de resistência ao capital, que vem se delineando cada vez melhor neste início de século.

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