elementos do tipo penal

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1 ELEMENTOS DO TIPO PENAL Rogério Roberto Gonçalves de Abreu De uma forma bem simples, podemos classificar os elementos do tipo penal da seguinte maneira: a) Elementos subjetivos b) Elementos objetivos Eu costumo dizer que os elementos subjetivos do tipo – numa aproximação simplificadora – são aqueles que procuramos na cabeça do agente, no “psicológico” do autor do crime. Trata-se do dolo e da culpa. Embora a culpa possa ser considerada um elemento normativo (não subjetivo) a partir de um exame mais elaborado, podemos considerá-la, por enquanto, um elemento subjetivo. Já os elementos objetivos do tipo penal dizem respeito ao fato em si. Procuramos esses elementos no fato, não na cabeça do agente (como os elementos subjetivos). Ocorre que podemos constatar a existência de alguns desses elementos objetivos através dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar). Tratam-se de elementos sensíveis. São os elementos objetivos descritivos. No crime de homicídio, por exemplo, temos que a ação de efetuar disparos de arma de fogo contra alguém é uma ação de matar. Podemos dizer que o evento morte também. Assim, as elementares “matar” e “alguém” contidas no art. 121 do CP são elementos objetivos descritivos do tipo. Outros elementos não são perceptíveis aos sentidos e, por isso mesmo, não temos como constatar sua presença simplesmente “vendo” ou “ouvindo” o fato. Se presenciarmos a cena inteira, como na tela de um cinema, não teremos como dizer se essa outra categoria de elementares estará ou não presente. Para constatar a

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Pequeno texto que trata da classificacao dos elementos do tipo penal em subjetivos e objetivos.

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Page 1: Elementos do tipo penal

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ELEMENTOS DO TIPO PENAL

Rogério Roberto Gonçalves de Abreu

De uma forma bem simples, podemos classificar os elementos do tipo penal

da seguinte maneira:

a) Elementos subjetivos

b) Elementos objetivos

Eu costumo dizer que os elementos subjetivos do tipo – numa aproximação

simplificadora – são aqueles que procuramos na cabeça do agente, no “psicológico”

do autor do crime. Trata-se do dolo e da culpa. Embora a culpa possa ser

considerada um elemento normativo (não subjetivo) a partir de um exame mais

elaborado, podemos considerá-la, por enquanto, um elemento subjetivo.

Já os elementos objetivos do tipo penal dizem respeito ao fato em si.

Procuramos esses elementos no fato, não na cabeça do agente (como os elementos

subjetivos).

Ocorre que podemos constatar a existência de alguns desses elementos

objetivos através dos sentidos (visão, audição, tato, olfato e paladar). Tratam-se de

elementos sensíveis. São os elementos objetivos descritivos. No crime de homicídio,

por exemplo, temos que a ação de efetuar disparos de arma de fogo contra alguém

é uma ação de matar. Podemos dizer que o evento morte também. Assim, as

elementares “matar” e “alguém” contidas no art. 121 do CP são elementos objetivos

descritivos do tipo.

Outros elementos não são perceptíveis aos sentidos e, por isso mesmo, não

temos como constatar sua presença simplesmente “vendo” ou “ouvindo” o fato. Se

presenciarmos a cena inteira, como na tela de um cinema, não teremos como dizer

se essa outra categoria de elementares estará ou não presente. Para constatar a

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presença desse tipo de elemento objetivo do tipo, precisamos fazer um juízo de

valor sobre o fato. É desse juízo de valor que resultará a conclusão sobre estar ou

não presente o elemento do tipo.

A essa categoria de elementares cuja presença ou ausência resulta de um

juízo de valor sobre o fato chamamos de elementos objetivos normativos. O juízo de

valor que devemos fazer sobre o fato, de sua parte, pode assumir três formas de

apreciação: jurídica, técnica ou com base em regras de experiência.

Se observamos uma pessoa levar consigo um chapéu, temos a plena certeza

– por estarmos “vendo” – que o sujeito subtrai uma coisa móvel. Simplesmente

“olhando”, não temos como saber se ele a subtrai “para si ou para outrem”, pois se

trata de algo que está na cabeça do agente. Essa intenção é, portanto, um elemento

subjetivo do tipo que alguns autores chamam de dolo específico.

Pois bem. E, olhando a cena como estávamos, como podemos saber se a

coisa subtraída era alheia ou própria? A natureza de alheia ou própria não pode ser

simplesmente percebida pelos sentidos, pelo que não se trata de um elemento

objetivo descritivo. Tampouco essa condição está na cabeça do agente, de modo

que não é um elemento subjetivo do tipo. A condição de alheia diz respeito ao fato

(elemento objetivo), mas sua presença depende de um juízo de valor que se faça

sobre o fato.

Um juízo de valor que se realize especificamente sobre as relações jurídicas

de propriedade que envolvem aquela coisa móvel e o autor da subtração.

Se desse juízo de valor resultar que o autor da subtração detém o direito de

propriedade ou de posse sobre o bem, teremos que a subtração foi de coisa própria

e, portanto, não há crime de furto. Se do juízo de valor resultar que não há direitos

de posse, propriedade e sequer de detenção, então a coisa será alheia em relação

ao agente e termos um crime de furto. Uma vez que fora necessário fazer um juízo

de valor sobre normas ou relações jurídicas, temos que a elementar alheia no crime

de furto (CP, 155) é um elemento normativo do tipo de apreciação jurídica.

Agora, vamos imaginar uma mulher ainda na cama do hospital em que

acabara de dar à luz uma criança. Imaginemos que, ao ver pela primeira vez seu

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filho, a mulher o mata. Considerando o tipo penal do infanticídio (CP, 123),

observamos claramente que uma mulher matou uma criança logo após o parto.

Como é possível saber que a vítima do fato se tratava do próprio filho da

autora? Simples: fazendo um juízo de valor sobre a relação jurídica de parentesco

que une a mulher àquela criança. Concluiremos que se tratava de seu próprio filho

(elemento objetivo normativo de apreciação jurídica).

Outra pergunta: como podemos saber se a mulher estava, exatamente

naquele momento, sob a influência do estado puerperal? Não é possível concluirmos

isso simplesmente “olhando o fato”. Não é algo que esteja simplesmente no íntimo

do agente, como uma intenção ou um especial fim de agir (logo, não se trata de

elemento subjetivo do tipo).

Para se chegar à conclusão de que o fato foi praticado sob a influência do

estado puerperal, é preciso que esse estado seja atestado por meio de um exame

médico pericial. A apreciação, ou seja, o juízo de valor que se deve fazer sobre o

fato tem base em regras técnicas extrajurídicas, afeitas à ciência da medicina.

Portanto, trata-se de um elemento objetivo normativo de apreciação técnica.

Finalmente, vamos novamente imaginar a prática de um furto (CP, 155). O

parágrafo primeiro do art. 155 diz o seguinte: “A pena aumenta-se de 1/3 (um terço)

se o crime é praticado durante o repouso noturno”. Pergunto: o que poderá ser

considerado pelo juiz como um furto praticado durante o repouso noturno? A que

horas a conduta típica do furto terá de ser praticada para ser enquadrada na causa

especial de aumento de pena do CP, art. 155, §1º?

Como bem sabemos, as pessoas se recolhem bastante cedo nas pequenas

cidades do interior paraibano e bastante tarde nas grandes capitais brasileiras.

Considerando isso, se um furto é praticado entre 19h00 e 21h00, podemos

considerá-lo como praticado, nos termos do CP, 155, §1º, “durante o repouso

noturno”?

A resposta a essa pergunta depende de um juízo de valor feito pelo juiz do

caso concreto (ou seja, do intérprete e aplicador da norma) diante da realidade do

local em que o fato foi praticado, considerando o conhecimento que tenha sobre os

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hábitos e costumes daquela comunidade. Entra em ação, nesse caso, a experiência

do magistrado (o aplicador da norma) sobre a cultura do local do crime.

Sendo assim, se furtos com iguais características são praticados exatamente

às 21h00 em São Paulo/PB e São Mamede/PB, os respectivos juízes chegarão à

conclusão de que em São Paulo/PB não poderá ser considerado “furto noturno”, ao

passo que em São Mamede/PB, considerando a cultura local de se acordar antes de

o sol nascer para atividades como ordenha e cultivo da terra, certamente será

aplicável a causa de aumento de pena pela prática do furto durante o repouso

noturno.

Trata-se, aqui, de um elemento objetivo normativo de apreciação com base

em regras de experiência.

Em resumo, podemos assim classificar os elementos do tipo penal:

1. Subjetivos (referem-se às intenções do agente e, a priori e sub censura, a

sua falta de cuidado)

2. Objetivos (referem-se ao fato)

2.1 Descritivos (perceptíveis aos sentidos)

2.2 Normativos (não perceptíveis aos sentidos, exigem do julgador um juízo

de valor sobre...)

2.2.1 De apreciação jurídica (... normas e relações jurídicas)

2.2.2 De apreciação técnica (...questões de ordem técnica)

2.2.3 De apreciação com base em regras de experiência (...a cultura, os

hábitos e os costumes de determinada comunidade).