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ELEMENTOS DIFERENCIADORES ENTRE A NORMA PADRÃO, USADA

NA ESCRITA, E AS FORMAS COLOQUIAIS DA LINGUAGEM ORAL

Janice Titton1

Mirian Martins Sozim2

RESUMO

Escrever bem é importante para o exercício da cidadania. Na prática pedagógica,

porém, se percebe que os estudantes chegam aos anos finais do Ensino

Fundamental com dificuldades de usar a norma padrão na produção textual escrita

quando esta se faz necessária. Com este trabalho, tem-se o objetivo de auxiliar os

alunos de 8ª série a perceberem as diferenças entre a modalidade escrita

referenciada na norma padrão e as formas coloquiais da linguagem falada, bem

como as diferentes situações em que são usadas. Para isso, foram apresentadas

aos alunos algumas diferenças entre as duas modalidades da língua portuguesa e

exemplos de uso delas para que as utilizassem adequadamente em suas

produções. Com essas considerações, os estudantes perceberam que há diferenças

entre as duas modalidades de sua língua, conseguiram diminuir o uso de

expressões próprias da linguagem coloquial em suas produções escritas, apesar de

sentirem dificuldades para usar a norma padrão.

Palavras-chave: linguagem falada, linguagem escrita, norma padrão.

ABSTRACT

Writing well is important for the exercise of citizenship. In teaching practice, however,

it is visible that students come to the final years of elementary school with difficulties

in using the standard norm in written text production when it is needed. This work has

the aim of helping students from grade eight to perceive the differences between the

written modality referenced in the standard norm and the forms of colloquial spoken

language, as well as the different situations in which they are used. For this, some

differences between the two modalities of the Portuguese language and examples of

their use were presented to the students, aiming them to use these forms properly in

their productions. With these considerations, the students realized that there are

differences between the two modalities of their language and they reduced the use of

expressions typical of colloquial language in their written productions, although they

had difficulties to use the standard norm.

Keywords: spoken language, written language, the standard norm.

1 Professora da Rede Pública do Estado do Paraná, Graduada em Letras - Português/Inglês e em Letras - Português/Espanhol e Especialista em Psicopedagogia.

2 Professora Orientadora – UEPG, Doutora em Letras pela UNESP.

2

1 Introdução

Dentro da área de estudo escolhida, Linguística Aplicada e Ensino de Língua

Portuguesa, estabelecendo-se um estudo criterioso pretendeu-se identificar as

várias possibilidades que viessem auxiliar os alunos a observarem, de uma maneira

mais objetiva, as diferenças entre a língua falada no cotidiano e a língua escrita, o

que lhes possibilita usar em suas produções textuais a norma padrão da língua

portuguesa.

Diversos estudos têm demonstrado que os níveis de escolaridade da população

brasileira não evoluem de maneira suficiente3 para permitir uma significativa melhora

na formação humana e na qualificação profissional. Uma parcela considerável da

população está excluída das condições de acesso ao conhecimento sistematizado,

que tem como necessidade ao menos saber ler e escrever.

Ao considerar-se a situação do analfabetismo, os números são alarmantes,

principalmente nos municípios do interior do país. A situação da população quanto à

educação vem sendo demonstrada nas pesquisas do próprio Estado, e os altos

índices de analfabetismo e o baixo desempenho escolar são marcantes. Verifica-se

que, em âmbito nacional, 25,8% da população rural adulta (de 15 anos ou mais) é

analfabeta, enquanto na zona urbana essa taxa é de 8,7%4. No município de São

Mateus do Sul, onde o estudo será desenvolvido, os índices de analfabetismo

também preocupam, como demonstra a tabela abaixo5:

3 Ver, por exemplo, BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Estudos de avaliação da Educação – PISA. Brasília: Inep, 2001.

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Ampliação dos estudos de avaliação da Educação – PISA. Brasília: Inep, 2006.

4 Referência: BRASIL/MEC/INEP, Panorama da Educação do Campo, 2006, p.10.

5 Referência: IPARDES, 2010, p. 29.

3

TAXA DE ANALFABETISMO SEGUNDO FAIXA ETÁRIA - 2000

FAIXA ETÁRIA (anos) TAXA (%)

De 15 ou mais 6,2

De 15 a 19 1,4

De 20 a 24 2,0

De 25 a 29 2,7

De 30 a 39 3,2

De 40 a 49 6,0

De 50 e mais 16,0

FONTE: IBGE – Censo Demográfico

Pode-se ainda ver os dados do Sistema Nacional de Avaliação da

Educação Básica de 2001 (BRASIL, 2003), que evidenciou que junto ao

problema do analfabetismo há outro tão grave quanto, ou mais: 59% dos

estudantes da quarta série do ensino fundamental ainda não desenvolveram

as competências básicas de leitura e 52% demonstram profundas

deficiências em matemática, o que denota que mesmo entre os que têm

acesso à escola há um índice altíssimo de dificuldade de ensino-

aprendizagem. Quando os alunos chegam à 5ª série essas dificuldades são

percebidas e apesar disso muitas vezes não são solucionadas.

Na prática pedagógica cotidiana, também se percebe que, na atualidade, os

estudantes chegam aos anos finais do Ensino Fundamental com algum

conhecimento em relação ao uso de sua língua, mas ainda possuem dificuldades de

compreender o que leem e de usar a norma padrão na produção textual escrita. Os

alunos apresentam em seus textos escritos muitos recursos da linguagem falada e,

com a expansão do uso da internet e de seus recursos, tais como os sites de

relacionamento e de conversas on-line, e com o uso constante de mensagens

através do telefone celular, também usam formas de se expressar específicas

desses meios, sem que percebam a diferença de contexto em que a linguagem está

sendo empregada.

Assim, avalia-se que é necessário proporcionar reflexões sobre a distinção da

linguagem e sua utilização ora de uma forma, ora de outra, visto que em nossa

sociedade ainda se requer o uso da norma padrão na escrita da maior parte dos

4

gêneros textuais, sobretudo como acesso à cidadania, no exercício de muitas

profissões e no desenvolvimento de estudos acadêmicos e científicos.

A proposta em questão justifica-se perante a carência de conhecimento dos

estudantes de 8ª série em relação à norma padrão usada na escrita em geral e nas

falas mais formais, visto que ainda usam em suas produções escritas palavras e

expressões próprias da fala e de variantes da língua usadas coloquialmente na

região.

Como problema 6 para o estudo, coloca-se as perguntas: A formação

educacional nos dias atuais, no tocante à escrita, oferece condições de fazer um uso

que permita suprir as necessidades, nas diversas relações sociais existentes?

Considerando que o aluno acessa o conhecimento tanto popular (ou do senso

comum), quanto o científico, linguagem coloquial e norma padrão, ele sabe fazer a

distinção de uso de uns e de outros nos diversos momentos?

Desta forma, como se pode auxiliar no desenvolvimento da percepção do

estudante permitindo que ele transponha o uso da linguagem falada informal e faça

uso da norma padrão na produção textual escrita quando o gênero textual proposto

a exija?

De acordo com esses questionamentos, os objetivos propostos neste

trabalho são:

- Auxiliar os alunos a perceberem a diferença entre a linguagem falada

coloquial e a linguagem escrita referenciada na norma padrão e as diferentes

situações em que são empregadas essas variantes linguísticas.

- Demonstrar que os textos científicos e o conhecimento historicamente

construído estão sistematizados e escritos na norma padrão e que o conhecimento

de sua organização e articulação, dos termos utilizados e próprios desta norma,

colaboram para a compreensão da realidade em seu conjunto.

- Auxiliar os alunos no uso da norma padrão na produção textual escrita

quando se faz adequada, observando que essa norma universaliza a compreensão

do que for escrito.

6 Sobre os problemas de estudo e sua pertinência ou necessidade, este estudo está apoiado na

concepção presente em SAVIANI, Dermeval. Educação: do Senso Comum à Consciência

Filosófica. 14 ed. Campinas: Autores Associados, 2002, especialmente das páginas 09

a 24.

5

Desta forma, através de pesquisa para conhecer o quanto a linguagem

padrão está presente no cotidiano do aluno, buscou-se conhecer e demonstrar a

presença desta linguagem, fazendo com que ele percebesse a distinção entre a

linguagem falada no dia a dia e a escrita na norma padrão e a importância do uso

adequado delas, bem como com a atividade de leitura de alguns gêneros textuais.

Neste sentido, conseguiu-se fazer com que os estudantes concluíssem que

tais diferenças existem e que é necessário adequar a linguagem e suas formas para

cada situação.

2 A realidade no ensino-aprendizagem de língua materna

Vive-se uma época em que as informações chegam com muita rapidez,

graças às novas tecnologias. Essas informações são as mais variadas possíveis e

de todos os lugares do mundo. Às vezes, as pessoas se sentem alienadas se não

leem ou assistem às notícias do dia. Com tantas novidades e avanços tecnológicos,

muito se fala que os valores, os interesses, as atitudes, os comportamentos, e a

própria sociedade mudaram.

Na área educacional também se percebe que há mudanças e que essas

mudanças fazem repensar os conteúdos ensinados e suas formas de aplicação, sua

relevância entre todos os conteúdos que se pode ensinar dentro do contexto

educacional e social e se é adequado continuar ou não os ensinando.

Há uma cultura já estabelecida nas escolas de que ensinar/aprender Língua

Portuguesa hoje, como língua materna, não é igual à maneira de alguns anos atrás,

pois se percebe que até o modo de falar mudou e que devido à mobilidade,

diversidade e miscigenação cultural da população encontram-se na escola diversos

jeitos de falar a mesma língua, com expressões e variantes próprias das culturas

regionais, variedades de grupos sociais e também individual dos interlocutores.

Este trabalho considera o conceito de variedade linguística apresentado por

Saussure (1996, p. 276) que o define como “o fenômeno de uma língua que sofre

variações ao longo do tempo, do espaço geográfico, do espaço ou estrutura social,

da situação ou contexto de uso”. Considera-se, também, o conceito apresentado no

Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa que define socioleto como:

6

Cada uma das variedades de uma língua us. pelos grupos de indivíduos que, tendo características sociais em comum (p. ex., a profissão, os passatempos, a geração etc.), usam termos técnicos, ou gírias, ou fraseados que os distinguem dos demais falantes na sua comunidade. (HOUAISS e VILLAR, 2009)

O mesmo dicionário apresenta o conceito que se utiliza neste estudo para

idioleto como “o sistema linguístico de um único indivíduo num determinado período

de sua vida, que reflete suas características pessoais, os estímulos a que foi

submetido, sua biografia etc.”.

Trabalha-se muito com a assertiva de que é necessário valorizar todas as

variantes linguísticas, especialmente a linguagem usada pelos alunos, seu idioleto,

concepção aceita neste trabalho, em que se compreende que é fundamental

respeitar as diferentes formas de os alunos usarem a linguagem falada, mas se

acrescenta a isto a incumbência imprescindível que a escola tem de auxiliar os

alunos na apropriação da norma padrão, linguagem do conhecimento historicamente

acumulado e registrado, possibilitando-lhes o acesso a este, bem como o uso desta

linguagem para que sejam capazes de utilizar-se dela em suas produções escritas e

capazes de construir um nível de conhecimento que lhes possibilite condições reais

de inserir-se nessa nova sociedade, dita “do conhecimento” e “da tecnologia”. Neste

sentido, GNERRE explica que:

A linguagem pode ser usada para impedir a comunicação de informações para grandes setores da população. Todos nós sabemos quanto pode ser entendido das notícias políticas de um Jornal Nacional por indivíduos de baixo nível de educação. A linguagem usada e o quadro de referências dado como implícito constituem um verdadeiro filtro da comunicação de informações: estas podem ser entendidas somente pelos ouvintes já iniciados não só na linguagem padrão mas também nos conteúdos a elas associados. (...) Adquirir os conhecimentos relevantes e produzir mensagens está ligado, em primeiro lugar, à competência nos códigos linguísticos de nível alto. Para reduzir ou ampliar a faixa de eventuais receptores das mensagens políticas e culturais é suficiente ajustar a sintaxe, o quadro de referências e o léxico. Uma construção sintática mais complexa pode ser suficiente para dirigir a um grupo mais restrito uma mensagem encaixada de dentro de um discurso

de nível geral muito mais acessível. (GNERRE,1998, p. 21)

Então, trata-se de contribuir para a construção de instrumentos linguísticos

que possibilitem a real inclusão dos estudantes na sociedade através da

compreensão e leitura da realidade, bem como a intervenção social.

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Segundo ILARI e BASSO, o professor de língua materna não tem a função de

iniciar o aluno na prática da língua, pois aos cinco anos a criança já é capaz de usar

a sua língua em diversas situações de forma adequada. Desta forma:

Parece razoável supor que as várias formas de competência com que a criança chega à escola são a matéria-prima com que o professor deverá trabalhar. Idealmente, essa matéria-prima precisa ser trabalhada de modo que a criança possa usá-la para realizar da maneira mais eficaz possível todas as funções próprias da língua: expressar sua personalidade, comunicar-se de maneira eficaz com os outros, elaborar conceitos que permitam organizar a percepção do mundo, fazer da linguagem um

instrumento do raciocínio e um objeto de fruição estética. (ILARI e BASSO

2006, p. 230-231)

A criança vai para a escola com sua língua internalizada e nesse momento é

indispensável que sua capacidade de usar a língua seja valorizada,

independentemente da variedade linguística que ela fala, pois assim se sentirá

segura para continuar se expressando de forma oral e no futuro próximo de forma

escrita. A princípio, a criança vai tentar transcrever sua variedade oral na escrita,

mas ela terá tempo para perceber como passar de uma modalidade para outra e

neste processo deve ocorrer a intervenção da escola para auxiliá-la.

No cotidiano são utilizadas diversas variedades linguísticas de acordo com as

diferentes situações de uso da língua portuguesa, seja a falada ou a escrita, e

conseguir adequá-la para realizar o objetivo ao falar ou escrever depende de

diversos fatores, especialmente do nível cognitivo. Segundo KATO (2005, p. 20),

pode-se considerar para a análise das diversas situações e as variedades

linguísticas diferentes variáveis, que constam como determinantes da forma da

linguagem: “a) as variáveis social e psicológica; b) o grau de letramento; c) o estágio

de desenvolvimento linguístico; d) o gênero; e) o registro; f) a modalidade”.

3 As duas modalidades da língua

Há vários estudos sobre as duas modalidades da língua, a falada e a escrita.

Alguns desses trabalhos comparam as duas modalidades e, às vezes, dão mais

ênfase às suas semelhanças e outras vezes às suas diferenças. Outros negam que

existam diferenças propriamente ditas, e trabalham com especificidades próprias a

cada modalidade, enquanto outros estudos ainda se detêm mais na importância que

ambas têm para a interação social.

8

FÁVERO, ANDRADE e AQUINO (2002, p. 9) apresentam que nas duas

formas, tanto na oral quanto na escrita, o sistema linguístico para a construção de

frases é o mesmo, e concorda que conforme MARCUSCHI (1986, p. 62) “as regras

de sua efetivação, bem como os meios empregados, são diversos e específicos, o

que acaba por evidenciar produtos diferenciados”.

Falar e escrever são atividades diversas: na fala, pensa-se mais no conteúdo

que se quer expressar do que na forma usada, pois parece que a fala está pronta.

Nesta forma de expressão não se dispõe de tempo para pesquisar antes de exercê-

la, por conseguinte o raciocínio deve ser rápido. Já na escrita, dispõe-se de vários

recursos para bem efetuar essa atividade como dicionário, enciclopédia, gramática,

sítios da internet, revisão e reestruturação do texto, dentre outros. Conforme a

análise de FÁVERO, ANDRADE e AQUINO (2002, p. 9) que expõem que “A escrita

tem sido vista como de estrutura complexa, formal e abstrata, enquanto a fala, de

estrutura simples ou desestruturada, informal, concreta e dependente do contexto”,

considera-se a escrita como uma atividade que requer uma aprendizagem mais

detalhada, desde a análise das formas e a escolha das palavras que se considera

mais adequadas, até mesmo pela complexidade de escrever para um interlocutor

que por vezes já está determinado e que outras vezes não se sabe quem seja.

Para as mesmas autoras, há outros elementos diferenciadores das

modalidades que devem ser considerados, sendo as relações sintáticas

imprescindíveis de serem analisadas para que se compreenda as especificidades de

cada uma:

(...) a produção de um texto falado corresponde a uma atividade social que requer a coordenação de esforços de pelo menos dois indivíduos que têm algum objetivo comum. (...) Dado o caráter de imprevisibilidade em relação aos elementos estruturais, o texto falado deixa entrever plenamente seu processo de organização, tornando-se possível perceber sua estrutura, bem como suas estratégias organizacionais. Desta forma, observam-se nesta modalidade de texto muitos cortes, interrupções, retomadas, sobreposições, etc., de onde se deduz que, se o sistema da língua é o mesmo, tanto para a fala quanto para a escrita, as relações sintáticas são de outra ordem. (FÁVERO, ANDRADE e AQUINO 2002, p. 21)

O uso de expressões próprias de um idioleto ou mesmo de determinada

variante linguística que não seja comum aos interlocutores, ou seja, o locutor de um

texto e o leitor desse mesmo texto, pode tornar o texto de difícil compreensão ou até

mesmo incompreensível. O mesmo ocorre com relações sintáticas usadas de formas

9

diversas ou inadequadas, que podem configurar-se em uma barreira na

comunicação. Referindo-se à escrita, FÁVERO, ANDRADE e AQUINO acrescentam

que:

A construção de um parágrafo bem estruturado exige que este apresente unidade, coerência, concisão e clareza, visto tratar-se de uma interação à distância, em que não há possibilidade de participação direta e imediata do

interlocutor, como ocorre no texto oral. (FÁVERO, ANDRADE e AQUINO,

2002, p. 29)

A produção de um enunciado, seja ele escrito ou oral, exige determinada

competência linguística. Sendo esta competência diferenciada em relação às duas

modalidades, em que a atividade intelectual na fala está mais ligada e influenciada

pelo contexto situacional. Já a escrita requer uma competência gramatical e

organizativa de maior profundidade. Segundo as mesmas autoras:

As atividades de formulação tanto ocorrem na produção do texto falado quanto do escrito. Entretanto esta atividade é distinta em cada uma das modalidades da língua. (...) Entendidas desta maneira, as atividades podem ser subdivididas em: a) de formulação stricto sensu, quando o locutor não encontra problemas

de processamento e linearização. b) de formulação lato sensu, quando o locutor encontra problemas de

formulação e deve resolvê-los. As situações que desencadeiam problemas (...) são: hesitações, paráfrases,

repetições e correções. (FÁVERO, ANDRADE e AQUINO 2002, p. 55-56)

Pode-se ainda destacar algumas características sobre a modalidade oral,

apresentadas por FÁVERO, ANDRADE e AQUINO:

Como se pode verificar, as atividades de formulação (hesitação, paráfrase, repetição e correção) desempenham papel considerável entre os processos de construção do texto falado, já que o locutor recorre a essas atividades para formular etapas do desenvolvimento de sua própria construção e/ou da

construção de seu interlocutor. (FÁVERO, ANDRADE e AQUINO 2002, p.

66)

As especificidades diferenciadoras da modalidade escrita em relação à fala,

consideradas como marcos diferenciadores importantes, que foram apontados

acima, próprios e mais recorrentes na fala, normalmente não se efetivam da mesma

forma e com o mesmo significado na escrita, conforme demonstram as autoras

citadas anteriormente:

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No que se refere ao texto escrito, sua formulação exige uma edição final do trabalho, visando a possíveis alterações desta primeira formulação. Isso faz com que o produto textual não permita um resgate de seu processo de produção. Assim, as hesitações, as repetições e as correções não ocorrem no texto escrito, já que são apagadas e/ou substituídas. Quanto à paráfrase, temos uma atividade que permanece na modalidade escrita, embora possa

ser vista de forma um pouco diversa da modalidade oral. (FÁVERO,

ANDRADE e AQUINO 2002, p. 66)

Para apoiar a análise destaca-se o quadro abaixo, organizado por FÁVERO,

ANDRADE e AQUINO, que colabora significativamente para a compreensão desses

dois processos distintos, da produção oral e/ou escrita:

Fala Escrita

- Interação face a face - Interação à distância (espaço-temporal)

- Planejamento simultâneo ou quase simultâneo à produção

- Planejamento anterior à produção

- Criação coletiva: administrada passo a passo - Criação individual

- Impossibilidade de apagamento - Possibilidade de revisão

- Sem condições de consulta a outros textos - Livre consulta

- A reformulação pode ser promovida tanto pelo falante como pelo interlocutor

- A reformulação é promovida apenas pelo escritor

- Acesso imediato às reações do interlocutor - Sem possibilidade de acesso imediato

- O falante pode processar o texto, redirecionando-o a partir das reações do interlocutor

- O escritor pode processar o texto a partir das possíveis reações do leitor

- O texto mostra todo o seu processo de criação

- O texto tende a esconder o seu processo de criação, mostrando apenas o resultado

Fonte: FÁVERO, L.L.; ANDRADE, M.L.C.V.O; AQUINO, Z.G.O. Oralidade e escrita: perspectivas para o ensino de língua materna. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2002, p. 74.

Na escola, a disciplina de Língua Portuguesa tem como Conteúdo

Estruturante o Discurso como prática social. A língua é usada nas duas

modalidades, falada e escrita, como meio de interação social. Assim, MARCUSCHI

(2005, p. 22) sugere que se deve observar e indagar em que contextos e condições

são usadas a oralidade e a escrita, questionando: “(...) quais são as demandas

básicas da escrita em nossa sociedade, relativamente ao trabalho? Em que

condições e para que fins a escrita é usada? Qual a interface entre a escola e a vida

diária no que respeita à alfabetização?”

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É fácil perceber a importância da fala na sociedade, utilizada constantemente,

mas nem sempre se percebe a importância da escrita, visto que nem todos sentem a

necessidade de escrever. Segundo KATO (2005, p. 39), o Brasil é um país de

primazia oral e já que a fala não obedece a todas as regras prescritivas gramaticais,

ela se distancia da linguagem escrita e até pode afetá-la. Isso é perceptível nos

textos escritos produzidos pelos alunos, que registram na escrita algumas formas da

linguagem oral não-padrão pelo fato de usá-las frequentemente na fala. Na escola,

onde os alunos precisam escrever, tem-se o dever de demonstrar-lhes a importância

da escrita, especialmente para o seu desenvolvimento cognitivo e social. Usa-se a

escrita no cotidiano para comunicar-se através de bilhetes, avisos, e-mails,

conversas pela internet, para eternizar o que se vive ou sente em diários, em

convites, cartas para seleção a empregos, concursos públicos, para trabalhos

científicos e para outras finalidades. Assim, a percepção da importância da oralidade

e da escrita deve ser desenvolvida, sendo que, para MARCUSCHI (2005, p. 22): “Na

sociedade atual, tanto a oralidade quanto a escrita são imprescindíveis. Trata-se,

pois, de não confundir os papéis e seus contextos de uso, e de não discriminar seus

usuários.” (grifo do autor)

Aprende-se normalmente a falar em torno de um ano de vida e ao longo dos

anos vai-se desenvolvendo essa habilidade. Há diversas teorias que explicam a

aquisição da linguagem e, embora KATO afirme que essas teorias não tratam de

forma explícita da aquisição da escrita, através delas é possível depreender que:

a) a linguagem escrita é parcialmente isomórfica com a fala; b) processos de compreensão e produção na escrita seguem os mesmos princípios postulados para a fala e podem ser analisados em componentes processuais que lhe são semelhantes; e c) as teorias da aquisição da fala têm também grande relevância para explicar problemas da aprendizagem

na escrita. (KATO, 2005, p.100)

Percebe-se nas escolas uma distância expressiva entre a linguagem falada

pelos estudantes e a escrita nos livros didáticos o que dificulta a produção textual

escrita e, quanto à dicotomia entre a fala e escrita, onde muitos defendem que a fala

influencia a escrita, para KATO,

(...) a fala padrão nada mais é do que a simulação da própria escrita. Esse tipo de simulação tem se aperfeiçoado através do que Ong chamou de tecnologização da fala. Esse autor nos conscientiza para o fato de que meios tecnológicos, como o telefone, o rádio e a TV (principalmente),

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sustentam uma linguagem oral dependente da língua escrita, o que nos faz supor que, a longo prazo, a chamada distinção entre linguagem falada e linguagem escrita tenderá a neutralizar-se, deixando de ser empecilho para o acesso à linguagem prestigiada pela sociedade e, através dela, à

informação. (KATO, 2005, p.23)

Assim, entende-se que há uma inter-relação entre fala e escrita, onde ambas

estão em constante evolução e desenvolvem suas estruturas ao mesmo tempo,

verificando-se que fenômenos de mudança, muitas vezes, apresentam-se

concomitantemente em ambas e que essas sofrem uma influência mútua. Os

fenômenos que surgem em uma, frequentemente são incorporados pela outra.

A escola deve levar em consideração, que muitos de seus alunos encontram-

se afastados do contexto de tecnologização descrito neste trabalho, e não vivenciam

essa aproximação entre as formas oral e escrita exposta acima. A importância da

escola reside então em possibilitar ao aluno o acesso a este universo. Segundo as

Diretrizes Curriculares da Educação Básica,

É na escola que um imenso contingente de alunos que frequentam as redes

públicas de ensino tem a oportunidade de acesso à norma culta da língua,

ao conhecimento social e historicamente construído e à instrumentalização

que favoreça sua inserção social e exercício da cidadania. (PARANÁ, 2008,

p. 53)

Escrever não é uma atividade que se adquire de forma espontânea, copiando

da fala. É necessário desenvolvê-la através da constante prática da escrita. Denota-

se desta forma que, ainda segundo as mesmas Diretrizes Curriculares (2008, p. 54),

no processo de ensino-aprendizagem de língua portuguesa para desenvolver o uso

da língua escrita é necessário considerar diversos fatores que influenciam no ato de

escrever como: os interlocutores, seus objetivos, o assunto tratado e o contexto de

produção. Para escrever é necessário, em primeiro lugar, ter certo conhecimento

sobre o que se vai escrever, ou seja, do tema da produção escrita. Depois se faz um

planejamento mental de como organizar esse conhecimento, que ideias são mais

importantes, que gênero se vai utilizar para atingir o objetivo, que palavras são

adequadas tanto para transmitir as ideias quanto para que o texto tenha coerência e

coesão, qual é a variedade linguística que se poderá usar. Tudo isso parece estar

pronto na linguagem falada, parece fluir automaticamente, mas na escrita exige mais

esforço.

13

Assim, pode-se concluir que tanto a fala como a escrita são habilidades que o

ser humano vai desenvolvendo de acordo com as possibilidades que se lhe

apresentam, do interesse e da necessidade que tem em atingir algum objetivo ao

falar ou escrever, e que quanto mais as pratica e mais as observa, mais se torna

capaz de usá-las eficazmente nas diversas situações.

Embora alguns autores considerem que não há diferenças substanciais entre

as formas oral e escrita, neste trabalho considera-se as especificidades já apontadas

e a necessidade de superação da linguagem coloquial, seja escrita ou falada, em

direção à norma padrão, como meio de inclusão autônoma nas disputas e embates

para a efetivação dos direitos sociais. GNERRE (1998, p. 22) expõem que “A

começar do nível mais elementar de relações com o poder, a linguagem constitui o

arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder.”

Segundo ILARI e BASSO (2006, p. 231), deixar de ensinar o português culto

na escola resultaria em reforçar as situações de exclusão de que sofre o nosso país

através dos séculos, já que a maioria dos textos que se precisa conhecer para

exercer a cidadania foi escrita nessa variedade linguística, como por exemplo: a

legislação em geral, os direitos humanos, os contratos, a literatura e a produção

cultural.

4 Os gêneros textuais:

Uma proposta de trabalho para ensino-aprendizagem de língua materna e

também de língua estrangeira é o estudo dos gêneros textuais, que nesse trabalho

corroboraram para demonstrar as especificidades das modalidades oral e escrita da

língua portuguesa e permitem a produção textual escrita para o uso efetivo da norma

padrão. Para muitos professores e estudantes o estudo dos gêneros é relativamente

recente, embora MARCUSCHI (2009, p.147) afirma que o estudo dos gêneros não é

novo, pois sua observação sistemática iniciou-se com Platão.

Para BAKHTIN, um importante pesquisador da linguagem humana, todas as

áreas da atividade humana estão relacionadas à utilização da linguagem e é através

de enunciados orais ou escritos que o homem se expressa. Assim, apresenta-se o

conceito de enunciado ou gênero do discurso elaborado por ele, que é a base de

seu estudo:

14

Esses enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos – o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional – estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 261)

Assim, cada enunciado apresenta um conjunto de marcas mais ou menos

estáveis que o distingue de outro enunciado, sendo produzidos num determinado

tempo e num determinado espaço, refletindo as condições específicas e as

finalidades de cada uma das esferas sociais.

Neste trabalho, tomam-se alguns conceitos apresentados por MARCUSCHI,

considerados relevantes para o trabalho com os gêneros em sala de aula, já que

foram utilizados três gêneros textuais para o desenvolvimento do projeto: o relato

pessoal, a notícia e a crônica. Para esse autor, “a comunicação verbal só é possível

por algum gênero textual”, percebe-se assim a importância do estudo dos gêneros

para o desenvolvimento do uso da língua nas diversas situações em que é

empregada.

O primeiro conceito a ser apresentado é o conceito de tipo textual. Segundo

MARCUSCHI (2009, p.154): “Tipo textual designa uma espécie de construção

teórica definida pela natureza linguística de sua composição {aspectos lexicais,

sintáticos, tempos verbais, relações lógicas, estilo}.” Não são textos em si, mas

sequências linguísticas usadas nos gêneros textuais. Os tipos textuais são poucos e

conhecidos como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.

O segundo conceito a ser apresentado, e o que mais interessa neste trabalho,

é o de gênero textual. Para MARCUSCHI:

Gênero textual refere os textos materializados em situações comunicativas recorrentes. Os gêneros textuais são os textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas. Em contraposição aos tipos, os gêneros são entidades empíricas em situações comunicativas e se expressam em designações diversas, constituindo em princípio listagens abertas. (MARCUSCHI, 2009, p. 155)

15

Os gêneros textuais são desse modo as formas textuais escritas ou orais ou

ainda intermodais encontradas no cotidiano. Há muitos gêneros textuais em

circulação, alguns acabam sendo pouco usados, outros estão sempre presentes no

dia a dia, alguns surgem repentinamente. Essas formas textuais são bastante

estáveis para serem identificadas como um determinado gênero e não como outro,

são formas histórica e socialmente situadas. Pode-se citar como exemplos de

gêneros: telefonema, relato pessoal, notícia, carta pessoal, carta comercial, resenha,

crônica, poema, etc.

Em sala de aula utilizam-se diversos gêneros textuais e há alguns mais

usados na leitura e há outros que são mais usados na produção textual, de acordo

com as características de cada um, com a finalidade, com o assunto, com o

interlocutor, etc. Observa-se que os mais utilizados são os gêneros escritos, dada a

importância da escrita na sociedade e pelo fato de os estudantes quase só

escreverem na escola.

Pode-se ainda ressaltar que segundo MARCUSCHI (2009, p.159): “... gêneros

não são entidades formais, mas sim entidades comunicativas em que predominam

os aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos.” Assim sendo, é por

meio dos gêneros textuais que os homens se comunicam verbalmente, seja pela fala

ou pela escrita, usando o gênero adequado para cada situação de comunicação.

5 Implementação do projeto e uso do material didático

O Projeto de Intervenção Pedagógica foi implementado no Colégio Estadual

Duque de Caxias, em São Mateus do Sul, com alunos de 8ª série do Ensino

Fundamental. O material didático produzido e usado na implementação foi

facilmente entendido pelos estudantes, já que os conceitos e atividades foram

produzidos com uma linguagem simples, próxima deles, clara e objetiva. De modo

sucinto foram implementadas as seguintes propostas, através das ações descritas

abaixo:

AÇÃO 1 – Pesquisa para verificar nível de leitura e relações possíveis com o

desenvolvimento da linguagem:

Foi feita uma pesquisa através de questionário para saber quantos alunos

têm acesso à leitura de revistas, jornais, livros e gibis, ao uso de celulares e

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computador, a que programas de televisão assistem e quanto tempo estão

submetidos a estes meios de comunicação para observar a influência que esses

exercem no desenvolvimento da linguagem e de seu uso, bem como observar qual a

linguagem utilizada nestes meios.

Com a aplicação do questionário, pôde-se constatar que:

- Todos os alunos consideram importante ler e quase todos afirmam que

gostam de ler.

- Apesar de gostarem de ler, os estudantes não leem jornais e quase não

leem livros. É mais frequente a leitura de revistas e gibis.

- A maioria dos estudantes usa celular e envia mensagens através dele. O

contato com a internet é através de pesquisas no sítio de buscas Google, segundo

eles.

- O rádio e a televisão estão presentes em programas de auditório, novelas e

programas juvenis. Não relataram que assistem a telejornais.

- Poucos alunos escrevem textos fora da escola.

AÇÃO 2 – Contação de histórias:

Alguns estudantes contaram oralmente para os colegas um episódio

marcante de sua infância, sendo que a contação destas histórias foi gravada em

formato de áudio, com o intuito de verifica, posteriormente, as diferenças entre a

história contada oralmente e a escrita.

Os estudantes em geral gostam de contar fatos que aconteceram com eles

ou que presenciaram, mas poucos deles aceitaram que sua história fosse gravada,

pois imaginaram que sua forma de falar poderia ser avaliada e assim não se

sentiram à vontade para tal proposta. Esse receio em ser gravado já demonstra que

há uma preocupação com a própria fala por parte dos estudantes, já que a contação

de história aos demais como atividade escolar não é um fato corriqueiro do

cotidiano, e os próprios estudantes ao perceberem este fato buscam adequar sua

linguagem preocupando-se em aproximá-la da norma padrão.

AÇÃO 3 – Atividade de formulação escrita:

Os estudantes escreveram livremente um fato acontecido em sua infância,

sendo que os que contaram oralmente o episódio, registraram por escrito essa

17

mesma história para que se pudesse fazer uma comparação entre a história contada

e a história escrita.

Todos realizaram prontamente essa atividade, sem os frequentes

questionamentos: “Tem que escrever? O que escrever? Pode inventar? Que tipo de

texto produzir? Quem vai ler? Quantas linhas?”, como se essa tarefa não exigisse o

mínimo esforço.

Diferente das demais situações de produção textual, provavelmente toda

essa prontidão em escrever, foi pelo motivo de já terem em mente a história a ser

escrita e por terem a oportunidade de contar algo vivido por eles. Estando a história

pronta, fica muito mais fácil e confortável apenas pensar em como transmiti-la

através da escrita, do que ter também que pensar no conteúdo a escrever.

AÇÃO 4 – Atividade de comparação entre modalidades escrita e falada:

Os textos produzidos foram analisados pela professora para a identificação

do uso de palavras e construções populares e palavras, expressões e organização

próprias da fala, confrontando ainda com a linguagem dos meios de comunicação

tecnológicos citados acima, para a observação do uso dessas expressões e a futura

adequação delas à norma padrão.

Em seguida, foram ouvidas novamente as histórias contadas gravadas em

áudio e feita a análise das diferenças encontradas entre as histórias contadas e as

escritas. Entre essas diferenças, podem-se destacar algumas: na fala o plural é

marcado somente no artigo, há diversos recursos de sustentação da fala como “né”,

“entendeu”, “daí”.

Na produção textual escrita, pôde-se observar que há a presença constante

de palavras e expressões próprias da fala e também palavras usadas para enviar

mensagens através de celular como “vc” em vez de “você” e “pq” em vez de

“porque”.

As atividades propostas e realizadas referidas acima serviram para iniciar a

observação das formas coloquiais mais utilizadas no dia a dia, sendo que as

histórias gravadas foram comparadas com as histórias escritas.

As ações abaixo serviram para solidificar o conhecimento adquirido na

percepção das diferenças da fala e escrita, bem como a importância do uso

adequado da língua nas diversas situações empregadas.

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AÇÃO 5 – Observações orientadas e dirigidas para identificar

especificidades das diferentes situações de uso da língua:

Os alunos foram orientados para observarem algumas construções próprias

da fala encontradas nos textos, verificando o que os estudantes já reconheciam.

Quase todos afirmaram que existem diferenças entre fala e escrita, mas a princípio

perceberam apenas o acréscimo do “i” em diversas palavras, como por exemplo:

“trêis”, “nóis”, “vocêis”. Depois, foram mostradas outras: a supressão do “r” no final

dos verbos no infinitivo e do “s” no final dos verbos no presente do indicativo e no

pretérito perfeito na primeira pessoa do plural; o uso da expressão “a gente” no lugar

do pronome “nós” e outras palavras que usamos cortadas na fala como: “péra” em

vez de “espera” e “tá” em vez de “está”.

Foram trabalhadas explicações sobre algumas diferenças entre linguagem

falada e escrita: uma importante diferença é a da interação, que na fala os

interlocutores estão face a face (comunicação síncrona) e na escrita essa interação

não acontece no mesmo espaço e no mesmo tempo (comunicação assíncrona). Por

essa razão, o texto escrito tem que ser muito claro e objetivo para que o interlocutor

possa compreender o que foi escrito, pois não há como perguntar o que ele quis

dizer, nem como mudar de opinião caso o leitor não goste do que foi escrito. Outra

importante diferença é que na escrita pode-se consultar diversas fontes para melhor

se expressar, podendo reescrever o que não ficou bom. Na fala depois de ter dito

algo, não há possibilidade de apagar o que foi dito e, desse modo, é necessário

pensar bem antes de emitir as ideias.

AÇÃO 6 – Atividades de reconhecimento e apropriação dos elementos

importantes para a produção textual:

Para reestruturar os textos também era necessário explicar os diversos

passos que se segue para produzir um bom texto. Em primeiro lugar, qual é o

assunto, que nesse caso era conhecido pelos estudantes, que gênero de texto

produzir e suas características, quem seria o receptor dele e que linguagem usar.

Para começar, foi lido um relato pessoal escrito por Ziraldo. Esse relato foi

comentado e depois de explicados os elementos estruturais de um relato pessoal, os

estudantes identificaram-nos. Os estudantes trabalharam em duplas para que um

aluno analisasse o texto do colega sob o ponto de vista da presença dos elementos

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estruturantes do relato pessoal, como: personagens, tempo, espaço, conflito,

narrador e deixando de lado nesse momento os outros aspectos.

Os estudantes conseguiram identificar os elementos estruturantes do relato

produzido pelo colega sem dificuldades, pois este gênero textual é conhecido por

eles e foi escrito com uma linguagem do cotidiano. A maior parte dos textos

apresentava os elementos essenciais a este gênero, apenas alguns relatos não

mencionaram o tempo e diversos não tinham título.

AÇÃO 7 – Elaboração e reelaboração de textos escritos e uso da linguagem

segundo intenção dos autores:

Depois de feitas todas as considerações descritas anteriormente, os alunos

foram orientados para a reescrita das histórias, incentivando-os a usarem os

elementos da linguagem escrita, buscando usar a norma padrão e complementando

com os elementos que faltavam.

Na reestruturação dos textos produzidos, após essas observações sobre as

palavras próprias da fala e com o uso de dicionário, os alunos conseguiram

substituí-las por palavras e expressões na norma padrão. Uma das grandes

dificuldades foi usar adequadamente os pronomes oblíquos.

O relato pessoal foi trabalhado de três formas diferentes: primeiramente

contado oralmente e depois por escrito e finalmente lido um relato pessoal para sua

observação. A notícia foi lida, comentada e sua linguagem observada. A crônica foi

trabalhada através da leitura e interpretação, do estudo e identificação de seus

elementos estruturais e depois através da produção a partir do relato pessoal ou de

outro acontecimento.

AÇÃO 8 – Atividade de leitura e escrita com novo gênero textual:

Leitura do gênero textual notícia para que pudessem observar sua estrutura

e algumas características da linguagem usada em sua escrita.

A notícia, disponível pela internet, era sobre a comemoração dos cinquenta

anos do Parque da Tijuca e foi escolhida por se passar na mesma cidade em que se

passou a história da crônica escolhida para ser lida posteriormente. A leitura da

notícia foi feita no laboratório de informática, para que além de ler a notícia, os

alunos pudessem ver fotos dos lugares onde se passaram os acontecimentos.

Foram feitos comentários da notícia e dos lugares vistos. Após as atividades de

identificação das principais informações contidas na notícia, foi observada a

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linguagem usada e a ausência de gírias e de expressões populares. Também foram

observados os elementos estruturais da notícia que por ser narrativa contém:

espaço, tempo, personagens, fato, etc., ressaltando que ela permite contar fatos da

realidade e seu objetivo é informar.

AÇÃO 9 - Atividade de leitura e escrita com novo gênero textual:

Leitura de uma crônica para que pudessem observar seus elementos

estruturais e algumas características da linguagem usada em sua escrita.

A crônica apresentada aos adolescentes é “O homem que se evadiu”, de

Dinah Silveira de Queiroz. Esse texto foi lido sem explicações, os alunos

comentaram o seu assunto e depois, através de atividades escritas, fizeram a sua

interpretação e a identificação de seus elementos como: o espaço, o tempo, as

personagens, o conflito. Este gênero textual também possui uma variedade de

sequências tipológicas, em que predominam narrações, mas por ser ficcional tem

finalidade artística. Geralmente é escrito a partir de um acontecimento real do

cotidiano que poderia ter acontecido com qualquer pessoa, inclusive com o leitor, e

assim leva o leitor a fazer uma reflexão sobre as atitudes do ser humano.

AÇÃO 10 – Reconhecimento das especificidades e semelhanças dos

diferentes gêneros textuais trabalhados:

Os estudantes foram orientados para a percepção dos diferentes gêneros

textuais, de suas estruturas e de seus diferentes objetivos e também das diferentes

linguagens empregadas. Propôs-se aos estudantes que comentassem esses textos

para sua efetiva compreensão.

Ao serem questionados, os estudantes observaram que na notícia e na

crônica lidas, não há uso de gírias e de expressões populares e que a linguagem

usada é a norma padrão, norma própria para esses gêneros textuais.

Na sequência, para consolidar a percepção das diferenças descobertas,

foram propostas as seguintes atividades:

AÇÃO 11 – Produção textual em gênero textual específico:

A partir do relato pessoal já trabalhado ou a partir de outro fato, cada

estudante produziu uma crônica, observando a linguagem a ser empregada bem

como os elementos estruturantes deste gênero textual.

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O primeiro elemento necessário para se produzir uma crônica é ter em

mente um fato que é ou poderia ser real e inusitado. Esse fato os alunos já o

possuíam: o fato contado no relato pessoal. Se quisessem também poderiam usar

outro. A partir desse fato deveriam mostrar seu ponto de vista acerca dele,

proporcionando ao leitor uma reflexão sobre o comportamento humano. Geralmente

a crônica provoca, antes dessa reflexão, o riso, por ser contada de uma maneira

humorística. Provocar o riso, segundo os alunos, não é nada fácil. Ao produzirem

esse texto, estavam orientados para observarem tudo o que foi estudado com o

desenvolvimento do projeto que referenciou este trabalho e assim poderem escrever

de forma mais adequada.

AÇÃO 12 – Leitura da produção escrita e análise coletiva:

Os estudantes foram incentivados a realizarem a leitura de seu texto para os

colegas. Alguns estudantes leram seus textos para os colegas e os que não

quiseram ler oralmente trocaram seu texto com o do colega para que todos os textos

produzidos fossem lidos. Através da leitura oral alguns alunos perceberam que o

que escreveram em algumas ocasiões é difícil de ser entendido pelo leitor, pois

reliam para eles mesmos compreenderem.

AÇÃO 13 – Análise do uso da língua na produção textual escrita:

As crônicas produzidas foram analisadas pela professora para verificar se

houve um menor uso de expressões próprias da fala e dos meios de comunicação

em comparação com os relatos pessoais produzidos antes das explicações.

Após a implementação do projeto, pôde-se constatar que depois da

realização das atividades, passando pela observação da realidade no momento

inicial e inseridos os conceitos e diferenças sobre língua falada e escrita, os alunos

percebem que as diferenças entre as duas modalidades existem, que é necessário

fazer o uso adequado da língua em cada situação, e que é necessário estar mais em

contato com a norma padrão para poder utilizá-la quando for requerida, pois

sentiram dificuldades em usar na produção escrita algumas expressões que

raramente são usadas na fala cotidiana, como por exemplo, os pronomes oblíquos,

que exercem a função de complemento ou de adjunto na frase.

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6 Discussões no Grupo de Trabalho em Rede (GTR)

No Grupo de Trabalho em Rede (GTR), curso oferecido aos professores da

rede estadual de ensino, em sua maioria professores de Português, propôs-se uma

discussão sobre o Projeto de Intervenção Pedagógica que compôs a realização do

estudo que originou o presente trabalho, para que houvesse uma interação entre os

participantes, contribuindo para a ampliação das ideias relacionadas à temática

proposta. Tratou-se nessa fase da relevância da diferenciação entre as duas

modalidades da língua, para auxiliar os estudantes a usarem a norma padrão em

suas produções textuais escritas, quando o gênero a exige.

Através da interação dos professores, observou-se que todos ressaltam a

importância da distinção entre as duas modalidades da língua, embora alguns

considerem que a fala sempre é espontânea e coloquial, não havendo a observação

de que ela também possa ser efetuada de forma mais elaborada, mais próxima da

norma padrão, como por exemplo, numa palestra acadêmica ou para intelectuais.

Na segunda proposição, tratou-se da aplicabilidade do material didático

produzido, sendo que tal material foi escrito com o objetivo de o aluno poder ler e

refletir sobre as duas modalidades da língua, num curto espaço de tempo, ler alguns

textos escritos na norma padrão e observar algumas de suas características para

depois poder produzir textos escritos usando uma linguagem mais adequada. Pela

razão de o tempo disponível ser curto, essa unidade didática foi escrita utilizando-se

uma linguagem acessível e na sequência alternada de atividades de leitura,

atividades orais (fala), apresentação e discussão, produção textual, análise, novas

leituras, reelaboração escrita, novas análises e apresentações pela leitura para

novas sínteses.

A Produção Didático-Pedagógica, em análise, está, ao ver dos professores

participantes, coerente com a proposta de ensino estabelecida pela SEED através

das Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua Portuguesa, pois trabalha com uma

sequência didática que apresenta conceitos e atividades com gêneros textuais. Em

relação às atividades propostas, verifica-se que partir da linguagem coloquial com a

contação de histórias, por ser mais usada na realidade do educando, para depois

realizar o trabalho com a escrita foi bem sucedida, pois deu segurança para os

estudantes contarem suas histórias pensando mais no conteúdo do que na forma de

se expressar. Através da comparação de alguns relatos contados oralmente com

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esses mesmos relatos registrados por escrito, pôde-se fazer a observação prática de

algumas diferenças existentes entre a linguagem falada e a escrita. Embora, se

saiba que leva algum tempo para que essas diferenças sejam assimiladas, é

necessário tratar delas constantemente.

Por fim, através de algumas conclusões iniciais acerca da implementação do

projeto com o uso do material didático, os participantes ressaltaram alguns aspectos,

sobretudo que a realidade é preocupante, pois apesar de os alunos saberem da

importância da leitura para o seu desenvolvimento, pouco leem, isso seja talvez pela

facilidade que é estar na frente de uma televisão e receber tudo pronto, sem nenhum

esforço. Acredita-se que essa dificuldade de usar adequadamente a linguagem, seja

pelo pouco contato e pouco uso de formas diferentes da linguagem coloquial.

Acredita-se que a presença de gírias e de expressões próprias da fala na

escrita seja pelo pouco contato e pelo pouco uso da linguagem padrão, já que os

alunos leem pouco e o pouco que leem muitas vezes está escrito em linguagem

coloquial, como os gibis. Por isso, é necessário que na escola eles leiam textos

escritos na norma padrão e que seja incentivado o seu uso na produção escrita.

Afirmou-se que os resultados obtidos com a implementação do projeto na

escola foram relevantes e significativos, visto que os alunos perceberam algumas

diferenças entre a linguagem falada e a escrita e que ao reescreverem seus textos

conseguiram diminuir o uso de expressões próprias da fala. Quanto à leitura,

ressaltou-se que é possível interferir nessa realidade, inserindo atividades

motivadoras, que além de incentivar os alunos a ler e a produzir textos, façam com

que reflitam o quanto a leitura é fundamental para produzirem melhores textos, pois

ela auxilia na apropriação da norma padrão que é a utilizada neles.

7 Considerações finais

Partindo da realidade atual, em que se percebe a dificuldade que os

estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental possuem para produzir textos

escritos e usar a linguagem adequada, foi proposta uma forma de auxiliá-los no uso

da norma padrão em suas produções quando o gênero textual produzido a requer.

Uma das formas encontradas para esse propósito foi fazer uma distinção

entre a linguagem falada e a escrita, pois há diversas visões sobre as formas de

usar a língua tanto a falada quanto a escrita. Muitas vezes, os alunos acreditam que

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não sabem falar português e menos ainda escrever, pois há uma certa distância

entre a linguagem falada no seu cotidiano e a escrita nos textos em que leem na

escola. Eles precisam saber que a língua é a mesma, mas que há variantes e que

para cada situação deve-se usar a adequada a ela e que algumas têm mais

prestígio que outras.

As duas modalidades da língua, a falada e a escrita, não se opõe, mas se

influenciam continuamente. Observar suas especificidades é um importante meio de

auxiliar os alunos na compreensão de seus usos, de suas semelhanças e diferenças

para melhor atingir os objetivos que se tem ao falar ou escrever.

O trabalho com os gêneros textuais também corrobora na aplicação desse

trabalho, possibilitando através da leitura deles a observação da linguagem usada

em cada um deles, sendo que a maioria usa a norma padrão, que permite

universalizar o que se escreve. Para a produção textual escrita é necessário

conhecer os elementos estruturais do texto proposto para que a produção seja

adequada para atingir seus objetivos.

Com este trabalho pôde-se concluir que é necessário que se faça

constantemente uma diferenciação entre as duas modalidades da língua e de seu

uso para que os estudantes tenham em mente que ao produzir um determinado

gênero textual escrito é necessário adequar a linguagem a esse gênero, já que

geralmente se requer o uso da norma padrão. Para poder usar essa norma na

produção textual é preciso muito contato com ela, através de muitas leituras e

estudos, pois é uma linguagem que os alunos quase só têm contato na escola e

muito pouco fora dela.

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