eleição de 1989, e a influência do debate editado pela rede globo

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Faculdade Estácio de Sá Eleição de 1989, e a influência do debate editado pela Rede Globo 1 Alan Domingues Santos 2 Gilvan Araújo 3 Faculdade Estácio de Sá – Belo Horizonte Resumo Este artigo tem como objetivo analisar o papel desempenhado pela mídia nas eleições de 1989. Mas não de uma forma abrangente. O foco é avaliar o grau de influência da versão editada do debate realizado pelas quatro principais emissoras daquele período – Bandeirantes, Manchete, Globo e SBT – e que a Rede Globo exibiu em seu telejornal de maior audiência, o Jornal Nacional, bem como se existiu um favorecimento da emissora ao candidato Fernando Collor de Melo Palavras-chave: Debate, Rede Globo, eleição, Collor, Lula A eleição de 1989 veio como uma notícia nova para a política brasileira, pois representava o retorno da tão esperada eleição direta para Presidente da República após 21 anos de ditadura militar (1964-1985). Como era para disputar apenas o cargo de presidente, o pleito ficou conhecido como “eleição solteira”. Era a primeira vez que 70% dos eleitores compareciam à urna para escolher um presidente. Outra novidade desta eleição foi o uso da mídia (em especial a televisão) como principal meio de divulgação dos candidatos e suas campanhas. Segundo Avelar (1992, p. 49), “a TV passou a ser o centro das informações políticas dos eleitores, e poucos discordariam do fato de que, dentre todos os meios de comunicação, a TV se tornou o mais poderoso”. Grandes conglomerados de comunicação já haviam se estabelecido à época, como as Organizações Globo, de propriedade de Roberto Marinho, falecido em 6 de agosto de 2003, e que abrangia inúmeras emissoras de TV, 1 Trabalho apresentado em cumprimento parcial às exigências do curso de graduação em Comunicação Social (Jornalismo) da Estácio Ensino Superior - Belo Horizonte para a obtenção do grau de bacharel. 2 Estudante do oitavo semestre do curso de Comunicação social/ Jornalismo da Faculdade Estácio de Sá – Belo Horizonte email: [email protected] 3 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Faculdade Estácio de Sá – Belo Horizonte. Email: [email protected] 1

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Este artigo tem como objetivo analisar o papel desempenhado pela mídia nas eleições de 1989. Mas não de uma forma abrangente. O foco é avaliar o grau de influência da versão editada do debate realizado pelas quatro principais emissoras daquele período – Bandeirantes, Manchete, Globo e SBT – e que a Rede Globo exibiu em seu telejornal de maior audiência, o Jornal Nacional, bem como se existiu um favorecimento da emissora ao candidato Fernando Collor de Melo

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Page 1: Eleição de 1989, e a influência do debate editado pela Rede Globo

 Faculdade Estácio de Sá 

Eleição de 1989, e a influência do debate editado pela Rede Globo1

Alan Domingues Santos2

Gilvan Araújo3

Faculdade Estácio de Sá – Belo Horizonte

Resumo Este artigo tem como objetivo analisar o papel desempenhado pela mídia nas eleições de 1989. Mas não de uma forma abrangente. O foco é avaliar o grau de influência da versão editada do debate realizado pelas quatro principais emissoras daquele período – Bandeirantes, Manchete, Globo e SBT – e que a Rede Globo exibiu em seu telejornal de maior audiência, o Jornal Nacional, bem como se existiu um favorecimento da emissora ao candidato Fernando Collor de Melo

Palavras-chave: Debate, Rede Globo, eleição, Collor, Lula

A eleição de 1989 veio como uma notícia nova para a política brasileira,

pois representava o retorno da tão esperada eleição direta para Presidente da

República após 21 anos de ditadura militar (1964-1985). Como era para

disputar apenas o cargo de presidente, o pleito ficou conhecido como “eleição

solteira”. Era a primeira vez que 70% dos eleitores compareciam à urna para

escolher um presidente. Outra novidade desta eleição foi o uso da mídia (em

especial a televisão) como principal meio de divulgação dos candidatos e suas

campanhas. Segundo Avelar (1992, p. 49), “a TV passou a ser o centro das

informações políticas dos eleitores, e poucos discordariam do fato de que,

dentre todos os meios de comunicação, a TV se tornou o mais poderoso”.

Grandes conglomerados de comunicação já haviam se estabelecido à

época, como as Organizações Globo, de propriedade de Roberto Marinho,

falecido em 6 de agosto de 2003, e que abrangia inúmeras emissoras de TV,

                                                            1 Trabalho apresentado em cumprimento parcial às exigências do curso de graduação em Comunicação Social (Jornalismo) da Estácio Ensino Superior - Belo Horizonte para a obtenção do grau de bacharel.

2 Estudante do oitavo semestre do curso de Comunicação social/ Jornalismo da Faculdade Estácio de Sá – Belo Horizonte email: [email protected]

3 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Jornalismo da Faculdade Estácio de Sá – Belo Horizonte. Email: [email protected]  

 

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rádios, revistas e jornais. A Rede Manchete presidida por Adolpho Bloch; o

Sistema Brasileiro de Televisão, presidido pelo empresário Senor Abravanel,

mais conhecido como Sílvio Santos; a TV Bandeirantes, da família Saad;

Grupo Folha de Octavio Frias de Oliveira; o Grupo Estadão; a Revista Veja do

grupo Abril de Roberta Civita, Revista Istoé são alguns que destacavam na

época.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE), a população rural brasileira representava 55,3% da população na

década de 60 caindo para 32,4% em 1980. Tal migração imprimiu à população

oriunda das zonas rurais acesso à cultura urbana. Uma das características

adotadas pelos migrantes foi o aumento do consumo de eletrodomésticos,

entre eles a televisão. A mesma pesquisa constatou o aumento do índice da

população que tinha acesso à televisão. Em 1964, apenas 10% da população

urbana possuíam TV em casa. Em 1989, esses eletrodomésticos já estavam

presentes em 71,5% dos lares brasileiros.

Além da volta à democracia, a eleição de 1989 também ficou marcada

por acusações de tentativa de manipulação da Rede Globo de Televisão para

favorecer o candidato do PRN, Fernando Collor de Mello. A edição do debate

exibida no dia seguinte a sua realização e às vésperas da eleição, teria sido

favorável ao candidato do PRN e desfavorável ao candidato do PT, Luis Inácio

Lula da Silva. As suspeitas ficaram evidenciadas, segundo os críticos, com a

vitória de Collor nas urnas.

O primeiro turno contou com a presença de 22 candidatos, sendo

que Collor (PRN) e Lula (PT) seguiram adiante para o segundo turno obtendo

28,52% e 16,08% dos votos respectivamente.

O Brasil de 1989 era completamente diferente daquele que elegeu o

último presidente pelo voto direto em 3 de outubro de 1960. De acordo co

Nêumanne (1989, p. 9), o Brasil tinha uma economia mais complexa, o dobro

da população de 1960 e um eleitorado cinco vezes maior, inchado pela

incorporação de mais de três milhões de jovens eleitores com idade entre 16 e

18 anos, um benefício da nova Constituição de 1988.

O fim do bipartidarismo, obra da reforma política do General Figueiredo

em 1980, teve intenso reflexo na primeira eleição direta depois da ditadura.

 

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Foram 22 partidos concorrendo diretamente, fora aqueles que faziam parte de

coligações, e outros dez que não conseguiram obter registro nem mesmo para

entrar na cédula (em 1989 ainda não existia a urna eletrônica). Número

exorbitante se comparado à última eleição direta na qual concorreram somente

Jânio Quadros, Adhemar de Barros e Henrique Lott.

Qual a explicação para o aumento pela disputa pelo poder e tamanho

interesse pela vida política? Uma possível resposta pode estar no fato de que

a política é uma prática inerente ao ser humano na qual pode ser vinculada

com a aquisição e ostentação de poder. Naquele cenário de 1989, de enorme

desigualdade e domínio do poder autoritário, nas mãos dos militares,

podemos nos apoiar na teoria de Focault (1988, p. 88-90) que explana melhor

a enorme pretensão pelo cargo de presidente. Para o escritor francês “o poder

se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e

móveis; (...) o poder vem de baixo”. Numa conjuntura de enorme

descontentamento com a forma de governo, o contexto político, social e

econômico do Brasil em 1989 formava um cenário propício para o surgimento

de novos personagens aspirantes ao poder, alguns velhos conhecidos da

política nacional, outros emergindo das camadas mais baixas se dizendo

legítimos representantes do povo.

Segundo Focault, “o poder está em toda parte” (ibidem, p. 89). Sendo

assim, ninguém está livre dele. E “onde há poder, há resistência”. Resistência

que em 1989 se viu com sede desde poder.

O campo político apresenta uma estreita relação com o poder. Poder

definido por Hobbes (apud BOBBIO, 1995, p. 954) como "consistente nos

meios adequados à obtenção de qualquer vantagem". Por meio do poder,

sobretudo o poder político, conforme defende Marx (apud CHAUÍ,2006. p.1), a

autoridade atua de forma a obrigar o povo a uma obediência, inclusive pelo uso

legal da força “por meios dos instrumentos jurídicos postos pela classe

dominante de uma sociedade” (ibidem, p. 1)

Assim, Collor de Melo utilizou toda vantagem que possuía (boa formação

escolar, nível social e econômico alto, juventude e boa aparência) - para

investir intensivamente em sua campanha presidencial, mesmo sendo

desconhecido por muitos no cenário político nacional.

 

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Começou a ganhar notoriedade após ser capa da Revista Veja, em

março de 1988, com título de “O caçador de Marajás”. O apelido, que foi usado

como um dos slogans na campanha presidencial de 1988 é pelo fato de Collor

ter combatido os super salários e o empreguismo no funcionalismo público em

Alagoas, estado em que era governador. Conforme noticiou a Revista Veja na

época, Collor conseguiu conquistar a simpatia dos alagoanos e ampliar a sua

popularidade no Brasil “num fenômeno tão curioso quanto inesperado”.

Conforme fez questão de destacar na publicação, a Revista afirma ainda que

“foi ele quem descobriu primeiro e usou melhor a mina de impacto político que

pode ser aberta com uma boa caçada aos marajás do serviço público. Essa foi

sua obra e esse é o seu segredo.” (REVISTA VEJA, 1988, p.38)

Seguindo a lógica de Gomes (2004, p. 294), Collor era um “bom poeta”,

pois sabia se portar diante do público e principalmente da imprensa. Na

concepção do autor, um bom poeta “é aquele que domina a tal ponto a sua arte

que o seu produto, encenação ou narração que seja, desencadeia um efeito

emocional e/ou cognitivo no ânimo do leitor ou espectador”. Collor tinha uma

imagem bem mais jovem que os seus principais adversários. Grande parte da

população via naquele sujeito, que por diversas vezes teve o seu lado de

atleta, viril e aguerrido destacados em capas de revistas e demais órgãos da

imprensa, como a esperança de ser “a salvação para o país.” Collor procurou

edificar sua imagem conforme os anseios da população.

Enquanto seu principal opositor, o ex-metalúrgico Luis Inácio Lula da

Silva, tinha uma aparência mais velha, assim como os demais candidatos.

Além de não ter o mesmo nível de escolaridade de Collor, nem de pertencer a

mesma classe social, uma vez que Lula fazia parte de uma família de

emigrantes do sertão de Pernambuco. Sua aparência física era de um homem

sofrido, ressaltado pela barba mal feita e uma voz rouca, língua presa e uma

oralidade cheia de falhas no uso da língua portuguesa. Além disso, não

possuía um dos dedos de uma das mãos, perdido em um acidente de trabalho

quando era metalúrgico.

As características e defeitos de cada candidato constituem a imagem

formada sobre eles pela grande mídia, principalmente as diferenças sociais

entre os dois. Collor não só contou com o apoio dos grandes veículos,

 

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sobretudo a Rede Globo de Televisão, como investiu pesado em sua imagem

para aproximar-se do leitor. Conforme cita Gonçalves (apud RUBIM, 1995,

p.159), “fascinado pelo culto ao marketing, o ex-presidente Fernando Collor de

Melo fez de tudo para atrair a atenção em tempo integral das câmeras de TV”.

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, em 27 de julho 1989,

Marinho deixa explícito seu apoio a Collor, tendo como respaldo o bem do país:

“Eu vou influir o máximo possível a favor dele. Procurarei ser um homem

consultivo, a favor da construção de um Brasil melhor”, declarou. (FOLHA DE

SP, 1989, p. 13)4.Na mesma entrevista, Marinho não escondeu que mantinha

contato frequente com Collor, inclusive afirmou ter recebido-o duas vezes.

Conti (1999, p. 133) relata um ponto importante desta eleição que foi a

revelação pela reportagem do Jornal do Brasil, no dia 26 de abril, da existência

de uma filha natural de Lula, Lurian Cordeiro, de 15 anos, filha da enfermeira

Miriam de Carvalho, com quem Lula teve um caso no período entre a morte de

sua primeira mulher e o segundo casamento com Marisa, sua atual esposa.

“Lurian não era propriamente um segredo. Seu nome já constava, por exemplo,

da biografia resumida, que o deputado apresentara no livro, reunindo os perfis

dos parlamentares que redigiram a Constituição de 1988” (Nêumanne,1989 p.

75)

O fato foi explorado por Collor durante a campanha. E no dia 12 de

dezembro, foi exibido um depoimento de Miriam durante o horário eleitoral

gratuito do candidato do PRN no qual ela relata que o petista havia oferecido

dinheiro para abortar a filha dos dois, além de acusá-lo de racista. Ainda

segundo a matéria da Folha, Collor ordenou que seus assessores

“desfechassem” ataques pessoas contra Lula durante o programa eleitoral

gratuito. Nessa mesma edição é revalado, conforme título da matéria, que

“Assessora de Collor disse que depoimento foi pago”.

É importante ressaltar que, nesse ponto, Lula teve uma condenação

popular mais do ponto de vista moral do que propriamente política. O aborto

não era um assunto que fazia parte da pauta de noticiários, muito menos da

vida dos cidadãos.

                                                            4 Edição 22030,  de 27 de julho de 1989. Editoria de Política. P. A 13. 

 

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O primeiro turno realizado em 15 de novembro de 1989 não definiu o

próximo presidente. Collor obteve 28,52% dos votos válidos, Lula ficou 16,08%

e Brizola com 15,45%, conforme dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral

(TSE) divulgado pelo jornal Folha de São Paulo na manhã de 20 de dezembro

daquele ano.

A votação confirmou uma previsão feita por Collor no início da

campanha: “Iremos para o segundo turno Lula e eu, porque somos os dois

únicos fatos novos da eleição” (COLLOR apud NÊUMANNE, p. 170)

Os brasileiros voltaram às urnas em 17 de dezembro Collor saiu

vitorioso com 35.089.998 votos, representando 42,75% do eleitorado brasileiro.

Lula, derrotado, ficou com 31.076.364 votos, ou seja, 37,86% do eleitorado

(Nêumanne,1989, p. 179).

Entre o primeiro e o segundo turno da eleição, sucederam-se dois

debates televisivos entre Lula e Collor. Esses debates foram transmitidos por

um pool formado pelas quatro principais emissoras de televisão abertas:

Bandeirantes, Globo, Manchete e SBT. O primeiro foi realizado em 3 de

dezembro nos estúdios da TV Manchete, no Rio de Janeiro. Já o último debate

foi transmitido da sede da TV Bandeirante, em São Paulo, no dia 14 do mesmo

mês.

A maioria dos autores que se disponibilizaram a estudar o último debate

de 1989 e a edição feita pela Rede Globo são unânimes em apontar a

influência que este debate ocasionou nos resultados finais daquela eleição.

Contudo, é equivocado analisar somente a veiculação do debate. Antes de se

chegar a uma conclusão, é preciso considerar uma séria de fatos que

ocorreram na época, que juntos formam um quebra-cabeça capaz de elucidar

ou ao menos chegar perto da verdade. Dentre estes fatos, considera-se: o caso

Lurian; o sequestro do empresário Abílio Diniz, no qual foi encontrado material

de campanha do PT no cativeiro descoberto pela polícia um dia antes da

eleição e os criminosos teriam sido presos vestindo uma camisa do PT, e por

último, destaca-se a forma como foi trabalhada a imagem dos próprios

candidatos.

Na versão de Conti (1999, p. 264-278), Francisco Vianey Pinheiro, chefe

de jornalismo da Rede Globo de São Paulo, havia solicitado na sexta-feira, (dia

 

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15) mais tempo para o Jornal Hoje, já que teria de exibir o debate. Ganhou seis

minutos a mais. Na reunião de editores, foi unânime a conclusão de que Collor

tinha se dado melhor do que Lula. Assim como ficou decidido que cada

candidato iria receber o mesmo tempo na edição, ou seja, três minutos para

cada um.

Editado, na cronometragem de Pinheiros o debate contava com 3’11”

para Collor e 2’49” para Lula. De acordo com Conti (1999, p. 266) “para chegar

aos três minutos salomônicos Pinheiro teria de contar uma frase de Collor no

meio, deixando-a sem sentido, optou por manter a diferença de 22 segundos”.

O presidente do PRN, Daniel Tourinho, foi pessoalmente se queixar com

Marinho sobre a versão exibida à tarde no Jornal Hoje. De imediato, Marinho

mandou um recado a Alberico Souza Cruz, diretor de jornalismo da emissora:

“O Collor ganhou e a edição foi favorável ao Lula. Isso é inadmissível para os

padrões da Globo” (Conti, 1999). Pinheiro, que na primeira versão editada

esforçava ao máximo para dar neutralidade ao conteúdo que levaria ao ar,

ficou “possesso” ao ver um trecho da nova fita que estava sendo preparara

para ir ao ar no Jornal Nacional.

Pinheiro “considerou que a nova versão mostrava Collor massacrando

Lula e achava que isso não acontecera no debate”. Mas não havia mais nada

que podia ser feito. Inclusive precisou ser contido por colegas, já que Pinheiro,

“transfigurado”, prometera encher Souza Cruz “de porradas”.(ibidem, p. 268)

Mesmo diante da indignação de Pinheiros, o debate foi ao ar no Jornal

Nacional do dia 15 de dezembro, com a segunda versão editada com uma

duração média de 10 minutos. Foram 5’57” de fala dos candidatos e o restante

em vinhetas e explanação dos apresentadores Sergio Chapelin e Cid Moreira.

De acordo com as regras do debate original, o tempo destinado a cada

candidato era proporcional. Ao contrário da versão editada, na qual Collor teve

3’34” de fala e Lula 2’22”. Ou seja, uma diferença de 1’12”. Collor teve oito falas

exibidas e Lula uma a menos que o seu adversário. Nesta versão, Lula se

pronunciou primeiro com 13 segundos de fala, discorrendo do fundamento do

seu partido. Já Collor teve 30 segundos, e neste trecho selecionado iniciou

fazendo comparação das duas candidaturas e encerrando com ataque a Lula,

 

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citando que seu partido “explora teses estranhas ao nosso meio” e “que não

primam pelos princípios democráticos consagrados na nova Constituição”.

O restante foi dividido por temas, obviamente selecionados pela equipe

edição do Jornal Nacional e que serão analisados separadamente a seguir.

1º tema. Os tratamentos das greves: Foi selecionado 10 segundos de

fala de Lula que mencionou o seu plano à categoria dos trabalhadores. Já

Collor, com 25 segundos ataca a CUT e as greves “patrocinadas pelo braço

sindical do outro candidato”.

2º tema. A Questão do Nordeste: No trecho selecionado de Lula, com

duração de 14 segundos, o mesmo chega a trocar a palavra “seca” por “cerca”.

Collor, que teve também 14 segundos não respondeu à pergunta, e mais uma

vez questionou a resposta de Lula, quando o candidato do PT afirmou que era

possível “nascer uma sub-raça” no nordeste, se referindo à afirmação do IBGE.

Collor se apossou desse termo para defender que o nordestino não era uma

sub-raça insinuando que Lula estaria maculando o povo nordestino,

deixandoclaro a intenção de colocar a população nordestina contra Lula.

3º tema. A violência na campanha: Mais uma vez, é exibido ataques

de Collor à Lula que aparece sem reação. Em 37 segundos de vídeo, Collor

começou atacando a violência dos militantes do PT contra militantes do PRN.

Lula, que teve disponível 24 segundos, falou da violência que sofreu “em toda

sua vida política”.

4º tema. Salários: Neste tópico, a emissora selecionou uma pergunta

de Lula, com 18 segundos de duração. Collor gastou 37 segundos em sua

resposta, apresentando um case de um projeto que seu partido propôs para

cortar as mordomias dos deputados e fez questão de enfatizar que o PT negou

a adesão ao projeto.

5º Tema. Os acordos políticos: Com 29 segundos de pronunciamento,

Collor começa falando do episódio em que Brizola chamou o vice de Lula, o

“Bisol”, de corrupto, fazendo uma grave acusação de corrupção. E terminou

perguntando se “Brizola está mentindo ou se seu vice é realmente corrupto”.

Este também foi outro ponto do debate original que pesou contra o petista.

Com 23 segundos de resposta, Lula apenas se conteve em afirmar que tais

divergências dos dois era algo que eles tinham de resolver após a eleição e “e

 

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que o momento maior era ganhar as eleições”. Àquela altura do campeonato,

Lula não podia se demonstrar tolerante a atos de corrupção, principalmente

envolvendo integrantes de sua equipe. No debate editado, houve sempre uma

fala do Lula e outra do Collor – ou vice-versa - sobre um determinado assunto.

Mas esse foi o único momento em que foi reproduzida uma tréplica, no qual

Collor reforçou a intolerância de Lula em relação a acusação contra seu vive.

1. Quadro analítico da edição do debate realizado no dia 14 de dezembro de

1989, exibido pelo JN no dia 15/12/89

Categorias de Análise Lula Collor

Como se apresenta (identidade)

Não identificado na edição “Eu sou o candidato do

centro democrático”

Aparência física Barbas e cabelo grande Sem barba, cabelos bem

penteados.

Fala e Pronúncia Ocorrência de ceceio5, e

falha na dicção

Sem problemas com dicção e

pronúncia

Postura Corporal Introspectiva, ausência de

simpatia

Adequada e elegante

Palavras mais utilizadas Não identificadas Não identificadas

Uso de gírias ou dialetos Não identificado na edição Não identificado na edição

Discurso direcionado a qual classe social

Classe média baixa Classe média baixa

Como se refere aos problemas sociais

Empiricamente, teve

vivência no assunto

Teoricamente

Como se refere à imprensa

Não identificado na edição Não identificado na edição

Valores morais Humildade Honestidade, Paciência,

Valores religiosos Não discute

Não discute

                                                            5 Ceceio é aquele inconfundível acento de “s” e “z”, com a língua entre os dentes, é provocado por uma alteração na fala chamada, conhecido também como “língua solta”, causada pela flacidez da musculatura da língua, provocando um som não muito agradável. (http://ccer.com.br/?pg=artigos&id=6) 

 

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No início da versão editada não houve uma apresentação pessoal por

parte de Lula, já Collor teve a oportunidade de não só falar sobre si, como

também atacar o adversário logo na apresentação.

Quanto à aparência física, este foi um dos principais diferenciais de

Collor em relação a Lula não só neste debate, mas como em toda a sua

campanha. A imagem, conforme cita Rodrigues e Péres-Nebra (2007, p.51)

“tem uma forte influência na vida das pessoas, ela está presente a todo

instante e traz consigo informações que influenciam o cotidiano das pessoas

pela credibilidade que ela sugere.” Os cabelos e barba não estavam

devidamente aparados e o terno não era ajustado ao corpo, dando aspecto

desleixado, o que não é nada positivo para imagem de um candidato à

presidência da república. Portanto, não há como negar que a aparência de

Collor foi um fator de peso para o candidato nesta eleição.

O problema do ceceio na fala de Lula dava uma sensação de ter

agressividade e somado à aparência pouco elegante, discutida anteriormente,

pesava mais ainda na sua aproximação com o eleitor/telespectador. Já quanto

à postura, Lula se mostra mais fechado em frente às câmera e Collor se

comportou mais à vontade com estilo mais engajado ao se pronunciar e com

maior desenvoltura. O discurso dos dois candidatos foram direcionados à

classe de baixa renda abordando aspectos como emprego e salário.

Ao se referir aos problemas sociais, como violência e a questão do

nordeste, Lula arriscou a se pronunciar com mais sentimento, valendo-se da

empatia já que teve vivência em algumas das questões sociais discutidas.

Toda essa postura de Lula lhe atribuiu alguns valores morais

prevalecendo, sobretudo, a humildade. Já Collor conseguiu atribuir um número

maior de valores morais à sua imagem durante o debate, como a honra, a

justiça, honestidade e paciência.

Após a exibição do debate editado, Cid Moreira divulgou números de

pesquisa sobre a opinião dos telespectadores quanto ao desempenho dos

candidatos em todo o Brasil. Tal pesquisa foi realizada pelo Instituto VoxPopuli

com 490 telespectadores. De acordo com a emissora de TV, Collor teve um

desempenho superior na opinião de 44,5% dos entrevistados e Lula obteve

32%. De acordo com Conti (1999, p. 266), o VoxPopuli trabalhava para Collor.

10 

 

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E o Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatísticas (IBOPE), que era

contratado da Rede Globo não havia realizado a pesquisa sobre o debate.

De acordo com Leal (2006, p. 38), antes do primeiro debate “Lula saiu-

se bem e manteve tendência de crescimento nas pesquisas, encostou em

Collor e prometia uma disputa”. Já no segundo debate, Leal (2006) afirma que

Lula “fraquejou e seus assessores reconhecem que Collor havia mostrado mais

firmeza, saindo-se melhor que o adversário”. Os dois candidatos estavam

tecnicamente empatados, conforme apontava praticamente todas as pesquisas

de intenção de votos. Uma delas, realizada pela empresa Toledo e Associados,

nos dias 8, 9 e 10 de dezembro, indicava Collor com 44,7% e Lula com 44,2%

da intenção de votos. Eleitores indecisos correspondiam a 5,9% e votos

brancos ou nulos eram 4,5%. Já o Instituto DataFolha, em pesquisa realizada

nos dias 12 e 13 de dezembro, apontava Collor com 46% da intenção de votos,

contra 45% de seu opositor. Outra pesquisa também promovida pelo Instituto

DataFolha, no dia 16 de dezembro apontou pequena evolução de Collor, que

obteve 47%, três pontos a mais que Lula.

Na apuração final do segundo turno, os votos de Lula ficaram

praticamente inalterados, já Collor teve uma considerável progressão, que

hipoteticamente pode ser justificada com a migração dos votos nulos e

indecisos apontados pelas pesquisas. Este resultado sugere que o debate

editado às vésperas da eleição tenha influenciado de algum modo na escolha

do presidente, especialmente para aqueles indecisos

Considerações finais Alguns teóricos da comunicação defendem duas correntes de

interpretação do desfecho da eleição de 1989. Lima (2001, p. 218) é um dos

que defende a corrente da “vitória antecipada”. Segundo o autor, mesmo Lula

tendo aproximado de Collor nas últimas pesquisas, as eleições de 1989 foram

decididas antes de 7 de junho daquele ano, quando o candidato do PRN atingiu

a marca de 43% das intenções de votos e Lula era apenas o terceiro colocado,

atrás de Leonel Brizola (PDT).

11 

 

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A segunda teoria, conhecida como “vitória conquistada”, é defenida por

Eduardo Lins da Silva, citado Kowalski e Santos (2010, p. 7). De acordo com

os autores, na teoria da vitória conquistada, “apesar da crescente importância

dos meios de comunicação de massa na configuração do resultado das

eleições, a identificação entre eleitor e candidato seria o fator determinante.”

(ibdem, p.8). Tal doutrina ilustra a questão da imagem largamente explorada

por Collor e já citado neste trabalho.

Com o contexto aqui exposto, observa-se três fatores que pesaram

incisivamente na derrota de Lula: primeiro foi a entrevista de sua ex-namorada,

Miriam Cordeiro, que o acusou de incentivar o aborto da filha: o segundo fator

foi o seqüestro do empresário Abílio Diniz no qual a mídia insinuou que

integrantes do PT teriam cometido o crime; o terceiro fator foi a edição do

último debate pela Rede Globo.

Quanto às acusações proferidas por Miriam em canal aberto, o Tribunal

Superior Eleitoral já havia concedido a Lula cinco minutos de direito de

resposta no horário eleitoral gratuito de Collor. Além disso, Lula gravou um

programa com a participação de sua filha, Lurian, também exibido durante a

propaganda eleitoral na TV. A denúncia da própria secretária de Collor, Maria

Helena Amaral, de que Miriam havia sido paga para fazer tais declarações

também pode ter tido algum efeito minimizador sobre a polêmica a que se

refere.

O sequestro de Abílio Diniz também não teve muito reflexo, conforme

análise realizada por Nêumanne (1989, p. 181). A matéria veiculada no jornal O

Globo em que Romeu Tuma fazia insinuações da participação de Lula foi

veiculada na manhã do domingo da eleição, e não atingiria uma quantidade de

eleitores suficiente para ter a opinião de voto alterada. O único jornal, conforme

cita Nêumanne (p. 181), que deu o caso como manchete em dias anteriores à

eleição foi o jornal O Rio Branco, do Acre. E nesse estado somavam-se na

época 182.797 eleitores.

Já a edição polêmica do debate, objeto principal deste estudo, é outro

fato que segundo Nêumanne (1989), teve pouca ou nenhuma influência na

votação do dia 17 de dezembro. Para o autor, “essa foi uma desculpa bastante

disseminada, mas sem razão lógica de ser”. O autor apresentou algumas

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 Faculdade Estácio de Sá 

justificativas para essa conclusão: o quesito audiência; Nêumanne (1989) relata

que o debate de quinta feira, com duração de 02 horas e 45 minutos foi muito

maior que a edição do Jornal Nacional na sexta-feira:

A edição jornalística não poderia melhorar a atuação de Lula no programa, transmitido em rede por todas as emissoras de televisão do país, uma vez que ela havia sido medíocre mesmo. A edição jornalística do segundo debate favoreceu Collor da mesma forma como a do primeiro havia favorecido Lula (NÊUMANNE, 1989, p. 181)

É importante também considerar o desempenho de Lula no debate

original. O candidato do PT que de acordo com o sorteio, teve direito aos três

últimos minutos para si, não soube aproveitar da forma adequada. Assim como

Collor, preferiu baixar o nível partindo para cima do adversário, ao invés de

usá-lo em benefício próprio. “Eram três minutos inteirinhos seus, sem

interferência de Collor ou do mediador do debate” (MENDONÇA, 2001, p. 65)

Autores como Nêumanne condena a atitude de Lula no final do debate

ao se despedir fazendo um trocadilho com o apelido que deu fama a Collor.

Lula se despediu com os seguintes dizeres: “(...) espero ter contribuído pra

dizer que o famoso caçador de marajás não passa de um famoso caçador de

maracujá”. O que Lula não poderia jamais ter feito foi desperdiçar aqueles

preciosos minutos para dizer que, em vez de caçador de marajás, Collor

era um caçador de maracujás.O Brasil inteiro se lembra” (MENDONÇA, p. 65)

O jornalista Franklin Martins em entrevista6 à revista Trip foi incisivo ao

opinar sobre o principal ponto decisivo da eleição de 1989:

(...) não acho que o Lula perdeu a eleição por causa da edição do debate. Aliás, o Lula foi melhor do que o Collor no primeiro debate e pior no segundo, no último. A meu ver, ele perdeu a eleição porque um segmento dos eleitores que estava encarando seriamente a possibilidade de votar no candidato do PT, na hora H, recuou, ficou com medo, não se sentiu seguro e acabou apoiando Collor. Não era tanta gente, talvez uns 2% ou 3% do eleitorado, mas esse segmento decidiu a eleição. (MARTINS apud REVISTA TRIP, 2002)

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                                                            6  Entrevista  disponível no site do próprio jornalista: http://www.franklinmartins.com.br/naestante_artigo.php?titulo=a‐mudanca‐e‐grande‐vencedora‐das‐eleicoes 

 

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Portanto, nessa coletânea de fatos concretos e de opiniões diversas, é

possível apontar a interferência do debate exibido na noite de 15 de dezembro

no Jornal Nacional como de baixo grau de influência nos resultados da eleição

de 1989. Seria um equívoco afirmar que não houve influência alguma, mas o

estudo aqui apresentado fica como base para ao menos entender que não foi o

debate, nem a sua edição os grandes agentes influenciadores das eleições de

1989.

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15 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: • AVELAR, Lúcia. As eleições na era da televisão. Revista de Administração

de Empresas/ EAESPSP, FGV, SP: 199

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• CONTTI, Mário Sérgio. NOTICIAS DO PLANALTO. Imprensa e Fernando Collor. São Paulo: Ed. Cia Das Letras, 1999

• CHAUI, Marilena - O que é política 2006 (TENHO QUE PROCURAR OS

DADOS DESTA REFERÊNCIA)

• MENDONÇA, Duda. Casos e Coisas. Ed. Globo. São Paulo, SP, 2001

• GOMES. Wilson Transformações da política na era da comunicação de massa. São Paulo: Paulus, 2004

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• FOUCAULT, M. História da sexualidade. Rio de Janeiro: Graal, 1988. v.1.

• KOWALSKI, Camila; SANTOS, Nina. A Mídia nas Eleições de 1989. In. XXXIII

Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Caxias do Sul, 2010

• LIMA, Venício A.. Mídia: teoria e política. São Paulo: Editora da Fundação

Perseu Abramo, 2001.

• NÊUMANNE, José. Atrás do palanque: bastidores da eleição de 1989. São

Paulo: Siciliano, 1989

• RODRIGUES, Cecília de Castro e PÉRES-NEBRA, Amalia Raquel. A mudança

na imagem do presidente Lula nas campanhas eleitorais à Presidência da

República. v.6 n.12, 2007.

• SOUZA, Rainer. Eleições de 1989, Aparecida de Goiânia, 2010. Disponível

em: <http://www.brasilescola.com/historiab/eleicoes-1989.htm> Acesso em: 17

de março de 2011.

• REVISTA VEJA. São Paulo: Ed. Abril, n. 835, 5 de Set. 1984

• REVISTA VEJA. São Paulo. Ed. Abril. n. 1020, 23 de março de 1988.

• http://datafolha.folha.uol.com.br/po/ver_po.php?session=101

• Edição Polêmica do JN - Último debate 89. Disponível em

<http://www.youtube.com/watch?v=rJ3rudZ2odA&feature=related>