ela wiecko - cooperacao internacional na execucao da pena - fichado por felipe remonato

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  • 8/10/2019 Ela Wiecko - Cooperacao Internacional Na Execucao Da Pena - Fichado Por Felipe Remonato

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    2. Processo

    Penal

    ooperao internacional

    na execuo da pena

    a transferncia de presos

    Ela Wiecko V. de Castilho

    Subprocuradora-geral da Repblica.

    Professora de Direito Penal e Criminologia da UNB.

    Doutora em Direito pela UFSC. Lidera o Grupo de Pesquisa Sociedade,

    Sistema de Justia e Controle Penal registrado na Plataforma do CNPq.

    RESUMO: O artigo, depois de mostrar o crescente nmero de pessoas conde

    nadas em pases nos quais so estrangeiros e que devem cumprir pena privativa

    de liberdade, descreve o regime jurdico brasileiro de transferncia dessas

    pessoas para seus pases de nacionalidade. Trata da transferncia de presos,

    como uma das espcies da execuo de sentena penal estrangeira, forma de

    cooperao penal entre os Estados. So examinados o fundamento, finalidade,

    conceito, objeto, limitaes, efeitos e procedimento dos dez atos internacionais

    em vigor no Brasil.

    PAlAVRAS-CHAVE: Cooperao penal internacional- Execuo de sentena pe

    nal estrangeira - Transferncia de pessoas condenadas - Transferncia de presos.

    ABSTRACT: The article, aftershowingthe growing numberofpeople sentenced

    in foreign countries having to complywith prison sentences, describes the transfer

    of these people under the Brazilian legal system to their country of citizenship.

    It discusses prisoners transfer, as one of the modalities of execution of foreign

    criminal sentences, away of cooperation in criminal matters between the States.

    Processo Penal 233

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    Ela Wiecko V.de Castilho

    The basis, purpose, concept, object, limitations, effect and procedure of the ten

    international acts in effect in Brazil.

    KEYWORDS:nternational cooperation in criminal matters - Execution of

    foreign criminal sentence - Transfer of sentenced people - Transfer of prisoners.

    SUMRlO:ntroduo - 1.Transferncia de execuo de sentena penal

    - 2. Presos as estrangeiros as no Brasil- 3. Presos brasileiros no exte

    rior - 4. Os tratados em vigor no Brasil- 5. O regime jurdico brasileiro

    da transferncia de pessoas condenadas: 5.1 Fundamento formal; 5.2

    Fundamento material; 5.3 Finalidade; 5.4 Conceito; 5.5 Objeto; 5.6

    Condies; 5.7 Limitaes; 5.8 Efeito; 5.9 Procedimento- 6. Concluso

    -7. Referncias bibliogrficas.

    READODIREITO:Penal; Internacional; Processo penal

    ntro uo

    Durante quase 500 anos, da poca de Grotius at o sculo XX, a cooperao

    entre os Estados em matria penal consistiu fundamentalmente na extradio.

    Mas, nos ltimos 50 anos o cenrio se transformou para acolher um nmero

    crescente de novos instrumentos e formas ou modalidades de cooperao.

    BASSIOUNI 2004, p. 411 refere oito formas de cooperao penal entre

    Estados, a saber: extradio, assistncia jurdica, execuo de sentena penal estran

    geira, homologao de sentena penal estrangeira, transferncia de procedimento

    criminal, bloqueio e seqestro de produtos derivados de crime, troca de informao

    de inteligncia e do direito aplicvel, espaos judiciais regionais e sub-regionais.

    Por sua vez, SOUZA 2001, p.138 enumera cinco formas, com base na legislao

    portuguesa: extradio, transmisso de processo penal, execuo de sentena penal

    estrangeira, vigilncia de pessoa condenada ou libertada condicionalmente, aUXI1io

    geral, compreendendo a notificao de documento, a notificao para compare

    cimento, a entrega temporria de preso, o envio de objeto, valor, documento ou

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    Cooperao internacional na execuo da pena

    processo diligncia para averiguar produtos do crime informao sobre o

    direito aplicvel informao relativa a antecedentes penais informao sobre

    sentenas penais.

    Uma das formas menos utilizadas a transferncia de pessoas condenadas

    em um pas para cumprir pena em outro uma espcie da execuo de sentena

    penal estrangeira. Foi utilizada no mundo pela primeira vez em 1951.

    No Brasil a transferncia de pessoas condenadas que estavam cumprindo

    pena privativa de liberdade ocorreu pela primeira vez em 2002.

    portanto um tema novo pouco conhecido que tende a suscitar questes

    de natureza poltica e jurdica. A facilidade de trnsito das pessoas no mundo

    globalizado aumentou a possibilidade de cometimento de crimes em um pas por

    nacionais de outro pas.

    O nmero de presos e presas estrangeiros no Brasil e de brasileiros e

    brasileiras presos no exterior est aumentando. A par da criminalizao ocorre

    igualmente o aumento da vitimizao de nacionais brasileiros em outros pases

    principalmente no contexto do trfico para fins de explorao sexual e do contra

    bando de migrantes.

    Casos enquadrados nessas trs situaes tm sido levados aoconhecimento

    da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidado rgo do Ministrio Pblico

    Federal. Exigem esforos de cooperao entre Estados para permitir o cumpri

    mento da pena em pases diferentes daquele onde sedeu a condenao ou o retorno

    ao pas de origem sob proteo. No que diz respeito aos primeiros trata-se do

    instituto conhecido como transferncia de presos sendo a melhor denominao

    a de transferncia de pessoas condenadas. No que se refere s vtimas de crime a

    resposta de cooperao no encontra ainda um instituto jurdico configurado.

    Esta exposio objetiva apresentar os tratados em vigor sobre transfe

    rncia de pessoas condenadas para disseminar o conhecimento sobre os prin

    cpios que regem essa modalidade de cooperao bem como os requisitos para

    1. A expresso abrange tratados em sentido estrito e acordos.

    Processo Penal 235

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    Ela Wiecko V. de Castilho

    sua concesso, a fim de incentivar a sua utilizao. Vale ressaltar que todos os

    tratados firmados pelo Brasil contm a clusula segundo a qual as autoridades

    competentes das Partes informaro a todo preso nacional da outra Parte sobre a

    possibilidade da aplicao do tratado e sobre as conseqncias jurdicas derivadas

    de sua transferncia.

    Transferncia de execuo de sentena penal

    A execuo de sentena penal estrangeira uma modalidade recente de

    cooperao internacional. No espao europeu abrange situaes fticas diversas,

    como a transmisso da execuo penal a outro pas onde o condenado se encontra

    ou a transferncia da execuo penal a outro pas para onde o condenado entre

    gue. A presente anlise est restrita execuo que exige a transferncia de pessoa

    condenada em um pas para cumprir pena em outro.

    Conforme levantamento realizado por GUEIROS 2007, p.266 o

    primeiro tratado especfico sobre transferncia de presos civis foi celebrado

    entre Lbano e Sria, em 1951. Em 1963, foi firmado o Acordo de Cooperao

    entre Finlndia, Islndia, Noruega, Sucia e Dinamarca. Em 1977, os Estados

    Unidos celebraram tratados de transferncia de presos com o Mxico e com

    o Canad.

    No mbito das Naes Unidas o tema entrou na pautado 5. Congresso

    das Naes Unidas sobre Preveno do Delito e Tratamento do Delinqente

    em Genebra 1975 , ocasio em que foi apresentado estudo realizado pela

    Associao Internacional de Ajuda ao Preso. O Congresso seguinte, em Ca

    racas 1980 aprovou Resoluo determinando fosse elaborado um modelo

    de acordo para a transferncia de presos, a ser submetido Assemblia-Geral

    das Naes Unidas.

    Segundo BASSIOUNI 2004, p. 433 e GUEIROS 2007, p. 267 , a

    difuso internacional do instituto ocorreu a partir da Conveno Europia sobre

    a Transferncia de Pessoas Condenadas Estrasburgo, 21.03.1983 . Alm dos

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    Cooperao internacional na execuo da pena

    Estados integrantes do Conselho da Europa, aderiram outros pases, entre eles

    Estados Unidos, Canad,Bahamas, Chile, Costa Rica,Panam,Trinidad-Tobago,

    Turquia, Israel e Tonga.

    Um contexto especfico facilitou essa difuso. Em primeiro lugar, a forte

    migrao de trabalhadores estrangeiros em busca de trabalho nos pases do ento

    Mercado Comum Europeu criou um fato antes inexistente: a presena de estran

    geiros em nmero significativo na populao prisional.

    Em segundo lugar, na mesma poca, jovens americanos viajavam pelo

    mundo em busca de drogas. Em conseqncia, um grupo significativo de

    americanos acabou sendo preso em pases como Mxico, Canad, Turquia e

    Pases- Baixos. O governo americano, aps intensa presso de familiares de

    presos no estrangeiro, em especial no Mxico, da imprensa e do congresso norte

    americano, firmou acordos bilaterais com aqueles pases e aderiu

    Conveno

    de Estrasburgo.

    2. Presos as estrangeiros as no Brasil

    De acordo com dados do Departamento Penitencirio Nacional BRASIL,

    2007, p. 46-47 e 44 , em 04.12.2006, havia um total de 2.070 presos estran

    geiros no pas, sendo 1.717 homens e 353 mulheres. O total geral de presos

    no sistema penitencirio estabelecimentos de regime fechado, semi -aberto,

    aberto, de medida de segurana e nas delegacias de polcia era de 401.236.

    Percentualmente, os presos estrangeiros correspondem a 0,51

    do total de

    presos.

    Os estados com maior nmero de presos estrangeiros so, em 1.0 lugar,

    So Paulo, com 1.077 883 homens e 194 mulheres ; em 2., Mato Grosso do Sul,

    com 335 249 homens e 86 mulheres ; em 3., Paran, com 105 98 homens e 7

    mulheres ; em 4.0,Rio deJaneiro, com 99 83 homens e 16 mulheres , seguidos do

    Rio Grande do Sul,Acre,Amazonas,Mato Grosso e Santa Catarina. Nos demais

    estados o nmero insignificante.

    Processo Penal 237

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    Ela Wiecko V. de Castilho

    No ms de junho de 2007, no estado de So Paulo, j eram 1.487, sendo

    1.125 homens e 362 mulheres. E o total geral de presos no pas passara a 419.551.

    RASIL, 2007)

    Embora apercentagem dos presos estrangeiros seja pequena, impressiona

    a evoluo crescente do nmero geral de presos cerca de 19 mil em seis meses).

    Observa-se que, em So Paulo, o nmero total de presos estrangeiros diminuiu,

    mas aumentou o segmento feminino.

    Presos brasileiros no exterior

    Relatrio consular do ano de 2006, disponibilizado autora pelo Depar

    tamento das Comunidades Brasileiras no Exterior do Ministrio das Relaes

    Exteriores, totaliza 3.950 presos, num universo de 2.971.872 brasileiros no exterior

    que abrange aqueles em situao migratria irregular e regular. Equivale a um

    percentual de 0,13 . Os pases com maior nmero de brasileiros presos so os Es

    tados Unidos 1531), Espanha 470),Japo 412), Portugal 239), Paraguai 197),

    Guiana Francesa 140), Itlia 103), Argentina 96) e Venezuela 90). Segundo

    pesquisa de GUEIROS 2007, p. 260), em 2000 eram 1.372 presos, num total de

    1.887.893 brasileiros no exterior. Equivalia a um percentual de 0,07 .

    4 Os tratados em vigor no Brasil

    No Brasil, o interesse acerca do tema da transferncia de presos estrangeiros

    para os seus pases comeou com o rumoroso caso da extorso mediante seqestro

    de Ablio dos Santos Diniz, ocorrido em dezembro de 1989. O crime foi praticado

    por um grupo de pessoas que, exceo de um brasileiro, eram todas estrangeiras

    dois argentinos, cinco chilenos, dois canadenses). No curso da execuo penal

    foram celebrados tratados com o Canad 1992),Argentina 1998) eChile 1998),

    vindo a permitir a transferncia dos estrangeiros para os seus pases de origem a

    fim de l continuarem o cumprimento da pena privativa de liberdade.

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    Cooperao internacional na execuo da pena

    Atualmente, esto em vigor para o Brasil Tratados de Transferncia de

    Pessoas Condenadas celebrados com dez pases :2 Canad 1993 , Chile 1998 ,

    Espanha 1998 ,Argentina 1998 , Bolvia 1999 , Reino Unido da Gr- Bretanha

    e Irlanda do Norte 2000 , Paraguai 2002 , Peru 2003 , Portugal 2006 . Faz

    parte tambm de um acordo multilateral: a Conveno Interamericana sobre o

    Cumprimento de Sentenas Penais no Exterior 2001 ,que inclui Canad, Chile,

    Costa Rica, Equador, Estados Unidos, Mxico, Nicargua, Panam, Paraguai e

    Venezuela. Esta conveno no restringe os tratados bilaterais firmados com o

    Canad, Chile e Paraguai, consoante o disposto no seu art. XII.

    Esto pendentes de aprovao legislativa tratados com Angola 2005 ,

    Suriname 2005 Moambique 2007 e Panam 2007 .3

    Negociaes esto em trmite com o Equador, Benin, Ucrnia e Itlia.

    Em 2005 foram transferidos para cumprir pena no Brasil oito brasileiros:

    dois condenados na Argentina e seis na Espanha. Do Brasil foram transferidos

    cinco canadenses, cinco chilenos e um ingls. GUEIROS, 2007, p. 261

    De acordo com informaes prestadas autora pela Diviso de Medidas

    Compulsrias do Ministrio da Justia, em 2006 obtiveram transferncia para

    cumprir pena no Brasil trs brasileiros: dois condenados na Espanha e um na In

    glaterra. Do Brasil foram transferidos para seus respectivos pases: um espanhol,

    um ingls, um paraguaio e um argentino.

    At junho de 2007 houve a transferncia de trs espanhis, do Brasil para

    a Espanha.

    Segundo informaes obtidas por GUEIROS 2007, p. 260 , no

    Ministrio da Justia tramitavam, em 2005, aproximadamente 120 pedidos

    de transferncia, sendo cerca de 70 deles de pedidos para o exterior e 50 no

    sentido inverso.

    As condenaes, majoritariamente, se referem a trfico de drogas.

    2. A referncia

    do ano em que o tratado entrou em vigor para o Brasil.

    3. Ano de assinatura.

    Processo Penal 239

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    Ela Wiecko V. de Castilho

    5.

    regime jurdico br sileiro d tr nsfernci

    de pesso s conden d s

    5 Fundamentoformal

    No h lei no Brasil que regule a cooperao internacional na transfern

    cia de pessoas condenadas. O Cdigo Penal no art.

    9.0

    prev a homologao de

    sentena estrangeira para obrigar o condenado reparao do dano, a restituies

    e outros efeitos civis, e a sujeit-Io a medida de segurana. Portanto, no con

    templa a hiptese de homologao de sentena estrangeira para o cumprimento

    de pena no Brasil.

    A transferncia de execuo de sentena penal estrangeira pressupe obri

    gatoriamente que um Estado possa executar a sentena penal de outro Estado.

    Sendo a sentena penal manifestao muito forte da soberania estatal, todos os

    pases relutam em admitir a eficcia da sentena penal estrangeira em seus ter

    ritrios. Por isso a frmula do art.

    9.0

    usual a todos os pases. Para contornar o

    impedimento BASSIOUNI e outros autores 2004, p. 433 desenvolveram a teoria

    de que a execuo de uma sentena penal estrangeira tem natureza administrativa,

    ou seja, no implica no reconhecimento do juzo penal. O raciocnio parte de uma

    fico legal que separa a execuo da sentena do reconhecimento do julgamento

    penal que deu causa sentena.

    Para o pas que transfere o preso denominado de Estado remetente,

    sentenciador ou da condenao mais fcil admitir a natureza administrativa.

    O mesmo no ocorre para o pas que o recebe denominado de Estado recebedor

    ou receptor .

    Os pases europeus aceitaram a proposio. Mesmo porque j existe a

    Conveno Europia sobre oValor Internacional das Sentenas Penais, celebrada

    em Haia, em 28.05.1970. Os Estados Unidos tambm aceitaram, sob condio

    de que a pessoa, para ser transferida, declare explicitamente que os seus direitos

    constitucionais foram respeitados no julgamento. Essa condio, de certa maneira,

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    2008

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    Cooperao internacional na execuo da pena

    igualmente uma fico legal, pois a pessoa transferida est, na maioria das vezes,

    sob condies to ruins e to desejosa de retomar ao pas natal que no lhe interessa

    argir violaes de direitos.

    No Brasil, a questo foi examinada por ARAJO JR. 1995,p.1l1 ,que

    defendeu a necessidade da prvia homologao da sentena penal estrangeira,

    cujo trmite, poca, se realizava perante o Supremo Tribunal Federal. No

    entendia como uma sentena condenatria prolatada no estrangeiro pudesse

    dar causa a instaurao de um juzo executrio penal, sem passar por um juzo

    de delibao para os ajustes necessrios legislao nacional, ainda que sem

    qualquer indagao de mrito.

    O governo brasileiro, porm, considera dispensvel a homologao, vez que,

    ao contrrio da extradio, a transferncia s se consuma se houver concordncia

    da pessoa a ser transferida. Avalia a transferncia como uma questo administra

    tiva da execuo. Reporta -se a parecer do Ministrio Pblico Federal, que teria se

    manifestado pela constitucionalidade dos tratados de transferncia. Este parecer

    no foi apresentado pelo Ministrio da Justia, nem localizado no sistema de in

    formaes do Ministrio Pblico Federal. Ao contrrio, foi localizado parecer, da

    lavra do Subprocurador-Geral da Repblica Edson Oliveira de Almeida BRASIL,

    2001 , no sentido da indispensabilidade da prvia homologao.

    GUEIROS 2007, p. 290 , que j perfilhou o entendimento de Arajo Jr.,

    defende hoje a desnecessidade de homologao, argumentando que os tratados

    tm fora de lei, alterando, pois, o Cdigo Penal, e que essa espcie de tratados

    versa sobre direitos humanos, podendo alcanar o s us de emenda constitucional

    se aprovados com o

    quorum

    especial. Refere ainda o entendimento de Maria The

    reza Rocha de Assis Moura, segundo a qual, ao se exigir a homologao judicial,

    estar-se-ia diante do instituto da execuo de sentena condenatria estrangeira

    e no daquele da transferncia de pessoa condenada.

    A meu ver,porm, a transferncia internacional de pessoa condenada implica

    na transferncia da execuo penal. Execuo penal vlida supe o reconhecimento

    Processo Penal 241

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    Ela Wiecko V. de Castilho

    deuma sentena penal.Ademais, no uma fasemeramente administrativa. Trata-se,

    pois, de uma questo muito pouco debatida que, mais cedo ou mais tarde, vir a ser

    submetida ao Superior Tribunal de Justia e ao Supremo Tribunal Federal.

    Entretanto, no que diz respeito falta de previso no Cdigo Penal isso

    no representa qualquer empecilho. O fundamento formal para a transferncia de

    presos estrangeiros do Brasil para outros pases e de presos brasileiros no exterior

    para o Brasil so os tratados internacionais, enquanto no houver alterao legis

    lativa do art. 9.0 ou a edio de uma lei geral de cooperao jurdica internacional,

    a exemplo das leis da Sua e de Portugal. Vale ressaltar que essas leis no excluem

    regras especficas de tratados bem como incorporam regras j consolidadas pelo

    direito internacional dos tratados.

    ARAUJO JR. 1995, p.112) aponta os dois sistemas de homologao de

    sentenas penais estrangeiras. O primeiro, da nacionalizao da deciso, importa

    em que a sentena, uma vez homologada, passa a ser considerada como se fora

    prolatada por um juiz nacional de primeira instncia, segundo a lei do Pas. Per

    mite amodificao do mrito do julgado, no Estado recebedor, atravs de recursos

    ou da reviso criminal. O segundo sistema, chamado de aplicao indireta da lei

    processual penal estrangeira, considera a sentena estrangeira um fato jurdico

    histrico. Em conseqncia, o Pas que executa a sentena no pode alterar o

    contedo, entretanto o processo de execuo se desenvolver segundo o que

    estabelecer a lei nacional.

    Os tratados celebrados pelo Brasil, como se ver adiante, adotam o

    sistema de aplicao indireta, com muitas limitaes aplicao de institutos

    da execuo penal.

    5 Fundamento material

    GUElROS 2007, p. 256-258) arrola quatro fundamentos para o instituto:

    i) custo financeiro da gesto da populao prisional estrangeira; ii) irracionalida

    de da execuo penal dirigida ao preso estrangeiro, cuja finalidade a reinsero

    242 RBCCRIM71- 2008

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    Cooperao internacional na execuo da pena

    social do condenado, se, ao final, ele expulso para o seu pas de origem; iii) o

    Estado deve assumir a tarefa de execuo da pena de seu nacional, pois faz parte

    da responsabilidade pela violao da ordem jurdico-penal de outro Estado; iv)

    princpio da humanidade, que exige minorar o sofrimento de quem se encontra

    encarcerado e distante de seu crculo familiar e cultural.

    5 Finalidade

    A transferncia visa fomentar a cooperao mtua em matria penal Bol

    via,Portugal, Conveno Interamericana), aboa administrao dajustia Portugal

    e Conveno Interamericana), mas, sobretudo, promover ou facilitar a reabilitao

    social da pessoa condenada. Alguns tratados utilizam o termo reinsero social

    Argentina, Bolvia e Portugal).

    5 4 Conceito

    Ato bilateral internacional discricionrio, condicionado aoconsentimento

    da pessoa transferida. No h obrigao de transferncia, mas apenas o dever de

    analisar pedidos de transferncia. Todos os tratados ou acordos firmados pelo

    Brasil contm clusula esclarecendo que a transferncia ato discricionrio dos

    Estados remetente e recebedor. Entretanto, reconhecido o direito de o preso

    estrangeiro pleitear a transferncia. Os Estados podero considerar, entre outros

    fatores, a possibilidade de a transferncia contribuir para a sua reabilitao social,

    a gravidade do crime, os antecedentes penais, o estado de sade, os vnculos fami

    liares, sociais ou de outra natureza com o Estado remetente e recebedor. Todos os

    tratados determinam que, se um dos Estados no aprovar a transferncia, dever

    informar imediatamente ou sem demora a deciso. Alguns explicitam que

    podero apresentar ou no o motivo.

    A literatura produzida no largo perodo de tempo em que predominou a

    extradio como nico instrumento de cooperao penal internacional condiciona

    Processo Penal 243

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    Ela Wiecko V. de Castilho

    os demais instrumentos. Portanto, a racionalidade que preside aquele instituto se

    aplica a este. Centra-se na idia do aut dedere autjudicare

    Os atos internacionais em exame no seguem um modelo padro, mas seu

    contedo muito semelhante. A seguir sero destacados alguns pontos.

    Objeto

    Em todos os tratados o objeto da transferncia o cumprimento da pena

    privativa de liberdade. Da a terminologia ainda prevalente de transferncia de

    presos . Entretanto, compreendem tambm vigilncia, liberdade condicional,

    antecipada ou vigiada, condenao condicional Bolvia); suspenso condicional

    da pena e liberdade condicional, antecipada ou vigiada Argentina); suspenso

    condicional da pena, liberdade condicional ou regime em meio aberto Paraguai);

    execuo condicional, liberdade vigiada e outras formas de superviso sem deten

    o Conveno Interamericana); medida de segurana para inimputveis Peru,

    Portugal e Conveno Interamericana); vigilncia ou outras medidas aplicadas

    a menores infratores Canad, Chile, Espanha, Bolvia, Argentina, Conveno

    Interamericana), medida privativa aplicada a menores infratores Paraguai).

    A Conveno Interamericana e os tratados com a Argentina, Bolvia e

    Peru vedam expressamente a transferncia para cumprimento da pena de morte.

    Todavia, quanto aos outros, a interpretao das regras de cada tratado leva

    concluso de que s se referem a cumprimento de pena privativa de liberdade.

    Qyanto a priso perptua os tratados com o Canad, Reino Unido, Portugal e

    com a Espanha consignam a regra de que a pena deve ter durao exeqvel no

    Estado recebedor ou deve poder ser convertida, pelas autoridades competentes

    do Estado recebedor, a uma durao exeqvel nesse Estado. Os tratados com

    a Bolvia e com a Argentina exigem que a pena tenha durao determinada. A

    ausncia de regra expressa nos outros Estados resolvida pelo requisito da no

    contrariedade ordem jurdica do Estado recebedor, que poder negar a transfe

    rncia ou condicion-Ia comutao.

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    Cooperao internacional na execuo da pena

    5.6 Condies

    De modo geral os tratados celebrados pelo Brasil contemplam, implcita ou

    explicitamente, sete condies: i

    Nacionalidade dapessoa condenada correspondente

    aoEstado recebedor.

    A nacionalidade aferida de acordo com o conceito estabelecido

    na Constituio e nas leis de cada pas. Os tratados com Portugal e Reino Unido

    apresentam a peculiaridade de admitir a transferncia de qualquer pessoa, desde

    que tenha residncia habitual ou vnculo pessoal no territrio da outra Parte capaz

    de justificar a transferncia. ii Trnsito emjulgado da sentena. iii Suficiente lapso

    depena pendente de cumprimento,

    aferido no momento da solicitao. O mnimo

    aceito comumente seismeses, o que pode inviabilizar a transferncia face ademora

    do procedimento. Os tratados com o Canad e com a Espanha se referem a uma

    durao exeqvel, o do Paraguai exige 12 meses, salvo razes excepcionais, os da

    Argentina e Bolvia, um ano. iv

    Consentimento voluntrio da pessoa condenada,

    que deve ser previamente informada das conseqncias jurdicas da transferncia

    e concordar expressamente por escrito. No caso de menores ou de inimputveis,

    o documento deve ser subscrito pelo representante legal. Antes de ser efetuada a

    transferncia o Estado recebedor pode verificar, por meio de funcionrio desig-

    nado, se o consentimento se fez de modo regular. A revogao do consentimento

    s est prevista no tratado com o Chile, at antes da aceitao da transferncia

    pelos dois Estados.

    v Dupla incriminao dofato como crime.

    No se levam em

    conta as diferenas de denominao e as que no afetam a natureza do crime. vi

    Conjrmidade com a ordem jurdica do Estado receptor. vii Concordncia dos Estados

    Partes com a traniferncia.

    O tratado com a Argentina exige a condio adicional de que o preso

    tenha reparado os danos causados vtima, se lhe era possvel. O tratado com a

    Bolvia faz depender do pagamento de multas, custas judiciais, reparao cvel ou

    condenao pecuniria de qualquer natureza, ou que garanta seu pagamento de

    forma satisfatria. O tratado com o Paraguai segue igual regra acrescentando a

    Processo Penal 245

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    Ela Wiecko V. de Castilho

    comprovao de inexistncia de trmite de demanda por indenizao na jurisdio

    civil bem como excetuando o preso que comprove a sua absoluta insolvncia.

    5. 7

    imit es

    Clusula comum a todos os tratados a de que a pessoa transferida no

    poder ser detida processada ou condenada novamente no Estado recebedor pelo

    mesmo crime que motivou a sentena. Entende se que poder s Io por outro.

    Os tratados com o Canad Chile e Espanha explicitam que o preso trans-

    ferido no ser privado de nenhum direito em virtude da legislao do Estado

    recebedor salvo quando suscitado pela prpria imposio da pena.

    A pena ser cumprida de acordo com as leis e procedimentos do Estado

    recebedor.

    indiscutvel que o Estado recebedor no pode agravar a pena ou

    prolongar a sua durao. Mas os Estados remetentes se preocupam com as modi-

    ficaes que alteram a durao da pena ou seu regime para que a transferncia no

    se transforme numa vlvula de escape punio. Por isso o Brasil ops reserva a

    possibilidade de reduo de perodos de priso ou do cumprimento alternativo da

    pena conforme facultado pelo art.

    VII 2

    da Conveno lnteramericana. Todavia

    pelos tratados com a Bolvia e Argentina o Estado Recebedor pode outorgar e

    revogar a liberdade condicional antecipada ou vigiada. O tratado com o Paraguai

    admite tambm a mudana de regime da pena privativa de liberdade.

    Todos os tratados estabelecem que apenas o Estado sentenciador pode

    proceder reviso da sentena condenatria. O tratado com o Peru acrescenta a

    modificao cancelamento indulto anistia ou graa; o tratado com o Reino Unido

    a modificao ou reforma reduo comutao extino; os tratados com o Chile

    Espanha Bolvia e Argentina indulto anistia ou comutao; os tratados com a

    Bolvia e Argentina ainda anulao modificao perdo ou tornar sem efeito; o

    tratado com o Paraguai anulao modificao ou tornar sem efeito; o tratado com

    o Canad perdo e anistia.

    246 RBCCRIM 71 2008

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    Cooperao internacional na execuo da pena

    8 Efeito

    Suspende a execuo da pena no Estado sentenciador. Mas o Estado

    recebedor no poder continuar executando a pena no caso em que o Estado

    remetente consider-Ia cumprida. A dinmica da execuo exige que os dois

    Estados mantenham intercmbio constante de informaes.

    9 Procedimento

    Qyanto ao procedimento h dois tipos: transferncia passiva a do estran

    geiro condenado no Brasil que quer ser transferido para seu pas e transferncia ati

    va a do brasileiro condenado no exterior que quer ser transferido para o Brasil .

    O procedimento se desenvolve na Secretaria Nacional deJustialDiviso

    de Medidas Compulsrias do Ministrio da Justia, indicado nos tratados como

    a autoridade central brasileira. Na maioria dos pases com que o Brasil celebrou

    tratados igualmente o Ministrio da Justia a autoridade central. De qualquer

    modo, sempre intervm a autoridade diplomtica. A transferncia passiva tem incio

    com a solicitao, em regra por Nota Verbal, formulada por embaixada, de ofcio ou

    decorrente de pedido do estrangeiro preso ou de seu familiar. A seguir, comunica-se

    ao juzo da execuo penal, solicitando os documentos necessrios. Depois de tra

    duzidos so encaminhados Embaixada do pas recebedor. Sehouver concordncia

    so ultimados atos administrativos no mbito do Ministrio da Justia e contatada

    novamente a embaixada para apresentar compromisso de respeito aos termos da

    transferncia. A Polcia Federal encarrega-se da entrega do preso aos agentes do

    Governo estrangeiro. As despesas correm conta do Brasil at a entrega.

    A transferncia ativa deflagrada a partir de correspondncia do preso

    brasileiro dirigida s autoridades brasileiras, aqui ou no exterior, diretamente ou

    por intermdio de amigos ou familiares. Tomando conhecimento, o Ministrio

    das Relaes Exteriores contata a embaixada do local da priso a fim de solicitar os

    documentos, que devero ser traduzidos. Aps, verifica -se com ojuzo de execuo

    Processo Penal 247

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    Cooperao internacional na execuo da pena

    7. efernci s bibliogrfic s

    ARAUJO JR. Joo Marcelo de. Cooperao internacional na luta contra o crime:

    transferncia de condenados. Execuo de sentena penal estrangeira. Novo

    conceito.

    Revista Brasileira de Cincias Criminais

    ano 3 n. 10 abro-jun. 1995.

    BASSlOUNl Cherif. The indirect enforcement system : modalities ofinter

    national cooperation in penal matters.

    Nouvelles tudes pnales

    Association

    lnternationale de Droit Penal res n. 19 2004.

    GUElROS SOUZA Artur de Brito.

    Presos estrangeiros noBrasil:

    aspectos jurdicos

    e criminolgicos. Rio de Janeiro: LumenJuris 2007.

    SOUZA Solange Mendes de.

    Cooperao jurdica penal no Mercosul:

    novas pos

    sibilidades. Rio de Janeiro: Renovar 2001.