joan scott genero fichado

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  • 7/27/2019 Joan Scott GENERO Fichado

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    GNERO: UMA CATEGORIA TIL

    PARA A ANLISE HISTRICA

    Joan Scott**

    Gnero, Gram. Categoria que indica por meio de desinncia uma diviso dos nomes baseada em

    critrios tais como sexo e associaes psicolgicas. ! gneros masculino, "eminino e neutro.

    #ovo $icion!rio da %&ngua 'ortuguesa ()urlio . de ollanda +erreira.

    )queles que se propem a codi"icar os sentidos das palavras lutam por uma causa

    perdida, porque as palavras, como as idias e as coisas que elas signi"icam, tm uma

    -istria. #em os pro"essores de x"ord, nem a )cademia +rancesa "oram inteiramente

    capa/es de controlar a mar de captar e "ixar os sentidos livres do 0ogo da inveno e da

    imaginao -umana. 1ar2 3ortle2 1ontagu acrescentava a ironia 4 sua den5ncia do

    6belo sexo7 (6meu 5nico consolo em pertencer a este gnero ter certe/a de que nunca

    vou me casar com uma delas7 "a/endo uso, deliberadamente errado, da re"erncia

    gramatical. )o longo dos sculos, as pessoas utili/aram de "orma "igurada os termos

    gramaticais para evocar traos de car!ter ou traos sexuais. 'or exemplo, a utili/ao

    proposta pelo $icion!rio da %&ngua +rancesa de 89:; era< 6#o se sabe qual o seu

    gnero, se mac-o ou "mea, "ala=se de um -omem muito retra&do, cu0os sentimentosso descon-ecidos7. > Gladstone "a/ia esta distino em 89:9< 6)tenas no tin-a nada

    do sexo a no ser o gnero, nada de mul-er a no ser a "ama7. 1ais recentemente ?

    recentemente demais para encontrar seu camin-o nos dicion!rios ou na enciclopdia das

    cincias sociais ? as "eministas comearam a utili/ar a palavra 6gnero7 mais seriamente,

    no sentido mais literal, como uma maneira de re"erir=se 4 organi/ao social da relao

    entre os sexos. ) conexo com a gram!tica ao mesmo tempo expl&cita e c-eia de

    possibilidades inexploradas. >xpl&cita, porque o uso gramatical implica em regras quedecorrem da designao do masculino ou "eminino@ c-eia de possibilidades inexploradas,

    porque em v!rios idiomas indo=europeus existe uma terceira categoria ? o sexo inde"inido

    ou neutro. #a gram!tica, gnero compreendido como um meio de classi"icar

    "enAmenos, um sistema de distines socialmente acordado mais do que uma descrio

    ob0etiva de traos inerentes. )lm disso, as classi"icaes sugerem uma relao entre

    categorias que permite distines ou agrupamentos separados.

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    #o seu uso mais recente, o 6gnero7 parece ter aparecido primeiro entre as "eministas

    americanas que queriam insistir na qualidade "undamentalmente social das distines

    baseadas no sexo. ) palavra indicava uma re0eio ao determinismo biolgico impl&cito no

    uso de termos como 6sexo7 ou 6di"erena sexual7. 6gnero7 sublin-ava tambm o

    aspecto relacional das de"inies normativas de "eminilidade. )s que estavam maispreocupadas com o "ato de que a produo dos estudos "emininos centrava=se sobre as

    mul-eres de "orma muito estreita e isolada, utili/aram o termo 6gnero7 para introdu/ir

    uma noo relacional no nosso vocabul!rio anal&tico. Begundo esta opinio, as mul-eres

    e os -omens eram de"inidos em termos rec&procos e nen-uma compreenso de qualquer

    um poderia existir atravs de estudo inteiramente separado. )ssim, #at-alie $avis di/ia

    em 8;:< 6>u ac-o que dever&amos nos interessar pela -istria tanto dos -omens quanto

    das mul-eres, e que no dever&amos trabal-ar unicamente sobre o sexo oprimido, damesma "orma que um -istoriador das classes no pode "ixar seu ol-ar unicamente sobre

    os camponeses. Nosso objet!o " enten#e$ a %&o$t'nca #os se(os) #os *$+&os #e

    *,ne$os no &assa#o -st.$co. #osso ob0etivo descobrir a amplitude dos

    papis sexuais e do simbolismo sexual nas v!rias sociedades e pocas,

    ac-ar qual o seu sentido e como "uncionavam para manter a ordem social e

    para mud!=la7.

    )demais, e talve/ o mais importante, o 6gnero7 era um termo proposto por aquelas que

    de"endiam que a pesquisa sobre mul-eres trans"ormaria "undamentalmente os

    paradigmas no seio de cada disciplina. )s pesquisadoras "eministas assinalaram muito

    cedo que o estudo das mul-eres acrescentaria no s novos temas, como tambm iria

    impor uma reavaliao cr&tica das premissas e critrios do trabal-o cient&"ico existente.

    6)prendemos7, escreviam trs -istoriadoras "eministas, 6que inscrever as mul-eres na

    -istria implica necessariamente na rede"inio e no alargamento das noes tradicionaisdo que -istoricamente importante, para incluir tanto a experincia pessoal e sub0etiva,

    quanto atividades p5blicas e pol&ticas. #o exagerado di/er que, por mais -esitante que

    se0am os passos iniciais, esta metodologia implica no apenas em uma nova -istria das

    mul-eres, mas em uma nova -istria7. ) maneira como esta nova -istria iria

    simultaneamente incluir e apresentar a experincia das mul-eres dependeria da maneira

    como o gnero poderia ser desenvolvido enquanto categoria de an!lise. )qui as

    analogias com a classe e a raa eram expl&citas@ com e"eito as(os pesquisadoras(es de

    estudos sobre a mul-er que tin-am uma viso pol&tica mais global, recorriam

    regularmente a essas trs categorias para escrever uma nova -istria. 6 interesse pelas

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    categorias de classe, de raa e de gnero assinalava inicialmente o compromisso do (a

    pesquisador (a com uma -istoria que inclu&a a "ala dos (as oprimidos (as e com uma

    an!lise do sentido e da nature/a de sua opresso@ assinalava tambm que esses (as

    pesquisadores (as levavam cienti"icamente em relao o "ato de que as desigualdades

    de poder esto organi/adas segundo, no m&nimo, estes trs eixos.

    ) ladain-a 6classe, raa e gnero7 sugere uma paridade entre os trs termos que, no

    existe. >nquanto a categoria de 6classe7 est! baseada na complexa teoria de 1arx (e

    seus desenvolvimentos posteriores sobre a determinao econAmica e a mudana

    -istrica, as categorias de 6raa7 e 6gnero7 no veiculam tais associaes. #o -!

    unanimidade entre os(as que utili/am os conceitos de classe. )lguns(mas

    pesquisadores(as utili/am as noes de 3eber, outros(as utili/am a classe como uma

    "rmula -eur&stica tempor!ria. )lm disso, quando mencionamos a 6classe7, trabal-amos

    com ou contra uma srie de de"inies que, no caso do marxismo, impliquem uma idia

    de causalidade econAmica e numa viso do camin-o pelo qual a -istria avanou

    dialeticamente. #o existe esse tipo de clare/a ou coerncia nem para a categoria de

    6raa7 nem para a de 6gnero7. #o caso de 6gnero7, o seu uso comporta um elenco tanto

    de posies tericas, quanto de simples re"erncias descritivas 4s relaes entre os

    sexos.

    >ntretanto, os (as -istoriadores (as "eministas ? que como a maioria dos (as

    -istoriadores(as so "ormados(as para "icar mais 4 vontade com descries do que com

    teoria ? tentaram cada ve/ mais buscar "ormulaes tericas utili/!veis. >les(as "i/eram

    isso pelo menos por duas ra/es. 'rimeiro, porque a proli"erao de estudos de caso na

    -istria das mul-eres parece exigir uma perspectiva sinttica que possa explicar as

    continuidades e descontinuidades e dar conta das desigualdades persistentes, mas

    tambm das experincias sociais radicalmente di"erentes. $epois, porque ade"asagem entre a alta qualidade dos trabal-os recentes em -istria das

    mul-eres e o seu estatuto, que permanece marginal em relao ao con0unto

    da disciplina (que pode ser medida pelos manuais, programas universit!rios

    e monogra"ias, mostra os limites das abordagens descritivas que no

    questionam os conceitos dominantes no seio da disciplina ou, pelo menos,

    no os questionam de "orma a abalar o seu poder e, talve/, trans"orm!=los,no "oi su"iciente para os(as -istoriadores(as das mul-eres provar ou que

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    as mul-eres tiveram uma -istria ou que as mul-eres participaram das

    mudanas pol&ticas principais da civili/ao ocidental.

    #o que di/ respeito 4 -istria das mul-eres, a reao da maioria dos (as -istoriadores

    (as n/o 0e%nstas"oi recon-ec=la, coloc!=la em um dom&nio separado ou descart!=la(6as mul-eres tm uma -istria separada da dos -omens, portanto deixemos as

    "eministas "a/er a -istria das mul-eres, que no nos concerne necessariamente7 ou 6a

    -istria das mul-eres trata do sexo e da "am&lia e deveria ser "eita separadamente da

    -istria pol&tica e econAmica7. #o que di/ respeito 4 participao das mul-eres na

    -istria, a reao "oi, no mel-or dos casos, de um interesse m&nimo (61in-a compreenso

    da Devoluo +rancesa no mudou quando eu descobri que as mul-eres participaram

    dela7. desa"io lanado por este tipo de reao , em 5ltima instEncia, um desa"ioterico. >le exige a an!lise no s da relao entre experincias masculinas e "emininas

    no passado, mas, tambm, a ligao entre a -istria do passado e as pr!ticas -istricas

    atuais. Co%o que o *,ne$o 0+ncona nas $e1a23es socas -+%anas4Co%o que o

    *,ne$o #5 +% sent#o 6 o$*an7a2/o e 6 &e$ce&2/o #o con-ec%ento -st.$co4 )s

    respostas #e&en#e% #o *,ne$o co%o cate*o$a #e an51se.

    #a sua maioria, as tentativas das(os -istoriadoras(es de teori/ar sobre gnero no

    "ogem dos quadros tradicionais das cincias sociais< elas(es utili/am as "ormulaes

    antigas que propem explicaes causais universais. >ssas teorias tiveram, no mel-or

    dos casos, um car!ter limitado por tenderem a incluir generali/aes redutoras ou simples

    demais, que minam no s o sentido da complexidade da causalidade social na "orma

    proposta pela -istria como disciplina, mas tambm o enga0amento "eminista na

    elaborao de an!lises que levam 4 mudana. U% e(a%e c$8tco #estas teo$as

    %ost$a$5 os se+s 1%tes e &e$%t$5 &$o&o$ +%a abo$#a*e% a1te$nat!a.

    )s abordagens utili/adas pela maioria dos(as -istoriadores(as se dividem em duas

    categorias distintas. ) primeira essencialmente descritiva, re"ere=se 4 existncia de

    "enAmenos ou realidades sem interpret!=los, explic!=los ou atribuir=l-es uma causalidade.

    segundo uso de ordem causal< ela elabora teorias sobre a nature/a dos "enAmenos e

    das realidades, buscando como e porque assumem a "orma que tm.

    #o seu uso recente mais simples, 6gnero7 sinAnimo de 6mul-eres7. $urante os 5ltimos

    anos, livros e artigos que tin-am como tema a -istria das mul-eres, substitu&ram em

    seus t&tulos o termo 6mul-eres7 pelo termo 6gnero7. >m alguns casos, este uso, ainda

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    que se re"erindo vagamente a certos conceitos anal&ticos, trata realmente da

    aceitabilidade pol&tica desse campo de pesquisa. #essas circunstEncias, o uso do termo

    6gnero7 visa indicar a erudio e a seriedade de um trabal-o, pois 6gnero7 tem uma

    conotao mais ob0etiva e neutra do que 6mul-eres7. gnero parece integrar=se 4

    terminologia cient&"ica das cincias sociais e, por conseqFncia, dissociar=se da pol&tica(pretensamente escandalosa do "eminismo. #este uso, o termo gnero no implica

    necessariamente na tomada de posio sobre a desigualdade ou o poder, nem mesmo

    designa a parte lesada (e at agora invis&vel. >nquanto o termo 6-istria das mul-eres7

    revela sua posio pol&tica ao a"irmar (contrariamente 4s pr!ticas -abituais que as

    mul-eres so su0eitos -istricos v!lidos, o 6gnero7 inclui as mul-eres sem as nomear, e

    parece assim no se constituir em uma ameaa cr&tica. >ste uso do 6gnero7 um

    aspecto que poderia ser c-amado de procura de uma legitimidade acadmica pelosestudos "eministas nos anos 9H.

    1as isso apenas um aspecto. 6Gnero7 como substituto de 6mul-eres7 igualmente

    utili/ado para sugerir que a in"ormao a respeito das mul-eres necessariamente

    in"ormao sobre os -omens, que um implica no estudo do outro. >ste uso insiste na idia

    de que o mundo das mul-eres "a/ parte do mundo dos -omens, que ele criado dentro e

    por esse mundo. >sse uso re0eita a utilidade interpretativa da idia das es"eras separadas

    e de"ende que estudar as mul-eres de "orma isolada perpetua o mito de que uma es"era,

    a experincia de um sexo, tem muito pouco ou nada a ver com o outro sexo. )demais, o

    gnero igualmente utili/ado para designar as relaes sociais entre os sexos. seu uso

    re0eita explicitamente as explicaes biolgicas, como aquelas que encontram um

    denominador comum para v!rias "ormas de subordinao no "ato de que as mul-eres tm

    "il-os e que os -omens tm uma "ora muscular superior. gnero se torna, ali!s, uma

    maneira de indicar as 6construes sociais7< a criao inteiramente social das idias sobre

    os papis prprios aos -omens e 4s mul-eres. I uma maneira de se re"erir 4s origensexclusivamente sociais das identidades sub0etivas dos -omens e das mul-eres. gnero

    , segundo essa de"inio, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado.

    Com a proli"erao dos estudos do sexo e da sexualidade, o gnero se tornou uma

    palavra particularmente 5til, porque o"erece um meio de distinguir a pr!tica sexual dos

    papis atribu&dos 4s mul-eres e aos -omens. )pesar do "ato dos (as pesquisadores (as

    recon-ecerem as conexes entre o sexo e o que os socilogos da "am&lia c-amaram de

    6papis sexuais7, aqueles(as no colocam entre os dois uma relao simples ou direta.

    uso do 6gnero7 coloca a n"ase sobre todo o sistema de relaes que pode incluir o

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    sexo, mas que no diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a

    sexualidade.

    >sses usos descritivos do gnero "oram utili/ados pelos(as -istoriadores(as, na maioria

    dos casos, para mapear um novo terreno. #a medida em que os(as -istoriadores(as

    sociais se voltaram para novos temas de estudo, o gnero di/ia respeito apenas a temas

    como as mul-eres, as crianas, as "am&lias e as ideologias de gnero. >m outros termos,

    esse uso do gnero s se re"ere aos dom&nios ? tanto estruturais quanto ideolgicos ?

    que implicam em relaes entre os sexos. 'orque, na aparncia, a guerra, a diplomacia e

    a alta pol&tica tm explicitamente a ver com essas relaes. gnero parece no se

    aplicar a esses ob0etivos e, portanto, continua irrelevante para a re"lexo dos(as

    -istoriadores(as que trabal-am sobre o pol&tico e o poder. Jsso resulta na adeso a uma

    certa viso "uncionalista baseada, em 5ltima an!lise, sobre a biologia, bem como na

    perpetuao da idia das es"eras separadas (a sexualidade ou a pol&tica, a "am&lia ou a

    nao, as mul-eres ou os -omens na escritura da -istria. 1esmo se nesse uso o termo

    6gnero7 a"irma que as relaes entre os sexos so sociais, ele no di/ nada sobre as

    ra/es pelas quais essas relaes so constru&das desta "orma, como "uncionam ou

    como mudam. #o seu uso descritivo, o 6gnero7 , portanto, um conceito associado ao

    estudo das coisas relativas 4s mul-eres. 6gnero7 um novo tema, novo campo de

    pesquisas -istricas, mas ele no tem a "ora de an!lise su"iciente para interrogar (e

    mudar os paradigmas -istricos existentes.

    )lguns(mas -istoriadores(as estavam, naturalmente, conscientes desse problema, da&

    os es"oros para empregar teorias que possam explicar o conceito de gnero e dar conta

    da mudana -istrica. $e "ato, o desa"io a reconciliao da teoria ? que era concebida

    em termos gerais ou universais ? com a -istria ? que estava tratando do estudo de

    contextos espec&"icos e da mudana "undamental. resultado "oi muito eclticola alia o ato 4 palavra, a construo 4 expresso, a

    percepo 4 e"etivao e o mito 4 realidade. 6 -omem come a mul-er< su0eito, verbo,

    ob0eto7. Continuando a sua analogia com 1arx, 1acKinnon propAs como mtodo de

    an!lise "eminista, no lugar do materialismo dialtico, os grupos de conscincia.

    >xpressando a experincia compartil-ada de rei"icao, di/ia ela, as mul-eres

    compreendem sua identidade comum e so levadas para a ao pol&tica. #a an!lise de

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    1acKinnon, apesar do "ato de que as relaes sexuais se0am de"inidas como sociais, no

    tem nada ? "ora a inerente desigualdade da relao sexual em si ? que possa explicar por

    que o sistema de poder "unciona assim. ) "onte das relaes desiguais entre sexos ,

    a"inal de contas, as relaes desiguais entre os sexos. )pesar dela a"irmar que a

    desigualdade ? que tem as suas origens na sexualidade ? est! integrada em 6todo umsistema de relaes sociais7, ela no explica como esse sistema "unciona.

    )s teorias do patriarcado questionam a desigualdade entre -omens e mul-eres de v!rias

    maneiras importantes, mas para os(as -istoriadores(as as suas teorias colocam alguns

    problemas. >nquanto aquelas propem uma an!lise interna ao sistema do gnero,

    a"irmam igualmente a prima/ia desse sistema em relao 4 organi/ao social no seu

    con0unto. 1as as teorias do patriarcado no explicam o que que a desigualdade de

    gnero tem a ver com as outras desigualdades. Begundo, que a dominao ven-a na

    "orma de apropriao masculina do labor reprodutivo da mul-er, ou que ela ven-a pela

    rei"icao sexual das mul-eres pelos -omens, a an!lise baseia=se na di"erena "&sica.

    Loda di"erena "&sica tem um car!ter universal e imut!vel mesmo quando as tericas do

    patriarcado levam em considerao a existncia de mudanas nas "ormas e nos sistemas

    de desigualdade de gnero. Mma teoria que se baseia na vari!vel 5nica da di"erena

    "&sica problem!tica para os(as -istoriadores(as< elas pressupe um sentido coerente

    ou inerente ao corpo -umano ? "ora qualquer construo scio=cultural ? e portanto, a no

    -istoricidade do gnero em si. $e um certo ponto de vista, a -istria se torna um

    epi"enAmeno que o"erece variaes intermin!veis sobre o tema imut!vel de uma

    desigualdade de gnero "ixa.

    )s "eministas marxistas tm uma abordagem mais -istrica, 0! que so guiadas por uma

    teoria da -istria. 1as qualquer que se0am as variaes e as adaptaes, o "ato de que

    elas se impem a exigncia de encontrar uma explicao 6material7 para o gnero, limitouou, pelo menos, atrasou o desenvolvimento de novas direes de an!lise. Lanto nas

    an!lises que propem uma soluo baseada nos c-amados sistemas duais (compostos

    de dois dom&nios< o patriarcado e o capitalismo, separados mas em interao, como

    naquelas que se apoiam mais "irmemente nos debates marxistas ortodoxos sobre modos

    de produo, a explicao das origens e das trans"ormaes de sistemas de gneros

    encontrada "ora da diviso sexual do trabal-o. )"inal de contas, "am&lias, lares e

    sexualidade so produtos de modos de produo que mudam. I assim que >ngels

    conclu&a as suas exploraes na Origem da Famlia, da Propriedade Privada e do Estado,

    sobre isso que se baseia a an!lise da economista eidi artmann. >la insiste sobre a

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    necessidade de considerar o patriarcado e o capitalismo como dois sistemas separados,

    mas em interao. 'orm, na medida em que desenvolve a sua argumentao, a

    causalidade econAmica se torna priorit!ria e o patriarcado est! sempre se desenvolvendo

    e mudando como uma "uno das relaes de produo.

    s primeiros debates entre as "eministas marxistas giravam em torno dos mesmos

    problemas< a re0eio do essencialismo daqueles que de"endem que 6as exigncias da

    reproduo biolgica7 determinam a diviso sexual do trabal-o pelo capitalismo@ o car!ter

    "5til da integrao dos 6modos de reproduo7 nos debates sobre os modos de

    reproduo (a reproduo permanece uma categoria de oposio e no assume um

    estatuto equivalente no de modo de produo@ o recon-ecimento de que os sistemas

    econAmicos no determinam diretamente as relaes de gnero e que, de "ato, a

    subordinao das mul-eres anterior ao capitalismo e continua sob o socialismo@ a

    busca, apesar de tudo, de uma explicao materialista que exclua as di"erenas "&sicas

    naturais. Mma tentativa importante de sair desse c&rculo veio de Noan Oell2 no seu ensaio

    6) $upla Piso da Leoria +eminista7, onde ela de"endia que os sistemas econAmicos e os

    sistemas de gnero interagiam para produ/ir experincias sociais e -istricas@ que

    nen-um dos dois sistemas era causal, mas que ambos 6operavam simultaneamente para

    produ/ir as estruturas scio=econAmicas e de dominao masculina de uma ordem social

    particular7. ) idia de Oell2 de que os sistemas de 6gnero7 teriam uma existncia

    independente se constitui numa abertura conceitual decisiva, mas sua vontade de

    permanecer no quadro marxista levou=a a dar n"ase ao papel causal dos "atores

    econAmicos, inclusive no que di/ respeito 4 determinao do sistema de gnero ? 6)s

    relaes entre os sexos opera de acordo com e atravs das estruturas scio=econAmicas,

    bem como das estruturas de sexoQgnero7. Oell2 introdu/iu a idia de uma 6realidade

    social baseada no sexo7, mas ela tin-a tendncia a en"ati/ar a nature/a social dessa

    realidade mais do que sexual e, muitas ve/es, o uso que ela "a/ia do 6social7 eraconcebido em termos de relaes econAmicas de produo.

    ) explorao da sexualidade, que "oi mais longe entre as "eministas marxistas

    americanas, encontra=se no 6'oRers o" $esire7, um volume de ensaios publicados em

    8;9S. Jn"luenciadas, por um lado, pela ateno crescente dada 4 sexualidade pelos

    militantes e pesquisadores, por um lado, pela insistncia do "ilso"o "rancs 1ic--el

    +oucault de que a sexualidade produ/ida em contextos -istricos@ e por "im, pela

    convico de que a 6revoluo sexual7 contemporEnea exige uma an!lise sria, as

    autoras centraram suas interrogaes sobre a 6pol&tica sexual7. $esta maneira, elas

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    colocaram a questo da causalidade e propuseram uma srie de solues. $e "ato, o

    mais sugestivo nesse volume a "alta de unanimidade anal&tica, privilegiando a tenso na

    an!lise. Be certas autoras tendem individualmente a sublin-ar a causalidade dos

    contextos sociais (muitas ve/es entendidos como econAmicos, no entanto, elas sugerem

    a necessidade de estudar 6a estruturao ps&quica da identidade de gnero7. Be 4s ve/esest! dito que a 6ideologia de gnero7 6re"lete7 as estruturas econAmicas e sociais, tambm

    -! o recon-ecimento crucial da necessidade de se compreender a complexa 6ligao

    entre a sociedade e uma estrutura ps&quica persistente7. $e um lado, as respons!veis

    pela antologia adotam o argumento de Nessica en0amin, segundo o qual a pol&tica

    deveria incluir em sua an!lise a ateno 6sobre componentes erticos e "antasm!ticos da

    vida -umana7 mas, por outra parte, nen-um ensaio, alm do de en0amin, aborda

    plenamente ou seriamente as questes tericas que ela coloca. >m ve/ disso, -!sobretudo um pressuposto t!cito que percorre o volume, segundo o qual o marxismo

    poderia ser alargado para incluir as discusses sobre a ideologia, a cultura e a psicologia

    e que esse alargamento ser! e"etuado atravs de pesquisas sobre dados concretos,

    como aquelas que so "eitas na maioria dos artigos. ) vantagem de uma tal abordagem

    que ela evita divergncias agudas, e a sua desvantagem que ela deixa intacta uma

    teoria 0! inteiramente articulada que leva de volta 4s relaes entre os sexos para as

    relaes de produo.

    Mma comparao entre as tentativas das "eministas marxistas americanas ? exploratrias

    e relativamente abrangentes ? e as das suas -omlogas inglesas, mais estreitamente

    ligadas 4 pol&tica de uma "orte e vi!vel tradio marxista, revela que as inglesas tm tido

    mais di"iculdades em desa"iar os limites de explicaes estritamente deterministas. >ssa

    di"iculdade se expressa de "orma mais espetacular nos recentes debates que "oram

    publicados na New Left Rewiewentre 1ic-le arrett e seus(suas cr&ticos(as, que a

    acusavam de abandonar uma an!lise materialista da diviso sexual do trabal-o nocapitalismo. >la se expressa tambm pelo "ato de que os (as pesquisadores (as que

    tin-am iniciado uma tentativa "eminista de reconciliao entre a psican!lise e o marxismo

    e que tin-am insistido na possibilidade de uma certa "uso entre os dois, escol-am -o0e

    uma ou outra dessas posies tericas. ) di"iculdade para as "eministas inglesas e

    americanas que trabal-avam nos quadros do marxismo aparente nas obras que eu

    mencionei aqui. problema com o qual elas se de"rontam o inverso daqueles que a

    teoria do patriarcado coloca. 'ois no interior do marxismo, o conceito de gnero "oi por

    10

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    muito tempo tratado como sub=produto de estruturas econAmicas mutantes@ o gnero no

    tem tido o seu prprio estatuto de an!lise.

    Mm exame da teoria psicanal&tica exige uma distino entre as escolas, 0! que se teve a

    tendncia a classi"icar as di"erenas da abordagem segundo as origens nacionais dos

    seus "undadores ou da maioria daqueles ou daquelas que os aplicam. ) escola anglo=

    americana trabal-a dentro dos termos das teorias das relaes ob0etais. #os >stados

    Mnidos, o nome de #anc2 C-odoroR o mais associado a essa abordagem. )lm disso,

    o trabal-o de Carol Gilligan tem tido um impacto muito grande sobre a produo cient&"ica

    americana, inclusive na !rea da -istria. trabal-o de Gilligan inspira=se no trabal-o de

    C-orodoR, mesmo se ele en"oca menos a construo do su0eito do que o

    desenvolvimento moral e o comportamento. )o contr!rio da anglo=americana, a escola

    "rancesa baseia=se nas leituras estruturalistas e ps=estruturalistas de +reud, nos termos

    das teorias da linguagem (para as "eministas a "igura central Nacques %acan.

    )s duas escolas interessam=se pelos processos atravs dos quais "oi criada a identidade

    do su0eito, ambas centram o seu interesse nas primeiras etapas do desenvolvimento da

    criana com o ob0etivo de encontrar indicaes sobre a "ormao da identidade de

    gnero. )s teorias das relaes ob0etais colocam a n"ase sobre a in"luncia da

    experincia concreta (a criana v, tem relaes com as pessoas que cuidam dela e, emparticular, naturalmente, com os seus pais, ao passo que os ps=estruturalistas

    linguagem no designa unicamente as palavras, mas os sistemas de signi"icao, as

    ordens simblicas que antecedem o $om&nio da palavra propriamente dita, da leitura e da

    escrita. Mma outra di"erena entre essas duas escolas de pensamento di/ respeito ao

    inconsciente que, para C-odoroR, , em 5ltima instEncia, suscet&vel de compreenso

    consciente do su0eito. )demais, o lugar de emergncia da diviso sexual e, por essa

    ra/o, um lugar de instabilidade constante para o su0eito sexuado.

    #os anos recentes as -istoriadoras "eministas tm sido atra&das por essas teorias ou

    porque elas permitem "undamentar concluses particulares para observaes gerais, ou

    porque elas parecem o"erecer uma "ormulao terica importante no que di/ respeito ao

    gnero. Cada ve/ mais, os(as -istoriadores(as que trabal-am com o conceito de 6cultura

    "eminina7 citam as obras de C-odoroR e Gilligan como provas e como explicaes das

    suas interpretao@ aquelas que se debatem com a teoria "eminista, se voltam em direo

    a %acan. )"inal de contas, nen-uma dessas teorias me parece inteiramente utili/!vel

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    pelos (as -istoriadores (as, um ol-ar mais atento sobre cada uma delas poderia a0udar a

    explicar o porque.

    1in-as reticncias "rente 4s teorias das relaes ob0etais provm do seu literalismo, do

    "ato de que ela "a/ a produo da identidade de gnero e a gnese da mudana

    dependerem de estruturas de interpelao relativamente pequenas. Lanto a diviso do

    trabal-o na "am&lia quanto a atribuio concreta de tare"as a cada um dos pais tm um

    papel crucial na teoria de C-odoroR. produto do sistema dominante ocidental uma

    diviso n&tida entre masculino e "eminino< 6o sentido "eminino do >u "undamentalmente

    ligado ao mundo, o sentido masculino do >u "undamentalmente separado do mundo7.

    Begundo C-odoroR, se os pais "ossem mais envolvidos nos deveres parentais e mais

    presentes nas situaes domsticas, os resultados do drama edipiano seriam

    provavelmente di"erentes.

    >ssa interpretao limita o conceito de gnero 4 es"era da "am&lia e 4 experincia

    domstica e, para o(a -istoriador(a, ela no deixa meios de ligar esse conceito (nem o

    indiv&duo com outros sistemas sociais, econAmicos, pol&ticos ou de poder. Bem d5vida,

    est! impl&cito que as disposies sociais que exigem que os pais trabal-em e as mes

    cuidem da maioria das tare"as de criao dos "il-os, estruturam a organi/ao da "am&lia.

    1as a origem dessas disposies sociais no est! clara, nem o porque delas seremarticuladas em termos da diviso sexual do trabal-o. #o se encontra tambm nen-uma

    interrogao sobre o problema da desigualdade em oposio 4quele da simetria. Como

    podemos explicar, no seio dessa teoria, as associaes persistentes da masculinidade

    com o poder e o "ato de que os valores mais altos esto mais investidos na qualidade de

    masculino do que na qualidade de "emininoT Como podemos explicar o "ato de que as

    crianas aprendem essas associaes e avaliaes mesmo quando elas vivem "ora dos

    lares nucleares ou dentro de lares onde o marido e a mul-er dividem as tare"as parentaisT>u ac-o que no podemos "a/er isso sem dar uma certa ateno aos sistemas de

    signi"icao, isto , 4s maneiras como as sociedades representam o gnero, utili/am=no

    para articular regras de relaes sociais ou para construir o sentido da experincia. Bem o

    sentido no -! experincia@ sem processo de signi"icao no -! sentido.

    ) linguagem o centro da teoria lacaniana@ a c-ave do acesso da criana 4 ordem

    simblica. )travs da linguagem a identidade de gnero constru&da. Begundo %acan, o

    "ato o signi"icante central da di"erena sexual, mas o sentido do "alo tem que ser lido de

    "orma meta"rica. drama edipiano "a/ com que a criana con-ea os termos da

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    interao cultural, 0! que a ameaa de castrao representa o poder, as regras da %ei (de

    'ai. ) relao da criana com a %ei depende da di"erena sexual, da sua identi"icao

    imagin!ria (ou "antasm!tica com a masculinidade ou "eminilidade. >m outros termos, a

    imposio das regras da interao social inerente e especi"icamente de gnero, 0! que a

    relao "eminina com o "alo obrigatoriamente di"erente da relao masculina. 1as aidenti"icao de gnero, mesmo quando ela aparece como sendo coerente e "ixa , de

    "ato, extremamente inst!vel. $a mesma "orma que os sistemas de signi"icao, as

    identidades sub0etivas so processos de di"erenciao e de distino, que exigem a

    supresso das ambiguidades e dos elementos opostos a "im de assegurar (de criar a

    iluso de uma coerncia e uma compreenso comuns. princ&pio de masculinidade

    baseia=se na represso necess!ria dos aspectos "emininos ? do potencial bissexual do

    su0eito@ e introdu/ o con"lito na oposio entre o masculino e o "eminino. $ese0osreprimidos esto presentes na unidade e subvertendo sua necessidade de segurana.

    )demais, as idias conscientes do masculino e do "eminino no so "ixas, 0! que elas

    variam segundo os usos do contexto. 'ortanto, existe sempre um con"lito entre a

    necessidade que o su0eito tem de uma aparncia de totalidade e a impreciso da

    terminologia, relatividade do seu signi"icado e sua dependncia em relao 4 represso.

    >sse tipo de interpretao torna problem!ticas as categorias 6-omem7 e 6mul-er7,

    sugerindo que o masculino que o masculino e o "eminino no so caracter&sticas

    inerentes, mas construes sub0etivas (ou "ict&cias. >ssa interpretao implica tambm

    que su0eito se encontra num processo constante de construo e o"erece um meio

    sistem!tico de interpretar o dese0o consciente e inconsciente, re"erindo=se 4 linguagem

    como um lugar adequado para a an!lise. >nquanto tal, considero=a instrutiva.

    #o entanto me incomoda a "ixao exclusiva sobre as questes relativas ao su0eito

    individual e tendncia a rei"icar como a dimenso principal do gnero, o antagonismo

    sub0etivamente produ/ido entre -omens e mul-eres. )demais, mesmo "icando em abertoa maneira como 6o su0eito7 constru&do, a teoria tende a universali/ar as categorias e a

    relao entre -omem e mul-er. ) conseqFncia para os(as -istoriadores(as uma

    leitura redutora dos dados do passado. 1esmo se esta teoria leva em considerao as

    relaes sociais articulando a castrao com a proibio e a lei, ela no permite a

    introduo de uma noo de especi"icidade e de variabilidade -istrica. "ato o 5nico

    signi"icante, o processo de construo do su0eito de gnero , em 5ltima instEncia,

    previs&vel, 0! que sempre o mesmo. Be ns pensarmos a construo da sub0etividadeem contextos -istricos e sociais como sugere a terica de cinema Leresa de %auretis,

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    no -! meio de precisar estes contextos nos termos propostos por %acan. $e "ato,

    mesmo na tentativa de %auretis, a realidade social (isto , 6as relaes materiais,

    econAmicas e interpessoais que so de "ato sociais, e numa perspectiva mais

    amplamente -istricas7 parece situar=se 4 revelia do su0eito. +alta uma maneira de

    conceber a 6realidade social7 em termos de gnero.

    ) pol&tica constitui apenas um dos dom&nios onde o gnero pode ser utili/ado para a

    an!lise -istrica. >u escol-i por duas ra/es os seguintes exemplos ligados 4 pol&tica e

    ao poder no seu sentido mais tradicional, isto , no que di/ respeito ao governo e ao

    >stado=#ao. 'rimeiro, porque se trata de um territrio praticamente inexplor!vel, 0! que

    o gUenero "oi percebido como uma categoria antittica aos negcios srios da verdadeira

    pol&tica. $epois, porque a -istria pol&tica ? que ainda o modo dominante da

    interrogao -istrica ? "oi o bastio da resistncia 4 incluso de materiais ou de questes

    sobre as mul-eres e o gnero.

    gnero "oi utili/ado literal ou analogicamente pela teoria pol&tica para 0usti"icar ou criticar

    o reinado de monarcas ou para expressar relaes entre governantes e governos. 'oder=

    se=ia esperar que ten-a existido debate entre os contemporEneos dos reinos de >li/abet-

    J da Jnglaterra ou Cat-erine de 1dicis na +rana sobre a adequao das mul-eres 4

    direo pol&tica@ mas numa poca em que parentesco e reale/a eram intrinsecamenteligados, as discusses sobre os reis mac-os colocavam igualmente em 0ogo

    representaes da masculinidade e da "eminilidade. )s analogias com a relao marital

    constituem uma estrutura para os argumentos de Nean odin, Dobert +ilmer e No-n

    %ocKe. ataque de >dmond urKe contra a Devoluo +rancesa se desenvolve em torno

    de um contraste entre as -arpias "eias e matadoras 6sans culottes7 (6as "5rias do in"erno

    sob a "orma desnaturada da mais vil das mul-eres7 e a 6doce "eminilidade7 de 1arie=

    )ntoinette que escapou 4 multido para 6procurar re"5gio aos ps de um rei e de ummarido7 e cu0a bele/a tin-a antigamente inspirado o orgul-o nacional (re"erindo=se ao

    papel apropriado ao "eminino na ordem pol&tica urKe escreveu< 6para que se possa amar

    a nossa p!tria, a nossa p!tria tem que ser am!vel7. 1as a analogia no di/ respeito

    sempre no casamento, nem mesmo 4 -eterossexualidade. #a teoria pol&tica da Jdade

    1dia islEmica, o s&mbolo do poder pol&tico "a/ mais "reqFentemente aluso 4s relaes

    sexuais entre um -omem e um menino, sugerindo no s a existncia de "ormas de

    sexualidade aceit!veis compar!veis 4quelas que +oucault descreve em seu 5ltimo livro a

    respeito da Grcia Cl!ssica, mas tambm 4 irrelevEncia das mul-eres para qualquer

    noo de pol&tica ou de vida p5blica.

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    'ara que este 5ltimo coment!rio no se0a interpretado como a idia de que a teoria

    pol&tica re"lete simplesmente a organi/ao social, parece importante ressaltar que a

    mudana nas relaes de gnero pode acontecer a partir de consideraes sobre as

    necessidades do >stado. Mm exemplo importante "ornecido pela argumentao de

    %ouis de onald em 898U, sobre as ra/es pelas quais a legislao da Devoluo+rancesa sobre o divrcio devia ser revogada< da mesma "orma que a democracia pol&tica

    6permite ao povo, parte "raca da sociedade pol&tica, rebelar=se contra o poder

    estabelecido7, da mesma "orma o divrcio, 6verdadeira democracia domstica7, permite 4

    esposa, 6parte mais "raca, rebelar=se contra a autoridade do marido (... ) "im de manter o

    >stado "ora do alcance do povo, necess!rio manter a "am&lia "ora do alcance das

    esposas e das crianas7.

    onald comea com uma analogia para, em seguida, estabelecer uma correspondncia

    direta entre o divrcio e a democracia. Detomando argumentos bem mais antigos a

    respeito da "am&lia bem ordenada como "undamento do >stado bem ordenado, a

    legislao que estabeleceu essa posio rede"iniu os limites da relao marital. $a

    mesma "orma, na nossa poca, os idelogos pol&ticos conservadores gostariam de "a/er

    passar toda uma srie de leis sobre a organi/ao e o comportamento da "am&lia, que

    modi"icariam as pr!ticas atuais. ) ligao entre os regimes autorit!rios e o controle das

    mul-eres tem sido observada, mas no "oi estudada com pro"undidade. Be0a num

    momento cr&tico para a -egemonia 0acobina durante a Devoluo +rancesa, se0a na -ora

    em que Bt!lin apoderou=se da autoridade de controle, ou na poca da implementao da

    pol&tica na/ista na )leman-a, ou ainda no triun"o do )iatol! O-omein2 no Jr, em todas

    essas circunstEncias, os dirigentes emergentes, legitimavam a dominao, a "ora, a

    autoridade central e o poder soberano identi"icando=os ao masculino (os inimigos, os

    6outsiders7, os subversivos e a "raque/a eram identi"icados ao "eminino, e tradu/iam

    literalmente esse cdigo em leis (proibindo sua participao na vida pol&tica, tornando oaborto ilegal, proibindo o trabal-o assalariado das mes, impondo cdigos de vestu!rio 4

    mul-eres que colocavam as mul-eres em seu lugar. >ssas aes e a poca de sua

    reali/ao tm pouco sentido em si mesmas. #a maioria dos casos, o >stado no tin-a

    nada de imediato ou nada de material a gan-ar com o controle das mul-eres. >ssas

    aes s podem adquirir em sentido se elas so integradas a uma an!lise da construo

    e da consolidao do poder. Mma a"irmao de controle ou de "ora tomou a "orma de

    uma pol&tica sobre as mul-eres. >les podem nos dar idias sobre os diversos tipos derelaes de poder que se constrem na -istria moderna, mas essa relao particular no

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    constitui um tema pol&tico universal. Begundo modos di"erentes, por exemplo, o regime

    democr!tico do sculo VV tem igualmente constru&do as suas ideologias pol&ticas a partir

    de conceitos de gnero que se tradu/iram em pol&ticas concretas@ o >stado de em=>star

    Bocial, por exemplo, demonstrou seu paternalismo protetor atravs de leis dirigidas 4s

    mul-eres e 4s crianas. )o longo da -istria, alguns movimentos socialistas ouanarquistas recusaram completamente as met!"oras de dominao, apresentando de

    "orma imaginativa as suas cr&ticas aos regimes e organi/aes sociais particulares, em

    termos de trans"ormao da identidade de gnero. s socialistas utpicos na +rana e na

    Jnglaterra nos anos de 89SH e 89WH conceberam son-os de um "uturo -armonioso em

    termos das nature/as complementares dos indiv&duos, ilustrados pela unio do -omem e

    da mul-er, 6o indiv&duo social7. s anarquistas europeus eram con-ecidos desde muito

    tempo pela sua recusa das convenes do casamento burgus, mas tambm pelas suasvises de um mundo no qual as di"erenas sexuais no implicariam em -ierarquia.

    Lrata=se de exemplos de ligaes expl&citas entre o gnero e o poder, mas estas

    constituem apenas uma parte da min-a de"inio do gnero como um modo primeiro de

    signi"icar as relaes de poder. +requentemente, a ateno dedicada ao gnero no

    expl&cita, mas constitui, no entanto, uma dimenso decisiva da organi/ao da igualdade

    e desigualdade. )s estruturas -ier!rquicas baseiam=se em compreenses generali/adas

    da relao pretensamente natural entre -omem e mul-er. ) articulao do conceito de

    classe no sculo VJV baseava=se no gnero. >nquanto na +rana, por exemplo, os

    re"ormadores burgueses descreviam os oper!rios em termos codi"icados como "emininos

    (subordinados, "racos, sexualmente explorados como as prostitutas, ou dirigentes

    oper!rios e socialistas respondiam insistindo na posio masculina da classe oper!ria

    (produtores "ortes, protetores das mul-eres e das crianas. s termos desse discurso

    no di/iam respeito explicitamente ao gnero, mas eram re"orados na medida em que se

    re"erenciavam a ele. ) codi"icao de gnero de certos termos estabelecia e6naturali/ava7 seus signi"icados. #esse processo, de"inies normativas do gnero,

    -istoricamente espec&"icas (e tomadas como dadas, reprodu/iram=se e integraram=se 4

    cultura da classe oper!ria "rancesa.

    s temas da guerra, da diplomacia e da alta pol&tica aparecem "requentemente quando

    os(as -istoriadores(as da -istria pol&tica tradicional colocam em questo a utilidade do

    gnero para o seu trabal-o. 1as, tambm, temos que ol-ar alm dos atores e do valor

    literal das suas palavras. )s relaes de poder entre as naes e o estatuto dos s5ditos

    coloniais "oram tomados compreens&veis (e portanto leg&timos em termos das relaes

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    entre -omem e mul-er. ) legitimao da guerra ? sacri"icar vidas de 0ovens para proteger

    o >stado ? tomou "ormas diversi"icadas, desde o apelo expl&cito 4 virilidade (a

    necessidade de de"ender as mul-eres e as crianas, que de outra "orma seriam

    vulner!veis at a crena no dever que teriam os "il-os de servir aos seus dirigentes ou a

    seu (pai o rei, e at associaes entre masculinidade e potncia nacional. ) alta pol&tica,ela mesma, um conceito de gnero porque estabelece a sua importEncia decisiva e seu

    poder p5blico, as ra/es de ser e a realidade da existncia de sua autoridade superior,

    precisamente graas a excluso das mul-eres do seu "uncionamento. gnero uma

    das re"erncias recorrentes pelas quais o poder pol&tico "oi concebido, legitimado e

    criticado. >le se re"ere 4 oposio -omemQmul-er e "undamenta ao mesmo tempo o seu

    sentido. 'ara reivindicar o poder pol&tico, a re"erncia tem que parecer segura e "ixa, "ora

    de qualquer construo -umana, "a/endo parte da ordem natural ou divina. $esta "orma,a oposio bin!ria e o processo social das relaes de gnero tornam=se, ambos, partes

    do sentido do prprio poder. Colocar em questo ou mudar um aspecto ameaa o sistema

    por inteiro.

    Be as signi"icaes de gnero e de poder se constroem reciprocamente, como que as

    coisas mudamT $e um ponto de vista geral responde=se que a mudana pode ter v!rias

    origens. Lranstornos pol&ticos de massa que coloquem as ordens antigas em caos e

    engendrem novas, podem revisar os termos (e, portanto, a organi/ao do gnero na

    procura de novas "ormas de legitimao. 1as eles podem no "a/=lo@ noes antigas

    serviram igualmente para validar novos regimes. Crises demogr!"icas, causadas pela

    "ome, pestes ou guerras, colocaram, 4s ve/es, em questo as vises normativas do

    casamento -eterossexual (como "oi o caso em certos meios de certos pa&ses no decorrer

    dos anos XH@ mas tambm, provocaram pol&ticas natalistas que insistiram na importEncia

    exclusiva das "unes maternas e reprodutivas das mul-eres. Lrans"ormaes nas

    estruturas do emprego podem modi"icar as estratgias de casamento@ elas podemo"erecer novas possibilidades para a construo da sub0etividade, mas elas podem

    tambm ser vividas como novo espao de atividade para "il-as e esposas obedientes. )

    emergncia de novos tipos de s&mbolos culturais pode tornar poss&vel a reinterpretao

    ou mesmo a reescritura da -istria edipiana, mas ela pode servir para atuali/ar este

    drama terr&vel em termos ainda mais eloquentes. Bo os processos pol&ticos que vo

    determinar o resultado de quem vencer! ? pol&ticos no sentido de que v!rios atores e

    v!rias signi"icaes en"rentam=se para conseguir o controle. ) nature/a desse processo,dos atores e das aes, s pode ser determinada especi"icamente se situada no espao e

    17

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    no tempo. B podemos escrever a -istria desse processo se recon-ecermos que

    6-omem7 e 6mul-er7 so ao mesmo tempo categorias va/ias e transbordantes@ va/ias

    porque elas no tm nen-um signi"icado de"initivo e transcendente@ transbordantes

    porque, mesmo quando parecem "ixadas, elas contm ainda dentro delas de"inies

    alternativas negadas ou reprimidas.

    >m certo sentido, a -istria pol&tica "oi encenada no terreno do gnero. I um terreno que

    parece "ixado, mas cu0o sentido contestado e "lutuante. Be tratarmos da oposio entre

    masculino e "eminino como sendo mais problem!tica do que con-ecida, como alguma

    coisa que de"inida e constantemente constru&da num contexto concreto, temos ento

    que perguntar no s o que que est! em 0ogo nas proclamaes ou nos debates que

    invocam o gnero para explicar ou 0usti"icar suas posies, mas tambm, como

    compreenses impl&citas do gnero so invocadas ou reativadas. Yual a relao entre

    as leis sobre as mul-eres e o poder do >stadoT 'or que (e desde quando as mul-eres

    so invis&veis como su0eitos -istricos, quando sabemos que elas participaram dos

    grandes e pequenos eventos da -istria -umanaT gnero tem legitimado a emergncia

    de carreiras pro"issionaisT 'ara citar o t&tulo de um artigo recente da "eminista "rancesa

    %uce Jrigara2, o su0eito da cincia sexuadoT Yual a relao entre a pol&tica do >stado

    e a descoberta do crime de -omossexualidadeT Como as instituies sociais tm

    incorporado o gnero nos seus pressupostos e na sua organi/aoT N! -ouve conceitos

    de gnero realmente igualit!rio sobre os quais "oram pro0etados ou mesmo baseados

    sistemas pol&ticosT

    ) explorao dessas perguntas "ar! emergir uma -istria que o"erecer! novasperspectivas 4s vel-as questes (sobre, por exemplo, como imposto o poder pol&tico,qual o impacto da guerra sobre a sociedade, rede"inir! as antigas questes em termosnovos (introdu/indo, por exemplo, consideraes sobre a "am&lia e a sexualidade noestudo da economia e da guerra, tornar! as mul-eres vis&veis como participantes ativas e

    estabelecer! uma distEncia anal&tica entre a linguagem aparentemente "ixada do passadoe nossa prpria terminologia. )lm do mais, essa nova -istria abrir! possibilidades paraa re"lexo sobre as estratgias pol&ticas "eministas atuais e o "uturo (utpico, porque elasugere que o gnero tem que ser rede"inido e reestruturado em con0uno com uma visode igualdade pol&tica e social que inclui no s o sexo, mas tambm, a classe e a raa.ZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZZ

    **('ro"essora de Cincias Bociais no Jnstituto para >studos )vanados de 'rincetonLraduo< C-ristine Du"ino $abat e 1aria etEnia [vilaBCLL, Noan 3allac-. Gnero< Mma Categoria \til para a )n!lise istrica. Lrad. BB