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EJERCICIO DE EVALUACIÓN DE RIESGOS SOBRE BENCENO Por: Carlos Machado de Freitas CENTRO PANAMERICANO DE ECOLOGIA HUMANA Y SALUD – ECO

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EJERCICIO DE EVALUACIÓN DE RIESGOS SOBREBENCENO

Por: Carlos Machado de Freitas

CENTRO PANAMERICANO DE ECOLOGIA HUMANA Y SALUD – ECO

ÍNDICE

CAPÍTULO I: O CONCEITO DE RISCO

CAPÍTULO II: IDENTIFICAÇÃO DO PERIGO

CAPÍTULO III: AVALIAÇÃO DOSE-RESPOSTA

CAPÍTULO IV: AVALIAÇÃO DE EXPOSIÇÃO

CAPÍTULO V: CARACTERIZAÇÃO DE RISCO

CAPÍTULO VI: AVALIAÇÃO DE RISCOS, PROCESSOS DECISÓRIOS EGERENCIAMENTO DE RISCOS

CAPÍTULO VII: ESTUDOS DE CASO DOS TRABALHADORES EXPOSTOS AOBENZENO EM UMA REFINARIA DE PETRÓLEO

CAPÍTULO I - O CONCEITO DE RISCO

I.1. Origem do Conceito de Risco

De acordo com Freitas et al. (1997), o termo risco surge com o próprio processo de

constituição das sociedades contemporâneas a partir do final do Renascimento e início das

revoluções científicas. Nesse período ocorreram intensas transformações sociais e culturais

associadas ao forte impulso nas ciências e nas técnicas, às grandes navegações e à ampliação

e fortalecimento do poder político e econômico de uma nascente burguesia. Tem sua origem

na palavra italiana riscare, cujo significado original era navegar entre rochedos perigosos.

Esta palavra foi incorporada ao vocabulário francês pôr volta do ano de 1660 (Rosa et al.,

1995).

O conceito de risco que se conhece atualmente provém da teoria das probabilidades,

sistema axiomático oriundo da teoria dos jogos na França do século 17 (Douglas, 1987). Tem

pôr pressuposto a possibilidade de prever determinadas situações ou eventos pôr meio do

conhecimento – ou, pelo menos, possibilidade de conhecimento – dos parâmetros de uma

distribuição de probabilidades de acontecimentos futuros pôr meio da computação das

expectativas matemáticas (FGV, 1987).

O conceito probabilístico de risco é predominante na atualidade e está associado ao

potencial de perdas e danos e de magnitude das consequências. Porém, até o período anterior

à Revolução Industrial o que dominava era sua compreensão como manifestação dos deuses.

Da Antiguidade até meados do século 18, eventos como incêndios, inundações, furacões,

maremotos, terremotos, erupções vulcânicas, avalanchas, fomes e epidemias eram

compreendidos como manifestações da providência divina, de modo que para revelá-los e

prevê-los tornava-se necessário interpretar os sinais "sagrados" (Theys, 1987).

Covello et al. (1985), apresentando uma perspectiva histórica da avaliação e do

gerenciamento de riscos, consideram o grupo denominado Asipu, que viveu na Mesopotâmia

pôr volta de 3.200 a.C., como um dos primeiros que realizavam algo similar ao que hoje

entendemos como “avaliação de riscos”. Em suas análises, esse grupo identificava as

importantes dimensões do problema em questão e as ações alternativas face ao mesmo,

coletando dados sobre os possíveis resultados de cada alternativa. Os melhores dados

disponíveis eram considerados sinais dos deuses, que os sacerdotes do grupo Asipu estavam

especialmente qualificados para interpretar, selecionando a partir deles a melhor alternativa

(Freitas, 1996).

O processo de laicização das situações e eventos considerados perigosos e sua

transformação em riscos, implicando na previsibilidade a partir da probabilidade, ocorreu de

modo mais sistemático somente a partir da Revolução Industrial. Esteve relacionado a

filosofia iluminista, ao fim das epidemias de pestes e a conversão da ciência e da tecnologia

enquanto eixos de poderosas transformações na sociedade e na natureza. Nesse processo,

através do desenvolvimento científico e tecnológico e das conseqüentes transformações na

sociedade, na natureza e na própria característica e dinâmica das situações e eventos

perigosos, o homem passa a ser responsável pela geração e remediação de seus próprios

males. O conceito de risco tal como é predominantemente compreendido na atualidade

resulta desse processo, cabendo ao próprio homem a atribuição de desenvolver, através de

metodologias baseadas na ciência e tecnologia, a capacidade de os interpretar e analisar para

melhor os controlar e remediar (Freitas et al., 1997).

I.2. O Conceito de Risco no Mundo Contemporâneo

A compreensão das transformações que levaram ao modo contemporâneo de pensar e

enfrentar as situações e os eventos perigosos e sua transformação em riscos inevitavelmente

nos remete à compreendermos as mudanças em sua própria natureza e dinâmica. Se, pôr um

lado os avanços científicos e tecnológicos contribuíram para a redução da prevalência de

determinadas doenças associadas a fome e as pestilenças, pôr outro fez surgir e aumentar

novos riscos, como os radioativos, químicos e biológicos. Estes riscos gerados pelo próprio

homem são fundamentalmente diferentes em termos de características e magnitude dos

encontrados no passado. Fazem parte do quotidiano de milhões de pessoas e podem ser

encontrados nos seus locais habitação ou trabalho, na cadeia alimentar, no solo que pisam, no

ar que respiram, nas águas que consomem (Freitas et al., 1997).

O caso dos riscos químicos industriais é paradigmático nesse processo. Conforme

demonstra Freitas (1996), a partir da II Guerra Mundial, o crescimento e a ampliação da

economia em escala mundial contribuíram imensamente para o desenvolvimento e a expansão

da indústria química. Essa indústria teve o papel de criar e suprir a demanda pôr novos

materiais e produtos, como medicamentos, polímeros sintéticos, corantes, aditivos, solventes,

combustíveis, explosivos e agrotóxicos, entre outros. A natureza altamente competitiva dessa

indústria e o crescimento da economia mundial, aliados à mudança na base do carvão para o

petróleo e ao rápido avanço na tecnologia de sínteses químicas e de processos industriais,

possibilitaram o aumento das dimensões das plantas industriais e da complexidade dos

processos, bem como da capacidade de produção, armazenamento e transporte de produtos

químicos (Haguenauer, 1986; UNEP, 1992).

Segundo Freitas et al. (1995), a comercialização mundial de produtos químicos

orgânicos nesse período, pôr exemplo, possibilita dimensionar o crescimento e a expansão da

indústria química, que passou de 7 milhões de toneladas, em 1950, para 63 milhões em 1970,

250 milhões em 1985 e 300 milhões em 1990 (Korte et al., 1994). Uma planta para craquear

nafta e produzir 50.000 toneladas/ano de etileno era considerada de grande porte até os anos

60. Nos anos 80, essa dimensão seria considerada antieconômica, e plantas industriais 10

vezes maiores para a produção de etileno e propileno ultrapassariam a escala de produção de 1

milhão de toneladas (Weyne, 1988; Theys, 1987). Ainda nesse período, a capacidade de

transporte dos navios petroleiros passou de 40.000 para 500.000 toneladas, e o

armazenamento de gás, de 10.000m3 para 120.000/150.000m3 (Theys, 1987).

De acordo com Porto et al. (1997), dados do Programa Internacional de Segurança

Química, demonstram que existem mais de 750.000 substâncias conhecidas no meio

ambiente, sendo de origem natural ou resultado da atividade humana (IPCS, 1992a). Cerca de

70.000 são cotidianamente utilizadas pelo homem, sendo que aproximadamente 40.000 em

significantes quantidades comerciais (IPCS and IRPTC, 1992). Desse total, calcula-se que

apenas cerca de 6.000 substâncias possuam uma avaliação considerada como minimamente

adequada sobre os riscos ao homem e ao meio ambiente. Para os autores, acrescente-se à este

quadro a capacidade de inovação tecnológica no ramo químico, que não só vem

complexificando os sistemas tecnológicos de produção, como colocando disponível no

mercado a cada ano entre 1.000 e 2.000 novas substâncias (Porto et al., 1997).

Além das mudanças nas dimensões das plantas industriais e na capacidade de produção,

transporte e armazenamento de produtos perigosos, do aumento do número de pessoas

expostas a riscos e da transformação na natureza dos riscos, acrescentam-se outros fatores que

contribuíram para uma mudança radical no status social dos riscos. Nos países centrais da

economia mundial, Theys (1987) observa que mais de 80% do público e 60% dos dirigentes

consideraram que, globalmente, os riscos nos anos 80 eram mais importantes do que 20 ou 40

anos ou até um século antes, evidenciando a mudança.

Covello e Mumpower (1985), em abordagem histórica de análise e gerenciamento de

riscos, principalmente nos E.U.A., apontam nove fatores que consideram importantes para a

compreensão das transformações que levaram ao modo contemporâneo de pensar e enfrentar

os riscos nos países centrais da economia mundial.

O primeiro seria a mudança na própria natureza do risco. As principais causas de óbito

foram deixando de ser atribuídas às doenças infecciosas para privilegiar as crônicas

degenerativas. O mesmo aconteceu com os acidentes. Até meados do século 19 os acidentes

de trabalho, como os que ocorriam nas minas de carvão, apresentavam taxas altas. Em anos

recentes, essas taxas, se comparadas àquelas do passado, caíram bastante. Fenômeno

semelhante envolve os desastres naturais. Entretanto, enquanto esses tipos de acidentes

vieram diminuindo, outros cresceram. No início do século, era insignificante o número de

acidentes com veículos automotores, que, entretanto, nos anos 80, responsabilizavam-se pôr

elevados números de óbitos.

O segundo fator seria o aumento na média de expectativa de vida. Na Idade Média a

expectativa de vida era de 20 a 30 anos. No início deste século era de 51 anos para mulheres

e 48 anos para homens. Já em 1975 alcançava os 75 anos para mulheres e 66 para homens.

O terceiro foi o crescimento de novos riscos, fundamentalmente diferentes em termos de

características e magnitude, dos encontrados no passado e atribuídos à natureza ou a Deus.

Riscos radioativos, químicos e biológicos, todos gerados pelo desenvolvimento da ciência e

da tecnologia, passaram a fazer parte do quotidiano de milhões de pessoas, na forma de

acidentes ou não. Além desses, acrescentam-se outros, de caráter global, como o buraco na

camada de ozônio, o aquecimento do planeta e as chuvas ácidas.

O quarto foi o desenvolvimento de testes de laboratório, métodos epidemiológicos,

modelagens ambientais, simulações em computadores e avaliação de riscos na engenharia, os

quais possibilitaram avanços na habilidade dos cientistas em identificar e medir os riscos.

Esses avanços passaram a permitir aos cientistas detectar falhas em projetos de sistemas de

engenharia extremamente complexos e estabelecer nexos causais – embora algumas vezes

frágeis – entre determinados perigos e resultados adversos, mesmo os potencialmente

causados pôr quantidades de substâncias carcinogênicas ou mutagênicas muitíssimo

pequenas, tal como partes pôr trilhão (ppt).

O quinto fator foi o aumento no número de cientistas e analistas que passaram a ter

como foco de seu trabalho os riscos à saúde, segurança e ao meio ambiente. A análise de

risco emerge, nos anos recentes, como uma disciplina e profissão, com sociedades próprias,

reuniões anuais, livros, periódicos científicos e newsletters.

O sexto foi o crescimento no número de análises quantitativas formais produzidas e

utilizadas para os processos decisórios sobre gerenciamento de riscos. O aumento no volume

de processos decisórios apoiados em análises de riscos quantitativas altamente técnicas,

refletiu uma tendência para prever, planejar e alertar em vez de dar respostas ad hoc às crises

geradas pelos riscos.

O sétimo fator foi a ampliação do papel do governo federal na avaliação e no

gerenciamento de riscos. Esse crescimento deu-se mediante: a) desenvolvimento da

legislação no campo da saúde, segurança e do meio ambiente; b) crescimento das agências

públicas encarregadas do gerenciamento desses riscos; c) aumento dos casos relacionados ao

assunto que alcançaram a esfera judicial.

O oitavo foi o crescimento de grupos de interesses que procuravam participar cada vez

mais no gerenciamento social do risco, o que tornou cada vez mais politizadas as atividades

de análise e gerenciamento de riscos à saúde, segurança e ao meio ambiente, com intensa

participação daqueles grupos representando a indústria, os trabalhadores, os ambientalistas, as

organizações científicas, entre outros. O crescimento desses grupos equivale ao da

sofisticação científica de seus modos de operação.

O nono e último fator diz respeito ao aumento do interesse e da preocupação do público

geral com os riscos, demandando cada vez mais proteção, e foi apontado pôr Covello e

Mumpower (1985).

I.3. Os Debates Sobre os Riscos Químicos

Particularmente a partir dos anos 70, alguns fatores – como a publicização na imprensa

de crianças com deformações congênitas, como no caso da talidomida, e de livros como

"Primavera Silenciosa" (sobre a revolução verde e os altos riscos para a saúde e o meio

ambiente gerados pelo uso intensivo de agrotóxicos), de Rachel Carson, da "descoberta"da

dioxina, substância química altamente perigosa, como contaminante presente no herbicida

"Agente Laranja", largamente utilizado em plantações e na Guerra do Vietnã, eventos como

os acidentes químicos de Seveso (1976) e de Bhopal (1984), e das discordâncias entre os

especialistas sobre as causas dos acidentes e de seus riscos à saúde e ao meio ambiente,

tornada possível mediante a cobertura da imprensa e massificação dos meios de comunicação

– contribuíram também para essa mudança no status social dos riscos (Freitas, 1996). Esta

mudança significou o aumento e o fortalecimento da oposição pública aos riscos químicos,

que vinha desde os anos 60. Possibilitaram o fortalecimento de argumentos e intervenção de

novos atores, como organizações ambientalistas, associações de moradores, grupos de

interesse, organizações não-governamentais e partidos políticos nos debates e processos

decisórios acerca de riscos químicos, além dos próprios sindicatos de trabalhadores que já

vinham desde a II Guerra Mundial se organizando de maneira mais intensa para manifestar

sua insatisfação e questionamentos aos riscos químicos que se encontravam expostos no seu

processo de trabalho (Freitas, 1996).

Com a emergência de novos atores no cenário dos processos decisórios sobre riscos

industriais, a tradicional relação entre instituições de segurança (governo e associações de

profissionais de segurança industrial), sindicatos e industriais passou a sofrer transformações.

Iniciou-se o processo de constituição e fortalecimento de um modelo baseado na participação

de outros atores, incluindo, além dos industriais e governo, aqueles que vinham

desenvolvendo a consciência tanto dos perigos associados aos riscos químicos, como de seu

peso nos processos decisórios sobre riscos químicos. Isso significou alteração na relação de

poder e processo de formação de consenso para o estabelecimento de padrões de segurança e

aceitabilidade de riscos (Freitas, 1996).

Nos E.U.A., pôr exemplo, aqueles que acreditavam ter sido prejudicados ou colocados

sob riscos pelas indústrias químicas passaram a entrar com ações na justiça para assegurar

tratamentos privados a danos causados à saúde, exigir indenizações pôr danos e ampliar o

acesso às informações sobre os perigos industriais. Esse processo significou mudança de

atitudes dos diversos atores envolvidos nos debates sobre riscos industriais – comente

denominados na literatura como o público –, passando de atitudes passivas e de confiança na

proteção de riscos conduzida pelas indústrias e pelo governo para atitudes ativas de

mobilização e enfrentamento contra os denominados “criadores de riscos” (Freitas, 1996).

Passaram a exigir que os processos decisórios e de controle fossem coletivos, incluindo todos

os que tivessem algum interesse na questão. Essa mudança de atitude provocou não só maior

desgaste da imagem das indústrias químicas como também aumento nos custos de

investimentos em segurança, proteção ambiental e à saúde, dados a regulamentação

governamental mais abrangente que passava a ser exigida e o colapso do mercado de seguros

de indústrias químicas com a grande elevação do valor financeiro dos contratos (Freitas,

1996).

O conceito de riscos que atualmente prevalece em diversos campos do conhecimento

técnico e científico, tais como na toxicologia, na epidemiologia, na engenharia e,

posteriormente, nas ciências sociais não pode ser dissociado dessa história. Traduz tanto os

conflitos sociais e de interesses de uma sociedade onde a tecnologia de produção de

substâncias químicas ocupa um papel central na vida do homem contemporâneo, como

também e simultaneamente a busca de respostas para um problema que, em maior ou menor

grau, atinge a vida dos seres vivos e do meio ambiente em nosso planeta.

I.4. A Avaliação de Riscos na Toxicologia e Epidemiologia

Para Freitas (1996), o fato de o discurso dos novos atores que procuravam intervir nos

debates e processos decisórios sobre riscos focalizar, entre outras coisas, os riscos químicos

fez com que a comunidade científica, principalmente especialistas das indústrias e do

governo, procurasse desenvolver e aplicar métodos científicos para estimar os riscos de

maneira quantitativa e probabilística (Renn, 1985). Pôr um lado, desenvolveram-se os testes

de laboratórios, métodos epidemiológicos, modelagens ambientais, simulações em

computadores e avaliações de riscos na engenharia, de tal modo, que possibilitaram o

incremento na identificação e mensuração dos riscos (Covello et al., 1985). Pôr outro,

cresceu o número de especialistas que passaram a ter como foco principal de seu trabalho os

riscos à saúde, à segurança industrial e ao meio ambiente, contribuindo, assim, para a

profissionalização e institucionalização da avaliação de riscos. É nesse processo que se

desenvolve uma abordagem de cunho mais multidisciplinar e centrada na intervenção sobre o

ambiente, ao contrário da abordagem médico-biologicista e centrada no indivíduo, o qual

predominou até a II Guerra Mundial.

A idéia principal que norteou o desenvolvimento dos métodos científicos de

avaliações de riscos e do trabalho dos especialistas era a de que as decisões regulamentadoras

de riscos seriam menos controversas se pudessem ser tecnicamente mais rigorosas e baseadas

em firme base "fatual". Essa base deveria ser construída a partir dos dados disponíveis,

suplementados pôr cálculos, extrapolações teóricas e julgamentos "objetivos” oriundos de

análises estatísticas e sistêmicas, de modo a se chegar a um valor esperado, que é a unidade

básica das avaliações de riscos, correspondendo à freqüência relativa de um evento ou de uma

doença calculada sobre o tempo (Starr et al., 1976; Otway, 1985; Renn, 1985 e 1992) e

expresso na seguinte fórmula básica (Freitas, 1996):

Risco = Probabilidade de Danos x Magnitude das ConseqüênciasTempo

Nessa perspectiva, o conceito de risco pode, de acordo com Canter (1989), envolver as

seguintes definições: 1) função da probabilidade de um evento ocorrer e de que a magnitude

ou a severidade do evento deva ocorrer; 2) medida da probabilidade e da severidade de efeitos

adversos; 3) possibilidade de dano, perda ou lesões; 4) chance coletiva ou probabilidade de

acidentes e doenças, resultando em lesões ou óbitos. A avaliação de riscos se constitui como

uma etapa intermediária entre a pesquisa e o gerenciamento de riscos (ver Quadro I.1). Suas

etapas são:

1) identificação de perigo: determina qualitativamente e quantitativamente as

substâncias químicas ambientais presentes que podem significar perigos para a

saúde;

2) avaliação da relação dose-resposta: avalia as relações entre a exposição à uma dada

concentração de uma substância química e a incidência de efeitos adversos em seres

humanos. Se realiza primariamente e principalmente em animais;

3) avaliação de exposição: determina as condições sob as quais os indivíduos podem ser

expostos as substâncias químicas e as doses que podem ocorrer como resultado da

exposição;

4) caracterização de riscos: descreve a natureza dos efeitos adversos que podem ser

atribuídos as substâncias químicas, estima sua probabilidade nas populações

expostas, avalia o grau de confiabilidade das evidências e as incertezas associadas às

mesmas.

É somente a partir desta última etapa, a caracterização de riscos, que são tomadas as

decisões para o desenvolvimento de estratégias de gerenciamento de riscos, havendo aí uma

maior e mais explicita interferência dos fatores culturais, os sociais, os políticos e os

econômicos (Freitas, 1993).

Na toxicologia o conceito de risco está associado a estimativa da probabilidade de

desenvolvimento de uma doença como resultado de um certo nível de exposição. Para as

substâncias cancerígenas nenhum nível de exposição (limite de tolerância) é assumido como

sendo sem risco, ao contrário das substâncias não cancerígenas em que são estabelecidos

limites de tolerância, ou seja: limites de exposição considerados "seguros". Na toxicologia, as

estimativas de probabilidades são baseadas nos resultados de testes em que animais de

laboratório que são submetidos à doses maiores do que as esperadas para seres humanos.

Nessas estimativas modelos probabilísticos são utilizados para extrapolar as curvas de dose-

respostas resultantes dos altos níveis de exposição para níveis mais baixos até o ponto zero de

exposição. O resultado é usualmente expresso como uma unidade de valor-dose, tal como o

risco pôr parte pôr milhão (ppm) de uma dada substância no ar ou na água, pôr exemplo. Esta

unidade de valor-dose, multiplicada pelos níveis de exposição para calcular o risco individual

e pelo número de pessoas expostas gera as estimativas de incidência de uma dada doença

causada pela substâncias específica (Porto et al., 1997).

Na epidemiologia, o conceito de risco corresponde a probabilidade de um membro de

uma população definida desenvolver uma dada doença em um período de tempo. Nessa

perspectiva, a epidemiologia tem seu modelo explicativo nos fatores de risco. De acordo com

Almeida-Filho (1989), embora a epidemiologia se ocupe das populações, é interessante

observar que ela conserva a “qualidade biologicista do enfoque individual da clínica”, e reduz

o social ao coletivo, isto é, um somatório de indivíduos, ignorando o contexto e suas

interrelações nos ambientes em que vivem ou trabalham. De acordo com Guilan (1996), em

epidemiologia os riscos se expressam, de modo geral em risco absoluto, risco relativo e risco

atribuível.

O risco absoluto de uma doença corresponde a incidência da doença (Gordis, 1988),

traduzindo a idéia de intensidade com que acontece a morbidade em uma população

(Rouquayrol, 1987), sendo esta intensidade relacionada à unidade de intervalo de tempo (dia,

semana, mês ou ano). Em termos operacionais, utiliza-se o coeficiente de incidência, o qual

pode ser matematicamente expresso da seguinte maneira:

nº de casos novos de uma doença ocorrentes emCoeficiente de = determinada comunidade em certo período de tempo x 10n incidência nº de pessoas sob risco de adquirir a doença no referido período

Quando se diz, pôr exemplo, que a incidência de casos de leucemia pode ser de 3,6 pôr

100.000 pessoas em determinado ano, o que se quer dizer é que o risco absoluto de uma

pessoa adquirir leucemia neste período é de 3,6/100.000. Gordis (1988) ressalta a

importância deste indicador, alegando que uma pessoa exposta à determinado tipo de agente

causador de doenças não está interessada no risco relativo, mas no risco absoluto de adoecer.

O risco relativo (RR) é expresso pela seguinte razão:

Risco = Risco da doença em indivíduos expostosRelativo Risco da doença em indivíduos não expostos

Esta razão pode se comportar de três maneiras:

1) o risco relativo é igual a 1, isto é, o risco de doença na população exposta é o mesmo

que na população não exposta, o que parece indicar não haver associação da exposição à

doença em questão;

2) o risco relativo é maior que 1, isto é, o risco da doença é maior em indivíduos

expostos do que nos não expostos, podendo indicar uma associação da exposição à doença.

Um exemplo clássico desta situação é a associação entre fumo e câncer de pulmão: num

estudo hipotético, podemos comparar a incidência de câncer de pulmão em fumantes e em não

fumantes, e obter o seguinte resultado: RR = 4.6 (Hennekens et al., 1987). Este resultado

quer dizer que o risco de fumantes adquirirem câncer de pulmão é 4.6 vezes maior do que os

não fumantes.

3) o risco relativo é menor que 1, isto é, o risco da doença é menor em indivíduos

expostos do que nos não expostos, o que sugere que a exposição possa ter um papel protetor

em relação à doença estudada. Este resultado pode ser encontrado quando estudamos, pôr

exemplo, a eficácia de uma vacina. O risco relativo é uma medida de associação. Este

índice se refere à intensidade com que uma determinada exposição se relaciona com a doença

em estudo.

O risco atribuível é uma diferença entre riscos. Suponha-se duas populações, uma

exposta e outra não exposta, e que o risco de uma doença é maior entre os expostos. O nível

de risco nos não expostos pode ser visto como risco de fundo (background risk), um risco que

é compartilhado pôr ambos os grupos. Se o que se procura é saber quanto do risco total nos

expostos pode ser realmente atribuível à exposição propriamente dita (e não ao risco de fundo,

o qual os dois grupos apresentam), deve-se tomar o risco total nos expostos e subtrair o risco

nos não expostos (risco de fundo). De forma similar, pode ser avaliado o impacto que uma

exposição específica pode ter na população, com respeito a um evento particular. Pôr

exemplo, “a taxa de mortalidade pôr câncer de pulmão para não fumantes (0.07) pode ser

subtraída da taxa de mortalidade pôr câncer de pulmão na população total (0.65); o resultado

obtido pode ser chamado de risco atribuível ao câncer de pulmão relacionado ao hábito de

fumar. Se esta estimativa for aplicada a outra população, sua frequência de exposição deve

ser semelhante à primeira. O conceito de risco atribuível populacional é útil na medida em

que ele estima o quanto a incidência de uma doença particular pode ser reduzida se uma

exposição específica for removida (MacMahon et al., 1970) (ver Quadro I.2).

Em outras palavras, o risco atribuível pretende responder a seguinte pergunta: “o

quanto de risco da doença, em indivíduos expostos, pode ser atribuído à uma exposição

específica? O quanto de risco da doença em indivíduos expostos podemos esperar de eliminar

se pudermos diminuir ou eliminar a exposição?” (Gordis, 1988). O risco atribuível é assim

uma medida do benefício potencial de uma medida preventiva.

A avaliação de riscos à saúde realizada pela toxicologia (experimentos em animais de

laboratório) e pela epidemiologia (populações expostas aos agentes tóxicos comparadas com

populações não expostas), procura identificar e quantificar as relações entre os potenciais

agentes de risco e os danos biológicos observados nos seres vivos, humanos e não humanos.

Mediante modelagens, o agente causal é isolado das variáveis intervenientes ou confounders.

O que há de comum entre essas perspectivas é tanto procurar avaliar e prever potenciais danos

biológicos aos seres vivos e/ou ecossistemas – pôr meio de cálculos sobre o tempo e o espaço,

utilizando freqüências relativas para poder especificar as probabilidades, como reduzir o risco

a uma única dimensão, representando uma média sobre espaços, tempos e contextos sociais,

ambientais e tecnológicos estáveis (Freitas, 1996).

I.5. A Contribuição das Ciências Sociais à Avaliação de Riscos

Para as ciências sociais, ao contrário da toxicologia e da epidemioligia, não há nenhum

consenso sobre o que pode constituir um conceito de risco. Os estudos na sua perspectiva são

marcados pôr uma multiplicidade de abordagens teórico-metodológicas e de temas de

investigação. Grande parte da produção científica nesse campo do conhecimento tem sido no

sentido de, em maior ou menor grau e de diferentes modo, criticar o conceito tradicional de

riscos predominante nas avaliações técnicas de riscos, e seus supostos fundamentais, ou

sejam: de um lado a perspectiva utilitarista e o paradigma do ator racional, do outro a

concepção elitista de democracia (Freitas, 1996; Freitas et al, 1997; Porto et al., 1997).

Na perspectiva utilitarista e paradigma do ator racional os indivíduos são abstraídos de

seus contextos sociais e considerados como não influenciados pôr família, círculo de amigos,

grupos sociais e instituições a que pertencem, pôr seus valores socioculturais e emoções. São

tratados como frios e calculistas, agindo ou devendo agir com o objetivo de ordenar o caos e

maximizar os ganhos de cada ação, distinguindo estratégias e projetando as conseqüências de

cada uma delas de modo a determinar a capacidade de escolhas de alternativas, avaliando

permanentemente os riscos e os benefícios das possíveis ações (Freitas, 1996; Freitas et al.,

1997).

De acordo com Freitas et al. (1997), para a concepção elitista de democracia a

objetividade é alcançada pôr meio da ênfase em determinados resultados das análises

quantitativas (óbitos, custos, benefícios, probabilidade de eventos, magnitude das

conseqüências, entre outros). Ignora o processo social de escolhas, de poder, de relações, de

interesses. Para esta concepção, os resultados quantitativos servem para, numa abordagem

unidimensional, estabelecer critérios e padrões de aceitabilidade de riscos, definindo, pôr

exemplo, que 10-6 para o caso de acidentes industriais (particularmente em indústrias

químicas e usinas nucleares) e que a exposição à X partes pôr milhão da substância Y numa

jornada de trabalho ou durante o período médio de vida são valores aceitáveis. Nessa

concepção, os interesses dos cidadãos são atendidos quando os processos decisórios de

escolhas de tecnologias e de justiças distributivas dessas tecnologias estão de acordo com os

modelos técnicos de avaliação de riscos e o consenso das elites dominantes (Menkes, 1985;

Fiorino, 1989; Rosa et al., 1995)

I.6. Considerações Finais

Conforme verificou-se neste capítulo, o conceito de risco resulta de um processo

histórico que remonta desde a Antiguidade, passando pelo Renascimento, pela Revolução

Industrial e pela II Guerra Mundial. Porém, o conceito de risco que se conhece na atualidade

resulta de um processo histórico mais recente e dos conflitos que lhe fizeram parte, podendo

os anos 60 e 70 deste século se constituírem como marcos. É neste contexto mais recente que

se desenvolvem muitos dos atuais métodos de avaliação de riscos.

A avaliação de riscos é um procedimento utilizado para sintetizar as informações

disponíveis e os julgamentos sobre as mesmas com o objetivo de estimar os riscos associados

à exposição a substâncias químicas. Essa estimativa é expressa em termos probabilísticos,

variando entre 0 (zero) e 1 (um), sendo um valor igual ao primeiro (0) um indicador da

certeza de que não ocorrerá dano e um valor igual ao segundo (1) um indicador da certeza de

que ocorrerá dano (Quadro I.3) (OPAS/EPA, 1996). Tem como objetivo: (Quadro I.4)

• determinar a possibilidade de efeitos adversos em humanos, outras espécies e

ecossistemas expostos aos agentes químicos;

• proporcionar a mais completa informação possível aos responsáveis pôr controlar os

riscos, especificamente àqueles que estabelecem políticas e normas.

Através da avaliação de riscos os potenciais efeitos adversos derivados da exposição

humana às substâncias químicas são caracterizados através dos seguintes elementos

(OPAS/EPA, 1996): (Quadro I.5)

• descoberta dos possíveis efeitos adversos através de resultados epidemiológicos,

toxicológicos e ambientais;

• extrapaloção de resultados anteriores (estudos toxicológicos e epidemiológicos) para

predizer tipo e magnitude dos efeitos em saúde humana sob dadas condições de

exposição;

• avaliação da quantidade e características das pessoas expostas a diferentes

intensidades e duração;

• detecção da presença e magnitude global do problema para a saúde pública;

• caracterização das incertezas inerentes ao processo de inferência dos riscos.

É importante observar que o desenvolvimento da avaliação de riscos e dos debates em

torno dos seus resultados vem contribuindo para que inclua um amplo espectro de disciplinas

científicas (ver Quadro I.6).

Jasanoff (1993) na busca de integrar as diversas disciplinas e perspectivas que atuam na

relação entre avaliação de riscos e gerenciamento de riscos considera que não podemos

separar "o que se deseja conhecer acerca de um determinado problema" - o que é realizado

pelas avaliações técnicas de riscos na toxicologia e epidemiologia, pôr exemplo - do que se

deseja fazer acerca desse mesmo problema - o que é proposto e realizado no desenvolvimento

das estratégias de gerenciamento de riscos. Para Jasanoff (1993), o modo de se perceber a

realidade e de organização os fatos a ela pertinentes tem implicações, embora nem sempre

visíveis, tanto nas avaliações de riscos, como nos aspectos das políticas públicas e da justiça

social: quem se deve proteger de determinados riscos, a que custo e deixando de lado que

alternativas.

Muito da crítica ao reducionismo científico presente nas avaliações técnicas de riscos e

no desenvolvimento de estratégias de gerenciamento, ao qual corresponde também uma

redução da possibilidade de incorporação e participação de inúmeros e diferentes outros

atores, valores e perspectivas. Essas críticas baseiam-se no fato de que as questões

relacionadas aos riscos não podem ser restringidas somente aos processos físicos, químicos e

biológicos, já que o mundo em que se situam, o mundo dos seres humanos em suas relações

sociais, é constituído pôr outros aspectos, tais como os estilos de vida e as relações

interpessoais, as interações simbólicas e os movimentos sociais, as questões de poder e de

distribuição de riscos, controle social e instituições sociais (Freitas, 1996). Diante desse

quadro, torna-se necessário e cada vez mais integrar as diversas perspectivas e disciplinas que

atuam nas avaliações de riscos e no estabelecimento de estratégias de gerenciamento, pois

verifica-se que nenhuma sozinha será capaz de dar conta de um problema tão complexo,

sejam a toxicologia, a epidemiologia ou as ciências sociais.

CAPÍTULO II - IDENTIFICAÇÃO DO PERIGO

II.1. Introdução

A etapa de identificação do perigo tem pôr objetivo obter e avaliar as informações

relacionadas as propriedades tóxicas inerentes a cada substância, ou o potencial para causar

dano biológico, doença ou óbito, sob certas condições de exposição (ver Quadro II.1).

Também pode incluir a caracterização do comportamento de uma substância dentro do corpo

e as interações que esta tem com órgãos, células ou componentes celulares. Informações

deste tipo podem ser valiosas para que se possa confirmar se efeitos comprovadamente

tóxicos de uma determinada substância, em certas condições experimentais, também podem

ser produzidos em seres humanos, ou seja, se é cientificamente correto inferir que os efeitos

tóxicos observados em um meio ocorram em outros. Um exemplo desse questionamento

refere-se a possibilidade de substâncias carcinogênicas ou teratogênicas em animais

produzirem o mesmo efeito em seres humanos (EPA, 1991).

A informação sobre as propriedades tóxicas das substâncias químicas são obtidas a

partir de estudos em animais, investigações epidemiológicas controladas em populações

humanas expostas e estudos clínicos ou informes de casos sobre seres humanos expostos.

Outras informações toxicológicas são obtidas através de estudos experimentais em sistemas

que não são completos (órgãos isolados, células ou componentes celulares) e da análise da

estrutura molecular da substância de interesse (Quadro II.2) (EPA, 1991).

Para algumas substâncias, a base de dados disponível pode incluir informações

valiosas sobre os efeitos em seres humanos e em animais experimentais, assim como pode

também incluir informações sobre os mecanismos biológicos básicos para a produção de uma

ou mais formas de toxicidade. Em outros casos, a base de dados pode ser sumamente limitada

e pode incluir somente alguns estudos de experimentação animal. Há situações onde todos os

dados disponíveis podem apontar claramente em uma só direção, deixando pouca

ambigüidade acerca da natureza da toxicidade associada a uma dada substância. Entretanto,

em alguns casos, os dados podem incluir conjuntos de achados epidemiológicos ou

experimentais aparentemente em conflito. Uma avaliação apropriada do perigo deve conter

uma revisão crítica de cada conjunto de dados pertinentes e da base total de dados sobre

toxicidade. Também deve incluir uma avaliação das inferências sobre toxicidade em

populações humanas que podem ter sido expostas (EPA, 1991).

Os estudos clínicos ou informes de casos de uma investigação, apesar de serem

informações muito importantes, raramente constituem o corpo central de informações para a

avaliação de risco. Estas duas últimas fontes de informação são consideradas indicadores

menos seguros e precisos do potencial tóxico. As provas em animais e de estudos

epidemiológicos constituem as principais fontes de dados sobre toxicidade. Porém, ainda

assim, apresentam dificuldades interpretativas que pôr vezes são bastante sutis e pôr vezes

bastante controversas (EPA, 1991).

A identificação do perigo deve fornecer informações sobre:

• validade e significado da informação toxicológica;

• evidências cientificamente bem fundamentadas de que uma substância causa efeitos

tóxicos;

• o potencial de que os efeitos observados na população X possam ocorrer na

população Y.

II.2. Informações Sobre Toxicidade a Partir de Estudos em Animais

II.2.1. Uso de Dados Sobre Toxicidade em Animais

Os estudos toxicológicos em animais estão baseados principalmente na suposição de

que os efeitos em seres humanos podem ser previstos a partir dos efeitos em animais (Quadro

II.3). De uma maneira geral essa suposição está correta. Todas as substâncias que

demonstraram ser carcinogênicas em seres humanos, com exceção do arsênico, são

carcinogênicas em algumas espécies de animais de experimentação. Pôr outro lado, as doses

de toxicidade aguda de muitas substâncias são similares para seres humanos e para uma

diversidade de animais de experimentação. Este princípio de extrapolação de dados de

animais para seres humanos tem sido amplamente aceito nas comunidades científicas e

normativas (EPA, 1991).

Entretanto, apesar do princípio geral de inferir efeitos para seres humanos a partir de

efeitos em animais de experimentação ser bem fundamentado, existem numerosas exceções.

Muitas delas estão relacionadas as diferenças na maneira como diversas espécies interagem

com a substância a que estão expostas e com as diferenças de metabolismo, absorção,

distribuição e eliminação (os aspectos toxicocinéticos) destas substâncias no organismo.

Devido a estas diferenças potenciais, é essencial avaliar cuidadosamente todas as diferenças

entre espécies ao inferir toxicidade para seres humanos a partir de resultados de estudos

toxicológicos em animais (EPA, 1991).

Em casos particulares, para avaliar o potencial carcinogênico de uma substância a

partir de estudos à longo prazo em animais adultos, certas observações gerais, como o

aumento do número de tecidos afetados pela substância, aumentam as evidências de que a

mesma é carcinogênica. De modo similar, um aumento no número de espécies animais, cepas

e sexo utilizadas na experimentação e que mostram uma reposta carcinogênica contribuem

para aumentar as evidências de riscos de carcinogenicidade da substância. Outros aspectos

importantes são (EPA, 1991):

• a presença de relações equivocadas de dose-resposta nos dados avaliados;

• a obtenção de um alto nível de significância estatística no aumento da incidência de

tumores em animais tratados versus animais controle;

• a redução de danos relacionados à diminuição da dose e/ou período de exposição;

• um aumento na proporção de tumores que são malignos relacionado com o aumento

da dose.

II.2.2. Natureza Geral dos Estudos de Toxicidade em Animais

Os estudos sobre toxicidade tem o objetivo de identificar a natureza do dano à saúde

produzido pôr uma substância e os níveis de doses na qual este dano é produzido (Quadro

II.4). O ponto de partida para esta investigação é o estudo de dose aguda (uma única dose) de

uma substância em animais de experimentação (Quadro II.5). Os estudos de toxicidade

aguda são necessários para calcular as doses que não são letais para animais utilizados em

estudos de longa duração. Além disso, estes estudos proporcionam uma estimativa da

toxicidade comparativa da substância e podem indicar os órgãos alvo para toxicidade crônica

( pôr exemplo, rins, pulmão ou coração). A partir dos estudos de toxicidade aguda pode-se

determinar o valor da DL50 (a dose que causa a morte de 50% da população exposta), um

parâmetro comparativo do grau de toxicidade de diferentes substâncias para uma mesma

espécie de animal. Em um grupo de substâncias, as que apresentam DL50 menores são mais

tóxicas que as que tem valores superiores (Quadro II.6) (EPA, 1991).

Os estudos de DL50 revelam um dos princípios básicos da toxicologia: nem todos os

indivíduos expostos a mesma dose de uma substância responderão da mesma maneira. Deste

modo, para uma mesma dose de uma substância, em alguns animais será observado um efeito

letal, em outros uma doença que poderá ser revertida e em um outro grupo parecerá que

nenhum efeito foi ocasionado (EPA, 1991).

Cada tipo de estudo em toxicologia tem um objetivo diferente, para que se possa

identificar como o período de exposição afeta a resposta tóxica. Os animais podem receber

uma única dose, podem ainda receber doses repetidas continuamente pôr várias semanas ou

meses (estudo de toxicidade sub-crônica) (Quadro II.7) ou pôr cerca de toda sua vida

(toxicidade crônica) (Quadro II.8). Em geral os objetivos dos diferentes estudos de

toxicologia podem ser resumidos da seguinte maneira (EPA, 1991):

• identificar os órgãos ou sistemas específicos do corpo que podem ser afetados pôr

uma substância;

• identificar anomalias ou enfermidades específicas que podem ser produzidas tais

como câncer, defeitos de nascimento, desordens do sistema nervoso ou problemas de conduta;

• estabelecer as condições de exposição e doses que causem formas específicas de

danos ou doenças;

• identificar a natureza e a evolução específica do dano ou doença produzidos pôr uma

substância;

• identificar os processos biológicos que fundamentam a produção do dano ou doença

observados.

II.2.3. Desenho e Aplicação de Estudos de Toxicidade

Ainda que hajam desenhos relativamente padronizados para a constituição de vários

tipos de provas de toxicidade (pôr exemplo, bioensaios para carcinogenicidade) desenvolvidas

pôr agências normativas e públicas, existem outros desenhos utilizados nos experimentos de

toxicidade. De qualquer modo, existem questões que devem ser considerados em todos os

desenhos de estudos de toxicidade (EPA, 1991)

Seleção de espécies animais

Os roedores, geralmente ratos e camundongos, são os animais de laboratório mais

utilizados em estudos de toxicidade. Outros roedores como os hamsters ou cobaias, são

utilizados com menor frequência. Muitos experimentos utilizam coelhos, cães e primatas não

seres humanos, tais como monos e babuínos. Pôr exemplo, ainda que os primatas sejam

considerados os animais de eleição para alguns tipos de estudos sobre reprodução, devido aos

sistemas reprodutivos serem semelhantes aos do homem, para provas de toxicidade dérmica

freqüentemente se utilizam coelhos porque sua pele é mais sensível (EPA, 1991).

Os ratos e camundongos são a alternativa mais comum porque são baratos e podem ser

manejados de modo relativamente fácil. Além disso, fatores tais como antecedentes genéticos

e a susceptibilidade a doenças estão bem estabelecidos para estas espécies. A expectativa total

de vida para estes roedores é de dois a três anos, de modo que os efeitos de exposição à uma

dada substância ao longo da vida, podem ser medidos de forma relativamente rápida em

comparação com um cão ou macaco, que vivem muito mais (EPA, 1991).

Doses e duração dos estudos

Freqüentemente, o primeiro experimento que se realiza é uma DL50, no qual se

utilizam doses mais altas de uma substância. Após completar estes experimentos, os

investigadores estudam os efeitos de doses menores administradas durante períodos de

exposição maiores. O objetivo é encontrar a margem de doses na qual ocorrem efeitos

adversos e identificar o NOEL (No Observed Effect Level) para estes efeitos (ainda que este

último nem sempre se busque e se alcance). Um experimento de toxicidade tem um valor

limitado, a menos que se chegue a uma dose de magnitude suficiente para causar algum tipo

de efeito adverso dentro da duração do experimento. Se não forem detectados efeitos em

todas as doses administradas, as propriedades tóxicas das substâncias não terão sido

caracterizadas e neste caso, o investigador terá que repetir o experimento com doses mais

altas ou aumentar a duração do estudo (EPA, 1991).

Os estudos freqüentemente são identificados de acordo com a duração da exposição.

Os estudos de toxicidade aguda incluem uma dose única ou exposições de duração muito

curta (pôr exemplo, 8 horas de inalação). Os estudos crônicos incluem exposições durante

quase toda a vida dos animais de experimentação. Os experimentos de duração que variam

entre estes dois extremos são denominados estudos sub-crônicos (Quadro II.7 e II.8) (EPA,

1991).

Nível de doses

Geralmente são utilizados dois ou três níveis de doses, especialmente em estudos

crônicos. Experimentos que utilizam apenas uma dose deixam uma grande incerteza acerca

da faixa de doses na qual se observam os efeitos (EPA, 1991).

Controles

Nenhum experimento de toxicidade poderá ser corretamente analisado se forem

omitidos os animais do grupo controle. Este grupo não será administrado com a substância

testada e os animais devem ser da mesma espécie, cepa, sexo, idade e estado de saúde que os

animais tratados, e devem ser mantidos sob as mesmas condições durante todo o estudo

(EPA, 1991).

Via de exposição

O objetivo da maioria dos estudos de toxicidade é gerar informações sobre as quais

serão baseadas as decisões de segurança para os seres humanos, e pôr esta razão, geralmente

os animais são administrados pôr uma via que seja a mais próxima possível daquela pela qual

os seres humanos são expostos. Entretanto, em alguns casos, o investigador deve usar outras

vias ou condições de administração para chegar a dose experimental desejada. Pôr exemplo,

algumas substâncias são administradas pôr sonda gástrica porque são muito voláteis ou

apresentam um sabor ruim, o que impede que sejam adicionadas a dieta dos animais, nas

concentrações altas necessárias para alguns estudos (EPA, 1991).

Desenhos específicos

Geralmente os animais são expostos e qualquer efeito observado sob as condições do

experimento será registrado. Entretanto, quando é necessário testar hipóteses muito

específicas sobre a substância (pôr exemplo, se a substância causa efeitos de nascimento ou

afeta o sistema imunológico), devem ser utilizados desenhos especiais. Assim, pôr exemplo,

para testar a hipótese de que uma substância é teratogênica (que cause defeitos de

nascimento), as fêmeas grávidas devem ser expostas em períodos críticos da gravidez. Uma

dos estudos específicos mais complexos é o bioensaio de carcinogenicidade. Estes estudos são

usados para testar a hipótese de carcinogenicidade, ou seja, a capacidade de uma substância

de produzir tumores (EPA, 1991).

II.2.4. Realização e Interpretação de Estudos de Toxicidade

Muitos fatores devem ser considerados quando estudos de toxicidade são aplicados,

para assegurar o seu êxito e a sua utilidade. Ao se avaliar os resultados desses testes, certas

perguntas devem ser formuladas sobre o desenho e a condução do experimento, para que se

tenha uma avaliação crítica. Os principais questionamentos são (EPA, 1991):

• O desenho experimental foi adequado para testar a hipótese?

• A realização geral do estudo esteve de acordo com as normas de boas práticas de

laboratório?

• As concentrações da substância estudada foram determinadas corretamente através

de análise química?

• A substância foi adequadamente caracterizada com respeito a natureza e o grau de

impurezas?

• Os animais receberam realmente a substância?

• Os animais que morreram durante o estudo foram examinados adequadamente?

• Suas mortes podem ser associadas à substância em estudo?

• Quão cuidadosamente foram observados os animais durante a realização do

estudo?

• Que testes foram aplicados aos animais (pôr exemplo, exame de sangue, testes

clínicos) e se foram feitos adequadamente?

• Os animais foram examinados histopatologicamente? O exame foi feito pôr um

patologista qualificado?

• A magnitude do exame do animal e de seus tecidos foi adequada?

• Os dados clínicos e patológicos foram tabelados apropriadamente?

• Os testes estatísticos foram corretamente empregados e analisados?

• As informações do estudo foram suficientemente detalhadas para poder contestar

estas perguntas?

Uma avaliação apropriada asseguraria que estas e outras perguntas possam ser

respondidas e incluiria uma lista de qualificações sobre resultados de testes em áreas nas quais

existem poucas respostas ou onde estas são insatisfatórias (EPA, 1991).

II.3. Informação a Partir de Estudos em Seres Humanos

A informação sobre efeitos adversos em populações humanas são obtidas a partir de

quatro fontes (EPA, 1991):

1. estudos epidemiológicos.

2. estudos de correlação (nos quais as diferenças nas taxas de doença em populações

humanas estão associadas a diferenças de condições ambientais);

3. informes de casos preparados pôr equipes de médicos;

4. resumo dos sintomas informados pelas próprias pessoas expostas;

Os primeiros três tipos de estudos podem ser caracterizados como epidemiologia

descritiva e são úteis para chamar atenção para problemas que ainda não tenham sido

observados previamente. Mesmo que não se possa identificar uma relação causa-efeito, são

importantes pôr gerar hipóteses que poderão ser provadas mais tarde. Os estudos

epidemiológicos incluem a comparação do estado de saúde de um grupo de pessoas que foram

expostas a uma substância sob suspeita, com o estado de saúde de um grupo comparável não

exposto (EPA, 1991).

A maioria dos estudos epidemiológicos realizados nos países industrializados são

estudos de casos e controles ou estudos de coortes, predominando os estudos descritivos nos

países em industrialização. Em estudos de casos e controles, um grupo de indivíduos com

uma doença específica é identificado e são investigados pontos em comum em situações de

exposições que estes indivíduos possam ter sofrido no passado (Quadro II.9). As

propriedades carcinogênicas do dietilestilbestrol foram descobertas através deste tipo de

estudos. Nos estudos de coorte, são examinadas as condições de saúde dos indivíduos que

foram submetidos a uma mesma exposição, para determinar se alguma condição específica ou

causa de morte se manifesta como excessiva quando comparada a uma população controle

apropriada (Quadro II.10). A leucemiogênese do benzeno foi estabelecida através deste tipo

de estudo. Geralmente, os epidemiologistas se dedicam de preferência a situações

ocupacionais ou a pacientes tratados com certos fármacos para realizar seus estudos (EPA,

1991).

Quando as informações epidemiológicas conduzem a resultados convincentes, são

muito úteis porque proporcionam informações sobre seres humanos em condições reais de

exposição a uma substância específica. Portanto, na avaliação da base total de dados, os

resultados destes estudos, bem desenhados e controlados apropriadamente, tem mais peso que

os estudos em animais. Mesmo que nenhum estudo possa proporcionar uma segurança

completa de que não existe risco, os dados negativos de estudos epidemiológicos podem ser

utilizados para estabelecer o nível de risco que com alguma segurança não será ultrapassado

na exposição à uma determinada substância (EPA, 1991).

Mesmo que os estudos epidemiológicos sejam decisivos quando existem diferenças

claras, vários pontos devem ser considerados na interpretação dos resultados (EPA, 1991):

• É difícil formar os grupos de controle adequadamente pareados porque os fatores que

levam à exposição do grupo estudado (pôr exemplo, ocupação ou residência) as vezes

estão associados a outros fatores que afetam a condição de saúde (pôr exemplo, estilo de

vida e condições sócio-econômicas).

• É difícil controlar fatores de risco relacionados (pôr exemplo, tabagismo) que tem efeitos

importantes na saúde.

• Poucos tipos de efeitos na saúde (além do óbito) são registrados de forma sistemática em

populações humanas (e mesmo a informação sobre a causa de morte é de confiabilidade

limitada). Pôr exemplo, a infertilidade, os abortos e as doenças mentais não são registradas

sistematicamente como regra nos serviços de saúde pública.

• Poucas vezes são disponíveis dados exatos sobre o grau de exposição a substâncias

potencialmente perigosas, especialmente quando aconteceu no passado. Nestes casos,

estabelecer relações dose-resposta é freqüentemente impossível.

• Para a investigação de doenças que levam muito tempo para se desenvolver, tais como

câncer, é necessário esperar muitos anos para confirmar a ausência de um efeito. Além

disso, a exposição a substâncias suspeitas poderia continuar durante estes períodos

extensos e assim, aumentar o risco.

• O poder estatístico de detecção dos estudos epidemiológicos é limitado, a menos que

populações muito grandes sejam estudadas.

Pôr estas razões, os estudos epidemiológicos estão sujeitos a muitas incertezas.

Geralmente é necessário ter evidências de confirmação independentes, tal como um resultado

concordante em um segundo estudo epidemiológico, ou informação de apoio proveniente de

estudos em animais de experimentação. Dadas as limitações da epidemiologia, também

devem ser interpretados com cuidado dados de achados negativos (EPA, 1991).

II.4. Identificação de Perigo de Substâncias Carcinogênicas

II.4.1 - Definição de Substâncias Carcinogênicas

Câncer é o termo utilizado para caracterizar o crescimento anormal das células que

pode resultar na invasão de tecidos normais ou na difusão para órgãos distantes, em um

processo conhecido como metástase. Substâncias químicas carcinogênicas são substâncias

que foram descritas como capazes de induzir o crescimento anormal ou descontrolado de

células (tumores) em animais de laboratório ou em seres humanos (EPA, 1996)

A carcinogênese é o termo utilizado para a indução ou formação de tumor. É um

processo com múltiplos estágios que requer um evento inicial (geralmente uma alteração

genética da célula) seguida de vários estágios de crescimento de uma célula afetada até o

aparecimento do tumor (EPA, 1996). (Quadro II.11)

Uma substância carcinogênica é qualquer uma capaz de aumentar a incidência de

câncer na população exposta. Dentre as substâncias carcinogênicas temos (EPA, 1996):

• iniciadoras: são aquelas capazes de iniciar o câncer através da alteração do material

genético da célula;

• completas: tanto dão início como promovem o aparecimento do tumor;

• promotoras: são as que aumentam a incidência de tumor somente quando a exposição às

mesmas dá-se após a iniciação. Diferentemente das iniciadoras e completas, a

manifestação dos efeitos dos promotores requer exposição contínua pôr um longo período

de tempo, sendo revertida pelo término da exposição. Desta forma, as características da sua

curva dose-resposta podem ser diferentes daquelas das iniciadoras e completas;

II.4.2 - Atribuição de Pesos às Evidências para a Determinação do Potencial

Carcinogênico em Seres Humanos

A avaliação das evidências é uma coleção de avaliações de todas as informações sobre

carcinogenicidade pertinentes. Desta forma é adequado considerar o impacto da plausibilidade

biológica e da coerência da associação entre um agente determinado e seu potencial

carcinogênico. A identificação e caracterização da carcinogenicidade humana é baseada em

dados de seres humanos e animais. A atribuição de diferentes pesos para as evidências, que

estes dados fornecem, envolve considerações sobre a qualidade e adequação dos dados e a

consistência das respostas induzidas pelo agente em questão (EPA, 1996).

Visões iniciais sobre um tipo de evidência podem mudar significativamente quando

outras informações são trazidas para a interpretação. Pôr exemplo, um resultado positivo

sobre carcinogenicidade em animal pode ser enfraquecida pôr outro dado chave; ou, uma

associação frágil resultante de estudos epidemiológicos pode ser reforçada pôr considerações

de outros dados e achados em animais. Geralmente, não é um único fator que determina o

peso total de uma evidência. Os fatores não são contados mecanicamente através da adição de

mais ou menos peso, eles são julgados em combinação (EPA, 1996).

II.4.3. Avaliação das Evidências de Animais

Evidências obtidas a partir de experimentos de longa duração (crônicos) ou outros

estudos de carcinogenicidade em animais de laboratório, constituem a primeira maior classe

de informação utilizadas. Para que um estudo seja considerado de longa duração é necessário

que possua os seguintes requisitos (EPA, 1996):

• ter duração de 2 a 7 anos (dependendo da espécie estudada);

• que a espécie seja selecionada com base em resultados de estudos farmacodinâmicos

realizados em várias espécies, ou mesmo sejam utilizadas duas espécies animais;

• que seja utilizado, no mínimo, dois níveis de dose;

• que se utilize a via de administração adequada;

• que sejam realizadas avaliações do estado de saúde de todos os animais

semanalmente através de exame físico completo e, em intervalos de 3 a 6 meses, provas

funcionais e análises bioquímicas de sangue e urina;

• que todos os animais sejam submetidos a uma autopsia completa, onde se inclua

exame histológico de todos os órgãos.

Cada estudo precisa ser revisto e avaliado em relação à adequação de seu desenho e

desenvolvimento, bem como a significância estatística e a relevância biológica de seus

achados. Os fatores que usualmente aumentam sua confiança em predizer câncer em seres

humanos a partir dos resultados de estudos em animais são (Quadro II.13) (EPA, 1996):

• a multiplicação das observações em estudos independentes;

• a severidade da lesão, latência e progressão da lesão;

• consistência das observações.

Para substâncias carcinogênicas, a demonstração de que quase todas as substâncias

carcinogênicas para seres humanos são carcinogênicas na maioria das espécies de animais de

laboratório, tem sido usada para dar suporte à avaliação de risco de câncer, tendo como

premissa à tese de que uma substância comprovadamente carcinogênica em animais, é

provavelmente carcinogênica em seres humanos. Existem algumas objeções quanto ao uso

desta suposição na avaliação de risco, dentre as quais estão as seguintes (EPA, 1996):

1) O fato de que quase todas as substâncias carcinogênicas para seres humanos são

carcinogênicas para animais, não prova que a relação inversa é correta; isto é, não foi provado

que todas as substâncias carcinogênicas para animais também o são para seres humanos. De

fato, evidências da existência de diferenças entre seres humanos e outras espécies em relação

a susceptibilidade à substâncias carcinogênicas são respaldadas com os achados sobre

diferenças qualitativas na resposta a substâncias carcinogênicas entre diferentes espécies de

animais de laboratório.

2) Os experimentos com animais usados nos testes de carcinogenicidade podem prover

resultados que não são relevantes para a estimativa de risco em seres humanos. Existem

quatro critérios principais quanto ao uso de dados obtidos com experimentos realizados com

animais, relacionados abaixo:

a) as doses as quais os animais são expostos nos experimentos são muito altas e não

são preditivas para efeitos nos níveis de exposição humana à baixas doses;

b) algumas espécies de animais utilizadas em experimentos são tão biologicamente

diferentes dos seres humanos, que os resultados obtidos com elas não possuem valor;

c) algumas espécies de animal ou certos órgãos, utilizados em experimentação, são

intensamente sensíveis a substâncias carcinogênicas e esta sensibilidade invalida o uso dos

resultados obtidos com estas espécies ou órgãos;

d) a relevância de tumores benignos em testes com animais para risco de

câncer em seres humanos é desconhecida.

II.4.4. Avaliação das Evidências de Seres Humanos

Os dados epidemiológicos são extremamente úteis na avaliação de risco porque eles

fornecem evidências diretas que uma substância produz câncer em seres humanos. Desta

forma, evita-se o problema resultante da extrapolação dos dados encontrados em

experimentações animais, onde se faz necessária uma dedução, a partir dos resultados

encontrados em uma espécie, para os resultados que podem ocorrer em outra espécie. Esta

dedução nem sempre pode ser feita de modo apropriado, tendo em vista as diferenças

fisiológicas existentes entre as espécies animais estudadas e o ser humano. Portanto, quando

dados resultantes de estudos em seres humanos são disponíveis em grande quantidade e sendo

de boa qualidade, são geralmente preferidos aos dados obtidos a partir de estudos

experimentais com animais, devendo merecer um peso maior na caracterização do risco

(EPA, 1996).

O julgamento das evidências é feito em função do quanto os dados que a originaram

satisfazem os critérios estabelecidos para um bom estudo epidemiológico, e o quanto eles

estão longe destes critérios. A existência de uma relação temporal, forte associação, dados de

exposição confiáveis, presença de correlação entre dose-resposta, ausência de vieses e fatores

de confundimento, e alto nível de significância estatística estão entre os fatores que aumentam

a confiança na conclusão de causalidade (EPA, 1996).

Geralmente, o peso de uma evidência humana aumenta com o número de estudos

adequados que mostram resultados comparáveis de populações expostas, a mesma substância,

sob diferentes condições. As análises levam em conta todos os estudos considerados de alta

qualidade, mesmo que apresentem associações positivas ou resultados nulos, ou até mesmo

aqueles que apresentem como resultado o fato da substância em questão apresentar efeitos

protetores, ou seja, indivíduos expostos ao agente apresentam menor risco de desenvolver

câncer quando comparados com aqueles não expostos. Quando se atribui peso a estudos

positivos contra estudos nulos, possíveis razões para resultados inconsistentes devem ser

procurados, e aos resultados de estudos julgados como de alta qualidade são dados maior peso

que aqueles julgados como sendo metodologicamente inferiores. Como metodologicamente

inferiores são considerados os estudos em que (EPA, 1996):

• os grupos de indivíduos que fazem parte do mesmo não tenham sido selecionados de

forma correta;

• não existe uma caracterização adequada da exposição bem como considerações

apropriadas sobre vieses e fatores de confundimento;

• não existe validade na determinação das causas de morbidade ou mortalidade pôr

câncer;

• o tamanho da amostra e a duração do acompanhamento não são adequadas para que

se possa evidenciar um efeito;

• ou mesmo quando a metodologia utilizada para coleta e análise dos dados se mostra

inadequada.

Geralmente, um fator sozinho não é determinante. Pôr exemplo, a força de associação

é um critério causal. Uma associação forte (isto é, um grande risco relativo - ver capítulo I) é

mais indicativo de causalidade que uma associação fraca. Entretanto, achados de grande

excesso de risco em um único estudo devem ser contrabalançados com a falta de consistência

refletida pôr resultados negativos de outros estudos igualmente bem desenhados e bem

conduzidos. Nesta situação a associação positiva de um único estudo pode tanto sugerir a

presença de vieses ou confundimentos, quanto refletir condições de exposição diferentes. Pôr

outro lado, evidências de uma fraca, porém consistente associação através de vários estudos,

sugerem tanto causalidade, quanto que alguns fatores de confundimento podem estar

operando em todos estes estudos (Quadro II.12) (EPA, 1996).

II.4.5 - Avaliação de Outras Evidências

Informações adicionais usadas na avaliação qualitativa do potencial carcinogênico

podem ser obtidas a partir de estudos comparativos de farmacocinética e metabolismo,

estudos de genotoxicidade, análises de relação entre a atividade biológica e a estrutura

química, e outros estudos sobre as propriedades do agente. As informações obtidas com estes

estudos ajudam a elucidar modos de ação potenciais e o metabolismo e o destino biológico. O

conhecimento dá suporte as interpretações sobre estudos relacionados ao câncer em seres

humanos e animais e fornece uma fonte adicional de informações sobre o potencial

carcinogênico (Quadro II.14) (EPA, 1996).

II.4.6 - Avaliação da Totalidade das Evidências

Estendendo a visão quanto à totalidade das evidências todos os dados e inferências são

avaliados em conjunto. De fato, a possibilidade de conferir pesos para as evidências estende-

se sobre um amplo prolongamento que não pode ser compartimentalizado (Quadro II.14)

(EPA, 1996).

II.4.7 - Classificações dos Pesos das Evidências

A classificação de risco utiliza três categorias para descrever o potencial carcinogênico

humano: conhecido/provável; não pode ser determinado e não provável. Cada categoria

estende-se sobre uma grande variedade de conjuntos de dados e pesos de evidências. Desta

forma, sempre haverão gradações, áreas de interseção e casos fronteiriços. O uso destas

categorias dentro de uma narrativa preserva e mostra a sua complexidade que é uma parte

essencial da classificação do perigo. Uma única substância pode ser categorizada de mais de

uma forma se, pôr exemplo a substância é provavelmente carcinogênico pôr uma via de

exposição, mas não pôr outra (EPA, 1996).

Conhecido/provável: Esta categoria é apropriada quando efeitos de tumores ou outros

dados chave disponíveis são adequados para demonstrar convincentemente o potencial

carcinogênico para seres humanos, e inclui (EPA, 1996):

a) substâncias reconhecidas como carcinogênicas em seres humanos, baseados tanto em

evidências epidemiológicas quanto em combinações de evidências de estudos experimentais

em animais e epidemiológicas, que demonstram causalidade entre exposição humana e

câncer;

b) substâncias que devem ser tratadas como tal, se eles são reconhecidos como carcinogênicos

seres humanos, baseados na combinação de dados epidemiológicos que demostram uma

associação causal plausível (não demonstrada como definitiva) e forte evidência de estudos

experimentais em animais;

c) substâncias que são reconhecidos como capazes de produzir câncer em seres humanos

devido a produção antecipada de tumores pôr mecanismos de ação que são considerados

relevantes ou assumidos como relevantes para carcinogenicidade humana.

Não pode ser provado: Esta categoria é apropriada quando efeitos de tumores ou

outros dados chave disponíveis são sugestivos ou conflitantes ou apresentam quantidade

limitada e, desta forma, não são adequados para demonstrar convincentemente, o potencial

carcinogênico para seres humanos. Nesta categoria estão (EPA, 1996):

a) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, mas para as quais

existe evidência sugestiva que levanta suspeitas sobre efeitos carcinogênicos;

b) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, porque a evidência

existente é composta pôr dados conflitantes;

c) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, porque existem

dados inadequados para realizar uma avaliação;

d) as substâncias cujo potencial carcinogênico não pode ser determinado, porque não existe

disponibilidade de dados para conduzir uma avaliação.

Não provável: Este categoria é apropriada quando a evidência de estudos

experimentais em animais é satisfatória para decidir que não existe base para suspeita de

perigo para seres humanos, como os seguintes (na ausência de dados de seres humanos que

sugerem um efeito potencial de câncer) (EPA, 1996):

a) substâncias não prováveis de serem carcinogênicos para seres humanos porque foram

avaliados em pelo menos dois estudos bem conduzidos em duas espécies apropriadas de

animais sem demonstrar efeitos carcinogênicos;

b) substâncias não prováveis de serem carcinogênicos para seres humanos pelo fato de terem

sido avaliados apropriadamente em animais e demonstraram efeitos carcinogênicos

irrelevantes para seres humanos;

c) substâncias não prováveis de serem carcinogênicos para seres humanos quando a

carcinogenicidade é dependente da dose ou da via de exposição;

d) substâncias não prováveis com sendo carcinogênicos para seres humanos baseado em uma

extensiva experiência com seres humanos que tenha demonstrado falta de efeito.

As ações regulamentadoras para definir o método apropriado para avaliação de risco

têm levado em conta todos estes critérios. Geralmente, é assumido pelas agências

responsáveis pela determinação de normas a serem seguidas pelos avaliadores de risco que, na

ausência de uma forte evidência do contrário, para uma substância química, os resultados

obtidos em experimentação animal com altas doses, realizado em diferentes vias de

exposição, em espécies de roedores de curta duração de vida, associado com órgãos

“sensíveis” (como fígado de rato), e tumores benignos são suficientes para predizer o risco de

câncer em seres humanos com finalidade de avaliação de risco (EPA, 1996).

As diferentes classes de substâncias são categorizadas de acordo com a força das

evidências encontradas em relação as mesmas. Conforme pode se observar a seguir a

categorização é a seguinte (Quadro II.16) (EPA, 1996):

⇒ A - Carcinogênico humano comprovado: evidências suficientes em seres humanos.

⇒ B1 - Provável carcinogênico humano: dados em seres humanos limitados e dados

suficientes em animais.

⇒ B2 - Provável carcinogênico humano: dados em seres humanos inadequados e

dados suficientes em animais.

⇒ C - Possível carcinogênico humano: dados em seres humanos inadequados e dados

limitados em animais.

⇒ D - Não classificado como carcinogênico em seres humanos: dados inadequados

tanto em seres humanos quanto em experimentos com animais.

⇒ E - Evidências positivas de que não é carcinogênico para seres humanos: evidências

negativas em animais e sem informação em seres humanos

II.5. Identificação de Perigo: Resumo

Para algumas substâncias, a base de dados disponíveis pode incluir informação valiosa

sobre os efeitos em seres humanos e em animais experimentais, assim como pode também

incluir informação sobre os mecanismos biológicos básicos para a produção de uma ou mais

formas de toxicidade. Em outros casos, a base de dados pode ser sumamente limitada e pode

incluir somente alguns estudos em animais experimentais.

Em alguns casos, todos os dados podem apontar claramente em uma só direção,

deixando pouca ambigüidade sobre a natureza da toxicidade associada com uma dada

substância; em outros os dados podem incluir conjuntos de achados epidemiológicos ou

experimentais aparentemente em conflito. Para uma substância bem estudada, não é raro

obter resultados contraditórios em provas de toxicidade. Se as provas são realizadas

adequadamente, os resultados positivos geralmente influenciam os resultados negativos. A

confusão pode ser devido a observação de que o tipo, a gravidade ou órgão alvo da

toxicidade podem variar segundo as espécies de animais expostos. Ainda que se aceite que os

resultados em animais são e tem sido úteis para prever efeitos em seres humanos, tem

ocorrido exceções notáveis, como pôr exemplo a talidomida. Este complexo tema,

brevemente mencionado aqui, deve ser considerado para cada substância examinada.

A apresentação anterior da avaliação de perigo foi feita para exposições à um só

substância química. Entretanto, os seres humanos raramente estão expostos a uma só

substância, tanto pelo fato de as substâncias comerciais conterem impurezas, como pelo fato

de as substâncias usadas combinadas e as alternativas de estilo de vida (pôr exemplo, fumar,

beber) poderem modificar os efeitos da exposição. Quando os seres humanos estão expostos a

duas ou mais substâncias, podem ocorrer muitos resultados, devendo-se observar que a

avaliação de perigo de misturas de substâncias é bastante complexa e ainda não se encontra

totalmente padronizada.

Para o caso específico das substâncias carcinogênicas, o objetivo da identificação de

perigo é revisar e avaliar os dados existentes e pertinentes tendo como orientação duas

questões:

1) se a substância representa um perigo carcinogênico para os seres humanos;

2) sob quais circunstâncias um perigo identificado pode ser expresso.

Não significa apenas a reunião de uma série de avaliações separadas, mas a construção

da análise de um caso total examinando as informações sobre os efeitos carcinogênicos como

um todo, seus modos de ação e implicações.

CAPÍTULO III - AVALIAÇÃO DOSE-RESPOSTA

III.1. Introdução

O passo seguinte na avaliação de risco é estimar as relações entre dose e resposta para

as diversas formas de toxicidade mostradas pela substância em estudo (Quadro III.1). Ainda

que se tenha bons estudos epidemiológicos, raramente há dados quantitativos confiáveis sobre

a exposição. Na maioria dos casos, os estudos dose-resposta são obtidos a partir estudos em

animais. A avaliação dose-resposta implica considerar três problemas (EPA, 1991):

• geralmente, os animais em estudos experimentais estão expostos à doses altas e os

efeitos à doses baixas em humanos devem ser previstos utilizando-se teorias

relativas na forma da curva dose-resposta;

• os animais e os seres humanos freqüentemente diferem em suscetibilidade, ao

menos em diferença de tamanho e metabolismo;

• a população humana é muito heterogênea, de modo que alguns indivíduos são mais

suscetíveis que a média.

Convencionalmente são feitas duas suposições gerais sobre a forma das relações dose-

resposta em doses baixas (EPA, 1991):

• para efeitos que envolvem alterações do material genético (incluindo a iniciação do

câncer), há razões teóricas para crer que eles podem ocorrer a níveis de doses muito

baixas; tem-se proposto vários modelos matemáticos específicos de relações dose-

resposta;

• para a maioria dos outros efeitos biológicos, geralmente se assume que existem

níveis “limite”. Entretanto, é muito difícil utilizar tais medidas para prever níveis

”seguros” nos seres humanos;

• se assumimos que os seres humanos e os animais são, em média, intrinsecamente

similares em suscetibilidade, espera-se que os seres humanos tenham respostas

mais variadas as substâncias tóxicas.

III.2. Aspectos Gerais da Relação Dose-Resposta

As respostas tóxicas podem ser de vários tipos, independente do órgão ou sistema

afetados. Para algumas, a gravidade do dano aumenta a medida que aumenta a dose, ou seja, o

efeito é proporcional a dose. Como exemplo dessa situação, podemos imaginar uma

substância que afete o fígado. As doses mais altas podem matar células hepáticas, talvez

tantas o suficiente para destruir o fígado e causar a morte de alguns ou todos os animais de

experimentação. Com a diminuição das doses, menos células são destruídas mas podem haver

outras formas de dano que causem alterações em seu funcionamento, pois ainda que não haja

morte de nenhuma célula, podem surgir leves alterações de função ou da estrutura celular.

Finalmente, pode-se chegar à um nível de dose onde não se observe nenhum efeito ou no qual

existam somente alterações bioquímicas que não produzam efeitos adversos conhecidos na

saúde do animal. Sobre esta questão deve-se ressaltar que alguns toxicologistas consideram

qualquer alteração como adversa, mesmo se suas consequências a longo prazo sejam

desconhecidas, não havendo um consenso claro sobre este aspecto. Uma das metas dos

estudos de toxicidade é determinar, na curva dose-resposta, o nível de efeito não observado,

que é a dose na qual não se observa nenhum efeito, conhecida como a NOEL1 (No Observed

Effect Level) (EPA, 1991).

Em outros casos, a gravidade do efeito em um animal de experimentação pode não

aumentar com a dose, mas a incidência do efeito aumentará com um aumento da dose. Nestes

casos, o número de animais que experimentam um efeito adverso a uma determinada dose é

menor que o número total e a medida que a dose aumenta, a fração que experimenta efeitos

adversos, ou seja, a incidência da enfermidade ou dano, aumentará. Para uma dose

suficientemente alta, todos os animais em experimentação apresentarão o efeito. Estas últimas

respostas são propriamente caracterizadas como probabilísticas. Aumentar a dose aumenta a

probabilidade, ou seja, o risco de que se desenvolva a anomalia em uma população exposta.

Para alguns efeitos tóxicos, incluindo câncer, tanto a gravidade quanto a incidência aumentam

conforme se eleva o nível de exposição. O aumento na gravidade é resultado de um dano

acentuado com doses mais altas, enquanto que o aumento na incidência é um resultado das

diferenças de sensibilidade individual. Além disso, o lugar onde uma determinada substância

atua (pôr exemplo, fígado, rins) pode mudar quando muda a dose (EPA, 1991).

Geralmente, a medida que aumenta a duração da exposição, diminuem tanto o NOEL

como a dose na qual aparecem os efeitos. Em alguns casos aparecem novos efeitos, que não

foram observados com exposições de menor duração. Também podem ser encontradas

diferenças no grau de reversibilidade do efeito. Em alguns casos, um efeito desaparecerá

quase que imediatamente após o término da exposição. Num outro extremo, algumas

exposições acarretarão em um dano permanente, pôr exemplo, um defeito grave de

nascimento pôr ação de uma substância que danifica irreversivelmente o feto, em um

momento crítico do seu desenvolvimento. A maioria das respostas tóxicas se dá dentro desses

1 Corresponde a dose experimental mais alta na qual não há, estatisticamente e biologicamente, nenhumcrescimento na freqüência ou severidade dos efeitos tóxicos vistos na população exposta comparada com umapopulação apropriada não exposta (EPA, 1989).

dois extremos. Entretanto, em muitos experimentos, o grau de reversibilidade não pode ser

observado pelo investigador (EPA, 1991).

A gravidade é outra característica de uma resposta tóxica. Certos tipos de dano tóxico

são claramente adversos e são uma ameaça definitiva contra a saúde. Entretanto, outros tipos

de efeitos observados durante os estudos de toxicidade não tem uma importância clara para a

saúde. Pôr exemplo, para uma determinada dose, pode não ficar claro se ocorreu uma

verdadeira resposta adversa. Determinar se estas alterações leves são significativas para a

saúde, é um dos temas críticos ao avaliar a segurança, e até hoje não foi totalmente

esclarecido (EPA, 1991).

III.3 Modelos de Curva Dose-Resposta

Qualquer que seja a resposta selecionada para a medida, a relação entre o grau da

resposta do sistema biológico e a quantidade da substância tóxica a qual este sistema foi

exposto, é referida como a relação dose-resposta. Este tipo de relação tem como exemplo

clássico a DL502 (índice de letalidade), uma dose única estatisticamente derivada, de uma

substância, que causa o óbito de 50% da população exposta. Em toxicologia, a resposta

quântica é usada com frequência, ou seja, um efeito específico é identificado (óbito, no

exemplo), e a dose requerida para produzir este efeito, para cada indivíduo na população, é

determinada. A determinação da dose letal média (DL50), tomada como exemplo, é

geralmente o primeiro experimento realizado com uma substância química. Se um grande

número de doses é usado com um grande número de animais pôr dose, uma curva dose

resposta sigmoidal é observada, como mostram os Quadros III.2 e III.3 (EPA, 1991).

Neste tipo de curva, os valores que estão no eixo da abcissa (doses) são transformados

para valores logarítmicos. A ordenada é geralmente expressa em percentual do efeito ou do

número de indivíduos. Quando os valores da ordenada são apresentados como percentual da

frequência do efeito (% de mortalidade, no exemplo), observa-se que a relação dose-resposta

exibe uma distribuição normal ou gaussiana (Quadro III.3). A interpretação do perfil de uma

curva dose-resposta (inclinação e localização no eixo das ordenadas) permite que se tire

conclusões sobre a potência e a eficácia de uma substância, variação individual da resposta,

2 A dose letal (DL50) – que se relaciona à absorção de substâncias pelo organismo via dérmica e oral – e aconcentração letal (CL50) – que se relaciona à absorção de substâncias pelo organismo por inalação – sãoparâmetros toxicológicos que correspondem à dose necessária para provocar o óbito de 50% da populaçãoexposta, de modo que, quanto mais baixa a DL50, maiores são o perigo da substância e a probabilidade de óbitosimediatos em caso de exposição. Geralmente estes parâmetros toxicológicos são baseados na extrapolação deresultados obtidos em testes de laboratórios como animais in vivo – freqüentemente são empregados roedorespara esses tipos de testes. As estimativas podem variar bastante, dependendo do modelo de dose-respostaadotado e das escalas dos fatores inter-espécies – peso do corpo, área de superfície e taxa metabólica (Smith,1992; IPCS, 1992b).

valores de NOEL (No Observed Effect Level) e NOAEL3 (No Observed Adverse Effect

Level). Deve-se ressaltar, entretanto, que a resposta quântica do tipo tudo (vivo) ou nada

(morto), não limita-se a letalidade. Curvas dose-resposta semelhantes podem ser construídas

para câncer, lesões hepática, e outros tipos de respostas tóxicas assim como respostas

terapêuticas, como anestesia (Klaassen et al., 1991).

Uma curva sigmoidal de distribuição normal, apresenta respostas próximas de 0%, à

medida que as doses diminuem, e de 100% à medida que as doses aumentam. Porém,

teoricamente, nunca chega a 0 ou 100%. Entretanto, a dose mínima efetiva para qualquer

substância química que deflagra uma resposta quântica é denominada de dose limite, e doses

abaixo desse limite apresentam probabilidade zero de elicitar uma resposta (Klaassen et al.,

1991).

III.4. Efeitos Com Limiar e Efeitos Sem Limiar

As substâncias que produzem resultados tóxicos distintos do câncer e mutações

genéticas são referidas como “tóxicos sistêmicos”, devido a seus efeitos no sistema de

funcionamento de vários órgãos. É importante observar que as substâncias que causam câncer

e mutações genéticas geralmente também provocam outros efeitos tóxicos, ou seja, também

possuem uma toxicidade sistêmica. Em função de mecanismos homeostáticos adaptativos,

que devem ser vencidos antes de que se manifeste um resultado tóxico, a toxicidade sistêmica

é tratada como se existisse um limiar de exposição identificável, tanto para o indivíduo como

para as populações, sob o qual não existem efeitos adversos observáveis. Esta característica

distingue os resultados sistêmicos dos de carcinogenicidade e mutagenicidade, os quais, com

frequência, são tratados como processos sem limiar. No caso de substâncias carcinogênicas,

supõe-se que um número pequeno de alterações moleculares pode produzir alterações em uma

só célula, a qual pode desencadear uma proliferação celular descontrolada. Este mecanismo é

conhecido como sem limiar, já que teoricamente não há um nível de exposição para tal

substância que não represente uma probabilidade pequena, mas finita de gerar uma resposta

carcinogênica (EPA, 1991).

O conceito de limiar é importante no contexto da regulamentação. A hipótese de

limiar individual sustenta que uma gama de exposições desde zero até certo valor finito, pode

ser tolerada pelo organismo com essencialmente nenhuma probabilidade de expressão do

efeito tóxico. Além disso, é necessário focalizar os membros mais sensíveis de uma

3 Corresponde a dose experimental mais alta na qual não há, estatisticamente e biologicamente, aumentosignificativo na freqüência ou severidade de um efeito adverso à saúde na população exposta comparando-secom uma apropriada população não exposta. Efeitos podem ser produzidos neste nível, porém não sãoconsiderados como adversos (EPA, 1989)

população, e para tanto, os esforços reguladores geralmente são feitos no sentido de manter as

exposições abaixo do limiar que a população mais sensível apresenta, o qual se define como o

mais baixo dos limiares dos indivíduos dentro de uma população (EPA, 1991).

Ao se avaliar uma relação dose-resposta surgem certas dificuldades. Pôr exemplo, se

deve decidir acerca do resultado crítico que se vai medir como “resposta”. Também se deve

decidir a medição correta da “dose”, levando-se em consideração a dose administrada versus a

dose absorvida versus a dose que alcança o órgão alvo. Atualmente estas questões têm sido

alvo de numerosas investigações (EPA,1991).

III.4.1. Efeitos Com Limiar

Para a avaliação da relação dose-resposta de efeitos com limiar um dos primeiros

passos é identificar o NOAEL utilizando-se o estudo crítico realizado com a espécie mais

sensível, para a partir daí calcular a Dose de Referência (DRf) ou Concentração de Referência

(CRf), dependendo da via de exposição (Quadro III.4). Os princípios gerais que orientam a

avaliação da relação dose-resposta baseiam-se nas seguintes suposições (ver Quadro III.5)

(EPA, 1991):

• as informações obtidas a partir de estudos epidemiológicos em seres humanos são

preferíveis do que as obtidas a partir de estudos experimentais de laboratório com animais;

• os seres humanos são tão sensíveis como a espécie animal mais sensível;

• o risco significativo de sofrer algum efeito tóxico sistêmico só ocorre quando se

extrapola a dose limiar para o dito efeito;

• a implicação normativa do conceito de dose limiar para as substâncias que não

causam efeitos carcinogênicos é a Dose de Referência (DRf) ou a Concentração de Referência

(CRf).

Seleção do Estudo Crítico

O estudo crítico é aquele que determina o NOAEL que será utilizado como base para o

cálculo da DRf. Ao avaliar dados provenientes de estudos em animais, geralmente se faz uma

série de julgamentos profissionais que incluem, entre outros, a consideração da qualidade

científica dos estudos. Quando são apresentados dados de vários estudos em animais, o

avaliador do risco deve verificar primeiro o modelo animal que é mais pertinente para os seres

humanos, utilizando para isso os dados biológicos mais bem fundamentados e contundentes

(pôr exemplo, os dados farmacocinéticos comparativos). Na ausência da espécie claramente

mais pertinente, os avaliadores usam a espécie mais sensível, ou seja, a que apresentou um

efeito tóxico decorrente da dose mais baixa administrada, uma vez que não há nenhum

segurança de que os seres humanos não sejam, intrinsecamente, tão sensíveis quanto a espécie

mais sensível testada. Este processo de seleção é mais difícil quando as vias de exposição em

estudos com animais são distintas daquelas associadas a situação humana sob investigação.

Para utilizar dados de estudos controlados ou de animais geneticamente homogêneos, o

avaliador deve também extrapolar de animais para seres humanos, e de altas doses

experimentais até exposições ambientais comparativamente baixas, levando em consideração

a heterogeneidade humana e as possíveis exposições múltiplas em seres humanos (EPA,

1991).

Em termos simplificados, um nível de exposição experimental é selecionado a partir

do estudo crítico, representando o nível mais alto testado que não produziu nenhum "efeito

adverso". Na prática, isto corresponde ao fato de, quando se tem vários NOAELs igualmente

confiáveis, se eleger o valor mais baixo encontrado. Este NOAEL é a informação chave

extraída do estudo da relação dose-resposta e tradicionalmente é a base primária para

avaliação científica do risco que os tóxicos sistêmicos representam para os seres humanos.

Este enfoque se baseia na suposição de que se o efeito tóxico crítico é evitado, também serão

evitados todos os outros efeitos tóxicos. Mais formalmente, o NOAEL é definido como a dose

experimental mais alta de uma substância, na qual não há um aumento estatísticamente

importante na frequência ou gravidade de um efeito adverso, em indivíduos de um grupo

exposto, quando se compara com indivíduos de um grupo controle apropriado. Como pode se

observar, podem haver diferenças profissionais de opinião ao julgar se uma resposta particular

é adversa ou não. Além disso, o NOAEL é uma função do tamanho da população em estudo.

Nos estudos com um número pequeno de animais, é menos provável que sejam detectados

efeitos com doses baixas que em estudos que utilizem grandes números de animais. Também,

se o intervalo entre doses em um experimento é grande, é possível que o NOAEL

determinado experimentalmente, seja menor que o que se observaria em um estudo que utilize

doses sobrepostas (EPA,1991).

O resultado crítico é o efeito tóxico utilizado como base para o cálculo da DRf. Em

estudos com determinadas substâncias, pode-se obter mais de um efeito tóxico, até em um

mesmo animal em estudo ou em testes de mesma ou diferentes durações de exposição

(estudos de exposição aguda, sub-crônica e crônica). Em geral, os NOAELs para estes efeitos

serão diferentes. O resultado crítico utilizado na avaliação de dose-resposta é aquele efeito

que mostre o menor NOAEL (Quadros III.6 e III.7) (EPA, 1991).

Estabelecimento da Dose de Referência (DRf)

A DRf é uma dose derivada operacionalmente do NOAEL através da aplicação

consistente de fatores de incerteza (FI), geralmente em várias ordens de magnitude, que

refletem os diversos tipos de critérios utilizados para calcular as DRfs (Quadros III.8 e

III.9). Pôr exemplo, um NOAEL crônico e válido para animais, se divide normalmente entre

um FI de 100. Além disso, as vezes se utiliza um fator de ponderação (FP) baseado em um

julgamento profissional sobre a base da qualidade dos dados que levaram ao NOAEL

(OPS/EPA, 1996)

A abordagem padrão tradicional, para estabelecer níveis “aceitáveis” de exposição

para substâncias que produzem efeitos com limiar, determina que o NOAEL deve ser

reduzido de um FI, que leve em consideração diferenças intra e interespécies. Um FI de 10 foi

proposto nos raros casos onde dados válidos de exposição crônica em seres humanos são

disponíveis. Este fator de 10 é geralmente utilizado para contemplar a variabilidade

interindividual entre seres humanos, embora seja insuficiente para proteger a maioria de

indivíduos susceptíveis, na existência de idiossincrasias (Klaassen et al., 1991).

Na maioria das vezes, dados confiáveis de exposição em seres humanos, não são

disponíveis para uma determinada substância, devendo-se então extrapolar estes dados a partir

de estudos de exposição crônica em animais. Um FI de 100 é geralmente empregado, sendo

que um fator de 10 refere-se a diferenças interindividuais na população humana e um fator de

10 refere-se a diferenças interespécies (10 x 10). Quando são analisadas substâncias para as

quais não existem dados confiáveis de exposição crônica em animais, adiciona-se um FI de 10

ao fator 100 anterior, e portanto, um FI de 1000 deve ser utilizado. O objetivo principal do

uso de fatores de incerteza (FI) é estabelecer níveis de exposição que sejam “protetores” para

a saúde humana (Klaassen et al., 1991)).

Estes fatores e as indicações de como utilizá-los ao derivar a DRf são apresentados

nos (Quadros III.10 e III.11)

A DRf é determinada através da equação(Quadro III.12):

DRf = NOAEL / (FI x FP)

Em geral, a DRf é o cálculo (com uma incerteza que talvez ultrapasse uma ordem de

magnitude) de uma exposição diária na população humana (incluindo grupos sensíveis) que

pode ocorrer durante a vida sem um risco apreciável de efeitos deletérios. A DRf em geral se

expressa em unidades de mg pôr kilograma de peso corpóreo pôr dia (mg/kg-dia) (ver

Quadro III.9) (Klaassen et al., 1991).

A DRf é útil como um ponto de referência a partir do qual é possível medir efeitos

potenciais da substância em outras doses. Geralmente, não se associam doses menores da DRf

com riscos adversos para a saúde, e portanto, é menos provável que estas tenham um interesse

normativo. A medida que aumenta a frequência ou a magnitude de exposições que excedam a

DRf, aumenta a probabilidade de efeitos adversos em uma população humana. Entretanto, não

se deve concluir categoricamente que todas as doses abaixo das DRfs sejam aceitáveis (ou

estejam livres de risco) e que todas as doses acima da DRf sejam "inaceitáveis" (ou que

resultem em efeitos adversos) (EPA, 1991; Klaassen et al., 1991).

Os FI e FP servem para categorizar a qualidade e a solidez das evidências disponíveis

e a partir daí estabelecer a DRf (Quadro III.13). Os elementos de juízo para esta

categorização são (Quadro III.14) (OPS/EPA, 1991):

a) a qualidade da informação;

b) o poder estatístico dos estudos;

c) a quantidade e o tipo de efeitos estudados;

d) a consistência das observações nos diferentes tipos de estudos;

e) a relevância da duração e das vias de exposição utilizadas, tanto para as espécies

animais utilizadas em estudos experimentais, quanto para seres humanos;

f) a relevância das doses administradas e das espécies utilizadas para a situação

humana;

g) as informações sobre toxicocinética.

Estes elementos de juízo para avaliação e categorização das evidências permitem

categorizá-las como (Quadro III.15) (OPA/EPA, 1991)

1) suficientes - aquelas que incluem resultados que coletivamente proporcionam

informações suficientes para decidir se existe a probabilidade de que a substância

produza efeitos adversos para a saúde

2) suficientes em seres humanos - aquelas que incluem informações provenientes de

estudos epidemiológicos que proporcionam evidências suficientes que permitam

decidir se existe uma relação causal entre a exposição e os efeitos adversos;

3) suficientes em animais, mas limitadas em seres humanos - aquelas que incluem

informações obtidas a partir de estudos experimentais em animais e/ou evidências

limitadas provenientes de estudos em seres humanos, que proporcionem evidências

convincentes sobre o potencial de uma substância produzir efeitos adversos. As

evidências mínimas necessárias para julgar o potencial de riscos incluem a

demonstração do efeito de um estudo bem realizado em pelo menos uma espécie

animal. A evidência mínima necessária para julgar que o potencial de risco não

existe, inclui a informação proveniente de estudos bem realizados em pelo menos

duas espécies diferentes de animais;

4) insuficientes - aquelas em que não há a evidência mínima suficiente(Quadro

III.15).

III.4.2. Efeitos Sem Limiar

Atualmente, somente as substâncias que mostram propriedades carcinogênicas são

tratados como se não mostrassem níveis de tolerância (ainda que alguns cientistas sugiram

que alguns teratogênicos e mutagênicos podem se comportar de forma similar). Em outras

palavras, a curva de dose resposta para carcinogênicos na população humana somente chega à

risco zero se as doses de exposição forem zero; conforme a dose aumenta acima de zero, o

risco se torna imediatamente finito e pôr tanto aumenta em função da dose. O risco é a

probabilidade de câncer, e em doses muito baixas o risco pode ser extremamente pequeno

(isto variará de acordo com a potência da substância carcinogênica). A este respeito, as

substâncias carcinogênicas não são muito diferentes de outras substâncias (EPA, 1991).

O Processo Carcinogênico

Se ocorre algum tipo particular de dano ao material genético (ADN) de até uma só

célula, esta pode sofrer uma série de mudanças, que em um dado momento, terá como

resultado a produção de um tumor; entretanto o tempo requerido para todas as mutações

necessárias que culminam no câncer pode ser uma porção substancial da vida de um animal

ou de um humano (Quadro III.16). As substâncias carcinogênicas também podem afetar em

número variável as etapas de transição no desenvolvimento do câncer. Algumas substâncias

carcinogênicas parecem capazes somente de iniciar o processo (se chamam ”iniciadores“).

Outros cuja natureza ainda não se conhece bem, atuam somente em etapas posteriores (os

chamados promotores, que podem atuar em uma ou mais etapas). Existem substâncias

carcinogênicas que podem atuar em várias etapas. Alguns cientistas postulam que uma

quantidade arbitrariamente pequena de uma substância carcinogênica, até uma só molécula,

poderia afetar a transição de células normais em células cancerosas em uma ou várias das

diversas etapas, e que uma quantidade maior da mesma substância somente aumenta a

probabilidade de que ocorra uma dada transição. Sob estas circunstâncias, há poucas

possibilidades de um nível de tolerância absoluto sob o qual não haja efeito no processo

(inclusive se o efeito fosse sumamente pequeno) (EPA, 1991).

Esta descrição do processo carcinogênico está ainda sob uma extensa investigação

científica e de nenhuma forma está confirmado. Entretanto, é o modelo dominante e tem

bastante suporte. Este modelo multifásico tem influenciado o desenvolvimento de alguns dos

modelos usados para a avaliação de dose-resposta (Quadro III.17). Antes de analisar estes

modelos, é útil revisar a informação experimental sobre dose-resposta obtida dos bio-ensaios

e estudar porque se necessitam tais modelos (EPA, 1991).

Potência e Extrapolação de Doses Altas a Doses Baixas

Suponhamos que uma substância tenha sido administrada em ratos e camundongos de

ambos os sexos e se encontrou câncer hepático em ratos machos. Um resumo típico dos

dados de tal experimento seria o seguinte (Quadro III.18) (EPA, 1991):

A incidência de câncer hepático se expressa como uma fração, e é o número de

animais que foram encontrados com tumores hepáticos dividido pelo número total de animais

sob risco. A probabilidade (P) de câncer é simplesmente a fração expressada como um

decimal (pôr exemplo, 25/50 = 0,5).

Ainda que se tenha um “não-efeito” com uma exposição de 125 mg/kg/dia, deve-se

considerar que, de qualquer forma, a resposta é compatível com um risco em torno de 0,05

(5%), devido as incertezas estatísticas associadas com o pequeno número de animais usados.

Este experimento revela que se os seres humanos e os animais são mais ou menos

igualmente suscetíveis à substância, uma exposição de 250 mg/kg/dia em seres humanos

aumentará seu risco durante a vida em 20% . Se 1.000 pessoas forem expostas à esta dose da

substância em questão durante sua vida, se esperara que 200 delas desenvolvam câncer. Este

é um risco extremamente alto e obviamente nada o justificaria. Entretanto, está perto do

extremo inferior da margem de riscos que podem ser detectados em experimentos com

animais (EPA, 1991). Para continuar com a ilustração, suponhamos que é possível estimar a

dose diária de uma substância na população humana. Para este exemplo, suponhamos que a

população humana exposta receba uma dose de 1,0 mg/kg/dia. Deste modo surge o interesse

de saber o risco para ratos com 1,0 mg/kg/dia (EPA, 1991).

Há uma grande diferença entre as doses usadas experimentalmente e a dose de

interesse. Os riscos que provavelmente existiriam em uma dose de 1,0 mg/kg/dia são bastante

pequenos e para determinar se existem, se necessitariam de muitos animais (talvez centenas

ou milhares). No entanto, sob estas circunstâncias, para estimar o risco potencial é necessário

se basear em outros meios que não sejam a experimentação (EPA, 1991).

Os cientistas tem desenvolvido vários modelos matemáticos para estimar os riscos em

doses baixa a partir de riscos em doses alta. Tais modelos descrevem a relação quantitativa

esperada entre risco (P) e doses (d), e se usam para estimar um valor para P (o risco) a dose de

interesse (em nosso exemplo, a dose de 1,0 mg/kg/dia). A exatidão de P projetada para a dose

de interesse, d , é uma função de o quanto exatamente o modelo matemático descreve a

verdade, porém não é medido, a relação entre dose e risco em níveis de dose baixa (EPA,

1991).

Estes modelos matemáticos são bastante complexos para serem expostos

detalhadamente em um material introdutório. Os diversos modelos podem conduzir a

estimação de riscos muito diferentes. Nenhum é específico para uma determinada substância;

isto quer dizer que cada um está baseado em teorias gerais de carcinogenicidade. Nenhum

pode ser aprovado ou desaprovado através da informação científica atual, ainda que os

resultados futuros da investigação possam aumentar nosso entendimento de carcinogenicidade

e ajudar a refinar estes modelos. As agências regulamentadoras atualmente usam os modelos

de impacto único (ou de um evento), multifásico e próbit. Entretanto, geralmente as decisões

regulamentadoras se baseiam geralmente nos resultados de modelos de impacto único ou

multifásico. Também se utilizam os modelos de impactos múltiplos (ou de múltiplos eventos),

o weibull e o lógit para a avaliação de risco (Quadro III.17). De um modo geral, a escolha

do modelo implicará em resultados diferenciados para uma mesma substância, conforme pode

se verificar no Quadro III.19 (EPA, 1991).

Se estes modelos se aplicam aos dados registrados anteriormente para uma substância

hipotética, se obtém diferentes estimativas de risco durante a vida dos ratos machos4

utilizados no experimento à uma dose de 1,0 mg/kg/dia (Quadro III.20) (EPA, 1991).

Pode não haver base experimental para decidir que estimativa é a mais próxima da

realidade. Entretanto, é possível mostrar que o risco real, pelo menos para os animais

submetidos à exposição, dificilmente será maior que o risco mais alto previsto pelos diversos

modelos (EPA, 1991).

Em casos em que existam dados pertinentes sobre mecanismos de ação biológicos, a

seleção de um modelo deve ser coerente com esses dados. Entretanto, em muitos casos, tais

dados são muito limitados, tendo pôr resultado uma grande insegurança na seleção de um

modelo para a extrapolação em doses baixa. Atualmente, o entendimento dos mecanismos do

processo de carcinogenicidade é ainda bastante limitado. Entretanto, a evidência biológica

indica a linearidade da iniciação tumoral e, em conseqüência, as agências regulamentadoras

freqüentemente utilizam os modelos lineares (EPA, 1991).

O modelo de impacto único sempre fornece a estimativa mais alta de risco em doses

baixa. Este modelo está baseado na teoria biológica de que somente um “impacto“ de alguma

quantidade crítica mínima de um carcinógeno em um alvo celular pode iniciar uma série

irreversível de acontecimentos que em um dado momento conduzirão a um tumor (EPA,

1991).

O modelo multifásico, que fornece estimativas de risco iguais ou menores que o

modelo de impacto único, se baseia na mesma teoria de iniciação de câncer. Entretanto, este

modelo pode ser mais flexível, permitindo considerar os dados na margem observável

influenciando o risco extrapolado para doses baixa. Também se baseia na teoria multifásica

do processo carcinogênico e pôr isso tem uma base científica plausível. A EPA geralmente

usa o modelo multifásico linearizado para a extrapolação em doses baixas devido a sua base

4 De acordo com o exemplo apresentado no texto da EPA (1991), todos os riscos são para uma exposição diáriadurante toda a vida. O tempo de vida é a unidade de medida porque os dados experimentais refletem o riscoexperimentado por animais durante suas vidas completas. Os valores demonstrados são limites de confiançasuperiores do risco.

científica, pois ainda que limitada, é considerada a mais sólida dos modelos de extrapolação

disponíveis atualmente. Os modelos de estimativas de riscos que são considerados

conservadores representam um limite superior plausível para o risco. Em outras palavras, é

pouco provável que o risco “real “ seja maior que o risco previsto sob este modelo (EPA,

1991).

Extrapolações entre Espécies

Para a maioria das substâncias, a avaliação da dose-resposta envolve, principalmente,

análise de provas realizadas em animais de laboratório, porque geralmente não existem dados

úteis sobre seres humanos. Ao extrapolar para seres humanos os resultados destas provas em

animais, as doses administradas devem ser ajustadas para diferentes tamanhos e taxas

metabólicas. As diferenças de metabolismo podem influenciar na validade da extrapolação de

animais para o homem se, pôr exemplo, o material que realmente produz o efeito

carcinogênico é um metabólito da substância em estudo e se a espécie animal difere dos seres

humanos significativamente em seu metabolismo (EPA, 1991).

Se tem desenvolvido vários métodos para ajustar as doses usadas em provas com

animais para ter em conta as diferenças de tamanho e metabolismo. Estes supõem que os

riscos em seres humanos e em animais são equivalentes quando as doses estão medidas em

(EPA, 1991):

• miligramas pôr quilograma de peso corporal pôr dia;

• miligramas pôr metro quadrado de superfície corporal pôr dia;

• partes pôr milhão no ar, na água ou na dieta;

• miligramas pôr quilograma pôr tempo de vida.

Atualmente, não se tem estabelecido uma base científica para usar um método de

extrapolação em vez de outro (EPA, 1991).

III.5. Avaliação da Relação Dose-Resposta de Carcinogênicos

A avaliação da relação dose-resposta para substâncias carcinogênicas se dá em duas

partes: A primeira consiste na avaliação dos dados classificados de acordo com observações

empíricas. O prosseguimento é realizado através de extrapolações tanto através de

modelagens, se existem dados suficientes para dar suporte ao modelo, ou através de um

procedimento padrão baseado o máximo possível, em informações sobre o modo de ação da

substância. O que veremos a seguir abrange a avaliação de dados observados e procedimentos

de extrapolação, seguido pôr seções sobre análises de dados de respostas e análises de dados

de dose. A seção final discorre sobre a caracterização da dose-resposta (EPA, 1996).

III.5.1. Relação Dose-Resposta

Na discussão que se segue, a referencia a dados de “respostas” inclui medidas de

formação de tumor tanto quanto respostas relacionadas à carcinogenicidade. As outras

respostas podem incluir efeitos como trocas no DNA, cromossomos, ou outras

macromoléculas chave, efeitos na tradução do sinal de crescimento, indução de trocas

hormonais ou fisiológicas, efeitos na proliferação celular, ou outros efeitos que possuam papel

importante neste processo. Outras respostas além da formação de tumor podem ser

consideradas como fazendo parte da classificação observada com a finalidade tanto de

ampliar a análise da dose-resposta de tumor ou informar isto. A(s) resposta(s) de não tumor

também pode(m) ser usada(s) no lugar de dados tumorais se forem consideradas como

representantes de mais informações sobre o processo carcinogênico de uma substância (EPA,

1996).

A EPA geralmente realiza análises do limite de exposição para acompanhar

estimativas de doses ou concentrações de referência (DRf, CRf) para respostas de não câncer5

. O procedimento para a análise do limite de exposição para uma resposta relacionada a

carcinogenicidade é operacionalmente análoga. A diferença está no fato de que a linearidade

para as respostas de câncer não é necessariamente presumível. Se, em um caso particular, a

evidência indica um limiar, como no caso onde a carcinogenicidade é um efeito secundário

em relação à outro efeito tóxico que apresenta limiar, a análise do limite de exposição para a

toxicidade é a mesma que aquela realizada para uma resposta de não câncer, e o DRf ou CRf

para esta toxicidade também pode ser estimado e considerado na avaliação de câncer (EPA,

1996).

Para dar sustentação às suposições do gerenciador de risco sobre o limite de

exposição, são utilizadas informações obtidas na avaliação de risco sobre os conhecimentos

do fenômeno que pode estar acontecendo com o decréscimo substancial da dose (exposição)

observado nos dados. O objetivo é fornecer um grande número de informações sobre a

redução do risco que acompanha a diminuição da exposição. É necessário que se atinjam

alguns pontos para que se cumpra este objetivo. São eles (EPA, 1996):

• a inclinação da curva de dose-resposta observada no ponto de partida e suas

incertezas e implicações na redução do risco associada à redução da exposição

(pouca inclinação sugere menos redução que uma inclinação mais pronunciada);

• a natureza da resposta utilizada para avaliação dose-resposta;

5 Conforme viu-se anteriormente, uma rd ou RFA é uma estimativa que compreende, em ordem de magnitude, aexposição diária para uma população humana (incluindo subgrupos sensíveis) onde não ocorram efeitosdeletérios para a saúde durante todo o período de vida. É obtida através dos dados de efeitos, obtidosempiricamente, divididos por fatores de incertezas que levam em consideração as variabilidades entre e intra-espécies, estendidas a dados de todos os resultados de toxicidade de exposições crônicas, e quando possível osdados de exposições subcrônicas

• a natureza e extensão da variabilidade humana na sensibilidade ao fenômeno

envolvido;

• a persistência da substância no corpo;

• a sensibilidade humana ao fenômeno, comparada com a dos animais em

experimentação;

Como uma suposição padrão para dois destes pontos, um fator não menor que 10

vezes pode ser empregado para dar conta da variabilidade humana e das diferenças na

sensibilidade entre as espécies, quando seres humanos podem ser mais sensíveis que animais.

Quando os seres humanos são considerados menos sensíveis que os animais, um fator padrão

não menor que 1/10 pode ser empregado para dar conta desta diferença. Caso exista

disponibilidade de informações sobre a variabilidade humana ou diferença entre as espécies,

estas informações são utilizadas no lugar dos padrões ou para modificá-los, caso seja

apropriado. No caso da análise baseada em estudos com seres humanos, obviamente as

diferenças entre as espécies não serão consideradas. É preciso notar que a relação dose-

resposta e a variabilidade na sensibilidade inter e intra-espécies são independentes. Isto é, a

redução da dose reduz os riscos, mas isto não altera a variabilidade. Para dar suporte a

aceitação do limite de exposição pelo gerenciador de risco, a avaliação leva em consideração

todos os fatores de perigo e dose-resposta juntos; desta forma, os fatores de diferenças inter e

intra-espécies não são considerados sozinhos como números-padrão para a aceitação de um

limite de exposição (EPA, 1996).

III.5.2. Dados de Resposta

Dados de resposta incluem dados obtidos com seres humanos e com estudos em

animais sobre a incidência de tumor, além de dados de outras respostas relacionadas com a

carcinogenicidade da substância, como efeitos nos processos de controle de crescimento

celular ou em macromoléculas celulares ou outros efeitos tóxicos. Dados de incidência de

tumores são geralmente a base da avaliação dose-resposta, entretanto algumas outras

respostas podem enriquecer a avaliação ou fornecer uma avaliação paralela de

carcinogenicidade ou de outro efeito importante (EPA, 1996).

Dados de processos carcinogênicos fundamentados em efeitos tumorais podem ser

usados para dar suporte a modelos biologicamente baseados ou caso-específicos. Existem

outras opções para estes dados. Se existe uma grande confiança na relação entre efeito

precursor e efeito de tumor, a avaliação da incidência do tumor pode ser extrapolada a baixos

níveis de dose através da relação da incidência de tumor com a avaliação do efeito precursor.

Mesmo que uma relação quantitativa não seja apropriada, a avaliação de um efeito precursor

pode fornecer uma idéia da forma da curva de dose-resposta para incidência de tumor

conforme a classificação das observações de tumor. Se respostas outras, que não a incidência

de tumor, forem consideradas como melhores representações da carcinogenicidade da

substância, elas podem ser usadas no lugar das respostas de tumor. Pôr exemplo, se for

concluído que o efeito carcinogênico é secundário a outro efeito tóxico, a relação dose-

resposta para este outro efeito será muito mais pertinente à avaliação de risco. Como outro

exemplo, se a disfunção da atividade hormonal é a chave do modo de ação de uma substância,

os dados da atividade hormonal podem ser usados no lugar dos dados de incidência de tumor

(EPA, 1991).

Caso existam dados de resposta positiva em seres humanos, epidemiologicamente

adequados, eles são capazes de fornecer uma base vantajosa para análise, uma vez que não

ocorreriam problemas com extrapolações inter-espécies. A adequação de dados de exposição

humana para quantificação é uma consideração importante para decidir se os dados

epidemiológicos são a melhor base para análise de um caso em particular. Se existem dados

de exposição adequados, em um estudo epidemiológico bem desenhado e bem conduzido, que

não detectam efeitos, pode ser possível obter uma estimativa do limite superior do risco

potencial para seres humanos para checar a plausibilidade de estimativas existentes baseadas

em tumores em animais ou outras respostas (EPA, 1996)

Quando são utilizados estudos com animais, dados de resposta de uma espécie que

responde de forma mais semelhante aos seres humanos devem ser usados caso existam

informações sobre este efeito. Se isto não for conhecido, e a substância tiver sido testada em

vários experimentos envolvendo diferentes espécies animais, cepa, e sexos em várias doses e

diferentes vias de exposição, todos os conjuntos de dados são considerados e comparados. A

partir daí é realizado um julgamento para decidir qual o dado a ser utilizado para melhor

representar os resultados observados e as importantes características biológicas como o modo

de ação. As opções apropriadas para apresentar os resultados incluem (EPA, 1996) :

• uso de um único conjunto de dados;

• combinação dos dados de diferentes experimentos;

• apresentação dos resultados de análises de mais de uma resposta de tumor

estatisticamente significativa baseada em diferentes modos de ação;

• representação da resposta total em um único experimento, combinando animais

com tumores estatisticamente significativos em mais de um local;

• a combinação de todos estes tópicos.

A abordagem definida como a que melhor representa o dado é apresentada com a

prova do julgamento, incluindo as considerações biológicas e estatísticas envolvidas. A seguir

temos alguns pontos que devem ser considerados (EPA, 1996):

• qualidade do protocolo e da execução do estudo;

• proporção de neoplasias malignas;

• período de latência para o aparecimento da neoplasia;

• número de amostras para definir a relação dose-resposta;

• background de incidência em testes com animais;

• diferenças no conjunto de respostas entre espécies, sexos e cepas;

• maioria de espécies sensitivas;

• disponibilidade de dados que relatam eventos precursores ao desenvolvimento do

tumor.

Análises de efeitos carcinogênicos outros que não a incidência de tumor devem ser

apresentados de forma similar e avaliados segundo suas contribuições para um melhor

julgamento em relação sobre como apresentar um dado biológico para avaliação dose-

resposta.

III.5.3. Dados de Dose

Quando as fontes dos dados utilizados na avaliação dose-resposta são estudos com

animais ou estudos epidemiológicos, algumas questões precisam ser levadas em consideração

para que se possa ter uma medida apropriada da dose para antecipar uma exposição ambiental.

São eles (EPA, 1991):

• se a dose está expressa em concentração ambiental, dose aplicada ou dose presente

no órgão alvo;

• se a dose esta expressa em termos da substância original, um ou mais metabólitos,

ou ambos;

• o impacto do padrão e do tempo de dosagem quando significativos;

• a conversão da dose usada em animais para seres humanos, quando os dados

provêm de estudos com animais;

• a conversão entre as vias de exposição, quando necessária e apropriada.

Na prática, existe pouca ou nenhuma informação sobre a concentração ou identidade

da forma ativa da substância no seu alvo. O ideal, o que raramente acontece, é ser capaz de

comparar a dose aplicada e a que atinge o órgão alvo, em diferentes vias e espécies. Mesmo

assim, o objetivo é usar dados disponíveis para obter a medida mais correta possível da dose

interna ou distribuída (EPA, 1996).

III.5.4. Ajuste da Dose entre Espécies

Quando existem dados adequados, as doses utilizadas em estudos com animais podem

ser ajustadas para doses equivalentes em seres humanos, tendo como base, informações

toxicocinéticas sobre a substância. Os métodos utilizados devem ser moldados segundo a

natureza do dado, devendo ser realizada uma avaliação caso a caso. Em alguns casos raros,

também pode ser possível fazer ajustes baseados em considerações toxicodinâmicas6. Na

maioria dos casos, entretanto, não existem dados suficientes para que se possa fazer a

comparação de doses entre as espécies. Nestas situações, a estimativa da dose equivalente

para seres humanos se baseia em suposições padrões da política científica. Os padrões

descritos abaixo podem ser modificados ou remodelados quando nenhum dado comparativo

de toxicocinética7 ou nenhuma relação metabólica está disponível (EPA, 1996).

Para exposições orais, a suposição padrão é que as doses recebidas se relacionam com

a dose aplicada em função do peso corpóreo. Esta suposição tem como base as similaridade

geralmente encontrada nos mamíferos em relação à anatomia, fisiologia e bioquímica. Esta

suposição é mais apropriada quando se trata de baixas concentrações de dose aplicada, onde

as causas de não linearidade, como a saturação ou indução da atividade enzimática, são mais

difíceis de acontecer. Para estimar uma dose oral equivalente para seres humanos a partir de

dados obtidos com experimentação animal, o procedimento padrão consiste em graduar as

6 É a parte da toxicologia que se ocupa com o estudo sobre o modo como uma substância exógena exerce seusefeitos nos organismos vivos. Os estudos de toxicodinâmica (farmacodinâmica é um sinônimo), tem porobjetivo definir os processos físico-químicos fundamentais que conduzem aos efeitos biológicos observados(IPCS, 1992).7 É a parte da toxicologia que se ocupa em definir, através de medições ou modelagens, a absorção, distribuição,metabolismo e excreção de substâncias exógenas nos sistemas biológicos em função do tempo (EPA, 1989)

doses aplicadas diariamente em um período de vida prolongado com o peso do corpo elevado

a 0,75 (P0,75). Expressar a concentração em partes por milhão (ppm), para comida e água, é

uma versão alternativa para o mesmo procedimento padrão, porque a ingestão diária destes

está em proporção com P0,75. A definição deste fator se baseia em observações empíricas que

demonstram que as taxas dos processos fisiológicos tendem a manter proporção com P0,75.

Quando possível, informações como níveis da substância no sangue, ou provenientes de

biomarcadores de exposição ou outros dados disponíveis para comparação entre espécies, são

utilizadas para melhorar as análises (EPA, 1996).

III.5.5. Análises Toxicocinéticas

Os modelos matemáticos baseados em dados fisiológicos são, potencialmente a forma

mais compreensível para explicar processos toxicocinéticos influenciados pela dose. Os

modelos são construídos sobre modelos de compartimentos fisiológicos e visam incorporar a

dinâmica da perfusão dos tecidos e a cinética das enzimas envolvidas no metabolismo de uma

substância administrada (EPA, 1996).

Para que exista um modelo abrangente, é necessário que se tenha disponibilidade de

dados empíricos na atividade carcinogênica em relação as substâncias originais e seu (s)

metabólito (s), e dados sobre os quais se possa comparar a cinética, o metabolismo e a

eliminação entre as espécies. A discussão sobre a confiança acompanha a apresentação dos

resultados do modelo. Isto inclui considerações sobre a validade e as análises de sensibilidade

que esgotam a performance preditiva do modelo. Quando a medida da dose distribuída em

animais é usada para extrapolação de dados de dose-resposta para seres humanos, é necessário

que se avalie a hipótese de que a toxicodinâmica do tecido alvo será a mesma em ambas as

espécies. Dados de toxicocinética podem melhorar a avaliação dose-resposta explicando os

fatores responsáveis por mudança na proporção entre dose aplicada e dose interna e dose

distribuída. Muitos dos fatores que potencializam a falta de linearidade envolvem saturação

ou indução de processos enzimáticos em situações de dose alta. Uma análise que leva em

consideração a falta de linearidade (por exemplo, devido a cinética de saturação enzimática)

pode auxiliar a evitar a super ou subestimação da resposta de baixas doses, que desta maneira

resultam de extrapolações de uma parte sub ou supralinear da curva experimental de dose-

resposta. Os processos toxicocinéticos tendem a se tornarem lineares em baixas doses, uma

expectativa que é mais robusta que a linearidade da resposta em baixas doses. Relatos

toxicocinéticos de não linearidade levam a uma melhor descrição da forma da curva em níveis

de doses relativamente altas na série de observações, mas não pode determinar linearidade e

não linearidade das respostas em níveis baixos de dose (EPA, 1996).

Os resultados de modelagens toxicocinéticas podem ser apresentados como o método

preferido para estimar a dose equivalente para humano como uma discussão paralela para

suposições padrões, dependendo da confiança relativa da modelagem (EPA, 1996).

III.5.6. Extrapolação Via-a-Via.

Freqüentemente precisam ser realizados julgamentos sobre a carcinogenicidade de

uma substância através de uma via de exposição diferente daquela utilizada em experimentos

selecionados. Por exemplo, a exposição de interesse pode ser a inalatória de uma substância,

que tenha mostrado resultados positivos em estudos de exposição inalatória ocupacional em

seres humanos e que foi primeiramente testado através de estudos de experimentação animal.

A extrapolação via-a-via tem aspecto tanto qualitativo quanto quantitativo. Para o

aspecto qualitativo, o avaliador pesa o quanto um resultado positivo, através de uma via de

exposição em estudos com animais ou seres humanos, é capaz de sustentar o julgamento de

que resultados similares seriam observados em estudos apropriados usando a via de exposição

de interesse. Em geral, a confiança do julgamento é fortalecida quando efeitos de tumor são

observados em um lugar distante da via de penetração e quando a absorção através da via de

exposição de interesse é similar a absorção através das vias testadas. Na ausência de dados

contrários, a suposição qualitativa padrão é que, se a substância é absorvido por uma via e

fornece uma dose interna, ele pode ser carcinogênico por esta via (EPA, 1996).

Mesmo quando a extrapolação qualitativa pode ser sustentada, a extrapolação

quantitativa pode ainda ser problemática na ausência de dados adequados. A diferença dos

processos biológicos entre as vias de exposição (oral, inalatória, dérmica) pode ser maior, por

causa, por exemplo, dos efeitos de primeira passagem e resultados diferentes devido a

diferentes formas de exposição. Na ausência de dados de boa qualidade sobre a substância de

interesse, não existe qualquer método aplicável para dar conta destas diferenças nos processos

de absorção na extrapolação quantitativa via-a-via de dados de dose-resposta. Entretanto, a

extrapolação via-a-via de dados de dose conta com numa análise caso-a-caso dos dados

disponíveis. Quando os dados de boa qualidade da substância são limitados, uma análise de

extrapolação pode ser baseada nas perspectivas das propriedades físicas e químicas da

substância, nas propriedades e dados específicos da via de substâncias estruturalmente

análogas, ou nos dados obtidos in vitro ou in vivo da substância. Modelos via-a-via de

absorção podem ser aplicados, se os parâmetros deste modelo forem apropriados para a

substância de interesse. Estes modelos são freqüentemente considerados métodos

“intermediários”, e o seu desenvolvimento mais aprofundado bem como a sua validação

aguarda o desenvolvimento de dados mais extensivos. Para o screening da classificação do

perigo, a extrapolação via-a-via deve se basear na comparabilidade quantitativa assumida

como um padrão, tanto como é racional assumir a absorção em vias comparadas. Quando a

extrapolação via-a-via é utilizada, o grau de confiança do avaliador tanto na extrapolação

qualitativa, quanto quantitativa precisa ser discutida na avaliação e evidenciada na

caracterização da dose-resposta (EPA, 1996).

III.5.7. Cálculo da Média de Dose.

A dose recebida cumulativa no período de vida, expressa como dose diária média, é

usualmente considerada a medida padrão apropriada para exposição a carcinogênicos. Existe

a suposição de que a alta dose de um carcinogênico recebida em um curto período de tempo é

equivalente a uma dose baixa durante todo o período de vida. Tendo em vista que esta dose é

uma suposição padrão baseada em considerações teóricas, são esperadas algumas alterações.

Em alguns casos, outras abordagens são necessárias, como quando são notados efeitos

proporcionais à dose (ex. formaldeído). A dose cumulativa pode ser substituída

apropriadamente e justificadamente pelos dados, por outras medidas de doses. Em alguns

casos, modificações nas suposições padrão são feitas para dar conta destes efeitos (EPA,

1996).

Nos casos onde o modo de ação ou outras características biológicas que tenham sido

identificadas representem implicações especiais na dose para populações sensíveis (ex.

diferentes efeitos por sexo ou impactos desproporcionais da exposição no início da vida),

estes são explicados e registrados na avaliação da exposição e caracterização do risco.

Problemas especiais surgem quando a situação de exposição humana sugere regimentos de

exposição (ex. relação com dose e via) que são substancialmente diferentes daqueles

utilizados nos experimentos com animais. Estas questões são exploradas e colocadas como

ponto de atenção na avaliação da exposição e caracterização do risco (EPA, 1996).

III.5.8. Discussão das Incertezas

A exploração de incertezas significativas nos dados de dose e repostas e nos

procedimentos de extrapolação faz parte da avaliação. Existe uma diferença entre incerteza de

modelo e incerteza dos parâmetros. Incerteza do modelo é aquela sobre uma questão biológica

básica. Por exemplo, como padrão, a extrapolação linear dose-resposta deve ser feita baseada

em tumor ou outra evidência que sustente o fato de que o modelo para o modo de ação da

substância é um processo reativo do DNA. A discussão sobre a confiança na extrapolação é

feita apropriadamente de forma qualitativa ou mostrando os resultados para alternativas que

são igualmente plausíveis. Não é usual, por exemplo, conduzir uma análise de incerteza

quantitativa usando formas múltiplas de modelos lineares (EPA, 1996)

As incertezas dos parâmetros relacionam-se às representações estatísticas dos

números, ou medidas analíticas da variância, ou erros nos dados ou estimativas. Incertezas

nos parâmetros são descritas quantitativamente, caso seja possível, através de análises de

sensibilidade e análises de incertezas estatísticas. Com a recente expansão da capacidade

disponível nos computadores, os métodos computacionais estão sendo adaptados para criar

dados biológicos simulados que são comparados com informações observadas. Estas

simulações podem ser usadas para análise de sensibilidade, por exemplo, para analisar até que

ponto, possíveis variações nos dados observados poderiam afetar as estimativas de dose-

respostas. Estas simulações também podem fornecer informações e sobre incertezas

experimentais, incluindo a distribuição das estimativas que são compatíveis com os dados

observados. Pelo fato destas simulações estarem baseadas em dados observados, elas não são

capazes de avaliar a possibilidade de que estes dados, observados como um todo, são devidos

à idiossincrasias e não típicos de uma situação real. Se não é possível realizar uma análise

quantitativa, as incertezas significativas dos parâmetros são descritas qualitativamente. Em

qualquer dos casos, a discussão evidencia incertezas que são específicas da substância

avaliada, diferentemente daqueles que são genéricos na maioria das avaliações (EPA, 1996).

A estimativa da dose aplicada em estudos com seres humanos apresenta numerosas

incertezas como as variações da exposição em seres humanos, quando comparada com a

exposição controlada que os animais recebem no teste. Em um estudo de coorte prospectivo,

existe a possibilidade de monitorar a exposição e o modelo de atividade humana em um

período de tempo que dá suporte a uma dose aplicada. Em um estudo retrospectivo, a

exposição deveria ser baseada em dados de monitoramento ambiental mas, geralmente é

baseada em modelos de atividade humana e reconstrução de níveis a partir de dados

históricos, dados contemporâneos, ou a combinação de ambos. Cada reconstrução é

acompanhada da análise das incertezas levadas em consideração através de análises de

sensibilidade na estimativa de dose. Estas incertezas também podem ser avaliadas para algum

fator de confundimento envolvido no ajuste quantitativo de dados de dose-resposta (EPA,

1996).

III.5.9. Caracterização Técnica da Dose-Resposta.

Assim como na caracterização do perigo, a caracterização da dose-resposta tem por

objetivo apresentar a caracterização técnica da avaliação dos resultados e dar suporte à

caracterização do risco (EPA, 1996).

A caracterização apresenta os resultados de análises de dados de dose, de dados de

respostas e dados de dose-resposta. Quando abordagens alternativas são plausíveis e

convincentes para selecionar dados de dose, dados de respostas, ou procedimentos de

extrapolação, a caracterização segue o caminho alternativo da análise e apresenta os

resultados. A discussão abrange as questões sobre a possibilidade de uma abordagem ser

preferida em relação a outra, porque ela (ou elas) representa de forma melhor os dados

disponíveis ou correspondentes, do ponto de vista do mecanismo de ação desenvolvido na

avaliação do perigo. Os resultados para diferentes tipos de tumor relacionados com sexo e

espécies, são fornecidos juntamente com aqueles preferidos. Similarmente, se forem

apropriados, resultados para outras respostas, que não a incidência de tumor, são mostrados

(EPA, 1996).

Estimativas numéricas de dose-resposta são apresentadas como uma figura

significativa. Números são qualificados como se eles representassem uma tendência central

ou limite superior e se o método usado é mais recomendado para super ou subestimar (EPA,

1996).

Em casos onde as diferenças no modo de ação, ou em outra característica biológica,

sejam capazes de provocar diferenças no efeito de uma substância química, em uma situação

de exposição (como por exemplo sexo ou diferença de sensibilidade de subpopulações), estas

devem ser descritas e explicadas. Similarmente, não é descrita nenhuma perspectiva de que

altas doses de exposição podem alterar a figura do risco para alguma parte da população.

Estas e outras perspectivas são relatadas no guia de avaliação de exposição e caracterização

do risco (EPA, 1996).

A análise das incertezas, se possível qualitativa e quantitativa, é evidenciada nesta

caracterização (EPA, 1996).

A caracterização da dose-resposta rotineiramente inclui (EPA, 1996):

• identificação dos tipos de dados disponíveis para avaliação de dose-resposta;

• resultados de avaliação;

• discussão das implicações da variabilidade na suscetibilidade humana, incluindo

susceptibilidade de subpopulações;

• aplicabilidade dos resultados em diferentes cenários de exposição, vias de

exposição, taxa de dose, freqüência e duração;

• discussão das contribuições e limitações (incertezas) dos dados e análises que são,

tanto qualitativas, quanto quantitativas; e

• questões especiais relacionadas à interpretação dos dados como:

∗ seleção dos dados de dose, dados de respostas e abordagens dose-resposta;

∗ uso de metanálises;

∗ análise quantitativa das incertezas.

III.6. Avaliação Dose-Resposta: Resumo

Para substâncias que não mostram propriedades carcinogênicas ou para os efeitos não

carcinogênicos dos carcinógenos, a avaliação de dose-resposta consiste em descrever as

relações entre dose e resposta observada e identificar os NOELs experimentais. Os NOELs

podem ser usados para estabelecer DRf ou para caracterizar o tipo de risco.

Para as substâncias carcinogênicas, se aplicam diversos modelos para projetar a curva

de dose-resposta a partir de uma linha de dose-resposta observada até a nível de doses

humanas esperadas. Depois de estimar a dose humana conhecida ou esperada, se pode

caracterizar o risco do carcinógeno. Ainda que os modelos em uso fornecem uma variedade

de relações dose-resposta, é muito provável que as projeções dos modelos mais protetores não

subestimem o risco, ao menos para os animais experimentais. Nenhum dos modelos inclui um

nível de tolerância. Em alguns casos, existem dados sobre dose-resposta em estudos

epidemiológicos e podem ser usados no lugar da informação sobre animais para a

extrapolação em doses baixa.

CAPÍTULO IV - AVALIAÇÃO DE EXPOSIÇÃO

IV.1. Introdução

As medições e estimativas da exposição de seres humanos em contato com substâncias

químicas, associadas com as apropriadas suposições acerca dos efeitos à saúde, constituem

um método padrão utilizado para determinar os níveis de exposições de determinadas

populações sob determinadas condições (Quadro IV.1). A exposição é definida como o

contato que uma pessoa tem à uma ou mais agentes (químicos, físicos e biológicos) ao nível

dos limites exteriores do seu organismo durante um período de tempo. A avaliação da

exposição envolve a determinação ou estimativa da magnitude, da freqüência, da duração e a

identificação das vias de exposição (Quadro IV.2). Seu objetivo é fornecer subsídios para a

proteção e a promoção da saúde pública (EPA, 1991).

IV.2. Aspectos Gerais da Avaliação de Exposição

A avaliação de exposição em humanos inclui a estimativa da quantidade de pessoas

expostas e a magnitude, duração e tempo da exposição. Nesta etapa os diversos aspectos que

contribuem para que determinados grupos populacionais se encontrem expostos aos perigos

da exposição à determinadas substâncias devem ser considerados na avaliação (Quadro

IV.3). Em alguns casos, é claramente mais rápido medir diretamente a exposição em

humanos, seja medindo os níveis das substâncias perigosas no meio ambiente ou utilizando

monitores pessoais. Entretanto, na maioria dos casos se necessita de um conhecimento

detalhado dos fatores que contribuem para a exposição humana, incluindo aqueles que

determinam o comportamento da substância depois de ter penetrado no meio ambiente. São

necessárias as seguintes informações para este tipo de avaliação da exposição (EPA, 1991 e

1996b; Sexton et al., 1996):

• os fatores que contribuem para as substâncias atinjam o meio ambiente e suas formas

de penetração no mesmo;

• as quantidades da substância que são emitidas ou descarregadas, assim como a

localização e o período em que isto ocorre;

• os fatores que contribuem para o destino e transporte da substância no ambiente

depois de ser liberada, incluindo os fatores que contribuem para sua persistência e degradação

(os produtos da degradação podem ser mais ou menos tóxicos que a substância original);

• os fatores que contribuem para o contato humano com a substância, incluindo o

tamanho e a distribuição de populações humanas vulneráveis e as atividades que facilitam ou

previnam o contato;

• a incorporação da substância em humanos.

A quantidade de informação disponível para cada um dos ítens anteriormente citados

varia bastante em cada caso, sendo difícil analisá-la em termos gerais. Para algumas

substâncias, há informação bastante detalhada sobre as fontes de liberação para o meio

ambiente e sobre os fatores que contribuem para as quantidades liberadas. Para outras há um

conhecimento muito limitado dos fatores que controlam a dispersão e o destino depois da

emissão. Freqüentemente é difícil medir o transporte e a degradação no meio ambiente, dado

sua complexidade, de modo que é mais comum confiar nos modelos matemáticos dos

processos físico-químicos básicos, suplementados com estudos experimentais levados a cabo

sob condições simplificadas. Tais modelos tem sido desenvolvidos minuciosamente para

radiosótopos, mas não se desenvolveu profundamente para outros agentes físicos e químicos

(EPA, 1991 e 1996b).

A toxicologia e a epidemiologia são os principais componentes da avaliação da

exposição, que se encontra ainda em uma etapa muito primária de desenvolvimento. Exceto

em circunstâncias afortunadas, nas quais o comportamento de uma substância no ambiente

seja simples, o que não é comum, as incertezas que surgem das avaliações da exposição são,

freqüentemente, tão grandes quanto aquelas que surgem nas avaliações inerentes a toxicidade.

Algumas questões orientam a avaliação da exposição em seres humanos, tais como

(Quadro IV.4) (EPA/OPAS, 1996)

• Onde se encontra a substância?

• Como as pessoas se encontram expostas?

• Quais são as vias de exposição?

• Qual o grau de absorção pelas diversas vias de exposição?

• Quem está exposto?

• Há grupos de alto risco?

• Qual a magnitude, duração e freqüência da exposição?

Estas questões se baseiam em algumas suposições sobre a exposição, as quais a

avaliação de exposição tem por objetivo examinar. São elas (Quadro IV.5) (OPS/EPA,

1996):

• Examinar o grau e a freqüência da exposição de seres humanos considerando:

⇒ quanto?

⇒ com que freqüência?

⇒ com que certeza?

• Qual o método ou instrumento disponível para a avaliação: modelos ou

monitoramento;

• Identificar o número de pessoas expostas;

• Calcular o grau de absorção por diversas vias de exposição;

• Tomar como referência para a avaliação o padrão médio dos indivíduos e os grupos

de alto risco.

As informações sobre exposição são avaliadas considerando-se situações (cenários)

possíveis de exposição e diversas suposições sobre a absorção de substâncias em seres

humanos. São avaliados dois tipos de cenários para abordar a margem de possíveis

exposições, ou seja (Quadro IV.6) (OPS/EPA, 1996):

1. caso de tendência central;

2. caso extremo.

Todo este processo, até chegar aos dois tipos de cenários que devem ser avaliados, tem

como procedimento o levantamento de informações e análise das mesmas de acordo com as

seguintes etapas (Quadro IV.7) (OPS/EPA, 1996):

• monitoramento ambiental e análise dos dados;

• destino e transporte das substâncias;

• cálculo da dose;

• populações expostas.

A estas informações, uma vez trabalhadas e analisadas sucedem:

• caracterização de riscos;

• caracterização das incertezas.

IV.3. Monitoramento e Análise de Dados

Nesta etapa, os dados são organizados segundo (Quadro IV.8) (OPS/EPA, 1996):

• componente ambiental (meio);

• situação determinada (cenário);

• período.

Na análise da informação sempre deve-se considerar (Quadro IV.9) (OPS/EPA,

1996):

• a qualidade dos dados disponíveis;

• as rotas ambientais de exposição (ar, água, solo, cadeia alimentar)

• a distribuição das freqüências de exposição;

• as concentrações de níveis basais.

Os níveis basais podem ser definidos como (Quadro IV.10) (OPS/EPA, 1996):

• as concentrações em áreas remotas não contaminadas;

• as concentrações causadas por fontes de caráter regional, mais não aquelas de tipo

local;

• qualquer concentração de áreas vizinhas.

Os dados disponíveis sobre a exposição e cálculos das doses devem ser resumidos para

a exposição crônica e a exposição aguda (Quadro IV.11) (OPS/EPA, 1996).

Os resultados são resumidos e caracterizados para determinar a necessidade de

(Quadro IV.12) (OPS/EPA, 1996):

• amostra de outras substâncias;

• séries adicionais de amostras;

• locais adicionais;

• técnicas analíticas específicas.

IV.4. Destino e Transporte de Substâncias

De um modo geral, as substâncias químicas emitidas ao ambiente são transportadas de

um meio para outros (água, solo, ar, biota e sedimentos)(Quadro IV.13). Para que este

transporte ocorra, existem diversos mecanismos, tais como (Quadro IV.14) (OPS/EPA,

1996):

• volatilização;

• escorrimento superficial/erosão;

• depósito seco e úmido;

• lixiviação/transporte por água subterrânea;

• transporte por água superficial/ressuspensão e depósito em sedimentos;

• bioacumulação.

Além dos processos de transporte, existem também os de transformação das

substâncias, tais como (Quadro IV.15) (OPS/EPA, 1996):

• hidrólise/fotólise;

• oxidação/redução;

• biodegradação;

• reações de precipitação;

• metilação/alquilação.

Diversos fatores contribuem para ambos os processos, transporte e transformação. No

que se refere as substâncias os fatores são (Quadro IV.16) (OPS/EPA, 1996):

• estado físico;

• solubilidade;

• pressão de vapor (volatilidade);

• constante ionização;

• reatividade química;

• tamanho das partículas;

• coeficiente de repartição;

• biodegradabilidade;

• adsorção à particulas ou solos;

• sedimentação;

• tamanho molecular;

• interação com outras substâncias.

No que se refere ao meio ambiente os fatores são (Quadro IV.16) (OPS/EPA, 1996):

• temperatura;

• quantidade de oxigênio;

• radiação UV;

• pH;

• intensidade lumínica (fotólise);

• ação microbiana;

• degradação química (hidrólise, oxidação).

Os mecanismos que contribuem para o destino e transporte de substâncias de um meio

para outro são (Quadro IV.17) (OPS/EPA, 1996):

• ar (fotólise, reações com OH; reações com o ozônio, outras reações);

• água (hidrólise, fotólise, oxidação/redução; biodegradação);

• solo (fotólise; hidrólise, biodegradação; oxidação/redução);

• biota (bioacumulação; metabolismo);

• sedimento (hidrólise; degradação microbiana; oxidação/redução).

IV.5. Cálculo da Dose

O cálculo da dose absorvida se dá a partir da dose potencial. A dose potencial

(Quadro IV.18) corresponde a quantidade de uma substância contida no material ingerido, no

ar respirado ou no material que entra em contato com a pele. Já a dose interna ou dose

absorvida corresponde a quantidade de uma substância que atravessa, por meio de

mecanismos físicos ou químicos, uma barreira de absorção (limite de intercâmbio) de um

organismo. As etapas para o cálculo da exposição são (Quadro IV.19) (OPS/EPA, 1996):

1. medição das concentrações ambientais da substância;

2. identificação da rota ambiental de exposição;

3. estabelecimento de um padrão local da duração e freqüência do contato dos seres

humanos com o meio (água, ar, solo, etc.) contaminado;

4. conhecimento da taxa de absorção para cada via de exposição;

5. identificação de quais as vias de exposição em que está ocorrendo o ingresso da

substância;

6. assumir os valores padrões para estimar o contato e o ingresso da substância no

meio contaminado no organismo (2 L de água/dia, 23 m3 de ar/dia, etc.)

7. aplicar as equações para estimar a dose diária.

O seguimento destas etapas permitirá que possa se empregar a equação para a dose em

estado estável, sendo esta o cálculo da dose absorvida a partir da dose potencial (Quadro

IV.20).

C x TI x DEDose Potencial =

PC x PT

Dose Absorvida = Dose Potencial x FA

Em que:

C: concentração da substância no meio ambiente;

DE: duração da exposição;

PC: peso corporal;

FA: fração da dose potencial que é absorvida;

TI: taxa de ingresso;

PT: ponderação temporal.

As fórmulas para o cálculo da dose de exposição são (Quadro IV.21) (OPS/EPA,1996):

C x TI x TA x DEDose (mg/kg/dia) =

PC

Em que:

C = concentração da substância no meio ambiente (mg/m3, mg/l, mg/kg, etc);

TI = taxa de ingresso no organismo da substância ou material contaminado (m3 de ar

por dia, litros de água por dia, gramas de alimentos por dia, gramas de terra por dia,

etc.);

TA = taxa de absorção expressa em % (0, 20; 0,50; etc);

DE = duração da exposição em horas, caso o cálculo seja para um dia; podendo ser

também em dias, meses, anos, etc.

PC = peso corporal, em quilos

C x TI x TA DEDose = X

PC PTEm que:

DE = número de dias em que a exposição realmente ocorreu;

PT = ponderação temporal, habitualmente é o total de dias do período no qual as

exposições intermitentes ocorreram.

Os fatores médios de exposição por inalação são (QuadroIV.22) (OPS/EPA, 1996):

• adultos - repouso = 0,5 m3/h

- atividade moderadas = 2,1 m3/h

• crianças - repouso = 0,4 m3/h

- atividade moderada = 2,0 m3/h

Entretanto, quando se desconhecem os padrões de atividade, se recomenda que se

utilize 20 m3/dia como ingresso médios.

Para a ingestão, as unidades de exposição são (Quadro IV.23) (OPS/EPA, 1996):

DE: subcrônica/crônica = sucedem ou dias/dias durante a vida ou 365 dias/ano x

ano/tempo de vida.

TI: litros/dia, grama/dia, etc.

C: mg/l (água), mg/kg (alimento) mg/kg (terra).

A ponderação temporal (PT) deve ser nas mesmas unidades que DE, ou seja, para:

• efeitos agudos: PT = 1 dia;

• câncer: PT = 70 anos;

• efeitos crônicos não cancerígenos PT = DE

É importante salientar que variáveis tais como C, TI e PC variam com o tempo,

possuindo uma dependência temporal. As constantes ponderadas de acordo com a duração da

exposição simplificam a análise e podem proporcionar estimações adequadas da exposição e

da dose (Quadro IV.24) (OPS/EPA, 1996).

Na avaliação da exposição se utiliza tanto a tendência central como a tendência de

extremo superior. Na exposição de tendência central se utiliza para o cálculo da dose média

experimentada os valores médios ou mediana de concentrações da substância no meio

ambiente. Os parâmetros para a exposição de tendência central utilizados geralmente são

(Quadro IV.25) (OPS/EPA, 1996):

• inalação do ar = 20 m3 por dia;

• ingestão de água potável:

- crianças = 1 litro de água por dia;

- adultos = 1,4 litros de água por dia;

• duração da exposição = 9 anos;

• peso corporal:

- crianças = 15 kg;

- adultos = 70 kg.

Os parâmetros para a exposição de tendência de extremo superior utilizados

geralmente são (Quadro IV.26) (OPS/EPA, 1996):

• inalação do ar = 30 m3 por dia;

• ingestão de água potável:

- crianças = 1 litro de água por dia;

- adultos = 2 litros de água por dia;

• duração da exposição = 30 anos;

• peso corporal:

- crianças = 15 kg;

- adultos = 70 kg.

IV.6. Populações Expostas

No que se refere as populações expostas, a avaliação da exposição fundamentalmente

considera (RA, 1996EPA, 1996b):

• a população exposta que tenha sido, esteja sendo ou possa ser exposta às

substâncias químicas no meio ambiente;

• o conjunto de atividades pelas quais a população é exposta, sendo isto denominado

de cenários de exposição.

As populações expostas, real ou potencialmente, à substâncias químicas no meio

ambiente podem ser definidas de diversos modos. Uma das abordagens mais diretas é a

geográfica. Nesta abordagem, por exemplo, se considera como população exposta, todas as

pessoas vivendo próximas a uma área de uma fonte de descarga de substâncias no rio,

levando-se em consideração as variáveis de fluxo de água, direcionamento, proximidade e

uso da água deste rio, direta ou indiretamente, pôr uma determinada população. Outros

exemplos referem-se a exposição de trabalhadores à uma ou mais substâncias em uma

indústria específica. Na verdade, tais exemplos apontam para populações com potencial de

exposição (RA, 1996; EPA, 1996b), cujas condições ambientais e as características físico-

químicas das substâncias ou misturas, são fundamentais para a definição do nível de

exposição ambiental/ocupacional.

Uma população definida como exposta pode ser muito heterogênea, possuindo

indivíduos ou grupos de indivíduos bastante diferentes. Os membros de uma população

podem variar demograficamente (idade, etnicidade, status nutricional, etc) e em termos de

fatores mais específicos que influenciam a probabilidade de aumentar a exposição em uma

dada situação de contaminação. Por exemplo, crianças que costumam brincar com terra em

uma área contaminada podem ter modos e níveis exposições muito diferentes, do que adultos

residindo na mesma área ou ainda na mesma casa (RA, 1996; EPA, 1996b). Para a

identificação das populações e sub-populações expostas quatro fatores devem ser

considerados, pois contribuirão para determinar suas especificidades. São eles (Quadro

IV.27)(OPS/EPA, 1996):

• localização;

• demografia;

• atividades;

• condições saúde/doença.

Para os subgrupos de populações potencialmente expostas, padrões diferenciados

podem ser definidos em dois conjuntos de características:

• características inerentes da população: exposição e riscos descrevem fatores

inerentes a população (ex: peso do corpo). Podem haver variações consideráveis

entre populações nestas características inerentes, assim como considerável

diferenças no peso corporal de adultos e crianças;

• características da população que afetam cenários específicos de exposição:

descrevem diferenças entre atividades e membros de uma mesma população.

Alguns grupos, por exemplo, podem dispender mais tempo em áreas contaminadas

ou comer mais peixes locais contaminados.

Ambos os tipos de variação devem ser consideradas na definição de uma população

exposta.

O processo de especificação de um conjunto de substâncias químicas e suas

concentrações em um ou mais meios ambientais define a população potencialmente exposta.

As concentrações de substâncias químicas geralmente irão refletir uma área particular no

espaço e no tempo e a população com o potencial de exposição das pessoas que estão na

mesma área. Para objetivos práticos de estimativa de exposição, entretanto, é mais útil

subdividir a população geral em subgrupos com padrões similares de exposição. As

características básicas de uma população (altura, peso, etc.) tendem a ter grande influência na

exposição, a despeito do cenário de exposição. Em parte, isto reflete fundamentalmente a

biologia, mas também reflete as medidas de exposição que são geralmente adotadas na

avaliação de riscos. Estes fatores são peso do corpo, tempo de vida, período de exposição, etc

(RA, 1996; EPA, 1996b).

No que se refere ao peso do corpo, para muitas substâncias para as quais efeitos

tóxicos específicos tem sido identificados, a dose (quantidade de uma substância por unidade

do peso do corpo) tem provado ser o indicar de exposição mais comum do que a quantidade

recebida. Isto se encontra de acordo com a experiência geral, por exemplo dos efeitos do

álcool ou de medicamentos (RA, 1996; EPA, 1996b).

Quando outros fatores são similares (e raramente são), a exposição à uma substância

química no meio ambiente será inversamente proporcional ao peso do corpo, ou seja uma

pessoa de baixa estatura e pouco peso recebe uma dose maior, no mesmo contexto, do que

outras de maior estatura e maior peso. Este efeito é de grande importância quando comparado

com exposições de crianças em relação à adultos. O valor do peso do corpo é o peso médio

do corpo sobre o período de exposição. Se a exposição ocorre somente durante os anos da

infância, o peso médio do corpo de uma criança deve ser utilizado como parâmetro durante o

período de exposição considerado (15 kg para crianças de1 à 6 anos ou 16 kg) (RA, 1996;

EPA, 1996b).

O tempo de vida para a exposição tem sido considerado como uma variável

importante, sendo o resultado de uma abordagem que a comunidade científica tem tomado

para avaliar o risco de câncer, ou mais especificamente, para especificar os perigos relativos

de substâncias químicas carcinogênicas. O pressuposto subjacente é que a dose sobre o

período de vida total é uma variável crítica para carcinogênicos, assim como as breves e

intensas exposições podem ser consideradas equivalentes para pequenas exposições que

duram por um período de tempo mais longo. Em muitos casos, isto não é realístico (uma

breve e intensa exposição pode ser pior do que uma longa exposição à baixos níveis), porém a

pressuposição tem sido considerada razoável para uma ampla gama de durações de

exposições (RA, 1996; EPA, 1996b).

O período de exposição pode ser considerado como a extensão do período de tempo

que uma população atualmente ou potencialmente exposta permanece na área contaminada

ou, alternativamente, o período de tempo que a área permaneceu contaminada. O período de

exposição é utilizado em combinação com o período de vida, para ajustar a dose atualmente

recebida para um período de vida equivalente de exposição à uma dose na avaliação de risco

(RA, 1996; EPA, 1996b).

As populações de um país, estado, cidade, localidade ou área de trabalho (urbana,

industrial, rural, agrícola) podem ser completamente heterogêneas em muitos aspectos.

Pessoas que vivem em uma região mais quente, por exemplo, podem dispender

significativamente mais tempo fora de casa ou viver em habitações com mais trocas de ar.

Pessoas de diferentes bases étnicas ou culturais podem possuir diferenças significantes na

dieta, uma distinção que se aplica também as populações urbanas e rurais. A ordem de

variáveis que influenciam as exposições em uma determinada área podem ser bastante

grandes. De qualquer modo, cada avaliação de exposição deve considerar a possibilidade de

uma população exposta conter subgrupos que serão particularmente sensíveis aos efeitos

tóxicos de uma dada substância (RA, 1996; EPA, 1996b).

Populações sensíveis podem tomar diversas números de formas. Crianças representam

um exemplo óbvio, assim como aquelas que possuem determinadas condições de saúde pré-

existentes que podem contribuir para diminuir sua habilidade para tolerar a exposição à uma

determinada dose, como idosos, por exemplo. A presença de escolas, hospitais e asilos na

área de contaminação, por exemplo, servem como indicador da potencial presença destas sub-

populações sensíveis (RA, 1996; EPA, 1996b)

Outras sub-populações sensíveis podem ser menos óbvias. Exposições prévias ou

atuais à uma substância química, por exemplo, podem aumentar os impactos que resultam da

exposição à uma fonte particular que está sendo investigada. Um mecanismo pelo qual isto

podem ocorrer é a bioacumulação. Assim, a história de uma exposição prévia à cádmio, o

qual tem uma meia via extremamente grande no corpo, pode marcar uma população como

uma sub-população sensível para subsequente exposições à cádmio. Outra fonte potencial é o

sinergismo. Algumas substâncias são conhecidas por afetar a função do fígado de um modo

que diminui ou aumenta a produção de metabólitos tóxicos para determinadas substâncias

(RA, 1996; EPA, 1996b).

Além das diferenças básicas entre o peso do corpo ou tempo de moradia ou trabalho

em uma área determinada, existem algumas diferenças nas populações que afetarão os

cenários específicos de exposição. Por exemplo, algumas populações raramente consomem

peixes frescos, enquanto outras consomem mais peixes do que a quantidade média geralmente

consumida pela população. Outras populações podem consumir grande quantidade de

vegetais. Assim, estas populações diferem no que diz respeito aos cenários específicos de

freqüência de exposição, duração e taxas de ingestão oral. A seleção das populações

específicas não somente influenciam os parâmetros gerais apresentados, mais também os

cenários de exposição. (RA, 1996; EPA, 1996b).

IV.7. Resumo: Avaliação de Exposição

Conforme pode-se observar, a avaliação de exposição constitui um método padrão

utilizado para determinar os níveis de exposições de determinadas populações através de

medições e estimativas da exposição que, associadas com as apropriadas suposições acerca

dos modos e vias de exposição sob determinadas condições, bem como sobre os efeitos à

saúde. Objetiva determinar ou estimar a magnitude, a freqüência, a duração e a identificação

das vias de exposição, de modo a fornecer subsídios para a proteção e a promoção da saúde

pública. Suas etapas básicas são constituídas pelo monitoramento e análise dos dados,

visando estabelecer medidas das das concentrações ambientais da substância; pela

identificação da rota ambiental de exposição; pela determinação do destino e transporte das

substâncias; pelo estabelecimento da duração e freqüência do contato dos seres humanos com

o meio (água, ar, solo, etc.) contaminado e pelo conhecimento da taxa de absorção para cada

via de exposição para cálculo das doses; pela identificação das populações e sub-populações

expostas.

CAPÍTULO V - CARACTERIZAÇÃO DE RISCO

V.1. Introdução

O processo de caracterização do risco inclui uma análise integrada dos resultados mais

importantes da avaliação de risco. A análise integrada reúne as informações das etapas de

identificação de perigo, da avaliação da relação dose-resposta e da avaliação de exposição,

para fazer estimativas do risco para os cenários de exposição de interesse. Seu objetivo é

fornecer um relato dos objetivos, do alcance e nível de detalhamento dos resultados e da

abordagem utilizada na avaliação, identificando o(s) cenário(s) de exposição utilizado(s).

Estima a distribuição da exposição entre os membros da população exposta tanto quanto os

dados permitem e identifica e compara a contribuição de diferentes fontes, vias e modelos de

exposição. As estimativas de magnitude, duração e freqüência são incluídas com os resultados

de modelos, monitoramentos disponíveis ou outros permitidos pelo método. As forças e

limitações (incertezas) dos dados e dos métodos de estimativa são expostas de forma clara

(EPA, 1991 e 1996a). Ao final, apresenta um perfil qualitativo e/ou quantitativo do excesso

de risco em seres humanos provocados pela exposição as substâncias tóxicas (Quadro V.1).

Seus objetivos são (Quadro V.2) (EPA, 1991):

• integrar e resumir a identificação do perigo, a avaliação da relação dose-resposta e a

avaliação de exposição;

• desenvolver estimativas de riscos para a saúde pública;

• desenvolver um marco para definir o significado do risco;

• apresentar as suposições, incertezas e juízos científicos.

V.2. Aplicação da Caracterização do Risco

A caracterização do risco é uma parte necessária na geração de qualquer relatório

sobre risco, uma vez que o relatório é usado de forma preliminar para dar suporte à alocação

de recursos para estudos mais avançados ou dar suporte às decisões reguladoras. No primeiro

caso, os detalhes e a sofisticação da caracterização são apropriadamente pequenos, enquanto

que no último devem ser mais extensos. Mesmo que um documento cubra somente algumas

partes da avaliação de risco (por exemplo análise do perigo e da dose-resposta), os seus

resultados devem ser caracterizados.

A avaliação de risco é um processo interativo que cresce em profundidade e alcance em

diversos estágios que buscam estabelecer prioridades, realizar estimativas preliminares e

examinar a situação do modo mais completo possível para dar suporte à tomada de decisões

regulamentadoras. Considerações padrões são utilizadas em todos os estágios, apesar de se

considerar o fato de que nenhuma base de dados é sempre completa. Uma vez conhecido o

espectro de prioridades e de problemas, bem como o alcance e a profundidade das avaliações,

nem todas as caracterizações do risco podem ou devem ser iguais. O avaliador de risco

precisa decidir cuidadosamente quais questões, em particular, são importantes para serem

apresentadas, selecionando aquelas que são dignas de atenção pelo seu impacto nos

resultados. Por exemplo, avaliações de efeito à saúde contam tipicamente com dados de

animais uma vez que os dados de seres humanos raramente são disponíveis. O objetivo da

caracterização do uso de dados de animais não é dar conta das questões genéricas sobre

interpretação e uso de dados de animais. Pelo contrário, o objetivo é evidenciar qualquer

questão significativa que tenha sido levantada dentro da avaliação que esta sendo

caracterizada e informar o leitor sobre o significado das incertezas que afeta as conclusões.

V.3. Procedimentos Para Caracterizar os Riscos

Os procedimentos básicos para caracterizar os riscos são (OPS/EPA, 1996):

• apresentar os procedimentos para estimar o risco mediante a combinação do cálculo

da dose com os dados sobre dose-resposta;

• analisar a somatória de riscos;

• apresentar os descritores de risco;

• assinalar as incertezas.

Para as substâncias não carcinogênicas os procedimentos são (Quadro V.3)

(OPS/EPA, 1996):

1. Comparar a exposição atual com a DRf ou IDA (índice de perigo - IP):

Exposição Medida (mg/kg-peso/dia)IP =

DRf ou IDA (mg/kg-peso/dia)

2. Estimar a margem de exposição (ME):

NOAEL (estudo crítico)ME =

Exposição Medida

Para substâncias carcinogênicas os procedimentos são (Quadro V.3) (OPS/EPA,

1996):

1. conhecer a “unidade de risco” e a “unidade de dose” para a substância;

2. estimar o excesso de risco individual para toda a vida:

unidade de dose x exposição atual (dose medida)

unidade de risco x concentração atual da substância no ambiente

3. Estimar o risco de cancêr na população:

risco individual x população exposta

Estes procedimentos são também acompanhados de uma descrição qualitativa do

risco.

O estimado para a “unidade de risco” para uma substância carcinogênica presente no

ar se define como o risco de contrair cancêr durante todo o período de vida que se apresenta

em uma população na qual todos os indivíduos estão continuamente expostos, desde o

nascimento até o final de sua vida, à uma concentração da substância de 1 µg/m3 no ar que

respiram (OPS/EPA, 1996).

O estimado para a “unidade de risco” para uma substância carcinogênica presente na

água se define como o risco de contrair cancêr durante todo o período de vida que se

apresenta em uma população na qual todos os indivíduos estão continuamente expostos, desde

o nascimento até o final de sua vida, à uma concentração da substância de 1 µg/m3 na água

que bebem (OPS/EPA, 1996).

Os estimados nas unidades de riscos se utilizam com dois objetivos:

• comparar várias substâncias entre si, em termos de potência carcinogênica;

• dar uma indicação geral dos riscos para a saúde humana que poderiam estar

associados com a exposição à estas substâncias, caso se conheçam as exposições reais.

O cálculo do risco individual de cancêr é realizado do seguinte modo (Quadro V.4)

(OPS/EPA, 1996):

• potência da substância segundo “unidade de dose”(FPC) x dose medida;

• potência da substância segundo “unidade de risco (UR) x concentração da

substância em um meio específico.

O cálculo do risco populacional de cancêr é realizado do seguinte modo(Quadro V.4)

(OPS/EPA, 1996):

• incidência de cancêr = risco individual x população exposta.

Para melhor explicitar estes cálculos será utilizado o exemplo hipotético do berílio, um

carcinogênico pulmonar. Seus dados são os seguintes (OPA/EPA, 1996):

• FPC = 8,4 por mg/kg/dia;

• UR = 2,4 x 10-3 por µg/m3

• exposição por via respiratória

• concentração de Be determinada no ar = 0,4 µg/m3

• taxa média de ventilação pulmonar de um adulto = 20m3/dia

• peso médio de um adulto = 70 kg

• população total = 1 milhão de pessoas

De acordo com estes dados, o cálculo do risco individual ficaria do seguinte modo:

0,0004 mg/m3 x 20 m3

• segundo o FPC = 8,4 x70 kg

= 8,4 x 0,000114

= 0,00096 ou 9,6 x 10-4

• segundo a UR = 2,4 x 10-3 x 0,4 = 9,6 x 10-4

Para o risco populacional o cálculo da incidência de casos de cancêr pulmonar seria:

incidência de casos de câncer pulmonar = 9,6 x 10-4 x 1.000.000 = 960 casos

A partir destes cálculos é realizado o somatório de riscos das diferentes substâncias,

sendo que (Quadro V.5) (OPA/EPA, 1996):

• para substâncias carcinogênicas, supõe-se que os riscos são aditivos no mesmo

órgão;

• para substâncias não carcinogênicas, somam-se os índices de perigo (IP) para cada

tipo de manifestação toxicológica, como por exemplo:

IP = Dose A + Dose B = ... DRfa DRfb

É também realizado o somatório das diferentes rotas e vias de exposições devendo-se

(Quadro V.6) (OPA/EPA, 1996):

• verificar a suposição de que o indivíduo está exposto através de múltiplas rotas;

• corrigir de acordo as diferentes taxas de absorção quando as rotas que levam a

ingestão compreendem vários transmissores;

• somar somente as rotas que afetam o mesmo órgão para os riscos não

carcinogênicos;

• utilizar, de modo ideal, modelos farmacocinéticos.

Toda esta série de procedimentos permitem, por exemplo, caracterizar os riscos nos

seguintes modos extremos (Quadro V.7) (OPA/EPA, 1996):

• A substância A é provavelmente carcinogênica para seres humanos, possuindo um

risco unitário de câncer de 5 x 10-3. Os seres humanos expostos à esta substância

apresentam um excesso de risco de cancêr de 1 x 10-5 ou de 1 em 100.000.

• A substância A foi identificada como causando cancêr em animais de laboratório,

de modo que é prudente limitar a exposição de seres humanos, ainda que não

tenhamos provas de carcinogenicidade em seres humanos.

Os descritores de risco individual baseiam-se nos cálculos de tendência central de média,

mediana e/ou ambos (Quadro V.8). Os cálculos de extremo superior devem (Quadro V.9)

(OPA/EPA, 1996):

• descrever a exposição, a dose e o risco para os indivíduos a nível de ou acima do

percentual de 90% na distribuição populacional;

• não serem maiores que o indivíduo com a exposição, dose ou risco mais alto.

Já o risco populacional é uma projeção probabilística da incidência do efeito em uma

população exposta por toda a vida (70 anos), a qual divide-se por 70 para obter-se o risco

anual, sendo (Quadro V.10) (OPA/EPA, 1996):

• risco populacional = Σ de riscos individuais = tamanho da população x média do

risco individual.

Os descritores de riscos populacionais tem por objetivo (Quadro V.11) (OPA/EPA,

1996):

• estimar o número de indivíduos afetados em uma população em um dado período

de tempo específico;

• estimar o percentual da população ou o número de pessoas que estejam acima de

um nível específico de risco, de DRf, de CRf ou de um nível de interesse especial.

É extremamente importante observar que todo o processo de avaliação de riscos, da

identificação do perigo à avaliação da exposição é marcado por diversas incertezas que

surgem. Estas incertezas também devem ser avaliadas e apresentadas na caracterização do

risco, tendo por objetivo (QuadroV.12) (OPA/EPA, 1996):

• localizar os resultados em um contexto;

• agregar integridade à análise;

• orientar novas coletas futuras de dados.

As incertezas, que representam a falta de conhecimento acerca de o quanto corretas

são as medições ou os cálculos, diferem da variabilidade, que consiste na diferença nos níveis

de exposição entre os indivíduos (Quadro V.13) (OPA/EPA, 1996). Os modos de expressar

a variabilidade são (Quadro V.14) (OPA/EPA, 1996):

• calcular as medidas de tendência central e de dispersão da exposição;

• calcular a exposição no extremo superior;

• calcular a exposição em um limite superior teórico.

V.4. Apresentação da Caracterização de Risco

A caracterização de risco costuma ser seguida por um Sumário da Caracterização do

Risco. Este sumário é apresentado de um modo que minimiza o uso de termos técnicos de

modo a tornar os resultados inteligíveis para o leitor não especialista. É uma apreciação

científica que dá suporte ao gerenciador de risco para tomar decisões na área de saúde

pública, assim como em outras áreas como econômica, social ou tecnológica. Ele também

serve às necessidades de outros leitores interessados. O sumário é uma fonte de informações

para o preparo da comunicação do risco. Porém, por suas características, não constitui-se por

si só em um veículo usual para a comunicação do risco para o público em geral.

Os resultados apresentados na caracterização de riscos podem ocupar-se de diferentes

cenários, enquanto que outros podem examinar, por exemplo, somente os riscos associados à

água de beber. Podem também conter as análises quantitativas das incertezas.

Os valores definidos pela caracterização de risco através do processo de avaliação

devem ser transparentes o bastante para a tomada de decisão, claros o suficiente para uma

efetiva comunicação e consistentes no núcleo das considerações das políticas científicas caso

a caso. Uma vez que a análise integrada é apropriada para a proteção da saúde e do ambiente,

o senso comum e a aplicação racional das considerações são essenciais para obter estimativas

de risco, tendo em vista as incertezas. Tanto as análises integradas quanto o Sumário da

Caracterização de Risco devem apresentar um quadro equilibrado e integrado da avaliação do

perigo, da avaliação da relação dose-resposta e da avaliação da exposição. O analista de risco

deve fornecer o resumo das evidências e dos resultados, e descrever a qualidade dos dados

disponíveis e o grau de confiança a ser utilizado na estimativa do risco. Informações sobre os

dados disponíveis, o nível de conhecimento das questões científicas significativas e acerca das

escolhas cientificas devem ser incluídas. As escolhas realizadas sobre o uso de considerações

ou dados padrões no processo de avaliação de riscos são discutidas detalhadamente e se a

escolha é uma questão importante, ela tem que ser evidenciada no sumário

V.5. Revisão da Caracterização do Risco

Todo o processo de avaliação de riscos obviamente é mais extenso do que aquilo que é

apresentado no Sumário da Caracterização do Risco. Esta avaliação pode ser revisada por

pares científicos ou ser submetida ao comentário público, de modo que a preparação de uma

decisão por uma agência pública de saúde e/ou meio ambiente possa ser mais ampla e

abrangente no escopo e no impacto desejado.

A revisão, tanto pela equipe que preparou a avaliação de riscos, como por pares científicos ou

por membros representantes do público leigo é importante para que se evite que alguns fatores

contribuam para subestimar os riscos, tais como (Quadro V.15) (OPA/EPA, 1996):

• análise demasiadamente limitada da rota ou da exposição;

• não avaliação de todos os contaminantes presentes em uma mistura;

• comparar as concentrações da exposição com níveis basais inapropriados;

• limites de detecção não sensíveis;

• desconhecimento de outras possíveis rotas de exposição.

Também devem ser evitados os fatores que contribuem para sobrestimar os riscos, tais como

(Quadro V.16) (OPA/EPA, 1996):

• parâmetros de exposição demasiadamente conservadores;

• apresentação das exposições possíveis como se fossem exposições reais;

• utilização da forma linear da equação de riscos para os riscos mais altos.

Além da subestimação e sobrestimação dos riscos, existem uma série de fatores que podem

contribuir para uma representação errônea dos riscos, tais como (Quadro V.17 e V.28)

(OPA/EPA, 1996):

• quantidade inadequada de cifras significativas;

• erros de computador;

• uso inadequado de fatores de exposição;

• descrição insuficiente de incertezas;

• fatores de absorção inapropriados;

• definições inadequadas de riscos em que:

⇒ não se apresentam as estimativas do excesso de risco para toda a vida;

⇒ predição de óbitos por cancêr;

⇒ não apresentação do peso das evidências.

V.6. Apresentação do Sumário da Caracterização do Risco

A apresentação é uma discussão não técnica das conclusões importantes, questões e

incertezas e análises integradas do perigo, dose-resposta e exposição para fornecer o suporte

técnico. O suporte técnico primário dentro da avaliação de risco consiste na caracterização do

perigo, da dose-resposta e da exposição. A caracterização do risco é derivada destas.

Geralmente, a caracterização do risco inclui os itens importantes contidos na

caracterização do perigo, dose-resposta e exposição:

• conclusões primárias sobre perigo, dose-resposta e exposição, incluindo

alternativas igualmente plausíveis,

• natureza das informações chave de suporte e de métodos analíticos,

• estimativa de risco e as incertezas associadas, incluindo o uso de

considerações padrões quando existir perda de dados,

• relatório do grau de extrapolação do risco estimado de dados observados para

os níveis de interesse (ou seja, margem de exposição) e suas implicações de certezas e

incertezas na quantificação do risco,

• peso significativo e limitações dos dados e análises, incluindo quaisquer

questões importantes,

• comparação apropriada com a análise de risco da EPA ou não, com a qual as

pessoas possam se familiarizar, e

• comparação com a avaliação do mesmo problema por outra organização.

V.7. Resumo: Caracterização de Risco

O processo de caracterização do risco inclui uma análise integrada dos

resultados mais importantes da avaliação de risco. A análise integrada reúne as informações

das três etapas do processo para fazer estimativas do risco para os cenários de exposição de

interesse. Seu objetivo é fornecer um relato dos objetivos, do alcance e nível de detalhamento

dos resultados e da abordagem utilizada na avaliação, identificando o(s) cenário(s) de

exposição utilizado(s). Estima a distribuição da exposição entre os membros da população

exposta tanto quanto os dados permitem e identifica e compara a contribuição de diferentes

fontes, vias e modelos de exposição. As estimativas de magnitude, duração e freqüência são

incluídas com os resultados de modelos, monitoramentos disponíveis ou outros permitidos

pelo método. As forças e limitações (incertezas) dos dados e dos métodos de estimativa são

expostas de forma clara (EPA, 1991 e 1996a). Ao final, apresenta um perfil qualitativo e/ou

quantitativo do excesso de risco em seres humanos provocados pela exposição as substâncias

tóxicas.

CAPÍTULO VI - AVALIAÇÃO DE RISCOS, PROCESSOSDECISÓRIOS E GERENCIAMENTO DE RISCOS

VI.1. Introdução

A avaliação de riscos inclui um amplo espectro de disciplinas e perspectivas que vão

desde as preocupações acerca da poluição ambiental e seus efeitos sobre a saúde até as

questões econômicas envolvidas nos processos decisórios. Consiste num enfoque sistemático

e racional para a identificação e avaliação dos riscos relacionadas à saúde e ao meio ambiente

(EPA/OPS, 1996) e tem como principal objetivo dar suporte ao processo decisório,

determinando, por exemplo, se uma substância química é suficientemente segura para ser

utilizada ou se um determinado sítio é apropriado para disposição de resíduos (Canter, 1989).

Emerge e se desenvolve com o objetivo de fornecer à sociedade respostas acerca dos riscos à

saúde e ao meio ambiente associados ao rápido crescimento da indústria química e outras

atividades de produção, transporte e armazenamento de produtos perigosos, as quais tem

contribuído para a circulação, emissão e deposição em larga escala de substâncias químicas

no meio ambiente.

Nesse processo verifica-se, por um lado, uma maior demanda e organização do público

(consumidores, ambientalistas, organizações não governamentais, sindicatos e comunidades

vizinhas aos sítios perigosos) na demanda para o acesso às informações sobre os riscos destas

substâncias. Por outro lado a necessidade dos gerentes de indústrias e distribuidoras de

produtos perigosos também conhecerem seus possíveis riscos tanto para dar respostas às

demandas do público, como para terem elementos que subsidiem tomadas de decisões mais

adequadas quanto ao seu manuseio. Este processo vem colocando nos últimos anos a

necessidade de o desenvolvimento de produtos ser guiado não somente pelas informações

sobre eficácia e custos econômicos, mas também pelas informações sobre os efeitos para a

saúde e o meio ambiente, desempenhando a avaliação de riscos um papel extremamente

importante (Canter, 1989)

O gerenciamento de riscos também emerge e se desenvolve neste processo. Consiste na

seleção e implementação das estratégias mais apropriadas para o controle e prevenção de

riscos, envolvendo a regulamentação, a disponibilidade de tecnologias de controle, a análise

de custos e benefícios, a aceitabilidade de riscos, a análise de seus impactos nas políticas

públicas e diversos outros fatores sociais e políticos (Canter, 1989).

VI.2. Opções e Ações Para o Gerenciamento de Riscos

O gerenciamento de riscos é a etapa em que dentro de várias opções, ações para o

controle e a prevenção de riscos são selecionadas considerando-se diversos aspectos tais como

(Quadro VI.1) (OPS/EPA, 1996):

• diferenças nos objetivos a serem alcançados;

• a escassez dos recursos financeiros disponíveis para as ações;

• a ausência de informações completas tanto sobre os riscos em questão, como sobre as

ações que podem ser tomadas;

• os requisitos legais;

• os impactos sociais e econômicos das ações possíveis;

O pressuposto básico desta etapa é que os riscos podem ser controlados (Quadro

VI.2) através de uma gama de opções que podem ser combinadas de diversos modos (Quadro

VI.3) (OPS/EPA, 1996). Vejamos cada uma destas opções.

• comando e controle

É constituído de três tipos básicos de ações. A primeira é a aplicação de medidas

drásticas sobre as consequências da exposição das populações aos riscos ao invés de corrigir

as causas. A segunda consiste em ações corretivas e de remediação através do

desenvolvimento de tecnologias. A terceira consiste no emprego da melhor tecnologia ou

estratégia de controle disponível (Quadro VI.4).

• ações preventivas

O método mais prático e eficaz de se reduzir determinado risco é prevenir na fonte, o

que pode ser realizado pela redefinição de processos de produção, substituição de

determinadas substâncias por outras de menor toxicidade, checagem prévia de novas

substâncias antes que sejam comercializadas, desenvolvimento de sistemas de transporte e

práticas de manuseio com menor risco de contaminação (Quadro VI.5). Exemplos de

problemas que exigem ações preventivas através da correção das causas são o aquecimento

global do planeta, a contaminação de águas nos pontos de origem, a contaminação

proveniente de veículos automotores (Quadro VI.6). Dentre as diversas opções para o

gerenciamento de riscos, as ações preventivas constituem as mais vantajosas, pois além de

resultar na redução ou eliminação dos riscos, muitas vezes apresentam vantagens como

aumento da produção e redução dos custos (Quadro VI.7).

• incentivos econômicos

Os incentivos econômicos podem desempenhar um importante papel no

gerenciamento de riscos. Para empresas poluidoras, por exemplo, podem se dar através de

incentivos na forma de créditos para a adoção de tecnologias com menor potencial de

poluição, como pelo boicote de consumidores aos produtos da empresa até que a mesma mude

suas práticas de gerenciamento dos riscos ambientais (Quadro VI.8).

• requisitos legais

Os requisitos legais podem se dar através de normas regulamentadoras de projetos, de

processos de produção, disposição de resíduos e tratamento dos mesmos, de produtos e seu

manuseio. Podem desde restringir o uso de uma determinada tecnologia ou produto, como

especificar pautas específicas de produção de uma dada substância. Também podem incluir o

monitoramento como forma de controle (Quadro VI.9).

• medidas científicas ou técnicas

Dentre estas medidas podemos destacar o desenvolvimento de técnicas que permitam

tanto melhor identificar um problema específico de exposição aos riscos, como proporcionar

ações corretivas de redução do perigo nos processos de produção, disposição, tratamento e

manuseio de substâncias. Neste último aspecto as inovações tecnológicas desempenham um

importante papel desde que voltadas para a difusão de tecnologias com menor potencial de

poluição. Outra contribuição é o desenvolvimento de métodos científicos que permitam

antecipar problemas futuros antes que alcancem um estado crítico (Quadro VI.10)

• fornecimento e difusão da informação

O fornecimento e a difusão de informações técnicas e científicas tanto sobre os riscos,

como sobre as possíveis estratégias de gerenciamento, assim como o intercâmbio das mesmas,

constitui-se em importante e poderoso instrumento (Quadro VI.11).

• cooperação entre agências governamentais e entre países

O intercâmbio de informações e de técnicas ao nível interinstitucional e internacional

não só contribui para o desenvolvimento de objetivos comuns na redução e eliminação de

determinados riscos, como também contribui para evitar ações duplicadoras ou conflitivas

(Quadro VI.12).

• acordos públicos privados e programas de redução de riscos

Os acordos públicos privados resultantes de processos de negociação e os programas

voluntários resultantes de processos de conscientização ou pressão pública constituem

alternativas para o gerenciamento de riscos não diretamente controladas pelos órgãos do

governo, mas que atendem anseios da sociedade como um todo (Quadro VI.13).

Na verdade, todas estas opções de controle anteriormente citadas só podem ser

compreendidas como resultantes de um processo que basicamente integra o objetivo geral do

desenvolvimento das estratégias de gerenciamento de riscos com as alternativas de controle

disponíveis e as informações disponíveis (Quadro VI.14). A caracterização do risco e a

análise de fatores políticos, sociais e econômicos, junto com as diversas opções de controle

disponíveis resultarão, ao final, em uma decisão normativa para o gerenciamento (Quadro

VI.15) que poderá incluir objetivos tais como (Quadro VI.16) (OPS/EPA, 1996):

• redução de riscos para a saúde pública;

• redução de riscos ecológicos;

• redução de riscos para o bem estar geral;

• redução de riscos para limites abaixo do nível crítico;

• fomentar a participação do público;

• fomentar o uso de tecnologias disponíveis;

• responsabilizar o causador da contaminação;

• proteger os locais de trabalho;

• maximizar o uso eficaz de recursos;

• maximizar custo/benefício das ações;

• maximizar o custo efetivo das ações.

Assim, as informações fornecidas pela avaliação de riscos constituem apenas parte das

informações necessárias para o gerenciamento de riscos, já que devem ser incluídas aquelas

sobre as tecnologias disponíveis, os impactos destas tecnologias na redução dos riscos, a

opinião pública, a avaliação econômica e a legislação vigente (Quadro VI.17). Estas

informações irão subsidiar a tomada de decisão que deve ser orientada por critérios como: a

magnitude da redução do risco que se objetiva; as responsabilidades; os custos/benefícios e

efetividade das ações que serão tomadas; a factibilidade e facilidade de tomar atitudes; a

existência de transferência do risco para outras localidades, estados ou países (Quadro

VI.18). Através destes critérios existe uma gama de possíveis decisões para o gerenciamento

de riscos, que podem ser: 1) não intervir; 2) adoção de medidas drásticas sobre as

consequências e não sobre as causas; 3) adoção de medidas baseadas em incentivos

econômicos; 4) adoção de ações preventivas; 5) evolução de uma cadeia de decisões baseada

no desenvolvimento de tecnologias de controle e prevenção; 6) combinação de decisões

(Quadro VI.19) (OPS/EPA, 1996).

VI.3. Importância de Processos Decisórios e Gerenciamentos de Riscos Participativos

Além destas questões que, apesar de envolverem uma série de interpretações, escolhas e

decisões, são muitas vezes classificadas como "objetivas" pelos especialistas, existem outras

relativas ao público e que consideram mais "subjetivas", que irão influenciar bastante todo o

processo (Schwartz et al., 1995; HRI, 1996), tais como:

1) o valor que possui a saúde, a vida humana, a proteção ambiental e a preocupação com

as gerações futuras;

2) eqüidade na distribuição dos riscos, isto é: quem está exposto e quem recebe os

benefícios das atividades que causam riscos;

3) a compreensão que o público tem dos dados e o modo como percebem ou aceitam os

riscos;

4) a habilidade das lideranças envolvidas no processo para persuadir/motivar, negociar,

resolver os objetivos conflitantes e os interesses em competição;

5) a existência ou não de um fórum para o debate entre as partes envolvidas e que

permita a inclusão de outros subsídios, além dos fornecidos pela avaliação técnica, no

estabelecimento de políticas públicas;

6) a ênfase atribuída ao planejamento para o futuro - responsabilidade do governo na

proteção do público em relação à futuros danos;

7) o grau de colaboração entre o governo, as empresas e as organizações não

governamentais;

8) o modo como se dá o processo regulamentador;

9) os processos judiciais movidos contra os denominados "criadores de riscos";

10) o envolvimento dos meios de comunicação;

11) o modo como são preparadas e dirigidas as mensagens para os tomadores de

decisão.

Na verdade, todas estas questões acabam obrigando que os modelos de avaliação de

riscos, para que possuam um amplo escopo e possibilidade de impacto na definição das

estratégias de gerenciamento e maior legitimidade política nas tomadas de decisões que

viabilizam sua implementação, tenham todos os seus pressupostos, informações, resultados e

os próprios processos decisórios examinados por todas as partes interessadas (Canter, 1989).

Uma maior participação do público no processo decisório não é só desejada, mas necessária

para que seja efetivo, devendo serem observadas algumas características no processo de

avaliação - que envolve a análise das informações existentes e a identificação da necessidade

de mais informações - e gerenciamento de riscos - que envolve a identificação de opções e

alternativas para o controle e a prevenção - para finalmente resultar nas tomadas de decisões

(Schwartz et al., 1995). De acordo com Schwartz et al. (1995) estas características são:

1) Envolver a maior parte do público interessado, garantindo-se e estimulando-se um

amplo debate envolvendo as diversas perspectivas e valores, de modo a conduzir à alguns

compromissos acerca dos objetivos e métodos, o que assegura um amplo suporte da sociedade

como um todo.

2) Criar mecanismos pelos quais as avaliações técnicas e de políticas públicas possam

ser geradas, distribuídas e criticadas pelos interessados.

3) Prover mecanismos pelos quais os resultados das avaliações possam ser apresentados

aos tomadores de decisões e outros interessados na sociedade, para informar aos grupos os

custos, os benefícios e os impactos das propostas de gerenciamento consideradas.

4) Criar mecanismos para que os interesses conflituosos possam ser ouvidos e

discutidos de modo controlado, para que as opiniões divergentes na sociedade possam surgir

e, ao máximo possível, acomodadas na implementação das propostas de gerenciamento.

5) Criar mecanismos pelos quais a sociedade possa chegar às decisões e adotar ações

úteis, ainda que estas possam ser menos do que o que possa ser considerado "objetivamente"

ideal.

A determinação de padrões claros e precisos na avaliação, bem como a definição de

estratégias de gerenciamento de modo a subsidiar e facilitar os processos decisórios não é

tarefa fácil, pois desde o início envolve interpretações e decisões que nem sempre serão

aceitas pelos que estão ou serão envolvidos. Isto não significa que, como solução, se espere

que os envolvidos nos processos decisórios também sejam diretamente envolvidos no

processo de avaliação técnica. Deve-se garantir, embora isto ainda seja um processo em

construção e de aprendizado mútuo, que tanto sejam explicitados os pressupostos que

orientaram a avaliação e as incertezas acerca das evidências existentes, como que a

participação de todos que tenham interesse direto no problema seja o mais efetiva, tornando

isto possível através do aprendizado dos modos de pensar e avaliar as informações sobre

saúde, de maneira que compreendam as implicações das incertezas das informações e também

o seu valor para os processos decisórios.

VI.4. Resumo: Avaliação de Riscos, Processos Decisórios e Gerenciamento de Riscos

Conforme observado na conclusão capítulo I, Jasanoff (1993) na busca de integrar as

diversas disciplinas e perspectivas que atuam na relação entre avaliação de riscos e

gerenciamento de riscos considera que não podemos separar "o que se deseja conhecer acerca

de um determinado problema" - o que é realizado pelas avaliações técnicas de riscos - do que

se deseja fazer acerca desse mesmo problema - o que é proposto e realizado no

desenvolvimento das estratégias de gerenciamento de riscos. Para Jasanoff (1993), o modo de

se perceber a realidade e de organização os fatos a ela pertinentes tem implicações, embora

nem sempre visíveis, tanto nas avaliações de riscos, como nos aspectos das políticas públicas

e da justiça social: quem se deve proteger de determinados riscos, a que custo e deixando de

lado que alternativas.

As implicações e inter-relações entre as etapas da avaliação de riscos e as opções e

ações para o gerenciamento tornam necessário que os processos decisórios, para que sejam

mais amplo no seu escopo e impacto na redução e eliminação de riscos, incorporem também

aqueles que vivenciam os eventos e situações de riscos no seu dia-a-dia, ou seja: trabalhadores

e comunidades expostas.

CAPÍTULO VII – ESTUDO DE CASO DOS

TRABALHADORES EXPOSTOS AO BENZENO EM UMA

REFINARIA DE PETRÓLEO

VII.1. A EXPOSIÇÃO DOS TRABALHADORES AO BENZENO NOSPROCESSOS INDUSTRIAISVII.1.1. O Benzeno e Suas Principais Fontes de Emissão

O benzeno é um hidrocarboneto aromático naturalmente encontrado no petróleo bruto,

variando de 1-4% em volume, podendo também ser encontrado na água do mar, em

concentrações de até 0,8 ug/l, nas proximidades de depósitos naturais de petróleo e de gás

natural (IARC/1989). A sua alta volatilidade em função de sua pressão de vapor de 95,2

mmHg a 25oC., e o seu relativamente baixo ponto de ebulição (80,1oC.) são as principais

características físico-químicas responsáveis pôr sua rápida evaporação para a atmosfera (ver

Quadro VII.1).

Na atualidade, as principais fontes ambientais de benzeno produzidas pelo homem

incluem a exaustão e as operações de abastecimento de veículos automotores, e, em menor

escala, as emissões industriais, sendo que os gases da exaustão de automóveis contribuem

com cerca de 80 a 85% das emissões para a atmosfera (Burroughs et al.,1995). Os gases

emitidos pelos veículos que utilizam combustíveis derivados do petróleo podem conter até

100 diferentes tipos de hidrocarbonetos (Mendes,1987).

Vários trabalhos e pesquisas, a nível mundial, têm atualmente se direcionado para os

estudos de avaliação da poluição ambiental, onde o benzeno se destaca nas diversas linhas de

pesquisa, devido as evidências epidemiológicas de suas propriedades carcinogênicas. O

monitoramento ambiental dos contaminantes atmosféricos tem adquirido cada vez mais

importância na avaliação das condições ambientais (Barbosa, 1997).

As concentrações atmosféricas de hidrocarbonetos aromáticos podem refletir o nível

de poluição do ar, sendo o benzeno atualmente considerado como um indicador de poluição

urbana, com suas concentrações ambientais variando de acordo com as condições climáticas e

diretamente com os picos de maior ou menor tráfego de veículos automotores, que, pôr sua

vez, confirma a influência da exaustão de gases provenientes da queima de combustíveis na

origem da poluição urbana (Fustinoni et al.,1995).

A presença do benzeno na gasolina, seja pelo seu emprego como anti-detonante ou

pela sua própria formação no motor pôr desalquilação de outros hidrocarbonetos aromáticos e

pela sua ampla utilização na indústria petroquímica, podem resultar em emissões

significativas para o meio ambiente. A exposição humana ocorre principalmente através da

inalação deste ar contaminado, particularmente, em áreas de intenso tráfego automotivo, nos

postos de abastecimento de combustíveis e outros locais de armazenamento e distribuição de

petróleo e seus derivados, incluindo também, a exposição à fumaça de cigarros

(ATSDR,1991).

As concentrações atmosféricas podem variar de 0,2 ug/m3 em áreas rurais, até 349

ug/m3 em grandes centros urbanos industriais, podendo chegar a níveis de 10 mg/m3 durante o

reabastecimento de automóveis (CONCAWE,1994a). Brugnone et al.(1992), comparando a

exposição ao benzeno entre populações rural e urbana, demonstraram que a média das

concentrações sangüíneas do benzeno, em populações de áreas rurais, era de

aproximadamente 200 ng/l, e apresentava-se bem inferior em relação aos níveis de 296 ng/l.

encontrados em populações urbanas.

Em relação a população em geral, uma das fontes de exposição não ocupacional ao

benzeno é, provavelmente, a fumaça dos cigarros. Em ambientes fechados, como os

residenciais, as concentrações de benzeno podem alcançar os níveis de 500 ug/m3. Os

fumantes inalam, em média, aproximadamente 1.800 ug de benzeno pôr dia, comparados com

50 ug pôr dia dos não fumantes. Os níveis sangüíneos de benzeno entre os fumantes

apresentam-se 90% superiores aos de não fumantes, e são diretamente proporcionais ao

número de cigarros fumados (Brugnone et al.,1992).

VII.1.2. O Benzeno nos Processos Industriais

O benzeno foi isolado pela primeira vez pôr Faraday, em 1825, na fração leve do gás

resultante da degradação térmica do carvão mineral (hulha). O início da produção industrial

do benzeno se deu a partir de 1849, como subproduto da destilação seca do carvão mineral,

nas coquerias das usinas siderúrgicas. O coque metalúrgico, quando utilizado e aquecido em

altas temperaturas, emana um vapor composto pôr mais de 100 tipos diferentes de

hidrocarbonetos, sendo o benzeno um dos principais. Nas coquerias o benzeno é separado na

fração de óleos leves de alcatrão, denominado BTX siderúrgico, constituído pôr misturas de

benzeno, tolueno e xileno, da qual o benzeno é o componente em maior proporção (Barbosa,

1997).

O processo carboquímico nas usinas siderúrgicas teve grande importância industrial, e

representou a principal fonte de produção de benzeno pôr mais de um século, onde seu

principal destino eram as indústrias de artefatos de borracha e pneus, couro e calçados, cola e

adesivos, ceras e resinas, tintas e vernizes, solventes e diluentes, além das indústrias gráficas e

de móveis, e de vários outros ramos industriais. A forma de produção e a utilização difusa do

benzeno até então, acabariam pôr determinar a exposição acentuada e os sérios riscos para a

saúde de um grande número de pessoas, incluindo trabalhadores e a população em geral

(Kasahara et al.,1987; Inoue et al.,1983; Kumai et al.,1983).

A obtenção de gasolinas, óleos combustíveis e lubrificantes, cada vez mais

aprimorados e de melhor qualidade, tornou-se essencial na indústria após o advento do

automóvel e de outros motores a combustão. O rápido crescimento da indústria automotiva,

após a I Guerra Mundial, passou a gerar uma demanda sempre crescente no mercado

consumidor, impulsionando a indústria de refino com a introdução de modificações no seu

processo, a fim de possibilitar o craqueamento de frações mais pesadas do óleo cru e a

produção de misturas mais leves (Barbosa, 1997).

A partir da II Guerra Mundial, o benzeno e outros hidrocarbonetos aromáticos

passaram a ser obtidos a partir de matérias-primas originárias do petróleo, através de

processos industriais que envolvem reformas catalíticas e sínteses químicas nas refinarias e

indústrias petroquímicas, possibilitando, assim, a produção dessas substâncias de forma mais

econômica e com maior grau de pureza e qualidade (Barbosa, 1997).

Os processos industriais existentes até a década de 40 foram, a partir de então,

radicalmente modificados com a introdução do petróleo nos diversos modelos de produção.

As indústrias petroquímicas passaram a gerar novas matérias-primas e novos produtos, o que

diminuiu a necessidade do uso do benzeno de origem carboquímica. Ao passo que,

paralelamente, crescia a demanda de produção de benzeno para a utilização em sínteses

químicas nas indústrias de transformação. Portanto, dos anos 40 aos anos 70, verifica-se uma

modificação no perfil de produção e consumo do benzeno, onde o benzeno de origem

carboquímica obtido nas siderúrgicas foi perdendo sua importância industrial e econômica, a

ponto de representar, em 1987, menos de 10% do benzeno produzido mundialmente.

(FUNDACENTRO,1993).

No Brasil, as principais fontes de produção do benzeno encontram-se, atualmente,

concentradas nos parques de produção petroquímica e de refino de petróleo: Camaçari-BA,

Triunfo-RS, Capuava-SP e Cubatão-SP, que são responsáveis pôr aproximadamente 95% da

produção nacional (ver Quadro VII.2). O restante provem da destilação fracionada de óleos

leves do alcatrão (BTX siderúrgico) obtida a partir do carvão mineral, através dos processos

de destilação seca nas principais companhias siderúrgicas nacionais: Companhia Siderúrgica

Nacional (CSN), Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA), AÇOMINAS e USIMINAS

(Barbosa, 1997).

Aproximadamente 95% do total do benzeno consumido no Brasil, é utilizado como

matéria-prima para síntese de produtos petroquímicos básicos como etilbenzeno, cumeno,

caprolactama, alquilbenzeno linear e anidrido maléfico. Esses produtos, pôr sua vez, tornam-

se intermediários de novas sínteses químicas para a produção de plásticos, resinas,

elastômeros, tintas, pesticidas, e muitas outras substâncias industrializadas. E, menos de 5%

dessa produção é destinado ao mercado produtor de álcool anidro, sendo adicionado à

gasolina como combustível, a nível nacional, além de, uma outra pequena parcela restante, ser

consumida como solvente em processos industriais específicos e em laboratórios de ensino e

pesquisa (ABIQUIM,1990).

VII.1.3. O Refino do Petróleo

O petróleo, em estado natural, é uma mistura de hidrocarbonetos, além de, em

proporções bem menores, compostos oxigenados, nitrogenados, sulfurados e metais pesados,

considerados como contaminantes. O processo industrial de refino do petróleo passa pôr uma

série de operações de beneficiamento para a obtenção dos mais variados produtos de ampla

utilização na indústria em geral. A primeira etapa deste processo é a destilaçao primária, onde

são extraídas as suas principais frações que dão origem à gasolina e ao óleo diesel, à nafta, aos

solventes e querosenes (de iluminação e aviação), além de parte do GLP (gás de cozinha).

Numa segunda etapa, o resíduo da destilação primária é processado na destilação a vácuo, na

qual é extraída do petróleo mais uma parcela de diesel, além de frações de um produto pesado

chamado gasóleo, destinado à produção de lubrificantes ou a processos mais sofisticados,

como o craqueamento catalítico, onde o gasóleo é transformado em GLP, gasolina e óleo

diesel. O resíduo da destilação a vácuo pode ser usado como asfalto ou na produção de óleo

combustível. Uma série de outras unidades de processo transformam frações pesadas do

petróleo em produtos mais leves e colocam as frações destiladas nas especificações para o

consumo (Barbosa, 1997.

Conhecer a qualidade do petróleo a destilar é fundamental para as operações de

refinação, pois sua composição e aspecto variam em larga faixa, segundo a formação

geológica do terreno de onde o petróleo foi extraído e a natureza da matéria orgânica que lhe

deu origem (Barbosa, 1997).

Atualmente, a indústria mundial de refino de petróleo produz mais de 2.500 produtos,

incluindo gás liquefeito (GLP), gasolina, querosene, óleo diesel, combustível de aviação, e

uma variedade de outros óleos combustíveis e lubrificantes, além de diversos insumos para a

indústria petroquímica. No Brasil, pôr exemplo, só a Petrobrás produz, atualmente, em suas

11 refinarias mais de 80 produtos diferentes, como gás natural, naftas, gasolinas, querosenes,

óleos diesel e combustíveis, asfaltos, solventes de borracha, lubrificantes, e, inclusive, o

próprio benzeno, como uma importante matéria-prima para a indústria de transformação

química e petroquímica (Barbosa, 1997).

Os produtos originários da indústria de refino de petróleo podem ser utilizados nas

mais diversas indústrias nacionais e internacionais, que vão desde a produção de propelentes e

detergentes biodegradáveis até a produção de alumínio. Exemplo disto é o aproveitamento

pelas refinarias da Petrobrás de cada barril de petróleo, o que corresponde, atualmente, em

média a (Barbosa, 1997):

• 9,6% de Gases Liquefeitos (GLP);

• 19,3% de Gasolinas Automotivas e de Aviação;

• 9,1% de Naftas e Solventes;

• 4,5% de Querosenes de Iluminação e Aviação;

• 35,4% de Óleo Diesel;

• 16,6% de Óleos Combustíveis;

• 5,4% de Derivados diversos.

VII.4. A Exposição dos Trabalhadores ao Benzeno

Em relação a exposição de trabalhadores ao benzeno na indústria do petróleo, dois

importantes trabalhos foram realizados pela CONCAWE ( European Organization Oil

Companies for Environmental and Health Protection) e pôr associações da indústria

petrolífera européia (European National Petroleum Industry Associations), nos períodos de

1977-1985 e 1986-1992, em diferentes linhas de trabalho na indústria e comércio do petróleo

na Europa. Essas avaliações concluíram que mais de 90% dos trabalhadores das áreas de

refino, distribuição, e comércio do petróleo estariam expostos a concentrações ambientais de

benzeno inferiores a 1 ppm (CONCAWE,1994c). Considerando especificamente os

trabalhadores das indústrias de refino de petróleo, foi verificado que 96% dos operadores de

Unidades de Reforma Catalítica, 94% dos técnicos de Laboratórios de Controle de Qualidade

e 90% dos operadores de Plantas de Aromáticos encontravam-se expostos a níveis inferiores a

1 ppm nesses respectivos postos de trabalho (ver Quadro VII.3) (Barbosa, 1997).

Kawai et al.(1990) ao monitorarem, individualmente, 83 trabalhadores de uma

refinaria de petróleo japonesa, observaram que somente três desses trabalhadores

encontravam-se expostos a concentrações de benzeno superiores a 1 ppm, e que as médias

entre os grupos avaliados variaram de 0,07 a 0,71 ppm.

De acordo com o “National Institute for Occupatinal Safety and Health” (NIOSH), em

1983, os Estados Unidos possuíam 285 refinarias que empregavam 70 mil trabalhadores, e,

pôr estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do “American Petroleum

Institute” (API), a indústria mundial de refino de petróleo empregava, entre os anos de 1986 a

1987, aproximadamente 500 mil trabalhadores distribuídos em 700 refinarias.

Esses trabalhadores estariam sujeitos a uma série de riscos potencialmente graves para

a saúde nos seus ambientes de trabalho, devido a exposição, principalmente, a

hidrocarbonetos presentes no óleo cru ou formados durante os processos de refino, através do

contato direto com a pele e pela inalação dos seus gases e vapores. Normalmente, as

concentrações desses contaminantes ambientais variam na ordem de Partes Pôr Bilhão (ppb) a

frações de Partes Pôr Milhão (ppm), sendo que o principal risco de exposição ocorre durante

as operações de rotina de coleta de amostras, diretamente na planta de processo (Barbosa,

1997).

Nas últimas décadas, a indústria de refino tem alcançado um considerável nível de

automação dos seus processos operacionais, juntamente com a introdução gradual de medidas

de controle sobre as emissões fugitivas e uma maior atenção em relação a exposição ao

benzeno. As unidades de processamento das refinarias são compostas pôr sistemas fechados e

isolados, e altamente automatizados, onde praticamente todo o processo industrial é

controlado e monitorado através de salas de controle (Barbosa, 1997).

A exposição dos trabalhadores ao benzeno nas refinarias é atualmente considerada

como uma das mais importantes sob o ponto de vista da prevenção e do controle. Ocorre

principalmente durante a coleta e análise das amostras da nafta reformada pelos trabalhadores

envolvidos nessas respectivas etapas operacionais (IARC, 1989; Burgess,1994)

VII.1.5. A Exposição dos Trabalhadores ao Benzeno no Brasil

No Brasil, desde a década de 40, as publicações científicas já alertavam para o risco da

exposição ocupacional ao benzeno (Wakamatsu & Fernícola,1980). E, durante os anos 60 e

70, foram produzidos alguns trabalhos utilizando o fenol urinário como indicador biológico de

exposição, além de estudos de casos de anemia aplástica, e de determinação da presença do

benzeno em solventes (Timossi & Andrade,1971).

Em 1983, o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Santos-SP, denunciou a

existência de diversos casos de leucopenia pôr exposição ocupacional ao benzeno entre os

trabalhadores da COSIPA - Companhia Siderúrgica Paulista, em Cubatão-SP. Entre 1983 a

1987, centenas de trabalhadores foram afastados com diagnóstico de “benzenismo”, devido a

exposição ao gás de coqueria resultante do processo siderúrgico. As concentrações de

benzeno, tolueno, e xileno (BTX) neste gás, podiam alcançar níveis entre 30 e 40 ppm

(Barbosa, 1997).

Os relatórios das inspeções realizados na época, pôr órgãos governamentais de

fiscalização das condições de trabalho e saúde, revelaram que havia contaminação ambiental,

afetando não somente os trabalhadores das atividades de risco primário. O Sindicato dos

Trabalhadores da Construção Civil de Santos-SP, em 1984, também relatou ocorrências

similares entre trabalhadores de manutenção e montagem industrial (Barbosa, 1997).

Em 1985, o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas de Volta

Redonda-RJ denunciou a existência de 50 casos de leucopenia em trabalhadores da CSN -

Companhia Siderúrgica Nacional, e, em 1986, o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias

Químicas de Santo André-SP confirmou outros 60 casos entre os trabalhadores da Fábrica de

BHC das Indústrias Químicas Matarazzo, em São Caetano do Sul-SP (Barbosa, 1997).

No ano de 1990, a Nitrocarbono S.A., uma importante indústria química do Polo

Petroquímico de Camaçari-BA, foi interditada pela DRT-BA (Delegacia Regional do

Trabalho), em decorrência de 2 óbitos pôr benzenismo, incluindo o de um médico do trabalho,

desencadeando um processo de investigação epidemiológica e monitoramento ambiental e

biológico nesta companhia e em outras empresas do polo (FUNDACENTRO,1993).

VII.1.6. A Legislação Sobre o Benzeno no Brasil

Em relação à exposição de trabalhadores ao benzeno, a legislação brasileira reconhece,

desde 1932, qualitativamente a existência de riscos gerados pela utilização do benzeno em

algumas atividades industriais, como a destilação do carvão mineral e os trabalhos que

envolvem a manipulação de solventes, e outros produtos voláteis e inflamáveis. Em 1939, a

Portaria Ministerial No SCM 51, de 13/04/39, do Ministério do Trabalho, Indústria e

Comércio relaciona o benzeno no quadro de atividades industriais consideradas perigosas e

insalubres, para as quais se atribuía um adicional de insalubridade (Barbosa, 1997).

Nos Estados Unidos, em 1934, o Departamento de Indústria e Trabalho de

Massachusetts, determinou, a princípio, o limite de exposição ao benzeno de 75 ppm sendo

imediatamente após reduzido para 35 ppm, níveis estes, que permaneceram até 1948, quando

a “American Conference of Governmental Industrial Hygienists” (ACGIH) passou a

regulamentar esses limites, mantendo ainda um LTMPT (Limite de Tolerância Média

Ponderada pelo Tempo/8 horas) de 35 ppm (Barbosa, 1997).

Em 1978, a legislação trabalhista brasileira, seguindo essa tendência internacional,

definiu e regulamentou uma lista de aproximadamente 145 substâncias químicas cujas

concentrações ambientais deverão obedecer parâmetros quantitativos, também chamados de

Limites de Tolerância Ambientais, entre os quais encontra-se o benzeno. A Portaria 3.214, de

08 de junho de 1978, através da Norma Regulamentadora No 15 (NR-15), Anexo 11, define

em termos legais Limite de Tolerância Ambiental como “concentração ou intensidade

máxima ou mínima relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao agente, que não

causará dano à saúde do trabalhador, durante sua vida laboral”, e determina um limite de 8

ppm para o benzeno (Vasconcelos,1995; Araújo et al.,1993; Arcuri et al.,1991).

Nos últimos anos, várias organizações governamentais internacionais responsáveis

pela fiscalização e legislações referentes à saúde do trabalhador passaram a recomendar novos

limites (Rappaport,1995). Nesse processo, muitas conquistas têm sido obtidas no sentido de

se reduzir cada vez mais esses limites, e, atualmente, importantes agências de reconhecimento

internacional, como a “Occupational Safety and Health Administration” (OSHA) e o

“National Institute for Occupacional Safety and Health” (NIOSH), adotam um LTMPT de 0,1

ppm, enquanto a própria ACGIH, apesar de recomendar oficialmente ainda 10 ppm, se propõe

a reduzi-lo para 0,3 ppm (ACGIH,1995; Aldridge,1995; Aitio et al.,1995).

A indústria brasileira, em 1993, segundo dados oficiais da Fundação Jorge Duprat

Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho - FUNDACENTRO, do Ministério do

Trabalho, empregava cerca de 116 mil trabalhadores na produção e consumo do benzeno, dos

quais, aproximadamente, 38 mil encontravam-se potencialmente expostos a essa substância

(Quadro VII.4) (Barbosa, 1997).

Atualmente, estima-se que esses números sejam bem mais expressivos, o que

contribuiu para a regulamentação da Portaria No.14, de 20 de dezembro de 1995, da SSST-

Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho, do Ministério do Trabalho, com a inclusão do

Anexo 13-A e das Instruções Normativas No 001 (Avaliação das Concentrações do Benzeno

em Ambientes de Trabalho) e No 002 (Vigilância da Saúde do Trabalhador na Prevenção da

Exposição Ocupacional ao Benzeno) (Barbosa, 1997).

Esta nova Portaria regulamenta as ações, atribuições e procedimentos da prevenção da

exposição dos trabalhadores ao benzeno, e amplia a participação dos trabalhadores neste

processo, através do compromisso firmado entre estes e algumas empresas das áreas

petroquímica e metalúrgica, pela assinatura do denominado Acordo do Benzeno (Barbosa,

1997).

O Acordo do Benzeno representa um importante avanço em relação ao controle das

condições de segurança e saúde dos trabalhadores, quanto a exposição ocupacional ao

benzeno, pois se aplica a todas as empresas e indústrias que produzem, transportam,

armazenam, utilizam ou manipulam o benzeno ou suas misturas líquidas, contendo 1% ou

mais em volume (Barbosa, 1997).

Na assinatura deste Acordo, várias indústrias e entidades reconhecidas nacionalmente

estavam representadas:

• Confederação Nacional da Indústria-CNI;

• Associação Brasileira da Indústria Química-ABIQUIM;

• Instituto Brasileiro de Siderurgia-IBS;

• Sindicato da Indústria de Produtos Químicos para Fins Industriais e da

Petroquímica no Estado de São Paulo-SINPROQUIM;

• Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria-CNTI;

• Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos-CNTM;

• Central Única dos Trabalhadores-CUT;

• Força Sindical;

• Ministério do Trabalho-MTb;

• Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho-

FUNDACENTRO;

• Ministério da Saúde

• Ministério da Previdência e Assistência Social

Em relação às concentrações ambientais do benzeno, essas empresas tinham prazo até

31/12/97 para se adequarem a um novo valor limite -Valor de Referência Tecnológico (VRT)-

, que substitui o antigo Limite de Tolerância para o benzeno ouTLV (“Threshold Limit

Value”). Este valor limite ficou estabelecido em 1 ppm, com exceção para as companhias

siderúrgicas e produtoras de álcool anidro, cujo limite é de 2,5 ppm. Esse novo conceito do

VRT provém do conhecido TRK alemão, que vem a ser um limite adotado na Alemanha para

substâncias carcinogênicas e mutagênicas (FUNDACENTRO,1996).

O acordo estabelece ainda as competências do Ministério do Trabalho (SSST e

Fundacentro), do Ministério da Saúde, das Empresas e dos Trabalhadores, com a criação de

dois importantes organismos: a Comissão Nacional Permanente do Benzeno (CNP-Benzeno),

como órgão tripartite de discussão, negociação e acompanhamento do acordo; e o Grupo de

Representantes dos Trabalhadores do Benzeno (GTB), destinado a acompanhar a elaboração,

implantação e desenvolvimento do Programa de Prevenção da Exposição Ocupacional ao

Benzeno - P.P.E.O.B., e os prazos de adequação das Empresas aos novos valores permissíveis

nos ambientes de trabalho (Barbosa, 1997).

VII.1.7 A Refinaria de Petróleo

Inaugurada nos anos 60, a refinaria de petróleo que servirá de caso-referência tem

capacidade para o processamento diário de 36,4 mil metros cúbicos de petróleo, que

corresponde a, aproximadamente, 20% da capacidade de refino de toda a empresa, que possui

diversas outras refinarias espalhadas pelo país. O petróleo processado nas unidades da

refinaria em questão vem, principalmente, da Arábia Saudita e dos poços de produção

marítima da região de exploração e produção da Bacia de Campos, no Estado do Rio de

Janeiro (Barbosa, 1997).

São produzidos pelas Unidades de Processamento da Refinaria 53 tipos de derivados,

entre combustíveis, lubrificantes e insumos para a indústria petroquímica. Parte desta

produção é exportada, onde a gasolina, o óleo diesel, e o óleo combustível vão principalmente

para os Estados Unidos, Ásia, Uruguai e Argentina; enquanto os lubrificantes também para os

Estados Unidos, Ásia, e Índia; e as parafinas para a América do Sul (Barbosa, 1997).

As Unidades da Refinaria estão organizadas em 4 Plantas Operacionais, assim

distribuídas:

• Planta de Matérias Primas;

• Planta de Combustíveis e Petroquímicos;

• Planta de Lubrificantes e Parafinas;

• Planta de Utilidades.

A Planta de Matérias Primas é constituída pôr Unidades de Destilação Atmosférica e a

Vácuo e Unidades de Desfaltação a Solvente e a Propano. A Planta de Lubrificantes e

Parafinas pôr Unidades de Hidrogenação, Desaromatização, Desparafinação e Desoleificação.

A Planta de Utilidades pôr casas de bombas, caldeiras, separadores de água e óleo, torres de

refrigeração, central termoelétrica e estação de tratamento de água, efluentes hídricos e

esgoto. Pôr fim, a Planta de Combustíveis e Petroquímicos, onde se localiza a Unidade de

Reforma Catalítica, uma das mais importantes desta refinaria, em termos de exposição dos

trabalhadores ao benzeno. A Unidade de Reforma Catalítica é responsável pela produção de

gasolina de alta octanagem, através da transformação dos hidrocarbonetos parafínicos e

naftênicos da nafta pesada em aromáticos (Barbosa, 1997).

VII.2 - IDENTIFICAÇÃO DO PERIGO DO BENZENO

VII.2.1. Antecedentes do Benzeno

O benzeno é um hidrocarboneto aromático, cuja fórmula química é C6H6 e o peso

molecular 78,11g/mol. É um líquido incolor estável em temperatura ambiente e pressão

atmosférica normal. Possui um odor aromático característico, um ponto de ebulição (80.1 ºC)

relativamente baixo e uma alta pressão de vapor que causa uma rápida evaporação em

temperatura ambiente. É uma substância altamente inflamável e muito solúvel em água, se

misturando facilmente com outros solventes orgânicos (IPCS, 1993).

O benzeno está presente como constituinte em óleos combustíveis sendo usado como

solvente de gorduras, ceras, resinas óleos, tintas, plásticos e borracha. Ele também é utilizado

na produção de detergentes, explosivos, drogas farmacêuticas e na extração de óleos de

sementes (IPCS, 1993).

VII.2.2. Avaliação do Perigo do Benzeno

A.II.2.1. Alguns Princípios Para a Avaliação do Perigo do Benzeno

1) O objetivo da avaliação do perigo é identificar os tipos de efeitos adversos que

podem estar associados com a exposição ao benzeno e caracterizar a qualidade e a

solidez das evidências que apoiam esta identificação.

2) O perigo específico que nos preocupa nesta revisão é o câncer, ainda que também

deva-se considerar os efeitos tóxicos sistêmicos.

3) Os estudos epidemiológicos são, geralmente, considerados a melhor fonte de

informação para identificar o perigo para humanos. Entretanto, para a maioria das

substâncias químicas estes estudos não existem. Além do mais, é muito difícil se

estabelecer nexos causais sólidos entre a exposição e as doenças crônicas.

4) Os estudos experimentais em animais também fornecem uma informação útil para a

identificação do perigo. São estudos controlados e podem, mais facilmente,

estabelecer nexos causais. Entretanto, os resultados destes estudos tem a limitação

óbvia de os animais utilizados em experimentos não pertencerem a mesma espécie

que nos interessa: o homem.

5) Com a possível exceção do arsênico, todas as substâncias conhecidas como

carcinogênicas em seres humanos são também em uma ou mais espécies de

animais. Entretanto, na maioria das substâncias carcinogênicas em animais não se

tem verificado o mesmo efeito em seres humanos.

6) As informações disponíveis sobre mecanismos biológicos confirmam o enunciado

de que as respostas biológicas obtidas com animais utilizados em experimentos são

similares em seres humanos. Entretanto, sem dúvida, as respostas biológicas à

algumas substâncias podem diferir consideravelmente entre espécies diferentes.

7) Os locais de formação de tumores em seres humanos podem em algumas situações

específicas diferir dos observados em animais experimentais.

8) As informações obtidas a partir da administração em animais de uma substância

pela mesma via de exposição que é vivenciada pelos seres humanos é considerada

com valor mais preditivo do que a informação obtida pela administração pôr vias

diferentes de exposição. Entretanto, deve se considerar que, sem dúvida, se os

tumores se formam no interior do organismo, a via de exposição não é tão

importante.

9) Em geral, uma resposta múltipla em animais experimentais - formação de tumores

ou efeitos sistêmicos em várias espécies e em ambos os sexos, resultante de níveis

de exposições diferentes, com intensidade/freqüência de respostas diretamente

relacionadas com a magnitude da exposição, e em vários locais do corpo - fornece

evidências mais convincentes sobre o potencial carcinogênico ou o dano sistêmico

para o ser humano do que uma resposta limitada a uma só espécie, a um só sexo, a

locais do corpo onde freqüentemente não ocorrem tumores ou a efeitos sistêmicos

em animais que não estão submetidos à exposição (pôr exemplo, tumores de fígado

em ratos machos do grupo controle).

VII.2.2. Dados sobre os Danos à Saúde Causados pelo Benzeno

Efeitos Agudos

1) A exposição simultânea ao benzeno e ao etanol pode aumentar a toxicidade do

mesmo (ATSDR, 1991);

2) Os sintomas neurológicos em seres humanos associados à exposição ao benzeno

incluem tonteira, dor de cabeça e perda de consciência. A ingestão de grandes

quantidades de benzeno pode resultar em vômito, tonteira, convulsão e óbito em

seres humanos (ATSDR, 1991);

3) A exposição ao benzeno em seu estado de vapor ou líquido pode irritar a pele,

olhos e o trato respiratório superior. A exposição dérmica ao benzeno pode resultar

em irritação e formação de bolhas (ATSDR, 1991; Sittig, 1985);

4) Estudos com animais mostraram efeitos neurológicos, imunológicos e

hematológicos a partir de exposições orais e via inalação ao benzeno (ATSDR,

1991);

5) Testes sobre exposição aguda em animais, como testes de CL50 e DL50 em ratos,

camundongos, coelhos e cobaias, têm demonstrado que o benzeno apresenta baixa

toxicidade aguda pôr inalação, toxicidade aguda moderada pôr ingestão e

toxicidade aguda moderada ou baixa pôr exposição dérmica (RTECS, 1993).

Efeitos Crônicos

1) A inalação prolongada de benzeno causa alterações hematológicas em seres

humanos. O benzeno afeta especificamente a medula óssea (o tecido que produz as

células sangüíneas). Podem ser desenvolvidas anemias plásticas, hemorragia

excessiva e danos no sistema imune (através de alterações nos níveis sangüíneos de

anticorpos e perda de células brancas do sangue) (ATSDR, 1991);

2) Em animais, a exposição crônica ao benzeno via oral e via inalação crônica ao

benzeno produz os mesmos efeitos vistos em seres humanos (ATSDR, 1991);

3) O benzeno causa aberrações cromossômicas, tanto numéricas quanto estruturais,

em seres humanos (ATSDR, 1991);

4) A CRf e a DRf para o benzeno estão sendo revistos pela EPA (IRIS, 1993).

Efeitos Reprodutivos e de Desenvolvimento, Embriotoxicidade e

Teratogenicidade

1) Foram observadas alterações menstruais e diminuição do tamanho dos ovários em

mulheres expostas ocupacionalmente a altos níveis de benzeno (ATSDR, 1991);

2) Vários estudos epidemiológicos de mulheres expostas ocupacionalmente sugerem

que o benzeno pode reduzir a fertilidade em mulheres expostas a altos níveis.

Entretanto, estes estudos são limitados devido à falta da história da exposição,

exposição simultânea a outras substâncias e falta de seguimento (ATSDR, 1991);

3) Os dados disponíveis sobre os efeitos de desenvolvimento em seres humanos são

inconclusivos, devido à exposição concomitante a outras substâncias químicas,

tamanho de amostragem inadequado e falta de dados quantitativos de exposição

(ATSDR, 1991);

4) Quando da exposição ao benzeno, via inalação, de animais grávidas, foram

observados efeitos adversos no feto, incluindo baixo peso ao nascer, atraso na

formação dos ossos e danos na medula óssea (ATSDR, 1991).

Risco de Câncer

1) Em seres humanos expostos ao benzeno, tem sido observado o aumento na

incidência de leucemia (câncer no tecido que forma as células brancas do sangue)

(ATSDR, 1991; IRIS, 1993);

2) A EPA e o IARC tem classificado o benzeno como integrante do Grupo A,

reconhecido como carcinógeno em seres humanos (IRIS, 1993);

Mecanismo de Ação Tóxica

Os mecanismos de ação tóxica do benzeno não estão ainda totalmente esclarecidos,

mas existem fortes evidências que sugerem que esses efeitos dependem diretamente do

metabolismo, isto é, da ativação metabólica desta substância nos organismos vivos. Os

principais produtos do metabolismo do benzeno são o fenol, o catecol, a hidroquinona, e os

derivados de anel aromático aberto, como o ácido trans,trans-mucônico (Barbosa, 1997).

A toxicidade do benzeno pode se dar pôr sua ação direta ou através de seus

metabólitos, podendo ainda agir de forma sinérgica. Na medula óssea as “stem cells” e as

células do estroma são consideradas órgãos-alvo em potencial para a ação tóxica do benzeno.

A toxicidade medular do benzeno deve-se à capacidade de ligação de um ou de mais de seus

metabólitos, formados a partir da biotransformação, com macromoléculas como o DNA e

proteínas (Barbosa, 1997).

A ação do benzeno sobre a medula óssea determina uma lesão central que é

responsável pelas alterações hematológicas periféricas que se instalam e que podem ser

tardias e inespecíficas. Pelo fato da medula óssea ser parte integrante dos sistemas imune e

hematopoiético, suas alterações podem resultar em distúrbios em ambos aparelhos. Um dos

clássicos modelos de indução de atrofia da medula óssea é através da administração do

benzeno, onde a medula é ocupada pôr tecido adiposo permeada pôr focos isolados de células

hematopoiéticas e linfopoiéticas (Barbosa, 1997).

VII.2.3 Transporte, Distribuição e Transformação do Benzeno no Meio Ambiente

O benzeno apresenta-se no ar predominatemente na forma de vapor, e o tempo de

persistência no ambiente pode variar de horas a dias, de acordo com o clima, e em função da

concentração de radicais de hidroxila, dióxido de enxofre e nitrogênio. O benzeno presente no

ar é carreado com a chuva contaminando as águas superficiais e subterrâneas, sendo solúvel

na razão de aproximadamente 1.000 mg/litro. Devido, fundamentalmente, a sua volatização, o

tempo de persistência do benzeno em água é de poucas horas, e sua adsorção pelos

sedimentos é praticamente nula (IPCS, 1993).

O benzeno presente no solo pode passar para o ar pôr volatização, e para as águas

superficiais pela correnteza. Se enterrado ou liberado em camadas inferiores à superfície, será

transportado pelas águas subterrâneas (IPCS, 1993).

Em condições aeróbicas o benzeno presente na água e no solo é rapidamente

degradado, pela ação bacteriana, a lactato e piruvato, através da formação de produtos

intermediários como fenol e catecol. Entretanto, em condições anaeróbicas (pôr exemplo em

águas subterrâneas) a degradação bacteriana requer semanas ou meses. Não havendo

degradação bacteriana o benzeno pode acumular. Não existem provas de uma

bioconcentração8 ou bioacomulação9 do benzeno em organismos aquáticos ou terrestres

(IPCS, 1993).

VII.2.4 - Dados Experimentais sobre a Toxicidade do Benzeno

Estudos com Animais

A exposição de roedores ao benzeno, tanto pôr entubação, quanto pôr inalação,

resultou no desenvolvimento de neoplasias. Estudos nos quais o benzeno foi administrado,

8 Refere-se ao aumento da concentração de uma substância química no organismo (EPA, 1989)9 Refere-se ao crescimento progressivo de uma quantidade de uma substância química no organismo ou parte doorganismo que ocorre pôr conta da taxa de ingresso que excede a habilidade do organismo de remover asubstância do corpo (EPA, 1989)

através de entubação (nos níveis de dose 0, 50, 250 e 500 mg/kg de peso corpóreo), a grupos

de 30 a 40 ratos machos e fêmeas, da linhagem Sprague-Dawley, durante toda a vida

demonstraram um aumento da incidência de tumores mamários, dose-dependente, em fêmeas

e carcinomas de glândula Zimbal, carcinomas da cavidade oral e leucemias/linfomas em

ambos os sexos (Barbosa, 1997).

Em outro estudo (NTP, 1986), onde o benzeno também foi administrado pôr

entubação (nos níveis de dose 0, 50, 100 e 200 mg/kg de peso corpóreo), a grupos de 50 ratos

da linhagem F344/N de ambos os sexos, e grupos de 50 camundongos da linhagem B6C3F1

de ambos os sexos (nos níveis de dose 0, 25, 50 e 100 mg/kg de peso corpóreo), os animais

foram tratados 5 vezes pôr semana em um total de 103 semanas. Os resultados deste estudo

revelaram um aumento significativo (p<0,05) da incidência de vários crescimentos

neoplásicos em ambos os sexos e em ambas as espécies. Tanto em ratos como em

camundongos, machos e fêmeas, aumentou a incidência de carcinomas da glândula Zimbal.

Ratos machos e fêmeas apresentaram tumores na cavidade oral e os machos mostraram

aumento na incidência de tumores na pele. Os camundongos de ambos os sexos tiveram

aumento na incidência de linfomas e tumores no pulmão, observou-se nos machos tumores

nas glândulas harderiana e prepucial, enquanto nas fêmeas foram observados tumores nas

glândulas mamárias e nos ovários. Em geral o aumento da incidência foi dose-dependente.

Pequenos aumentos na incidência de neoplasia hematopoiética foram relatados em

camundongos machos C57Bl expostos pôr inalação a 300 ppm de benzeno durante 6 horas

pôr dia, 5 dias na semana, pôr 488 dias. Não houve aumento na incidência de tumor em

camundongos machos AKR ou CD-1 similarmente expostos a 100 ppm ou 100 a 300 ppm de

benzeno, respectivamente. Da mesma forma, ratos machos Sprague-Dawley expostos pôr

inalação a 300 ppm de benzeno não apresentaram aumento na incidência de neoplasias

(Snyder et al., 1981).

Em outro estudo utilizando ratos machos e fêmeas Sprague-Dawley (com 13 semanas

de idade) expostos: a 200 ppm de benzeno 4 horas pôr dia, 5 dias pôr semana (durante 7

semanas); 200 ppm 7 horas pôr dia, 5 dias pôr semana (durante 12 semanas); 300 ppm 7 horas

pôr dia, 5 dias pôr semana (durante 85 semanas), foi observado um aumento significativo de

carcinomas da glândula Zimbal e hepatomas. Com base neste estudo calculou-se o TWA10

igual a 241 ppm, considerando 8 horas pôr dia em 5 dias pôr semana (Maltoni et al., 1983).

Em diversos estudos, nos quais roedores (ratos e camundongos) foram expostos via

inalação a níveis de benzeno que variavam de 3,2 a 15 600 mg/m3 ( 0,99 e 4 836 ppm), em um

10 Time-Weighted Average - constitui uma abordagem para calcular a média de exposição em um determinadoperíodo de tempo.

período de tempo de no mínimo 3 e máximo 32 semanas, com um regime de exposição

equivalente, de uma forma geral, a 7 horas/dia, cinco dias pôr semana , puderam ser

observados efeitos tóxicos sistêmicos como leucemia, alterações tanto numéricas quanto

morfológicas das células sangüíneas, aumento no peso de órgãos como o baço e rins,

aparecimento de várias células pluripotentes e lesões nodulares no baço, entre outros (Quadro

VII.5).

O benzeno também tem demostrado ser carcinogênico após exposições via oral. Os

experimentos sumarizados no Quadros VII.6 e VII.7, que demonstram tanto os desenhos

experimentais em animais como os principais efeitos observados, permitem-nos concluir que

a administração do benzeno via oral ou via inalação provoca vários tipos de neoplasias em

ratos e/ou em camundongos. Entre os diversos tipos de neoplasias epitelial, pôr exemplo,

foram observados os da glândula Zimbal, fígado, tecido mamário e cavidades nasais, além de

alguns linfomas e leucemias.

Estudos com Humanos

Os efeitos em seres humanos após a exposição ao benzeno são qualitativamente os

mesmos para a população em geral e os trabalhadores expostos nos locais de trabalho. No que

se refere especificamente ao câncer, o fato do benzeno ser um leucemiógeno tem sido bem

estabelecido pôr estudos de caso e estudos epidemiológicos, referindo-se na maioria das

vezes, aos trabalhadores expostos no processo industrial. Alguns estudos de casos são

apresentados no Quadro VII.8. e estudos epidemiológicos que possuem dados quantitativos

suficientes sobre exposições e efeitos para permitir referências para o estabelecimento da

relação dose-resposta são apresentados no Quadro VII.9.

Aksoy et al. (1974) relatou os efeitos da exposição ao benzeno em trabalhadores

turcos de uma indústria de sapato. A duração média do período empregatício foi de 9,7 anos

(faixa de variação 1-15 anos) e a idade média de 34,2 anos. Os níveis máximos de benzeno

durante o período de exposição foram de 210-650 ppm. Foram observados 34 casos de

leucemias ou pré-leucemias, correspondendo a uma incidência de 13/100.000 (em

comparação com a incidência de 6/100.000 na população em geral). Através do

acompanhamento deste grupo, relatou-se posteriormente 8 casos adicionais de leucemia, bem

como, evidências que sugerem o aumento de outras malignidades (Askoy, 1980).

Em um estudo de mortalidade do tipo coorte retrospectivo (Infante et al., 1977 a,b)

foram examinados os efeitos leucemiogênicos da exposição ao benzeno em 748 homens

brancos expostos durante o período que foram empregados de uma fábrica de produtos de

borracha. A exposição ocorreu de 1940-1949, sendo o estudo realizado em 1975. Um

aumento estatisticamente significativo (p ≤ 0,002) de leucemias foi observado quando

comparado com a população em geral dos EUA. Não existiu evidência de exposição a outro

solvente. As concentrações do benzeno observadas no ar, geralmente estavam abaixo do

limite recomendado na época do estudo (1940-49).

Em outro estudo de mortalidade do tipo coorte retrospectivo (Rinsky et al., 1981)

foram observadas 7 mortes pôr leucemia entre os 748 trabalhadores expostos ao benzeno e

acompanhados pôr pelo menos 24 anos (17.020 pessoas-ano). Este aumento na incidência foi

estatisticamente significativo; a taxa de mortalidade padrão (SMR) foi de 560. Para as 5

mortes pôr leucemia que ocorreram entre os trabalhadores com mais de 5 anos de exposição, a

SMR foi de 2.100. As exposições, as quais variaram de 10 a 100 ppm, considerando um TWA

de 8 horas, foram descritas como menores que os padrões recomendados para o período de

tempo de 1941-1969. Na seqüência deste estudo, os autores acompanharam o mesmo coorte

até 31/12/81 (Rinsky et al., 1987). No estudo anterior, a exposição cumulativa foi derivada

dos dados históricos de amostragem de ar ou baseados em estimativas de interpolação dos

dados existentes. As taxas padronizadas de mortalidade foram de 109 nas exposições

cumulativas ao benzeno abaixo de 40 ppm/ano e aumentaram monotonicamente para 6.637 (6

casos) acima de 400 ppm/ano. Os autores encontraram um risco significativamente elevado

para leucemia nos casos de exposições cumulativas menores que o padrão corrente para

exposição ocupacional igual a 10 ppm pôr um período de 40 anos de trabalho.

Otto et al. (1978) observaram 3 mortes pôr leucemia entre 594 trabalhadores

acompanhados pôr pelo menos 23 anos em um estudo de mortalidade do tipo coorte

retrospectivo, mas o aumento não foi estatisticamente significativo. As exposições variaram

de < 2 a > 25 ppm considerando TWA de 8 horas.

Wong et al. (1983) relataram a mortalidade de homens empregados em uma indústria

química, que haviam sido expostos ao benzeno pôr pelo menos 6 meses durante os anos de

1946-1975. A população de estudo (4062 pessoas) foi retirada de sete indústrias químicas

sendo os trabalhadores categorizados em relação à exposição máxima. Aqueles com pelo

menos 3 dias pôr semana de exposição (3036 indivíduos) foram posteriormente categorizados

com base na TWA de 8 horas. Os indivíduos do grupo controle desenvolviam o trabalho nas

mesmas indústrias, pôr pelo menos 6 meses, porém nunca estiveram expostos ao benzeno. Foi

observado um aumento, dose-dependente, no número de leucemias, câncer linfático e câncer

hematopoiético. A incidência de leucemia foi a maior responsável pôr este aumento.

Observou-se que a significância deste aumento se deveu ao fato da incidência de neoplasias

nos indivíduos não expostos ser menor do que a esperada.

Os resultados das evidências em seres humanos indicam ser o benzeno

reconhecidamente causador de vários efeitos prejudiciais a saúde. Entre os quais se destacam,

pela sua freqüência, a depressão da medula óssea, o que leva a anemia aplástica. Na exposição

a altas concentrações é provável uma alta incidência destas doenças.

Está demostrado que o benzeno tem um efeito carcinogênico nos seres humanos. Os

estudos epidemiológicos realizados sobre os trabalhadores expostos ao benzeno têm

demostrado a existência de uma relação causal entre a exposição ao benzeno e a incidência de

leucemia mieleogênica. A relação entre a exposição ao benzeno e a produção de linfoma e

múltiplo mieloma ainda precisa ser esclarecido (IARC, 1982).

VII.2.5 - Avaliação dos Dados Experimentais

Vários investigadores têm observado significativos aumentos de aberrações

cromossômicas em células da medula óssea e em linfócitos periféricos de trabalhadores

expostos ao benzeno (IARC, 1982). O benzeno também foi capaz de induzir aberrações

cromossômicas em células de medula óssea de coelhos, camundongos e ratos. Alguns

pesquisadores têm relatado resultados positivos para ensaios com micronúcleos de

camundongo e benzeno. O benzeno não foi mutagênico em alguns sistemas bacterianos ou de

leveduras e no ensaio relacionado ao sexo de mutação letal recessiva com Drosophila

melanogaster (IRIS, 1993).

VII.2.6 - Considerações sobre as Evidências dos Efeitos Carcinogênicos do

Benzeno em Animais e no Homem

Evidências em Animais

1) As informações a partir de estudos experimentais em animais estão de acordo com

os princípios do item VII.2.1 (Alguns Princípios da Avaliação do Perigo),

particularmente com o princípio nº 9?

2) Considerando os princípios do item VII.2.1, existem razões para concluir que o

benzeno não é carcinogênico em animais experimentais?

3) Deve-se considerar que os tumores causados em animais submetidos a exposição

ao benzeno possuem alguma relação com risco de tumores causados em seres

humanos submetidos à baixas exposições?

4) As informações obtidas pela exposição de animais pôr via oral devem ser

consideradas pertinentes do que diz respeito à exposição de seres humanos pôr via

inalatória?

5) Existem razões para considerar que a exposição de seres humanos ao benzeno

representam riscos de se desenvolverem diversos tumores?

6) Diante das informações disponíveis existe algum modo de determinar se as

respostas em seres humanos seriam similares às obtidas em ratos e camundongos?

7) As informações obtidas em experimentos animais fornecem evidências suficientes

para demonstrar que o benzeno é carcinogênico em animais? Esta informação é

limitada ou inadequada?

Evidências em Humanos

1) As informações obtidas a partir de estudos de casos e estudos epidemiológicos

alteram as conclusões obtidas a partir das informações provenientes de estudos

experimentais em animais? Se sim, como? Se não, porque?

2) As informações obtidas a partir de estudos de casos e estudos epidemiológicos

fornecem evidencias suficientes para provar que o benzeno é realmente causador de

câncer em seres humanos? As informações disponíveis são limitadas ou

inadequadas?

VII.2.7 - Considerações sobre os Riscos de Câncer pôr Substâncias Tóxicas

Relembrando o item II.4.7 do capítulo II, de um modo geral, para ações

regulamentadoras, categorizaram-se diferentes classes de substâncias de acordo com a força

das evidências a partir de estudos em animais e em seres humanos encontradas em relação as

mesmas. Conforme pode se observar a seguir a categorização é a seguinte (Quadro II.16)

(EPA, 1996):

⇒ A - Carcinogênico humano comprovado: evidências suficientes em seres humanos.

⇒ B1 - Provável carcinogênico humano: dados em seres humanos limitados e dados

suficientes em animais.

⇒ B2 - Provável carcinogênico humano: dados de seres humanos inadequados e dados

em suficientes em animais.

⇒ C - Possível carcinogênico humano: dados em seres humanos inadequados e dados

limitados em animais.

⇒ D - Não classificado como carcinogênico em humanos: dados inadequados tanto

em seres humanos quanto em experimentos com animais.

⇒ E - Evidências positivas de que não é carcinogênico para humanos: evidências

negativas em animais e sem informação em seres humanos

Deve-se observar no Quadro II.16, que a categoria “sem informação” significa

apenas que não existe informação disponível que indique que a substância seja carcinogênica.

A categoria “negativa” significa, para seres humanos, que não se encontrou nenhuma

associação entre a exposição e um aumento do risco de canceres em estudos epidemiológicos

analíticos bem feitos e desenhados. Quando se revisa as informações obtidas a partir de

estudos em animais, “negativa” significa que não se encontrou um aumento na incidência de

neoplasias em pelo menos dois estudos em animais (com potências e doses adequadas e em

diferentes espécies) bem desenhados e bem feitos.

VII.2.8. Algumas Conclusões Possíveis Sobre a Carcinogenicidade do Benzeno

1) O benzeno é um carcinogêno humano (Grupo A), pois existem evidências

epidemiológicas suficientes para dar suporte a associação causal entre a exposição

ao benzeno e o câncer.

2) O benzeno é um provável carcinógeno humano (Grupo B2), pois existem

evidências de carcinogenicidade em animais, demonstrada pelo aumento da

incidência de tumores em vários órgãos em múltiplas espécies (ratos e

camundongos), em experimentos múltiplos que incluem diferentes vias de

administração (inalação e oral), e em níveis de doses diferentes. As evidências

sobre carcinogenicidade em estudos epidemiológicos são inadequadas.

3) O benzeno é um possível carcinogêno humano (Grupo C), pois as evidências

existentes acerca de carcinogenicidade em animais são limitadas.

4) O benzeno não pode ser classificado quanto a carcinogenicidade humana (Grupo

D), pois consideradas as condições extremas sobre as quais se produziram tumores

nos experimentos animais, não há razão para crer que o benzeno seja um possível

carcinógeno humano. As evidências sobre carcinogenicidade são inadequadas em

estudos epidemiológicos.

5) Outra alternativa (formule sua própria conclusão).

VII.3 - AVALIAÇÃO DA RELAÇÃO DOSE-RESPOSTA PARA O BENZENO

VII.3.1. Considerações Iniciais

Normalmente esta informação não seria revisada pôr aquele que está realizando a

avaliação de risco, uma vez que, geralmente, está disponível através de bases de dados já

revisadas. Entretanto, como discutido anteriormente, deve-se ter juízo crítico quanto a

qualidade das informações disponíveis. Concentrando-se em pontos chave que serão

apresentados a seguir, pode-se usar melhor as informações sobre a relação dose-resposta.

Inicialmente será descrito o método que a EPA utiliza para avaliar as relações dose-

resposta. Em seguida serão apresentados os métodos alternativos para que se conheça como

outros grupos científicos tratam este assunto.

• O que se pode dizer sobre os riscos para as margens de exposição humana? Ao menos

três propostas gerais para abordar esta pergunta tem sido feitas pôr especialistas.

Proposta 1: Baseando-se nas teorias gerais de como os carcinogênicos atuam para produzir

câncer (derivadas principalmente de estudos experimentais e dados

epidemiológicos), qualquer nível finito de exposição produzirá um risco finito. A

magnitude do risco diminuirá ao diminuir a magnitude da exposição (incluindo os

dados sobre animais).11

Se a relação quantitativa entre exposição e risco é conhecida para todas as

exposições, os riscos para roedores expostos à níveis muito baixos poderiam ser

previstos a partir dos dados resultantes das medições de exposição-risco medidos.

Os riscos para seres humanos poderiam ser previstos a estes níveis muito baixos,

se fosse conhecida a relação entre a susceptibilidade humana e a susceptibilidade

dos roedores. Mesmo que não se possa conhecer estas relações com exatidão,

pode ser previsto um limite superior de risco para seres humanos com exatidão

suficiente para usá-lo como guia para tomar decisões sobre risco. O risco humano

real, provavelmente, não excederá o limite superior, podendo ser menor. Este é o

método geralmente adotado pela EPA para avaliar o risco associado com a

exposição a baixos níveis de carcinogênicos.

Proposta 2: As relações quantitativas entre os riscos pôr alta e pôr baixa exposição em

roedores e as relações quantitativas entre riscos em roedores e em seres humanos,

não são suficientemente conhecidas para que possam ser utilizadas na avaliação

do risco. Além do que, não existe uma teoria confiável a partir da qual se pode

concluir, com segurança, que a exposição humana a baixo nível (pôr exemplo,

abaixo da margem que produz riscos detectáveis) não representa risco. Como no

caso de outros efeitos tóxicos, a carcinogenicidade se iniciará em um indivíduo

quando um nível crítico de exposição (limiar) for ultrapassado. Em tais

circunstâncias, o único caminho razoável é informar a magnitude da margem de

exposição (MdE) na qual os seres humanos estão protegidos. A MdE é a

quantidade máxima de exposição que não produz uma resposta de tumor

mensurável em animais (NOAEL), dividida pela quantidade de exposição humana

real. A MdE dá informação adequada ao gerenciador de risco para decidir se as

exposições devem ser reduzidas ou eliminadas para proteger o ser humano. Uma

MdE relativamente grande é desejável, porque é provável que o limiar de toda a

população seja mais baixo do que o observado nos pequenos grupos de animais

usados em experimentação. Este enfoque geralmente se aplica quando se avalia o

risco da maioria dos efeitos que não são carcinogênicos

Proposta 3: Mesmo que exista uma teoria adequada e alguma evidência para concluir que os

seres humanos estão sob risco finito em todos os níveis de exposição finitos, o

conhecimento é insuficiente para permitir a estimativa de risco em termos

quantitativos. O avaliador deve simplesmente procurar fazer a descrição

qualitativa do risco, talvez ligando esta descrição com alguma informação sobre a

potência do composto e sobre a magnitude da exposição humana. Este tipo de

apresentação é adequada para o gerenciador de risco, que não deve preocupar-se

unicamente com a magnitude quantitativa do risco.

Cada uma destas perspectivas, bem como outras, possuem seus méritos. A primeira

proposta é usada pela maioria das agências federais de saúde pública e agências federais

normativas americanas, incluindo a EPA. Estas agências acentuam o fato de que os riscos

numéricos estimados não são conhecidos com precisão, mas pela natureza dos modelos que

são utilizados para calcula-los, constituem-se provavelmente nos limites superiores de risco

humano. Um limite superior é aquele que provavelmente apresenta um risco inferior ao risco

verdadeiro, possivelmente excedendo o mesmo (o qual pode ser zero).

Para este exercício, serão calculados os riscos em baixa exposição utilizando-se o

modelo que a EPA emprega atualmente. Um modelo é uma fórmula matemática que descreve

11Estas duas frases são expressões apropriadas ao conceito de “sem limiar”. Não significa que todas asexposições finitas causarão câncer, mas significa que todas as exposições finitas aumentarão a probabilidade(risco) de que o câncer ocorra.

as relações entre várias medidas e uma variável que se deseja estimar. São necessários dois

modelos para predizer os riscos sob baixa exposição.

• Modelo de extrapolação de alta para baixa exposição: é utilizado para estimar os

riscos em baixos níveis de exposição em roedores a partir dos dados resultantes de medições

em exposições à doses altas. Atualmente, a EPA usa um “modelo linear de etapas múltiplas”

para este propósito. Este modelo se baseia em teorias gerais (que não são específicas para

cada substância) sobre os processos biológicos fundamentais da carcinogênese de ampla

aceitação. Ao aplicar o modelo nos dados de exposição de roedores, este produz um cálculo

de risco para toda a vida, para cada unidade de exposição, na região de baixa exposição. Esta

é a unidade de risco de câncer ou o risco unitário de câncer. O modelo linear de etapas

múltiplas é utilizado para assegurar que o risco unitário de câncer seja um cálculo do limite

superior do risco.

• Modelo de extrapolação entre espécies: que é utilizado para extrapolar os riscos

unitários de roedores para os riscos unitários dos seres humanos. A EPA supõe que roedores e

seres humanos possuem o mesmo perigo a partir de uma mesma exposição, medida em

miligramas do carcinógeno pôr metro quadrado da superfície corporal pôr dia. Os modelos de

extrapolação entre espécies são freqüentemente chamados de “fatores de escala”, porque

permitem o ajuste de doses entre diferentes espécies. A seleção destes modelos pela EPA, se

baseia no entendimento que estes são os melhores para se calcular o limite superior de risco.

Existem modelos alternativos para ambas as formas de extrapolação, sendo igualmente

aceitáveis. Na maioria dos casos, o uso de modelos alternativos plausíveis produzirá cálculos

de risco mais baixos que aqueles estimados pelos modelos mencionados. Em geral, estas

diferenças são relativamente pequenas, quando considera-se que a baixas exposições as

relações são lineares. Quando usamos relações do tipo não linear as diferenças entre os

resultados dos diferentes modelos podem ser elevadas.

VII.3.2. Estimativas Quantitativas de Risco a partir da Exposição Via Oral ou Via

Inalação

O risco quantitativo estimado do benzeno é apresentado de três formas: primeiro, o

coeficiente de inclinação da reta, que exprime a relação entre dose-resposta, usando-se um

modelo de extrapolação de altas para baixas doses; o coeficiente de inclinação é apresentado

como o risco pôr mg/kg/dia; a segunda forma é a unidade de risco que é uma estimativa

quantitativa em termos, tanto de risco pôr µg/L de água bebida quanto de risco pôr µg/m3 de

ar respirado; a terceira forma na qual o risco é apresentado, são as concentrações no ar ou

água que apresenta riscos de câncer na proporção 1 : 10.000; 1 : 100.000 e 1:1.000.000.

VII.3.2.1. Coeficiente de Inclinação, a partir de Modelos de Extrapolação de Altas

para Baixas Doses

O coeficiente de inclinação foi derivado de dados provenientes de estudos em seres

humanos para exposições ao benzeno via inalação. Foi considerada uma taxa respiratória

humana igual a 20 m3/dia e o consumo de água como igual a 2 L/dia. As frações absorvidas

das doses administradas via inalação e através da água de beber foram consideradas como

sendo iguais (IRIS, 1994).

• Coeficiente de Inclinação: 2,9 x 10-2 pôr (mg/kg/dia)

obs1: isto significa, pôr exemplo, que uma população exposta pôr via inalatória a uma

dose de 1 mg de benzeno/kg de peso corpóreo/dia, durante toda a vida, apresenta uma

probabilidade de ocorrência de câncer de 3 em 100.

VII.3.2.2. Unidade de Risco do Benzeno, a partir de Modelos de Extrapolação de

Altas para Baixas Doses

A unidade de risco estimada é a média geométrica de quatro pontos de concentração

média (CM), estimados usando os dados agrupados dos estudos de Rinsky et al. (1981) e Ott

et al. (1978), sendo posteriormente ajustada para os resultados do estudo de Wong at al.

(1983).

A unidade de risco não deve ser utilizada se a concentração de benzeno na água

exceder 1 x 104 µg/L ou 100 µg/m3 no ar, uma vez que as extrapolações utilizadas para o

cálculo da unidade de risco podem não ser apropriadas para concentrações maiores que estas.

• Unidade de risco: 8,3 x 10-6 pôr (µg/m3)

obs2: assim estima-se que, se um indivíduo respira ar contendo benzeno a 0,1 µg/m3

pôr todo o seu período de vida, esta pessoa não deveria ter, em teoria, uma chance maior que

um em um milhão de desenvolver câncer como resultado desta exposição. De forma similar,

estima-se que respirar ar contendo 1,0 µg/m3 pode resultar no aumento da chance de

desenvolver câncer menor do que um em cem mil, e ar contendo 10,0 µg/m3, não deve

resultar em um aumento na chance de desenvolver câncer maior que 1 em 10.000 pessoas.

VII.3.2.3. Concentrações de Benzeno na Água e no Ar, que Causam Riscos de

Câncer nas Proporções - 1 : 10.000, 1 : 100.000 e 1:1.000.000

Uma outra forma de expressar a unidade de risco, talvez até mais clara, é através das

concentrações de benzeno no ar e na água capazes de induzir determinados níveis de risco

específicos (vide obs3).

Nível de Risco benzeno no ar (µg/m3) benzeno na água (µg/L)

1 : 10.000 10 100

1 : 100.000 1 10

1 : 1.000.000 0,1 1

obs3: deve-se notar que a unidade de risco está relacionada à concentrações ambientais

do poluente, enquanto o coeficiente de inclinação está relacionado a dose que um indivíduo

está exposto. Entretanto ambos os parâmetros consideram a exposição ao longo de toda a

vida, quando utilizados para avaliar riscos de câncer.

obs4: pôr fim cabe ressaltar que este risco calculado, refere-se ao risco adicional

(expresso em termos de probabilidade), que um determinado indivíduo ou população adquire,

devido a exposição a um poluente específico, não sendo considerado o risco que o indivíduo

ou a população em geral já possui, devido a outros fatores aos quais também está exposta.

VII.3.2.4. Discussão da Confiança

Os estudos de coorte agrupados foram suficientemente grandes e seguidos pôr um

período de tempo adequado. O aumento na incidência de leucemias foi estatisticamente

significativo e dose-relacionado em um dos estudos. Wong et al. (1983) discordam que as

exposições relatadas pôr Rinsky et al. (1981) estejam de acordo com os padrões

recomendados. Considerando as cinco mortes pôr leucemia em pessoas expostas a cinco ou

mais anos, o autor notou que os níveis médios de exposição (15-70 ppm) excediam o padrão

recomendado de 25 ppm em 75 % dos locais de trabalho amostrados. Um total de 21

estimativas de unidades de risco foram calculadas usando 6 modelos e várias combinações de

dados epidemiológicos. A faixa de variação foi de um pouco mais de uma ordem de

magnitude. A média geométrica destas estimativas é 2,7 x 10-2. Modelos de regressão geraram

estimativas similares a média geométrica.

O coeficiente de inclinação estimado acima, baseado na reconsideração dos dados de

Rinsky et al. (1981) e Ott et al. (1978), é muito próximo do citado pela EPA (1980) de 2,4 x

10-2, baseado nos dados de Infante et al. (1977 a e b), Ott et al. (1978) e Aksoy et al. (1974).

Na opinião dos autores de EPA (1985) a avaliação da exposição realizada pôr Aksoy et al.

(1974) foi muito imprecisa para sua utilização na avaliação de dose-resposta.

Estimativas de risco utilizando os dados baseados nos estudos com animais expostos

pôr entubação gástrica, geram riscos 5 vezes maiores que os obtidos através dos dados

provenientes de estudos com seres humanos. Dados farmacocinéticos que podem contribuir

para elucidar esta questão, estão sendo avaliados, podendo resultar na alteração da avaliação

de risco do benzeno.

VII.3.2.5. Avaliação da Relação Dose-Resposta para Substâncias Carcinogênicas

sem Extrapolação Formal

Outra abordagem já referida, baseia-se na premissa que os estudos de dose-resposta

possuem uma imprecisão que não permite uma extrapolação formal de seus resultados para o

cálculo do risco. Assim uma alternativa é relatar, a partir dos estudos existentes na literatura,

as doses nas quais não se observou o surgimento de câncer ou não se observou o surgimento

de câncer significativamente diferente do controle (o nível de dose que poderia ser o NOAEL,

caso este exista). Esta não é a abordagem que é utilizada pela EPA para substâncias

carcinogênicas. A EPA considera que para substâncias carcinogênicas não existe um nível

seguro de exposição e portanto o risco zero somente ocorre quando da exposição zero, não

havendo NOAEL (sem limiar).

VII.3.2.6. Considerações sobre a Avaliação de Dose-Resposta da

Carcinogenicidade do Benzeno

1) Ao fazer os cálculos do coeficiente de inclinação: deveriam se usados somente os

modelos atualmente preferidos pela EPA ou deveriam se apresentar também os

resultados de outros modelos?

2) Que informação da literatura deve ser usada para calcular o coeficiente de

inclinação?

3) Como pode-se descrever as incertezas associadas ao uso dos modelos?

4) São os NOAELs apresentados no Quadro VII.10 níveis reais de nenhum efeito ou

estes NOAELs podem ser resultados de imperfeições dos desenhos experimentais

utilizados? Como pode se descrever esta incerteza?

5) A EPA tem adotado a proposta 1, usando coeficiente de inclinação, para extrapolar

os efeitos em doses baixas a partir de doses altas de exposição e/ou extrapolando

resultados em animais para seres humanos. Como você poderia argumentar em

favor desta abordagem em detrimento das outras (proposta 2 e

VII.3.2.7. Algumas Conclusões Possíveis sobre a Avaliação de Dose-Resposta da

Carcinogenicidade do Benzeno

Qual das seguintes conclusões melhor caracteriza a informação que foi vista?

1) Os coeficientes de inclinação obtidos com os modelos alternativos são 10 a 100

vezes mais baixos que aqueles obtidos com o modelo atualmente utilizado pela

EPA.

2) Deve-se oferecer informações sobre todos os coeficientes de inclinação para todos

os modelos possíveis e todos os cálculos devem ser apresentados sem distorções.

3) Não é necessário calcular nem dar informações sobre o coeficiente de inclinação. A

margem de exposição (MdE) é a informação crítica utilizada para entender a

importância que a exposição a baixos níveis tem para a saúde pública. O cálculo da

MdE é feito com base nos valores de NOAEL para efeitos carcinogênicos.

4) Nem o coeficiente de inclinação nem o NOAEL são indicadores confiáveis do risco

humano; nenhum dos dois devem ser considerados para o cálculo de risco. As

relações de dose-resposta para o benzeno não são conhecidas em uma população

humana e, desta forma; o risco deve ser descrito somente em termos qualitativos.

5) Outra (formule sua própria conclusão).

VII.4 - AVALIAÇÃO DA EXPOSIÇÃO HUMANA AO BENZENO

VII.4.1. Alguns Princípios Utilizados para Avaliação da Exposição

1. O objetivo de avaliar a exposição dos trabalhadores ao benzeno é identificar a

magnitude, a freqüência e a duração da mesma, bem como as vias pelas quais se

encontram expostos. Outras informações úteis definidas nesta etapa dizem respeito

ao número de pessoas expostas bem como suas características (exemplos: sexo,

idade, peso, etc.).

2. O cálculo da exposição é feito através da determinação da quantidade do benzeno

nos meios ambientais adequados (no caso em questão, se considera prioritariamente

o benzeno ar) e conhecendo-se a taxa de consumo pelo homem pôr unidade de

tempo (m3 ou l/dia), sob diferentes condições de atividade.

3. Alguns indivíduos podem estar expostos através de diferentes meios contaminados,

neste caso deve-se considerar o consumo de todos os meios.

4. Considerando-se que a determinação dos níveis do contaminante no ambiente é

feita a partir de um número limitado de amostras do mesmo, temos sempre uma

incerteza associada à esta amostragem. Assim deve-se planejá-la cuidadosamente

de modo a obter amostras representativas do meio estudado.

5. As vezes as concentrações dos contaminantes no ar e na água são estimadas

utilizando modelos matemáticos. Mesmo quando estes modelos fornecem valores

prognósticos, nem sempre são considerados confiáveis.

6. Geralmente se utilizam valores médios padrões ou faixas de variadas substâncias

encontradas nos diferentes ambientes pelo homem. Entretanto, caso haja

informações mais adequadas e precisas sobre estes valores, estas devem ser

preferencialmente usadas.

Neste exercício de avaliação do risco de trabalhadores expostos ao benzeno, utilizou-

se os dados do estudo de Barbosa (1997) sobre os trabalhadores expostos ao benzeno no seu

processo de trabalho. Em seu estudo, Barbosa (1997) realizou, entre outras coisas, o

monitoramento ambiental de uma refinaria de petróleo situada no Estado do Rio de Janeiro,

no período de outubro de 1996 a janeiro de 1997.

O monitoramento ambiental da exposição ocupacional ao benzeno foi realizado

através da utilização de monitores passivos individuais para compostos orgânicos voláteis,

dispostos ao nível da zona respiratória dos trabalhadores amostrados, isto é, empregados

como dosímetros de lapela. Além desta amostragem individual dos trabalhadores, foi

realizada uma amostragem ambiental, nos prováveis pontos ou atividades específicas

responsáveis pôr emissões de benzeno (Barbosa, 1997).

Os monitores passivos para vapores orgânicos de todos os trabalhadores monitorados,

de todos os grupos, foram recolhidos ao final de cada turno de trabalho dos trabalhadores

amostrados e lacrados com uma tampa plástica de vedação e mantidos imediatamente sob

refrigeração (-4oC) até o momento da análise laboratorial. O período de armazenamento dos

monitores sob refrigeração variou de uma a nove semanas (Barbosa, 1997).

VII.4.2. Descrição da Área de Estudo e do Processo de Trabalho

A etapa de reconhecimento do processo de trabalho baseou-se na coleta de

informações através de visitas aos setores e entrevistas com os próprios trabalhadores. A

partir de “layouts” dos locais de trabalho, buscou-se uma descrição dos fluxos dos processos

produtivos, procedimentos operacionais, e equipamentos considerados como prováveis fontes

de emissão de benzeno (Barbosa, 1997).

Foram também consideradas as informações sobre ventilação, temperatura e umidade

relativa do ar, nos diferentes postos e ambientes de trabalho, caracterizando-se aqueles

abastecidos pôr sistemas de ar condicionado, como ambientes fechados, e aqueles sob

ventilação natural, como abertos (Barbosa, 1997).

Com base nestas informações, selecionou-se para o monitoramento trabalhadores da

Unidade de Reforma Catalítica (URC) e do Setor de Qualidade (QLD), devido a sua provável

exposição ao benzeno, durante a execução de determinadas atividades operacionais nos seus

respectivos postos de trabalho (Barbosa, 1997).

VII.4.2.1. Unidade de Reforma Catalítica

A Unidade de Reforma Catalítica tem como objetivo a produção de gasolina de alta

octanagem através da reforma da nafta pesada com a conversão dos hidrocarbonetos

parafínicos e naftênicos em aromáticos. Esta Unidade recebe como carga diária cerca de 1.900

m3 de nafta pesada, proveniente do processo de destilação atmosférica, para a produção final

do chamado “reformado aromático”, que chega a apresentar em sua composição final, em

termos proporcionais, cerca de 4% de benzeno (Barbosa, 1997)..

Os procedimentos operacionais desta Unidade são executados e desenvolvidos, pôr

seus trabalhadores, basicamente em dois principais ambientes de trabalho: Sala de Controle e

Planta de Processo. A Sala de Controle está localizada praticamente ao lado da Planta de

Processo, em uma construção de um pavimento de aproximadamente 150 m2, abastecida pôr

um sistema próprio de ar condicionado, onde estão localizados também o vestiário, o banheiro

e uma copa-cozinha para uso exclusivo dos seus operadores. Todo o processo operacional

automatizado da Unidade é acompanhado e controlado pelos operadores, através de leituras

periódicas dos painéis de controle localizados no interior desta sala (Barbosa, 1997)..

A Planta de Processo da Unidade é dividida em três seções:

⇒ Tratamento;

⇒ Reformação Catalítica;

⇒ Estabilização.

• Tratamento: Consiste no hidroacabamento da nafta pesada (carga) com hidrogênio

a fim de remover os compostos nitrogenados, oxigenados, sulfurados, halogenados

e os metais, que são prejudiciais ao catalisador da seção de Reforma. Esta remoção

é realizada em leito catalítico, envolvendo o cobalto e o molibidênio, como

catalizadores, a uma temperatura de 320oC e atmosfera rica em hidrogênio (25

Kgf/cm2). Os compostos são transformados, através de hidrogenação, em H2S, NH3

, H2O, e as olefinas são saturadas e os metais são adsorvidos no leito catalítico

(Barbosa, 1997).

• Reformação Catalítica: Consiste na transformação de hidrocarbonetos parafínicos

e naftênicos em aromáticos, através de leitos catalíticos a uma temperatura de

515oC e atmosfera rica em hidrogênio (35 Kgf/cm2). Estas reações produzem Gases

Liquefeitos do Petróleo (GLP) e Hidrogênio como sub-produtos desta unidade

(Barbosa, 1997).

• Estabilização: Consiste na remoção do GLP e do Gás Combustível, responsáveis

pôr aproximadamente 30% da carga, agregados ao reformado aromático como

resultado das reações catalíticas (Barbosa, 1997).

VII.4.2.2. Setor de Qualidade

O Setor de Qualidade da Refinaria é responsável pelo Controle de Qualidade de todos

os seus produtos, através do gerenciamento e execução de serviços técnicos de laboratório em

petróleo, derivados de petróleo, produtos intermediários de processo, produtos residuais, água,

catalisadores, produtos químicos e despejos industriais, voltados ao controle da qualidade da

produção, otimização dos processos e preservação do meio-ambiente. É responsável, também,

pela emissão e fornecimento de certificados de ensaios dos produtos destinados à

comercialização (Barbosa, 1997).

Dentre os produtos intermediários de processo, podemos destacar aqueles

provenientes da Unidade de Reforma Catalítica, como possíveis fontes de benzeno (Barbosa,

1997).

De acordo com o regime de trabalho e as características das operações e atividades

desenvolvidas pôr seus trabalhadores, este setor também pode ser dividido em dois ambientes

de trabalho: um de atividades de rotina e outro de atividades de turno. Considerou-se, para

fins do estudo, como atividades de rotina aquelas executadas pelos trabalhadores de regime de

trabalho em horário administrativo e como de turno, as desenvolvidas pelos trabalhadores de

turno propriamente ditos (Barbosa, 1997).

As atividades consideradas de Rotina são aquelas desenvolvidas na sala de controle de

qualidade laboratorial e nas três salas da área de química analítica: sala de controle ambiental,

sala de absorção atômica e potenciometria, e sala de cromatografia (Barbosa, 1997).

As atividades ou procedimentos operacionais desenvolvidos pelos trabalhadores de

turno são aqueles executados na área de controle de qualidade de produtos (CQP),

compreendida pelas demais salas do setor: sala de turno, sala do analista II, sala de fulgor,

sala de descarte de material do turno, sala de octanagem e salas de ensaios físicos (Barbosa,

1997).

As salas maiores e principais como as salas de turno, sala do analista II, sala de

química ambiental e cromatografia são abastecidas pôr sistemas de refrigeração a base de

aparelhos de ar condicionado próprios, com capacidade de renovação do ar insuficiente para

as dimensões destas salas. As dimensões destas salas variam de 60 a 180 m2 e apresentam um

pé direito de aproximadamente cinco metros. Deve-se ressaltar que a sala de turno é um dos

principais ambientes de trabalho dos trabalhadores deste setor, onde são realizados cerca de

80 % dos ensaios e testes dos produtos provenientes das diversas unidades de processo da

refinaria. Esta sala é a maior do setor, possuindo um sistema de ventilação e refrigeração de

ar, com troca restrita de ar com o meio externo (Barbosa, 1997).

VII.4.3. Caracterização dos Grupos Expostos

Foram monitorados 78 trabalhadores divididos em 4 grupos, considerados

homogêneos quanto as condições de exposição, de 2 setores da refinaria (Unidade de Reforma

Catalítica e Setor de Qualidade). De forma a caracterizar melhor o excesso de risco resultante

somente da exposição ao benzeno no processo de trabalho, considerou-se também um outro

grupo de 30 trabalhadores da mesma refinaria, não expostos ocupacionalmente, durante o

mesmo período (Administrativo) (Barbosa, 1997)..

Considerou-se a possibilidade dos trabalhadores amostrados estarem expostos a outras

fontes não ocupacionais do benzeno, como o cigarro (Barbosa, 1997)..

Os trabalhadores foram monitorados durante a execução de suas atividades e

procedimentos operacionais da rotina diária de trabalho, isto é, durante toda a jornada ou

turno de trabalho, que correspondeu a aproximadamente oito horas (Barbosa, 1997)..

A caracterização dos grupos de trabalhadores, baseou-se no regime e na duração da

jornada de trabalho, nos postos específicos de trabalho, na descrição das funções e atividades

desenvolvidas, e na freqüência e tempo dispensado para cada uma das atividades ou

procedimentos de trabalho, levando-se também em consideração a relação desses

trabalhadores com as diferentes fontes de exposição identificadas (Barbosa, 1997).

VII.4.3.1. Unidade de Reforma Catalítica

As atividades de trabalho da Unidade de Reforma Catalítica são desenvolvidas pôr

cinco turnos de trabalhadores, em três períodos do dia: das 8 às 16 h, das 16 às 0 h e das 0 às 8

horas. As principais atribuições dos trabalhadores desta Unidade, durante o turno de trabalho,

são divididas em função do cargo de cada um destes (Barbosa, 1997)..

No início de cada jornada, os trabalhadores deste setor dividem-se entre os dois grupos

homogêneos de exposição (sala de controle e planta de processo), de acordo com os diferentes

postos de trabalho, no dia da realização da amostragem (Barbosa, 1997).

Nesta Unidade, somente três operadores foram identificados comofumantes e constatou-se também, que a quantidade de cigarros fumadospôr cada trabalhador não chegavam a 5 cigarros pôr turno. Foi verificada aexistência, nesta Unidade, de um local específico para o ato de fumar,conhecido como “fumódromo”, localizado na área externa, isto é, fora dasala de controle, e não muito próximo da planta de processo (Barbosa,1997).

Foram avaliados 11 trabalhadores da planta de processo e 10 da salade controle, durante as 8 horas de trabalho. Foram considerados os temposde amostragem individualmente, para cada trabalhador, em minutos.Foram monitorados 3 grupos de turnos no período das 8 às 16 horas e mais2 grupos no período das 16 às 24 horas (Barbosa, 1997).

Quanto ao monitoramento ambiental do ar da Unidade de ReformaCatalítica foram monitoradas a sala de controle e os principaisprocedimentos e atividades específicas da planta de processo, considerando-se os períodos de cada amostragem e a temperatura e umidade do ar.Foram avaliados 6 pontos na planta de processo, sendo 2 na seção detratamento, 3 na seção de reforma e 1 na seção de estabilização (Barbosa,1997).

A escolha desses locais como pontos específicos para a avaliação de emissões do

benzeno, através do monitoramento ambiental, foi definida após a fase de reconhecimento dos

postos e processos de trabalho, a partir de dados obtidos dos próprios operadores de processo

desta Unidade, baseados no fluxograma de processo de cada seção (Barbosa, 1997).

VII.4.3.2. Setor de Qualidade

Os trabalhadores do setor de qualidade são divididos em um grupo de turno e outro de

rotina (horário administrativo). Em função da divisão pôr regime de trabalho, os trabalhadores

deste setor desenvolvem suas atividades nas três áreas distintas do setor: química analítica,

controle de qualidade de produtos e controle de qualidade laboratorial (Barbosa, 1997).

Os trabalhadores de turno executam suas atividades na área de controle de qualidade

de produtos, que corresponde ao principal ambiente de trabalho dos técnicos do QLD. Os

turnos também são realizados nos períodos de 8 às 16 h., de 16 às 0 h. e de 0 às 8 horas. Cada

turno é composto pôr aproximadamente onze trabalhadores (Barbosa, 1997).

Os trabalhadores de rotina, desenvolvem suas atividades nas áreas de química analítica

e controle de qualidade laboratorial, diariamente, no período das 8 às 16 horas (Barbosa,

1997).

Os trabalhadores do grupo de turno almoçam no próprio setor, em uma pequena copa,

enquanto os do grupo de rotina almoçam no refeitório central, e, com isso, ausentam-se pôr,

aproximadamente, uma hora dos seus postos de trabalho. Em relação ao fumo no ambiente de

trabalho, constatou-se que os trabalhadores fumantes, apenas dois do turno e um da rotina,

não podem fumar dentro das salas de laboratório do setor, e, para isso, eles se utilizam dos

corredores ao lado destas salas (Barbosa, 1997).

Foram monitorados 27 trabalhadores deste setor, 20 trabalhadores de turno,

correspondendo a dois turnos, e 7 trabalhadores do grupo de rotina (Barbosa, 1997).

Ainda no Setor de Qualidade, foram avaliados alguns postos de trabalho como a sala

de turno, a sala de fulgor, a sala de descarte de material do turno, a sala de cromatografia e a

sala de octanagem. Foram, também, monitorados alguns procedimentos de análise das

amostras provenientes da URC (Barbosa, 1997).

VII.4.3.3. Grupo não exposto ocupacionalmente

Foi considerado como grupo de trabalhadores não ocupacionalmente expostos, um

grupo composto pôr 20 trabalhadores do setor administrativo (ADM) e 10 trabalhadores do

setor de contabilidade (CONT), totalizando 30 trabalhadores (Barbosa, 1997).

Para a avaliação dos trabalhadores deste grupo também foram considerados alguns

critérios utilizados para a identificação e reconhecimento dos postos de trabalho e

caracterização dos grupos homogêneos de exposição. As principais características

consideradas foram aquelas relacionadas ao posto de trabalho, como a distribuição dos

trabalhadores pelo espaço físico e a quantificação dos cigarros fumados em cada um destes

postos, para controle do provável confundimento gerado pelo hábito de fumar (Barbosa,

1997).

O grupo de trabalhadores desses dois setores trabalham em regime de horário

administrativo, perfazendo uma jornada diária de 8 horas de trabalho, em salas abastecidas

pôr um sistema de ar condicionado central. Deste grupo 6 são fumantes, com diferentes níveis

de consumo de cigarros, havendo ainda locais onde não há fumantes (Barbosa, 1997).

Aproximadamente 70% desses trabalhadores almoçam no refeitório central da

refinaria, e, para isso permanecem pôr cerca de uma hora ausentes dos seus postos de trabalho

(Barbosa, 1997).

Os trabalhadores deste grupo também foram monitorados através da utilização dos

monitores passivos para vapores orgânicos, sendo que os 20 do setor administrativo utilizaram

monitores individuais de lapela, durante toda a jornada de trabalho; enquanto a monitorização

dos 10 trabalhadores do setor de contabilidade do setor foi realizada pôr somente dois dos

mesmos monitores passivos, dispostos em dois pontos fixos, no principal posto de trabalho

destes últimos trabalhadores (Barbosa, 1997).

VII.4.4. Dados Sobre os Níveis de Benzeno no Ambiente

O monitoramento do ambiente e postos de trabalho consistiu na determinação das

concentrações médias do benzeno ponderadas pelo tempo, experimentadas pôr cada um destes

trabalhadores, durante todo o período de suas jornadas de trabalho. Utilizou-se como método

de agregação dos dados a média geométrica, que de acordo com a literatura é o procedimento

matemático mais adequado para exprimir concentrações de poluentes atmosféricos dispersos

em um dado ambiente. Nestes casos, os dados podem variar bastante, possuindo até diferentes

ordens de grandeza (Barbosa, 1997).

No cálculo da unidade de exposição, além da média geométrica, se utilizou também o

limite superior de confiança dos dados. Isto porque na abordagem metodológica utilizada pela

EPA, a avaliação da exposição pode ser feita de duas maneiras: primeira através da exposição

média esperada na população estudada, calculada a partir da média ou mediana dos dados,

dita de tendência central; a segunda através das exposições mais elevadas esperadas em certos

indivíduos da população estudada, calculada a partir do limite superior de confiança dos

dados, dita de tendência de extremo superior. Deve-se ressaltar que este último tipo de

abordagem é bastante útil quando temos uma grande variação no grau de exposição entre

grupos de uma população devido a variação das concentrações ambientais do poluente ou

mesmo sub-grupos em uma população que pôr algum motivo são mais susceptíveis a

desenvolver um determinado efeito. Esta abordagem não é, entretanto, a análise do pior caso

possível, que seria a avaliação através das concentrações máximas observadas num dado

ambiente (Barbosa, 1997).

Através do monitoramento ambiental (Quadro VII.11), verificou-se que todos os

trabalhadores não expostos ocupacionalmente, da ADM e CONT, encontravam-se em

ambientes com concentrações de benzeno, inferiores a 0,01 ppm. Assim considerou-se,

conservadoramente, 0,01 ppm como a concentração ambiental do benzeno a qual este grupo

de trabalhadores está exposto. Já os 48 trabalhadores da URC e QLD, expostos

ocupacionalmente, estão submetidos a concentrações ambientais de benzeno em média de

0,07 ppm; portanto sete vezes maior que a média do grupo de trabalhadores não expostos

ocupacionalmente (Barbosa, 1997).

Considerando-se os valores obtidos, entre os trabalhadores dos dois setores onde

existe a exposição ocupacional ao benzeno - URC e QLD - observa-se uma significativa

diferença, em relação ao grau de exposição ao benzeno. Esta diferença significativa (Kruskal-

Wallis = 18,9 ; p < 0,0001) é evidente através da comparação das médias das concentrações

ambientais do benzeno neste dois setores (Quadro VII.12). Enquanto que os trabalhadores

do QLD estão expostos a concentrações em média de 0,15 ppm, os trabalhadores da URC

encontram-se expostos a concentrações em media de 0,02 ppm (Quadro VII.11) (Barbosa,

1997)

O Quadro VII.13 apresenta a distribuição dos resultados das concentrações do

benzeno, entre os trabalhadores desses dois Setores amostrados: URC e QLD. Cerca de 90%

dos trabalhadores da URC estão expostos a concentrações ambientais do benzeno inferiores a

0,1 ppm, contra aproximadamente 26% dos trabalhadores da QLD. Em relação as

concentrações ambientais de benzeno superiores a 0,5 ppm, nenhum dos trabalhadores da

URC estão sujeitos a tais níveis de exposição, enquanto 15% dos trabalhadores da QLD

encontram-se expostos a valores superiores a estes (Barbosa, 1997).

Com base nestes resultados, conclui-se que os trabalhadores do Setor de Qualidade

estão expostos, durante as suas jornadas de trabalho, a concentrações ambientais de benzeno

superiores às observadas entre os trabalhadores da Unidade de Reforma Catalítica (Barbosa,

1997).

Considerou-se também as diferenças de exposição dentro de cada um dos setores com

exposição ocupacional ao benzeno (URC e QLD). Os resultados obtidos através do

monitoramento ambiental dos quatro grupos de trabalhadores, já descritos, quanto à exposição

ocupacional ao benzeno, são apresentados no Quadro VII.14 (Barbosa, 1997).

• Unidade de Reforma Catalítica

A partir destes resultados do monitoramento ambiental do benzeno, pode-se observar

uma nítida diferença, em relação ao grau de exposição, dos trabalhadores da Planta de

Processo em relação aos trabalhadores de Sala de Controle, ambos os grupos da Unidade de

Reforma Catalítica (Barbosa, 1997).

A média das concentrações do benzeno entre os operadores de Planta (0,04 ppm) foi

quatro vezes maior que a média de exposição de 0,01 ppm, observada nos operadores de Sala

de Controle (p < 0,001). As concentrações do benzeno entre os operadores de Planta variaram

de 0,01 a 0,15 ppm, enquanto a variação encontrada entre os operadores de Sala de Controle

foi de 0,01 a 0,06 ppm (Barbosa, 1997).

Na Unidade de Reforma Catalítica, foram também avaliados alguns pontos do

fluxograma de processo, considerados como prováveis fontes de emissão e de exposição ao

benzeno, incluídos na rotina diária de trabalho dos operadores desta unidade. As atividades

operacionais, principalmente a de coleta de amostras de nafta, executadas nesses respectivos

pontos, foram acompanhadas e monitoradas, separadamente, durante a jornada de trabalho

dos operadores (Barbosa, 1997).

Os dois principais Postos de Trabalho desta unidade, Planta de Processo e Sala de

Controle, foram monitorados durante, aproximadamente, seis das oito horas de turno de

trabalho. Os resultados obtidos, através do monitoramento dessas atividades, são apresentados

no Quadro VII.15 (Barbosa, 1997).

Durante a amostragem ambiental de 360 minutos, realizada próxima a coleta de nafta

reformada (Planta de Processo), a concentração média do benzeno foi de 0,11 ppm, sendo dez

vezes maior do que a concentração média obtida, para o mesmo período de coleta (360

minutos), na Sala de Controle (0,01 ppm). Pode-se ainda notar que durante algumas

atividades do processo produtivo, realizadas na Planta de Processo, detectou-se, em pequenos

períodos de amostragem, altos níveis de benzeno no ar (0,89 - 1,36). Portanto, nestas

atividades os trabalhadores estão sujeitos a níveis de exposição mais altos (Barbosa, 1997).

• Setor de Qualidade

A partir dos dados do Quadro VII.14, pode-se observar que a média dos níveis de

benzeno aos quais os trabalhadores de turno do QLD estão expostos (0,24 ppm), é seis vezes

superior a média observada entre os técnicos da rotina (0,04 ppm). Assim pode-se concluir

que o nível de exposição ao benzeno é significativamente (p < 0,004) maior para os

trabalhadores de turno, que para os trabalhadores de rotina (Barbosa, 1997).

A avaliação de algumas atividades e postos da rotina diária de trabalho, dos

trabalhadores do Setor de Qualidade, considerados como prováveis fontes de emissão e de

exposição em relação ao benzeno, é apresentada no Quadro VII.16. Os ensaios e testes de

laboratório, especialmente aqueles realizados nas naftas tratada e reformada provenientes da

URC, foram acompanhados e monitorados durante a jornada de trabalho desses trabalhadores

(Barbosa, 1997).

Os resultados do monitoramento dessas atividades e postos de trabalho são

apresentados de acordo com as atividades específicas desenvolvidas nas principais salas do

setor: sala de turno, sala de octanagem e sala de fulgor, para as atividades do turno; e, sala de

cromatografia e sala de descarte para aquelas da rotina (Barbosa, 1997).

Na amostragem ambiental, de aproximadamente seis horas, realizada durante as

atividades e postos do Turno, a concentração média do benzeno foi de 0,22 ppm. Esta

concentração foi vinte vezes maior que a concentração média obtida entre os postos de

trabalho da Rotina, de 0,01 ppm. As concentrações variaram de 0,03 ppm a 1,08 ppm para o

Turno e foram inferiores a 0,01 ppm para todos os postos amostrados dos trabalhadores de

Rotina (Barbosa, 1997).

Para alguns testes e ensaios específicos desenvolvidos pelos técnicos de Turno, como:

destilação, pressão de vapor e dosagem de enxofre, de duração média aproximada de sessenta

minutos; a concentração média do benzeno foi de 0,40 ppm. Dentre eles, a destilação da nafta

reformada, proveniente da Unidade de Reforma Catalítica é a atividade na qual ocorre maior

emissão de vapores de benzeno. A concentração medida de benzeno durante este teste foi de

1,24 ppm (Barbosa, 1997).

Pôr fim, os dados deste estudo (Barbosa, 1997), não são conclusivos sobre os efeitos

da exposição concomitante ao benzeno através de atividades laborais e do hábito de fumar.

Isto é devido principalmente a dois fatores: primeiro ao pequeno número de fumantes nos

grupos de trabalhadores estudados expostos ocupacionalmente ao benzeno e segundo a

dificuldade na quantificação precisa da influência do benzeno proveniente apenas da fumaça

do cigarro (Barbosa, 1997).

VII.4.5. Quantificação da Exposição

As concentrações ambientais, resumidas nos Quadro VII.14, VII.15 e VII.16 são o

ponto de partida para calcular a exposição dos trabalhadores ao benzeno.

O meio no qual o poluente está presente determinará a possível via de exposição. No

caso o meio contaminado é o ar e via de exposição a sua inalação no ambiente de trabalho,

fechado e aberto (indoor e outdoor).

Para calcular a exposição através da concentração do poluente no meio contaminado, a

qual uma dada população está exposta, são estabelecidas algumas suposições e utilizam-se

informações sobre a freqüência e duração do contato com o meio contaminado e do grau de

absorção do poluente para cada via de exposição, no presente caso quando o benzeno inalado

é efetivamente absorvido nos pulmões.

No método de cálculo da dose de exposição utilizam-se certos valores padrão de

contato com meio contaminado de acordo com a via de exposição, no caso a inalação do ar

contaminado (ex. 23 m3 dia-1).

A seguir, apresentamos as suposições utilizadas para o cálculo da exposição dos 4

grupos de trabalhadores expostos ocupacionalmente ao benzeno, na refinaria avaliada, já

definidos anteriormente.

⇒ Suposições:

Peso médio dos trabalhadores: 70 kg

Tempo de vida: 70 anos

Período de exposição: 25 anos

Freqüência da exposição: 201 eventos pôr ano

Período de exposição em relação ao tempo de vida: 15 %

Duração do evento: 8 horas pôr evento

Cenários de exposição: inalação

Taxa de inalação: 23 m3. dia-1

Taxa de absorção pulmonar do poluente: 50 %

⇒ Cálculo

Unidade de Exposição = concentração do benzeno no ambiente em mg/m3 (ex. planta

de processo, sala de controle, etc.) * taxa de inalação em m3/dia * porcentagem do

período de exposição em relação ao tempo de vida * taxa de absorção do poluente /

peso do trabalhador em kg.

VII.4.6. Considerações sobre os Dados da Avaliação da exposição Humana

1. O estudo de Barbosa (1997) caracterizou, de forma adequada, a contaminação do

benzeno no ar na refinaria estudada? Caso sua resposta seja negativa, que tipo de

informações adicionais deveriam ser fornecidas e pôr quê?

2. O monitoramento realizado para a obtenção das concentrações de benzeno no ar, as

quais os trabalhadores estão expostos foi adequado? Caso sua resposta seja

negativa, como você realizaria este monitoramento?

3. O método de agregação utilizado é apropriado para a obtenção das concentrações

médias de benzeno no ar e para caracterizar a exposição humana.? Caso você não

concorde, qual método deveria ser utilizado?

4. É apropriado utilizar um resumo estatístico da concentração média encontrada nos

vários setores monitorados para caracterizar a exposição dos trabalhadores? Deve-

se usar, como alternativa conservadora, o limite superior de confiança dos dados

para a avaliação da exposição? Você concorda com o procedimento conservador

adotado no estudo de Barbosa (1997) de utilizar o limite de detecção (0,01 ppm)

para as amostras nas quais as concentrações do benzeno estavam abaixo deste

limite?

5. As suposições utilizadas para os cálculos de exposição, como a freqüência e

duração do evento, taxa respiratória e o fator de absorção são aceitáveis? Alguma

destas deveria ser substituída ou complementada com outras?

6. Deveriam ser consideradas outras vias de exposição ao benzeno?

7. A avaliação da exposição dos trabalhadores ocupacionalmente expostos ao benzeno,

deve ser realizada dentro do mesmo contexto que os trabalhadores não expostos?

VII.4.7. Algumas Conclusões Possíveis sobre a Exposição Humana ao Benzeno

1. O uso da estimativa de exposição não é adequado para a avaliação de riscos. As

informações atualmente disponíveis somente fornecem subsídios para descrever a

exposição em termos qualitativos. Desta forma, nenhuma avaliação quantitativa de

risco deve ser desenvolvida até que informações mais adequadas sejam fornecidas.

2. As estimativas de exposição ao benzeno presente no ar são dignas de confiança e

podem ser utilizadas para a avaliação de risco.

3. Todas as estimativas de exposição, baseadas em informações e suposições, são

adequadas e suficientes para a avaliação de risco. O gerenciador de risco deve estar

consciente das incertezas inerentes aos meios utilizados para a coleta dos níveis de

benzeno no ar, bem como ao método de agregação. Entretanto, deve desenvolver

uma avaliação quantitativa do risco.

4. Outra (formule sua própria conclusão).

VII.5 - CARACTERIZAÇÃO DO RISCO

VII.5.1.- Objetivo

Nesta última etapa da avaliação de risco as informações obtidas e analisadas, durante

as primeiras etapas, são integradas para caracterizar o excesso de risco para os seres humanos

expostos. De acordo com os métodos alternativos para descrever as relações de dose-resposta,

pelo menos quatro enfoques podem ser utilizados nesta etapa:

1. Fornecer um cálculo numérico do excesso de risco de câncer durante a vida para

cada grupo exposto, ao multiplicar o coeficiente de inclinação pelo número de

unidades de dose de exposição a que está submetido cada grupo:

Excesso de risco durante toda a vida = coeficiente de inclinação x unidades de

exposição.

Nesta equação o excesso de risco não tem unidade, sendo uma probabilidade.

2. Para o risco de efeitos carcionogênicos comparar a exposição real de cada grupo

com DRf (dose de referência).

3. Calcular a margem de exposição para cada grupo, dividindo o NOAEL (do estudo

crítico usado para calcular a DRf) pela exposição real de cada grupo.

4. Descrever qualitativamente os riscos para cada grupo da população.

A caracterização do risco, normalmente, inclui uma combinação destes quatro

enfoques junto com a descrição das qualidades de cada um deles. É também essencial que, ao

estimar a magnitude dos riscos sobre a saúde, se descrevam concomitantemente as incertezas

inerentes ao processo, contidas na amostragem ambiental, descrição da população,

extrapolações matemáticas, etc.

VII.5.2. Quantificação do Risco

O excesso de risco dos trabalhadores expostos ao benzeno é calculado através da

multiplicação da dose de exposição pelo coeficiente de inclinação estimado para o benzeno

(2,9 x 10-2)12, determinada através de estudos de dose-resposta pôr inalação, em humanos

(IRIS, 1995). No Quadro VII.18 estão descritos os excessos de risco individuais estimados

para os diferentes grupos de trabalhadores monitorados durante o estudo.

⇒ Cálculo

Excesso individual de risco = Dose de exposição x Coeficiente de inclinação da Relação

Dose-Resposta

12 Também chamado Fator de Potência Carcinogênica (FPC).

Neste caso, calculou-se o excesso de risco do benzeno, utilizando o coeficiente de

inclinação da relação dose-resposta em substituição a unidade de risco, mesmo sendo a

exposição dos trabalhadores pôr via inalatória, devido as seguintes razões:

- a taxa de absorção do benzeno inalado pelo homem é conhecida através da literatura.

- o peso médio da população exposta é conhecido.

Assim, a partir destas informações pode-se calcular a dose absorvida via inalação (mg/

kg pôr dia) e utilizar-se do coeficiente de inclinação da dose-resposta para o cálculo do

excesso do risco. Entretanto pode-se também utilizar, como já citado anteriormente, o produto

da unidade de risco pela concentração do benzeno no ar, para calcular o excesso individual de

risco de substâncias tóxicas pôr inalação. Realizamos ambas abordagens e os resultados

obtidos foram da mesma ordem de grandeza.

O excesso de risco individual calculado neste estudo, baseado nas concentrações

ambientais de benzeno medidas pôr Barbosa (1997), está de acordo com estimativas da EPA

(IRIS, 1995) para o risco ao benzeno. Segundo a relação dose-resposta utilizada pela EPA

para riscos de inalação do benzeno (unidade de risco 8,3 x 10-6), a chance de um indivíduo

desenvolver câncer durante sua vida, devido a inalação contínua de ar contendo 0,1 µg/m3 de

benzeno não se torna maior (risco em excesso) que um em um milhão (< 1:1.000.000). De

forma análoga, a exposição ao benzeno através da inalação de ar contendo 1,0 µg/m3 de

benzeno pôr toda a sua vida, resulta na probabilidade igual ou inferior a um em cem mil (<

1:100.000),de um indivíduo desenvolver câncer.

Pode-se observar que os valores obtidos com a estimativa do excesso de risco

individual estão acima do limite aceito pela EPA (1 x 10-6), como níveis razoáveis de risco e

chegam mesmo a ultrapassar o limite de 1 x 10-4, considerado como o risco máximo

admissível para substâncias cancerígenas.

VII.5.3. Pontos a Considerar

1. São os resultados do Quadro VII.18 uma caracterização adequada do risco do

benzeno na área estudada? O que mais se poderia adicionar?

2. É apropriado calcular o número de casos de câncer, multiplicando o risco

individual pelo tamanho da população? Qual risco é mais importante, o risco

individual ou o populacional?

VII.5.4. Algumas Possíveis Conclusões Sobre os Riscos do Benzeno

Qual das seguintes conclusões caracteriza melhor a informação descrita?

1. Os excessos de câncer nos trabalhadores expostos ao benzeno são aqueles que

estão apresentados adequadamente no Quadro A.V.1.?

2. Deve-se informar o excesso de risco de câncer mostrados no Quadro A.V.1., assim

como aqueles obtidos através de outras abordagens válidas. Este tipo de

apresentação fornece ao gerenciador uma perspectiva das incertezas nos riscos

calculados.

3. Os resultados apresentados no Quadro A.V.1. são suficientes para determinar o

excesso de risco de câncer de forma conservadora para todos os grupos expostos.

As incertezas são descritas de maneira correta nesta seção.

4. Outra? Alguma combinação das conclusões acima?

VII.5.5. Incertezas do Processo de Avaliação de Risco do Benzeno

Toda avaliação de risco possui uma série de incertezas que são intrínsecas ao processo.

Isto porque, este método nada mais é que uma avaliação probabilística dos riscos que um

determinado composto poluente acarreta em uma população de uma determinada área, a partir

de condições de exposição específicas. Esta análise probabilística baseia-se sobretudo em dois

grupos de informações:

1. caracterização do poluente, incluindo seu perigo para o homem, a relação entre sua

dose e o seus efeitos.

2. caracterização da população e das condições de como se dá a exposição.

Cada um destes itens pode se basear em dados primários, ou mais usualmente, em

dados secundários e ainda podem ocorrer situações onde se utiliza premissas de acordo com o

discernimento do avaliador - pode-se pôr exemplo adotar uma postura conservadora sempre

que houver uma ausência de dados primários ou secundários.

No primeiro caso, tem-se um maior controle sobre a qualidade dos dados e suas

limitações, pôr exemplo até onde podemos extrapolar os dados da amostra coletada para o

ambiente estudado. As imperfeições do seu levantamento de dados, que pode ser tanto no

monitoramento das concentrações ambientais do poluente avaliado como nos estudos

epidemiológicos da população exposta, são melhor conhecidas e mais facilmente consideradas

e descritas.

Já no segundo caso, é fundamental que se tenha juízo crítico quanto os dados obtidos

pôr outros pesquisadores. Avaliar criteriosamente se estes dados se aplicam a situação

estudada e se podem ser utilizados para a avaliação de risco. Muitas vezes é difícil saber até

que ponto pode-se extrapolá-los, existindo sempre uma área de incerteza que deve ser

descrita.

No último caso, deve-se sempre deixar bem claro no processo, em que se basearam as

suas premissas e justificar a abordagem utilizada. Se não existem dados, sobre um

determinado ponto que se utiliza para os cálculos de risco, e o avaliador se utiliza de seu juízo

crítico e experiência para atribuir-lhe um valor, isto deve ser explicitado na avaliação de risco

para que as pessoas que se utilizem de seu trabalho para tomada de decisões tenha isso bem

claro.

Pôr fim, podem existir casos onde as incertezas existentes na avaliação de risco, são de

tal magnitude, que justificam seu uso apenas qualitativamente ou mesmo para identificar,

através de comparação, grupos ou áreas que possuem maior risco dentro do cenário de

exposição avaliado.

Baseado no que foi descrito, consideramos pontos de maior fragilidade deste estudo,

as seguintes questões:

1. Utilizou-se neste trabalho apenas dados secundários, o que torna mais difícil avaliar

a qualidade dos resultados. No caso da avaliação da exposição, os dados ambientais

são provenientes apenas de uma indústria (Barbosa, 1997), o que não é o mais

adequado do ponto de vista da representatividade de amostras ambientais,

especialmente ao longo do tempo.

2. O monitoramento dos trabalhadores se restringiu a um período de apenas 2 meses,

que podem não ser representativos do ano todo. O tempo de amostragem ambiental

foi muito variado, desde 10 minutos a 360 minutos, onde se observou uma grande

faixa de variação das concentrações. Não se correlacionou o monitoramento

ambiental com o monitoramento feito na zona respiratória dos trabalhadores. A

exposição ao cigarro é desconsiderada devido ao menor grau de importância a ela

atribuído, porém sua quantificação precisa não foi feita.

3. Embora o estudo de Barbosa (1997) descreva o processo de trabalho de forma

detalhada, na caracterização dos grupos expostos, algumas informações necessárias

não são fornecidas, como: peso e tempo de vida médios dos trabalhadores expostos,

adotou-se valores médios de trabalhadores adultos; a freqüência da exposição dos

trabalhadores não é descrita, embora se saiba que esta é distinta para trabalhadores

de horário de turno e horário administrativo adotou-se um valor único, médio para

ambos os grupos, obtido a partir de comunicação pessoal com trabalhadores do

setor; as taxas de inalação específica dos diferentes grupos de trabalhadores

expostos não foi determinada, utilizou-se apenas um único valor padrão para todos

os grupos - com base na literatura internacional.

4. A metodologia da EPA, aplicada neste estudo, segue um encaminhamento lógico

específico. Se utilizássemos outras abordagens, poderíamos obter diferentes

resultados; o ideal seria utilizar diferentes abordagens e comparar os resultados

obtidos.

VII.6. - O PROCESSO DE GERENCIAMENTO E VIGILÂNCIA DOS RISCOS DO

BENZENO NO BRASIL

VII.6.1. Contextualização Histórica

O controle sanitário do benzeno no Brasil se inicia em 1983 na Baixada Santista, São

Paulo, com a identificação de casos de leucopenia, relacionados ao trabalho em siderurgia,

mais especificamente, ao trabalho no setor de coqueria. Trata-se de um setor de produção de

gás de coque, rico em benzeno, tolueno e xileno, que podem ser lavados em um sistema

industrial, entretanto, dependendo de sua eficiência, pode haver contaminação ao longo de

sistemas pôr onde passa, ou onde é utilizado o gás.

Esse primeiro momento de identificação do problema, se caracteriza pôr uma fase de

vigilância popular, em que o Sindicato de Metalúrgicos de Santos, age como elemento

aglutinador das informações. Com a articulação do sindicato com os serviços de saúde

pública do estado, é desenvolvida uma das primeiras experiências de programa de saúde do

trabalhador no interior do sistema de saúde. Essa participação transforma o processo de

vigilância, ao incorporar a notificação compulsória de casos de benzenismo na região, e ao

organizar com a FUNDACENTRO investigações e debates da situação com a empresa, em

uma fase do gerenciamento de riscos, que pode-se chamar de vigilância epidemiológica, em

que há uma intervenção focalizada nos efeitos. Como fruto positivo desse momento, há a

normatização dos critérios de diagnóstico e suspeição de benzenismo pelo escritório regional

da Previdência Social e o afastamento da exposição a agentes mielotóxicos de cerca de 2.000

leucopênicos - trabalhadores que apresentaram de modo persistente uma leucometria de até

5.000 leucócitos.

Paralelamente há uma amplificação da discussão no âmbito do movimento sindical e

das instituições públicas relacionadas à previdência social, ao trabalho e a saúde nas regiões

das grandes usinas siderúrgicas, em Volta Redonda no Rio de Janeiro, Vale do Aço em Minas

Gerais e em Vitória no Espirito Santo. Na seqüência desse processo começa a haver a

identificação de casos de benzenismo também em outros ramos de atividades, principalmente

na indústria química, petroquímica e petroleira.

A generalização das atividades envolvidas fazem com que a vigilânciase concentre no gerenciamento do risco da exposição ao benzeno,caracterizando uma ação preventiva focalizando a contaminação no localde origem, que é o método mais prático e eficaz de redução do risco.

Outra vez, acontece um salto qualitativo configurando um nível decomplexidade compatível com a vigilância em saúde do trabalhador,integrando informação e intervenção, configurando um modelo matricialque se fundamenta na inter-relação entre a exposição e o efeitocontextualizado em uma atividade e em um território, vértices da matrizrepresentada na Figura VII.6.1 (Machado, 1996).

Figura 1. Matriz de Gerenciamento de Risco em Saúde doTrabalhador

Em termos técnicos, no processo de avaliação do risco, é evidenciada a diversidade

intrínseca às atividades. As situações específicas estabelecem-se pelas características

tecnológicas e pelas formas de organização do trabalho, que geram exposições múltiplas e de

intensidade variáveis e que empregam contingentes distintos de trabalhadores, estabelecendo

resistência biológica e quantidade de exposição distintas durante um dado período de tempo.

Uma atividade pode estar associada a vários tipos de danos, quanto maior a gama de

atividades causadoras de um tipo de agravo, maior a tendência de aumento de sua incidência e

da necessidade de disseminação de estratégias múltiplas de controle de exposição.

Nos casos de um tipo de agravo resultante de várias atividades e de atividade

causadora de danos múltiplos é patente a necessidade da territorialização dos eventos, pois a

delimitação espacial racionaliza a operação de vigilância, delimitando territorialmente sua

intervenção nos efeitos ou nas situações de risco (Machado,1996).

Então, tanto quanto um agravo pode ser causado pôr várias atividades, uma atividade

pode causar vários tipos de agravos. Essa multiplicidade é mediada pela exposição, dado que

várias atividades podem ter o mesmo tipo de exposição e uma atividade pode conter vários

tipos de exposição, o território se constituindo no espaço de intervenção e configurando um

quadrilátero de atuação, com dois pólos de intervenção, risco(exposição) e agravo(efeito), e

dois pólos de delimitação, atividade(contexto) e território(organização).

As ações de intervenção se deslocam do viés estritamente sanitário epidemiológico

para um campo do controle da exposição, que esteve permanentemente posto enquanto

pressuposto teórico, porém pela sua natureza diferenciada só entra em cena quando há um

amadurecimento do processo pela sua generalização e pela ação interdisciplinar com ênfase

crescente na discussão de alternativas tecnológicas e a consolidação de um processo negocial

tripartite, que se corporifica no Acordo Nacional do Benzeno assinado em março de 1996 e no

seu posterior acompanhamento pela Comissão Nacional Permanente de Acompanhamento do

Acordo do Benzeno CNP-Benzeno.

VII.6.2. As Bases do Gerenciamento de Riscos - Contexto Setorial/Atividade Territorial

As reflexões e propostas aqui apresentadas estão em debate principalmente pela

bancada governamental do CNP-Benzeno.

A matriz de vigilância construída a partir desse processo pode ser representada pela

Figura VII.6.1, substituindo os pontos dos vértices pôr, benzeno no lugar de risco,

benzenismo no lugar de agravo, regiões onde se concentram as atividades de risco no lugar de

território e coqueria, transporte, carga e descarga de benzeno, operadores de processos

químicos, petroquímicos e petroleiros que envolvem a exposição ao benzeno no lugar das

atividades, configurando o início do processo de gerenciamento de risco em relação ao

benzeno no país.

Em termos de concentração territorial do risco podem ser selecionados os estados em

que se concentram as atividades siderúrgicas, químicas, petroquímicas e petroleiras, Rio

Grande do Sul, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Minas Gerais e Espirito Santo, pois

segundo Freitas e Arcuri (1996).

“ No Brasil, a produção industrial do benzeno passa a ser significativa a partir do final

da década de 50 e início dos anos 60, com o aumento da produção comercial de petróleo e a

instalação do parque siderúrgico nacional, com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), no

Rio de Janeiro, e a Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA), em São Paulo. Há um

incremento na capacidade produtiva nacional a partir dos anos 70, quando são instalados os

Pólos Petroquímicos de Capuava-Mauá /SP, Camaçari/BA e Triunfo/RS, até atingir o volume

aproximado de 600.000 toneladas em 1987, que aparentemente se mantém estabilizado

(ABIQUIM, 1992). De país importador de benzeno, o Brasil passou a ser exportador a partir

de 1981, segundo Novaes (1992).

As principais fontes de produção de benzeno no Brasil, atualmente, são as centrais de

matérias-primas dos pólos petroquímicos citados e a Refinaria Presidente Bernardes da

Petrobrás em Cubatão, o que corresponde a cerca de 95% da produção nacional. O restante

5% da produção nacional, provém das plantas siderúrgicas existentes, ou seja, COSIPA, CSN,

USIMINAS (Ipatinga/MG), AÇOMINAS (Ouro Branco/MG) onde é produzido a partir das

coquerias e plantas carboquímicas. Na Companhia Siderúrgica Tubarão (CST), de Vitoria/ES,

também é produzido benzeno, porém nessa siderúrgica ele é todo utilizado como combustível,

sem ser separado do gás de coqueria.” Sendo portanto, essas regiões em que se concentram a

exposição industrial ao benzeno.

De acordo com dados de 1993, da FUNDACENTRO (1995), nas indústrias que

empregam benzeno no país existiam cerca de 58.447 trabalhadores diretos e 116.635

trabalhadores de empreiteiras, sendo 35.634 diretamente expostos em seu processo de

trabalho. Não há estimativa de populações vizinhas às indústrias diretamente expostas,

devendo, pelos menos em casos onde existam disponibilidade de dados, ser estabelecido o

potencial de riscos para as mesmas.

Utilizando-se o índice de masculinidade da mortalidade pôr leucemia como indicador

de efeito da exposição ao benzeno nas regiões de maior exposição industrial ao benzeno,

tendo em vista a predominância do sexo masculino nas atividades de risco de exposição ao

benzeno, parte-se do pressuposto que, um índice acima de 1, pode corresponder ao excesso de

mortalidade relacionado a exposição ocupacional, na qual o benzeno seria o principal agente

mielotóxico. Conforme dados da Tabela VII.6.1, observa-se índices significativamente

maiores nas áreas que concentram as indústrias siderúrgica e petroquímica 2.50, siderúrgicas

2.00 e petroquímica 1.28, quando comparamos os dados de regiões com alta densidade

populacional.

Esses dados afirmam a necessidade de aprofundamento das informações, tendo em

vista as incertezas decorrente da situação apresentada, que coloca como risco potencial

relacionado ao benzeno de um aumento de 150% a 28% dos casos de leucemia nas áreas de

concentração industrial em que o benzeno está presente, evidenciando a premissa de

prioridade de saúde pública devido a gravidade do impacto da exposição ocupacional ao

benzeno, nesse sentido, justificando o seu destaque dos vários objetivos institucionais.

Os procedimentos de avaliação do risco, os requisitos legais, os impactos econômicos

e os fatores sociais envolvidos são alguns dos elementos envolvidos para as decisões acerca

das estratégias para um gerenciamento eficaz do risco, estando presentes no caso do benzeno

e serão objeto de discussão a seguir.

TABELA VII.6.1, - TAXA DE MASCULINIDADE POR LEUCEMIACONSIDERANDO OS CASOS DE 1980 A 1995, NA FAIXA ETÁRIA DE 35 A 64

ANOS, EM REGIÕES DE ALTA EXPOSIÇÃO AO BENZENO E DAS CAPITAISDOS ESTADOS DE MG,BA,SP,RJ, REGIÕES ONDE SE CONCENTRAM OS

COMPLEXOS INDÚSTRIAIS MENCIONADOS.Base Territorial Índice de Masculinidade

Complexo Siderúrgico 2,00

Complexo Petroquímico 1,28

Complexo Siderúrgico e Petroquímico 2,50

Rio de Janeiro 1,06

Salvador 0,75

Belo Horizonte 0,92

São Paulo 1,04

Fonte: Machado & Moreno (1997)

Os dados de morbidade relacionada ao benzeno (Giraldo 1991; Costa,1996a) e do

índice de masculinidade, acima exposto, revelam o impacto social potencial dos casos com

alterações hematológicas afastados das atividades em situação de exposição a agentes

mielotóxicos, e colocam a siderurgia como setor prioritário nas ações de gerenciamento. o que

justifica o montante dos gastos em reformas das coquerias, visando a redução da exposição a

níveis preconizados pelos instrumentos legais de 2,5 ppm para esta atividade da siderurgia e

secundariamente os setores químico, petroquímico e petroleiro que tem como indicativo legal

de exposição de 1ppm, que ainda representa um nível de risco inaceitável pela Environmental

Protection Agency (EPA, 1991).

A falta de informação do setor sucro-alcoleiro e contraditoriamente a disposição em

realizar uma mudança tecnológica no sentido da eliminação do benzeno no processo de

produção do álcool a partir da cana de açúcar, coloca esse setor em foco secundário de

acompanhamento dessas alterações.

Em relação ao setor de transportes de cargas destaca-se a sua importância, do ponto de

vista de quantidade de empresas, entretanto, pela dificuldade de intervenção devido sua

dispersão e a relativa pouca exposição ocupacional no seu processo de trabalho, pode ser

secundarizado e atingido pela ação de gerenciamento no interior das empresas produtoras e

consumidoras do benzeno.

Portanto, até aqui foram traçadas duas diretrizes do gerenciamento do risco de

exposição ao benzeno, delimitando os objetivos da intervenção regionalmente e setorialmente.

Quando o foco das ações se direcionam aos efeitos, ou seja, no nosso caso, a

morbimortalidade relacionada ao benzeno, como apresentado anteriormente, na discussão da

matriz de gerenciamento de risco em saúde do trabalhador, um tipo de exposição tem um

potencial de efeitos múltiplos e relacionados diretamente com a natureza do risco e com a sua

contextualização em relação a atividade em que está presente.

Os efeitos relacionados ao benzeno e a caracterização do risco foram abordados em

outros capítulos anteriores, entretanto, deve ser destacado que a escolha do efeito e seu

indicador também consiste em uma decisão de gerenciamento de risco. No nosso exemplo, a

citopenia, anemia, leucopenia e outras alterações hematológicas, a anemia aplástica, leucemia

mielóide aguda e crônica, leucemia linfocitária, mieloma múltiplo, linfoma não Hodgkin’s,

alterações alérgicas e imunológicas, efeitos neuropsicológicos e associação com casos de

surdez em efeito sinérgico com o ruído, fazem parte de uma síndrome de benzenismo, em que

existem situações mais claramente associadas e outras em que permanecem as suspeitas,

porém não podemos descartar as possibilidades de relação entre a exposição e o efeito mesmo

quando não está devidamente comprovado epidemiologicamente (Checkoway, 1993),

principalmente do ponto de vista preventivo.

A metodologia aqui empregada concentra-se no risco de carcinogênese, o que

corresponde ao risco associado às leucemias e linfomas, que consiste em um indicador

relevante pela sua gravidade.

VII.6.3. Indicativos do Método de Gerenciamento de Risco

O princípio básico do gerenciamento do risco é de ser um processo desenhado para

poder identificar e confrontar os riscos considerados piores, porém ao mesmo tempo, mais

controláveis.

O benzeno como observamos na identificação do perigo, pode ser considerado um

risco de grande importância, pelo seu potencial impacto sanitário pôr ser uma substância

tóxica carcinogênica e genotóxica, evidenciado primeiro no homem e posteriormente

comprovado experimentalmente (Barale, 1995). A confluência de seu alto grau de toxicidade

e de difusão coloca o controle da exposição e efeito do benzeno como uma questão

incontestável para a saúde pública. Além da relevância epidemiológica, o combate ao benzeno

no Brasil reveste-se de uma característica social, refletida nas lutas sindicais deflagradas pelos

sindicatos de trabalhadores siderúrgicos, petroleiros e petroquímicos, que, a partir do Instituto

Nacional de Saúde no Trabalho da Central Única dos Trabalhadores, lançaram a Campanha

Nacional de Caça ao Benzeno e organizaram em abril de 1991 o Seminário Nacional Sobre o

Benzeno (INST/CUT, 1991). Pode-se dizer que há pelo menos 14 anos trabalhadores e

técnicos de saúde e higiene industrial realizam ações de vigilância em saúde do trabalhador

relacionadas ao benzeno.

Pôr sua vez, também é passível de controle, selecionando um curso de ação

apropriado, tendo pôr base levar em consideração os seguintes critérios de avaliação de risco,

dos impactos econômicos e dos fatores sociais. A partir de estratégias de redução de

exposição conduzidas pela CNP-Benzeno, representando uma instância nacional de comando

e controle. Aplicando medidas de suporte aos trabalhadores com alterações de saúde

provenientes da exposição ocupacional ao benzeno, de correção, reduzindo a concentração do

benzeno em produtos acabados, estabelecendo Grupos de Representação dos Trabalhadores

do Benzeno (GTB-Benzeno) nas empresas responsáveis pelo acompanhamento das medidas

de controle nos locais de trabalho, homologando o Certificado de Utilização Controlada do

Benzeno (CUC-Benzeno) para as empresas que estejam adequadas aos parâmetros do Acordo

e cadastrando as empresas que produzem, utilizam e transportam o benzeno, identificando o

universo de exposição ocupacional, estabelecendo o Programa de Prevenção da Exposição

Ocupacional ao Benzeno (PPEOB), onde está definido o instrumental técnico principal de

prevenção (Costa,1996a). Estabelecendo a substituição do benzeno na produção de álcool

anidro e em outra situação em que se apresente tecnologia substitutiva.

Em termos técnicos, o acordo enquanto instância de comando e controle, apresenta

ainda a consolidação da discussão de que não há padrões seguros de exposição para o benzeno

e estabelece não mais limites de tolerância, e sim o conceito de Valor de Referência

Tecnológico, específico para os setores de maior risco e com impossibilidade atual de

substituição tecnológica. Ainda outro objetivo técnico é definir os Indicadores Biológicos de

Exposição a serem aplicados em substituição ao fenol urinário em níveis de exposição

ambiental entre 5 e 0.1 ppm de benzeno.

As ações preventivas desencadeadas nesse processo se concentraram no redesenho de

processos de produção, como no exemplo das siderúrgicas que estão introduzindo novas

formas de enfornamento do coque, colocando um material mais flexível nas portas das

coquerias e instalando sistemas de exaustão no topo das baterias de coque. E no exemplo das

empresas produtoras de álcool anidro que estão investindo na troca e uso de insumos de

menor toxicidade em relação ao benzeno.

Como vantagens das ações preventivas temos a redução da exposição de trabalhadores

e a redução no consumo de insumos perigosos.

As bases legais tem sido desenvolvidas no âmbito do Acordo Nacional do Benzeno e

acompanhadas pela CNP-Benzeno, se referem basicamente ao texto do acordo propriamente

dito que se refere as atribuições dos atores envolvidos (governo, trabalhadores e

empregadores) e coloca como necessidade técnica imediata, tendo em vista o referido acima,

a redefinição dos Indicadores Biológicos de Exposição através da criação de um grupo

temático específico para esse fim, em que a avaliação do ácido trans-trans-mucônico na urina

(Barbosa,1997), como um desses indicadores se inseriu, sendo os seus resultados

correlacionados positivamente com as avaliações ambientais apresentadas no Apêndice IV.

Coloca ainda os prazos de cumprimento do cadastro, enquadramento nos valores técnicos de

referência, da substituição do benzeno, as atribuições da CNP-Benzeno e estabelece

penalidades. Nesse mesmo processo de negociação foram publicadas as Instruções

Normativas, n°1 e n°2 de 20 de dezembro de 1995, que dispõem respectivamente, sobre a

avaliação das concentrações de benzeno em ambientes de trabalho e sobre a vigilância da

saúde dos trabalhadores na prevenção da exposição ocupacional ao benzeno.

Os temas mais polêmicos dentre os que estão sendo discutidos na CNP-Benzeno são

os direitos dos trabalhadores afastados do trabalho como casos de benzenismo e as formas de

acompanhamento regional do acordo nas quais a comissão não quer se envolver, mas,

localmente todos estão de fato envolvidos e mesmo há uma necessidade técnica de pelo

menos os órgãos do governo e trabalhadores de avaliar in loco o cumprimento dos ítens do

acordo que se realizam no âmbito das empresas, como a aplicação do PPEOB, a formação dos

GTB, as realizações das medidas propostas nas instruções normativas nº1 e nº2.

Entretanto, a experiência e a perspectiva de aprofundamento técnico, de difusão de

informações, de estabelecimento de parcerias entre o público e o privado e o cumprimento dos

textos legais é bastante positiva na avaliação desse processo costurado pelo acordo e

estruturado na CNP-Benzeno.

Com o objetivo de difundir informações e dinamizar a participação da bancada do

governo nas ações de acompanhamento do acordo referido acima, em abril de 1997 foi

organizada uma oficina de trabalho para discussão e avaliação das perspectivas de ação

governamental em relação ao acordo e com vistas a regionalização das ações de

acompanhamento nos estados que concentram as atividades de risco (São Paulo, Minas

Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Espírito Santo) em que foram apresentados as bases

necessárias para o acompanhamento técnico científico do acordo que sintetizam as estratégias

de gerenciamento de risco da exposição ao benzeno no Brasil. Estas bases são:

1. Revisão e validação dos Indicadores Biológicos de Exposição em níveis de

exposição que variam de 0,1 a 5 ppm, segundo documento do Grupo de Trabalho para

protocolos de estudos para implantação do indicador biológico de exposição, oficina e

seminário realizado em 1996.

2. Estudo de Caso Companhia Siderúrgica Paulista Cosipa, sob coordenação da

FUNDACENTRO e da Delegacia Regional do Trabalho DRT-SP, com o Sindicato de

Metalúrgicos da Baixada Santista e o Ministério Público, análise da série histórica dos

hemogramas dos leucopênicos da Cosipa, a qual apresentou uma incidência de 46,95% de

alterações hematológicas em 5 anos de acompanhamento de 328 trabalhadores, sendo 15,85

% persistentes, (alterações em três ou mais exames). Representa ainda, campo para avaliação

do monitoramento de indicadores de efeito precoces e de avaliações ambientais, relatório

apresentado na CNP-Benzeno (Costa,1996b).

3. Estimativa de risco, sob coordenação e execução do CESTEH/ENSP/FIOCRUZ, tendo

início com o projeto financiado pela OPAS que resulta neste trabalho e que tem como

objetivo realizar um exercício prático da metodologia de avaliação e gerenciamento de risco.

O estudo da exposição, ou um tipo de risco, como o benzeno, abre uma alternativa de

entendimento do processo de trabalho enquanto um determinante da situação de saúde, ou

seja, abordagens mais sofisticadas de quantificação da exposição tendem a esclarecer

situações de risco e suas variações

A avaliação do risco em refinaria apresentada no Apêndice Vestabelece um índice que varia de 1 x 10-3 a 5,22 x 10-5, entretanto, aoestabelecermos uma regulamentação que propõe valores de referência de2,5 ppm para siderurgia e 1 ppm para indústrias de processo (químicas,petroquímicas e petroleiras), temos um impacto potencial da mudança nasbases legais de redução de 630 casos (720-(30+60)), considerando que aantiga legislação estabelecia 8 ppm como limite de exposição e de 18 casos(48-30) na siderurgia, considerando 4 ppm como média observada pelasavaliações realizadas pela CSN em 1990 e a existência de 6 miltrabalhadores expostos diretamente na siderurgia e de 60 mil nas indústriasde processo.

A Tabela VII.6.2 apresenta os riscos para cada concentraçãoatmosférica e individual segundo os mesmos padrões de exposiçãoapresentados no item VII.5 .

TABELA A.VI.2 - CONCENTRAÇÃO INDIVIDUAL DE EXPOSIÇÃO ERISCO DE CANCER OCUPACIONAL SEGUNDO ÍNDICES DE

EXPOSIÇÃO ATMOSFÉRICA AO BENZENO (PPM).

EXPOSIÇÃOATMOSFÉRICA em ppm

8 4 2,5 1

CONC.INDIVIDUAL em mg/m3

25,60 10,07 8,00 0,25

CASOS DECANCER

720* 48** 30** 60***

RISCO 2X10-2 8X10-3 5X10-3 2X10-3

obs: 8ppm representa o índice permitido na legislação anterior ao acordo; 4 ppm representa a

média observada na Companhia Siderúrgica Nacional em 1990, e 2,5 e 1 ppm são os novos

índices propostos como VTR para siderurgia e indústrias de processo respectivamente.

* Considerando 36000 trabalhadores diretamente expostos

** Considerando 6000 trabalhadores siderúrgicos expostos diretamente

*** Considerando 30000 trabalhadores da indústria química, petroquímica e petroleira

VII.6.4. Monitoramento de Morbi-mortalidade

O Ministério da Saúde e o CESTEH/ENSP/FIOCRUZ, com apoio dos programas

estaduais e municipais de saúde do trabalhador, tem como tarefa estabelecer o inicio de um

processo de vigilância ao benzenismo através de um projeto de monitoramento da morbi-

mortalidade pôr benzeno em sete estados brasileiros com alta exposição. Os objetivos são:

• implantar o monitoramento da morbimortalidade dos trabalhadores expostos ao benzeno;

• estabelecer a incidência de benzenismo e de casos suspeitos na população

ocupacionalmente exposta.

As etapas são:

• realizar levantamento junto as empresas do cadastro de trabalhadores das empresas

siderúrgicas, petroquímicas, petroleiras, químicas que estão ou estiveram expostos ao

benzeno;

• estabelecer fluxo de informações entre as empresas e os departamentos de dados vitais do

SUS;

• tornar factível a verificação anual junto ao sistema de mortalidade a possível morte e a

causa mortis dos trabalhadores cadastrados.

A área de abrangência e a seguinte: Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro,

Minas Gerais, Espirito Santo e Bahia.

Esses estados foram escolhidos, como vimos anteriormente, pôr reunirem a maior parte das

indústrias siderúrgicas, petroleiras, petroquímicas e químicas, que produzem e utilizam o

benzeno no Brasil.

Os procedimentos são:

• constituição da equipe;

• treinamento da equipe;

• visitas as empresas principais (mais de 100 trabalhadores expostos)

• correspondência para todas empresas cadastradas junto a SSST/MTb da região;

• levantamento inicial de casos de morbidade e de suspeição;

• instituição da vigilância da mortalidade associada ao benzeno;

• consolidação de informe anual.

VII.6.5 Considerações Finais Sobre o Gerenciamento de Riscos do Benzeno

A Universidade de São Paulo, a FUNDACENTRO e o CESTEH/ENSP/FIOCRUZ

coordenarão a realização de estudos exploratórios e indicarão procedimentos de vigilância à

saúde estabelecendo critérios de uso e valor prognóstico desses indicadores. Para isto será

realizado:

• acompanhamento da diminuição do benzeno nos produtos acabados;

• mapeamento do benzeno, tornando o cadastramento das empresas instrumento de

vigilância

• avaliação das alternativas tecnológicas de substituição do benzeno no setor

alcoleiro e açucareiro.

• treinamento dos GTBs

• avaliação das alternativas tecnológicas para diminuição da exposição ao benzeno

nos setores químico, petroleiro, petroquímico e siderúrgico.

Como estratégia complementar está sendo previsto a criação de um sistema de

informações, no sentido de estabelecer o manejo e a difusão das informações oriundas dessas

avaliações técnicas.

Em termos de relevância e contextualização dos critérios de gerenciamento adotados,

destacamos que o universo dos locais de trabalho, inicialmente acompanhados, compreende as

indústrias dos setores siderúrgico, petroquímico e de refino de petróleo, configurando um

grupo de empresas com diferentes níveis de exposição ambiental ao benzeno, variando de

2.120 à 0,1 ppm (FUNDACENTRO, 1995), conforme informações iniciais das próprias

empresas. Isto coloca os diferentes grupos homogêneos em contato com valores de exposição

considerados críticos pôr um determinado grupo e seguros para outros, notoriamente a

contradição dos valores de referência de exposição da OSHA e da CGIH (Klaassen, 1996).

Sendo que os níveis de risco relacionados aos níveis de exposição previstos nos Valores de

Referência Tecnológicos, são considerados inaceitáveis pela EPA que prevê um limite de

aceitabilidade de 1 x 10-6 (EPA,1991; Konz et al, 1989) mesmo os níveis verificados no

apêndice V na refinaria (Barbosa,1997), o que coloca um longo caminho a ser percorrido.

Das opções de controle para o gerenciamento de riscos, os requisitos legais, as

medidas científicas ou técnicas, o manejo e difusão de informações, a cooperação entre

agencias governamentais e entre países, a relação público e privado e programas voluntários

de eliminação de riscos estão dispostos a partir do acordo nacional do benzeno que é

acompanhado pela CNP-Benzeno, estabelecendo todas as formas preconizadas no método

geral apresentado no escopo desse trabalho, apenas não há o incentivo econômico direto

visando a eliminação ou controle do benzeno.

Inclusive o gerenciamento do risco de exposição ao benzeno se enquadra nos seguintes

exemplos objetivos de medidas preventivas no método da OPS, evidenciando mais uma vez a

relevância do caso.

1. Redução de riscos para a saúde pública

2. Redução dos riscos ecológicos

3. Redução dos riscos para o bem estar geral

4. Fomentar a participação pública

5. Fomentar o uso de tecnologias disponíveis

6. Penalização econômica do causador da contaminação

7. Proteger os locais de trabalho

8. Maximizar o uso eficaz dos recursos

9. Maximizar o custo/benefício das ações

10. Maximizar o custo efetivo das ações

Essas ações estão na ordem do dia no gerenciamento coordenado pela CNP-Benzeno

no Brasil e significam um caso paradigmático de interação entre governo, empresas e

trabalhadores no sentido comum de redução e eliminação de risco no Brasil.