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DOS DIREITOS EGREJA E DO ESTADO DIOCESES E METROPOLES POR Eduardo Dally Alves de Celte allianee entre Ia religion et Ia li- bertb ne pouvait btre durrible qu'i unecon- dition ; c'est u1on reviendrait au chrislia- nisrne priruit$. Louie B~nnc. COIMBRA Imprensa da Universidade 1872

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DOS DIREITOS

E G R E J A E DO ESTADO

DIOCESES E METROPOLES POR

Eduardo Dally Alves de Sá

Celte allianee entre Ia religion et Ia li- bertb ne pouvait btre durrible qu'i unecon- dition ; c'est u1on reviendrait au chrislia- nisrne priruit$.

Louie B ~ n n c .

COIMBRA Imprensa da Universidade

1872

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La seule r6alitB d'ici-bas, je I'ai toujoors senti, c'eat I'amour, I'amour sou8 toule ses formes.

L ~ u r a ~ i n r .

In opere et sermone st omni patieotia honora patrem tuum, ut superveniat tibi beoedictio ab eo.. ..

Dedico este livro a meus paes. Pronunciar este nome é dizer o motivo d'esta consagração.

Coimbra, 30 de Abril de 1872.

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DISSERTAC~O INAUGURAL PARA O

ACTO DE CONCLUSOES MAGNAS DE

Eduardo Dally Alves de Sá

NA

IB"HGUllLID4IC>B DE lr!mlEITT@ DA

UNIVERSIDADE DE COIMBRA EM 1872

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PRELIMINAR

I Porque 830 mui importantes, ayezar de pouco estudadas, as queslõas de direito oçclesiastico portuguez. I 1 O que e o direito privado de uma egreja. 111 Objecto d'este trabalho -plano do livro.

Cuida-se hoje que estudar as questóes de direito ecclesiastico vale o mesmo que despojar-se da toga de tribuno; pensa-se que agitar a poeira das decretaes e dos canones dos concilias importa afundar-se nas doutrinas mais rancorosas e antipathicas do ultra- montanismo.

k mais um erro quc obscurece estes tempos. Para mim nâo são sobremodo dilectos os trabalhos de puro dÈ

reito canonico; não que essas questões deixem de ter attractivos: mui em contrario, sobra-lhes a gravidade, a difficuldade e o gran- dioso ate; mas, porque não comprehendo como, vivendo-se em paizes livres e nestes tempos em que tão graves problemas esma- gam o mundo, o ameaçam com as suas trevas, e pedem o con- curso de todas as intelligencias, nos deixemos ficar, descuidosos ou indifferentes, estudando a organisação, intima, interna, domes- tica de uma sociedade ecclesiastica, que coexiste com outros gre- mios religiosos, que o estado garante em seu exercicio, a quem permitte uma vida real e legal, e para os quaes nem ao menos guardamos um olhar.

E comtudo 6 ainda mui largo o espaço que se abre deante de n6s e quc tcmos a explorar.

& todo o direito publico ecdesiastico nas suas relações com o direito publico temporal.

São as qucstões que tocam egualmente os confins das duas e+

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pheras, religiosa e civil, do estado e da egreja. I3 o grande pro- blema das relações do poder espiritual e temporal.

Este estudo 6 hoje mais preciso do que nunca. Se em tempos, que lá vão, foi mister ser canonista para oppor uma espada bem temperada por parte da corda ria lucta com a tiara; ho,je, que um divorcio do altar e do throno está tálvcz inimincnte; hoje, que a soberania, perdendo a origem immediatamcnte divina, brota in- gente das sociedades humanas e sc scciilarisa para deixar á egreja a forca que lhe é propria e quc a engrand(v-e; hoje, é necessario tnm- bem, mais do que entso por\cntiirn, sat~er aqriillo que é (!c c . , i t l , i

um para o dar a seu dono: -o que é de Crsar para o deixar sob o sceptro; o que 6 de Deus para, immaculado, o ir depor nas aras.

A falta d'este estudo é deploravel. As reformas s8o meticulosas e acanliadas. Os conflictos Ievan-

tam-se desastradamente, e muitas vczcs a naçãio soffre revezes e tem de humilhar-se, porque, riescia dc seus direitos, não póde altiva levantar n fronte e repellir a prrtensso injusta.

Não 6 menos triste ver o estado usurpar as attribuiçbes, desco- nhecer os direitos da egreja, e ter depois de se sustentar em falso terreno com sophismas e violencias ; elle, que dispõe da força ; elle, o depositario do direito c da justiça.

Ha, todavia, razões que t&m tornado escassos estes trabalhos nos ultimos tempos.

A aridez dos assumptos; sua difficuldade, que exige por veres irisanas e aturadas fadigas; os raros subsidios de que podcmos lan- çar mão para o estudo do direito portiigiiez, consistindo pela maior parte em documentos, sepultados, muitos rios archivos, ou- tros perdidos nas paginas de avolumadas obras; a lirigua em que são escriptos grande numero dos livros dos tractadistas c redigi- dos quasi todos os monumentos e leis; lirigua essa que hoje tem mui poucos amadorcs: - são tudo causas qur muitas vezes fazem aban- donar os in-folio e depor a penna.

Depois, n6s temos a infelicidade dr viver 'numa epocha, em que não s6 o latim 6 fossil para muitos, mas em que, tamhem, a industria apcrfeiçoadissima nos tem proporcionado cm todas as cousas taes commodidades, que a atmosphera empoeirada e o as- pecto decrepito de um archivo afastam para muito longe o maior *numero.

n8o s6 os tempos : são tambem os logares ; porque 'nesta

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pobre terra, onde ha tanta escrescencia disforme, nâo avigora o amor pelo saber, este amor desinteressado, que s6 pode servir h sciencia.

Eu bem sei que hoje as questões sociaes e politicas estão cha- mando a attenção de todos, e que não deve admirar esta emigra- ção das intelligcncias e das painas para outras paragens ; mas 6 que este mesmo estado da Europa traz novo interesse a estes ob- jectos.

Não vbmos surgir aqui, a dous passos de n6s, um partido novo na historia, ameaçador, cheio de trcvas nas siias aspirações - o neo-catholicismo ?

E que querem estes homens? querem que ahjuremos das ccm- quistas de tantos scculos de luctas c de sangue espargido ; querem que reneguemos esta crença tão sanctn da liberdade, c que o ca- tholicismo (como lhe chamam) lance por toda a superficie d'este tão formoso planeta que habitamos ngo sei que sudario de mortos, que nos vai roubar o espectaculo grandioso d'este cbu tão puro e tão azul da nossa infancia ; - querem que a theocracia torne a avassallar o mundo ; e isto, porque o mundo vacilla agora um in- stante (porque i! um instante a vida de algumas gerações), deslum- brado pela luz brilhante de uni fóco de liberdade, que a tyrannia guardava fechado em sua miio de ferro, hoje fundida pelo calor d'essa mesma chamma.

Nas alturas da sciencia não ha estes lodos revoltos, estas pai- xões turbulentas da vida: ha n serenidade para surgir a justiça, ha o silencio para ser fecunda a meditaçào.

Mas riem por isso fica extranhn a estas convulsões: pelo con- trario, prev&-as, estuda-as, prepara-lhes o remcdio.

Este estudo renasce agora, principalmente nos capitulos que indicámos.

Em sua estructura interna a egreja não tem que innovar ; cum- pre-lhe antes fazer o que os economistas pretendem na esphera economica : derrubar vicios, esmagar abusos, tipproximar-se, quanto possivel, de sua constituiçao primitiva, para poder acompanhar a civilisação no seu grande e cada vez mais apressado caminhar.

Estas as razões, por que preferimos para o presente trabalho este objecto.

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As leis de disciplina ecclesiastica catholica s8o de duas especies : geraes e especiaes.

A razão está em que esta egreja diz-se ecumenica - de todo o orbe habitado.

Os costumes são varios ; differentes as posições e circumstancias das christandades 'nesta ou 'naquclla parte do mundo, 'nesta ou 'naquella latitude.

Náo assim emquanto 6 f6, ao dogmii. Este é unico, o mesmo; este prende o grande corpo catholico. A dissidericia i1 seu respeito gera a excommunháo do seio da egreja.

O conflicto nos pontos da disciplina fundamental pode produzir os schismas.

D'esta diversidade apparece o que se chama egreja nacional, como a Africana, i1 Hispanica, a Romana, a Germanica, a Galli- cana, a Iasitana ou Portugueza.

Náo que sejam schismaticas; mas que tem úm direito proprio, propria disciplina que deroga as leis geraes da egreja.

Ha na historia da egreja catholica um periodo em que o di- reito papal se engrossa com as fontes, que por todos os lados as falsas decretaes recondiiziam das cgrcjas do muiido christão.

Este acontecimento, unico rias historias ~)rofarin e ccclcsiastica, não se completou sem graves rcluctancias e resistencias.

As egrejas queriam conserv~lr o que os seus synodos tinham le- gislado para sua vida propria ; e em muitos logarcs, a despeito da nova legislação, permaneceram os tisos locaes e as determinações já da antiga disciplina, jh dos canones dos concilias provinciaes dos primeiros seculos.

'Nasce d'aqui um direito, pela miiior partr consuetudinario, con- tra as leis escriptas, geraes, o qual, mais ou menos contestado pelos papas, continúa a ser o direito nas egrejas nacionaes.

A isto chamou-se - liberdade das ~grejas. Assim, 6 de ver que cstas cxprcssfics -liberdade das egrejas

náo apparecem nos oito primoiros scculos da historia ecclcsiastica, quando jh havia as egrejas nacionacs com seus metropnlitils c sua feição propria e individual.

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São quasi como as liberdades municipaes na edade media : li- berdades, prerogativas, que as egrcjas conquistavam com sua re- sistencia tenaz e arriscada ás pretens6es da sancta s6 ; liberdades, prerogativas, que o episcopado, já por motivos mundanos, j a pela consciencia de sua digriidildt? abatida, houve poder sustentar se- guras, bem firmes em sua mitra.

Muitas vezes tambem a esta idéa de liberdade de uma egreja vem junctar-se um elemento profano, temporal.

A historia da coexistcncia das duas esphcras tem uma epocha, em que a egreja, não contente com sua vida passada ao lado da do estado, aspira á existencia unica de sua orbita.

A lucta b terrivel, porque os combatentes não t&m a princi- pio forças eguaes; mas por fim a realeza temporal alcança fir- mar-se sobrc as communas suffocadas e a nobreza destruida; e um equilibrio, prompto a romper-se a cada instante, uma quieta- ção ameaçadora como a das tempestacles em seus intervallos, sub- stitue-se tí harmonia tão doce do seculo de Constantino.

D'aqui nouo aspecto. O estado tem prerogativas, trophbos que encrava entre as pero-

Ias da corda real e que ganhou na liicta com sua rival temivel. As prcrogitivas dil corda junctam-sr 6s liberdades da egreja, e

d'este todo riasce o direi10 ecclesiaslico priuado das egrejas na- cionaes.

No meio d'estcs combates, porem, não é liquido muitas vezes saber qual o direito, qual a r ega .

Conquistada, não outorgada, a liberdade, ou a prerogativa, em quasi todos os casos não foi expressamente confessada pelo direito papal; - excepção ti lei geral não se presume ; é preciso oppol-a evidente tí letra d'aquella, que tem por si a auctoridade venerandit e irrefragavel dos concilias ecumenicos.

Apparece bem clara a dificuldade d'estas questõcs. A nossa 6 uma d'ellas.

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A egreja catholica é visivel ; tem uma estriictura palpavel, con- cretisada ; tem um governo externo, iimu hicrarcliia miiltipln cm sctis gráus, e, por conseguinte, uma divivao tcrritorial e jiirisdicçioriiil.

A mudança da Area d'esta dioccsc, a aboliçáo d'aqii(~llii, i i sc- paraçao da parcclla de uma ou de mais, para a crecc;io de urna nova, nào é uma cousa que se passe nos ares, nos ~)laiic~las do espaço, que não sào o nosso.

O estado póde scr interessado. Alcm d'isso, a egreja, que tem sacerdotes, n8o Ihes ha de dar

por certo para siistcnlaç30 o extase como o de Sancta Cecilia, ou o triste passadio dos cenobitas no deserto; ou ficar-se esperando que desça dos ares o corvo caridoso, ou o mannh providencial dos israelitas.

A egreja nasceu de pescadores e homens pohrissimos; e o Cliristo dizia, a quem o queria seguir, que vendesse o que possuissc.

Pouco Ihes bastava. Habentes victum et tegumenium his couicnti sumus, diziam elles.

Os canoiies mais puros de sua disciplina prohibem aos clerigos o exercicio dos offic.ios mundanos e de logares na republica.

Felizes tempos estes em que as riquezas do clero eram o patri- moriio dos pobres, das viuvas e dos condemriados!

Não assistiu comtudo por muito tempo o mundo a este especta- culo grandioso da caridade christã.

O christianismo foi essencialmente uma revoluçâo espiritua- lista.

Ás dissoluções sem nome do Imperio, ao materialismo abjecto das sociedades pagãs foi mister oppor este desprendimento abso- luto de tudo o que era mundano, porque no mundo nada havia a aproveitar.

A cobiça, esta pobreza ideal; á luxuria, esta' continencia gran- demente meritoria, levada ao excesso pelo grande Origenes e seus imitadores; ao orgulho, esta humildade sem exemplo do chrisfio; aos odios, a paz e o amor, que são o relevo mais avultado do christianismo primitivo ; e finalmente, ao rebaixamento do espirite, esta elevaçáo sublime da alma até aos p6s de Deiis.

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A revolução era tão necesseria, que o mundo transforma-se ra- pidamente, como se o clarão de um relumpago refulgente subito brilhasse do interior da Judéa e para sempre o illuminasse.

Mas isto passou depressa. Alguns seculos de pureza, e, depois, em logar das monstruosi-

dades do velho imperio, a barbarie dos tempos do feudalismo, As riquezas concentram-se nas mãos dos poderosos do mundo,

-a nobreza e o clero: para os outros a pobreza, o trabalho, a servidão.

assim que, na segunda cpocha da historia da egreja, ella não tem que pedir ao seculo o pão de cada dia ; muito pelo contrario, a opulencia doura-lhe a vida e centuplica-lhe o poder.

Depois, não sei por que terrivel biiipança de Deus, um dia, os homens derrubam os altares e desapossnm-na de seus bens.

O estado, que por muito tempo se serviu, e porventura ainda hoje se serve, da religião como meio de conservar os costumes, +

offereceu a Deus o que era de Cesar, garantiu a dotaçao e susten- tação do clero catholico pelo thesoiiro publico.

Neste estado de cousas, bom ou mau, a creaçâo de uma dio- cese, a erecção de uma metropole, ou patriarchial, não 4 negocio indiffererite para o estado.

E, ainda quando o fosse, podia perguntar-se se alguma lei ha- via que ao estado conferisse o direito de intervir, ou fazer por si s6 essas modificaçbes na circumscripçào ecclesiastica.

Era urna questão positiva.

fi este o objccto do nosso trabalho. Facil 6 vel-o naturalmente dividido em tres capitiilos :

Qual a legislação geral da egreja sobre o assumpto? C

Ha direito ecclesiastico portuguez que a modifique? Será conveniente este estado da legislação ecclesiastica?

Taes são as tres partes em que se separa este livro.

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PARTE PRIMEIRA

LEGISLAÇBO GERAL DA EGREJA A RESPEITO

i r rlscbh sisnssslo, wino, ~ iv is lo E cincurnsmirbio DAS DIOCESES E HETROPOLES

Quare non est, quod a conimuni univer- salis Eccle~iae sensu recediirnus loeda in prineipis adulatiene ... Tuta rei istius dis- poiientlne ratio a11 Ecclesiam ptrtiiiel.

PRI~RO DE M A R C A , Concord Sacerd. et Imper. l ib. 2.0, cap. 9 . O n.O 7.'

Qui monte audessus de I'liumanitb, brise avec olle Ie pacte de nature. Le droit de tout faire le pousse A toule oser.

I'ELI.ETA~, Les droils de l'homms.

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PARTE I DA LEGISLAÇ~O GERAL DA EGREJA ACERCA DA ERECÇÃO,

SUPPRESS.~~, UNIÃO, DIVISÃO E CIRCUMSCRIPÇÀO

DAS DIOCESES E METBOPOLES

CAPITULO I

Tempos Apostolicos

O primeiro monumento legislatiro a consultar stio os actos dos apostolos e não os cba- niados canones apostolicoa.-Não apparece ainda uma divisfio terrilorial da egreja egual e melhodica.-Apostolos, Presbyteros, egreja ou rebanho.-Que necessidado preside neslcs tempos ii divistio da e reja. -A quem pertencia o direi10 de crerr as ~rinieirau dioceses. - Como os uftramonlanos abusam d'esle facto. - OpiniBo de 1. l a o u e l do Monte Hodrigues de Araujo.

Ha auctores que creem que os mais antigos monumentos escri- ptos da legislação ecclesiastica, esses canones geralmente conhe- cidos pelo nome de canones dos apostolos - canones vztlgo aposto- lorum ou sanctorum et gloriosorum Aposlolorum nomine octo- ginta caizones, são effectivamente obra dos sanctos discipulos da Senhor e venerandos por isso mais do que os mais venerandos.

Não somos d'esta opinião, e hoje mesmo poucos haverá, talvez nerilium, .que a queiram perfilhar.

A critica levou á evidencia o assumpto neste, como em outros pontos da historia das collecções e canones da egeja 1.

1 Ácerca d'estes canones famosos discute-se n&o s6 a sua antiguidade e portalito sua auctoridade, mas tambem o numero d'elles.

Os antigos chamavam-lhe sómente canones ecclesiautici-canol?ce pdrl~rn, veleres caiiones.

A opinib mais segura B a de Mons. d'Aubépinc, bispo dlOrleana, naa suas Obs. liv. 2, eap. 23. Sb canones doa concilias doe fins do 2.0 seculo, do 3.0 e dos principias

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Nâo começaremos, por conseguinte, o estudo da legislaçóo cco- nomica pelo exame d'estes canones : antes d'elles, ha a vcr oiitros monumentos, ainda que não texto de lei, para que, d'esta manci- ra, possamos levar seguida a historia da legislaçâo ou disciplina sobrc o ol~jecto de que tractamos.

E dos actos dos apostolos de que primeiro lançaremos máo 1,

do 4.0; rcgras que os bispos d'esses seculos, homens quasi-apostolici, esta- tuiam no meio das pcrsegiiiç0es que a egreja fiofi~ia por aquelles tempos.

Até depois do 7.0 seculo tiveram-nos os gregos como feitos pelos diecipulos de Christo e colligidos e publicados pelo Papa S. Clemente.

No can. 2.0 do concilio chamado Trullano, ou in Trullo, ou QuindSexto, diz-se: c..... adeo nobis etiam traditi sunt sanctorum e( gloriosorum Apostdo- rum nomine octo.ginta quinque canones..

Tlieodoro Balsainoii, o sabio patriarclia de Antiochia, usa d'estas tâo inno- ceiites palavras para calar os latinos, que duvidavam da authenticidade dos canones apostolicos, dizendo dogmaticaiiiciite : c Hujzcspraesenlis canonis per- petuo recordare: per ipsum enim os eis secludeu qui dicunt a6 Apostolia non fuisse editos octoginta qc~inque camnes. *

E de notar que este concilio teve logar no anno 692 do nasciriicnto de Christo e que o criidito Patriarcha grego em buas obras mostra grande ani- mosidade, por vezcs bem parcial, para com os auctores e padres da egreja latina.

Apczar de que alguns d'estes ultimos e dos mais recentes mesmo, dão au- ctoridade e tem por certa a origem verdadeiramente apostolica d'estes ca- none8.

Na magnifics edição do Corpua JurM Canonici de Juato Henningio Boeh- mer, escreve este cotispicuo anuotador a pag. 1231 do I: tomo:

Quis c~ederet, C'lev~entern hos canones congessisse quos Grlasius in C. 3, dist. xv apoeryphis annumeravit mriptie, licet postea orientales eosprobave- rint ut cauaae suae in plurimis servirent, vid. c. 4, dist. xvr..... Idem agno- vit Leo in c. 3 dist. XVI et y/ri~/qunr/inta dunta&.ezcepit, quue orthodozae $dei ndjugenda essent, sed Clr mrnfi non tribuit.

Leia-se Van-Espen. Dksert. in can. vulgo apostol. § 2.0, no tomo 3.0 das obras, ediç. de Lourain - 1753.

Z a l w ~ i n Pr i f~c . Jur. Eccl. Tom. 2 . O qiiest. 1 . O cap. 3.0. onde se aconselha que se niio confundam estes canones apostolicos coiu as cliamadas constitui- çõpg apostolicas.

E muito curiosa e sabia, como todas as d'este auctor, a dissertaça0 sobre os canones e coiistituiç0es attribiiidas aos apostolos, de Du Pin a pag. 14 do tom. 1.0 da Nouvelle BibZiothi.que des auteurs eccl4siastiques- 1690.

1 Os Actos dos Apostolos, tambem chamados Hisforia dos dpostolos, Euan- gelho da Remrreição, Evangelho do Eapirito Sancto, constitnem uni (10s li- vros canon'cos da egreja; auctoridade esta que em todo o teinpo geralmente tem tido. k obra attribuida a S. Lucas, evangeliata, e assim do maior res- peito.

Abrange desde o anno 34 atd o 64 da era vulgar, desde a ascensgo de (:liristo ate que S. Paulo sLe da prieão em Roina; muito apreciada ela parte dogpntica que comprebende; muito elogiada por S. Jerouymo e S. j>oão Oliry- sostomo.

Os marcionitae e mtrnich&w negaram-lhe a auctoridade - os nicolaitas e

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Não queiramos encontrar nestes tempos uma divisõo da egreja methodica, com certo numero de parochias, de bispos e metroyo- litas.

Como seria isto possivel, se a egeja ainda agora mal comeua a formar-se, se (I: esta a epocha primeira da sua cxistencia, o priri- cipio da evangelisação das doutririas do Chrislo?

O logar estava tomado pelos gentios ou idolatras, e judeus ;- aquelles com os seus templos, estes com suas synagogas.

Grande na antiguidade mosaica, preclecessora da Koma christã, Jerusalem era o fóco do christianismo: d'ahi irradiava para toda a Asia-menor, passando para o norte das terras africanas, e de- corria para o occidente, especialmente para Roma, centro do mundo.

O que se pode deduzir dos Actos, destrinçar do meio de suas narraçbes envolvidas em mystico vEo, é que a christaridade nas- cente comprehendia - os apostolos - os presbyteros - e a egreja, ou rebanho 1.

Os apostolos, percorrendo as cidades do oriente e occidente prégavam a palavra do Christo, e onde as conversões avultavam, ordenavam presbyteros, que nessas cidades e logares guardavam puro o deposito sagrado da nova religiâoe.

gnosticos e outros heresiarchas substituiram-nos por outros livros, hoje jul- gados apocryphos, onde introduziam os seus erros.

Veja-se Tillemont, Mdmoir. pour servir c i à9hist. eecl. Article S. Luc., Évan- géliute; e D u Pin, obr. cit., tom. 1.0, pag. 5.

1 Act. xx, 22 - xvr, 22, 26 - xv, 4, que diz : c Quun autem cenisaent Je- rosolymam, ewreepti sunt ab Ecclesa'a, et ab Apostoli8 et senioribus annuntian- te8 quanta Deus fecisset cun il1is.r confer. com o 6 ; e ainda, 22, 23, 30 e 41 - XVI, 4 confer. com o 5.0 - xx, 17, 28 - XXI, 18.

E muito para notar que todos estes textos parecem indicar a existencia de mais de iim bispo nas cidades principaes ; restos, talvez, do judaismo. Aqui, nestes, mais do que nos simples presbyteros das cidades de inferior plana, avulta a força do episcopado que no futuro ha de crear os metropolitas, pa- triarcbas, etc.

Todavia esta doutrina vae attacar a unidade do episcopado, que 6 a dou- trina catholica.

S. Clemente, primeiro Bispo de Roma, em sua epistola aos corinthios, diz quc soa apostolos estabeleciam bispos e diaconoa nas cidades e ddêas onde pdqavam, e esperavam que viesse a haver christ8os.r

2 Muitos exemplos ee poderiam junctar d'este procedimento dos apostolos, geral no oriente e occidente.

Quando S. Paulo prkga em Creta e Candia, deixa, ao retirar-se, a Tito para acabar a obra da fé e pôr presbyteros ou bispos em cada cidade, como o uaeveram S. Chrysostomo e Theodoreto, e clarameqe se vê do v. 5 . O do

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Mas o christianismo vivia aqui acostado ao judaismo e á idola- tria; não tinha área sua, logar onde sua jurisdicção tomasse corpo e vulto 1.

A egreja era a reunião dos convertidos, nada mais%. Tal apparece o primeiro rudimento, a monada das futuras pa-

rochias, dioceses depois. Se estes, que os actos chamam presbyteri, eram bispos: é ponto

que o catholicismo resolveu afirmativamente e que o protestan- tismo combate para negar a ordem episcopal.

A n6s, todavia, que nâo estamos tractando de theologia, rniis de direito, pouco nos importam agora essas controvcrsias.

Estudamos o direito da egreja catholica; -havernos de co!lo- car-nos no ponto dc vista das suas doutrinas.

Admitte a egreja catbolica como dogma que o episcopado é grau de ordem differente do presbyterado; que o episcopado 6 a plcriitride da ordem; que os bispos são os successores dos opos- tolos, como eram esses presbyteros, de que fallam os Actos?

Admitte. Tanto nos basta. Este 6 o nosso ponto de partida. Qualquer

outro seria falso, illogico.

cap. 1.0 da Epist. a Tito- que diz : eHujus rei graiia reEqui te in Crefae, .i~t ea que desunt, corrigas et constituas per civitater pesbgteros, si& et ego disposzci. 8

k:m Jerusalem, como crescia o numero dos fieis, e as perseguig;)rs iii- flninmavam, os apostolos julgaram conveniente dar a esta cidade bispo pro. prio, o qual foi, como 8 sabido, 8. Thiago, o justo, ou o menor.

Veja-se Tillemont. Mem. cit. art.c* S. Pierre e S. Jacquc k Mineur. Fa- lani S. Jeronymo e Tertulliano de S. João, Evangelistci, como do iiistitiiidor da ordem episcopal na Asia; o que ngo pode ser verdade absolutamente e h lettra, mas o 8 emquanto elle, j4 em extrema velhice, ia ainda pslns provin- cias (Ia Asia para estabelecer bispos, como o attesta Erurebio Hilist. cccler. Ziv. 3.0, c. 23.

A respeito da creação das celebres dioceaes de Alexandria, de Antiochia, de Africa, Constantinopola e das dioceses da Itslia, nada se sabe. Os docu- mentos faltam abaolutameute para algumas, e noutras as duvidas deixam o mesmo vacuo.

Veja-se Mr. Bamage, Eiist. de ~'Église. Diz Ewebio, Hht. ccdes. Elo. 3, c. 37: cBi (apostoli) postqram in rmdb

ac barbaris reyionibus $dei fundamenta jecevanl aliisque pastores constitue- rant, ad aliue genfea properabant.~

1 Veja-se Mr. Bamage Hist. de l1I?glise, chap. vi, n.O 1, a respeito do numero doe chriatãos no comev da egreja.

2 Act. xv, 22-SIV, 22, 23. Muitoa teatoa se referem B egreja de Joruealeil, falando ao rnewno tempo do templo, doa preebyteroe e dos apoetoloa

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D'esta arma, aqui temos, como notamos, a origem primeira das divisões ecclasiasticas.

Toquemos, porem, numa notavel differença. Hoje, que a egreja catholica tem, como então a idolatria greco-

romana, o melhor logar no mundo; a divis8o das clioceses tem uma razão de ser diversa da d'estes frouxos claròes que aqui de- visamos.

Hoje é a immensa extensão qiie ella abranje- o orbe todo- que pede, que exige, que os rebanhos se dividam e a cada um se d& um pastor.

Não seria possivel um só rebanho e um s6 pastor. No tempo dos apostolos era diffcrente.

Mui limitada era a periphería das conquistas da egreja nascente, mas mui graiide a lucta que havia a soffrear.

Começavam então as perseguições; abria-se na primeira pagina o livro de ouro do martyrolopio christão.

A semente preciosissirna da religiáo infante, depositada aqui por um Paulo eloquente, ou alem por um Pedro venerando, era logo abandonada por elles, porque os povos os apedrejavam e ex- pulsavam de suas cidades: indispensavel foi, assim, deixar um penhor de sua defeza e conservaçáo. Foram os presbyteros.

Os apostolos, esses, não tinham esta ou aquella cidade; iam per universum mundum - docebant omnes gentes; inclusivamente os proprios presbyteros que a elles recorriam, quando grande du- vida se levantava hc&rca de qualquer ponto de fé ou disciplina I.

Aos apostolos, pois, á egreja, na pessoa de seus chefes, perten- cia crear os presbyteros para estas ou aquellas christandades.

fi 'neste facto que hoje os escriptores da escola ultramontana assentam os seus argumentos, para mostrar que desde as mais re- motas eras ao papa pertenceu este privilegio; pois, sendo aqui in- contestavel que os apostolos institiiiam os primeiros presbyteros c Ihes assignavam c e ~ t a multidão de fieis para reger; e, sendo o papa o successor de S. Pedro; parece-lhes que ninguem poderá oppor-se áis illações, que logicamente julgam decorrer d'essas duas verdades.

Adcante (cap. 3 . O , n." II), mostraremos o vicio d'este argu- mento; por ora bastará saber-se que todos estes actos dos apos-

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tolos tem uma feição espccial dediizida da natureza dos agentes, que náo eram simples bispos e de qucm o episcopado, sc veiii occii- par 0 seu logar na egreja, não herdou comtudo a herança inteira. & um ponto indiibita~el da doutrina catholica.

Depois náo ha aqui verdadciramcnte uma divisão, o u circum- scripção ecclesiastica perfeitamente similhantc á que scculos depois occupou o cuidado dos synodos provinciacs. A egrvja nasce agora ; os prcsbjtcros ficam aqui e além ; mas a egreja não occupa por emquanto, dizemos assim, um logar determinado no solo do zloho. Dcmais, de que os presbyteros foram ortlcnados pelos apostolo$, 1150 se segue que s6 o aposto10 na egreja possa crear os bispos: - pois quem havia dc ordenar os primeiros sacerdotes, senão os dcpositarios do poder espiritiial da e g e j a ? a quem o transmittiu Cbristo? porventiira a Pedro sómente?

E e este objecto um ass~impto de dogma, inalteravel? e , s6 6 disciplinar, iião 6 preciso, antes de nos perdermos nestas vagas con,jecturas, saber qiial a disciplina dos primeiros s(>ciilos?

Qurm Ihcs havia de coritcstar a auctoridade, a estes \arfies, que tinham tocado, vivido, commungado com a propria divindadrb (1.1 . i< t rcligiao ?

Como é que o estado interviria aqui, se o estado por toda a parte, e o povo em muitos logarcs, perseguia a propria egreja?

Com a palavra sublime do Christo ainda viva em seli coraç80, estes homeris referiam tiido a ellr ; por si, cram os mais hiirnil- des dos mais humildes servos; riào eram elles que creawm os pr c, \ -

bytcros: era o divino Espirito-sancto. S. Paulo dizia: Aitendite aobis et universo gregi i t i gijo Spiri- .

I U S Sanctus vos posuit episcopos regere ecclesiani Dei ; e a cgreja nunca esqueceu, nem póde esquecer, estas sanctas palavrasi.

Aqui nào ha ainda, por coriseguinte, um systcma orgaiiisado, pensado, 'neste ponto da disciplina: 6 a força das circumstaricias que faz nascer espontaneamente estas egrejas, estes grpmios chris- tãos, estes rebanhos, perdidos no meio da idolatria, e B tcsta dos quaes os apostolos collocavam os presbyteros, que ordenavam.

O estado não intervem, porque o estado é idolatra e perseguidor.

1 Act. xx, 28. Visum est Spirit~i Ssncto et nobis.- Notemos de pícseagem que nestes tem-

pos não se pensava ainda que o Papa podeaee vir a dizer-ee o auctor do po- der episcopal.

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Isto que deixamos escripto e que foi o que da leitura dos Actos dos Apostolos podémos colher, parecehos verdadeiro c historico: pueril e falso se nos afigura, porem, o que D. Manuel do Monte Rodrigues dc Araujo escreve a pag. 223 do tom. 1." dos seus Elementos de Direito Ecclesiastico.

Não nos chega a iritelligcncia até comprehender como, na par- tilha, que dos povos idolatras foi feita entre Pcdro e Paulo por inspiração do Espirito Sancto, se veja o primeiro exemplo de uma divisão ecclesia~tica ; divisáo ecclesiastica, onde ainda nâo havia seriao gentios e judeus (!).

I? confundir, evangelisar e reger a egreja; pregar a boa nova e dirigir os ficis.

Nõo cremos tambem fundada em bom valor historico a preteri- dida divisão que do mundo fizeram os apostolos para cumprir o pre- ceito do Christo ((docete omnes gentes)); como se aquelles sanctos homens fossem como os soldados que dividiram em pedaços a tunica do martyr.

E quando historico, será estc facto novo exemplo de divisiio ecclesiastica ? *

E p6de alguem acreditar que os apostolos, que ouviram da bocca de Christo o celebre preceito- ((euntes in mundzbm universum praedicate et-angelium omni creaturae)) - se estabelecessem fi- xamcnte testa d'esta ou d'aquella egreja i ?

Este alvitre, esta maneira de olhar a historia d'estes tempos, 6 tho falsa, que a consequencia irrecusavel d'clla scria o espan- toso absurdo de ver 'nesse facto, nfio s6 um simplcs facto de cir- ciimscripçào ecclesiastica, mas ainda o exemplo dii creação das primeiras divisòes superiores da cgre,ja; pois os gentios e os roma- nos por converter a f6 formariam duas provincias de christãos, e os apostolos seriam os seus metropolitas; mas metropolitas que nào teriam egreja propria para séde de seu poder, em que não

1 A propria Roma teve um bispo proprio no tempo dos apostolos; e a ra- sRo por que isto foi assim, k porque, diz S. Epipliaiiio, citrr(10 por Tillemont, Pedro e Paulo não podiam estar Fempre em Roma por causa das viagens que se viam obrigados a fazer ara prégar o Evangelho.

Ve,j. TiUenont, obr. cil. ari. $. Clement, pape. tom. 2.0, e ahi as outras au- ctoridades cit.

O que acima dizemos a reepeito de haver nestes tempos mais do um biupo nas grandes cidades, explica, talvez, as duvidas que sobre o bispado de Roina se levantam por se falai. de tres bispos de Roma na mesma cpocha-S. Lino, S. Anacleto e S. Clemente.

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permaneceriam dentro dos limites vastissimos de suas provin- cias !

Não póde ser. Os tempos apostolicos t&m um aspecto que lhe é proprio ; nem os cinco ou sete primeiros seculos da egrcja lhe sBo comparaveis, e muito menos ainda os ultimos nove e o seu actual estado.

Nas crengas catholicas os apostoios soo homens quasi divinos; immediatos depositarios do poder espiritual da egreja.

Em sua vida, a egrvja edifica-se; com sua morte, acha-se fir- mada, como que dcsprcmdida do céu, abandonada sobre ;i t o i~a , despertando para a existencia ao rude contacto do mundo ; - como o primeiro homem, quando a mão de Deus o fez apparecer sobre o globo 'naquelle momento solemne, que o sublime pintor de Julio 11 tão bem soube conceber na mente profunda que creou o Moysés.

Não confuird~inos, pois, O que é diverso, e saibamos apreciar a ' historia com o seu devido pezo.

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CAPITULO I1

Desde os tempos apostolicos atb Constantino

A tradicáo e os usos síio quasi exrlusivarn~nte as fontes da disciplina tla egreja neste periodo. - Cornecam r apparecer as egrejss i n uieis, i n puqis, in vi l l is . - Por que razao a iiecessiiiádu da creacíio de novas dioceses apparcce agora sob novo aape- elo. - As obras dos padres dos primeiros bistoriadores; canones dos aposloios, canones dos concilios do 3 . O e 4.' seculo: auxilio que prestam esles rnonumenlog. - Os vestigios da legislaeõo e o raciocinio demonstram a exislenria de uma di- visõo da egrejti em proviii'eias e parochias.- Nào deve causar espanto o appareci- menlo prematuro da alta dignidade de Illelropolita. - A queni assistia o direito de crear as novas dioceies. - O laclo da prirniliva disciplina sobre a ordenacão dos bispos traz grande luz ao objecto. - Os canones xiv e xxxv dos apostoloe 0 o caoon xx do 4.0 concilio de Cartbago resolvem a questiío.

O periodo que segue immediatamentc o tempo dos apostolos, e que se pode fixar desde os fins do primeiro seculo, 6 o mais agitado para a egreja.

fi a epocha dos seus grandes combates, epocha que acaba com a victoria d'ella e sua uni80 com o estado sob o imperio de Cons- tantino Magno.

'Neste espaço de quasi tres seculos a lepislayào ccclcsiastica, singela e pura, como era, conserva-se quasi exclusivamente na tra- dição e nos usos das egrcjas.

A simplicidade e rigidez dos costumes, a austeridade, fé e vir- tudes dos primeiros christãos, dispensava mesmo as regras de dis- ciplina.

A egreja tinha principalmente de esmagar as hercsias sem nu- mero, que depois:do primeiro scculo lhe corroiam o seio ; e, ao mesmo tempo, de supportar o embate das perseguições tremendas que o imperio lhe movia.

$ assim que, no meio d'estas agitações e d'estas tempestades, os raros concilios que se podem reunir e os escriptos dos padres se occupam especialmente da rcfutação das doutrinas dissidentes e da exhortação ao martyrio.

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A historia guardou a lembarnya de alguns d'esses concilios, mas nem suas actas, nem seus canones e decretos chegaram até n6s 1.

J!i sabemos o que pensar a respeito dos canones apostolicos, monumentos qiie resumem talvez a disciplina d'estcs tempos.

Quem vac lendo seguidarncnte a historia do dcsinvolvimento e progresso da egreja, vae percebendo como, pouco e pouco, os li- mites das egrejas, ou parochias, se V ~ O fixando c assim deterrni- nando a jurisdicçào episcopal ; vae-se-lhe pintando este engrossar prodigioso das f leiras do christianismo 'ncstes seculos prirnciros, e como a attençBo dos bispos tem de se multiplicar para prover Bs necessidades de seus rebanhos, cada vez mais numerososfl.

Começam aqui a apparecer as egrejas das aldeias - in uillis ; in uicis, i ~ a pagis - pelos campos, pelos logares perdidos fóra das cidades.

]O agora que a necessidade da creaçao de novas dioccses ou pa- rochias, a rieccssidade de tocar 'nesta materia da circumscripçâo, apparecc pela primeira vez com novo aspecto.

Outr'ora o que evangelisava, inspirado pelo Espirito Sancto, ao despedir-se dos fieis, deixava-lhes uma cabeça pirn os dir - . i 1 1

centro para os reunir em volta. Agora nao. O bispo, j A estabelecido em certa egreja por insti-

tuiçào apostolica, P& augmcntar-se-lhc o rebanho, porque os chris- tãos nascem agora nào só da palavra intlammada do apostolo, mas tambcm do sangue dos martyres, que era a semente fectirid:i do christiariismo, como dizia uma das mais brilhantes colunii,<i- ~ 1 0 ~ bons tcmpos da egre.jaa

A sollicitude dos bispos 'nestas epochas descia ás cousas mais minuciosas de sua diocese.

NBo se comprehendia como podesse ser bispo quem o povo todo não ,conhecesse; e elles proprios c r a d os primeiros a querer

1 Veja-se o Nouveau diction. Hisforique de Cha.udon et Delandine - Ta- bles, chionologiques.

Acerca dos concilios de Victor, Papa, vejam-se as Dissertações 1.' e 2.. de Thomaasin no Disse~tation. in concilia gener. et particular. tomus singu- laria.

b Sobre o grande numero de christãos nos fins do 2; seculo e começos do 3.0, veja-se Tillernont, obr. cit. art . Persdcution de 1'Egliae sou8 l'empereur Sévère, pag. 15 do tom. 3.0

Veja-se tambem Bingharn, Orig. eccleez'aatic. Lib. 2. cap. 12, a respeito das raziies por que se nao executou em muitos logares a lei que prohibia as ordenaçGes de bispos in pa&o oppidk.

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conhecer todos, para estar ao pe de cada um na hora do perigo ou do desalento.

Assim, estes homens sem ambiçbes, arrastados tí dignidade epis- copal, de que se julgavam sempre indignos c de que fugiam, eram os primeiros a pedir novos pastores, quando a multidao dos fieis crescia a ponto de exceder as faculdades de um homem s6.

l? nas obras dos padres, nas dos poucos historiadores d'estes seculos e nos canones dos apostolos que havemos de buscar a dis- ciplina, ainda vacillante e rara. Devemos tambem servir-nos dos canones dos concilios dos tres ou quatro primeiros seculos da egreja depois da paz de Constantino ; porque clles contbm, espe- cialmente os do quarto seculo, o resumo, e como que o espelho do que se passava, ou do que corria ria tradição, durante os dois anteriores.

As mudanças de disciplina náo se faziam de um dia para o ou- tro nestes seis primeiros seculos da egreja; e postoque já desde o terceiro seculo 1 crescessem por algumas partes grandes ambições, comtudo ella tinha ainda vozes eloquentes, penas fortissimas, e exemplos de virtude do maior vigor e mais alto relevo.

O que vamos dizer funda-se em todos estes subsidios; náo ci- taremos, porbrn, aqui senão os d'estes dois seculos, para niío re- petir malerias.

A divisa0 ecclesiastica em parochias e provincias, mas princi- palmente em parochias, é cousa i~idubitavel e bem palpavel desde estes primeiros tempos.

Demonstram-no os vestigios da legislaçáo e prova-o o racio- cinio.

No can. xrv dos apostolos diz-se%

uEpiscopo non licere alienamParochiam propria relicta pervadere.. .r

I3 o cari. xv, completando a materia, diz:

aSi quis Presbyter aut Diaconus aut quilibet de numero clericorum

1 Leia-se S. Cypriano, sermo quintus de lapsis -da compilaçlo de Erasmo de 1528, pag. 37:) do 1.0 vol.

Eloquente oração e euriosissimo monumento historico, que nos revela O poder da egrejx jb nestes tempos e a corrupção monstruosa que então cor- roía a sociedade; factos estes que deram logar A famosa perseguiçiio de Decio, havida pela septima e pela mais horrorosa e inflammada.

2 A licção dos canones dos apoatoloa, de que nos aervimos, 6 a que se acha

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areliquens propriam Parochiam pergat ad alienam et omnino demigrans upraeter Episcopum conscientiam in aliena Parochia comoretiir.. . n

Que, saindo da parochia propria, passavam para oiitro bispo e outra parochia, comprova-o o cen. xvr que diz:

aEpiscopus vero apud quem memoratos.. . n

No can. XXXIII ainda é mais saliente a divisão :

«Si quis Presbyter aut Diacono ah episcopo suo segregetur hunc anon licere ab alio recepi-n

O can. XXXVI determina :

aãpiscopiim non aiidere extra terminos proprios ordinationes facere uin Civitatibus et Villis quae illi nullo jure subjeclae svnt.n

O can. xxxv falla ainda de parochin propria. O can. IX refere-se ao catalogo sacerdotal -quilibet ex sacer-

dotali catalogo. A respeito dos metropolitas legisla o can. xxxv, mandando:

aEpiscopos Gentium singularum scire convenit, quis inter eos pri- umus habeatur, quem velot caput existiment, et nihil amplius, praeter uejus conscientiam gerant.. . »

D'estes canones se vê clarissimamente como a egreja estava se- parada em parochias, e como esta divisso era profunda e bem marcada.

A pro11ibic;ão das emigraç6es dos clerigos, das transferencias dos bispos, da ordenaç8o f6ra da parochia, dt: miriistrar em outras cidades ; os catalogas do clero das parochias ; tudo prova A secie- dade como a jurisdicçáo de cada bispo era individual, propria, in- violavel, soberana.

A parochia que pertencia a um bispo, por direito nenhum de- pendia de outro - illi nullo jure subjecta.

juncta ao Codigo de Dionysio Exiguo, de Henriqae Jtcetello - na Bibliotheca Jlcns Canm'ci Veterie, tomo 1.0, pag. 101.

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E, cousa admiravel, neste estado da disciplina e doutrina catho- lica, com esta soberania tão robusta do episcopado independente, nunca a unidade da egreja foi melhor, nem mais vigorosamente comprehendida.

A egreja 6 unica, dizia S. Cypriano 1, como é unico seu funda- '

dor ; o episcopado é um, como um s6 é Christo e uma s6 a egreja e o peso d'ella supportado por todos.

Episcopatus unus est, cujus a singulus in solidum pars teneatur 2. Ecclesia una est.., quomodo solis multi radii, sed lumen unum, et

rami arboris multi, sed robur unum tenaci radici fundantum 3.

A historia vem mostrar, e adeante veremos como em tudo se exigia o assentimento, e communhão de toda a egreja, e como as parochias se ajudavam umas Bs outras, se exhortavam h constancia no martyrio, se louvavam por suas virtudes, se soccorriam nos pe- rigos, na indigencia, no desterro, na doença, na viuvez.

As cartas que os bispos se enviavam a respeito de negocios im- portantes attinentes B fé, B unidade da egreja, creação e orde- naç8o dos bispos, eram lidas ao povo publicamerite e não poucas vezes os vemos atravessar os marcs, cxpôr-se aos perigos das tem- pestades para se procurarem este abraço fraternal das egrejas christãs.

Grandes tempos eram estcs em que viviam um S. Cypriano, um Cornelio e tantos outros, que a morte roubou para sempre e cuja Mda, apezar dc obscura, náo era menos grandiosa.

Nào nos afastemos, porem, do nosso assumpto. Diziamos nós que o raciocinio demonstrava tambem esta divi-

são jh feita nos primeiros dias; mas, note-se, falavamos do racio- cinio fundado e corroborado pela historia, e iião do raciocinio des- acompanhado d'esse auxilio, o qual em materias de faclo, como estas, pouca força tem; apezar de o vermos frequentes vezes cin- pregado em nao raros escriptorcs.

Os aposto104 tinham fundado as egrejas; os bispos siicccdiam- Ihes naturalmente aos presbyteros de instituição apostolica no go- verno d'ellas.

1 Epistol. passim. 2 Tract. tert. de SimpZicit. paelat., pag. 285 do 1 . O tomo, ez recoh1ione

diui Erasmi, 1528. 3 Tract. cit., pag. 205.

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Ninguem ousava transtornar estas cousas, em que os apostolos tinham posto as màos por inspiração de Deus ; as egrejas perma- neciam sobre si, e eram a norma das novas parochias, que com o espalhar da doutrina cvangelica se faziam necessarias e se iam crearido.

NBo cram estas, porcm, muitas nos primeiros tempos. Scgurido se re de S. Clcmcnte em sua primeira cpistola aos

corinthios, os apostolos tinham dcixado bispos em grcinios de fieis mrii poiico iiumcrosos, pcrisando no scu augmento futuro ; e foi preciso que cliegassc o meado do segundo scculo, ])oriro mais ou niCiIos, 1)ilra que, como quc trarisbordarido, as parochias tivesseiri de separar de si algumas christaridades.

Como era Dcus que nas assemblcias do poro e do clero os inspi- rava na escolha dos bispos, como escreveram os padrta c se acre- ditava entao, ningiiem ousava intervir no governo dc rim rebanho para o quíil o cspirito saricto apontara ccrto pastor.

Que poderia significar o filcto de abnntio~iar rima diocesc para ir para outra? ambiqão? receio de perigo, íiinor tla vida? e era isto a doutrina cliristà? eram estes os cxtbniplos do E\.iiiipeili~ c as tradicçòes dos apostolos ?

Não seria isto bastarite para dcclarar a indignidade c justificar a deposiç%o de um clerigo, bispo, sacerdote ou diacono?

Tacs foram as razòcs d'aquelles cariones ; tal a origem, em mcu modo dc ver, d'esta divisa0 ccclesiastica tão bem definida e mar- cada desde o principio.

Scja cada um pastor de seu rebanho proprio, porque essc re- banho conhece, c conhecia ja antes, o seu pastor; porque Deus 111'0 deu (Spirztus Sariclus vos postcit); porque o episcopado 6 unico, e aqui, ou alem, em Roma, ou Carthago, tanto é bispo do chris- tianismo Clementc de Alexandria, como Ignacio dc Antiochia.

A respeito dos metropolitas, de que cvidcritemcnte fala, ainda que os nBo charne assim, o cari. xxsv, e a que tambem se re- ferem as cartas de S. Cypriano, cscriptas, pcla segunda metade do seculo terceiro ; não nos deve admirar o seu apparecimcnto tào cedo.

O imperio, apesar de se approximar do occidcrite de sua gloria, e ainda um grande faclio, cheio de luz e de teritaçoes; tem ainda um grande podcr de attracção e de assirnila~80, como todas as instituições collossaes que com os seculos ganham não sei que imponentes direitos sobre o mundo.

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O que a historia demonstra 6 que, onde havia uma metropole civil, appareceu uma metropole ecclesiastica.

A prosperidade e grandeza material de uma cidade trazia a su- premacia para o bispo d'essa cidade: onde um proconsul, onde um prefeito do pretorio, onde um vigario do imperio, ahi um me- tropolita.

Mais importantes pelo maior numero de christãos, mais arris- cadas por mais expostas hs perseguições, mais luzentes por pos- suidoras de mais egregios bispos e soffredoras de mais brilhantes martyrios, a sua supremacia erigia-se natural, espontaneamente de tudo isto.

Assim Roma, assim Constantinopla, assim Carthago, assim Ale- xandria, assim Antiochia, assim Trevcs, Nicodemia e Aqiiilea.

I? tanto isto verdade, que, como nota Basnage 1, Jerusalem a grande cidade. a cidade sancta, a mãe de todas as egrejas, arrasada por Tito, s6 por fim e a muito custo pôde alcançar adornar-se com o titulo de Patriarchado, mas nunca conseguiu o primeiro lo- gar. Tal a origem post-apostolica d'estas grandes divisòes da egrcja.

Provada assim a existencia de uma divisão ecclesiatltica 6 pre- ciso agora dizer quem tinha o direito de a traçar.

Primeiro nos é riecessario saber como se ordenavam e escolhiam os bispos para esta, ou aquella diocese; porque, como veremos, este ponto nos resolve a questão em grande parte.

Os bispos não eram escolhidos corrio hoje; eram eleitos pela plcbe da parochia em presença dos bispos mais proximos da pro- vincia, que confirmavam a escolha dando-lhes o seu assentimento.

I? este um ponto de historia indubitavelp. S. Cypriano em uma de suas epistolas a Cornelio, papa 3, es-

creve :

a . . . Nemo post divinum judicium, post populi suffragium, post co- uepiscoporum consensum judicem se non jam episcopi, sed,dei faceret.))

1 Hist. de llAgliae, chap. 2 . ~ - Vê-se em Tillernont, art. S. Cyprien, evêque de Carthage, tom. 4.0, ppg.

55, uin exemplo de como a prosperidade temporal .e a importancia politica das cidades B que davam As dioceses a primazia.

Van h'spen. JIM Ecel. Uni. P. I, tit. XIX, c. r e 11, 2 Veja-se Bingham. Origin. Ecclee. 3 Epist. 3.a, lib. 1.0 pag. 15.

3

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Na epistola a Felix, presbytero, e Paulo diacono e sua plebe 1, depois de expor as regras da ordenaçao e escolha dos bispos, sa- cerdotes e diaconos, fundando-se nos numeros de Moysks e nos Actos dos apostolos, accrescenta :

uProptrr qiiod diligenter de traditione divina et apostolica observa- ationr sor\;iiidiim est et teiicndum, quod apiid nos qiioque, et fere «pcr pro~incids universas tenetur, ut ad ordiriatioiies rite celrbrandas «ad eam plebein, cui praepositas ordinatiir, rpiscopi ejiisdcm provin- «ciae proximi yuiiiqiie conweniant, et rpiscopus dcligatur plebe pre- usente, qriae singuloriim vitam plenissirne nobit, et uniiis cujusque aactiim de ejus conserialioiie perspexit.))

Notcmos, portanto, que não era só o que se devia guardar re- ligiosameritc por ser tradiyâo divina e observancia apostolica, mas por scr o que se ftizia fere per provincias universas.

Era a disciplina verdadeira, a melhor, a mais geral ; era a lei.

A tradiç'io, que cste padre aconselha a cada passo e tanto ve- nera cm suas obras, foi brilhantemente defendida neste pcriotlo pelo celebre S. Justirio, apologista, martyr e doutor, que iiveu tlesde os comecos do segundo seculo, defesa que elle eRectuou, protegendo-a com sua penna e edificarido-a com suas obras.

Tertulliano e S. Irerieo, escrevendo nos fins do mesmo seculo, combatcm tambcm sob a mesma bandeira.

E a poucos passos vemos, ainda que noutro prriodo, rim \ i i l t o

hrilliantissirno, que a egreja celcbra e a historia nòo meiios I.(,,- peita, S. Agostiriho, que (? o talentos0 continuador d'estes varões illustres.

Por toda n historia os exemplos são numerosissimos, e , donde resta noticia da ordcnay7io dos bispos, isto se v&.

O miiis ienerando exemplo é o de S. Lino, bispo de Roma, que, ordenado pelos apostolos Pedro e Paulo, apezar d'isso, é a cgr(ja, 6 a plebe christá de Roma que o elege.

Era tudo paternal aqui ; - nao Iiavia a imposiq'io inconsciente, q11asi brutal, da vontadc de um homem, embora bispo, embora drpositnrio de uma herança apostolica (permitta-se a expressáo) cm linha recta.

O bispo eleito por os de sua provincia, não entrava na cornmu-

1 Epist. 4, lib. 1.0, pag. 31.

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rihâo da egreja, sem expedir cartas e emissarios para todo o mundo, .pedindo assim o assenso d'ella.

O episcopado era unico : - esta a grande maxima d'cstes se- culos, de que nos nâo devemos esquecer.

E m Corintho, no celebre schisma do tempo de Clemente, papa, o povo depõe os padres da sua egreja pelos achar indignos, como d manifesto das cpistolas de Clcmcnte, j6 por vczds citadas.

Mais de um exemplo d'cstc proceder sc v& nos scculos seguin- tes, e até na propria egreja dc Africa, a mais respeitavel dc todos estes tempos por suas virtudes, pelos grandes homeiis que occu- param as suas cadeiras episcopaes, por seli respeito pela disciplina tradicional e zelo no governo ecclesiastico 1.

Insistimos neste ponto, porque teremos adiante de entrar cm uma grande lucta na qual estes factos hiio de scr a verdadeira luz; e, por isso, vamos ainda apresentar dois exemplos brilhantes d'es- tes tres primeiros seculos.

Sâo tirados das vidas de S. Cypriano, bispo de Carthago e de S. Cornelio, bispo de Roma, ou papa, como querem os escripto- res catholicos.

Quando no anno 248 de J. C. se tractou em Carthago da elci- çâo do bispo, tendo sido acclamado pela plebe S. Cypriano, cstc fugiu cheio de humildade para sua casa, onde se escondcu ; por- que o povo o procurava, preterindo os mais antigos presbyteros. Amictos, cercam-lhe a habitação, guardam-lhe as sahidas e ohri- gam-n'o a ceder a este pedido unanime.

A historia refere com enthusiasmo a inquietaçâo com que era esperado, e a alegria com que foi recebido.

Não é s6 isto. Bispo de Carthago, este homem illustre nada fazia sem tomar

1 Mr. Basnage, obr. cit., cap. 1 do liv.,4.0, escreve: L'dglise d'Afiiqoe est peut-être ceUe qui a le rnieux conservé lu puretk de

lu Foi, la sZrnplici/d, dano lea moeurs, et dana le culte; et qzri a defendt~ avec plus d'ardeur son indépendanee, aa libedé et ses usagee particuliers. Elle a élk une source obondante d'honames savans, et d'evêques zBlde, qui s'opposk- rent fortement a m erreura naissantes de Pelage et à Z1Ariani#me soutenu par I'atctoritk des Pn'nces barbares. Lea persdcutions quleUe a essuydes n'oni. servi qu'à la rend~e plus illustre, par le nombre et par lu constance de ses confes- seurs et de ses Martyrs, qu'on vemit ccrnsulter du fond de I1Orient et de la Sc*ythie, jusque:dans les lieux ozi iia Ltaiennt réglds.

O niesmo dizem os biographos dos bispos das dioceses d'esta illustre egreja.

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conselho de seu clero, e pedir o consentimento do povo para que o que elle fizesse fosse verdadeiramente feito pela egreja que era, dizia elle, o povo unido a seu bispo, de maneira que o bispo es- teja na egrrja e a egrejs no bispo.

As cartas que escrevia para outros bispos, lia-as, antes de as enviar a seu destino, ao povo de sua diocese, e o mesmo fazia com as que d'elles recebia.

Não menos digno de attenção 6 o que se passou com a eleição de S. Cornelio na egreja de Roma no anno 261 da era Fulpr.

Quando em 20 de janeiro de 250 S. Fabiano, papa, soffreu o mart!rio, estava Decio occupando o throno imperial; e o odio que á religião christã tiriha este homcm violento, a importaricia da ca- deira episcopal de Roma, já tiio clara de epcgios occupadores, fizeram com que se não podesse eleger bispo para substituir aquelle. Os padres e diaconos tomaram o governo da egreja romana na sua interinidade.

Em quanto aos negocios mais importantes e extraordinarios, como o attesta S. Cypriano, elles nada resolkiam, esperarido ~)cllo bispo.

Dezeseis annos depois a cadeira de Roma 6 occupada por S. Corrielio,

S. Cypriano conta-nos a maneira, por que este vara0 foi orde- nado. '

Tractava-se da eleiçáo para uma das cadeiras cpiscopac~ rn:~;. notaveis e mais imponentes pela tradição apostolica e por seu lo- gar no centro do imperio, e não 6 de crer que estes padres, que durante dezcseis annos conservaram tão pura a discitilina c sou- beram tão virtuosamente sahir-se de táo pesado encargo, não é de crer, digo, que no momento solemnissimo da ordenacão de seu bispo se afftlstassem da sã disciplina da egreja e da tradição apos- tolica.

Ouçamos o que escreve S. Cypriano 1 :

aNemo jamjam niinc frater charissime, et ad personam Cornelii acollegae nostri, ut Cornelium nobisciirn veriiis noveris, non de mali- wgnorum et detrahentium meridatio scd de Dei jridicio, qui eum epis- acopum fecit et coepiscoporum testimonio. qiiorum numerus iiniversus uper totum mundum concordi unaiiimitatc consensil. Kam qiiod Cor-

1 Epist. 2:, Iib. 4, píig. 189.

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anelium charissimum nostrum deo et Christo et ecclesiae ejus, item aconsacerdotibus cunclis candabili praedicatione commendat non istc aad episcopatum subito pervenit, sed per ornnia ccclcsiastica officia apromotus et in divinis administrationibus dominum saepe prome- urilus ad sacerdotii sublime fastigium cunctis religionis gradibus as- ucendit.~

Quando com a eleição de Cornelio se levantou o famoso schis- ma de Novaciano, o qual se fez ordenar bispo fraudulentamerite, este schismatico escrevia a todas as egrcjas para lhe fazer constar a sua ordenação, dizendo que fòra constrangido a acceitar a ca- deira de Roma, que sua humildade rejeitava i.

Ao mesmo tempo deputava padres para Africa e Alexandria a pedir a communhão d'essas egrejas ; e era isto na epocha em que por toda a parte appareciam as cartas de Cornelio tractando do mesmo objecto 9.

A vista d'isto tudo, em presença d'estes factos, de que ningucm póde duvidar a não duvidar de si proprio e do mundo todo, como se pode crer que um bispo, um metropolita mesmo, ousasse crear por si s6 uma nova parochia, separar da christandade, ou de seu suffraganeo, uma parcella para a dar a outro, ou erigil-a em nova parochia ?

Como? se o conselho dos bispos e metropolitas se ouvia e dc- via de ouvir para as cousas mais insignificantes?

Será preciso demonstrar que n8o era importaritc c grave para estes tempos de convicçties e virtudes fazer aqui110 mcsmo que os apostolos tinham feito pelo mundo.

Eis aqui como a fórma da eleição dos bispos prova que a cir- cumscripção de uma nova parochia não era cousa que se fizesse sem ouvir os bispos da provincia e o metropolita. E para aquel- les a quem não satisfizerem estes factos ha o texto das leis, que passamos a expor.

O can. xxxv dos apostolos classifica em duas categorias todos os negocios ecclesiasticos : para uns sào compctcntes os bispos por si s6 - são as cousas que pertencem exclusivamente á parochia propria e aldeias que lhe estão sujeitas ; para outros, náio 6 com- petente o bispo s6, nem tão pouco o metropolita: sáio sim corn-

1 Tillenaont, obr. oit., tom. 3.0 art. S. CorneiUe pape. 2 TiUernont, log. cit., art. x, pag. 452.

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petentes os bispos da provincia, ouvido o metropolita, isto é - o synodo provincial.

Pertencem a esta ultima classe os negocios attinentes a toda a provincia - quae totam Provinciam sive ecclesiam communem statum concernunt I.

O can. cit. diz :

~Episcopos Gentium singularum scire convenit, quis inter eos pri- tímus habeatur, quem velut caput existimcnt, et nihil amplius praeter trejus conscientiam gerant, quam illa sola singiili, quae Parochiae pro- trpriae, et villis quae sub ea sunt competunt: sed nec ille praetcr (íomnium conscientiam faciat a1iquid.n

Era isto t3o necessario para evitar a arrogancia dos bispos e a anarchia no governo, que o can. acaba dizendo:

aSic enim unanimitas erit et glorificabitur Deus per Christum in Spi- trritu Sancto. ))

Lonaras, o commentador grego, citado por Van-Espen e estc escriptor, dizem :

«Hoc autem merito statiim est, ne alioquin primiis Episcopus vel ~Metropolitanus, honore abutens hunc rnutet in dominium, et uni trsibi potestatern arroget, t u a ut Bpiscopi sibi consenticntcs, chnritales oquc vinculo colligati exemplum sint Clero et popiilo dilectionis et con- trcordiae. u

O cai]. xrv confirma indirectamente isto mesmo. Ahi se prohibe ao bispo abandonar a parochia propria e ir

para outra ; e comtudo admitte-se-lhe que o faca, mas em caso extremo, dc força maior, quando a caridade ou a utilidade da pro- sirna cgreja assim o exige imperiosamente ; cauteloso, porem, o can. accresccnta :

u ... Nisi forte rationabilis cum causa compellat, tamquam qui possit tíibidem constitiitis plus lucri conferre, ct in causa Religionis aliquid uprofectos prospicere et hoc non a semetipso pertentet sed multorum uEpiscoporum judécio et maxima supplicatwne perficiat 2.u

1 Van-Eupen. obr. cit., tom. 3.0 schol. in can. xxxv apost. Thomas. Vet. et nov. Ecclee. Uiscipl. P. 1 , lib. 1 , cap. LIV, n.O 14.

2 Bem sabemos n6s que estes canones nso eram geralmente recebidos na,

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Sendo assim, como classificar em negocios pertencentes itquillo que 6 proprio de certa parochia a creação de uma nova parochia ou diocese? como admittir que se abalance, com dircito, a acto de tal importancia um metropolita, ainda que occupador de algu- ma das cadeiras mais notaveis ? como? se esta 6 a disciplina pura, a disciplina que se estriba na tradição divina e na obscrvancia apostolica, a disciplina que se deve guardar e reter, a que se pra- tica fere per provincias universas; a disciplina que devem defen- der, mais que as outras, as sés dc origem reconhecidamente apos- tolica, aquellas onde os discipulos de Jesus se rcuniam, d'onde partiam para todo o mundo, euntes bini, ondc mais tempo se de- moraram e permaneceram ?

E ninguem ousarb taxar de insignificante tal assumpto ;-pois que ate os proprios, que dcfcndem as doutrinas d'alem-montes,

cgreja romana e no occidente ao tempo em rluc Dionysio Exiguo, ou Pe- queiio, fez a versão d'elles, que poz i testa do seu codigo.

As suas palavras, na pref:ição ou epistola ao bispo Estcrão, que precede o codigo. não dão logar a dividas : S... in principio canonea qui CEicz6ntr~r Apos-

tolorum de Graeco transtulimua, quibua p i a plurimi coneensum ~zon prar- ~buere facilem, hoc ipeum vestram noluimus i!/t~ornre arcnctilatem ; quamcta ipostea quaedana constituta Pontijcum ex ipsia cano~~ibus desumpla est vi- adeantzsr. s

Não faça, porem, pcso esta consi&eração, porque o não tem. Nós não tractamos aqui de procurar a disciplina da egreja roinsna, ou dc

Constantiriopla, Alexandria, ou da Hespanha : queremos saber qual a legis- l a @ ~ geral da egreja; qual a verdadeira disciplina, regra commuin, direito geral.

Reconhecida a auctoridade aos canones apostolicos; attribuido aos seculos 2.0 e 3.0 o seu coiiteúdo; não podemos, nem devemos, prescindir de tão ve- nerando~ monumentos.

Conteste.se essa auctoridade, negue-se a sua antiguidade e depois coiifu- tem-se as uossas affirmaçòes; mas, emquanto se admittir, como admittimos, a veracidade d'eates canones, prcteril-os, desprezal-os, era uma impcrdoavel falta.

Os canones apostolicos, se são o transumpto da disciplina dos concilias do 2.0 e 3.0 seculo, são ao mesmo tempo o espelho fiel da tradição spostolica.

Pouco importa quem tenha sido o seu aiictor: o que 6 certo é quc, pela sua materia e pela sua antiguidade &o, depois dos Actos, o monumcnto mais respeitavel dos tres primeiros seculos da egreja, preciosa lembrança histo- rica d'esses tempos e inestimavel documento de legislação primitiva.

Ao que parece eram reconhecidos e tidos até por obra dos proprios apos- tolos no orieute desde muito; no occidente, porem, sc eram jzí coriliecidos antes da traducção de Dionysio, como o descobrem as palavras d'elle acima citadita, não eram comtudo geralmente recebidos, e difficil era a acceitapâo de sua auctoridade -pZwimi illia ccnaensum non praehuere facilem. Mas corno entender as expresdes'do celebre abbade scitha? nlo se dava 4

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se baseam, para dar ao papa esta prerngiitiva, na importancin inex- cedivel, summa, de similhantes objectos, como abaixo teremos occasião de ver.

Hu bem sei que nenhum d'estcs textos diz, aberta e expres- samente, que a creação de novas dioceses é negocio que s6 pcrtcnce ao synodo provincial, e aqui é que est8 a difficuldade da questão ; - mas n6s provámos indirectamente qual era a melhor, a mais pura disciplina ; evidiwcifimos como a tradição cra respeitada, o que era sabido de todos; e, ultimamerite, troiixernos á luz um canon, que, se o não diz espccificadiimcnt~, mnritla-o todavia mui positivamente na generalidade com que se exprime.

Acima dissemos que nóo s6 a egreja de Africa era uma das mais rclspeitaveis d'estes tempos e das mais respeitadoras da tra- tli(;;n, mas tambem quc os caiiones dos coricilios, do 4.' seculo, eram como que o espelho sereno da disciplina de eritào ; e n6s vamos citar um canon do 4." concilio de Africa, celebrado no

facil asscntimcnto a que? 9, origem realmente apostolica ou á sua ,i:iri:r l i -

dade? Dionysio escrevia no começo do 6.0 seculo, e traduzia- os do grego, porque

vestram noluirnus ignarare sanctitatem, e, notumos bem, inseria-oe no eeu codigo primeiro do que os eanones de Nicea.

Não era da sua provecta antiguidade que se duvidava no 5.0 seculo, mas de s11a origem apostolica.

E que iio occidente, e na propria Roma, alguns havia que Ilies pi ?<ta\ 1111

o maior re~peito é o que deixa entrever o que Dionysio escreve na epistilla citada: e.. qztamvispostea quaedam constituta Pontijicum ex ip& canonibw .desumpta esse videantur..

Estas memas palavras mostram já a sua esistencia iios fins do 3 . O seculo, 1)elo nienos.

Se a isto junctarmos a tradição que os attribuici aos apostolos, e que de- motistrava assim a sua origem perdida nos primeiros tempos; se accrescen- tarmos que a materia que contêm ern nada destoa da vida e costunies d'estas erm, antcs Ihcs (t perfeitamente aiialoga; nenhuma duvida ficará a respeito da veneração qne merecem e do dever que tcrn o carionista de os não esque- cer, quando procurar a legislriçiio dos tres primeiros seculos.

Estes dois caiiones que citlmos são dos primeiros citicoenta que Dionysio verteu do grego, e cnja pureza se não questioiin.

No concilio dc Antiochia, reunido em 341, os parlrea, redig'ndo o crrn. m, que repete as piescripçGes do can. xxxv rloq ~ p n ~ t o l r ~ s , que citârnos no texto, falavam do seguinte modo a respeito d'cstes c:iiioticti :

S... Uride placuit eurn rt honore precellere et nihtl amplius praeter eum, ~caeteros Episcopos agrre (secundum autiquam a I'atribus riostris Hegdam ~gco~~stitutanz) nisi eu taaturn quae ad suam dioecesim pertinent, poeaessionee- . yue subjectas.

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tempo de Bonifacio, onde expressamente se incumbe esta tarefa ao synodo provincial. o can. xx 1 que diz :

aPlacuit et illiid : iit plebes, quae nunquam habuerunt proprios aepiscopos, nisi ex concilio plenario, uniuscujusque provinciae et pri- umatis atque consensu ejus ad cujus dioecesim eadem ecclesia perti- anebat, decretum fuerit, minime accipiant.))

Pouco nos importa agora que nos alleguem exemplos em con- trario, se alguns positivos se podem offerecer 9. Em todos os tem- pos se deixam de executar as leis e estes tres primeiros seculos,

! Tempore Bonifacii caelesti habitum -Collecção do padre Labbe, tom. v. E o mesmo canon XCVIII do Codex Canonum mlesiae afrkanae da verslo

de Christophoro Justello. 2 Thomaa. Vet. et Nov. discivl. Eccl. P. 1.'. lib. 1.". C ~ D . LIV. Neste logar, como em muitos outros, escrévc este áuctor sem critica ne-

nhuma, deixando para quem lê o trabalho de tirar dos facto8 que allega o proveito que offerecem.

Do que elle diz aqui não se deduz verdadeiramente que o metropolita po- desse por si s6 erigir novos bispados; mas tambem não 6 positivo que fosse indispensavel para esse effeito a approvaçho do synodo provincial.

Os n.OS 4, 5 e 14 parece mesmo estarem em contradicçâo. Lê-se em um logar : a ... ita certissimum praebet ejw potestatia argumentum qwrm in eri endie

uintra Prouinciam suam Episcopalibua novis habebant tunc ~ e t r o p o i t a n i . IL.O 4, e maie abaixo.

~Denique potuisse Metropolitas in sua quemque Provincia Episcopales acreare Sedes, saltem coneentiente Prowinciali Conci1io.r n.O 5.

Lê-se noutro logar : aPrimalis Coiicilii Provincidie, et ejus hpiecopb ne- rceaeariue erat conseneus, e cujue Dioced Episcopatuo decerpebatw. n.° 1 4 . ~ e ainda :

rDenque Canonea ipez' canones ipsl: expreasie verbb Conciliiu Provinciali- abus haec probari praecipiunt..

Qual a disciplina depois d'esta confusão? Talvez a soubesse Thomassino, mas não a sabemos n6s por este livro; e,

ainda que a maior parte dos exemplos sejam extrahiclos de factos do seculo IV, vamos em poucas palavras ver se damos alguma luz a estes logares.

O exemplo do poder dos metropolitas, ainda que verdadeiro, não pode illidir a força dos canones dos apostolos que citAmos : sed nec ille praeter omnium conecientiam faciat alipuid.

Demais, alem de esses exemplos serem tirados de factos, onde o aperto das circumstancias como que dava aos metropolitas não ri6 o direito mas tambem a obrigação de erigir novos bispados, não dizem elleri se o metropolita pedia para isso, ou n h , o consentimerito dos bispos da provincia ; antes, pelo con- trario, parece entrever-se ista mesino; e o proprio Thomwsino o presentiu, quando escreveu saltem consentietite concilio provincialz'.

E se este eacriptor em o n.' 14 sabe levantar essa objecção a respeito da

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alem de serem os seculos das perseguições, das heresias e dos schismas, sno tambem os seculos da formação da hierarchia e po- deres temporaes da egreja, onde só é positivo e firme o que se basCa na tradição divina, na observancia apostolica, unidade do episcopado e unidade da egreja, os quatro grandes principios quc se nos aRguram ser as quatro ingentes columnas do berço do ca- tholicismo e que explicam como tudo nestas eras se decidia por conselho, como tudo tinha este aspecto democratico, como hoje sc diria, e que então se chamava cvangelico, humilde, fraternal, chris- tão, porque outra cousa não 6 a democracia.

nova diocese de Fussala, e responder lhe que isso se devia subentender, por- que ri50 ha de aqui dizer-se o mesmo?

Silet quidem sanctus doctor consensum Concilii P~ovincialie, at ia confineri videtur corzaeneione Primatia qui vix quidquam majoris rei n&i de Concilii sententia ntoliebatxr.

A quem conhece Thomassino njio espantam estes defpitos e rstas inoohe- rencias : por difiuso e pouco fiel nas citaçGes tem a critica reconhecido este escriptor.

O que não comprehendemos, porhm, 15 que se citem dois ou tres factos iii- completos e vagos, e que se passaram no iv seculo, r se dica depois riii r.ov - clrieão que tal era a antiga disciplina da egreja desde os liiiineiros s c ~ i i 1 0 - I

NiXo conhecia Thomassino os canones dos apostolos que citArnos? Não sabia o illustre padre do oratorio que nestes tempos de peraqui@w,

em que a egreja vivia quaei a medo, separada c attribulada pelas hereaiae, 136 era certo e firme o que ?e ajiistava corn a tradiçiio apostolida e divina? que tudo neste periodo se fazia por discussão e conselho, e nada imperativa e despoticameiite?

Aeeim se escreve em bistoria, e assim se tractam geralmente 88 vezrs '13 mais graves quedùes de direito ecclcsiastico !

Onde se não copiam sem discernirnento, os escriptores cibm 9m ou oiitro mal averiguado facto, de cujs obscuridade deduzein o que B fwil para a sua intenção.

Nio nos admiremos, porem ; porque mais adeante v a m a ter occa~iio de ver um exemplo d'esta leviandade culposa mais espaiitoso e atrevido.

No capitulo seguinte apreciaremos mais de espago alguns doe factos, a que Thomasaino aqui se refere.

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CAPITULO I11

Desde Constantino at6 ao seculo IX

O edicto de Mil80 do anno 313; suas funestas consequencias no destino da egreja. Ap- parece o grande problema das relacões da egrcxja e do estado. - Comeca a reduccào a escriplo d a disciplina ecclesiasli6a. -A leilura dos canones e outro; documenios revela a divisa0 d a egreja bem determinada e definida, e quáo ant i a era a posse dos priviiegioa inetropo~i~icos.-I A O synodo provincial pertencia o fireito da crea- $20 das novas dioceses e metropoles. -Sào raros, apezar d a imporlancia do objecto, os canones a esle respeito: explicac80 d'este facto. - Can. ix de Antiochia, Can. xvii de Calcedonia, Can. x x do 4.0 cone. de Carthago, Can. xvii dos do Co- digo da Egreja Africana. O can. 51, caus. xvi, q. I:, geralmenteallegado, iiào prova o que pretendem: o final do canou, nao transcripto no Decreto, Lem comtudo toda a forca probaloria. - A aucloridade do synodo provincial e reconhecida a cada passo-nos concilias d'estes seculos: textos que o evidenceiam. - A disciplina primitiva d a inslilui$o dos chamados chorepiscopos conlém um exemplo. - 11 OS papas ainda 1180 tomavam parle nestes negocios. - Opiniães em contrario - Tlio- massin, Goschler, Bellarmino e a eschola ultramontana. - Critica doa argumentos d'estes escriptores.-Nào obsta o can. xxviii de Calcedonia: explicaelo d'este ean.-- O cnn. vi de Nicea robusiore a nossa opini?io.- Um trecho do Tentamen Theologi- cuni.- Pactos em contrario d a disciplina. - A criliea historica do P.a Thomassin. -Não tem peso os exemplos extrabidos tla vida de S. Gregorio 111.4) que aignifi- cam a s vers0rs Ialinas dos canoiies e rodigos 0rientaes.- No seculo x ainda se nAo reconhecia geralmente a siipremacia papal nestes assumptos.-A hisloria do cres- cimento do papado a te o s ~ c u l o ix e das suas relacões coni a s grandes egrejas do occidente esclarece este ponto.- 11 l O poder real &o intervinha como parle prin- cipal: caracter especial da legislacão c1inonica.-0 aclo 4.0 do concilio de Calcetlo- nia contém os principias regulado;es da materia: a egreja nunca hesitou em ser O supremo juiz d'estes negocios.-Can. xii do mesmo concilio.-Em varios confliclos resolvidos nas sessões d'esle coocilio se firma egualinente u mesma disciplina.-Os canonistas gregos Balsamnn e Zonares e o can. xvii de Calcedonia: rocctlencia dar suas razoes. - O ean. xvii nào contradicta o can. xli: explicapiio dP1estes canones. - Epis lo ia~ decretaes de Iniiocencio e Bonifacio I -Factos em conlrario das leis ecclesias1icas.-Origem d'estas coulradircões, incoherencia dos canonistas.

Com o seculo de Constantino começa para a egreja uma nova epocha da sua vida.

Na0 podemos ler estas paginas pavorosas da historia sem nos sentirmos penetrar de funda tristeza.

A egreja parece-nos aqui uma joven inexperiente e candida, que - a mão d'uma amiga dissoluta conduzisse para um lupanar.

Sim ! que a egreja vai aqui luzente e radiante, risonha, cheia de esperança, confiada no celebre rescripto da liberdade de conscieu-

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cia e de cultos e admitte no gremio das suas assemblêas respei- taveis um imperador dcvasso, irinbicioso, sem consciencia, srm crenyas, aspirando ao imperio em tudo c em todos; - a egreja qiiasi adora este scclerado que os mais horrendos crimes mancham e fazem aborrecer; descreve-o puro e sancto com a penna de seus historiadores; v&-o corifuso e pinta-o cheio de emoção quando se assenta, coberto de purpiira c com a fronte cingida de pedras re- luzentes, no meio dos padres vencrandos de Nicea; e, cega, nao v@ que este abraço, que clla cuida puro e celestial, é um amplexo concupisce~ite e humano, que a ha de aviltar rio futuro; e, descui- dosa, entrega-se nestes braços, que se lhe abrem, qiic ella julga serem os braços da fraternidade e que sáo súmentc os laços subtis do corpo da vibora da autocracia e das pcrdiyòes do imperio! Que teria sido da egreja se n:io fossem os seus Agostinhos, o4 seus Chrysostomos, os seus Cyprianos? Que seria da egrcja se Athana- sio nào tivesse neste primeiro momento a inspirayao de declarar o symbolo da f6 para prender a sua unidade moral? Que seria d'ella se niio fosse este mal que lhe corria o imperio e lhe q~iehrantavn as forças? se n8o fosse este ultimo viver effeminado de C~i~isiiiii- tino e esta escravidão oriental que acabou em Byzancio de dissol- ver o imperio?

Quando se reflecte no que podia ter sido a egre.ja christã; quando se pensa e se descobre de c~ntrc as paginas do Evangelho iim ho- rizonte vastissimo, cheio de luz, sublime, e se olha depois As tr41:w. aos desvarios, ás luctas, fis imperfciyòcs que 11o.j~ cobrem tlc Iùllos este vulto candido e colossal da egre.ja, sente-se bem a coridic;80 e fragilidade das colisas humanas, que os proprios livros sanctos tanta vez nos lembram.

Ou srja Constantino umvulto abjecto, como o fazem Juliario e Sozomeno, ou um homem puro e justo c grande, como o qucrem Eusebio, Lactancio; o que (. certo 6 que a cgrcja neste momento tocava, sem o perceber, em uma de suas maiores tentações e de suas maiores desgra~as.

A egreja sentia, de repente, sob suas máos, os thesouros do po- der temporal, e este contacto infernal despertava-lhe um dese-jo novo e fatal, desprendia-lhe os olhos do cbu, ondc os tivera fitos at6

1 Edicto de Milão de Constantino e Licinio, do anno 313 - Lactanc. de Mort. pereecut. c. 48 - Euscb. Hist. eccles. x-5

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então para Ih'os escravisar com as ambiçóes do mundo, e para lhe preparar no futuro as luctas horriveis com o estado, este conjuge incestuoso com o qual agora se ligava.

É um momento solcmne, grande, cheio de turbações, de crimes, de horrores rio porvir, e de alegrias, de victorias, de contentamen- tos no presente.

Como mui bem diz Castelar 1:

aLa conversion de Constantino leuanta e1 problema pavoroso que aun no se ha rcsuclto y que debe resolver nuestro siglo, e1 problema de Ias relaciones de1 poder temporal con e1 espiritual, e1 problema de Ias relaciones de la Iglesia con e1 estado.^

Chamem embora os historiadores grande ou magno ao Cesar Romano, cantem nas suas cpopeas c elevem nas suas hyperboles este seculo de Constantirio, que para n6s nem são grandes a epo- cha nem o imperador; ou, se o sáo, é porque surgem deante de n6s grandemente fatidicos, grandemente abominaveis.

A historia da egreja sem este facto ~ o d é r a e devera ser o livro mais consolador e m;~is cheio de doqura c sanctidade; assim, essas paginas estão denegridas por toda a especie de crimes, e esse li- vro não se póde confiar das màos de uma donzella, porque em grande numero de seus capitulos, onde não 6 o livro dos maus sentimentos, é o livro das dissoluçõcs.

O primeiro effeito bem caracterisado d'cste grande e fatal acon- tecimento, o primeiro ponto onde rebenta esta podridão que o imperio, inocula na egreja, virgem e pura atb este tempo, é o se- culo nono; sáo as falsas decretaes.

Até aqui a disciplina conserva-se ri mesma; mas o veneno lavra activo, e a febre cresce ate esses dias.

Este periodo começa pela reducçào a escripto da disciplina ec- clesiastica.

A egreja firma-se, determina as suas fórmas, organisa-se, reurie os seus concilios, faz as suas leis.

O clarão dos tcmpos apostolicos e dos seculos limpi(1os das perseguições é ainda bem intenso para illumiriar os concilios ecu- menicos; a tradicç~o e a voz dos padres sustentam a egreja nestes primeiros momentos.

1 La ciuilieatwn en Zoa cinco primeroa sigloe de1 c h ~ a t i a n i m o , tomo 3 . O , leccioii setima y ultima.

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Veremos no capitulo seguinte como tudo se transtorna depois, repentinamente; por agora apontaremos a legislaçào sobre o nosso objecto.

Se ate aqui a sociedade religiosa christá vivia completamente independente e absolutamente desligada da sociedade civil, desde este periodo o estado das relí~ções 6 outro: k a mutua indepen- dencia e ao mesmo tempo a mutua alliança: o estado e a egreja soberanos cada um na sua esphera e eiitenderiiio-se reciprocamente quando se encontram no mesmo ponto.

Aqui, pois, começa verdadeiramente o objecto especial do nosso trabalho: o papel que o estado representa com relação 6 egreja no assumpto de circumscripção e erecção de dioceses.

Começaremos por demonstrar como a divisão da egreja em provincias e parochias (egrcjas, paroecias ou dioceses) 1 bem dcter- minada e definida permanece nestes e nos seculos seguintes.

NBo gastaremos milito espaço a fazel-o, porque 6 cousa incon- testavel, e que a leitura dos canones e outros monumentos histo- ricos manifesta a primeira vista.

1 A expressEo parochia, que se encontra a cada passo nestes oanonee e monumentos dos primeiros seculos, não significa como hoje as subdivi6es de uma diocesr, mas a propria diocese.

As egrejas, oii parocliias ou paroecias, tinham os seus diaconos e presby- teros, o seu clero, iriscripto no catalogo sacerdotal, adstricto a esss parochia, vivendo em muitos logares vida corninum com o bispo.

Limitada foi a brea d'rstas circiimscripçòes nestes tempos, porque o 11' devia n&o só coiihecer o sou clero e com elle resolver os negocio* da egi q ~ r , mas tambem soccorrer a sua plebe, estar ao pB de cada um na hora do perigo e da :~fflicç%o e I I O ii~ornerito da desrsperariça.

Parece que o Oriente e Africa deixaram perder mais depressa do que O Occicleiite o nome de parochia, primeiro paroecia.

A expressgo diocese, que se lhe substitue, vem da organisação politica do imperio.

1-2 reunião das provincias fazia a diocese, a que presidia o prefeito do pre- torio ou seus vigarios.

1)ioceses appellabantz~r administrationes mulfarum provinciarum, quae in unurn coactae per Praefectos pretori8 et eorznn vicavios regebantur. L. un. c. ?rt omn. jud. - L. 3, C. Theod. de collat. equor. -L. 34, C. Theod. de na- vicul. - Vocabular. Jur. utriiisq de Vicat, vbis -Dioecc,.ws e Paroecia.

Clliristophor. Justell. in observatio. et not. can. 56 Eccles. Afric. -Gos- chler dict..Encyclop. de la Theol. Cathol. vb. dioccse, not.

aDioecesis est (diz Baleamou ao can. rr de Calcedonia) qwie multa8 eub re habet Provinc2as.n

Esta express80 já nestes primeiros tempos se vê alguma vez empregada como nynonimo de parochia, especialmente em alguns canones de Africa, e j& no concilio de Antiochia no can. rx.

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,O can. IV do conc. de Nicea diz:

~Episcopum convenit, maxime quidem ab omnibus qui sunt in pro- rvincia Episcopis ordinari~ e no fim: ~Firmitas autem eorumquae ge- ururilur per unamquamque Provinciam Metropolitano tribuatur epis- «copo. »

As prohibições das transferencias e da acceitagão dos clerigos excommungndos 'noutras parochias continúa da mesma fórma ncs- tes tempos, tornando ainda mais exclusiva a circumscrip~ão eccle- siastica. Leiam-se os can. v, xv e xvr do cit. conc.

Por vezes mesmo se marca a Brea das provincias nas leis, em conformidade com o que o uso estabelecera; como, por exemplo, se 16 do can. vir, a respeito da provincia de Alexandria.

A mesma di~isão geral se percebe do can. xvrr do concil. de Ancyra, dos can. 111, ix, x e xxr, do de Antiochia, entre os quaes 6 terminante o ix.

O mesmo se esclarece com o can. ~ V I I de Laodicea com os dos concilias de Africa, que se podem ler no jB citado codigo da egreja Africana; e muitos outros.

Dos referidos canones de Nicea se descobre quão antiga era já no iv seciilo esta divisõo ecclesinstica e longa a posse dos privi- legio~ dos metropolitas e dos patriarchas, pois que elles s6 fazem conservar o que o costume antigo estabelecera.

E s6 depois do seculo x que os papas augmentam extraordi- nariamoiilc estes prij ilegios, com especialidade em volta de Roma nas provincias da Italiri.

Nestes primeiros tempos ii egreja parece mesmo que tracta este objecto como uma cousa qiiasi indiff'erente : razões extranhas B ca- ridadc christa os fizeram nascer, e os bispos tractnm-se muitas vezes em suas cartas sem usar d'estes titulos e honrarias, cha- mando-se simplesmente irmãos dilectos ou carissimos.

Quando depois, com o correr dos seculos e o augmento do po- der da egrcja, esfria esta caridade christã e esmorece este espirito evan~elico dos primeiros seculos; então multiplicam-se estes pri- vilegio~ para satisfazer ambiçòes, a ponto de ser hoje mui difficil dizer ao certo qual a emtensao dos direitos e prerogativas dos patriarchas, exarchas, primazes, metropolitas, etc.

1 Fleury, 4.em* Diecoars eur I'Histoire Eccles.

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Demonstrada a existencia de uma circumscripção ecclesiastica, cumpre dizer quem podia creal-a ou alteral-a.

A disciplina da egreja conserva-se a mesma 'neste espaço de tempo.

Vamos provar - 1 .O - que ao synodo provincial pertencia este direito ; .- 2.' - que o bispo de Roma náo tinha ainda este privi- legio ; - 3." - que o estado não intervinha como parte principal.

& muito para notar que, sendo, como C, este objecto summa- mente importante, sejam táo raros os monumentos legislativos. NBo é isto porque se tenham perdido, mas porque se n8o escre- veu categoricamente esta regra de disciplina. Os concilios ecume- nicos orientaes tractam dos privilegias dos metropolitas, lepislnm sobre os direitos dos bispos e attribirições dos s~nodos, r s ~ r i l , ~ I I I

varios capitulas de disciplina ; mas não providenceiam directa- mente para este ponto.

O concilio de Calcedonia discute' até questbes levantadas a re- speito da creação de novas metropoles por parte do estado, e, ape- zar de definir os direitos d'elle 'neste assumpto, nBo tem um t ~ x t ~ i so em que descreva os direitos respectivos da egreja.

Este facto prova que a disciplina era tão geral, tão incontes- tada, que não foi preciso providenciar para ella, definil-a.

Percorrei as paginas d'estes coricilios, tanto dos ecumenicos como dos particulares e dos africanos, e vereis que principalmente se occupam não de edificar nova disciplina, mas de conservar a sua pureza, castigar abusos, abolir primitivos costumes, .que a candura primcva conseritia, mas que então jh eram perigosos, condemnar as heresias e resolver pontos dogmaticos.

& ainda a tradiçóo dos seculos anteriores a fructificar vigorosa, a impor-se veneranda aos concilios, a influir potente na constitui- ção e governo (Ia egrsja.

E poiico admira similhante respeito pela antiguidade da disci- plina 'nestes seculos, quando no duodecimo e seguintes as falsas decretaes, se obtiveram tão espantosa acceitaçao, foi porque o seu

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auctor as attribuiu aos primeiros papas e aos primeiros con- ci l io~.

Esta idea viva e fecunda, que tudo prendia ao exemplo dos apostolos e do fundador d'esta sociedade, alentada pela voz e es- criptos dos padres e apologistas, teria sido ' a gloria e paz da egreja com o mundo livre c com o progresso, scnão fosscm as fraudes inauditas d'esse celebre Isidoro Mercador ou Peccador.

Essa mesma tradiçiio, que os padres da primitiva egreja defen- diam tão fervorosamente, 6 uma das fontes mais copiosas e res- peitaveis do direito canonico, e ainda hoje mais de uma voz pro- testa pelo desprezo em que se tem tido, e clama pela restituicão da antiga simplicidade, pureza e disciplina.

O primeiro canon que encontramos é o can. xx do concilio de Antiochia, capital do oriente, celebrado no anno 341 da era vul- gar. . Diz este can. :

«Per singulas regiones Episcopos convenit nosse Metropolitanum «Episcopum sollicitiidinern totius L'rovinciae gerere. Propter quod ad «Metropolim omiies undiqae qui negotia videntur habere cbncurrant. aUnde placuit eiim et Iionore praeccllerc, r t nihil amplius praeter meum, caeteros Episcopos agere (secundiim antiquam a Patril~iis nos-. ((tris Regulam coristitutam), nisi ea tantiim quae ad suam dioecesim upertincnt, possessionesque siibjcctas. Unusqiiisque enim Episcopus uhabet suac Parochiae potestatern, ut negat juxta reverentiam singulis ~competentem ; et providciitiani gcrat ornnis possessionis, quae siib uejus cst potcstate, ita ut Preshyteros et diaconos ordinet, ct singnla usuo judicio comprehendat. Amplius autem nihil agere tcntet practcr ~Aritistitem Metropolitanum, nec Metropolitanus sine caeterorum gs- urat Consilio Sacerdotum.»

.I? a mesma doutrina do can. xxx~v dos Apostolos, que acima transcrevemos, e ao qual se refere expressamente, como já no- támos.

Para que este texto não acabasse com duvidas, fora mister de- monstrar que a erecc;%o, suppressão, união e divisão das dioceses eram negocios, que tantum ad suam Dioecesim pertinent.

Mas o can. diz terminantemente: -cada bispo tem podcr na sua parocliia para providenciar ás necessidades da área que lhe está sujeita ; amplius outem, accrescenta, tzihil agere tentet prae- ter Antistitem metropolitanum.

Nem o metropolita s6 o pode fazer, porque o can. é cauteloso 4

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em mandar que nec Metropolitaaaus sine Gasterorum gera Comi- lio Sacerdotum 1.

No can. XVII do concilio de Calcedonia, o quarto dos ecume- nicos, reunidos no anno de 4.5 1, estabelece-se a prescripçáo de trinta annos para a acquisição diis parochias, cuja posse os bispos retem sem direito, mas tilcançam itulla cujuscumque injuria, SELE bo~ta fide, sinc. itrjustis quibusve mediis 9.

Não diz este cari. como se adquiriu esta mera posse. (104 bispa- dos por tanto tempo; mas os canones, já anteriores, j A coiitempo- raneos e posteriores de outros concilios, vêm cheios de casos si- milhantes: a falta de tres bispos pelo menos na ordenação; a fa- cto mesmo de se ser ordenado bispo de logarcs do campo sem numerosa população e sem se darem casos de força maior; as ordenações de novos bispos sem consentimento da plebe que nunca os tivera proprios e do bispo de quem se desmeml~rava ; e outros, eram causas pelas quaes o bispo de certa parocliia 1180 tinha di- reito a sel-o 'nessa parochia.

O can. determina que, quando a respeito da prescripçào de qiie tracta se levantarem contestaçóes, ellas sejam levadas ao synodo 1 1 1 1 1 -

vincial para as resolver. , -

(c... quod si intra tricennium facta fuerit de his, vel IPat aR- licere eis, qui se laesos asserunt, apud sanctam Synodum prolabdhs de his movere ccrtamen.

E pois a auctoridade e competencia do synodo provincial iieste objecto evidentemente reconhecida.

O texto, note-se, na0 diz que recorram ao metropolita, iirm que decidi1 o bispo da parochia mais proxima ou da propria e primeira diocese ; o texto 6 claro.

Quasi todos os escriptores citam o can. xx do 4.O concilio. de Carthago (o 11 .O de Aliica), que 6 de todos o mais decisivo, pois, falla~ido deplebibus quae nunquam episcopos habuerunt, diz que os não recebam nisi ex concilio plenario uniuscujusque prouiwiae et primatis atque consensu ejus ad cujus dioecesim ea&em ecclrsia

1 Veja abaixo ácerca da auctoridade d'este concilio o que escrevemoa a pag. 54.

Zonarap in can. xvrr de Calcedonia

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portinebat)) declarando assim outros canones de concilim anterio- res menos exprcssos 1.

'Nestes concilios africanos permittiarn-se algumas excepções a estes principios, excepções que hoje nao t&m razão de ser, porque se fundavam cm circumstancias puramente de occasião e transitorias.

Assim, quando a egreja, tendo seguido a seita dos donatistas, pedia para ficar cathedral, abraçando a unidade, dispensavam-se o assentimento do bispo e a approvação do synodo; e do mesmo modo, quando em alguma diocese o bispo extirpava a heresia de certa diocese e a possuia juricta á sua pelo espaço de tres annos, ninguern lh'a podia já arrebatar (can. cxrx e can. cxvirr do Cod.). São excepções que confirmam a regra.

Para a erecçào das metropoles, apezar de a regra ser, como temos dicto, o respeito pelo antigo costume, n8o se creando mais privilegios do que os que a antiguidade estabelecera, como bem alto o repetem os concilios desde o de Nicea; comtudo, quando circumstancias especiaes, como a vastidão da provincia, o exigiam, era s6 com o consentimento de toda a egreja, bispos e metropo- litas que se erigiame.

Ha um texto que o evidenceia: 6 o Can. xvir do Codigo dos canones da egreja africana3.

Diz :

rPlacuit ut Mauritania Sitifensis ut putavit primatem provinciae Nu- midiae, ex cujus coetu separatur: ut siium habeat primatcm: quem consentientibus omnibus primatibus provinciarum africanarum vel omnibus cpiscopis, propter longinquitatem habere permissa est.n

Allega-se gerahnente o Can. tji, caus. XVI, q. 1 .", para provar

1 Veja supra a pag. 41. 2 S... ergo secundum pristiniim provinciarum morem metropolitanoe Epis-

copos coiivciiit iiuinerari.~ Iunoc. i i r -resposta a Alexandre bispo de Aiitio- chia,,Decret. XLVI no Codigo dos canones ecclcsiastiws de Diohysio Exiguo.

3 E prirriitivatneiite um cauoue feito no coiicilio de Hippoiia do aiino de 393. Todas as pivvincias romanps de Afriea tiriharn u m primaz, 4 excepçso da de Stefe, que recoiihecia o de Numidia. 'i\'esse coiicilio Celiano e Honorato, bis- pos d'essa proviricia, ~edirarn em tiome dos outros o primado para elia. Au- relio, bispo de Carthago, quiz ouvir a todo o concilio, e Epigonio propoz que egualrneute devera dar o seu couseritimento a egreja de Nuinidia. O cauon que se fez 15 esse, e 'nelle vemos a cautela com que os padres declaram que o primaz da Numidia julgara conveniente e todos os primazes e bispos cone vinham que ee d6sse a Stefe um primaz seu.

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que pertencia ao metropolita e synodo provincial o exercicio d'este direito.

Este can. LI do Decreto 6 o can. LIII do Codigo Africano e o 42 do terceiro concilio de Carthago, do anno de 397, o qual diz assim 1 :

((Multis concilis hoc statutum est a coetu sacerdotali, ut plebes quae in dioecesibiis ab episcopis rctinentur qiiac episcopos nunquam haliue- runt non nisi cum roluntate ejus episcopi a qoo tenentur, accipiant rectores. »

N50 prova, porém, o que pretendem. As palavras a coetu sucerdotali, as unicas que podem involver

alguma duvida, querem dizer, não que a plebe receba o bispo n coetu sacerdo~alt. mas que em muitos concilios foi estatuido pela assembleia dos bispos que nenhuma plebe, que nunca teve bispo pro- prio, o n8o receba serião com a vontade do sacerdote de quem se separa.

Se formos ler este canon na sua integra ao Codigo do. cnri l) i ies I I da egreja africana, lá acharemos que Epigonio, acabando c . , . I ~ I I

e dirigindo-se ao synodo, dizia :

aQuapropter si universo sanctissimo coetui placet hoc, quod prese- qiiutus suum, confirmetur. n

Estc texto que citam do Decreto só prova que a plebe não tlo\(> acceitar bispo pela primeira vez contra a vontade do seu primilivo reitor.

E como podia ser outra corisa? nâo v6cm (pie c.tc t v ~ t o tem iiitcrcalado naquelles onde se basêa a nova disciplina qiic. coiiíi~re ao papa esta prerogativa?

Estc cari. 6 o can. XLI, e O can. XLVIII inscreve-se no Decreto -I)uos episcopatus in unum redigerc apostolica potrsl auctoritas; o Can. XLIX: - DUOS episcopatus i11 unum red ig~re npostolicu valet auctoriías; - e o can. LI I I , fallíindo da necessidade de crear novos bispados onde cresce a multidão dos fieis, 18 tem as cxpres- sões: ex vigore apostolicae sedis debeas ordinare episcopos.

Ao que parece eram muito communs por estcs tempos na cgreja

1 É citado depois no concilio do anno 524, bem como outros do mesmo concilio.

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africana, por ventura que por causa de sua vastidiio, os exemplos de usurpaçóes de bispados e a arrogancia dos clerigos levava-os a excitar a plebe por elles ut illicito facore eosdem velinl sibi col- locare rectores 1.

Para acabar com estes abusos 6 que se fez este canon. O monge, auctor da concol-dia dos canones discordantes, copiou

para a sua obra a primeira parte d'este texto e esqueceu-se da ul- tima ; isto, naturalmente, para realisar a concordia, porque em ver- dade as derradeiras linhas d'este canon, destoavam das jii estabe- lecidas usurpações ou reservas papaes.

N6s servimo-nos d'este canon, para corroborar a opiniáo que deixamos exarada, apezar d'isto tudo, e com tanta mais força, quanto aqui lançamos mào d'elle, não como Graciano no seu De- creto, quando já o costume, abuso ou n50, e as falsas decretaes tinham conferido a Roma tantos privilegias; mas em face da his- toria, nào tendo necessidade de desprezar algumas palavras que nos não agradem, antes lendo-o inteiro, entendendo-o á luz da epocha em que foi feito e para que regia, e no meio da legislaçáo canonica que o completa e explica.

O final d'este texto, depois dos outros africanos que citámos, e para quem conhece a historia d'estes primeiros seculos, 6 clarissimo e positivo.

r0portet enim, diz Aiirelio respondendo a Epigonio, ut qui uni- eersis fratribus ac toto concilio inhaeserit non solum manet jure inte- gro, se I e1 dioeceses possideat. At vero qui sibimet pulant plebes suas sufficere fraterna dileetione mnhmpta, non tantum dioecescs amittant, sed ul dixi etiam propriis publica careant auctoritate ut rebelles.~

A auctoridade do synodo provincial B nos concilias d'este pe- riodo reconhecida a cada passo em grande numero de cousas que não sáo mais do que applicaçóes do principio exarado 'naquelle can. ix de Alitiochia.

Não devemos omittir o can. XVI d'esse mesmo concilio, onde se v& isto bem claro, na hypothese, .que contém, quasi identica, ou que importa a nova creação dc bispados.

1 Cit. csn. &rir.

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O canon manda que :

uSi quis Episcopus vacatis 1, i n Ecclesiam prosiliat sedemque per- vadat, absque integro perfectoque concilio; hic abjiciatur necesse est, etsi ciinctus popiilus, quem diripiiit, eiim habere delegerit. Per- fectum vero concilium illud est ubi interfrierit Metropolitanus An- tistes..

Nem se diga que este concilio é particular, e que por isso não tcm valor este canon senão para certa parte do oriente. Nãio é assim.'O concilio de Antiochia foi tao venerado e teve tanta au- cioridade no orbe catholico, que um seculo depois, no quarto con- cilio geral da egreja, em Calcedonia, reunidos 631 bispos e os legados da se apostolica, este canon foi lido para resolver certa contenda entre dois bispos, e applicadas as penas 'nclle estatuidas.

O mesmo aconteceu com os canones dos concilios de Laodicea e de Gangres, bem como com os dos concilios africanos, especial- mente de Carthago.

Leiam-se tambem os can. XVII e XVIII.

O can. XXIII, falando da nomeação de successor para o bi5pado feita pelo proprio bispo, exprime-se 'nestes termos:

i, :I -

aEpiscopo non licere pro se altertim siiccessorem sihi c- licet ad exituni vitae perveniat. Quod si tale aliquici factim irritiim esse hrijuscemodi est constitiitiim. Servetiir autem jus Ecrle- siasticiim, id continens: oportere non aliter fieri nisi cum Syiiodo ct judicio Episcoporum qui post obitum quiescenlis potestatem habent, eum, qui dignus extiterit, prom0vere.r

O can. xii do concilio de Laocidea de 370, determiria :

uUt Episcopi judicio Metropolitanorum et eorum Episcoporum, qui acircumcirca sunt, provehantur ad Ecclesiasticam potestatem; ... u

Na instituição dos antigos chorepiscopos, ou dos bispos das egrejas das pequenas villas e aldêas do campo, se v& um exemplo d'esta disciplina.

Onde a sollicitude d8 bispo náo podia chegar com proveito a

1 Veja-se o schd. a este can. em Vair-Espen. no tom. 3.0 das obras a pag. 140, a respeito da sigiiificapão d'eatas expressões - Epiwscqua vacuns.

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todos os pontos das diocescs, ou porque os schisms ou as distan- cias 111'0 não consentiam, ou porqiie a multidão dos fieis crescia desmedidamente, ahi se erigiam novos bispados.

O concilio de Sardica do anno de 347 e o de Laodicca de 370, prohibiram e,condemnaram este costume, fundando-se em que era preciso conservar em todo o seu esplendor e força a auctoridade episcopal,-ne uilescat ttomen Episcopi et aucloritus 1.

Apezar d'isto, mais de uma vez sc infringiu esta disciplina, con- servando-se o costiimc de certos logares e provincias :- nam cum ampliorn erant episcopatzas, quatn ut eis Episcopi unius in um- pla civilale dege~ltis cura suficere posset e. . . .

Sancto Agostiriho escrevia :

«Cum me viderem latius quam oportebat extendi, nec adhibendae sufficerem diligentiae, quam certissirna ratione adhiberi debere cerne- bam, Episcopum ibi ordinandiim constitoendumque ciiravi '.B

Bingham assevera que esta lei não foi executada no Egypto, Libya, Chyprc, Arabia, Asia-Menor, e outros logares *.

Gonzales no l o p r citado, bem como quasi todos os escripto- res, offerecem varios exemplos d'esta inobservancia, como o pro- vam antigos monumentos.

O auctor das origens ecclesiasticas, quando fala das causas a que se devem attribuir estes factos, diz 5:

«Una caussa, quamobrem episcopatiis multiplicarentur et nonnuii- quam in cxigiiis erigerentur locis, erat, quod in ecclesia primitiva iiniisquisque episcopus, cunsentientc metropolitano azct concilio provin- &ali approbanle dioccesim suam dividendi et noviirn episcopum con- veniente qiiodam ejus loco, in ecclesiae emolumentum, constituendi babet p0testatem.b

A creação pois d'estes chorepiscopos não se fazia em muitos logares senõo com todas as solemnidades, ouvido o metropolita e consentindo o synodo 6.

1 Cone. Sard. ean. vr (da versão de Dionysio) e Laodic. enn. LVII. 2 Goiizales Telles, Comment. perpetua in aing1~1. trztua q7dinq. l a r . De-

cret. Gregor. IX, tom. v In libr. v Decret. tit. XXXIII, de prrivileg. et meseit. privilegiat. cap. 1, n.O 4.

3 Epist. 261. 4 Origin. uive Antiq. cceleuiaat. lib. 2, cap. 12. 5 Cit. Lib. 2, csp. 12. 6 Zdwcs'fi) Tom. IV, Que&. n, cap. 11, Ij m.

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Discutem acremente os canonistas se os chorepiscopos eram verdadeiros bispos ou simples presbyteros, vigarios forancos, que nas aldeas ruracs tinham certos poderes delegados e practicavam certos actos pertencentes á jurisdicçao episcopal'.

Nào entraremos na questáo, summamente obscura e difficil, porque liao 6 este o nosso fim, e porque mesmo nos é dispensavel.

Se eram bispos verdadeiros, a sua creaçáo é o objecto mesmo do nosso trabalho, e ahi vemos o reflexo vivo da discipliria ado- ptada : se eram meros prcsbytcros, ainda estes factos nos fornecem seguro apoio, porque 6 absurdo suppor que para a instituição de um simples presbgtero se pedisse e fosse essencial o assento do synodo e do metropolita, e tal se não exigisse para a creaçào de um novo bispado.

Se, por ventura, se segue a opinião media, de que alguns eram verdadeiros bispos e outros simples vigarios, melhor apparece a disciplina que inculcamos ; porque, náo estando gcralmcrite pro- vada a afirmação de Bingham, e pareccwdo mesmo deduzir-se de varios carioncs que o chorepiscopo podia ser ordrriado ptdo bispo

1 Bingham, Orig. lib. 2, cap. 14, depois de dizer quantas e quaee opinibr tem liavido sobre esta controversia, citando os auctores que as seguem, in- cliiia-SP ft opinigo de David I%iondel, que julga ue todos os choiepiscopos foram bispos verdadeiros ; fundando-se princip%ente em certo trecho de Athanasio, que em nossa opiniào deixa as mesmas duvidas que se levantam con! a leitura dos iiurneiosos canones que tractain do assiimpto.

E muito notavel o que diz Basntige na sua Hiaf. de Z'Egliae, chap. 2.cmp, pag. 4 :

~ C e s evêques parurent dbs le premier sibcle de I'Eglise : mais dana cette premibre iiistitution leur troupeaii ktait renfcimb dans une eenle ville daiis une seule peroisse qui ktait souvent une charnbre hxute ou une cirnetibre d m s leque1 se trouvait un petit nombre de fidbles. ~ ' k v a n g i l e passa des vil- les & la cnmpagne, et h même temps on eut soin d'c tablir de8 pasteiirs daria les villagee, dana les bourgs et dans Ies petitcs villes qui avaient aussi le caractbre d'Evêque, et qui en faisaient toutes les fonctions dans les sffairee importantes ; daiis les perskciitions ces petits dvêques coiisultaient ceux das grandes villes ;. qui, plus expkrirnent8s et plus habiles, poiivaiet doiiner dee coiiseils salutaires pour condiiire Ic vais-eau pc!ndaiit Ia tempete. Mais in- ~ensiblemerit les Cvêques des grandes villes se rendirent inaities des autree On afiiblit I'a~itoritk des chorrvêques et enfiii on les abo1it.r

Veja-se Tliomasa. Part. I.., lib. 2.0, cep. 1.0; Zalwein, Tom. IV, Quebt. 11,

cap. 11, 5 VIII: Ilr. Mexia, 5 148, pap. 180; Gonzalez, 109. cit , n: 8; D u Pin, toin. 2.0, pag 163 colurn. 1: da ATouz.elle Bitlzothèqur, onde se fala de uma carta de S. Basilio dos fins do 4.0 seculo a respeito da maneira de ordenar os chorepiscopos e a pag. 312, 314 e 324 se tracta dos seus poderes e attri- buiçces.

Leiam-se oe csn. xrr. de h c y r a , xm de Neocesaree, v u ~ e x de ~n&&ih.

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96 em alguns casos, da mesma fórma que o simples presbytero, &-se bem que quando se requeria o consentimento do synodo e approvaçào do metropalita o chorepiscopo a ordenar ia ser bispo, e esta ordenação importava a erecção de um novo bispado ; o que confirma a nossa e mais geral opinião !.

Insurgem-se alguns escriptores contra a opiniào que estamos defendendo e pretendem que o pâpa, ou o bispo de Homa, tinha jA neste periodo larga e inteire ingcrencin na creaçso, uniào, di- visão e abolição de todos os bispados do orbe catholico.

Tomassine sustenta que ate ao v seculo, foram s6 os synodos provinciaes e o metropolita que exerceram este poder, e que desdc O VI, 'nelle e no vir e viii, consliluebatur nwus episcopatus de Metropolilani, Concilii Provincialis, Regis e& Summi Pontikcis consensu.

Goschler 3 assevera que, desde a mais remota antiguidade, os

1 É muito conhecido o exemplo da creação do bispado de Fussala na dio- cese de Hippona.

Sabe-se das epistolas de Sancto Agostinho que elle n8o podia por si s6 remediar os inales que attribulavam esta pequena povoação (veja-se Tille- mont art..315., psg. 837, tom. XIII, e leiam-se as epist. ahi cit.), e por isso procurou iuttituir nesse burgo um bispado.

Nào foi elle para isto pedir o assentimento do papa, nem do bispo de Car- thago, a mais notavel sB da egreja de Africa ; mas escreveu ao primaz de Numidia para elle mesmo vir ordenar o novo bispo.

apropter quem ordinandum aancfttm eenem qui tunc Primatum Nmidiae ~gqrebat, de longiquo, ut veniret rqqans, litteris impetravi .... r

E verdade que se n8ofala aqui do concilio provincial; mas, como se atre- veria a fazel-o sem esse consentimento este sancto ancião, .quando os cano- nes Ih'o permittiam e quando os anones j& do seculo anterior tRo expressa- mente o exigiam, pois que esta erecção foi feita pelos amos de422, e o can. que cithmos 6 do seculo rv?

Realrilente, embora os escriptores citem este facto, d'elle não se deduz di- rectamente o que querem, porque aqui se tracta da ordenagão de um bispo, e não verdadeiramente da creação de uma nova diocese.

Veja abaixo a ag. 2 Vet. et Nov. b i s c P. I, Lib. I, cap. ur e ív. 3 Dict. Encycl. de Ia Theol. Cathol. vb. Dioeceee.

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papas usaram d'este poder de organisação, posto qae primeiro só- mente nas provincias suburbicarias e no Occidente.

Notemos que se não limita aqui este facto a este ou aquelle se- culo: Pks ks einq pronièrs siècles, diz esse auctor, le Saint Siège el ICS grands méiropoliíains instituèrenl 1 ~ s évéehés de lSOccidenl. Au dixithne, au s~ptième et a u huitième les t?v&chés n'líairnt in- stituds qu'à l'agrénient des méiropolitains, des synodes prouin- eiaux et du Paye.

Por maioria de razão, accrescenta, isto se verificava nas pro- vincias convertidas pelos missionarios romanos.

Berlarmino, cioso das prerogativas da cadeira de S. Pedro, e citando certo trecho dos escriptos de S. Bernardo, defende que, pela qualidade de apostolica, este poder deve sempre ter perten- cido hquella Se 1.

D'este escriptor se acerca hoje o partido ultramontano, susten- tando as mesmas doutrinas, confiados c gloriosos pela descoberta que o celebre cardeal fez da passagem do Sancto, dispensando-se de ler a historia d'estes primeiros periotlos e deixando para os iri- genuos a leitura dos cawnes dos conciiios e de outros rnoulirnc1ii4(~. preciosos.

Outros, e d'estes 6 o maior numero, escrevendo depois do es- tabelecimento do direito novissimo, limitam-se a afirmar que este poder cabe ao papa e ao papa devia caber, afastando-se assim cau- telosamente da questno do antiguidadc d'este privilegio.

Alguns d'elles, porém, ao mesmo tcmpo que d'c.jta formii o v80 inculcando, citam exemplos de creayões de bispados feitas pelos bispos de Roma nos primeiros seis seculos da cgreja, sem fazerem caso de outras lembranças mais venerandas d'esses tempos. 2.

Eis-nos pois a braços com a maior difficuldade de toda a his- toria d'este capitulo da disciplina ecclesiastica da egreja catholica.

A falta de critica em uns, a defesa facciosa e pseudo-scientifica de um partido exasperado sempre nas suas preten~óes, a deficien- cia ultra-laconica, quasi mera afirmação, 'noutros, sáo tudo causas que concorrem para fechar mais as trbvas d'esta disputa.

1 De controvers. christ. fidei, cap. 24, coll. 2, prop. fiu. S. Beruardo escreveu no seculo XII : aPlenitudo siquidem potestas siiper uriiversas orhis Ecclosias siiigulari

praerogritiva apostolicae sedi donata cst. Pot,est, si utilo judicarerit, novos ordinare episcopos, ubi hactenus nou fuerit .~

2 Por ex.: Devot. Inst. Canonic. Lib. I, tom. 3, sec. I, § 18.

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Como se tracta #uma questão, que é em parte a historia do poder papal, alem de se inflammarem todas as paixóes e de se re- volverem os antigos odios de veihas contendas, como tem de se argumentar com factos, e aquella historia 6 bem ladeada de abusos e virulentas ambições, os sophismas nascem debaixo dos olhos do leitor imparcial de envolta com adulterac&s da verdade desneces- sarias e vis nas paginas de escriptos de homens aliás graves e eruditos.

Vamos, pois, armados de paciencia e sem prevençào alguma, es- tudar este ponto.

A razáo em que se estribam é uma asserçso vaga, quasi incomprehensivel, e falsa á luz da histora.

Porque a Se Romana 6 a Se Apostolica, e o successor de Pedro foi o unico que herdou este poder universal que tinham os apos- tolos, por isso lhe pertence na egreja o direito de exigir, suppri- mir, unir e modificar os bispados 1.

& espantoso e ao mesmo tempo ridiculo. Espantoso, porque assomhra esta ousadia com que escriptores

de nome e saber se atrevem a cscrever estas puerilidades, como se estivessem compondo para recitar aos indigenas do Mexico nas suas missòes; - e ridiculo, porqiie se pretende defender uma pre- rogativa tão importante como esta, s6 porque a cadeira episcopal de Roma se chama cadeira aioosiolica !

Depois, é um verdadeiro paralogismo : pois quem vos ha de prestar f6, se quando quereis dcmonstrar qiie o poder de crear, supprimir e modificar os bispados pertence ao papa, v6s affirmaes gratuitamente que, primeiro exercido pelos apostolos, s6 o succes- sor de Pedro herdou este poder? Provae primeiro esse facto ; mos- trae-nos como s6 o successor de Pedro é successor dos apostolos,

1 *Mais i1 faut bien remarquer, avec Suarez, que lea'ap8tres avaient une juridiction illimitke dane toute I'Eqlise, mais seulement drs Bvêques, et que

ersonne ne succ8da h aucun d'eux dans leur juridiction sur tout l'univers. e e successeur de Pierre a seul hérit4 de ce pouvoir universel, et sou si6ge a toujours retenci le titre d'apostoliqiie. Voilh pourqixoi le Pape seul a droit dans llkglise d'éiiger, de supprirner, d'unir ou de rnodifier les évêches, et si I'on voit intervenir dxiis ces sortes d'actes les rois, les empereurs et les au- tres souv~rainet6e temporelles, c'& uriiquement rn vertu de concessions fai- tes par 19kglise dans 15ntérêt même du gouveriiement spirituel.~ Ab. Andrb -Cours de Droit Can. vb. Evtehé.

O abbade GIaire no seu Diction. Uniu. des Scienc. dccleu. vb. k&ht?, co- pia textualmente esae trecho.

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como é elle s6 que herdou esse privilegio, e tendes ent8o susten- tado o que pretendeis. Antes d'isto não.

Mas para que 6 esta cegiieira, esta ambi~ão partidaria que dis- tingue os que militam sob cstas turbuleritas bandeiras ? Para que precisaes dc sustentar d'este modo caricato as prerogativas papaes, se tendes o direito novissimo da egreja que ninguem vos poderá contestar ?

B que elles sentem bem a origem viciosa d'estes direitos; elles conhecem bem que uma fraude, ainda que o anathema venha depois dar-lhe auctoridade e protegel-a, náo perde nunca o seu defeito primordial.

& que elles comprehendem a necessidade de sanctificar esta instituiçáo do direito novissimo, prendendo-a ao tcmpo da primi- tiva egreja; elles perccbem que é indispensavel, quanto antes, como que canonisar as decretaes dos papas, monumentos historicos das ambições formidaveis que em certo pcriodo da historia do papado o elevaram quasi a porito de esmagar o poder temporal das nações do mundo.

E é com abusos, com usurpações; 6 contra os canoncls, corit!

a disciplina geral da primitiva egreja; a despeito da tradiçáo apos- tolica e das palavras eloquentes dos padres qiie elles pretendem purificar este grande poder que a legislação ecclesiastica deposita hoje entre as mãos do papa!

falso dizer-se ~ U P s6 a egreja de Roma teve o titulo aposto- lica, porque todos os bispos nos primeiros tempos se chamavam npostolos c srias sés apostolicas I, e náo s6 apostoli mas pontifices maximi, principes patrum, etc.

Se ha ou náo razões de conveniencia que devam reunir nas mnos do papa este poder, 6 outra questão mui diversa da nossa: aqui tracta-se dos factos, do que 6 historico, do que foi; náo do qiic póde ser melhor ou do que deve estabelecer-se; e não é assim que se descobrem estas corisas.

B preciso consultar os monumentos historicos, folhear mais de uma vez as actas e disposições legislativas dos concilias, dos codi-

1 Leia-se JosB Bingham nas 0d.q. Lib. 2 . O , Cap. 2, 9 vil.

Chamaram-se ainda Prepositi, Antistites, Principes Saoerdot,um, Summi Sa- cerdote.~~ Papae, Patres patrum, Epiewpi Episwporum, Vicarii Christi, An- geli Eccleaiae, etc.

A respeito doe metropolitas leia-se o 5 xxiv do Cap. 16.

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gos das egrejas, das decretaes, das obras dos historiadores, e nso nos ficarmos extasiados na contemplaç80 d'esta subtileza theolo- gica de que a sk de Roma se chamava apostolica e este poder era apostolico.

O que até aqui temos escripto jíi em grande parte responde e resolve a meio esta questão.

Onde se diz nos canones que apresentámos e nos de todos os concilios d'este periodo que pertence ao papa este privilegio ? Onde que na0 cabe ao synodo provincial e ao metropolita este direito?

Mui pelo contrario: onde se não manda abertamente, como nos cariones de Africa; onde se n8o diz implicita e positivamente, como nos de Antiochia; onde se não reconhece a auctoridade e compe- tencia do synodo 'noutros objectos, ahi, ainda ahi, para quem me- ditar, percce dar-se por certo que o negocio não passa dos limites da provincia.

A tradiçào apostolica, a disciplina mais geral e mais antiga sáo estas, e csta é a doutrina dos padres e a sua pratica.

A egreja africana 6 nestes tempos respeitabilissima, tanto tal- vez como a de Roma, porque, se Roma tira o seu brilho do im- perio, aquella vai ganhal-o com a successao dos varões mais dis- tinctos d'estes seculos primeiros, que edificaram a egreja com sua voz eloquctite, com sua penna brilhante, com o exemplo de sua vida e com o proprio sangue padecendo o martyrio e confessando a fk, e ultimamente com a victoria sobre as heresias mais tenazes que corroeram a paz e unidade do catholicismo nos dias de sua infancia.

As regras d'estes canones apparecem 'nelles não subitamerite para avivar disciplina, que o desuso apagasse, mas vem aos con- cilio~ a proposito de contendas, a respeito de cuja soluç8o os pa- dres não trepidam, e escrevem-se nas suas determinações sómente para lembrar o que se deve fazer por ser a melhor e mais antiga e rcspeitavel disciplina.

Pouco importa! pois, que o canon mais claro seja de Africa, e não de um concilio ecumenico, porque ahi ou alem elle 6 o es- pelho fiel, que a historia nos guarda, do que geralmente se pra- ticava então.

E se esta disciplina fosse discordante da vida e regimen da egreja 'nestas epochas, se destoasse das regras dos concilios em- quanto á competencia e poderes dos synodos e metropolitas, mui

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bem estavam; mas nâú 4 m i m , como provamos, e como 6 ponta incontestavel para quem tenha leitura, airida que curta, da historia ( 1 ~ primitiva egreja.

E onde está o canon do concilio geral para oppbr a esses que cithmos e á historia e tradiçgo, o qual confira ao papa o poder de crear, unir, supprimir e modificar as dioccses ?

Onde o costume ? Onde a tradiç8o ? & isto o que se não descobre, se não descobrir& nunca, e o que

s6 poderia defender a opiniâo contraria á nossa. Mas o can. xxviir de Calcedonia, dir-nos-hão, nao dii a entender

que Roma estava ornada de tantos privilegios, que a Faziam a pri- meira do mundo christâo ?

Tractemos este objecto com algum vagar. O can. XXVIII de Calcedonia diz :

Sanctorum Patrum decreta uhique sequentes et canonem qui nuper lectus est, crntum et quinquaginta Dei amantissimorum Episco[~orllm agnoscentrs, eadem qiioqiie et nos decernimiis ac statuimus dc privi- legiis sanctiissimae Ecclesiae Constiintinopolis novae Romae. Etcniin antiquae Romae throno, quod urbs illa imperaret, jure P â t r ~ s 1 1 " -

vilegia tribueriint. Et cadem consideratione moti centum quinquiigiiila Dei amantissimi Episcopi, sarictissirno novae Romae throno aequalia privilegia tribuerunt recte judicantes urbcm quae et imperio et senatu honorata sit et aequalibus ciirn antiquissima Regina Roma privilegiis fruatur, etiam in rebus Ecclesiasticis, non secus ac illam extolli ac ma- gnifieri, secundam post illam existentem: ut et Ponticae et Asianae et Ibraciae Dioecesis Metropolitani soli, proeterca et Episcopi pracdii 1 ' 1 - rum Dioecesium, quae sunt inter Harbaros, à praedicto throno sanctis- simae Constantinopolitanae Ecclesiae ordinentur : unoauoaue scilicet praedictarum ~ioecesum Metropolitano cum prorinciae ~ p i s c o ~ i s or- dinante. auemadmodum divinis canonibus est traditum. Ordinari au- - tem, sicut dictuui est, praedictarum dioecesum kletropolitanos a Con- stantinopolitano Episcopo convenientihus de more factis electionihus, et adipsum relatis. »

A proposito d'este canon levantou-se uma grave disputa no con- cilio, os bispos legados de Koma n8o queriam acceital-o, rcpu- tando-o contrario aos canones de Nicea, e pretendendo que os pa- dres o tinham approvado coactos e sem liberdade; em uma pala- vra, repetiram-se estas scenas, communs a todas as epochns, por- que em todas as epochas os homens têm tido d'estas fraquezas; o que, todavia, não impede que os homens da ege ja as não de- viem possuir.

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Evidentemente, se Constantinopola, a nova Roma, a cidade reel, vai gozar por este canon de riovos e largos privilegios, e elles Iião de scr eguacs aos de Roma, Roma já os tinha a este tempo, e tinha-os de lia muito, porque os seus legados appellavam para os canones de Nicca, que rriaiidaram conservar os antigos costumes.

É incontestavel : mas, que privilegios eram esses que illustravam essa cgreja ?

O costume s6 os estabelecera, e o primeiro concilio ecumenico os revalidara sem os enumerar.

Sabemos, comtudo, sem duvida alguma quaes elles seriam, por- que este can. xxvirr, querendo elevar Constantinopola, aáo lhe pre- teride dar mais nem menos do quc os de que Roma gosava.

<r.. . Sanctissimo novae Homae throno aequalia privilegia tribuerunt, recte judicantes ...... r

Os que este canon lhe confere são apenas os de ordenar os me- tropolitas das tres dioceses que lhe submette, e egualmente os bis- pos d'essas dioceses, quando as suas parochios estejam situadas inter barbaros.

Fala-se, portanto aqui, e confere-se 'neste logar, um privilegio que se reporta e suppòe ás metropoles já erigidas ; não se tracta da creação de novas metropoles.

São cousas mui differentes e muito oaturaes para quem conhece a fórma e historia das ordenaçòes dos bispos. Primeiro eram pre- cisos pilra este acto, pelo menos, tres dos mais proximos da pro- vincia l ; mas quando, depois, a egreja começou a gozar a paz e trariquillidade c foi possivel percorrer sem perigos a provincia, foi-se estabelecerido o costume de se irem os bispos ordenar á sede , da provincia, ao metropolita. O grande esplendor e auctoridade que deviam acompanhar estes actos dera logar a isto; porque, como k sabido, as metropoles estavam nas cidades mais importan- tes, e metropolitas só eram os bispos de mais edade, virtudes e ve- neração.

Assim se foram insensivelmente fazendo nas metropoles e pelos metropolitas as ordenações.

Roma, que tinha como as outras a importancia da sé mais dis-

i Veja-se entre outros o can. IV de Nicea.

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tincta de sua provincia, e que junctava a isto ser a capital do im- perio, em uma s6 palavra, ser Koma; necessariamente gosavtt d'este direito como as demais, e nada admira que d'elle usasse, como o deixa ver este canon, em toda a diocese polilica, isto 6, em certo numero de proviircias.

Esta importancia, porem, náo esqueçamos, vcm-lhe toda do lado do imperio, das circumstancias politicas e temporaes da socie- dade, e não que a egreja a quizesse assim distinguir e illustrar.

k um facto de origem essencialmente profana, mas um facto mui antigo e que a egeja acceitou por essa mesma antiguidade e por esta influencia indeclinavel que sempre possuem as instiliiições seculares, e colossaes como o imperio, sobre est'outras de fórma menos concreta e apenas organisando-se, como a egreja 1.

Este mesmo privilegio era jB commum tí Alexandria, Antiochia e Jerusalem; náo era cousa propria, especial do bispo de Roma, por ser bispo em Koma 9.

E se o bispo de Roma fruia maiores e mais preciosos privile- gios, porque o não diz, porque os náo pede este can. xsviii para a nova Roma?

Isto parece-nos decisivo. A leitura do canon, a sua historia, tudo nos convence de que Iloma não tinha tal privilegio.

Canon nenhnm lh'o confere; e aquelles canoncs de Antiochia, de que falámos, e que lembravam e revalidavam ns regras dos tipos- tolos, coexistiam com estes de Calccdonin, devendo assim cnten- derem-se e completarem-se uns pelos outros. Iia mais.

Seja qual for a auctoridade do concilio de Calcedonia, cano- nica, jaridicamente, & face da historia ninguem o recusoii nem pode recusar, e por isso o que vamos dizer elucida inteiramente este objecto.

'Neste concilio tracta-se, por mais de uma vez, de decidir se o estado tinha ou não o direito de crear novas metropoles e paro- chias, e v&-se transluzir do que os padres dizem e da maneira por que redigem os canones, que, sem necessidade da intervençto do papa, ellas podiam ser erectas. Conserva-se o antigo costume e

1 Veja-se O can. VI de Nicea e os scholions not. e comm. dos canonistas ao mesmo.

2 Episcopus Romanus nihilo magis quam alius quispiam solns ordinare poterat.~ Bingham, Orig. Lib. 2, cap. 10, 9 6."

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este náo dava ao bispo de Roma tal direito, porque as metropo- les que primeiro houve na egreja, como a cada pas, @O temos rc- petido, não foram erigidas por bullas da SE romana, mas nasce- ram sensim e das circumstancias politicas do estado do imperio, ao mesmo tempo que os antiqui mores pediam a concurrericia do synodo e do metropolita para a erecção das novas parochias.

Quando por estes canones se rjuizesse ver em Roma certa au- ctoridade suprema 'neste objecto, essa conjectura (porque seria uma simples conjectura) nào podia ir albm de algumas provincias suburbicarias e do occidcnte, e nunca abranger o orbe todo, como pretendem; o que mesmo seria impossivel, porque annullado ficava o can. XXVIII de que falamos, pois que o bispo de Constantinopola não gosaria dc nenhum d'esscs privilegias que lhe confere o canon ; o qual é perfeitamente incomprehcnsivel, suppondo que os privi- l eg io~ de Roma, a que se reporta, houvessem poder sobre toda a cgeja catholica.

Do can. VI do concilio de Nicea se descobre claramente como, entre as prerogativas da SE romana, se não contava este direito de participar soberanainente da divislo e demarcaçao dos limites das parochias, ou dioceses de todo o orbe.

E, para não irmos desacompanhados de auctoridades 'neste grave assumpto, vamos citar uma domestica, e por isso mesmo rara e curiosa.

uEquidem, diz o P." Antonio Pereira de Figueiredo, si divisio et ((designatio Dioeceseon I'apae jure divino reservata esset. vel si ab uuno Papa ejusmodi divisio ct designatio dependeret : cur, quaeso, Ni- ucoeni Ptitres Canone VI ubi de limitibus et administratione Dioeceseon (~Xgypti, Orientis et coeterarum Christianariim agunt; non ad jus di- ((vinum, non ad auctoritatem Komani Pontificis provocant, sed tan- a tummodo ad consuetiidinem vulgo receptam ?. .... . cur item Patres rConstantinopolitani Canone 11, ubi eandem divisionem confirmant, unon alio nisi Canonum jure utuntiir I?»

1 Tentarnen Theologicum. Para i, Princip. 1, n.O xrr, pag. 35, 1769. O caii. vir de h'icea B assim: ~Antiyua consuetudo servetur per Aegyptum, Lybiam et Pentrtpolim, ita

ut Alexandrinus Episcopus horum oinnium habeat potcstatcm. Quia et Ur- bis Romae Episeopo parilis mos est. Similiter auteiii et apnd Ailtiochiam, coeteras que Provincias, suis privilegia serventur Eeclesiis. Illud antem ge- neralifer elarum est, yuod si quis praeter sententiam Metropolitani factus fuerit Episcopus ;-hunc magna Syiiodiis definivit Episcopum esse non opor- ter?. Sui autem communi cunctorum decreto ratioiiabili, et secundrim Eccle-

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Se este privilegio era de tal modo ligado ao Primado, que se não podesse separar, por que razão, pergunta este mesmo escriptor, 'nesse can. i r de Constantinopola, cento e cincoenta padres estabe- leceram que, depois do de Koma, o bispo constantinopolitano teria a honra do primado em segundo logar 7

averumtamen, acaba aqiielle texto, Constantinopolitaniis Episcopus, uhabeat honoris primatum, post Komanum I.:piscopuin: propterea quod eurbs ipsa sit junior Roma.#

Por que razão, perguntamos ainda, os padres respeitabillissimos' do concilio de Calcedonia instituiram o bispo de Constalitinopola Patriarclia, ou Exarcha, de duas vastissimas tliocescs, apezar da opposiçao vivissima dos legados de S. Leão papa ? Idque acewime olrluciunciibirs Legaíis S. Leowis Papae ?

E ninguem ignora que este can., como muito bem nota o illus- tre padre Pereira de Figueiredo, se perpetuo repugnasse Al~osío- licam Scdem, frecslra repugnasse; poisque a honra por elle confe- rida aos patriarchas da cidade real foi sempre e conslanterrierite por elles exercida.

Apezar de tudo o que dissemos e expendemos, ponderam alguns escriptores que, desde o sexto seculo por deante os factos pare- cem indicar a existericia d'estes litigiosos privilegias, exoriiando a cadeira episcopal de Koma.

Devot, nas suas Instit. Canonicar., escrevendo que ao Summo Pontifice cabe o consagrar os .bispos, e erigir os bispados, unil-os cm um s6, ou repartil-os em muitos, cita o exemplo de S. Grc- gorio Magno, dos fins do seculo 6.O, no que d'elle rcfere Joáo Dia- corio na biographia d'esse homem illustre 1.

siasticam regulam comprobato, duo aut tres, propter contentiones proprias contradicunt, obtincrtt sententia pliirimorum.~

O can. 11 do 1.0 coricilio de Constaiitinopola diz : 'Qrii sunt super Dioecesim Episcopi, riequaquam ad Ecclesias, qiise sunt

extra praefixos sibi tcrmiiioa, accedaiit ; nec eas hac praesurnptione confun- darit ; sed juxta canones Alexandrhus Antistes, quae suiit in Aegypto, regat solum modo; et Orientis Episcopi Orientem tanturn guberneiit, servntis privi- legiis, quae Nicaenis Cauonibus Eccleaiae Antiochenae tributa sunt. Asia- iiae quoque Dioeceos Episcopi ea solum quae sunc in Asiana Dioecusi dis- pensent: necnou et Ponti Episcopi ea tantiim quae sunt in Ponto ; ct Thra- ciarum, quae in Thraciis sunt, gubernent ...... .

1 Vita S. Gregoiii Magni, lib. 3, cap. 7 opp. S. Gregor. M. tom. 4.O, col. 86, Paris, 1705.

.Nam iit pauca de multis contiiigam, ex presbyteris Csrdinalibiis Eccle-

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Thomassin gasta tarnbem um largo capitulo com a exposit$o de alguns factos, em que a aiictoridade do papa parece sobresahir com certo vulto.

Todavia, a quem observar desprevenido, bcm depressa sc paten- tear& que todos estes excmplos são tirados de factos quc se pas- sam ou nas provincias suburhicarias, ou nas missõtbs da Germania, ou dos anglo-saxões, ou nas Callias e Ilespariha, ainda que merios iiestas ultimas.

V&-se j& por isto o defeito d'estc raciocinar, que s6 a incautos ou ignorantes pode prender.

Com estes factos, poucos em numero, limitados no espaço em qiie se dão, se pretende justificar uma prerogativa que podia es- tender-se a todo o orbc catholico; quando era 'nestes tempos rnuilo mais dilatado para o oriciitc o verdadeiro fhco do christia- nismo e para o norte da Africa ! Pretende-w isto quando os cos- tumcs das egrejas e os canones dos concilias dos fins do seculo anterior tãio expressa e geralmentc mandajam o contrario e pro- hibiam taes abusos !

O illustre padre do Oratorio, não contente com demonstrar a disciplina dos primeiros seculos com factos só do rv F, v, vem agora dizer-nos qiie a disciplina da cgrcja catholica miidhra nos seculos VI, vil c vrri, porque assim o 1)rovam uns poucos de factos, pas- sados no occidente e lias missões da Gcrmanirr e da Inglaterra !

Singular systerna este de estudar a legislnqãio canonica, e ainda mais singular a clara consciencia d'este liistoriador !

siae suae consecravit Epiwopos, Bonifacium Rhegii Habentium J'erusii et Douum Blessariae Siciliae. Ex Sul>diacouibiis vero, Gloriosurn Istriae, Festum Capnae, Petrum Trecas, et Castorium Arimini. At vero ex Monachis monas- terii sui, Marinianum Bavennae, Maximisnum Syraciisis et Sabinum Calli- poli, I'iaesules ordiuavit. Sed et Augustinum penes Anglos a Galliarum Episcopis ordinari praecepit. Per quem nihilominiis ad episcopatum iii caciem geiite Moriachi e.juscide patrib, tempore diverso provecti sunt : Mellitiis, Juetus, Laurentius et Pauliiius. Solis diaconibus ~postolicxe Setlis snpw liac quodarnrnodo parte parcebat : quorum eum decern et novem plt!riitudiiit: re- duiidaret, ipse Bonifacium, Florentinum et Epiphaniuin coiisrc~ravit

Cita ainda este escriptor, para exemplos de creagão de bispados lias Gal- lias, a Gregor. Turon. Histor. E'ranc. lib. 1, cap. 28, col. 23. Par. 1699. Hinc- niar llhein. Opusc. 24, cap. 16, pag. 431, tom. 11. Par. 1645.

Notêrnos que estes factos são pela maior parte simples ordenaç0es oii sa- grsç0es de bispos e não claramente novas creaçGes de bispos, ou de bispados, de que ninguem poder4 eontestm a Roina o direito de fazer, pois que, como vinios, o direito consueturliriario 111'0 couferira e o citado can. de Caleedonia Ih'o revalida. . .

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Singular, nBo ; n80 dizemos bem : commum, bem commum nos canonistas, quando pretendem com a antiguidade dar valor e re- speito ás usurpaç6es papacs, que os n3o têm por si tão s6s.

Este diffuso auctor da I'cltis c Noua Disciplina, encontrando-se no meio de todos estes factos, de que para seu martyrio fizera a infeliz descoberta, c sentindo-se apertado pelo costume geral da egreja, pelos cariones d'ella e pelo cspirito d'estes secuios, parece que, para cortar diíficuldades e sahir-se do embaraqo, dcii cguul valor aos factos consentaneos com o . cspirito c lciras diis leis e áquellcs, que nada mais eram do que puras infracyfics d'ellas ; - e porque de um lado lhe surgia Gregorio III a enviar a Boni- facio, seu legado, instituir bispados ria Cprmariia, c do outro via ainda em certos conflictos appellar-se para o synodo e para o assentimerito do metropolita ; resolveu pelo niellior, o que vale não ter desatado a contestaçâo: disse que eram precisos todos tres.

Não basta o synodo, 6 indispensavel o metropolitn ; não satis- fazem estes s6s, é essericial a intervenyão do pap~i. =\ i i i , I , i r130 saciado d'este amor de tornar complicado c solcmne est, { i , i i , o timido professor, porque veiu a descobrir Justiniano coristruindo uma cadeira episcopal na miseravel aldeia ondc nascera, exclama por fim: -NBo se podia tambem 'rirstc negocio prescindir do consentimento do rei ! -

Por egual systema de argumentação algum historiador \ indoiiro da eschola d'este dirá, que critrc iiús dcsdc certo anno se permitte e usa o homicidio, porquc, revolverido documcntos, soubc que Antonio assassinara a Francisco em tal data.

Na historia da disciplina ecclesiastica é miii difficil escreler srm faltar it verdade e agradando a todos. Tliomassin conseguiu-o, porbm, com o seu eclectismo falso e pueril. Isto explica porquc, depois da publicação d'esta obra, este cscriptor foi tão querido de Roma e do rei de Franya, a ponto de aqurlla o chamar para si e o monarcha francez o nâo deixar saliir do scu reino.

O bom do timido professor resolveu ainda este conflicto no estylo dos seus trabalhos de disciplina ecclesiastica: traduziu a obra para latim e offereceu-a ao papa.

Emquanto aos exemplos extrahidos da biographia e actos de S. Cregorio Magno, são da mesma forma inconveriicntcmente cha- mados; porque, além d e terem o defeito, que jh lhe nothmos, de

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se passarem s6 em volta de Roma, nada provam exactamente por serem practicados por S. Gregorio Magno.

Este homem sombrio 6 o primeiro dos acerrimos propugnado- res da supremacia papal, o primeiro que acera o gume d'essa espada terrivel que depois ha de brandir satanicamente o pulso de ferro do celebre Gregorio vrr, depositario e defensor da unidade do mundo chrisláo na edade média.

Este homem, se era o espelho de grandes virtudes, se a sua vida era a pintura de humildades e aberrações; comtudo, quando se tocava no esplendor da cadeira de Roma, elle surgia tremendo, espumando coleras e procurando defendel-a a todo o transe.

Este homem, quc escrevia que a força viva da egreja era a in- dependencia soberana do episcopado, escondia-se com a confiança que ganhavam suas palavras humildes, para chegar mais perto do proprio episcopado e nugmcntnr com os seus despojos o brilho excessivo da Sé que occupava, hrilho que hoje quasi eclipso o cla- r80 do episcopado sobre o occidente, ou que pelo menos o deixa escondido sob as cinzas dos inceiidios que produz 1.

Como, pois, dar valor a estes factos praticados contra os cano- nes e a despeito d'elles ?

Onde o titulo d'estas prerogativas ? E quem ha ahi que ignore que 6 exactamente por estes tempos

que se fazem as collecções latinas dos canones, se traduzem os ca-

I Greprio I, o grande, é um dos mais notaveis papas que conta a hiatoria da egreja. De grande illustração, nascido de uma familia da classe dos pa- tricios, este hoinein singular foi senador e depois prefeito ein Roma. O des- prem pelas grandezas do mundo obrigou-o a retirar-se ao mosteiro de San- cto André, que elle mandara edificar.

Uiri dos sete discorios de Roma, nuncio em Constantinopla para iinpetrar o soccorro de Tiberio 11 contra 03 Lombardos, secretario do papa Pelagio, Gregorio Magiio foi ordenado bispo de Roma no anno de 533, contra siia von- tade, e depois (lc ter fiigido e se rsconder para evitar o pontificado.

Adulsdor do podcr temporal dos reis, principalmente dos francews, de quem dizia que o throno se erguia tanto acima dos outros, quanto acima dos vasuallos estavam os reis; elle corisiderava essericirl a confirmaçfio do ponti- ficado pelos imperadores, comprada coin avultadas sommaa de dinheiro.

Foi a sua vida de uina rigidez espaiitosa; pobiissimo o seu passadio; se- vero o seu trftcto.

Incansavel no cuidado pelas cousas da egreja, assiduo no estudo da l i t t e ratura e da disciplina, apaixonado pelo sentido mystico das escripturas, mor- reu breve, gasto por tão duro viver e tão forte geuio.

Se o desprezo dos esplendores mundanos lhe fazia passar uma vida simples e sem fausto, parece comtudo que essa mesma aridez de espirito lhe concen-

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nones gregos do oriente e de Africa, e apparecem os codigos das egrejas ?

Para que seriam estes trahalhos, perguntamos? era pura curio- sidade litteraria ou scientifica que os motivava?

E 'riesses codigos n8o reapparecc a disciplina dos seculos a n t e riores, de lia dois dias, por assim dizer; porque em Africa no proprio sexto seculo sc repelem nos concilias os canones que ci- támos, e quc3 sào os proprios do seculo v apenas?

Onde estií, ao menos, uma decreta1 falsa ou verdadeira? Estes factos são, pois, abusos, são infraccaes, que tem a sua

origtbm nas ambições dos bispos, n8o $6 em Roma, note-se bem, mas nas grandes dioeeses do proprio oriente e do Egypto, e algu- mas ~ 7 e s até sob o governo de varões que a rgreja canonisou e que, í~ dei~aram luminosa por seus escriptos admiraveis.

k só dcpois do seculo v111 que este costumc adquire certa gc- neralidade e permanencia no occidente; e ate lil, esta simplcs con- suelutlo (se o cra), tào recente, tào contestada, tno limitada, em guerra aberta com os proprios canones e disciplina dos primeiros dias, poderia ser uma lei, uma lei geral para toda a egreln (.,I-

tholica ? Quem o accreditarb? Da mesma forma que os canonistas dizem que o estado, por tcr

intervindo algumas vezes na erecção e divisão dos bispados, infrin- giu, fazendo-o, as leis ecclesiasticas; o mesmo devem dizer aqui do papa, e dc maneira nenhuma dar a taes factos o valor exorbitantc que protendcm attribuir-lhes.

trnva no intimo, prompta a surgir, a mais iracunda vehemencia contra os que preteiidiain usurpar-lhe a supremacia de sua egreja.

Vi?-se de suas cartas a maneira como elle se levantou contra João, patriar- cha de Constantinopla, que queria usar do titulo de patriarcha universal.

.Tu o sabes, escievin elle a um seu diacono, que estava na antiga EIyznn- zio, soffro por muito tempo com paciencia : mas, quando resolvo não esperar mais, não ha perigo nenhum a que me não exponha livremente e com alegria para manter a auctoridade pontifical..

Veja a Epist. 1.' do liv. 7." das suas. Comtudo este mesmo papa, quando escrevia contra as pretenstes de Cons-

tantinopla, dizia que se n&o podia deixar no Olvido que o concilio de Calce- donia offerecera aos bispos de Roma o titulo de patriarchas universaes, mas que neiihiim d'elles houve que quizesse adornar-se de tão pesado epitheto com medo que não parecesse querer attribuir-se a si só o episcopado e roubal-o a seus iriniios.

Este mesiiio padre B o primeiro papa que usa as expresdes bem conhecidas d~ u g e r m eeruorum Dei..

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$ tão verdade o que dizemos, que no proprio seculo n, apezar de j6 terem apparecido as falsas decretiies, ainda se n8o reconhe- cia geralmente no papa o direito de erigir metropoles e crear bis- pados.

Jo80 ix, nos começos d'esse seculo, instituiu uma metropole e trcs novos bispados nas terras dos sclavòes, que se tinham conver- tido h fé catholica.

Pheotmaro, primaz da egreja de Juvanense, e outros bispos alta- mente protestaram contra estes factos, como contrarios aos sanctos canoncs e absorventes da auctoridade episcopal; o que se v6 da epistola yue a este pontifice dirigiram 1.

Von Espen escreve a este respeito%:

*Hae querela Episcoporum de hac per Homaiiiim Pontificem facta ercctionc sat ostciidit, nondiim eo temporc gencralitcr agnilam fiiisse auctoritatem erigcndi Ecclesias Metropoliticas aut Cath'redalcs ad llo- manum Pontificem contra pristinum canoniim instituta e1 Ecclesiae corisuetudinem esse devolutam 3. n

Duas palavras sobre a historia do crescimento do pnpado at6 iio scciilo ix acabarão de nos esclarecer este ponto.

Quando acima nothmos como defeito d'csta argumentaqào o sr- rcm lcmbrndos factos crn limitiido numero e pela maior parte pas- sados nos suburbios da graridc cidade, esquecendo-se o orieiite todo, nBo dcscobriamos inteiro o nosso pensamento.

Não são s6 ns grandes t\grejas riacioriacs do oriclntc c da Afrira septeritrional, que estes escriptores deixam tsquecidas: é o proprio occiderite, é a mesina Italia, e na historia d'estas egrejas escori-

1 Concil. General. coliim. 498, tom. 9. 2 Tom. 1.0, 11. tit. XIX, cap. 2.O, n.O VIII.

3 Os inodernos defensores d'estas prerogativas papaes, escrevendo sobre o jocllio, cnhem em singular contradicç~o.

Uma das primeiras razòes, por que clamam que ao papa deve pertencer a crcaç50, união c separação dos bispados, 6 a inexcedivel importancia d'estes objectos; e tanta consideraçiio lhe dispensam, que d'ella partem como base de iiiducç8o historiea, para inferir que desde o8 mais remotos aias da egreja so papa devera ter pertencido este direito.

Se e s t c ~ escriptores a30 sinceros, se conhecem o canon de Antiochia e sua origem c liistorirc, ccmo 6 que nào concedem ao synodo provincial a resoluç%o d'estc assurnpto, negocio da provincin e que ii::o B proprio de certa arochia?

Ou nAo sabem, ou estio de rn& f6, e cuidam que nos outroa hak tn uma ignornncia tenebrosa.

Veja Goschler, Diot. log. cit.

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dem elles os factos numerosissimos, que revelam i ã o a suprema- cia papal mas rcluctancias e opposiçbes a essas pretensões.

A conquista definitiva do poder papal data súmrntc do seculo ix: atC. lá clle lucta, lucta esforçadamente, lucta teimosa, tenaz- mente, ao seu modo, que 6 unico, exccpcional, caracteristico ria chroriica da humanidade.

IIa mesmo aqui 'neste grandc facto uma força occulta, rima mysteriosa c sombria predestinaçlio, que dirige o singular appare- cimento d'csta instituição ingente, assombrosa, qiiasi sobre-hu- mana; tão poetica, tão puramente cclestial na idea, qiie d'ella concebem os catholicos, quando pretendem vel-a como desabro- char de entre os suaves textos quc nos guardam as palavras amo- rosas do Christo em tão solcmnc momento; e no mesmo tempo tão carregada de &ombras, desenhando-se com tão vigorosos traços, colorindo-se dc tno inflammadas cores, nas paginas da sua vida, variamente apreciada pelos pensadores.

Por mais solidamente fundadas que fossem a virtude c humil- dade do bispo de Roma, havia alli uma tentaçao, uma irifluericia superior, que se impunha.

Os papas, naturalmente, por força das circumstanciit.s, ailia- - vam-se, sentiam-se os defensores da grandeza tradicional d'aquella cidade.

Roma no sexto seculo junctava 6s memorias grandiosas do pas- sado, ao poder immenso que os seculos lhe tinham conqiiistado e reconhecido, a influencia e poderio incipiente de uma das mais notaveis sés do catholicismo triumphante ; e por isso mesmo c.sta Roma se sentia agora humilhada por ver outra cidade do impe- rio qriasi a roubar-lhe o primeiro logar.

Oppoz-se, oppoz-se com todas as suas forças, usou de todns os meios, moveu guerras, protestou aos quatro vrntos do cCu, nunca reconheceu rasgadamente o mandado d'aqiielle concilio de Calce- donia; mas não logrou destruir sua irmã mais nova, porque a lucta, que encetara, era a lucta com o proprio imperio, o qual sustentava a Roma Junior com todas as suas forças; e 'riella de- positava o pesado mas glorioso encargo do poder cesariano, que agora descia o throno da cidade de Romulo para subir e se assen- tar no da de Constantino.

Aqui a explicação de tudo. 'Neste afan, com que Roma se precipita vehemente, colerica,

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irascivel em a nova conquista do papado, ha como que o saciar d'estes odios turbulentos que lhe vemos revolverem os padres de Calcedonia, quando exornam o patriarcha de Constantinopla das maiores honras e distincções da egreja.

O oriente oppunha-se-lhe ; escarnecia do seu poder unico ; e roubava-lhe a sddc do podcr temporal, que por ventura um dia ella poddra herdar: d por isso que em sua mente nasce a idda d'esta conquista ; é por isso que elle se arremessa sobre todo o occidente, promettendo a si mesmo ganhar-lhe o imperio.

A empreza parece impossivel ; mas Roma, ainda que em ruinas, ainda que incendiada pelos barbaros, d scmpre Homa, um grande nome, uma grande cidade sem egual, quasi uma personalidade viva, zombando dos seculos, ingente, superior, incomprehensivel,

, a rainha do mundo. Deixae passar os tempos, que a conquista ha de vencer-se ; e

haveis de vel-a, ahi, no seciilo rx, coroando a fronte com a tiara papal. .

Diz um admiravel historiador, e d uma grande verdade : -õ mundo antigo caminhava ent8o entre dous abysmos - a auto- cracia de um lado, do outro a thcocracia.

Se com o estabelecimento do imperio em Constantinopla, Roma guardasse para si o prender este laço moral da unidade politica, extinclo ficava este antagonismo, que tem sido na antiguidade, e hoje vai sendo, a causa primeira de tantas turbações e tenebrosas luctas.

Mas não; Roma e Constantinopola, ambas foram infieis ti sua id6a ; ambas se invejaram os proprios patrimonios.

Constantinopola quiz ver d'entre as purpiiras imperiaes e do meio dos esplendores orientaes o espectaculo tristissimo da consciencia religiosa esmagada pelo podcr secular ; Roma, que segurava de facto entre suas m3os a auctoridade religiosa na consciencia do mundo christão, cubiyou descobrir do alto dc seu throno pol* li- . mites de seu poderio, por confins de sua monarcliia theocratica, os proprios limites e confins do universo.

& assim que surgem para aquella o schisma, uma escholastica risivel, que invade os sumptuosos paços dos imperadores de todos esses sophismas que, na expressao de Castelar, só a cimitarra turca pôde cortar, -e que para estii riascem e se gravam nas paginas de sua chronica esses nomes grandemente celebres de Gregorio-vn,

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Innocencio III e Bonifacio VIII, e todas essas facçâes que se chamaram realismo, gallicanismo, ou que se defenderam com as leis appellidadas josepliinas e leopoldinas.

lf3 assim que se levanta esta espantosa contradicçao, que perturba a mente do historiador, de ser Constantinopola a cidade christá nova, e Roma a velha cidade paga, e de Constantinopola guardar na renascença a successáo da idka antiga, e Roma na edade media salvar a continuidade do mundo novo.

IIa um facto, que na opiniso de Guizot 6 o facto primordial do desinvolvimento do papado. Vencida, saqueada, queimada pelos Hcrulos, Vandalos e Godos, ltoma foi a unira cidade, que nunca cahiu inteira e realmente sob o jugo germariico : seule elle resta romaine après la ruim de l'empire romain 1.

A lucta entre os romanos do occidente e os barbaros vencedo- res foi mui viva primeiro, latente depois, at8 que se fundiram e harmonisaram linguas, costumes e religibs.

'No mcio das ruinas do imperio do occidente, Roma, como unico vestigio romano, foi naturalmente o centro moral, o sacra- rio de todas as grandes tradições do imperio, e assim algumGi c i i l l s i ~

como de depositaria de uns restos de soberania nacional e polilica. 'Neste meio surgiu o papado ; 'nelle cresceu e averiguou. Por fins do scculo v111 este poder esttí proxirno de seu maior

esplendor ; a coiisciencia dos povos attribue de facto ao papa uma verdadeira supremacia religiosa sobre todos os outros bispos ; os peregrinos de Roma alcan~avam indulgencias ; estas perigi.iria*iles eram chamadas piedosas e meritorias; e os proprios reis c seriho- res ri30 percebiam tributos na passagem d'cstrs homens por suas terras. O bispo de Roma começa agora a iisar e a consrritir qiic o chamem com titulos reveladores de superioridade, e que sú i~ vlle se dirigiam 3.

1 Giiizot, Histoire de 2a ciwilis. en France. Par. 1829, tom. 3.0, 2 . 0 m ~ lec. 2 E muito frisante o seguinte exemplo, trauscripto por Guizot no logar já

citado: Alcuin, favorito de Carlos Maano, escrevia em 796 ao papa Leão 3.0: -

T r b - s a i n t père, pontife d2u de Dieu, vicaire d ~ 8 apôtvea, hdritier de8 pères, prince de I'Egliae, gardien de la s ede colmbe sane tache ......

Em 794 escrevera este mesmo Alcuin a Adriano 1.O:- Trka.excellentpkre comme je te reconnainpour vicai7.e dn bienheureux Pierre, prince de apô- tres, je te rcgarde comme hériticr de sa miracztleuse puissnnce.

.A wup sQr, accrescenta Guizot, il ne faut point prendre ces ezpressions Zs ta Zettre; i2 ne faut point croire que Ze pape pos8éddt dum toute sa gran-

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Mas tudo isto parte s6 do occidente para Roma; tudo isto cresce vagarosamente, e vai augmentando ate ao seculo IX; v&-se que nfio podc tardar o apparecimento de um titulo juridico, posi- tivo, legal, em que se baseie il luz do mundo esta supremacia já existente de facto no poente do orbe christão.

Esta a explicação dos factos, que parecem demonstrar o direito papal, existente jli 'neste periodo, antes do apparecimento das fal- sas decretaes.

A historia particular das egrejas nacionaes mostra bem, por outro lado, a causa dos factos oppostos a estes, e que, em maior numero, posto que parcialmente esquecidos, parecem contradi- ctal-os. Eram jli organisadas as egrejas da Italia, a hespanhola, a gallo-franca, e começavam as missões na Germania e entre os anglo-saxões.

A cgrcja lombarda, 6s portas de Roma, resistiu sempre acer- rimamente 6s pretensóes dos papas; e 6 só quando Pepino e Carlos Mag110 destroem os seus reis, se apoderam de seus territorios e d'elles fazem as celebres doações aos papas, que estes começam a gozar ahi de seus privilegios.

Os legados dc Roma, nas longinquas missões, como que adqui- riam para esta cgreja os novos fieis; as necessidades obrigavam- rios mesmo a insiituir novas dioceses para bem commum do cn- tholicismo, e a dcixar aqui e alcm novos bispos, como outr'ora acontecera com os apostolos e os prcsbyteros nas primeiras evan- gelisações.

Mas tudo isto eram factos, que as forças das circumstancias ex- plicavam, e que, nem mesmo assim, se passavam sem reluctancias, como acima notámos, e como com mais de um exemplo podkra- mos provar.

A anarchia do systema feudal, as successivas invasões, as guer- ras tcrriveis dos differcntes povos conquistadores entre si, nilo dei- xavam quc o episcopado, aqui perseguido pelo paganismo dos ven-

deur leporvoir qu'elles luâ attribuent, maia ellea attestent quelle 8uprkmatie ré- ligibuse, morale, i1 possidd dejà dana lu penske ddrs peuplea.~

Notemos ainda que estes acontecimentos passam-se especialmente do se- culo v111 por deante, e no occidonte só, onde a ignorxncia era crassissima en- tre o povo, os reis, os senhores e na maior parte da classe clerical.

As decretaes falsas, 'nesta occasiiio, nrio tardatn urn momento ; em breve v80 apparecer anonymas e subjugar atrevidas a intelligencie humana por oito seculos.

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cedores, alli entranhado no revolutear das pelejas, se oppozesse a estas practicas abusivas e absorventes de sua dignidade e sobe- rania.

Assim a erecçiio de novos bispados nas miss6es foi sempre um facto sui generis, excepcional, que a evre'a mais ou menos accei-

b J tou. Onde, porém, os papas acharam mais resistcncia, onde mais de ama vez se viram obrigados a baixar a fronte e humilhar-se para poderem conseguir seus intentos, foi nas duas grandes egre- jas das Hespanhas e das Gallias.

'Nesta ultima, a administração ecclesiastica estava em todas as suas repartiçóes entregue aos clerigos nacionacs e delegados do poder temporal.

Os papas nenhum poder tinham 'nestes ncgocios; e se alguma vez intervinham, é porque os reis assim o queriam, sendo essa interveii- $80 meramente consultiva ; niio convocavam os concilios nacionaes das eg r j a s ; não tinham 'nellas poder algum temporal: muito pelo contrario, precisakam da confirmaçlío dos imporadores para

CIO raro OS efficazmerite sc adornarem do supremo pontificado, c n- encontramos confessando a sua submissão As determinaçòclh das capitulares, leis e decretos imperiaes 1.

Começavam por estes tempos os bispos a ter grande poder e influencia na politica das nações ; o estado clerical crescia em ri- quezas c iriflucncia; os concilios eram importantcs ass_embléas aristocraticas, e mais de uma vez sua voz se elevou contra as pre- tensbes dos papas.

Se, todavia, isto se passava nas alturas do governo politico e na aristocracia do clero e dos senhores, diverso era, como 110th- mos, o que ac,ontccia entre o resto das populações e na parte moral e religiosa da sua supremacia. Ahi crescia, crescia latente, progressivameritr, cm esphern unicamente ideal, e que a espada do seculo não podia tocar sem nefando saçrilegio.

Qiiando assim se levanta na consciencia dos povos um poder moral, com tarito vigor, com tanta generalidade, espontaneo, in- volto em certo terror religioso; não tarda muito a descer d'essas eminencias para tomar um corpo no mundo real e objectivo ; e

1 Leão 3.0 escrevia ao imperador : .Nos si incompetenter aliquid egimne, et in subditis justae legis trami-

tem iion conservavimus, vestro ac missorum vestrorum c~incta volumus emeu- dare judicio :...D Caus. 2.", Quest. LI, Can. XLI; e veja-se ainda a Distinc. x.

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muito mais necessaria se faz esta concretisação, quando, como 'nestas cpochns, a ignorancia pezava nos espiritos obscurecidos, a supcrst i~ao siibstitiiia as crenças puras e intelligentes ; as fórmas da go~ernaq$o politica temporal eram incertas, unicamente pra- ticas, ohcdeccndo a um instincto ou h força das circumstancias, c a idéa dc soberania e a distiricção do podcr temporal e espiri- tual não surgia ainda clara na iritelligencia dos povos, desacostu- mados das theorias.

E m quanto este espantoso phenomeno avultava, movendo-se por si, e crescia desmedidamente com o terminar do seculo vii i ; os papas, na esphera temporal, postoque já meio e indirectamente conquistada, iam soffreiido revczes, pacirntes, perseverando, pro- testando aqui contra as opposições dos bispos nacionaes, confes- sando alli a svperioridade dos decretos imperiaes, aproveitando-se do referver das paixões dos reis para dar auctoridade ao seu po- der, descasando-os ou casando-os de novo, em vida das outras es- posas ; ingerindo-se nas disputas das familias reaes, e procurando conciliar os paes e os filhos, quando a discordia os separava; em uma palavra, promptos a avançar quarido a inadvertencia dos se- nhores e dos reis Ihes abria logar onde coubesse a sagrada mão poritifical.

Tiido isto, porem, se era rcalmcntc existente, nao era ainda verdadeiramente positivo, e o tempo ?ão corria fagueiro para abstracções metaplijsicos, nem concepçòes tlieoricas e itlcaes.

Os escriptores falam da crença, que vivia na tradição dos povos, de que acima dos papas liavia alguma cousa de mais sancto do que a vontade pura d'elles ; - os antigos carioiies e disciplina, esses echos perdidos da voz dos padres imitadores dos apostolos, tudo isso, mas confuso, vago, indeciso e que pesava na,intima consciencia c lembrança dos homens religiosos.

V&-se, sente-se que vai apparecer, ao findar do seculo vrri, um titulo positivo do podcr j6 ganho do papado suprcmo; e pcrce- be-sc lambem que esse titulo, ou não lia dc ter valor, ou ha de ir prender-sc na alta antiguidade, trazer aos ollios do mundo, bem definido e claro, o que o mundo entrevia do meio das sombras que lhe envolviam a mente mergulhada rias pcriumbras da igrio- rancio, s6 alumiada a espaços pela frouxa luz da tradição incon- sistente.

Eis aqui, pois, como não devemos estranhar o depararmos na lei-

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tura da historia d'estes seculos com factos, que se nos offerecem contradictorios e iiiconciliaveis ao primeiro aspecto 1.

Vamos agora desinvolver a t,erceira parte d'este capitulo, - provar como não tomavam parte 'neste objecto os reis, ou impe- radores 9.

1 Guardamo-nos para a 2.' parte d'eate trabalho, emquanto ao estado das relages da egrcja hespariliola com a roniana.

2 Bem sabemos n6s que ccrto iiuinero de indivicluos nos hão de perguntar, se, no meio de tantas duvidas e contradicçtes, a origem divina do papado iião ser8 seguro caminho?

Entendamo.nos. NBo pscrevemos aqui influidos por crenças catholicas, nem por descrenças

acatholicas. Se fosse um objecto verdadeiramente organico e que as leis ecclesiasticas

estabelecessem, esse seria o nosso ponto de partida ; mas, longe de ser deter- m i n a ~ % ~ da lrgislação canonica, 8 elle um objecto esseiicialmente do intimo fôro, de pura crença, pois que se prende, fora do campo profano da historia, em factos sobrenaturaes, ao amago mesmo da religiko c da revelaçào.

NBo escrevemos para catholicos, riem para protestantes : prociiramos sd- mente a pureza da legislaçiio catholica da egreja christii; e por isso não to- camos 'nesse melindroso objecto, iicm, com o que dizemos, o enppomos oii esque- cemos e contrariamos; porque iião 6 condição sine qua non da suprri~iaci;~ pa- pal de origem divina, pertencer-lhe, ou ter-lhe pertencido, mais este oii acliic~lle direito no capitulo de pura disciplina.

Pode conceber-se no campo das crençes catholicas a ori ein divina do pa-

ao papa, entre outros privilegio.;, o dc que tractamos. 7 pado, e ao mesmo tempo admittir-se qiie nos primeiros secu os não pertencera

A essencia do poder papal, na opiniào catliolica, não é este ou aquelle di- reito de rnrra disciplina : 6 um podcr espiritual, 6 cei ta supremacia rnoral, qiiasi divina, toda de amor, toda de paz; nâo destinada a seccar as fontes ex- uberantes da vida local da egreja, mas pmposta para as a l i m e n t a r ~ l ~ con- servação da unidade da fé e pureza dos costumcs e disciplina; e a isciplina pura, no ohjecto de que escrevemos, é exactamente a que apontamos, e ~ i à o a que actualiiiente se pretende sustentar e 6 lei.

Note-se mais aue não arrrumentamos com simples factos despidos da ali- ctoridade legal cia cgreja: -quem assim argume;ta são os prop;ios auctores ecclesiasticos: baseamos todas as nossas asserpões na letra dos proprios CB- noiie.;, rios dictarnes das epistolas decretaee dos papas, e nas pa$nas doe es- criptos tlos padres mais venerandos e contemporaneos dos acontecimentos, que iiarrainos c dos factos que procuramos descobrir.

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Tnmbem aqui não encontramos um texto de lei expresso, que directa e terminantemente resolva o assumpto; mas, note-se, nem por isso é menos positiva a regra de disciplina goveriiadora do assumpto.

A legislação canonica tem isto de especial: náo offerece este aspecto geral, syrithetico e sgstematico, que estamos acostiimados a descobrir nas legislaçòes contemporaneos; C casuistica; os seus canones fazem-se, nào para crear novas determinaç~cs, mas para avivar costumes, praxes geraes, com tanta aiictoridade, porem, como as mais categoricas leis modernas do estado civil.

& a grande influencia tradicional dos seculos primitivos, que mais dc uma vez temos feito notar com insistericia, e que nunca advertiremos de sobejo.

Não hesitou a egreja em se julgar supremo juiz d'estcs negocios, e E só depois d'rstes tempos que os defensores dos direitos c pri- vilcgios dos reis, os rcalistas ou regalistas, pretendem conferir-lhe este poder.

Temos mesmo a felicidade de eiicoiitrar bem clara a definiçáo da egrcja 'rieste ponto de sua disciplina.

No ncto quarto do concilio de Calccdonia foi decidida uma ce- lebre quest'io, em cujo debate os padres estiibelccerum bem ter- minaritcs os principias relativos a estes objeclos.

A contenda dava-se entre dois bispos, l'liocio de Tyro e Eus- tathio de Beryta, Acerca do direito metropolitico da alta Phe- riicia.

Acoriteccra que, por uma pragmatica do imperador Lelo Be- rytn, I'ora elevada a metropole civil, pretendendo por esta occasiáo o bispo d'esta cidade ter sido por este facto elevado h dignidade de metropolita.

O conllicto tinha-se aggravado muitissimo, porque Eustathio oc- cupara logo na qualidade de metropolita algumas das cidades da diocrse de Phocio.

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Para dar validade a esta desmembra~ão, Eustathio pretendera e obtivera dc Phocio, que este subscrevrsse ft effecliiada desmembra- çao de sua dioccse, dando assim uma prova irrecusavel da renuricia de seus direitos.

Phocio vinha agora dizendo que subscrevera contra sua vontade, coagido c com medo das minas, metil mirtarzrm, por temer que o accusassem de desobediencia, ou de menos respeito aos mandados do poder civil.

Phocio, ao que parece, era um pobre homem,.que, vendo agora reunido um concilio ecumenico, se lembrara de impetrar do impe- rador liceriça para submettcr ao juizo do concilio as suas meticu- losas pretensões, cuidando 16 no intimo qiie o imperador se não atreveria a combater frente a frente o poder immenso da egreja congregada.

Elabora com effcito um libello, no qual expõe as circumstancias em que assignara, e leva-o ao imperador, jft depois de reunido o concilio, para lhe pedir que consentisse na apresentação do ne- gocio 6 decisào dos pedrcs.

Como o imperador annuisse, Wocio rogou a leitura do referido libello na presença do concilio.

Eiistathio, a quem não convinha que a questão se resolvesse pelos padres, porque previa a ~oluçâo que ahi havia de obter, levanta-sc dizendo que o imperador, a imperatriz, os juizes e o senado e os amantissimos padres Leao e Anatolio os tinham reunido alli para outra cousa, qual era a soluçao da questáo de definição da f6 ; e, accrescentava, ((jubele ante omnia subscriba de- finiíionem, ut questio lidei abso~uatur '.»

Eustathio, porkrn, que, ao contrario do bispo de T y o , crn homcm de grande astucia, ajunctava 6s suas razbes estas apparentemrnte francas palavras :

((Quod, si acabava elle, de mea quoque causa juòetis nztnc quaeri, non sum in mora, sed prolinus respondeo.))

Os juizes intervCm e mandam ler as allcgayõcs dc Phocio ao imperador.

Feita a leitura, esses delcgados do poder civil perguntam a

1 Nas antecedentes sessões do concilio tinha havido grave disputa sobre este assum to, que mais de uma vez fora adiado. Veja a aclbo rv d'este mncil. ~ a b i s , Conc. Genev.] tom. zv, rol. 552.

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Eustathio se alguma cousa tinha a dizer contra as razões offereci- das por Phocio.

nJuhete eum (disse aquelle) dicere utrum secundum canones movet an secundum IrgesPn

uEgo a regulis non discedo (respondeu Phocio) nec volo typis Pa- trum evertere, sed postulo ne jura illa evertantur.))

Disseram ent8o os judices e o senado:

sacrat tis si mo Domino orhis placuit non jiixta sacras litteras (as im- periaes) aut pragmaticos typos res sanctissimorum Episcoporum proce- dere, sed juxta regulas a sanctis Patribus latas. Omni igitur cessante e sacris pragmaticis definitione, canones capitulis editi 1egaiitur.a

O synodo approva esta sentença, proferindo estas palavras:

uContra regulas nihil pragmaticum valebit. RegulaePatriim 1eneant.n

Leu-se então, em cumprimento do pedido dos juizes e senado, o canon iv de Nicca, ondc se reconhece a soberania inteira do me- tropolita dentro da provincia, e que acaba dizendo:

((Firmitas autem eorum quae geruntur per unamquamqueProvinciam Metropolitano tribuatur Episcopo.))

Acabada a leitura, os padres exclamam :

U n u m juxta regulas sanctorum Patrumvoluimus esse Metropolitam. Petimus ut regulae SS. Patrum teneant .~

Então o bispo Nicopolitano diz :

nTreceutorum decem et octo Patrum Regula unum vult Metropolitam in unaquaque Provincia, Episcopum esse et siipplicamus, ut etiam niiiic oirtus Ilegularum in omnia et in omnes Provimias valeat cessantibus omnibus pragmalicis, quae ex concursatione et ainbitione fiunt, quae- qiie Ueum a sanclis Patribiis sancita sunt.n

Por ultimo, os magnificentissimos e gloriosissimos juizes revali- daram a mesma sentença, 'nestes termos :

.Justa regulas trecentorum decem et octo sanctorum Patrum et jiixta sententiam totius sanctae Sgnodi, Photius revr.rendissimus Epis- copus Tyriorum Melropolis omnem potestatem ordinandi in universis civitatibus primae Phoenices Provincia habcbit. Eustathiiis vero rcvc-

6

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rendissimus episcopus e sacro pragmatico typo nihil ampliiis sihi vin- dicet, quam reliqui Episcopi ejusdem Provinciae et ali his consentia1 sancta Synodiis, edoceat.

Entáo o sagrado concilio acclama 'ncstes termos :

aHoc justum judicium, hoc Dei judicium, haec juxta sententia.~

Era j& isto bastante para conhecer as regras da disciplina, os principios reguladores d'este objecto ao tempo d'este concilio.

Os padres não hesitam, a sua dccisao 6 prompta, conforme aos antigos canones, cuja auctoridadc desde o primeiro dia elles ti- nham expressamente c ~ r i f c ~ ~ i l d ~ 1 - a sua decisão é firme e inaba- lave1 ria prcscnça mesma dos commissarios ou delegados do impe- rador" os piles sTlo os primcirns, note-se bem, a pcclir que se leiam os canones, as leis ecclesiasticas, e a pronunciar-se contra as illaçaes que das prasmaticas, ou sagradas letras impcriacs, o bispo de Ileryta quizera tirar.

Aqui pois toda a liberdade e independcncia da cgreja ao lado do irnpcrio civil, o qual não so k o primeiro a reconhecer-lh'a, mas ate a auxilial-a com sua forca, com seu auxilio externo, para ser inteira e livre a acçào de seu poder e o exercicio de seus direitos.

Não é só isto porém. Ao findar d'estn controversia, Cecropio, bispo de Scbastopol,

levantou-se e propoz que, para se nfo repelirem de fiitiiro simi- Ihantes questaes e conflictos, se estatuisse que nrrihum effeito teriam para a egreja as pragmoticas em detrimento dos canones.

aEa pragmatica quae in detrimentum Canonum a quibusdam facta

1 O primeiro canon de Calcedouia, Q semelhança do de Nicea, diz : Regulaa Sanetorum Yatrum per &n@a nunc uaque oo~~ci l ia constitutaa

proprium robur ottineve decrevimue. 2 Os imperadores ad ordinandum presidiam Qs vezes em pesson aos con-

ci l io~; na maior parte dos casos, porém, enviavam os delegados seus que se chamavam juizes.

Estes juizes mantinham a ordem no concilio, ouviam os padres, coiitavrm os votos e mandavam ern coiiforniidade promulgar os csnoii(+-. Nuncrt elles intervinham na discussão ; seu officio era merainente externo ; evitar as alter- caçòes, conservar a ordem ua discussZo.

Vem d'aqui o appellidar-se Constantiuo communis episcopus remm exter- namm.

Goetoss a egreja, sem perder sua independencia, acceitava este auxilio que o estado lhe prcstsva.

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sunt in omni Provincia : Canones autern per omnia teneant. Sic 6 et Fides custoditur et unaquaeque Eccksiu tutum otatum habebit.))

Perguntando os juizes ao syriodo se consentiam na opinião de Cecrol)io, o synodo exclama :

u0nines eadem dicirnus, universa pragmatica cessabunt; Regulae te- ncant: et hoc a vobis fiat.u

Os juizes dizem entáo :

nEx sententia sanctae Synodi, in aliis quoque omnibus provinciis re- gulae tcneant. D

n'esta discussão tirou a sua origem o can. XII do concilio. Este cari. é assim :

((Pervenit ad nos quod quidam praetcr ecclesiastica statuta facientes, convolariint ad potestatcs ct per pragmnticam formam in duo unam provinciam diviseriint: ita iit ex hoc facto diio rnetropolitani esse vi- dcantur in una proiincia : statiiit ergo saricta Synodus de rtliquo niiiii a b Episcopis taie tentari ; alioqiiiii, qrii hoc admissus f rit amis- sioiic gradiis proprii subj'jacebit. Quiiecurnque vcru civita % s litteris Irriperi~libiis Metropolitnni iiominis honore subnixac sunt. honore tan- turnmodo perfriiantiir et qiii Ecclesiarn ejiis gubernat Episcopus : sal- tis scilicct verae metropolis privilegiis suis. 10

Em outras contestações hcercn do direito metropolitico resol- vidas nas sessões d'este concilio se adoptam os mesmos principios e se manda ler o mesmo can. iv dti Nicea, assento primeiro e mais venerando da soberania dos metropolitas livre e independente do estado.

Os proprios bispos, interessados nas contendas, si10 os primeiros a appellar para as regras dos sanctos padres e para o antigo cos- tume.

Na contestação entre Eunomio, bispo de Nicomedia, e Anastacio,

1 Chr. Lupus Synod. Gener. ac Provinc. decreta et canones, pag. 1, achol. et not. ad can. XII Caleed.

Este privilegio, purarneute honorifico, que o can. concede aos bispos das cidades recentcriieiite elevadas á dignidade de metropoleu, consistia &ente no uso do titulo de metropolita e em occupar nos eoncilios provinciaee o pri- meiro logar depois do metropolita verdadeiro.

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bispo de Nicea, este ultimo, convidado pelos juizes a responder 6s allegações do lihello de Eunomio, depois de appellar para ariti- guidade e velha disciplina, acaba dizendo : - Nec enim ego ali- quid amplius v010 '.

Apezar, porem, de tão claro scr o assiimpto cm face d'estes canories c lia prcscnça da liisloria d'estc concilio, os carionistas gregos, entre cllcs os celcbres Balsamon e Zoiiaras, crbem que em vista mesmo d'esses canoncs se descobre que ao estado, por con- cessão da egreja, pertence o direito da erecçáo de metropoles e dioceses.

Argumentam com o final do can. xvrr, o qual estatue o se- guinte:

aSi qua vero civitas potestate imperiali novata est, aut si protinus innovetur, civiles dispositiones et publicas, ecclesiasticarum quoque parochiarum ordines subsequantur.~

Ao primeiro aspecto este canori parccc contradizer o can. xri acima transcripto; porque alli se tira aos imperadores o poder de crear dignidades ecclesiasticas por pragmaticas suas, e aqui se or- dena a inteira submissão ao que por auctoridade imperial se fizer; alli os padrcs tinham dicto que a pragrnatica não valia contra a regra; aqui decreta-se a superioridade das civiles et publicas dis- positiones.

Depois do que temos narrado da historia do concilio, se v& bem j A que este final do can. xvrr nóo p6de significar o que os cano- nistas gregos pretendem 2.

A antiriomia 6 s6 apparente, como vamos demonstrar. Mais de uma vez temos dicto quc as grandes divisões ccclesias-

ticas nóo apparcccram por determiriaçúo meramente ecclesiastica; as circuinstancias as produziram com sira força indeclinavel, e a egreja as acceitou desde os seus primeiros dias.

É' (pieentão mal se comprchciitlia c~iiantos odios e ambipões haviam depois gerar estes grandes poderes metropoliticos e pa- triarchaes.

fi que então, indecisa ainda em sua fdrrna, como qiir ingeriiia e pura e sem nada comprehender ainda das cousas do n~iinclo, a

1 Veja-se a actio xirr. 2 Chr. I~upus. - Byuod. gener. ac provinc. decreta ct canona. P. I..,

scliol. et itot. ad can. xvir Chalcedou.

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egreja, perseguida pela idolatria, nóo podia passar sem estes gran- des centros de acção, indispensaveis para susteiitar sua attribulada vida.

A riqueza, a importancia politica das grandes cidades, metro- poles do imperio, o perigo que ahi corriam os bispos; a urgente necessidade de conservar mais ateado nesses logares o clarão da fé, que chamava assim os mais venerandos padres para essas ca- deiras ; tudo concorria para a acceitação de uma divisão ecclesias- tica que coincidia com a politica, e que a ella ia buscar seu nome.

Quando a egreja chega a maior edade e reflecte no seu orga- nismo, vê então o peso da antiguidade sagrada como que a sellar para sempre o que 'nesses remotos dias, inconsciente e soffredora, deixara que a corrente dos acontecimentos architectasse.

NZo hesita um momento; curva a fronte, e a cada instante e nas suas maiores solemnidades, ella confessa o respeito pela vetustez dos seus institutos e pela tradição, preciosa fonte d'essas lem- branças. * por isso que, onde apparecia uma nova cidade, ahi um novo bispo; onde tima alterayóo na circumscripyão politica das provincias romanas, ahi uma modificação na circiimscripç80 eccle- siastica das provincias da ejire:ja; passando os bispos das cidades dcsmcmhradas de uma provincia para a jurisdicçtio do metropolita d'aquella, á qual agora na divisão politica pertencia a sua cidade.

O que o can. xvii relembra é isto; o que o can. xii manda 6 que, quando as provincias se dividam em duas ou mais por sugges- tões e machinayões dos bispos juncto do poder civil e imperial para grangearem a honra do privilegio metropolitico, taes divisbes não tivessem senão um mero effeito honorifico, e que os bispos fossem despojados de sua alta dignidade.

Este canon revela pois com a maior certeza que o antigo cos- tume, a regra consuetudinaria da disciplina era, que se elevasse uma nova metropole onde o imperio a edificara tambem; porque vemos por esse can. os bispos pedirem ao poder civil a creação de novas metropoles politicas, confiados nas consequencias legaes e canonicas d'esses factos.

Vê-se tambem profundamente gravada a mesma regra no res- peito que o can. tributa á nova creação de metropoles no imperio, ornando os bispos das novas cidades com o nome e simples honras de metropolitas. Porem, notemos ainda, o legislador ecclesiastico

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n8o se atreve a annullar, porque o não póde, a obra da legislaçiío civil, a divisão politica nova, embora obtida a rogo dos bispos; n8o se abalança a deixar contra o antigo costume uma metropole po- litica sem um metropolita ecclesiastico, e ao mesmo tempo não p6de sanccionar os resultados das ambições de seus pontifices. por isso que, condemnando-os á ignominia da deposição, respeita o poder civil e a tradição da alta antiguidade, ornando do nome e meras honras de metropolita os bispos das novas metropoles do imperio.

Longe, portanto, de se contradizerem, estes canones explicam-se mutuamente, presuppõem-se, completam-se.

Na0 se pode dizer que depois do can. x v i r r a antiga disciplina tenha ficado derogada; porque todo o espirito do can. XII a s u p põe, e suas determinações são geraes pelo respeito para com ella ; e porque, finalmente, o can. x v i i r expressamente a revalida.

O objecto principal d'este can. não 6 o mesmo, porem, do can. XII.

Tracta-se 'nelle da usurpação das cgrejas rusticas pelos bispos, que assim se occupam inconscientes de sua invasão ; e, como estes actos abusivos, attentatorios dos direitos epis~opaes~ podem trazer graves contestaç6cs (como ao tempo d'este concilio mais de um exemplo havia), por isso o can., depois de estabelecer uma pre- scripção de tres annos, manda que qualquer contestaçào, levantada antes de decorrido esse tempo, seja levada ás auctoridades eccle- siasticas que indica. Porem, como dn innovaçào lia categoria poli- tica das cidades pelo poder civil provinha alteraçõo rias jurisdicções episcopnes e metropoliticas, era indisponsavel resalvar esta hypo- these, deixando 'nella inteiro vigor hs regras canonicas depois da modificação 'nas circumscripç6es ecclesiasticas e politicas, oriun- das da pragmatica do poder imperial.

Ha uma decreta1 de Innocencio, do anno 40$, anterior ao con- cilio de Calcedonia, cujos actos acabamos dc referir, a qual manda que as divisões feitas pela egreja se nâo possam mudar pelos prin- cipes.

«Nam quod sciscitaris, diz, utrum divisis imperiali judicio provin- ciis ut duae Metropoles fiant : sic duo Metropolitani Episcopi debeanl nominari. Non ergo visum est ad nobilitatem necessitatum mundana- rum Dei Ecclesiam comrnutari, honoresque aut divisiones perpeti : .

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quas pro suis causis faciendas duxerit Imperator : ergo secundum p&- tinum pmvbuiqrum niorm metropolitanos Episcopos wnocnil num+ rari 1.n

De uma outra decreta1 de Bonifacio r, do anno 419, se des- cobre egualmente bem clara esta disciplina, pois manda que ne- nhum bispo se ordene 'na proviricia coiztempto Metropolitanof.

Pedro de Marca, quando rcfcre que Justiniano eleva a arcebis- pado a cidade onde nascera, escreve que elle « videtur canones concilii Calchedonensi infregisse » c procura ao mesmo tempo demonstrar que a egreja gallicana nunca consentiu que os reis erigissem novos bispados 3.

'Nesse facto mesmo, de Justininno esorbitar de sua esphera, não se v& uma inteira infracç30 das leis da egreja ; porque, alem do respeito que a egreja sempre mostrou para com os imperado- res, e que lhe garantiu a paz de alguns seculos, além d'essa d e ferencia pelo poder civil, que era como qiie uma compensação do auxilio e da forca que elle lhe prestava ; a egreja intervem para sellar com a sua auctoridade a nova erecção de Justiniano: Vir- gilio, papa, a ratifica 4.

Thomassin apresenta-nos alguns factos, em que parece i m p e

1 Veja a Decret. XLVI do Codes Canon. Eccles i~t icomm, sive, Codes Ca- non. Vetus Ecclesiae Romanae, de Dionysio Exiguo, na Bihlioth. Jur. Can. Veter. de Henrique Juetello, 1661. k em resposta a Alexandre, bispo de An- tiochia.

V e j a ainda Can. LI Caus. X V I . q. I , e O Cap. xvr de major. et obd. 2 Veja a iv Decrrt. d'este papa no mesmo Codigo. 8 Conc. Sacerd. ~t Imper. Lib. 2.0, cap. 9.", n." 1. 4 Veiu prestar gratide serviqo ao estudo d'este interessante ponto da his-

toria da egreja, da Iiistoria geral, e de um doa mais momentosos problemas do nosso tempo -o problema das relaçòes da egieja e do eatrrdo, O livro pu- blicado ha poucos aiinos por Rliallia e Potlis- Les canons des saints ApÔ- tres, dcs conciles ecttmbiqr~es P / pror<nciales et d ts pi'res de I'église.

Conipi c.l~endc, alEm de copio,sissimas notas e dissertaçoes historicas, uma colleryiio r, colhida do8 actos do impcrio, relativos 4 egreja e dos que a egreja e m miaterias civis Ee soube apio~ei tar , mostrando claramente o estado das relaçües das duas sociedades. Este livro é quasi uma nova ediçâlo, muito am- pliada e nperfeiyoada, do celebre ATomocanon de Pliocio, que tambem n8o era mais do que u m a conrardaiicia das I e i ~ civis e religiosas.

A Bevue hihtarigz~? clc drait français et &ranger, no tomo 3 . O pag. 578, es- creve a respeito d'csta preciosa collecqi%o:

t E n yarcourant les cinq volumes publib par MM. Bhallis et Potlb, on voit que l'injíuence impkriale a renconfré au sein du cleryé une trks-vive qppod- tion. Cette rdsistence nlt?.tait pus simplement un e$et de t'amour propre C@- rical, elle étaU plutôt inq'rde par le déeir de mainlenir itetacte l'antique tra-

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trar-se o consentimento dos reis; mas stío indecisos, obscuros, limitados em numero. Muitos em contrario nos refere o sabio Pe- dro de Marca na sua bem conhecida obra da Concordia do Sa- cerdocio e do Imperio l.

Gonzales lembra, tambem em contrario, que Wamba, rei dos godos, prneier morem el consue~utiinem eccl~siae, mandou bispo para os suburbios de Toledo a um certo Rstcvão, que fdra bispo de Merida, sem esperar, nem consultar a egreja. No diiotlccimo concilio de Toledo este rei vem em pessoa prostrar-se aos 116s dos pndrcs, pedir-lhes perdão para si, e deixando-lhes á sua vontade o destino do sacerdote que fizera bispo.

- (c... Praedictus idem vir, prostratus hiimo, medicamine nostri prae- cccepti et sibi dare veniam petiit et qiiid potissimum operteret fieri de apersona ejus qui illic ordinatus fuerat rioslri oris sententia decernen- adum poposcit 2. n

Isto foi pelos fins do vrr seculo. Éi de ver que todos estes exemplos S ~ O dos ultimos annos d'cstc

pcriodo, cuja historia vamos narrarido rio capitiilo da discil~lina da egreja. Ao mesmo tempo que ella vai pnhando forças e tomnn- do vulto, o estado vae tambcm constitiiindo-se, o turbilhzo das invasões vai-se dissipando ; o systcma feudal detcrrninando-se.

Mais dois seculos, e a egrcja sobrepujar& o estado ; por em- quanto, docil e como que não calciilando as coiiscquencias do que fazia, ella, sem renunciar ao uso de seus direitos, procurava ca- minhar de harmonia com elle.

A soberania do solo, base do feudalismo incipiente d'estes se- culos chama a intervençâo do estado 'nestes negocios ; mas ella tem uma terrivel rival, porque, emquanto aqiiclla theoria é pura- mente practica e rudimentar, a epre-ja está cm todo o seti vigor, com uma organisaçâo robusta, armada de iim podcr immenso: tem os seus direitos definidos, baseia-se em um complexo de theorias que os padres elaboraram e os concilios perpetuaram com os seus canones.

dUion ..... Mais tout eli repottssant l'immiztion esaggkrke de l'ktat, dana les af- faires de l'kglise, le clerge s'rst approprid.francheme71t pktsieure lois civiles exeellentes, surtout celle relalivc u la famille ....... V

1 Vet. et Nov. discipl. Lib. 2.0, CRP. 4. 2 Gonzales, Comm. perpet. Tom. v, tit. XXXIII, cap. 1.0, n.O 4.

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Esta a explicaçâo das contradicções nos vestigios historicos das novas creações de bispados.

Devemos notar, porem, um singular defeito de argumentação que encontramos nos escriptores. Como acabamos de ver, quando elles narram os factos que revclam a intervenção do estado, dizem todos que era uma infrocç30 das leis canonicas contra o costume r disciplina da egreja ; mas, quaiido referem aquelles que desco- brem a supremacia papal 'nestes objectos, longe de Ihes imputar uma infracçao, acceitam-nos para base de seus argumentos.

Em um e outro caso ha eguaes razòes para os classificar de abusos e infracções ; que em ambos elles ha a legislaç3io ecclesias- tica bem positiva e clara.

Nõo insistimos mais sobre este ponto. Nâo 6 contando o nu- mero de factos como quem conta votos, que se resolvem as ques- tòcs dc indagaç8o historica. Quando a legislaçao se expressa tão positiva e appella tão vivamente para as regras c antiga disciplina, n:~o s'io essas paginas de Thomassin, sempre inconsistentes, que nos mostram a revogação da disciplina ecclesiastica.

O ultimo seculo d'este periodo 6 como que vacillante e inde- ciso, porque, acima o dissemos, 'nelle palpita um poder já real- mente existente e que procura a vida legal, um titulo que o jus- tifique juridicamente aos olhos do mundo ; e ao mesmo tempo esboça-se confusa a theoria de uma nova constituiçâo politica do poder temporal das nações da Europa.

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CAI'ITULO IV

As falsas decretaes *

Apparecimento das decretam de Isidoro. - Es antosa auctoridade com que se iiiipòem. -Dura oito seculos a erenca nas falsas lecretaee. - A reforma ealliolica do se- culo xvi nao podia uri6càr a disciplina.-E completameote nllerada em suas bases. - Textos das Pdlsae decretaes relativos ao nosso objecto.- Uma opiriiSo de Tbomassiu.- Grave diffieuldade no Capitulo da disciplina da egreja.

Entre os fins do seculo vIir e meados do seculo IX, apparecc ria egrcja Occidental uma nova collecç8o latina de canones e de- cretaes.

1 NPo se sabe a epocha precisa do apparecimcnto dlesta notavel collecçPo de canones.

Aguirre assigiiala desde o comep do septimo at8 ao fim do nono o espaço provavel da sua publicaç&o.

Hincmar, arcebispo de Reims, em um opusciilo coritra seu neto, no cap. 24, citado pelos canonistns fala do ~Iibro collcçíaritrn Epistolarum ab I d o r a , quem de Hispania aallatum Riculphus Episcopits 17logicntinits in hujuemodi rimt et in Capitulis Ilegni studiosus, obtinuit, et ietas regionee ez iUo replM fecit..

Sabe-se que a este Richolf siiccedeu em 786 Lullo; e por conseguinte que aquella collecção existia jh no ultimo quartel do seculo viir.

Como ~ahisse da Hespanha, e tivesse por nome de auctor o nome de Isi- doro, cuidou-se, e o proprio Hincmar foi o ~rimeiro a crel-o, que era devida so celebre bispo de Sevilha.

Como porém 'nesta collecçb apparecem determinaçóes de concilios, con- vocados depois da morte d'este bispo, as opiiii0es dividem-se, qliercndo uns que de outro Isidoro se falla, pensando outros, como o cardeal Aguirre, que esses canones foram accrescentados posterimente 4 primitiva collecçlo do aiictor das Etymo1og;aa.

Geralmente chama-se lhe a collecçfio de Isidoro Mercador, -porque se encontram, no começo da prefação de um dos exemplaras mais antigos, qiie existe em Roma, as expressões ~I s idorus mercator ser- ChTisti, leclori con- eervo SUO......^

Pedro de Marca lembra que seria Isidorus Prccntor e n&o Mercator, por- que d'aquelle titulo usavam os bispos em sigii;il do humildade.

David Bloiidel, o distincto critico das collecgGes do direito ecclesiastico,

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O pobre Dionysio Esiguo, que gastara os annos e abreviára a vida, revolvendo os archivos da egreja romana, cobrindo-se da poeira suffocadora de muitos seculos, náo encontrára em premio de suas fadigas os monumentos vetustissimos, preciosos, os mais venerandos monumentos que o auctor das novas decretaes tivera a felicidade de descobrir. A siia collecção, fructo de tantos traba- lhos, que viera repetir ti egreja latina os sagrados canones apos- tolicos, quasi desconhecidos ate ent80, ia agora para sempre per- der a auctoridade que tão justamente alcançára.

& que a nova collecçâo illustrava-sc na primeira pagina com um nome respeitado em todo o orbe catholico - o nome de Isi- doro bispo, o sabio e virtuoso sacerdote de Sevilha. k que a nova collecção offcrecia ao mundo christão as decre-

taes dos primeiros papas, as mais sanctas de todas, mais respeita- vcis do que os proprios concilias geraes do iv c seguintes secu- 10s; e o muiido absorto rojava a fronte por terra, confessando o erro em que vivkra, porque essas decretaes mostravam-lhe que a disciplina que julgára verdadeira e pura era falsa e viciosa; qiie a tradiçáo que tanto reverenciára era uma voz mentirosa que o fi- zera durante oito seculos falsificar as palavras do Christo, os di- ctames dos apostolos e as doutrinas dos padres.

Subitamente, Roma, cuja auctoridade suprema era geralmente contestada em materias disciplinares, surge immensa, cheia da luz pura e sancta da antiguidade verdadeira, eleva-se até ao firmamento, prende-se 'nelle e 'nelle brilha como uma de suas mais formosas estrellas.

A christandade prostra-se, adorando-a; o episcopado hesita um

pretende que o auctor d'esta collecgllo não era hespanhol mas gemano- franco.

Muito se tem discutido a falsidade das decretaes e outros documentos d'eata collecçlo; e hoje, pragas critica esclarecida, existe elaborado catalogo das decretaes apocryphas.

Questionam tambern os escriptores sobre e6 esta compilaçlio foi forjada, ou nllo, para favorecer os interesses da egreja romana; ou se foi piedosa a fal- sifica* das decretaes.

A auctoridade d'esta collecção foi immeusa, porque inui grande era ainda o respeito pela antiguidade e pela tradição, e porqiie os papas a recommen- davam fervorosamente.

Nicolau I da em suas epistolas um exemplo bem claro de quanto foram defendidas pelos papas estas decretaes, eapecialmente a respeito do julga- mento e deposição doe bispos. A exaltação de Nícolau ao throno de S. Pedro teve logar no a n o de 858.

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momento, levanta o olhar altivo para aquelle colosso, que pensa phantasmagorico; mas aquella luz offusca-lhe a vista com seu . clarao, nào sei se satanico se divino; quer protestar contra a nova soberania; mas acinia de sua voz, elle ouve, troando nos ceus, a voz verierarida dos primeiros papas, cujas sombras lhe apparccem co- Ijertas com a çaridida turiica, saliirido das catacumbas, ornados das palmas do martyrio e do esplendor dos sanctos. Então o proprio episcopado rola ate os pks do pontificado supremo de envolta com toda a egreja, com todo o edificio singelo, mas grandioso, mas purissimo, mas sancto, da antiga disciplina. 1

E tudo isto fdra um logro, o embuste vilissimo de um homem infame, que escond6ra o seu nome abjecto sob o puro nome de um varão respeitavel, a quem assim imputava um dos maiores cri- mes, um dos factos mais nefandos, que a historia do mundo estre- mece de narrar!

Durante oito seculos durou esta comedia; durante oito secu- 10s se accreditou na pureza das inventadas decretaes.

Taes são os tristes effeitos da ignorancia! Foi preciso que a egreja se visse despedaçada pelo seu mais

cruel schisma ; que a intelligeiicia do mundo resuscitasse ; que fosse indispensavel para certa seita provar a vanidade dos alicerces da grande supremacia romaria; foi preciso tudo isto, tantos seculos,

1 Hincmar e quasi todos os bispos gauleees fizeram viva opposigo hs de- cretaes. f1i:icmar & urli dos bultos mais graridiosamente esculpidos do epis- copado d'estes teiripos de perdiçiio e igiioraricia. Homem, mui sahio, couhe- cedor da antiga disciplina, elle fez urna guerra tenaz As decretaes de Isidoro; uso que podesse pro\.ar e coiivencer-se da falsificação d'aquelles docuineiitos, que Ih'o uBo c(~riseiitiaui as luzes de seu tempo; mas porque sente, corno que adiviiilia que ha alli uma força infernal acobertada corn as puras vestes dos piinieiros e mais ~ltiitos bispos de Roma. As falsas decretaes rebaixavam o opiscopado, roul?avain-lhe a soberania e a iudependeucia; é verdade; - mas nio 8 86 por isto que este lioiriein combate a força e auctoridade legal da collecçâo do pretendido Isidoro; 6 priiicipalmeiite contra o monstruoso capi- tulo das appeilaçòes para o papa, que elle emprega seus esforços, bem vendo as fui:csta~i e tristiusimas coiisequericias d'essir disciplina inaudita. Hincinar dizia que a nova collecção, ou codigo, nào devia ter força de lei,-porque, não estaildo graude numero de suas decietaes no Codez Canonum, nao podia ella inverter a disciplina estabelecida por tantos decretos poritificios e tão vone- raveis cariones. Nada couseguiu todavia.

Esse homem, tie era mui illustrado, nlo se podia porem chamar um cano- nista; longe, bem loiige d'isso. A cultura de sua intelligeucia era maia pagii e litterata, do que cliristrt e theologiça, e por isso o brilho de seu taleiito tem muitas vezes estes reflexos da fraqueza e corrupção do ultimo periodo da lit- teratura romana.

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tantas luctas, tantos crimes, tantas calamidades, para se conhecer e descobrir a hlsificaçào d'aquelles documentos.

Começado este trabalho pcios protcstantes, que iriterromperam ao celebre Erasmo para lhe tomar a palavra e desinvolver a idha, que elle se não atrevia a puhlicar ; a propria egreja catholica teve de mandar corrigir as suas volumosas collecções, todas viciadas por aquelle monstruoso e infernal parto de um homem ignorado e amaldiçoado pela posteridade.

Apezar de tudo, os defeitos radicados pelas decretaes perma- neceram; existem ainda hoje, e s6 Deus sabe quando soará a sua ultima hora.

Quando se fez a reforma catholica do seculo xvr, esta mudança, esta purificação da disciplina era impossivel, porque a reforma fa- zia-se em opposição h recente reforma protestante, que atacára a supremacia papal com esse mesmo defeito.

Alguma cousa se conseguiu, mas não se quiz tocar no coração mesmo do schisma: por ventura teria sido possivel uma reconciliação.

Aqui, como em tudo, se revela a fraqueza da nossa condiçiio: o destino, como diz um bello pocta francez, dh uma hora por scculo á humanidade para se regenerar: esta hora b uma revolução, e os homens pe~dem-na a despedaçarem-se mutuamente; entregam á vingança a hora dada por Deus á regeneração e ao progresso. E se ao menos nús vissemos sómente a perpetuação do mesmo regi- men cffectuada pelas riovns decretaes, que nas falsas fossem beber o seu cspirito, comprchcndiamos facilmerite este estado de cousas; mas é que temos deparado com escriptores, que continuam hoje a citar aquelles documentos apocryphos, e que, não satisfeitos ainda, nos v&m dizer que foi prouidencial o apparecimento das falsas de- cretaes i ! k mui certo o que diz um dos primeiros philosophos do seculo

passado: uTout abus s'éternise de lui-rn4me; c'ca; l'écurie de Augias; i1 faut un Hercule pour la nett0yer.r

1 Bergier- Diction. ( 7 ~ Tl,éolo$r, vb. Ddcrhtales. Na Enc?/clopedia Catholica este facto tem, albm de um caracter benefico

em seus eEeitos, a ~pparencia de ingeuua ignoraricia em sua origem. L)]z-se ahi, vb. décrétales-e ... celui q i ~ i Zrs a fabrigiiéeo n'a Été susriti ,li I , u ~ é Par les paprs; i1 lea a faites en Esl~agnc et non en lialie; i1 a vortl~l c.'layer par de faus ttlre.9, u m jurisprude~rce étnblie f ~ r r l ~ i t lui conme tous @s rornanc8er8, il a prêtd a m per8onnayes Jea quatres prel,&iers siècles de Z'hVjlioe leo idde8 et le langage du v111 siècle. .. c'a Ctk Z'ouz'rage de lu ndcessitk plutôt que de

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A antiga disciplina foi inteiramente alterada por estas consti- tuições e falsas docretaes attribuidas aos primeiros papas.

O primeiro periodo da historia da legislação ecclesiastica est8 aqui irremediavelmente assignalado. 1

Não cabe no plano d'cste trabalho desenvo1;er o quadro dos effeitos perniciosissimos que trouxe para o futuro do catholicismo este singular acontecimeitto.

Vamos sómente apontar a fonte d'onde dimanou no objecto de que nos occupamos a alteração da disciplina.

O primeiro documento esth em Graciano, Dist. ~ x x x can. 2.' ]E: uma pretendida epistola do papa Clemente, que diz assim:

aIn illis vero civitatihus, in quihiis olim apud ethnicos primi Flami- nes eorum, atqne primi legis doctores erant, episcoporiim primales poni vel patriarchas B. Petriis praecepit, qiii reliquorum episcoporiim cau- sas et maiora, quoties neccsse foret, negotia in fide agitarent, et pau10 post.

In illis autem civitatibus, in quibus dudum apud praedictos erant ar- chiflamines quos tamen minores tenebant, quam memoratos primates, archiepiscopos institui praecepit, et infra.

In singulis vero reliqiiis civitatihiis sirigiilos et non hinos, vel ternos aut plures. episcopos constit~ii prarcepit, qiii non primatiim, aut ar- chiepi~~Op0riiin. arit metropolitanorum nomine, quia matres civitatum non tenent; sed episcoporiirn tantum vocabulo potirentur; qiioniam nec intrr ipsos apostolos par institiitio friit, sed unus omnibus pfaefuit.n

O segiindo encontra-se na Dist. xcrx can. 4 . O I? uma epistola 2." de Ariacleto, papa, aos bispos da Italia, Acerca da ohediencia devida aos primazes e patriarchas, e do logar onde se devem erigir estas dignidades.

Transcreveremos s6 o principio, pois A mui extensa :

aprovinciae multo antc Christi adventum tempore divisae siint ma-

l'ambition ... ce pouvoir, quoique portd Ir l'ezcès et devenu abuaiy, 0 fait beazc coup plus de I~ien, que de mal.

Christiano Lupo escreve que ao findar do seculo viri se achava muito de- primida a majestade da sB apoatolica nas Gallias e Gerrnania pelos francos, na Hespanha prilos sarracenos, e lia Italia o Illyria pelos lórnbsrdos e gregos, e que por isso um piedoso chriatiío, pius jidelis, forjára etltas epistolas decre- taes, attribiiiiido-as virtuosamente aos primeiros papas. Scholion ao can. 1x1

dos Ih'otatwr S. Gregorii vii Potztificia. I 1 Como veremos, 6 especialmente desde o seaulo xx qiie comep a altera-

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xirna ex parte, et postea ab Apostolis, et B. Clemente praedecessore nostro ipsa divisio cst renovata. .. .u

t

O terceiro documento é a epistola de Aniceto, papa, aos bispos das Galiias a respeito do nome de primaz e de quem pode só usar d'este titulo. Vem na llist. xczx. can. 2 . O , que diz :

~ N u l l i archiepiscopi primates vocentur, nisi illi qui primas pars te- nent civitates quarum episcopos Apostoli, et successores Apostolorum regulariter patriarchas et primates esse constituerunt: nisi aliqua gens deinceps ad fidem convertalur, cui necesse sit propter multitudinern eorum primatem constitiii.u

O pontificado de Anacleto 6 do anno 78, o de Clemente, de 9i ,

ção nas leis disciplinares, tendo por base a eollec@o de Isidoro. Os pontos em que principalmente consistiu esta mudanp siio os seguintes : Convocação dos concilias - As falsas decretaes não os permittem sem ordem

dimaiiada do papa, ou sem o consentimento d'elle. Julgamento dos bispos - Pelas fslsas decretaes s6 o papa os pode julgar. E

dos principio8 mais repetidos iiestas epistolas apocryphas. Transferencia dos bispos-As decretaes de Isidoro si, vêern o papa investido

d'esse poder. Erecçüo de ~bouos bispados &da tr1ri6o e dtviaEio i Segundo essas decretaes s6 ao papa pertence Creap?io de patriarchai, me- / este direito.

tropalitas e primazes Appellaçües para o papa - Por estas decretaes, os bispos, qualquer padre,

ern uma palavra, qualquer pessoa de qualquer parte do mundo, quando se cuide vexada por uma auctoridade ecclesiastica, ou civil, pode ap- pellar para o papa!

Anacleto, Sixto i, Sixto 11, Fabiano, Cornelio, Victor, Zepbirino, Marcello e Julio, todos estes nove papas, todo. estes martyres venerandos, têm em sua bocca as falsas palavras de Isidoro para suetentar este abuso es- pantoso ! Qual seria o interesse d'este piedoso embusteiro? Ha alguem que acredite que a reforma, ao menos neste ponto, se fizesse sem'm et sine sensu? ha alguem que acredite que esta disciplina das appellaçcies ao p:ipa cra a discipliria geral e coiisiietudiniiria c qrie pedia assini iinpe- riosarnentc qiie, a de~peito dos ciiiioriea, se passasse a eecripto ? h'o tempo de S. Pabiniio e de S. Cornelio vivia S. Cypriano, que escreveu contra as appellaç0es ao papa. No tempo de Sancto Agostiuho, no se- ciilo v, n egreja de Africa utto recebia taes iippellnçGes, e at8 ao ix se- culo mui poucos exemplos se encoritram d'esta disciplina, e não ser da parte dos grandes metropolitas e etn raros casos.

As irnmunidadeu e exempPes dos clerigos a respeito doe poderes civis v&m tarnbern aqui beber a sua origem.

Veja mais extensamente sobre este objecto os excellentes - ~ 8 c m r 8 sur Z1lIistoire ecclésiastiquc do abbade P e u r y especialmente o 4.0- e O que a respeito d'elles escreve Voltaire nas MdZarrges Hbtoriques, tom. 1.0, wp. 3.0.

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e o de Aniceto de 157 ! Veja-se, pois, que grosseira falsificação esta nos termos, nas determinaçòes do texto, em tudo palpavel, saliente cni tudo; dissonarite do espirito da epocha a que se attri- biie, impossivel mesmo dc se ter realiçado nos fins do primeiro scculo. E, ao mesmo tempo, qiie supremacia colossal a qiie d'ahi sr tlescobre na çadcira de Pedro !

Deixii estupefacto esta audacia de quem quer que fosse o seu aiictor !

Accrescentai a isto os esforços feitos, havia já tres seculos, da parte de Koma, por ventura inconscientes, para conqiiistar o pri- meiro logar ; o respeito ignorante da christandade ; a effectiva su- premacia religiosa e moral jh conquistada no fim do seculo v111 ; c tendes assim a explicação do temor com que foram acceitas as decretaes e do ardor com que os papas as defenderam!

Thomassin, quando pretende explicar a transformação por que passa nos fins do seculo viir a disciplina da egreja, escreve estas riotaveis palavras :

ulta cum rebus hiimanis comparatum est, ut jus qoodlihet ad eum tandem dc\ol\atiir cique adhaerescat, cui caeteri illud permittunt, ciirandiim. defiingendiimque diutissime.. ... . EIaec innoxia cst et sin- cera ratio qiia dcvoluta praescriptaqtie sunt pleraqiie jura, nec Pon- tificibiis, ncc Episcopis animum ad hacc advertentibus, sed sensim, sine sensu, invalescentc usu ct rcs itii confirmante ut infirmari deinde netitiquam possinl. In utraqiie hotninum politia, ita multa fiunt iner- pcctata, inopiria; nemine fere diin fiunt advertente, nemine cum fa- cta sunt, infecta jum reddere pol1erite.n

Sensim et sine sensu! Mas, se isto A verdade, consentiu-se, consentiu a propria egreja no menoscabo da auctoridade dos con- cilio~ ecumenicos, fomentou o desprezo da pura disciplina pri- mitiva ! todo o crime da infame falsificação das decretaes peza so- bre ella ! Não ; não pode ser; porque entáo nâo teriam esses do- cumentos ganhado o respeito que alcançaram, porque foi exacta- mente pela sua antiguidade veneranda que elles poderam obter tão grande auctoridade.

Sensim e1 sitte sensu! pois não havia aqui alguma cousa de melhor, de superior, que se impunha? não era outra u disciplina oriunda da tradição apostolica? então porque é que se fazem essas decretaes? A um puro effeito das circumstancias, uma pura negli- gencia? e para que v&m agora os seus escriptores dizes-nos qiie

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desde todos os tempos a sB apostolica teve esta prerogativa? es- tamos nós nos seculos das falsas decretaes, cegos pela ignorancia miseravel d'esses tempos ? As falsas decretaes não sáo uma etra- ducçno da disciplina consuetudiriaria pura. O seu apparecimento 6 um facto essencialmente activo e intelligente e que por isso me- smo a egreja deve reprovar.

Surge todavia aqui uma dificuldade mui extraordinaria. Como durante oito seculos se acreditou na pureza das falsas decretaes e a ellas se c!(w inteira força, apezar de sua falsidade; acontece que a disciplina dos concilios dos oito primeiros seculos, postoque nTio levada i1 practica, continúa 'nestes oito annos seguintes a ser real- mente a l e i , a disciplina verdadeira ; porque toda a nova disci- plina ou se funda nas decretaes falsas, ou se baseia em decretaes, que, postoqric dimanadas do legitimo poder legislativo da egreja, n;?o tem comtudo uma razão de ser acceitavel, nem paranós, riem para o proprio legislador, porque foi sua doutrina bebida nos erros radicndos por aquelle embuste.

Como poi+m derrubar todo este edificio, quando o concilio de Trcnto nol-o impede com o seu anathema, e o tempo com n sua auctoridade ?

A outros o cuidado de solver este problema, se solução possi- vel se Ilie encontra: vamos cxpondo as phases d i ~ legislação cano- nica singelamente e sem pretcnsòcs de propbr reformas 'nestes capitulas d'essa legislação.

Resta-nos observar que em toda esta collecção o estado não tem partilha 'na herança do poder. O capitulo seguinte explicará esta exclusão.

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CAPITULO V

Desde o seculo IX até o concilio tridentino

O que d primeira visla parece deduzir-se d a leitura das falsas decre1aes.-Data d'esle oriodo a supremacia (iontifical dos papas.-l\clorinas d a i l i~ci l~l ina comecada por

gilvestre e LeiIo, C continuada pui- Gregorio vil eseus soccessores -As fiilids decre- laes r50 falalincrile o inoltlc d'ruta reforma.- Estado iiiiellectuii: e riiciral do occi- dtbnte da Europa: sua influencia no estu(lo e desenvolvimenln do direito pontificio.- Ahsoluts soberariia de Hoini~. - El)istola de Alekaiidre 111. -Os glo~sographos.- Epistolas de Celeslirio 111 e Innoccncio [ir.-A disçil~iina ;i respeito da circumscri- ~ c à o das dioceses torna-se iiileirarneoie geral depois ilus capituloe v e vi, e r l r a , de

5880 xxii. -Os can. 48 e 49 Cous xvi, q r . -0piniao dc alguns auctores da es- chola gallicana. - (:onlirrilacùo dò dircilo doa ilecretaes no cor:cilio de Trento. - Estado da3 relacõeli do poder'chl)iritual e temporiil -Em que casos se devem çrear os bispados, supprimil-os, unil-os e dividil-os.

Quando se I@em as falsas decretaes, o que primeiro surge na rnciitch C. qucellas tinham em vista favorecer os primazes e não o t ) i l l ) X a lettra dc seus tcxlos em muitos logares 'assim o parece iiidicar. comtudo 'oellas que se basba a elevaçiio esaggerada tla cadeira de Pedro. Se attcntarmos de mais peito, sc rcllectirmos por um pouco, havemos de recuar estupetàctos ; liorquc debaixo de todas aquellas paginas se descobre não sei que colossal podcr, cu-jo aspecto inllexivel faz estremecer, c de quo o ~ i i l to iinmciiso eriche de sombras o episcopado 'na egrcja e a realeza 'rio mundo.

A supremacia pontifica1 dos papas está inteiramente estabele- cida desde este tempo.

Depois de uma serie de pontifices que infamaram com sua vida a chronica do papado, no espaço em que o futuro do mundo os- cilla e ameaça perder-se entre a velha civilisação romana agorti- sante e a nova civilisação feudal nascente e mal segura ; a egreja v& subir ao throno poiitifical no scciilo x um homem singular, Silvestre ri, . que, nos curtos dias que vive, sabe com uin vigor extrnordinario reformar a disciplina, e defender com uma energia terrivel a supremacia papal.

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Annos depois LeBo ix continúa a obra da purificaçáo dos cos- tumes, e seus successores, Gregorio v ~ r , Urbano ri , Paschoal ir,

Eugenio 111, Alexandre i11 e Innocente 111, procuram acabal-a, levantando a disciplina abatida durante 150 annos. 'Nestes tempos de ignorancia o typo que se Ihes apresentava deante, que se Ihes impunha, eram as falsas decretaes.

O monge IIildebrando, esse vulto severo, s6 digno do cinzel de Miguel Angclo, e de quem tanto bem e tanto mal se tem escripto, elle e outros poiitifices, zelosos da pureza dos costumrs, erguem de e n ~ o l t a com a disciplina o supremo poder pontifical.

Os scculos xr e xrr são os seculos do renascimento das letras, os seculos das cscolas, das universidades, da pbilosophia escolas- tica, (\a theologia positiva.

Paris e Bolonha brilham uma e outra esclarecidas por seus pro- fessores de grande fama, por um Abklard, por um Alberico de Keims, por um Pedro Lombardo, o bispo auctor das famosas Sentenças.

E m Bolonha, cidade já t8o conhecida por sua universidade e pela rcriovaçuo do estudo e descoberta das leis romanas, um monge hencdictino procura harmonisar os velhos canones, as* falsas de- cretam e varios trechos de S. Gregorio, de S. Agostinho, de S. Je- ronymo e do sabio Isidoro de Sevilha.

Apparece o Becreto, a Concordia discordanfium canonum, e por esta collecção se explica e ensina o direito canonico nas urii- vcrsidades.

Quem olha para o occidente da Europa 'nestes seculos desco- bre uma cfYervescencia, uma agitação sinpularissima. Desde o se- eu10 ix que Roma se via suff'ocada pela multidão que corria de todas as partes do mundo. Os cscriptores pintam-rios o corisisto- rio dos cardeaes como um parlamento e um tribunal, que começava seus trabalhos com o romper do dia (t os acnbavíi com o chegar da noite. Os papas não podiam respirar iim momcnto. As rique- zas vasam-se na grande cidade de todos os latlos da Europa, e de envolta com ellas a perdiçuo e a desvergonha. Homii surge immen- sa, quasi tão grande como no tempo em quc o imperio, cheio de vida, vencera o mundo; porque a Roma christã tinha o fulgor di- vino a illuminar-lhe a fronte, e a recordação do passado a e rgue - lhe o pedestal.

Por outro lado, ainda que a vida intellecual seja cheia de mo-

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vimento e de calor nas universidades, escolas e collegios, com- tudo este viver 6 rachitico. Ensinava-se a thcologia sem conhecer a tradiçáo, sem ter noticia dos livros dos padres, perdidos nas bibliotliecas dos mosteiros ! explicava-se o direito canonico sem saber a historia ecclesiastica !

O amor da fama, a siiperficialidade dos estudos dava origem A filaucia e pedantismo escolastico; fazia nascer essas subtilezas, im- pertinencias e distincçbes, hoje proverbiaes, que cortavam o v60 ao espirito e enchiam as universidades.

Nada admira portanto que nos fins do seculo xir, quando Gra- ciano elaborava o dccreto, corresse na tradiçáo a doutrina de que o papa era superior aos canones e que seu poder não tinha li- mites.

Debaixo d'este influxo foi architectada a Concordia dos cano- nes discordanies, explicado o direito do Decreto nos cursos pu- blico~ ; os proprios papas cm suas decretaes obedeceram a este impulso do tempo e dos acontecimentos, cuidaram-se mesmo obri- gados em consciencia a defender ate Ii morte este poder, em o alar- gar por todo o mundo.

No seculo X I I I (1238) o catalao Kaymundo de Penia-fort coml'bc a celebre collccyão de decretaes, chamada de Grcgorio is, e por ella se continúa e~isinando o direito canonico, oii antes, o direito pontificio. A confusa0 foi estrema ; a antiguidnclc intei- ramente desprezada, As dispensas das leis, o cahos dc constitui- çbes novas, derogando-se umas As outras, fizeram da jurispruden- cia canonica a jurisprudencia mais arbitraria e incerta.

Alguns papas eram romanistas distinctos ; a Europa consulta- va-os de todas as partes ácerca de objectos puramentecivis; o seu poder crescia sobre a soberania temporal, ajudado de todas estas espantosas circumstancias; e assim o direito canonico vai-se augmentando de capitulas de mero direito civil.

Os doutores decretalistas que o ensinavam nas escolas transfor- mam-se nos celeberrimos glossadores dos seculos XII e 1111 l.

Este estado do direito pontificio mostra-nos clarissimamente

1 Mui celebres na historia do desenvol\~imeiito do direito caiioi~ico, m i l i a - mosos no seu tempo e alguns seculos depois, os glosendores não prestam grande servi90 hoje ao estudo do Direito; suas glossas são insufficicntee; 08 poritos obscuros não se interpretam com clareza ; falta a critica, porque se nElo conhecia a historia da egrejr, nem se possuia a eciencia das antigulda-

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como era grande e como foi unico neste periodo o poder papal. Onde a soberania episcopal 4 onde a sobcrania do metropolita e dos synodos provinciaes 4

Tudo desappareccu - a ignorancia e a superstiçno enchem o mundo de trevas ; e do meio d'esta esciiridno, d'entrc a crapula abjecta, d'entre as ambiçòcs vergonhosas, d'cntre os crimes mais nefandos da perdição da cidade de Clemente, v&-sc brilhar de tim brilho satariico o brutal e violento colosso do papado, ergileiido- se de alem dos Alpes e dcscançando a espada de S. Paulo sobrc: todo o velho mundo'.

Quem nâo presente a reforma protestante? quem nâo vê pro- xima a grande transformação politica da Europa?

Assim tambem, ao findar d'este periodo, o direito poiitificio pá- rcce ameaçado de grande revolução. No capitiilo seguinte vere- mos o destino d'esta ingente instituicão : agora vamos Icr as de- cretiirs qiic firmam expressamcntc~ ao podcr pontificio os direitos, qiie no pcriodo anterior pertenciam aos sgnodos das proliiicias, rmcjii,riito ao objecto de qite nos viimos occupiirido.

liicaxaridrc 111, tcndo criviatlo certo cardcal, legado n Inicrr, iio ieiiio de Sicilia, com differentcs mandatos nega-lhe depois aspe- ramcrite, como uma das maiores faciildades, reservadas ao summo potitifice, cm signal de valioso privilcgio, a de unir e dividir os

des, iiitlispensaveis elemeiitos de uma sã iiitcrprettrç%o. O mesino crrso, por qiie r l l ~ s crimrçain a glossa, como se llies tem notado, e P r i i i i i i . i c i l \vi.,

r1%0 i ii:i niainr parte das glossas mais do que urri extracto do prnp~ io t ('\to, AR v e m i~ tb pelas mesmas palavias. Abundain as etymologias e t i? cit icicu de I í i ~ n l es parnllelos, iiiiico serviço real qiie prestani ao estiidioso.

1 Michelet, traduzindo ns memorias de Luthero, eacreve, falatido da via- gem d'este homem celehre a Rorna : * On n o w dispense de peindre cettr Itn- lie des Borgia. I1 y avait crrtainemenfe à cetfe dpo@b@ quelque d o s e qui s'rst EU rarement ou jarnLiis dane Z'histoire : une pervern'td raieonnde r6 soientifi- que, une magnifique osterrtation de eckl6ratesse, disona to& d'un mot : tepr?tre alhde, se croyaght roi du mo7rde.m

Leiam-se as memorias cl'csse homem do norte 'neste capitulo, onde são in- siispeitas ainda para os proprio.j catholicos ii~ais inelindrosos ; pois que Lu- thern, qiistndo veiu a Roma. a r r i ~ c h r ~ a vida, cheio de feivor, para ver a grande cidade de S. Pedrc . BastnrB dizer que a pervere&a subira a tal ex- cesso, que os padres chegavam a dizer, quando consagravam a liostia: 1Pani.4 es, et panis munebis.,

A mesma drsniorcilisaç30 dos ultimos dias do imperin, que exacerbou a penna de Juvenal e inflammou a8 paginas do Apocalypsc, talvez superior a esta, não se apresenta com este sorkiso de cynisnio e com esta affectagào de siiperiori- dade que avulta aqui.

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bispados, e de adornar com a honra primacial a certa egreja, sub- mettendo-lhe outras 6 sua jurisdic@ío.

A epistola decretal, em que isto se ordenava, dizia assim:

u...... Licet in regno Siciliae generalis sit tibi commissa legatio, adeo tamen sine spcciali mandato nostro non debiiisti mnnus enten- dere, qiiac in signiim prisilegii singiilaris siinl taiitun: summo Ponti- fici rcservata... An existimas qiiia vices nostras tanquam legato tibi commisimiis exequendas, quod Panormitanam Ecclesiam posses srib- jicere Menanensi, ut illam praeficeres isti concesso sibi privilegio pri- maliae? An putas ex eadem caiisa tibi licere duos episcopatus uuire, vel unum dividere sine liceutia speciali?»

Quando, depois, esta epistola vem fazer parte da collecçáo de Gregorio ix, e constituir ahi o Cap. zv, De oficio legati; os glos~ographos começaram a estabelecer a regra cm toda a sua ge- neralidatle, affirmando que para qualquer parte do mundo aquelle privilegio era efficaz, e que só.no summo pontifice fôra reservado, com exclusão dos mctropolitas 1.

O Cap. VIZI, De exccssibus praelator., extrahido de uma epis- tola de Celestino i11 ao bispo Faustino, 6 támbem claro:

aSic~i t iinire Episcopatus atque potestata suhjicere alienae, ad sum- mum Pontificem pertinere dignoscitrir : ita Episcopi est Ecclesiarum suae dioccsis unio et subjectio carumdem.))

O emiiiente poder dos papas sobre o episcopado, posto que náo especialmente a respeito do nosso oI),iocto, 8 , alem de outros 10- gares, luminosamente expressivo rio Cap. zz, Dc translat. episcop., epistola de Innocencio i11 :

((Sicut ergo Episcoporum translatio, depositio et cessio: sic et ele- ctoriim post confirmationem (sliiritiialis ratione conjugii) soli est Ko- rn:ino l'ontifici reservata; licel iisqiic ad tcmpora ista, quod caiitum fiierat ab Episcopis, expressiim non fiieratelectis :....o

1 Sebast. Berardi - Comme~ltaria in jns Ecc2es.- Tem. 2, Diss. Cap. 1 .o - E8tevão L)no?y, Jmis I>o?tlificii Tomi IY, Paro I continens conc2usio- nee et abeolutbsirnunt igadieem. ac sztmmam omnim materiartim, quae ex- ponu~ltur in textu et glouaia totim juris Canonici d in concilio Tridentino et regulie cancellariae et quibuadam Bullia ex/ravagantibua maxime dktin- ctiogie contestus - vb. E@opatzls, nS0 2.

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No Cap. I, De Sede vacante, do mesmo papa, v&-se egualmerite que ao papa pertencia a creaçao das dioceses:

aNovit ille, diz csse texto, qiii scrutator est cordirim qiiod licet praedeeessor noster, Ecclesiam vestram ereserit cathedralem, ipsam Bathoniensi EcClesiae uniendo, ut idem esset Episcopus.. . a

Este costume tornou-se perfeitamente geral, depois que JoBo XXII

publicou as extravagantes, quinta e sexta, De praebendis et di- - gniralibus. O Cap. v, extra, tractando da divis8o em cinco dioceses da de

Tolosa, depois da exposiçào mui dilatada dos motivos d'essa divi- são, vem dizendo :

rNos ... praemissis et aliis suadentibus justis causis e x certa nostra sctentia de fratrum nostror~im coiisilio concordi ct Apostolicae plenilu- dine potestatis ad laudem Dci, exaltationem ccclcsiac, fideliumqiic salutem, Episcopatum ipsum, dictamqiic diecesim 'I'holosanain Apor- tolica auctoritate dividimus in quinque dioccsis, qrias per ccrtos dis- tingui limites faciemus.. . »

O Cap. VI , Nuper certis ex causis, extra, de praebcrtdis, re- ferindo-se ainda ao mesmo negocio de Tolosa, dá uma idéa tão perfeita do que era o poder papal 'nestes tempos, que não pode- mos deixar de ceder ao desejo de o transcrever para aqui em grande parte:

rNuper, começa esse Cap. VI, certis ex caiisis quae nostriim ct fratrrim nostrorum animos ad id rationabiliter indiixeriint, qi~ondiirn Episcopatum Tholosanum in Archiepiscopatum, srii nirtropoliianam ereximus Ecclesiam : aiiator villas. auarum ciiiiirrilibet iiisianirnus vo- . . "

cahulo civitates, quator catht,drales Ecclesias crcLli\imiis, riniim \ride- licc-t in villa montis Albani, quondam Caturccn. dioccesis adjicienda sibi certa parte qiiondam diorcesis Tholosan. altc~r;tiri i11 \illa I..iirnbe- riaci, aliam i11 villi sancti Pauli, et aliam in villa Itiiis 1.1 de ltobes- tria qiiondam 'l'holosan dioecesis.

Quas qiiidcm Ecclesias una ciim Apamiariim Ecrlesia qriam siiffra- ganeas sut)jecimiis ipsi mrtro~>olit;inac Tholosannc Ecclrsiiie. De bonis quoqiie et reditibus dicti quondam Episropaliis 'l'Iiolus;in. 'I'iini ipsi Tholosan. qiiam pracdiciis Ecclesiis su1Tritg;incis ccrtaui portionrm, quam iiniciiiqiie ill;iriim debere sufficcre \idiniiis, pro\idiriiiis iissi- gnandnm, totale honorum c1 reditiium, ipsoritm rcsiduo dispositiom noatrae et sedis Aportolicae reseraalo. Alia eti;im circa praruiissa fe- eimus, deerevimus ct ordinavimus c x certa nostra scientia, et ipsorum

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fratrum ' k t d i eonsilio et aaostolicae nlmitudine outestatis dis- trictios B;bjbCdrs rre quis cujusc;imque pra'eerninentiae: ordinis, con- ditionis ru t siatus &iamsi Archirpiscopali dignitate fiilgeret, ipsfim ordinationem nostram iaqediret, praesiimeret, vel turbare.. . . . .»-

Em segiiida a extrava,.ante decreta, alem das jti hilminadas na 1)rimc.irn cpistola, outras penas contra os que impedirem a exe- riiqào das ordenanyas papaes.

Era isto pela primeira metade do sr~culo xiv. Sáo ainda bem tcrmiiiantcs os canones seguintes quanto h uniào

e divisão das dioceses: O can. XLVIII, Caus. XVI, q. r, do papa Gregorio:

nQiiia igitur Cumani castri Sacerdos cursum ~ i t a e hujus expl(>vit, iitras qiic nos ecclesiaspraesentis aitctoritatispaginn unisse, tibiqucrom- niisisse cognosce: propriiimquc iitrariimquc ecclcsiari~m scilo te csse Pontificem. Et ideo te, quaeciimqric tibi dc eariim patrimonio, vcl clcri ordinatione, sinc promotioiie, jii\ta canoniirn statiita tisa fiicrint ordinnre, atquc clisponcrc, Iiabe1,is iit proprius revcra Sacerdos libe- ram e x nostrae nucloritat;~ consensu afqice permissione 1icentiam.u

O can. XLIX, Caz4s. xrrz, q . r, do mcsmo Gregorio, usa quasi de cguaes exprcssíies :

r...... qiiippe iit Pontifex proprius liberam habeas ex praesenti nos- tra permissione 1icentiam.n

Depois de Joào xxii , os papas têm gozado, sem coritestação, d'este importante pri\ilcgio, como dc miiitos outros. ' Alguns auctores dir escola gallicaiia, tclrido de confessar o di-

reito dos papas em quanto 6 união e tlivisào das dioceses em pre- seiqa dos canoncs decisivos e tcrmiiiarites, prrtcndem, comtudo, que similliante prikilepio Ihes não pcrtcbrice com exclusào dos me- tropolitas a rcspeito d i ~ erccyão o11 aholiyao dos bispados, por náo descobrirem nas dccretaes um tcxto bem positivo 1. Estes me- 1

1 Gibert - Corpus Jlcr. Cason. p e r regulaa, tom. 2.0, tit. vil, 5 vr, pag. .

133. edic. 1735. > . Sustelita este escriptor que a creaqàn c ahnliçiio dos bispados perterico ao

papa c rn~tropolitns, e iiXn, só hcliiellr; poriliio iiào riicoiitra (6 opini80 d'ellc) texto nenhiirn qiie ~~nsitiv:iiiieiitc oxrliiri os metropolitas; e que, cm- quaiito os can. 50 e 51, ('aiis. ~ $ 1 , q. 1, exprt~ssairicnte os clinniam, e juricta- mente 110 seculo r i I, ainda o Cap. r\ I de major. et obedient. d'elles fala 'neetee

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mos, porém, confessam que a praxe de ha muito tem consagrado este costume.

Niio são, pois, s6 as decretaes, cm riosso modo de ver, bem ca- tegoricas: 6 o direito consuetiidinnrio ; é a prescrip~ao, 6 a analo- gia 1, que lhe conferem esse privilegio.

No penultimo concilio ecumeiiico a egrrja confessa isto mesmo perante o catholicismo, e no momento mais solemnc de sua exis- tencia, quando decidia irremediavelmeiite do seu futuro; quando combatia o protestantismo nascente e ameaçador.

((Et guia jure optimo, faziam os padres escrever nos capiti~los das soas ordcnancas disciplinares de reformasão, et qiiia jure optinlo dis- tinctae fuerunt diocceses et parochiae ac unicuique gregi proprii attri- buli pastores, et inferiorum ecçlcsiarurn rectores, etc. u

9 'Ncsse mesmo concilio se fulmina o anathema contra aquelles qiie disserem não serem verdadeiros e Iegitimos bispos os qut. o SSO em virtude da auctoridade do pontifice; o que vale dizer tlc urna maneira encoberta, mas segura polo nníithemn, que rino sfio Iegi- timos e verdadeiros os que niio forem instituidos por graça d'a- qiiella auctoridade 5.

Em mais de um logar os padres de Trento expressamente lem-

negocios; B certo que nRo obsta nenhum dos capitulou d ~ s decretaes, citado6 para jiistificar este prikilegio, porqiie são mal interpretados.

Niio somos dleste sentir; parece-rios esaggerada esta opioigo de Gihert, o qiial coiif~ssa, elle propiio, que o costume tem sido desde muito teolpo con- tra a soiiteiiça geniiiiia das decretaes.

NLo iios admiremos d'cstas controversias: B mais facil saber eem contes- taç&o o direito da egiFja antes do Decreto, do que por este e pelas decre- taes, como muito bcrn nota Edchardio. ITermt 1~ JVT. Lih. duo 5 308 e not.

1 Pois concebe-si, que ao papa pertença o piiviltgio ( I R iiiiião e divisão dos bispados, e lhe 1150 pcrtc-riçn o da sua creaç,To c abolição?

2 C'onc. Trident. Sess. 14, de reformat. cap. JX. 1 Conc. Trident. Scss. 23, can. vrii. .Si qui dixerit, epracopos, qui arsctoritate Romani Pontificis assumuntur

non esse legitzmos et veros episcopos, sed Jiymentum humanum; anathema sit.,

Devoti, Inst. Canonicar. Lib. 1, t i t . 3, S. 1, fj 18, no!. l..,e~creve, f~ lando FI respeito das prerogativas do papa e a ~reposito da cit. Sess. 23, ran. vrrl do concilio trideiitiiio: altaque si a co~icilio tamquam cafholio m d o - p a de- Jinitum est, veros ac legitimo8 esse Episcopos, quia Surnmo Yoirtifie crealb sunt, facile inlelligitur, legitimam esse IJo~~tifici creandwum Ep'scoporum poteslaten, sine qua &?i ver3 ac legitivni Episcopi Imberi non po88unt.*

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bram a soberania plena da s6 Apostolica, que canon algum, nem decreto de concilio p6de ferir.

Baslarh ler o Cap. xxi de Refor. da Sais. xxv:

(~Postremo sancta Synodus omnia et siogola, sub quibuscumque clatisiilis et terbis, quae de moriirn rcforinatiorie atgue ecclesiastica disriplinn. tnrn suh fel. rcc. Paiilo rir. ac Julio rir, qiiam sub beatissimo Pio rv. I>oiitificibus maximis. in hoc sacro concilin shtuta sunt, de- clíirat, ita dccrela fiiisse, ut in bis salva semper auctoritas sedis apos- tolicae et sit, et esse inlelligatur.. 1

O que acahamos de kr nas pieinas dos decretos e dos canoiies do concilio ecumeoico do secuio svr , e que nos parece a perpe- tuaçiío da zrancle theoeracia, esboçada a largos traços no direito diis clcc.ret ICS, na0 E mais do que o ultimo esforço, o derradeiro ?rito tl'iimo causa que se sentevencida. A posição da egreja depois do scciilo s v i 6 inteiramente nova nas suas relações com o poder tcmpnral.

Neste periodo a egeja E perfeitamente independente, soberana; e mais do que isso, é dominadora. O grande Gregorio vi1 tinha imaginado para a egreja uma architectura colossal no estylo egy- pcio e oriclntal das grarides theocracias primitivas; mas nas socie- tliides moilcrrias corria um sangue tliflercrite, os scus clcmcntos rram outro^; u tlioocracia ciihiii por terra no tempo d'cllc, des- peda~ando-se de encoiitro á nobreza feudal; e depois acabou de destruir-se nos fins do seculo xiii com o embate da realeza altiva, e no scculo xvi com a colera da revoluç80 religiosa e da heresia triumphante 9.

Como pois pensar um momento s6 na iritervenç80 do estado nos

1 Veja-se ainda R Seas. vil, de Reform. pr. - r Eadem sacrosancta Syr10- d i ~ t , eisrlem prasidentibus Zeqatis, inccpt~rm residentiae et reformationi.~ ne- ~ l o t i 112, ad Dei laudem et cllktianae religMzis incrementum persrqui inten- drirs, cct seq~iitur, etatue~~dt~rn censuit, salva sempet in omnibua Sedb Apoe- toIic?r aucloritate.

2 E no scculo XIXI qiie ee l e v ~ n t a no sul da França a cclchre heresia e seita dos alhigeiises, r que em grande paite do norte ,e occidente da Eiiiopa se sente o prirnriro estremecer do prateit:tritismo. E o tempo em qiie 80 liinpnm 2s arin s para s guerra religiofi.1 e .e preparam os ataques ao po- der da egrt.ia; é o tempo de S. Luiz 11% Frnl~qa, O auctor das prim~iras prR- gmaticas, e iippoiu de Wiclef na Ingliitrrr~ Ditam principalmente do se- ciilo XIV as priinciras luctrs dos reis e dos papas.

FBo d'este tempo os conflictos com ou i~ri~iriadorea, a guerra das investi- duras e as grandes cotitendas com os aiiti.piipas.

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negocios de creaçso e circumscripção de dioceses, quando era esse pelas decretaes, como vimos, um dos mais preciosos ornamentos da tiara, e os papas o decidiam de sciencia certa, de pleno poder, e ajunctando a seus decretos as penalidades fortissimas, que Ihes eram garantia mui eficaz ?

Se alli, no tempo do imperio e depois de Constantino, a egreja ao passo que resistia ao poder civil, se aproveitava de seus regu- lamentos, e perfilhava suas constituições; era que ella jh pretendia transpor os limites de sua natural jiirisdicyão, conservando ao mesmo tempo esse doce laço, que Constantirio conseguira atar cm bons tempòs passados.

Agora, porem, ella despedaça todas essas prisões, e campêa s6 e unica sobre a Europa.

A disciplina, pois, Acerca do nosso objecto C 'ncste pcriodo a mesma emquanto ao poder temporal e inteiramente outra quanto a cgre.ja : - P X C ~ U S ~ O inteira do estado-soberania absoluta da cgreja na pessoa cio papa.

Antes de passarmos ao capitulo seguirite diremos cm resumida cxposi~80 quaes os casos em que o direito das decretaes permittia a crciiçao das dioceses, sua união e divisfio.

As causas de erecção dos bispados sào de duas especies: -gc- racs e particulares.

As geraes cifram-se em duas : I - a evidente utilidade - euidens uiiliias.

I1 - a urgente necessidade - urgens necessitas. Os canonistas deduzem as particulares das causas, que rias de-

cretnes os papas expressamente dizem ser as que pediam a creação dos bispados nesta ou naquella região.

D'essas, expressas nas decretaes, apenas se contam tres, que são as hypotheses seguintes:

I - Se cresce a povoaçáo dos fieis e elles desejam ter bispo proprio (caus. xvr, Quest. I , can. 5).

11- Sc e tão diffusa a área da diocese, que não pode um bispo s6 prover a todas as necessidades d'clla; ou se C demasiado duro ao povo ver-se obrigado a ir a grandes distancias tractar de todos aquelles importantes negocios que tem de sc passar na sede de uma diocese (cap. v, de praebend. et dignit.)

111- Se pela extensão, da diocese ou sua opulencia, a nimia

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abundancia de seus reditos sr torna causa de desmoralisaç80 (cap. 5.' De praebendis et dignit. 1).

Cumpre-nos notar que, classificando em tres especies as causas particulares dos bispados, ri80 querem os canonistas dar a entender que fóra d'essas hupotheses se riáo possa erigir um bispado novo. Todas as \e7it.; qiie a necessidade urgente, e por conseguinte a evi- dcritc utilitldc!ts, o reclamar imperiosamentr, posto que náo se ve- rifique nerihiima das especies do cap. 5." 8 , oii caus. x v ~ da questão 1 ."o Decreto, deve ainda o summo poritifice, sollicito em acudir ás necessidades dos povos, expedir a competente bulla de erecçso.

O qiir dizpmos da erecçào dos bispados A da mesma forma ap- plicavel á sua união, divisão e suppressão.

As causas da união e dibisáo dos bispados são igualmente geraes e purticiilarese.

As causas geraes da uniáo e divisáo não se acham especificadas

1 August. Barbosa, Jur. Ecclea. Univers. lib. 1.0, cap. 2.0, n.O 131 in fine. Gibert, Corp. Jur . Canonic. per regulas, tom. 2.0, tit. vri, 5 vi, Reg. vi et vir.

2 Gibert, lng. cit.-August. Barbosa, Jur . Caiz071. I~kterpret. ~S'electa, tom. vi, Praetermissa et addz'tam. ad CoUectun. Doctor. i l ~ quiiique Llecretal. 1ilir.- caus. xvr, q. I.', pag. 327.

Estevào Danyc, Jur. Pontif. tom. iv, Pars I:, vb. episcopntzts, n.O 2, diz: , a. . . caiisa rioros Episcopatus erigendi est multiplicatio populi duin tarnen

solt~innihiis et frequentioribus locis fiaiit ne vi!escat Episcopalis digiiitws- glos. mirlfiplicat i r 1 exirav. sedes Apost. De o$cio clele,q. ittler comrntrne8.r

~~Epi9cnpa!usiiii reditibus pluririium abuiidaiis et tc.i.ritorium graude ha- beiis ita quod Episcopus singularum omriem viilturn iiispicere non possit, po: test erigi in Aletropolim nornm, cui pro Siiffinganeis Ecclcsiis possunt errgi Episcopatus illi, et alii deputati er!rauag. Sduator de prarb. inler commune8.s

Os cauoniatas distingiiem tres variedades de uuiVes: a utuito suppressiva -mio suppres.viva, a uriiiio accessoria - unio accessoria, e a uniao priiici- pal-principaliu unio.

Em a unicio suppressiva uin do^ bispados unieridos supprime-se iriteira- mente;-é como se não tivesse existido. A proviscio do bispo iiào faz nieliç50 algiiiiia d'elle. Se por exemplo entre nós o bispado de Evora se unisse ao do A l ~ a r v e st/,ppressice, o bispo 86 poderia usar do titulo de bispo do Algarve, e tipo de bispo de Evora e do Algarve juncta ou separadamente.

E o exemplo do can. 49, caiis. xvi, q. 1.' A união accessoria cffectua-se? quando um bispado se une ou accrescenta

a outro, fazerido-se como que um simples accessorio ou aniiexo d'elle-qua& accessorium eeu anlcexa-não desapparece inteiramente como se nRo existira quaudo na união auppressive; mas tambem não,conserva egcial altura ao liido d'aqi~elle a que se une como na pri,ncipaliter. E a especie do cap. 8.O De ex- cessib. pradat. e do cap. 1.0 h'e Sede Vac.

A uiiião principal dá-se, quando se unem dois bispados, conservando-se comtudo ambos e não se submettendo nenhum d'elles ao outro. Na provisão

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em nenhum texto; mas, como para a creação dos bispados, eHas devem ser a urgens necessitas e euidens ulilitas. k o que se deduz do can. 2. Disl. m e dos cap. 20 e 23 de Electione.

As particulares de união S ~ O os casos em que occorrem a ur- gente necessidade e evidente utilidade ; e vem expressas duas : - a falta ou diminuiçâo do povo da diocese qiie não precisa de dois bispos-e a invasão dos inimigos (can. 48 e 49, Caus. xvr, q. 1).

Das causas particulares de divisâo s6 falam o can. 5, Caus. xvr, q. i , e o cap. 5. de praebend. et dignit . , e são as me- smas da creação de novos bispados, porque realmente a divisão involve uma nova erecção de dioceses.

ambos guardam seu nome, c para nao parecer que um d'ellrs e&& sujeito ao outro, coiijurictamerite se iiornettm ria provisio, lios coiitraetos e lias assigiia- turra.

Neste caso o bispo tem a op@o para residir em amhas as egrejt~s OU só numa d'ellas. Assim, iin liypotlicse da uniio principaliter feita tios Iiitipaclos do Algarve e Evorri, o bispo lia de chamar-se e wssigiiar-se bispo (10 A1g:ii.c.a e de Evora; elle pode residir ou 96 em Evpra, ou sd cni Paro, ou ter resideii- cia permarieiite em ambas as ejirejas. E o exemplo do mn. 4.8, caiis. xvr, y. 1.. Veja Gibert no logar citado.

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CAPITULO V1

A SB Apostolica e as Egrejas nacionaes; ultimo estado do direito da egreja

Comcc:i a lucta do peder tomporrl contra a ré apostolica.- A escola ultramonlana reriiige, ribdecendo a uma lei da bistoria.- E r rad i~ caminlio qiie ;i i~xl.t~j;i seguiu no concilio de Tmnlo.-A porirão da egreja e desde o reculo xvii iii;i iliíliri1.- Apparecem os defensorm das likrdades dar tarejas iiacioiiaes : consei1iienci;is d'estr, esliido d o (li reito eccle6iaitico.-0s realistas, os ulLr~monlaoos, a pliiloso y1iii1.-A escola teii~pei-ada ou constiiucioniil. - Ultima ybase da disciplina Acerca da eir- ruuscripcão e creaeào doe bispados.

A historia da scgunda metade do seculo xvr fecha em sua ul- tima pagina o capitulo do direito poritificio; esvaem-se os sonhos que sonhára Gregorio vir e algiins de seus successores ; a theo- cracia está condemnada para sempre.

Comcça n p r a uma lucta incarisatel: de todos os lados se ataca o ~ v d e r da ccrre'a no poder papal; a soberania temporal. clariiiindo

0 . J :~mancipiiçã~, tai quasi a esmagar a independt~!ic,i~i (i q i i ( :

tem dircito a egreja, a depositaria do poder espiritual. Se depois de tantos seciilos de grandeza, se depois de espantosos

esforços, de táo custosa perseleratiça, a sé apostoiica conseguira cobrir o orbe com a rcdc de siia jiirisdiccão larguissima ; se agora a reforma levantava o collo, ameaçadora e triumphaiitc ; se uma parte da Europa rasgava, rindo-se, iis bullas da excommiinh~o pa- pal e viraba as costas aos poritificcs, desprezando-os ; como não qiiereis que Roma se erguesse tambem depois do primeiro, ter- rivel e inesperado rebbs, que a arrrmesshre da cadeira de Yedro? como não quereis v6s, que, repulsada atC ao outro lado dos Alpes, a cohorte defensora das tradiçòes papaes náo surja outra vez d'alem d'esses montes, voltando á lucta ?

Niio se apagam assim as vestigios das instituiçbes que foram alguma cousa no mundo, que resumiram uma epocha, que presi- diram ao seli desenvolvimento e dominaram o seu viver.

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Destruiu porventura o christianismo, de uma vez ],ara sempre, o elemento romano da civilisação? e não era este mesmo irilliicn- ciatlo pelo espirito de outros grandes cyclos da vida da humnni- dade ?

k acsim que se prendem as geraçòes; 6 assim qiie o mundo vai arrastiiní10 a sua ida, fruiiido a heranya dos st~ciilos e soffrendo as d6rc.s dos vestigios indcl~*veis do veneno, qiir 'riesta o11 'iiiiquclla epodlia corroeu as sociedades e Ihes causou a morte ; qiic é este tambcm outro Icgado dos tempos, bem triste mas verdadeiro.

Nuo 6 poríb~n (l'cste facto que nos devemos Iamcntar, que scria isso loucura ; devemos deplorar antes, e deplorar bem do fundo da alma, o caminho errado, que a egrcja tem seguido desde este tempo.

Se, depois da revoluçào religiosa e politica do seculo xvr, aca- bou de facto a grande supremacia de Roma ; comtudo ella conti- nuou a existir vika, iiidccliiiavel no direito da cgrcja. Esta exislen- cia 6 falsa, (s affectadii, firigida nas leis, mas persiste com a forca d'ellas.

Que outra cousa B o concilio de Trento, s e n h a ~)c~rp(>t i i i i~G~ de toda? as prerogativas da tiara dos papas? Qriaiitlo todos os que olham ao quiidro immeriso da kida dii e g r ~ j a bPcrn i~l)l)roximar-se o scculo xvi, cuidam logo deparar com urna nova eporha ria Ic- gislação ecclcsiastica. Na historia de qualquer outro dirfaito, isso teriii acontccido; porém aqui nao, que tudo se passa de outro modo : isto tem de particular, de mui singular, a historia d'esse direito.

Keuiic-se um concilio ; disciitem-se as questões de disciplina ; tudo isto compeliido, obrigado pela forca de um grande aconte- ciincrito, que as leis fataes da Iiistoria mokiam e que ninguem no miirido podia evitar ; e este concilio, loiige tlc transigir com esse facto terri\rl que o f i ~ c r a corilociir, sclla com a auctoridade mo- ral da palavra de scus bispos, com a inspirayão divina e sobre- natural das decisões conciliares, (* tlcfeiiílr com a ameaya tremenda do anaihema toda a obra do passado ; petrifica com sua voz, ve- neranda para o catliolicismo, as institui~òes então já incompativeis com a ci,ilisaçào, e que rio futuro, ou haviam de produzir a per- diçuo da egreja, se se nao regenerasse, ou haviam de seccar as fontes mesmas do progresso, e, involvendo depois o mundo no sudario do passado, dizer-lhe fatidicamente : - ~ i v e i agora ! -

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Foi este iim dos grandes erros da egrqa ; e o futuro, n8o em nossa vitl,i de certo, mas ás gera~iòes \iiidouras, saberá dizcr quaes os fiiriestos resultados d'taste deploravel acontecimento.

O concilio quiz impòr as suils decisòes ao mundo cntholico, c mais de uma iiac;8o Ih'as niio q u i ~ acceitar sem reslriçcòes.

A posição da egreja desde este momento começa de ser mui dif- ficil, porque enceta a lucta com a realeza ; e em muitos logares, o qiic cra inteiramente novo, são os proprios monarchas que de- fendem as heresias.

Ao mesmo tempo, como a rcforma protestanlc 6 odiosa para a monarchia, porque a forca, que 'riella se irivol\e e que acaba de ahalar o tlirorio de Yedro, 6 capaz de destruir tambem os thronos dos reis, iic.onttlce que os combatciiles, que se acercam dos moriar- t 1 ~ 1 9 . ntac,,irn a se aposto!ica, preti:riderido cubrir com seu escudo o c ,itli , l i ( , \mo ; e, como este se idctitilica 110 papado, centro da S O . c s l i , , . \Crn iiiagar a existencia da legislacào geral da egreja, (Ia Icpislação verd~dciramente cathoiica, ecumeriica, pugnando tão s6 pelas liberdades das egrejiis.

Cada um tracta de si, cada um procura fazer na sua cgrcja as reformas qiic a deixem coexistir com os progressos da moriarchia, com os dirclitos da coroa; mais tarde isto passa-se (Ia mesma manvira, mas para ajustar ao imperio da liberdade o calholicismo da egreja. l r s k inolirncaiilo eniituli-se, a despeito de sé apostolica, sem o aeii tisst~titimeiito, e algumas vezes mesmo sem clla sabcbr; mas ciliicitua-sc e k realidade. Nasce d'aqui um estado abortivo, mori- struoso ; pode quasi dizer-se com acerto - o calholicismo romano -porque o pretentlido catholicisrno das outras egrejas d diverso do de Koma; e d'este modo elle desapparece a meio de sobre a terra.

A verdade é que este estado 6 incomprehensivcl, mas real; a ver- dade 6 quc a cgreja tem razào dc se queixar das nações catho- lictis ; -1niis tambem é verdade que só a separação dos dois po- deres, deiliindo a cgreja entregue ao seu proprio v i ~ e r , poderá c.orisc1puir o catholicismo verdadeiro, se um catliolicismo k possi- vel ; c tambcm 6 f6ra de duvida, para n6s, que aquella scparaçâo só poderá inteiramente verificar-se, quando a eg rqa quizer rcfor- mar-scl, modelar a sua coristituiçào pela architectura do primitivo christi;iirisrno, porque o que actualmente se podc sem erro cha- mar cuílrolicismo romano, k um conjuricto de instituições iricom-

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pativeis com o progresso, com a liberdade, que é s6 o futuro do mundo, que palpita ancioso por ella.

Eis aqui a origem, a explicaçZío de encontrarmos hoje as bi- bliothecas clicias de uma immensa multid8o de canonistas dos so- C I I ~ O S XVI e xvir, em cujas obras a doutrina conserva o mesmo caractcr da dos escriptos dos srculos anteriores. A glosa hoje si- gnifica ainda tanto como entáo, e mais que entao crescem os com- mentarios aos cinco livros das decretaes de Gregorio ix, e nestas paginas continúa assim a apparecer inteira a auctoridade da Se Apostolica.

Ao mesmo tempo vão determinarido-se as liberdades da8 eprejas; publica-se o resumo, como que o codigo das liberdades de algu- mas 1; o clero francez retine-se em assemblea e promulga os qua- tro celebres principios de sua Declarução; diz ao mundo que a egreja gallicana pensa e crê que o papa, e toda a egrejti, s6 re- ceberam de Deus poder sobre as cousas espirituaes e não sobre as temporaes;-que pensa e crê que o papa não é supcrior aos cano- nes; e que a plenitude do poder da sancta Sé tal, que, não só não tira força alguma aos canones do coricilio cciimenico de Coiis- tanya, mas que ate, segundo os canones, devc ser excrcida.

E, ao sentir renascer sua antiga e venerarida força, o episcopado desperta e as fileiras do gallicanismo engrossam-se; a doutrina das libcrdadcs das egrejas vae-se tornando do domiriio de todos e ac- ceitn-se como a cvidencia e a necessidade.

Por outro lado, os magistrados entendem c alargam, em dctri- mento do podcr da egreja, estas mesmas liberdades, a ponto de os seus proprios defensores se verem obrigados a diier qiic náo en- tendem as liberdades da egreja como as concebem os magistrados%.

1 Nn França os irmãos Pithoii, aiitigos calvinistas, puhlicarnm o Traitk dra libertés de l'(gZise Gallicane em 1594, e depois Dnpuys deu a publico as pro- vas d'essas liberdades famosas.

2 Como o disse Hoçsu~t, na França, no seu disciirso sobro a unidade da fk. NFio podemos deixar de dizer duas palavras a respeito d'este grande facto, que occupou os seculos xvrr e xvirr.

Quando, depois de serenar a tempestade levantada pelo moiige di Witem- herg, a eschola d'alem-montes couscgue erguer-se de iiol o, a bua colerii i e- dobra tcmivel, e naquellas nações onde a reforma n%o foi abraçada, ahi ella emprega todos OS nieios para diiniiiuir e acabar o poder dos reis. A seita do Jesus tem em seus escondidos deaignios o ~~~~ogrnrnma de Gregorio vir. Conto agora, a scienein surgira rmancipadn das trevas da cdade-media e do crrpus- culo do retiascimento; ern quanto na escuridão essa seita emprega todoa 06

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Juiictainciitc com tudo isto, ao sei1 lado, ora iiitlueiiciando-o, ora caminliarido inc!i&rerite para com vsse movimerito acanhado de iima grnn,!e qu-o, a philosoyhia dc!scbnvulve-se, cresce, aperfei- coa-rc em todo o secuio rvii c no xviri, e, ao cliegar o seculo xis , :\o aiiroximar-se m s o tempo, ella miiltiplira seus braços, abrange todos os t r & h do cspirito. Tudo se discute, tudo se arrasta a tribo* m), e ahi se lhe pergunta- porque existe t ~vircluc t1adc c o n t ú a r i a i - t i r .

.\ .,cic,iicia politica, por cst;icionaria e quasi cobrin- do-se inteira d'um aspecto edastico wb a inlluencia das escolas doutrinaias, ergue seu v& e descobre os vastos cbos do futiiro.

A pliilosophia da bistoria, a si-ia pova, impassivel c grande, illumina com sua dara e serena luz o passado das iristituiçòes e tlt~svt~iida-llies ao mesmo ternpo ( I seti porvir.

t\55irn ;I sciencia, a iiitelligenl:ia tlo seculo, discute Roma e o papa, o catholicismo e a idka religiosa, a religiáo a egreja, . - meios ara realisar seus extravagante, projectos, os caiionistas defcndem em t suas o ras O poder do papa. O novo eiam~iito de vida, s realeza, precisara de um defeiisor. Aos rnonarroi1i:icbos opp',<.iii-sc rio corlibate os re:ilistss oii regalistas, i1e ' ~ u e dqlois se acérva o j iiizeiii~iiio. X disputa elevil-se B altura da sciriici:~ ; dii:is tlicorira estào em :ac- :):i #!a out,ru: a reilia theocracix dos ~ I X ~ : I S e O JUIIIIIIO irnperio cesari.i:.o :ircito divirio dos reis.

Eiitre iií,~, coiiio p(ii. toda a Europa u t i . dica, serepetiram estes factos. Y ox~tiiplo de i i i r i acei.riiiio realistx O nosso .lo& de Seabra da Sylva, o celebre aiicti~r d : ~ L)ccl~icç5o ('1iro:iologica.

IJoram rnui coiiliecicios ria dc.fesa dos direitos reses, dos direitos mages- tatioos e do jue circa sacra, os seguiiites :~,ictores:

Adiio Blaovood - Aduersua Georg. Buc~uumlci Uiulogc~~ti rle Jure Iiegni aprtd Scolos Apologia pro Hegibus pua Hcgii uomit<is amplitude et Imperii Majesfas ab haereticorum farnosia liLeUis et perducliium i11 jura ui~uiicantrir. -1581.

Gulielmiis B:~rclayus-De Hegno et h'egali Putatate adversuu Bucltana- num, Bru/unr, Uoticherium et reli w s Mo~tarchon~acos, 161.7-de qiir?rn diz Seabra do Sylva que suaa obrar L% o a r rapeito aiictoiidade de T e d o >&o ju,izo de todos os sabias da Europa.

Ii(:iiniiigius hrniseus - Tractatwr de Auctorifate I'rincipccm in populun;, 1635, cap. 1 . O

Hugo Grocio no seu tractado De jure belEi ac pa&,-PuEendorf uo Juo naturae et ge~rtium, -De Réal lios seus t r a c t r d ~ da Scierice dct Goztverne- metat, - o iiosso padre Antoiiio Pereira de Figueiredo 11:~s su:\r; obras,- Coelho dc Saii>paio lias Prelecçùes de Direito I'dt-io, e aiiida nivitos oiikos doe iiosnos reiuicolas e extrangeiros, todos iiiui curiosos pctlo que sigi~ifirain e representarairi rio destino das naçGes, c cpualiiietite pelo apparato dc sue arguiiientaç%o, exaggero de suas theorias cle realeza moiiarchica, defesa de direito diviiio e pelos titulos pomposos de seus cscri tos.

Coiiio monarchomaeon notaveia, d'eotir n infinita asls do# secinrios d ' e i tu 1 1

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k um novo periodo que se abre sobre os tempos a vir; graridc periodo sem duvida, que contém a solt~çáo de muitas das mais commoventes questões que nos agitam a todos, que agitam a liiima- iiidade, atE ao mais fundo de seu esgirito.

E no meio dc tudo isto que faz a egreja? qunrido a ultima Irora das liberdatles das egrejas vai soar talvez, qiiarido li\rc d'estas servidões ella vai começar a viver grande como rios s ~ i i s primci- ros dias, que faz el la?

Renasce, cresce, augmcnta-se pavorosamente, por todii ;i parte, o partido ultramontano,-e s8o táo magcstosos os riossos dias, que o mundo scicntifico dá a essa escola um riome novo -iieo-catho- licismo-e discute grave as suas theorias !

Eis aqui como se 110s apresenta esta ultima e riova pliasc tio direito da egreja.

VAem todos a arena da lucta dividida em tres facçòes, que dizcrn cada uma combater pela unica idéa que se casa com o catholicismo da egreja, e a verdade 6 que cada tima d'ellas deferido os princi- pios que o excluem inteiro.

abs i i rd~s theorias, lembraremos João dc Mariaiin no livro de Zle Ihge et He- gis i7isiitcttim~e, rcfutatlo por Roiissrl 1 1 0 Aliti-Maria~ia, - Bellarrnirio nos wiis recriptou, e especialmente no Trai tndo - Potestas I'upae circa res t ~ m - ~ ~ o r a l r s , que é mais um elogio do assaibiiiato de Henrique rv do que a refu- taçào dc Harclayo, corno pieteride ser. Foi refutado por Jogo Barclayo, filho d'aqucllr, no livro Dt-potestate papae, a n et q7iatrnus i n Rrgno et Prir~cipee secttlurt-s jvs et inzperi7~m habent, c airida o rnesino Bellarmino ria obra I)e cntl11.oceraiis eltristiaitue fidei adcersus 7~1Lj118 temporis haereticos. O jesuita Francisco Soares, professor d a nniversidadr de Coimbra, n a Defesa da fd ca- tholica, etc.,-Molina, lente n a iiniversidade de Evora, rio seu tractado De justitia ~t jure, 1602,-Azor nas Institzit. Moral.-Becano, Opuscula T h ~ o - Zo,qica, etc.

Seria fastidiosissimo c sem maior proveito fazer a lista de todos os inonar- comachos. Veja-se Hennirigio Arniseo, Tractotw de Auctorifate I'ri11ci1)c~rn in Populum, cxp. 1.0, n.O 1, tom. 2.0, das Obras poli!icas no fim. 1(;48; egual- nicnte 1Ieiriccio -Elemrnta jur is ua t i~ rae et genliz~m, 121. 2 . O , 5 cxxx, not. e a Drducção CILronolor/icn x pag. 416 e scruiiites.

I'srn se fwer idCa do qiie foi r s t a hingular disputa, que hoje a escola ul- tramoiitsiin prrteiidc coritiriuar, mas que o ii:lo pode conseguir, poi que se não tlisciite com clla iiessr objecto j R julgado, vamos tranqcrerer ~ ~ i l u i o s~gi i in te trecho de Ariiiseo iio logar citado -De vi in griiicipem semper i r ~ ~ t s ( a :

.Pli:irisneos quondrirn, geiiiis horniniim sstutum arropans, Regibus ipsis in f ~ s t o s fiiissr, adco iit eos aperte oppngiiare non veriti fucrunt, probnt Jose- phus x\ ir anticl. cap. Y ex (.o, quoti ciim jarn totri geiis Judaeorum fidein cae- sarai obliglissent jiirejurando, ipsi soli rnaliieririt, non tantum boriis mul- tari, sed et peiiciiliim vitae incurrere, qiiam magi~trati i i coni corteros s e eubjicere Horum vestigiis iricediint 11011 pauci ex recentioriim scriptorum nu-

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Apparecem - a escola ultramontana - a escola temperada-a escola realista.

'1 tlizcordia do sacerdoõo e do impt~rio, mas catholica -a con- cordia do sacerdocio e do imprio, mas anti-catholica - outra pre- tcridida concordia, mas verdadeira discorilia, do sacerdocio e do im- 1)11rio. anti-catholica, e em sentido inberso da neo-catliolica.

Perguntar pois amora, neste geriodo, qiinl o direito da egreja -. hcc.rca da circumscripção, e creay;io das dioceses, vale fuer uma pergunta a que se podem dar tres respostas.

Pelo direito canonico geral, pelo pensar da eschola ultrainon- tana, unica representante genuina d'esse direito, a doutrina con- serva-se a mesma - como de tudo o que temos dicto se deve ter iitliviriliado : - o papa s6 possue este importarite direito, e nada,

incro qiii cum sint de poprrlo, ut suo ordini quisque impensius favet, quani ulteri, yopuli partes iln ag~ i~ l t contra principes, ut satis non habeant, si a b obedientia populum liberciit, quatido princeps degcnerat; iiisi subditis quoque potestatern et jus tribuaiit iii ipsos regcs, et eubverso naturae ordiiie ex pa- rentibus imperarites, ex sobtlitis Rege-, cx viilgo faciant principes. Multi quasi bonitatc causae diffisi iie noriiiric qiiidrrn sua adjicere aiisi sunt.8 Re- fere-se nestas ultimas palavi as Arniseo ao li\ro de ceito Junio Bruto,.pseii- donynio de um auctor, que atacava violentanierrte o poder dos reis. Heinecio esçiel c no j l lembrado $ rxxx: - a.. . adeoque pestilentissimurn sit illud dogina riionnrchomachorum, quod popu21~s si1 ipso rege vel principe superior e t penes illiim rr.alis, peues huuc personalis tantum majestas repeiitur.~

Tal é ri. vicissitude das cousas humauas, qiie neste tenipo o direito dos po- vos ci a instrumento do poder dos papas ! e foi preciso combatel-o para evi- tar a thcocracia ! Eis o perigo da democracia sob o imperio da igriorancia.

E-ta Iiicta chegou a tal excesso, que em muitos logares se condemnaram publicamciite estes tractados, lavrando-se contra elles verbosas sentenças, cobrindo-os com os mais irifamantes epithetoe, e lançando-os hs cbainmas pe- los executoi ~s da jnstiça, com todo o apparato e solenittidades terriveis de uma execuçAo dos tenipos do absolutismo rclal.

Em comperisaçHo a sagrnda congregação do Index ia ~poutando as obras dos adversarios, e maiidaiido tambem tls fogueiras do s~~riiptuoso Vaticano que Ihes fosse devoi aiido as paginas qiie ameaçavam destruil-o.

Que csprctaculo singular das ambiç3es e choleras dos homens! e é assirii toda a liistoria da egreja, que em certo periodo é a historia do mundo; 9, assim que a intelligencia do honiem, saindo livro das mãos de Deiis, tem con- quistado, H. custa de muitas cslarnidades, seus foros e regalias.

Quando ser& o dia da paz, o dia da fi aternidadt,, o dia do Evangelho? Ser4 o dia de liberdade, o dia do Christo?

Sabe-o o futuro. Respeitemos o seu silencio, e no entret:iiito dediquemos cada hora, cada rnomento da vida A grande conquista da liberdade, para qu,e, qiiaiido cairmos no ultimo dia, possamos dizer t i mocidade:-fazei como uos, que assim ganhareis o descanso, quaiicio volverdee aò silciicio do tiirnulo,

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absolutamerite nada, tcm que ver com isto o poder civil, o poder real 1.

Pela eschola temperada, o direito, conservando-se o mesmo em principio, modifica-se comtudo na applicação, exigindo as coii- veniencias que o consentimento do principe seja pedido e sua con- cessão indispcnsavel para levar a effeito estes negocios%.

1 Episcopatus divisio et unio ad s o l ~ ~ m Papam speotat ... Episcopatua ere- clionem factam a Papa in catltedralrm vel metropolim impedientes ultra poe- nas cmommt~izicationie, ~nterdicti et su.~prnsionis perdunt feuda et quaecum- q~rr hen~ficia spiritualia et temporcilin; et si sint personae ecclesiasticae, &- ciuutnr inhabiles ad quaecumq7ie Crvtrjicia ecclesiasticu. Ilaoyz, Jur. Pontif., Toini, iv - Pars. 1, vb. - Episcopatus, n." 2.

C 1 'rimo igâtur soll~s Papa Eccleniam eri.$t et constituit i n Cathedralem : i d e m dicit de erectioae Ecclesiae C'alhedrali in metropolitanam.~ -Aiigust. Bai liosn, jur. eccles. univcrs., lib. 3, cap. 2.0, n.e 139.

A rehpeito da dikislo dos hispaclos, leia-se o n.O 140 do mcsrno cap. 2.0, e sol~ir, a aiiitio veja-se o n.O 147, egrialmerite do mesmo cnp.

a,Scicr1r/7trn est qtlorl eretiones in Cathedralem pari non ( 1 ~ heant nisi a Papa.. h'tli,i$, i i i prax. hcricficior, tit. de erectione Ecclesiae in Cathedralem n.O 1.0 - 7irc ohsfat q7rod Imprrator eriyat civitatem, mrtropnlitnnamque faciat .... srrl ~ O I L 2101r~ i( eriqere Episcopalem vel arc?~irl~iscoy)nlrn~ dignitatem, quis aad hoc n~illus 11nOrt potestalena extra 1'apana.r O rriesrno Rehilff, log. cit. n.O 5. Leia o ii O 22 do Tit. de mjone da rncsma nrnxe dos beneficios. a resaeito da urii5o dos bispados.

Vrjs ainda Azor, Institdion. Moral., pag. 2, lib. 5.0, cap. 29, q. 25 in pr. e lih ti:, ca8. 30: 9. 2 e 4.

Nicolnu arcza de õeneficiis, ~ n r t . 12. caD. 5. n.O 1. vara a ereccilo dos A , , .

bispadop, e cnp. 2,'n.0 60 i a r a 8 8iia união. / ) r . .llexia, pag. 280, 354 e 43.) do seu Tractar/o de direito ecrlesiastico. Kr:i pr'cisv um volume para citar todos os cwnoriistas, que sem coiitcstaçiio

affii niarri esta disciplina : bastam estes para veirrios como 8 aiiida viqoiosissi- ma a tloutiiiiri do direito canotiico depois dos at:iyiies dos realistas (. tlns rc- voliiçGes do mundo.

2 . Quare non esl, qucd a communi nniversalis Ecclesiaeaensu recedamus forda s'n princip~s a :ulatio~te; ut cm~tigit Marco Ar~tonio de Dominis, qui episco- patui~rn institutionem Rr,p'bus prrperam et co~ilra ipeos cnnonrs asserit. i b t n reiie!ins (lispotrrndae ratio ad Ecclesiam prr t i~~r t , quernadmodum dixi, quam tamen sine consensu Principum peragere noil drbet ut ostendam, lihro IV. Cap. xirr.. Pedrode hlarca, Concordia Sacerd. et Iuiper. Lih. 2.0, cap. IX n." 7.

Hoje oa eecriptorcs da eacola ultrainontana n%o sb pretendem ver as pri- meiras origeiis do privilegio pontifica1 na practice dos apostolos, como diese- mos; mas tambem, levando a questao para o campo pliilosophico, cuidam demonstrar que todas as conrenieiicias pedem que ao papa se coiifira esse pod~r . Goschler, jrl citado, escreve que al'attrihiition exclusive de ce pouvoir aii pape Btait d'ailleurs deveiiue iridispensable; eii effct Ia pluprirt deu paya oií i1 y avnit de nouveaux évéches h in~titurr, xvaitwt 8tk cotiveitis par le zPlr dcs l6gtits apostoliqiies; de pliis i1 fallriit ~ ~ s i g i i r r aun iioriveau diocbes dea limitrs certaiiies; de fr4qiicntes dieciissione s'élevaient entre les arché- vêqnes et les éveques, que le Pape seu1 poiivnit ri?aoudrc ; enfin maintes dis-

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A eschola realista, hoje quasi extiricta ou transformada na eschola coiistitucioníil e temperada, por &ito das aias ideas de liberdade religiosa, dii tio principe o primeiro logar; mss, faltando-lhe o apoio das decretars e dos canones, 6 essencialmente nacional, furidan- do-se nas rccordaçóes dos tempos que foram, baseando-se em as no\iis li1,crdndes das constituiyóes politicas.

1 ) ~ iiiida nos serviria especificar em cada nação o direito pro- p i o d t b .lias cgejas; o espaqo C precioso para descobrirmos, quanto couber cm nossas forças e tempo de que dispomos, o direito ecclc- siastico portuguez, se o ha.

Vamos,. pois, immediatamente trazer a questão para o cariipo 1 1 , nosso direito.

penses 'txient nécessaires, pour les hndatione &e m u d e s Bglises et le Ptiyt: sriil pouoait lea donner..

SBo doia factos mui notaveis da historia da eresç5o daa dioeeses o celebre scliisma constitucional da França e a concordata de Pio vir de 1801. Na 2.' parte d'este estudo falaremos d'elles.

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PARTE SEGUNDA

I,EGISLA@O ECCLEWASTICA POBTI;GCEZ:\ A RESPEITO

Aos* ma -sés est-elle qoe toute immix- iioa de crrfe mture, que1 qu'en soit It! mode, emirain to.ajnri rrec elle .j~isqu'a un cei- laiu pimt :a Yrrctioa. I'encbaioement tle Ia liberte imd i r i l r l l e .

Hcmrvr, &sai a r ler limites d e l'arlin>i de IElat , vi i .

Se ba concluido para eiempre el dogma de Ia pretwrion de Ias Iglesias por el Estado. 81 Estado no tiene religion, no Ia puedo te- mer, DO Ia ilrbe iener. bl Estado no coniiesa, e1 E-tado no comulga. e1 Estado no se miie- n. Yo quiiiera que e1 Sr. Manterola tuviese Ia bondad de decirme en qu6 sitio de1 Valle de Josaphat ra a estar el dia de1 juicio el alniit de1 Estado que se Ilama Espana.

EHII.IO CABTELLIII, Discurso nas consli- tuinies bezpanbolac de 1869.

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PARTE 11

LEGISLA(;~O ECCLESIASTICA PORTTGCEZA A RESPEITO DA W L $ ~ O ,

S U P P R E S S . ~ ~ , ~ ~ 1 x 0 , D I V I S ~ O E CIRCUMSCRIPÇ~O

DAS DIOCESES E hIETROPOLE6

CAPITULO I

A egreja portugneza e suas liberdades

Curiosas e graves qiiritõro. que as palavras- e p j a i w i f n u - podem so3citar. - Drlici i~nria de estuilos dr lii;toria ecclrsiastira portugeeza.-Comr rso improficiioc estes irabalhoc P P ~ I tractar priniciro dc saber m ba oo nao uma egreja portuguera ou lu.itana.-Errado caniinlio que 16m seguido os seus escriplores: consequenciiis

. d'esle 1;icto.- O csemylo do q u ~ se passa com a egreja gallicana mais nos obriga a seguir direccno diferente di i que até hoje se tein adoplado. - Desde quando se deve reputar c \ i i l r i i ie a egreja lusitana?-Falsas ideas e confus8o de Joao Pi,dro Ribeiro e de I). Tliiiinaz da Erir i i rnac~o a este respeito.-N&o hn uma egreja lusi- tana: lia uiii;i rgir,j.i portugueza, coitemporanea do eslabelecirnento da nossa mo- narcliia.-As suíi!: Iiberd;ider no temlto de D. Jos6 I e nos estatutos dauniversidade. --1'1 tlt'nzões da escola ultramoiita~ici a respeito das liberdiides da egreja portugueza. -I<\isteni realmeritr estas Iibertlatler -A rgreja lusilaiin e as egrejas gothicas da ~ ~ ~ i i i i i . ~ i i l ~ : seus codigos. - Allerncáo da disciplina e perda das liberdades d'estas í,giej;is -A cgreja [~orliijiuexa ao irliarar-se da leoneza nHo Iierda nenbunia liber- 11:11lc. - h priri,eir;i librrtliide ilii rgreja poriugueza é a sua indepen~lencia da pri- i i i, iri:i h)l~.inii;i.- Feuiic~ t, hoi~ir,n;ipeni de D . Affonço ITenriquea .? Sancla S6: im- p i ~ i t;ii,,.iii i l ' r i ie Iacio.-(:iiiicoi.~la~~s : segunilo cnyitulo (Ias liberdatles portupurzas. -0 r.t,:io pliiciio: grande liberdade tla egreja porlugueza.-A hulla 1n Coenn Do- 7 1 ~ i t i i c o Lievc Ezpnni fiobis: sua hietoria o seiis effeilos juridicos.-A concoi.d;ita iie D. Sebulino -A Cartir de Lei de 2 de abri l de 1x8.-As queslõos t1es;ippare- cerii depois do dirsiio publico librra1.-l;al~a e capciosa idéa dos ultrnmoiitanos a respeito do liberdades ile egrejas riacioiiaes.-Trecho dos estatulos i la Uiiivcrsidade de 1772.

Quem não tem ouvido pronunciar e s t e nome curioso de egreja lu.silana? quem o n8o tem visto escripto nos monumentos e nas obras dos piissados seculos da nossíi l i istoria?

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Egreja lusitana ! que grande nome ! que grandes recordaçóes se niio prendem 8 idCa que nos traz h mente !

Estas duas palavras, como outras da nossa chronica, soam-nos de um modo ao mesmo tempo saudoso e cheio de altas e graves lembranças.

E, comtudo, se nos deixarmos ficar a contemplar esta idba, a medital-a, ella comela por nos apparecer conf~isa, indecisa, vaga, e acaba por se esvair insensivelmente, e n6s acordamos d'este so- nho, a perguntar: '

-O que 6 a egreja lusitana ? - Houve uma egreja lusitana ? - Ha uma egrcja portugueza ? -Será isto um phantasma? ser8 um anachronismo, uma mo-

nomania historica, uma paixáo de lusitanismo? E quem sabe ? talvez tima desobedicncia condemnavel, um schis-

ma ? uma negaçào atrevida do catholicismo ? Taes siio as graves e curiosas questòes que se nos apresentam. Ningucm cuidou ainda em propol-as, e menos em resolvcl-as. Muito pouco se tem cscripto sobre a historia da nossa egreja e

aquelles que o tem feito, deixam levar-se da corrente geral 1.

1 A historia da egreja portupueza foi pela primeira vez estudnda e exposta por D. Thomaz da k;ncariiação, conego regrante tlo real mosteiro de Sa~icta Cruz, e depois Bispo de Pernambuco. Irititiila-se a obra-Hietoria Eccleeiae Lusitanae per singula saeczila ab Evangrlio promulgato, em quatro tomos, comprehcndcrido rlesdc o primeiro seciilo até o dccimo quarto iiiclasi\ E PII- blicou-se o ultiino volume pelo começo da seguiitla metade do seculo xvrrr.

No tempo de I) Joâo v apparece pela piimeiia \cz a idPa de chegar a traqar-se o plalio de uma historia geral da egrejn portiigiieza. I). Mai~uel Caetano de Sousa, clerigo regular, tinha toiinado havia muito

tempo o pro.jecto de escrever a historia ecclesiaeticn de l'ortiigal, que intitu- lava - f'antheon Anti8tilum I;unifanorirm, sive I,z~sitntiia Sacra, hoc est, chroiiicon uironrm qui in Lusitania uummo jure prnefuer~.

('o1110 este nosso sabio privasse com o rei, uma vez Ilie coininunicou o seu plaiio e lhe dissc como tinha começado os trabalhos no recolliirnento da sua cella. O rei, o nmso uerdadeiro Augusto e melhor que Tito as delicias de seua vussallos, protector caloroso das lettras, approvou muito a idba e lhe pediu que não desariimasse. D. Manuel Caetano ds Sousa quiz entÃo um cornpa- nhciro para aquellas fadigosas lidas, o qual não só soubrs~c c escrevesse O latim com toda a pureza, mas que tambem fosse docil revisgo e censura; ao mesmo tempo indicava para censores os rnarquezee de Alegrete e Fron- teira e Antonio Pires da Costa. Era isto pelo mez dc r~orer~ibro de 1720.

El-rei, todavia, desejava uma hietoria completa de Portugal em Intim e portiiguez, secular e ecclesiastica, sendo a ecclesiastica tract~ida em primeiro logar e chamando-se Lusitania Smra.

Ein 4 do mesmo mez pediu D. Jogo v a D. Manuel Caetano de %usa que Ilie fizesse uin plano para levar a efieito a sua vontade, e a 7 do mesiiio mez

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E de qiir viile ctzcre\cr sobre i1 egreja lusitana, controverter I

difficeis qiic1*tòc1s Ac qBrca dos habitadorias, Iingua e costumes do I occid(>rit~. (! I pt~riins~il~i ibt*riw antes da p répção do christianisrno; (10 qiii. \ ,II-. -dí)t*r O que dizem Strabàc, e Plioio a rcsprito dos limite. tla lirimltira Lusi t~n ia . sem prirneim iodasar se existe uma cywja nacional portugwza, se ha alguma c o m que se j)odesse e IIOSSI i i i r ic l , i h o ~ e chaarr-se rgmja lusilata ?

0 4 I ~ O S ~ O S escriptores aio trepidam um rnomeab. Pard ellt14 n egreja lusitana, se tem sido rCia nes seus confins com d* vicissi- tudes dos tempos, tem ti& áe bom o m a r unido at1a1c.s os seculos o seu corpo multílorne: e tita w j a , que hojt. ti. ele- varcrn-se as suas metroples w a l t b portuguez, tem !)ara c.lles uma antizuidade tão alta como o mesmo christianismo. EIIii 1 i\eu sob a dominação romana, assistiu Bs invasões gerrnanicas, p0de respirar debaixo do jugo sarracerio e ao lado da religião de Islam, orgulliou-se em tempos passados de contemplar seu graricie corpo, cobri:ido u pcninsula inteira, jiictou-se de farier parte da rgrqja hesl)miliola c luctar com os papa. no5 seculos vir, v111 e ix , foi uriida á egrcli~ Icoriesa, e por fim. a l t i ~ a , sentiu-se drsprerider d'essa outra, expulsar a grande religião de Mahomet, e ao cabo de tantos trabalhos e victorias, pdde repousar a cabeça sohre o

lhe fni apresentado esse plano, propondo o scu auctor a creaçso tle iirii,i aca- (lciriin i ( .i1 (ir historia portiigueza.

Trai t<i c iiiiiito eni segiedo cla formaçâo iI1~~l1a, e finalmente erii 8 i10 iiiez de dez~~ml~ro faz se a priiiieira confei ciicin, ein aposentos (10 p:tlxrio do Dii- qile de Uiagaiic;:~, para case effeito sii~riptiiosameiitc adornados, cstalitlo pre- ~enttss os 34 socios nomeados.

Brcve tempo durou esta utilissima institaiçRo, e d'ella 86 nos restam as memorias pouco numerosas de seus academicos.

A Iiistoria da egreja portugueza foi aind:i tractndn na Hespaiilia Sacra do P.0 Fr. Henriques Flores, que abrange a Iiistoria das egrejas de toda a pe- nine.uk.

Ultimamente Joâo Pedro Ribeiro intenta de novo esta dificil tarefa, que n8o lera a cabo, deixando por siia morte o mariuscripto, compreheiidcndo ape- nas a historia da egr.ja lusitaria desde o pi irneiro seculo até o nono, a qual elltl clitboi:\ra sob as iiistrucç0es do dr. M:~rcelino Pinto Ribeiro, lente de liistoria ecclesiastica ria Universidade de Coimbra e mestre que faia d'aquelle outro professor.

É o maliiiscripto 213 da bibliotheca d'esta universidade, n.O 6. Veja D. Tlinmaz Caetano do Bem, Memorim hhistoricae e chrondogicar

d a sagrada refi.gi6o dos ~ l e r igos regulares em Portugal e sua8 ~ 0 n q ~ i e t ~ na Indin Orienfal, tom. I , liv. VIII, pag. 452, c. 1 e seguintes-Lisboa 1792; e João Yedro Ribeiro - Historia da egreja portugueza, desde 0 seu principio

oa 9,oaeos tempos dividi& em seculoe e capitdoe - Prefacio- me. cit.

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tacudo de coricliiistador de Silves e sob o sceptro dos filhos do Contle I-leniiqtie de Borgonlia.

C;iptivados por tào bello e vasto quadro, eil-os que se afundam 'rirsse immt~iiso campo, que cuidam poder descrever-nos minucio- sírmcnlt: (liirante sua curta vida, luctando com a estc~rilidndc dos cliroriistas, deixarido-se embair de suas fraudes, perdendo-se em conjecturas ácercii do escuro viver das primitivas colonias habita- doras d'este chão formoso ; esquecerido-se a discutir se Idacio e Itliacio foram justa ou in,justamente tfc~)ostos, ou a iiivcritar fa- biilas invejosas para defender a primazia de Ijraga contra a de 'I'olcdo, ou a pôr de lado a pcriria do historiador para tomar o cstjlo do antigo legcridario de vidas de beatos e milagres d e sarictos !

$ assim que rião contamos uma historia completa da nossa egrqja.

O prnprio Joao Pedro Rihriro, o sabio academico, que nos promotte, no prologo de um pequeno esboyo da chroriica religiosa da riossa egrcja, não se deixar seduzir das fraudrs yiie prenderam OS outros escriptores, cac, como veremos, rio erro comnium de ir buscar a origem d'ella ao tempo dos rorniirios.

Falando, como todos fjlam, das liberdades preciosas, veneran- das dc nritigiiitiadc, da egrcbja lusitana, ainda não houve uma penna que riol-as contasse, que nos d6sse iim codigo d'essas liberdades, se algumas h a ; e isto era tanto mais preciso,.quanto d'este nosso deslcixo se vai aproveitarido jh o ultramontanrsmo, o qual, zeloso d'oslns liberdades, guardando, alta mente repostum. o resenti- mcrito (1;)s coi11rariedades que o uigor do braço dos nossos reis eni c~l)odias ~ ) t ~ s s ~ l a s Ihes Icz soi'frer, vem agora a discutir a legi- timidade da nossa egrcjn, a perguntar-nos por essas liberdades face a face, c emprazar-rios a declarar quacs srjam, se algiimas silo.

E, nintla qiiantlo se prol(. existirem, nao melhoramos de posi- ç30 ; e para riosso ensinamerito lembrenlo-nos do que se passa com a egreja franceza.

Qiiem não tem oiivido fallar da famosa rgreja gallicana e de suas celebres liberclades, que tem rccrutaclo adcptos em todo o mundo e que quasi faz um schisma?

E, comtiido, saiba-se que a existencia d'csta egreja 6 hoje muito contcstadn. D e pouco serviu que os irmãos Pithou dessem á F r a n ~ a um codigo d'essas liberdades; de pouco valeu que Fenc-

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lon, l:Icrir\ e Bossuet as quizcssem purificar livrando-as das acces- sbes que o p ~ d e r real e M magistrad(b5 lhcy tinham injustamente accrc~zi~rrit,~do ; nada imp-I a celebre detiriirão que d'ellas apre- sciitoii o grande a r c a k p de Meaux ;- huje diz-se qtic todos cs- ses esforços demonsttam não serem as taes Iiberdades, qun re- tumbavam no m d o inttko. mais do que sombras, com que nin- guern sc intende, nem os impaadores, nem os bispos, riem a cu- ria romria ; e accrescenta+ qoe. depois da celebre concordata de 1801 e do livro que em 1820 escreveu Joseph de BI~islre, De 1'Eglise Callicane dans m ~ i rapporl atec le Souvtrain I'ontife, a approximação de Roma c do epkmprdo fraiicez 6 cada dia mais estreita, chegando a aarmar-se qw & Saistre era prollliota, quando csmvia que o soberano pontlfce t o sacerdocio friiiic~z se hiniam de abraçar, e que 'neste a b m d o c a r i a m as liberda- des da egreja gallicaiia 1.

A ~ertlatfe 6 quc hoje, no paiz que tivera rim S. Luia, e uma p~aprnatira-sancção, reis tRo poic~osos, tão altivos prelados ; que vira junctar-se o clero em certo di ,~ e resumir em quatro ar- tigos a expressâo de sua v i t l , ~ pas.da e a promessa do sthu fiitiiro, e lançal-a ás faces do summo pat~fm; a verdade C que 'nesse paiz hoje são mui raros os herdei is do org-utboso clero palli- cano.

1- clua~'!o C. assim com a França, com o clero france~, com a clgrej;~ giillic.ann, que dcbternos pensar da r i ~ m pobre eewja por- tuguezii ?

3? por isto que devemos passar rapidos as folhas d'essiis obras de historia, que rios contam como a apria crescia e se elevava acima das bordas de certa fonte sem se critornar, c se viam 18 dentro scenas do evangelho, como nas garrafas magicas dos alchimistiis do seculo xii; ou nos ~ ê m repetir e trncar com os bicos das pen- nas de seus ingenuos aiictores as palavras misticas, qiic alguris varòes tinham ouvido desprender-se das penhas alcantiladiis da so- lidâo que habitavam.

Outros cuidados mais graves nos occupam do que esse folhear piedoso do 00s sanetorum da nossa egreja.

Vamos primeiro indagar desde quando se deve reputar exis- tente a egreja portugueza ; e depois veremos se dentro do periodo

1 Charles de Rémusat, Le tradicionalisme-Revue de deus mondes, 1857.

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que se Iht! deve assignar ate hoje ou ate certo tempo, houve ou tem havido reaes, justos, acceitaveis privilegias, que façam d'ella irma vertlad(+-a egreja nacional.

Todos os auctores, que entre nós se têm occupado de questdes de disc,iplina ou direito e liistoria da e g q a portugueza, entendem que esta egreja existe desde o tempo da propagaçiio do evangelho ria peninsula, e assim lhe chamam geralmente a egreja lusitana, cedendo b iiiiiiiericia da idéa falsa e impalpavel de que nós des- cendemos dos primitivos lusitanos. Este defeito 6 commum ao estudo historico de todo o nosso direito, indo procurar-se a siia origem desde os mais escuros tempos ate b actualidade. Quantas paginas carregadas de pezada erudiçao se riào encoritram nas me- moriits dos riossos academicos dispensadas ria indagação do direito dos Iiisitanos, dos cartliaginezes, celtas, phenicios, vandalos, siievos c alarios! Assim perdidos 'nestas graves locubraçbes, quando toca- vam a historia do seculo xii, faltava-lhes a vida, c a penna cala da mão dos aiictores em que a morte fizera píirar o movimento tio espirito, e todos os que dc riovo pretendiam estudar o nosso Oircito ria historia (Ias suas cvoluçòes se julgavam obrigados a re- moritnr ate a penumbra do clarão historico. Como nota Alexandre Ilerculario, o gosto exagerado das aritiguidadcs romanas tinha-os acostumado a ver a graridcsa das rinçòes pelo prisma falso das ori- gensfabulosas e da t:popea legendaria dc lodos os povos; e conso- lava-os narrar, inllammados de louco amor piitrio, os grandes feitos dos Viriatos, dos Apimaiios, dos Sertorios, e desigriar-tudo o yuc c r q o r t u g u e z com o riorne de lusitario.

Como tudo, a historia da egreja portugueza rescnte-se d'isto mesmo.

Coiihecemos apenas o douto Joào Pedro Ilibciro, que intitula o seu projrctado trabalho- Hisloria da e g r ~ j a portirgueza.

Mas q u e ? suas investigaçòes comeyarn rios primeiros dias da promulgaçáo do evangelho da periirisula, exactamcrite como os ou- tros escriptores. I3 qual foi o resullado? é quc cste ti,abalho ficoii pa- rado no seculo ix, e quiindo poderiamos aproveitiir-iros dc sua grandc leitura da historia de Portugal, apenas cncoritramos uns miriguiidos capilulos e paragraphos, onde, clrri-verdade, iiiio apparccem jA as puerilidades de seus antecessorcs r onde tudo o que se escreve 6 liistorico e fundado.

I). Thomaz da Ericarnação nõo soube livrar-se d'estes defeitos; c,

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posto que alargasse seiis estudos até ao seculo xiv, restaram-lhe comtudo quatro bons $c.culos, onJe a historia da nossa egrcbja passa po,r grandes teaapestbrs e onde ppnentura a modificiiçào do di- reito 1)oi tiiguez I! nmi nd;itel.

J r n iilgumas disserta* sobre poiitos esp, i iars da historia da riosvi enreja, predomina e a d t a sempre a [ r i , -ma idka.

O illiistre auctor ila & t e de Portugal c>rtcrininou radical- i i i c * r ~ t c ~ rstc abuso no e5tudo & historia profan'i do nosso paiz: de- inoiistrou, com a ~ ~ r o f t i n b ilcl!i,gwia do vercladciro Iiistoriador, que nem o territorio, riem 3 fa:;. n >m a liWa, unicos caracteres que coiiservam a identidade Qo- po\ M na successào dos tcmpos, existiam entre nos e 0 5 antigns Iirutmos. Os elementos que con- stituiram a nossa nacionalidade &o ~~otros: é o elemerito leonez e o elemrrito sarraceno l , e náo mais.

Na historia eccle$iastica, porbm, ou porqiic ainda ningiiem se occu~)o i~ d'ella depois dos admiraveis estudos tle Alexandre tlcrcu- lano, ou porque esta societlacle tem alguma coiisa do esl)cc.inl; con- tinha a permanecer geral a id6a I'als,i de que ella 6 a mesma egreja dos lusitanos, e que tanto vale dizer egreja portugueza, como lusi- tana.

Joáo Pedro Ribeiro no 7." da Introdiicção do seli manuscripto começa, dizendo :

ehntes porem de principiarmos a considerar o objecto a que nos propomos, 6 necessario vermos primeiro que provincias se acham com- preliendidas debaixo do nome de Portugal. Para isto devemos reflectir que o Keyno dc Portiigiil, tal qiial hoje o v&mos, differe miiito nos setis limites da antiga L1isitania.n

Ern seguida, e tendo dicto qual era essa divisão, vai este escri- ptoi exaritiriar a liiigua e religião das diversas nações habitadoras do occidt~ntc da peiiinsula antes tla viiidti de Jesus Christo, e gasta clepois scrisivel espaço com a Dihsprlay;to preliminar sobre a pro- mulgação do Evangelho nas nossas provincias!

A que antiguidade nào faz este sabio academicoremontar assim o pobre Portugal, que as suas provincias assistem I promulgaf80 do Evangelho e ouvem a voz dos apostolos?!

1 Alexandre Herculano, Historis de Portugal, Introd. n.O 1. 9

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Tal é o predominio dcspotico de certos pre,juizos, e tal o effeito do detestavel systerna de se dar a trabalhos historicos, como quem fez catalogas de bispos, ou ephemerides historicas.

Thomaz da Encarnaçáo, no cap. I ." dos Prolegomenos de sua histeria, depois de entregar o primeiro capitulo A investigaçiio sobre o nome de Liisitariia, prociira fixar os limites da egreja lusitana, e no Sj i.", tracturido dos limites civis, escreve:

«Lusitana Ecclesia, si propriae Lusitaniae nomen, ac partes, jiixla eos, qiii gcographica mcthodo pertractarunl, aspiciam ... v

averum quae nostris temporibiis Portugalia norninatur.. . . a )

E, tocando as ultimas palavras do capitulo, ciiida este escrigtor ter com toda a clareza fixado os limites da egreja lusitana, terido- rios dicto que a egreja lusitana, se atteiidermos ao proprio nome dtl Lusitania, tem certos limites; mas que, se olharmos ao que no tempo d'elle se chamava Portugal, a mesma egreja tem outra pe- ripheria !

Esta confusão aupcn t a , se formos ler o $ 1 1 do mesmo capi- bulo, onde o auctor vai explicar-nos os limites ecclesiasticos da :greja lusitana. Agora ella já não comprehcnde todo o espaço da intiga Lusitania, mas sómerite o que ao tempo d'esse escriptor se Ilustrava com o nome de Lusitania ou de Portugal !

«Per iiniversam Lusitaniam, diz elle, et ceterum terrae flexum pro- vinciae Tarrac~nensis quae nostra aetate Liisitaniae aut Portiigaliae nomine insignitur, Komanoriim, Suevornm Gotlioriimque tempore, quatordecim episcopales sedes.. . I)

Para acabarmos de confundir as idkas a este respeito nâo t preciso mais do que lêr, a pag. 48 do i." tomo, o que ahi se diz da divisão das shs.

Irititula-se um quadro, ou mappa de varias sks da peninsula- Portugaliae sedium diuisio - e começa logo por se descrever essa divisão sob o reinado de Theodomiro, rei dos suevos no aniio 607 -sub Theodomiro Sueuorum Rcge -! e assim continha, clas- sificando as modificações sob os reinados de Kecesvindo e IYam- ba, reis godos, como se estes reis fossem reis de Portugal!

Revela isto uma confusâo absoluta de idkas; e deixa ver que

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estes escriptores nbo formavam uma aoçlo clara do que era, ciu podia ser, a g r e j a lusitana.

Que se diga: a egreja i. ecumenia, a egreja é eterna, e por isso a egrejn portugueza ha ti(. ter existido desde que 'neste solo se lançou a semente do câri~iiauismo, e portanto desde os tempos dos lusitano> ; comprebe&r.

01;. - t,;tteiidr que o direito privado de uma egreja nacional COillcyii si) desde que existe a naçào r que pertence, e por isso sO desde então se póde ver lima cigrc~jii ii;içional, a qual estarói con- demnada a desapparecer com essa mesma nação; percebe-se; - mas que se pretenda uinii e outra cousa simultaneameiite, como estes dois escriptores parecem disirar traiisparecer de siias pala- vras, é o que a nossa iritelligeucia não pbde acceitar.

Rlai qual a verdade no meio d'estas duas opiriiòes? A egreja porliiguc~a vai effectivamente ericontrar a sua origem na egreja lusitaiia, romana moda, leorieza? ou esta egreja data s6 do começo ' .!' da nossa rnonarchia ?

A primeira vista parece não dever duvidar-se um momento. A egreja porlugiicza é porventura ci~iiio ;I anglicaria 1 como a cophte? não está ella presa ao iiiimeiiso corpo do catholicismo ? eritão, ella existe, desde que rio solo da pciiirisulil hi implantado o christia- r~ismo. 1rn.porta pouco o qut: dizem a respeito do territorio, liiigua t L r i i ~ i i : purque a cgreja C: de todo o inundo, e o christianismo e o episcopado para OS godos, ou para os lusitanos submettidos ao jugo romano, iiào é diverso do christianismo ou do episcopado dos re- ceiites portuguezes, ou dos ultimos leoriezes. A egreja é ecumenica, cosmopolila, e eteriiii; nem as modificações dos tempos, liem us al- terações das liiiguas, ou transformação das raqas, podem ioiluir nella.

Isto ~ ã o 6 verdade. A egreja portugueza é em certo sentido a lusitana, a goda,

a leorieza; mas n'cste serititio é tamhem a gaiileza, a gcrmariica, a italiana, a propria romaiia; porque é parte da egrcja catho- lica; mas não (L neste aspecto que se considera aqui.

Tracta-se de uma egreja nacional; triicta-se de uma 1)c:ssoa moral, que lia o direito A cxistericia individual, deduzido de certo numero dc privilogios proprios. Se isto d perfeitamente compativel com o calholicismo, se é possivel a existencia de uma disciptiiia geral, egual em todos os seus capitulas sobre toda a superficie do inundo, são questões que 'noutro logar se tractartio.

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Aqui havemos de transigir com os factos: e a existencia de egrejas com direitos proprios em varios pontos de disciplina, dero- gando a disciplina geral, s8o factos, que a propria egreja ecumenica, longe de repiilsar, tem acceitado, e aconselhado ate, na recommen- daçao que fiiz de guardar os antigos costumes.

O que por conseguinte temos a fazer 6 investigar estes dous pontos: - ha direitos proprios, liberdades ou servidaes, como lhe queiram chamar 4 -desde quando existem esses direitos ? Aquelle determina a existencia da egreja, este assigriala o primeiro mo- mento de sua vida independente.

Ainda não 6 tudo: 6 iridispensavel saber-se se o elemcnto da nacionalidade inlluirá, ou nào, na existencia da egreja particular.

Se o livre cultismo, se a iritc~ira independencia da egrcja e do estado tiçcsse sido o meio em que o catholicismo viveu, c fosse aqiielle em que hoje respira, não hesitariarnos um pomciito em negar similliarite inlluericia.

Estes pequenos centros religiosos, estas m~dif icaçr i~s locacs da egreja, tiaviam naturalmerite de coincidir com as circumscriyçries das riaciorialidades; mas a origem uriica dos direitos proprios das egrejas 'nesse estado de cousas seria a mcama, que iiilluia ria agrupaçào dos homens em sociedades politiciis : -O principio das raças, a identidade do idioma, as circumstaricias pliysicas do terri- torio, e os grandes elementos cominunaes e tradicioriacls.

Mas isto rião se tem dado; unida em certo tempo ao estado, a egrcja qiiiz sobrepujal-o. O estado deferidt:u-sc, e, como tilera de arraiicar-lhe das mãos o sceptro roubado, com clle lhe arreha- tou tambem algiiris dirertos proprios d'elln; os reis foram os pro- tectores das egrejas; e ao mesmo tempo os povos, os membros ca- tholicos d'essas egrejas, qui~crarri que elles tivessem certos direitos de inspecçao, de superioridade externa, respeito fi rgrcja. As leis estabeleceram este estado com sua auctoridade so1)erariii; as leis hao de executar-se para a vida civil ser alguma coiisa de existente, e por isso as egrejas tem de juntar ao seu direito proprio mais este capitulo de direito privado.

Que este estado não tem nonie possivel, e que deve acabar, siio tudo outras questões.

E m face encontram-se pois duas fontes, d'onde dimanam os di- reitos das egrejas : o elemento natural, digamos assim, obedecendo ás irifluencias das leis moraes e historicas e ás phjsicas da natu-

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reza, r o elemento politico, obrigando fatalmente a egreja ate certo ponto a um riter propno e individual, conscquencia do,staiu quo das rcl~~ùc's dos dois poderes.

Póde existir rara q e j a , n8o nacional, que se lhe nâo póde chamar aGm. mrs epep uim direito proprio, mesmo em paizes critregues h iddabia; píbque o costiime de muitos seculos phde ter r n d i ~ ~ d o 'nesse lagar certa diccipliiia peculiar ; mas onde ;i re- Iigiâci catliolicn 6 religi;ro de estado. ahi o elemento da nariona- lidndr C t;io activo em sua i n k n c i a , que marca com o seu appa- recimento o apparecimcnto da e p j a nacional.

Em o nosso paiz, se se ènknde que a egreja de Portugiil não 6 limitada no tempo e no t s p a ~ o pela vida da nacionalidade por- tugueza ; se se entende que ella tem existido a mesma desde que o cliristianismo foi abraçado n'esta parte da pcminsula; saheis qual

a c.o~i-t.quoncia? C qiie haveis de consentir que o direito publico t~cclt~+iaatico hespanhol venha reger a nossa egreja portugueza e modificar o seu direito.

E como sc3 poderá compreheiider a coexistencia d'aquelle di- reito e do nosso?

Qual merece a pderencia? Isto demonstra h saciedade como, no estado prescate das rela-

ç»es dos dois poderes, a naciooalidadt* politica 6 a condição pri- .

meira da existencia de uma egrclja nacional. Desprendida da leooeza, a egreja portugueza 6 desde o princi-

pio da nossa monarchia, e s6 desctc ahi, uma egreja propria, nacio- nal ; que nada tem 'nesses tempos com aquella ; e qiicl de certo não consentiria entBo, nrm consentiu depois que os reis hwpanhoes

. viessem rcgulal-a com siiiis leis 1.

Nào ha, pois, uma egreja lusitanci : ha sim uma egrejii por- tugueza.

Determinado assim o principio que nos deve dirigir ria fixaçfio

1 »crendo olhar-se esta rliiestiio como nOs olhamos, como 6 possivel com- A

preheridrr a deter rnirrxçiio de liniites ecclesiasticos de urnaegreja nacional dif- fererites dos cirib? Niio B ;~bsurdo ir filiar a egre,ja B niais antiga de todas da , penirisulr, obdecendo B id4a de eciimeiiicidade propria d'ella, e vir depois i

nttribiiir R essa egreja liriiites ecclesiastieos definidos pelos civis de uma narionalidade mais recente e que occiipa territorio diverso?

fi o que se vê em D. Thomaz da Eucarnagiio e no proprio Jogo Pedra Ribeiro. N b deve admirar que este erro se generalirnsse, não s6 porque 6 el1e de

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do comepo da egreja portugueza; d preciso agora ver desde quando em Portugal houve uma egreja portuguezn, isto é, desde quando esta fracçÁo da egreja catholica, separada da egrejn leoneza, come- çou a p a r de privilegios e liberdades, ou a estar sujeita a um direito proprio, seja qual fõr sua legitima origem.

Houve um tempo em que Portugal fez grande ruiqo com as li- berdades dc sua egreja: era o tempo de uma lucta entre o poder temporal, as pretensões da Santa Se e os direitos mnjestaticos das monarchins.

As liberdades das epejas nestas contendas em todas as nações S ~ O apoiadas do braço secular, uma arma de guerra; marcam o periodo das ambiçoes das monarchias.

L&de a historin politica dos povos europeus nos dois ultimos seculos, e ahi encontrareis este facto repetindo-se em todos elles.

velha data em a nosFa litteratiira, mas tainbem porque os Estatutos da Uni- vrrsidadc maiidararn ao p r o f ~ ~ ~ n r de direito ecclesiastit?~ que explicasse as- sim o direito da egreja portnrucza.

De muitos logsres dos Estatritos de D. JosB se vê como era pri dominante ewe prejiiizo. Bastark ler o cap. 11 do tit. 4.0 do Liv. 2.0, ~ i . ~ * 2, 3, 6 e 7.

c K . 0 2-Como o lente da Historia Civil ba de ter já e-iisinado rio primeiro anno d'este curso 08 11808, os costumes, o genio, o csracter, a rcligiXo dos an- tigos lusitaiios; e os termos e limites civis da Lusitaniu Ailtigu c motlerna; nLo ~e deterk o professor na repetiçflo d'estaa notici~s, po.to rliir sej:im tain- bem preliminares da Histor2a da e9reja P o r t ~ ~ q u ~ z a . ~

.a.a- Dar4 a conhecer nos ouviiites as proviiicias ccclesiasticas da Lusi- tania Antig:~ e inodcina: Fazendo-lhes ver os sriis r~sprctivos limites e con- fine: e as divis6es qiie d'ella se fizrram depois de reinar~m ou irnp~radorcs ehristg os...... e del~aixo dossenliores reis meiis pred~cessores; piiiicipalmente

ntifiados dos Papas Callieto i r em 116s ; Innocencio II I em 1199 ; e EiiKciia IX em 1394: e dos outros Pontifica? que iraaram os noio, 1,i~pados.i .N." 6 o - Preparados que sejam os ouvintes com estas pi e) ias iio~Ces,

dar8 o profersor priiicipio 6s I lçbs de Historir da e g r ~ j a Poi tugrirzri. Dar& pois uma boa noticia da prhgação do Eraiigellio, dri iriírorlucçb do

chri~tiaiiikmo; e da primeira fundação e estabelecimento da egreja na antiga Lusitania 8

vN.0 7.0- Far4 ver o estado da egreja portiigneza rlebaixo dos imperadores gentios, qiiando ainda nElo era p~rmittido o exeicicio piihlico da rrligi8o ehr~stli, no tempo dos christãos, e dob reis Al~iios, dos Siievos, dos Godos, dos Moriios. e iiltim~mente do9 senhores reis uriis prederc.srores..

Era o tenipo do grande esplendgr da monrircliia, do brilho dos direitos ma- Qeetaticos; e tado isto nfio existiu, l S d ~ a hi~toria, n h ~ 6 d e cxi-tir sem cstaa gmndvs epopBas e glorias tradicionaes, qtie alentam as c6rtes com as silas recordaçòes. Ha como qiie uma eonecieiicia do proprio abuso; é i i idi~pen~a- vel rsconder aob O aspecto doimrlo do pnqsado O poder excessivo dh monnr- chia.

Btae e& aa li* da historie, s grande meatra do direi& politico.

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O altar acostava-w8 ao throno para ter poder coritra as heresias e os li! r c ~ ptnwlorc- ; o tlirono adorna~a o altar com os restos dos sriic flor6ei para que não crescesse alti\l, e o quizesse suffocar re- pisiitinamente.

-40 cranair p h dos monarchas a Curia Komana ~ i á o respon- did de frente, mas ta* nã;t confessava os prcteiididos direitos O ~ i * rei*.

I : i i i r c h nós, como A facil adivinhar, C o nome de Pombal que apparece á testa d'esta cruzada.

Era o tempo do protecciOni,smo, do espinto regulamentar, que descia como uma prorideacia a todas as cousas da sociedad(b, e por toda a parte m u h a o ar 6 fecunda iniciativa do iiidividiio. Fazia-~e a reforma dos e\tud(lq, rcacdificava-se a U~iiversidadc; c o miiii~trl) cllmprehendeu que a instriicçào era um grande meio dc: f i i iiiiir mcllior as pr~rogat i \n- da corda; e nos celebres estatutos de 1772, rnonumrntos de iimn xtravagante servidáo do nhi apparece imposta ao Ieiite a obrigaçóo de descrever e elogiar tis libt~rdadrs da egreja ~)ortu,nueza, e, para nzo haver alguma ca- lbc*~a t a ~ louca de algum professor independente, que preteridesse ou limital-as, ori negal-nc, ou que se Icmbrasse de se rir d'estas vaidosas velleidades de rios prendermo< atravbs de tantos seculos aos pobres e rudes liisitarios; os wtatutos classificam, apoiitani as trcls cl;iss(~c d'essas liberdades e obrigam o lente a explanar a tlou- triria; pezada e quasi impossitrl tarefa para hoje, por falta de sub- s i d i o ~ historicos, suanto mais para então !

Vejamos este notavel documento. No cap. 2.", n.O 2 do tit. 4." do liv. 2.' define-se em geral o

objecto das liberdades da egreja portugueza. Diz-se ahi :

a2.O-E como o direito Canonico assim publico, como particiilar, ou é commum da Igreja Universal, oii é especial das Igrejas Nacio- naes, e a cada Nacão é da ultima irnportancia conhecer perfritamentc o dircitii ranonico c especial da siin Igreja: d r todas estas espccies do sol~redit~~ Direito haverá IiyGes puhlicas nos Gcraes, porque por meio d'rllas n,io só saibam os oiitintcs os cnnones universacs e cnmmiins do Direito Canonico ; mas tarnbcrn aprendarri logo o uso que d'elles se tem feito nestes Reinos ; a reteng.áo que nellrs se tem feito de alguris Cano- nes primitivos; os pritilcgios e as graças concedidas aos Scnhorcs Rcys d'cstes Reynos pela Santa Sé Apostolica ; porque d'este complexo se formam e compóem as liberdades da Igreja lusitanit e O Direito Ca- nonico proprio e o da Nacão Porti18ueza.u

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Em o r)." 9 descreve a posiçho da egreja portugueza para com a sancta Sede:

«9. Quando mostrar qiie a egreja portiiguera rcconheceu em todo a tempo o reinado e a aiictoridade dos Siimmos Pontilices, conservan- do-se semprc em uma apertada e estreita iinião com a sancta Sede Apostolica. como centro co~~ in ium da unidade da egreja e dii religião chrislã. mostrará tiimbcni o triodo e a fornia, com qiie os Pontifices (xerci1;iriim o seu poder e aiictoridade na mtBsrna cgrcxja: faíeiidn ver, que a tractíiram n io como serva, mas como filha: qiic a ol)cdicnria que por ella Ihc foi tributada, náo foi seni l , mas sim filial : e qiie si) neste sentido se podcm contar com jerdade es!es Reinos, c as cgrejns d'el- Ics entre os paizes e as egrejas denominadas da obediencia: desterran- do-se inteiramente qiialquer idfa de utiediencia, que não srja milito racional e toda digna do car.irtrr da-sancta Sbde Apostolic~i, sem qiie por modo algum se possa confundir, oii equivocar com a escravidão que a ambas as dictas rgrejas seria indecorosa.))

O n." 10 é destinado a declarar o ohjecto das liberdades de egreja portugueza, fazendo d'ellas tres grupos:

n l O . Fará ver, que a egreja Portiigueza (da mesma sorte que as das outras nay6es) goza tamlirrn das siias li1)rrdadcs. qiic sempre seloii c conservou: declarando qiie ellas consistc~iii: Pr in~o: na retencão de algiins iisos, cnstiimes c obscriaiicias ciinoiiic~is. qiie clia conscrvoii seniprct* tem dirclito tle conservar I- deft,iitier como Icgitimos por aii- Ilioridade do concilio Sicctiio, qiie os miintla girardar. Secundo: na ob- ser\;inciii tios caiioncs antigos, qiic posto sc não possa nella provar ~eríi lmente. phdc cornt.iido mostrar-se com milita eridencia em alguns pontos e artigos da disciplina antiga, e mais piira. cin qiic ella resistiu sempre constante As innovari,es posteriores, e siiccrssivas piibliearóes das falsas decretacs. Tertio: em algiins 1)re~'s. cm I~ullas, qiie foram depois concedidas á mesma cgrejn. aos bispos, aos prelados d'ella, á na- cão e aos senhores reis meus predecessores, entre os qiiaes ha muitos, que sem embargo de terem sido rc~nccdidos em L(,iina de privilegias e de graras, não são mais do que iins vcrdadciros reconhccimentos de legitimidades dos costumes e observancias que fazem objecto d'estes.~

Como estes estatutos não fizeram seriào cxpor assim em these qual a natureza das liberdades da cgclja portiigiicza, e tiveram a franqueza de dizer que cm alguns pontos, tlm qiie a disciplina se afastdra do espirito da reforma feita pcliis falsas decretaes, conser- vando a pureza de algiiris antigos ranories, n8o era facil proval-as geralmente, posto que com muita evidencia se podia mostrar em vQrios artigos; a escola ultramoatana tomou a palavra, e veiu es-

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carnecrndo dizer-&s, que todas as liberdadrs da egreja portugueza táo faladas eram p r a m e n t e chiinericaa.

Pretendem qiie a seita 'anc+bnico-gallicann, qiic no seciilo xviir i i i \ ndii ,I e rt.iiia\a eni P o r t u ~ a l e na Uriiversidadc, tinha inventado todas c w s intituldas 15 rdades; -que escriptor ncnhiim, como na Franca se fez, soqgdiou em Portugal essas liberdadcs, que o- e s t ~ t u t o ~ da Cnkersdade c8 blam genericamente c sem provar o qiic aRrrnam;-que não comta quars fossem essas liherdades alteiididas pelo concilio de . % i a ; -que se iião sabe r m que tempo a egreja lusitana rerictí. á pretendida nova discililinn das falsas decretaes, pois que tlecrctos, comquanto apocrilihos, em nada alteraram a dixiplina (Ia egrqja, como cstá projado: - que apenas conhccem o ~ k g i o da apresentacão dos hcncficios eclesiasticos, concedido aás pdroeiros, e da incapacidade dos cx- trangeiros quanto ao gozo d i s w s bencficios ; mas que nenhum d'estcs se podc chamar lib+miat!..s, antes são meras servidaes sof- fridas pela egrcja, e s6 librrdadcbs para os padroeiros; pois que a e g e j a acceita empregados que ella náo elegeu, e que lhe apre- sentam os padroeiros, ou o padroeiro, porque hoje todos os pa- droados se acham reunidos no padroado real ; - qiie egualmente alpiimas concessfics, feitas pelos pontificcs Acerca de assiimptos de disprnsds matrimoniacs, tambrm nfin são liberdadcs, porqiie 6 o diroito commum das epe jas do rnundo, que, pelas distancias a que se acham da S6 Jtomana, pedem c s ~ privilegio, o qual de mais a mais o romano pontifirc podc retirar, quando julgar conveniente; -que as conhecidas concordias ou concordatas, cclrbradas pelos reis e clero, 1120 iiistifiram nrrihiima das pretendidas liberdades, e que, quando justificasscsm, não poderiam ter o merecimento que Ihes querem attribuir sem a approva@o da sancta Sé, a qual n8o s6 não têm, ma4 lhe foi ruprrqsamente negada pelo breve de Gregorio x i i ~ de 25 de abril de 1574'.

.tporn se coml)rehcnde a razão por qiic acima falavamos no pe- rigo que corriamos, por não ter airida escriptor nenhum compen- diado d'estas liberdade.

1 Veja-se Direito Cii.il Eccl~siasfico hradeiro , Tntrod. rx, psg. ccxv~t e s c g u i n t ~ ~ , por Caiidido Mrnr1i.s de Almeida, Rio de .l.itieiro-lfi(;(i

E:.tc l i \ ro, escripto cin 1864, 6 1):cstnntp euiioro por viias ol~iiiifieq ftberta- ireirt~ iiltrlimontanas, e p ~ l n critica qiip faz r i :ilgui~s de nnssos míiiq sahios aiirtnrei. cntre elles ao grande J11,llo Freire, de quem fala bem pouco li- songeiiaiuente.

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Rem sabemos que lá esth na Carta o beneplacito regio; mas, como abaixo veremos, este recurso nada cons~guirfi, quando as li- berdades nfio estiterem conhecidas e emquanto se n8o podhrem fundamentadamente allegar.

Vamos mostrar como as pretens6es da escola ultramontana sBo infundadas, como cíkctivamente existem liberdades na egreja por- tiigueza ; seremos o mais breve que nos for possivel, porque n3o B cssc o nosso principal intuito, e porque nos levaria muito longe fazer aqui O resumo P a demonstrnql~o de cada uma das liberdades nos variadissimos capitulas e artigos da disciplina.

Kemontemos um pouco mais alto e vejamos o estado da egreja leonesa ao tempo d'essa srparayRo no seculo xir.

Desde o scculo 111, mas principalmente desde o iv secrilo, co- mecam os concilios já provinciaes, já dioccsanos, já nsrionnrs das egryjus gothicas da peninsiila. No iv sr~ciilo retine-se o primeiro concilio geral que se coiihece: é o c e l e h r ~ concilio de Elvirn. Ate este tcmpo a egrcja da peninsiila niio tem um Codigo seu; mas o grande respeito pela tratlicào e pelos canones mais vrnc~raveiu bem depressa o fez apparecer 1.

D'aqiii por deante parece que as egryjas hespanholas conhece- ram c adoptaram o antigo codigo da epreja romaria. que continha os canones dos concilios orientam de Nicea e Sardica cle que s6 ueavn a egreja romana. Accrcsccntado com os cationes de Elvira e Saragoça, decretacls dos bispos de Ilespanha e dc Siricio papa a IIimerio, bispo de Tarrogona, formava o seu codigo particular e. A corifusao a respeito da versào dos antigos canoncs, sempre tno re- verenciados pelos bispos da peninsula, deu causa R nova collecçfio de S. Martinho de Diimrs, depois dc Rraga, pela qual se govt)rnou a egre,ja tiespanhola tio vi seciilo, sem corihecrr, ao que parece, o Codigo de Dionysio, já entõo promulgado. No vil seculo apparece lia Hespanha a terceira das collecções maiores da egreja occiden- tal, o Codigo de S. Isidoro de Sevilha, que 6 tamhcm o Codigo proprio d'estas eprejas. Depois vem o scciilo vii i , que 6 nno s6 o seculo das falsas decretaes, mas tambcm da invasâo musulmana.

1 Hispeiiieneis Ecclrsia a ptima, qrtrre illi rtiulsit, Evangplii luce, Ssncto- rum Patrurn, verierabilirimqor Coiicilioru,n dccieto in maxiinx hahuit obser- \,aiitis sunvurnque trriditiooiirn fuit ietin~iitir;bin,a. I). Thorn. Disscrt -@w nam cnaonum codice tcsa est Hispanir9tei.v E'wLrsia ar1 saecirlum nsgue o c t a m * prg. 2, á testa d& edição do Vetctus C a n o n C o d e a Ecelesiae Lusrtanae, 1764.

2 JoBo Pedra Ribeiro, iiianuscripto citado.

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A egrcja hespnhola, como todas as midentaes , resiste des- egualmcntt. c ,i supremacia dos papas, mas p r fim t! ~enc ida por ella. Toda a pureza, pois, dos antigos cano- dcapparece nesta cgreja, t8o amante d'ella ; e os esforços contintos e perseverantes dos papas acabam aqui, como em toda a parte, de vencer o epis- copado e os reis 1.

'1 invasão do islamismo, embora geralmente tok r r -e a rt~li:iao ( ' i i 4 3 , fez comtudo muitas vez-, como diz um escriptor. í j i i t s as ?itS4 ficassem sem bispos :fi l>ispoc rrni di. &ta r~tnliiq;io, I I U ~

remodelou os costumes e linpa da pinab, impediu ainda ni,iis a consclrvaqáo da antiga disciplim, e ta aan qw &I só no milio de tantas calamidades o aiixilio de Roma bzae muito app~itnc i ' * I ,

mas qiir tamhem, quando os mueiilmanos se r c t i m m da pcn 1 1 -

si11 I . o- 11" i 5 com seus Irgados firmassem mdbor o ma prima(lo. E ;i-- ni (yue, se antes do seculo \ i i i os egrejas bmpnbolas t6m

lit)c>rdatlcs justas, e tanto mais rrspeitateis, g9e e prendiam no onior pcllo aritigo costume c \(.lhos cannnes, que 0 m p r e citado concilio de Nicea tanto recornrncndara ; tambein depois do seculo x ellos tem-nns p ~ r d i d o qiiasi intcbiramentt..

,\ nossa egreja nasceii, destacou-se, r.-% d quc l l a s e m j a s dos primriros scculos, mas das novas egreja- ir'c- e restauradas, tfn rnon,irchi,i nco-gothica das Austurias: e dia d o berdau libcr- d ;~(~t ls algumas d'essas egrejas, pobrrs de i ibddes.

\:lia s6 trouxe comsipo, 'a cingir-lhe i pmtr;t;L cadeia pc- sada do primiido de RomaP.

De um facto que anda intimamente Ii:& m ~iosra eman- cipaçáo politica brotou a sua primeira I i f d k $=

A primazia de Toledo hctava com a de kp, a rqaella pre- tendia submetter ao seu jugo todas as cL -1s. A st? bracharense resiste toletana com tanto ala, g.L q e z a r de

1 No eeculo xr ainda ue conservam, no que p r r q n* da -tira diq- cipliiia, porkm si, em consas directa e unicsmmta mia- .o ssrvigr, tio ciilto e nho rcipcctivris 6 parte politics dn p w m ~ d a G-rio vir, de nrcordo com 1). Affoiiso VI, Q ci i~tx de miiita t a - % e n m e intioduzir os nfiicioa e liturgis romana; c~nscrrando-$e em e-. ainda parte doe aiiticoq ritos, como, no tempo dc J. Pedio Ri& o tsteinunho d'este escriptc~r, era ainda gli~rdado na ecleja de k!? veja a pag. 105 do citado mun~ls~~ip to , n . 0 9 e 13.

2 Rej~itamos poiq a ciuctoridade dos ccncilion ds Luoihnia e da He~panha g~thica, como foiitt? do direito da egrejs p o r t u p w , e @-te todos esse8 codigos particulares das velhas egrejas da p a i s

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aquetla ter obtido a declaração e confirmacão da dignidade prima- cial das Hespanhas pelos papas Urbano x, Lucio 11 e Eiigenio irr , comtudo ella separa-se com Portugal, e, indeperidente em a nova egreja, desconhece o poder d'aquella se, a despeito das bullas dos pontificcs 1.

Todavia este facto esta tão ligado, tão confundido mesmo com a nossa separação da monarchia leoneza, que por isso, talvez, a ningii~m avultlira ainda, antcs de nós, como tima liberdade e li- berdade preciosa da nossa egreja.

Isto e suficiente para ver a egreja de Portugal com vida pro- pria, uma verdadeira cgrrja sui juris, particular, nacional, egreja portugueza.

filas, se este acontecimento concorreu, tão poderosamente, no . apparccimento da nacionalidade portugueza, outro acontecimento, egudmente coevo dos nossos primeiros momentos e prendido ao nosso berço como protector de sua liberdade politica, veio obstar ao desinvolvimrrito tlc novas lihrlrdades :

Foi a ccllchrc stibrnissão cfc Affonso Henriques ao pontifire ro- mano, fiicto 180 bem explicado pelo b~nemeri to historiador dos primeiros dias do nosso vivcr.

Sc as circumstancias sociaes da meia cdadc tinham sido a causa da homenagem prcstada á se apostolica pc4o filho do conde I$orgonhez; a posição politica do papado foi a origem de grandes dissctisões, que agitaram os primriros reinados dos nossos rcis.

O poder do clero era gigaritcsco 'neste momento; esse poder

1 Veja Alexaiidre Herciilaiio. Hist. de Port., tomo 1.0, liv. 2.*, pag. 351- e as epistolas ahi citatlas de Eiigeiiio Irr .

Eis iim exemplo vivo t l o ~ I I I , acirna rlissemoa, qiiarido eecrevnrnos que o eleineiito da nacio:ialitladc cra a causa do apparecimento da egreja parti- cular nacional.

Pois, como havia I%i .ny~ cnritinuar a pertencer 9. egreja hespanhola e por- tanto ficar sujeit:~ ao piiiritiz d~ Toledo, primaz das Hespcliihas, se d'esta fórnia todos OR bispos (11: I'ortiigal seriam obrigados a ir 808 coiicilios tole- tauos, que eram t:tinhem assemblêas politicae, e depois coa~i.iclo3 a executar .essas leis e respeitar essa primazia dentro dos limites do novo reino de Por- tugal ?

Eniquanto a egreja riào purificar a sua disciplina e de todo perder certoa sonhos e despedaçar certos principias incompativeis coni o progresso e futuro do muiido, hào de eenipre existir estae luctss e dissetis0eb; e acabarem an- tes d'aquella reforma, coitada da egreja, qtie ser4 esçie um tribte akoiiro para ella !

Nlo nos entranhamos aqui na dificil e ciirioscl questlo da primazia daa Hespanhas, ainda hoje peudente, porque não é este o nosso objecto.

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fi~zia-o tima das classes pocirrosas e influentes dos estados; e agora o primiido dos pontifices, 1130 só rccorih(~cido mas impetratlo, dava- Ihc c i i t r r 116s nova robustez e indcpendenoia altaneira no meio da \i(I; i 1101iti1.,i de Portugal.

. t c . , ! i i ~ i i i l e ~ ~ c d e n t e r soberano, o clero n8o sc podia dizer \ i~rdatl(,irci iiiente naciooal ; a v e j a portugucza quasi niio existe iitb a o ti,ii!jio da primeira c~~ncordata .

As eoiicordias, ou concordaias, são a segunda fonte das liberda- des, ou do direito particular da eborejn portugueza.

011 havemos de 111r ria libertay80 da egrcja bracharensis do pri- milzia toletana a primeira liberdade da egreja portugueza, e com ella o primeiro dia da existcncia d'ehta egreja; ou ha~cmos de marcar no seculo xitr o apparecirtiento da mesma egreja 1.

Sc a+ coricordatas tiveram a sua razão de ser na iriílucncia pre- 11oteiite du clero e dc Koma, o placito regio, partindo da mesm6 fonte, vciii acabar com cssa influencia. E m nosso modo de ver a csta tima (tas mais brilhantes liberdades da riossa egreja. Uma bulla a que se negue o benepelacito é iriexrqiiivel ria egreja portugueza; esta c g r ~ j i ~ tcm assim atlquirido o direito d~ caniirihar em selilido opposto dos mandados de Homa, quando abusivos, e quando preten- dam dcsluatrar i1 indeperidencia da naçiio. O serilimciito de rcpulsa contra cbss;i5 bullas, que se deve levantar em toda a naqõo, nào po- diii com jiistiça cercear-se no coração do clero portugriez, que tttm tíimhein uma patria, um pundorior nacional, como qualquer outro cidadào.

Mas, dir-nos-30, o breve- ílxponi nobis-de 25 dc abril de i574 não terá acabado com o regio placito, com todos os privi- l eg io~ e liberdades da egreja portiiguezaf

Não podemos dispensar-rios de dizer duas palavras a respeito d'este importante documento.

Nos fins do seculo xvi fez-se em Homa tima I~ulla, que come- çilva por lembrar urn dos factos mais rcspeitaveis da chronica do martvr do Golgotha; essa bulla, por um acaso terrivel, chamou-se, como todas as bullas, com us primeiras palavras de seu corpo, a bulla l n coena üomini, e comtudo, não ha documento mais repu-

1 Acerca de concordias vrja-se Gabriel Pereira de Castro, de Manuregia. P. 1.I - Jod Ariastncio de Figueiredo, Synopsie Chronologka, torn. 1."- Mello Fit.irc, IIist. JILI-. not. aos 59 47, 513, 68, 71, 83-e Coelho da Rocha no seu Ertsaio sobre a historia do youerno e da Zeyirlapão de Port,llyd.

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gnante em todo o bullario romano, em todo o corpo das d r c r k taes.

Esta bulla produz em quem a I& um effi.ito singular; ora con- vida a despedaçal-a, indignado ; ora excita o riso, com o seii exag- gero draaiatico. Nào tPm numero atti~igivcal as excomuiihões que ri'ella se lulminarn; e do seu texto se coricliie que, oii as naqões háo de depdr aos pés tlo Siimmo Poniificc e do clcro inteiro a soberania p l i t ica e a liberdade indibidual; oii todas ellas h80 de ser arrerncssadas para fóra do seio da christaridadc pela força do anathema.

Pois, apezar de se publicar, de se espalhar c introduzir em to- das as nações da Europa, apezar de nenhuma lhe obedecer, nem as nações foram coridcmnndas h heresia, nem o domiriio do clero se engrossou com a escravidão dos povos.

Não nos admircmos d'isto : é a condic;'io de tudo o que não cabe nos limiies do possivrl. Nem as ~iayócs sc podiam siiicidar, sacrificarido-se h thcocracia monstruosa; nthrn a tyrcbjíi romana poderia accerider seus raios, porque fiilminaria o catholicismo iri- teiro.

I'or toda a parte se iritroduziu subrepticiamrril(1 esta celebre bulla! porquc tara quasi geral o uso do placito rcgio, que Ilie im- pediria a entrada e divulgaçâo, se fraricarnerito e dcscobcrto se apresentasse. Nada se conseguiu, porqiie, assim que correu em publico, levantou-se uma tal indigriação! que em pouco tempo lhe roubou a auctoridade que queria conquistar.

Na alta Allemanha o imperadar Hodolpho 11 oppoz-se viva- mente á publicação d'esta bulla ; no electorado de Mayence o ar- cebispo eleitor prohibiu que fosse publicada na sua diocese e nas terras do seu dominio temporal

Fillippc I egualmente n impediu, sob graves penas, na Hes- panha, nn Italia, ria Sicilia, em Napoles e nos Puizrs-Baixos; ((11- déclare, diz um historiador 1, qu'il ne souffrirnit pns qu'on lui put reprocher d'avoir laissk diiniriuer par une IAclir coiidescendance la digiiith<1(. Ia courorinc qu'il tciiuit de ses ancPtrtss ct Ics forids du trksor de ses ktats.))

E m alguns logarcs ate o proprio clero a nâo quiz receber; coirio se passou em Flandres e no Brabante, onde os prelados n to ac-

1 De 'l'hoii, Histoire UniueraeUe, tom. v , pag. 512- Londres, 1784,

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I

cederam 6s instancirr do num%, BaLirogbo. que lhe pedia a pu1)licaçbo da bulla nas suas diocese'.

A França fez mais: mandou-se p romkr r im+ções a respeito dos iritrotluctores da prrigosa bulla, e & toibs a arcebispos, bis- pos c viparios, que a tiriliiim acceitado c publicado, mandando-os vir cm pessoii á preseriça do Parlamento para reqcdrern no recurso !I cor0a i u competente procurador. Foi isto pelos a m o s de 1 580.

Como 18 fóra, entre n6s o m m o se pretendm coasl.:uii. c as maquiiiaçòes jesuitic,as assim e obtem no a n w de 1575. .\ $ppo- siçao, o estrondo foi íh p n & a p a r do miseravel estali., I :, i que jazia Portugal nestes tempos. qw a p i t a s em muitos it,g,ii.~>s se viram obrigados a fugir, corrado e perigo de serem al)t.tlrr:indos.

Dn parte doe podaes, pors, iPo Imre um rompimrrito iiltivo, que teria evitado difficuldrder O infeliz moço, que presidia i10 go- verno da nacào, fez submissmmte considerar ao papa que na bulln, que se lia em Roma na quda íeira da cêa do Senhor, pa- reciam vir alguns capitulas offensiros dos privilegios e Icis de que ha rriilitos aiirios Portugal usava, rem opposiçào da sancta Se; e quasi humilde Ilie siil,plicava que quizesse, com a beriigriidade apostolica quc o illumitiiiva, declarar que essas leis e privilegios nào iam cornpreherididos rias condemnaçòes dor artigos da bulla ln coena L ) o ~ / ~ i r r i .

O poritific~~, lh~tito srr i , envia em resposta a D. Scbastiào o breve - Exponi rrobis- dc 25 de abril de 1574, no qual mais de urna bcz se encontra a plirase que se arrasla conio a serl~enie.

Ahi Ilic poridcra que, muito gostoso, queria corivericer-se dc que existiam taes leis e privilcgios; mas que, de todas as allcgaçòes do rei, nada podkra coinprc~lierider, e que assim lhe pedia quc bre- vemente procurasse remelter-lhe as coiicordias, conlirmaçbes, Icis e privilegios dc quc lhe Salavir; e que tio entretanto, desejando em alguma parte satisfazer aos rogos do moiiarcha, quacto coin o Senhor podia, lhe permittia e coricedia que elle e os seus juizes e ministros podessem usar das referidas Icis assim como ate agora sem controversia o tinham feito; não sendo em coritrario dos de- cretos do concilio de Trento, e isto por espaço de um anno '!

1 Copiamos, por muito interessante, e integra cl'este breve. A traducçiio 8 da Ueducç. Chrun. p. ir, demonst. 6..

Ao iiosso carisnimo filho em Christo, SebiistiQo, illustre rei de Portugal, saude e beu@o.

Vossa magestade me fee expor que ha pouco tempo tinha chegado B sua

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Tal era o estado de humilhação a que chegára a soberania dos nossos reis !

Sr h o j ~ seria mui difficil e demorado trabalho fazer um codigo das liberdaclc~s, corifirmações e privilegios do nosso reino; como poderia brevemeiile, quam pri lnun~, rio espaço de um anno, fa- zer-se essa compilação nesses trrnpos desgraçados e sob a influen- cia jesuitica, que piimeiro procurhra introduzir a bulla perigosa?

E, quando se podesse fazer, [ião ia d'eslc modo pedir-se ao papa nào s6 a confirmaç80 dos privilegios, mas das proprias leis do reino, dos assentos das côrtes, de toda essa herança legislativa dos predecessores do rei dcsverituroso ?

Que abysinos se abriam sob este simples acto da chancellaria ro- mana! como d'alli se zombava da paz das nações e do direito da humanidade !

Esta opposição vivissima dc toda a Europa, cujo estrondo vi- nha ate 130rtugal, a guerra religiosa na Frunya e nos Paizes-baixos, desviando, a attenção e csliiando as intençòes do papa; interrom- peram esta contenda deixando-a pendente. A biilla continuou a ler-se em Roma na quinta feira da semana siincta, e as excommu-

noticia que algun~as leis dos seus reinos e alguns privilegios concedidos pela S:! iiposttolica 'a VOHSZL Jliigcstade e aos seus predecc~sorcs, pareciam deroga- das, olhsiido-se para o tlieor das palavras coritidas rias ConetituiçOee a p s - tolicas, que so costumavarri publicar em quinta feira da ceia do Sculio~:

Qric isto nào s6 inseriagrave prejuizo B sua real ji~iisdicçào, maa que essas leis c privilegios se ii:io podiam derogar seiri maxiina perturbaçâo da paz e traticti~illida~-ir e da coiicordia debaixo da ciulrl os estados ecclesiaatico c se- cular têiir \ i \ i110 atB agora:

Oue. i~osto ciiie V. AI. vossa considerar que as dictae leis estabelecidas " , . pelos reis seus predecessores e observadas pdo estado ecclesiaetico, umas ha mais de ccnt, outras h:& tnaia de duzeritos aiiiios, para comporem e fazerem cessar as U I gentes qucstUes e coiitrover~ias qiie houve naquelle tempo e fos- seiii pioiriulcsd is para conservar a paz, e dlgiimas d'ellae corroboradas, fei- tas r iiitroduz~das com auctoridade apostolicli:

Posto que os dictod privilegias foraui coucedidos com justas e legitimas causas iiiuiia exibtcutes :

Posto que tairihein se deva cotisiderar yiic as referidas leis e privilegioe d o podeui ser teiitleiitcq e iiitcrpretadas para oEenba e diminiiiqho da liber- dade ecclesiastic:~; rnas se dirigem ao serviço de Deus e ao beiii 11ublico de seus reinos e dominioa e 4 conservagao da paz ciitre os sobredictou estados :

Posto que O uso das dictm leia e privilegios sempre foi recebido e prati- cado at6 agora pacificamente sem escandalo doe povos e Q vista dos nu icios apostolicos iicsaeu reinos, e com sciericia e pacieticia dos inesmos nuncios :

E pusto que V. M. julgasse que as dictas leis e privilegios de nenhuma

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nhiies nâo pararam de chover sohrc as nnçôes do mundo por eficito d'ella.

Quatro annos depois realisa-se ;I infeliz expedição arricana, e Portugal continua prcsa da superstic;tio e do clero. Este esqueci- mento, esta fraqueza na dispiita com o papa, s6 aproveitava á propria se romana, e ainda em 1634 pesava na consciencia da camara de Lisboa o não ter exceptuado do real d'agua a classe clerical, chegando a impetrar a absolviç80 das censuras, que cui- dava ter chamado sobre si 1.

sorte haviam sido comprelicndidos na referida hulla da c h . nem fora da nossa inteiição, ou da dos pontiiices romanos nossos prrdeccssoit~+, revogar si- milliantes leis e privilegios, ou impedir o uso, oii execuç%o d'elles.

Comtuclo, pela atteiiçgo que V. M. uos professri, e pela reverencia com que olha para os iriandatos da SB Apostolica, e iiossoa, jiilgou que era licito e de- criite coiisultar-nos eobre o uso das dictas leis e privilegios. Por cuja caiisa riou fez sripplicar, que com oa referidos fiiritl~iiientos dcclaras~einos que as ( l i 1 t:i\ leis e lrrivilegios nàoeiam comprehcndidos na bulla da Cêa do Senhor, c111" s(. co~tur~ia ler; e que se a V. h3. e aos seus rninistros era licito usar d'elles, da mesina sorte, que o praticaram os reis seus ~redcc~saores e os seus minis- tros, como V. hl. hii pouco fcz tleieriniiiar e tlcciiirai: E qiie rios digii:isscrnos atteiidrr patcriialmeiite coui :i Uc~iiigiiiclade Al>a,-tolica J 1,az c trrinqiiillidade dos seus reirios :

Comtudo, nem qric pelas letras deV. hI., nem pela relaçào que em seu nome nos foi feita, podc~s~twios entender o que se acha precavido pelas dictas leis e privilegios (posto qiir ali88 o nosso miimo seja propeii~.issinio s agradar a V. M.), não podéiiio. ~)rrauatlir-nos a spproval os, p~iiicipalmente quando se tracta (IR ~ a l ~ a ç i o 1 1 ~ s alinas (!), dos quaes privilegios e leis ri%o temos noti- cia; porque se a tivessemos, o mesmo que agora nào concedemos a V. M., tal- vez l l r ~ i150 denegariainos.

Em consideração do que, exhortamos a V. M. para que brevemente procure remetter-nos a s dictas concordias, confirma~Ges, Iris r privilegios; porque sendo por nós vistos, e com nosso pateriial aífecto poiitlerados, desejaremos proceder com aquella razão, com a qual fique atteiidida a segurança da sua propria eonsciericia e dos seus vaasallos. e a traiiqiiillidade dos seiia reiuos, e nos mostraremos tho benevolos com V. Bl., que se n8io arrependa de nenhuma sorte de sua piedade e ohedieiicia a Nós, e a esta Saocta 88 :

Entrctanto, desej.irido nós satisfazer ern algriina parte aos rogos deV. M. quanto com o Senhor podeinos, pcriiiittimos c coriccdernos que V. hi. e os seus juizes e ministros possam usar das referidas leis e privilegios, e ~~rocecler, julgar e executar na conformidade d'ellas e d'elles, assirn como atb ngora o yraticuram sem coi~trovelaia, nâo sendo em nosso desprezo e contra os decre- tos do sagrado concilio, por tempo de um anno e o mais tempo que drcorrer ao nosso beneplacito e da SB Apostolica, som que ha-jnm de incorrer nas cen- suras da dicta bulla que se costuma ler no dia da cCa do Senhor ...o

1 Leia-ae a Deducção Chronologica, P. I.., Divis. 8, 8 305, e P. 2:, de- rnE.'p.;; &26e e. .e g uintes. bulla excommuiigageralmente os que desobedecem &s ordens do

papa. O cap. v manda :

10

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A historia das relaçoes da egreja portugueza com a cdrte de Roma desde o meado do seculo xvi até os fins do secul:) xvii C bastante agitada, e interessante. Levar-nos-ia porem m ~ i i longc a sua narração; para nós importa-nos saber sómente que, se o monarcha tinha cffcctivamente feito depender da approi;l~?io do papa a legitimidndc das liberdades e privilegias da egrejn portu- gueza, C tambem certo que a cgreja de Roma nunca a considerou depois d'isto como schismatica ou heretica, continuando a eriviar os nuncios e a communicar com ella.

Quando se tracta no tempo de Pliilippc dn nova compilaç50 das Ordena~ões, Jorge de Cabedo, um dos compiladores, dá noticia de lima concordata de 18 dc Marco de 1578, entre D. Sebastiso e a curia romana, cuja doutrina revoga a do Alvarli de 19 de Março de 1569, que tinha entre nós admittido sem restricçõcs os de- cretos do concilio de Trento, por toda a parte mais ou menos re- pulsados pelos moiiarchas.

H a grande disputa entre os realistas c os ultramontanos'Cicêrca (Ia legitimidade d'este documento, que alguns cr4cm forj;itlo I .

For,jndo ou não, O que este facto prova é a nccessidad~, qiicb

critão havia, de mantcr as liberdades da cgreja, embora como arma clcí'ensiva contra Homa.

.Item, excominunicsmus et anathemati.;amus omiics, qui in terrio nova pe- dagia, seu gabellas, praeterquam in casibus sibi a jure sei1 specinli Sedis Apostolicae licuiitia permissis imponunt vel augcrit, seu iinponi, vel augeri proliibita cxiguiit.~

Josepll tle Maistre cm um extravagante capitulo Acerca drr bulia In cnena I>omirai. do seu li~ro-Uupape - commcnta da seguinte maneira a t o artigo 5.0 da bulla :

aEii preiiaiit dans chaque btat l'impôt ordin:iire comme un dtublieermed It1,yycll, le Pape décicle qo'on iir pourra rii l'aupmenter ni en étcrblii. denouveanx, hors les cas prhvus par Ia loz' natio,~ule, oii daiis les cas irnprdvus et absotn- inent extraordiiiaires en veitu d'uue dispense dri Saiiit-Sikge - 11 faiit, je Ic clis ir ma graude confusioii, qu'h force davoir lu ces infamieu,

J e me sois fait un front qui ne rougit jamais ;

car je les transcris sans le moindre mouvement de honte et r n k ~ M *, a'Z me sernble que j ' y p r e d a plaisir.. 1 O jesuita Fraiiciuco Soares, o mcsino celebre Sosrcs, theologo hespanhol,

que foi professor da Universidade dr ('oirnhra, coritestori ri existciicia e ali- ctoridade das concordias em certa di.l)iita que teve coin Oahriel Pereira de Castro, o auctor do Tractado de J L « . , I I I Ilcgiu - a qii:il coiitioversin este LI]- tirno fez estampar sob o nome de blonomxchia, que corria impressa ao ternpo (Ias celebres dissensões com a corte de Roina no reinado de D. Joâo V, que por fim a mandou recolher para nào irritar os auirnos.

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Esta ií~iil~iidii, que Iioje ainda renovem os seetiirios das dcs- medidas pretcrisbes dos poritifices, é porem perfeitamente inutil ; porque, falsa, ou 1180, a doutrina passou para variou titulos dos livros 1.' e "L0 da Ord., onde recebeu toda a força e auctoridade de lei.

No tempo cle D. Jose I, José de Seabra da Silva, elaborando a Drducqao Chronologica, e combatendo largamente a bulla da C&a, lembra-se de uma consideração, que devera desde muito ter sido feita para socegar os espiritos, a quem pezavam as censuras d'aquella bulla.

A bulla da C6a n2o podia ler effeito algum entre n6s srm a sancçào do beneplacito regio; em seus capitulas ella acabava im- plicitamente com garantia tUo preciosa para esfes tempos: 6 ver- dade ; mas neo o podia çonst.guir sem a regia apltro\açáo, que nso teve 1.

A cgrt>ja portugueza ngo soffreu pois a diminiiição de uma só de suas liberdades por effeito d'csta hullii; iirm a sollicitação de um breve, que declarasse cxccptuadas das disposiçaes da bulla as concordias, leis e privilcgios, nada pbde conseguir, porque estava pre- judicada pela falta da saricção do hencplacito; scwdo, como 6, certo e observa Seabra da Silva, que 'nessa sollicitaçiio se deve ver o qiic ella realmcrite representa, que b. um meio polido de rcpiilsar a bulla c ricbgar-lhe o regio placito, como se pode ver do mesmo b r e ~ e qucs c o ~ ~ ! ~ i (> repete as allcgaçòi~s do monardia.

Isto ei (i fiei Crn uma opirii;io, que s6 tinha a força moral, que lhe vra propri~i; riao büstava, e por isso nao tardou a C. de L. de 2 dc abril de 1768, negando expressamerite o beneplacito a essa bulla.

A lei, depois do preambulo costumado no pomposo estylo jo- sephino, determina em o g 2 . O :

u2.O Determino que todos os exemplares que até agora se têm in- troduzido ou estampado 'nestes reinos e seus dominios das sobredietas hullas da Cha, dos quc servirão dc base aos Indices Eupurgatorios, dos mesmos Indices Expurgatorios c das mais prohibiçóes de livros que de- pois d'elles se introduziram nestes reinos, nulla c espoliativamcnte sem preceder para a publicacão d'elles o Iicgio beneplacito, sejam e fiqiietn inteiramente supprimidos como obrepticias, subrepticias, e de nenhum

1 Deducgão Chronologica, tomo 2.0, demonstr. 6.1, 9 79,

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vigor desde o seu mesmo principio para produzirem qualquer effeito, o11 prestarem algiim impedimento ao que se tem julgado e julgar pelos meus tribunaes e magistrados em observancia das disposirõrs dos Direitos Natural e Divino, dos Assentos das Cortes estabelecidos pelos Nossos Senhores Reis, meus Gloriosos Predl cessores, das leis patrias, dos an- tigos e louvavcis costumes d'estes Rcinos, e das Concordatas entre elles e a Sede Apostolica, os quaes Direitos, Assentos e Leis, costumes e Con- cordatas excito e con/irmo (no que necessario for) em f4rma eqeci/ica, havendo aqui lodo, e todas por prezentes .... para que se fique guar- dando e obsenando iiiwiolavelmentc o seu conteíido táo cumpridamente como nelles e nellas se acha ordenado e declarado, sem minguamento, alteração, ou diminuição algiima, por menores que sejam 1.n

Tal era o vigor, a grandeza, que este rnonarcha, embora ornado do Siimmo Imperio cesariano, sabia commuriicar com suas leis ao brio e existencia dc Portugal.

Mas, quando aquelle breve tivesse realmente annullado e redu- zido a p6 as liberdades a que se refere; quando esta lei não ti- vesse vindo excitar com sua força o passado e desfazer o que es- tava corisurnmado; ainda assim a egreja portugueza continuava liojc a existir depois da Carta constituciorial, depois do rcgimen libcral do nosso dircito publico. Seja qual for a extensâo, que se queira dar ao poder politico em virtude do artigo que dcclara continuar a ser a religiào do estado a religino catholica ; scjn qual IBr o modo por que se cornprehenda o uso do bcneplacito e dos ílircitos de pndroado; o qiie é certo é que o direito ecclesiastico portiiguw, fundado agora nesses artigos da lei fundamcntnl, esth 1)erfcitamente irivulneravel com respeito aos rilios partidos (li] bulla da Cka, ou de qualquer bulla pontificia. Foi a nação, a maioria d'clla, catholica e reverenciadora do centro da fé da sua rcligino, que promulgou essa lei, que desejou submetter-se a ella, que obriga agora riao s6 a maioria, mils a todos os portuguezes, a todos os clerigos, a todo o episcopado, que é portuguez c siibdito pacifico c tão responsavel como qualquer leigo, e tanto mais res- ponsavel, quanto aquella 6 a lei fundamental do seu paiz.

1 Nos $5 seguintes esta lei manda que dentro de 3 rnezes se apresentem nos logares que indicaos exeriiplares das bullas, declarando iricursos na. real e grave indignaç80 do monarcha, nas penas de copfiscaçâo, privaçào de natu- ralidade, e sendo eqiiiparador, aos que offeiidem è conspiram contra n regia magestade e ruina dos seus reinos, e tidos coi~io perturbadorcs tlo socego pu- blico, os que desobedeceroni a essa lei. Veja tambem a C. R. de 16 de maio de 1774.

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Isto não se discute, nem o episcopado portuguez jámais, assim o acreditamos, se lembrou de desobedecer aos artigos da nossa coristituiçáo, para alcançar qualquer bulla perigosa, romana e não catholica.

Uizvrníll,~, pom, e dizem-nos os ultramontanos: -o de que \o, falaes, não são liberdades, sáo servidóes, puras servidões; - serão liberdades para os reis, mas tomam-se em verdadeiras ser- vidões para o papa.

33 o ultimo recurso da discussáo theocratica partidaria; A uma quest3o de palatras 6ca. uma distin- tbeologica vã.

Xão poderemos nos dizer tambem qoe as que vós chamais librr- dadrs S ~ O 51~vidcka para a oação poitu,peza? e porbentura cm i i i i i , i ii<i~;io -ao ró catbdicar os clerigos, e d'estes aquelles qiic LCrii o ~icris~metito alienado alem dos Alpes ? Quê? pois a egreja nacional portugueza é formada dos poucos clerigos de sentir ultra- montano ?

Triste egreja, se assim é ! E se não (: assim, se foi essa mesma nação q i i o \otoii, qiic quiz

aqucllas leis, p6de de alguma maneira clinmar-sc * t ~ r \ i d ~ o o dirtlito estatuido por ellas ?

Se ha ahi uma servidáo, somos todos nós serios, porque aca- tamos as leis e nos sujeiiamos a ellas: e esta 6 a nossa felici- dade, sabei ; porque não csquecemos o que nos ensinou o grande philosopho de Roma : ((Servi legis sumus, ur libri esse pos- surnus. ))

Podem negar, se querem, a harmonia de uma egreja nacional com a egrclja catholica romana; mas o que náo podem negar 15 a existeiicia d'ellas, fiicto in~eciisa~el, acceito pela Sancta Se, que, apezar de protestar contra as liberdades d'essas egrejas, apczar de as suspender, de as condemnar, tem coiitiniiado, á face do christianisrno inteiro, a chnmdr a umas christiai,issimas, a outras as mais ratholicas, e a nenhuma rcpiitoii airida como schismatica.

I? que o caracter das lib(srdadcs das egrejas consistiu sempre 'nesta opposição constante ao direito geral ou 6s pretensões do papado, na maioria dos casos a despeito dos protestos e condem- naçbes mesmo expressas da Sé Apostolica; a differença toda esta em qur estas naçbes não são hereticas, nem Roma as tem podido assim chamar; porque este disscntimeiito as vrzcls coincidc com o

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direito verdadeiramente catholico. e em todos os casos n3o ataca a disciplina fiindamental, nem o dogma 4 .

Outr'ora era o rei que representava a naç8o; os direitos da cgreja portugiieza, nascidos das pretc:risões dos reis, eram como que nascidos da mesma naçao: como qricreis eritao cliamar-lhcs servi- dào ? Servida0 pnra a egreja ? Para que cgrr-ia? para a portu- gueza? 1180, que era ella que os estatuia. Sclrvidão para a egreja catholica ? como ? se estas liberdades se nào impòcm n outras egre- jas, e para a propria são liberdades e não serçidòcs? Servidão em rclaçào ao papa ? embora ; chama(.-lhe assim, se qucreis ; mas qiicni diz liberdade, diz implicitamente direito a respeito de al- guma cousii, e por isso obrigação (servidão, como dizeis) da parte de alguem de o acatar.

E ho,je mcnos dulidas podem ficar a cstc rc~spcito, porque Iioje 6 real, nào ficticiamcrite, que a nagno, qiic o clero portiieuez, que sc deve saber e dcst*jar portugiicz, as promiilgou para si no acto solcmrie de sua nova constituiçao politica.

E se fostes v6s mcsmos, qilc quizrstcs a constituição politica e lihcral (porque quem não acceita a con~titiiiçâio de um paiz, ex- patria-se, dsnaturatisa-se e não se faz inimigo sob a apparcncia de s~ihrlito;, ç6s mesmos quizestes tambvm conasrçar a antiga liber- datlr a ( ~ approvayão das brillas pelo r e ~ i o placito antes de terem vigor; e como intendeis a permancncia, a co-existencia d'estes principias das leis com as vossas idCas sobre liberdades de egrejas particiilares nacionaes?

A bulla a que foi negado por uma lei o beneplacito ha de exe- cutar-se ria egrcja portugueza? A lei que denega o beneplacito 1120 ser8 o texto de uma nova liberdade?"

Não 6 06 de agora que e d romana tem respeitado, como devia, estas li. berdades (que não discutimos aqui, senão de facto e não de principio som dec1arar berrtica OII schisrnatiea a egreia portt~gucza, e ido mesmo depois da inex~cuçlo da bulla In Coena Domini. Vê-se de João Pedio Riheiro como já antes dos falsas decretaes estas egrejas com direito proprio n8o eram re- putadas echisrnaticas.

aAhi veremoe, diz este escriptor no prologo do fieu rnan~ecripto, ahi vere- mos tambem a diversidade da disciplina particular da nossrr, Egreja e da Uiiiversal, sem que comtudo fosse nunca reputada ~chismatica ou menos obe- diehte filha da Roinana, ctGas prt.io,rr:ttirrts scinpre reconheceu e venerou..

2 Veja em Bernardino Carneiro a lirta das btillae a que as noaaas leis dene- gaqhin o heiieplacito. Elens. de ar . Eccles. 7'ort. Introducç., éJ 66 not.

E evidentemente umas das fontes mais srgiiras das liberdades da egreja portugueza.

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f3 , vem- o signal de uma servidãio a apresentaçãio aos h& neficios ecclesidicos por parte do estado?

1 2 0 I * e s t ~ IRI art iro da constituigão politica do nosso paiz, a I 1 i i t L I t t i d t > b e r n ' ottdeccr, porque todos o reconhcmos e qui- / , ) I 1 t. -?

I ra preciso demactrn que a egreja portugucza se não for- I I I , ~ \ ~ &' portuppzes, oo que estes portuguezes não q~ioriarn para si u lei que votaram, ~n que viam 'nclla, em logar ctc palladio de suas liberdades, r cdcia de sua escravidiio.

Que poder supremo monbeceis na terra a respeito das cousas temporaes differente tlo da sobttrania da nação?

Já antes da Carta o que as riossas Iclis chamrivam l i h c r d a ~ l ~ s , e riao sorridòes da egrej'ii portugu,~r.a, cram os direitos e prcrojiati- vas, que os supremos » i a g i ~ ~ d o s politicos, tAm defeza tl susteri- t a ~ c o dos direitos trmponits e Gns ic.galies da corda, tinham de- fendido çonlra as prct(.:isiki da curia romana, e para tutelarem o poder ordinario dos 1)ifp.c e direitos dos metropolitanos.

Os estatutos da Uni\t,rsi.ldde, quaiido mandam ao professor que cxpliqiie esta naturezo das liberdades da egreja, dizem-lhe que narrc as disscnsõrs e discordias. que com a santa se se tinham mo\ ido.

I( Dará (o prof~ssor), d iz iameie3e~ta tu tos 4, nolicia das dissrtl- ròrs e discordias que S P ikn agitado 'nestes Reinos enire a Cur ia R o i ~ ~ a n a e os .Senhores Reis meirr prcdrccssores, ou seja n a qtia- lidarle de Supremos Magistrados Politicos em defeza e susfenta-

1 Estatutos da Universidade de 1772, Q. % tit. 40, cap. 2 . O , ii.. 14. Veja Coelho da Roclia, Ensaio sobre o l i i u & g o m o e da Z~gislação

de Por ugal, 8 287, Acerca da direcçào que .o estudos tinham dado os je- suitas.

Veja-se tambem o n: 9 . O dc cap. 5 . O , da tit. 8: & li?. 2.0 doa Estatutos, acima copiado.

Para os ultramontanos a maior de todas rsees servidões k o diieito do pa- droado, a apresentação aos beneficias eccksiaaticos.

Totlas e-tas distincções de liberdades, servidões, rgrejas de ol~cdieiica e da nWo obediencia, causam hoje par:% 116s grande estranheza: pniq lios mos- tram como iiisigficantes palavras mo\ iam largas cotiteii(1as c sei\ i:iiii clc luz 11% re~oluqão de graves questões.

Toclas as epochas têm d'estas cousa~ riziveie; mas, s,iii tliit iti:i. Iioiicas as tiveram corrio a epocha do sumrno imperio tlns reie. Esses dcf'rito-. st. espa- 1li.r~ iin ein tudo: ila litterati~ra, nas scieucias, lia pintura, na ai (*liitectura,

- mae scni~~ro a par de unia força e de urna iiiagiiificeiieia eapleiit1id:ix. Coutarri->c eutre.au causas prosirnas das 1evo1uçGes liberneg.

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çâo dos Direilos Temporaes a das regalias da corda, ou seja como Prolectores da Egreja Lusilona, para defenderem e sustenlarem o Poder ordinario dos Bispos e os direiíos dos Metropolitanos e cabidos e os ouiros direilos e prerogativrls e Artigos das Liber- dades da Igreja Porlugueza. »

Náo discutiremos mais este ponto para nâo gastar mais espaço com questões que se não devem controverter: uma, por ser que- stão de palavras, futil e capciosa; outra por versar sobre um ponto dogmatico temporal, a soberania dos povos.

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O Estado portuguez e a erecção dos bispados de Portugal até o tempo de D. Josd I

Principio8 que nos dirigem no estudo do p-te ap i t a la do i i r t i ta rcclesiastico por- tuguez- O estado portquez Leve rc i ipn a d i m t o de inisrrir na creaczo e de+ membrarao de seir bispados e m e t r o y k i i pra-• i bictoria dessa cnacao'-Quando P como ;e tem eripido os no- b i iyCoa-Qut ro s p r h a r diflenntPs na rreacao do- nossos bisliados: em t o d u p o i a st a r e r r a o mmmo direito-Locucões em- p! rpadas pela Sancta 56 nas bu l iu & c l a m s u i p - O ccclesiartica -Duvidh prove- niente d'essa redaceao-O broeplaeh nd, q u t o a essr bullal- locerteza do direito ecclesiastico portuguezt sua, ma-

Temos visto como o breie -ni h'obis de 25 de abril de i 574 e um acto completamente mllo em eonsepoencias jiiridicas no direito ecclesiastico portuguez, e m o , ainda que assim n8o fosse., a L. de 2 de abril de 1765, armada de sua innegavel atrcto- ridade, trve cffeito retroactivo, deslazendo tudo o que .se pratichra sol) o influxo d'aquelle brete, e awtorisando o-que de sua data em deante se realisasse contra elle.

Assim,. pois, vamos buscar na creaçào dos noseos bispados desde o principio da monarchia, nas modificações da nossa divisão eccle- siastica desde esse tempo, qual o direito eccle5iastico portuguez a este rcspcito ; sempre camirihando sob o imperio d'estes doua prin- cipio~: -que o beneplncito regio. h t~cepqáo de alguns nnnos no rrinado de D. Joáo 11, tem conservado toda a sua força até nossos dias, -e que o proprio bretc de Bento a111 6 o primeiro a con- fvssar a pratica de antigos privilegias entre n6s.

A historia da creaçáo e formação dos nossos bispados e das al- teraçaes da circumscripção ccclcsiastica da nossa egrejn, prova que o preceito do direito ecclcsiastico portuguez neste ponto era a plenitude da auctoridade da Se Apostolica, temperada na sua applicaç80 e exercicio pelo assentimento dos monarchas, que podiam excilal-a, mas não excrcel-a.

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Só aos papas assistia o direito de erigir os bispados, de os sup- primir, de os unir e dividir, e de alterar e marcar os seus limites; mas este direito não existia sem restricções no seu exercicio, como pelas decretacs era estabelecido: aqui apparece o direito da egreja portugueza modificando a generalidade d'aquelle principio.

Aos monarchas portuguezes, á cgreja portugueza, riaio pertencia o direito dc crear os bispndos, mas elles podiam oppor-sc e obstar h sua erecçóo, quando a entendiam desneccssaria ou inconveniente.

O seu assentimento, sua intervenção era condiçgo sine qua non da legitimidade d'estcs factos.

Elles n30 s6 possuiam o direito d'esta intervenção delibcrativa, e ao mesmo tempo passiva ; mas era-lhes egualmente apanagio a faculdade de excitar a erecção dos novos bispados c metropoles: náo assim o direito de os crear ou modificar por si sómeotc, ou sem assentimento da Santa S6.

Não se cuide que pretendemos siistentnr este capitulo do Codigo das liberdadcs da egrqja portugucza, como os cscriptores de certa escola, perdidos de amoles pelas regalias da corda, oii orgi~lhosos de seu esplendor nos dias que foram.

Vamos procurar na exposiçao das provas d'cste direito, dos titulos d'esta liberdade, a maior simplicidade e inteiro desinteresse.

Como se ver8 das iiltimns paginas d'cste estudo, confessando quanto valeram estas joias da corda dos nossos monarchas em tem- pos que foram e o que sip~ificaram na peleija de uma das maiores luctas que a historia nos descreve, não nos deixamos mover nem por odios a essa vigente institiiirRo do direito pontificio, nem por exaggcrados affectos ao glorioso throno da nossa patria.

Nenhum pódc exigir de n6s senÁo a verdade inteira: consolndora, se 6 brilhante, cheia de magua, se 6 triste; mas sempre a verdade.

Na epocha em que Portugal se fez independente, vigorava na peninsula a divisa0 ecclesiastica do ultimo tempo da dominação goda; porque, como 8 sabido, os musulmunos, mostrando mais atilado genio politico, do que em seculos muito mais adeantados da nossa era não revelam os papas'e os reis catholicos, consentiram e toleraram a religiao dos vrncidos. Desde o sexto seciilo que havia duas metropoles nas egrejas hespanholas: Brnga e Merida.

Poucos aiinos antes da scparaçao do Portiigitl da monarchia leo- Pcza, o paI)a Cal!isto i r , por uina bulla do anrio 1 120, altcrárn as

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suffraganeas da m t m p o l e & m, d e maneira que, Mndo a per- tencer-nos esta q, elia foi a primitiva e nnica rnetropole da pri- meira cpocha da iossa vida.

~ e r t e n c i a m - 1 ~ ~ terras portuguezas os bispados de Portucale, clc Vilru, rle Cd&a, dc Larnego, de Egitania Idanha, ao pí. da Ciiartla' e ~ r i t o t h (ao pl: d r Vianna).

Antw porem d'esta desmcmbraqfio do reino de Portiigal, cm 1 122, o mcsmo Callixto ri transferira a velha metropole dc Merida para Compostclla, e sob esta nova clivisiio 6 qiie appareceii a rprrja portugueza no seeulo xir, sem comtudo, como observámos, contar senso uma metropole.

Notemos deçde já a intervenqão dos papas na transferrncia das metropolcs e divisa0 das dioceses.

Comcça\am então as nossas conquistas para o sul de Monte-mór, c as irrciirs6es para além do Tojo. Conquistava-se Santarem, Lisboa, Silccq, Guarda, Beja, Evora, c, á medida que se arrebatavam aos sarraccnos algumas d'estas cidades, ahi se erigiam bispados.

Paremos aqui. Como se realisaram estas erecçõrs dos novos bispados? I? o pri-

mriro ponto a resolver. IIa uma longiiiqua similhança entre o qiic fnzinni os nossos monnrchas, ganhando as cidades e elevando as rio- \, i9 cnihedraes, e o que aconteceu com os apostolos rios primeiros dias do christianismo.

R~itlcs, barbaras, mal scguras das invasões musulmanas, as novas citladrs christss, á medida qtie se emancipavam, iam rrtebcrido o bispo, piarda da fé, poderoso Irnitibo dc muitos males, e forte c l r m ~ n t o de conservaç80 da nova indeprndencia pela differcnça de rcli$ío, e pelo conforto de sua prrsenca.

011 por politica, ori por piedadc, os nossos monarchas conqiiis- tadores, ao mesmo tempo que sobre as ameins das muralhas sub- stituiam o pendão das quinas ao estandarte musulmano, no inte- rior das cidades, ao p~? dos agudos minart.tcs das mesqiiitas, faziam elcvar ])ara o céu as agulhas e as cruzes das cathedraes gothicas.

Obsriiras, as chronicas d'estes asperos tempos, não nos deixaram clara na r ra~ùo d'estes fartos.

-1 picdadc, porem, dos reis, que os Icvára a submcttrr-\c> ií su- prc.maçia politica dos pontificcs, para consrguir firme csleio dc sua indcpciiclencia; e por outro lado o cuidado sempre ~igilante e iricansa- vel dos papas em fazer valer por todo o mundo o seti poderio; cxpli-

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cam e levam a luz aos factos mergulhados nas sombras d'este ear- regado quadro da meia edade.

Lisboa 6 a primeira que recebe bispo. Em um dos tres monumentos que, a respeito da tomada de Lis-

boa, se podem ler na collecçào de monumentos historicos de Por- tugal, encontra-se um capitulo que se inscreve - « De como elrei ordenou que a cidade de Lisboa tivesse bispo e see calhedral .... »

Conta ahi o cbronista:

«E depois que o muy nobre Rey Dom Affonso todo este ouve orde- nado em que maneira a terra e outrosi a dita cidade fosse poboada, fez vir a seu conselho todas aquellas nacões dos christãos que com elle eram na dita cidade e disse-lhes assi :-#Amigos, vós bem sabedes em como eii aláaqui ordenei e destrcbuy os beens temporaes a todos vos outros: e ora nos he cornpridoiro de auermos de tornar ao seruiro de Deos, e fazer em esta nobre cidade egreja calhedral e enlegermos com ella bispo e pastor que aja de ser prelado e regedor das nossas almas e ordcnadgr da dita egreja e crelizia della.

E enton elrey fez enleger por bispo um homem boo daqiiella nayom dos cngrczes, c avid nome Giliherto ... E depois que assi foy enlegido o dito bispo enviou elrey todo este dizer ao padre sancto... e em como avia enlcgido bispo novamente pera seriiico de Deos e da santa egreja e que lhe outorgasse r confirmasse o dito bispo.. . E enton o padre san- c10 veendo tantas boas obras, quantas elrey fazia e como por sua lanca e por espargirnento do seu sangue dos christaãos tirara a terra de po- der dos mouros, e a seruico de Deos e da sancta egreja a trouxera, deu gracas a Deos porque a sancta egreja avia tam nobre filho come o dito rey e outorgou-lhe todalas cousas que lhe enviou pedir ... ni.

Quando geralmente se fala d'este facto diz-se e escreve-se que D. Affonso tomára a cidade e nella crehra uma cathedral, tendo-se espalhado a idba de que de pleno poder os reis conquistadores ti- nham de per si creado os novos bispados, e acreditando-se que estes primeiros bispados de Portugal foríim uma verdadeira recdi- ficação das antigas cathedraes gothicas d'cstas cidades, para a qual n'ao se carecia da auctoridnde do papa, tcndo os nossos reis, nestes tempos de pelejas e ignorancia, a idéa elevada de um completo plano de restauração da antiga egreja gothicn.

ainda a falsa id6a de querer ver na egreja portugueza esse

1 De e x p u w i o n e Oliaiponia, monumenla 111, cap. xr, Portugaliae monu- me& & t o m , tom. 1.0

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grande e incorruptivel corpo, que ia descançar nos braços dos apostolos que desceram a pregar o evangelho ti peninsula hispanica ; ta o ~ ~ " j i ~ i z o de se imaginarem deshonrado-, se nào cobrirem o tosco b e r ~ o da nossa patria com os brilhantes ornatos de suas doiiradas fabulas.

Não foi nada assim. O que se da chronica 6 o exercicio do tl:ri.ito de apresentaçáo e eleição dos bispos, d~ oric~lm i 'utliiç~, ; i ,tiqiii.simo entre todos os povos mesmo fóra t l i i pcloinsula, ao niosnio tempo o reconhecimento da ,auctoritlade da i(. apostolicii, emquanto á mesma erecção do novo bispado. «I;' depois que as- sim foi enlegido o dito bispo, diz o chronista, enviou elrey tudo este dizer ao padre santo..... e que lhp outorgasse e c.on/irmaxse o dito bispo .... e outorgou-lhe todalas couscu que lhe cnuiou pedir. t )

[Ia l ~ ~ i s duas cousns: a outorga do bispado e a confirmação do bispo.

(;orno poderia não ter sido assim, se ainda niio eram passados miiitos aiinos depois que este monarcha impetriira do papa o con- seritimento de sua vassallagem e feudo?

Depois, observemos isto se passaya no seculo xii, em pleno imperio do direito poiitificio, e [ião mui longe do pontificaclo d'a- quelle celebre Lothario, cjiie se cliiirnou Innocencio r i 1 ; Iernbrc- mo-nos do qiic dissemos crn outra liiirte d'este trabalho; como ns fiilsas decretncs consegriiam fazcr urrin rcvolucão completa ria dis- ciplina, c iião esqueçamos que desde muito o primado dos pontificcs se fizer,ii sentir, respeitar, temer 'e impor nas velhas monarchias gothicns, despedaçadas pelo Islamismo, e em as recentes nações neo-gotliicas. vericedoras dos musiilrnanos.

Alas sch ri30 assistiu a 1). Affonso riem a seus successortls este direito, ou esta fac~ildade, quc derogava o importante privilegio dos papas; comtudo vemos (lcstle esta primeira erclc,çiio tlos riossos bispados que o rei impelrava, ponderava a riecessidade da erecçao e propuriha a siia creação.

O mesmo se passa em Evora e Silves. ,

E m 1188 , apoderando-se I). Sancho do AI-Garb, elege-se bispo a L). Nicolau, conego regular do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, ficando Silves a catliedral, que em tempos fora Osso- noba. Crescida em riquezas e extensiio pelos sarracenos, Silves mereceu esta honra.

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$ um pouco obscura nos historiadores a narra~iio $este facto, não se falando da intervenção do papa i ; mas, como admittir um procedimento diverso do de D. AfGoooso em quarito a Lisboa, se cousa alguma o dá a perceber, e se, bem longe d'isso, ainda nRo tinham começado as disputas com o clero?

Demais, sabe-se que o mesmo D. Sancho impetrou a auctori- dade da se apostolica, quanto a outros bispados. Em 1199 este monarcha, elegendo a D. Martinho, bispo de Idanha, Eaz confir- mal-o e transferir para Guarda a sede do bispado, por bullas de Innocencio III 2.

Nem emquanto á demarcaçâo sobre o solo dos limites das dio- a s e s os nossos monarchns tinham direito algum.

Este mesmo D. Martinho, primeiro bispo da Guarda, teve era- ves disputas com Pedro, bispo de Coimbra, a respeito dos limiies dos respectivos bispadoti. O papa Innoccncio I J I envia os bispos de Samora e do Porto a rcsolver a pcndcncia: 1). Mnrtinho, po- rem, ao que parece, homem teimoso, renopa as pretensões e vai em pessoa a Roma, onde assiste ao celebre concilio de LaterBo, cclcbrado no pontificado de Innocencio. Diu tnmen non quieuit, - diz D. Thomaz da Encarnaçõo, as alterações renovam-se, e d'esta vez o papa torna a enviar dois bispos, ut dirisiones fiertnt per libros anriquos, per tesles et /amam PS cop. Cum causam, !3, de proba1 3.

Percorram-se os capitulas em que o aiictor da Hz'sloria da Bgr(ja Lusitana descreve os vestipios do primado dos papas em Portugal, e mais luminosa sairá esta verdade.

Mas a que provincia pertenciam as novas dioceses? a Braga, ou a Cornpostella ?

$ o que não e facil dizer. Gilbert, o primeiro bispo de Lisboa, fora ordenado por D.

João Peculiar, arcebispo de Braga, a quem prestára subjeiçao e reverencia 4.

1 D. Thomaz da EncarnaçLlo, IIist. Eccles. Lw., Saecul. XII, cap. I, tj vIrr, tom. 3 . O

2 D. Tliomsx da Eiicarnação, H*. Ecclee., Baecul. xrIr, cap. I, 4 VIII, tom. 4.0

3 L). '1'hom:~z da Encnrn:iç?io, l i ist . cit., Snrcul. xIIr, cnp. I, $ viir, tom. 4.0 4 Brrtiirl?i,n, lia terceira parte da monaixhia lusitsnxr, refere este sicto de

subjeiqito extrahiiido-o do livro de Fidei da 84 de Br-. Diz d'este niodo: a E,yo Gil Lertus S. Ulixbonetisis Ecclesiae Episcopus su6jectionem et reve-

yentiaqn a sanctie patribue constitutam secmdum praecepla canonum Ii;cc?e-

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O primeiro bispo de Evora, D. Sueiw, tamhem ordenado pelo mesmo 1) do211 Peciiliar. seguindo o exemplo de Gilberto, sempre Ihc i're-!' L: ~tl~diencia , como metropolita.

.Siiarios Gilherti Olyçsiponensis exemplm seqiiutus Bracarensi . \ r clii'pisc~ po tarqoam Mrlropolitae parebat, rc\erentiamque praebe- Ilat; Lique \-cnzrabilrs Regis Alfonsi consensus probaterat 1.))

1 ) . Iio.4rigo da Crrriliii, nn vida de D. Gilberto, affirnia qiie foi o rnoiiarcliii, que ol)rigou a p m t d r o juramerito de obedicnc-ia ao

- metropolitano de Braga.

~ C o n i esta doiitrina, diz elle. procuroii (Affonso I.") com to110 o riiidado tornar a seu primeiro liistre ;I cgrc>j;i de J,ishoa, assiniiiitlo-n p r siiH'rap;inea á de Braga. podoque tft.sde ternpos antiquissiinos Iier- iiiiria ;i nic~tropolilana de h i a í b . eni cujo direito depoes da invasam ti l~s Moiirus prostrada a gra& daqiiella cidade havia succedido a de Corn~)osttcll;i por indulto e ronassam do papa Caiisto' se#iindo. 121 rey ronitiido, ou desejoso de conraizr a primazia ecilesiasticn nas terras (!e seu sciiliorio, ou por mtrm re5peitos politicos, obrigou a Gilberto fizesse jiirnuicnto de obediencia au Ar( cl~ispo de Bragan 2.

O que 6 certo 6 que a unidade portugueza não se compadecia com a nuctoridade eminente de um primaz situado fóra da sua cyrcja .

Aritcbs da separação de Portugal. uita da invasão dos infiois, Illcridii ~irc~qidia a estas cathedne~; ni,is, dcpois qiie Portiipl se toi.rin il!dc.])t:rulvnte, já quando libre dt sujeicão iquella SC, oii a Coriil)o~t(~ll;i, ht,rdeira de qíliis direitos. 6 que as suas rgrcjas ro- meçam de apparecer de riovo.

As monarchi;is hespaiiholas niío queriam mnnhccrr a lesiti- midade do !iovo rcirio; a celebre questão da primazia tolctarin foi movida occultamente por esta grande ambição politica ; c, como ficasse ~~endt~nte, sem soliiçào, apezar das bullas de Zlrbario e de

siac h'rachare~W, ~eetoritusque ejus in 11raesr1,lia Domitii Joannir ~irrpr/t to me edtbilurum promitlo et usque sait<.tri71i allare propria manu confirmo.it

0 que depoiq 6 confirriiado pela vir1.i tl't~itr 1)iq~o e de seus siiccr.sores, e ainda por certo concilio provincial braclinr.eiisr do aiino 1147. Vej. Eizst. Ec- cles., dec. xrr, cap. i, <i 111, tom. 111; Ur.iiidào, Monarch. Zkit . , 3.a parte, cap. xxx, pag. 175.

Cit. Hiet. Eccles., sec. xii, cap. 1.0, 5 ir, torn. 3.0 aiutoria Ecclesiastica d a Iyr+ de I,iuboa, p. 2.a, crrp. 1.; n.* 2.

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Eugenio; agora os monarchas, receiosos d'aquella outra supremacia corripostellana. tractavam de fazer reconhecer pelos novos bispos a auctoridade metropolitica dos arcebispos de Braga.

Esta grande supremacia bracharense, que abraçára desde muito a causa do filho do Conde Hcririque; o grande poder do alto clero nestes tempos ; a disputa acerrima de Jogo Peculiar com o bispo toletano ; tudo concorria para tornar duvidoso este estado de cousas.

Se os monarchas tivessem o direito de descrever os limites da auctoridade das cathedraes metropolitanas, porveritura que já esta corifus'io estaria debellada; mas ri20 era assim: tinha de esperar-se por uma bulla pontifical; e no solio de Roma estava Innocencio r i r .

A bulla não tardou ; mas a bulla veio centralisar o poder da egreja; a bulla veio esmagar mais esta soberania temporal nascente, e lisongear a Affonso vii , sujeitando a Compostella os nossos bispados de Portugal, como pouco tempo aritcs os predecessores de Irinocc~ririo tinham tambem submcttido toda a egreja portugueza 6 egreja hespanliola, expedindo as bullas de reconhecimento da pri- mazia hispanica na cadeira de Toledo.

Foi a bulla In e n r i n ~ n t i Apostolicae Srdis, de i4 de julho de i 199, de Innocencio 11,.

Revalidava os direitos metropoliticos de Compostella, declarava que Merida lhe ficaria sujeita, quando saísse do poder dos sarra- cenos, c, cnumcrando as suffraganeas, sribmettia-lhe todas as dio- ceses da provincia da Lusitania existentes ao tempo d'ella e as que de futuro a christandade ganhasse em todo esse terijtorio.

«... videlicet, dizia Innocencio, Abulen.. Caurien., Civitatem., Pla- eentin., Pacen.. Oxonohen, , et praeterea Lamacen. et Egitanien., nee non Ulixbonen., et Elboren,. . . Compostellano archixpiscopo, cujus con- recratio ad Romanarn tantum Ecelesiam spectat, obedientiam et rme- rentiam tanquam proprio metropolitano exhibeant.l>

]S a segunda phase da divisão ecclesiastica da nossa egreja. A bulla de Inrioccncio foi evidentemente injusta, inconvenieii-

tissima, sob o aspecto politico e ccclesiastico; mas a auctoridade da Se apostolica era irresponsavel, suprema.

Os reis submctteram-se; os bispos obedeceram. A lucta com o clero levanta-se eritao cheia de rancores; as

complicaç6es com Castella sào de dia para dia mais ameaçadoras.

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O rumor das ~,elqj,is com os mouros srreiia nos ares; a pnv, vai desenrolando pre$uiqo*amente suas candidas azas; o estado civil procura respirar debaixo do pezado jugo clerical.

O nome de Portugal começa a fazer-se respeitado ; a nacionali- dade portugueza iilcan~a os titulos tle siia independencia.

A egrrja portugueza começa a tlctcrminar as suas formas, a crear com as concordatas os primeiros capitulas do seu Codigo; e por fim um rei, cuja vida anda involta em uma sympathica lenda de amores, e em vigorosos exemplos de justiça ensinada aos jui- zes, recosta-se sereno em seu throno, e diz d'ahi aos officiacs da Curia Romana, quando lhe apreseiita~am as letras de Sua Saricti- dade: - que nos mostrem esses escripios ou letras; oel-as-emos r rnafttIaremos que se publiquem pela guisa que devem i.

Quc viessem agora as bullas de submiss;io a Toledo ou Cornpos- tella, que ahi estava a grande arma que havia defender o estado da tyrannia clerical.

Aquelle direito, que os primeiros monarchas tinham adquirido perante a egreja com o sangue dos seus e o esforço de seu braço, e que ia como qiie esqucccndo, rcjuvc[iesce agora mais forte, por- que se apoia nos titulos juridicos iiacionaes, que a necessidade de uma tbpoclia desgraçada fizera imperiosamente escrever entre as leis d'csk povo.

l'oucos annos eram passados, quando a coroa de Portugal r61a por terra, sem ter fronte em que levante seus floròes; ergue-a a mão poderosa da soberania popular e colloca-a na cabeça de um escolhido seu, repulsando ao inve,joos leão de Castella.

A vida era nova ; uma su,jeiçiio qualquer ás garras d'aquelle pe- rigoso defensor dos monarchas hespanhoes, não seria já um perigo, mas era um deslustre. A egreja portugueza n8o podia ficar escrava de uma metropole extrangeira e inimiga. Longe ia o medo pavo- roso das cxcommunhões e dos interdictos ; agora o respeito pundo- noroso substituia aquelle sentimento pueril; e por isso D. João I

supplica do Papa a creação d'uma metropole em Lisboa, e a libcr- tação perpetua de suas suffraganeas do arcebispado de S. Thiago de Compostella.

A bulla de 10 de novembro de 1394 de Bonifacio ix liberta

1 Lei da D. Pedro I, a respeito do beueplacito, sanceionada no art. 42 das cortes de Elvas da era de 1399, depois traiiscript,~ para a Ord. Aff'ous., liv. B . O , tit. 6.0

11

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perpetuamente as dioceses de Lisboa, Guarda e Elvas do orce- bispado de Compostelta, e Silves do de Sevilha ; declarando metro- pole a cathedral de Lisboa, para o futuro sómente sujeita h egreja romana 1.

A bulla fez menção do pedido de D. Joto I , attendendo o qual, o papa confere gostoso á s6 de Lisboa aquella honra e á egreja portugueza aquella liberdade.

Depois da exposiçáo dos motivos e da necessidade da creaçáo da nova mctropole, c uniao e divisáo dos arcebispados de Compos- tella e Sevilha, a bulla diz :

(c... Ulixbonen', Egitanen', Elboren', Lamacen', a Quonpostella- nen' nec non Silben' Ecclcsias, c i ~ itates et dioeceses ante dietas ab Ispa- len, Arcliicpiscopor. qui pro tcmpore fueriiit, et Ispalen, Ecclesiarum capitiiloriim pracdicloriirn jurisdi~tionc, dominio, potestate et suhje- ctionc qiiibus1il)et dc ipsoriim fratrum consilio et apostolica plenitudine potcstatis niicloritatc ;ipostolica. dc certa nostra scicntia, ex nunc exi- mcntes pcnitus ac totaliler in perpetuum liberantes ct eandem Ulixi)o- nen' Ecclcsiam de coctcro soli Ecclesiae Ilomanae subjacere imrnediatc perpetuo dccrrnentcs, ipsain Ecclesiam Ulixbonen' ad Dei laudem .... in metropolitan, erigimiis. .. . n

E depois:

r . . .e1 pro parte dicti Regis ac dilcctorum filioriim communis ejusdem civitatis Ulixbonen' nobis hiimililer supplicato, ut ad evitationem peri- culorum et scandalormquc et pro ipsius Kegis ac devolis fidelis e1 be- nemeriti populi sui firmiori quiete et grandiori consolatione ... 2))

1 Outra r a z b concorria para esta sc~>aração. A este tempo repetia-se um d'estes aoonteciinentos muito comniuns iin Iiistoria do papado. Havia dois pn- pas ao mesmo tempo; a cliristandade dividia-sc crn dois partidos. Seguiam uns a Clemente VII, outros a Urbano vr. Aconteceu que Castella se abraçava ao partido do Clemente, e Portugal ao de Urbano. Não admirava pois este amor tão vivo, qui! resulta de todas as p a l a v r , ~ da bulla, nem custa a per- ceber como tao facilmente se constyiiiu a cre:ição de uma nova metropole e a ílesmembração de duas : Boiiifacio rx era successor de Urbano VI. Pode ser que assim não fossc inteirnriieiitr ; crain muito justas, iriuito acccitaveis as raz0es que allegava D. João I de Portiigal ; jit ha m:tis tempo que os papas de- viam ter cuidado de o fazer; inns eiitRo Q o caso de dizor qiio Bonifacio IV omne tulit pi~nctunz, rnisctcit uiile, diilçi.

2 k por esta razão que aos olhos de alguns a cgreja portugueza s6 começa a existir desde o seculo X I ~ . Coelho da Rocha, no seu Ensaio sobre a historia do governo e legislação de Portugal, 5 112, pag. 90, começa, escrevendo que Ainda depois da oepração da monarchia, a egreja Lusitana continuou confindida com a de CastelCa. apezar de já antes do seculo xrv haver liberda- dcs na egreja portugueza, e de ser litigiosa a sujeição de Lisboa, Lamego,

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A instancias do mesmo monarcha foi erecta a cathedral de Ceuta, em 140 I , pela bulla de llartinho v i Venerabili Frawi- de ti de março.

nDiidrim siquidem, diz, pro parte charissimo in Christo Alii nostri Joanriis Regis 130rtugalliac illustris nohis exposito, quod locus Cepta.. . n

e dcpois

«Nos tunc ipsius Regis in iis siipplicationibus inclinati ac de prae- missis certam notitiam haùcntes Brarharensibus et Ulixbonensibus Ar- chiepiscopis.. . .. consideratis grandiiirn tirtutum maritis, quibus perso- nam tunni illarum largitcr 1)omini:s insigni ..., de dietorum fratr~im consilio et Apostolicae potesiaiis plenitude absolrentes ie ad Ceptne Er- cleaiam aucloritite Aposlolica truisferimusml.

No glorioso tempo de D. Manuel ainda as dioceses continuam a ser erectas por instancins da corcia. Assim foi creado o bispado do Funchal pela bulla dc Leào x - P r o excellenti praeeminenlia Sedis Aposlolicae- do anno de i 5 15.

Evora e Beja B 86 comportelha. Essa opiiii8o invoive nma incohercncia. Pois se a egreja lositaua não existe scnio de1;ois do ae~ulo srv, porque sú depois d'este tompo d que ella w. liberta da superioridade da egejn de C'om- posteiia; como 6 que existc pdos ineamos annoe a egreja castelhatia, quaiido a se brscliarense estende 8 área de siia jurisdicçiio metropolitica alem dos confiiis tle I'ortugal pela Galliza c Le,io?

Nciii se diga que, apezar d'isto ser verdade, nilo destroe a preeuiinen- eia inetropolitica de S. Thiaio de Coinlt[.stell i: porque não repugna aceitar a existeiicis de iiina egrc.ja sujeita ao poc!er siiperior da hierarchia ecclesias- tica situado fóra dos liinitrs [Ie certa ii.1~50. Não estão todas as egrcjas iin- cionaes suhiiiettidas h cgrej.1 I?c~iiian:i? porventura nega este facto R sua existencial

Qiie resiiltem incoiivenientt.~ de a s6de m~tropolitica de uma egicjn iiacio- tia1 cst:ir collocnda fora dos limites da 11nç5o a que esta perteiicc, coinpre- hendc-se iniii bem ; mas vai um:i grande distancia d'esta conaidcraçtio &s consequeiirias que d'esse facto preteiidcm inferir.

Ao separar-sc de lima nacicualidade, lia sempre Cestas graves e quasi in- soluveis coiitest:iç0es. As contendas da primazia das Hespanhas entre Toledo c Braga, as disseus0es dos uousos reis com os de Castella, as guerras de suc- cessil-o e legitimidade, os couflictos dos direitos metropoliticoa de Braga e Com- postella e dc Sevilha a respeito de Silves no tempo de D. Affonso III, eão vi- vos exemplos d'essa verdade.

1 Veja eslas biillas no volume 1.0 das Provao Hwt. Genealogicn da Caag Beal Portugueza. . .

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Vbse isto distinctamente das palavras da bulla:

« . . . . propterea praefatus Emmatiucl Rex desideraret.. . Parochialem ecclesiam Beatae Mariae, qiiam idem Eninianiiel Rex opere salis sum- ptuoso in civitate do Funclial in insula Madeira ... in Cathedralcm erigi Onde nos volentes ejusdern Emmanuelis R-gis id sumrnoperc cupientis desideriis annucre. o

A bulla continúa empregando as expressaes do estylo, falando da plenitude do poder apostolico e da auctoridade da Se aposto- lica consclho de seus irmaos, bispos do Reino, e concedendo o que o rei pedia.

Segue-se uma epocha, em que no espaço de pouco mais de 40 annos, se contam 1 4 erecções de bispados !

2 um tempo fatidico para Portugal ; o tempo de uma decaden- cia rapida, em que a intolerancia religiosa e a superstição causam a perda da nossa independencia. Os dois moiiarclias, que presidem ao governo de Portugal e que se deixam subjugar por todos esses erros, são: D João 111, o rei mais antipiltliico de toda a nossa his- toria, e cujo reinado dura mais dilatados anrios ; e D. SebastiAo, o ,joveii infeliz, que queria resuscitar unia quadra dc glorias que Por- tugal perdbra para sempre.

Bem sabemos qiie a maior piirte d'esscs bispados foram erectos nas conquistas de Africa e do Oriente ; mas não podemos acredi- tar na ueccssidade da crcaçào dc tantas dioceses e metropoles no reino e rias possessòcs. E porqiií? o náo teriam feito seus prede- cessores? E porque acontecem estas cousas, quando a máo repel- lente da theocracia suffoca este pobre Portugal?

Os chronistas louvam este zelo infelizmente ardente de D. João III. Faria e Soiisa, na Eztropa Porlugueza, tomo 2 . O , p. iv, cap. ir, n.' 80 escreve:

Con ardiente zelo de autorisal-a (a religião) en ru R e p o erigio 10s Ires bispados de Leyria, de I'orialegre y de Mirarida; y olros en las conquistas, applicnndoles renias para sustentar se decenlemenie en les dizmos aplicados a lu ordem de Cl~rislo. Hizo Meiropoli e1 de Eaora; y e1 de la Isla de la Madera dan- dole per sufragat~eas los de Sotlt-lago y de S. Thome y de Goa a que despues dio la propria dignidad en la ltidia cotn e1 titufo de Primaz sugctandole 10s Oúispados de Cochim y de Maluca a que despues se acudieron otros.

Assim se empobrecia esta infeliz terra, roubando-lhe nos dizi-

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mos a força fecundadora do solo e das industrias, e dando-lhe com a inquisi~ào, com as ordens monasticas, com o esplendor dos pa- ços episcopacs e o apparato luxuoso das Sbs, e com a fatidica com- panhia tltl Jesus, a escuridso do espirito, que, siijritarido os povos íí f~sci-na(.3o das pompas thcatracs das cdrtes dos reis e dos grandes principcs da egrcja, que os lcla a beijar a mão qire os opprime . com a tyrarinia, e, esmagado-lhcs a alma pela superstiçào, os não dcisa comprehende a Deus.

NBo cuidemos pois encontrar alteraqao no direito ecclesiastico portug~iez, quanto h creaç8o dos bispados e metropoles. Com a miiior Iiumildade a impetrava este nosso monarcha.

A4 primeira crecçáo de bispado foi a da e ~ c ' a de Angra, por D !

hrilla clc Clcrnente vir, do aono de i 532, a instancias de D. J o ~ o r i r ,

n a mesma maoeira fomm erectos: o bispado de Cabo-\-vi de, . por 1~1lla do mesmo papa e do rnrsmo anno, sendo porbni s6 pro- \ido tlc bispo em 15841;-o de (;da, por bulla de Paulo 111, do aiino de 1235 ;?o de S. ThomC, por bulla de 3 de novembro do mesmo anno, comprehendendo o Congo e Angola.

Em 1539 é elelado a metropole das egrejas das conquistas O

bispado da Madeira; perdendo bem depressa esses direitos por oritras bullas, como a de 1551) pelo papa Julio r i r , que fei ~rrfia- ganeo do metropolitano de Lisboa o bispado de S. Thomv.

Neste mesmo anno de 1539 transfere Paulo 1x1 a ~ d c do bispatlo de Silles para a cidade de Faro.

A iristarrcias do mesmo rei se crigem no reino os bispados de hIiraiitl;i, Ixiria e Portalecre, aqiiclles por bullas de Paulo 111, do anno de 1548, e este pt,r hiilla di. Julio 111, de 1550; rio Bríizil a dioccse do llrazil, pela bulla do mesmo papa-Supra specula m i l i t a n l i s e c c l ~ a i a . -de 28 de fevereiro de 1660; e Goa a me- tropolc por biilla de Paulo iv, no anno de i 557.

As bulla5 de erecçào e desmembraç80 d'estes bispados continuam a mostrar que da mesma forma, a instancias dos reis, eram erectos os novns bispados.

A bulla de erecção da primazia do Furichal de Paulo 111, - Du- dum siquidem -de 8 de julho de 1539, dizia :

( I . . . postquam felicis recordationis Leo Papa x, Paedecessor noster

1 Veja Ensaio sobre a Eetatistica das possessôes portz~yueaas no Ultramar -por Lopes de Lima, liv. 1.0, p. I.', cap. VII, pag. 70.

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procuranle clarae memoriae Emmanuela Portugalliae et Algarbiorum Rege ....

e mais adeante

a... pracfatus Joannes Rex nobis humiliter supplicarifecit ... Nos igitur votis ipsius Joannis Regis, praeclaris ejus de Sede Apostolica exigentibus meritis. .. codcm Joanne Hcgc id volentc et in hoc consen- tiente ... »

Na bulla-Pro excellenii Aposfolicae Sedis-de Paulo 111, de 1548, encontram-sc, depois dos motivos determinantes da des- membraçao da diocese de Braga, estas palavras:

a . . . et chnrissimi in Christo filii nostri Joannis moderni Portugalliae et Algarbiorum Regis illustris, qui hoc summoperc dcsiderat, et super eo nobis per suas literas humilitcr siipplicavit .... R

A bulla de erecção da cathedral de Leiria, da mesma data, 6 egualmente do mesmo teor.

A rogo de D. Sebastião se crigem os bispados de Malaca e (ir Cochim, em 1857, por bullas de Paulo i v ; o de Elvas em 1570, por bulla de Pio v ; e o de Macau, em 1675, por bulla de Gre- gorio XII I .

No tempo de Filippe I, e a seu rogo, se crigem os bispados de Funay, em 1588, por bulla de Xisto v; o de Angola, por Clemente viir, em 1597; c o de Meliapor, por Paulo v, em 1606.

No reinado de D. Pedro ii recomeça a creaçíio de novos bis- pados.

A bulla de Innoceocio XI -1nler Pasforalis Oficii -de 16 de novembro de 1676, eleva a metropolitana a Se da Bahia ; as bullas-Ad Sacram Beaii Pclri-e-Romani ponltFcis-de 26 de novembro do mesmo anno, erigem, aquella o bispado de Per- nambuco, e esta o do Rio de Janeiro; a de 30 de agosto de 1677 - Super Uniitersas-cria a diocese do Maranháo; e as bullas de Ale- xandre viir, de 1690, erigem os bispados de Pekin e Naiikin.

Em tempo de D. Joáo v, fraquezas muridanas o levaram a sol- licitar a creação de um patriarchado, scsm proveito algum para a egreja; e, como era vivo ainda o arcebispo de Lisboa, e as pompas do patriarchado eram dcsejadas pelo caprichoso monarcha para o cape1130 dc sua real capella, n 1)ulla do 1716 keio dividir o ari- tigo arcebispado cm arcebispado de Lisboa oriental e patriarchado

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de Lisboa occidental. Em 1781, com a morte do arcebispo o pa- triarcbado une-se com o arcebispado, formando o patriarchado de Lisboa.

Em 1719 tinha-se creado a diocese do Grão-Par& por bulla de Clemente xi -Copiosus in Misericordia - de 4 de março ; c cm 1746, a bulla de Bento xiv-Candor lucis-de 6 de dezembro, erigiu as duas dioceses de S. Bento e Marianna, no Drazil I.

Paremos aqui. Até ao reinado de D. José v&mos assim quatro epochas bem

distinctas da creaçáo dos nossos numerosos bispados e metropoles. Na primeira, presidem jiistissimos motivos e s6 se erigem os estrei-

tamente neccssnrios; na segunda, á necessidade de os crear nas conquistas juncta-se a religiosiclade csaggerada de um monarcha, e transpiiem-se os limites do necessario ; na terceira, os cuidados de restauração suspendem este fervor de multiplicar o episcopado por- tuguez ; na quarta, predomina o genio caprichoso e amigo de osten- tação de um monarcha opulento e prodigo.

E m todas ellas, porém, o direito não soffre alteração. As bullas, como vimos, fallum da mesma maneira que as decre-

taes desde o seculo x; usam até, como se dele ter notado, das mesmas locuçL6es de plenitude do poder da sé Apostolica, e dos conselhos dos bispos das localidades, que primeiro eram ouvidos e informavam a respeito da conveniencia da creação. Nas bullas apenas se accrescenta e repete, que tudo fdra ponderado e humil- demente pedido nas letras dos monarchas, e que os papas, quanto com o Senhor cabe, gostosos lhe querem satisfazer a pretensão.

Compare-se com o que atrás deixhmos dicto no capitulo v da primeira parte e tereis a explicaçgo d'isto.

1 Todas estas bullas continuam a lembr:~, que são os principes que pe- dem e sollicitam as honras para as egrejas, que se erigem em novoa bispa- dos ou inetiopoles. Basts~lí citar as seguiiites :

A bulla - Inler Pastoralis o@ii- de 1676, elevando a cathedral a egreja cla Rahia, diz:

e.... dignioribiis titulis exornare decrevimus maxime ad sublimium Princi- piim exposceritibiis votis, prout iii Domino saliibriter expedire coiispicirnua ...

A bulla- Ilomani I'ontifiis Pastoralis de 1678, da crecção da cathedral do Rio de Janeiro, contéin que :

... iiecuon praedicto Piincipeet Bubernatore per cjus litteras Nobis ad hoc hiiiiiiliter siipplicrnte.. Vyja os volumes das Provas da Historia Genealogica, o 2 . O ~oliime do Direito civil Brazileiro dc C'aiidido Mendes d'Alrneida, e O Bullariiim Patronatus Portu~aliae Itcgum in Ecclesiis Africae, Asine atqiie Oceaniae - curauto Vicecomite de Paiva Manso - tomos I e Ir.

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Não ha um só bispado, um só arcebispado, que seja erigido sem a sollicita~ão real e sem os protestos de plenitude de poder da parte de Roma nas bullas de erecçâo ; e, se por um lado ellas provam a intervenção do poder real, por outro lado deprimem tanto esta intervenção, que póde duvidar-se se os papas náo teriam o direito de crear um bispado no reino sem ouvir os monarchas ou sollicitar o seu consentimento.

Lemhrcmo-nos, todavia, de que a bulla de erecção era uma bulla como qualquer outra, e que s6 o beneplacito regio a pode- ria auctorisar.

Se o pedido de D. Joao I, para a elevação de uma metropole na diocesc de Lisboa, não fosse attendido, nao podia, sem duvida, esse monarcha crcar por suas Icis o arcebispado; mas, se sem sol- licitaçâo sua sc pretendesse erigir a mctropole de Lisboa, a elle cabia oppor-se, e impedir a erecqão, negando-lhe o seu regio placito.

Eis aqui como o assentimerito dos monarchas, quanto Bs altera- ções da circumscripção ecclesiastica em territorio seu, era condição essencial d'essa alteraçáo.

E preciso confessar, comtudo, que ate o tempo de D. Jose I

o nosso direito ecclesiastico é como que fluctuante e mal seguro. A Se Apostolica para nOs, como para todas as nações, náo reco- nheceu expressamente as liberdades nacionaes ; e como em grande parte o seu unico titulo era o uso, e a elle se oppunha o dizer das bullas terminante, f~iridado nas decietaes, supremo; e alem d'isso os nossos monarchas, ora conscios de seus direitos se levantavam al- tivos a defender as suas prerogativas, oril subjugados pela siip~rsti- ção e zelo exaggerado se submettiam cíqrielle grande poder extra- nacional; d'ahi vem estas incertezas e difficiildades.

I3 no tempo de D. Jose que se fixa e determina este direito com toda a precisão.

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O Summo Imperio : Protecção e Inspecção Suprema

Origem das tlieorias i10 Summo Im erio -Entre nós - Breve quadro dos principio6 d'essa theoria: fonte do ~ioiler iea! e $"a natureza: direitos e officios majeslaticos: fundamento do j u s circa sacra-Canonistas que lonieniaram citas ideas enlre nós - A s doutrinas do poder immetlialo eni a* nossai leia, na jiiiiuprucleiicia, nos lra- ctados cspeciaes e na uiiircraitlade - Officios e direitos dos inil)eranles quiinlo 6 protrcclo e inspccclo supreliia: I~gis lac lo j o s r p h t ~ a - O direito de cienr e suppri- inir o{ hispacios e 'de irirgnr a c i rcunisc i i~~cai~ ect~leeia~iica dehaian do irnperio d'es- tes piinciliios - Opinilo crronea a r e~p r i i o da ~irotr.ccao tla txjireja pelo estado - Reapparecimtmto da theoria da proteccáo e ins[ircc8o suprema deliciis d a Carla Conzlilucional - Burges Carneiro - Ulfimas crcaco6s de l~iipados - Necessidades de uma reforma ria rircumscripclo ecclesiaslica ' de 1)ortugal - Tentativa 'ciesle proposilo: sua ineíücarin - Decr. ilt: 9 de novembro de 1869 - Estado aclual- Pro- jeclo de lei de 17 de maio de 1871.

Na historia politica da Europa encontra-se, desde o seculo xvi, alguma cousa muito similhante ao effeito das grandes correntes, que sulcam em sentidos oppostos e com velocidades differentes os grandes oceanos cquatoriars.

Ha eff'ectivainente duas grossas correntes, que separam o mundo europeu: uma decorre do norte, prega a emancipaçáo do espirito, pr6.ga a liberdade; esta corrente cresce com as revoluç6es ate a meio do continente, e ahi encontra-se com a outra, que a repulsa com a força da sua reacção ; ella invade então a França, lança-se sobre os mares e vai apparecer, cheia de vida, em o norte do solo americano.

Sobre as aguas d'esta paira o espirito do futuro, cheio de pro- messas ; entre as vagas d'aquella v&-se rolar arrastado o cadaver do passado, coberto de ameaças.

Ha aqui sómente o effeito natural, como que a resultante do embate de diins forças? ou 6 isto a manifestaçáo de um principio Iioje muito debatido - a irifliiencia das raças ?

Será verdade que a rafa latilia é propensa á idéa autoritaria (!

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de unidade? e que a raça germanica é espontaneamente defensora da consciencia individual e dos direitos pessoaes?

Seja qual fSr a verdadeira causa d'este interessante phenomeno, o que 6 certo é que Portugal foi involvido no turbilháo da corrente, que rugia ao sul das terras europeas, e que, como todas as na- çõcs que tiveram a infelicidade ou fatalidade de serem levadas no seu vortice, permaneceu em scnsivel atrazo material e moral ate mui tarde na successão dos tempos.

A revolução do nortc comeqou por atacar o principio theocratico, e moveu depois a guerra ao principio monarchico em todas as suas manifestações. As duas monarchias, theocratica e temporal, viram-se assim obrigadas a defender-se junctas, como em prol dc causa commum. Mas isto n3o podia ser, porque a monarchia theocratica aspirava ao catholicismo rcligioso c profano, e a divisão lavrou, como era fatal, entre os íiois campos habitado4 pelas raças latinas. .

Qual foi o resultado? A egreja tinha dcsde muito uma theoria e um organismo completo para defender a sua posição, todo um systema de estrategia, cujos planos começóra a traçar o celebre Gregorio VII; mas a monarcliia, não ; e agora, srparado da cgrcja, tendo de vencer a revoluçào politica do seculo aviir e de rechas- sar a reacção religiosa, que renasce sempre como aqiielle monstro mythologico, que I? porventura o symbolo de algum acontecimento perdido no tempo e similhante a estc, o monarchia teve de archi- tectar uma theoria sua.

Foram as theorias do Summo Imperio-as theoriae ridiculas do Direito Divino.

Tal foi a pobreza scicntifica d'esta raça, que ella teve de ir co- lher d'entre as ossadas e d'entre as podridões do velho imperio as bases de alguma cousa, que, á guisa de systema scientifico, se podesse oppbr a seus inimigos debaixo do esplendor vivo dos raios da philosophia. '

Luiz xiv, cu.jo seculo, cheio de brilhantismo fascinador, offus- cára mais de um povo, representou um grande papel 'nesta crea- ção de uma theoria ficticia e pedantesca, a par da qual vinham o luxo e dissoluç'io das cdrtes reaes e o abuso pesado do arbitrio, da vontade suprema, T e tantos irinocentrs sacrificou muitas vczes ás intrigas mais insignificantes e mesquinhas.

Eritre nós, desde que o estudo do direito romono se generali- sou, e foram apparecendo nas leis e iin jurisprudencia as novas

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idhas do absolutismo real; essas theorias foram ganhando imperio na opinião, como que pouco e pouco saturando o meio onde res- pirava a intelligencia da nação.

Os reinados de João 11, D. Manuel, D. João ri i , D. Pedro i r e D. João v, dáo bastantes exemplos do progresso que entre nós fizeram estas id8as.

]S: no tempo de 1). Jos8 I que se realisam as grandes reformas do poder absoluto e se rrgue em todo o vigor nas leis e institui- ções a organisação curiosa dos direitos e deveres majestaticos dos summos imperantes.

fi indispensavel para o nosso proposito expor a theoria da pro- tecçáio e irispecção suprema, emquanto á sociedade ecclesiastica, a theoria do jus circa sacra.

Sercbmos mui brevcs, porque bem conhecemos quanto fastidiosa sclrtí a leitura d'estes singulares systemas, escolasticos e como que theatraes; muito especialmente quando hoje estamos acostumados á leitura encantadora dos publicistas e philosophos modernos, lei- tura não secca e arida como csta, mas enthusiastica e grande.

Fundando-se na auctoridade da biblia, nos livros da sabedoria e dos proverbios e nas epistolas de Paulo, e citando ao jesuita Soares no tractado das leis, ou a Scoto no tractado da justiça, era dogma que s6 havia dois imperantes sem superior na terra, cujo supremo imperio recebiam primaria, directa c immediatamente de Deus; um sobre as cousas temporaes-o rei, outro sobre as espirituaes - o papa.

O poder supremo era a reunião dos direitos majestaticos, em cujo exercicio o imperante não tinha por norma senão o fim da sociedade; a sua vontade, diziam com Arniseo no tractado De jure nlajestatico, é a lei viva e animada sobre o mundo.

Comtudo esta vontade não podia desadornar o summo imperante dos direitos majestaticos, os quaes eram inabdicaveis, e, ainda que expressamente os separasse de si, ou transferisse, era ndlo tudo o que nesse sentido fizesse. Os D.D., lendo certo texto das dccretaes, explicavam isto simplesmente. $ porque, diziam, esses direitos são a essencia da majestade rrgia; ipso manente rege, não póde alienal-os; em outros termos, seria ameaçada a sociedade, pois guc ficaria iim corpo sein cabeça, contra o texto do Cap. cunt noii liceat, de praescrip. respectiva.

Vinha logo d'aqui uma valiosa consequencia: é que sustentavam

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que o papa devia perservar os direitos dos reis, como escreveu por exemplo Phebo, 2." parte, dec. 2 14, n.' 27 ; e d'ahi os preceitos canonicos relaxavam-se por causa das prerogativas dos reis.

O poder real era pois pleno e supremo; o que decidia a von- tade regia, decidia-se de sciencia certa, á similhança dos pontifices.

Dividiam os direitos majestaticos em varios capitulos, e, depois dc dizerem que o primeiro oficio do imperante era o direito le- gislativo, afirmavam gratuitamente que, para ter este direito, o imperante não podia passar sem o direito de inspecção, segundo artigo dos direitos do summo imperio.

«Consiste este direito, diz Coelho de Sampaio, na auctoridade e obrigação de vigiar e considerar attentamente sobre todas as pessoas, cousas e negocios comprehendidos nos recintos do Es- tado.» 1

Eis aqui o poder absoluto cm toda a sua manifestaç3o. Para n8o esquecer cousa alguma, começavam os propugiiadores

d'estas theorias, depois d'estas definiçõer, a classificar e fazer dis- tincçbes de pessoas moraes e physicas, att': que chegavam !i tlis- tincçáo de pessoas seculares e ecclesiasticas; e assim fundavam o direito de inspecção sobre a egreja, o qual appellidavam de jus circa sacra, e se estendia á egreja,.pessoas e cousas ecclesiasticas.

Como sustentavam a independencia dos poderes espiritual e tem- poral, e lhe era indispcnsavol mostrar de algum modo a sujeição da egreja no estado, usavam do seguinte raciocinip pueril:

Os membros da sociedade ou republica ccclesiastica s30 mcm- hros da sociedade ou republica politica e civil; por isto sr iiiicbin dc tal sorte, pelo vinculo da caridade e communhão da f6 de Christo com a sociedade ecclesiastica, que vem a constituir uma republica christã, composta de ambas as republicast.

1 Coelho de Sonsa e Sampaio, Prelecgiies de Direito Patrio publico e par- ticular, 1793, § Lxvirr, P. rr tit. v.

2 Estas theorias eram tão pomposamente apresentadas, que nas cousas mais insignificantes se rende ainda hoje a conta em qiie, pelo menos officinlmente, eram tidas.

0 exemplar da obra de Coelho de Sampaio, qiie temos ao pB de n6s quando escrevemos, 8 das melhores ediç0es que no fim do seculo passado se faziam entre nós; e as folhas sobre a aresta sFio douradas como as de um livro mys- tico de oraçiies.

H:r um pequeno folheto d'este auctor, qiic anda incorporado 4s suas obras, onde rebate os arguinentos com que j& se atacavarn pstas cousas ridiculas, e emque elle desinvolve a theoria do direito divino. E mais curioso do q1lc

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Não era preciso mais; aqui estavam todos os principios da pro- tecçáo e inspecç80. D'esta, que chamavam verdade, deduziam e l l ~ tres principios: 1 .O que os direitos do imperio, nào obstante a adopqáo do christianismo, se conservavam illesos, 2." que os im- perantes sc constitiiiam na precisa e nova obrigaçào de proteger a cgre.ja c*atholica (10 seu estado, 3." (agora aqiii 6 que nào com- prelicndemos) que era consequencia d'esses dois principios, que ao imperador christáo viessem a pertencer-lhe a respeito da egreja, do seu estado, das pessoas e cousas ecclesiasticas os direitos de ins- pecção como imperador e como protector.

Tudo isto era fundamentado com exemplos dos codigos Justi- nianeo e Ttieodosiano, auctoridade das glossas e rcscriptos dos imperadores 4.

O celebre Pedro de Marca concorrêra efficazmente para dar vida n estas theorias; elle, Eybcl e Iticger, c o mesmo Antonio Pereira de Figueircdo, eram os canonistas favoritos dos nossos escriptores.

Antes e depois de D. José, e até hojc, a Irgislii~.ào, a jurisprii- dericia, a scieiicia nl~raçaram estas id&s cscoliisLicas.

Alguns d'rsles pi.iiicipios, que corn o direito rornario sc tililiam iii- troduzido nas ordcriayòcs do rciiio, szo agora pelos commciita- dores interpretatlos e desiri\ol~idos rio sentido das theorias do siimmo imperio. A jurispriideiicia, que nestc secnlo xvrir 6 fe- cunda e ~oluniosa, como sempre o tc>m sido na epocha que segue uma codificayào, c que se approxiilia dc uma nova, crescc sob este influxo.

Para nos convencermos d'isto, basta folhear as compilaçfies de arestos e decisões dos nossos praxistas; como, por exemplo, as dc

todas as outras, e mais de uma vez faz rir com sua affectada gravidade e sublimidade.

E noternos qiie,. quando isto se escrevia, j& o livro de Rousaeau corria pelas mãos de muitos, que o devoravam com avidez; c emiluaiito se explica- vam nas cadeiras da universidade as paginas das prelecções de Co~llio de Sampaio, os estudantes l i ~ m o Contracto social, que, debaixo da fbrma de peqiieninos livros, se espalhara pela mocidade, que escondido o trazia co!n- sigo, e se apaixonava pelas palavras immorredouras que se lêem, na prirneira pagina da celebre obra - L'homme est n i libre et parfout i1 est duns les fero.

1 Chegou a tal excesso esta mania dc cesarismo, que nas obras d6s nossos auctores se depara com este ridiciilo modo de dizer, falando a respeito dos reis - O8 nosooo Augastos têm usado oempre ... O Augusto tem inconteotavel direito.

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Phebo, Gama e Cabedo; e percorrer as paginas dos commenta- dores do livro segundo das Ordenações e dc alguns titulos dos livros primeiro e terceiro.

Ha tractados especiaes d'estes direitos, como são o de Osorio De patronatu resolut., o de Gabriel Pereira de Castro De manu Regia. o de Portugal De donalionibus, o de Lima Leit'io Dis- curso dpologetico e critico e essa celebre Deducção Chronologica, base de tantas reformas de Pombal.

As obras de alguns professores da universidade, como a já ci- tada de Coelho de Sampaio, avigoram debaixo d'este espirito, e neste estabelecimento litterario assim se mandava ensinar toda esta theoria, vivo fundamento de uma instituição, cuja hora derra- deira jh o mundo ouvira soar por estes tempos 1.

Eis a raz8o por que as bibliothecas estão cheias d'esses livros, que ninguem hoje 14 e de que se zomba, porventura com justo mo- tivo, poisque, á parte o interesse limitado e fugitivo de um ou outro ponto da jurisprudencia civil, que no meio d'clles se encontra,

1 Veja-se o livro de José Verissimo Alvares da Silva - 6tfroducção ao Novo Caliyo ou Dissertação critica sobre a principal causa da obscuridade do nosso Codigo nufhentico; especialmente a pag. 58 e seguintes.

Os Estatutoa da Universidade no Liv. 2.0, tit. 3 . O , cap. rrr, 58 8, 11 e 12, mandavam ao professor o seguinte :

8 8 Das formas das republicas e da naturczci da sociedade civil deduzir& 08 officios e direitos, que compet~rn tios soberanos, conhecidos e indicados pelo nome de Direitos da Mugestade, cuja instrucçlo e doutrina .é o princi- pal objecto do direito publico iiniv~rsal.*> $15 11 Sobre os officios e direitos do eummo imperio civil a regpeito das

cousas sagradas e negocios da religião, se deter8 um pouco mais, do que sobre alguns outros artigos, por ser este nPo rnerios importante qucx ~1elic:iiIo. li: dar4 tambem a coiihec~r a legitima e indispensavel iiispecçlo c :~utliori- dade que tem o summo imperio temporal sobre a admitiistraç80 exterior da egreja e aobre o exercicio das coiisas sagradas, para vigiar e impedir que d'alii não venha mal ao estado e para eineudar e acautelar o que llie tiver jfi resultado..

12 Mostrará o influxo que podem ter os soberanos sobre oe negocios, assernbleias e outras fuiicç0es da religiào, assim emquauto aos maaistrados politicos como na qualidade de principes christiios, protectores, advogdos e defciimres da religião e da egreja. E fark ver que os justos limites do mesmo indispensavel summo imperio influxo é a reciproca harmonia e inutuo soccorro que deve sempre haver entre o sacerdocio e o imperio.

Confrontando todas as suas deducç0es com a revelagjio que lhe servir0 de criterio e que ter6 sempre'deante dos olhos para n8o errar com a doutrina doa sanctos padres, dos concilioa e dos verdadeiros canones e tambem com a disciplina antiga da egreja..

Descobre-se bem a influencia da obra de Pedro de Marca e da rcacçiio gallicana em todos estes textos curiosos.

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seus reinos, povos e vassallos d'elles, que recebeu immediatamente de Deus '; -que em tudo isto tinham por base o dogma do chris- tianismo; - que, como protectores da egreja, deviam conservar illeso o deposito da f6 nos seus reinos e prcserval-os do mortifcro contagio e dos funcstissimos estragos em que o espirito da irreli- gião os procurava precipitar 2; -que era indispensavel e legitima a inspecção e auctoridade do summo imperio temporal sobre a ad- ministraç80 exterior da egre-ja e exercicio das cousas sagradas para impedir o mal que d'ahi podesse vir ao estado e remediar o que já estivesse feito ; 3 - que era obrigação dos priricipes zelar pelas liberdades da egreja 4.

Tal era a ultima expressão do summo imperio a respeito do jus circa sacra.

Vê-se bem distinctamente como, rio meio d'este jogo de pala-

1 Carta de lei de 15 de dezembro de 1774. A Carta de lei de 15 de dezetnbro de 1671, tractando de algumas duvidas

levantadas Acerca dos direitos dos aritigamerite chamados christãos ~iovos . e mandando interpretar certas decretaes da maneira que lhe aprazia, diz: E porque como Rei, e Seuhor Soberano, que na temporalidade da Igreja e ca- riones Sagrados rios ALcus Reiiios e Dominios nBo reconhece na Terra Supe- rior: Como Protector da Igreja e caiiories Sagrados nos meus reirios e dorni- iiios para os fazer conqrrx ar iia sua pureza ........ Como Supremo inagistrado para manter a trancluillidade publica da nossa Igreja r Regios Doininios .... E usando ao rnesrrio teriipo de todo o Pleno e Supremo Poder qrie nas sobre- ditas materias da inariuten$ão da traiiquillidade publica da Igreja c meus Reinos e Povos e Vnssailos d'elles, recebi imrnedi:itameiite de Deus 'rodo Po- deroso: Quero, Mando, Ordetio e é Minha Vontade que se observe.. ..... 8

2 Provisão de 5 de dezembro de 1775. Para se ver como o estado se servia da egreja para os seus interesses po-

litieos, transcrevernos esta parte da celebre Provisão de 6 de dezeinhro: .Que sendo, diz, um dos principaes objectos da minha vigi1:iiicia a fclici-

dade cterna e temporal dos meus Vaseallos, a qual, tendo por base firmo o dogma do christianisnio, muitas vezes tem sido atacada pelo furor de hurna facpão criminosa de homens, que, debaixo do pomposo titulo de Espiritos for- tes, se hão levaritado como mestres do Genero Hornano, pretendendo extiu- guir a verdadeira crença e fazer tomar aos filhos da egieja outro caminho muito alheio d'aquelle que o filho de Deus abriu no mundo, instituindo por este meio tão aboiniiiavel uma religilo que lhe autorine os crimes de suas vontades pervertidas, espalhando para isto livros cheios de maxitnss perni- ciosas dirigidas B destruiçiio dos altares e dos thronos e a fazer odiosos os dous Summos Poderes que Deos ordenou para governar os Homens .....

Condemna o livro de Elvecio, Le w a i seiis du système de la nature, cha- mando philosopho libertino ao seu auctor e maiidando lacerar e queimar com prega0 na Praça do Pelourinho pelo Executor da Alta J u s t i p o referido li- vro: O aue teve loear no dia 22 de dezembro d'eeee anno.

3 ~s ia tu tos , livu2.0, tit. 13.0, cap. 3.0, 8 11. 4 Estatutos, liv. 2.0, tit. 4.*, cap. 2.0; Carta de Lei de 2 de abril de 1768.

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vras e de theorias sem fundamento na realidade, qualquer preten* são da eçreja, que desagradasse ao estado, podia, scm o estado parecer ferir os direitos d'ella, oppor-se-lhe efficazmentcl e demo- vel-as.

O principe appellava para a protec~ão dos canones, para a pro- tecçào devida aos viissallos, para a ortlcm publica da rye ja e da sociedade civil, usava do beneplacito, como antigo privilegio da coroa, e tudo se conseguia.

I?- claro que, debaixo d'esta legislação, o direito ecclesiastico, quanto á creaçào, desmembrayão e suppressão dos bispados, tinha iriteiramente perdido aquella vaga incerteza,-que lhe vimos guardar no capitulo antecedente; e comtudo eram ainda os monar~has que sollicitavam da sancta sé essas graças. Bem se deixa ver porem que, se sem a iritervenyão e corisulta dos reis se pretendesse qualquer alteração da divisõo ecclesiastica e do numero dos bispados, e fosse isto desagradavel aos interesses, ou politicos ou religiosos, do es- tado, todas essas pretensòes seriam improficuas e baldadas. Cá rstakam as portas falsas e estas armadilhas, com saricto aspecto, do summo imperio, que não reconhecia superior na terra e que acabava de debellar a inccrtcza do direito portiigurz, drclarando subrepticia a introducção da bulia da C6a e tomando todas essas medidas energicas, que vimos acima.

Para se ver a auctoridade e rcputa~ao que esta theorin ganhoii, bastar8 dizer que, rio começo d'este seculo, se sustentava e escre- via que ao principe assistia o direito de inverter a disciplina da nomeação dos bispos; e que, sem assentimento da egreja, só usando dos direitos, que a qualidade de defensor e advogado da egrrja e protector dos cariones lhe conferiam, elle podia estabelecer a elei- ção dos bispos pelo cabido, precedendo o regio assenso á sagra- çào, embora não consentisse na confirmação a curia romana.

E sabeis como se defendia esta opinião? Dizia-se que 1180 era mister ((escogitar subtis argumentos para

conrjencer uina verdade já decidida, ha tantos seculos»; que quem duvidasse d'esta auctoridade inherente ao irnperio, sustentaria um paradoxo, que foi causa de muitos males ; - que o monarcha fica- ria inliibido de manter o contracto, que fizera com a egreja, de a defender dos males que a atacassem, ainda quando esses males partissem de seus proprios ministros; e finalmente que ((seria ne- cessario dizer que o brilhante e pomposo tilulo de protector dos

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canones, Guarda, Propugnador c Defensor das Igrejas, annexo ao principado do seculo, era uma sombra tüi e uma qrcirrtera in- ventada para illudir.4 D

Ultimamerite, Sorges Carneiro, escrevendo em 1826 c offrre- cerido a D. Pedro ~v o seu Direi10 Civil de Portugal, rcsriscitava a mesma doutrina da protecçâo e inspecçzo da egrcja pelo estatlo; e, fazendo a enumeração dos officios do principe, 'neste capitulo, aos que acima deixamos indicados accrcscenta, deduzidos do me- smo principio, os direitos de castigar os clerigos, limitar o numero dos ordenados, promover a solida instrucçno do clero e limitar os poderes dos legados do papae.

É preciso notar que nem todos os canonistas acceitaram estes excessos, e alguns mesmo n7io receberam a legitimidade do pro- prio jus cima sacra 3.

'Neste espaço de tempo e debaixo do vigor d'eritas idhas, foram crectos durante o reinado de U. Jose os seguintes bispados: - o de Penafiel, por bulla de Clcmente xiv, de 10 de julho de 1770; o de Bragança, pela Carta Regia de 17 de Setembro de 1764, qiie para ahi mudára a cathedral de Mirandn; -o de Pinliel, por 1~1ilIíi de Clemente xiv, dc 10 de jullio de 1770; -o de Castcllo-Branco, por bulla do mesmo pontifice, de 1 Ei do junho de 177 1 ;-o de Aveiro, pela bulla de 12 de abril de 1774, do mesmo pipa4

1 Veja O Inveati,garlor portuguez em Inglaterra- Jornal litterario, poli- tico, etc. - Abril 1817, pag, 151.

Direito civil de l>orfugal, L. 1, tit. vi, § 60, n.O 1 a 9, 1826. & airida o Eybel e o Rieger e Cavallario que constituem ~uctoridade 'iieste

ohjccto. - Veja tambein Direito Ecclesiastico Portupez de Beriiardiiio Car- neiro- Iiitrodue. 11.0 rir.

3 Zallinger,.por exemplo: Imt. Jur. Eocles. cap. 11. Ern eoutrario veja Pedro de Marca, Concordiu Sacerd. et Imp. lib. rv

cap. x e xiri. 4 O alvará de 17 de Rfaio de 1770,eriqindo a villas de Beja e Penafiel em

cidades, para dignamente serem sédes de novas cathedraes, exprimia-se assiiri: #Fiz supplicar ao Saiicto Padre Cleineiite xrv, ora presidente ria iinivclr-

sal egreja de Deus, que com aqiirllas pias e urgeutes causas haja por beiii conceder todas as necessarias faciildades para que do territorio do aobrc>dito bispado do I'orto se desrnembre a comarca de Penofiel de Souea e seja i~elle erigido um novo bispado ...... u

Vê-se pois, qne no ineio de todo este apparato dos direitos magestaticos, emquanto pelo meiios a srrncta s6 se n&ù recusara, se recouliecia o i .~u iii- violrivel direito 'iieste artigo do goveriio da egreja.

O inesmo dizer guarda o Alvarh de 25 de Agosto de 1770 qiiaiito A erecpào em cidade da villa de Pinhel para neg~ial etfeito.

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e ainda o de Villa Nova de Portimào, o qual n3o chegou a ser provido. t l E m tempo de 1). Maria I a bulla-fiomanus Pontifex,-de 27 de setembro de 1780, de Pio v i , supprimiu o de bliraiida, que uniu ao de Uragaiic;~. 'fieste mcsmo reinado se supprimiu eguillmente, por bulla de Pio VI, de 11 de dezembro de 1778, o bispah de Penafiel.

Tas foram as alteraçbes por que entre n6s tem passado a orga- nisação do episcopado da egreja portugueza, ate o periodo da mu- dança na forma do governo,

Um rapido olhar, lançado sobre este estado da egreja portugueza, basta para iiosdeixar coriveiicido da necessidade de uma reforma, pois que riao serh de facil iiituiçào compreherider os motivos, que pedem tão grande iiumero de cathedraes em meio de tào minguado povo.

Quando com o systema liberal começou o nosso desiiivolvimento material e moral, surgiram novas e urgentes iiccessidades, e com o concurso de variadissirnas circumstaiicias appareceu o rnau estado da fazenda publica; a reforma da circiimscripçiio ecclcsiastica e da reducçáo das dioceses foi objecto dos cuidados assiduos de quasi todos os nossos miriistros dos negocios ecclesiasticos.

e m 1833 a jurita do exame do estado actual e mclhormento temporal das ordens religiosas propoz em corisulta a reducção das dioccscs do reino a oito, uma diocese por provincia.

Iriterrompidas as rel~çòcs com a curia romana, apenas em 1843, depois de restabelecidas, 6 que a Lei de 29 de maio, rio art. li.', auctorisou o governo a reduzir a 18, precedendo o indispensavel concurso da santa sé, as dioceses do coritiiieiite, illiiis adjacentes e ultramar; e no art. 9.' egualmeute lhe coiifere poderes para, em Iiarrnuiiia coiii a mesma sé, proceder ao novo e mais acertado arre- doiidamento da divisào territorial ecclesiastica.

As dilticiildades, que se levautararn erii as negociaçòes com a curia romaria, foram eutào a causa de se não poderem executar estes artigos da lei de 1843.

Cliega a epoclia de lW3, epocha iiotavel e gloriosa a muitos respeitos ria historia contemporanea do iiosso tempo; e Pio ir suc- cede a Grcgorio xvi, captivaiido o mundo liberal por seus primei- ros actos iio i~oritificado. Tentam-se novos erisaios de accordo, e obtem-se a firial o corivciiio de 21 de outubro de 1848, e por elle o metropolita csçollic vigwios geraes que nos bispados dç Yorta-

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legre, Aveiro, Pinhel c Castello-Branco regem interinamente, e em logar dos bispos, a diocese.

Era isto sómente um estado de interinidade, e em 18130 offere- ce-se um projecto em 28 de fevereiro, o qual náo chega a ser Iri.

Tres annos depois a Lei de 3 de agosto rcnova as auctorisações conferidas ao goverrio pela lei de 1843, declarando que findavam na legislatura de 1844, na qual o governo era obrigado a dar conta do uso que d'ellas fizesse.

Depois de outro projecto apresentado em 3 de abril de 185'1, e depois de se tractar da união do bispado de Aveiro ao de Coiin- bra e do de Elvas a Portalegre, apparece finalmente o Decreto de 12 de novembro de 1869, hoje em vigor.

O ministro ponderára a incoherencia da desordenada divisão ter- ritorial ecclesiastica, pezára o estado augustioso da fazenda publica que não permittia, em 16 bispados ,515 no continente, satisfazer, na medida precisa a cada um, a dotação necessaria á sustentação de- cente e vantajosa dos seminarios, dos cabidos e fabrica da cnthe- dral; vira bem claro que assim náo lucrava a egreja, porqiie ncrn o episcopado era maritido na elevação e lustre de que carecia, i icbrr i

o crisirio mal organisado dos seminarios seria porveitoso ; e que não podia, por outro lado, o estado deixar assim abandonada a egreja a quem devia a rigorosa e plena dotação ; -consultou o exemplo das nações estrangeiras catholicas e viu a grande despro- porção que existia d'ellas para a nossa, sendo que s6 com relação á Belgica, Portugal tinha tres vezes mais bispados do que ella.

Ao mesmo tempo o governo conhecia que, terido de eritaboiar ricgociaçócs directamente com a se ;ipostolica, e que nác sendo pro- vavel obtel-as tão brcvcmente quanto era necessario, pois que riestc tempo se realisava ou pretendia realisar um systema mais ou mc.- nos completo de cconomias nos serviços piihlicos da admiriistra- qão civil e ecclesiastica; era conveniente, para cstc cff~ito, não prover certo numero de bispados, c i~ja siippressiío se 1)rol)unlia obter, deixando-se, sem crear noços iiitcresses, essas dioccses com um simples governador.

Estcs foram cm geral os motivos, pelo menos apparentes, d'cste de- creto, que determinou sómente prokcr os bispados de Arigra, Braga, Rragança, Coimbra, Evora, Faro, Funchal, Porto, Lisboa e Vizcu.'

i Veja o relatorio que acompanha eete decreto.

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«Não pretende o governo (dizia o relatorio que o acompanhou) com cste decreto, cujas disposições são puramente transitorias, re- duzir o numero das dioceses, determinar as que hão de ficar, ou ser supprimidas, e assignar limites a cada uma d'ellas.

Excederia tal intorito os podcrcs que Ilie foram commettidos. O governo acata e respeita profundamente a auctoridade da santa sé, e apenas deseja com cste decreto fixar, emquanto se não pro- cede á definitiva divisão ecclc.siastica do reino, a incerteza que ora ha no prokimento dos bispiirlos que se faz ou deixa de fazer se- grirido o livro alvcdrio dos dif'ferciitcs ministros, c facilitar a rea- lisação proxima de lima reforma ritil á evre'a e ao estado, como r J roclnmada pelas justas instancias da opiniào publica.))

O accordo com a SE Komaiia n3o Se effeituou ; e cste decreto, embora de um caracter traiisitorio, comtudo hoje em vigor, deter- mina assim o estado actual d'este grave assumpto, que os obsta- culos levantados na santa SE, desde tilüto tempo, tem impedido d~ resolver em proveito do estado c da propria egreja.

E m 2 1 de maio do anno proximo findo foi proposto em córtes um prqjpcto de lei sobre corporações e bens ecclesiasticos, muito notavel pela maneira por que rompe com os direitos até hoje re- corihtlcidos á santa se, emquanto a materias de circumscripção de dioccscls c rrdiicc;io d'ellas.

O distincto depiitado da nação, seu arictor, o Sr. Bernardino Pereira Pinheiro, olhando a cprc.ja, jiiridicamcnte considerada e para os fins de qiie tracta, como uma Iwsson moral, j u l p o cstado tão ir)- vestido do direito de supprimir lima mitra como do de extinguir um miinicipio ; e por isso, e penetrado do patriotico sentimento de ver acabada uma questão que tantos males tem causado ao nosso estado politico e financeiro ; e, por outro lado, persuadido da impossibi- lidade de tractar com a se romana a este respeito com algum re- sultado, como o tem mostrado a experiencia, e priiicipalmente por- que os nossos governos são ephemeros; propòe que, não só se pre- diizn o numero das dioceses, mas que a reducçho feita pelo estado

I

tenha força legislatira, encorporando, apenas vaguem as respe- ctivas mitras, nos proprios niicionaes os bcns das que devem ser extiiictas; propõe mais que se despoje a sé de Lisboa do titulo puramerite horiorifico de patriarchal, de qucl usa, sem proveito para a egreja nem para o estado, desde o tempo da dictadura de D. Pe- dro, desejando antes t e r a se metropolita de L i ~ b o a remontada h

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era em que D. João I arvorava, cheio de gloria, o penda0 portu- guez, do que coritemplal-a, recordando-lhe as prodigalidades de um monarcha ohscuro, mais amigo do fausto do que da patria.

& a primeira vez que de frente se attaca o direito da Se apos- tolica; mas isto, qur nem no tempo das celebres theorias do Summo Imperio se tinha afirmado, 6 agora drfendido por um principio philosophiro, que o seu autor acha incoiitcstii\el, qiial 6 o do di- reito que tem a socictlade de rtbgular o niodo de ser e as coiidjqbes mesmas da existcricia dos institutos, que s6 em a sociedade civil assrntiim o seti titulo juridico.

fi o ciipitulo seguinte destinado a apreciar este projecto e aquelle I lccreto de 2 de novembro de 1 869.

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CAPITULO 1V

A Religião do Reino

O artigo 6.0 d a Carta: sua obscura redacgío e duvidas a que d i lagar.-Estudando-o qusnto a o nosso objecto, o que nos diz o elemento historieo da iiiterpretaeào. - Origem das tbeorias da religiso do estado. - Em que circumstancias foi elaborado este artigo. - É uma pura t i aosacc~o com o passado.- Em que termos se fez essa IrancaccAo? - Estilo ern vigor as (oiitrinas da inspeccao e protercilo supremas?- Estado 'geral do direito publico eeclesia~iico sob o impirio do iegimin liberal.-Sen- lido unico po~sivel tlorartigo 6. ' tla C,~r ta , debaixo das novas idkas. - Direito do eslatlo ii intervir, nas cri!acOer, siipprrsúes tle bispados e nas divisOes eczlesirsticrs de lerritorio. - A eg r~ j i i compele só o direito de diepOr definitivamente d'estas cou- sas. - USO do brneplacito a este respeito.- O decreto de 19 de novembro de 1869 e o projecto de lei de 27 de meio de 1871 perante o direito ecclesiastico portuguez.

A quem está acostumado a pensar, com todas as forças gran- demente livres do seu espirito, 'nestes graves assumptos do prin- cipio religioso das sociedade, no destino das religiões e dos cultos; a quem accrescenta ao seu cogitar as meditações dos altos pensa- dores, que a imprerisa nos facilita nas paginas d'essas obras que centuplicam as faculdades da vida intellectual, communicando-nos o seu vivo calor; o tractar de uma religião do reino, das liberda- des de uma egreja, das prerogativas da corda e dos direitos mages- taticos, affigura-se-lhe como o dissecar de um cadaver; e por um instante parece-lhe que o discutir este breve pontificio ou aquella bulln da santa Sé, é gastar inutilmente o tempo, tno preciso hoje para o estudo de outras questões.

E, com quanto haja realmente alguma cousa como d'esse dis- secar, comtudo é indipensavel fazel-o.

E snbeis porque? Porque a nossa lei fundamental, o fecho de toda a abobada po-

litica da nossa sociedade, tem entre as suas disposições, uma que falla assim:

a Art. 6 . O - A religião Catholica Apostolica Romana continuara a ser a Religião do Reino. .. »

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Continuará a ser, notemos bem, continuará a ser a religiao do reino, diz esta lei.

I? a prrpetuaq'io da theoria do summo imperio, da protec90 e inspecção, que este artigo consagra e implanta no meio das novas instituiçks nascidas do direito dos povos, e juncto do poder real despojado da origem d i ~ i n a , ao pe dos reis, não jh summos impe- rantes, nias primeiros magistratlos da naçiio ?

E como esta, qtiantas questões riao involve aquelle ce11.bre ar- tigo 6." da Carta constitucional de 18261

Será mcsmo difficil encontrar em toda a nossa lrgislaqão poli- ticti e civil um oiitro artigo, que tenha dado logar a tantiis intcr- pretncões differentcs e encontrados pareceres. A siia redacçao foi tiio leviaiia, qiic ha mesmo ncllc o que quer que se,ja de absoluta- mente iricomprcheiisivcl; qiie i' o que acontece com todas as leis, em que, como nesta, o legislador escreve certos principios genericos sem uma idéa verdadeiramente precisa c clíirn do seu iilcancc, mas ohclccerido s6 a um echo vago que lhe sôa imperioso na mente, a uma rccordaç30 do passado ou a um prejuizo bebido no mc4o nride sc vive c pensa.

Estudemol-o pois, s6 quanto ao nosso oh.j~cto. Não devemos usar na interpretação d'estc artigo do elemento

philosopliico de hermeneuticn; porque, qiiando perguntamos, Iini'ii

descobrir a compwhensão d'ellc, o que signifiram. qual o nlcarico das cxprcssòes-religião do reino,-esse elemento é complctamentc mudo e nada nos sabe responder.

A philosophia diz-nos, explica-nos o que 4, o que pode sclr a religião de um individuo; ella na0 nos pode, porem, fiii.er bcr qiinl a essrricia e as qualidades d'isso a que chamam religiso do reino, ou do estado.

l? ao elemento historico que devemos primeiro recorrer; n8o philosophemos; procuremos saber o que foi, como religião do reino, antes da Carta, a religiiío catholica npostolica romaria.

A luz dos principios de certas escholas uma sociedade de atheos 6 lima cousa impossivel: a sociedade ha de ter uma religiao e um culto; á l i i z d'estes mesmos principios as rcligi6c.s h30 de ter irma origem immediatamente divina, iim organismo de dogmas, iima revelação sobrenatural. A consequcnrin 1c.m rapida : esta religião ha de ser a unica verdadeira. Que os homcns, nas meditaç6es de seus genios differentes, na disparidade dc seus costumes e raças,

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tenham concebido uma idéa de Deus, diversa nas variadas regibes do mundo e ria success80 dos tempos, e estabelecido crrcmonias de culto tambem deseguaes em suas solemnidiides e ritos, sem que com isto se altere, se discorde lia idéa primeira de Deus, que o instincto religioso faz brotar na consciencia de todos, k o que não comprehcndem essas escolas.

A segunda illação não se faz esperar: é a intolerancia. Emquanto as cousas se conservam neste estado a religiao existe

só de envolta com a sripersti~ão rias c las~es ignorantes; as outras, indifferentcs e hypocritas, fingem-se religiosas, v&em na religiáo um freio ás revoluções, um tempero á moral.

Esta id6a de uma religião unica verdadeira; a necessidade de ser intolcrantc quando assim concebida; o systema dc a fazer in- strumento de edificação moral ; trouxeram insensivelmente a pro- tccçáo do poder publico da sociedade; e de todos estes erros nas- ceu um outro, confuso, mixto de verdade, questão de polavras e dc forma com direitos effectivos e reaes á existencia substancial e objectiva-a religiao do estado, a religiáo do reino.

Esta protecçao, esta uniõo do estado e da egryja triumphante, tem passado por varias phascs. Primeiro, nas religiões de culto ap- , paratoso e larga disciplina extrrna, o rstiido, o imptarante, o poder p~d~l i co , presta o seu auxilio, a sua forca coercitiva, e essas reli- giõcs peccam pela flagrante contradicrÃo de se dizerem privadas cm rssencia dc força coercitiva, e exigirem-na e consentirem-na como essencial, embora emprestada.

Depois, ha um ~ e r i o d o com que as ambi~ões dos podcrcs da egreja, invejando os thesouros da temporalidade, ameaçam os po- deres dos estados. A conscirncia revolta-se.

O estado cerca-se de garantias. A protecyõo juncta-se a inspecçáo siiprcma por parte do estado. a a segunda phasc das religiões (10 estado, phase em que realmente esta itlPa toma certo vulto palpa- vcl, porquc 6 agora que o estado tem uma religigo a que preside pelos seus magistrados.

Na Inglaterra, qiiando chegou este momcnto, levou-se o abs~irdo as iiitimas consequencias, e como depositario dí. todas as sobera- nias, o rei foi o chefe espiritual da cgre,ja anglicana; nos outros paizes, o sorites ficou em meio, e ningurm se atreveu a tocar ria ultima illação. Alli a idéa dc egrejn do estado 6 philosophica- mente falsa, como por toda a parte, mas positivamente verdadeira;

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aqui, a idéa está como aquellas figuras de mulheres, que Ovidio 110s pinta nas metamorphoses, começando de se transformar em aves, com os braços feitos em azas, os cabellos a tornarem-se pennas.

E, comtudo, notcmos bem, é isto, 6 s6 isto, que dá corpo á idéa de uma religião do Estado.

Os reis são, como Constantino, os bispos externos, episeopi re- rum externarum; os defensores dos canones, os inimigos das he- resias.

Condemnado pelas idéas novas, mas vivo na legislação e accctso nos desejos da velha seita absolutista, este estado de cousan impe- rava ao tempo da nossa primeira Constituição politica.

Por onde se avalia o nivel intellectual de um povo na actuali- dade é pclo desprendimento, nõo da id6a livre e vigorosa do prin- cipio religioso, mas da id6a autoritaria e intolerante de religião. Portugal, neste momento, força é confessal-o, estava mui prezo o esta segunda idéa; as Constituições politicas não poderam romper com o passado nestes abusos do passado, e viram-se obrigadas a transigir.

O art. 6.' da Carta é, pois, uma pura transacção com o cs- tado atrazado da opinião quanto a idéas religiosas: assim o enten- demos sempre, e nunca deparamos com o desmentido d'este pen- samento.

Mas em que termos se fez essa transacção? quaes os direitos que se cedCram ? quaes os que se fizeram reconhecer ?

Este o ponto difficil. Ao primeiro lance de olhos, as expressóes do artigo - conti-

nuará a ser a religião do reino - lembram que a Carta rcvali- dasse e confirmasse inteiramente a doutrina da inspecção e pro- tecção suprema das leis josephinas.

Effectivamente, se a religião catholica continúa a ser a religiáo do reino; se o que dá corpo a uma religiao do reino são estes di- reitos e deveres do estado para com ella; parece que essa theoria tem passado toda das mãos dos monarchas para o poder executivo. Nem isto ao primeiro aspecto repugna com o espirito da Carta, porque 6 de ver, que sobre todas as outras foi a religiâo catholica por ella considerada especialmente, e em publico se não reconhece nem permitte outra alguma ; alem de que, se nestes direitos inspe- ctivos d'essa doutrina vae a defesa legitima dos direitos da sobe- rania temporal contra as ambiciosas prctenyfies da Se romana; a

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mesma idéa de se acautelar contra esses abusos se v6 bem distin- cta no $ 1 C do art. 75, onde se restabelece o beneplacito regio; e no 2.' onde expressamente se exara de novo o incontestavel direito de apresentação nos heneficios ecclesiasticos, de padroado real na egreja portugueza.

E qiie n Carta tem sido sempre assim entendida, prova-o o facto de ainda ninguem ter posto em duvida a obrigação que peza sobre o estado de dotar o clero, quando nRo ha artigo nenhum nella que d'isso fale, e mui em contrario o art. 145, garantindo os succorros publicos, a instrucção primaria, a nobreza hereditaria e os collegios e universidades, não garante a dotacão da egreja ; e, declarando em seus paragraphos a obrigação que todos têm de concorrer para as despezas publicas, comprehendendo assim os que seguirem outra religião, ao mesmo tempo assenta como principio fundamental a egualdade perante a lei.

Não foi s6 portanto no legislador que influiram as velhas idkas : ellas tCm-se imposto ainda hoje sobre n6s, que acceitamos o pe- zado e desigual encargo da dotação do clero, sem que artigo al- gum da Carta expressamente o imponha, h excepção do artigo 6.', que é obscuro e se pode adaptar a qualquer opinião.

Não nos demoremos mais um instante em dizel-o:-as theurias da protecçáo e inspecção suprema não esta0 hoje em vigor pela Carta ; não podem estar; não devem estar.

Não estão em vigor pela Carta, porque o poder real pela Carta não é o poder immediato, o poder real pleno e supremo, o summo imperio ; o rei não é o summo imperante, não 6 o Augusro dos aulicos escriptores do seculo xvi~r ;-ao rei, como depositario do poder moderador, s6 lhe cabem as nttribuiç6es do artigo 7 4 ; como chefe do poder executivo, não lhe competem nem esses officios, nem esses pedantescos direitos de protector dos canones, defensor e ad- vogado da egreja, e pelejador de heresias; pela Carta o poder - executivo s6 tcm as attribiiiçòes que ahi lhe vemos descriptas e assipnadas no art. 75, e entre ellas niío se descobre a heroica theo- ria de protecção e inspecção suprema.

Niio podem &ar em vigor pela Carta, porque a Carta garante a liherdade de consciencin, o culto particular de outras religiões; dcixa aos proprios portii~uezcs, sem consequencias algumas juridi- '-. cas, o segiiircm outra religião differente da catholica, embora uma seita, acanhada no seu raciocinar, tenha pretendido sustentar a

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opinião adversa 1; e sendo assim, não podia a mesma Carta, em sua mente, consentir a perseguição das heresias em defeza da egreja e contra os direitos dos cidadãos que prometteu guardar;-pela Carta não podem estar em vigor essas riziveis theorias; porque a Carta, se declara a religião catholica religiao do reino, ha de protegel-a, ha de reverenciar a sua liberdade e independencia soberana, e não pode, sem justo titulo, promover o restabelecimento da antiga c funtlamental ,disciplina, qi~arido ;i rgreja a não cstiibelcccr para si; isto só porque ao estado pertcnce a siimma inspccqao.

Nào derem estar em vigor, porque scria rcsirscitur, no mc~io da nova epoca de liberdade, as tlieorias josephiiias, que representaram o seu papel iia historia, mas que hoje niiiguem de srntimentos pa- trioticos e liberaes, querer8 sem duvida ver reedificar iio seio da

1 Tem.se espalhado adoiitrina de que nenhum portuguez em face da Carta pode seguir outra ieligião que 1120 seja a catholica, ciiidando-se meqmo que se não podem exercer cargos publicos erm o? attestados ?os parochos. qiiaiito ao assi(luo cumprimeuto dos deveres &e fiel catliolieo. E este um a11u o in- toleravel e uma interpretação ahsuida.

A duvida provem das palarras seguintes do art. 6.0 da Carta- Todus as outras religu'0es, diz, srrüo pcrmiftidas aos estrangeiros com seu culto dmnrs- tico, ou particular, em casas para isso destiicadas, sem fórma ulgt~ma exte- rior do templo.

Dizem d'aqui à contrario que aos portuguezes niio sBo permittidas as ou- tras rrligi0~s.

Piiinriraincnte, esta disposiç80, se assim se devesse entender, era digna doa trrnpos de c arlos ix, e inteirsmentc louca, por ser impossivel piohibir a qi~al- quer portiiguee seguir no fundo da siia consciencia outra religiUo c ter lia iiiriolnhilidade de sua habitação um logar para o culto exterior; a iiao 6c.r que o icgibiador tivesse a mente eiirgrecida pelos plarios de algiirna Sairit- I3aillielemy permanente. Depois, os artigos subseqiieiites da ('arta desinrii- tcin cahalmeiite isto que de pua m4 redacçiio se parece deduzir.

O ai tigo 7 , s 4.0, falando dos estrangeiios naturalisados, qualquer que seja a sua religião, como cidadãos portiigiirzrs os reputa ; logo, supp0e e admitte a possibilidade de portuguczes iiâo catholicos; a nào ser que iio acto de na- tnralisaçRo se exija a apostaaia.

O artigo 145, descreveiido as qarantias da inviolabilidade dos direitos civis e politicos dos cidadiios portugiieze+. dctrrrniiin no § 4.' qiie iiii~guem (quer dizer iieiihiirn cirkldfioportu~q~r~z~ pwsa ser perseguido por icioti\,os de religilo, iiri ir i rez ~ I T C irspeite a tio E':stldo e nio offriida a moral piihlica.

O $ 13 do rncsino rii tigo 11.1 diz qiie todo o cidadho poi tugnez (logo o ne turalisado, corn a exct~p2o do ai tipo 106 e o jiideri,omussulrnaiin, oprotrstante, o atlieo, etc.) pode ser adrriittitlo aos c n r ~ o s piiblicos e civiu, politicos ou militares, sem outra diffrreiiça qiie nio scja :I de seus talentos e virtudes.

A lrgislaç80 penal recoiihece esta mesina verdade e assini iiiterpreta a Carta, pois diz o Codigo no artigo 135:-Todo o prtuguez que, professando a rdi9zao do reino, faitar ... i

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sua terra. Olhae para essas leis que fundamentam todo o desinvol- iimerito dos direitos magestaticos, todos esses vestigios clc sobcrha da rnonarchia, e que tedes nellas? as datas de 1700, todas do seciilo xvrii,.que iridicarn :7 a sua origem e a sua condemna~fio.

,4 sobcrariiil de Portugal iiào precis,i d'essns theorias que só re- velam rima fraqueza, ou descobrem um deupoti~mo.

Nem para que o artigo 6." tenha um sentido importa siistcntal-as. Não podendo admittir-se o vigor d'cssas idbas sob o imperio do

regimen liberal da Carta, deve entender-se da maneira seguinte o estado recente do direito ecclcsiastico portuguez depois d'elle.

A egreja portugiieza continúa a existir; neni que a Carta tivesse declarado a liberdade e inteira separaçBo do estado e d'clla, ella deixaria de existir; quanto mais tendo-sc esçripto o art. 6.'

Todas as suas liberdades permanecem, quando se ajustem com a id6a liberal e sejam compativeis com o actual regimeli.

Não 6 sn a It>ttra expressa das leis que revoga antecedcnt6.s pro- visfics, P tnmbcm o espirits de legislação, quando ellc se inverte sob o irilliixo de uma profurida revolução na coiistituic;8o politica da sociedacle.

E assim que, por exemplo, se conservaram os direitos do pii- droado real.

O artigo 6 . O , consagrando a maxima de que a religião ca- tholica coritinúa a ser religião do reiiio, conserva apertadas as re- Iaçòes do estado portuguez e da egreja portugueza, impondo a este todasas obrigaçòes e direitos compativeis com a nova ordem dc cousas; e por isso de firma nenhuma lhe pode conferir a sri- prema inspecção.

Estas relaçòes, estes direitos e obrigações, que involvrm real- mente uma protecção, portm em outro seritido da velha protecção do summo imperio, podem resumir-se nas seguintes preceitos:

O estado fornece as condi~$es de tida h egreja, dando-lhe os ternplos, e a dotação dos seus ministros; dew preparar-lhe o meio de 1it)erdadc onde possa desirivolver-se cm todo o seu vigor e qrga- nisar-se sem embaraço ou obstaciilo algum polilico -procurar-lhe o respeito publico e o primeiro logar t~iitre as outras ieligibes- acatar as liberdades da egreja portugueza , ,porque essas sào as coridiçòes proprias da existencia individual d esta cgrejil.

Que tudo isto seja perigoso, que seja inconieiiieritr, são outras questões ; a protecção do estado It egreja, qiic só pode dar corpo

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e sentido á instituiçáo que se chama religiâo do estado,flnão pode deixar de se eriteiider assim sob o imperio da liberdade.

Outra cousa 6 indigna de um estado livre e dissonante dos pri- meiros elementos da rioba coristituição social.

Assim postos estes priricipios, vtljamos agora qual o ultimo estado do direito ecclesiastico portuguez quarito ao objecto particular que estudamos aqui.

Os dois capitulos antecedentes provavam o direito que o estado portuguez tivera sempre de intervir na creaçiio dos bispados, alte- rações da circumscripção ecclesiastica, devendo sempre ser coiisul- tado, podendo sollicitar cstes negocios directamente, mas nao pos- suindo o privilegio de erigir de novo os bispados, ou supprimil-os, sem a aiictoridade da Se apostolica.

Isto mesmo Ilic compete hoje depois da Carta. I'rimeiro, porque, como vimos, era essa uma liberdade da nossa

cgrtbja, que nunca os factos desmentiram, que o berieplacito regio sem1)re subentendia e que as bulias, sempre confessaram attencio- sas; e em aeuundo logar por uma raztio, que o novo estado poli- 9 tico das relaçoes religiosas dos portuguczes fez nascer.

Iloje o facto da creação de um bispado pode involver grave responsabilidade para o governo que a coriseritir scin umii grande neccssitlade ; porque, requereiido um augmento de despeza, qual a da dotaçào da mitra, cabido, fabrica da cathedral e semiriario respectivo, esta despeza vae recahir tambem sobre todos os que seguem uma outra religião e, que sem garantias para o livre culto da sua, concorrem para a dos outros.

O governo, imparcial julgador d'estcs negocios, defensor da egual- dade da lei e da constituiçlo, não pode, não detc em certos casos, consentir ria creaçóo de novos bispados; pode e deve pelo contra- rio excitar a sua reducçào; e sobretudo exigir que facto nenhum

irnelito seu. d'estes se passe sem audiencia e corili~c' A egrqa riáo pode, riem deve queixar-se d'cstas pretensbes, por-

que 6 ella que acccita e quer ri uriiào e protecção do estado; e a uri:ào e protecção do eslado, sob a kigericia da lei liberal politica, nào pode interider-se dc outra forma.

Quanto ás uniões, e ditisòes dos bispados e nova circumscripção, alem do direito estabelecido pelo costirme constante e incontcstado desde os primeiros tempos de Portugal, uccresce a mesma razâo de ser objecto em que vae implicado o temporal pela dotação que tem

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de prestar e egualmente pelos dados e esclarecimentos que pode fornecer a respeito da utilidade das reformas, numero de paro- chias, população, sedes dos bispados, e outras,

Sobretudo, porem, o estado dete respeitar a auctoridade da se apostolica, que é pelas leis da egreja, nào derogadas 'nesta parte pelo direito portuguez, aquella a quern compete o direito de dispor d'estas cousas: tota rei istius disponendae raiio ad Ecclesiarn per- tinct, como escrevia no seculo wri o celebre Pedro de Marca.

Desconhecer este direito á egreja, seria náo proteger a egrejii por um governo livre, mas mentir essa protecçâo, falseal-a com o despotismo; seria uma traiç8o.

O estado tem um meio de defeza, que 6 o bencplacio; mas o beneplacito, negado a uma bulla de erecçáo de um novo bispado, que se fizesse com a intervenção do estado, e nos casos em que os canones pedem a nova creação de dioceses, era uma outra traiçáo, porque o estado não usaria entâo do beneplacito, mas abusaria d'elle. O beneplacito 6 uma arma defensiva; e por isso se não pode negar no caso da urgente necessidade da creaç3o de um nolo bispado ; attendido o estado pela previa consulta, a hiilla, lorigo de ser um ataque ao direito temporal, k um justo exerci- cio dos direitos de propria soberania da egrcja.

Nem o estado tem de que se queixar; riem deve dar logar a corillictos; porque clle reconheceu e quiz que a religiáo catholica fosse a religião do reino; e as leis da egreja catholica não podcm consentir a riecessidade urgciite dc um novo bispo sem a creaçso d'elle; e o estado obrigou-se a revcrcnciar e proteger essils leis, porquc protege essa egreja e não a guerrba.

O decreto de I 2 de novembro de L 1169 reconheceu isto mesmo ; e no que determinou fez exactissimarnerite o que devia c podia.

O estatio disse ii santa sé: eu respeito e acato mais que todos a tua actoridade; mas eu tenho tambtm que respeitar e acatar os direitos dos citiadaos portuguezes. - Da inesma fórma que eu, em caso de urgente riecessidade da creaçào de um bispado, mesmo nos transes angustiosos de um m,1u estado da fazenda publica, me rião podia negar, nem impedir a nova creação do bispado ; - assiin tambem, agora, que a evidencia dos factos demonstra a inutilidade de urna lloresta de dioceses que retalha o pequeno territorio por- tugucz, c que as fortunas publicas padecem tão pczadas exacções, agora tenho eu o direito, como protector d'esta cgeja, de pedir a

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rediicçáo dos bispados. Nâo o faço, porem, porque reconheço em ti o poder unico para o fazer; mas, com, não duvido da justica do meu pedido, niio apresento bispos até. que venhas a um accordo.

Nada mais justo e legitimo. Mas em nossa opiniáio este Decreto fez pouco; este decreto po-

dia e devia fazer alguma cousa do que preterideu depois o sr. Ber- .

nardino Pinheiro; porem, niio, de modo nenhum, pelas razõcs que o distincto deputado allegou no relatorio de que fez preceder o seu projecto de lei.

Depois de se consultar a curia romana, se ella persistisse na con- servaçâo dos bispados e não permitisse nem decretasse a rediicçao d'elles, ao estado cabia o direito de negar o bencplacito a novas bullas, se as houvesse, e de niio continuar a apresentar bispos para essas dioceses.

]O um conflicto, d'accordo ; mas entre cstrs dois poderes quem ha dc decidir quando iim abusa? I)(. que serviria ao estado o direito tle ser ouvido 'ncstcs nego-

cios, se nao podesse de algum modo, ncsstas relaçòes oiiti.(~ os dois podcrcls summos e irresponsaveis, tornar eff'&ctivas as suas ~)relcn- sõcs, quando justas?

A santa Sk fecha os olhos a tão attendivcis razòcs, quacs as que O estado Ilie apresentou? abusa do seu direito? O estado tem tambem os mclios, não, note-se bem, dc iisiirpar qualqucr d'aquellas prerogativas dos papas, mas de, por um proceder tiegiitivo, impedir atk certo poiito as conscquericias do abuso e descorisideração da santa Sk. Só o que não pode 6 decretar a abolição e reducç80 dos bispados, como deseja o sr. Uernardirio Piiiheiro.

O estado, que resulta de tudo isto, 6 inqualificakcl: bem o sabenios; mas E spmpre o que acoritece, quando estas pendencias se dão entre dois podercr; supremos e irrcsperisaveis, tendo um d'elles abusado.

I? a natureza das cousas Tem por ventura a santa Sk o direitofde intervir nos negocios

politicos de Portugal e obrigar os povos a pagarem tributos im- possiveis de sustentar? não h30 de as suas pretensbes quebrar-se e modificar-se ao encontro d'estes principias 9 ha de o estado, con- vencido de que a nayáo não deve, nem pode pagar mais, e de que sno clesneccssarios 16 bispados no continente, obrigar a naçao a pagar, e sustental-os, isto porque a santa SB abusa de seus direitos, e nào attende A necessidade da propria egreja?

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Não pode ser, ha de haver uma soluç8o para este estado de cousas.

A solução legitima e regular, era a reducção dos bispados por bullas pontificias; mas quando isto se nâo verifica, como na hypo- these presente, 6 tambem legitima e justa a soluç8o que o Decreto de 1869 propõe e estabelece.

Depois, corisideremos que desde 1833, que se cuida neste ne- gocio ; desde 1833 que a necessidade da reforma da nossa cir- cunscripção ecclesiaslica 6 uma evidencia; desde 1833 que o estado do thesouro 6 incompativel com as despczas de tiiio larga dotaç8o e que o Estado não pode conservar os bispados na altura a que tem direito; desde 1833 que se têm iniciado accordos e negocia- çbes com a sancta Sé; e desde 1833 que aquella Sé se nega e se esquece de resolver este importante assumpto.

Náo serào estes factos em abono do decreto de 1869 ? não terá o Estado o direito de padroado da mesma forma que a Sé romana o direito de reduzir os bispados? não terá o Estado o dkeito de náo apresentar os bispos, quando a Se tem o direito de não que- rer reduzir as dioceses? A justa rcsistencia a um abuso, será um .

abuso? Não justificará o proceder do governo portuguez pelo acto de 12 de novembro de 1869 o proceder inconveniente da san- cta Se?

Cremos que sim, mas pensamos que o decreto de 1869 podbra e dev6ra ir mais longe.

N6s queriamos que o decreto não s6 determinasse que não provia, ate um accordo com a Se romana, os bispados que julgava dever extinguirem-se; mas que tambem mandasse incorporar nos proprios nacionaes os bens das mitras cuja reducção propozera; isto, sempre, note-se bem, sem decretar 'por força de suas provisões a reducçéo dos bispados.

Ate um accordo, o bispado ficava sem bispo, e as suas rendas e bens entravam desde logo no cofre da fazenda publica.

Isto podia fazer o Estado; porque ninguem ousa contestar ao Estado a propriedade d'esses bens; o que nõo podia era dar a f o r ~ a legislativa de cxtincç8o do proprio bispado ás disposições do mesmo decreto, determinando que se não provesse de bispo esse bispado, como queria a projecto j B citado mais de uma vez '.

1 Este projecto dizia nos seguintes artigos : cArt. 1.0-SBo encorporados nos proprios nacionaee, entrando na regra

13

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Este projecto, propondo que se jiilgassem extinctas aa dioseries, a qiic elle mesmo nào Jmpuiifia ao Estado a obrigação de prover de bispo, sustentava este direito de extincção-das diocesee da parte do Estado, como cousa evidente e que ninguem ousaria contestar.

Dizia elle que ctninguem pode confu~idir os direitos absolwtos, inherentes ao homem, com os direitos qne as leis concedem ( t ~

pessoas moraes; que a egreja, juridicamente e para os fias de que &acta, não é mais do que u m pessoa moral, como o estado, o

geral do artigo 36 do Cod. Civ., todos os bens mobiliarme e immobiliarios da igreja ou corporação religiosa que por qualquer metivo se extinguir.

*Art. 2.0- Srto declaradas extinctas, p r a ae &itm do artigo mimedente se niitras, fabricas de cathcdraee e seminarios, pertencentee he d i o m s , eu- jas sEs estão actualmeiite vagas, ou Bquellas que vierem a vagar, onde esta lei 1160 aiictorisa o governo a nomear e apresentar prelado.

eArt. 6.0- O governo, dc accordo com a sancta M, farã tima nova Mrcam- scripgão das dioceses mencionadas no artigo 3.0, comprehendendo nestw 8 Area dos bispados exti~ictos.

619 unico. As dioceses que devem supprimir-se serito administradas por vi- garios geraes, em quanto se nâo concluir a respectiva eircumecripçito.~

Admira-nos este receio do auctor Bo projecto de iiiio julgar o Estado aii- ctorisado a reunir ás dioceses existeiites por força de seus decretos as dioce- ses e~t i ic tas , e esperw para isso por accordo da satictx 66, qiiantlo pai% a extiricyào d'ellas, o que de certo 8 mais grave, não liesitou um momento em co~!sidcrar o Ehtatlo iiit~irumente iiivestido de direito iiicoiitest~lvel.

E unia incohcrcuciw do projecto, que revela bem quanto nesta parte eram pouco seguros os seus fundameritos.

De lia muito que vernos repetidas em toda a parte as palavrae, que cosi0 axioniaticas se escreverli no relatorio d'este projecto.

Dix-se sempre, como cousa incontestave1:- a propriedade itidividual, quem s coritestsrtí? mas que as pessoas moraea possam ter propriedade, que o as- tado, a lei, que as creou, n6o posaa diapor d'ella a seu bel-prazer, quem o sua- tentar&?

De boa f6, e em soiencia, n b ee deve faeer echo com estas vozes. Que :r propriedade individual tem eido eonteetada pode, deve ignoral-o o

liomem de sciencia e de boa fA? E, dizci-me, a propriedade collectiva, e o direito de associaç&o, podem di-

zer-se assim sem trepidar que saU ooueas de que a lei pode dispor como ama creança de seus brinquedos ?

Por Deus ! a mente do homem não k um relogio de repetiçao; que se tenha dicto, que se tenha escripto, que i m p r t a fsm?

E em quanto ao aesumpto do projecto aos bem do clero, todas estas q o ~ t & ~ toniam novo aspecto; e o ar. Uernardino Pinlieiro não ignorava cle certo que, alem de se discutir, de ha muito j&, a legitimidatle da expropriaçâo feita pelo Xstado no acto da extincçào das ordena religiosas, ainda não são passados tred annos que aa Constituintes heapanholw ouviram uma voz bem a u c t d - sacla nos arraiaes da liberdade chamar um roubo a essa expropriação.

Sejamos pois mais francos: o homem livre deve primeiro que tudo ser irne parcial, porque a liberdade h t5 fawiosa,

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municipio o u outro qualquer etiabelecime~io de piedade 4 in- strucçào pirlrlica. e que estes eslabelecimenios foram creodos pela sociedade, por ella podem portanto ser eainctos, e qw ninguem de scieneia, e em boa fd, o põe em duuida.~

Se se tracta dos bens ecclesiasticos, pode o auctor do projecto ter razão ; mas, quanto á existencia mesma, á extincç'io ou con- scrvaçao do bispado, 6 para 116s muito coritestavel a doutrina do illus- tre deputado.

I'ois os bispados de Pinhel, de Castello-Branco, de Portalegre, de Aveiro e de Paro foram creados pela sociedade, da mesma forma que os municipios e as escolas? Pois reconheceu nunca o direito ecclesiastico portuguez similhante direito aos nossos reis e depois do regimen liberal ao Estado portuguez ?

E, quando assim fosse, estes estabelecimentos não poderiam di- zer-se da mesma natureza dos outros, porque a Carta Constitucio- nal tem um artigo, onde a naçâo portugueza se obriga a continuar a ter a religiào catholica como religião do reino, a protegel-a, a respeitar suas leis; e Mra mister ou provar a existencia do direito privado da nossa egreja, ou negar o direito geral das decretaes; e riem uma riem outra cousa faz o auctor do projecto, nem cremos que o podesse fazer.

Como no projecto o principal assumpto eram os bens ecclesias- ticos, e para ellcs tinham todo o vigor as consideraçòes allegadas tio relatorio, parece que o distincto deputado, cego um instante por exagerado patriotismo, queria de envolta com ellas fazer passar os artigos, que, sendo depois lei, teriam irremediavelmente acabado as quest6es.

380 pode, porem, proceder-se assim, sem quebra da dignidade nacional e ernquanto a religião catholica for a religiâo do reino.

L)a mesma maneira não encontramos no projecto os tituios em que se funde o direito de despojar o patriarchado de Lisboa das Iionriis que 1). Joào v para elle conseguiu do papa.

Tanto como o auctor do projecto comprehendemos n6s a des- necessidade d'aquella primazia esplendorosa, da necessidade que se rios revela não s6 perante o estado difficil da fazenda publica do nossa paiz, mas tambem em presença das conveniencias da propria egreja. I

Mas, como conseguir esta reforma por um decreto ou uma lei? como fazel-o sem a auctoridade da Sé apostolica?

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A.lcançou-o po,r ventura assim o mestre de Aviz? p6de conse- guil-o sem esse concurso o rei faustuoso f

Corihecemos s6 uma hypothese em que seria possivel pelos meios que o projecto indica, por decretos da soberania temporal, obter cssa necessaria e conveniente desoneração da fazenda publica: C n hypothese da separaçuo do estado portuguez da egreja catholirn (10 nosso paiz.

Antes d'isso o projecto 6 'nesta, como na outra parte, offensivo do actual direito publico portuguez ecclesiastico e politico.

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CAPITULO V

Ultimas palavras

As ultimas palavras d'este imperfeito trabalho, que v80 ler-se neste capitulo, sáo uma consequencia do que acima se escreveu, e ao mesmo tempo um desejo mui vivo e uma esperança de seu auctor.

Não ha direito, nem mais intimo, nem mais sagrado, do que o direito de elevar o espirito até Deus, de deixar desinvolver-se e florescer o instincto religioso, atb tomar a forma precisa de uma idéa; idéa que alenta a vida, quando a liberdade deixou compre- hcrider e a comprehensão trouxe a crença; idéa que esmaga com seu peso e martyrisa com a duvida, quando a força de uma direc- ção qualquer niio espontanea roubou a luz e o ar ao sentimento mystico da alma.

Se a inviolabilidade dos direitos faz da desigualdade da lei iim grande crime, a desigualdade da lei em materia de religilo é o maior dos crimes.

Não conhecemos nada mais revoltante, e mais indigno de um povo livre.

E a primeira das nossas leis, a lei da nossa liberdade, dos nos- sos direitos, a lei sagrada, 1130 podendo separar a idéa de reitio da idéa de dynastia, e a idéa de dynastia da idéa de religião, logo em seri atrio gravou o odioso principio de uma religião do reino, com todos os privilegios e todas as intolerancias da velha mo- iiarchia !

Soffremos hoje as consequencias d'este facto,

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Por mais que se diga que o sentimento religioso é do intimo e livre f6ro da consciencia, por mais que se pretenda sustentar que o Estado n8o pode desacomparihar de sua protecçâo a idéa religiosa, penhor da moral e conservação dos costumes ; é sempre certo, como diz o profundo Hrimboldt, que a protecção official, dispensada a certa religiâo, involve uma pressão mui activa sobre a liberdade individual, pressão que se nào v&, que rifio consegue effeito nos espiritos illustrados, mas que 6 um despotismo real para a maioria de um povo, para o homem ignorante e srm liizcs das cidades, para o homem rude e supersticioso dos campos.

Compellir, directa ou indirectamente, o sentimento religioso, 6 quasi mais perigoso do que fomentar a intolerancia descoberta, franca e acompanhada de persegriiçòes e violencias; porque 'nesta a consciencia da propria dignidade resalta orgulhosa, e com aquella o sentimento religioso 6 inteiramente desvirtuado cm quem o ngo pode comprchcnder, porque perde o que lhe vem da alma, puro e verdadeiro, para acceitar d'outrem um emprestado e que nTio percebe; e é totalmente apagado em quem o podia conceber, por- que produz a indifferença ou a hypocrisia.

A indifferença e a hypocrisia I e quem tem o olhar tRo curto que 1130 veja entre as causas dm males d'esta terra, e de mais de um dos povos contemporaneos, esses dois inimigos de todo o senti- mento puro, desinteressado e enthusiastieo ?

A indiflerençn e a hypocrisia preparam o homem para tudo: em rim paiz falto de instrucçao e sujeito a um regimen de liberdade sáo esses os maiores instrumentos do despotismo: o as religiões do Estado e a exclusáo e intolerancia dos ciiltos prodrizem fatalmerite a indifferenqa e a hypocrisia.

Nào pretendemos dar aqui a demonstraçfio cabal d'esta verdade ; nem 6 nosso proposito fazer ver como a tlieoria da protecyão das religiòos pelo Estado estdi cundemnada pela sciencia e pelos factos: sómente desejamos chamar a attenção de quem ler sobre um ponto especial, inteiramente ligado com O objecto geral d'este livro, e que como ess'outro pede a separaeao das duas seriedades.

A protec~tío concedida pelo Estado a uma egrejn qualquer, d'onde deve deduzir-se como primeira ohrigaqko a de dotar o clero pelo thosouro publico, dh inevitavelmente logitr a coníiictos como oqiielles que motivaram o decreto de 12 de novembro dc 1869 e lem- braram o patriotico projecto de Ici de que falhmos. Estes confli-

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ctos são perfeitamente insoluveia neste estado de rela~ães, e mos- tram assim o vicio d'essas mesmas relaçães.

Este facto de o Estado ter de pagar ao sacerdote, 6 ainda ou- tra salicnte e detestavel consequencia de similhante systema, pois que d'essa maneira o sacerdote 6 necessariamerite um assiilariado do Estado, um funccionario, um empregado priblico; c neo ha nada mais indigno do que fazer fiinccionario publico o sacerdote, o padre, este homem que tem de realisar na terra uma tno elevada e sancta missiio.

uma idea que faz tedio. ]I: d'esta maneira, os ficis, de braços cruzados, conseritcm que

lhe imponham por parte de uma entidade moral, que niio tem, nem pode ter religigo, o padre, o parocho, csse que ha de sancti- ficar-lhes o primeiro dia da existencia de seus filhos, consagrar- lhes a iinião perpetua com a mulher que lhes partilha a vida, acom- panhal-os na angustia da hora final, ser-lhes um pac providente no desalento e na miseria !

E isto promette e cumpre o Estudo, quando prumcttcii. e deve cumprir a inviolabilidade da propriedade, que fere vitalmente agora, porque tanto concorre para n dotaçno do clero o jiideu e o prc*. testante, como o catholico !

As leis, edificando as instituiçòes, acostumando-nos a ellas, exi- gindo-nos rigoroso respeito, concorrem efficazmente para a forma- çso da opinião do publico, e triste 6 a opinião publica que se ro- bustece á sombra de similhantes instituições.

Alem d'estas desigiialdades e incoherencias, alem d'estes erros e inconvenientes disposiçdes, o actual estado dç relaçks do Estado 1 1

e egreja portugueza 6 incompativel com a id6a de liberdade, com o espirito do actual regimen.

Qiie a egrcja coriserve os seus usos e costumes proprios, suas praxes domesticas, nada nos importa ; ella C! uma sociedade livre de homcns livres, reunidoa para o mais livre fim, qual t! a religião. Viva pois como quizer.

O que nos interessa 6 a critica d'estas liberdades que lhe advêm do lado profano do Estado.

Não desconhecemos n6s quão preciosas foram em tempos estrts liberdades, mais ou menos ligadirs ao esplendor do sccptro por- tuguez; ellas marcam epocas de desafronta, priodos de gloria. NHo as renegamos pois; mas porque Affonso, o filho do conde E-lvnriqiie,

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nos ganhou a independencia, havemos de ir viver prostrados deante do arrendado e magnifico tumulo do conquistador de Santarem, havemos de esquecer-nos e passar a vida lia contemplar,ão d'estas heroicas sombras, abraçarmo-nos a ellas, e deixarmo-nos morrer mergulhados em a nuvem scintillante de recordações de gloria que as envolve ?

Não pode ser; o presente chama-nos, o futuro espera-nos. As liberdades da egreja portugueza, estas liberdades mais iriti-

mamente ligadas á corda de Portugal, já nào esistem. I

Decrepitas iis encontrou o regimen constitucional, sem vida as prostrou por terra.

Cumpre-nos agora levantal-as cuidadosos, sacudir-lhes o p6 das luctas com que esta nossa idade turvou a luz de seus primeiros dias, e guardal-as com respeito no panttieon das nossas memorias brilhantes.

Com que direito os poderes publicos de um povo livre vem a uma das egrejas de sua terra, aquella que mais dilatado espaço tem occupado no mundo, aquella a quem mais deve, que foi a re- ligião de seus paes, que 6 a religião do maior numero, com que direito se apresenta o esta.do deante d'ella e, encostando-se h haste do pendão liberal, lhe diz :

«Não tens direito de eleger os teus sacerdotes, os teus ministros; desde o mais humilde parocho da ald&a perdida na agrura das serras, at8 o radiante patriarcha da basilica, inn8 de Roma na sum- ptuosidade das honrarias; desde a cidade roabada aos sarracenos pela mão d'aquelles que ao meio da peleja levavam o symbolo do martyrio de Christo pregado nas roupas, at6 ás povoaçkes ondt. a seiva das florestas acarreta as parcellas do sangue dos Castros, dos Cunhas, dos Albuquesques, de tantos outros; por todo o orbe por- tugiiez ; hei de ser eu que os eleja, que os escolha, que os apre- sente?))

Que! tendes a liberdade para todas as sociedades e não a ten- des para essa? reverenciaes essa instituicão por ter sido a religiRo de nossos paes e prendeis-lhe na garganta a corrente da escravidão, fazeis d'ella escrava a religião do Estado, quando por toda a parte o braço potente da liberdade derruba todas as servidoes!

Pois reconheceis que a iniciati~a individual 6 a forca motora do progresso, que a associação 6 o seu instriirnento, e virides coritra- riar esws principios que abraçastcç, Sazerido com o riitdo das vossas

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armaduras, deslustradas pelas pugnas turbulentas da praça publica, calar a voz do apostolo, que dizia-,que nada havia mais livre do que a religião - viihil liberius quam religio ?

Oh! isto 6 incomportavel ; isto mancha o brilho puro da vida livre e da dignidade do xix seculo; e cada um de 116s tem o grande dever moral de perceber a idka do seu tempo, desenvolve-la com os esforços de toda a sua vida e entregal-a assim ás gerações do futuro !

Temei que n?io vos aconteça como áquelles christsos que o Cesar mandava amarrar aos cadaveres, para que os vermes communicassem aos vivos o veneno da morte.

Essas liberdades foram precisas ao Marquez de Pombal, mas tambem lhe foram precisas as forcas e os patibulos; e quereis v6s

'

tambem evocar do meio das praças publicas essas sombras ensan- guentadas da tyrannia do passado ?

Temia-se então o braço da theocracia; devisava-se com espanto I

aberta e raiada de sangue a garganta do poder absorvente do I

1

anti-Christo encarnado papa. Podiam ler-se os pergaminhos d'essas liberdades; e os menos

acostumados aos estudos paleographicos reconheciam com facilidade a legitimidade d'esses titulos. I . . * - * I

Mas hoje ? .... . I I

Temeis tambem hoje as ameaças d'essa tormenta P "J) ,

Puerilidade ! I

Não se lembram que o mundo já admirou esse homem que I

eripuit coelo fulmen sceptrumque tyrannis;

recêam ainda que os raios da theocracia os venham fulminar, e por pouco que não amaldiçoam a memoria do grande homem, porque, ao passo que desarmava o céu das armas de sua colera, Ihes arrebatava das mãos o sceptro das tyrannias!

Ouvimos já dizer : «Utopia ! os povos não estão preparados!)) & sempre a mesma voz ; sempre o fallar d'aquelleg, que são

como esses homens das escripturas, que tem olhos e não veem, ou- vidos e n30 ouvem.

Com franqueza, dizei-nos: é preciso obsciirecer o sol com o moiitiio de ruinas que a separação do nosso Estado da nossa egreja ha de produzir ?

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Essa mparaçáo esth tso longo dc ser uma utopia, que 6 uma necessidade urgcnte; asth taosdistante da chimera, que ellii podo rcalisar-se sem qiic iim Ilorão só se desprenda do lavor das catliedrues dn nossa egrcja, e sem que uma diis cruzes alçadas no seu vertice sc vc~ja pendida por lhe [altar o alento publico.

Sabeis o que 6 preciso, o que suficiente? & o que o Efitado se retira prudente, e cautelosamente de sap

paipça da scena, deixando o espaço livre. Tome a sua constituiçáo e risque tres artigos: acabe com a re -

Iigiáo do reino no art. 6 . O , c com o padroado e beneplacito no art. 75; vB ás suas leis e apague o principio da dotaqâo do clero pelo thesouro, c deixe h gre j a esse cuidado, ou por contribuições, derramas, coogruas, como hoje estáo vigorando, oii por salarios pagos rio acto da prestação do serviqo; em uma palavra, como (3

quando clla quizer. «O beiicplacito?! dir-nori-50, havcn~os de ir insultar as cinras

do grande rei, do grandc justiceiro? Que ! pois niio vedes como o ultramontanismo, o pqtido das

trevas, cada vez mais se exalta, mais truholha, mais conscguc, introduzindo-rrc no mais intimo sanctiiario das familias, lk onda vós cuidars sircrilrgio penetrar; arrastando-se até os estabeleci- mcntos de picdade c dc instrucção e enroscando o seu escamoso corpo em bolta das cteoricinhas para lhe sriffocar o espirito nas- cciitc ; correndo apressado e com o olhiir torvo dc ambiçòes ao meio das povoaçòes ignorantes dos campos e quc sc ciitregam iio siicrificio como os mansos animaes ao ciitcllo dos sacrificadores do paganismo grego ?

E e agora qrie v6s quereis desapertar o peito de aço do bene- plecito e do padroado !n

Sim, e agora mesmo; porque emquanto o tivermos conchegnilo ao peito, cmqiianto promettcrmos estender o nosso escudo protc- ctor sobre a religi30 do reino, nào temos o direito de impedir que o catliolicismo romano exerço a sua viva forca, preguc as euas doutrinas, embora falsas; porque o Estado que promctte protecçgo nho pude atreiçoar.

&Ias deixai todas estas lucias ao impcrio c força do direito com- mum; deixai que o bispo, que publícii a pastoral offi:nsiva cios (li- rraitos da sohorania nacional, scja como qunlqiier oiitril 11cs40ii aos olhos do Estado, como qualquer outro cidadgo quc abusiistx tie sua

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posiçáo e attacam o que de mais sapado ha no mundo; c dizei-me se nas garantia6 geraes da lei nao ancontrais agora, depois do apngado o artigo 6 . O da Carta, a força, o indispensavel e justo vi- gor, de qiie tanto se carece na protecç8o da liberdade !

Foi, porventura, em harmonia com o artigo 6." da Carta, foi cumprindo os deveres de protector que o Estado portuguez extin- guiu as ordens religiosas em 1834 ? foi cumprindo esses mesmos deveres que elle se approprioii de seus bens.? 6 na realidade, como leal protector, que elle se v& obrigado hoje a não prover de bispos OB bispados do reino ?

Foi assim, iisando de seus direitos, que elle expulsou os jesuitas em tempos que 18 vio; porque então era elle, nlem de ~~rott-ctor, supremo inspector; mas essa força perdeu-a hoje depois 00 i m p rio do governo livre; e, quando devia reeuperd-a nos saltitares principios do-direito commum, foi recusal-a no sexto artigo da constituição que elaborou.

Ahi 6 que esth todo o mal. Duvidar d'isto C duvidar de que o Estado nZio esteja revestido

de força necessaria para a siia vida livre e pacifica. Quanto a oulros effeitos d'esses males do ultrsinontanismo, quei-

xemo-nos do pessimo estado da nossa instrucçao e procuremos reformal-a quanto antes.

Ella 8 s6 o unico meio efficaz de esmagar a vibora do ultra- montanismo, se vibora é ; ha de dizcl-o a discussao livre, e nuiica o explicar8 a protecção legal d'essa nieema seita, estendendo o seu influxo a toda a legislaçáo de um povo.

Esta separaçso 8 vital; ha de impor-se, mais cedo ou mais tarde.

Mais cedo, se a prudencia reformar as *leis ; mais tarde, quandil o embate sanguinolento dos interesses e das ambições a encravar nas instituiçòes.

Com ella o christianismo ba de viver mais dilatados annos, por- que, abandonada & inspecção dos firis, a disciplina ha de necessa- riamente reformar-se, ha de restabelecer-se na sua forma primi- tiva, e assim poderá abraçar o progresso e a liberdade.

fla aqui uma fatalidade tao imperiosa, quanto o cliristiariismo e iiiseparavel do futuro.

Antes de attingir o ideal, n nossa çivilisaç80 ha de aciibnr iim dia.

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Mal sabia o cantor apaixonado e grande da triste Beatrice, .pe, copiande. na divina comedia esses cyclos do inferno, que sua ima- ginação insondavel lhe pintava concentricos e cada vez mais vastos, elle desvendava o quadro da vida da humanidade!

Cada um d'esses cyclos é uma civilisação; a cada um d'clles presidem dois principias: um que lhe dilata a circumferencia, ao- . cioso; outro que lh'a estreita, im placavel.

Aquelle 6 o principio de vida, de progresso-a utopia. Este o principio cahotico, de morte-a reacçào. D'aqui as expressões syntheticas do viver do homem : - lucta

e trabalho. O nosso cyclo é o cyclo do christianismo, b cyclo da liberdade,

da egualdade e da fraternidade. A sua ultima palavra, que o futuro p a r d a , é o socialismo. Todos os cyclos têm um homem que lhe descrobre a lei, a

alma, a idPa. A descoberta firma-se sempre com o sangue do mnrtyrio. Todos os cyclos tem uma Iegrnda, traducçzo perpetuada do

prnsarnento vivo qiie se dcsinvolve dontro d'elle. A origem divina &lhe sempre attri1)iiida. Todos os cyclos tem iim symbolo, que sc ergue juncto do seu

berço e se apaga quando piíra a sua dcsenvolução. A este symbolo cerca-o a adoração.

O nosso cyclo tem o Chiisto, a Bihlia e a Cruz.

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INDICE

Pag . P~UYIUAE. . .................................................. 9

PARTE PRIMEIRA

............................... CAPITULO I -Tempos apostolicoa. 19 ........ CAPITULO 11-Deede os tempos apostolicos até Constantino.. 27

................. CAPITULO 111-Desde Constantino att5 o seculo ix.. 43 CAPITULO IV-As falsa8 decretaes ............................... 91

......... CAPITULO V- Desde o seculo I X até o Concilio Tridentino.. 99 CAPITULO VI-A SB apostolica e as egrejas nacionaes; ultimo estado do

direito da egreja ................................ 111

PARTE SEGUNDA

L B G I ~ L A ~ Ã O ECCLESIASTICA POBTUGUEZA A BEBPEITO DA EEECÇÃO,

s u ~ ~ n w l i o , UNIÃO, D I V I ~ O , E CIRCUMBCBIPÇÃO

DAS DIOCEBES E IETBOPOLES

CAPITULO I -A egreja portugueza e suas liberdades ............... 123' CAPITULO 11-0 Estado portugues e a erecglo doe bispados de Portugal

até o tempo do D. Joeb I ......................... 153 CAPITUW 111 -O Summo imperjo: protecqb e inspec* suprema. .... 169

............................... CAPITULO IV - A religilo do reino 183 ...... ........................ CAPITULO V-Ultimas palavras a . . 197

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ERRATAS PRINCIPAES

Errou toute toute dizcmos assento Rerlamino Iadcada aberrams Petiiio e Carlos magno Leao Beryta Castellar fasci-nação que os leva coinpi rliende (do aiitrirnario) 17 respectiva rende 21

toutes toi1t digamos aseeutirncnto Bellarmiiio lardeada abnegciçces Pepin e Karl o grai~de Leão, 8eryta Castelar fascina~ão os levn

e ~ l o s ~ a resprctiva revela 27