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EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 4 – Nº. 5 – Mar. 2012 CMF Colégio Militar de Fortaleza EDUCARE Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza ISSN: 1984-3283 Publicação Semestral Ano 4 – Nº. 5 – Mar. 2012

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EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 4 – Nº. 5 – Mar. 2012

CMF

Colégio Militar de Fortaleza

EDUCARE Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza

ISSN: 1984-3283

Publicação Semestral Ano 4 – Nº. 5 – Mar. 2012

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COLÉGIO MILITAR DE FORTALEZA – CMF

(Es M do Ceará / 1889) CASA DE EUDORO CORRÊA

DIRETOR DE ENSINO

Cel Luciano José Penna

CHEFE DA DEC TC Wallace Cunha de Oliveira

CONSELHO EDITORIAL Cap QCO Janote Pires Marques (Editor-chefe)

Profª. Ms. Anete Barbosa Fritz Neves Cap QCO João Carlos Rodrigues da Silva

1ª Ten OTT Margaret Corchs Profª. Ms. Regina Cláudia Oliveira da Silva

Profª. Ms. Renata Rovaris Diorio

ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA / PERMUTA Colégio Militar de Fortaleza – Revista Educare

Divisão de Ensino e Cultura (DEC) - Seção de Expediente Av. Santos Dumont, 485 – Aldeota Fortaleza – CE – CEP: 60150-160

Correio eletrônico: [email protected] Página eletrônica: www.cmf.ensino.eb.br

Educare: Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza, Fortaleza, CE, Ano 4, n.5, 148 p., Mar. 2012.

Publicação Semestral

ISSN: 1984-3283

1. Educação. 2. Ciências. 3. História. 4. Literatura. 5. Temas transversais I. Colégio Militar de Fortaleza. II. Título.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução sem autorização prévia ou escrita.

Todas as informações dos artigos são de responsabilidade dos respectivos autores.

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EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 4 – Nº. 5 – Mar. 2012

CONSELHO CONSULTIVO

Prof. Dr. Alcides Fernando Gussi – UFC

Profa. Dra. Ana Elisa Ferreira Ribeiro – CEFET-MG

Profa. Dra. Ana Maria Iório Dias – UFC

Profa. Dra. Antônia Dilamar Araújo – UECE

Profa. Dra. Fernanda Nunes G. Vieira – CMF

Profa. Dra. Filomena Maria Cordeiro Moita – UEPB

Prof. Dr. João Carlos Rodrigues da Silva – CMF

Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra – UFC

Prof. Dr. José Augusto Brito Pacheco – Universidade do Minho - Portugal

Prof. Dr. Júlio César Rocha Araújo – UFC

Prof. Dr. Luís Botelho Albuquerque – UFC

Profa. Dra. Lynn Rosalina Gama Alves – UNEB

Prof. Dr. Marcelo El Khouri Buzato – UNICAMP

Profa. Dra. Maria Teresa Tedesco Vilardo Abreu – UERJ

Profa. Dra. Meize Regina Lucena de Lucas – UFC

Prof. Dr. Messias Holanda Dieb – UFC

Prof. Dr. Nilton Mullet Pereira – UFRGS

Prof. Dr. Samuel Edmundo Lopez Bello – UFRGS

Profa. Dra. Silvia Elisabeth de Moraes – UFC

Profa. Dra. Vera Lucia Menezes de Oliveira e Paiva – UFMG

Prof. Dr. William James Mello – Indiana University – Estados Unidos

Profa. Dra. Zilda Maria Menezes Lima – UECE

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EDUCARE – Revista Científica do Colégio Militar de Fortaleza – Ano 4 – Nº. 5 – Mar. 2012

EDITORIAL

A Educare, revista científica do Colégio Militar de Fortaleza, instituição

do Sistema Colégio Militar do Brasil do Exército Brasileiro, teve sua primeira

publicacão em maio de 2009, por ocasião da comemoração dos 90 anos da

“Casa de Eudoro Corrêa”, antigo “Casarão do Outeiro”. A Educare tem periodi-

cidade semestral, com publicações em março e setembro.

A proposta da Revista Educare é incentivar os professores e demais

componentes da “Casa de Eudoro Corrêa” a serem, também, pesquisadores.

Nesse sentido, a Revista Educare não se limita a um tema específico e nem se

restringe a determinado campo do conhecimento. Propõe-se, portanto, uma

abordagem multidisciplinar e mesmo interdisciplinar, considerando as mais di-

versas áreas, como História, História da Educação Militar, Educação Física,

Matemática, Geografia, Língua Portuguesa, Línguas Estrangeiras, Química, Fí-

sica, Artes, Formação de Professores e tantos outros assuntos relativos à sea-

ra da Educação.

Visando contribuir para a divulgação de pesquisas ligadas à Educação e

buscando um diálogo com outras instituições de ensino, a Educare aceita tra-

balhos de autores vinculados a outros estabelecimentos de Ensino Básico e

Superior, desde que esses trabalhos de alguma forma contemplem conteúdos

relacionados à área Educacional.

Conselho Editorial

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO..................................................................... Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra

9

ARTIGOS.................................................................................

11

1. CONCEPÇÕES, CONCEITOS E PRECONCEITOS SOBRE A PROFISSÃO PROFESSOR........................................................ João Carlos Rodrigues da Silva

13

2. A ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL: desafios a superar nos anos iniciais do ensino fundamental............................................... Hamilton Perninck Vieira

21

3. LIDERANÇA E GÊNERO: QUE RELAÇÕES? Estudo de caso nas escolas públicas da Madeira.............................................. Márcia Andreia Pita da Silva António V. Bento

31

4. BULLYING: VÍTIMA E AGRESSOR, DOIS PERDEDORES........ Olidnéri Bello

41

5. OLHAR ENTRE PARES: o aluno em parceria com o trabalho de orientação escolar no Colégio Militar de Fortaleza............. Gisele Pancote de Lima Boing Julio César Vieira Lopes

49

6. PRODUÇÃO TEXTUAL NA SALA DE AULA: o que revela o planejamento de uma professora alfabetizadora?................... Luiza Hermínia de A. A. Brilhante Sylvie Delacours-Lins

57

7. NARRATIVAS DE APRENDIZAGEM: via de acesso à comple-xidade da L2............................................................................ Carolina Vianini Amaral Lima

67

8. O ENSINO DA FÍSICA NUMA ABORDAGEM EXPERIMEN-

TAL: resignificando a prática docente..................................... José Eldésio de Oliveira Eloneid Felipe Nobre

77

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9. O USO DO SOFTWARE GEOGEBRA COMO FERRAMENTA PARA O ENSINO DE FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS............. Mário Wedney de Lima Moreira José Rogério Santana

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10. A IMPORTÂNCIA DA CONTEXTUALIZAÇÃO NO ENSINO DA SOCIOLOGIA E FILOSOFIA NA ESCOLA MODERNA............... Francisco Sérgio Marçal Coelho

99

11. OS MARCOS HISTÓRICOS DO CENTRO DE FORTALEZA-CE COMO COMPONENTES DA FORMAÇÃO DO ATRATIVO TU-RÍSTICO HISTÓRICO-CULTURAL........................................... Francisco Tiago da Costa Teixeira Glaudia Mota Portela Mapurunga

107

12. AVALIAÇÃO DA OCUPAÇÃO E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL

DO IGARAPÉ DO QUARENTA NA CIDADE DE MANAUS......... Carlos Magno de Queiroz e Silva

117

13. MEIO AMBIENTE E SUA TRANSVERSALIDADE NA PRÁTI-CA PEDAGÓGICA.................................................................... Alziene Alves Guilherme

127

14. MUDRÁS: Origens e associação ao Yoga.................................... Andréa Rebouças Matias da Silveira Rickardo Léo Ramos Gomes

133

CHAMADA PARA PUBLICAÇÃO E REGRAS DE SUBMISSÃO.. 145

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APRESENTAÇÃO

Prof. Dr. José Arimatea Barros Bezerra Vice-diretor da Faculdade de Educação da UFC

“A Casa de Eudoro Corrêa” disponibiliza aos pesquisadores, profissionais da educação e públi-co em geral, mais um número da Revista Educare, periódico de divulgação científica que, ape-sar de sua tenra idade, três anos de existência, tem conquistado prestígio e destaque na co-munidade acadêmica. A abertura para diferentes enfoques e temas complexos mostra sua sintonia com uma preocu-pação presente no debate educacional atual - a interdisciplinaridade, aspecto de notável rele-vância na abordagem de problemáticas socioeducacionais. Em face da complexidade que caracteriza os fenômenos educativos, o olhar inter e multidisci-plinar, presente nesse periódico, contribui sobremaneira com sonhada busca de caminhos de aproximação de saberes. Aproximar, conectar o que faz parte de um todo e que fora dividido, muito dividido, pela disciplinarização do saber científico que, se por um lado teve e tem sua contribuição para a construção do conhecimento científico, por outro, dificulta a leitura, análise e interpretação mais totalizadoras da realidade social e educacional. Nessa direção, variadas e originais análises sobre educação, fenômenos e práticas educativas estão presentes neste número da Educare, fato que não somente favorece e enriquece o deba-te acadêmico sobre questões desafiadoras, como também indica a complexidade de problemas que não podem ser discutidos e enfrentados com propriedade a não ser por meio de olhares múltiplos. Escola pública e seus desafios atuais, concepções e pré-concepções de professores sobre sua profissão, a produção textual em salas de alfabetização, a transversalidade e a prática peda-gógica, ensino de Sociologia, Filosofia, Matemática e Física, aprendizagem de uma segunda língua, orientação escolar são temáticas analisadas com propriedade, desnudando questões cruciais que desafiam a educação escolar, seus métodos e suas práticas. A relevância desses estudos não se resume ao rigor teórico-metodológico e à originalidade, mas na preocupação com problemas reais, que partem de questões construídas por educadores preocupados com o seu fazer docente e com os caminhos que a escolarização de nossas crianças e juventude an-da a trilhar. No entanto, o debate provocado por este número da Educare não se restringe à problemática da escola e do fazer docente. Questões cruciais são analisadas com rigor, indicando que a educação em geral e a educação escolar, em particular, não podem prescindir da consideração de temas que estão dentro e fora da escola, no cotidiano do aluno, do professor: o patrimônio histórico, o meio ambiente, a educação ambiental, o equilíbrio corpo e mente. Vejo que os arti-gos sobre essas temáticas são portadores não somente resultados de investigações, mas tra-zem também importantíssimas pistas sobre o trabalho com temas transversais. Por fim, uma publicação cuidadosamente preparada, composta de relatórios de investigações consistentes, com textos desafiadores e problematizadores, agradáveis de ler. Um manancial de conhecimentos e de aprendizagem. Boa leitura!

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ARTIGOS

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1. CONCEPÇÕES, CONCEITOS E PRECONCEITOS SOBRE A PROFISSÃO PROFESSOR

IDEAS, CONCEPTS AND PREJUDICES

ABOUT TEACHING PROFESSION

João Carlos Rodrigues da Silva1

Resumo. Este artigo tem como escopo analisar concepções, conceitos e preconceitos advindos de professores/as a respeito da escolha que fizeram e sobre a própria profissão. As reflexões constantes deste trabalho, ancoradas nos pressupostos teóricos do letramento como prática so-cial e na Análise de Discurso Crítica, foram motivadas pela leitura de uma reportagem que enfo-ca os resultados de uma pesquisa do IBOPE/Nova Escola, publicada na revista Nova Escola, nº 207, Nov 07, com professore/as de todas as capitais. Espero, a partir das reflexões, contribuir para que os profissionais da educação pensem e repensem suas práticas discursivas e de sala aula.

Palavras-chave. Professores/as – Letramento – Prática social

Abstract. This article has the objective to analyze ideas, concepts and prejudices arising from teachers about the choice they have made and the profession itself. The reflections contained in this work, anchored on the conceptual framework of literacy as social practice and in Critical Discourse Analysis, were motivated by reading a report that focuses on the results of a IBOPE survey, published in Nova Escola journal, No. 207, Nov 07 with teachers in all capitals. I hope, from the reflections, to help education professionals to think and rethink their practices and classroom discourse.

Keywords. Teacher – Literacy – Social practice

1 Doutor em Linguística, linha de pesquisa Linguagem e Sociedade, pela Universidade de Brasília (UnB). Professor

de Língua Portuguesa do Colégio Militar de Fortaleza (CMF) e integrante do Grupo de Pesquisa PROTEXTO/UFC. E-mail: [email protected]

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1 Considerações iniciais

Neste trabalho analiso diversas concepções, conceitos e preconceitos expressos por professores: concepções sobre a própria profissão; sobre os alunos; conceitos sobre letramento e aprendizagem; e precon-ceitos. Discutirei as concepções, os conceitos e os preconceitos dos educadores tendo por suporte teórico-metodológico dos estudos que consideram o letramento como prática social (STREET, 1993; KLEIMAN & MATÊNCIO, 2005; HEATH, 1983; MAGALHÃES & LEAL, 2003; SIGNORINI, 2005; SOARES, 2002) o que pressupõe agregar pressupostos da Análise de Discurso Crítica (MAGALHÃES, 2005c e 2006; FAIR-CLOUGH, 2000).

Nessa perspectiva, além de proceder a uma reflexão teórica, espero contribuir para que professores e futuros professores possam desde já pensar e repensar os diversos aspectos da prática de sala de aula e dos eventos de letramento presentes no dia-a-dia da profissão.

A geração de dados para a reflexão teórica vem de uma pesquisa (IBOPE/Nova Escola) em todas as capitais brasileiras publicada na revista Nova Escola, nº 207, Nov 07, caracterizada da seguinte forma:

amostra de 500 professores das redes públicas municipais, estadual e federal; idade de 25 a 55 anos; técnica de pesquisa: entrevistas individuais, com questionário estruturado, realiza-das de 20 de junho a 19 de julho de 2007; distribuição regional: 50% Sudeste, 21% Nordes-te, 11% Norte, 10% Centro-Oeste, 8% Sul2

.

Segundo a revista Nova Escola, a pesquisa tinha como objetivo “investigar como os professores brasileiros se relacionam com o trabalho, os alunos e a escola e de que forma eles enxergam o futuro da pro-fissão” (NE, p.33). A fim de debater os resultados, a revista “convidou um grupo de educadores de diferentes áreas, todos com contato direto com a sala de aula e com a formação inicial e continuada” de docentes (NE, p.33). Dentre esses educadores, destacam-se Lino de Macedo e Celso Favaretto (USP) e Telma Weisz.

A par dessa pesquisa, acrescento os dados de uma que realizei com estudantes do 5º período do Curso de Letras da Faculdade Cenecista de Brasília (FACEB) – hoje Faculdade Projeção – cujo objetivo foi investigar as concepções de estudantes do 5º período do Curso de Letras sobre letramento segundo os pres-supostos do modelo autônomo e do modelo ideológico. Nessa pesquisa, utilizei-me de técnicas de geração de dados associadas à pesquisa qualitativa: questionário estruturado que os alunos (11 mulheres e 8 homens) responderam por escrito e anotações das observações realizadas.

No desenvolvimento deste trabalho, sigo refletindo acerca dos seguintes itens: letramento e alfabe-tização; reflexões sobre os resultados da pesquisa; ações e concepções que podem influir nas práticas de le-tramento cotidianas dos educadores e dos educandos.

2 Letramento e alfabetização

No Brasil, principalmente a partir da década de 1990, têm-se intensificado os estudos sobre Letra-mento, em contraponto ao que até então era visto apenas como Alfabetização. Mas por que a adoção de um novo conceito? (E não apenas de um conceito, mas de uma práxis diferente). O conceito de alfabetização, na maioria das definições, expressa o ponto de vista empírico de que é uma prática elementar de leitura e escrita adquirida pelos discentes. Sua metodologia envolve a ação e o efeito de ensinar a ler, saber as letras do alfabe-to. Dessa forma, fazer ler é o ponto de chegada de todo o processo de alfabetização, mediado e gerenciado pelo professor, centro do processo. Uma consequência dessa forma de entender o que seja alfabetização é o que Street (1984; 1993) chamou de “a grande divisão”, pois o conceito tradicional de alfabetização defende o modelo autônomo, que separa as pessoas em dois grandes grupos: os letrados e os iletrados. Tal modelo ba-seia-se nos seguintes pressupostos: a escrita desenvolve a capacidade cognitiva e possibilita o desenvolvimen-to tecnológico e social da humanidade; a escrita é uma ‘tecnologia’ neutra; a escrita é algo individual, depende da vontade de cada um. Em outras palavras, o modelo autônomo trata a escrita como uma variável indepen-dente e considera a alfabetização associada ao progresso, à civilização, à liberdade individual e a mobilidade social. A escrita é, ainda, analisada em si mesma, ignorando-se o contexto, pois somente os princípios lógicos e sua coerência interna interessam. Este modelo é associado à prática escolar que se ocupa de preferência dos

2 O texto completo está disponível em: < http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/educacao-

vista-pelos-olhos-professor-508821.shtml>

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aspectos formais e mecânicos da escrita e dos métodos de ensino, sem o firme engajamento com os proble-mas culturais e sociais.

Ora, tal abordagem do que seja alfabetizar reflete-se na prática de sala de aula (e em outras práticas, mas enfoco essa porque é o centro deste estudo). Se o professor acha que a vontade de aprender do aluno é essencial e deve partir só deste, então pouco buscará novas técnicas, métodos e situações de aprendizagem que possam incentivar os discentes a quererem aprender. Ao que parece, essa influência do modelo autôno-mo de aprendizagem continua bastante em voga entre os professores, uma vez que, na pesquisa Nova Escola, 70% dos professores apontaram a desmotivação dos alunos como um dos principais problemas da sala de aula. Esse posicionamento não é algo que se espere de um professor, tanto é que, no comentário da pesquisa, lê-se:

As três maiores surpresas da pesquisa apareceram justamente nas questões sobre a relação do professor com seu público-alvo e com o ambiente de trabalho. Os alunos são vistos como desinteressados e indisciplinados e são percebidos, junto com a família, como os principais problemas da sala de aula. (NE, p. 33).

Cristina Mantovanini, psicopedagoga do Instituto Vera Cruz, em São Paulo, uma das educadoras a debater os resultados, tece o seguinte comentário a respeito da constatação acima: “Quando o profissional não se sente capaz de cumprir sua tarefa – no caso planejar, ensinar e fazer com que a maioria adquira conhe-cimento –, tende a responsabilizar fatores externos, apontando justamente para os lados mais frágeis do sis-tema” (NE, p.33). Mantovanini considera, portanto, que o professor ‘joga a culpa’ em quem não está ali para contraargumentar, que não assume sua incapacidade. Ela, porém, não leva em conta que aquele educador que respondeu à pesquisa passou pelos bancos de uma Universidade/Faculdade (quem sabe até foram alunos dela, pois 50% dos entrevistados concentraram-se no Sudeste, índice aliás muito alto) e ali residia a oportuni-dade de o futuro docente ficar ciente de que “os principais problemas da sala de aula” não se resumem à desmotivação dos alunos. O interessante agora não é ficar “surpreso” com o resultado, mas sim pesquisar por que os professores consideram os alunos desmotivados, quais os sinais dessa desmotivação e, principalmente, o como os profes-sores devem agir para motivar os desmotivados. Sobre isso, assim se expressa com propriedade Luis Carlos de Mene-zes, colunista de Nova Escola: “As crianças são curiosas por natureza, mas só aprendem se tiverem espaço para a participação. E isso só existe quando há conversa, fala e argumentação e não um ambiente de apatia” (NE, p.35).

Há, obviamente, por parte dos educadores e formadores de professores, a consciência de que a formação carece de aperfeiçoamento. Telma Weisz, especialista em aprendizagem, reconhece que “sem ex-plorar e ensinar corretamente as didáticas específicas, é como se as faculdades vendassem o futuro professor e o soltassem no mundo. É óbvio que, nessa situação, não dá para saber o que fazer” (NE, p.36). Sobre o papel dos coordenadores pedagógicos, Regina Scarpa afirma que eles devem urgentemente assumir “sua res-ponsabilidade pela qualidade do ensino na escola. Eles precisam se colocar no papel de formadores do corpo docente”. Vera Tervisan, PUC/SP, faz coro com Scarpa mas em relação aos cursos de formação continuada, que, para ela, não levam “em conta as necessidades cotidianas do professor. É por isso que fica a sensação de que nada se resolve depois de frequentá-los”.

Todos comentaram e se esqueceram de, pelo menos, dois detalhes. O primeiro, se a formação do professor (nos cursos de Letras e Pedagogia, por exemplo, áreas que me são mais afins) continuar privilegian-do um modelo de aprendizagem centrado no professor, este continuará raciocinando com o ensino-aprendizagem no molde autônomo. Em outras palavras, se somente o professor for considerado o responsá-vel pelo sucesso ou pelo fracasso do educando, certamente aquele profissional se sentirá com poder suficiente para agir individualmente. O segundo, se o professor não tiver acesso (e domínio) às novas tecnologias e a diferentes metodologias e técnicas de ensino, continuará vendo os alunos como desmotivados3

3 Isso me faz lembrar uma antiga entrevista que li, em que o cantor Ed Mota, que se diz autodidata em diversas

áreas, dizia que se desinteressou pela escola na 7ª Série porque a professora de Português lia em classe uma re-vista de fofoca enquanto a classe respondia a um questionário. Ed Mota, que naquela época já lera clássicos da Filosofia, então se perguntou: O que essa mulher tem pra me ensinar?

. Com relação ao domínio de novas tecnologias, especialmente o uso de computadores, Luke (2000) chama a atenção que as demandas de letramento modificaram-se bastante com o advento das novas tecnologias, o que exige dos edu-cadores o desenvolvimento de sequências didáticas adequadas à comunicação mediada pelo computador. A autora ressalta, ainda, que essa comunicação exige um multiletramento, ou seja, é necessário que o usuário

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domine uma série de linguagens: escrita, numérica e simbólica, por exemplo, a fim de conseguir êxito no pro-cesso de ensino-aprendizagem.

Vem daí a ideia de que não se deve mais falar em alfabetização, e sim em letramento, ou melhor, multiletramentos. Letramento implica naturalmente o modelo ideológico de alfabetização. Este modelo reco-nhece explicitamente que a prática de alfabetização não é ‘natural’ nem neutra, vez que a linguagem escrita é prática social atravessada por relações de poder e por ideologias, é produto de uma cultura, das estruturas de poder de uma sociedade e de suas instituições. Adquire-se o letramento, pois, nos mais diversos locais da vida social: família, escola, igreja, organizações populares, local de trabalho, atividades cotidianas, etc. Assim, qual-quer definição de letramento deve levar em conta “o resultado da ação de ensinar ou de aprender” (Soares, 1998, p.18)4

É válido salientar, ainda de acordo com Soares (2002) que o letramento não é só de responsabilidade do professor de língua portuguesa (ou agora professor da área de Linguagens e Códigos), e sim de todos os professores, afinal todos trabalham diretamente com leitura e escrita: professores de geografia, matemática e ciências, etc. É certo que os alunos lêem e escrevem nos livros didáticos, o que caracteriza um letramento específico de cada área de conhecimento, por isso o correto é usar letramentos, no plural. O professor de geografia tem que ensinar seus alunos a ler mapas, por exemplo. Cada professor, portanto, é responsável pelo letramento em sua área. Por conta disso, Soares acredita que é preciso oferecer contextos de letramento para todos os educandos. Não adianta simplesmente letrar quem não tem realmente oportunidades de ler nem de escrever. É necessário, portanto, oferecer possibilidades de letramento. Isso é importante, inclusive, para a criação do sentimento de cidadania nos alunos.

e suas consequências (políticas, econômicas, culturais, etc) para indivíduos ou grupos que se apropriam de um dado sistema simbólico, fazendo com que este se torne parte importante e constante em sua vida social, por isso que Soares (2002, p. 144) retoma o tema com a seguinte definição: “letramento são as práticas sociais de leitura e escrita e os eventos em que essas práticas são postas em ação, bem como as con-sequências delas sobre a sociedade”.

Mas o mais preocupante, ao se relacionar o conceito de letramento com a pesquisa IBOPE/Nova Escola, é perceber que praticamente metade (49%) dos professores “admitem que a formação os preparou pouco para a realidade da sala de aula”. Se se consideram pouco preparados para a sala de aula, que dirão em relação ao preparo para atuar na sociedade globalizada. A vida social, nessa sociedade, é um sistema aberto em que operam diversificados mecanismos, entendidos como forças gerais. Esse sistema apresenta várias dimensões e vários níveis (físicos, biológicos, químicos, sociais, linguísticos, etc) inter-relacionados de forma estratificada, de modo que um mecanismo pressupõe muitos outros. À vida social, considerada como prática, interessa a inter-relação entre as esferas da vida social e as atividades econômicas, políticas e culturais. Tudo isso, e muito mais, deve ser levado em conta na ação pedagógica do professor com seus alunos a fim de que se alcance o objetivo básico do letramento: dominar os códigos para agir socialmente. (Cf. FAIRCLOUGH, 2000 e 2006)

3 Ações e concepções: influências nas práticas de letramento cotidianas dos educadores e dos edu-candos

Continuando na análise da pesquisa IBOPE/Nova Escola, é possível constatar diversos preconcei-tos (no sentido de conceito prévio mesmo) a respeito da profissão de professor. O primeiro é que uma parce-la (23%) acredita que “a educação no Brasil é ruim ou péssima” e outra parcela, um pouco mais significativa (33%), acredita que “daqui a dez anos a educação continuará ruim” (NE, p.39). Esses números demonstram, a meu ver, a difusão de um discurso pessimista sobre a educação brasileira absorvido pelos professores, que “têm consciência da importância da profissão de professor” (83%) e, ao mesmo tempo, se vêem como insa-tisfeitos, pois só 21% consideram “satisfeitos com a profissão”. Cabe aqui referir-me às respostas que os alu-nos (homens) do 5º período do Curso de Letras deram para a pergunta: Por que você escolheu o Curso de Letras?

(1) Devido à necessidade de confeccionar documentos no dia a dia (Marcos)5

(2) Porque não formou a turma de Turismo (André). .

(3) Porque estava dentro do meu orçamento e precisava ampliar meus conhecimentos (Ivo).

4 SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998. 5 Estou usando pseudônimos a fim de resguardar os nomes verdadeiros dos colaboradores.

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(4) Porque gosto e é importante para realizar uma boa educação (Mário). (5) Por não ter aula aos sábados, por ter três anos de duração (João). (6) Por que gosto da matéria de português, é barato o curso e é de 3 anos.(Carlos) (7) Mais rápido, ganharia bolsa, não tem aula aos sábados.(Alex) (8) Por ser um curso de menor duração, com o intuito de passar em um concurso a nível superior. (José)

Dos oito homens que responderam, apenas dois mencionaram que escolheram porque gostam. Os outros mencionaram motivos práticos, tais como: passar em concurso, não ter aula aos sábados e menor du-ração em relação aos outros cursos da Faculdade, que têm 4 anos de duração. É sintomático que desde já eles manifestam desconhecimento acerca do papel social que podem exercer na sociedade a partir do momento em que são detentores de um letramento especializado, principalmente porque, supõe-se, serão os futuros professores responsáveis pela área de “linguagens e códigos”, que é base para que o estudante compreenda todas as outras áreas.

As alunas, por seu turno, deram as seguintes respostas:

(9) Por ter afinidade com literatura, por gostar de ler e escrever, fazer poesias...(Maria). (10) Porque queria me aperfeiçoar em língua portuguesa e pretendo ser professora nessa área (Ana). (11) Afinidade na matéria e prazer em ler (Márcia). (12) Custo e também duração e opinião dos outros e não minha (Júlia). (13) Porque sempre quis ser professora de português. E para poder aprender a falar difícil, saber escrever e ter uma boa dicção (Isa). (14) A escolha foi feita devido a minha vontade de ser educadora, manter contato com alunos. E também a-prender mais minuciosamente a língua portuguesa. (Eva) (15) Conhecimento mais profundo da Língua Portuguesa. (Lúcia) (16) Porque tenho afinidade com a Língua. (Silvia) (17) Porque preciso melhor (sic) o conteúdo de língua portuguesa. (Mara) (18) As minhas opções na época eram pedagogia ou letras, escolhi por gostar de português. (Cris) (19) Porque gosto, é um curso que me proporciona lidar com as pessoas no ato de falar e escrever bem. E en-sinar também. (Marta)

Sobressaem-se, nas respostas das mulheres, em relação às dos homens, o gosto e a afinidade pela Língua Portuguesa, conforme demonstram os termos sublinhados em oito das onze respostas. Além disso, as mulheres também demonstram mais consciência do outro, pois quatro delas mencionam ser professora ou ensinar ou ser educadora6

A concepção de que gostar do curso é essencial para a satisfação profissional, portanto, predomina nas respostas das mulheres. Creio que ocorre o que Magalhães (2006, p.82)

. Uma delas, Marta, deixa transparecer a ciência de seu papel social como detentora de um letramento específico quando escreve que “o curso me proporciona lidar com as pessoas no ato de falar e escrever bem”, que são os usos institucionalizados da escrita e da fala. Os homens, como se vê, desta-cam o uso imediato da escrita (e do curso).

7 diz: “As formas em que os estilos e as representações discursivas são atribuídos, nas práticas institucionais e organizacionais, às mulheres e aos homens são, sem dúvida, produtos das estratégias ideológicas”. É aqui que uma questão me intriga: Se apenas 21% dos entrevistados na pesquisa IBOPE/Nova Escola dizem estar “satisfeitos com a profissão”, o que aconteceu com a afinidade, com o gostar? Será que os colabores e colaboradoras da pesquisa IBOPE/Nova Escola não tiveram controle total sobre suas falas e reproduziram o discurso do pessimismo8

Uma ação estratégica para contrabalançar o discurso do pessimismo incrustado nos profissionais seria a maciça divulgação e discussão, nas escolas e universidades, da relevância do papel social do educador. Outra ação já foi mencionada anteriormente, é a operacionalização de uma pesquisa de natureza etnográfica a fim de investigar as causas (e conseqüências) do pessimismo e da insatisfação com a profissão. Se continuar como detectado, os maus resultados continuaram afetando os atores envolvidos no processo de ensino: dis-centes; docentes; escola e família. E, em última instância, quem arca com os prejuízos sociais, políticos, cultu-rais e financeiros é o Brasil, aliás já está arcando com eles, conforme mostram os péssimos resultados de exa-

em relação à profissão de professor?

6 Neste ponto seria interessante discutir a noção de identidade da estudante do Curso de Letras. Deixo de fazê-lo porque não me impus como objetivo deste artigo, mas pretendo retomar esse importante tema de estudo. 7 MAGALHÃES, I. Discurso, ética e identidades de gênero. In: Magalhães, I.; Grigoletto, M.; Coracini, Mª. J. (Org.). Práticas identi-tárias – língua e discurso. São Carlos-SP: Claraluz, 2006. 8 São frases recorrentes que expressam o discurso do pessimismo: Professor é sofredor. Ser professor é sacerdócio. Hei de vencer mesmo sendo professor.

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mes de leitura, matemática e ciências aplicados por organismos internacionais e amplamente divulgados na mídia9

Um contraponto ao discurso do pessimismo está presente, entretanto, em pesquisa de 2002. Um das metas da pesquisa era “conhecer a percepção dos membros da comunidade escolar sobre os objetivos e fina-lidades da educação” (UNESCO, 2004, p.108), que é um “pré-requisito para o estabelecimento de políticas que qualifiquem o trabalho dos profissionais de ensino” (idem). Assim, com a perspectiva de captar a opinião dos professores pesquisados sobre as finalidades da educação, foi-lhes apresentado um rol de alternativas, dentre as quais deveriam escolher as duas que considerassem mais importantes e as duas que considerassem menos importantes. Segundo se apurou, “as duas mais importantes finalidades da educação seriam formar cidadãos conscientes (72,2%) e desenvolver a criatividade e o espírito crítico (60,5%)” (id. ib.).

.

Ao comentar o resultado desse questionamento específico, os organizadores da Pesquisa de Profes-sores 2002 assim se expressam:

A opção por essas duas finalidades revela uma acentuada preocupação com a formação de atitudes e valores dos estudantes, tanto em termos de atuação coletiva quanto individual, evidenciando uma tentativa dos professores de corresponder às idéias hoje correntes no campo educacional, que valorizam a questão da cidadania e a da formação do cidadão. Se, por um lado, tal posição pode estar sintonizada com o ideário educacional vigente, por ou-tro, nota-se a pouca importância atribuída às finalidades transmitir conhecimentos atualizados e relevantes (16,7%) e proporcionar conhecimentos básicos (8,9%), esta última posicionando-se em quarto lugar na lista de finalidades consideradas como menos importantes, com a manifes-tação de 21,4% dos professores. (UNESCO, 2004, p. 109)

Esse dado pode estar relacionado com a crítica que vem circulando na área das ciências humanas e sociais sobre o que se convencionou chamar de ensino conteudístico, no qual o papel do professor estaria restrito a mero transmissor de conhecimentos, de forma mecânica e pouco reflexiva. Dessa forma, supõe-se, o professor já demonstra certo grau de consciência e se recusa a se inserir nesse paradigma de ensino, relacio-nado ao modelo autônomo, nos termos de Street (1984, 1993). Esse grau de conscientização, entretanto, não é demonstrado pelo alunos do Curso de Letras pesquisados. Ao que parece, falta-lhes ainda a experiência profissional em sala de aula, que a associação e a interação com os demais colegas de trabalho lhes trarão com o decorrer do tempo.

4 Considerações finais

Dessas rápidas reflexões, gostaria de ressaltar que a educação, como processo coletivo, não pode ser visto sob a ótica reducionista da relação professor-aluno reclusos ao espaço limitado da sala de aula. O professor não pode se sentir como único responsável pelo sucesso ou pelo fracasso da aprendizagem do es-tudante nem pode responsabilizá-lo, como deixam transparecer os resultados da pesquisa IBOPE/Nova Es-cola. Por outro lado, as IES deve propiciar aos futuros profissionais da sala de aula (e de fora dela, como coordenadores e diretores), além da segurança nos conteúdos, “as didáticas específicas de cada área”. É es-sencial também que os futuros professores estejam cientes de seu importante papel social neste mundo globa-lizado, em que se vive um período de intensas mudanças culturais e sociais cujos efeitos se fazem sentir em nível local e nacional e que envolvem quebras e modificações de fronteiras e barreiras de toda ordem, das profissionais às pessoais.

5 Referências

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HEATH, S. B. Ways whith words. Cambridge: Cambridge University Press,1983.

9 Refiro-me, por exemplo, ao PISA, no qual o Brasil ficou em antepenúltimo lugar no ensino de Ciências.

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Enviado para publicação: 20/12/2011

Aceito para publicação: 30/01/2012

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2. A ESCOLA PÚBLICA NO BRASIL: desafios a superar nos anos iniciais do ensino fundamental

THE PUBLIC SCHOOL IN BRAZIL:

challenges in the beginning years of elementary school

Hamilton Perninck Vieira1

Resumo. Desde os primórdios de sua origem, a escola tem passado por um processo de perpe-tuação da divisão de classes. Diante disso, nosso problema de pesquisa neste artigo é: Como tem acontecido o processo de sucateamento político, familiar e profissional docente na escola públi-ca nos anos iniciais do Ensino Fundamental? Portanto, nosso objetivo é refletir sobre a escola pública brasileira, enfocando os anos iniciais do Ensino Fundamental que, passa por um proces-so de sucateamento que é consequência das políticas neoliberais e do Estado mínimo, oriundos do ideário do capital. Portanto, propomos a hipótese de que para reverter o processo de sucate-amento, é preciso viabilizar e dinamizar os mecanismos do exercício do fazer a escola pública para que as pessoas sejam mais importantes que as estruturas. Sendo assim, tendo como meto-dologia a pesquisa bibliográfica, nosso projeto de trabalho será uma análise dos desafios encon-trados no processo de sucateamento político, familiar e profissional docente da escola pública nos anos iniciais do Ensino Fundamental brasileiro.

Palavras-chave. Escola pública no Brasil – Ensino fundamental – Profissão docente – Políti-cas neoliberais

Abstract. Since the early days of its inception, the school has undergone a process of perpetuat-ing the class division. Given this, our research problem in this paper is: What has happened to the process of scrapping political, family and professional teaching in public school in the early years of elementary school? Therefore, our objective is to discuss the Brazilian public schools, focusing on the early years of elementary school that goes through a process of devastation that is a consequence of neoliberal politics and the state minimum, derived from the ideals of the capital. Therefore, we propose the hypothesis that to reverse the process of scraping, you must enable and streamline mechanisms to make the exercise of public school so that people are more important than the structures. Thus, taking the methodology of the research literature, our de-sign work is an analysis of the challenges encountered in the process of scrapping political, fami-ly and professional teaching public school in the early years of elementary school in Brazil.

Keywords. Public school in Brazil – Elementary school – Teaching profession – Neoliberal politics

1 Especialista em Formação de Formadores pela Univesidade Estadual do Ceará (UECE). Professor Pedagogo efetivo da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza, Ceará. E-mail: [email protected]

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1 Introdução

Desde os primórdios de sua origem, a escola tem passado por um processo de perpetuação da divi-são de classes. No entanto, essa escola que deveria ser o lugar do saber e do sabor, transformou-se no lugar do poder e do dissabor. De um lado, a escola pública nasce na Europa, berço da burguesia, reivindicando uma educação para seus filhos no período ainda feudal. Hoje, em muitos lugares de nosso país, tornou-se um favor do Estado tendo em vista o discurso da “minimização” das condições precárias dos oprimidos através da prática de políticas assitencialistas. De outro lado, a escola privada, com a tomada do poder do capital e de sua ideologia disseminada nas políticas neoliberais, assume o papel de educar a classe opressora, formando para a manutenção da opressão dos oprimidos. Diametralmente em oposição a essa opressão, Freire (1981, p. 50-58) afirma:

Se a humanização dos oprimidos é subversão, sua liberdade também o é. Daí a necessidade de seu constante controle. E, quanto mais controlam os oprimidos, mais os transformam em ‘coisa’, em algo que é como se fosse inanimado (...) Não podemos esquecer que a libertação dos oprimidos é a libertação de homens e não de ‘coisas’ (Grifos nossos).

Nesta direção, buscando suscitar uma subversão insubversiva, e partindo de nossa vivência na rede pública municipal de ensino brasileiro, fazemos a seguinte pergunta: como tem acontecido o processo de sucateamento político, burocrático e profissional docente das escolas públicas nos anos iniciais do Ensino Fundamental? Neste artigo entendemos por “sucateamento da escola pública”, o descaso da política de nossa nação com respeito à educação pública brasileira, pois, no Governo que antecede ao atual, nota-se que em uma radiografia dos gastos públicos nos oito anos do governo Lula mostra que as despesas cresceram forte-mente entre 2003 e 2010, além da expansão do PIB, que em média, foi de 4% ao ano. Mas áreas como a saú-de e a educação ficaram com uma pequena fatia desse bolo. As despesas correntes cresceram 2,47 pontos percentuais do PIB no período – mas só uma fatia de 2% do aumento foi destinada ao custeio da saúde, e 8 % a custeio da educação. De um outro lado, tivemos aumento dos gastos com a previdência e com outras despesas vinculadas ao salário mínimo – auxílio a idosos e deficientes, seguro – desemprego e abono (55,4%), além do Legislativo, Judiciário e Ministério Público (mais de 30%) - (DIÁRIO DO NORDESTE, 2010, p. 18).

Entretanto, não estamos aqui defendendo que não se invista nas outras despesas que não sejam saúde e educação, mas que a disparidade de ambas, principalmente com o Legislativo, Judiciário e o Ministério Pú-blico, ecoa em nossos ouvidos brasileiros como um desrespeito e como a corroboração das políticas neolibe-rais de Estado Mínimo que configuram o processo de sucateamento da escola pública no Brasil. Nesse senti-do, por conta do ausentamento do Estado na ordem social através de políticas de emancipação social, as con-sequências se refletem na desintegração da família e na profissão docente.

Neste artigo partimos da hipótese de que, para reverter o processo de sucateamento político e profis-sional docente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, é preciso viabilizar e dinamizar os mecanismos do exercício do fazer a escola pública para que as pessoas sejam mais importantes que as estruturas. Diante disso, este trabalho se constitui como uma reflexão sobre o processo de sucateamento político, familiar e profissio-nal-docente nas escolas públicas nos anos iniciais do Ensino Fundamental brasileiro2

• O desafio do sucateamento político

. Para fundamentar esse assunto trabalharemos com as ideias de Freire (1981, 1986, 1992, 2001a, 2011b).

Em primeiro lugar, o sucateamento da Escola Pública nos anos iniciais do Ensino Fundamental é po-lítico. Como diria Paulo Freire (2001a), “a educação é um ato político”, deixando claro que:

A natureza da prática educativa, a sua necessária diretividade, os objetivos, os sonhos que se perseguem na prática não permitem que ela seja neutra, mas política sempre. É a isso que eu chamo politicidade na educação, isto é, a qualidade que tem a educação de ser polí-tica. (FREIRE, 2001b, p. 28).

2 Trabalharemos com a realidade das Escolas Públicas Municipais, pois segundo a LBD 9.394/96 são delas as res-ponsabilidades com relação aos anos iniciais do Ensino Fundamental.

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Logo, não há educação que não seja politizada e não há política que não seja educativa. O atual cená-rio do capital e de sua política neoliberal, portanto, tem sucateado o ideal do nascedouro da política. Enten-demos que a essência da política, nesse sentido, é a união de tudo e de todos, democraticamente buscando a felicidade e o bem estar de todos. Em contrapartida, com muito pesar é que assistimos o sucateamento do exercício da política em nossos dias, fazendo dela mera “politicagem”, de tal maneira que favoreça alguns privilegiados e exclua a maioria renegada. Sendo assim, se não há uma busca séria, comprometida, contínua, pautada numa política de Estado e não de governos e/ou partidos, não haverá uma escola pública de qualida-de. Nesta direção, nosso ponto de vista, em oposição à qualidade mercantilista que a escola privada assumiu por conta do ideário neoliberal, é que,

Uma educação de qualidade visa a emancipação dos sujeitos sociais e não guarda em si mesma um conjunto de critérios que a delimite. É a partir da concepção de mundo, socie-dade e educação esposada, que a escola procura desenvolver conhecimentos, habilidades e atitudes que irão encaminhar a forma pela qual o indivíduo vai se relacionar com a socieda-de, com a natureza e consigo mesmo. Assim, a 'escola de qualidade' é aquela que contribui com a formação dos estudantes nos aspectos culturais, antropológicos, econômicos e po-líticos, para o desempenho de seu papel de cidadão no mundo, tornando-se, assim, uma qualidade referenciada no social. Nesse sentido, o ensino de qualidade está intimamente li-gado à transformação da realidade. (BRASIL, 2004, p. 33).

Logo, enquanto houver o levantamento da bandeira dos interesses do ideário neoliberal, não haverá uma educação que liberte o indivíduo de sua condição de miséria humana a partir do resgate de sua constru-ção como sujeito social e alvo de direitos igualitários. Diante disso, Freire (1992) nos convida a pensar que:

Necessitamos de uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política (...) que possibilitasse ao homem a discussão corajosa de sua problemática. De uma inserção nesta problemática. Que o advertisse dos perigos de seu tempo, para que consciente deles, ganhasse força e a coragem de lutar ao invés de ser levado e arrastado à perdição de seu próprio ‘eu’, submetido às prescrições alheias. Educação que o colocasse em diálogo cons-tante com o outro. Que o predispusesse a constantes revisões. A análise crítica de seus ‘a-chados’. A uma certa rebeldia, no sentido mais humano da expressão. Que o identificasse com métodos e processos científicos (p.88-90).

Por nos negar essa rebeldia crítico-humanizadora, na direção de que o ato pedagógico é essencial-mente pautado num quefazer político, o ideário neoliberal do capital tem trabalhado para o esvaziamento da reflexão da Escola Pública no Brasil. Portanto, em consonância ao pensamento aristotélico de que o homem é um animal político e a máxima cartesiana penso, logo existo, Freire e Betto (1986) nos esclarecem que “uma pessoa politizada é aquela que passou da percepção da vida como mero processo biológico para a percepção da vida como processo biográfico, histórico e coletivo” (1986, p. 61). Neste sentido, a politicidade na (da) educação passa pelo viés de uma formação cidadã pautada na reflexão do ser biográfico, histórico e coletivo e não na reflexibilidade que coisifica o ser biológico.

Assim, o Sistema Brasileiro de Ensino na Educação Básica está engatinhando na trilha da qualidade da escola pública. Por estatísticas e indicadores da Educação Básica no Brasil, verificamos o sucateamento da escola pública municipal, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, sendo mais ou menos privilegiadas as regiões Centro-Oeste, Sul e Sudeste. Para fundamentar o que estamos dizendo, primeiramente, analisamos os dados recentes do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) quando aos anos iniciais do Ensi-no Fundamental, e em sequência comparamos a realidade no âmbito das regiões do Brasil:

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QUADRO 1- IDEB: PROJEÇÃO DE METAS – ANOS INICIAIS

Fonte: Inep, 2009.

Segundo o Quadro 1, os resultados alcançados superaram as expectativas das metas. Nesse sentido, houve crescimento (2005: 3,8; 2007: 4,2; 2009: 4,6), tendo como meta em 2011 a manutenção do progresso alcançado. Entretanto, entendemos que “seis é a nota estipulada como meta pelo governo para as escolas públicas do país. Isso porque essa é a média registrada em países da Organização para Cooperação e Desen-volvimento Econômico (OCDE) – o que a torna um padrão internacional de qualidade” (REVISTA VEJA, 05/07/2010). Nesse sentido, ainda estamos longe da realidade dos países desenvolvidos. Para elucidar melhor a questão, vejamos o quadro abaixo que nos mostra o contraste do IDEB das escolas privadas e pú-blicas nas cinco regiões do país:

QUADRO 2: ENSINO FUNDAMENTAL REGULAR - SÉRIES INICIAIS (ATÉ A 4ª SÉRIE) – IDEB – REGI-ÕES GEOGRÁFICAS E UNIDADES DA FEDERAÇÃO.

Regiões Rede3 2005 2007 2009 Norte Estadual 3,2 3,6 4,2

Privada 5,5 5,6 5,9 Nordeste Estadual 2,9 3,3 3,7

Privada 5,4 5,5 5,8 Centro – Oeste Estadual 3,9 4,5 5,0

Privada 5,9 5,9 6,4 Sudeste Estadual 4,5 4,7 5,4

Privada 6,3 6,3 6,8 Sul Estadual 4,2 4,6 4,9

Privada 6,2 6,3 6,7 Fonte: Inep, 2009.

Analisando o Quadro 2, verificamos quanto à rede pública de ensino que, segundo os últimos indicado-res (2009), o índice mais baixo é do Nordeste (3,7) ao passo que o mais alto se encontra no Sudeste (5,4). Entre as estremidades temos o Centro-Oeste (5,0) em segundo, o Sul (4,9) em terceiro e o Norte (4,2) em quarto. Na rede privada, os resultados curiosamente se repetem: primeiro, Sudeste (6,8) e último, Nordeste (5,8). O segundo lugar é do Sul (6,7). O Centro-Oeste (6,4) vem em terceiro e o Norte (5,9) em quarto. Logo, se observarmos a escola pública municipal no Brasil, verificaremos que ela está distante da realidade dos paí-ses de primeiro mundo. Na escola privada, apenas o Centro-Oeste (6,4), Sul (6,7), Sudeste (6,8) estão dentro do padrão de qualidade segundo a OCDE e o Norte (5,9) e Nordeste (5,8) estão bem próximo. Portanto, apesar da evolução dos resultados de 2005 a 2009, inferimos que até mesmo o padrão da escola privada brasi-leira ainda não se encontra em sua totalidade no nível dos países desenvolvidos. Contudo, a escola privada,

3 Quando o quadro se referir às redes de ensino estadual e privada os dados estatísticos farão menção apenas às esco-las públicas ou privadas da área urbana, não sendo computadas as escolas rurais.

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pautada nos ideais de mercado do capital, tem formado a maioria dos que “trabalham com a cabeça” e a esco-la pública os que “trabalham com as mãos”. Portanto, concordamos com Freire (2006) quando afirma:

As críticas que faço, do ponto de vista ético, ao capitalismo derivam tanto do pedagogo quanto do militante, a meu modo, que busco estar sendo. Jamais minha militância pode di-vorciar-se de minha atividade teórica; ao contrário, fundamenta nesta suas táticas e sua es-tratégia de ação (…) A minha luta contra o capitalismo se funda aí, na sua perversidade in-trínseca, na sua natureza anti-solidária (p. 70).

Logo, a escola pública de qualidade possui um ideal utópico fato que nos faz questionar se esse dis-curso político é apenas eleitoreiro. Portanto, a nação brasileira sofre com essa educação pública sucateada, precária, lacunar, pois desde os primórdios de nossa história tupiniquim, ela surgiu como luta pela emancipa-ção da burguesia em relação à nobreza. Em situação singular, o Norte e o Nordeste são os maiores problemas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, onde se concentram os maiores foco da miséria humana em relação às demais regiões do pais. Sendo assim, o sucateamento político conduz ao sucateamento familiar.

• O desafio do sucateamento familiar

Para falar sobre o sucateamento familiar e sobre as condições sociopedagógicas dos educandos que chegam todos os dias aos bancos de nossas Escolas Públicas de 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental, temos como ponto de partida a desestruturação da sociedade brasileira através de processos de coerção político-social do capital e de seu ideário neoliberal. Diante disso, necessitamos compreender que os educandos não chegam vazios de experiências positivas e/ou negativas que contribuíram para o processo de sua formação enquanto pessoas numa sociedade caótica, competitiva, individualista, mercantilista e sem valores éticos e morais.

Em primeiro lugar, nosso aluno é fruto de uma micro-sociedade desestruturada que é a família. Mediante a banali-zação do sexo e da sacralidade da família, adolescentes e jovens, de forma inconsequente tem “constituído” família cada vez mais precocemente. O resultado dessa realidade é que nossos educandos, em sua maioria, não são educados por famílias, tendo referências paternas e maternas, mas por um tipo de “família alternati-va”, sendo assim educados por avós, tios, primos ou quaisquer parentes próximos ou outros tipos de respon-sáveis. Longe de qualquer preconceito quanto à nova configuração que a família assumiu nos dias de hoje, gostaríamos de fazer alguns esclarescimentos. Em primeiro lugar, entendemos que do ponto de vista conceitual, “a família representa um grupo social primário que influencia e é influenciado por outras pessoas e institui-ções. É um grupo de pessoas, ou um número de grupos domésticos ligados por descendência (demonstrada ou estipulada) a partir de um ancestral comum, matrimônio ou adoção” (WIKIPEDIA, 2011).

Diante disso, verifica-se que não há qualquer menção de família como sendo a relação comunitária entre pai, mãe e filhos, mas qualquer tipo de convivência consanguínea ou não que de alguma forma crie laços e influências. Entretanto, em segundo lugar, neste artigo, acreditamos no papel da mãe e do pai como fun-dante, primordial e abalizador na formação da personalidade saudável de uma criança que será a base para sua vida adulta. Sendo assim, concordamos com Maciel (2011) quando afirma que:

A falta do pai é sempre prejudicial. Entretanto, a mãe pode exercer certas funções paternas. Neste sentido do limite, a mãe pode exercer em relação ao filho (sic) uma separação, dizen-do para ele que também tem outras responsabilidades, mesmo na ausência do pai. Já a au-sência do pai, como modelo, pode trazer uma série de fantasias e consequências, mais ou menos sérias, dependendo do convívio da criança com outras figuras masculinas. Se a cri-ança tiver uma variedade de figuras masculinas para se identificar, o problema se dilui um pouco. Se não tiver, se o convívio for apenas com a mãe ou com figuras femininas, o pro-blema aumenta, na medida em que não tem modelos para se projetar. A criança, no entan-to, pode ir pegando esses modelos com seus amigos, com os pais dos amigos, mas não é a condição mais favorável.

Portanto, não negamos a existência e a possibilidade de uma nova configuração aberta da família, contudo, a criação dos filhos no âmbito do afeto vivenciado entre marido e mulher são a base para a constru-ção da personalidade equibrada de um sujeito social em desenvolvimento. Logo, por conta da ausência da família a educação dos filhos, tendo a Escola como extensão do lar, essa última, deixou de ser apoio e se tor-nou a única fonte de formação do indivíduo como cidadão.

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Vale lembrar que muitos desses educandos têm muitas marcas destruidoras em suas personalidades. Alguns são órfãos porque perderam pai e/ou mãe por conta de mortes trágicas e por isso são criados por pais alternativos. Outros são órfãos de pais vivos, pois apenas entendiam a paternidade a partir do quesito biológico e não social, pois como bem conhecemos o dito popular pai não é quem faz, mas quem cuida. Assim, tais alunos chegam à Escola sem nunca terem sido alvos do afeto paterno que (re)afirma a importância e o sendo de valor próprio da criança, de tal forma que estabeleça em amor, referenciais de limites e autoridade construídos no seio familiar e vividos nas relações interpessoais. Segundo Ricotta (2006, p. 48), “se não há comunicação, crescimento e desenvolvimento em família, fica comprometida a qualidade da formação pessoal. Das relações intrafamiliares e das capacidades e habilidades a serem desenvolvidas”. O resultado é que na sala de aula te-mos educandos que manifestam suas carências afetivo-familiares chamando atenção através da indisciplina.

Neste sentido, em segundo lugar, por causa do afastamento da família e o não-planejamento familiar, deparamo-nos agora com uma questão financeira. Assim, diante da falência da família brasileira e de sua desestruturação, cada vez mais cedo se conhece a sexualidade e, como consequência assistimos à vinda de criança à vida social sem planejamento familiar, sendo às vezes muito dificultoso dar a todas elas condições satisfatórias no tocante a uma boa base de formação humana e escolarização de qualidade. Apesar dos dados do (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística – IBGE (2010) virem apresentando declínio, verfica-se que:

A escolaridade é um dos condicionantes do comportamento da fecundidade feminina. Para o país como um todo, as mulheres com até 7 anos de estudo tinham, em média, 3,19 filhos, enquanto o número de filhos das mulheres com 8 anos ou mais de estudo era 1,68. Com-parando os valores regionais extremos, a distância que separa a fecundidade das mulheres menos instruídas da região Norte (3,61) daquelas que possuem mais escolaridade no Sudes-te (1,60) era de 2,01 filhos. Entre as mulheres com menos de 7 anos de estudo, o grupo de 20 a 24 anos de idade concentrava, em 2009, 37% da fecundidade total, e o de 15 a 19 a-nos, 20,3%. Já entre as mulheres com 8 anos ou mais de estudo, os grupos etários de 20 a 24 anos (25,0%) e de 25 a 29 anos (24,8%) concentravam, juntos, quase metade da fecun-didade, e o grupo entre 15 e 19 anos concentrava 13,3%. Entre as mulheres com menor grau de instrução o padrão de fecundidade tende a ser mais jovem. Como resultado, a idade média com que as mulheres têm filhos também se diferenciava pela instrução: entre aquelas com menos de 7 anos de estudo, a média era de 25,2 anos. Entre as que tinham 8 anos ou mais de esco-laridade, a idade média era 27,8, uma diferença de 2,6 anos (Grifos nossos).

Nesta direção, a equação social é: quanto mais estudo, menor e mais tarde se manifesta a taxa de fecundidade feminina. Em se tratando das dificuldades sociais das Regiões Norte e Nordeste como já trata-mos anteriormente, verfica-se altas taxas de natalidade por conta da falta de instrução da maioria. Entretanto, a política de Governo na Bolsa Família é apenas um paternalismo paliativo, pois ao invés de promover a ação social que ensina a pescar, fomenta o assistencialismo que dá o peixe, muitas vezes com fins eleitoreiros e não humanizantes. Logo, muitas famílias enviam seus filhos para a Escola não para estudar e se construir como pessoa, mas para não perder o beneficio financeiro do Governo. Sendo assim, o Jornal O Estado (2011) cor-robora o que estamos dizendo quando informa que:

Uma pesquisa encomendada pelo Ministério do Desenvolvimento Social atestou que os beneficiários do Bolsa Família – que hoje, atende a cerca de 12,5 milhões de famílias, ou mais de 50 milhões de brasileiros – passam menos tempo no emprego e, quando o perdem, demoram mais tempo para encontrar uma vaga com carteira assinada. A conclusão mais óbvia que o estudo aponta é que é bastante largo o fosso que separa os beneficiários pelos programas de transferên-cias de renda da independência financeira que poderia significar uma porta de saída para esses programas (…) Desta forma, o Bolsa Família, que deveria ser considerado um meio paliativo e com data de validade para se chegar ao fim da pobreza, acaba por ser ineficaz em quebrar o ciclo da miséria que perpassa gerações de brasileiros, um ciclo que, para ser rompido, exige mais do que simplesmente transferir renda aos mais necessitados (p. 2 – Grifos nossos).

Neste contexto, em terceiro lugar, faltam oportunidades aos educandos de se construírem como cidadãos. Não tem capital cultural necessário para ingressarem na Escola e prosseguirem seus estudos rumo à cidadania, pro-fissionalização e desenvolvimento pessoal. Portanto, não ter oportunidade à educação de qualidade é ao mesmo tempo oportunizar comportamentos indisciplinados na direção da violência e crime organizado. Por isso, Ricotta (2006) afirma que:

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A violência presente na escola também é reflexo dos contrastes sociais e econômicos e da influência da mídia, que acentua diferenças e modismos, o que estimula a ganância, a com-petição desenfreada, a cobiça, a inveja, a desigualdade e a discriminação, entre outros fe-nômenos (p. 29).

Todo esse cenário que estamos trançando no que tange ao educando, tem contribuído para enormes dificuldades de aprendizagem no processo educativo. Por isso, tem crescido o número de alunos fora de faixa nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em nossa experiência, como professor pedagogo nos anos iniciais do Ensino Fundamental, percebemos que pelo menos 50 % da classe não tem domínio da leitura, interpretação e produção textual em seus quesitos básicos. Vejamos o quadro abaixo que nos mostra essa realidade:

QUADRO 3: ALUNOS FORA DE FAIXA NO ENSINO FUNDAMENTAL

Ano % 1º 18,9 2º 24,8 3º 27,8 4º 29,4 5º 38,6 6º 37,1 7º 35,8 8º 36,4

1º ao 8º 30 Fonte: Inep, 2006.

Tudo isso tem dificultado a construção de uma Educação de Qualidade. Neste sentido, nós professo-res, sentimo-nos muitas vezes de mãos atadas pensando: O que fazer? Como fazer? Será que existe algum ca-minho de solução? Se existe, qual é? Sendo assim, essa será a nossa discussão no próximo tópico ao tratarmos sobre o sucateamento da profissão docente no Brasil.

• O desafio do sucateamento profissional-docente

Em terceiro lugar, o sucateamento é profissional docente. Para compreendermos esse processo de degradação da profissão docente nos anos iniciais do Ensino Fundamental, precisamos dizer que toda profis-são tem uma função social. No entanto, por conta da divisão social do trabalho que determina a existência da-queles que pensam e de outros que fazem, percebemos uma estratificação social da profissão. Contudo, toda profissão contribui para o desenvolvimento social. Por isso, concordamos com Imbernón (2006, p. 14) quando afirma que:

Hoje, a profissão já não é a transmissão de um conhecimento acadêmico ou a transforma-ção do conhecimento comum do aluno em conhecimento acadêmico. A profissão exerce outras funções: motivação, luta contra a exclusão social, participação, animação de grupos, relações com estruturas sociais, com a comunidade (...) É claro que tudo isso requer uma nova formação: inicial e permanente.

Por entender esse quefazer de luta e transformação social da profissão, por questão de enfoque deste trabalho, a pertinência está em tratarmos da questão do sucateamento da profissão docente nos anos iniciais do Ensino Fundamental e sua relação com a transformação social. Ecoa-nos, portanto, uma pergunta que não quer calar: o que é possível ao professor da rede pública municipal, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo em vista a realidade da escola pública sucateada no Brasil hoje?

Nesse sentido, inicialmente, percebemos que no Estado neoliberal, o capital assumiu o comando social, implantando a lei de mercado e do lucro como meta e termômetro do progresso. Nesta direção, a sociedade está em busca do ter mais que o ser, e como resultado disso, assistimos a miséria e a desigualdade instalada em nossa Pátria desprezada Brasil. Por isso é que Bianchetti (2001, p. 81) afirma que “O Estado na sociedade neoliberal somente atua sobre a ordem social quando se encontram em perigo seus fundamentos. Em outras palavras, a função coercitiva do Estado responde, nesta perspectiva, à necessidade de preservação da própria natureza da sociedade”. Logo, o estado deixa de ser pai e se torna padrasto social, conferindo ao capitalismo as rédeas de bem estar social. Elucidando mais a questão, Comparato (1987, p. 54) declara que:

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(...) A mentalidade liberal concebe o Estado como sendo um simples organismo incumbido de proteger a liberdade da sociedade civil, liberdade dos cidadãos, a qual é sempre criadora, vivificadora. O Estado nada cria, não só no campo político, mas sobretudo no campo eco-nômico, como apregoou Adam Smith enfaticamente. Não há a menor criação de riqueza por parte do Estado. Toda riqueza é criada pela sociedade civil. De modo que o Estado não pode interferir na sociedade civil, sob pena de estancar essa fonte produtora de rique-za. A sociedade civil é a grande fonte da vida social. O Estado é apenas o organizador, mantenedor da ordem pública, impedindo que os movimentos sociais suscitem o caos ou degenerem no arbítrio, na dominação de uns sobre os outros. As incumbências naturais do Es-tado, segundo o liberalismo, eram cinco apenas: editar leis, fazer justiça, proteger a nação contra o inimigo externo, manter a ordem pública e cunhar moeda (Grifos nossos).

Diante disso, por meio de um processo de transferência de responsabilidade, o Estado que, podemos cha-mar mínimo, transferiu seu papel de pai social ao capital que, por sua vez o fez ao mercado e ao lucro; da mes-ma forma a família à escola e, esta ao professor. Logo, paira socialmente a ideia de que a profissão docente é a panaceia para todas as patologias sociais. Entrementes, ser professor no Brasil hoje é remar contra a maré de um mar estrutural que faz de tudo para que não seja alcançado bom êxito na profissão. A impressão que temos é que estamos como médicos-educadores receitando uma aspirina para sanar a dor e/ou curar um câncer social. Logo, desde os mínimos processos burocráticos no âmbito da escola, à falta de tempo necessário para o pla-nejamento de ensino e a formação continuada, às precárias condições materiais e estruturais da escola, tudo contribui para o insucesso da escola pública no Brasil.

Diante desse quadro social patológico, verificamos claramente que o sucateamento nos anos iniciais do Ensino Fundamental é profissional-docente. Segundo dados Jornal do Commercio (Rio de Janeiro. [s.d.] Apud Universia Brasil. 03.10.02), foi feita uma pesquisa em 40 países pela Organização Internacional do Tra-balho (OIT) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) em Genebra, na Suíça, concluindo que um professor brasileiro em início de carreira recebe em média menos de US$ 5 mil por ano (aproximadamente R$ 693,00 mensais)4

para dar aulas. Isso porque o valor foi calculado incluindo os professores da rede privada de ensino, que ganham bem mais do que os professores das escolas públicas. Na Alemanha, o professor nas mesmas condições ganha US$ 30 mil por ano e na Coréia, os professores primá-rios ganham seis vezes o que ganha um brasileiro. Em comparação a esses dados, vejamos o quadro a seguir:

QUADRO 4: PREÇOS E SALÁRIOS Cargo - Bolsa Ge-

ral Menor valor (R$) Maior valor (R$) Média (R$) Var. % mês anterior

Professor 1.900 14.909 5.269 0 Fonte: Datafolha, 2010.

O Quadro 4 apresenta o menor valor de R$ 1.900 e o maior de R$ 14.909. Entretanto, nivelando por baixo, o salário do professor, segundo a pesquisa do Datafolha é quase três vezes mais que o valor apresenta-do pela pesquisa da OIT e UNESCO. Salvo a inclusão ou não dos professores da rede pública e privada, tomando por base o salário de R$ 1900,00 mensais, ainda assim, isso é um despeito a carreira do magistério do Brasil que está aquém da realidade dos países desenvolvidos – na Europa o salário é seis vezes maior que no Brasil. Diante disso, evocamos a fala de Inbernón (2006, p. 29) quando diz que “a profissão docente se moverá então em um delicado equilíbrio entre as tarefas profissionais (alguns autores chamam de acadêmicas) e a estrutura de participação social”.

5 Considerações finais

Ao final de tudo que dissemos sobre o processo de sucateamento político, burocrático e profissional docente das escolas públicas municipais, vale ressaltar que é no veneno que se encontra a fórmula para sinte-tização do antídoto. No entanto, longe de esgotar a discussão, nossa breve reflexão neste trabalho teve como objetivo apenas fomentar a discussão para que por meio do ecoar de várias vozes na mesma direção, pudés-

4Segundo dados de hoje (Disponível em: http://economia.uol.com.br/cotacoes/cambio/dolar-comercial-estados-unidos-principal.jhtm Acesso em: 11 mar. 2011), o dólar comercial está cotado a 1,6630. Sendo assim, US$ 5 mil ao ano equivalem a R$ 8.315, logo, aproximadamente, equivalem a R$ 693,00. Na Alemanha e na Coréia, a realidade seria R$ 50,000 anuais e por volta de R$ 4158 mensais de forma arredondada.

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semos em um só coro lutar por uma escola pública em que se equacione o acesso, permanência e a qualidade da educação.

Por tudo isso, retomemos nossa questão inicial: o que é possível ao professor da rede pública muni-cipal, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, tendo em vista a realidade da escola pública no Brasil hoje? Na visão freireana, a educação não transforma a sociedade, mas não há transformação social sem educação. Portanto, a escola e sua materialização na profissão docente, como uma das importantes agências educativas, precisa não perder seu papel utópico que lhe é devido. Nesta direção, o professor trabalha como um malabarista social na corda bamba da miséria humana, tentando ser ouvido como voz solitária que ecoa em meio a uma plateia que, involuntariamente luta contra seu papel artístico, mas que, ao mesmo tempo espera dele um gran-de espetáculo.

Neste contexto político-social da educação, nós professores, precisamos entender que a questão antes de ser pedagógica é estrutural. De um lado, lutamos com educandos, em sua maioria, fruto de famílias disfun-cionais, sem valor nenhum pela educação, ausente de limites, sem referenciais, ou qualquer tipo de respeito, bom costumes e/ou regras de convivência social. De outro lado, nós professores, fazemos parte de um sis-tema de ensino neoliberal que engessou a escola, de tal forma que a hipertrofiou. Nesse processo, ao mesmo tempo em que ela perdeu sua função utópicoemancipadora, tornou-se a única fonte de educação e construção de valores para a vida.

Por tudo isso, essa realidade da escola hipertrofiada se materializa no cotidiano da sala de aula. Nesse sentido, a profissão docente é forçada a receber a descarga de todas as patologias sociais. O que o Estado não deu conta, passou a responsabilidade a outras instâncias sociais, tais como: ONGs (Organizações não-governamentais), instituições filantrópicas, casas de recuperação para dependentes químicos, etc; o que a fa-mília não resolveu, transferiu à escola e mais diretamente ao professor a sua missão de educar – o que ela na condição de primeira agência socioeducadora da infância, quando não educa já está deseducando. Nesse que-fazer de transferência, a responsabilidade de educar dos grandes atores socioeducativos (Estado, família, esco-la), faz valer a verdade de que a responsabilidade de todos é ao mesmo tempo a responsabilidade de ninguém. Contudo, a corda social arrebenta sempre do lado mais fraco, que é a sala de aula.

Nossa contribuição para esse tema é que para reverter o processo de sucateamento político, burocrá-tico e profissional docente nas escolas públicas municipais, é preciso viabilizar e dinamizar os processos de exercício do fazer a escola pública de tal maneira que, as pessoas sejam mais importantes que as estruturas. Logo, é preciso lutar pela construção coletiva de PCCSs que valorizem o magistério, gestão democrática efe-tiva da escola pública, tempo durante a semana para formação continuada de professores reflexivos, associa-do a isso, construir um projeto de atendimento integral ao educando, através de equipes profissionais multi-disciplinares, que são caminhos para a qualidade do ensino público municipal no Brasil.

6 Referências

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<http://www.inep.gov.br/download/Ideb/2010/ideb2009_coletiva.ppt#297,6,IDEB – Projeção das Me-tas> Acesso em: 09 mar. 2011.

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<http://www.inep.gov.br/informativo/pdf/informativo141.pdf> acesso em: 09 nov. 2010.

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COMPARATO, Fábio Konder. Educação, estado e poder. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.

DATA FOLHA. Institutos de Pesquisas. Preços e salários. Disponível em:

<http://datafolha.folha.uol.com.br/folha/datafolha/scripts/tb_salarios.php?data=17032010&action=lista&numLista=5> Acesso em 09 mar. 2011.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 9.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

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_______. Educação como prática da liberdade. 13.ed, Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1992.

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WIKIPÉDIA, A Enciclopédia Livre. Família. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Fam%C3%ADlia> Acesso em: 21 set. 2011.

Enviado para publicação: 15/11/2011

Aceito para publicação: 10/01/2012

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3. LIDERANÇA E GÊNERO: QUE RELAÇÕES?

Estudo de caso nas escolas públicas da Madeira

LEADERSHIP AND GENDER: RELATIONSHIPS THAT? Case study in public schools of Madeira

Márcia Andreia Pita da Silva1

António V. Bento

2

Resumo: A questão da Liderança é um tema em debate na atualidade e assume um lugar im-prescindível nas organizações. Com a presente investigação pretendemos perceber a opinião dos Diretores de Escola acerca das suas práticas de liderança, de forma a aferir os estilos de Lide-rança privilegiados e compreender como se traduz a eficácia do líder. Em termos metodológi-cos, optámos pelo estudo de caso, através de uma abordagem quantitativa e qualitativa, dada a natureza complexa e ambígua do fenómeno da Liderança. Como instrumento de recolha de da-dos, recorremos ao inquérito por questionário que teve como objetivo identificar os estilos de liderança dos Diretores dos estabelecimentos de ensino, categorizando-os em três tipos (Trans-formacional, Transacional e Laissez-Faire) e verificar qual a sua perceção, relativamente a uma liderança eficaz. Após a análise dos dados recolhidos, não encontrámos diferenças significativas quanto ao estilo de liderança percecionado que possa divergir do género. Tanto os líderes mas-culinos como femininos obtiveram maior pontuação no estilo de liderança transformacional. As maiores diferenças entre os géneros foram encontradas a nível da perceção acerca das compe-tências de liderança, dado que o género feminino privilegia as competências interpessoais en-quanto o género masculino atribui maior importância às competências técnicas.

Palavras-chave: Liderança – Estilos de Liderança – Género, Eficácia

Abstract: Leadership has become a predominant theme nowadays and assumes an essential role in the organizations. With this research we aim to perceive the beliefs of the schools’ Direc-tors regarding their Leadership practices in order to identify the preferred Leadership styles and understand how the effectiveness of the leader is perceived. In terms of methodology used, and due to the complex and ambiguous nature of the Leadership phenomena, we have chosen the case study, through a quantitative and qualitative approach. In terms of data-collection, we have made an enquiry with the purpose of identifying the Leadership styles of the schools’ Directors by categorizing them in three different types (Transformational, Transactional and Laissez-Faire) and understand what their perception in regards to an effective Leadership is. Once the data was analyzed, we found no significant discrepancies regarding the Leadership style per-ceived that might have diverged from the gender. Both male and female leaders obtained a larg-er classification on the Transformational Leadership style. The major differences between gen-ders were found in terms of the perception over leadership competencies, since the female gen-der emphasizes interpersonal competencies while the male gender attributes greater importance to technical competencies.

Keywords: Leadership – Leadership styles – Gender – Effectiveness

1 Mestranda em Ciências da Educação na área de Administração Educacional pela Universidade da Madeira – Por-tugal. E-mail: [email protected]. 2 Doutorado em Educação pela Universidade de Massachusetts – Lowell, Estados Unidos. Professor Auxiliar de Administração e Gestão Escolar na Universidade da Madeira (UMa) (Portugal). É membro do Centro de Investiga-ção em Educação (CIE-UMa). Colabora no programa de acesso ao Mestrado pela UMa no Brasil (Protocolo DH2-UMa). [email protected] ; http//www.uma.pt/bento.

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1. INTRODUÇÃO

Numa atualidade, onde o contingente, a mudança e a complexidade não podem ser descurados, a questão da liderança surge como um tema peculiar que potencia uma outra forma de fazer e pensar as atuais organizações. Na especificidade do contexto escolar, vivemos esta realidade, em que os indivíduos são eles mesmos fenómenos da globalização, onde é-lhes exigido conhecimento, capacidade de adaptação, soluções que viabilizem uma relação de influência mútua, entre líder, liderado e ato de liderar. A temática da liderança implica um trabalho que não se vislumbra linear e como tal merece uma análise crítica e objetiva, uma vez que a mesma tem suscitado um não menos característico discurso crítico, por parte de autores/investigadores na área. Diversos autores reforçam a noção de que a liderança representa um assunto vasto e de difícil definição (COSTA, 2000; HARGREAVES & FINK, 2007; HOOPER & POTTER; 2010; JESUÍNO, 1999; REGO & CUNHA, 2007).

Conscientes da amplitude e complexidade do nosso objeto de estudo e que o objectivo de qualquer liderança é a eficácia e a consequente eficácia da organização e do grupo que lidera, procuramos expôr ideias sobre a liderança e a sua associação às competências para liderar eficazmente. É precisamente nesta perspecti-va que a proposta de investigação surgiu da pesquisa bibliográfica que nos conduziu para a pertinência do es-tudo e organizamos a investigação de forma a responder à problemática: Existem diferenças significativas quanto ao estilo de liderança do Diretores das Escolas Públicas do 1º Ciclo da Região Autónoma da Madeira (RAM) em relação ao género? Neste contexto de trabalho não foram descurados os seguintes objetivos que irão nortear o nosso estudo: verificar qual o estilo de liderança dominante nestas escolas; aferir se o género assume-se como um fator fundamental na determinação do estilo de liderança e se existe alguma relação entre o género e a eficácia da liderança.

2. A LIDERANÇA

O facto do conceito de liderança ter sido alvo de diversas interpretações teóricas ao longo do século XX e no início do século XXI torna difícil a sua definição de uma forma unilateral (CASTANHEIRA & COSTA, 2007, p.141). Não obstante esta realidade, são partilhadas ideias comuns, atribuídas tanto aos líderes como à própria ação de liderar. Persiste uma concordância que valida que a liderança implica a necessidade de diversas aprendizagens e a definição conjunta das metas, bem como o desenvolvimento e a renovação de um sentido claro de propósito moral e de visão. Subsiste a ideia de que os líderes têm uma grande influência so-bre os liderados e sobre os seus comportamentos, no entanto não é abandonado um conceito de liderança que implica a realização de objetivos comuns, tanto dos líderes como dos seguidores (AFONSO, 2011; BASS & AVOLIO, 1994; EAGLY & CARLI, 2003; HOOPER & POTTER, 2010; PEREIRA, 2006; REGO & CUNHA, 2009; YUKL, 2008).

No presente contexto, consideremos o seguinte: A liderança compreende duas categorias de compor-tamento – Liderança Transacional e Transformacional (YUKL, 2009, p.51), cuja génese dos conceitos deve-se ao trabalho de James MacGregor Burns (1978) que na década de 80 lançou as sementes destas teorias. A Li-derança Transformacional poderá ser definida como o efeito do líder sobre os seguidores, uma vez que estes sentem confiança, admiração, lealdade e respeito pelo líder (REGO & CUNHA, 2007). Os líderes transfor-macionais estabelecem metas futuras, desenvolvem planos para atingir os objetivos, e inovam, mesmo quando a sua organização é geralmente bem-sucedida. Pela orientação e capacitação dos seguidores, esses líderes auxi-liam o desenvolvimento do potencial dos liderados e, assim, contribuem mais eficazmente para a organização dos mesmos (EAGLY & CARLI, 2003, p.815).

A Liderança Transacional, por outro lado, ocorre quando o líder recompensa ou disciplina o liderado dependendo do seu desempenho (BASS & AVOLIO, 1994, p.4). Estas recompensas são frequentemente mais extrínsecas do que intrínsecas, uma vez que os “líderes focalizam-se mais na manutenção ou realização do desempenho eficaz dos colaboradores do que na satisfação dos mesmos” (PEREIRA, 2006, p.33). Por fim, os pesquisadores distinguem um estilo Laissez-Faire que é marcado por uma falha geral de assumir a responsabilidade pela gestão. O líder não exibe comportamentos típicos de liderança, e pode ser simplesmen-te identificado como a ausência ou o evitamento do exercício da liderança, traduzido geralmente por uma ineficácia nos resultados obtidos (BASS & AVOLIO, 2004, p.3; CASTANHEIRA & COSTA, 2007, p.143; EAGLY & CARLI, 2003, p.825).

Após as leituras efetuadas, no âmbito da temática «Liderança e Eficácia», inferimos que este conceito, embora de difícil definição, continha denominadores comuns, nomeadamente a associação da eficácia às competências de liderança. É usualmente referido que a liderança não está interligada com a personalidade,

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mas com o comportamento. Daí que os ingredientes que permitem criar uma equipa de sucesso estão relacio-nados com as competências requeridas, relevantes para a generalidade das funções de liderança (apoiado nos estudos de AFONSO, 2011; AVOLIO & BASS, 1995; KOUZES & POSNER, 2009; VESSEY, BARRETT, & MUMFORD, 2011). Por forma a aferir as competências de liderança privilegiadas pelos líderes, recorremos ainda aos estudos de dois autores conceituados nesta área: Cunha et al (2007); Hooper e Potter (1997; 2010). Estes definiram a eficácia da liderança por associação às competências que os líderes devem possuir. Passa-mos então a enunciar a perspectiva de cada investigação.

De acordo com Hooper e Potter (1997) o potencial da liderança necessita de ser embalado e inspira-do por bons mentores que treinam indivíduos através de uma abordagem flexível, baseada em sete competên-cias necessárias para liderar eficazmente a todos os níveis, no estilo apropriado, de forma a criar valor numa organização: 1. Definir uma direção; 2. Definir um exemplo; 3. Comunicação eficaz; 4. Criar alinhamento; 5. Conseguir o melhor das pessoas; 6. Agir como agente da mudança; 7. Tomar decisões em tempos de crise ou incerteza (pp. 99-112). Por outro lado, Cunha, Rego, Cunha, e Cabral-Cardoso (2007) definiram três grupos de competências que consideraram relevantes para a eficácia dos líderes: 1.Competências Técnicas; 2.Competências Interpessoais; 3.Competências Conceptuais (cognitivas) (pp.344-346).

3. O GÉNERO

Ao analisar o conceito de liderança e eficácia, deparámo-nos com uma variável que assume especial interesse: o género. Com o nosso estudo procurámos estabelecer uma relação entre a Liderança e o Género, uma vez que apesar das centenas de estudos efetuados, Vecchio (2003) e Powell e Graves (2003) afirmam que os investigadores não concordam sobre o âmbito, magnitude ou causas das diferenças de sexo. Importa real-çar que a partir de pesquisas recentes sobre os estereótipos, se comprovou que as mulheres são percecionadas como sendo «mais emocionais» que os homens. Para precisarmos melhor a questão notemos que o «estereó-tipo emotividade» sustenta que as mulheres são mais emocionais dentro de certos domínios afetivos, como por exemplo, amor, tristeza, culpa, vergonha, compaixão, enquanto os homens tendem a ser mais emocionais dentro de outros domínios específicos, por exemplo, a raiva e o orgulho/ego (VECCHIO, 2002, p.658).

No âmbito da relação entre a liderança e o género, verificámos que, mesmo nos países onde as mu-lheres ocupam mais cargos de gestão escolar que os homens “(e que não são muitos – Portugal, a nível do primeiro ciclo do Ensino Básico parece constituir exceção), essas mesmas mulheres continuam a não desem-penhar funções de gestão e de liderança” em paridade com os homens em todos os níveis de ensino (RO-CHA, 2000, p.115). Pertinentemente, Barracho e Martins (2010) indicam que têm sido feitos poucos estudos com a finalidade de explorar a relação existente entre a liderança transformacional e género. “Todavia, entre os existentes é possível distinguir dois tipos diferentes. Um avalia aspetos andróginos da liderança transfor-macional (p.108), enquanto o outro se centra na «vantagem feminina» e na efeminização da liderança trans-formacional (VECCHIO, 2002).

Da literatura revista, concluímos que há evidências de valor que advêm das diferenças de sexo. Se es-sas diferenças de valor são uma vantagem ou desvantagem para as mulheres como líderes é difícil de discer-nir. Se assim for, um líder do sexo feminino que tente incutir mais compaixão social ou atenção mais rigoro-sas às regras éticas compartilhadas a partir da plataforma de um papel de liderança machista, enfrentaria al-guns desafios no ambiente organizacional (BASS & AVOLIO, 1994; BARRACHO & MARTINS 2010; CORREIA, 2009; EAGLY, 2005; EAGLY & CARLI, 2003; VECCHIO, 2002).

4. METODOLOGIA

O nosso estudo baseou-se nos seguintes sujeitos de investigação: a população ou universo de Dire-tores das Escolas Públicas do 1. ° Ciclo do Ensino Básico da RAM, através da aplicação de questionários, visando a sua autorrepresentação, sobre a prática de liderança. Procurámos que fossem respondidos pelo total dos 100 Diretores segundo dados fornecidos no sítio da Secretaria Regional de Educação e Cultura.

No que concerne à metodologia, dentro do método científico, optámos por uma abordagem quanti-tativa e qualitativa, dada a natureza complexa e ambígua do fenómeno da Liderança Escolar. Para a concreti-zação da presente investigação, optámos pelo método de estudo de caso, uma vez que é indicado para inves-tigadores isolados, proporcionando a oportunidade para estudar, de uma forma mais ou menos aprofundada, um determinado aspeto de um problema em pouco tempo (BELL, 2008, p.23; SOUSA, 2005, p.139).

Após o pré-teste e solicitação das autorizações à Secretaria Regional de Educação e Cultura, e aos au-tores cuja informação constava no questionário, iniciámos os procedimentos para a aplicação dos inquéritos,

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que decorreu durante os meses de Maio e Junho de 2011. Enviámos por correio electrónico, para todas as Delegações Escolares e às escolas em estudo, as devidas autorização e um documento a apelar à pertinência dos objetivos do estudo.

O questionário teve como objetivo identificar os estilos de liderança dos Diretores dos estabeleci-mentos de ensino, categorizando-os em três tipos: Transformacional, Transacional e Laissez-Faire e verificar qual a sua perceção relativamente a uma liderança eficaz. O instrumento estruturou-se em três partes em que a primeira secção reportou-se à caracterização pessoal e profissional do inquirido. A segunda parte incluiu o Questionário Multifactorial de Liderança (MLQ - Multifactor Leadership Questionnaire), na versão do líder e cujos autores são © Bernard M. Bass e Bruce J. Avolio.

Quadro 1 - Doze fatores representados nas quarenta e cinco questões do MLQ

(BASS & AVOLIO, 2004, pp.28-34/95-97)

Liderança Transformacional IIA - Atributos de Influência Idealizada (Idealized Influence - Attributed): Refere-se à forma como os líderes transformacionais exercem grande poder e influência sobre os seus seguidores, de tal forma que estes desenvolvem fortes sentimentos sobre os mesmos, querendo identificar-se com eles e com a sua missão. IIB - Comportamentos de Influência Idealizada (Idealized Influence - Behavior): Esta categoria relacio-na-se com os comportamentos demonstrados pelo líder, que inspira e dinamiza os seus seguidores, fala dos seus valores e convicções e são coerentes com os mesmos na sua conduta, com postura ética e moral. IM - Motivação Inspiracional (Inspirational Motivation): São líderes, que através do seu comporta-mento, motivam quem os rodeia, promovem um espírito de equipa, articulam de uma forma simples os objetivos comuns e estimulam a mútua compreensão do que é certo e importante. IS - Estimulação Intelectual (Intellectual Stimulation): Através da estimulação intelectual, os líderes ajudam os liderados a reconhecerem as suas próprias crenças e valores e fomentam o pensamento criativo e inovador. IC - Consideração Individual (Individual Consideration): O líder mostra-se preocupado com a realiza-ção pessoal e profissional dos seus colaboradores, na medida em que desenvolve o seu potencial, dá-lhes feedback e delega responsabilidades. Liderança Transacional CR - Recompensa pelos objetivos atingidos (Contingent Reward): O líder clarifica o que o seguidor deve fazer e o seu esforço pode ser recompensado por meios materiais ou psicológicos, funcionando como promoção da melhoria do desempenho individual e do grupo. MBEA - Gestão por Exceção Ativa (Management-by-Exception: Active): O líder centra-se no acompa-nhamento controlador das tarefas desempenhadas pelos seguidores, de forma a poder corrigir os erros, desvios e falhas. É um líder vigilante, atento e ativo. Liderança Laissez-Faire MBEP - Gestão por Exceção Passiva (Management-by-Exception: Passive: Aspeto da Liderança que se caracteriza por uma espécie de inatividade face aos problemas por parte dos líderes que apenas atu-am quando os problemas se agravam. Esta categoria está correlacionada negativamente com a per-formance organizacional. LF - Ausência de Liderança (Laissez-Faire): É um líder que evita tomar decisões, ignorando as suas responsabilidades e autoridade, adia a resposta a questões urgentes, está ausente quando é necessá-rio, o que origina um impacto negativo no desenvolvimento organizacional. Resultados da Liderança EE -Esforço Extra (Extra Effort): Os líderes conseguem levar os seguidores a fazerem mais do que o esperado, superando as expectativas, desenvolvendo-lhes a intenção de se superarem cada vez mais. E - Eficácia (Effectiveness): Os líderes lideram grupos eficazes, em que se tem em conta os interesses de cada um e do grupo como um todo. Estes líderes têm a capacidade de representar eficazmente a equipa, face a níveis hierarquicamente mais elevados. S - Satisfação (Satisfaction): Categoria que avalia a satisfação dos outros perante a atuação dos líde-res, perante o seu estilo de liderança, indicando se essa forma de agir e liderar provoca um ambiente de trabalho agradável e se é percecionado como adequado.

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A terceira parte do questionário, relacionada diretamente com a eficácia da liderança, englobou um questionário elaborado por Alan Hooper e John Potter, que pretende aferir a autoavaliação da eficácia do líder. Nomearam como: Avaliação de 360º da liderança com base nas sete competências da liderança (autoavaliação).

Quadro 2 - Sete competências para liderar eficazmente a todos os níveis e no estilo apropriado, de forma a criar valor numa organização (HOOPER & POTTER, 1997, pp. 99-112)

A resposta a cada um dos itens do questionário traduziu-se na atribuição, por parte dos respondentes,

de uma escala de frequência tipo likert em que: 0 = Nunca; 1 = Ocasionalmente; 2 = Algumas vezes; 3 = Muitas Vezes; 4 = Frequentemente. Uma classificação menor em determinada questão reflete uma menor exibição desse comportamento, por parte do líder.

A terceira parte do questionário contemplou uma questão aberta elaborada a partir dos trabalhos de Cunha et al (2007) e de Rego e Cunha (2007) que consiste na escolha da competência de liderança que o Dire-tor atribui maior importância e a justificação da sua opção.

Quadro 3 - Correspondência entre as Categorias e Unidades de Análise

Categorias (Competências de Liderança)

Unidades de Análise

Técnicas

Conhecer técnicas e equipamentos; Planear e organizar o trabalho; Compreender e dirigir os subordinados; Monitorar e avaliar o desempenho; Lidar com disrupções no fluxo de atividades; Conhecer os processos da concorrência, para melhorar o plane-amento estratégico.

Interpessoais

Possuir empatia, perspicácia social, charme, tacto, diplomacia, fluência verbal; De-monstrar relações de cooperação; Identificar as necessidades, objetivos; Tomar deci-sões integradoras e implementáveis; Usar estratégias de influência adequadas; Ser capar de ouvir com atenção, empatia e cortesia; Negociar e resolver conflitos com sucesso; Lidar com pessoas de diferentes culturas.

1. Definir uma direção: Envolve uma ideia clara de para onde queremos ir e a forma como atin-gimos o objetivo envolve uma boa organização. Ser líder implica ter visão e exige criatividade – estes são os primeiros passos essenciais para o estabelecimento da direção. 2. Definir um exemplo: O exemplo fornecido pelos líderes é crucial, porque as pessoas respeitam e seguem os líderes cujo comportamento reflete as suas palavras, pois eles não têm nenhum respeito para com os líderes que dizem uma coisa e fazem outra. 3. Comunicação eficaz: O líder deverá possuir a capacidade de comunicar aos outros de forma simples e eficaz, para que eles entendam o que está sendo dito e aquilo que devem fazer, e verificar isso posteriormente para garantir que as pessoas compreendem a mensagem. 4. Criar alinhamento: Antes da liderança tentar alinhar as pessoas na organização é necessário tornar clara a direção que estão a tomar, considerando que as comunicações são abertas e permitem um fluxo livre de informações em ambos os sentidos. 5. Conseguir o melhor das pessoas: Esta competência está naturalmente relacionada com o exemplo pessoal e envolve características como motivação, inspiração, incentivo, confiança e capacitação. 6. Agir como agente da mudança: A mudança exige muita energia e resistência para iniciar o estímulo necessário no início do processo de mudança, portanto é mais fácil para um novo líder iniciar este processo, mas há que ter em conta duas partes do processo de mudança: o que mudar e como mudar. 7. Tomar decisões em tempos de crise ou incerteza: A liderança é decisiva numa situação de crise, de facto, a ligação é tão forte que há uma perceção de que este é o principal objetivo da liderança, resultando no estereótipo do líder forte, focado, masculino e decidido.

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(CUNHA, REGO, CUNHA, E CABRAL-CARDOSO, 2007, p.343)

5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Após a recolha dos questionários, procedemos ao tratamento estatístico das suas respostas, no pro-

grama SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 18.0 para Windows, que é uma aplicação de trata-mento estatístico de dados. Relativamente à caracterização da amostra foram inquiridos 90 Diretores, dos quais 73,3% são do sexo feminino e 26,7%, do sexo masculino. No que concerne às habilitações literárias dos respondentes, tendo presente a profissão exercida – a docência, verificamos que 74,4% possui uma Licencia-tura, 13,3% concluiu uma Pós-Graduação, 6,7% possui Bacharelato, 4,4% Mestrado e 1,1% Doutoramento.

Quanto à caracterização pessoal e profissional dos inquiridos, a idade mínima observada foi de 30 anos e a máxima de 60 anos. Em média, os Diretores inquiridos têm cerca de 43 anos. No que concerne ao tempo de serviço docente, existe o tempo mínimo de 7 anos e o máximo de 52 anos. Em média estão na profissão durante 20 anos. O tempo mínimo na instituição é de 2 anos e o máximo de 33. O tempo médio na instituição é de aproximadamente 12 anos. Também foi questionado os anos de serviço com o cargo de Dire-tor, tendo-se verificado no mínimo 1 ano e no máximo 24. Em média, os inquiridos exercem o cargo de Dire-tor, durante cerca de 6 anos.

Como último dado de caracterização temos a localização da escola. Foram abrangidos todos os Con-celhos da Região Autónoma da Madeira, incidindo sobre os Concelhos do Funchal (31,1%), Câmara de Lo-bos (18,9%) e Santa Cruz (10%), por se tratar de Concelhos mais populosos e consequentemente Concelhos com mais escolas. Nesta fase passamos a analisar os resultados, de acordo com as questões/objetivos desta investigação:

Qual o estilo de liderança dominante nestas escolas? O questionário MLQ permitiu-nos identificar o estilo de liderança dominante e, de acordo com os

resultados, os Diretores de Escola percecionam-se mais como líderes transformacionais (valor médio de 3,08), seguindo-se o estilo de Liderança Transacional (valor médio de 2,45). É com o Laissez-Faire que os Diretores inquiridos menos se identificam, apresentando resultados inferiores (valor médio de 0,34).

Estes resultados indicam que os líderes do nosso estudo apresentam traços de Liderança Transformacional, ou seja, procuram fomentar o empenho dos seguidores e induzem-nos a ultrapassar os seus autointeresses, em prol dos objetivos da organização, assim conseguindo obter o seu empenhamento e produzindo grandes mudanças e elevados desempenhos (CUNHA et al, 2007). Num nível inferior, os inquiridos também demonstraram possuir comportamentos associados à Liderança Transaccional, visto que procuram satisfazer as necessidades básicas dos liderados, focando-se em transações ou trocas através de um comportamento de recompensas (BASS & AVOLIO, 1994).

Será o género um fator fundamental na determinação do estilo de liderança?

A investigação incidiu, fundamentalmente, na determinação da influência do género no estilo de lide-rança percecionado pelos líderes inquiridos. Os resultados obtidos foram os seguintes:

Quadro 4 - Estilo de liderança segundo o género

Género n Mínimo Máximo Média DP Resultado do teste estatístico

Liderança Trans-formacional

Feminino 66 1,65 3,65 3,05 0,45 t=-1,000 p-value=0,320 Masculino 24 2,05 3,85 3,16 0,52

Liderança Transa-cional

Feminino 66 1,00 3,88 2,40 0,65 Z=-1,061 p-value=0,289 Masculino 24 1,38 3,75 2,57 0,64

Laissez-Faire Feminino 66 0,00 1,88 0,53 0,35 t=-0,308

p-value=0,759 Masculino 24 0,13 1,13 0,56 0,32

DP = Desvio Padrão; t = estatística de teste t-Student; Z = estatística de teste Mann-Whitney

Conceptuais (cognitivas)

Analisar eventos, reconhecer tendências, detetar oportunidades e problemas potenci-ais, antecipar e esclarecer mudanças e constrangimentos; Desenvolver soluções cria-tivas para problemas inéditos e complexos; Compreender como se inter-relacionam as diversas partes da organização; Decifrar modos eficazes de coordenação; Identifi-car fatores críticos de sucesso; Tomar decisões em ambientes ambíguos (incerteza, informação escassa).

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Comprovámos que ambos os géneros consideram adotar um estilo de Liderança mais Transformaci-onal, logo não existe evidência suficiente para afirmar que a opinião é significativamente diferente entre Dire-tores e Diretoras. De igual modo, tanto os inquiridos do género masculino como do género feminino eviden-ciaram, nas suas respostas, que nunca ou ocasionalmente se identificam com o estilo de Liderança Laissez-Faire, ou seja, não evitam a tomada de decisões, nem abdicam da sua responsabilidade e autoridade (CASTA-NHEIRA & COSTA, 2007).

Em relação às Categorias de Liderança, obtiveram valores médios mais altos: “Estimulação Intelectu-al” (3,22), “Motivação Inspiradora” (3,21), “Consideração Individualizada” (3,09) e “Influência Individualiza-da” (3,09). Analisando as categorias segundo o género, com base no valor de prova igual a 0,015<0,05, po-demos afirmar que existem diferenças significativas entre Diretores e Diretoras na opinião dada às questões do fator de liderança “Estimulação Intelectual”. Este facto evidencia que os Diretores, no exercício da sua liderança, procuram fomentar os seguidores a serem inovadores e criativos; não criticam publicamente os erros dos liderados individuais; procuram novas ideias e soluções criativas para os problemas, com o apoio dos seguidores (BASS & AVOLIO, 2004, p.96). É também interessante verificar que o valor médio mais alto, na maioria das categorias, ocorre no grupo género masculino.

Qual a relação entre o género e a eficácia da liderança? Visto existir uma relação e complementaridade entre o estilo de liderança percecionado pelos líderes

inquiridos e a eficácia da liderança, importa aferir a sua relação com o género. O MLQ contempla um fator de liderança que corresponde à eficácia e cuja média apresenta valores positivos. Nele comprovámos que os Diretores de ambos os sexos partilham da opinião que se encontram a liderar um grupo com elevados níveis de eficácia e que procuram satisfazer as necessidades de cada um. Novamente, os líderes masculinos apresen-tam valores superiores, relativamente à sua perceção de eficácia, em relação às líderes femininas.

Como já foi exposto anteriormente, relacionámos a eficácia com as competências necessárias para uma liderança eficaz, assente nos estudos de Hooper e Potter (2010) e Cunha et al (2007). Verificando os resultados obtidos, relativamente às Sete Competências necessárias para liderar eficazmente, os líderes inqui-ridos consideraram ser mais importante: «Criar alinhamento» e «Comunicar eficazmente». A competência que obteve os resultados mais baixos foi «Conseguir o melhor das pessoas», cuja ação corresponde à criação de um plano para cada pessoa da equipa, com o objetivo de desenvolverem o conhecimento, capacidades, atitu-des e competências de que necessitam para trabalhar de forma eficaz. Esta situação pode significar que faltam instrumentos para a devida orientação dos recursos humanos nas escolas, de forma a melhorar o seu desem-penho, além das funções tradicionais atribuídas a cada membro da organização.

Em relação ao género, os testes estatísticos provaram não haver diferenças significativas que possam divergir do género, à exceção da opinião dada à competência «Criar alinhamento», com pontuação superior atribuída à perceção do género masculino. Isto significa que os homens do nosso estudo consideram que informam com regularidade a sua equipa sobre o que se está a passar na escola e procuram que estejam todos empenhados na dinâmica escolar, de forma a torná-la bem-sucedida. Em média, os Diretores voltaram a pon-tuar mais elevado na maioria das competências, em comparação com Diretoras, embora esta diferença não seja significativa, como podemos verificar no quadro abaixo apresentado:

Quadro 5 - Diferenças das competências de liderança segundo o género Género n Mínimo Máximo Média DP

1.Definir uma direção Feminino 65 1,50 4,00 3,02 0,63 Masculino 24 2,00 4,00 3,13 0,58

2.Definir um exemplo Feminino 65 2,00 4,00 3,12 0,51 Masculino 24 1,67 4,00 3,31 0,57

3.Comunicar eficazmente Feminino 65 2,00 4,00 3,49 0,58 Masculino 24 2,00 4,00 3,56 0,61

4.Criar alinhamento Feminino 65 2,00 4,00 3,47 0,55 Masculino 24 3,00 4,00 3,71 0,39

5.Conseguir o melhor das pessoas Feminino 63 0,00 4,00 1,90 1,12 Masculino 24 1,00 4,00 2,17 1,09

6.Agir como agente da mudança Feminino 63 1,50 4,00 2,98 0,69 Masculino 24 1,00 4,00 3,08 0,69

7.Tomar decisões em tempo de crise ou incerteza

Feminino 63 1,67 4,00 3,24 0,55 Masculino 24 2,00 4,00 3,43 0,46

DP = Desvio Padrão; Z = estatística de teste Mann-Whitney

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Em relação às três competências para a eficácia da liderança de Cunha et al (2007), tanto os líderes femininos como os masculinos assinalaram, como competência mais importante para uma liderança eficaz, a Competência Interpessoal. Consideram relevante no desempenho das suas funções possuir empatia, perspicá-cia social, charme, tacto, diplomacia, fluência verbal; demonstrar relações de cooperação; identificar as neces-sidades e objetivos; tomar decisões integradoras e implementáveis; usar estratégias de influência adequadas; ser capaz de ouvir com atenção, empatia e cortesia; negociar e resolver conflitos com sucesso; lidar com pes-soas de diferentes culturas (CUNHA et al, 2007, p.343).

De acordo com os resultados obtidos, podemos concluir que existem diferenças significativas acerca da opinião sobre a competência mais relevante para o desempenho das funções de Diretor, em relação ao género. As líderes femininas atribuem maior importância às Competências Interpessoais (conhecimentos acerca do comportamento humano), enquanto os líderes masculinos consideram relevantes as Competências Técnicas (conhecimento e capacidades acerca do modo de realizar as tarefas). Assim concluímos que os ho-mens, ao contrário das mulheres, atribuem igual importância às duas competências. Ao mesmo tempo que se interessam por compreender os comportamentos humanos, também procuram conhecer técnicas e equipa-mentos; planear e organizar o trabalho; compreender e dirigir os subordinados; monitorar e avaliar o desem-penho; lidar com disrupções no fluxo de atividades; conhecer os processos da concorrência, para melhorar o planeamento estratégico (CUNHA et al, 2007, p.343).

Relativamente à justificação dada à escolha das Competências Interpessoais e Técnicas, não houve di-ferenças significas entre os géneros. No que concerne à primeira competência, ambos privilegiaram as mes-mas unidades de análise e atribuíram maior importância às «relações de cooperação». Verificámos a mesma situação em relação à segunda competência, visto que tanto as líderes femininas como os líderes masculinos atribuíram maior importância ao conhecimento de «técnicas e equipamentos».

No que concerne às Competências Conceptuais (Cognitivas), apenas um líder masculino apontou es-ta competência, mas não justificou a opção. Por outro lado, oito líderes femininas preferiram a Competência Conceptual (cognitiva) e a maioria justificou a sua opção pela capacidade de «decifrar modos eficazes de co-ordenação».

Quanto à terceira questão de investigação, e estabelecendo uma ligação com as diversas partes do questionário relacionadas com a eficácia, podemos concluir que não existe uma diferença efetiva relativamen-te à eficácia percecionada pelos próprios Diretores. As únicas desigualdades significativas que podemos real-çar prendem-se com dois aspetos: (1) os líderes masculinos atribuem igual importância às Competências In-terpessoais e Técnicas, enquanto as líderes femininas valorizam, na sua grande maioria, as primeiras; (2) o género masculino demonstrou tendência para pontuar, em média, mais alto ao longo do questionário, o que demonstra que se percecionam com resultados superiores em vários aspetos, em comparação com o género feminino, ou seja, as mulheres assinalaram valores inferiores na escala aquando da resposta aos itens solicita-dos.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em jeito de conclusão, importa sublinhar que procurámos ao longo da investigação, pensar e refletir sobre a liderança dos Diretores de Escola e foi nossa pretensão responder à seguinte questão de Investigação: Existem diferenças significativas quanto ao estilo de liderança dos Diretores das Escolas Públicas do 1. º Ciclo da RAM, em relação ao género? Dando uma resposta objetiva à questão que norteou o nosso estudo, não encontrámos diferenças significativas quanto ao estilo de liderança percecionado que possa estar relacionado com o género. Tanto os líderes masculinos como femininos obtiveram maior pontuação no estilo de Liderança Transformacional. As maiores diferenças entre os géneros foram encontradas, a nível da perce-ção relativa às competências de liderança, descritas anteriormente.

Fazendo a interligação com investigações realizadas anteriormente, verificámos que alguns pesquisa-dores apontam as mulheres líderes como sendo mais transformacionais do que os homens, acompanhadas por maior satisfação na pontuação relativa à eficácia (BASS & AVOLIO, 1994, 2004). No entanto, o nosso estudo não demonstrou esta tendência. Os resultados obtidos indicam que ambos os géneros adotam o estilo transformacional. Assim esta investigação parece contribuir para as correntes que defendem a igualdade de géneros no que diz respeito ao sucesso do líder (BARRACHO & MARTINS, 2010; DUARTE, D’OLIVEIRA, & GOMES, 2009; EAGLY, 2005; VECCHIO, 2003). As conclusões apontam igualmente que não existe uma vantagem feminina significativa (EAGLY & CARLI, 2003; VECCHIO, 2002). Os investiga-dores que analisaram os aspetos da liderança com o MLQ reforçam a ideia de que o líder mais eficaz é aquele onde predomina a Liderança Transformacional, seguido da Liderança Transacional e, em último lugar, da

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Liderança Laissez-Faire (AVOLIO & BASS, 1995; BASS & AVOLIO, 2004). Após esta constatação podemos afirmar que a maioria dos Diretores de escola inquiridos perceciona adotar uma liderança eficaz, independen-temente do género (VECCHIO, 2002). Os resultados obtidos vão contra as conclusões dos estudos de Vinkenburg, Engen, Eagly, & Johannesen-Schmidt (2011) que apontam a liderança feminina como sendo mais eficaz.

Notemos ainda que, partindo do pressuposto que a liderança é um processo complexo, que depende do contexto em que se insere, não pretendemos generalizar os resultados obtidos, mas sim dar um contributo para uma melhor compreensão desta problemática, no contexto específico das Escolas do 1. º Ciclo do Ensi-no Básico.

Para finalizar, importa reiterar que o património mais importante da organização são as pessoas e o que realmente interessa é adotar o estilo que potencie a eficácia e as relações positivas. Os investigadores focam a importância que deverá ser atribuída às relações humanas, nas quais se inclui o compromisso organi-zacional, identificação com a organização, confiança mútua, cooperação e otimismo em relação ao futuro (YUKL, 2008, p.711). As pessoas desejam ser menos forçadas e mais influenciadas, menos criticadas e mais recompensadas, menos dirigidas e mais incluídas (FRANKEL, 2007, p.14), daí a utilidade de se realizarem estudos, cuja análise recaia sobre as características da liderança e auxiliem os líderes a olhar este fenómeno de diferentes perspetivas.

REFERÊNCIAS

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BARRACHO, C., & MARTINS, C. M. (2010). Liderança e Género. Lisboa: Sílabo

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Enviado para publicação: 20/12/2011

Aceito para publicação: 30/01/2012

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4. BULLYING: VÍTIMA E AGRESSOR, DOIS PERDEDORES

BULLYING: VICTIM AND AGRESSOR, TWO LOSERS

Olidnéri Bello1

Resumo. Com o presente artigo, pretendemos tecer algumas reflexões sobre o bullying, um problema advindo de desajustes de crianças e jovens que enfrentam ou enfrentaram em seus ambientes familiares e/ ou na escola algum tipo de conduta equivocada, além de verificarmos a dificuldade que tanto pais como professores sentem em trabalhar a liberdade e a autonomia mescladas com a disciplina, a ordem e o respeito. Temos a intenção, também, de apontarmos algumas circunstâncias atuais que facilitam esse desvio de comportamento dos jovens, como ainda, evidenciarmos que tanto a vítima quanto o agressor são indivíduos que merecem apoio e orientação, a fim de serem reconduzidos a uma formação integral como seres humanos. No con-texto dessa formação, estão inseridos a ocupação do tempo e o uso adequado das ferramentas tecnológicas atuais. A abordagem do tema está voltada, com base em referências, a pontos de reflexão e de instigação de uma atuação por parte da família e da escola. A leitura e a análise de diversos tipos de fontes referentes ao tema são o que compõem a metodologia do presente tra-balho.

Palavras-chave. Bullying – Características atuais da sociedade – Orientação a agressores e vítimas

Abstract. With this article, we intend to make some reflections about bullying, a problem aris-ing from maladjustment of children and young people who face or have faced in their home en-vironment and / or school some kind of misconduct, and to note the difficulty that both parents and working teachers feel the freedom and autonomy merged with discipline, order and respect. We intend also to point out some current circumstances that facilitated the deviant behavior of young people, as yet, showing that both the victim and the aggressor are individuals who de-serve support and guidance in order to be reappointed to a full training as being human. In the context of training, are part of the occupation time and the appropriate use of current techno-logical tools. The approach to the subject is focused, based on references, the reflection points and the instigation of an action by the family and school. Reading and analysis of various types of sources on the subject are what make up the methodology of this work.

Keywords. Bullying – Characteristics of current society – Guidance for batterers and victims

1Doutoranda em Educação pela Universidade da Ilha da Madeira. Mestre em Comunicação e Cultura pela Universi-dade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Supervisão Escolar pelo Centro de Estudos de Pessoal e Universi-dade Federal do Rio de Janeiro. Especialista em Português: Linguística do Texto pelo Centro de Estudos de Pessoal e Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduada em Letras – Português/ Inglês e respectivas Literaturas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. No momento é Professora de Língua Portuguesa na Subseção de Idiomas da Escola de Armas e Serviços do Exército Colombiano. E-mail: [email protected]

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1. Um panorama sobre o mundo em que estão inseridas as novas gerações

Quem observa o vento não semeia; e quem examina as nuvens não sega

Eclesiastes 11:4

A observação, a nosso ver, é essencial àqueles cujo dever profissional e familiar recai sobre a forma-ção de crianças e jovens. No entanto, só o ato de observarmos situações e indivíduos não basta para que pro-blemas sejam evitados ou soluções sejam encontradas. As Sagradas Escrituras já registraram, conforme a epígrafe com a qual abrimos nosso artigo, a inexistência de uma ação, ao apenas observarmos e examinarmos o que temos a nossa volta. Nesse sentido, acreditamos que o futuro de muitas vidas pode ser prejudicado se apenas agirmos como passivos observadores diante de fatos.

Ao pensarmos em educação, verificamos o registro de Paulo Freire (1996, p. 79) ao dizer: “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si mediatizados pelo mundo”.

A partir do que Paulo Freire afirma, precisamos ter sempre em nossas mentes uma pergunta: “Que mundo é este no qual estamos inseridos”? Com essa indagação inicial, abrimos um leque de indicações mere-cedoras, no nosso entender, da reflexão e da ação das Instituições Educacionais em conjunto com a família dos discentes, pois são esses jovens os responsáveis pelo amanhã da humanidade.

Jovens que passam por estabelecimentos de ensino e que protagonizam papéis como agressores ou como vítimas de temas não previstos em grades curriculares e em nenhum tipo de processo educacional que leve o aluno a construir conhecimentos. Esses temas dizem respeito ao bullying e, diante dessa constatação não desejamos um futuro marcado por dados como os que seguem abaixo, relatados por Fante (2006, p. 1):

Nos Estados Unidos, pelo menos 37 tiroteios ocorridos em escolas foram atribuídos ao bullying. O massacre de Columbine é um exemplo de como a vítima pode se transformar em agressor. Na pacata cidade de Taiuva (SP), após anos de ridicularizações, um jovem en-tra armado na escola, atira contra 50 estudantes e dá cabo à existência. Em Remanso (BA), um adolescente mata seu agressor principal, um garoto de 13 anos e a secretária do curso de informática. Em Petrolina (PE), uma adolescente e seu colega asfixiam uma garota de 13 anos, por ser alvo de apelidos pejorativos.

Com base na necessidade de projetarmos metas para o futuro e de melhorarmos as condições de formação educacional de nossos jovens, temos que buscar, no passado e no presente, os indicadores das transformações que vêm marcando o mundo. A estrutura social ganhou, nas últimas décadas, uma configura-ção em que, na maioria dos casos, menino ou menina não brinca mais da mesma forma que brincavam as crianças de poucos anos atrás, subindo em árvores, correndo para gastar energias e em contato direto com a natureza; pai e mãe, não todos, mas uma porcentagem considerável, não convivem mais juntos; criança não ouve mais histórias contadas por avós. Em contrapartida, tudo e todos estão “plugados”; não faltam telinhas de notebook, netbook ou celular para que possamos enviar e receber qualquer tipo de mensagem. A geniali-dade tecnológica permite a qualquer indivíduo possuidor, por exemplo, de um iPod touch, ver onde e como outro indivíduo está; isso apenas por meio do toque em um botão, além de que as dimensões desse aparelho, tomando, por exemplo, um de 7ª geração, é de 10,35 cm×6,18 cm×1,05 cm e com um peso de apenas 140 gramas2

Nesse contexto marcado por interações virtuais, verificamos alguns pontos conflitantes para uma boa formação humana; se o tempo é escasso para que pais e/ou responsáveis possam permanecer com seus de-pendentes e estes passam várias horas diárias em salas de bate-papo da internet ou outro tipo qualquer de comunicação virtual, que valores estarão recebendo? Que conceitos estarão construindo sobre disciplina e respeito ao próximo? Acreditamos que o respeito e a consideração se consolidam em ambientes de diálogo frente-a-frente e que o homem se desenvolve, nas áreas afetiva, psicomotora e cognitiva, quando estabelece relações de convivência quer familiar, quer social. Os autores Toniolo e Henz (2006, p. 01) argumentam que grande parte do espaço da vida das pessoas vem sendo ocupada pela tecnologia; naturalmente que não pode-mos ser contra os avanços tecnológicos, mas temos que dar crédito aos autores quando observamos que mui-

, ou seja, um aparelho portátil e manipulável por qualquer criança que o possua.

2 Dimensão e peso conforme informado em http://pt.wikipedia.org/wiki/IPod_touch. Acesso em 12 de dezembro de 2011.

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tas pessoas, crianças ou adultos, não sabem dosar o tempo e que esse fato, de uma maneira ou de outra, pode estar prejudicando a formação das gerações futuras. Os citados autores assim argumentam:

No mundo, os processos científico-tecnológicos estão cada vez mais avançados e a tecno-logia vem ocupando um grande espaço na vida das pessoas. Os reflexos da globalização, em que tudo se submete às leis do mercado, do consumismo, à busca desenfreada ao “ter”, à competitividade e ao individualismo, parecem ter atingido e apressado o ritmo de vida das pessoas, acarretando na perda do sentido do “humano” que existe em cada um. Parece que os indivíduos perderam a sensibilidade de serem “pessoas”, de serem “gente”; perde-ram a humana capacidade contemplativa, não apenas de “ser”, mas também de perceber o outro como gente.

Com esse pensamento, acreditamos que as facilidades eletrônicas à disposição dos jovens merecem ser estudadas. Parece-nos que, com esse jeito “tecnológico de viver”, o jovem vem modificando seu compor-tamento. O modo de reagir das novas gerações, a nosso ver, tem se tornado menos espontâneo, mas ao mesmo tempo, mais ingênuo e alguns jovens mais frágeis psicologicamente e outros mais agressivos. Certa-mente que não podemos atribuir a culpa dos atuais problemas comportamentais humanos apenas à vida tec-nológica que vem sendo assumida pelas novas gerações; as brincadeiras indevidas e as perseguições entre alunos datam de muitos anos. Há, com certeza, vários outros fatores, os quais não trataremos neste artigo, porque nossa pretensão é limitarmos nosso estudo em um ponto em que tanto a escola como a família pos-sam atuar mais de perto com seus jovens.

Com base no pensamento acima, acrescentamos a opinião de Júnior e Martins (2010), dois autores que percebem a ação infanto-juvenil perante as novas tecnologias da seguinte maneira:

Em sua imaturidade ficam encantados, deslumbrados, esquecem os estudos, a hora de alimentar-se, influenciando diretamente no seu comportamento e atitude. Os pais precisam observar, conduzir, colocar limites e regras educativas. As crianças e adolescentes já não sabem mais falar de seus sentimentos, suas aflições, seus desejos e nem fazem mais amiza-des, se escondem dentro de casa, porque a tecnologia as satisfaz e preenche o seu tempo. Pais e educadores hão de concordar que, ultimamente, a diversão de crianças e adolescen-tes são jogos eletrônicos, ferramentas de mensagem instantânea uma delas é o MSN, co-munidades virtuais, onde a mais famosa é o Orkut.

Diante das palavras dos autores acima, detemo-nos na preocupante afirmação de que os jovens “não sa-bem mais falar de seus sentimentos”. Essa constatação é problemática porque um indivíduo que não expõe seus problemas, não fala o que lhe sucede com seus pais e/ou responsáveis e não reclama das coisas que lhe desagradam pode extravasar sentimentos reprimidos das maneiras mais imprevisíveis, pois não há como ori-entá-lo ou educá-lo. A educação é, sem dúvida, o caminho mais adequado para conduzir o homem à solução de seus problemas.

Podemos considerar que, ultimamente, as amizades virtuais se formam e, nesse mundo virtual, tudo é possível, principalmente, a inventividade, a fantasia, a mentira. No mundo virtual não há necessidade de se provar nada, não existe a relação concreta em que o conhecimento se estabelece mais às claras. Talvez, o engajamento nesse mundo facilite a imersão do indivíduo a situações inusitadas que o conduzam ao pensa-mento de que é mais fácil manter o poder de suas ações e de suas ideias por meio do que a tecnologia lhe oferece; pois esse tipo de comunicação, viabilizado pelas ferramentas tecnológicas atuais, distancia o indiví-duo do enfrentamento direto com outras pessoas e, caso não esteja disposto a manter determinados diálogos virtuais, simplesmente, elimina o companheiro de seu grupo de amigos ou troca de comunidade virtual.

Os grandes filósofos do passado já nos deixaram um grande ensinamento, Platão é um deles. Esse filósofo registrou (Leis, VI): “o homem é um animal cheio de mansidão e de essência divina, se é tornado manso por meio de uma verdadeira educação; se, pelo contrário, não recebe nenhuma ou a recebe falsa, torna-se o mais feroz de todos os animais que a terra produz”.

Ao mesmo tempo em que o homem, em essência, é um ser social, percebemos que, na base de suas relações interpessoais, há sentimentos perversos, como Cortella (2006, p.33) afirma “para não poucos, o so-nho de paz e vida feliz é poder retirar-se para uma ilha paradisíaca, distante de tudo e afastada do maior nú-mero possível de humanos e humanas, isto é isolar-se”.

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Diante do que expõe Cortella, preocupa-nos saber que crianças e jovens podem possuir esse mesmo sentimento. Pois, se assim agem, como estão obtendo experiências de vida? Como buscam solucionar seus conflitos internos? Que percepção estão tendo do mundo? Até que ponto estão compreendendo que a reali-zação humana vai além da satisfação do próprio ego?

O que nos fala Cortella pode parecer contraditório frente a um mundo em que avançam as Tecnolo-gias da Informação e Comunicação (TIC), no entanto, a partir de uma simples observação, é possível verifi-carmos que os contatos humanos estão se estabelecendo, a cada dia, com o auxílio de meios tecnológicos; parece-nos que as pessoas estão preferindo falar com o próximo a distância, além de que olhos e mentes dire-cionados à manipulação da tecnologia deixam o homem menos perspicaz na observação das coisas que o rodeiam. Isso já foi comprovado por pesquisa científica. O Doutor Fontenelle (2011, p. 1) cita isso em um de seus estudos. Diz o médico:

Imagine que você está tentando atravessar o cruzamento de uma rua movimentada, e de repente vê um palhaço de circo pedalando um monociclo. Uma cena e tanto, concorda? Uma pesquisa científica publicada na revista Applied Cognitive Psychology chegou à conclu-são de que as pessoas que estão falando ao celular prestam pouca atenção ao seu redor — tão pouca que têm uma probabilidade menor de ver o palhaço no cruzamento com o monociclo.

Se pensarmos nos cotidianos sociais dos quais fazemos parte, podemos verificar que, ultimamente, tem sido difícil até mesmo para pedirmos uma informação; é raro encontrarmos uma pessoa caminhando pelas ruas das cidades dos mais diversos países que não esteja ocupada, manuseando algum aparelho tecnoló-gico. Os indivíduos falam muito ao celular, ouvem muita música, sempre estão conectados, mas o diálogo olho-a-olho, a prestação de serviço ao próximo e a solidariedade estão cada vez mais raros. Parece-nos que a conduta humana atual tem se voltado para um lema: “Não me perturbe porque estou ocupado!”.

A partir desse provável lema que pode estar influenciando as gerações, deparamo-nos com outra questão, a empatia a qual Antunes (2005, p. 37) exemplifica com as seguintes representações: “Os bebês sor-riem ao ver vídeos de bebês sorrindo, ou choram ao ouvir ou ver cenas de choro simplesmente porque já desenvolveram essa capacidade de empatia. Pena que a vida, anos depois, os adestre ao egoísmo, ao egocen-trismo.” A empatia é uma das características que tornam o homem um ser possuidor de sentimentos altruístas e, por isso possuidor da capacidade de se colocar na condição do outro, mas como essa capacidade pode ser desenvolvida se “... nos nossos tempos ego-narcísicos, estamos perdendo as perspectivas de construção de uma convivência humana irmanada?”. (CORTELLA 2006, p.31).

Outro ponto que merece nossa atenção é o fato de as gerações serem formadas, atualmente, em um ambiente liberal e, se o indivíduo não construiu bases que o auxiliem a escolher caminhos mais acertados, há a probabilidade de equivocar-se e não saber agir nas situações em que está em uma comunidade. Sobre esse aspecto, Sampaio (2007, p. 30) afirma que vivemos uma crise global profunda e explica:

Essa crise global (familiar, educacional e social) é reforçada pela passagem do autoritarismo que incutia o medo e a repressão, onde os valores morais para o estabelecimento da ordem e disciplina eram rígidos, para essa outra fase liberal em que nos encontramos: da indiferen-ça ou indecisão no tocante às leis, normas e valores de garantia do convívio social. Saber li-dar com a liberdade e autonomia e, ao mesmo tempo, com a disciplina, ordem e respeito é o grande desafio dos nossos tempos.

Tanto o jovem que provoca o bullying como aquele que é vítima e não sabe se defender são exem-plos de carência de um saber mais profundo sobre respeito, disciplina e acato a leis e normas.

2. No caso de bullying, tanto a vítima como o agressor são perdedores

Quando lemos reportagens sobre assassinatos cometidos por crianças e jovens, quase sempre estão acompanhados os assuntos bullying, acesso relativamente fácil a armas e possível influência de más compa-nhias presenciais ou virtuais.

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Essas lamentáveis reportagens devem suscitar ações pedagógicas nas escolas e atenção dos pais e/ou responsáveis. O bullying deve ser uma das questões verificadas com uma atenção especial. Crianças e jovens precisam ter a exata noção do que é brincadeira e do que pode ser considerado crime, por afetar a dignidade física ou moral de outro indivíduo.

Marcos Meier, em Agressão nas escolas – o bullying, um guia com perguntas e respostas, argumenta que:

A escola madura toma decisões coletivas. Toda a comunidade escolar deve ter consciência do que é o bullying, o que causa, como tratar, como identificar e principalmente como criar um clima de solidariedade em que o bullying seja extinto. Uma escola só vence o bullying quando os pais, professores, funcionários e alunos aprendem sobre causas e consequências do bullying.

A escola é ambiente, por excelência, prestador de educação e, diante de casos de bullying, vale ques-tionarmos as ações pedagógicas praticadas para que o esforço de toda a comunidade escolar, principalmente dos docentes, não seja compreendido como argumentam Sacristán E Goméz (1998, p. 16) que, diante de constatações, afirmam ser a escola ambiente em que se impõem as seguintes ideologias:

(...) o individualismo, a competitividade e a falta de solidariedade, a igualdade formal de oportunidades e a desigualdade "natural" de resultados em função de capacidades e esfor-ços individuais. Assume-se a idéia de que a escola é igual para todos e de que, portanto, ca-da um chega onde suas capacidades e seu trabalho pessoal lhes permitem. Impõe-se a ideo-logia aparentemente do individualismo e do conformismo social.

Como Furter (1976, p. 112) afirma: “Os valores nunca podem atingir-nos sem intermediários, seja ele direto, ou indireto”. Portanto, a escola e a família devem zelar pela transmissão de valores de maneira insis-tente, a fim de que a criança e o jovem consigam superar desejos agressivos e compreender que não podem ser sujeitos instigadores de crises no próximo, como também não devem sofrer estados de crise em ambiente familiar ou escolar, pois, ainda citando Furter (1976, p. 84): “A crise, portanto, abala o homem inteiro e, quando se torna aguda demais, o homem pode não ser capaz de superá-la. Da crise ao suicídio ou à loucura o caminho é sempre curto, e, por isto mesmo, não se deve abusar da crise como técnica pedagógica”.

No caso de bullying, tanto vítima como agressor são exemplos de indivíduos perdedores porque apresentam em sua formação pessoal problemas relacionados muitas vezes com seu passado familiar. Fante (2006: 02) esclarece alguns desses pontos ao argumentar que, nos agressores: “torna-se evidente (...) a insegu-rança, a necessidade de chamar a atenção para si, de pertencer a um grupo, de dominar, associado à inabilida-de de expressar seus sentimentos e emoções”. E as vítimas são racionalmente escolhidas pelo agressor que “privilegia aquelas que não dispõem de habilidades de defesa.” Em síntese, tanto vítimas como agressores necessitam de apoio. Citando outra vez o guia sobre o tema bullying de Marcos Meier, percebemos que agres-sores necessitam de acompanhamento, diz o autor:

Normalmente as escolas ajudam apenas a vítima e punem os agressores. Erro comum. Os agressores também precisam de ajuda, pois estão com seus valores perturbados. Não per-cebem o sofrimento do outro ou quando percebem não se sensibilizam com a dor do ou-tro. Esses agressores precisam reconstruir seus valores, seus princípios e adquirir uma visão da vida, do mundo e das pessoas baseada no respeito pelas diferenças e não no preconcei-to.

Cleo Fante, em especiais on-line da Veja, expõe os dados levantados em suas pesquisas, por meio dos quais identificou que:

80% dos agressores eram vítimas de violência em casa ou na própria escola. Eles reprodu-ziam essa violência. Outras fontes apontadas pelas pesquisas são a permissividade e a falta de imposição de limites para crianças e adolescentes, a ausência de afeto e a influência da mídia, videogames e jogos virtuais. É um equívoco dizerem que bullying é coisa da idade, que com o tempo passa, que é brincadeira ou que os alunos superam sozinhos. Estamos fa-

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lando de uma forma de violência que é deliberada, intencional, que é tramada, planejada. O bullying não pode ser explicado pela insegurança da adolescência.

O agressor necessita de apoio e acompanhamento porque é um indivíduo que prejudica não só sua vítima como também a si próprio; a formação educacional desse jovem se torna deficitária, como explica Cleo Fante, “O agressor, então, pode sofrer queda no rendimento escolar e até evasão – como ele deixa de apren-der, pode ser reprovado e perder a motivação para aprender”. Além disso, as consequências de uma prática de ações agressivas podem evoluir para outras condutas e esse jovem, na ansiedade de manipular questões do poder, pode manifestar futuramente graves problemas nas interações interpessoais afetivas, profissionais e sociais, ainda citando Cleo Fante “(...) cair na delinqüência e no uso ou tráfico de drogas. Além disso, pode praticar o bullying em outros ambientes, como o trabalho e a família...”.

Já a vítima que não apresenta capacidade de superação de adversidades é afetada em sua auto-estima e isso pode lhe acarretar problemas de saúde, de relacionamento e de aprendizagem e, ainda, como argumenta Cleo Fante, ela pode desenvolver “transtornos de ansiedade e de alimentação (bulimia, anorexia, bruxismo, alergias, depressão e idéias suicidas). Se não houver intervenção, pode haver efeitos para o resto da vida”.

Como Marcos Meier afirma, no seu guia de perguntas e respostas sobre o tema em questão, “tudo o que acontece na escola é da responsabilidade dela”. Diante dessa constatação, professores e demais integran-tes dos estabelecimentos de ensino, além de tomarem conhecimento sobre o que ocorre com o corpo discen-te, devem informar os casos de bullying à família dos alunos envolvidos e providenciar atendimento tanto à vítima quanto ao agressor.

3. Alguns conhecimentos que os discentes devem possuir

O corpo discente deve receber orientações a respeito de que atos praticados geram consequências e de que determinados atos são considerados crime para um adulto e, para um adolescente, ato infracional. O Código Penal, em seu Capítulo V, estabelece que caluniar, difamar e injuriar alguém são Crimes Contra a Honra e se o referido código não se aplica a menores de idade, estes não ficam impunes porque existe o Esta-tuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei nº. 8069/90.

Conforme a “Cartilha de orientação aos alunos sobre o uso adequado dos recursos da Internet”, de autoria de Patrícia Peck Pinheiro Advogados, todo Ato Infracional “acarreta responsabilidade para o próprio menor; que os danos devem ser reparados pelos pais ou responsáveis” e que:

(...) o menor de 12 a 18 anos será encaminhado à Vara da Infância e da Juventude, poden-do vir a prestar serviços à comunidade, dependendo do ato praticado. Quando se tratar de criança, ou seja, menor de 12 anos de acordo com o ECA, deverá ser encaminhada ao Con-selho Tutelar da sua cidade e passar por medidas de proteção, que envolvem acompanha-mento psicológico entre outras providências. (p. 39).

Atualmente o mundo virtual também tem servido para práticas de crime e de ato infracional, por isso, ao iniciarmos nosso artigo, falamos sobre a tecnologia e esta, quando utilizada pelos jovens sem a devida orientação e acompanhamento dos pais e responsáveis, pode se tornar prejudicial à formação desses próprios jovens. Entre alguns usos equivocados está o cyberbullying, versão virtual do bullying.

Acreditamos, ainda, que essas formas conflituosas de relacionamento entre discentes é um tema que deve ser explorado constantemente nas escolas. Se o aluno está tendo tempo para planejar como vai agredir seus colegas, isso comprova o que a sabedoria popular registra por meio de seus ditados, entre os quais o melhor para representar a situação é “a ociosidade é a mãe de todos os vícios”. Todas as pessoas e, princi-palmente, os jovens devem manter-se em atividade de aprendizagem, de esporte, de leitura ou qualquer outra destinada à ocupação mental, pois uma mente ocupada de maneira saudável garante práticas mais humanas em uma sociedade que se tem mostrado violenta e insensível ao bem comum.

Além de manter a mente ocupada, os jovens necessitam, ainda, estar constantemente em contato com exemplos de situações em que a orientação de uma pessoa adulta é imprescindível, pois a impulsividade, a busca de liberdade e o espírito de ousadia juvenil podem trazer consequências desastrosas às suas vidas. Muitas vezes um programa apresentado pela televisão, por exemplo, pode se constituir num caminho errado a ser escolhido pelos adolescentes, porque nem sempre as cenas televisivas mostram as consequências de um

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passo equivocado de um protagonista e nem sempre o mal é o perdedor. Diante disso, acreditamos que a busca incessante pelo fortalecimento de vínculos entre pais e filhos e entre alunos e professores é um bom recurso para que os adolescentes estejam afastados de más companhias e susceptíveis a práticas nocivas à sociedade, aos entes familiares e a eles próprios.

4. Considerações finais

Diante de um problema que aflora nas escolas, como o bullying, pais e professores devem estar aten-tos aos comportamentos apresentados pelos jovens. Portanto, a grade curricular das instituições de ensino deve contemplar muito mais que assuntos e objetivos de História, Matemática, Português ou qualquer outra disciplina; deve contemplar a ampla formação do indivíduo, pois dessa maneira, sentindo-se valorizados co-mo seres humanos pertencentes a uma instituição, as crianças e os adolescentes estarão aptos a construir co-nhecimentos e formarem grupos em que imperam relacionamentos interpessoais sadios. Com certeza, as medidas de prevenção necessitam estar presentes na composição das práticas educacionais e, mesmo assim, elas não garantem que o convívio entre os discentes estará livre de conflitos, portanto o estado de atenção dos adultos deve ser permanente, além de que os espaços escolar e familiar devem ser permeados pelo diálo-go e pela satisfação de uma vida em comunidade.

Logo, qualquer criança ou adolescente dessa comunidade que apresente mudança de comportamento, assim como queda no rendimento escolar deve ser alvo de investigação por parte da família e da escola, pois essas manifestações indicam que algo está passando com o jovem em questão e quanto mais cedo receber apoio, menores serão os prejuízos, no caso de bullying, tanto para a vítima quanto para o agressor.

Outro ponto a destacarmos é que, embora a sociedade esteja se apresentando cada vez mais permis-siva e liberal, a orientação firme dos adultos deve fazer parte da formação juvenil, pois a permissividade mos-trada pela televisão ou vista no cotidiano humano não indica que crianças e adolescentes não devam ser regi-dos por regras de conduta e de respeito ao próximo; para tanto, o diálogo franco e aberto é um recurso a ser aplicado. Esse diálogo não exclui a imposição de limites, tão necessária à formação dos jovens e isso não significa que a família e a escola se manterão distantes dos sonhos e ilusões juvenis, pelo contrário, deverão trabalhar esses sonhos, a fim de que os seres em formação sintam-se cada vez mais fortalecidos na realização de atos que o tornem cidadãos honrados e úteis à sociedade.

O fortalecimento e preparo juvenil jamais se baseia no bullying; essa prática não é a forma correta de o indivíduo estar capacitado para enfrentar os problemas. Embora a humanidade seja marcada pela desigual-dade de condições entre os indivíduos e a competitividade faça com que as relações humanas nem sempre se apresentem amistosas, o papel da família e da escola, a nosso ver, é estabelecer metas para que os jovens per-cebam que é por meio da competência pessoal que conseguimos obter as conquistas almejadas e, para tal, não há necessidade de afetar negativamente a vida das outras pessoas e que, ao afetarmos o próximo, é a nós mesmos que estamos destruindo.

Portanto, família e escola necessitam estar unidas e fortalecidas nas suas próprias relações, pois caso contrário, pouco poderão auxiliar na formação das futuras gerações.

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Enviado para publicação: 15/11/2011

Aceito para publicação: 15/01/2012

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5. OLHAR ENTRE PARES: o aluno em parceria com o trabalho de orientação escolar no Colégio Militar de Fortaleza

COUPLE LOOK BETWEEN: the student in partnership with

the work of the school guidance Military College of Fortaleza

Gisele Pancote de Lima Boing1

Julio César Vieira Lopes

2

Resumo. Este estudo focaliza a atuação do Orientador Educacional no Colégio Militar de For-taleza. Apresenta uma prática que transcende o atendimento individual e possibilita a orienta-ção coletiva através dos próprios alunos. Propõe um projeto em fase experimental, cujo interes-se visa estimular alianças e potencializar a atuação do orientador no espaço escolar. O trabalho sustenta-se através dos conceitos de Educação e Orientação; a metodologia é utilizada de acordo com as etapas de seleção e treinamento de alunos e procedimentos de avaliação.

Palavras-chave. Orientação Educacional – Alunos Orientadores.

Abstract. This study focuses on the role of the Guidance Counselor in the Military College of Fortaleza. Presents a practice that transcends individual care and collective guidance through of the students themselves. Proposed project in a pilot phase, which aims to stimulate interest and enhance alliances guiding the work of the school environment. The work is sustained through the concepts of education and guidance; the methodology is used in accordance with the stages of selection and training of students and evaluation procedures.

Keywords. Educational Guidance – Student Advisor

1Pedagoga do Colégio Militar de Fortaleza. Especialista em Administração, Orirntação e Supervisão Escolar. Especi-alista em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Email: [email protected] 2Pedagogo do Colégio Militar de Fortaleza. Especialista em Psicopedagogia. Email: [email protected]

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INTRODUÇÃO

No âmbito educacional, a prática do Orientador Escolar não foge da relação com o ser humano. Empenham-se esforços para buscar e manter aproximações com os envolvidos neste contexto, promovendo a formação de vínculos e a reflexão acerca do ser humano pensando sobre si, na busca de autoconhecimento e envolvimento com o outro.

Este estudo contempla a prática de dois Pedagogos da Seção Psicopedagógica do Colégio Militar de Fortaleza (CMF) e contribui para o desenvolvimento afetivo e social que reflete no sucesso escolar dos estu-dantes, corroborando com a proposta pedagógica do Colégio, que tem como um de seus pontos mais rele-vantes o compromisso com a formação de um cidadão crítico, criativo e cônscio de seus deveres.

Situamos a relevância em pensar sobre a atuação do Orientador Educacional com perspectiva de fo-mento de alternativas que ampliem o exercício profissional deste educador, redundando na construção de uma proposta de atuação junto aos estudantes, que contribua minimizando as ocorrências de insucesso esco-lar nos campos cognitivo, afetivo e social.

Começaremos por expor brevemente alguns dos conceitos pertinentes a educação, a orientação esco-lar, as relações e a convivência humana no contexto escolar e em seguida, discorreremos sobre a metodologia empregada na construção de um projeto intitulado “Orientador-Aluno” em desenvolvimento no CMF.

Depois de exposta a metodologia do projeto, apresentaremos seus objetivos e vislumbraremos afir-mações acerca desta prática que nortearão outros fazeres no contexto Colégio Militar de Fortaleza.

1. O ORIENTADOR EDUCACIONAL E A EDUCAÇÃO

Antes de refletir sobre o papel do Orientador Educacional na promoção dos relacionamentos huma-nos no contexto escolar, consideramos oportuno tecer algumas considerações acerca do panorama histórico da educação. Para definir educação escolar com as intenções e especificidades deste estudo, traçamos uma breve remontagem histórica acerca do pensamento de alguns autores, a fim de organizar saberes para orientar nossa compreensão, conforme o que segue.

Paulo Freire, educador brasileiro concorda com o iluminista Immanuel Kant no sentido de que a e-ducação deve formar para a autonomia do ser, para a totalidade do humano. Já a Constituição Federal do Brasil de 1988 em seu artigo 205 assevera a educação como [...]“visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Jean Jaques Rousseau, pensador francês, entende educação como competente para evitar malogros e propõe o desenvolvimento natural das crianças, ao mesmo passo que, Émile Durkhein descreve educação como um fato social, corroborando com o filósofo Auguste Comte que acreditava que a escola é um dos órgãos sociais responsáveis pela promoção da educação.

O artigo 1º da LDB 9394/96, propaga que “a educação abrange os processos formativos que se de-senvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho e nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais”. Ademais, através de alguns conceitos e saberes históricos, é possível compreender que a educação tem em seus princípios os pro-cessos formativos do ser.

Posicionando-nos frente à realidade escolar quanto aos educadores envolvidos no processo educati-vo, somos levados a compreender que a relação humana se estabelece em todas as práticas produzidas neste cenário e contribui para o cumprimento de suas finalidades básicas. Seguindo, portanto, os ideais de Paulo Freire acerca da relação humana e dialogal, concordamos que o ser humano é um ser de relações, conforme propõe o autor:

O ser humano é um ser de relações pessoais, impessoais, corpóreas, incorpóreas, concretas e imaginárias, Divinas, mundanas, espirituais etc. Relação significativa que implica em diálogo, diálogo que implica em relação significativa, abertura, reflexividade, pluralidade na singularida-de, transcendência, criticidade, conseqüência, temporalidade, contextualização, responsivo a desafios, proativo no e com o mundo. (FREIRE, 1999, p. 26).

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Aproximamos os escritos de Freire acerca das relações pessoais com a citação de Heloisa Lück (1992):

O homem se torna acrítico, mais receptor que transmissor, mais paciente que agente. É neces-sário interferir neste contexto. Sendo assim, cabe à educação, estimular e promover a formação da consciência, ou seja, estabelecimento de identidade pessoal do homem e compreensão de seu relacionamento com o mundo. Este processo não pode ser considerado acabado e sim en-tendido como dinâmico e um constante “dever ser”. Deve despojar-se de preconceitos e subje-tividade”.(LÜCK, 1992, p. 19).

Ser humano este que estabelece inter-relações através do diálogo. Freire ainda nos diz que “Somente o diálogo, que implica um pensar crítico, é capaz, também, de gerá-lo. Sem ele não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação” (FREIRE, 2002, p.83).

Paulo Freire escreve sobre a educação, como um processo de humanização que ocorre através do diálogo, e é neste sentido, através dos pressupostos de Freire que posicionamos a atuação do Orientador Educacional, como o educador capaz de promover a relação e a convivência humana tendo como ponte, o diálogo e a escuta.

Mirian Grinspun também nos revela que a prática do orientador está ligada às relações humanas, seja na orientação ao educando em seus estudos seja no auxílio quanto ao seu autoconhecimento, a sua vida inte-lectual e a sua vida emocional.

O principal papel da Orientação será ajudar o aluno na formação de uma cidadania crítica. Isso significa ajudar nosso aluno por inteiro [...]. Orientação trabalha na escola em favor da cidadania, não criando um serviço de orientação para atender aos excluídos, mas para en-tendê-lo, através das relações que ocorrem. (GRINSPUN, 2002, p. 29).

A fim de discorrer e clarificar as atribuições do Orientador Educacional, apresentaremos a seguir o excerto de alguns documentos legais, tais como, as Leis Orgânicas do Ensino na Constituição de 1937; a LDB/61; a LDB/71 e a LDB/96, vejamos:

As Leis Orgânicas do ensino secundário, comercial, primário, agrícola e normal, promulgadas entre 1942-1946, apontam que o orientador educacional assume funções de caráter preventivo, terapêutico e psi-cometrista, identificando dons e aptidões dos indivíduos.

A Lei de Diretrizes e Bases da educação nº. 4024 de 1961 sinaliza que a Orientação Educacional tem a função de contribuir para a formação integral da personalidade do adolescente, para seu ajustamento pesso-al e social e tem como principais áreas de abrangência, a orientações escolar, psicológica, profissional, da saú-de, recreativa e familiar (GRINSPUN, 2002).

A LDB de 1971 destaca o orientador educacional como auxiliar da tarefa educativa da escola como um todo, interpreta as tarefas deste profissional como complementares entre professores, administradores e família.

Na LDB de 1996, a orientação educacional não aparece explicitamente, mas o artigo 64 diz que a formação de profissionais de educação para orientação educacional na educação básica será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, garantindo nessa forma a base comum nacional.

Delimitamos relacionar o orientador e a educação, a fim de apresentar a prática de uma figura media-dora que se relaciona com toda a comunidade escolar e com o processo educativo, e ainda, que a interação com o meio e com os indivíduos se faz necessária nesta profissão, conforme o que nos diz Patto (1997, p. 319) que “a educação se dá num processo de interação constante, em que nos vemos através dos outros, e em que vemos os outros através de nós mesmos”.

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2. O ALUNO EM PARCERIA COM O TRABALHO DE ORIENTAÇÃO ESCOLAR

Uma análise reflexiva acerca da experiência profissional oriunda da prática pedagógica de dois orien-tadores educacionais no Colégio Militar de Fortaleza, ao longo dos anos de 2010 e 2011, trouxe a lume a se-guinte questão: Como atender total demanda de alunos com problemas de ordem cognitiva, afetiva, de con-duta e social?

Percebemos que, ao longo destes períodos, o número de atendimentos realizados pela Seção Psico-pedagógica poderia ter sido ampliado, se muitos alunos, que não foram atendidos em suas carências, buscas-sem auxílio junto aos colaboradores da seção.

Levantamos como hipótese inicial que a justificativa desta sutil procura é o fato de que os discentes têm uma série de atribuições em sua rotina escolar e muitos deles sentem dificuldades para ajustar seus inte-resses pessoais com a busca de auxílio junto ao seu orientador educacional.

Essa situação talvez cresça de dimensão por se tratar de uma instituição cujas raízes estão assentadas em uma cultura organizacional valorizadora dos modos de agir e pensar com base na cultura militar, refor-çando no aluno o sentimento de responsabilidade em cumprir as atribuições de aluno, enquanto ser aluno militar, com todas as especificidades desta condição.

Essa visão ainda pode ser ampliada, se levarmos em consideração que o CMF oferta uma gama de oportunidades para complementar a formação dos estudantes, com uma estrutura capaz de oferecer variadas atividades esportivas, grêmios das armas, banda de música, teatro, entre outras.

Assim, vemos como ponto pacífico a necessidade em assessorar os discentes a gerenciar sua vida es-colar, tanto no plano cognitivo quanto afetivo. Tal necessidade estimula-nos a adotar estratégias que estabele-çam vínculos com os estudantes, alcançando suas demandas intelectuais e emocionais.

Pautados nessa perspectiva, elaboramos o projeto “Orientador-Aluno” uma ferramenta de trabalho, que tem como princípio básico a atividade voluntária, no qual discentes do 8º e 9º anos são estimulados a desenvolver o sentimento de apoio aos colegas que estão demonstrando dificuldades. O orientador-aluno, dessa maneira, busca detectar, na sala de aula, os alunos que necessitam da assistência do orientador educa-cional, encorajando-os a procurar apoio junto à equipe multidisciplinar da seção psicopedagógica.

Este projeto aponta para uma educação mais humanitária e reacende a chama que possibilita a inter-venção do trabalho da orientação educacional, na tarefa de forjar o homem-novo, deliberadamente ciente de que fará diferença na sociedade. Este ideal concorda com os escritos de alguns atores acerca da educação necessária à humanidade.

Em 1998, a UNESCO editou “Educação: Um Tesouro a Descobrir” Relatório da Comissão Inter-nacional sobre a Educação para o Século XXI, coordenado por Jacques Delors, que já realçava como um dos saberes “aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros”.

Edgar Morin (2001) lembra-nos acerca da importância da ética da compreensão, em que o compre-ender deve ser construído de forma desinteressada. Ressalta ainda o fato de que a compreensão dar-se-á de forma mais fácil se antes houver uma aceitação de si mesmo. Enquanto Libânio (2002) esclarece que para viver juntos, nessa aprendizagem, há necessidade de reconhecimento das limitações e dos valores que são nossos e daqueles que são dos outros. Isso pressupõe tolerância, como valor eficaz na seara de conviver.

Não poderíamos deixar de somar a este conjunto de ideias teóricas, a vital contribuição de Lev Vy-gotsky, visto que, para este pesquisador, formulador da proposta de entendimento do homem como ser bio-logicamente social, é dada a relevância contributiva do papel da interação social ao desenvolvimento do orga-nismo humano. A interação social é de tal forma valorizada por Vygotsky que exclui qualquer possibilidade de formação do homem, em suas linhas de aprendizagem e desenvolvimento, longe de outros homens.

Cabe realçar ainda a ideia evidenciada por João Bosco de Castro acerca da alteridade sociocultural propugnada pelo pensador suíço Jean Jacques Rousseau “Eu estou no outro e o outro está em mim. O outro é o mesmo eu. Eu sou o outro! Eu vivo no outro, porque sei que o outro é igual a mim mesmo. Realizo-me no outro porque o compreendo!” (CASTRO, 2002, p. 26).

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3. OBJETIVOS E SISTEMATIZAÇÃO DO PROJETO ORIENTADOR-ALUNO

Se cabe a cada professor, ao longo do seu trabalho docente, desenvolver e utilizar um conjunto de i-niciativas que facilitem o processo de ensino e aprendizagem, como estratégias didáticas adequadas à situa-ção da escola e às características dos estudantes, no intuito de alcançar o sucesso acadêmico ao final do ano letivo, ao Orientador Educacional cabe elaborar estratégias didáticas em seu campo de atuação profissional.

Nesse sentido, a estratégia didática vista por nós como uma boa ferramenta de trabalho foi a criação do projeto aluno-orientador.

Assim, para que o projeto alcançasse o objetivo proposto, foi necessário elegermos algumas habili-dades e competências esperadas para os discentes que desejavam ser aluno-orientador. Acreditamos que o aluno-orientador deve se capaz de interagir com os outros alunos e de desenvolver a capacidade de, observar e identificar os alunos com problemas, ouvir suas dificuldades e verbalizar suas opiniões junto a esses alu-nos. Além disso, deve ter a iniciativa de transferir os problemas recebidos para os Orientadores Profissionais.

Objetivando trabalhar com os alunos essas habilidades e competências, pretendemos realizar encon-tros de orientação e treinamento dos alunos-orientadores A capacitação será realizada por profissionais da seção (pedagogos e psicólogos), buscando-se discutir princípios como a ética e o sigilo frente aos problemas que o aluno tomar conhecimento; a capacidade de dar atenção aos relatos dos colegas com dificuldades; de desenvolver atitudes respeitosas com os colegas, professores, monitores, comandante da companhia e orien-tadores e de compreender a importância do respeito, do convívio e da solidariedade entre as pessoas.

Para alcançarmos os objetivos propostos nesse projeto, já começamos as estratégias de trabalho de seleção de alunos, algumas delas ocorridas, com as turmas do 8º e 9º ano, no segundo semestre do ano de 2011, de acordo com os seguintes procedimentos:

1- Visando o diálogo a fim de apresentar o trabalho, esclarecer os objetivos, normas e regras, pro-pomos para as turmas a resolução de problemas através de estudo de caso fictício, que em dupla explanaram a melhor solução.

2- Em seguida, solicitamos a indicação de dois alunos pela turma, para serem os Orientadores-Alunos (um aluno e uma aluna), tendo sido aplicado o sociograma, como ferramenta para perce-ber o papel que cada aluno ocupa dentro do grupo, com o propósito de comparar as escolhas dos alunos, com nossos levantamentos.

3- Também nos valemos da autoindicação dos alunos para assumir o papel de Orientador-Aluno, bem como da avaliação individual pelos Orientadores profissionais sobre o perfil dos alunos in-dicados pela turma, bem como dos autoindicados.

4- Utilizamo-nos de exposição verbal nas salas de aula para apresentar os nomes selecionados e in-dicados para assumir a função e iniciar os encontros de orientação e treinamento. Entretanto, por se aproximar o final do ano letivo, acompanhado por períodos de provas e demais atividades do fim de ano letivo, tivemos de nos ater a continuar o projeto no primeiro semestre de 2012.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditamos que, a partir da execução desse projeto, alguns objetivos da prática da orientação escolar poderão ser alcançados.

• Diversificar a prática do orientador educacional para ampliar o alcance de atendimentos aos discentes, minimizando as demandas de fracasso escolar;

• Criar uma espécie de rede-cuidadora para realizar o acompanhamento dos estudantes do En-sino fundamental do CMF, despertando o interesse e atenção em cuidar do outro, transfor-mando a escola em um ambiente mais humano e fraterno.

• Aumentar a aceitabilidade dos alunos pelas intervenções da seção psicopedagógica e dar con-tinuidade ao atendimento realizado pela seção;

• Trabalhar habilidades e sinalizar possíveis caminhos em termos de orientação profissional.

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• Realizar levantamento quantitativo e qualitativo sobre a atuação da seção psicopedagógica e contribuir de forma indireta com o despertar de interesse profissional do futuro ator social, bem como encorajar os discentes a procurar a seção psicopedagógica e desenvolver lideran-ças.

• E ainda colaborar para formação da auto-imagem a partir das observações do outro e pelo outro, bem como, contribuir para mostrar a importância da atuação do Orientador-Aluno como elo entre a Seção Psicopedagógica e os discentes.

Vemos o projeto “Orientador-Aluno” como uma ferramenta de grande valor para o sucesso escolar dos estudantes, pois é capaz de promover aproximação entre eles, ganhar força de grupo, constituindo-se em eixo básico para o sucesso de todos, sobrepujando o coletivo em detrimento do individual.

Sua construção foi inspirada no sentido de responder e dar suporte as nossas inquietações acerca dos casos de alunos que não procuram a Seção Psicopedagógica do CMF. Ao refletirmos sobre este trabalho, percebemos que ele não deveria constituir-se de forma simples, única e fechada, mas plural, inacabada, e, em processo de construção; eivada por pensamentos de autores cujos princípios fortalecessem nossa crença ina-balável na possibilidade de construção de uma sociedade melhor, justa, harmônica, equilibrada e preocupada com o seu próximo.

Concebemos que o aluno de hoje, futuro cidadão, quando for atuar no campo profissional escolhido, poderá levar consigo a herança do orientador-aluno - o olhar que vê e que acolhe o outro, transformando, pois, o mundo do trabalho em fértil oportunidade de ajuda mútua, baseada no princípio da cooperação.

Ademais, se não estamos plenamente satisfeitos com o modelo de sociedade em que vivemos, e espe-rançosos de que o processo educativo visa transformá-lo, começar com um projeto, cujo alcance final tem por finalidade forjar um sujeito afeito às questões sociais humanísticas é nossa singela contribuição.

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Enviado para publicação: 20/12/2011

Aceito para publicação: 25/01/2012

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6. PRODUÇÃO TEXTUAL NA SALA DE AULA: o que revela o planejamento de uma professora alfabetizadora?

TEXTUAL PRODUCTION IN THE CLASSROOM:

This shows that planning a literacy teacher?

Luiza Hermínia de A. A. Brilhante1

Sylvie Delacours-Lins

2

Resumo. Este estudo investigou as concepções de alfabetização reveladas nas situações didáti-cas de produções textuais escritas realizadas no 1º ano do Ensino Fundamental. A metodologia utilizada, de natureza qualitativa, teve como esteio de análise o caderno de planejamento de um ano letivo de uma professora da rede particular do município do Fortaleza. Analisamos a fre-quência, a diversificação, os contextos comunicativos e a progressão dessas propostas didáticas. Os resultados evidenciaram uma frequência regular de produção de textos, bem como, sua in-serção em contextos significativos para a alfabetização. Quanto à diversificação, houve produção de vários gêneros textuais. No entanto, percebemos a escassez de sequências didáticas específi-cas que promovessem o ensino sistematizado da produção de determinados gêneros textuais. As produções textuais propostas, no início do ano letivo, tiveram o apoio de imagens e textos com características mais simples, como listas, legendas e textos memorizados. No decorrer do ano, houve uma progressão com a produção de gêneros textuais que demandavam mais empenho das crianças enquanto produtoras de textos. A análise documental revelou uma concepção de alfabe-tização pautada em uma visão da língua como atividade sociointeracionista desenvolvida em diferentes contextos comunicativos, garantindo espaço para produção de textos variados na ro-tina escolar de crianças na alfabetização inicial.

Palavras-chave. Alfabetização – Produção Textual – Situações Didáticas – Planejamento

Abstract. This study investigated the conceptions of literacy teaching situations revealed in the written textual productions performed at 1 year of elementary school. The methodology is quali-tative, was a mainstay of the contract planning analysis of a school year a teacher from the pri-vate school in the city of Fortaleza. We analyzed the frequency, the diversification, the commu-nicative contexts and educational progress of these proposals. The results showed a frequency of regular production of texts, as well as its insertion in meaningful contexts for literacy. As for diversification, there has been producing various kinds of texts. However, we noticed the lack of specific instructional sequences that promote the systematic teaching of the production of cer-tain kinds of texts. The proposed textual productions, at the beginning of the school year, were supported by images and texts with simple features, such as lists, captions and texts memorized. During the year, there was a progression with the production of textual genres that required more commitment of children as producers of texts. The documentary analysis revealed a litera-cy concept based on a view of language as activity sociointeracionista developed in different communicative contexts, providing space for production of various texts in the routine of school children in early literacy.

Keywords. Literacy – Textual Production – Didactic Situations – Planning

1 Mestranda em Educação Brasileira na Universidade Federal do Ceará – UFC. Especialista em Alfabetização e Pe-dagoga. Técnica em Educação da Secretaria Executiva Regional II da Prefeitura Municipal de Fortaleza. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Educação pela Université Paris V. Pós-doutora pelo Instituo Nacional de pesquisa Pedagógica (INRP) – Paris. Professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará – UFC. E-mail: [email protected]

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Escrever é fácil: você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final.

No meio você coloca as ideias Pablo Neruda

INTRODUÇÃO

Este estudo partiu da hipótese de que os cadernos de planejamento de professores alfabetizadores são documentos indicadores das concepções de alfabetização manifestadas nas práticas de leitura e escrita em sala de aula. Dessa forma, nossa análise documental investigou as concepções de alfabetização reveladas nas propostas didáticas de produções textuais escritas realizadas no 1º ano do Ensino Fundamental.

Para isso, tomamos como fonte de análise o caderno de planejamento do ano letivo de 2007 de uma professora alfabetizadora da rede particular do município do Fortaleza, focando alguns aspectos que conside-ramos pertinentes para nossa apreciação. Dentre eles, analisamos a frequência, a diversificação, os contextos comunicativos e a progressão dessas propostas didáticas. Acreditamos que esses elementos evidenciam as concepções de alfabetização que subjazem as atividades propostas às crianças.

Planejamento pedagógico é atitude crítica do educador diante de seu trabalho docente. Por isso não é uma fôrma! Ao contrário, é flexível e, como tal, permite ao educador repensar, revisando, buscando novos significados para sua prática pedagógica. (OSTETTO, 2002, p. 177).

Em nossa pesquisa tomamos como pressuposto a noção do planejamento pedagógico como um pro-cesso dinâmico de reflexão e decisão e como revelador das concepções e compromissos do professor (VAS-CONCELLOS, 1995). Dessa maneira, torna-se palco de dúvidas, limites e possibilidades, sendo um momen-to que demanda reflexão sobre a ação pedagógica, devendo considerar a realidade política, social e cultural na qual está inserido.

Para enfocar o tema proposto acima, acreditamos ser fundamental tecer algumas considerações teóri-cas acerca do trabalho com a produção de textos na escola, bem como alguns aspectos teórico-metodológicos que sugere o cenário educacional atual.

CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

Desde o início da década de 80, presenciamos no Brasil um amplo debate sobre o ensino da leitura e da escrita, influenciado por diversas áreas, como a linguística, a sociologia, a psicologia dentre outras. Assim, os estudos e as práticas pedagógicas do ensino da leitura e da escrita começaram a serem pensados tendo o texto como fundamento, que vem sendo tomado como objeto empírico desse ensino que envolve a leitura, análise linguística e a produção textual.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (2007, p.11) apresentam alguns princípios para o trabalho com a linguagem oral e escrita, orientando que “trata-se então de enfocar, em sala de aula, o texto em seu funcio-namento e em seu contexto de produção/leitura, evidenciando as significações geradas mais do que as pro-priedades formais que dão suporte a fundamentos cognitivos”.

Embora tenhamos assistido a mudanças teóricas evidentes, constatamos a permanência de práticas tradicionais para ensinar a ler e escrever. O ensino da leitura e da escrita enquanto prática de decodificação e codificação, fundamentado na memorização de sílabas, palavras e frases soltas sem sentido para o aprendiz ou que privilegia apenas a análise fônica, tem sido arduamente criticado.

Com o apoio da psicolinguística, especialmente a partir dos estudos de Ferreiro e Teberosky (1985), o ensino da leitura e da escrita se voltou para as práticas de reflexão sobre a língua escrita, enfocando o funcio-namento do nosso sistema alfabético de escrita e fazendo uso dos gêneros textuais diversos em contextos autênticos. Isso evidenciou o letramento, que, na década de 90, trouxe à tona as práticas de leitura e escrita que estavam desvinculadas dos usos sociais, ou seja, promoveu reflexões sobre a necessidade de articular as práticas de leitura e escrita que circulavam socialmente com o cotidiano da alfabetização.

Essa trajetória histórica da alfabetização provocou mudanças significativas nas práticas dos professo-res alfabetizadores, promovendo a inclusão na rotina didática de vivências com a leitura e a escrita em contex-tos reais, atendendo à função social da escrita.

Segundo as autoras Leal e Albuquerque (2005), existem inúmeras situações no cotidiano que nos le-vam a escrever, dentre elas estão as:

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1. situações de interação mediadas pela escrita em que se busca causar algum efeito sobre inter-locutores em diferentes esferas de participação social. Exemplo: textos epistolares, textos jornalísticos, textos instrucionais, divulgação de eventos e produtos, etc.

2. situações voltadas para a construção e sistematização de conhecimentos. Uso de gêneros tex-tuais que ajudam na organização e memorização. Exemplo: resumos, anotações, esquemas, etc.

3. situações voltadas para autoavaliação e expressão de sentimentos, desejos, angústias “para si próprio”, sem destinatários. Exemplo: diários, poemas, cartas íntimas, etc.

4. situações em que a escrita é utilizada para automonitoramento de suas próprias ações, para organizar o dia-a-dia, apoio da memória. Exemplo: agenda, calendário, cronograma, etc.

Essas situações nos levam a interagir e agir socialmente e são ocasiões que ocorrem fora da escola. Segundo pesquisa anterior (TARDELLI, 2002), os alunos produzem muitos textos fora das atividades de obrigação escolar. Essas situações não são incluídas no contexto de ensino, e consequentemente, os alunos tinham mais oportunidades de escrever textos fora da escola.

Entretanto, muitos dos professores não compreendem a necessidade de promover a produção de escritos e muito menos um ensino sistemático para isso. Para ensinar a produzir textos, é imperativo propiciar muitas e variadas situações de escrita de qualidade e mesmo que a criança não tenha domínio sobre os princí-pios do Sistema de Escrita Alfabético, sugerimos que, desde cedo, ela escreva textos. Seja por meio de recon-tos coletivos ou individuais, de escritas de textos memorizados ou não, de escrita espontânea, contanto que ela possa produzir toda a diversidade de gêneros textuais que está disponível em nossa sociedade.

Marcuschi (2008) alega que

Os gêneros textuais têm sua identidade e eles são entidades poderosas que na produção textual nos condicionam a escolhas que não podem ser totalmente livres nem aleatórias, se-ja sob o ponto de vista léxico, grau de formalidade ou natureza dos temas. (2008, p. 156.)

Portanto, na produção textual, os gêneros impõem restrições e padrões, mas também convidam o escritor a escolhas, estilos, criatividade e variação.

Bakhtin corrobora com esta concepção de gênero textual considerando-os como diferentes tipos de textos orais e escritos que os sujeitos utilizam, socialmente, de acordo com funções definidas pelo contexto vivido, em que cada um apresenta características determinadas.

Ao escrevermos algo, buscamos nos gêneros textuais características de como esse texto se organiza, o que o compõe, qual a sua finalidade. Ao participarmos de situações interativas com gêneros textuais, apren-demos quais são as características mais recorrentes em cada um e assim, quando precisarmos produzi-lo, já temos familiarizados vários elementos que o constituem.

Cabe à escola criar situações de leitura e escrita de diferentes gêneros textuais, visando a atender sua função sociocomunicativa. A articulação entre leitura e produção de textos é necessária, pois o contato efeti-vo e a leitura de diferentes gêneros textuais contribuem para produções escritas de qualidade, que cumprem com sua função e atingem seus interlocutores eficientemente.

A produção textual é uma atividade verbal, a serviço de fins sociais e, portanto, inserida em contextos mais complexos de atividades; trata-se de uma atividade consciente, criativa, que compreende o desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios ade-quados à realização dos objetivos; isto é, trata-se de uma atividade intencional que o falante, de conformidade com as condições sob as quais o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus propósitos ao destinatário através da manifestação verbal; é uma ativi-dade interacional, visto que os interactantes, de maneiras diversas, se acham envolvidos na atividade de produção textual. (KOCH, 1998, p.22).

Segundo os PCNs, há quatro princípios básicos para a realização da produção textual, sendo eles: fi-nalidade, especificidade do gênero, lugares preferenciais de circulação e a escolha do interlocutor. Este último ainda se constitui um desafio para nossas escolas, professores e alunos.

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Na tentativa de nortear e fundamentar o planejamento de ensino de produção de textos, Curto, Murillo & Teixidó (2000) e Jolibert (1994) elencaram alguns princípios básicos:

• Escrever com finalidades e destinatários claros, aproximando as situações de escrita na escola das que ocorrem fora dela.

• Escrever para atender a finalidades, destinatários e situações diversificadas, desenvolvendo capacidades variadas, próprias dos diferentes contextos de interação social.

• Desenvolver capacidades de reflexão sobre os textos escritos e sobre as ações que realizamos ao escre-ver.

Nesse sentido, criar essas condições, assumindo na ação a inclusão desses princípios, sistematizan-do e planejando situações de escritas de qualidade, enfatizando que estas devem acontecer com frequência e através de interações pertinentes é função inerente ao professor.

A inclusão de práticas sociais envolvendo a leitura e a produção de escritos implica um grande desa-fio, que é o de ter um planejamento sistemático e com intencionalidade didática.

A partir do planejamento, definimos o que queremos, prevemos situações, organizaremos ativida-des, dividiremos tarefas, obteremos recursos e avaliaremos o nosso trabalho (MELO e SILVA, 2006).

Buscaremos em nossa pesquisa verificar se esses princípios básicos estão sendo contemplados quan-do se propõem produções textuais para as crianças em processo de alfabetização. Sendo assim, podemos supor as concepções de alfabetização que embasam e conduzem essas propostas didáticas.

METODOLOGIA

Para a realização da pesquisa, consideramos como esteio de análise os cadernos de planejamento do ano letivo de 2007 de uma professora do 1º ano do Ensino Fundamental. Tomamos como corpus as situações didáticas planejadas pela referida professora, na tentativa de tecer considerações acerca de suas concepções de alfabetização, analisando os comandos apresentados nas atividades que envolvem situações de produção de textos escritos, no que se refere à frequência, à diversificação, aos contextos comunicativos e à progressão dessas propostas didáticas.

Bogdan e Biklen (1994) colocam que, nas pesquisas qualitativas, os cadernos, caracterizados como documentos pessoais, são usados como objeto-fonte de pesquisa.

Escolhemos a análise documental como técnica para nossa coleta e análise de dados. Segundo Ludke e André (1986), essa é uma técnica importante na pesquisa qualitativa, pois pode complementar informações obtidas por outras técnicas ou desvelar novos aspectos de um tema ou problema.

O procedimento metodológico para recolha e análise dos dados iniciou-se pela seleção dos cadernos de planejamentos de um determinado ano letivo. A escolha pelo ano letivo de 2007 se deu pelo fato de a professora ter participado de um curso de especialização em alfabetização. A própria professora escolheu um ano letivo entre 2006 e 2009, por ter percebido seu amadurecimento quanto às concepções de alfabetização e consequentemente quanto ao trabalho de produção de textos em sala de aula. Portanto, a formação continua-da possibilita um crescimento qualitativo na ação pedagógica do professor.

Em seguida, partimos para o levantamento das situações didáticas de produção de textos escritos e realizamos uma exploração detalhada dessas atividades e dos comandos dados para cada uma delas, procu-rando identificar a frequência, a diversificação, os contextos comunicativos e a progressão dessas propostas didáticas.

Buscamos, com isso, refletir sobre as concepções que estão por trás destas propostas.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nos resultados encontrados, verificamos que a professora propõe atividades em que as crianças são convidadas a produzir textos escritos. No entanto, em seu planejamento, a forma como as descreve é bastan-te sucinta, porém isso não prejudica a análise proposta pela pesquisa, pois os aspectos a que nos propusemos analisar estão explícitos no planejamento diário da referida professora.

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O planejamento era realizado semanalmente pela professora em conjunto com as outras professoras do 1º ano do Ensino Fundamental. Entretanto, cada professora tinha seu caderno individual e detalhava seu planejamento diário. A organização do planejamento pedagógico desta professora se dava por meio de uma diversidade de modalidades organizativas do trabalho didático, pois realizava atividades permanentes, projetos didáticos, sequências didáticas e atividades de sistematização, percebendo-se uma harmonia entre essas moda-lidades.

Variar, então, a forma de organizar o trabalho e seu tempo didático pode criar oportunida-des diferenciadas para cada estudante, o que pode representar um ganho significativo na di-reção da formação de todos, sem excluir nenhum estudante. (NERY, 2006, p. 112).

Para o nosso estudo, fizemos um recorte das atividades que envolviam produções escritas em todas essas modalidades organizativas, não nos detemos a apenas uma delas, porém não analisamos toda a rotina diária descrita no planejamento, pois tivemos como foco somente as propostas em que detalhavam como ocorriam as situações didáticas de produção escrita.

Ressaltamos que todas as atividades analisadas faziam parte de uma rotina que demonstrava clareza e intencionalidade pedagógica, bem como sua contextualização. Dessa forma, as atividades estavam em conso-nância com os temas desenvolvidos em projetos e sequências didáticas ou em outras formas de organização do trabalho pedagógico. Não analisamos as atividades do livro didático adotado pela escola que envolviam produção escrita.

Ao longo do ano letivo, vimos que o trabalho com o nome próprio da criança e dos colegas da turma era realizado com sistematização, mas também não nos deteremos a essa exploração com os nomes próprios, embora saibamos a relevância disso para o processo de apropriação da língua escrita.

Os resultados desse estudo evidenciaram uma frequência regular de produção de textos documentada no planejamento da referida professora (conforme quadro 1), bem como, a inserção desses textos em contex-tos significativos para a alfabetização. Os comandos descritos nos cadernos de planejamentos demonstraram que as atividades partiram geralmente de experiências pessoais e coletivas da turma, o que a tornava mais significativa por fazer parte dos interesses das crianças.

Quadro 1: Frequência mensal de produções de textos escritas

Mês MAR. ABR. MAI. JUN. AGO. SET. OUT. NOV. TOTAL

Frequência

5 5 8 3 17 8 9 7 62

Observa-se que há uma regularidade da quantidade de propostas que envolviam produções escritas, com exceção do mês de agosto em que identificamos uma maior incidência dessas situações didáticas, especi-almente voltadas para reescritas de lendas. Outra regularidade encontrada foi quanto à organização das ativi-dades que eram propostas em duplas ou individualmente.

Quanto à diversificação, constatamos que houve a produção de vários gêneros textuais, embora os gêneros textuais da ordem do instruir tenham sido pouco explorados durante todo o ano letivo conforme podemos observar no quadro 2. Apesar da diversidade de gêneros explorados, percebemos a escassez de sequências didáticas específicas que promovessem o ensino sistematizado da produção de determinados gêne-ros textuais.

Schneuwly e Dolz (2004:57-61) indicam uma classificação de agrupamentos de gêneros, que consiste em organizar os gêneros textuais de acordo com as semelhanças que as situações de produção dos gêneros possuem e em função de um certo número de regularidades linguísticas. Alertam ainda que cada gênero ne-cessita de um ensino adequado, pois apresenta diferentes características. Na classificação desses autores, os agrupamentos de gêneros se dividem em cinco: Narrar, Expor, Argumentar, Instruir e Relatar. No quadro abaixo, seguem os gêneros textuais analisados agrupados conforme propõe os autores citados.

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Quadro 2: gêneros textuais analisados e agrupados segundo Schneuwly e Dolz (2004)

Agrupamentos de gêneros3 Exemplos encontrados no planejamento Da ordem de narrar Contos, lendas, narrativas em geral Da ordem de expor Verbetes, tomada de notas, resumos de textos

expositivos, Da ordem de argumentar Opiniões, resenhas críticas

Da ordem de instruir Receitas Da ordem de relatar Relatos de experiências, ensaios biográficos,

autobiografia

As sequências didáticas, segundo Schneuwly e Dolz (2004), referem-se aos módulos de ensino orga-nizados sequencialmente para atingir os objetivos propostos no planejamento pedagógico. As capacidades linguísticas das crianças se desenvolvem, em parte, mediante a reprodução de modelos socialmente legitima-dos. Portanto, o planejamento sistemático e intencional de estratégias é necessário para garantir o domínio desses instrumentos sociais – os gêneros textuais - por parte do aluno. Cabendo, portanto, à escola, e aos professores, essa tarefa.

Essa sequência articula quatro momentos distintos que envolvem inicialmente a apresentação da situ-ação, em que serão definidos o contexto, a forma e conteúdo do gênero a ser estudado e produzido. Em se-guida, há a primeira produção seja ela oral ou escrita, pois isso depende do gênero a ser produzido. Nesse momento, os alunos trarão à tona os conhecimentos que já têm sobre determinado gênero textual e a com-preensão da situação de comunicação. Já os professores devem ficar atentos às dificuldades dos alunos apre-sentadas e os problemas linguísticos, definindo assim a sequência didática a ser trabalhada. O terceiro mo-mento é constituído pelos módulos de ensino, que podem ser vários e definidos de acordo com a necessidade da turma, pois visam a superar as dificuldades dos alunos e a garantir a compreensão e a produção oral ou escrita de um gênero específico. A produção final se dá no último momento da sequência didática, permitin-do ao professor avaliar o trabalho desenvolvido, levando em conta os progressos e as dificuldades dos alunos e, ao aluno, avaliar o seu domínio sobre o gênero trabalhado, obtendo o controle e a regulação sobre sua própria aprendizagem.

Em todo o planejamento, observamos que as produções textuais propostas, no início do ano letivo, envolveram gêneros textuais de maior familiarização das crianças, utilizando o apoio de imagens e textos com características mais simples, como listas, legendas, fichas de identificação e textos memorizados. No decorrer do ano, houve uma progressão4

Constatamos que a maior incidência de produções escritas se referia à reescrita/reconto escrito de histórias já conhecidas ou de textos memorizados, totalizando dezoito situações didáticas. Para Brandão e Spinillo (1998, 2001), o reconto de uma história é uma atividade de compreensão global, considerando o texto como um todo e demandando atenção ao modelo anteriormente apresentado. Ao reproduzir, aspectos rele-vantes do texto original são evocados e são travadas relações essenciais entre eles (texto que está sendo pro-duzido no reconto e o texto original). A criança está, pois, produzindo sua versão pessoal do texto.

dessas atividades, visando à produção de gêneros textuais com características que demandam mais empenho das crianças enquanto produtoras de textos, como as narrativas em geral, tex-tos de opinião, resumos e tomadas de notas. Por exemplo, no mês de março, a professora propôs uma situa-ção didática para reescrever a parlenda “Hoje é domingo”. A aprendizagem da escrita exige das crianças aten-ção com aspectos da linguagem para que dominem a natureza do nosso sistema de escrita alfabética e acredi-tamos que a exploração de textos memorizados, nos quais as crianças podem antecipar ou adivinhar o que está escrito, possibilita que as crianças se debrucem sobre questões específicas da língua escrita. Portanto, consideramos essa situação menos complexa, mas não menos importante, do que a proposta de continuação de uma história no segundo semestre.

Também encontramos atividades que tinham como proposta a cópia de textos construídos coletiva-mente, num total de cinco distribuídas ao longo do ano. A esse respeito Emília Ferreiro, alerta que

3 Proposta provisória de agrupamento de gêneros realizada Schneuwly e Dolz (2004, p.60-61). 4 O sentido de progressão utilizado no texto se refere à complexificação das atividades propostas. Schneuwly e Dolz (2004) mencionam à ordem temporal referente a cada unidade de ensino quanto ao trabalho com gêneros textuais em cada série ou ciclo escolar.

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[...] a ênfase exclusiva na cópia, durante as etapas iniciais da aprendizagem, excluindo tenta-tivas de criar representações para séries de unidades linguísticas similares (listas) ou para mensagens sintaticamente elaboradas (textos), faz com que a escrita se apresente como um objeto alheio à própria capacidade de compreensão. (FERREIRO, 1993, p. 19).

No entanto, no planejamento analisado, percebemos que a professora procurava inserir essa atividade de reprodução a situações significativas, como a cópia de uma receita para tentar fazê-la em casa juntamente com sua família, ou a cópia de verbetes criados com a turma para a construção de um dicionário indígena.

Os registros nos cadernos de planejamento demonstraram que houve uma ênfase ao trabalho de produção textual a partir de gravuras, principalmente no primeiro semestre, pressupondo uma concepção de textos mais fáceis de serem produzidos por crianças em processo de alfabetização inicial. Salientamos que esta atividade poderá incorrer apenas nas descrições da sequência das cenas, o que não caracterizaria uma produ-ção textual narrativa, conforme objetivada no planejamento.

Identificamos que nas situações didáticas propostas pela professora ocorrem diversas situações em que as crianças são convidadas a escrever espontaneamente, por meio de textos sobre o que aprenderam ao assistir documentários ou após leituras compartilhadas de textos científicos, sobre as partes que mais gosta-ram em determinadas histórias ou sobre situações do cotidiano, além de textos biográficos, autobiográficos, listas de palavras referentes aos assuntos explorados em sala e textos de protestos contra a extinção de ani-mais e preservação da natureza.

Constatamos, ainda, que nas situações de produção de textos, os textos são voltados, na maioria das vezes, para destinatários imaginários. Embora os colegas de sala, a própria professora, e no máximo suas próprias famílias, sejam os leitores constantes desses textos. No entanto, as atividades se aproximavam bas-tante das experiências e interesses próprios das crianças e das situações de uso real da escrita.

Segundo Colomer e Teberosky (2003, p. 67),

não devemos esquecer que, em função na natureza da escrita como objeto cultural, o co-nhecimento da escrita começa em situações de vida real, em atividades e em ambientes também reais. Portanto, aprender sobre as funções da escrita é parte integrante do processo de aprendizagem da leitura e da escrita, bem como o é aprender sobre suas formas.

Além disso, não ficou evidente no corpus de análise o planejamento sistemático de estratégias neces-sárias à prática de produção de textos, pois segundo Jolibert (1994), para o desenvolvimento da capacidade de produzir textos algumas operações são indispensáveis, como o planejamento textual, a textualização e a revi-são de texto, o que não demonstra não terem sido exploradas na sala de aula junto às crianças.

Atividades que envolviam revisões coletivas de textos foram explicitadas e detalhadas apenas num único momento. No entanto, no local específico para o registro de observações de cada criança, estavam presentes registros de intervenções realizadas pela professora acerca do trabalho de revisão de textos, sejam elas individuais ou coletivas, conforme sugerida por Curto, Morillo & Teixidó, (2000), ao descreverem que revisar significa: ler o escrito, que quase sempre é difícil para as crianças consideradas recentemente alfabeti-zadas; identificar dúvidas possíveis, pois pode ser que ela não apresente nenhuma; encontrar soluções satisfa-tórias, pois pode ser que não saiba como fazer, não use ou não conheça estratégias para solucionar tais dúvi-das; e ter claro o que se pede que corrija, se é o conteúdo ou a ortografia ou as características do texto.

No entanto, indicamos que a revisão ou a reescrita (edição final) de um texto não deve ocorrer logo após a sua produção, como identificamos no planejamento analisado, e sim que aconteça em outro momento, tomando os cuidados necessários para que não se transforme numa atividade entediante e repetitiva, apenas de cópia e recópia.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta pesquisa, tomamos os cadernos de planejamento de um ano letivo de uma professora do 1º ano do EF como um “produto da cultura escolar” (VINAO, 2008), que indica o ensino realizado em sala de aula, revelando as concepções que fundamentam esse trabalho com a língua escrita.

Em nossa análise documental, observamos uma concepção de alfabetização pautada em uma visão da língua como uma atividade sociointeracionista desenvolvida em diferentes contextos comunicativos, que ga-rante espaço para a produção de vários gêneros textuais na rotina escolar de crianças na alfabetização inicial. Conforme Graff (1995), a alfabetização deve acontecer na mediação com as pessoas que sabem mais, ou seja, na interação com aqueles leitores e escritores mais competentes.

Compreendemos que a professora possibilitou, durante o ano letivo, o contato com os gêneros e su-portes textuais dispostos em nossa sociedade, além de demonstrar sua preocupação com um ambiente alfabe-tizador rico e adequado para esse processo.

No entanto, Morais e Albuquerque (2006, p. 69) alertam que:

Democratizar o acesso ao mundo letrado não significa encher a sala de aula de recortes de jornais, rótulos, embalagens, cartazes publicitários e colocar livros numa estante. Pressupõe, isto sim, que o aprendiz possa vivenciar, no quotidiano escolar, situações em que textos são lidos e escritos porque atendem a uma determinada finalidade.

As concepções reveladas neste planejamento consideram também a alfabetização como o processo de aquisição do sistema de escrita alfabético (SOARES, 2004), pois registramos atividades de sistematização da língua escrita detalhadas no plano, na tentativa de provocar nas crianças reflexões sobre a língua escrita levando em conta também seus conhecimentos já adquiridos sobre a mesma.

Nessa perspectiva, Schneuwly e Dolz (2004, p.51) sugerem que a organização do trabalho em sala de aula deve partir de três fatores: “as especificidades das práticas de linguagem que são objeto de aprendizagem, as capacidades de linguagem dos aprendizes e as estratégias de ensino propostas pela sequência didática”.

Portanto, concluímos que a professora ofereceu uma quantidade satisfatória de atividades que envol-viam produções de textos escritos, utilizando-se dos diversos gêneros textuais disponíveis na sociedade e que são significativos para as experiências com a língua escrita vivenciadas pelas crianças em fase de alfabetização inicial. No entanto, ressaltamos que deveria ocorrer um trabalho mais sistemático com sequências didáticas para a produção de diferentes gêneros textuais.

REFERÊNCIAS

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Aceito para publicação: 30/01/2012

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7. NARRATIVAS DE APRENDIZAGEM: via de acesso à complexidade da L2

NARRATIVES OF LEARNING:

access route to the complexity of L2

Carolina Vianini Amaral Lima1

Resumo. Dentre as várias teorias que se propõem a explicar como uma segunda língua/língua estrangeira é aprendida, nenhuma delas dá conta, sozinha, de esclarecer o processo como um todo, mas apenas parte dele. A aprendizagem de uma língua pode ser associada a um sistema adaptativo complexo por envolver um vasto número de elementos diferentes e variados conec-tados e interagindo de maneira diversa e contínua. Tendo como aporte o Modelo Complexo de Aquisição de Segunda Língua de Paiva (2009a), o objetivo deste artigo é apresentar evidências empíricas da complexidade do processo de aprendizagem de língua estrangeira por meio de nar-rativas de aprendizagem. A análise das narrativas demonstra a existência de diferentes elemen-tos que interagem para a emergência da língua, os quais se referem a diferentes teorias de aqui-sição, corroborando com a ideia de que o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira é complexo e multifacetado, não podendo ser explicado por meio dessa ou daquela perspectiva teórica apenas. Além disso, implicações de uma perspectiva complexa para o ensi-no/aprendizagem de línguas são discutidas, contribuindo para a expansão do conhecimento sobre aquisição, ensino e aprendizagem de língua estrangeira.

Palavras-chave. Ensino/Aprendizagem de L2 – Caos/Complexidade – Narrativas de aprendi-zagem

Abstract. Among the many theories that try to explain how a second language / foreign lan-guage is learned, none of them, alone, is able to clarify the whole process, but only part of it. Learning a language can be associated with a complex adaptive system because it involves a large number of different and varied connected elements, which interact in different and con-tinuous ways. Basing on the Complex Model of Second Language Acquisition of Paiva (2009a), the objective of this paper is to present empirical evidence of the complexity of learning a for-eign language by analyzing learning histories. The analysis of the narratives demonstrates the existence of different elements that interact in the emergence of language, which refer to differ-ent acquisition theories, corroborating the idea that the process of learning a foreign language is complex and multifaceted and cannot be explained by this or that theoretical perspective only. In addition, implications of a complex approach to foreign language teaching/learning are dis-cussed, enhancing knowledge of acquisition and foreign language learning and teaching.

Keywords: Second Language learning/teaching – Chaos/Complexity – Language Learning Narratives

1 Doutoranda em Estudos Linguísticos na área de Ensino/Aprendizagem de Línguas Estrangeiras da Faculdade de Letras/UFMG. E-mail: [email protected]

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1. Introdução

Há várias teorias que se propõem a explicar como uma segunda língua (L2), ou uma língua estrangei-ra2

Paiva (2009a) propõe um modelo complexo de ASL, a partir do qual vários elementos interagem promovendo a emergência da L2. Tendo esse modelo como aporte, o objetivo deste trabalho é apresentar evidências empíricas da complexidade do processo de aprendizagem de L2 por meio de narrativas de apren-dizagem, as quais proporcionam uma perspectiva êmica desse processo, partindo das experiências de quem o vivencia.

, é aprendida. No entanto, nem uma delas dá conta, sozinha, de esclarecer, completamente, como esse processo acontece. Isso porque a aprendizagem de uma língua envolve um vasto número de elementos dife-rentes e variados conectados e interagindo de maneira diversa e contínua, ou seja, a aprendizagem de L2 é um sistema adaptativo complexo (LARSEN-FREEMAN, 1997, PAIVA, 2009a). Como defende Paiva (2009a), assim como qualquer outro tipo de aprendizagem, aprender uma língua não é um processo linear e previsível, como muitos modelos de Aquisição de Segunda Língua (ASL) sugerem.

2. A emergência da L2

Paiva (2009a) esclarece que, apesar de toda a pesquisa sobre a aquisição de L2, ainda não sabemos como as línguas são aprendidas. A seu ver, as várias teorias oferecidas na área de ASL são incompletas porque não descrevem o fenômeno da aquisição de L2 como um todo, mas enfocam apenas partes dele. No entanto, Paiva não rejeita essas tentativas de explicação. Quando juntas, elas proporcionam uma visão mais profunda e abrangente do fenômeno. Essa pesquisadora sugere que um modelo de aquisição de L2 deve ser considerado como um conjunto de conexões dentro de um sistema dinâmico que se move em direção ao ‘limiar do caos’, entendido como a zona de criatividade com máximo potencial para a aprendizagem.

Há evidências, segundo Paiva (ibid.), de que a aquisição de L2 é um sistema adaptativo complexo (SAC) devido a sua habilidade inerente de se adaptar a diferentes condições presentes tanto nos ambientes internos quanto externos. Assim, a aprendizagem seria o resultado de interações complexas e contingenciais entre o indivíduo e o ambiente. Um modelo complexo pode acomodar teorias e elementos aparentemente opostos em um esforço para explicar a aquisição de uma L2.

Em outras palavras, seguindo a perspectiva de Paiva (ibid.), um modelo complexo para a ASL pode admitir, simultaneamente, a existência de estruturas mentais inatas e sustentar que parte da lingua(gem) é adquirida através de repetição e criação de hábitos linguísticos automáticos; pode ainda considerar a im-portância da afiliação, compreendida como o nível de relacionamento entre o aprendiz e a L2. Na descrição de Paiva (ibid.), afiliações culturais ou pessoais com a L2 funcionam como um potente combustível capaz de movimentar o sistema de ASL. Além disso, nesse modelo, o insumo (input), a interação e a produção (out-put) são fundamentais para a aquisição da lingua(gem) porque podem desencadear conexões neurais e so-cioculturais. Cada componente trabalha como um subsistema incorporado ao sistema de ASL. A Figura 13 na página seguinte descreve, parcialmente4

Nessa perspectiva, a lingua(gem) deve ser compreendida como um sistema dinâmico, não-linear, composto de elementos biocognitivos, socioculturais, históricos e políticos inter-relacionados, que nos habili-ta pensar e agir em sociedade (PAIVA, 2009a). A lingua(gem) é, portanto, um sistema em constante movi-mento e seus elementos – que interagem entre si- influenciam e são influenciados uns pelos outros. Assim como a lingua(gem), a aquisição de L2 também está em evolução e se desenvolve através de interações dinâ-micas e constantes entre seus subsistemas, alternando momentos de estabilidade com momentos de turbulên-cia, e qualquer mudança em um subsistema pode afetar todos os outros elementos na rede. Após o caos – entendido, como o momento ótimo para a aprendizagem - uma nova ordem emerge, não como um produto final e estático, mas como um processo – algo em constante evolução (PAIVA, 2009a).

, o modelo complexo de ASL proposto por Paiva (2009a).

2 Neste artigo, utilizarei L2 para me referir tanto a Segunda Língua quanto à Língua estrangeira. 3 A figura foi retirada de PAIVA, V.L.M.O. Second language acquisition: from main theories to complexity. 2009a. Disponível em: <http://www.veramenezes.com/slatheory.pdf>. Acesso em: 05/12/2011. 4 Paiva (2009a) explica que essa representação é parcial porque outros fatores, como motivação, estratégias de aprendizagem, restrições políticas, entre outros, também estão em interação em um sistema de ASL, mas não estão representados na Figura 1.

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Paiva (ibid.) ressalta que seres humanos são diferentes e, portanto, seus contextos e processos de a-

quisição também são diferentes, uma vez que são mediados por diferentes agentes humanos e artefatos cultu-rais. Assim, experiências variadas de aprendizagem podem acontecer em situações similares. Essa pesquisado-ra defende que aparentemente ordenado mundo da aquisição é, na verdade, caótico e o caos é fundamental para esse processo: do caos emerge uma nova língua que é o produto de todos os elementos envolvidos no processo e que pode ser colocado em um gradiente que tem a L1 e a L2 em pólos opostos, sendo a L1 a con-dição inicial para a L2. Tanto L1 quanto L2 são sistemas complexos que evoluem ao longo do tempo. L1 e L2 funcionam como atratores e o desenvolvimento da lingua(gem) se move entre esses dois pólos. O aprendiz é atraído ou repelido por um desses pólos e desse ciclo de atração/repulsão emerge um terceiro elemento: a interlíngua, a qual funciona como um atrator estranho, altamente sensível às condições iniciais: pequenas interferências podem desencadear mudanças imprevisíveis no desenvolvimento da lingua(gem).

A aquisição consiste, portanto, em uma relação entre tanto fatores individuais quanto sociais coloca-dos em movimento através de processos internos e sociais. A interação aleatória entre todos os elementos do sistema produz mudanças que são as responsáveis pela aquisição. O grau de mudança, ou seja, de aquisição, não é previsível e varia de acordo com a natureza das interações entre todos os elementos do sistema. Um sistema de aquisição vivo está sempre em movimento e nunca alcança o equilíbrio, apesar de passar por perí-odos de mais ou menos estabilidade. Caos e ordem coexistem em uma tensão dinâmica.

3. Narrativas de aprendizagem: evidência da complexidade do desenvolvimento da L2

As pessoas são contadores de história por natureza. Histórias proporcionam coerência e continuidade às experiências do indivíduo e possuem um papel central em nossa comunicação com os outros. As narrativas permitem que se explore e compreenda o mundo interno dos indivíduos, suas personalidades e identidades, bem como seu mundo social e cultural (LIEBLICH, TUVAL-MASCHIACH & ZILBER, 1998).

Como descrito na seção anterior, Paiva (2009a) elenca os principais elementos que interagem para a emergência da L2, quais sejam: estruturas mentais inatas, repetição e hábitos linguísticos automáticos, afilia-ção, insumo (input), interação e produção (output), conexões neurais e socioculturais. Esses elementos refle-

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tem, na verdade, diferentes teorias de aquisição de L2, corroborando com a ideia de que o processo de apren-dizagem é complexo e multifacetado, não podendo ser explicado por meio dessa ou daquela perspectiva teó-rica apenas.

Numa tentativa de se documentar a complexidade do desenvolvimento da L2, narrativas de aprendi-zagem dos alunos da disciplina ‘Teorias de Aquisição’ - disciplina oferecida pela professora Vera Lúcia Mene-zes de Oliveira e Paiva na Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da Faculdade de Letras da UFMG no segundo semestre de 2012 - serão utilizadas para demonstrar a ocorrência dos elementos do modelo comple-xo de Paiva no processo de aprendizagem dos alunos. Como parte das atividades do curso, solicitou-se aos participantes que escrevessem uma narrativa de aprendizagem de qualquer língua estrangeira, delineando co-mo aprenderam essa língua e descrevendo suas experiências positivas e negativas, procurando refletir sobre como essa aprendizagem aconteceu.

O primeiro item no modelo de Paiva são as estruturas mentais inatas, que nos remetem à Teoria da Gramática Universal, proposta por Chomsky (1976). Essa perspectiva propõe que todo ser humano é dotado biologicamente de uma faculdade da linguagem – um dispositivo de aquisição da linguagem – responsável por seu estado inicial de desenvolvimento. Essa teoria considera que o insumo provido pelo ambiente não é sufi-ciente para desencadear a aquisição de uma língua.

Paiva (no prelo, a) explica que não é fácil encontrar muitas evidências do modelo da GU nas narrati-vas de aprendizagem porque a teoria trata da língua interna, não perceptível ao aprendiz. Os narradores nor-malmente se concentrarem na descrição de ações no mundo, de experiências concretas e não de processos inconscientes. No entanto, para Paiva (ibid.), as narrativas que dão ênfase ao papel do input podem sinalizar a intuição do aprendiz de como se dá a construção da gramática. Essas narrativas parecem indicar que essa construção se dá através de input, por mais fragmentado que ele seja, e não pela explicitação de regras na sala de aula.

No excerto abaixo podemos inferir a presença de processos mentais na aprendizagem de uma língua.

(1) Outra coisa que hoje me chama a atenção é que minha aprendizagem não foi muito foca-da na forma. Os objetivos eram realmente comunicativos. Não se dava ‘nome aos bois’, ou, isso, certamente, não era o foco. Lembro-me que fui tomar conhecimento (ou ‘notice’) de certas nomenclaturas (como Present Perfect Continuous) somente quando comecei a dar aulas!

No excerto, a aprendiz descreve a aprendizagem de regras gramaticais como um processo inconsci-ente, implícito e sinaliza, conforme propõe Paiva, que a construção da gramática aconteceu através do input, e não pela explicitação de regras em sala de aula. Há ainda a referência ao processo mental de transformação de input em intake por meio do construto noticing, ou seja, a aprendiz passa a focalizar a forma e o significado de determinadas estruturas linguísticas no input, contribuindo para sua internalização.

A repetição e a formação de hábitos estão ligadas ao Behaviorismo, proposta que, ao contrário da Gra-mática Universal, ignora os mecanismos internos em favor do ambiente linguístico e os estímulos por ele produzidos. Nessa tradição, o foco se concentra no ambiente externo do aprendiz, considerado como um estímulo para o processo de aprendizagem, que passa a ser entendido como a formação de um hábito, ou seja, o processo de se ligar estímulos a respostas (MARYSIA, 2004). O Behaviorismo dominou o campo da ASL até o final dos anos 60 e encontrou sua aplicação mais visível na análise contrastiva e no método áudio-lingual.

(2) Comecei a estudar inglês com 8 anos, no CCAA, por influência de uma amiga da escola. Gostava das aulas, ia com prazer. O método era o áudio-visual, muita repetição, behaviorismo puro. Lem-bro-me de algumas falas até hoje: Jump, puppy, jump! E dos personagens do livro: Sam, Sarah.

(...)

Depois, quando adolescente, com 12 anos mais ou menos, passei a estudar nas turmas de adulto, à noite. Eu gostava porque as turmas eram mais sérias, as aulas rendiam e ainda por cima eu me destacava porque tinha mais facilidade, tanto de memorização quanto de pronúncia, que os adultos e isso me estimulava. A professora sempre começava a aula retomando as falas da unidade da aula anterior, utilizando slides para elicitar os diálogos; e eu sabia tudo, os adultos lá pelejando pra lembrar e eu com tudo na ponta da língua! kkkk

(3) O livro utilizado era o Alexander. Ainda me lembro de alguns diálogos dele “The Sun shining in the Sky and clouds.....”, mas isso não significa que aprendi muita coisa de compreensão ou produção oral, mas que também não eram cobrados nas provas.

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No excerto (2), a aprendiz confirma que a memorização e repetição foram estratégias importantes para o seu processo de ASL, contribuindo, inclusive para sua motivação para aprender a língua. Já no excerto (3), a referência ao papel da memorização é menos positiva que no primeiro caso, uma vez que, aparentemen-te, esse recurso não contribuiu para o aprimoramento da compreensão ou produção oral do aprendiz – habi-lidade que, na verdade, parecia ser ausente no ensino, uma vez que não fazia parte da avaliação.

A afiliação - ou aculturação - está diretamente associada ao trabalho de Schumann (1978), o qual defi-ne a aculturação como “a integração social e psicológica do aprendiz com o grupo da língua-alvo” (p.29). Nessa perspectiva, o aprendiz é colocado em um continuum que varia entre distância social e psicológica até proximidade psicológica com os falantes da língua-alvo, de forma que só se aprende a L2 à medida que se ‘acultura’. A hipótese central de Schumann é que a ASL é apenas um aspecto da aculturação e o grau de acul-turação à língua-alvo controla o grau de aquisição da L2. Quanto maior a distância social e, principalmente, psicológica, menor o grau de aquisição, sendo a motivação o aspecto mais importante da distância psicológi-ca.

A referência à aproximação psicológica e social apareceu em várias narrativas analisadas:

(4) Sempre tive apreço e admiração pela língua espanhola, mesmo sem nunca ter cursado a disciplina de espanhol durante a minha vida escolar. E por algum tempo, minhas redes sociais na in-ternet (msn, facebook e orkut) tiveram a linguagem configurada no espanhol. O meu sonho era aprender o espanhol, mas não tive oportunidades para fazer um curso, muito menos o in-tercâmbio em outro país. Entretanto, sempre que possível eu fazia leitura de artigos cientí-ficos no campo da linguística. Aproveitava para entrar no google.es/. Navegava horas e horas por di-versos sites, todos da Espanha.

(5) Eu era um aluno motivado a fazer parte da comunidade de falantes de inglês e esse sentimento contribuiu favoravelmente para que eu escolhesse cursar Letras na universidade.

(6) Além disso, após a minha formatura, fiz um intercâmbio durante o período das férias de final de ano nos Estados Unidos. Lá trabalhei e pude ter contato direto com falantes nativos do idioma. Foi uma experiência incrível que me mostrou que todo o esforço e a dedicação tiveram seu valor, não só pelo passeio e pelas amizades que conquistei, mas também pela vivência que esse idioma me proporcionou.

(7) (...) até minha pré-adolescência, quando retomei o contato com o inglês através dos mis-sionários da igreja Batista onde meu pai nos levava ainda crianças. Os acampamentos (repletos de americanos e suas famílias) eram lugares propícios para o contato com as crianças e jovens americanos, o que, aos poucos, me fazia mais intimo da língua e principalmente da cultura daquele país.

Nos dois primeiros excertos, (4) e (5), é possível perceber a aproximação afetiva como um fator rele-vante para o processo de aprendizagem desses indivíduos. No excerto (4), o apreço pela língua espanhola foi o gatilho que impulsionou a aprendiz a procurar diferentes meios para aprender a língua. Já no excerto (5), o aprendiz declara seu desejo de não só aprender a língua, mas também fazer parte de uma comunidade de falantes. Além disso, o sentimento de proximidade com a língua inglesa foi decisivo na escolha do curso su-perior.

As variáveis sociais ficam mais evidentes nos últimos três excertos, (6) e (7) onde o contato com fa-lantes nativos aparece como fator desencadeador de experiências significativas de aprendizagem.

A importância do insumo, ou exposição à língua, remonta ao modelo de Krashen (1982), sendo a Hi-pótese do Input a essência de sua teoria. Nessa proposta, adquirimos uma língua quando compreendemos a mensagem, recebendo input compreensível, ou seja, ao compreendermos linguagem que contém uma estrutu-ra um pouco além de nosso nível atual de competência (i+1). Isso acontece com a ajuda do contexto ou de informação extralinguística.

Segundo Paiva (no prelo, b), Krashen considera que os ambientes formais e informais contribuem para a proficiência linguística de formas diferentes. O ambiente informal contribuiria com o insumo necessá-rio às operações mentais, gerando o intake (absorção do insumo linguístico) e o ambiente formal (sala de aula) seria responsável pelo desenvolvimento monitor (editor de produção linguística que faz uso do conhecimento consciente da gramática aprendida). O intake (insumo absorvido) é condição essencial para que a aprendiza-gem aconteça. Assim, a principal função da sala de aula é prover intake para a aquisição. Atividades de repeti-ção comunicativa, nas quais onde o aluno pode dizer a verdade ou mesmo representar (roleplay), têm poten-cial para satisfazer todos os requisitos do intake.

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(8) Pensando na questão da autonomia, eu me lembro que a música era sempre o que me mo-tivava. Ouvia o disco da Madona e ia olhando no dicionário as palavras que eu não sabia. Também ten-tava ter contato com os professores nativos que, porventura, estavam na escola. Convidava-os para vir a minha casa, saía com eles pra passear. A preparação para os exames de Cambridge também me estimulavam muito. Eu me lembro de ir para aula ouvindo a fita da revista Speak up no carro pra desenvolver o ‘listening’ pra fazer o CAE. Também lia muito, muitos livros e revistas para me preparar para as provas.

(9) Se já gostava das aulas, passei a gostar mais ainda. A sala de aula era muito diferente: no lugar de carteiras, eram sofás, com almofadas, em semicírculo. Fazíamos muitos role-plays, que cha-mávamos de ‘ceninha’ e o foco na fala era muito grande.

(10) Essa professora era bem dinâmica e alegre. Em várias aulas, fazíamos jogos, dinâmicas e brincadeiras. Ela adorava levar artigos para que lêssemos e sempre discutia os temas de cada um. As discussões propostas não eram sem fundamento ou superficiais. Sempre discutíamos os temas das unidades, dos vídeos, comerciais ou textos, considerando questões sociais e culturais, buscando uma reflexão.

O excerto (8) apresenta referência ao insumo linguístico presente no ambiente informal de aprendi-zagem. A aprendiz busca diferentes formas de insumo para aprimorar seu inglês e reconhece a importância dessa variedade para seu aprendizado. Já os excertos (9) e (10) trazem evidências de insumo linguístico signi-ficativo na sala de aula. Krashen (s/d), mais recentemente, sugere que o insumo deve ser não só interessante, mas também convincente de forma a assegurar o interesse do aprendiz. Segundo ele, o insumo convincente parece eliminar a necessidade para motivação (desejo consciente de aprimorar a L2). Esse parece ser o caso de ambas as aprendizes, para as quais o insumo disponibilizado em sala de aula era não só variado e interes-sante mas, principalmente, significativo.

Interação e produção (output) são construtos motivados pelas proposições de Krashen. Segundo Paiva (2009a), Hatch (1978) e Long (1981, 1996), considerando que o insumo apenas é insuficiente para explicar a ASL, propuseram a Hipótese da Interação. Hatch propõe o processo inverso de Krashen, ou seja, para ela, os aprendizes primeiro utilizam as estruturas no discurso para depois aprendê-las. Long, partindo de um estudo empírico, sugere que a negociação de significado, especialmente o processo de negociação que exige ajustes interacionais pelo falante nativo ou interlocutor mais competente, facilita a aquisição ao conectar input, capa-cidades internas do aprendiz, atenção seletiva e produção. Ainda de acordo com Paiva (ibid.), Larsen-Freeman & Long (1991), defendem que as propostas interacionistas são mais eficientes que outras teorias porque evocam tanto fatores inatos quanto ambientais para explicar a aprendizagem de línguas.

Já a produção é o foco de estudo de Swain (1985, 1995), a qual propõe a Hipótese da Produção (Output Hypothesis), sugerindo que praticar a língua é essencial para o processo de ASL porque permite que o aprendiz observe sua própria produção. Somente através da prática os aprendizes podem perceber o espaço entre o que querem dizer e o que são efetivamente capazes de dizer, fazendo com que reconheçam o que não sabem, ou sabem apenas parcialmente. Além de viabilizar o processo de percepção (noticing), a produção teria ainda duas outras funções: testar hipóteses e fomentar a reflexão. Aprendizes podem praticar a língua apenas para ver o que funciona ou não e, assim, refletir sobre a linguagem que produziram, explorando a relação entre o significado que querem expressar e as formas linguísticas necessárias para atingirem seus objetivos comunicativos.

Nas narrativas de aprendizagem analisadas, há ampla referência à relevância da interação e produção na aprendizagem de L2:

(11) Mas logo percebi que o que via dentro da sala de aula não era suficiente: queria usar o inglês para conver-sar com pessoas de países diferentes. Percebi isso durante as férias, que vim passar aqui no Brasil. Eu tinha 11 anos e foi a primeira vez que viajei da Itália ao Brasil sozinha. Normalmente as crianças que viajam sozinhas acabam viajando juntas, e lembro que eu viajei junto com 1 menino alemão e 1 menino inglês, mas não consegui trocar nenhuma idéia com eles. As aeromoças chegavam e falavam inglês com eles – ou assim me parecia – e eu só me perguntando porque que só eu não entendia nada. Foi aí que percebi que o inglês que eu estava aprendendo na escola não era suficiente. Só sa-bia escrever e decorar textos de uma página sobre família, férias e esportes mas não sabia realmente “comu-nicar” com as pessoas. Foi aí que eu comecei a procurar correspondentes no mundo inteiro. A primeira carta que escrevi foi para o Ghana. Ainda lembro a alegria de encontrar uma cartinha do meu novo “pen-pal” na caixinha de correio da minha casa. O menino do Ghana foi o pri-meiro de muitos outros pen-pals que consegui arranjar no mundo inteiro: das ilhas Fiji aos EUA, da França ao Japão.

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(12) Durante o tempo que estive lá [nos Estados Unidos], passei por algumas situações complicadas, nas quais tive dificuldade de comunicação, além das culturais, é claro. Tudo é muito diferente e por diversos momentos eu percebia que eu mais parecia um robô conversando e sempre me policiava para parecer mais natural. Foi engraçado! rs

(13) Em 2009, durante mestrado, fui fazer intercâmbio na UFMG. Nessa época fui morar em um pensionato com mais 15 intercambistas de diferentes nacionalidades, eram: americano, italiano, cubano, boliviano, argentino, etc. As horas do café, almoço e janta eram os momentos de integração de todos na cozinha coletiva. Eram verdadeiras aulas de línguas estrangeiras, afinal dividíamos os meus utensílios (pratos, talheres, copos, etc). Eu aproveitava para praticar meu “portunhol”. Mas o momento mais esperado era a hora das novelas. Eu me dirigia para a sala para acompanhar duas cubanas fascinadas pelas novelas brasileiras. Eu aproveitava para conversar e interagir, sem-pre no espanhol. Por outro lado, elas faziam de tudo para aprender o Português.

Em todos os excertos percebemos como a necessidade de comunicação na L2 - de interagir com ou-tros falantes da língua - atuou como elemento perturbador no sistema de aprendizagem dos indivíduos, fo-mentando a mudança através do risco, da exploração, da experimentação. No excerto (11), a aprendiz narra como o desejo de se comunicar na L2 incitou a busca por meios mais significativos de aprendizagem, no caso, a troca de cartas com falantes nativos. Nos excertos (12) e (13), percebemos o movimento de negocia-ção de significado, viabilizado pelo contato com falantes nativos e consequente oportunidade de produzir a L2, testando seus conhecimentos e ajustando formas.

A interação e produção são essenciais para a aquisição da lingua(gem) porque podem desencadear conexões socioculturais e neurais. As conexões socioculturais nos remetem aos princípios da Teoria Sociocultural (TSC), a partir da qual o funcionamento mental humano é um processo fundamentalmente mediado, organi-zado por artefatos culturais, atividades e conceitos. A mediação é um construto central da TSC e parte do pressuposto de que os seres humanos não agem diretamente no mundo: suas atividades cognitivas e materiais são mediadas por artefatos simbólicos (ex.: linguagem, letramento, racionalidade, etc), assim como por artefa-tos materiais e tecnológicos. Funções de ordem superior (memória voluntária, pensamento lógico, aprendiza-gem, atenção, etc.) são organizadas e amplificadas através da participação em atividade organizada cultural-mente (LANTOLF & THORNE, 2007).

Em vários excertos das narrativas apresentadas neste trabalho, percebemos o processo de mediação através de artefatos materiais e tecnológicos, como slides (excerto 2), livros e revistas (excertos 3, 4, 8, 10), internet (excerto 4), música (excerto 8), cartas (excerto 11), além da mediação interpessoal (excertos 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13).

Já as conexões neurais se ligam ao Modelo Conexionista, que explica a ASL em termos de representa-ções mentais e processamento de informação. Essa proposta ancora-se na Linguística Cognitiva compreen-dendo a língua como fruto da experiência humana, construída pelo uso, e não por princípios inatos. O pro-cessamento cognitivo é comparado ao funcionamento de um computador: dados que alimentam a mente (input), dados ocultos (processamento ou intake) e dados de saída (output), sendo a aprendizagem fruto de as-sociações entre informações. Como o conexionismo também descreve processos mentais, não é fácil encon-trar descrições desses processos em narrativas de aprendizagem. No entanto, é possível documentar algumas evidências de conexões por meio de estratégias de aprendizagem, como quando, por exemplo, o aprendiz, por contra própria, aumenta o input, ampliando, assim, as unidades de sua rede de aquisição. O excerto 8 é um exemplo desse tipo de estratégia.

Diferentes teorias de ASL se mesclam nas narrativas. A separação é puramente heurística. Como propõe Larsen-Freeman (1997, p. 158), a Teoria do Caos/Complexidade encoraja o ofuscamento de barrei-ras, propondo a complementação, e não a dicotomização de teorias. O princípio central é complementar, e não excluir. Por isso, Larsen-Freeman sugere que precisamos ver a ASL como ‘tanto quanto’ (both/and) ao invés de ‘um ou outro’ (either/or).

4. O diabo mora nos detalhes

Em inglês, a expressão ‘The devil is in the details’ ou ‘O diabo está/ se esconde/ mora nos detalhes’ se refere à existência de um elemento importante ou misterioso em pequenas coisas. Em outras palavras, a expressão indica que os detalhes são importantes. Um dos conceitos mais conhecidos da Teoria do Caos/Complexidade é o ‘efeito borboleta’, que diz respeito à sensibilidade do sistema a pequenas interferên-cias ou mudanças no ambiente. Quanto maior o nível de interação entre os elementos e quanto mais sensível

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é o sistema a mudanças no ambiente, maior é a probabilidade de que pequenas mudanças causarão grandes efeitos (SADE, 2009, p. 528).

No processo de ASL, pequenas interferências no sistema podem desencadear experiências espantosas e mudar os comportamentos do aprendiz. Esse fenômeno, na sala de aula, pode ser exemplificado através das ações do professor. As escolhas do professor, sua postura, atitudes em relação aos alunos e à aula podem ser determinantes para o sucesso ou fracasso da aprendizagem. Como explicam Larsen-Freeman e Cameron (2008, p. 200), devido a não-linearidade de um sistema complexo à medida que se move ao longo de seu es-paço de fase5, pequenas perturbações, como a intervenção de um professor, podem fazer uma grande dife-rença. “O ensino e a interação professor-aluno constroem e limitam as oportunidades de aprendizagem da sala de aula” (LARSEN-FREEMAN & CAMERON, 2008, p. 200)6

Nas narrativas analisadas, há referências interessantes sobre a interferência da ação docente no siste-ma de aprendizagem de alunos:

.

(14) Um incidente me fez sair do [ nome do curso de língua]. Era páscoa e a professora distri-

buiu um coelhinho de chocolate para cada aluno, mas me excluiu. Eu, que na época era muito tímida, alertei à professora de que não havia recebido o chocolate, mas ela não acreditou em mim e ainda me chamou de mentirosa na frente da turma. Cheguei em casa e minha mãe imedia-tamente percebeu que eu não estava bem; foi só ela me perguntar e eu abri a boca pra cho-rar. Resultado: nunca mais voltei ao [curso de línguas], nunca mais mesmo! Hoje, vejo que a atitude da professora, ainda que não-intencional, poderia ter me afastado da língua para sempre.

(15) No primeiro ano do ensino médio, comecei a ter aulas com um outro professor, que me acompanhou durante todo o ensino médio. Esse professor era bem carismático e engraçado. Lembro que em algumas aulas ele levava músicas dos Beatles e de outras bandas que ele gostava para ficar cantando conosco. Porém, continuávamos sem livro e fazíamos cópia do que era passado no quadro. Do verbo to be e do/does fomos ao either, too e also, passando por alguns outros poucos con-teúdos gramáticas e raramente fazíamos compreensão de textos. Nesta mesma época, co-mecei a estudar em um curso de idiomas motivada pela música.

(...)

Logo no primeiro semestre já fiquei encantada com o curso. Eu tinha quatro livros e fazia exercícios de leitura e de áudio, as aulas eram acompanhadas de vídeos, comerciais e outros atrativos. A única coisa que não me atraia muito era a professora – filha da dona da unidade na qual eu estudava. A garota era apenas um ano mais velha do que eu e passava a aula contando de suas viagens pe-lo mundo e paquerando dois colegas de sala. Todos a achavam metida e esnobe. Com ela, tive aula por dois ou três semestres.

(...)

Ainda no [ nome do curso de línguas], tive mais quatro professores e tenho lembranças boas de todos, no entanto, uma se destacou. Essa professora era bem dinâmica e alegre. (...) Essa professora era estudante de medicina na UFMG e apesar de não ser formada em licenciatura e, portanto, não ter cursado nenhuma disciplina na área da educação, ela era bem didática e preocupada com nossa formação. Percebia nela uma grande bagagem cultural também. Ela sempre nos contava algo novo e, diferente da minha primei-ra professora no [nome do curso de línguas] suas experiências com estadias e viagens para outros países me interessavam bastante.

(16) Meu primeiro contato com o inglês foi na "roça" quando ainda criança apareceu essa profes-sora loirinha simplesmente apaixonante, a qual eu não conseguia tirar da cabeça e muito menos deixar de encarar nas aulas. "Paixonite" fortíssima de criança. Lembro-me de uma música dos Beatles que ela deu e eu amava (claro porque era ela quem tinha dado, né: Yesterday).

No excerto (14), um detalhe aparentemente insignificante (um coelhinho de chocolate) ocasionou uma transformação radical no sistema de aprendizagem da aluna. A atitude da professora desordenou o sis-tema da aprendiz, desencadeando uma bifurcação – a saída do curso de línguas. Como a própria aprendiz 5 Espaço de fase de um sistema é o conjunto de todos os possíveis estados do sistema com propriedades relativa-mente uniformes aos possíveis estados, às possíveis reorganizações que um sistema pode sofrer em função de seus atratores (NASCIMENTO, 2009). Um estado de fase representa o ‘panorama de possibilidades’ (landscape of possibilities) do sistema. 6 Tradução livre de: “(...) teaching and teacher-learner interaction construct and constrain the learning affordances of the classroom” (LARSEN-FREEMAN, D. e CAMERON, L, 2008, p. 200. In.: LARSEN-FREEMAN, D. e CAMERON, L. Complex systems and applied linguistics. Oxford: Oxford University Press, 2008).

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reconhece, a decisão da professora poderia ter causado a morte de seu sistema de aprendizagem. A aprendiz poderia ter desistido do inglês, e não apenas do curso de línguas.

O excerto (15) apresenta diferentes momentos na aprendizagem da aluna. Inicialmente, na escola pú-blica, apesar do ensino focado essencialmente na forma e da ausência de recursos materiais, o professor con-seguia fazer a diferença para a aprendiz, tanto através de seu carisma quanto por meio de atividades com as quais a aprendiz se relacionava – no caso, a música dos Beatles. No segundo momento, no curso de idiomas, apesar de todo aparato tecnológico do novo ambiente, o comportamento imaturo da professora incomodava a aprendiz, assim como os colegas de classe. Felizmente, essa perturbação não foi forte o suficiente para de-sestabilizar o sistema da aluna, cuja motivação para aprender era bem estabelecida. Depois, ainda no mesmo curso de idiomas, as ações e atitudes da professora contribuíam para uma atmosfera de aprendizagem acolhe-dora, onde a aprendiz se sentia reconhecida: “ela era bem didática e preocupada com nossa formação”. Além disso, ao contrário das experiências com a primeira professora, agora a aprendiz se identificava com as oportunida-des de aprendizagem oferecidas.

No último excerto, (16), o aluno descreve, com singeleza, como a ‘paixão’ pela professora despertou seu interesse pela língua inglesa.

Nos dois primeiros excertos, (14) e (15), percebemos o movimento de auto-organização de SACs. Apesar dos obstáculos, no caso as escolhas pedagógicas dos professores, aprendizes autônomos tomam as rédeas de seus sistemas de ASL e continuam, evoluem para o limiar do caos. Paiva (2009b), ao tratar da auto-nomia do aprendiz, explica que aprendizes bem sucedidos são agentes ativos que se arriscam, experimentam e exploram o ambiente. Nesses excertos, percebemos que as aprendizes se adaptaram ao ambiente, tirando proveito daquilo que lhes foi oferecido, e se reorganizaram. No entanto, nem todo aprendiz consegue se be-neficiar dos obstáculos e, muitas vezes, a aprendizagem da L2 é abandonada devido a pequenas interferências, devido a detalhes.

Sabemos que professores não são responsáveis pela aprendizagem dos alunos, e muito menos con-trolam o que os alunos aprendem. No entanto, o professor ocupa um papel de destaque em sala de aula por-que os rumos do ensino estão em suas mãos: em suas escolhas e decisões. Nem sempre professores conside-ram como e quanto suas ações impactam a aprendizagem e até mesmo a vida pessoal de seus alunos. E nem sempre têm a oportunidade de refletir sobre isso. O objetivo final não é agradar ou satisfazer os aprendizes, mas agir eticamente no sistema de forma a assegurar que se trabalhe em prol da aprendizagem.

5. Conclusão

As narrativas analisadas neste trabalho trazem evidências empíricas dos elementos do modelo com-plexo de ASL de Paiva (2009a), reforçando a tese da aprendizagem de L2 como um SAC e demonstrando como as diferentes teorias representam, na verdade, diferentes aspectos do mesmo fenômeno.

Corroborando com as conclusões de Paiva (2009a), o corpus analisado demonstra que a diversidade de insumo não deve se limitar à sala de aula. Para alcançar o limiar do caos, aprendizes precisam de insumo rico e variado, interação com falantes mais proficientes, utilizar a língua para propósitos sociais, trabalhando com diferentes gêneros orais, escritos ou digitais em contextos formais e informais.

Além disso, em convergência com os resultados de Paiva (2009a, 2009b), a autonomia, ou controle sobre a própria aprendizagem, aparece como fator importante no aprimoramento da L2. O aprendiz que desenvolve a habilidade de superar as limitações sociais, econômicas e políticas que restringem suas oportuni-dades de aprendizagem, certamente, tem mais chances de sucesso. O professor deveria ser o facilitador desse processo, oferecendo oportunidades significativas de aprendizagem e auxiliando os aprendizes na percepção das affordances dentro e fora da sala de aula. No entanto, novamente em consonância com as conclusões de Paiva (ibid), também aqui as experiências dos aprendizes evidenciam que, muitas vezes, chega-se ao limiar do caos através de fatores que não fazem parte do contexto escolar, o qual ainda se mantém distante das neces-sidades dos alunos.

As narrativas podem não explicar o processo de aquisição como um todo. No entanto, seu conteúdo traz à tona a teia de relações que subjaz à aprendizagem, revelando que aprender uma língua é um processo complexo que transcende o âmbito cognitivo e envolve fatores sociais, históricos, afetivos, emocionais, insti-tucionais e políticos, fazendo desse um processo altamente heterogêneo e imprevisível.

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Enviado para publicação: 14/11/2011

Aceito para publicação: 13/01/2012

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8. O ENSINO DA FÍSICA NUMA ABORDAGEM EXPERIMENTAL: resignificando a prática docente

THE TEACHING OF PHYSICS AN EXPERIMENTAL APPROACH: teachingpractice resignifying

José Eldésio de Oliveira1

Eloneid Felipe Nobre

2

Resumo. O artigo em questão apresenta a pesquisa e a experimentação em Física como formas metodológicas que visam facilitar a aprendizagem e compreensão dos alunos que tantas dificul-dades encontram na citada matéria curricular obrigatória. As atividades propostas foram feitas em uma Escola Pública Estadual com alunos do 1º ano do Ensino Médio. As atividades de pes-quisa e experimentais são defendidas pela maioria dos professores de Física e educadores cita-dos no decorrer do trabalho. Os alunos fizeram uma pesquisa no livro-texto, apresentaram a síntese desta pesquisa, responderam a dois questionários, um antes e outro depois da experi-mentação e ocorreu um debate/discussão para finalizar a unidade. Os resultados foram apresen-tados através de tabelas com as respectivas análises e conclusões.

Palavras-chave. Pesquisa e Experimentação no ensino médio – Aprendizagem de Física

Abstract. The article presents research and experimentation in physics as a methodological ways that aim to facilitate learning and understanding the difficulties many students who are cited in the compulsory curriculum subject. The proposed activities were made at a state school with students from 1st year of high school. The research and experimental activities are advocat-ed by most physics teachers and educators cited in this work. Students conducted research in the textbook, presented a summary of this research, responded to two questionnaires, one be-fore and one after the trial and there was a debate / discussion to end the drive. The results were presented in tables with their analysis and conclusions.

Keywords. Research and Experimentation of high school – Learning of the physics.

1 Licenciatura Plena em Física pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). Especialista em Planejamento Educa-cional pela Universidade Salgado de Oliveira-Universo. Mestrando em Ensino de Ciências e Matemática pela Uni-versidade Federal do Ceará. Professor de Física do Colégio Militar de Fortaleza (CMF). E-mail: [email protected] 2 Professora Doutora do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC). Orientadora do Mestra-do Profissional em Ensino de Ciências e Matemática da UFC.

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1. INTRODUÇÃO

O ensino de Ciências, Física em especial, tem sofrido uma forte crítica por seu excessivo distan-ciamento dos fenômenos e das situações vividas pelo universo dos alunos, que a torna uma ciência formal e abstrata, provocando, geralmente, um verdadeiro desastre no ensino-aprendizagem desta ciência. Portanto, devemos questionar o porquê ensinar Física? O que ensinar? Como ensinar? E para quem ensinar?

O aumento das expectativas sobre a educação no Brasil faz com que novas metodologias peda-gógicas de informação e comunicação sejam desenvolvidas e aplicadas nas escolas e, assim, haver um desen-volvimento científico e tecnológico que tanto a sociedade necessita, pois a educação é um campo estratégico no domínio do conhecimento que possibilita a inclusão das pessoas no mercado de trabalho e na própria cidadania.

Os professores universitários e do ensino básico, de um modo geral, enfatizam modelos mate-máticos no ensino da Física, utilizando conceitos e leis da Física apenas para situações de quadro-branco e de avaliações, sem, muitas vezes, vincular estas leis e conceitos ao cotidiano do aluno.

Professores e alunos do ensino básico sentem a necessidade da produção de livros-texto que abordem situações e fenômenos físicos observados no quotidiano deles. Os livros adotados são, geralmente, repletos de exercícios propostos e questões de vestibulares que se resumem ao cálculo de uma incógnita por meio de fórmulas e equações matemáticas, assim deixando de lado o estudo da Física fenomenológica e con-ceitual. É fundamental que o estudante veja a Física funcionando, que realize experiências para comprovar as leis e conceitos estudados, não aceitando as respostas e conclusões do professor como definitivas em função de sua autoridade maior.

É necessário uma aprendizagem mais conceitual, com menos fórmulas matemáticas, que pro-porcione ao aluno a compreensão e assimilação dos conteúdos de forma mais consistente e satisfatória.Essa aprendizagem se dará pela pesquisa, em sala de aula, dos assuntos relacionados pelo professor, por meio do livro-texto adotado na escola ou em alguns casos, pela Internet.

Enfatiza-se que o sistema educacional vigente nem sempre prepara os docentes e discentes para enfrentar o desenvolvimento tecnológico e científico que a globalização da economia tanto exige e isto deixa o Brasil numa posição de dependência frente aos países de primeiro mundo.

A sociedade exige uma nova formação para os docentes, através de programas de aperfeiçoa-mento que sejam capazes de habilitar e atualizar o professor. O uso de metodologias de ensino com experiên-cias na sala de aula e laboratórios e a utilização de ferramentas, como o uso da informática no desenvolvimen-to dos conteúdos curriculares. Estes professores, diante desta nova formação, deverão ser capazes de propor-cionar aos seus alunos uma Física com interação efetiva entre a teoria e a prática, usando para isto, laborató-rios de ciências, experimentos em salas de aula, o computador, data-show, entre outros.

O contato do aluno com o experimento possibilita a melhor absorção e compreensão dos con-ceitos, definições e leis da Física que foram trabalhados durante a aula teórica. Por exemplo, o professor ensi-na que aceleração é a razão entre a variação da velocidade e o intervalo de tempo para acontecer esta variação. Fica mais fácil para o aluno perceber que quanto maior for a variação da velocidade, maior será a aceleração durante a prática em que uma esfera é solta do topo de um plano inclinado com várias inclinações. Ele visua-liza melhor o aumento da velocidade quando o ângulo de inclinação aumenta, pois o tempo de queda dimi-nui, marcado no seu cronômetro.

Assim, é fundamental que o estudante tenha contato com a Física através de atividades experi-mentais que o levem à compreensão da teoria vista em sala de aula. O aluno pode construir seu próprio co-nhecimento através dos experimentos feitos, construindo gráficos e tabelas a partir dos dados e medidas co-lhidos, enfim, construindo seu conhecimento por meios de atividades experimentais.

A atividade experimental, seja ela em um laboratório de Física seja ela na própria sala de aula, de-ve propiciar aos alunos um aprofundamento de seus conhecimentos em Física e a busca de novas soluções. Portanto, a experimentação em Física é uma ferramenta importante que o professor utiliza no processo de ensino-aprendizagem e na construção do conhecimento científico de seus educandos.

A aproximação dos estudantes com o estudo de Física deve ser uma preocupação constante dos professores, portanto é necessário que sejam criadas atividades que contextualizem a Física teórica com o dia a dia do aluno. Por exemplo, ao fazer uma experiência sobre força de atrito, mostrar a diferença entre atrito estático e atrito dinâmico e a importância da utilização dos freios ABS na segurança dos automóveis. Outro

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exemplo, ao realizar a experiência sobre a 1ª lei de Newton, lei da inércia, chamar a atenção dos alunos sobre a utilização do cinto de segurança como item obrigatório nos automóveis e a sua importância no salvamento de vidas durante uma colisão.

O professor, como orientador e facilitador da aprendizagem, precisa estimular seus alunos a pensar, investigar, observar, descobrir, analisar, raciocinar e concluir sobre a prática experimental e a pesquisa dos mais diversos temas da Física. Para isso é necessário propor situações-problema que envolvam o interesse do aluno, suas idéias e atitudes. O aluno estimulado/motivado participa ativamente das aulas e alcança uma aprendizagem mais significativa.

O objetivo deste artigo é o de contribuir para o aperfeiçoamento do ensino de Física a partir de uma metodologia pedagógica que valorize a pesquisa e a experimentação em sala de aula.

Outro objetivo é o de proporcionar aos alunos um processo de ensino-aprendizagem funda-mentado no desenvolvimento de suas habilidades de observação, comunicação, investigação, medição, classi-ficação, construção e transformação.

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O ensino de Ciências no Brasil chega à escola básica no começo do século XX em função das necessidades geradas pela industrialização, pois as indústrias começavam a utilizar novas tecnologias nos mei-os de produção e precisavam da mão de obra qualificada. Foi, então, imposta uma formação básica em Ciên-cias para suprir os quadros de técnicos e profissionais da crescente onda de industrialização do País.

Na metade da década de 1940 começaram aparecer os primeiros grupos de pesquisa em ensino de Física no Brasil como da Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGs). Nesse contexto surgiu o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC) que implan-tou e apoiou diversos projetos de ensino de Ciências no Brasil, como feiras e clubes de Ciências, pesquisas e treinamento de professores e produziu kits destinados ao ensino de Física, Química e Biologia para estudan-tes do ensino primário e secundário, hoje ensino fundamental I e II e Ensino Médio, respectivamente.

No começo da década de 1950, observa-se a efetiva intervenção do Governo Federal na educa-ção básica, devido, principalmente, ao modelo de desenvolvimento que tinha como base a urbanização e in-dustrialização do Brasil. O ensino de Ciências era desenvolvido através de aulas teóricas com o uso de qua-dro-negro e giz onde o docente explanava, de forma oral e escrita, o conteúdo programático dos livros didáti-cos, reforçando as características positivas da Ciência, ignorando as negativas e trabalhando, em momentos eventuais, as atividades experimentais em sala de aula.

A partir do começo da década de 1960, começaram a ser implantados os projetos de ensino de Ciências, traduzidos de projetos americanos, que se caracterizavam pela produção de material experimental, textos e treinamento de professores com a valorização do conteúdo a ser ministrado.

No final dos anos 1960 foi criada a Fundação para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (FUNBEC) que tinha como objetivos a industrialização dos materiais produzidos, a realização de cursos para professores primários e a produção de programas específicos para o ensino superior.

Logo após, no começo da década de 1970, o Ministério da Educação e Cultura (MEC) institui o Projeto Nacional para a Melhoria de Ensino de Ciências (PREMEN) que financiou o Projeto de Ensino de Ciências (PEC), ligado ao Centro de Ciências do Rio Grande do Sul (CECIRS) e o Projeto de Ensino de Físi-ca (PEF), do Instituto de Física da USP (IFUSP). Em seguida foram criados o Projeto Física Auto-Instrutiva (FAI) e o Projeto Brasileiro para o Ensino de Física (PBEF), desenvolvidos por professores em sua maioria ligados ao IFUSP. Os projetos desenvolvidos pelos vários institutos tinham como objetivos principais o trei-namento, aperfeiçoamento e atualização de professores, bem como a produção de materiais didáticos envol-vendo textos e experimentos para o ensino de 2º grau.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) através da Câmara de Educação Básica (CEB) apro-vou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) determinando que a área de Ciên-cias da Natureza, Matemática e suas Tecnologias possa constituir habilidades e competências que permitam ao aluno alcançar seus objetivos.

A partir dessas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) a atividade experimental e a investigação científica devem ser estimuladas pelo professor por meio de roteiros abertos que ensejem em seus alunos a busca de novos desafios e explicações para aqueles fatos observados durante a experiência e a pesquisa. O professor deve provocar no aluno a insatisfação pelo conceito pré-estabelecido,

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auto-explicado, e assim, mudar sua postura de um estudante passivo que não participa da aula para um estu-dante ativo que apresenta sugestões para as soluções das situações-problema, exponha suas idéias e procure construir novos conhecimentos.

A função básica da experimentação no ensino de Física é fazer com que o aluno compreenda os conceitos, leis, fenômenos, definições e os adapte à sua realidade. Para isso é necessário que o professor tenha objetivos claros e utilize uma metodologia adequada: propor experiências no nível de escolaridade do aluno, conduzir as aulas de forma agradável para que não se tornem objeto de competição, estimular a troca de idéi-as entre professor-aluno e aluno-aluno, discutir as diferenças entre os resultados esperados e apresentados, entre outros. O estudante precisa levar o conhecimento que obteve no colégio para casa, comunidade, mos-trar aos seus familiares, amigos que aprendeu alguma coisa útil e despertar-lhes o interesse pelo estudo em suas vidas, não somente para dizer que tem um certificado de conclusão, que vai ganhar mais dinheiro, que é o melhor, mas que a escola o transformou em um cidadão pleno, convicto que pode mudar a comunidade, talvez o mundo, em que vive.

Segundo Araújo e Abib (2003, p. 190)

A utilização adequada de diferentes metodologias experimentais, tenham elas a natureza de demonstração, verificação ou investigação, pode possibilitar a formação de um ambiente propício ao aprendizado de diversos conceitos científicos sem que sejam desvalorizados ou desprezados os conceitos prévios dos estudantes. Assim, mesmo as atividades de caráter demonstrativo que visam principalmente à ilustração de diversos aspectos dos fenômenos estudados, podem contribuir para o aprendizado dos conceitos físicos abordados, na me-dida em que essa modalidade pode ser empregada através de procedimentos que vão des-de uma mera observação de fenômenos até a criação de situações que permitam uma par-ticipação mais ativa dos estudantes, incluindo a exploração dos seus conceitos alternati-vos de modo a haver maiores possibilidades de que venham a refletir e reestruturar esses conceitos. (ARAUJO E ABIB, 2003, p.190).

As habilidades básicas que os alunos devem ter para que possam aprender e compreender o en-sino de Ciências em geral e Física em particular e com isto aumentar a capacidade de ser um cidadão inserido numa sociedade globalizada são:

• A observação no sentido da investigação de forma organizada, permitindo que o aluno busque o conhecimento para explicar fenômenos, fatos e leis de forma racional.

• A aquisição de conceitos específicos que possa fornecer ao aluno informações científicas para que ele entenda o mundo físico que o cerca.

• A formação consciente proporciona ao aluno um novo comportamento em relação à preservação e conservação da vida, do meio ambiente e dos direitos e deveres para com a sociedade e natureza.

• O domínio de termos técnicos básicos para o uso de máquinas e equipamentos que as atividades profissionais estão exigindo cada vez mais.

• A capacidade de organizar e interpretar dados para chegar a uma conclusão coerente com o fato observado.

• O desenvolvimento do raciocínio lógico e coerente nos trabalhos científicos que possam favorecer a organização do pensamento e assim poder tomar possíveis decisões.

• A realização de experiências definindo as várias etapas da operação como identificação, procedimento, metodologia empregada e conclusão.

• O uso adequado de gráficos, palavras e símbolos que possam descrever fatos, fenômenos, objetos e ações no cotidiano do aluno.

Marques (1996) escreve em seu livro que

No contexto do ensino experimental em ciências, os aprendizados enriquecem a teoria e prática, e as realimentam, ambas, uma a outra, fazendo com que a prática não seja apenas descrita e narrada, mas compreendida e explicada, melhor organizando e aprofundando os saberes que nutre ao deles nutrir-se. Dá-se, a aprendizagem, nesses contextos de interação, pelo desenvolvimento das competências de relacionar, comparar, inferir, argumentar, me-diante uma reestruturação mais compreensiva, coerente e aberta às complexidades das arti-

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culações entre as idéias, os dados, os fatos, as percepções e os conceitos. (MARQUES, 1996, p.72).

3. METODOLOGIA

Método de ensino é o conjunto de momentos e técnicas logicamente coordenados, tendo como objetivo dirigir a aprendizagem do aluno de forma satisfatória. É o método que dá sentido de unidade a todos os passos do ensino e aprendizagem, transmitindo, assim, conhecimentos, atitudes e ideias aos estudantes.

Nessa perspectiva, desenvolvemos como metodologia de ensino, em um alboratório de ciências, a prática experimental. Nela, os aluno puderam ver a Física não só como um conteúdo teórico, mas tam-bém como uma coisa concreta, real, presente no cotidiano deles, que os rodeia em todos os momentos.

As atividades foram desenvolvidas através da pesquisa no livro-texto e experiência em cinemáti-ca divididas em 5 horas/aula em uma Escola Pública Estadual de Ensino Médio, localizada no bairro Henri-que Jorge, com 40 alunos do 1° ano do turno da noite, sendo cinemática o conteúdo das aulas e atividades práticas ministradas.

Na 1ª aula cada grupo, composto por 2 ou 3 componentes, pesquisou no livro-texto uma ou du-as palavras-chave colocadas no quadro-branco pelo docente, como: posição, referencial, distância percorrida, tempo, velocidade média, deslocamento, movimento uniforme e trajetória. A pesquisa e elaboração da síntese do assunto foi feita no intervalo de tempo de 45 minutos. Durante esse primeiro momento o professor orien-tou aos grupos como fazer a confecção das apresentações das sínteses e corrigiu alguns erros cometidos.

Na 2ª aula cada grupo apresentou a síntese elaborada por meio de cartaz, power-point ou quadro-branco. Os outros grupos foram estimulados a participarem da apresentação por meio de um deba-te/discussão feitos pelo professor e os próprios alunos.

Na 3ª aula os alunos responderam ao questionário 1.1, referente ao questionário pré-experiência, de problematização inicial que tem como objetivo avaliar a capacidade de reter e compreender os conheci-mentos próprios e adquiridos nas aulas anteriores um e dois.

(1) Um passageiro pergunta ao motorista do ônibus: que terminal vem aí? O motorista responde: Não é o terminal que vem. É o ônibus que vai. O terminal está em repouso. O motorista está certo ou errado? Justifique.

(2) Um estudante está no km 10 de uma BR. Isto significa que ele andou 10 km? Justifique.

(3) Um automóvel tem velocidade média igual a 80 km/h. Isto significa que o automóvel está o tempo todo com a velocidade de 80 km/h? Justifique.

(4) Um ônibus intermunicipal sai de Fortaleza (km 0), vai até Pacajus (km 50) e volta para Horizonte (km 40). Qual a distância percorrida e o deslocamento feito pelo ônibus nesse trajeto?

(5) Um atleta olímpico desenvolve a velocidade média de 10 m/s. Isto significa que ele percorre, em média, 10 metros em apenas 1 segundo. Isto é possível?

(6) Você já ouviu falar de algum atleta que possui uma velocidade média igual ou maior que 10 m/s?

Após a entrega do questionário respondido, houve um debate/discussão entre o professor e os grupos sobre as respostas dadas e suas justificativas.

Na 4ª aula foi realizada a experiência no laboratório de Ciências com parte do material trazido pelos próprios alunos. 1) Material utilizado: - tubo de vidro - régua - bola de gude - cronômetro (celular) - óleo de cozinha. - fita adesiva.

Os grupos de alunos montaram a experiência e a realizaram a partir do roteiro dado com a me-diação e orientação do professor.

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2) Procedimentos:

O grupo encheu o tubo de vidro com óleo de cozinha e fixou uma régua ao tubo com a fita ade-siva. Em seguida, colocou o tubo na posição vertical e abandonou a bola de gude, velocidade inicial nula, na superfície do óleo. A bola de gude desceu lentamente ao longo do tubo. O grupo mediu o tempo, através do cronômetro, de descida da bola em três posições diferentes: 15 cm, 30 cm e 45 cm. Ele organizou os valores obtidos de tempo (t) e de posição(s) em uma tabela.

Na 5ª aula, após a observação, análise e interpretação dos dados obtidos pela experimentação, os alunos responderam ao questionário 1.2, referente ao questionário pós-experiência, que está logo abaixo:

1) No movimento uniforme, o caminho percorrido pelo objeto é proporcional ao intervalo de tempo gasto para percorrê-lo?

2) Se um motorista deseja medir o consumo de gasolina de seu carro, em qual dos conceitos ele deve se basear: deslocamento ou distância percorrida?

3) Um homem caminha com velocidade VH=3,6km/h, uma ave com velocidade VA=30m/min e um inseto com VI=60cm/s. Qual o mais rápido?

4) Enquanto o professor escreve na lousa: o giz está em _______ em relação à lousa; a lousa está em _____ em relação ao chão; a lousa está em _______ em relação ao giz. Assinale a opção que preen-che corretamente as lacunas acima. Usando as palavras “repouso” e “movimento”, preencha as lacu-nas acima.

5) O gráfico a seguir ilustra a posição s, em função do tempo t, de uma pessoa caminhando em linha re-ta durante 400 segundos. No instante t = 250 s, a pessoa está em repouso ou em movimento?

6) Dê um exemplo de um Movimento Uniforme que você observa no seu cotidiano.

Em seguida ao questionário 1.2 respondido o professor trabalhou os conteúdos relacionados com as aulas anteriores procurando mostrar os conceitos e equações da Física envolvidos na experiência. Ele mostrou como foi a organização, a interpretação dos dados, o uso de símbolos, unidades e a coerência entre a prática feita e as respostas dadas aos questionários.

4. RESULTADOS

As atividades foram trabalhadas em duas turmas de 1º Ano do Ensino Médio, a turma controle, denominada turma CT e a turma avaliada, chamada AV. As unidades explanadas para as duas turmas são as mesmas, porém na turma AV é feita as atividades experimentais, o que não é feito na turma CT. Os questio-nários respondidos são os mesmos.

A unidade foi trabalhada em 5 aulas de 45 minutos no decorrer do 1º bimestre do ano de 2011. Vinte e oito alunos da turma controle CT responderam ao questionário 1.1 e 34 alunos da turma avaliada AV responderam ao mesmo questionário. O questionário 1.2 foi respondido por 31 alunos da turma CT e por 30 alunos da turma AV.

Observa-se que a presença dos alunos não é constante, apesar das 2 turmas terem cerca de 40 a-lunos matriculados, cada uma, no entanto, em média, freqüentam apenas 30 alunos por turma. Devido a esta dificuldade muitas vezes tem-se um resultado não condizente com aquilo que se esperava, por exemplo, al-guns alunos assistiram a aula 1 e não assistiram as aulas 2 e 3, responderam ao questionário 1.1 e não respon-deram ao questionário 1.2 ou vice-versa.

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Tabela 1 – Respostas à questão 1 do questionário 1.1: Um passageiro pergunta ao motorista do ônibus: que terminal vem aí? O motorista responde: Não é o terminal que vem. É o ônibus que vai. O terminal está em repouso. O motorista está certo ou errado? Justifique

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Certo 16 57,14 % 20 58,82 % Errado 12 42,86 % 14 41,18 %

A maioria dos alunos respondeu que o motorista estava certo em afirmar que o terminal está em repouso e o ônibus, em movimento, esquecendo, assim, o conceito de referencial. Alguns alunos justificaram que o terminal está em repouso em relação à Terra e também em relação ao ônibus e que o ônibus está em movimento em relação à Terra e em relação ao terminal. Poucos justificaram corretamente ao relatarem que o ônibus está em movimento em relação ao terminal e este, em movimento em relação ao ônibus.

Tabela 2 – Respostas à questão 2 do questionário 1.1: Um estudante está no km 10 de uma BR. Isto significa que ele andou 10 km? Justifique.

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Sim 4 14,3 % 7 20,6 % Não 24 85,7 % 27 79,4 %

Atreves das justificativas se percebe que a maioria dos alunos compreenderam a diferença entre posição e espaço percorrido, pois muitos justificaram que o estudante estando no km 10 da BR não significa que ele caminhou 10 km, mas pode residir naquele local.

Tabela 3 – Respostas à questão 3 do questionário 1.1: Um automóvel tem velocidade média igual a 80 km/h. Isto signifi-ca que o automóvel está o tempo todo com a velocidade de 80 km/h? Justifique.

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Sim 3 10,7 % 2 5,9 % Não 25 89,3 % 32 94,1 %

A maioria dos alunos respondeu que o automóvel com velocidade média de 80 km/h não signi-fica que ele está o tempo todo a esta velocidade, mas que ele gastou 1 h para percorrer 80 km, independente das várias velocidades desenvolvidas durante o percurso.

Tabela 4 – Respostas à questão 4 do questionário 1.1: Um ônibus intermunicipal sai de Fortaleza (km 0), vai até Pacajus (km 50) e volta para Horizonte (km 40). Qual a distância percorrida e o deslocamento feito pelo ônibus nesse trajeto?

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Distância per-corrida

18 – 60km 7 – 50km 3 – 40km

64,3 % 25,0 % 10,7 %

25 – 60km 4 – 50km 5 – 40km

73,5 % 11,8 % 14,7 %

Deslocamento 15 – 60km 13 – 40km

53,6 % 46,4 %

15 – 60km 1 – 50km 18 – 40km

44,1 % 2,9 % 53 %

A maioria dos alunos, 64,3% da turma CT e 73,5% da turma AV, acertaram a resposta sobre a distância percorrida pelo ônibus no trajeto entre Fortaleza, Pacajus e Horizonte, porém os alunos da turma CT não entenderam a diferença entre distância percorrida e deslocamento, a maioria considera estes concei-tos como sendo iguais. Entretanto, a turma AV, 53% de seus alunos acertaram a resposta sobre deslocamen-to,o que demonstra que eles compreenderam a definição de deslocamento e distância.

Tabela 5 – Respostas à questão 5 do questionário 1.1: Um atleta olímpico desenvolve a velocidade média de 10 m/s. Isto significa que ele percorre, em média, 10 metros em apenas 1 segundo. Isto é possível?

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Sim 10 35,7 % 13 38,2 % Não 18 64,3 % 21 61,8 %

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Em torno de 60 % dos alunos das 2 turmas responderam que não é possível uma pessoa percor-rer 10 metros em apenas 1 segundo. Foi questionado com eles o porque dessa respostas e alguns responde-ram que isso é só teoria, na prática não acontece. Ao final do debate foi pedido para eles pesquisarem em livros, Internet, sobre o tempo que o recordista mundial dos 100 m rasos fez nas últimas olimpíadas e calcula-rem a velocidade média dele.

Tabela 6 – Respostas à questão 6 do questionário 1.1: Você já ouviu falar de algum atleta que possui uma velocidade média igual ou maior que 10 m/s?

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Sim 5 17,9 % 11 32,4 % Não 23 82,1 % 23 67,6 %

A grande maioria da turma CT não ouviu falar em algum atleta que desenvolva uma velocidade média igual ou superior a 10 m/s, porém muitos desses alunos relataram que o tempo que os atletas gastam para correr os 100 m rasos é mais ou menos 10 s. Percebe-se que eles sabem a distância e o tempo, mas não se preocupam em fazer uma divisão, bastante simples, entre o espaço percorrido e o tempo gasto para per-corrê-lo, encontrando, assim, a velocidade média.

Tabela 7 – Respostas à questão 1 do questionário 1.2: No movimento uniforme, o caminho percorrido pelo objeto é proporcional ao intervalo de tempo gasto para percorrê-lo?

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Sim 26 83,9 % 28 93,3 % Não 5 16,1 % 2 6,7 %

Observa-se que a grande maioria, tanto na turma CT como na turma AV compreenderam o con-ceito de movimento uniforme. Conversando com alguns alunos que responderam de forma incorreta, eles disseram que não sabiam o que significava a palavra proporcional.

Tabela 8 – Respostas à questão 2 do questionário 1.2: Se um motorista deseja medir o consumo de gasolina de seu carro, em qual dos conceitos ele deve se basear: deslocamento ou distância percorrida?

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Deslocamento 23 74,2 % 26 86,7 % Distância 8 25,8 % 4 13,3 %

Ainda persiste a confusão que alguns alunos fazem em relação aos conceitos de deslocamento e distância percorrida, porém a maioria dos alunos entenderam a diferença entre esses dois conceitos, embora os resultados da tabela 4 mostrassem que os alunos confundem esses dois conceitos.

Tabela 9 – Respostas à questão 3 do questionário 1.2: Um homem caminha com velocidade VH=3,6km/h, uma ave com velocidade VA=30m/min e um inseto com VI=60cm/s. Qual o mais rápido?

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem VH VA VI

9 11 11

29 % 35,5 % 35,5 %

16 9 5

53,3 % 30 % 16,7 %

Observa-se que a turma avaliada AV teve uma maior compreensão que as velocidades estão em unidades diferentes e precisam ser colocadas em uma só unidade para que se possa fazer a comparação. A-credito que ao fazer a experiência onde a distância estava em centímetro e os alunos tiveram que transformar para metro, isso fez com que eles entendessem melhor a necessidade da transformação de unidades. A turma controle não compreendeu a diferença entre as unidades e respondeu de forma incorreta a questão proposta.

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Tabela 10 – Respostas à questão 4 do questionário 1.2: Enquanto o professor escreve na lousa: o giz está em ____________em relação à lousa; a lousa está em _____________ em relação ao chão; a lousa está em ____________ em relação ao giz. Usando as palavras “repouso” e “movimento”, preencha as lacunas acima.

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Correta Parcialmente correta Incorreta

18 13 0

58,1 % 41,9 % 0 %

26 4 0

86,7 % 13,3 % 0 %

Nenhum aluno preencheu as 3 lacunas totalmente incorretas. A grande maioria da turma AV respondeu corretamente as 3 lacunas, porém a turma CT, apesar da maioria absoluta ter respondido correta-mente as 3 lacunas, um grande número de seus alunos ainda não compreendeu que repouso e movimento dependem do referencial adotado.

Tabela 11 – Respostas à questão 5 do questionário 1.2: O gráfico a seguir ilustra a posição s, em função do tempo t, de uma pessoa caminhando em linha reta durante 400 segundos. No instante t = 250 s, a velocidade da pessoa é nula, 2 m/s, 0,5 m/s ou outro valor?

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Nula 2 m/s 0,5 m/s Outro valor

14 8 5 4

45,2 % 25,8 % 16,1 % 12,9 %

20 3 6 1

66,7 % 10 % 20 % 3,3 %

Um total de 20 da turma AV acertaram a resposta da questão proposta, o que demonstra que a maioria analisou o gráfico corretamente. Entretanto, a turma CT não teve o mesmo desempenho da outra turma e menos da metade acertou a resposta, mas o que chama atenção são os erros de matemática que eles cometeram durante a resolução da questão, alguns ainda não sabem diferenciar o que é espaço e o que é tem-po, pois dividem tempo por espaço para chegar ao resultado de velocidade.

Tabela 12 – Respostas à questão 6 do questionário 1.2: Dê um exemplo de um Movimento Uniforme que você observa no seu cotidiano.

Respostas Turma CT Porcentagem Turma AV Porcentagem Elevador Escada rolante Ponteiros do relógio Outras

6 13 8 4

19,4 % 41,9 % 25,8 % 12,9 %

12 7 9 2

40 % 23,3 % 30 % 6,7 %

Todos os alunos deram exemplos adequados sobre o movimento uniforme. Na turma AV o total de 12 alunos deram exemplo de um movimento uniforme como sendo de um elevador subindo ou descendo e na turma CT, 13 alunos afirmaram que o movimento de uma escada rolante era um movimento uniforme. Apesar dos alunos não terem visto movimento circular, 17 deles responderam que o movimento dos pontei-ros do relógio é uniforme. Outras respostas foram dadas como: o movimento do paraquedista depois que o paraquedas se abre, o relógio de pêndulo e uma tartaruga caminhando.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As aulas de Física devem ser planejadas de tal forma que possa existir uma interação entre teoria e prática, possibilitando que o aluno construa seu próprio conhecimento a partir das informações e experiên-cias vividas em sala de aula. O aluno que compreende as definições, conceitos e leis da Física e as contextuali-za com a sua realidade torna-se um aluno participativo, crítico e observador das relações entre o seu dia-a-dia e as aulas de Física na escola.

As atividades experimentais desenvolvidas na turma avaliada, AV, permitiram uma maior partici-pação dos alunos provocando uma discussão sobre os procedimentos e materiais utilizados. Os alunos, em geral, aprenderam a utilizar os equipamentos e instrumentos de medidas adequadamente, pois alguns deles não sabiam usar um simples cronômetro ou um transferidor. Conseguiram, também, aprender a transformar o centímetro para o metro e vice-versa.

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Conforme os resultados apresentados pela turma avaliada, AV, a prática experimental, durante as aulas de Física, produziu uma melhor compreensão dos conceitos e definições da Física e, conseqüentemente, um melhor desempenho desta referida turma.

A construção do conhecimento, a discussão dos procedimentos, a observação e a análise dos ex-perimentos realizados pelos alunos da turma AV foram fundamentais para a compreensão e aprendizagem dos assuntos trabalhados.

Por fim, é importante que o professor tenha um projeto pedagógico que introduza nas aulas de Física a prática experimental, mas que possa, também, se preocupar com os fenômenos, leis, conceitos e defi-nições que fazem parte da Física teórica. O fundamental é que a Física teórica e a prática experimental sejam desenvolvidas conjuntamente e harmoniosamente, buscando um só objetivo: a efetiva aprendizagem do alu-no.

7. REFERÊNCIAS

ARAÚJO, M.S.T.; ABIB, M.L.V.S. Atividades Experimentais no Ensino de Física: Diferentes Enfoques, Diferen-tes Finalidades. Revista Brasileira de Ensino de Física, vol. 25, no. 2, Junho,2003.

DELIZOICOV, Demétrio; ANGOTTI, José André Peres. Metodologia do Ensino de Ciências. São Paulo: Cor-tez,1990. - (Coleção Magistério. 2º grau. Série Formação do Professor.)

DOCA, Ricardo Helou; BISCUOLA, Gualter José; BOAS, Newton Villas. Física, 1. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GASPAR, Alberto. Experiências de Ciências Para o Ensino Fundamental. São Paulo: Ed. Ática, 2005.

MARQUES, Mário O. Educação/Interlocução; Aprendizagem/Reconstrução de Saberes. Rio Grande do Sul: UNIJUI, 1996.

RAMALHO Junior, Francisco; FERRARO, Nicolau Gilberto; TOLEDO, Paulo Antonio. Os Fundamentos da Física, vol 1. 10ª ed. São Paulo: Moderna, 2009.

RESNICK, Robert; HALLIDAY, David; KRANE, Kenneth S. Física I. 4ª ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora, 1996.

TORRES, Carlos Magno A; FERRARO, Nicolau Gilberto; SOARES, Paulo Antonio de Toledo. Física – Ciência e Tecnologia : vol.1. 2ª ed. São Paulo: Moderna, 2010.

Enviado para publicação: 14/12/2011

Aceito para publicação: 20/01/2012

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9. O USO DO SOFTWARE GEOGEBRA COMO FERRAMENTA PARA O ENSINO DE FUNÇÕES TRIGONOMÉTRICAS

THE USE OF GEOGEBRA SOFTWARE AS A TOOL FOR TEACH-

ING TRIGONOMETRIC FUNCTIONS

Mário Wedney de Lima Moreira1

José Rogério Santana

2

Resumo. Este artigo aborda o uso de um software educacional de geometria dinâmica para introduzir o conceito de função por meio da compreensão do significado das variáveis depen-dentes e independentes e do relacionamento entre elas. Tem também como objetivo tornar o ensino de trigonometria mais significativo, através da visualização no computador da influência da mudança de parâmetros em gráficos de funções trigonométricas. As atividades propostas tiveram por objetivos específicos estudar os alguns aspectos das funções trigonométricas através da sua visualização no computador. Estas atividades foram elaboradas para serem trabalhadas em laboratório de informática, onde o debate entre os estudantes é uma das principais estraté-gias pedagógicas aqui utilizadas. Estas atividades são, de forma geral, estruturadas da seguinte forma: construção de gráficos de funções em uma mesma tela, comparação dos gráficos obtidos e tirada de conclusões pelos estudantes com a orientação do professor. A função seno foi empre-gada como exemplo, mas uma abordagem pode ser desenvolvida de forma análoga para as de-mais funções trigonométricas. Palavras-chave. Ensino de matemática – Software educacional – Funções trigonométricas Abstract. This article discusses the use of an educational dynamic geometry software to intro-duce the concept of function through understanding the meaning of dependent and independent variables and the relationship between them. Also aims to make the most significant teaching trigonometry, by viewing the computer from the influence of parameter changes on graphs of trigonometric functions. The proposed activities have specific goals for studying some aspects of the trigonometric functions by their display on the computer. These activities are designed to be worked in the computer lab, where the debate among students is one of the main teaching strat-egies used here. These activities are, in general, structured as follows: construction of graphs of functions on one screen, comparison of the figures obtained and conclusions drawn by the stu-dents with the guidance of the teacher. The sine function was used as an example, but an ap-proach can be developed similarly for the other trigonometric functions. Keywords. Teaching math – Educational software – Trigonometric functions

1 Mestrando em Ensino de Ciências e Matemática (UFC), professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – campus Aracati. E-mail: [email protected] 2 Doutor em Educação (UFC), professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) – campus Fortaleza. E-mail: [email protected]

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Considerações iniciais

Uma aprendizagem de forma significativa somente ocorre quando o estudante possibilita a interação de um novo conteúdo com sua estrutura cognitiva e, nesse processo, esse conteúdo adquire significado. En-tretanto, esta incorporação pode não ocorrer ou acontecer em um numero menor de interações. Neste caso podemos denominar essa aprendizagem de mecânica, uma vez que o novo conteúdo passa a ser armazenado isoladamente ou por meio de associações arbitrárias na estrutura cognitiva (AUSUBEL, 1978).

Ausubel destaca que o processo de aprendizagem significativa é o mais importante na aprendizagem escolar (MOREIRA, 1983). Uma das condições para que ocorra esta aprendizagem é que o conteúdo ensina-do seja relacionado com a estrutura cognitiva do estudante. Isso significa que o material utilizado deve ser potencialmente significativo e organizado de forma lógica, possibilitando ao estudante interagir com o novo conhecimento de modo substancial e não-arbitrário com conceitos relevantes em sua estrutura cognitiva. Carvalho e Gil-Pérez (2001) nos dizem que:

O essencial, entretanto, é que os estudantes adquiram uma primeira concepção da tarefa a re-alizar, tarefa esta que deve ser colocada funcionalmente, ou seja, como tratamento de situa-ções problemáticas de interesse; situações que se liguem ao fio condutor estabelecido para o conjunto das disciplinas que proporcionem sentido ao trabalho a ser feito. Adquirindo assim o caráter estruturante da tarefa. (CARVALHO e GIL-PÉREZ, 2001, p. 43).

Para que o estudante possa aprender significativamente o conteúdo a ser trabalhado, é necessário ha-ver em sua estrutura cognitiva um conjunto de conceitos relevantes que possibilitem a sua conexão com a nova informação a ser aprendida. O conjunto destes conceitos básicos é denominado subsunçor, que pode-mos definir, portanto, como um conceito, idéia, ou proposição já existente na estrutura cognitiva do estudan-te, capaz de servir de “ancoradouro” para uma nova informação de modo que ela adquira assim um significa-do para o indivíduo (MOREIRA, 1983).

A importância da informática educativa

Almeida (2000, p. 79) refere-se ao computador como uma máquina que possibilita testar idéias ou hi-

póteses, que levam à criação de um mundo abstrato e simbólico, ao mesmo tempo em que permite introduzir diferentes formas de atuação e interação entre as pessoas.

O uso do computador busca dinamizar a educação, como auxílio de professores e estudantes para uma aprendizagem mais consistente, não perdendo de vista que o computador deve ser utilizado de forma adequada e significativa.

Valente (1993, p. 16) esclarece que na educação de forma geral, a informática tem sido utilizada tanto para ensinar sobre computação, como para ensinar praticamente qualquer assunto por intermédio do compu-tador.

Segundo a definição de Santana (2006, p.307) a informática educativa é o uso dos recursos computa-cionais como ferramenta de apoio ao ensino-aprendizagem por parte dos professores com respeito aos seus estudantes para o de disciplinas escolares.

A informática educativa se caracteriza pelo uso da informática como suporte ao professor, como um instrumento a mais em sua sala de aula, no qual o professor possa utilizar esses recursos colocados a sua dis-posição. O computador é explorado pelo professor em sua potencialidade e capacidade, tornando possível simular, praticar ou vivenciar situações, podendo até sugerir conjecturas abstratas, fundamentais a compreen-são de um conhecimento ou modelo de conhecimento que se está construindo. (BORGES, 1999, p. 136).

A informática na educação privilegia a utilização do computador como a ferramenta pedagógica que auxilia no processo de construção do conhecimento. Neste momento, o computador é um meio e não um fim, devendo ser usado considerando o desenvolvimento dos componentes curriculares. Nesse sentido, o computador transforma-se em um poderoso recurso de suporte à aprendizagem, com inúmeras possibilidades pedagógicas, desde que haja uma reformulação no currículo, que se crie novos modelos metodológicos e didáticos, e principalmente que se repense qual o verdadeiro significado da aprendizagem.

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Segundo Valente:

Para a implantação dos recursos tecnológicos de forma eficaz na educação são necessá-rios quatro ingredientes básicos: o computador, o software educativo, o professor capa-citado para usar o computador como meio educacional e o aluno. (VALENTE, 1993, p. 1).

O autor acentua que:

O computador não é mais o instrumento que ensina o aprendiz, mas a ferramenta com a qual o aluno desenvolve algo e, portanto, o aprendizado ocorre pelo fato de estar exe-cutando uma tarefa por intermédio do computador. (VALENTE, 1993, p. 13).

Quando o estudante utiliza o software educativo, decidindo o que melhor solucionaria seu problema,

torna-se um sujeito ativo de sua aprendizagem O computador ao ser manipulado pelo indivíduo permite a construção e reconstrução do conhecimento, tornando a aprendizagem uma descoberta.

A verdadeira função desta ferramenta educacional não deve ser a de ensinar, mas sim, criar condições de aprendizagem. Isso significa que o professor precisa deixar de ser o centro no processo de ensino-aprendizagem, devendo passar a ser o idealizador de ambientes de aprendizagem e facilitador do processo de desenvolvimento intelectual do aluno. (VALENTE, 1993, p. 6).

A chegada das novas tecnologias de informação e comunicação na escola provoca uma mudança de concepções. A informática educativa nos oferece diversos recursos que, se bem aproveitados, nos dão supor-te para o desenvolvimento de diversas atividades com os estudantes. As TIC colocam o professor como me-diador de processos que são conduzidos pelo próprio estudante.

A adoção das TIC em sala de aula traz para os estudantes muitos caminhos a percorrer e para isso é preciso a presença de um mediador deste processo, pois é o professor quem vai dinamizar todo este novo processo de ensino-aprendizagem por intermédio dessa ferramenta, explorando-a ao máximo com criativida-de, conseguindo o intuito maior da informática educativa: mudança, dinamização e envolvimento por parte do estudante na aprendizagem.

O professor não é mais a única fonte de informação, o transmissor do conhecimento, aquele que en-sina, mas aquele que faz aprender, tornando-se um mediador entre o conhecimento e a realidade, um especia-lista no processo de aprendizagem, em prol de uma educação que priorize não apenas o domínio dos conteú-dos, mas o desenvolvimento de habilidades, competências, inteligências, atitudes e valores.

A utilização das TIC no ambiente escolar contribui para essa mudança de paradigmas, sobretudo, pa-ra o aumento da motivação em aprender, pois as ferramentas de informática exercem um fascínio em nossos estudantes. Se a tecnologia for utilizada de forma adequada, tem muito a nos oferecer, a aprendizagem se tornará mais fácil e prazerosa, pois as possibilidades de uso do computador como ferramenta educacional está crescendo e os limites dessa expansão são desconhecidos (VALENTE, 1993, p. 1).

O grande desafio está em trazer essa nova realidade para dentro da sala de aula, o que implica em mudar, de maneira significativa, o processo educacional como um todo.

Obstáculos epistemológicos do conceito de função

Entendemos que seja indispensável o estudo da Matemática em diversas áreas do conhecimento hu-mano. A matemática é de fato indispensável à formação do individuo, pois além de estar presente no seu cotidiano, expressa uma linguagem do pensamento humano.

O educador deve buscar alternativas para tornar o ensino matemático significativo, buscando tam-bém abordar o ensino da matemática a partir do desenvolvimento da realidade a qual o estudante está inseri-do.

O ensino da Matemática se mostra hoje limitado, tornando-se um exercício repetitivo e sem sentido para a solução de problemas, o que desenvolve o raciocínio abstrato e a capacidade formal, mas não conduz a uma concepção mais profunda dos conceitos matemáticos pelos estudantes.

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Muitos professores já tiveram a experiência de serem questionados sobre qual é a importância da Ma-temática. A justificativa do ensino da Matemática dada aos estudantes muitas vezes se resume na importância para a sua aplicação em exercícios ou para o desenvolvimento do raciocínio que abrangem apenas formas quantitativas da realidade (ÁVILA, 2007).

Esse questionamento se deve ao fato de como a matemática tem sido trabalhada, com o propósito de resolver problemas de forma repetitiva, onde os estudantes não têm uma devida compreensão dos conceitos indispensáveis para uma aprendizagem de forma significativa.

A Matemática em seus aspectos criativos depende mais da intuição do que da dedução. Ávila (2007) nos diz que o pensamento matemático não se pode resumir exclusivamente a aspectos lógicos e dedutivos, mas deve abranger métodos de descoberta e criação de conceitos.

Para o autor a intuição é a faculdade que permite obter o conhecimento de uma forma direta. De forma frequente, muitos se referem a algum fato “intuitivo” querendo dizer que se aborda algo cuja verdade é facilmente perceptível. Mas é bom lembrar que “intuitivo” não é sinônimo de “fácil”. Há muitas verdades difíceis de serem alcançadas que são percebidas pela intuição. (ÁVILA, 2007, p. 4).

O conceito de função se encontra em grande parte do currículo de matemática e muitos matemáticos veem sua principal utilidade e como princípio central para a organização curricular de cursos de nível básico em matemática. Este conceito é um bastante útil para o desenvolvimento de artigos científicos e produção acadêmica em matemática. Enfim, é inquestionável que quanto antes o estudante tenha contato com o con-ceito de função, será melhor para sua formação matemática.

O ensino de Funções é um dos componentes do currículo que acompanha os estudantes desde o En-sino Fundamental, onde as funções são abordadas de forma intuitiva e algumas constatações são feitas através de observações de metodologias e experimentações, onde seu universo de estudo é expandido durante todo o Ensino Médio. No currículo de Matemática do Ensino Médio o estudante utiliza seus conhecimentos sobre equações, teoremas e fórmulas que verificam a validade dos resultados, por meio de deduções formais, consti-tuindo-se como ferramenta fundamental para os estudantes que ingressam no Ensino Superior.

As orientações dos parâmetros do Ensino Médio mencionam o conceito de função como um impor-tante instrumento para descrever o comportamento de certos fenômenos do cotidiano e de outras áreas do conhecimento. Os PCNEM nos dizem que além das conexões do próprio currículo de Matemática, um papel fundamental é desempenhado pelo conceito de função para descrever o comportamento de certos fenôme-nos através da leitura, interpretação e construção de gráficos (BRASIL/MEC, Matemática, 1999, p. 42).

A informática educativa como ferramenta para o ensino de funções trigonométricas

Duval (1999) nos diz que a aprendizagem em matemática constitui um campo de estudo diferenciado para a análise de atividades. Tais atividades demandam a utilização de sistemas de expressão e de representa-ção além das imagens e da linguagem natural, como gráficos, tabelas e fórmulas algébricas, etc.

Como professor do Ensino Médio, percebemos a existência de muitas dificuldades no ensino e tam-bém na aprendizagem do conceito de função. Grande parte dos estudantes afirma não ter quase nenhum conhecimento na compreensão de gráficos e em sua aprendizagem. As suas experiências prévias sobre esse conceito ficam evidentes nas dificuldades que os estudantes apresentam em sala de aula.

Desta forma, buscamos elaborar uma sequência didática que proponha situações-problema que bus-quem a coordenar os registros de representação de um objeto matemático que possibilitem a análise da a-prendizagem do nosso objeto de estudo, propiciando atividades que contemplem a coordenação de diversos registros de representação segundo a Teoria de Duval (2003).

Utilizamos o GeoGebra, que é um software de geometria dinâmica, para fortalecer nossa metodolo-gia didático-pedagógica de ensino, fazendo uso de tecnologias de forma articulada com objetivos previamente estabelecidos de forma que o estudante desenvolva sua observação, levantando hipóteses, generalizando e abstraindo. Tais processos são importantes para desenvolver o pensamento matemático.

Os softwares de geometria dinâmica são softwares educativos que utilizam a estrutura de programa-ção da geometria computacional para representar os elementos de construção da geometria euclidiana e des-critiva em calculadoras e computadores.

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Estes ambientes são ferramentas informáticas que oferecem régua e compasso virtuais, permitindo a construção de objetos geométricos a partir das propriedades que os definem. (GRAVINA, 2001, p 82).

Pretendemos discutir uma forma viável a implementação de uma sequência de ensino, fundamenta-dos pelo uso de ferramentas pedagógicas no sentido de colocar em destaque o aprendizado do estudante. Queremos verificar em que medida esta sequência de ensino nos mostra o aprendizado do estudante e como se deu esse processo, quando fazemos uso de recursos tecnológicos.

As atividades propostas foram trabalhadas em duas aulas no laboratório de informática. Estas ativi-dades foram elaboradas para o trabalho em grupo, não sendo recomendadas que estas sejam desenvolvidas individualmente, pois o debate entre os estudantes é uma das principais estratégias pedagógicas utilizadas.

As atividades são, de forma geral, estruturadas da seguinte forma:

a) construção de gráficos de funções em uma mesma tela; b) comparação dos gráficos obtidos; c) conclusões dos estudantes orientados pelo professor.

O professor atuou como um mediador das atividades, estimulando os estudantes para que tirassem suas próprias conclusões. Sempre que julgou necessário, interveio no trabalho dos grupos com sugestões, de forma a orientar os estudantes na construção de suas conclusões. O professor trouxe as conclusões elabora-das para o debate entre os grupos, estimulando que a turma compare os diferentes resultados obtidos pelos grupos. O professor avaliou junto com os estudantes os resultados observados nas experiências com o com-putador e teceu comentários sobre todas as propriedades observadas.

É de fundamental importância que as conclusões das atividades não se resumam, em hipótese alguma à simples visualização dos gráficos na tela do computador. Assim, cada uma das respostas das atividades foi correlacionada com a compreensão das propriedades da função seno com base no círculo trigonométrico. O professor teve cuidado e chamou a atenção dos estudantes para o fato de que a verificação da validade das propriedades não pode ser feita com base na visualização dos gráficos da tela, mas sim na definição das fun-ções trigonométricas (feita, em geral, através de sua construção no círculo trigonométrico). A visualização no computador serve para dar uma nova interpretação para essas propriedades, caso do estudante já seja familiar com elas, ou, caso contrário, fornecer uma intuição geométrica para a posterior verificação.

O primeiro passo foi mostrar aos estudantes a maneira de proceder para a construção de gráficos de funções. Os estudantes seguiram os seguintes passos:

Passo 1: Inicie o aplicativo GeoGebra.

Foi comentado com os estudantes que na barra de botões, temos diversas ferramentas que podem ser utilizadas. Em todos os botões aparece uma seta no canto inferior direito, que ao ser clicada, permite visuali-zar as opções existentes.

Passo 2: Exibir malhas.

No menu “Exibir”, selecione a opção “Malha”.

Passo 3: Trocar as unidades de medidas o eixo x para radianos.

Na área de trabalho, clique com o mouse com botão da direita e será mostrada o menu “Janela de Vi-sualização”. Em “Unidades”, selecione a opção “π”. Em seguida, marque a opção “Distância” selecionando, logo após, a opção “π/2”.

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Passo 4: Criar o gráfico da função.

Na parte de baixo do aplicativo, existe uma caixa de texto destinada à entrada de dados e de fórmu-las, digite: f(x)=sin(x).

Fig. 1 – Gráfico da função seno - Construção própria

Observe que no lado esquerdo da tela aparece uma lista de objetos dependentes. Neste caso temos um objeto livre. Podemos alterar este objeto, basta dar dois cliques com o mouse em cima do objeto e alterá-lo ou dar um clique com o botão da direita do mouse e será mostrado o menu “Função f” e selecione a opção propriedades. Será mostrada a tela de configuração onde se pode alterar a definição da função, bem com ou-tras características, como cor, espessura e estilo da linha do gráfico, dentre outras.

Alterando para f(x)=sin(x) + 2, teremos na tela o gráfico mostrado abaixo. Depois de mostrar aos es-tudantes esta possibilidade, foi comentado com eles que podemos montar qualquer tipo de gráfico, bem co-mo das outras funções trigonométricas.

Foi pedido a eles que elaborassem um novo gráfico, como g(x)=cos(x), alterando as propriedades de cor para uma melhor visualização.

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Fig. 2 – Gráfico da função seno e função cosseno - Construção própria

Aproveitamos este momento para dar um tempo aos estudantes para que eles experimentem a cria-ção dos diversos tipos de gráficos f(x) = a * sin(b + c*x) e g(x) = a * cos(b + c*x) onde a, b e c são constantes arbitrárias. Foram feitos logo após os seguintes questionamentos:

a) O que acontece quando aumentamos os valores de “c”? E quando diminuímos?

b) E com os valores de “b”?

c) E com os valores de “a”?

d) Dentro de qual intervalo os valores de f(x) começa a se repetir? Qual é o nome dado a este intervalo.

e) O intervalo do maior e o menor valor que f(x) pode assumir é chamado de amplitude da função. Qual é o conjunto relacionado à amplitude?

f) Quais são os intervalos de x em que os valores de f(x) são positivos? E negativos? E iguais a zero?

Eles observaram que:

Quando alteramos o valor de “a”, com relação à operação de soma, o gráfico sofre uma translação de |a| unidades, no eixo y, em relação ao gráfico original, da seguinte forma:

Se a > 0, a translação é para cima;

Se a < 0, a translação é para baixo.

Quando alteramos o valor de “a”, com relação à operação de multiplicação, o gráfico sofre uma alte-ração na sua amplitude.

Quando alteramos o valor de “b” o gráfico sofre uma translação de |b| unidades, no eixo x, em rela-ção ao gráfico original, da seguinte forma:

Se b > 0, a translação é para a esquerda;

Se b < 0, a translação é para a direita.

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Quando alteramos o valor de “c” o gráfico sofre uma alteração no período em relação ao gráfico ori-ginal, da seguinte forma:

Se c > 0, o período diminui;

Se c < 0, o período aumenta.

O intervalo em que os intervalos se repetem chama-se período.

O conjunto relacionado à amplitude é o conjunto imagem da função.

Foi solicitado aos estudantes que retornassem a função f(x)=sin(x). Mostrando de uma maneira mais concreta os pontos:

a) Sinal da função

b) Variação da função

c) Conjunto imagem

Passo 5: Criar um seletor.

Selecione a ferramenta “Controle Deslizante” e clique em um local na área de trabalho. Será mostra-da a janela de propriedades do seletor. Selecione a opção “Ângulos” e em seguida clique em “Aplicar”. Note que para o seletor foi definida a letra grega “α”.

Passo 6: Criar um ponto dependente.

No segundo botão da barra de botões, selecione a ferramenta “Novo ponto” e clique na intersecção dos eixos x e y. Existe outra forma de criar o ponto A. Na parte de baixo do aplicativo, existe uma caixa de texto destinada a entrada de dados e de fórmulas, basta digitar: A=(0,0), mas o ponto que iremos criar será dependente do ângulo definido no seletor. Digite: A=(α,f(α)). Para digitar o símbolo “α”, recorra ao botão no final da linha de entrada de dados. Para alterar o valor de “α”, clique e segure o mouse no ponto indicado no seletor e o movimente na horizontal.

Fig. 3 – Ponto dependente pertencente ao gráfico da função seno - Construção própria

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Foi solicitado aos estudantes que observassem os valores da abscissa e da ordenada do ponto A loca-

lizado na tela de objetos dependentes. E feitos os seguintes questionamentos:

a) Qual é o intervalo em que a função apresenta valores de f(x) crescentes? E decrescentes? A quais

quadrantes estes intervalos correspondem?

b) Qual é o intervalo que representa o período da função? Ou quando os valores de f(x) começam a

repetir?

Foi analisada a amplitude da função, ou seja, o conjunto imagem da função.

Passo 7: Criar um ponto dependente.

Digite: B=(0,f(α)). Foi colocado aos estudantes que o conjunto imagem está relacionado ao eixo y,

onde o valor da abscissa é zero. Clique e segure o mouse no ponto indicado no seletor e o movimente na

horizontal. Neste momento, podemos destacar bem o intervalo da imagem, selecionando o ponto B com o

botão direito do mouse e marcando a opção “Habilitar Rastro”, clique e segure o mouse no ponto indicado

no seletor e o movimente na horizontal.

Fig. 4 – Imagem do gráfico da função seno - Construção própria

Neste momento foi solicitado aos estudantes para identificarem o intervalo correspondente ao con-

junto imagem.

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Considerações finais

O uso do computador como ferramenta nas escolas permanece como um recurso importante e como

um grande desafio para professores e pesquisadores, à medida que passem a ser utilizados como fonte de

estudo e de criação de estratégias pedagógicas, para as quais diversas tecnologias podem ser empregadas.

Esta pesquisa consistiu em analisar o quanto é relevante o uso de softwares de Geometria Dinâmica

na aprendizagem significativa. A utilização do software Geogebra foi importante para a aprendizagem, facili-

tando a construção dos gráficos.

As observações efetuadas na atividade mostram a insegurança dos estudantes em face às tarefas que

lhes parecem quase sem sentido, mas estas tarefas foram se tornando, durante o experimento, mais acessíveis.

A experimentação, portanto, nos leva a comprovar que a aquisição de saberes por parte dos estudan-

tes, relacionados ao gráfico da função seno e cosseno, bem como seu domínio, imagem e período, resistentes

ao ensino usual, é, no entanto, susceptível a saltos qualitativos importantes.

A aquisição de saberes se deu inicialmente em situações de aprendizagem, nas quais as atividades exi-

giam a participação ativa do estudante, ao articular saberes e estratégias já conhecidas e ainda buscar novos

saberes. Desta forma, os estudantes puderam agir, expressar-se e desenvolver o seu próprio pensamento,

dando um encaminhamento lógico as suas idéias, buscando soluções diferenciadas e criativas.

A visualização e a experimentação tiveram um importante papel na compreensão de alguns saberes

ligados ao domínio, conjunto imagem e período da função seno e cosseno por parte dos estudantes. A visua-

lização desempenhou o papel de guia em algumas investigações. Este trabalho mostrou, enfim, como as fami-

liaridades construídas podem conduzir a uma melhora na capacidade de precisar e estimar elementos de uma

função trigonométrica.

Duas questões podem ser levantadas para futuros estudos a partir deste trabalho: avaliar a qualidade

dos conhecimentos construídos com outros tipos de funções trigonométricas e estudar as similaridades exis-

tentes entre os processos de aprendizagem num ambiente “tradicional” e os processos identificados por nossa

pesquisa.

As conclusões aqui apresentadas resultaram da análise das atividades dos estudantes, bem como de

suas reflexões durante a resolução das atividades. Desde já se indica a necessidade de ampliar este estudo com

um número maior de sessões e com diferentes metodologias.

Referências

ALMEIDA, M. E. O computador na escola: contextualizando a formação de professores. São Paulo: Tese de Doutorado em Educação PUC-SP, 2000.

AUSUBEL, D. P., NOVAK, J. D., Hanesian, H.; Educational Psychology: A Cognitive View. New York: Warbel & Peck. 1978.

ÁVILA, G. S., Várias faces da matemática. São Paulo: Blucher, 2007.

BORGES, H. Uma classificação sobre a utilização do computador pela escola. Revista Educação em Debate. Fortaleza: UFC, vol. 1, nº 27, 1999, p. 135 a 138.

BRASIL/MEC. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Ministério da Educação, 1999.

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CARVALHO, A. M.; PÉREZ, D. G. Formação de Professor de Ciências: tendências e inovações. 5ª edição. São Paulo: Cortez Editora, 2001.

DUVAL, R. Aprendizagens intelectuais. IN: Caderno do curso ministrado na PUC-SP. São Paulo: PUC-SP, 1999.

__________. Registros de representações semióticas e funcionamento cognitivo da compreensão em mate-mática. IN: Aprendizagem em Matemática: registros de representação semiótica. Campinas: Papirus Editora, 2003, p. 11-33.

GRAVINA, M. A. Os ambientes de geometria dinâmica e o pensamento hipotético-dedutivo. Porto Alegre: UFRGS, 2001.

MOREIRA, M. A. Uma abordagem cognitivista no ensino da Física. Porto Alegre: Editora da Universidade, 1983.

SANTANA, J. R. Favorecendo investigações matemáticas através do computador. Fortaleza: Tese de Doutorado em Educação UFC, 2006.

VALENTE, J. A. Por que o computador na educação? IN: Computadores e Conhecimento: repensando a educação. Campinas: Gráfica da UNICAMP, 1993.

Enviado para publicação: 13/01/2012

Aceito para publicação: 13/02/2012

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10. A IMPORTÂNCIA DA CONTEXTUALIZAÇÃO NO ENSINO DA SOCIOLOGIA E FILOSOFIA NA ESCOLA MODERNA

BACKGROUND ON THE IMPORTANCE

OF TEACHING SOCIOLOGY ANDPHILOSOPHY OF MODERN SCHOOL

Francisco Sérgio Marçal Coelho1

Resumo. Buscaremos mostrar em nossa apresentação a importância da contextualização no Ensino da Sociologia e Filosofia, na Escola Moderna. A fim de alcançar tal objetivo trabalhare-mos com dados obtidos em pesquisa concretizada com alunos que realizaram, durante um ano, o estudo das disciplinas supracitadas. O alicerce teórico está fundamentado na obra de Vygotsky e Reuven Feuerstein. Neste estudo é focada a importância da mediação a fim de obtermos a transcendência no processo de ensino-aprendizagem. Nós concluímos nossa pesquisa, ressal-tando a necessidade do discente aprender a utilizar, na vida prática e de relação, os resultados construídos e interiorizados, após a consolidação deste conhecimento. Palavras-chave. Sociologia – Filosofia – Escola Moderna Abstract. Try to show in our presentation the importance of contextualization in the teaching of Sociology and Philosophy in Modern School. To achieve this goal we will work with data ob-tained in research implemented with students who performed during one year, the study of the disciplines mentioned above. The theoretical foundation is based on the work of Vygotsky and Reuven Feuerstein. This study is focused on the importance of mediation in order to obtain transcendence in the process of teaching and learning. We conclude our research, emphasizing the need for students to learn to use in practical life and relationship, the results produced and internalized, after the consolidation of this knowledge. Keywords. Sociology - Philosophy - Modern School

1 Professor de Sociologia e de Filosofia no Colégio Militar de Fortaleza (CMF). Mestrando em Filosofia pela Univer-sidade Federal do Ceará (UFC). Possui os Estágios I e II do Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) pelo International Center Enhancement of Learning Potential. E-mail: [email protected]

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A obrigatoriedade do ensino da Filosofia e da Sociologia em todos os anos do Ensino Médio levanta um grande desafio: como contextualizar as situações problemas de sala de aula para a vida prática. Segundo podemos observar nos dados da pesquisa realizada com alunos do 2º Ano do Ensino Médio e do 9º Ano do Ensino Fundamental, no Colégio Militar de Fortaleza, em novembro de 2009, após um ano de ensino da Disciplina de Sociologia, essa dificuldade se tornou evidente.

Foram ouvidos 200 (duzentos) alunos, cem de cada ano letivo, que responderam as seguintes questões:

1ª Questão - “Para você, durante o ano letivo de 2009, a disciplina de Sociologia foi”:

- Muito interessante, para 34% dos alunos.

- Interessante, para 40% dos alunos.

- Regular, para 21% dos alunos.

- Ruim, para 03% dos alunos.

- Péssima, para 02% dos alunos.

2ª Questão – “Você considera que a Sociologia, em seu futuro, será”:

- Muito importante em minha vida, para 16% dos alunos.

- Importante em meu futuro, para 52% dos alunos.

- Indiferente no meu dia-a-dia, para 17% dos alunos.

- Não terá importância significativa, para 12% dos alunos.

- Totalmente fora de minha realidade, para 03% dos alunos.

3ª Questão: “Coloque, no espaço, abaixo as razões pelas quais você julga que a Sociologia será um instrumento importante em sua vida, no futuro”:

- Em razão de cair no vestibular, para 28% dos alunos.

- Vai entender melhor o mundo, para 13% dos alunos.

- Por outras razões, para 8% dos alunos.

- Não souberam explicar as razões 61% dos alunos.

No quadro número um onde está inserido a primeira questão, 74% dos alunos pesquisados conside-raram a Sociologia uma disciplina interessante (34%) ou muito interessante (40%), esta opinião é corroborada no quadro seguinte, na segunda questão apresentada, onde 68% dos alunos elegem a disciplina como muito importante em suas vidas futuras. No entanto, no fechamento da pesquisa onde se pede que sejam explicita-das as razões que os levaram às constatações anteriores, os dados obtidos deixam claro que há uma incoerên-cia ou falha lógica, pois embora afirmem a importância da disciplina, não sabem onde situar ou vislumbrar, essa prioridade atribuída à Sociologia, nas ações futuras de suas vidas, pois 61% dos alunos pesquisados não souberam apresentar razões que confirmassem a expectativa de que o ensino de Sociologia seria importante em suas vidas num futuro próximo.

Conforme podemos observar, há uma discrepância entre o percentual de aceitação e importância a-tribuída à Sociologia na vida dos alunos pesquisados, conforme explicitado nos quadros um e dois e a práxis diária, a ação efetiva a ser vivenciada por eles. Esta etapa, que seria a consolidação e a consequência lógica das respostas anteriores, sofre conforme se constata no quadro terceiro, uma ruptura. O aluno considera a disci-

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plina importante, no entanto, não sabe como ir além, transferir tal percepção em ação prática, ou seja, há uma falha na transferência do estudado para ação de vida.

Ressaltamos estes dados em virtude da ação e objeto da Sociologia estar ligada ao homem, a sua vida prática e de relação, daí seria lógico inferir que tal proximidade do agente central, o ser humano social, tornas-se esta ciência de fácil compreensão e inserção imediata na vida cotidiana ou ação do dia-a-dia.

Tendo surgida como ciência no primeiro quartil do século XX, a Sociologia buscou, inicialmente, en-tender e oferecer solução aos problemas surgidos com a transição do mundo feudal que declinara e a ascen-são e consolidação do capitalismo e as consequências da rápida expansão da indústria e suas consequências, prioritariamente, sociais e culturais. A Sociologia nasceu para estudar o homem, o ser social, os fenômenos que ocorrem quando vários homens se reúnem em grupos de tamanhos diversos e com interesses comuns ou não, interagindo no seu interior. Tal é, portanto, a particularidade da Sociologia, uma ciência prática e presen-te na vida do homem. Enquanto a Psicologia trata do indivíduo em sua singularidade, a Sociologia o estuda com um ser em contato e relação com outros seres.

A Filosofia, por sua vez, disciplina que investiga as causas primeiras, que busca entender o funciona-mento da própria razão humana e questiona o real adentrando pela especulação em multivariados caminhos. Este instrumento do pensar humano que floresce do espírito grego, se imortaliza e floresce como pilar de sustentação do mundo ocidental. Como poderemos lançar, desta especulação do logos humano, uma ponte da ao mundo das ações concretas? O método filosófico suplanta o mito e se torna alicerce de toda a ciência, mas onde utilizar essa construção na realidade de cada vida singular?

Se em disciplinas tão presentes em nossas vidas, fica evidente a dificuldade de transcender, o que se-ria de pensar das demais disciplinas ou áreas do conhecimento? Como obter essa transposição da teoria para a prática? Como contextualizar, por exemplo, os conteúdos da Matemática, das Artes, da Literatura e outros?

Se o aluno não consegue, per si, essa transferência do que lhe parece concreto a uma ação abstrata ou alcançar o nível imediato e prático que deveria ser uma consequência da etapa inicial, teórica e sistemática do ensino formal, os educadores devem buscar estabelecer, junto com o discente, essa ponte. Tornando-se facili-tadores, ou em outras palavras, mediadores de ação. Mediar para transcender. Mas o que significam estes termos? Como integrá-los e empregá-los como ferramentas eficazes para solucionar o problema ora apresen-tado?

O termo mediação, segundo o dicionário Aurélio (2010) veio ao português através do latim mediatione e significa “1. Ato ou efeito de mediar. 2. Intervenção, intercessão, intermédio: Conheci-o por mediação do deputado. 3. Jur. Intervenção com que se busca produzir um acordo: O litígio foi resolvido por mediação do juiz. 4. Jur. Processo pacífico de acerto de conflitos internacionais, no qual (ao contrário do que se dá na arbi-tragem) a solução é sugerida e não imposta às partes interessadas. 5. Agenciamento, corretagem. 6. Mat. Ope-ração de somar termo a termo duas frações ordinárias. 7. Rel. segundo a doutrina da Igreja Católica, função de Maria e dos Santos junto a Cristo e a Deus.” Conforme podemos perceber, a ação de mediação carece da intervenção de um terceiro nas relações entre partes. A mediação necessita de um mediador que vai facilitar e não impor, uma solução ou construir junto com as partes, um caminho de aceitação e consenso. Assim medi-ador, ainda segundo o dicionário supracitado, tem origem no latim mediatore e significa: “Que, ou aquele que medeia ou intervém; medianeiro, mediatário, intermediário, intermédio”.

A definição do termo, no entanto, ainda não resolve a questão. Nos falta ainda uma ligação entre este ato de intermediar e o processo de Educação formal, sistemática e significativa. A transposição dos conceitos de mediação e mediador para o universo da educação é pressuposto fundamental, pois o termo é empregado, em sentidos múltiplos na Filosofia, Antropologia, Astronomia, Religião, Matemática e até pelo Senso Co-mum, com significações diferentes e, muitas vezes, contraditórias. O termo ainda está restrito e afeito a ou-tros campos do conhecimento. Falta dotar o conceito de mediação de algo que transcenda seu alcance até aqui abordado.

Vamos inicialmente buscar este suporte em Lev Semenovitch Vygotsky (2007). Segundo este pensa-dor, o professor não passa informações, não transmite conhecimento e não ensina. O aluno já possui os pres-supostos necessários ao aprendizado, o papel de quem se investe na função de professor seria o de provocar, criar condições, possibilitar ao aluno disparar os sistemas internos e construir a própria aprendizagem. Cons-ciente desta realidade, só assim o professor pode vir a ser um mediador, uma ponte, um elo dessa construção. Aqui é importante focar num dos conceitos básicos de Vygotsky, o de zona de desenvolvimento proximal. Este conceito está relacionado ao que o aluno pode realizar sozinho, ou com seus próprios instrumentos primários, e aquilo que embora, ainda, não consiga realizar por si, é capaz de realizar com a ajuda de outras

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pessoas, um mediador, que pode ser uma pessoa mais experiente, um colega, um professor, etc. É neste cam-po que deve agir aquele que pretende mediar à aprendizagem. Então a zona de desenvolvimento proximal é tudo o que o aluno pode vir a adquirir, em termos intelectuais, quando são criadas as condições favoráveis e o suporte educacional devido. Hoje este conceito está amplamente divulgado pelo termo geral de etapas de desenvolvimento da aprendizagem.

O professor ao estar ciente que não ensina no sentido clássico do termo e que mediar adquire aqui o significado de possibilitar, potencializar e facilitar a construção do conhecimento por parte do discente sente a necessidade de adquirir, ele próprio, outra postura, também além da clássica e formal de simplesmente tentar transmitir conteúdos programáticos. Assim a ideia de construir, implícita no conceito de mediar, necessita ser considerada em todos os aspectos relativos à aprendizagem e ao ensino. É fundamental essa compreensão a fim de inserir e integrar esta componente à ação eficaz de mediar.

Face este entendimento de Vygotsky sobre o termo mediação, podemos concluir, neste ponto, que a aprendizagem se dá em colaboração entre os discentes e entre eles e os adultos. O desenvolvimento do indi-víduo não são apenas alterações quantitativas, ou seja, um amontoado de informações, mas mudanças qualita-tivas do pensamento. Uma construção de qualidade. Esta é o que pode chamar de visão sócio-construtivista do desenvolvimento, ressaltando-se a importância do ambiente social nessa edificação.

No processo, os mediadores (agora usamos o termo na acepção restrita que construímos) usam fer-ramentas culturais necessárias, tais como, a linguagem e outros meios onde o que se busca é a internalização daquilo que se construiu e se apropriou.

Nesta nova concepção a Escola tem que estar atenta de que a ação docente somente terá eficácia e sentido se for realizada, no que Vygotsky denominou de zona de desenvolvimento proximal. O professor deve ser a pessoa competente para auxiliar, desvendar conjuntamente caminhos, abrir portas a duas mãos, a fim de ser instrumento na resolução de problemas que estão ao seu alcance, mas ainda não atingidos pela ação intelectual do discente. A função primordial de professores e escolas será o de fazer com que os concei-tos informais, espontâneos, assistemáticos que os alunos aprendem na convivência social, atinjam os níveis de conceitos científicos, sistemáticos e formais, para então dá o grande salto: a transcendência para o seu dia-a-dia, sua vida social, cultural e de relação.

Foi necessária esta abordagem do pensamento de Vygotsky a fim de reforçar a visão que guia nosso trabalho, a concepção Interacionalista. Esta corrente se opõe ao Inatismo e ao Ambientalismo, todas elas correntes de pensamento que buscavam explicar e fundamentar as razões do desenvolvimento cognitivo do ser humano. A primeira, o inatismo, também conhecido como apriorismo, afirma que o sujeito constrói o conhecimento através das sensações que recebe do meio. Ele assim organiza e coloca em ordem as mais di-versas sensações que lhe chegam, ordenando tudo o que assimila, no espaço e no tempo. Parte do pressupos-to que existem leis imanentes ao pensamento ou formas a priori da consciência, isto é o que torna possível a experiência, o conhecimento próprio das ciências reais. Como conseqüência direta deste modo de pensar, as dificuldades de aprendizagem pelo aluno são vistas como estruturais e diretamente ligadas à deficiência da razão e aos seus princípios pré-existentes. Todo óbice ao pleno desenvolvimento ou progresso intelectual, seria considerado inato, e nada ou pouca coisa se poderia fazer.

A concepção Ambientalista, por sua vez, defende que todo homem nasce como “uma tábula rasa”, um quadro vazio, nada há de inato ou que antes de vir à consciência, não tenha passado pela sensação. A experiência é a única forma do conhecimento que se dá por meio da ação de experimentar as sensações, porta do conhecimento. A preocupação da Escola seria a de oferecer boas aulas, estímulos ricos, boas fontes para alimentar a experiência. Se houver obstáculo e o aluno apresentar dificuldades de aprendizagem é porque faltam ao mesmo as condições ambientais favoráveis. Pelo acima exposto, as duas correntes afirmam que o foco de limitação, ou está no sujeito (inatismo) ou no ambiente (ambientalista).

Nosso modo de apreciar a questão nos leva a concepção interacionalista onde a ênfase não se põe nem no sujeito e tampouco no objeto, mas na interação entre ambos. O sujeito aprende por meio de sua interação com o objeto de aprendizagem, afirma Vygotsky (2007). Isto bem posto, vamos fundamentar nos-sos argumentos na teoria de outro estudioso do assunto em pauta, Reuven Feuerstein (1980) que se notabili-zou neste campo através do PEI - Programa de Enriquecimento Instrumental e o LPAD - Avaliação Dinâmi-ca da Propensão para o Aprendizado, seu modelo de psicodiagnóstico.

O pensamento de Feuerstein tem como base a noção de modificabilidade cognitiva, por meio da qual as faculdades intelectuais podem ser expandidas não somente na idade evolutiva, mas mesmo durante todo o curso da vida de um indivíduo. Ele trata os conceitos de mediador e mediação de forma específica, e não em sentido amplo. A mediação da aprendizagem é, segundo ele, um tipo especial de interação entre alguém que

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ensina (o mediador) e alguém que aprende (o mediado). Essa interação deve ser caracterizada por uma inter-posição intencional e planejada do mediador que age entre as fontes externas de estímulo e o aprendiz. Para a abordagem de Reuven Feuerstein para que haja mediação são necessários pelo menos 03 (três) critérios cha-mados de universais:

1) Intencionalidade por parte do mediador e reciprocidade por parte do mediado: a mediação de intencionalidade e reciprocidade;

2) Construção (incitada pelo mediador) de significados: mediação de significado;

3) Transcendência da realidade concreta, “do aqui-e-agora”, para posterior aplicação da compreensão de um fenômeno apreendido em outras situações e contextos: mediação de transcendência.

Toda a obra de Feuerstein parte do pressuposto de que o ser humano é modificável. O processo da modificação ou modificabilidade (termo usado por Feuerstein) de uma pessoa mantém em si três conceitos que ele considera básicos: o primeiro diz que ao se trocar as relações entre uma parte das estruturas de um indivíduo, todas as relações entre as partes dentro da estrutura mudam; segundo que a essência de cada uma das partes se mantém, apesar da mudança das relações entre as partes; e finalmente, a modificabilidade cogni-tiva estrutural exige uma intervenção exterior, ou seja, para modificar as estruturas de um indivíduo é preciso intervir de fora do organismo. A partir daí haverá o que ele chama de retroalimentação, isto é, a modificabili-dade por si mesma. Podemos concluir que para Feuerstein para que haja a transformação ou modificabilidade é necessário antepor entre o que ensina e o aprende a figura da mediação.

Dos três critérios de mediação vistos acima, para os objetivos que nos propomos, vai nos interessar o terceiro critério, o da transcendência e como deve agir o mediador a fim de obter essa compreensão maior da realidade, ou o que denominamos no título de nosso estudo, a contextualização.

A obra Mediação da Aprendizagem (2007) de autoria do professor Marcos Meier e da psicóloga San-dra Garcia é guia seguro para alcançarmos os objetivos que nos norteia. Vamos buscar nestes autores a con-tribuição teórica que nos faltava.

Os autores supracitados afirmam que a mediação para se obter a transcendência é uma orientação consciente do mediador em ensinar olhando para o futuro, para outros contextos, para situações do “aqui-e-agora”. E prosseguem:

O ensino não deve ser pontual, restrito a uma única situação ou contexto, precisa ser passível de aplicação, precisa ser capaz de ser útil e integrável a outras estruturas conceitu-ais; outros saberes, outros momentos da vida do aprendiz e em outros contextos. (MEIR e GARCIA, 2007, p. 39).

Alcançado este ponto, nosso objetivo estará colimado e teremos respondido as questões inicial-mente propostas de como ir além do concreto, do momento inicial da aprendizagem.

O conceito de metacognição, ou seja, a capacidade do sujeito pensar sobre a própria forma de pensar, ou segundo Aristóteles: “o pensamento que pensa a si mesmo” é o ponto de partida para a constru-ção da transcendência. Para os autores Marcos Meier e Sandra Garcia a metacognição é:

O conhecimento dos processos de aprendizagem próprios, particulares, que levam o sujeito a escolher conscientemente seus mecanismos de construção de conceitos, teorias ou obje-tos de aprendizagem. Deveria ser objetivo de todos os modelos pedagógicos. (MEIR e GARCIA, 2007, p. 39).

Deste modo os autores concluem que a mediação da transcendência seria auxiliar o aluno a de-senvolver esta capacidade metacognitiva a fim de que seja possível, a partir do trabalho, da reflexão e da inte-ração com o objeto da aprendizagem, a generalização e abstração objetivando a construção de novos concei-tos a partir dos inicialmente propostos, alcançados e construídos.

Os autores de Mediação da Aprendizagem citam o professor Meir Ben-Hur como um grande estudioso a respeito da transcendência, do qual retiramos as ideias de transferência por esquemas para alicerçar nosso tema.

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Meir Ben-Hur faz uma digressão que julgamos interessante e que transcrevemos aqui:

No passado, Thorndyke propôs que se pesquisasse se o Latim é realmente tão importante para o desenvolvimento do raciocínio quanto se pregava. Como resultado dessas pesquisas, concluiu-se que não era verdade tal hipótese. Como conseqüência precipitada, os educado-res recomendaram que só fossem ensinadas coisas “práticas”. Deixou-se de lado a valoriza-ção da Transferência. Aliado a essa corrente iniciou-se o Behaviorismo que acabou fortale-cendo essa postura de “praticismo” em detrimento do “abstrato”, da Transferência e do desenvolvimento do raciocínio. Os anos 60 e 70 reforçaram essa concepção utilitarista, Su-bitamente a palavra “transferência” começou a ganhar vida novamente. Foi retomada com “novas” perguntas: Como garantir que a transferência ocorra? Como ensinar matemática de forma que o ensino de um conceito em um contexto possa levar o aluno a utilizá-lo em ou-tro contexto? (MEIR e GARCIA, 2007, p. 40).

O professor Ben-Hur usa o termo “Transferência”, porém os professores Marcos Meier e Sandra Garcia afirmam que preferem o termo “Transcendência” por ser mais abrangente e englobar o termo transfe-rência.

O professor Ben-Hur afirma que a transferência se dá por dois tipos: por analogia e por esquema. O primeiro caso ocorre quando um exercício proposto ao aluno é semelhante a um dado anteriormente, neste caso, usando o mesmo processo usado no caso precedente ele chega à resposta correta. No entanto, se hou-ver qualquer alteração estrutural na questão proposta, o aluno não mais consegue a resposta esperada. Esse tipo de transferência é linear, resolve-se a que permite resolver b, e assim por diante. Para o nosso caso, neste primeiro tipo não houve realmente transcendência, o aluno ficou preso a modelos formais e primários.

A transferência que o professor Ben-Hur denomina por esquema está coerente com o que denomi-namos transcendência. Vejamos o exemplo por ele proposto:

O sujeito aprende não pelas semelhanças, mas a partir das variações, a partir do contato com diferentes estruturas possíveis de extrair o conceito que une os exemplos. Este tipo é esquemático, resolve-se a, b, c e, por generalização, por construção do conceito, pode se resolver quaisquer outros d, e, f, ... (MEIR e GARCIA, 2007, p. 41).

São usados, pelo professor Ben-Hur, exemplos retirados da Matemática, mas podemos, facilmente, adaptar ao nosso intento, sem nenhum risco de erro.

A seguir o professor Ben-Hur apresenta dois princípios necessários a fim de que ocorra a transferên-cia por esquema, são eles a variabilidade e o processo de apresentação da situação problema. Na variabilidade o professor destaca que devemos variar na apresentação dos conceitos, exigindo graus diferentes de comple-xidade, abstração, etc. O aluno, afirma, deve ser treinado em diversos contextos e experiências até poder construir generalizações. Bem como os trabalhos passados para casa devem conter tarefas não somente de ações automáticas, mas, essencialmente, questões para reflexão que deverão ser complementadas em sala de aula. Quando fala do processo, o professor afirma que as atividades deverão permitir ao aluno descontextuali-zar e que esta múltipla apresentação de diferenças estruturais e contextuais é requisito para a descontextuali-zação. Afirma, ainda, que é função do professor ativar este processo e que a forma de chegar à transferência ou como preferem alguns, a transcendência ou generalizações, é o ato de perguntar. Algumas perguntas são vitais nesse processo: O que foi mais difícil? Por que foi difícil? O que funcionou? Por que funcionou? O que isso nos ensina sobre raciocínio? A fim de bem utilizar esse processo, o de perguntar, se torna importante, seguir algumas orientações dadas pelo professor Ben-Hur (MEIR e GARCIA, 2007, p. 43):

• É difícil para o professor esperar pela resposta. É necessário praticar!

• Ao perguntar, não dê a palavra ao primeiro que levantar a mão. Espere.

• Ao ouvir, dê atenção, integre a fala dele na sua.

• Nunca complete frases ou pensamentos.

• Pergunte a outro aluno (talvez um dos que levantaram a mão).

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• Admita o silêncio após a sua pergunta.

• Perguntar como o aluno construiu tal resposta, quais os passos dados.

• Treine os alunos a aplicar os princípios que construíram em outros contextos, em outras situações. Eles devem saber aprender a construir, criar exemplos de aplicação. Isso se denomina criar pontes.

• Aplique exercícios práticos onde o aluno tem grande possibilidade de criação. Não menospreze o potencial de criação deles!

Com estas considerações creio que já estamos em condições de concluir nosso trabalho. Acredita-mos que, ancorados na fundamentação teórica apresentada acima e na contribuição do professor Meir Ben-Hur, nós possamos apresentar ferramentas seguras a fim de que os alunos possam ser orientados com maior eficiência e precisão. Um ponto fundamental que desejamos destacar neste final de trabalho e que está bem fundamentado nos estudiosos apresentados em nosso trabalho: é o de jamais subestimar a capacidade criativa do aluno. Corroborando a afirmação do professor Meir Ben-Hur, pudemos constatar que o aluno quando motivado e devidamente orientado, sempre surpreende o mestre.

Após a tabulação da pesquisa acima posta, discutimos o tema com os alunos e combinamos que, di-vididos em grupo, eles pesquisariam temas ligados à Cultura e fomos, intencionalmente, vagos quanto ao quer pesquisar. Buscamos por em prática os resultados do estudo aqui tornado público: os grupos deveriam pro-duzir vídeos auto-explicativos dos temas pesquisados. Trabalhamos outro tema em sala, o da Globalização e fizemos variados exercícios de transcendência. Para nossa surpresa e recompensa, após o prazo estipulado, recebemos cerca de cinquenta trabalhos sobre os mais variados e criativos temas ligados à Cultura e os objeti-vos que buscávamos foram plenamente atingidos; os alunos souberam ir além do concreto e fizeram com pleno êxito a transcendência almejada. Que este pequeno exemplo possa servir de incentivo a todos àqueles que pretendem trabalhar na área do ensino com dedicação e humildade a fim de contribuir para a formação de cidadãos atuantes, dignos e críticos, pois, parafraseando Piaget, o amor é a base de toda educação.

REFERÊNCIAS

FEUERSTEIN, Reuven. Instrumental Enrichment. Illinois, USA: Scott, Foresman and Company, 1980.

______________________ et al. L.P.A..D. Evaluación Dinámica del Potencial de Aprendizaje. Madrid: Ediciones BRUÑO, tradução de Juan Santisteban e José Maria

Martinez. 1993.

RONAN, Colin. Origens da Ciência. Zahar. São Paulo: Zahar, 1987.

MEIER, Marcos e GARCIA, Sandra. Mediação da Aprendizagem. São Paulo: MSV, 2007.

ZANATTA, Sílvia. Pedagogia e Meditação em Reuven Feuerstein. São Paulo: Plexus, 2002.

VYGOTSKY, Lev Semenovitch. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

MEIR, Marcos. O professor mediador na ótica dos alunos do Ensino Médio. Artigo apresentado no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná. Curitiba, agosto, 2004.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio. São Paulo: Positivo, 5ª Ed, 2010.

Enviado para publicação: 30/01/2012

Aceito para publicação: 27/02/2012

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11. OS MARCOS HISTÓRICOS DO CENTRO DE FORTALEZA-CE COMO COMPONENTES DA FORMAÇÃO DO ATRATIVO TURÍS-

TICO HISTÓRICO-CULTURAL

MILESTONES OF THE CENTER FORTALEZA-CE AS COMPONENTS OF THE FORMATION OF HISTORICAL

AND CULTURAL TOURISM ATTRACTION

Francisco Tiago da Costa Teixeira 1

Glaudia Mota Portela Mapurunga 2

Resumo. Este estudo destina-se a identificar os marcos históricos do centro da cidade de For-taleza como componentes da formação do atrativo turístico. A metodologia utilizada para sua composição foi baseada em um estudo bibliográfico e de campo, implicando em uma análise dissertativa dos dados obtidos com a aplicação de questionário com cerca de cem pessoas, entre moradores da cidade, assim como, turistas que usufruíram dos serviços oferecidos pela cidade de Fortaleza. Diante desta coleta de dados foi feito um comparativo em relação ao grau de co-nhecimento dos fortalezenses em relação a sua história e como estes percebem a preservação dos logradouros históricos existentes na cidade. Além, de identificar como o turista que visita Fortaleza, percebe-se a existência de um turismo histórico-cultural no centro da cidade de For-taleza. Podendo esse ser um opcional para outros turistas, além do turismo de sol e mar.

Palavras-chave: História – Turismo – Cultura

Abstract. This study aims to identify the landmarks of the dowtown of Fortaleza as compo-nents of the training of tourist attraction. The methodology used for its composition was based on a literature research and field, resulting in an essay analyzing the data obtained with a ques-tionnaire about one hundred people, including city residents, as well as tourists who have en-joyed the services offered by Fortaleza. Faced with this data collection was done in relation to a comparative degree of knowledge of Fortaleza in relation to its history and how they perceive the preservation of historic parks in the city. In addition, to identify as the tourist visiting Forta-leza, perceives the existence of a historical-cultural tourism in the city center of Fortaleza. This may be an option for other tourists, and tourism of sun and sea.

Keywords. Historic – Tourism – Culture

1 Bacharel em Turismo - Faculdade Estácio do Ceará (FIC). E-mail: [email protected] 2 Mestre em Gestão de Negócios Turísticos; orientadora da pesquisa; professora da Faculdade Estácio do Ceará (FIC). E-mail: [email protected]

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1 Introdução

Cultura e história são fatores de grande relevância para o turismo. A atividade turística apropria-se das mais diversas expressões culturais, assim como, do legado histórico das cidades para compor seu atrativo. A conservação desses logradouros tem incentivado cada vez mais a criação de roteiros históricos-culturais, que valorizam os mais diversos temas.

O Ceará, conhecido por sua diversidade cultural e, principalmente, por suas belas praias possui no centro de sua capital um dos maiores acervo histórico do estado. Provavelmente devido ao seu desenvolvimento de Fortaleza ter iniciado nesta região

A partir desta percepção a pergunta que esta pesquisa deseja responder é se o Centro da cidade de Fortaleza pode ser uma região de relevância para composição do atrativo histórico-cultural.

O objetivo principal do tema é compreender a relevância dos marcos históricos do cen-tro de Fortaleza para composição de um opcional turístico para cidade. O que levará aos objetivos específicos, que consistem em identificar o quê a população fortalezense conhece de seus logradou-ros históricos; perceber por que o destino Fortaleza, ainda, não é considerado uma opção de experi-ência cultural no que concerne os mais diversos pontos históricos espalhados pela cidade; Identificar os principais marcos históricos da região central da cidade; mostrar o potencial turístico dessa região, assim como, chamar atenção para preservação desses logradouros.

Diante desse objetivo, a pesquisa utilizar-se-á de aplicação de questionário para avaliação do conhecimento dos fortalezenses, assim como, dos turistas que desfrutam do destino, sobre os principais pontos históricos conhecidos na cidade. Além disso, será feito um comparativo entre a Secretaria de Turismo do Estado e do Município, a fim de compreender a potencialidade histórico-cultural do Centro de Fortaleza.

O texto será dividido em duas partes. Na primeira, o leitor poderá compreender de uma maneira teórica o que é cultura e importância do turismo histórico-cultural. Na segunda parte, serão apresentados os dados da pesquisa, assim como, seu desenvolvimento e sua conclusão.

2 Cultura, patrimônio histórico-cultural e turismo

2.1 Cultura A cultura pode ser considerada como um apanhado das diversas formas de expressões sociais

praticadas por uma civilização. Pode-se considerar cultura toda expressão artística, folclórica ou ainda arquite-tônica adquirida mediante o tempo, por um povo.

Chaui (2000, p. 62) define cultura como a criação coletiva de ideias, símbolos e valores pelos quais uma sociedade define para si mesma o bom e o mau, o belo e o feio, o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso, o puro e o impuro, o possível e o impossível, o inevitável e o casual, o sagrado e o profano, o espaço e o tempo.

Cada sociedade expressa sua cultura de maneira diferente uma das outras, distinguindo suas ca-racterísticas particulares e imutáveis, pois são intrínsecas à vida e costumes de seu povo. Para Arantes apud Durham (1984, p.26),

O homem é um animal que constitui, através de sistemas simbólicos, um ambiente artificial no qual vive e o qual está continuamente transformando. A cultura é, propriamente, esse movimento de criação, transmissão e reformulação desse ambiente artificial.

Trigo (2001, p.78) explica que é o conceito antropológico de cultura que abarca todas as atitudes e realizações matérias como expressão de comportamento internalizado e imaterial, característico dos indiví-duos de um de terminado grupo. Estas expressões imprimem uma particularidade ao singular a cada civiliza-ção. O que explica uma sociedade diferenciar uma da outra, pela maneira de agir, e até mesmo de falar. Uma observação, mesmo que superficial dos povos existente no mundo detectará mesmo na era da globalização,

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características de determinadas regiões que não poderão ser observadas em outras, revelando estas expressões imateriais de cada sociedade. Sendo, assim, cada indivíduo é um produtor da cultura, assim como, seu apreci-ador.

2.2 Patrimônio Histórico Cultural e o turismo

O patrimônio histórico-cultural de um modo geral pode ser observado no apanhado de expres-sões arquitetônicas, que indicam características particulares de uma sociedade. Revelando sue modo de vida de outrora, e ainda manifestando sua evolução através dos tempos. Castrogiovanni (2000, p.11) ressalta que:

O turista busca, por isso mesmo, os elementos da paisagem, os espaços construídos e o movimento da vida. É este fator de estranheza de como a vizinhança vive diferentemente e realiza a proeza da sobrevivência com sentido que atrai e estimula o movimento do visitan-te.

O homem na sua busca incessante de conhecimento procura sempre a comprovação daquilo que já conhece através de seus estudos ou do inusitado. Assim sendo, o turismo cultural objetiva principal-mente a pesquisa, o conhecimento, a informação, aliando tudo isto ao prazer e bem estar.

Em todo o mundo pode-se observar o legado deixado por diversas civilizações. As ruínas de Machu Picchu no Peru indicam características peculiares de uma civilização a muito extinta, reveladas pela con-servação de suas edificações monumentais, que expressam como os povos pré-colombianos organizavam-se em sociedade.

O Cemitério da Recoleta em Buenos Aires, considerado como uma referência histórica para America Latina, que remete aos seus apreciadores a grandeza e a riqueza ostentada desde o período da colo-nização argentina. Ou ainda, as inscrições rupestres em Sete Cidades no Piauí, que revelam existência de um aglomerado social, há milhares de anos atrás nesta região.

Pellegrini (1993, p.96) explica que o patrimônio cultural, como todo e qualquer artefato humano que, tendo um forte componente simbólico, seja de algum modo representativo da coletividade, da região, da época específica, permitindo compreender o processo histórico.

Para a atividade turística, este patrimônio histórico-cultural das sociedades é de extrema impor-tância. Como atividade econômica o turismo apropria-se dessa arquitetônica forma de atrativo para seu públi-co consumidor. A utilização das expressões de um povo como parte de um atrativo turístico, cresce como uma nova perspectiva de criar produtos diferenciados e direcionados a uma nova demanda de turista, que deseja experimentar de maneira mais concreta a vivência do povo ao qual visita. Para Abreu (2002, p.22),

O turismo cultural, por sua vez, pode ser definido como toda viagem cujo principal atrativo não seja a natureza, mas algum aspecto da cultura humana, que pode ser o cotidiano, o ar-tesanato ou qualquer outro dos inúmeros aspectos que o conceito de cultura abrange.

O quê confirma a crescente onda de conservação e restauração de diversos marcos históricos em várias cidades do mundo, como alternativa de fomento ao turismo além de Sol e Mar. Vaz (1999, p. 42) cita, ainda, “o contato com culturas diversas é necessário para a formação das pessoas, e esse tipo de apelo promocional pode ser provocado a partir de uma curiosidade inerente ao ser humano de conhecer outras realidades”.

Esta prática de absorção cultura não é uma novidade. Já no século. XVII com o advento das grandes navegações, muitos jovens europeus de famílias mais abastadas, incentivados por estas, costumavam praticar viagens para conhecimento de novas culturas, como forma de enriquecimento intelectual.

Atualmente, talvez não mais com a mesma finalidade de outrora, uma infinidade de pessoas continuam a visitar outras culturas, absorvendo as características históricas, preservadas nos logradouros dos diversos destinos que incentivam este tipo de atividade turística.

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2.3 A ideia do turismo Histórico-Cultural

A partir dos anos 60 do século XX o turismo tornou-se um fenômeno global massificado. Ainda que o turismo urbano tenha ficado inicialmente à margem desta massificação, a cidade é, hoje em dia (a par do litoral e do campo, e antes das montanhas), um dos quatro grandes destinos de férias. No domínio das estadias de curta duração (menos de 04 noites), as cidades assumem-se como o principal destino à escala eu-ropéia, concentrando 50% da procura (Peixoto Apud Merlin 2003, p.218). Com o início da organização do turismo propriamente dito passou-se a detalhar as viagens de maneira mais organizada, o que intensificou a experiência com a cultura transformando a prática de viajar a um determinado destino em uma oportunidade de agregação de valores culturais.

Com isso a cidade torna-se um atrativo ideal para este tipo de turista. Ela compacta um mix de cultura que o visitante pode desvendar a cada passo. Onde pode experienciar a vida de outros como a sua própria. Castrogiovanni apud Canevassi (2000) refere-se a este mix cultural como um diálogo entre a cidade e o turista: “Cada cidade fala diferentemente. Os olhares transeuntes captam esse discurso sem vozes. Algumas dessas falas icônicas emocionam, outras causam repulsa. O olhar se fixa numa seleção de diferenças que pro-vocam e que se tornam elas próprias a razão mesma da peregrinação”.

O acervo histórico de cada cidade é uma maneira de atrair o turista que procura mais que uma experiência vazia de deslocamento, que deseja uma interação com o povo visitado. Ou ainda, deseja vivenciar uma experiência de enriquecimento intelectual através da arquitetura e fatos associados. Castrogiovanni (2000, p.29) ressalta,

Sob o ponto de vista de uma teoria do turismo, cabe pensar a cidade como atração, um site com níveis (subsistemas) variados de excitação ofertada, num tempo determinado e a cus-tos diversos. A cidade coloca-se no lado direito da equação, o da oferta.

Esta oferta se encontra guardada no potencial histórico-cultural de cada cidade, que quando bem preservado, planejado, gerenciado e distribuído, poderá gerar emprego e renda para os diversos morado-res desses lugares. Além de fomentar um sentido de orgulho e valorização pela história que compõem aquela sociedade. Para Abreu (2002, p.27),

Uma atividade que se caracteriza pelo deslocamento de pessoas, motivadas por interesses diversos, de um meio familiar para outro muitas vezes desconhecido, requer muita respon-sabilidade no momento de ser planejada e desenvolvida, pois está envolvendo aspectos do ser humano que vão desde os perceptíveis, como desejos, sonhos e fantasias que cada turis-ta, real ou potencial em seu universo pessoal.

Um processo que é particularmente visível encontra-se nas cidades portuguesas, que tem dire-tamente a ver com a transformação do espaço urbano, com a dimensão patrimonial da cidade, com o fenô-meno turístico e com o mercado urbano de lazer é o processo de estetização das paisagens urbanas (Peixoto apud Farias e Peixoto, 2003, p. 218). Este processo, nas diversas vertentes em que se manifesta (Peixoto apud Welsch, 2003, p. 218), aponta para a reativação de usos passados, para a fabricação de produtos turísticos e para a mobilização e a concentração de elementos culturais e históricos de modo a mostrar que as cidades dispõem de um patrimônio valioso e digno de ser conhecido. O quê leva a crer que o aproveitamento dos traços históricos característicos de cada cidade, tornar-se-á um produto turístico consumível e rentável.

Com efeito, as políticas públicas das cidades estão cada vez mais envolvida em projetos que vi-sam proporcionar uma cultura urbana baseada no usufruto do espaço público e na promoção de uma cidada-nia que depende da capacidade em fazer conciliar a vida quotidiana em atividades de natureza lúdica. Promo-vendo, assim, os espaços que adquirem significado grandioso com o tempo.

2.4 Turismo Histórico-Cultural no Brasil

No Brasil, muitas cidades entenderam seu potencial histórico-cultural e investiram em roteiros destinados a este tipo de turismo. Dentre elas, destaca-se Ouro Preto, com o seu roteiro Minas Histórico juntamente com outras cidades circunvizinhas compõem um atrativo turístico de riqueza inigualável.

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Este roteiro representa a alternativa desenvolvida por seus gestores para o fato de Minas Gerais não possuir mar, para o desfrute de outro tipo de turismo. O aproveitamento do potencial histórico-cultural das diversas cidades que compõem o Estado foi uma alternativa para o desenvolvimento econômico de mui-tas delas. Com o desenvolvimento da prática turística, muitos outros empreendimentos foram estabelecidos, como hotéis, restaurantes, bares, entre outros, resultando na geração de emprego e renda, aquecendo a eco-nomia local e a arrecadação do Estado.

No Nordeste brasileiro encontram-se algumas expressões desse tipo de prática turística, como o Pelourinho em Salvador-BA, Recife Antigo, na cidade de Recife-Pe ou os casarões do centro de São Luiz-MA. Porém, ainda de uma maneira muito acanhada, visto que quase todos os esforços de investimento, são destinados ao turismo de sol e mar.

No Ceará, a prática do turismo de praia é comumente observada. Com isso observa-se, também, um esvaziamento das cidades, especialmente da capital Fortaleza, ponto de chegada e partida dos turistas que visitam as terras alencarinas por abrigar o aeroporto internacional. Este esvaziamento, talvez ocasionado por uma falta de opção de novos produtos turísticos, priva ao turista que chega, de desfrutar de uma experiência cultural de extrema riqueza, o vislumbre histórico de seus bairros, em especial, ao Centro da cidade.

O potencial histórico desse logradouro é imenso, visto que suas ruas e praças foram palco para vários eventos que marcaram a história do Estado, assim como, do país. Sua arquitetura que remete um perí-odo da história influenciado pelos traços parisienses, a qual guarda uma riqueza cultural que fala em especial aos que a observa.

3 Fortaleza além de sol e mar Muito mais que o turismo de sol e mar, quem chega à cidade de Fortaleza pode desfrutar de sua

hospitalidade e de sua cultura. Seu patrimônio histórico pode ser considerado um desses atrativos. Sua arqui-tetura que remete a tempos passados e sua história marcada por fatos de extrema representatividade para o Estado do Ceará, assim como, para o Brasil.

Desde 1649 com a construção do Forte Schoonenborch quando surgem as primeiras formações ar-quitetônicas do povoado de Nossa Senhora de Assunção, passando pela influência francesa da Belle Époque (1860 – 1930) até hoje, a região central da cidade vem agregando valores à história de Fortaleza, assim como, do Estado.

O que aqui se propõe é fazer um resgate desses marcos históricos e organizá-los de forma que possam compor o atrativo histórico-cultural da cidade de Fortaleza. Além de indicar possíveis formas de utili-zação para estes logradouros, tornando-os um sonho de consumo por parte do turista que chega de todas as partes do país e do mundo à Capital. Para Abreu (2002, p.44),

À medida que se deseja conhecer uma determinada cidade ou país, os sentimentos que sur-gem em torno desse fato são os mais diversos, desde a curiosidade até a obstinação de rea-lizar uma viagem, que nesse momento já pode ter se transformado no sonho da vida.

A identificação desses marcos históricos poderá possibilitar uma nova visão por parte da popu-lação, assim como, por parte das autoridades competentes, em relação à preservação e destinação dos diver-sos logradouros existentes no centro da cidade de Fortaleza.

4 Percurso metodológico e análises de resultados Tomando por referência os mapas turísticos distribuídos pelos órgãos responsáveis pelo turismo

no estado do Ceará SETUR – Secretaria de Turismo do Estado e na cidade de Fortaleza SETFOR – Secreta-ria de Turismo de Fortaleza respectivamente. A pesquisa utilizou-se de um comparativo, de como Fortaleza é vendida como destino turístico para o turista, mediante analise comparativa entre os dois mapas.

Para coleta de dados, foi utilizado um formulário de pesquisa com 05 perguntas para cada entre-vistado. Em um universo de 2,4 milhões de pessoas que compõem a população de Fortaleza (dados do Censo 2010 – IBGE – Instituto Brasileira de Geografia e Estatística), coletou-se uma amostra de 50 moradores dos diversos bairros no período de Março/2011 a Abril/2011 na região central da cidade, no Terminal de Anto-nio Bezerra e na Aldeota. Além de abranger uma amostra de 50 turistas que desfrutaram do destino Fortaleza,

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na praia de Iracema e Beira Mar no mesmo período anteriormente citado, para compor um parâmetro de conhecimento adquirido na sua viagem.

Pretende-se analisar em uma perspectiva geral, qual o grau de conhecimento que o fortalezense tem sobre a sua história, e como o turista identifica e interpreta o Centro Histórico de Fortaleza. Assim, per-cebe-se como este turista obtém informação sobre os marcos históricos de Fortaleza. Além disso, a pesquisa destina-se, ainda, a compreender a importância da preservação, assim como, perceber o quê os órgãos res-ponsáveis pelo turismo no Estado e no Município oferecem aos turistas que chegam a Fortaleza, como refe-rencial histórico-cultural da cidade. Identificando-se, por fim, os diversos cenários históricos, que podem compor o atrativo turístico do bairro Centro.

No intuito de delimitar uma a região que compreendesse as principais ruas do centro de Fortale-za, escolheu-se o quadrilátero que compreende as ruas: Avenida Alberto Nepomuceno / Rua Cond’Eu / Rua Sena adureira, Rua Meton de Alencar, Avenida Imperador, Rua Castro e Silva, Rua 24 de maio e Rua João Moreira. Conforme figura abaixo,

FIGURA 1 – Mapa delimitando o centro histórico estudado

Fonte: Google Maps (20 /03/2011, às 15h30min).

Diante desta delimitação, pode-se fazer um comparativo entre os pontos históricos-culturais a-pontados pelos mapas distribuídos pelas secretarias de turismo do Estado (SETUR) e do Município (SET-FOR), respectivamente. Além de poder apontar outros logradouros que por ventura não tenham sido men-cionados.

4.1 Análise de Resultados – Mapas Turísticos

Mapa Turístico SETUR Mapa Turístico SETFOR

Catedral Metropolitana Catedral Metropolitana Igreja do Rosário Igreja do Rosário Palácio da Luz Palácio da Luz Museu do Ceará Museu do Ceará Palacete Ceará Palacete Ceará Praça do Ferreira Praça do Ferreira Estação João Felipe Estação João Felipe Cine São Luiz Cine São Luiz Museu da Seca Museu da Seca Igreja do Carmo Igreja do Carmo Teatro José de Alencar Teatro José de Alencar Passeio Publico - Praça dos Mártires Passeio Publico - Praça dos Mártires

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Praça dos Leões Praça dos Leões Forte N.S da Assunção Forte N.S da Assunção Centro de Turismo - Antiga Cadeia Publica Centro de Turismo - Antiga Cadeia Publica Paço Municipal Paço Municipal Santa casa de Misericórdia Praça José de Alencar Parque da Liberdade - Parque das Crianças Associação Comercial do Ceará Instituto dos Arquitetos do Ceará Centro Cultural Dr. José Lourenço Antigo Hotel Excelsior Farmácia Osvaldo Cruz

QUADRO 1 – Comparativo entre os mapas turísticos distribuídos pela SETUR /SETFOR em Fortaleza. Fonte: Mapas SETUR/SETFOR distribuídos no Aeroporto Pinto Martins e Casa do Turista respectivamente (2011).

No comparativo entra os dois mapas, verificando-se os vários pontos de convergência entre a opinião das duas secretarias, mediante o que pode ser considerado como atrativos históricos para o centro de Fortaleza. A SETFOR por sua vez acrescenta alguns outros logradouros históricos de destaque, além daque-les apresentados pela SETUR.

Unificando estes pontos de convergência pode se totalizar 24 atrativos históricos apontados por estas secretarias, no centro de Fortaleza. O que se pode considerar uma quantidade mínima de logradouros, embora esta região apresente uma grande riqueza histórica.

No entanto, existem vários outros locais históricos no centro da cidade de Fortaleza que mere-cem destaque e que podem ser utilizados para compor o atrativo histórico-cultural dessa região.

4.2 Análise de Resultados – logradouros não citados nos mapas estudados

LOGRADOUROS NÃO CITADOS NOS MAPAS ESTUDADOS

Casa do Barão de Camocim Praça Clovis Bevilaqua Obelisco Prédio da Fac. De Direito da UFC Casa de Barão de Studart Seminário Serafico Prédio Arquivo Público Teatro Carlos Câmara Prédio Sede do IPHAN Igreja do Coração de Jesus Casarão do Comercio Igreja do Patrocínio Praça do BNB Prédio Sede dos Correios

QUADRO 2 – Outros logradouros históricos não mencionados em mapas turísticos. Fonte: Inventário realizado por Tiago Teixeira, 2011.

Diante da delimitação acima, foi feito um pequeno inventário do centro de Fortaleza, localizan-do outros prédios e logradouros com representatividade histórica para cidade, ou que trazem traços de uma época passada. Estes demais lugares também fazem parte do legado histórico do centro de Fortaleza. Muitos tiveram grande representatividade para cidade, principalmente na chamada “Belle Epoque”. Outros, por sua vez, foram residências de personalidades ilustres da sociedade fortalezense, e trazem traços arquitetônicos que denotam o estilo de vida de outrora. Estes diversos prédios e monumentos podem compor o atrativo turísti-co por sua beleza e relevância para o centro histórico da cidade de Fortaleza.

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4.3 Análise da pesquisa de campo Em um primeiro momento, procurou-se saber o que os fortalezenses conhecem sobre sua his-

tória, e como identificam os diversos marcos históricos espalhados pela cidade. Diante dos dados coletados, percebeu-se que dos entrevistados ocorre uma maior freqüência de mulheres entre 25 e 35 anos, as quais trabalham e estudam, na sua maioria. Porém foi este público que, de maneira preocupante, menos demons-trou conhecimento sobre a cidade.

Este grupo representa quase 60% dos entrevistados da pesquisa, ou seja, em uma análise concei-tual, o fortalezense não conhece sua história e não consegue diferenciar quais são os marcos caracteristica-mente históricos da cidade. Em sua grande maioria, os nativos de Fortaleza, basicamente conhecem os logra-douros que se apresentam nos corredores comerciais da cidade, conforme demonstra o gráfico a seguir,

Gráfico 01: Marcos históricos mais conhecidos pelos fortalezenses.

Fonte: Pesquisa realizada por Tiago Teixeira (2011).

Esta limitação de conhecimento sobre apenas alguns marcos históricos denota um descaso da população de Fortaleza com a preservação destes logradouros, visto que por falta de conhecimento e visita-ção, muitos estão sem preservação adequada. Na pesquisa verificou-se que apenas 10% dos lugares mencio-nados pelos entrevistados estão em um estado considerável de conservação.

Ainda analisou-se que, apesar do não conhecimento dos marcos históricos que compõem o Centro da cidade de Fortaleza, seus moradores, de maneira unânime, concordam que estes são ou podem tornar-se atrativos turísticos. Atraindo por sua vez, mais turistas a fim de visitar e conhecer a cidade.

Em segundo momento da pesquisa, buscou-se entrevistar os turistas que usufruíram dos servi-ços turísticos oferecidos pela cidade de Fortaleza. A pesquisa constatou que 90% dos turistas que visitam a cidade experienciam os mesmos lugares históricos, porém não se atêm a sua relevância histórica. Visto que muitos destes turistas visitam estes logradouros por conveniência, pois estão inseridos nos roteiros de com-pras ou de entretenimento. Pode-se perceber isso com o gráfico abaixo,

Gráfico 02: Marcos históricos mais visitados pelo turista que visita Fortaleza.

Fonte: Pesquisa realizada por Tiago Teixeira (2011).

Foram entrevistados cerca de 50 turistas, que diferentemente dos dados coletados entre os forta-lezenses, são homens com idade entre 40 e 60 anos, na sua maioria, que trabalham ou estão aposentados. O quê denota um esvaziamento da cidade em relação aos jovens que a visita, os quais estão interessados basica-mente nas praias do litoral cearense.

0 10 20 30 40

PESSOAS

PRAÇA DOS LEOES

FORTE NS DA ASSUNÇAO

PASSEIO PUBLICO

TJA

MUSEU DO CEARA

PRAÇA DO FERREIRA

CATEDRAL

0 20 40 60

PESSOAS

CENTRO DE TURISMO

PASSEIO PUBLICO

TJA

CINE SÃO LUIZ

PRAÇA DO FERREIRS

CATEDRAL

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Em sua grande maioria, os turistas que visitam os marcos históricos do centro de Fortaleza co-nhecem ou já ouviram falar destes locais, por amigos ou pela mídia. Percebeu-se que os mapas turísticos dis-tribuídos pela SETUR e SETFOR pouco representam a decisão do turista em conhecer a cidade, como de-monstra o gráfico abaixo,

Gráfico 03: Influenciadores na decisão de conhecimento do turista,

dos marcos histórico da cidade de Fortaleza. Fonte: Pesquisa realizada por Tiago Teixeira (2011).

Este fato é preocupante, visto que estes órgãos fomentam o turismo no Estado e em Fortaleza respectivamente. Analisou-se que o maior influenciador na decisão do turista ainda é a mídia. Dentre os di-versos meios de comunicação que influenciam o turista a visitar Fortaleza, destacam-se os programas televisi-vos, por meio dos programas de turismo, em segundo têm-se as revistas e jornais. O quê denota a grande amplitude que estes meios de comunicação podem atingir. Demonstra-se, também, o quanto está aquém daquilo que deveria ser o marketing turístico da cidade de Fortaleza, e de seu centro histórico.

5 Conclusão

Conclui-se com esta pesquisa que Fortaleza pode ser um grande polo atrativo para o turismo histórico-cultural no Ceará. O Centro da cidade representa um dos grandes potencias desse tipo de turismo. Seus marcos históricos salvaguardam o legado da sociedade fortalezense.

Com a tabulação dos dados conseguiu-se perceber que o fortalezense pouco ou quase nada co-nhece do potencial turístico o qual a cidade possui. Dessa forma, a grande maioria não consegue identificar os traços relevantes que contam a trajetória histórica da cidade, assim como, do Estado. O fortalezense pouco percebe o centro da cidade em seus casarões, igrejas, praças e variados logradouros remanescentes de outrora.

Identificou-se que, mesmo o fortalezense não conhecendo a fundo os logradouros históricos do centro da cidade, há necessidade de uma maior preocupação com a preservação dos diversos marcos históri-cos desta região.

Observou-se, também, que os órgãos os quais fomentam o turismo no Estado e na Capital pou-co influenciam a decisão do turista em visitar o destino Fortaleza. Percebeu-se que os mapas distribuídos pela SETUR e SETFOR não ressaltam o centro histórico de Fortaleza, mas sim o corredor de compras que com-preende a região da Avenida Monsenhor Tabosa e Avenida Beira Mar.

De modo geral respondeu-se a pergunta inicia se: o Centro da cidade de Fortaleza pode ser uma região de relevância para composição do atrativo histórico-cultural. Visto que quase unanimemente os turistas que visitam a cidade, assim como, os fortalezenses considera a região central da cidade de Fortaleza, um local propício para se conhecer a história do povo e fazer turismo.

Por fim, confirmou-se que os marcos históricos do centro de Fortaleza são de extrema relevân-cia para composição do atrativo turístico da cidade. Além disso, estes marcos preservados e devidamente comercializados em mídias de massa podem gerar um grande fluxo de turista para cidade, aumentando a de-manda turística para os diversos setores do turismo, no Estado como um todo.

0 5 10 15 20 25

PESSOAS

MIDIA

SUGESTÃO - AMIGOS

SUGESTÃO - RECEPCIONISTA HOTEL

SUGESTÃO - GUIA

MAPA SETFOR

MAPA SETUR

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6 Referências

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ARANTES, Antonio Augusto (Organizador). Produzindo o passado - São Paulo, Brasiliense / CONDEPHA-AT, 1984.

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CENSO 2010 – IBGE: disponível em http://www.ibge.gov.br/censo2010 acesso em 16/03/2011 às 10h00min.

CHAUÍ, Marilena. Convite a Filosofia – São Paulo, Atica, 2000.

GOOGLE MAPS: disponível em http://www.google.com.br/mapas acesso em 20/03/2011 ás 15h30min.

PEIXOTO, Paulo (2003), Artigo: Centros históricos e sustentabilidade cultural das Cidades. Colóquio a Cidade entre projetos e políticas. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 30 de Junho de 2003.

PELLEGRINI FILHO, Américo. Ecologia, Cultura e Turismo. - Campinas, Papirus, 1993.

TRIGO, Gonzaga Godoi (Organizador). Turismo: Como Aprender, como ensinar. São Paulo, SENAC, 2001.

VAZ, Gil Nuno. Marketing & Turismo: receptivo e emissivo. Um roteiro estratégico para projetos mercadológicos públicos e privados. São Paulo, Pioneira, 1999.

Enviado para publicação: 10/11/2011

Aceito para publicação: 10/01/2012

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12. AVALIAÇÃO DA OCUPAÇÃO E DEGRADAÇÃO AMBIENTAL DO IGARAPÉ DO QUARENTA NA CIDADE DE MANAUS

EVALUATION OF ENVIRONMENTAL DEGRADA-

TION AND OCCUPANCY OFTHE FORTY IGARAPÉ IN MANAUS

Carlos Magno de Queiroz e Silva3

Resumo. Este trabalho trata da análise das condiçoes ambientais e socioeconômicas da população que habita às margens da microbacia hidrográfica do Igarapé do Quarenta, principal formador da bacia hidrográfica de Educandos, que drena o sítio urbano de Manaus, de nordeste para sudeste. Partindo de uma contextualização sócio-histórica da cidade de Manaus, é possível estabelecer um quadro das condições sociais e econômicas, bem como o processo através do qual transcorreu a ocupação humana do Igarapé do Quarenta. O diagnóstico que se tem do Igarapé do Quarenta é a ausência de diretrizes e práticas básicas de saneamento e monitoramento ambiental adequados. Tais diretrizes e práticas conteriam a ação antrópica que produz resíduos de origem doméstica e industrial nesta microbacia. Essa ausencia está associada a um dos mais altos índices de poluição urbana com a presença contínua de resíduos sólidos transportados em suspensão naquele Igarapé, revelando a falta de políticas públicas nos setores de habitação e saneamento capazes de solucionar um dos maiores problemas urbanos de Manaus. Palavras-chave. Meio Ambiente – Recursos hídricos – Igarapé – Política habitacional

Abstract. This work analyzes the environmental conditions, and the socioeconomic aspects of the population that live on the shores of “Quarenta”, the main tributary stream of Educandos Hydrographic Basin, that drains Manaus urban site from the northeast to the southeast. Taking into account the social historic contextualization of the city of Manaus, it is possible to establish a panorama of the social and economical conditions as well as the process where the human occupation has occurred at the shores of “Quarenta”. The diagnosis about the “Quarenta” stream is the absence of basic and adequate planning of sanitation and environmental monitoring. Such planning would diminish the human action that produces home and industrial residues to the micro basin. This absence is associated to the highest levels of urban pollution with the presence of continuous solid residues suspended on the stream, revealing the lack of public policies relat-ed to sanitation and home, which would be capable of solving one of the biggest urban problems in Manaus.

Keywords. Environment – Water resources – Stream – Housing policy

3 Doutorando em Gestão Ambiental pela Universidade San Carlos, Geógrafo, Professor de Geografia do Colégio Militar de Fortaleza. E-mail: [email protected]

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1. Considerações iniciais

As discussões em torno da questão ambiental têm adquirido centralidade, sobretudo a partir das déca-das de 80 e 90, nos debates acadêmicos e fóruns da sociedade civil organizada, bem como de vários outros setores que compõem a sociedade. Desta forma, a problemática ambiental na contemporaneidade traz à tona preocupações quanto à relação sociedade e natureza, o que remete para a necessidade de uma revisão do mo-delo atual de uso e gestão dos recursos naturais. E este quadro no qual se encontra a sociedade mundial em sua inter-relação com o ambiente deve ser compreendido a partir do modo de produção inaugurado nos pri-mórdios da revolução industrial que impôs a exigência de dominar a natureza, cujas consequências geradas por esta trajetória cobram uma necessária revisão do modelo de uso e gestão dos recursos naturais, sob pena da destruição da própria humanidade.

Assim, a problemática sócio-ambiental assume ampla repercussão, o que fomenta o confronto dos limites vigentes nos modelos de desenvolvimentos sociais. Portanto, entende-se que na contemporaneidade no trato das questões sócio-ambientais, de modo particular na busca pelo conhecimento da relação sociedade-natureza, diversas formas de abordagem prevalecem como resultado da trajetória das diferentes formações sócio-históricas.

Neste embate, duas posições servem como matrizes opostas que se confrontam, são elas: a visão de domínio da sociedade sobre a natureza – predominante na sociedade ocidental, na formação urbano-industrial cujos fundamentos derivam dos conhecimentos acadêmicos científicos; a visão de integração entre sociedade-natureza mais comum nas sociedades tradicionais cujos fundamentos baseiam-se nos saberes das populações tradicionais.

Neste contexto, a utilização, apropriação e o manejo dos recursos hídricos pela sociedade global têm adquirido ênfase, tendo em vista sua condição de recurso não renovável.

A problemática ambiental na atualidade fez aflorar um variado leque de questões e preocupações relativas à relação sociedade-natureza. E é neste segmento que este trabalho se propõe levar ao conhecimento tanto da comunidade acadêmica quanto dos profissionais interessados na questão algumas reflexões sobre as relações de convivência homem-meio natural através de um fragmento ambiental que é o Igarapé do Quaren-ta em Manaus.

2. Contextualização dos recursos hídricos.

A Terra está formada por ecossistemas que variam sua composição, mas com funções comuns, como é o fluxo de matéria e energia. A maior parte das espécies não tem maiores necessidades em utilizar o ambien-te para sua própria sobrevivência. Entretanto, os humanos, criam, além dessa necessidade, uma série de ne-cessidades que na realidade são desejos, (TUCCI, 2000).

Dessa forma, os ecossistemas nos fornecem uma série de bens e serviços, de cujo aproveitamento depende a economia mundial. Os bens que obtemos do ambiente a nosso redor para satisfazer nossa necessi-dade de sobrevivência e nossos desejos e aspirações são os recursos naturais. Além de nos fornecer recursos, os ecossistemas fornecem vários serviços ambientais enquanto processam a energia e fazem circular esta e a matéria no decorrer de seu funcionamento.

Segundo Vilela (2001), recurso é qualquer coisa que obtemos do ambiente vivo ou não vivo para satis-fazer nossas necessidades e desejos. Os recursos podem ser classificados como tangíveis (materiais) e intangí-veis (não materiais). Embora não exista um limite teórico para a quantidade dos recursos materiais e não ma-teriais, sua disponibilidade pode ser reduzida ou podem ser eliminados em um ambiente que é degradado em forma crescente.

Dessa forma, os ecossistemas nos fornecem uma série de bens e serviços, de cujo aproveitamento depende a economia mundial. Os bens que obtemos do ambiente a nosso redor para satisfazer nossa necessi-dade de sobrevivência e nossos desejos e aspirações são os recursos naturais. Além de nos fornecer recursos, os ecossistemas fornecem vários serviços ambientais no processo da energia e fazem circular a matéria duran-te seu funcionamento.

Alguns recursos materiais estão disponíveis diretamente para seu uso, como é o caso do ar puro, a água pura, o solo fértil e as plantas comestíveis. Outros não estão disponíveis diretamente, como o petróleo, o ferro e a água subterrânea. Assim, estes últimos são recursos quando utilizamos tecnologia para fazê-los dis-poníveis a preços acessíveis. As pessoas diferem nos recursos que necessitam e que desejam. As necessidades materiais são diferentes para um pobre, que representam as necessidades básicas para sua sobrevivência, en-

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quanto um rico utiliza quantidades maiores de recursos materiais para satisfazer não somente suas necessida-des de sobrevivência, mas seus desejos.

De acordo com Vilela (2001, p.23), os recursos materiais podem ser classificados em:

• Não renováveis

• Perenes ou perpétuos

• Renováveis

2.1 A água como recurso

Para Vilela (2001), os principais ecossistemas e biomas terrestres, assim como os seres humanos, de-pendem da água doce. A quantidade de água doce na Terra é relativamente pequena, embora se recicle e puri-fique de maneira constante no ciclo hidrológico.

A quantidade de água no planeta é enorme. Porém, somente uma pequena fração está disponível para o uso na forma de água doce, e sua distribuição é pouco uniforme. Se a quantidade de água no mundo fosse equivalente a 100 litros, a reserva utilizável seria de apenas 0,003 litros, o equivalente a meia colher de chá.

2.2 O uso da água

Segundo Filizola (2002), há duas maneiras comuns de medir o uso humano da água, que são a extra-ção e o consumo. A extração implica tomar água de uma fonte superficial e subterrânea e transportá-la para seu uso. O consumo ocorre quando a água extraída não regressa à reserva de água superficial ou subterrânea da qual foi extraída de forma tal, que possa ser utilizada novamente. Em todo o mundo consomem-se apro-ximadamente 60% do total da água que se extrai. Esta água é destinada a diversos usos, tais como:

• Abastecimento urbano: doméstico, industrial, comercial e público.

• Abastecimento industrial.

• Irrigação: irrigação artificial de culturas agrícolas.

• Abastecimento para consumo de animais.

• Abastecimento para criação de organismos aquáticos.

• Geração de energia hidrelétrica.

• Recreação, lazer e harmonia paisagística.

• Assimilação de esgotos.

• Usos de preservação para assegurar o equilíbrio dos ecossistemas.

A extração de água varia de modo considerável entre os diversos países desenvolvidos e em desen-volvimento, com maiores volumes de extração nos Estados Unidos, China, Índia e a ex-União Soviética. Em geral a extração de água dos países em desenvolvimento representa 1 a 2% da extração nos Estados Unidos. Os usos da água extraída também variam muito de um país para o outro. Em escala mundial, cerca de 69% da água extraída é utilizada na agricultura, para irrigar 18% das terras cultiváveis do mundo.

Em algumas regiões, esta percentagem pode chegar a 90%, pois, devido às condições climáticas, pra-ticamente todas as terras cultivadas devem ser irrigadas. Aproximadamente 23% da água extraída é utilizada na indústria, para geração de energia, produção de petróleo, resfriamento e outros processos industriais, lim-peza e eliminação de rejeitos, produção e manufatura de diversos produtos e alimentos. O uso doméstico utiliza 8% da água mundial, proporção que pode chegar até 20% nos países industrializados. Embora a quan-tidade de água utilizada para abastecimento doméstico seja pequena, a qualidade deve ser alta.

No Brasil, apesar da posição privilegiada quanto ao volume hídrico, a distribuição da água é extre-mamente desigual. A bacia Amazônica, que somente tem 5% da população, detém 73% da água doce dispo-nível no país, enquanto 95% da população brasileira dispõe somente de 27% dos recursos hídricos brasileiros. O principal uso é na agricultura (72,5%), seguido do abastecimento domiciliar (18%) e da indústria (9,5%), (FILIZOLA, 2002).

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3. Contextualização do município de Manaus

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, Manaus é uma cidade localizada na Região Norte do Brasil e capital do Estado do Amazonas, o maior Estado brasileiro em área. Sua população estimada em 2010 era de 2.106.866 habitantes. Foi fundada em 1669 pelos portugueses. Possui uma área de 11.401 km².

O nome "Manaus" é originado da tribo Manaós, que habitava a região quando da chegada dos colonizadores portugueses, e significa "Mãe de Deus".

Em relação à história, Manaus começou como um pequeno forte em pedra e barro, e quatro canhões guardando o contraforte, chamado Forte de São José da Barra do Rio Negro, para guarnecer a parte norte da colônia do Brasil em favor dos portugueses, e desempenhou sua função durante 114 anos. Próximo ao forte, havia várias tribos indígenas (Barés, Banibas, Passés e principalmente a dos Manaós, que veio a influenciar no nome da cidade mais tarde. Em 1889, Manaus vivia intensamente o ciclo da borracha. Considerada a cidade brasileira mais desenvolvida e uma das mais prósperas cidades do mundo, Manaus era a única cidade do país a ter luz elétrica e sistema de água encanada e esgotos. O apogeu do ciclo da borracha e fase áurea de Manaus deu-se entre 1890 e 1920, época em que a cidade gozava de tecnologias que outras cidades do sul do Brasil ainda não possuíam, tais como bondes elétricos, avenidas construídas sobre pântanos aterrados, edifícios imponentes e luxuosos, como o requintado Teatro Amazonas, o Mercado Municipal e o prédio da Alfândega, que se encontra, hoje, em estado de decadência.

A Zona Franca de Manaus foi criada pelo Decreto Lei n° 288 de 28 de fevereiro de 1967 para ajudar no desenvolvimento da região, trazendo indústrias ao que hoje é o pólo industrial de Manaus, e foi baseada na criação de uma área de livre comércio de importação, exportação e de incentivos fiscais especiais.

A cidade encontra-se em um nível turístico muito grande pela sua riqueza natural que atrai milhares de turistas, naturalistas, pesquisadores e jornalistas em busca de um conhecimento aprimorado da região e de sua colonização. Manaus também enfrenta problemas que são caraterísticos de grandes metrópoles onde o poder público não consegue conter a migração e o inchaço do perímetro urbano.

Segundo Guedes (2002), um dos maiores atrativos de Manaus é a sua localização geográfica: uma grande cidade construída na parte central da plena Floresta Amazônica. Ainda é possível ter acesso a áreas bem preservadas desse bioma a poucos quilômetros da cidade. Diferentes ambientes encontrados na Amazônia podem ser facilmente visitados. Entre eles, áreas de floresta de terra firme, várzea e florestas de igapó.

O crescimento da cidade, no entanto, não veio sem o aparecimento ou agravamento de alguns problemas. Manaus vem perdendo cada vez mais sua área verde e, com isso, uma importante amostra da grande biodiversidade encontrada na Amazônia. Entre as principais ameaças, encontra-se a perda ou diminuição dos poucos fragmentos de floresta nativa na área urbana. Isso se torna uma questão ainda mais relevante levando em conta a existência na área de uma das espécies mais ameaçadas de primatas no Brasil, o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor), espécie que habita o entorno da cidade de Manaus.

3.1 Meio ambiente urbano

Segundo Oliveira (2000), existem medidas relacionadas exclusivamente com o meio ambiente urbano, e entre elas estão: a inserção dos instrumentos de combate à especulação imobiliária, de promoção da regularização fundiária e de indução de desenvolvimento urbano previstos no Estatuto das Cidades; a implantação de uma política habitacional de interesse social que supra as demandas em áreas de risco ambiental prioritariamente, sem esquecer das ocupações consolidadas; a definição de uma política sócio-ambiental para transporte urbano coletivo; o controle de índices urbanos de uso e ocupação do solo (permeabilidade, adensamento, etc.) adequando a cidade ao meio ambiente.

Existem ainda a revisão do Índice de Desenvolvimento Municipal (IDM) sob o enfoque da sustentabilidade, com ampla e contínua participação da sociedade civil em todo processo (escolha, coleta, avaliação) e a consideração da questão do desemprego e da distribuição de renda como passo fundamental para a construção da cidadania plena, promovendo a acessibilidade à terra urbana e reconhecendo na população excluída (Figura 01) o alvo para o resgate dos direitos sociais, dadas as condições de desigualdade e

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injustiça social em que nossa sociedade tem sido edificada; e o incentivo ao desenvolvimento sustentável local nos municípios, com o objetivo de descentralizar e interiorizar o desenvolvimento no Estado do Amazonas.

Figura 01: Tipo de habitação comum (palafita), construídas nas áreas marginais em todo o médio e baixo curso do

Igarapé do Quarenta, comprometendo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Desenvolvimen-to Municipal (IDM). Fonte: Carlos Magno (setembro / 2007).

4. Diagnóstico do Igarapé do Quarenta Dos diversos igarapés que drenam suas águas para o Rio Negro e que atravessam a cidade de

Manaus (Mindu, São Raimundo, Manaus e Cachoeirinha), o Igarapé do Quarenta (Figura 02) é um dos siste-mas hídricos mais estudados da cidade. Uma de suas nascentes se localiza na Unidade de Conservação Sauim – Castanheira, onde se encontra quase em seu estado natural, com cobertura vegetal pouco degradada, outra na Escola Agrotécnica de Manaus e outra em áreas degradadas do Bairro Zumbi dos Palmares.

Esta microbacia localiza-se entre os paralelos 03º 04’ 17” e 03º 08’ 84” e os meridianos 59º 55’ 63” e 60º 01’ 32”, corre de leste para oeste e é a principal formadora da bacia do Educandos; tem aproxima-damente 29 km de extensão e uma largura média de 6,5 m e profundidade média de 50 cm, cobrindo uma área total de 440 hectares.

O Distrito Industrial ocupa principalmente a margem esquerda do curso superior e médio desta mi-crobacia e, na margem direita, é ocupada por moradias cuja densidade populacional, vai aumentando à medi-da que se aproxima do bairro de Educandos.

Segundo estudos realizados pelo Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus -(PROSAMIM), foi observado que a ocupação desordenada dos igarapés representa um dos principais pro-blemas na área urbana de Manaus. O uso indiscriminado e inadequado do solo urbano, aliado à falta de infra-estrutura de saneamento básico devido à dificuldade de fornecer estes serviços na mesma velocidade em que a ocupação se processava, levou ao atual cenário de degradação dos corpos d’água do entorno e de risco social a que estão sujeitas as pessoas que ali vivem. Ainda, segundo o PROSAMIM, o quadro apresentado é resul-tante de:

I. Insuficiência e desordem do sistema de macro e microdrenagem, que agrava o problema das cheias e da ocupação do leito dos igarapés pelas palafitas;

II. Carência de habitações populares em Manaus, favorecendo a ocupação irregular dos igarapés;

III. Deficiência no sistema de coleta de lixo que favorece o despejo do mesmo nos igarapés e que contribui para a poluição e deterioração da qualidade de vida da população;

IV. Carência de um sistema de esgotamento sanitário, que cobre apenas uma parcela ínfima da cida-de. (PROSAMIM)

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5. Contaminação do Igarapé do Quarenta

Existem diversos pontos do Igarapé ocupados com palafitas sobre o seu leito. Ao longo de sua exten-são, recebe esgoto industrial e esgoto doméstico, responsáveis pela baixa qualidade de suas águas.

A análise de três afluentes do Igarapé do Quarenta apresenta forte contaminação por dejetos de ori-gem doméstica e industrial, conforme mostram os dados apresentados na tabela a seguir:

Localização pH CD (mg/L) DBO3

(mg/L) Coliformes

Totais (NMP/100ml)

Coliformes Fecais

(NMP/100mL) Igarapé da Cachoeirinha

Ponto1 6,2 1,4 6,4 1.100 1.100 Ponto 2 6,3 1,0 5,3 1.100 1.100 Ponto 3 6,3 1,3 6,2 1.100 1.100 Ponto 4 6,4 1,1 5,0 1.100 1.100

Igarapé de Manaus Ponto 1 6,0 2,9 7,1 2.400 2.400 Ponto 2 6,0 3,5 8,2 2.400 2.400 Ponto 3 7,3 4,7 9,4 2.400 2.400

Igarapé do Mestre Chico Ponto 1 6,0 1,3 8,6 1.100 1.100 Ponto 2 6,2 1,8 6.3 1.100 1.100 Ponto 3 6,0 2,3 9,2 1.100 1.100 Tabela 1: Comparativo de parâmetros de qualidade das águas de três afluentes do Igarapé do Quarenta:

Igarapé da Cachoeirinha, Igarapé de Manaus e Igarapé do Mestre Chico. Fonte: Cosama (2004).

O Igarapé do Quarenta também se apresenta fortemente contaminado por dejetos de origem domés-tica e industrial (Figura 03). A concentração de metais nos sedimentos do Igarapé do Quarenta é representati-

Figura 02: Bairros drenados pela microbacia do Igarapé do Quarenta em todo o seu curso

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va de um processo histórico de acumulação, ou seja, indica que em algum momento, não necessariamente no presente, houve entrada de efluentes de origem industrial. Já a presença destes elementos na água e nos sedi-mentos em suspensão, sugere fortemente que o lançamento de efluentes industriais com altos teores de me-tais está acontecendo atualmente, sem efeito das medidas de controle das emissões industriais previstas nos diversos dispositivos legais existentes.

Figura 03: Resíduos sólidos domésticos e bueiro lançando efluentes industriais ao lado de uma ponte de madeira às margens do Igarapé do Quarenta, no início do seu médio curso, no Distrito Industrial. Fonte: Carlos Magno

(set / 2007).

6. Esgotamento sanitário

A rede de esgoto da cidade de Manaus tem ao todo aproximadamente 361km, sendo que, 141,20 km, correspondentes a 39% do total, se estendem na área do PROSAMIM, cobrindo os bairros de Educandos, Centro e Distrito Industrial. Embora a área seja uma das poucas com sistema de coleta de esgotos da cidade, a porcentagem de cobertura frente ao universo de moradias é insignificante. A maior parte dos domi-cílios, principalmente aqueles localizados às margens dos igarapés, lançam diretamente seus esgotos nestes corpos d’água.

Tabela 2: Esgotamento sanitário NIVELAMENTO QUANTIDADE %

Céu aberto individual 2633 67,9 Céu aberto coletivo 1026 26,5

Fossa com sumidouro 62 1,6 Fossa rudimentar 9 0,2

Rede pública 71 1,9 Outros 56 1,4

Não Respondeu 18 0,5 Fonte: SEMSA (2003)

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7. Situação de moradia

No que se refere à localização do imóvel, constata-se que a maior parte das moradias se encontra nas áreas de risco, haja vista que essas se encontram nas áreas marginais do igarapé, próximo ao leito do igarapé (em palafitas sobre a água), ou sobre o leito do igarapé do Quarenta, também em palafitas.

Tabela 3: Situação da moradia NIVELAMENTO QUANTIDADE %

Nível abaixo da Rua 1.295 28,9 Nível da Rua 673 15,0

No leito do Igarapé 1.266 28,3 Próximo ao leito do Igarapé 1.233 27,5

Não respondeu 5 0,1 TOTAL 4.472 100,00

Fonte: SEMSA (2003)

8. Incidência de doenças As condições sócioambientais e culturais da população que tem por hábito depositar lixo e entulho nos igarapés, aliadas à falta de saneamento encontradas na área, são fatores que contribuem para a prolifera-ção de vetores e propiciam condições para a proliferação de doenças de veiculação hídrica e transmitidas por insetos e outro animais indesejáveis. As enchentes dos rios e os altos índices de precipitação pluviométrica também se constituem em fatores que contribuem para o agravamento do quadro. Em 2003, foram registrados na bacia 806 casos de dengue no Igarapé do Educandos, representando 23% dos casos notificados na cidade de Manaus.

Além da incidência de doenças transmitidas por mosquitos, a precaria infraestrutura existente se faz evidente a partir do número de casos de doenças notificados na Bacia.

Dentre essas doenças, destacam-se as de veiculação hídrica, como a leptospirose, com 40% dos casos da cidade ocorrendo na bacia. A leptospirose está entre as doenças de veiculação hídrica endêmicas em Ma-naus, denotando um importante problema de saúde pública na região. Outros casos de doenças relacionadas estão distribuídos conforme a Tabela 4.

Tabela 4: Doenças presentes no Igarapé do Quarenta.

DOENÇA

CASOS NA BA-CIA

CASOS NA CIDA-

DE

% DE CASOS NA BACIA, EM RELA-

ÇÃO AO TOTAL DE CASOS NOTIFICA-DOS NA CIDADE

AAR 775 2.568 30,2 Chagas 0 1 0,0

Conjuntivite 1 5 20,0 Coqueluche 8 22 36,4

Diarréia 5.804 33.779 17,2 Difteria 1 8 12,5

Febre Amarela 0 1 0,0 Febre Tiróide 3 8 37,5 Hanseníase 103 530 19,4

Hepatite 53 340 15,6 HIV 69 223 30,9

Leptospirose 8 20 40,0 Leshmaniose Tegumentar 193 1.149 16,8

Leshmaniose Viceral 0 1 0,0 Meningite 64 230 27,8

Paralisia Flácida Aguda 1 1 100,0 Parotidite 1 135 0,7

Sífilis Congênita 0 31 0,0 Rubéola Congênita 0 4 0,0

Tétano Acidental 2 4 50,0 Tifus Exantemático 52 268 19,4

Tuberculose 302 1.182 25,5 Varicela 33 712 4,6 TOTAL 7.473 41,222

Fonte: SEMSA (2003).

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9. Considerações finais

A revolução tecnológica permitiu que a humanidade alcançasse níveis cada vez mais elevados de desenvolvimento científico e educacional. No entanto, em Manaus, esse processo avançou pouco no sentido de resolver problemas básicos da população, como a pobreza, e desenvolver formas me-nos predatórias da natureza. A população que habita as áreas marginais dos vários igarapés que fa-zem parte da paisagem urbana de Manaus, em função da situação socioeconômica e descaso do po-der público, vive de forma desumana, em palafitas, em contato com os mais altos graus de degrada-ção ambiental. A ocupação desordenada dos igarapés representa um dos principais problemas na área urbana de Manaus. O uso indiscriminado e inadequado do solo urbano, aliado à falta de infra-estrutura de saneamento básico devido à dificuldade de fornecer estes serviços na mesma velocidade em que a ocupação se processou, levou ao atual cenário de degradação dos mananciais urbanos e das áreas do entorno, e ao risco social a que estão sujeitas as populações que ali vivem.

O quadro apresentado é resultante de insuficiência e desordem do sistema de macro e microdrena-gem, que agrava o problema das cheias e da ocupação do leito dos igarapés pelas palafitas; a carência de habi-tações populares em Manaus, favorecendo a ocupação irregular dos igarapés; a deficiência no sistema de cole-ta de lixo que favorece o despejo do mesmo nos igarapés e que como vimos, contribui para a poluição ambi-ental e a deterioração da qualidade de vida da população.

A criação do Projeto Zona Franca de Manaus foi, sem dúvida, o que marcou o início do processo de expansão urbana que se verifica hoje na cidade de Manaus. Com a política habitacional do BNH a partir de 1967, e com o crescimento populacional motivado pela criação da Zona Franca, a implantação do Distrito Industrial, a falta de alternativas de sobrevivência nos demais municípios do Estado, a demanda por moradia foi parcialmente suprida. A construção de conjuntos residenciais, apesar do aumento do número de casas próprias, ficou longe de resolver os problemas de moradia para a população de baixa renda de Manaus. A população de baixa renda recorreu à construção de suas próprias habitações, sem nenhuma assistência do poder público, resultando em seleção de áreas de risco ou mananciais próximos às áreas de produção da cida-de, como o Distrito Industrial ou mesmo da área central. A maioria das casas foi construída em áreas de ocu-pação que, em geral, são os piores lugares para se morar na cidade. O Igarapé do Quarenta é uma dessas áreas onde as casas foram construídas a partir da ação rápida dos moradores apesar dos riscos e terem consciência da dificuldade da legalização daqueles terrenos pelo poder público.

A lentidão das políticas públicas implementadas em Manaus, especialmente a política habitacional, a falta de conexão entre o discurso oficial dos órgãos públicos das três esferas executivas, a inércia dos poderes legislativos e judiciários, não têm levado em conta os problemas correlatos às populações residentes nos iga-rapés de Manaus: seus desejos, projetos de vida, o que elas fazem e o que querem conseguir; além dos diver-sos obstáculos inerentes às condições de habitação nas áreas ocupadas às margens dos igarapés de Manaus. O gerenciamento da preservação dos mananciais urbanos atribuído aos setores públicos ligados ao Município e ao Estado, são preocupações ambientalistas que precisam ser debatidas, aprofundadas, questionadas e desen-volvidas posteriormente e, consciente de que este problema está longe de ser equacionado, muito pelo con-trário, devemos fomentá-lo em todos os segmentos da sociedade manauara.

10. Referências

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BASTOS, Lília da Rocha . Manual para elaboração de projetos e relatórios de pesquisas, teses, dissertações e monografias. Rio de Janeiro: LTC, 2003.

BRESSAN, Delmar. Gestão racional da natureza. São Paulo: HUCITEC, 1996.

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GUEDES, L.O. Meio Ambiente e sustentabilidade. Brasília: UnB, 2002.

INPA - INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS DA AMAZÔNIA. Avaliação de Recursos Hídricos da Região Metropolitana de Manaus. 1997 – 2000. Relatório do Projeto, 2001.LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

TEIXEIRA, Suzana Maria Ferreira Gomes. Administração aplicada às unidades de alimentação e nutrição. Rio de Janeiro: Atheneu, 2001.

OLIVEIRA, Darci Andrade. Gerenciamento de bacia hidrográfica: Aspectos conceituais e metodológicos. Brasília: IBA-MA, 2000.

TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em Ciências Sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.

TUCCI, Carlos E.M. Hidrologia, Ciência e Aplicação. Porto Alegre: UFRS, 2000.

VERGARA, Sylvia Constant. Gestão de pessoas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

______. Métodos de pesquisa em administração. São Paulo: Atlas, 2005.

______. Projetos e relatórios de pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas, 2000

VILLELA, Swami Marcondes. Hidrologia aplicada. São Paulo: Ed. McGraw-Hill, 2001.

Enviado para publicação: 22/12/2011

Aceito para publicação: 30/01/2012

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13. MEIO AMBIENTE E SUA TRANSVERSALIDADE NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

ENVIRONMENT AND THEIR TEACHING

IN PRACTICE TRANSVERSALITY Alziene Alves Guilherme1

Resumo. O surgimento e o desenvolvimento da Educação Ambiental como método de ensino é fruto da conscientização da problemática ambiental. Os Parâmetros Curriculares Nacionais a-presentam os conteúdos do tema Meio Ambiente, integrados às áreas de ensino numa relação de transversalidade. O artigo apresenta a necessidade de uma implantação efetiva da Educação Ambiental na prática educativa. A proposta da transversalidade pode causar algumas discussões conceituais e relacionais à interdisciplinaridade. Porém é no fazer e refazer pedagógico que no-vos conceitos surgem, novos valores são construídos. A educação é elemento indispensável na transformação da consciência ambiental. A primeira parte do artigo irá mostrar um breve histó-rico da Educação Ambiental no mundo e no Brasil. Depois serão apresentadas proposições de práticas pedagógicas que contemplem uma visão global e abrangente da questão ambiental. Também está sugerido a reflexão sobre o tema da Agenda 21 Escolar.

Palavras-chave. Educação Ambiental – PCNs – Transversalidade – Agenda 21 Escolar

Abstract. The rise and development of environmental education as a method of teaching is the outcome of the awareness of environmental issues. The National Curriculum Parameters show the contents of the theme Environmental Education integrated areas of teaching in an interac-tion’s relationship. The article presents the call for an effective implementation in educational practice. The proposal of transversality can cause some conceptual and relational discussions about interdisciplinarity. But it is in the teaching making and remaking that new con-cepts rise, new values are built. Education is an indispensable factor in the transformation of environmental awareness. The first part of the article will show a brief history of environmen-tal education worldwide and in Brazil. After it will be presented the proposals of pedagogical practices that include a comprehensive overview of environmental issues. It is also suggested some consideration about of Agenda 21 School.

Keywords. Environmental Education – PCNs – Transversality – Agenda 21 School

1 Professora do Colégio Militar de Fortaleza (CMF).

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1. Introdução

Considera-se que o movimento ambientalista tenha surgido na Inglaterra, berço da Revolução Indus-trial, na segunda metade do século XVIII influenciado pelas mudanças de atitudes da humanidade em relação à natureza. Em pouco tempo ficou claro que havia uma crise de relações entre sociedade e meio ambiente. Na década de 60, do séc. XX, o movimento ecológico traz em uma das suas propostas a difusão da educação ambiental como ferramenta de mudanças nas relações do homem com o meio ambiente.

A preocupação em trazer as questões ambientais para o âmbito escolar vem crescendo desde a déca-da de 60 no Brasil. Porém, foi a partir da década de 70 com o crescimento dos movimentos ambientalistas, que adotou a expressão Educação Ambiental. Um passo muito importante para a efetivação foi dado pela Constituição promulgada em 1988 onde se assume como obrigação nacional a responsabilidade individual e coletiva em níveis local, nacional e planetário. A Educação Ambiental na Constituição da República Federati-va do Brasil se tornou direito a ser garantido pelos governos federal, estadual e municipal.

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988, Art.225).

Assim, assegura-se a efetividade desse direito incumbindo ao Poder Público promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.

“A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal” Lei 9.795/99 art.2º. (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO, 1999).

O foco da educação ambiental não está na natureza nem no homem. O foco está na relação homem-natureza e nas conseqüências desta relação. A Educação Ambiental está longe de ser algo tranqüilo a ser apli-cado. Ela exige mudanças comportamentais e atitudes transformadoras. É preciso além de conhecimento, refazer alguns conceitos. A Educação Ambiental não é responsabilidade apenas das autoridades governamen-tais, todos somos responsáveis em integrar conhecimentos, aptidões, valores, atitudes e ações. O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global declara que:

A educação é um direito de todos; somos todos aprendizes e educadores. A educação am-biental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar, em seus modos formal, não-formal e informal, promovendo a transformação e a constru-ção da sociedade. A educação ambiental é individual e coletiva. Tem o propósito de formar cidadãos com consciência local e planetária, que respeitem a autodeterminação dos povos e a soberania das nações. A educação ambiental não é neutra, mas ideológica. É um ato polí-tico. A educação ambiental deve envolver uma perspectiva holística, enfocando a relação entre o ser humano, a natureza e o universo de forma interdisciplinar.

2. PCNs e Transversalidade

Para a aplicabilidade da diversidade de assuntos nas práticas pedagógicas os PCNs apresentam Ética, Meio Ambiente, Saúde, Educação Sexual, Pluralidade Cultural, Trabalho e Consumo como temas transver-sais. No livro Temas Transversais em busca de uma Nova Escola, de Rafael Yus, encontramos a seguinte definição de temas transversais:

Temas transversais são um conjunto de conteúdos educativos e eixos condutores da ativi-dade escolar que, não estando ligados a nem matéria particular, pode se considerar que são comuns a todas, de forma que, mais do que criar novas disciplinas, acha-se conveniente que seu tratamento seja transversal num currículo global da escola. (YUS, 1988, p. 17).

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Nesse sentido, a Educação Ambiental, não sendo um conteúdo nem uma matéria em si, é uma pro-posta temática, um meio para se chegar a um fim. A sua transversalidade alcança todas as áreas de ensino. A transversalidade permite ao profissional tomar o tema como base para desenvolver uma postura crítica e res-ponsável nos alunos contribuindo para produção e construção de conhecimentos contínuos. Ao desenvolve-rem atividades de educação ambiental tanto professores quanto alunos vivem novas situações de aprendiza-gem. E é nesse fazer e refazer que se constrói o aprimoramento da cidadania, se faz e refaz conceitos, se re-novam valores e princípios. A perspectiva ambiental deve levar alunos a uma reflexão sobre as problemáticas que interferem em sua vida, sua cidade, seu país, no mundo.

A inserção dos temas transversais no currículo escolar deve, segundo os PCNs, considerar que:

• os temas não constituem novas áreas, pressupondo um tratamento integrado nas diferentes áreas;

• a proposta de transversalidade traz a necessidade de a escola refletir e atuar conscientemente na e-ducação de valores e atitudes em todas as áreas, garantindo que a perspectiva político-social se ex-presse no direcionamento do trabalho pedagógico; influencia a definição de objetivos educacionais e orienta eticamente as questões epistemológicas mais gerais das áreas, seus conteúdos e, mesmo, as o-rientações didáticas;

• a perspectiva transversal aponta uma transformação da prática pedagógica, pois rompe a limitação da atuação dos professores às atividades formais e amplia a sua responsabilidade com a sua formação dos alunos. Os Temas Transversais permeiam necessariamente toda a prática educativa que abarca re-lações entre os alunos, entre professores e alunos e entre diferentes membros da comunidade escolar;

• a inclusão dos temas implica a necessidade de um trabalho sistemático e contínuo no decorrer de toda a escolaridade, o que possibilitará um tratamento cada vez mais aprofundado das questões elei-tas [...]. (BRASIL, 1998, p. 28-29).

As áreas de Ciências Naturais (biologia, química, física), História e Geografia já são parceiras tradi-cionais. As demais áreas ganham importância fundamental dentro de suas especificidades. A Língua Portu-guesa em suas literaturas e leituras, a Arte em suas diversas formas de expressão, a Língua Estrangeira em sua pluralidade sociocultural. A proposta da transversalidade pode causar algumas discussões conceituais e rela-cionais à interdisciplinaridade.

A interdisciplinaridade é vista como uma abordagem epistemológica que questiona a visão disciplinar fragmentada do conhecimento. A interdisciplinaridade perpassa todos os elementos do conhecimento, pres-supondo uma integração entre eles. Segundo Ivani Fazenda “a interdisciplinaridade não se ensina, não se aprende, apenas vive-se, exerce-se e por isso exige uma nova pedagogia, a da comunicação.” (FAZENDA, 1979, p. 10-18)

No livro Prática Interdisciplinares na Escola, organizado por Ivani Fazenda, Ferreira (1993, p.21-23), ressalta que no idioma latino

O prefixo ‘inter’ dentre as diversas conotações que podemos lhes atribuir, tem o significado de ‘troca’, ‘reciprocidade’, e ‘disciplina’, de ‘ensino’, ‘instrução’, ‘ciência’. Logo, a interdisci-plinaridade pode ser compreendida como sendo a troca, de reciprocidade entre as discipli-nas ou ciências, ou melhor, áreas do conhecimento.

A concepção de transversalidade, da mesma forma que da interdisciplinaridade, se baseia na crítica ao processo de fragmentação do conhecimento. De acordo com os PCNs

Ambas - transversalidade e interdisciplinaridade - se fundamentam na crítica de uma con-cepção de conhecimento que toma a realidade como um conjunto de dados estáveis, sujei-tos a um ato de conhecer isento e distanciado. Ambas apontam à complexidade do real e a necessidade de se considerar a teia de relações entre os seus diferentes e contraditórios as-pectos. Mas diferem uma da outra, uma vez que a interdisciplinaridade refere-se a uma a-bordagem epistemológica dos objetos de conhecimento, enquanto a transversalidade diz respeito principalmente à dimensão da didática. (BRASIL, 1998,p. 29).

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A transversalidade ainda propõe:

A possibilidade de se estabelecer, na prática educativa, uma relação entre aprender conhe-cimentos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida re-al e de sua transformação (aprender a realidade da realidade). (BRASIL, 1988, p. 30).

Sendo assim, o Meio Ambiente e sua transversalidade na prática pedagógica resgata valores funda-mentais à democracia e cidadania. É um tema em debate na sociedade atual e que promove reflexões sobre as nossas ações presentes e suas conseqüências nas gerações futuras.

3. Meio Ambiente no Planejamento Escolar

A perspectiva da aplicabilidade do tema Meio Ambiente nas áreas de ensino inclui um trabalho siste-mático e contínuo. De acordo com os PCNs Temas transversais - Meio Ambiente, o desenvolvimento nas atividades escolares com esse tema, pode dependendo de como é tratado, se constituir um novo espaço revi-gorador da vida escolar, da prática pedagógica. Ele pode reavivar debates entre alunos de várias idades e clas-ses, comunidade escolar, entre escola e bairro, e ainda, entre instâncias maiores da administração pública.

É importante que a comunidade escolar e a sociedade em seu entorno, reflita juntamente sobre o te-ma Meio Ambiente e como ele pode ser abordado e desenvolvido de forma a trazer sustentabilidade para a comunidade. Sobre os objetivos que se pretendem atingir, e como alcançar suas metas. É aqui que entra a proposta da implantação da Agenda 21 Escolar.

A Agenda 21 é um documento concebido na Conferência Rio-92, também conhecida como Eco-92, realizada na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1992 para implantação global, prevendo, em mais de 40 tópicos, as possibilidades de desenvolvimento sustentável para o planeta, onde se possa gerar desenvolvimen-to sem prejuízos à qualidade de vida do ser humano e às condições ambientais. O programa criado por repre-sentantes de mais de 179 países tem por missão procurar um novo padrão de desenvolvimento para o século XXI.

A Agenda 21 Escolar, amparada na sustentabilidade ambiental, social e econômica no âmbito da es-cola propõe implantar o plano escolar de desenvolvimento sustentável com projetos de cunho socioambien-tal.

4. O que é a Agenda 21 Escolar?

A Agenda 21 escolar é a formatação do texto base da Agenda 21 local para aplicação no meio de in-fluência da escola, tanto nos recintos escolares, como no meio familiar e social onde tal influência é exercida. Visa da mesma forma que as demais agendas, a sustentabilidade social e econômica, atendendo às necessida-des humanas para uma vida digna e a proteção do meio ambiente, tanto o ambiente utilizado pelos cidadãos, como formados pelos ecossistemas da região.

A construção da Agenda 21 Escolar garante uma infra-estrutura de base sólida para o desenvolvi-mento sustentável local, nacional e global. É um instrumento a ser utilizado na prática da interdisciplinaridade das atividades escolares e desenvolvimento da transversalidade do tema Meio Ambiente.

Portanto, nada mais útil e proveitoso do que se começar um processo de elaboração da Agenda 21 dentro do âmbito de atuação direta e indireta da escola.

5. Conclusão

A partir da atual conjuntura em que nos encontramos, pode-se concluir a importância de desenvolver práticas pedagógicas que realmente visem a interdisciplinaridade e a transversalidade. Educação Ambiental não é conteúdo específico de nenhuma disciplina, é um tema que deve ser abordado por todos, independente de lugar e formação, deve ser ensinado e aprendido. O assunto quando aplicado no âmbito escolar deve al-cançar todos os níveis e modalidades do processo educativo. O assunto transpassa as disciplinas ao mesmo tempo em que dá as mãos para cada uma delas. Assim, o tema resgata valores importantes para o regate da democracia e cidadania.

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Apesar de muitos professores desconhecerem os PCNs em suas respectivas áreas, é hora de conhecer mais sobre temas que não dizem respeito as suas disciplinas de ensino, e isso requer sair da sua área de con-forto para desestruturar conceitos antigos e reestruturar o novo em sala de aula, e por conseqüência em suas vidas.

Enfim, é preciso se reorganizar no presente e se planejar para o futuro. A Agenda 21 Escolar traz em sua implantação a proposta de transformação de atitudes e a possibilidades de gerar um desenvolvimento sustentável para a comunidade escolar e a sociedade local.

Referências

AGENDA 21 BRASILEIRA. Bases para a discussão, da Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21 Nacional. Brasília: 2000.

BRASIL. Leis, Decretos. Lei n. 9.795, de 27/4/99. Documenta, Brasilia, n. 451, p. 227-233, abr. 1999. Publicado no D.O.U de 9/4/99, seção I, p. 1.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: temas transversais, ética / SEF. – Brasília: 1997

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental. Temas trans-versais: MEC/SEF, 1998.

FAZENDA, Ivani C. A. Práticas Interdisciplinares na escola. São Paulo: Cortez 1993.

YUS, Rafael. Temas transversais: em busca de uma nova escola. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed 1998.

BOVO, Marcos Clair. Interdisciplinaridade e Transversalidade como Dimensões da Ação Pedagógica. Revista Urutá-gua- revista acadêmica multidisciplinar – Quadrimestral – Nº 07 – Ago/set/out/nov- Maringá – Paraná – Brasil disponível <http://www.uem.br/urutagua/007/bovo.htm> acesso em: 25 de nov. 2009.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/educacaoambiental/tratado.pdf

Documentos on-line:

http://www.ambientebrasil.com.br - Acesso em: 12 Nov. 2009.

http://www.pr.gov.br.meioambiente – Acesso em: 12 Nov. 2009.

http://www.mma.gov.br/agenda21 - Acesso em: 12 Nov. 2009.

Enviado para publicação: 05/12/2011

Aceito para publicação: 30/01/2012

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14. MUDRÁS: Origens e associação ao Yoga

MUDRÁS: Origins and association with Yoga

Andréa Rebouças Matias da Silveira1

Rickardo Léo Ramos Gomes

2

Resumo. O presente levantamento bibliográfico apresenta a evolução dos mudrás ao longo da história, ciência, filosofia e religião. Os mudrás são gestos feitos com as mãos ou com o corpo, que possibilitam a sintonia com frequências energéticas específicas dentro do nosso ser. A pa-lavra significa gesto ou selo e este significado vai ao encontro da propriedade essencial dos mudrás. Os mudrás têm sua origem em várias civilizações, dentre essas a védica (Índia 5000 anos atrás) onde os gestos eram aliados aos mantras para que os sacerdotes pudessem se co-nectar ao cosmos e a terra, para então alcançar determinado benefício. Presente na iconografia hindu e budista, os mudrás foram utilizados como gestos simbólicos que atribuíam ao prati-cante ou devoto o mesmo estado de espírito ou qualidade da divindade adorada, propiciando um estado próprio à meditação e gerando uma profunda atmosfera de crença. Os mudrás che-garam ao Yoga através do tantrismo, onde se observa sua utilização em rituais para o progresso no caminho espiritual. Nesses rituais, o corpo trabalhado (Ásanas) através de gestos simbólicos (Mudrás) e aliados à emissão das sílabas sagradas (Mantras) conduzem o yogi a diversos está-gios e experiências no caminho da iluminação. Sem muitas pretensões, as páginas que se se-guem a este resumo representam apenas uma breve caminhada pelo universo oriental em bus-ca das origens dos mudrás, bem como de sua associação ao Yoga.

Palavras-chave. Yoga – Mudrás – Ásanas

Abstract. This bibliography presents the evolution of mudras throughout history, science, philosophy and religion. Mudras are gestures made with hands or with the body, enabling the tuning frequency with specific energy within our being. The word means gesture and its signifi-cance or seal meets the essential property of mudras. The mudras has its origin in various civi-lizations, among them the Vedic (India 5000 years ago) where the gestures were allied to the mantras that the priests could connect to the cosmos and the earth, then to achieve some bene-fit. Present in Hindu and Buddhist iconography, the mudras were used as symbolic gestures that attributed to the devout practitioner or even a mood or quality of the deity worshiped, providing a proper state of meditation and generating an atmosphere of deep belief. The mu-dras reached through Yoga Tantra, where it notes its use in rituals for progress on the spiritual path. In these rituals, the body worked (asanas) through symbolic gestures (mudras) and allied with the issue of sacred syllables (mantras) lead the yogi and experience the various stages on the path to enlightenment. Without many pretensions, the pages that follow this summary rep-resent only a short walk east across the universe in search of the origins of the mudras, and its association with Yoga.

Keywords: Yoga – Mudras – Asanas

1 Professora do Colégio Militar de Fortaleza (CMF); bióloga, aluna da pós-graduação em Ciência do Yoga: sua filosofia e prática, Uniaméricas, Fortaleza, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Prof. M. Sc. Rickardo Léo Ramos Gomes, Uniaméricas, Fortaleza, Brasil. E-mail: [email protected]

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1 INTRODUÇÃO

O Yoga, um dos Darsanas ou “pontos de vista” do pensamento védico, representa um conjunto de ensinamentos ou técnicas que têm por objetivo a percepção do Si mesmo ou Purusha, situado além do ego. Seus primeiros registros históricos datam da Era Védica (4500 a.C – 2500 a.C), muito embora sua origem tenha se perdido ao longo das lendas e das civilizações indianas que ocuparam o vale do Indo cerca de 5000 a.C (TINOCO, 2005).

Transcendendo a prática e/ou trabalho corporal, a ciência do Yoga foi recebendo influência de diversas civilizações e culturas ao longo do tempo. Os mudrás, gestos feitos com as mãos e com o corpo, tendo sua origem enquanto expressão artística na dança indiana, representam uma dessas interações que vieram agregar ao Yoga um simbolismo e aplicabilidade até então não enfatizados, a saber, a mobilização energética para fins psicofísicos.

As primeiras referências dessa associação “Yoga - mudrá” são encontradas nas escrituras do Hatha-Yoga, uma técnica de integração ou unificação natural do homem mediante a progressiva purificação do cor-po, a perfeição de seu funcionamento e a crescente integração e harmonização da mente (SOUTO, 2009).

Dentre essas escrituras, merecem destaque o Hatha Yoga Pradipika e o Gherandha Samhita por traze-rem indicações diretas dessa associação. Das escrituras antigas que remontam às origens da nação indiana até o ocidente de nossa atualidade, longo foi o caminho percorrido por essas técnicas milenares, sendo um marco desse fluxo de conhecimentos oriente-ocidente, a palestra proferida por Swami Vivekananda no Parlamento das Religiões em 1893, nos Estados Unidos da América (TINOCO, 2005).

Os estudos e pesquisas sobre o orientalismo só aumentaram desde então, resultando num crescente interesse pelas filosofias e práticas orientais, em especial, o Yoga e as terapias ayurvédicas.

Nesse universo, os mudrás, “selos” utilizados no oriente como símbolos estéticos, espirituais e terapêuticos não se dissociam dessas práticas, tornando-se necessário para compreensão do Yoga, tal como o conhecemos e praticamos na atualidade, conhecer a origem dos mudrás e compreender como os mesmos foram sendo incorporados às expressões corporais ao longo da história das civilizações orientais.

Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo geral, estudar a origem dos mudrás e sua asso-ciação ao Yoga. Para isso, torna-se necessário apresentar a história dos mudrás, identificar, a luz da bibliogra-fia de referência, os principais mudrás e suas utilizações no âmbito das artes, religião e Yoga e identificar a relevância da integração dos mudrás às práticas de Yoga.

Os mudrás, enquanto técnicas manuais e corporais, possibilitam a sintonia com freqüências energéti-cas específicas dentro do nosso ser. A execução consciente de um mudrá aliado a um ásana (postura corporal) poderá promover estados alterados de consciência pelo estímulo às diversas terminações nervosas presentes em nosso corpo.

De Luca (2003) relaciona várias pesquisas científicas que ratificam o efeito salutar da prática regular de Yoga. Dentro desse contexto, a associação Yoga-mudrá gera uma energia quase palpável, capaz de gerar e manter o fluxo equilibrado do prana, possibilitando ao praticante conter, dirigir ou aumentar sua força vital e, por consequência, sua qualidade de vida em termos físicos, psíquicos e espirituais.

Fundamentando-se no acima exposto, e, como praticantes e instrutores de Yoga, o interesse pelo tema surgiu da necessidade de ampliar nosso conhecimento sobre os mudrás, possibilitando sua integração ao Yoga por meio da prática associada de ásanas e mudrás.

Esperamos, pautados na carência de trabalhos em língua portuguesa sobre os mudrás, que nossa pesquisa sobre a origem dos mudrás traga mais um pouco de luz sobre o tema e corrobore com a prática regular dessas técnicas milenares, bem como contribua para transmissão desses saberes, por meio da interação instrutor-aluno, nas sessões de Yoga.

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Ao longo da história diversas expressões e interpretações foram sendo sugeridas pelas imagens ou gestos simbolizados pelas mãos. Nos sítios arqueológicos, não raramente, as pinturas rupestres registram a utilização das mãos para representação de rituais religiosos, gestuais de adoração ou temor, e para descrição dos fatos do cotidiano.

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Na idade antiga e no período medieval, uma espécie de “memória da mão”, conforme Bulhões (2000), percorre silenciosamente o processo de criação artística. A presença da mão engaja relações abstra-tas, mitos, fantasias e conhecimentos, trazendo para o âmbito das artes visuais valores míticos de diferentes tradições.

A imagem das mãos foi sendo impregnada de forças significativas derivadas dos diversos rituais que, em muitas culturas, foi tomada como ponto central. O budismo, por exemplo, deu às mãos significativa importância enquanto pólo energético, pintando-as com desenhos simbólicos e representativos de vários gestos reflexológicos. Nos mudrás, associados ao budismo, cada dedo recebe um significado, e, sua posição em determinado gesto, corresponde a uma intenção conceitual.

A cura pela energia das mãos é bem conhecida por inúmeras culturas, passando pela simples pres-são sobre pontos específicos (Do-in), pela utilização dos mudrás para condução de prana, definido por Desi-kachar (2007) como energia vital que flui continuamente dentro de nós e que mantém as nossas funções corporais, e pelos gestos mágicos realizados pelos Xamãs.

As religiões, de uma forma geral, têm utilizado de toda uma codificação gestual das mãos para evi-denciar momentos específicos em rituais ou para a aquisição/expressão de alguma qualidade física ou etéri-ca, a exemplo do que ocorre na imposição das mãos em mudrás.

Estando as mãos presentes na iconografia de várias religiões, em especial, no hinduísmo e no bu-dismo, e possuindo tantas significações e utilizações, mostra-se bastante pertinente apresentar os mudrás, como expressões vivas das mãos, em todas as suas dimensões: mitológica, artístico-cultural e yogi.

2.1 Mudrás: Dimensão Mitológica

Todas as civilizações e diferentes culturas se perguntaram, através dos tempos, sobre a origem do universo. As respostas dadas a essa pergunta formam o que hoje denominamos de “Mitos da Criação”.

Conforme cita Biondillo (1998) dentre os mitos da criação, existe o de Brahma, que ao lado de Vish-nu, o preservador, e Shiva, o transformador, compõem a trindade hinduísta. Na representação dessa origem primordial do universo, a criação consciente surge a partir do selo de Brahma, o Brahma Mudrá:

Diz a lenda que Brahma sentou-se em serena meditação e concebeu o universo, bem como sua multiplicidade de seres, de sua substância primordial. Num dos instantes da criação uma figura feminina brota de sua visão. Era aurora, ou Saraswati. Brahma, consciente de tal presença, abandona sua postura yogue, surgindo Kama, o desejo. Embriagado pela beleza da energia feminina desenvolve uma nova cabeça para cada direção seguida por Saraswati. (BIONDILLO, 1998, p.33).

Na lenda mito da criação do universo, descrita no texto acima, o movimento lento da cabeça de Brahma nas quatro direções, representa um mudrá, o Brahma Mudrá (Figura 1).

Figura 1 – Brahma-Mudrá

Fonte: RAMM-BONWITT, Y. (2005).

Essa primeira citação dos mudrás tem sua origem nos Vedas, sendo repleta de simbolismo. Os mu-

drás realizados poderiam significar as quatro yugas (Krita, Treta, Dvepara e Kali), as quatro metas da vida (Ar-tha, Kama, Dharma e Moksha) ou os quatro Vedas (Rig, Yajur, Sama e Atharva).

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Na iconografia hindu os vários mudrás e hastas (posições dos braços), juntamente com os ásanas (posições corporais); conforme relata Ramm-Bonnwitt (2005) fazem parte dos sinais de diferenciações das numerosas divindades. Nas posições das mãos o crente lê, não apenas o poder e a capacidade de uma divin-dade adorada, mas também, uma determinada expressão de sentimento. No hinduísmo, os mudrás também são representações simbólicas das intenções das divindades em relação aos seus devotos. O Chin-Mudrá (Figura 2), por exemplo, simboliza o anunciador da doutrina e indi-ca ao devoto a execução da anunciação dos conhecimentos e das leis doutrinárias. O gesto da sabedoria, Jnana Mudrá (Figura 3), simboliza a sabedoria de Deus e induz o crente à postura de observação.

Figura 2 – Chin-Mudrá Figura 3 – Jnana – Mudrá Fonte: RAMM-BONWITT, Y. (2005). Fonte: RAMM-BONWITT, Y. (2005).

Esses e tantos outros mudrás do hinduísmo não só representam expressões divinas, mas trazem ao

devoto a oportunidade de desenvolver em si, as qualidades manifestadas pelos Deuses, bastando para esse fim, reproduzir esses mesmos gestos de mãos e braços ou as posturas corporais. Ramm-Bonwitt (2005) afirma que o significado espiritual das mãos encontrou expressão perfeita na arte e religião budistas, que do segundo ao quarto séculos, passaram por uma fase de acentuada riqueza for-mal. Para representar determinados episódios da vida de Buda e de sua doutrina, os artistas utilizaram seus gestos de mão que se tornaram símbolos iconográficos. No decorrer dos séculos, os budas e bodhisattvas, do budismo Mahayana, representados iconograficamente com seus gestos simbólicos e atributos, propiciaram o estado de espírito próprio da meditação e criaram uma profunda atmosfera de crença.

O budismo teve seu início no ano 258 a.C. quando Siddartha Gautama alcançou a iluminação sob a árvore Bodhi. Segundo a doutrina budista, orações e oferendas ou atos de culto não trazem a salvação, mas única e exclusivamente o conhecimento e a fé na própria força o fazem. Após a morte de Buda, a crença na salvação pelas próprias forças viu-se abalada.

A necessidade de um Deus auxiliador, levou os crentes a elevarem Buda à figura divina e, a partir do primeiro século da era cristã, os homens se desviaram da regra de não representar o “Perfeito”. Todas as estátuas do Buda, por mais que sejam diferentes individualmente, coincidem em muitas coisas, postura do corpo, posição das mãos e assim por diante.

Os três principais símbolos do budismo – a iluminação, o renascimento e o nirvana – são represen-tados por três posturas básicas. A figura de Buda sentado representa a iluminação (Figura 4), as imagens em pé simbolizam o seu renascimento (Figura 5), sua passagem para o nirvana (Figura 6) é simbolizada pela postura deitada.

Figura 4 - Iluminação Figura 5 – Renascimento

Fonte: HOMENKO, R. SILVA, G. (1999). Fonte: HOMENKO, R. SILVA, G.(1999).

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Figura 6 – Nirvana

Fonte: HOMENKO, R. SILVA, G. (1999).

Com relação aos gestos de mãos, Ramm-Bonwitt (2005) identifica apenas seis mudrás a partir da i-conografia de Gautama Buda: o gesto da meditação, Dhyani-Mudrá (Figura 7); o gesto da iluminação, Bumi-parsha-Mudrá (Figura 8); o gesto da pregação, Darmachakra-Mudrá (Figura 9); o gesto da discussão, Vitarka-Mudrá (Figura 10); o gesto da misericórdia, Varada-Mudrá (Figura 11) e o gesto para afastar o medo ou da proteção, Abhaya-Mudrá (Figura 12).

Figura 7- Dhyani-Mudrá Figura 8 – Bumiparsha-Mudrá Fonte: RAMM-BONWITT, Y. (2005). Fonte: RAMM-BONWITT, Y. (2005).

Figura 9 – Darmachakra-Mudrá Figura 10 – Vitarka- Mudrá Fonte: RAMM-BONWITT, Y. (2005). Fonte: RAMM-BONWITT, Y. (2005).

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Figura 11 – Varada-Mudrá Figura 12 – Abhaya-Mudrá

Fonte: RAMM-BONWITT, Y. (2005). Fonte: RAMM-BONWITT, Y. (2005).

Vale ressaltar que, enquanto executa esses mudrás, o Buda também realiza ásanas, revelando a sutil associação entre o Yoga e os mudrás. Dentre as posturas realizadas por Gautama, são comuns as represen-tações das posições de lótus ou Padmásana (Figura 13) e do herói ou Virasána (Figura 14).

Figura 13 – Padmásana Figura 14 – Virásana Fonte: TACCOLINI, M. (2011). Fonte: TACCOLINI, M. (2011).

No tantrismo, onde se observa os mudrás intimamente ligados aos rituais, os recursos mais impor-tantes para o progresso no caminho espiritual são a recitação de mantras, as técnicas iogues de visualização e o emprego de gestos manuais simbólicos. Em cada ritual tântrico através da trindade do corpo (mudrá), da palavra (mantra) e do espírito (visualização), a imagem do deus ou deusa é invocada para que se alcance a unidade com ele ou ela, e para que a própria pessoa se torne divindade.

Tanto o hinduísmo como o budismo passaram por um movimento tântrico, que no século XIII, tinha se transformado em um fenômeno pan-indiano. Os primeiros fundamentos literários do tantrismo hinduísta encontram-se nos Shiva-Tantras (Séculos VII e IX), nos quais se verifica o esforço em prol do as-pecto de unidade do casal Shiva e Shakti (Shivaísmo/Shaktismo).

Lama Govinda (1997) refere-se aos textos tântricos como sendo obscuros e incompreensíveis aos iniciados. Para que se possam decifrar esses textos é preciso aprender a diferenciar, o que está sendo expres-so em palavras do simbolismo do que está sendo expresso por meio de mudrás, mantras e visualizações.

Ao mesmo tempo em que o tantrismo hinduísta passava por um grande florescimento, surgiam também tendências semelhantes no budismo. Essa orientação tântrica do budismo passou a ser reconhecida como “budismo esotérico”.

No ponto central do budismo tântrico estão três segredos (guhya) do pensamento, discurso e corpo. Nos rituais do budismo tântrico, conforme cita Ramm-Bonwitt (2005), o mestre espiritual ou guru re-presenta os três lados de nossa existência: o corpo atua através dos gestos (mudrás), a linguagem encontra-se encerrada nas sílabas sagradas (mantras) e o espírito é simbolizado através das visualizações.

No budismo tântrico encontramos inumeráveis mantras e mudrás cuja repetição regula o fluxo da respiração e acalma o espírito.

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Outra característica do budismo tântrico Vajrayana (veículo do diamante) é a adoração de divinda-des iniciatórias femininas, que são chamadas de Dakinis. Os Budas, Bodhisattvas, Dakinis e Sadhitas, do budis-mo Vajrayana, com seus diversos atributos representados pelos gestuais das mãos ou mudrás são uma indi-cação dos estágios e experiências que o yogi percorre em seu caminho rumo à iluminação.

2.2 Mudrás: Dimensão Artístico-Cultural

A dança sempre ocupou um lugar de destaque na vida em comunidade, dança-se para os mais diver-sos fins, para despertar o psiquismo coletivo da tribo, para ascender à sacralidade, para renovar as relações entre o céu e a terra através das chuvas, para promover a fertilidade ou para conectar-se com o ritmo do cosmos.

Segundo Kupfer (2001), para os hindus, a dança não é uma criação humana nem um produto de uma cultura, é o fruto de uma revelação divina. O próprio Brahma criou um quinto Veda, chamado Náthya (teatro), nele todos os temas da mitologia e da tradição épica estariam combinados.

A dança indiana é tão antiga quanto o próprio Yoga, tendo sido encontradas estatuetas de dançari-nos e dançarinas em escavações arqueológicas da cultura do Vale dos Indus, com mais de 5000 anos de antiguidade.

O Bhárata Nátyam, a dança clássica indiana, constitui uma expressão humanizada do ritmo cósmico, sendo portadora de aspectos filosóficos e religiosos da cultura hindu.

A dança indiana, segundo Kupfer (2001), tem função formativa, construtiva e exemplificante. As mãos se movimentam com grande harmonia. Os gestos trabalhados através de longos anos de intenso trei-namento evocam diferentes aspectos da sabedoria, paisagens, campos de batalha, combates entre deuses e demônios e uma infindável quantidade de sentimentos e emoções, que variam segundo o contexto.

Como a maioria das danças retrata a recriação de sagas e mitos do hinduísmo, existe uma identifica-ção (Nyása) que se estabelece a partir dos mudrás que falam desses mitos. Segundo o Vishnudharmottara, tratado clássico sobre artes, as manifestações artísticas, em especial a dança, trabalha com dois recursos, rasas e bhávas. Os rasas são as nove qualidades essenciais ou sentimentos e os bhávas são as expressões ou inclina-ções da consciência que eram transmitidas pelo movimento do tronco, braços e pernas, pelas mudanças sutis dos olhos, sobrancelhas e dedos.

A utilização dos mudrás, segundo Nabão (2004) não é uma exclusividade da dança indiana. Ratifi-cando essa afirmação, a bailarina e pesquisadora dos mudrás, Sabrina Mesko (2003), relata a presença de gestos feitos com as mãos nas expressões artístico-culturais de diversas civilizações, como por exemplo, nas danças egípcias e nas pantomimas greco-romanas.

A linguagem das mãos é tão importante nas diversas manifestações e expressões corporais que, segundo Ramm-Bonwitt (2005) dentro do Natyashastra, manual de toda a arte performática indiana, foi a-crescentado um segundo texto, o Abhinaydarpana, que trata da linguagem gestual das mãos, das mudrás e hastas.

No Abhinayadarpana são descritos vários gestos manuais que trazem para a dança indiana uma rique-za de simbolismos e significações.

2.3 Mudrás: Dimensão Yogi

As primeiras citações sobre a associação Yoga-mudrás são encontradas no Hatha-Yoga que tem suas raízes no tantrismo. O termo Hatha indica a doutrina tântrica sobre a qual o Hatha-Yoga foi construí-do. No tantrismo, “ha” simboliza a energia positiva, o sol, e “tha” a negativa, a lua. Com isso hatha é a ex-pressão do equilíbrio entre as correntes positiva e negativa no ser humano. Na mitologia tântrica esse equilí-brio representaria a fusão de Shiva e Shakti.

No Hatha-Yoga, conforme cita Ramm-Bonwitt (2005), a palavra mudrá designa tanto posturas das mãos quanto do corpo. Os mudrás, descritos nos textos yogues, sensibilizam o praticante a perceber de forma mais intensa as mensagens de seu corpo e se abandona às energias sutis que o percorrem.

Ramm-Bonwitt (2005) afirma ainda que a associação entre os mudrás e os bandhas (contra-ções/pressões), permite ao yogi controlar sua respiração (pranayama). O hatha-yogue que domina essas téc-

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nicas, não é mais perturbado pela incessante atividade de seu espírito, encontrando-se num estado de pro-funda concentração, vivência, calma e paz perfeita.

Registros históricos mostram que nas culturas Harappa e Mohenjo-Daro, cujo auge pode ser colo-cado entre 2500 a.C e 2000 a.C., encontram-se posturas corporais em representações iconográficas que são utilizadas no Hatha-Yoga.

Os Vedas, as Upanishads, o Mahabharata e a Bhagavad-Gita descrevem posturas corporais do Hatha-Yoga sem, no entanto mencionar o termo hatha.

Ramm-Bonwitt (2005) cita que o conceito de Hatha-Yoga está ligado ao nome de um asceta, Gora-naknath, fundador de uma ordem denominada Kanphata-yogi. Goranaknath teria vivido entre os séculos IX e XII depois de cristo, sendo por ele estabelecida uma tênue relação entre o budismo tântrico e o tantrismo Shivaíta, a alquimia e o Yoga.

A literatura dos Kanphata-yogi contém vários textos hatha-yogues tais como o Hatha-Yoga Pradipiká, Gheranda-Samhita e o Shiva-Samhita. Nesses textos, o Yoga seria um meio para se alcançar a liberdade e a imortalidade.

O Hatha-Yoga Pradipiká divide-se em quatro partes denominadas adhyaya. Em sua primeira parte, 1º adhyaya, trata-se dos requisitos necessários para prática do Hatha-Yoga, das finalidades das posturas e de seu modo de execução, fazendo algumas inferências sobre dietas e hábitos. O 2º adhyaya trata do pranayama e das purificações. No 3º adhyaya fala-se sobre a utilização dos mudrás a fim de se despertar a deusa Kundalini, que dorme cerrando a entrada de sushuma, portal de acesso ao absoluto. O 4º e o último adhaya relaciona-se ao samadhi.

Vale ressaltar que o 3º adhyaya do Hatha-Yoga Pradipiká descreve dez mudrás que, ensinados por Shiva, teriam como conseqüência o alcance de Moksa (liberação) e a imortalidade do ser.

O Gheranda-Samhita apresenta-se dividido em sete partes, assim organizadas: O primeiro adhyaya fala da kriya, técnicas de higiene interior; o segundo adhyaya descreve os ásanas, ao todo, cerca de trinta e duas posturas; o terceiro adhyaya detém-se ao estudo dos mudrás e dos bandhas; o quarto adhyaya refere-se às téc-nicas de recolhimento interior, pratyahara; o quinto adhyaya desenvolve o tema pranayama associando-o ao sexto adhyaya que aborda as técnicas de meditação (dhyana) e ao sétimo adhyaya que fala sobre as técnicas indutivas do êxtase (samadhi). O tratado Gheranda descreve ao todo vinte e cinco mudrás que exercem grande influência sobre o corpo e a psique, sendo, inclusive, descritos as suas indicações e efeitos terapêuticos.

Segundo Ramm-Bonwitt (2005), o Shiva-Samhita teve sua origem em uma conversa entre Shiva e sua consorte Parvati. O referido texto, Shiva-Samhita, trata das louvadas práticas sexuais tântricas, da aquisição de poderes sobrenaturais (siddhis) e do Yoga. Nesses escritos sagrados são indicados e descritos os mesmos dez mudrás do Hatha-Yoga Pradipiká.

Homem (2005), estudando os mudrás nas escrituras clássicas, observou que os textos sobre o Ha-tha-Yoga são coincidentes nas descrições dos poderes paranormais proporcionados pela prática regular dos ásanas aliados aos mudrás. Esses poderes encontram-se descritos no capítulo terceiro do Yoga Sutra de Patãnjali e são o Animan, o poder de miniaturizar-se; Mahiman, o poder de tornar-se gigante; Laghiman, o poder da leveza; Prápti, o poder de tudo alcançar; Prákámya, o poder de realizar desejos instantaneamente; Vashita, o controle sobre os objetos animados e inanimados; Ishitritva, domínio sobre a matéria e Ytrakáma-vasáyitva, o poder de determinar as coisas conforme o seu desejo.

Por fim, cabe citar que esses textos sagrados têm sua origem no testemunho escrito de mestres que receberam esses conhecimentos de viva voz pela forma direta acessível de boca a ouvido, Param-pará, e, por conseqüência, não se pode precisar muitas das vezes essas personalidades históricas, nem o período exato da origem dos conhecimentos descritos nesses tratados.

2.4 Os Ásanas-Mudrás

Assim como os mudrás, referindo-se aqui aos gestos realizados com as mãos, alguns ásanas são uma forma de “selar” determinadas áreas do corpo para intensificar a remoção de impurezas. O tratado Hatha-Yoga Pradipiká cita dez mudrás capazes de influenciar o estado físico e psicológico do praticante. Des-ses mudrás, cinco representam ásanas: Yoni-mudrá (Figura 15), Viparita-karani (Figura 16), Vajroli-mudrá (Fi-gura 17), Maha-mudrá (Figura 18) e Tádági-mudrá (Figura 19).

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Figura 15 – Yoni-mudrá Figura 16 – Viparita karani Fonte: RAMM-BONWITT, Y. (2005). Fonte: TACCOLINI, M. (2011).

Figura 17 – Vajroli-mudrá Fonte: TACCOLINI, M. (2011).

Figura 18 – Maha-mudrá Figura 19 – Tádági-mudrá

Fonte: TACCOLINI, M. (2011) Fonte: TACCOLINI, M. (2011)

Conforme Moah (1997, p.39), “ásanas e mudrás não são posturas ou gestos específicos, mas um estado de harmonização e equilíbrio”. Nos Yoga Sutras de Patãnjali observa-se a indicação de que tanto ásanas quanto mudrás devem ser realizados como “Sthirasukhamasanam”. Sthira significa firme, bem equili-brado ou alerta; Sukha significa agradável e confortável.

A finalidade da prática correta dos ásanas, ásanas-mudrás e mudrás é o desenvolvimento de um estado de reintegração do ser em seus aspectos psicofisiológicos, propiciando uma base estável para o corpo e um estado geral de saúde e bem estar.

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3 METODOLOGIA

O presente trabalho seguiu uma abordagem qualitativa com caráter exploratório e descritivo e a me-todologia empregada foi a da pesquisa bibliográfica. (HUHNE, 1999).

Para tanto foram analisadas várias contribuições culturais e científicas relacionadas com o assunto em questão. Desta maneira procurou-se retirar e analisar várias citações estudadas de várias obras de autores dife-rentes, dos quais se destacam Biodillo, Bulhões, De Luca, Desikachar, Govinda, Homem, Kupfer, Mesko, Moah, Nabão, Ramm- Bonwitt, Souto e Tinoco. Foram também consultados Tratados de Yoga como o Ghe-randa Samhita, Hatha-Yoga Pradipika e o Yoga Sutra de Patãnjali. Assim, os posicionamentos tomados no decorrer da elaboração do presente artigo, foram auxiliados pelos posicionamentos dos autores consultados que serviram de referencial para a formação do corpus do presente texto. (HUHNE, 1999).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os mudrás, como expressão artística, surgiram na Índia e ao longo de sua história foram sendo incorporados à religião e filosofia. Eles vão além dos gestos realizados com as mãos e, como “selos” atuan-do em determinadas áreas do corpo para intensificar a remoção de impurezas, podem ser também represen-tados por bandhas e ásanas conforme citado nos tratados sobre Hatha-Yoga: Hatha-Yoga Pradipiká, Ghe-randa-Samhita e outros.

Sendo gestos manuais, ásanas ou bandhas, os mudrás canalizam energias que trabalham em nosso corpo sutil. A energia se move através dos chakras, centros energéticos, produzindo diversos estados psíqui-cos que ajudam nos processos de captação e harmonização energética do corpo sutil para o corpo físico, contribuindo para promoção da saúde psicofísica do Ser.

Nas últimas décadas, em especial no ocidente, vêm crescendo o número de adeptos das práticas do Yoga (àsanas, pranayamas, mudrás, bandhas, pratyahara e dhyana), promovendo a articulação dos saberes ocidental e oriental, e favorecendo uma visão mais holística do homem e da natureza numa perspectiva de integração de macro e microuniversos.

Dentro desse contexto, ásanas e mudrás vêm sendo indicados como importantes intervenções na prática do auto-cuidado, sendo, por tanto, muito importante o conhecimento dos fundamentos teóricos e práticos dessas técnicas yoguicas.

O presente levantamento bibliográfico representou uma breve caminhada pelo universo oriental em busca das origens e utilizações dos mudrás, bem como de sua associação ao Yoga.

Percorrendo o universo dos mudrás, passando pela arte, mitologia e filosofia, este estudo reafirma a importância dos mesmos na dança indiana, nas iconografias hinduístas e budistas.

Como contribuição, essa incursão pelo universo oriental, representada pela associação Yoga-Mudrá, vai além da pesquisa nos moldes cartesianos e deixa para nós, ocidentais, a indicação de um caminho que conduz ao autoconhecimento e ao bem estar psicofisiológico.

REFERÊNCIAS

BIODILLO, R. Brahma mudrá: o mito da criação. São Paulo: Cultrix, 1998.

BULHÕES, M.A. Memórias da mão. Disponível em: < www.casthalia.com.br/periscope/mariaameliabulhoes/memoriadamao.htm>. Acesso em: 08 jan. 2011.

DE LUCA, M. A. A idade do poder. São Paulo: Tornado, 2003.

DESIKACHAR, T.K.V. O coração do yoga: desenvolvendo a prática pessoal. São Paulo: Jaboticaba, 2007.

GHERANDA SAMHITA. (Tratado) Disponível em: < www.yoga.pro.br/autor/yogi-gheranda>. Acesso em: 08 jan. 2011.

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GOVINDA, L. Mudrás: gestos eficases. Madrid: Poteña, 1997.

HATHA-YOGA PRADIPIKÁ. (Tratado) Disponível em: < www.yoga.pro.br/autor/yogi-svatmarama>. Acesso em: 08 jan. 2011.

HOMEM, M. Os mudrás nas escrituras clássicas do hatha-yoga. Disponível em: < www.yoganataraja.com.br/mudrasnasescriturassagradasdohathayoga/introducao>. Acesso em: 08 jan. 2011.

HOMENKO, R. SILVA, G. Budismo: psicologia do autoconhecimento. São Paulo: Pensamento, 1999

HUHNE, Leda Miranda. Metodologia científica. Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

KUPFER, P. Mudrás e yoga. Florianópolis: Dharma, 2001.

MESKO, S. Mudrás que curam: yoga para suas mãos. São Paulo: Pensamento, 2004.

MOAH, A.G. Yoga para o corpo, a respiração e a mente: um guia para reintegração pessoal. São Paulo: Pensamento, 1997.

NABÃO. L. M. O. Mudrás: os gestos do yoga. Disponível em: < www.yoga.pro.br/artigos/mudras-os-gestos-do-yoga >. Acesso em 08 jan. 2011.

RAMM-BONWITT, Y. Mudrás: as mãos como símbolo do cosmos. São Paulo: Pensamento, 2005.

SOUTO, A. A essência do hatha yoga: hatha yoga pradipika (Gheranda Samhita – Goraksha Shataka). São Paulo: Phorte, 2009.

TACCOLINI, M. 108 Famílias dos ásanas Disponível em: < www.yoganataraja.com.br/livros-e-links/>. Acesso em: 01 mar. 2011.

TINOCO, C. A. As upanishads do yoga: textos sagrados da Antiguidade. São Paulo: Madras, 2005.

YOGA SUTRA PATÃNJALI. (Tratado) Trad. de Cláudio Azevedo. Fortaleza. s.d.

Enviado para publicação: 11/11/2011

Aceito para publicação: 10/01/2012

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Notas de rodapé: no final da página, numeradas em algarismos arábicos, devem ser sucintas e usadas somente quando estritamente necessário.

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SOBRENOME, Nome. Título: subtítulo. Edição (a partir da 2ª). Cidade da editora: No-me da editora, ano.

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SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em itálico. Cidade da edito-ra: Nome da editora, vol, fascículo, ano, p.

SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Jornal ou Revista onde foi publicado, data (dia, mês, ano). Disponível em: <http://www.enderecoeletronico.com.br>. Acesso em: (dia, mês, ano).

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Imagens. Figuras e tabelas devem ser numeradas sequencialmente à medida que aparecerem no texto. Figuras comuns, fotografias e gráficos devem ser apresentados em jpg com definição mínima de 300 DPI. Todas as imagens devem estar em preto e branco.

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Segundo Fulano (2007, p. 51), “xxxxxxxxx” ou “xxxxxxxx” (FULANO, 2007, p. 51).

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