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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO AUTORA: ANDRÉA GABRIEL F. RODRIGUES EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar e modernidade educacional na Escola Doméstica de Natal (1914 – 1945) NATAL – 2007

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Page 1: EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar … · Puericultura, 1926 .....171 FOTO 10 – Turma de alunas da Escola Doméstica em aula prática de Ginástica Suéca, 1929

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

AUTORA: ANDRÉA GABRIEL F. RODRIGUES

EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar e modernidade educacional na Escola Doméstica de Natal (1914 – 1945)

NATAL – 2007

Page 2: EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar … · Puericultura, 1926 .....171 FOTO 10 – Turma de alunas da Escola Doméstica em aula prática de Ginástica Suéca, 1929

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA

Divisão de Serviços Técnicos Rodrigues, Andréa Gabriel F. Educar para o lar, educar para a vida : cultura escolar e modernidade educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945) / Andréa Gabriel F. Rodrigues. – Natal, 2007. 306 f. : il. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marlúcia Menezes de Paiva. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação.

1. Educação - Tese. 2. História da educação - Tese. 3. Cultura escolar - Tese. 4. Escola Doméstica - Tese. I. Paiva, Marlúcia Menezes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.

RN/BS/CCSA CDU 37.035 (043.2)

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ANDRÉA GABRIEL F. RODRIGUES

EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar e modernidade educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945)

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação da profª Drª. Marlúcia Menezes de Paiva.

NATAL – 2007

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ANDRÉA GABRIEL FRANCELINO RODRIGUES

EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar e modernidade educacional na Escola Doméstica de Natal (1914-1945).

Tese de doutorado aprovada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pela comissão formada pelos (as) seguintes professores (as):

Aprovada em: ____/_____/_____

BANCA EXAMINADORA:

__________________________________________________ Prª. Dra. Marlúcia Menezes de Paiva

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

__________________________________________________ Prª Dra.Maria Inês Sucupira Stamatto

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

__________________________________________________ Pro Dr. Jorge Carvalho do Nascimento Universidade Federal de Sergipe - UFS

__________________________________________________

Pro Dr. Antônio Carlos Ferreira Pinheiro Universidade Federal da Paraíba – UFPb

__________________________________________________

Pro Dr. Antônio Basílio Thomaz Novaes de Menezes Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

___________________________________________________

Prª Dra Maria Arisnete Câmara de Morais Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

___________________________________________________

Prª Dra Maria Lindací Gomes da Silva Universidade Estadual da Paraíba - UEPb

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho

A Deus, pela paz interior,

A minha querida Mãe Hilda (in memória),

A Carlos Antônio,

Aos meus filhos Juliana e Carlos Henrique.

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AGRADECIMENTOS

Para a realização deste trabalho, recebi contribuições diversas de muitas

pessoas que, direta ou indiretamente, participaram da construção da tese. Não poderia deixar

de explicitar o nome dessas pessoas e instituições, porque reconheço a importância que cada

uma representou, como também a importância de um trabalho de pesquisa que contabiliza a

somatória de muitas contribuições e ajudas envolvidas, desde os mais próximos (familiares,

amigos etc.) até os mais distantes como funcionários ligados aos locais de pesquisa.

Destaco inicialmente o valioso apoio afetivo do meu esposo, Carlos Antônio,

que soube compreender as minhas faltas em diversos momentos e assumiu com muita

paciência e dedicação os papéis de pai e mãe durante as muitas ausências minhas no lar e em

alguns momentos de lazer.

Aos meus filhos, Carlos Henrique e Juliana, por suportarem as minhas

ausências enquanto mãe, para que eu pudesse cumprir determinadas etapas da pesquisa. As

minhas secretárias Neide e Neire, por me ajudarem nos cuidados diários com meus filhos.

A minha mãe (in memória), a quem devo gratidão eterna pelo incentivo nos

estudos e por me estimular desde cedo a conhecer e a gostar do universo da leitura.

A minha irmã, Adriana Gabriel, pelo grande incentivo aos estudos.

A Marlúcia Paiva, pelas valiosas contribuições na orientação da tese, pela

amizade e profissionalismo desempenhado durante todo o percurso da construção da tese e

durante os mais de dez anos que estudamos juntas.

Ao grupo de estudo da Base de Pesquisa Educação e Práticas Culturais do

PPGEd, da UFRN, particularmente às colegas Neide Sobral, Keila Cruz, Otêmia Porpino,

Salete Queiroz, Márcia de Sá, Nivaldete Ferreira, Maria Lindací, Ana Zélia e aos colegas José

Mateus e Lusival Barcelos, pessoas com as quais convivi durante alguns anos, discutindo,

pesquisando, vivenciando experiências que foram momentos valiosos de trocas culturais e que

contribuíram para a construção do conhecimento.

Agradeço também à Universidade Estadual da Paraíba/RN, instituição que me

liberou integralmente das atividades da docência durante o período de um ano e meio, quando

eu ainda fazia parte do seu quadro de funcionários, para a realização do Curso de Doutorado.

Essa liberação foi muito importante, porque durante aquele período, pude me dedicar

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efetivamente às atividades de pesquisa. Com especial atenção, agradeço às professoras da

UEPb, Cleonice Agra do Ó e Valniza, pela amizade conquistada e incentivo para que eu desse

continuidade aos estudos.

Ao Centro Federal de Educação Tecnológica do RN – CEFET, instituição onde

atualmente exerço a função de docente, pela redução da minha carga horária de trabalho para

que eu pudesse concluir a fase final da tese (parte escrita). Particularmente, aos colegas de

trabalho Dante Henrique, Maria Daguia (Nina), Malco Geisiel, Gerson Gomes e Eulália

Raquel, pelo apoio afetivo nos momentos de incertezas e dificuldades.

À Escola Doméstica de Natal, instituição em que realizei vasta parte da coleta

de dados durante os três anos da pesquisa, especialmente à diretora Sra. Noilde Ramalho

Pessoa que me recebeu com muita educação e considerou desde os nossos primeiros contatos

a importância da pesquisa que me propus a realizar. A Noilde Ramalho, agradeço pela

paciência em me atender insistentemente nos muitos momentos de dúvida, nas etapas em que

era necessário saber da existência de um documento, requisitando alguma fonte histórica que

estava sob sua responsabilidade. Às funcionárias desta instituição, o meu agradecimento, às

professoras Margarida Morgantine, Ell Marinho, Sônia Araújo, Dione e ao professor

Alexandre Marinho.

Ao grupo de algumas das ex-alunas da Escola Doméstica que foram

entrevistadas por mim. Pela disponibilidade com que me receberem em seus lares,

despendendo tempo e dividindo comigo fotografias de época e recordações diversas sobre o

período em que estudaram na Instituição. A todas elas agradeço pelos valiosos diálogos

estabelecidos e por me receberem com carinho e atenção nos momentos em que me foi

necessário entender o cotidiano e as práticas vividas na escola, cotidiano este que foi tão bem

relatado. A vocês: Margarida Morgantine, Neide Galvão, Ell Marinho, Tereza Fonseca e

Eulália Barros, o meu agradecimento especial.

Ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, local onde

realizei parte da pesquisa de dados. À funcionária Antonieta, ao diretor do Instituto, Sr. Enélio

Petrovich, por alguns diálogos estabelecidos durante a pesquisa e que muito me ajudaram a

localizar algumas fontes.

Ao corpo docente do PPGEd da UFRN, pelos saberes transmitidos e

construídos junto aos discentes, particularmente às professoras Marta Araújo, Rosanália de Sá

Leitão, Maria Aparecida Queiroz, Magna França, Inês Stamatto, Rosália de Fátima. Aos

funcionários do Programa em Pós-Graduação em Educação: Milton, Radir, Letsandra, Jeane,

Raquel, pelo excelente atendimento. Às funcionárias do Departamento de Educação dessa

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instituição: Laíse, Gleide e Graça. À bibliotecária Albanita, pela revisão das normas técnicas

do trabalho.

A Greycimar Silva dos Santos, pela paciente leitura e revisão gramatical do

texto escrito.

Sem o apoio dessas pessoas e das instituições citadas, tão importantes para a

trajetória de construção da tese, seria difícil realizar um trabalho dessa natureza, porque o

próprio ato de pesquisar envolve pessoas, objetos e instituições. A pesquisa não se dá no

vazio da objetividade; é fruto de emoções, pensamentos, sofrimentos e alegrias, desânimos,

desafios e conquistas, exigindo de quem a pratica um mergulho num universo atordoante e

prazeroso de grandes aprendizagens.

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Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem e que amanhã recomeçarei a aprender. Todos os dias desfaleço e desfaço-me em cinzas efêmera: Todos os dias reconstruo minhas edificações, em sonho eternas. Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência dos alicerces às torres, sabendo que é trabalho sem termo. E do alto avisto os que folgam e assaltam, donos de risos e pedras. Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer. De um lugar que não se alcança, e que é, no entanto, claro, minha verdade, sem troca, sem equivalência nem desengano permanente constante, obrigatória, livre: Enquanto aprendemos, desaprendo e torno a aprender. (Cecília Meireles)

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Classificação dos sócios da LERN, 1911..................................................... 60 QUADRO 2 – Cronograma dos presidentes da LERN, 1914.............................................. 79 QUADRO 3 – Quadro de matrícula das alunas da ED, 1914-1964 ....................................135 QUADRO 4 – Demonstrativo de horários da ED, 1927......................................................141 QUADRO 5 – Percentual de alunas diplomadas pela Escola Doméstica de Natal:

de 1919 a 1945 .............................................................................................146 QUADRO 6 – Quadro demonstrativo de distribuição de matérias do Curso

Doméstico, 1919 ..........................................................................................155 QUADRO 7 – Demonstrativo das matérias do Curso Doméstico da ED, 1927 ..................158 QUADRO 8 – Lista de enxoval das alunas da ED, 1927.....................................................242

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LISTA DE FOTOS

FOTO 1 – Registro fotográfico de Henrique Castriciano de Souza .................................. 48 FOTO 2 – Primeira turma de alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de

culinária, 1918.................................................................................................. 111 FOTO 3 – Foto do primeiro corpo docente da Escola Doméstica de Natal, 1919 ............ 116 FOTO 4 – Registro fotográfico do primeiro Corpo docente da Escola Doméstica

de Natal, 1925 .................................................................................................. 118 FOTO 5 – Fotografia da primeira turma de discente da Escola Doméstica de

Natal e o professor Clodoaldo de Góes, 1928.................................................. 134 FOTO 6 – Alunas internas da ED em momento de descontração extra sala de

aula, 1945 ......................................................................................................... 145 FOTO 7 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em momento de aula prática

sobre culinária, 1927 ........................................................................................ 166 FOTO 8 – Imagem de uma ex. aluna da ED, em momento de aula de

Puericultura, 1948 ............................................................................................ 169 FOTO 9 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de

Puericultura, 1926 ............................................................................................ 171 FOTO 10 – Turma de alunas da Escola Doméstica em aula prática de Ginástica

Suéca, 1929 ...................................................................................................... 187 FOTO 11 – Alunas da Escola na sala-laboratório de Puericultura, 1926............................ 193 FOTO 12 – Alunas da Escola em aula de jardinagem ao ar livre na instituição

escolar, 1926..................................................................................................... 195 FOTO 13 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de jardinagem,

1927.................................................................................................................. 196 FOTO 14 – Alunas da Escola em aula sobre manipulação de lacticínios, 1927 ................. 197 FOTO 15 – Alunas da Escola em momento de aula sobre lavagem e engomado de

roupas, 1927 ..................................................................................................... 202 FOTO 16 – Alunas em aula prática sobre Educação Doméstica e Higiene do Lar,

1924 ................................................................................................................. 204

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FOTO 17 – Registro fotográfico da turma de formandas da ED no ano 1931? .................. 224 FOTO 18 – Primeiro Corpo discente da Escola Doméstica de Natal, 1928........................ 230 FOTO 19 – Alunas internas da Escola Doméstica de Natal, 1945...................................... 237 FOTO 20 – Imagem do Corpo discente da ED, ao centro destaque para o

professor Clodoaldo de Góes, 1928 ................................................................. 239 FOTO 21 – Registro fotográfico da primeira turma de docentes da Escola

Doméstica de Natal, 1919 ................................................................................ 246 FOTO 22 – Vista da Escola Doméstica de Natal no ano de sua inauguração, 1914 ........... 249 FOTO 23 – Alunas da Escola Doméstica em momento de aula prática sobre

culinária, 1927.................................................................................................. 252 FOTO 24 – Fachada principal da ED de Natal, 1939.......................................................... 255 FOTO 25 – Dormitório das alunas da ED, 1919 ................................................................ 257 FOTO 26 – Sala de aula de costura Meira e Sá. Alunas em momento de

aprendizado prático, 1930 ................................................................................ 258 FOTO 27 – Momento de aula prática de Anatomia desenvolvida pelo prof.

Varela Santiago, 1927 ..................................................................................... 259 FOTO 28 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de Português com o

professor Meira e Sá, 1914............................................................................... 260 FOTO 29 – Alunas da Escola Doméstica de Natal no jardim da Escola, em aula

de jardinagem, 1926 ......................................................................................... 262 FOTO 30 – Gabinete da diretoria da ED, 1914 .................................................................. 272

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO O contexto do pesquisador e o universo a ser pesquisado................................................... 14 A acepção sobre os documentos e os arquivos ................................................................... 18 A construção da pesquisa ................................................................................................... 39 1 ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL: UM PROJETO MODERNIZADOR 1.1 O INÍCIO DE TUDO: a Liga de Ensino do RN e o seu idealizador, Henrique

Castriciano..................................................................................................................... 47 1.2 A inauguração da Escola Doméstica de Natal ............................................................. 83 2 IDÉIAS INSPIRADORAS DE UM NOVO MODELO ESCOLAR 2.1. O modelo Escolar Suíço ............................................................................................... 95 2.2. Os princípios filosóficos da Escola Doméstica ............................................................108 3 DOCENTES E DISCENTES: CONSTRUTORES DE UMA NOVA

CULTURA ESCOLAR 3.1. As primeiras diretoras e professoras ............................................................................118 3.2. O corpo discente ..........................................................................................................134 4 PRÁTICAS NO COTIDIANO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL 4.1. O saber e o fazer no currículo escolar ..........................................................................150 4.2. Algumas práticas de leituras ........................................................................................208 4.3. A ordem, a disciplina, a vigilância ...............................................................................222 4.4. Modelando o corpo: a vestimenta escolar ...................................................................233 4.5. Espaço, tempo e cultura escolar ..................................................................................249 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................274 REFERÊNCIAS ................................................................................................................283 ANEXOS ............................................................................................................................303

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RESUMO

A pesquisa apresenta um novo olhar para a instituição escolar Escola Doméstica de Natal,

tentando dar conta da multiplicidade dos atores e práticas envolvidas na escola que melhor

definiam e explicavam os fenômenos daquela realidade educativa e das relações com o tempo

e lugar em que estava inserida. Neste sentido, os conceitos de memória e cultura escolar

foram fundamentais para a compreensão dessas práticas, porque contribuíram para fazermos

uma leitura histórico-cultural do conjunto de aspectos institucionalizados na escola, como o

seu currículo, finalidades, modos de ensinar e aprender, condutas, normas, enfim, o que

caracterizavam a sua organização e práticas cotidianas. Sendo a Escola Doméstica de Natal

uma instituição pioneira no modelo de ensino voltado para a educação feminina no Brasil,

priorizamos reconhecê-la e circunscrevê-la na sua indelével contribuição à História da

Educação norte-rio-grandense. Concebida por um modelo de organização escolar europeu

para a educação feminina, a Escola Doméstica de Natal foi inaugurada em 1914, tendo como

seu criador, o intelectual norte-rio-grandense Henrique Castriciano de Souza. Sua

singularidade, divergindo das escolas femininas existentes no RN e no país naquele momento,

advinha do modelo escolar adotado, que enfatizava a formação de uma mulher voltada para

atender aos anseios modernos despontados com o advento da República. Esse ideário exigia,

por parte da escola, a formação de um modelo de mulher em seus aspectos moral, físico,

cultural e intelectual moldados nos ideais da ordem e do progresso. Essa seria uma nova

forma de educação escolar que poderia favorecer a modernização dos velhos métodos de

ensino, provocando o surgimento de modelos que implicariam numa nova organização

pedagógica nas escolas existentes no Estado e conduziriam a cidade a novos e elevados

patamares de cultura e civilidade. Estava presente, também a representação de que, com essa

formação, a escola contribuiria para que a mulher atuasse na sociedade de forma mais ativa,

social e ajustável ao meio. As palavras ordem, novo, civilidade, moderno e progresso

circulavam e se entrecruzavam com valores arcaicos ainda arraigados e permanentes na visão

da vida e na idéia de mundo de então. Assim, percebia-se a Escola Doméstica como

instituição modelo, específica em sua função, que iria trazer para a cidade e, particularmente

para o Estado do RN, idéias de civilidade, ordem e progresso.

Palavras-chave: Educação História da Educação. Cultura Escolar. Escola Doméstica,

Modelo escolar.

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RÉSUMÉ

La recherche propose un nouveau regard sur l’Institution Scolaire École Doméstica de Natal, en essayant de tenir compte de la multiplicité des auteurs et des pratiques développées à l’école qui définissaient le mieux et expliquaient les phénomènes de cette réalité éducative et des rapports avec le temps et le lieu où elle s’insérait. Pour ce faire, les concepts de mémoire et culture scolaire ont été fondamentaux pour la compréhension de ces pratiques, parce qu’ils ont contribué à notre lecture historique-culturelle de l’ensemble d’aspects institutionnalisés à l’école, comme son curriculum, ses finalités, ses façons d’enseigner et d’apprendre, ses règles de conduite, ses normes, enfin, ce qui caractérisait son organisation et ses pratiques quotidiennes. C’était l’École Doméstica de Natal l’institution pionnière dans le modèle d’éducation féminine au Brésil, nous le reconnaissons en priorité et nous visons à le circonscrire à son indélébile contribution à l’Histoire de l’Éducation de Rio Grande do Norte. Conçue par un modèle d’organisation scolaire européen pour l’éducation féminine, l’École Doméstica de Natal a été inaugurée en 1914, en ayant comme créateur l’intelectuel de Rio Grande do Norte Henrique Castriciano de Souza. Sa singularité, s’opposant aux écoles féminines existantes au Rio Grande do Norte et au Brésil en ce temps-là, était dû au modèle scolaire adopté, qui appuyait sur la formation d’une femme préparée à répondre aux aspirations modernes surgissant avec l’avènement de la République. Ce contexte exigeait de l’école la formation d’un modèle de femme dans les aspects moral, physique, culturel et intelectuel modelés sur les idéaux de l’ordre et du progrès. Ce serait une nouvelle méthode d’éducation scolaire qui pourrait favoriser la modernisation des anciennes méthodes d’enseignement, provoquant le surgissement de modèles qui impliqueraient une nouvelle organisation pédagogique aux écoles de l`État et conduiraient la ville à de nouveaux et hauts paliers de culture et civilité. Avec cela, l’école contribuerait à ce que la femme joue un rôle dans la société d’une manière plus active, sociale et mieux adaptée. Les mots ordre, nouveau, civilité, moderne et progrès se répandaient et s’entrecroisaient avec des valeurs archaïques toujours permanentes et enracinées dans la vision de vie et l’idée de monde d’alors. Ainsi, on voyait que l’École Doméstica était une institution modèle, spécifique dans sa fonction, qui apporterait à la ville et, particulièrement au Rio Grande do Norte, des idées de civilité, ordre et progrès. Mots-clés: Éducation. Histoire de l’Éducation. Culture Scolaire. École Doméstica. Modèle Scolaire.

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INTRODUÇÃO

Todos nós, inevitavelmente, escrevemos a história de nosso próprio tempo quando olhamos o passado e, em alguma medida, empreendemos as batalhas de hoje no figurino do período. Mas, aqueles que escrevem somente a história do seu próprio tempo não podem entender o passado e aquilo que veio dele, podem até mesmo falsificar o passado e o presente, mesmo sem a intenção de o fazer. (ERIC HOBSBAWM).

O contexto do pesquisador e o universo a ser pesquisado

As relações temporais entre passado e presente são importantes para

compreendermos os acontecimentos e neles as experiências que se entrecruzam na história.

Relações que vão do tempo vivido, no qual estamos mergulhados, a um tempo que já passou,

mas que mantêm ligações e aproximações com o presente. O exercício de ir e vir parece à

primeira vista atordoante, no entanto, para o historiador/pesquisador é condição ímpar, é

salutar a percepção de tempo histórico e os acontecimentos nele ocorridos. Como lembra

Hobsbawm (1996), os que escrevem apenas a história do seu tempo, limitam-se a ela, sem

entender os elos que se estabelecem de um passado que parece fugidio aos nossos olhos e o

que dele ficou e permanece diante das lentes de um olhar mais meticuloso.

Diante dessas inquietações, decorreu o surgimento do nosso objeto de estudo, a

Escola Doméstica de Natal, fruto de germinações históricas, de manuseios documentais,

debates, reflexões. Nas primeiras tentativas de aproximações com o objeto, alguns diálogos

foram estabelecidos: primeiro em conversas informais ou planejadas (com professoras,

ex.funcionárias que atuaram no estabelecimento de ensino), depois através da leitura de

materiais de pesquisa coletados. Esses diálogos contribuíram para definir algumas situações-

problema, delimitações e focos do nosso estudo.

Os levantamentos feitos indicavam que a Escola Doméstica de Natal foi para o

Rio Grande do Norte um marco importante por ser uma instituição educativa destinada ao

ensino voltado para as mulheres. Pioneira na América Latina na sua forma de organização

escolar e curricular, o que a diferenciava das demais instituições existentes no país, marcou

uma época, enquanto modelo escolar. O conceito de modelo escolar tratado neste estudo está

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relacionado à noção de organização pedagógica de uma instituição escolar, com regras

específicas que pode passar a impor racionalmente a forma de seu funcionamento a outras

escolas no referente ao currículo, metodologias de ensino, administração e funcionamento,

dentre outros aspectos.

O entendimento de modelo escolar envolve muitos estudos realizados sobre a

história das instituições escolares, a exemplo da pesquisa de Souza (1998) utilizada para

configurar o modelo de organização do ensino, modalidade de escola primária - o Grupo

Escolar - que foi implantado pela primeira vez no Brasil em 1894, em São Paulo. Nesse

estudo, o Grupo Escolar é tomado para evidenciar que:

Tratava-se de um modelo de organização do ensino elementar mais racionalizado e padronizado com vistas a atender um grande número de crianças, portanto, uma escola adequada à escolarização em massa e à necessidade da universalização da educação popular. Ao implantá-lo, políticos, intelectuais e educadores paulistas almejavam modernizar a educação e elevar o país ao patamar dos países mais desenvolvidos. (SOUZA, 1998, p. 20).

No presente estudo, o conceito de modelo escolar foi usado para delinear a

organização pedagógica da Escola Doméstica de Natal, percebida como criação de um grupo

de intelectuais norte-rio-grandenses preocupados em criar um padrão de instituição voltada

especificamente para a formação de uma mulher culta e civilizada que a República almejava;

isso acontecia numa conjuntura histórica, sinalizada por um período de remodelação da

educação no Brasil e também no Rio Grande do Norte, quando intelectuais lançavam

tentativas reformistas priorizando o campo educacional como modalidade cultural importante

para a modernização do Estado e do país.

Esses primeiros diálogos com o objeto eleito, na verdade, já se configuravam

na investigação, ao que chamamos de primeiras aproximações com o objeto, posto que o

entendimento de pesquisar ultrapassa etapas de coleta e análise dos dados, indo além,

iniciando com as escolhas, seleções do objeto, definições, delimitações do corpus teórico,

problematizações iniciais, até consolidar-se nas etapas seguintes, quando o contato mais

efetivo com o objeto dar-se-á numa construção permanente, planejada a priori, mas não

definitiva, fechada, em consonância com a idéia de Bogdan & Biklen (1994, p. 249), quando

estes dizem que:

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Uma pesquisa qualitativa é, sobretudo, uma construção teórico-metodológica, um processo no qual nada é definitivo, porém passível de modificações, mesmo no instante em que põe o ponto final no seu relatório ali está começando uma nova pesquisa sua ou de outrem.

Não deve haver preocupações somente com os dados evidentes, mas a tentativa

de aprofundar a complexidade dos acontecimentos em sua essência, nas suas relações e

interdependências, para ir tecendo o conhecimento sobre o objeto de estudo situado num

tempo. Também sentimos necessidade de operar cortes seletivos no universo da pesquisa, de

definir o quê e como pesquisar, porque o contato inicial com um universo diversificado de

fontes documentais exige do pesquisador, separações, delimitações e definições a partir dos

objetivos da pesquisa. O recorte do objeto dá-se, portanto, como função necessária.

Indagações sobre as pretensões, as possibilidades, limites e contribuições do

estudo e outras situações e questionamentos foram aflorando a partir de então. A organização

de um plano de investigação, de fato, passou a auxiliar e iluminar os passos, sinalizando para

a bibliografia existente sobre a temática da Escola Doméstica de Natal, o universo a ser

pesquisado, o aporte teórico-metodológico a seguir, o levantamento dos espaços para

pesquisar, posto que toda pesquisa histórica, além de um tempo específico, inscreve-se em

algum lugar na sociedade, articula-se com um lugar de produção sócio-econômico, político e

cultural, enraíza-se em uma particularidade. (LE GOFF ; NORA, 1979).

É em função desse lugar social e desse meio de elaboração que alguns

questionamentos se formulam, que se definem e apuram os métodos e esboçam-se riscos e

uma trajetória (CERTEAU, 2002). Afinal, para Nora (1981, p. 13):

Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que não há memória espontânea, que é preciso criar arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque essas operações não são naturais.

Apresenta também essa proposição o significado de reconhecer que nesses

lugares pesquisados, ao fazermos história, temos o contato com as fontes, sendo necessário

perceber como estas se organizam e em função de que e quem, definindo os momentos e

espaços onde se realiza a pesquisa. Certeau (2002) ainda chama a atenção para entendermos a

articulação da história com um lugar social e histórico, tomando isto como condição ímpar

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para uma análise da sociedade, posto que não exista análise que não seja totalmente

dependente de situações criadas por relações sociais ou analíticas.

Levar a serio o seu lugar não é ainda explicar a história. Mas é a condição para que alguma coisa possa ser dita sem ser nem legendária (ou ‘edificante’), nem a-tópica (sem pertinência). Sendo a denegação da particularidade do lugar o próprio princípio do discurso ideológico, ela exclui toda teoria. Bem mais do que isto, instalando o discurso em um não-lugar, proíbe a história de falar da sociedade e da morte, quer dizer, proíbe-a de ser a história. (CERTEAU, 2002, p. 77).

Nora (1981) ao falar desses lugares, também chama a atenção para o sentido de

que eles devem ser percebidos como lugares portadores de memória em disputa de grupos, a

determinar o que deve ser resguardado ou não; a memória é tida nesse contexto, como um

instrumento de buscas e disputas de grupos sociais. Nesse raciocínio, Burke (1992, p.80)

também se atém ao estudo da memória enquanto campo de disputas, pois para ele, “a

produção de esquecimentos se efetiva no confronto entre memórias em disputas, entre grupos

que constroem versões opostas, destruindo fatos relevantes para seus opositores”.

Nesse raciocínio, assim como Nora (1981), Burke (1992), Le Goff (1996) e

Certeau (2002), também compreendemos que toda pesquisa histórica se articula como um

lugar de produção sócio-econômica, político e cultural e está submetida a imposições, ligada a

privilégios, enraizada, portanto, em particularidade, sendo que em função desse lugar se

instauram os métodos, os interesses, organiza-se a busca pelas fontes e elabora-se a proposta

de pesquisa.

A história sendo relativa a um lugar e a um tempo também depende, para ser

construída, de técnicas de produção e uso de técnicas apropriadas e cada sociedade, no seu

contexto, faz uso de acordo com os instrumentos disponíveis que são usados por sua vez por

portadores de interesses individuais e grupais. Ao tecer algumas reflexões nesse sentido,

destacamos algumas limitações impostas a nossa trajetória de pesquisa, com as quais nos

deparamos no decorrer da investigação, como por exemplo, o uso dos espaços-arquivos da

Escola Doméstica de Natal.

Uma dessas limitações refere-se às restrições no manuseio de alguns

documentos de época que versam sobre as práticas da Escola, posto a condição que nos foi

colocada no manuseio e registro de algumas fotos de época, pois, por serem alguns

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documentos bastante antigos, nos foi negado o registro fotográfico de algumas imagens.

Outro aspecto a destacar diz respeito a algumas restrições de entrada e saída do Memorial

(local que acondiciona os documentos da Escola Doméstica de Natal), tendo em vista que a

visita e consulta a esse espaço deveria sempre ser acompanhada pela direção da instituição, o

que significou uma limitação ao nosso tempo de trabalho.

A acepção sobre os documentos e os arquivos

No tocante ainda ao estudo documental, tivemos algumas dificuldades no

percurso da pesquisa em relação ao acesso às fontes históricas, pois alguns documentos

procurados no Memorial da Escola não foram localizados nos arquivos pesquisados, a

exemplo da Planta Arquitetônica do prédio Escolar onde a instituição funcionou nas suas

origens, no bairro da Ribeira. Isso limitou a nossa análise na parte que havíamos proposto,

inicialmente estudar, pois a idéia inicial era detalhar os lugares ocupados pela ED a partir da

proposta arquitetônica detalhando a divisão dos espaços e suas respectivas construções enfim,

desnudar a parte física da escola.

Por serem as fontes pesquisadas, em sua maioria, localizadas no interior da

própria instituição pesquisada, houve alguns empecilhos para nos aproximarmos delas. A

inexistência de um repertório de fontes organizadas inicialmente também dificultou o acesso.

Posteriormente, foi inaugurado na Escola Doméstica de Natal (no ano de 2005) um Memorial

da escola, contendo em seu interior uma ordenação de documentos diversos de época que

versam sobre a trajetória da instituição, o que proporcionou melhor visualização das fontes de

pesquisa: fotografias, vestimentas, objetos matérias de época, livros, textos, etc,

demonstrando uma regularidade na história da instituição, tendo em vista conter o memorial

uma ordenação cronológica da trajetória institucional, destacando o quadro de objetos e

pessoas que foram os marcos de vida da instituição proporcionando aos olhos de quem a

visita uma História linear, pronta para ser lida e apreciada.

Apesar dessas limitações tentamos, dentro do possível, preencher essas lacunas

existentes e muito recorrentes nas pesquisas, quando lançamos propostas de garimpar e

analisar alguns documentos que ficam, com o passar do tempo reservados às instituições

privadas. A busca por outros caminhos e fontes que fornecessem novas pistas e informações

que melhor preenchessem os espaços questionados durante a sua investigação terminou sendo

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a via mais importante diante das adversidades surgidas, ocasionando também novos

aprendizados: como pesquisar e redimensionar a metodologia de trabalho.

Pensando nessa perspectiva, entendemos que uma trajetória de pesquisa deve

realmente, como sugere Certeau (2002), considerar os lugares em que se inserem as fontes

como espaços construídos historicamente, de acordo com os interesses individuais e grupais

de cada época, priorizando também os lugares de memória que são marcados por conteúdos

múltiplos e são, ao mesmo tempo, material, simbólico e funcional. Configuradas neste

sentido, é preciso pensá-las, a história e a memória, enquanto plurais, construídas e

interpretadas sob diversos ângulos num determinado espaço de tempo.

Assinalamos nesse primeiro momento uma grande e importante preocupação

essencial ao historiador, como nos lembra Le Goff (1996), a do tempo que não é linear, mas

múltiplo, permeado por rupturas e nele, a idéia de situar o objeto no tempo e reconhecer as

diversidades desse tempo, quais as complexidades para uma instituição escolar como a Escola

Doméstica de Natal e como ela foi capaz de se estruturar nesse determinado tempo em que se

inscreveu.

Reencontramos no levantamento bibliográfico e no diálogo entre os textos que

versam sobre a Escola Doméstica de Natal e/ou por onde ela fala, não apenas nomes de

pesquisadores, mas também, resultados de pesquisa e pistas onde localizar novos documentos.

Fizemos deste momento uma aprendizagem: a de que é possível empreendermos olhares

diversos para o mesmo objeto e dele apreendermos várias interpretações, cada uma com a sua

singularidade, nenhuma maior ou melhor que a outra, mas diferentes em interpretações. Neste

sentido, a busca neste estudo foi manter a análise e a interpretação mais próxima possível das

experiências ocorridas, e o que parecia supor um passado acabado, transmudava-se e emergia

nos textos e nos documentos escritos, impulsionando mergulhar num novo conjunto de

indagações, de deslindamentos.

Mergulhar no universo da pesquisa sobre a Escola Doméstica de Natal,

significou também no campo da História da Educação um esforço de conjugar a análise da

singularidade de uma instituição educacional da cidade do Natal e o estabelecimento de suas

relações com as determinações mais conjunturais do Estado, Brasil e de outros países,

transpondo a esfera local, mas sem limitar-se somente a uma análise macroestrutural,

buscando-se alguns elementos que conferiam à identidade da instituição um sentido único no

cenário social do qual fez parte.

O nosso propósito foi apresentar a escola à luz das fontes documentais,

sabendo que a seleção e interpretação dessas fontes são feitas pelo historiador. Esses dois

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momentos, seleção e interpretação, são condições ímpares para que o passado seja analisado

de forma significativa e contextualizado. Ao que lembra Carr (2002, p. 25),

A história exige a seleção e ordenação de fatos sobre o passado à luz de algum princípio ou norma de objetividade aceito pelo historiador, que necessariamente inclui elementos de interpretação. Sem isso, o passado se dissolve em uma confusão de inumeráveis incidentes isolados e insignificantes, e a história não pode ser escrita de modo algum.

O historiador Carr (2002, p. 26) expõe que história significa muito mais do que

a simples coleta e narração das experiências vividas; história é interpretação; a “história é o

que o historiador faz”, constituindo-se num contínuo processo de interação e diálogo entre

presente e passado.

Ao estabelecer os diálogos entre passado e presente, observamos que a

presença do documento, como objeto que é, exprime idéias, valores, crenças, interesses de

quem o escreveu e o resguardou, pois concordamos com as palavras de Le Goff (1996, p. 9-

10) ao dizer que o documento “[...] não é um material bruto, objetivo e inocente, mas que

exprime o poder da sociedade do passado sobre a memória e o futuro.” Assim, ao pensar em

interpretar o modelo escolar da Escola Doméstica de Natal, onde o corpus documental maior

encontra-se nos arquivos da própria instituição, tivemos o cuidado de fazer a leitura

meticulosa desse corpus com um olhar mais atento, afoito e questionador sobre as

informações nele descritas, posto que os espaços que servem como locais da pesquisa

(arquivos) e os documentos neles pesquisados devem ser vistos sob diversos aspectos, críticos

e reflexivos, uma vez sabendo que os documentos não são neutros, inócuos, na expressão de

Le Goff (1996, p. 547-548):

[...] é antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, o testemunho, o ensinamento (para evocar a etimologia) que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhes o seu significado aparente.

Da escrita do autor, apreendemos que a leitura do documento não deve se dar

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com idéias preconcebidas nem com ingenuidade, posto que o documento não é neutro, mas

impregnado de valores sociais, culturais, políticos, merecendo, por isso, maior atenção por

parte de quem o manuseia e dele tenta abstrair a essência dos acontecimentos. Esse olhar

ampliou também a abordagem teórico-metodológica, fazendo aproximar a História de outros

campos do conhecimento como a Sociologia, Geografia, Economia e principalmente a

Antropologia, numa abordagem mais global de interpretação, contemplando uma leitura

voltada para os documentos como testemunhos de história e histórias.

Essa postura metodológica no trato com os documentos sintetiza um método

oposto ao que propõe a corrente positivista, pois esta corrente cria um modelo de

conhecimento da realidade que limita a visão de documento ao material escrito, oficial, assim

como limita a interpretação dos fatos. No que se refere à interpretação dos acontecimentos, a

corrente positivista propõe que “[...] o cientista social deve pôr de lado sistematicamente todas

as prenoções antes de começar a estudar a realidade social. Essas prenoções seriam ‘viseiras’

que impediriam de ver o que realmente estaria se passando.” (LOWY, 1985, p. 42). Nessa

perspectiva teórica, temos que considerar que essa receita clássica da vertente positivista é

utópica e inviável, impossível de ser aplicada aos estudos que pretendam desvendar a história

problematizando-a, conhecendo-a nas múltiplas interfaces e nuances das realidades distintas.

É difícil considerar as proposições apontadas pelo sociólogo Durkheim

(considerado um precursor do positivismo) ao defender que “[...] o sociólogo deve rodear de

todas as precauções possíveis contra sugestões irracionais. Opor a essas paixões irracionais

acalma a imparcialidade científica, o sangue-frio.” (DURKHEIM apud LOWY, 1985, p. 42).

Acreditamos que é inviável pesquisar sem trazer para o corpus da nossa análise os desejos e

as paixões, os interesses, a nossa percepção de vida e de mundo. A subjetividade é uma

realidade presente desde os primeiros momentos em que realizamos as escolhas, delimitamos

o objeto da pesquisa e o percurso da mesma. Como seria essa escolha pensada com o

pressuposto da objetividade? Mera ilusão do pesquisador!

Assim como é difícil pensar na pesquisa segundo os postulados positivistas, é

questionável também os locais que abrigam e resguardam os documentos que servem de

suporte à memória. A disposição dos documentos em determinados espaços sofrem seleções

por parte de pessoas e instituições que definem a sua importância ou não em ser resguardado e

servir de legado histórico.

As palavras escritas por Le Goff (1996), na sua obra ‘ História e Memória ’,

ecoava em nossas lembranças, nos diversos momentos da realização do levantamento e

análise das fontes. Nesses momentos, pensávamos sobre as suas afirmações que dizem:

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De fato, o que sobrevive não é o conjunto daquilo que existiu no passado, mas uma escolha efetuada quer pelas forças que operam no desenvolvimento temporal do mundo e da humanidade, que pelos que se dedicam à ciência do passado e do tempo que passa, os historiadores. (LE GOFF, 1996, p. 535).

Portanto, refletíamos sobre suas palavras escritas e as trazíamos para o nosso

plano de investigação, reconhecendo que os documentos que versam sobre os acontecimentos

da Escola Doméstica de Natal são produtos de escolhas, seleções, de acordo com os interesses

da instituição e/ou de pessoas em fazer memorar o que consideravam relevante, o que deveria

ser lembrado, lido e perpetuado pelas gerações dos que passaram e permanecem na história

dessa instituição pioneira na educação da mulher no Brasil, nos moldes Suíço e Escolanovista.

O historiador Veyne (1995) também conclama a reflexão sobre a ótica imposta

pelas fontes documentais, devendo ser este aspecto o centro da reflexão sobre o conhecimento

histórico, onde perguntas devem ser levantadas, as problemáticas colocadas, para que não

falte uma atitude mais crítica por parte do pesquisador em relação ao material analisado.

Os suportes materiais existentes que auxiliaram na pesquisa, clareando o

objeto de estudo, dando vida à sua existência, foram diversos. Seu corpus foi composto de

correspondências, livros, ofícios, relatórios, fotografias, jornais, revistas, textos

mimeografados, considerando que as fontes retratam uma época, práticas, momentos,

imaginários; são, portanto, prenúncios que permitem a leitura de novas investigações sobre a

Escola Doméstica de Natal. Os autores Carr (2002) e Le Goff (1996) chamam a atenção para

a correlação documento/construção histórica, ao lembrar ao pesquisador/historiador que as

informações contidas nos documentos não lhes chegam de forma pura, descontextualizada,

pois são sempre refratadas através da mente do registrador. Assim alguns registros

importantes encontrados nos documentos precisam ser processados pelo historiador antes de

serem usados, necessitando trabalhar o material pesquisado para decifrá-lo. Neste raciocínio,

os documentos são essenciais ao trabalho de reconstituição histórica, sabendo que eles, por si

só, não constituem a história; são fragmentos que precisam ser interpretados, atribuindo-lhes

vida e significado.

Na leitura das experiências históricas sobre a instituição escolar feminina que

estudamos, buscamos as indicações de Certeau (2002, p. 81) quando adverte que o

historiador, no seu oficio:

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Longe de aceitar os ‘dados’, ele os constitui. O material é criado por ações combinadas, que o recortam no universo do uso, que vão procurá-lo também fora das fronteiras do uso, e que o destinam a um reemprego coerente. É o vestígio dos atos que modificam uma ordem recebida e uma visão social. Instauradora de signos, nem apenas nem primordialmente, o efeito de um olhar. É necessário aí uma operação técnica.

Portanto as condições de produção e arquivamento dos documentos

pesquisados foram consideradas, no sentido de analisar as possíveis tentativas de se legar um

testemunho à posteridade. Concordamos com a afirmação de Le Goff (1996) que lembra ao

historiador/pesquisador o fato acima referido e que:

Quer se trate de documentos conscientes ou inconscientes (traços deixados pelos homens sem a mínima intenção de legar um testemunho à posteridade), as condições de produção do documento devem ser minuciosamente estudadas. [ ] Nenhum documento é inocente. Deve ser analisado. Todo o documento é um monumento que deve ser des-estruturado. O historiador não deve ser apenas capaz de discernir o que é ‘falso’, avaliar a credibilidade do documento, mas também desmistificá-lo. (LE GOFF, 1996, p. 110).

As maneiras de pensar as particularidades e realidades diversas de

determinadas épocas através das fontes documentais devem incidir no questionamento dos

vestígios deixados como testemunhos de um tempo. Neste sentido, a busca do pesquisador

deve ser mais analítica que a primeira leitura desses vestígios, concordando com as palavras

de Bloch (2001, p. 83) ao destacar que:

A despeito do que às vezes parecem imaginar os iniciantes, os documentos não surgem, aqui, ou ali, por efeito de [não se sabe] qual misterioso decreto dos deuses. Sua presença ou ausência em tais arquivos, em tal biblioteca, em tal solo, deriva de causas humanas que longe de terem apenas o alcance de exercícios de técnicos, tocam eles mesmos no mais íntimo da vida do passado, pois o que se encontra posto em jogo é nada menos do que a passagem da lembrança através de gerações.

As palavras de March Bloch nos fez pensar, ao pesquisarmos as práticas da

Escola Doméstica de Natal, sobre a existência do Memorial dessa instituição, espaço que

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aloca os documentos de época sobre o percurso histórico da Escola. Visualizamos esse local

como um espaço que tem por finalidade perpetuar uma memória e as fontes que lá se

encontram cumprem uma certa cronologia de idéias, imprimindo uma memória gloriosa sobre

a trajetória da instituição.

Na nossa pesquisa, fizemos uso da iconografia, tomando-a como fonte

documental e, nesse sentido, a leitura realizada das imagens como documentos possibilitou

retratar uma época, através de sua leitura simbólica. As fotografias não figuraram no trabalho

como meras ilustrações e apoio ao texto escrito. Trazê-las para o corpo da nossa pesquisa

representou para nós desvendar possíveis significados circunscritos e materializados no

imaginário das (os) professoras (es) e alunas da escola Doméstica de Natal.

Uma grande dificuldade e obstáculo ao uso da fotografia é o seu acesso.

Muitas delas podem ser utilizadas como fontes para a história da educação, porém, em sua

maioria, pertencem a arquivos particulares. No caso específico da nossa pesquisa, as fotos

pesquisadas e trazidas para o corpo do nosso trabalho pertencem ao acervo particular da

Escola Doméstica de Natal. Houve também certa dificuldade para identificar as fotos;

algumas continham em seu corpo a data em que foram registradas, outras não tinham a data

definida; as com data registrada nos possibilitou fazermos aproximações do período a partir

de alguns elementos que levassem à compreensão daquela época, através da observação da

vestimenta, dos costumes espelhados nos penteados, corte de cabelo, calçado, gestos, modos

de se comportar, etc. Esse procedimento foi importante afinal, como nos lembra Miguel

(1993, p. 124):

A fotografia tomada como documento histórico precisa ser decodificada e apreendida em sua conotação. É preciso romper com as pesquisas que se orientam a partir da ‘teoria do espelho’, isto é, aquelas que encaram a fotografia como reflexo da realidade e tentam compreende-la através de suas proposições evidentes. Considerando a fotografia como um corpo de signos e todo signo como constituinte ideológico, a questão do sentido que o permeia somente pode ser formulada a partir do estudo das relações dos signos com aqueles que os emitem. A fotografia é sempre uma mensagem situada, produzida por alguém e com endereço determinado.

Assim como na leitura do texto escrito, houve uma leitura interpretativa das

fotografias, através das quais surgiram possibilidades de identificá-las no contexto,

considerando: as condições de produção da imagem, a sua inserção social, o autor da foto, os

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sujeitos nela inseridos, as suas vinculações institucionais e as formas como ela foi

resguardada.

Os registros fotográficos presentes no Memorial da Escola Doméstica de Natal

foram resultantes de uma organização da instituição com a finalidade de estabelecer certa

cronologia para os melhores momentos vividos pela escola, formulando, através dessa

periodicidade, a sistematização de acontecimentos memoráveis. Grande parte do acervo

fotográfico foi doado por pessoas (ex-alunas, ex-professoras, funcionárias...) que passaram

pela instituição e outra parte do acervo é fruto de registros já existentes no próprio

estabelecimento educacional. Em cada momento histórico, os pesquisadores e a sociedade

criam suas condições de interpretação do real e esta realidade é apreendida e registrada de

diversas formas.

Entendemos que as imagens corporificam concepções culturais coletivas. Elas

podem retratar o imaginário de uma época e não o real como tal, porque elas produzem

diversas representações da realidade. Nesta compreensão, surge a necessidade de realizar os

entrecruzamentos com o texto escrito e com outras imagens de época.

Nas primeiras décadas do século XX, historiadores como March Bloch, Lucien

Fevre, Lê Goff, dentre outros, buscaram interpretar o documento para além do texto escrito,

enfatizando a idéia de que o homem poderia fazer história a partir de diversos vestígios

humanos: fotografias, objetos, testemunhos orais, etc. Esse pensamento materializado e

publicado em diversos artigos defendidos por esses pesquisadores contribuiu

significativamente para o entendimento da palavra documento para além do registro escrito e

oficial significando o alargamento dos registros históricos, o que de fato acreditamos ter

enriquecido o campo dos estudos históricos.

Na prática da pesquisa, buscar nas fontes os acontecimentos, explícitos ou não,

sobre a Escola Doméstica de Natal e o que contribuiu para as autoridades políticas,

educacionais e intelectuais criá-la, tornou-se vivo, dinâmico e presente ao olhar do hoje. Isto é

uma busca do passado feita, não com propósito e intuito de explicitar o presente, e sim no

sentido singular ao que Bloch (2001) defende sobre o conhecimento do passado. Nas suas

palavras:

O conhecimento do passado reavivado pelas tintas do presente, num exercício vigoroso de comparação que tem claro e preciso o pressuposto de que a ignorância do passado não se limita prejudicar o conhecimento presente. Vai além, compromete, no presente a própria ação. (BLOCH, 2001, p. 2).

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A História, nesse contexto, pôde ser percebida não como ciência do passado,

uma vez que tal idéia é contestada pelo autor, mas como ciência dos homens no tempo, o

passado que atrai homens pela busca das raízes e identidades e o presente que se constitui no

lugar da prática do historiador. Assim na visão de Motta (1998), a História (como ciência)

comporta uma operação intelectual quando, ao criticar as fontes, reconstruindo-as à luz de

uma teoria, realiza uma interpretação do passado, onde o que importa não é somente a noção

de um consenso, mas também a de conflito.

Não tivemos, pois, a intenção de eleger a história para justificar as práticas

educativas da Escola Doméstica de Natal, recuando a um período histórico distante e

objetivando evidenciar que o presente, no qual estamos mergulhados, tem a sua justificativa

devido aos acontecimentos do passado. Não buscamos uma história invertida, fragmentada,

nem a glorificação de um passado, mas sim a compreensão entre os elos que se estabelecem

entre passado, memória, presente e o conhecimento histórico, para desvelar o nosso objeto de

estudo (a história da Escola Doméstica de Natal, seu modelo escolar, saberes, práticas

escolares, sua pedagogia), através de um passado construído pela memória.

O caminho de investigação que percorremos desencontra-se com a tarefa

atribuída ao historiador menos atento, na expressão de Certeau (2002), com os ‘não ditos na

História’, pois para esse autor, vários motivos, dentre eles pessoais e grupais, suscitam a não

revelação dos acontecimentos na história e assim alguns acontecimentos passam a ser

registrados e outros legados. Inversamente aos ‘não ditos’, a tentativa na nossa pesquisa tem

sido a de vasculhar os pedaços deixados, contidos nas memórias documentais e nas falas de

alguns depoentes, sujeitos que atuaram na instituição pesquisada tentando explicitar as

nuanças implícitas em registros históricos; memórias diversas, plurais, que são fontes

históricas, cuja compreensão simboliza conhecimento de nossa identidade enquanto sujeito

histórico, ativo, crítico e empreendedor de suas histórias, percebendo os elos entre o tempo

presente e o passado. Expressa o sentido que Ferro (1989, p.100-101) atribui à tarefa do

historiador: “Dotar um grupo, uma nação de sua memória, restituí-la - esta é de fato uma das

funções do historiador. A segunda é sem dúvida, contribuir para a inteligibilidade do passado,

dos vínculos entre o passado e o presente.”

A memória emerge como elemento mediador das lembranças sob o efeito de

uma série de pensamentos individuais e coletivos, com unidade e multiplicidade que o tempo

muitas vezes, contribui para apagar e o historiador envida esforços de reavivar as tintas desse

passado, destacando que as lembranças fazem parte das memórias dos sujeitos e não são

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lineares, posto que:

A sucessão de lembranças, mesmo daquelas que são mais pessoais, explica-se sempre pelas mudanças que se produzem em nossas relações com os diversos meios coletivos, isto é, em definitivo, pelas transformações desses meios, cada um tomado à parte, e em seu conjunto. (HALBWACHS, 1990, p. 51).

Um dos primeiros pesquisadores da memória enquanto fenômeno social,

Halbwachs (1990), chamou a atenção nos seus estudos para percebê-la enquanto objeto

coletivo e social, construído, portanto, sujeita a flutuações e mutações constantes. Adepto

também dessa lógica, Pollak (1992) sinaliza para a importância de compreendermos uma das

características da memória, que é ser seletiva, porque nem tudo fica gravado e registrado nas

nossas memórias e por ser objeto social é considerada elemento de disputa política, onde é

possível a existência de conflitos para determinar os acontecimentos e datas que devem

permanecer memoráveis numa sociedade. Evidenciando a idéia, também defendida por

Halbwachs (1990), que a memória é um fenômeno construído por sujeitos que são sociais,

temos a necessidade de a articularmos em três elementos-chave: os acontecimentos, o

personagem e o lugar.

Compreendemos, pois, essas relações da história e da memória contidas num

passado que se entrelaça com o presente e o futuro, mantendo relações afastadas e próximas

de forma dinâmica, permeadas de entrecruzamentos que caminham em sentidos variados, e

não de forma unívoca e singular como uma reta. Bosi (1998) que estudou sobre as memórias

presentes nos grupos como identidade de pertença (onde um grupo se identifica no próprio

grupo) e também o conhecimento do sujeito em relação a si próprio, considera que:

Não há evocação sem uma inteligência do presente, um homem não sabe o que ele é se não for capaz de sair das determinações atuais. Aturada reflexão pode preceder e acompanhar a evocação. Uma lembrança é diamante bruto que precisa ser lapidado pelo espírito. Sem o trabalho da reflexão e da localização, seria uma imagem fugidia. O sentimento também precisa acompanhá-la para que ela não seja uma repetição do estado antigo, mas uma reaparição. (BOSI, 1998, p. 81).

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Eis um aspecto da memória para o qual Bosi (1998) nos chama a atenção, nos

seus escritos sobre “memória e sociedade”: a importância que deveríamos atribuir ao passado,

assim como aferimos ao presente. Concordamos com a autora que a memória como função

social deve ser buscada, pois a capacidade de compreender e relacionar as vivências passadas

com as atuais é um exercício de reconhecimento e pertence ao hoje, constituindo elemento

importante para a construção da identidade coletiva e do sujeito individual.

Na busca por um passado distante e ao mesmo tempo presente na nossa

história local, as fontes mapeadas que deram suporte à investigação, além dos arquivos da

Escola Doméstica de Natal, já referenciados, foram buscadas no Instituto Histórico e

Geográfico do Rio Grande do Norte e no jornal A República.

A idéia presente no momento da seleção e estudo desses espaços foi a de que

“[...] mapear fontes é preparar o terreno para uma crítica vigorosa que constitua novos

problemas, novos objetos e novas abordagens.” (LE GOFF; NORA, 1979, p. 18). Então,

mesmo com a existência de alguns estudos já realizados sobre a Escola Doméstica de Natal, a

nossa proposta se debruça no desvelar da instituição escolar, buscando elementos de análise

além dos estudos existentes, a exemplo de Pinheiro (1996) que dedicou sua análise às idéias

do intelectual potiguar Henrique Castriciano, sua visão de educação, política, e cultura,

abordando de forma breve a criação da instituição Escola Doméstica. Nesse estudo

dissertativo de Pinheiro (1996), o foco central foi o personagem Henrique Castriciano de

Souza. Na pesquisa realizada por Barros (2000), a trajetória histórica da Escola Doméstica é

evidenciada, destacando-a quanto aos seus moldes de administração, organização e

funcionamento. Esse estudo não se centrou na cultura escolar da instituição, mas trouxe no

seu corpus pontos relevantes para conhecermos a evolução histórica da instituição, algumas

de suas práticas educativas, a composição do quadro das primeiras docentes e diretoras enfim,

sua estruturação no decorrer dos anos.

Temos ainda a destacar a dissertação de mestrado de Albuquerque (1981) que

priorizou a trajetória de Castriciano na política e na educação, apresentando uma breve

incursão das Escolas Domésticas no Rio Grande do Norte e no mundo. Muito embora sem

deter-se em uma análise mais profunda da Escola Doméstica de Natal, o autor deixou algumas

contribuições de pesquisa, principalmente quando se refere à documentação levantada.

Acreditamos que a História é uma ciência interpretativa que nunca repete os

fatos, portanto marcada por continuidades, descontinuidades, rupturas e não linearidades,

havendo igualmente para quem a constrói uma relatividade do olhar para os acontecimentos e

os relatos que deles possam surgir, no sentido que Veyne (1995) denomina de

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“individualização do olhar”; pois, é isto que torna singular a cada historiador a sua riqueza de

idéias e percepções das nuanças perante as experiências e acontecimentos mais gerais. Pela

característica de ser dialética, a História e sua escrita não merecem ser apenas explicitadas

mediante leis universais, apuradas indutivamente através de generalizações como ocorreu

principalmente nos primórdios do século XIX, com o positivismo de Augusto Comte,

engessando a História numa masmorra de vidro, purificando-a das influências subjetivas do

ser humano e provando ser a melhor via de conhecimento da verdade absoluta dos fatos como

se fosse possível separar o objeto do indivíduo. Esses tempos passaram, mas ainda persistem

nos dias atuais, pois nos legou marcas e influências significativas nos modos de construção

dos objetos de estudos e das formas diversas de se fazer pesquisa.

A percepção que sustentou o nosso estudo sobre o que vem a ser História foi

um dos pilares e nos moveu no sentido de buscarmos um olhar diferente para os documentos e

para a Escola Doméstica de Natal, não nos moldes como foi analisada até então por alguns

estudiosos, mas penetrando em no seu interior, tentando evidenciar que existe uma cultura

escolar (ou várias culturas na escola) e que esta se manifestou sob diversas formas: na

organização do tempo escolar, na estruturação dos conteúdos escolares, nos regimentos de

controle das formas de se comportar no interior da escola, na composição do quadro docente

enfim, a cultura escolar está presente na história de vida da escola e de como se materializa

nos objetos e pessoas que dela fizeram parte. Entender essa matriz de pensamento conduziu a

uma análise da instituição escolar para além da sua estrutura material e de funcionamento;

implicou perceber a escola como espaço, na mesma linha de raciocínio atribuída por Frago

(1994) que delineia a instituição escolar imbricada numa rede de relações sociais,

considerando-a numa sociologia das organizações e antropologia de práticas cotidianas.

Neste sentido, a escola materializa eixos e idéias, mente e corpo, objetos e

condutas, modos de pensar, decidir e fazer, ritos, hábitos, simbologias. Ver a escola como

espaço significa reconhecer que o espaço habitado não é neutro, é uma construção social, é

condição de quem o habita e nele convive. O espaço, portanto, comunica e varia em cada

cultura.

No primeiro momento da nossa pesquisa, o mapeamento que realizamos dos

estudos já existentes sobre a Escola Doméstica de Natal nos proporcionou uma nova

abordagem, novos questionamentos e saberes, bem como um levantamento acerca dos

documentos que versam sobre a trajetória da referida escola. A teoria que nos fundamentou

foi percebida não como produtora da verdade, mas indispensável para estabelecer relações

reflexivas com atividades concretas, criando-se uma teia de significados. A relação

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teoria/empiria é formulada em dois planos: o histórico-social, onde a teoria depende da prática

à medida que a define e é o seu fundamento, o avanço do conhecimento e o plano das

operações práticas, onde a teoria pode questionar e problematizar a prática, estabelecendo

correspondências, diálogos construtivos entre ambas. Isto se torna importante para a

compreensão da nossa pesquisa por ser um exercício de antecipação e articulação, onde as

relações dialéticas entre ambas se entrelaçam no decorrer do trabalho com as fontes, com os

documentos, proporcionando maior visibilidade à construção de uma história menos

fragmentada e mais interpretativa.

Diante da dimensão do aparato documental, na imbricação dos registros a

caminho da construção de significados, a tentativa de garantir a forte presença no texto do

nosso objeto, a Escola Doméstica de Natal e suas ações educativas foi uma finalidade a

perseguir. A preocupação primeira foi manter o objeto no texto, de modo que mostrasse

independência e existência próprias, oferecendo caracteres de autonomia (STAROBINSKI,

1995).

Tentamos perseguir no decorrer da pesquisa a seguinte proposição: a de que a

Escola Doméstica de Natal, desde suas origens, apresentou objetivos para a formação da

mulher de acordo com os propósitos republicanos e de uma pedagogia que era moderna na

época por isso a defesa da instituição por um ensino ativo e moderno, uma educação pautada

nos valores cívicos, civilizados, condizentes com os valores da nova organização social que se

estabelecia com o advento republicano despontado no início do século XX, que priorizava a

ordem e o progresso. (NAGLE, 2001). Junto com o discurso da identidade nacional, era

também apregoado o discurso da modernização da sociedade brasileira, segundo Horta

(1994), como uma forma de atendimento às exigências da vida moderna. Nos ideais dos

intelectuais que fundaram a Escola Doméstica de Natal, ela representaria esses anseios

republicanos, de trazer para a cidade do Natal ares de progresso e modernidade.

As fontes diversificadas nos cruzamentos realizados subsidiaram a construção

do objeto de estudo sobre a Escola Doméstica de Natal, auxiliando a clareá-lo ao emergi-lo do

universo dos arquivos, mas também o depoimento dos sujeitos que atuaram na instituição

Escola Doméstica como diretoras, funcionárias (os) do estabelecimento, professoras (es),

constituindo um corpus no universo da investigação. O depoimento oral, portanto, contribuiu

não como puro preenchimento deixado pelo vazio documental, mas como articulador do

diálogo com outras fontes iconográficas e também para identificação e análise de narrativas

não reveladas pela subjetividade dos documentos escritos.

Debruçamos particular atenção aos desvios das narrativas dos depoentes, o que

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nos foi possível por termos feito o entrecruzamento de fontes orais, escritas e também pelo

fato de realçarmos, na nossa análise, que os referentes abstraídos das memórias advêm de

indivíduos possuidores de olhares e discursos diferenciados e o que faz com que eles norteiem

sua percepção do mundo que o rodeia. No caso das falas orais, a memória individual de cada

depoente só teve sentido em função de sua inscrição no conjunto social das demais memórias,

permitindo o conhecimento do fenômeno social, pois: “[...] quando se valoriza, na fala contida

da narrativa gravada, o conjunto de conteúdos ditos como fator decisivo para as análises, as

questões afeitas à memória despontam com caminhos indicativos dos exames sociais.”

(MEIHY, 2002, p. 42).

O passado contido nessas memórias, que são impregnadas de idéias reporta a

um tempo social, cultural, histórico, a um passado que não deve ser compreendido como uma

coleção de conhecimentos isolados, um reservatório estático de memórias, concordando com

a afirmativa de Bruner (1997) ao lembrar que “uma história é sempre a história de alguém ou

algo e como tal, requer uma análise detalhada e contextual.” Neste sentido, Veyne (1995, p.

27) também aponta idéias que complementam as de Bruner, quando afirma que “os fatos não

existem isoladamente, mas têm ligações objetivas; ligações, laços objetivos, nas suas

atribuições e importância”.

Nessa análise contextual, o testemunho oral foi tomado como portador de

sentido, representando papel importante no processo de reconstituição histórica da memória,

possibilitando trazer à tona traços fugidios, às vezes, não registrados nos documentos escritos,

assim como as vivências e vestígios indispensáveis à apreensão do objeto de estudo em seus

diversos ângulos. Apresentamos como exemplo as palavras expressas por alguns sujeitos que

lecionaram na Escola Doméstica de Natal, que contribuíram para o enriquecimento do texto,

clareando aspectos ainda não suficientemente esclarecidos através da análise dos documentos

escritos, favorecendo a melhor percepção do nosso objeto de estudo.

É relevante destacar a leitura que Halbwachs (1990) tece sobre o indivíduo

tomado como testemunha de um tempo, de uma memória, tendo como fio condutor em sua

análise a memória coletiva repercutindo na memória individual de forma dinâmica e

interativa. Bosi (1998) tomando esse raciocínio de Halbwachs escreveu sobre a memória de

idosos e nesse estudo observou que:

Uma memória coletiva se desenvolve a partir de laços de convivências familiares, escolares, profissionais. Ela entretém a memória de seus membros, que acrescenta, unifica, diferencia, corrige e passa a limpo.

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Vivendo no interior de um grupo, sofre vicissitudes da evolução de seus membros e depende de sua interação. (BOSI, 1998, p. 408).

Constatou também a autora que “por muito que deva à memória coletiva, é o

indivíduo que recorda. Ele é o memorizador e das camadas do passado a que tem acesso pode

reter objetos que são, para ele, e só para ele, significativos dentro de um tesouro comum”.

(BOSI, 1998, p.408).

A memória individual, onde os indivíduos recordam no sentido literal, ganha

sentido quando inserida num coletivo que é construído por grupos sociais. O individual,

portanto, compõe o corpus da memória coletiva (HALBWACHS, 1990) porque cada membro

da sociedade define-se no intergrupal, nas suas relações com os outros e para que a memória

individual se auxilie interligue-se com a do outro, não é necessário que haja ponto total de

concordância no grupo ao qual o sujeito está inserido, realçando que:

Não é suficiente reconstituir peça por peça a imagem de um acontecimento do passado para se obter uma lembrança. Ë necessário que esta reconstrução se opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito como no dos outros, porque elas passam incessantemente desses para aquele e reciprocamente, o que só é possível se fizeram e continuam a fazer parte de uma mesma sociedade. Somente assim podemos compreender que uma lembrança possa ser ao mesmo tempo conhecida e reconstruída. (HALBWACHS, 1990, p. 34).

Muito embora não tenhamos especificamente trabalhado com a história oral,

pois a nossa pesquisa foi principalmente documental, optamos por ouvir algumas pessoas que

fizeram e fazem parte da história da Escola Doméstica de Natal. Nesse sentido, consideram-se

os sujeitos individuais ouvidos durante as entrevistas realizadas, porque as atitudes de

reconstrução individual da memória de cada sujeito que atuou na ED operaram-se também de

práticas compartilhadas a partir de uma cultura escolar grupal que se estabeleceu na escola,

comungada, portanto, por diversos agentes.

Na busca pelas memórias da Escola, a leitura de algumas obras escritas por

um sujeito individual, Henrique Castriciano, contribuiu para a compreensão do seu

pensamento e este influiu diretamente na criação do Projeto Escola Doméstica num dado

contexto da cidade do Natal nas primeiras décadas do século XX, palco de transformações

econômicas, culturais e sociais, no cenário local, com desdobramentos no cotidiano e nos

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anseios dos seus moradores, revelando um novo perfil para a cidade, marcada pela busca do

progresso material e espiritual.

Lançamos a tentativa de propiciar uma abordagem epistemológica e

metodológica que tentasse distanciar e também aproximar, quando necessário, a relação

objeto/sujeito.

O uso de técnicas complementares às análises documentais, a aplicação da

entrevista semi-estruturada e uma reflexão sobre os dados em toda a sua riqueza nos fez

apropriar-se da idéia de que: “A abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo

seja exatamente examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo tem um potencial para

constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do

nosso objeto de estudo.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49).

Algumas poucas entrevistas estruturadas parcialmente possibilitaram um

diálogo com sujeitos que vivenciaram e compartilharam de perto as idéias pedagógicas da

Escola Doméstica de Natal. As informações apreendidas serviram para a análise dos dados.

Atentamos para o que Burke (1992) nos diz sobre a expressão amnésia social que se

consubstancia na seleção, por parte do indivíduo, no processo de construção de memórias,

implicando em escolhas entre os acontecimentos do passado e o que grupos consideram que

devem ser lembrados/rememorados, sob pena de ameaçar a unidade do grupo, questionando a

sua identidade, colocando em foco o interesse comum.

Perceber as regras, os motivos que suscitaram a supressão e exclusão de dados

nesses diálogos foram difíceis para que se operasse uma reconstituição de memórias, trazendo

acontecimentos, projetos renegados e/ou esquecidos, tendo presente nessa operação a

articulação com as fontes escritas para tecer comparações das escolhas e opções. Segundo

Burke (1992, p. 88):

Para questionar a memória é preciso então, reconstruir uma gama variável de interpretações da evidência que se pretenda estudar. Somente assim fazendo, torna-se possível a aproximação com a realidade então vivida, fugindo do perigo de um juízo moral que se antecipe ao resgate da evidência, contaminando a própria investigação.

As entrevistas foram fontes importantes na nossa pesquisa. Classificaram-se

em exploratórias e ilustrativas. As primeiras enquadraram a pesquisa de acordo com os

interesses do pesquisador e as ilustrativas funcionaram como uma oportunidade para a busca

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de pistas e/ou informações historiográficas que suscitaram novas entrevistas e a formulação

de novas problemáticas. Para conseguir localizar as pessoas entrevistadas, recorremos ao

diálogo anterior com professoras e direção atual da Escola Doméstica de Natal, bem como à

leitura de alguns artigos publicados em jornal local que se referiam a depoimentos dados por

ex-alunas da escola. A partir dessas pistas, procuramos, em conversas informais com

funcionárias da ED, identificar as residências dessas pessoas para fazermos um primeiro

contato. Através dessas aproximações, pudemos entrevistar algumas dessas ex-alunas (não foi

possível entrevistar algumas ex-alunas devido a problemas de mudança de endereço,

situações de doença ou outros motivos).

O diálogo inicial com determinados sujeitos, aparentemente desnecessários,

funcionou como elo para localizar outros depoentes e novas fontes precisas para a efetivação

da pesquisa.

Na tentativa de entender as formas de representações sobre o universo

cotidiano das práticas educativas da Escola Doméstica de Natal, o foco das entrevistas semi-

estruturadas com as ex-alunas da instituição escolar incidiu na preocupação em perceber o

cotidiano escolar dessas alunas, seus costumes, valores. Nesse momento, a entrevista foi

revestida de uma singularidade que exigiu do pesquisador habilidade para agir, para que os

seus objetivos fossem alcançados. Nesses encontros, a forma de comunicação (não

influenciando nas respostas das entrevistadas), a maneira de estabelecer os diálogos e

interações com as informações recebidas das entrevistadas e o ponto de encerramento do

diálogo foram etapas cuidadosas e bem articuladas, administradas corretamente para que

houvesse sucesso e não implicações negativas durante a entrevista e/ou bloco de entrevistas.

A forma de assegurar posteriormente uma possível análise mais cautelosa das

falas dos entrevistados foi disponibilizada a partir da gravação eletrônica de alguns

depoimentos. Essa gravação ocorreu com a autorização expressa da (o) entrevistada (o),

esclarecendo-se a forma de divulgação dos dados, bem como atendo-se à questão ética, ou

seja, não comprometendo a integridade e identidade do sujeito e as informações por ele

cedidas.

Em nossa pesquisa, a entrevista consistiu numa conversa intencional entre a

pesquisadora e o sujeito entrevistado (a), apoiando-se na visão de Haguette (2000) quando diz

que a entrevista pode ser definida como um processo de interação social, de captação de

informações, que pode ocorrer entre duas ou mais pessoas, dependendo dos propósitos do

pesquisador. No diálogo com o outro, a palavra do sujeito entrevistado vai sendo tomada

enquanto ato concreto, mediada por discursos que relatam histórias de vida, de experiências,

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temporalidades diferenciadas como ato que expressa uma cultura de vida.

Segundo Brandão (2002, p. 40):

[...] a entrevista é trabalho, reclamando uma tenção permanente do pesquisador aos seus objetivos, obrigando-o intensamente à escuta do que é dito, a refletir sobre a forma e conteúdo da fala do entrevistado, os encantamentos, as indecisões, contradições, as expressões e gestos.

Tivemos o cuidado de organizar um roteiro de entrevista não constando de

uma listagem de perguntas a serem feitas, mas sim de pontos e tópicos relevantes

correlacionados à problemática da pesquisa, e o cuidado de informar ao sujeito o objetivo da

entrevista, garantindo qual informação obtida seria posta no trabalho, não pondo em foco a

ética profissional, mas respeitando-a.

Do material gravado durante a entrevista o importante não foi a pura

transcrição das falas dos sujeitos, mas os pontos mais relevantes extraídos nos diálogos.

Assim as frases recorrentes (que se repetiam com freqüência) dos discursos funcionavam

como indícios para a identificação ou não de consensos e conexões de sentido, assim como as

contradições nos discursos, as falas implícitas, as coerências nas respostas e outros aspectos

apontavam para outras interpretações.

Entrevistar, portanto, significou estabelecer situações de troca, onde

entrevistador e entrevistado se envolvem através de conversas sobre determinado tema objeto

da pesquisa. Esse envolvimento tentou romper com as distâncias, permitindo um verdadeiro

diálogo, uma conversação dinâmica, descontraída, mas que apresentou um fio condutor a ser

perseguido, remetendo a uma construção do tema.

As entrevistas possibilitaram um diálogo com os sujeitos que vivenciaram e

compartilharam de perto as idéias pedagógicas da Escola Doméstica de Natal; as informações

apreendidas serviram para a análise dos dados.

Nas entrevistas realizadas, bem como na coleta e análise documental, tentamos

compreender a história da Escola a partir de uma operação histórica, no dizer de Certeau

(2002), a história inserida numa relação entre um lugar onde o acontecimento ocorreu, os

procedimentos de análise usados para a construção dessa história, a estruturação de um texto,

de uma literatura. Na construção histórica dos acontecimentos, lançamos tentativas de

apreendê-los numa teia de relações, afinal “[...] os fatos existem nas tramas da História, nas

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suas ligações, laços objetivos, nas suas atribuições e importância e não isoladamente.”

(VEYNE, 1995). Para apreendê-los, convém considerá-los numa rede de significados, com

atenção vigilante, flexibilidade de espírito e habilidade para exercer a arte da narração dos

acontecimentos, a arte do dizer nas idas e vindas da história. (CERTEAU, 2002).

Na presente pesquisa, apesar da realização de algumas entrevistas com pessoas

que atuaram profissionalmente na Escola Doméstica de Natal, priorizamos a análise

documental, por isso a tese apresenta uma tessitura de pesquisa histórica que destaca

particularmente o documento escrito. A opção por esse tipo de análise se deu por uma escolha

teórico-metodológica de trabalhar principalmente a fonte escrita, apesar de privilegiar também

o registro visual, especificamente as fotografias de época, tidas, na nossa acepção, como

documentos que muito tem a nos dizer.

Mas como dissemos anteriormente, foi possível enriquecermos o material

coletado entrelaçando algumas falas de sujeitos que vivenciaram, em tempos distintos, as

práticas da instituição escolar com as “vozes” das fontes documentais.

Na busca das fontes, aferimos a instituição Escola Doméstica de Natal, como

portadora de elementos culturais que merecem, pela relevância histórica, ser pesquisados, pela

riqueza de práticas incorporadas, por exemplo: sua história (atores, aspectos de organização

escolar, cotidiano, rituais, cultura, significado para a sociedade da época, espaço físico e

arquitetônico, uso do tempo, atividades físicas e intelectuais, seleção de conteúdos, clientela,

corpo docente e discente, legislação, normas escolares, gestão escolar, funcionários...).

Abordamos esses aspectos quando da sua instauração em 1914, suas práticas e

desenvolvimento em suas dimensões culturais, não reduzindo o pensamento e a ação

educativa da instituição à perspectiva técnica de administração, gestão e eficácia de

funcionamento.

Ao nos debruçarmos para entender a história da Escola Doméstica e seu

processo de escolarização vivenciado no país, trouxemos à discussão a concepção educacional

feminina, os fluxos de representações, bem como a intencionalidade dos processos de

formação da mulher numa interpretação baseada na especificidade e singularidade da cidade

do Natal, compreendendo que esse processo de formação da mulher mantinha contornos e

relações com os acontecimentos mais globais que ocorriam no país e no exterior.

Penetrar na história da Escola Doméstica de Natal significou mergulhar no seu

universo de cultura escolar. Esse conceito, o de cultura escolar, tornou-se o cerne da nossa

análise pelo fato de buscarmos na história da instituição escolar (no caso específico do nosso

objeto, a Escola Doméstica, o seu modelo escolar que envolveu suas práticas escolares, sua

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pedagogia, os saberes ensinados, sua história e suas práticas educativas, como já afirmado

anteriormente) um olhar diferenciador para ela, penetrando no seu universo de práticas

escolares, como produto e produtora de práticas culturais, tomando-a como produto histórico

das práticas dos sujeitos no seu tempo. Isso significou ir além do que faziam e ainda fazem

alguns pesquisadores, que ao historiar uma instituição escolar limitam-se a elencar as medidas

de regulamentação e implemento institucional que a regiam, supondo a substancialidade

atemporal enquanto locus institucional. Importa, pois, nessa ótica, registrar na historiografia

medidas regulamentares sem traçar relações das práticas com a comunidade envolvente,

conferindo à mesma um sentido histórico limitado e uma identidade própria.

Numa nova interpretação sobre a história das instituições escolares, mergulhar

na interioridade da instituição a ser investigada foi uma tentativa de dar conta da

multiplicidade de atores e práticas escolares enquanto práticas culturais envolvidas e que

melhor definiam e explicavam os fenômenos e a realidade educativa da escola e das relações

que ela estabeleceu com o contexto no qual está inserida historicamente.

O conceito de cultura escolar utilizado nesta pesquisa para auxiliar a

construção do nosso objeto de estudo é definido por Julia (2001, p. 9) como sendo “[...] um

conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um

conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação

desses comportamentos.”

A cultura de uma escola não pode ser estudada sem precisarmos a análise das

relações entre a cultura urbana, o tempo social, o contexto que envolve os sujeitos, as relações

pessoais que acontecem, enfim, as ações conflituosas ou pacíficas que ela mantém no seu

tempo, como também as mudanças que ocorrem para além dos muros da escola, que ocorrem

na sociedade, detendo-se então às particularidades e às generalidades.

A cultura escolar é tomada como conceito por outros autores, a exemplo de

Faria Filho (2001), Souza (2002), Nunes (1996), Julia (2001), Vinão Frago (2000). Este

último considera a escola na medida em que é uma instituição e, por esse fato, possui cultura,

ou culturas escolares. Isto exige a compreensão de sua sociologia da organização e a

antropologia de suas prática cotidianas. Neste sentido, Frago (2001, p. 68) percebe a cultura

escolar “cuanto conjunto de aspectos institucionalizados que caracterizan a la escuela como

organización, posee varias modalidades o niveles.”

Ao referir-se ao conjunto de aspectos institucionalizados da escola, o autor

ainda evidencia no universo da vida escolar as:

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[...] prácticas y conductas, modos de vida, hábitos y ritos - la historia cotidiana del hacer escolar - objetos materiales - función, uso, distribución en el espacio, materialidad física, simbología, introducción, transformación, desaparición ...-, y modos de pensar, así como significados e ideas compartidas. (FRAGO, 2001, p. 68-69).

Portanto, a noção de cultura escolar permitiu ampliar o olhar sobre o objeto,

potencializando seus limites de análise, de observação, além da sua dimensão física e técnica,

de funcionamento para complexidades científica e humana, tornando-se ímpar a necessidade

de uma análise contextual social, política, cultural. De fato, compreender as práticas

educativas calcadas pela Escola Doméstica de Natal, possibilitou penetrar no universo de sua

cultura escolar, implicou reconhecer a dimensão das ações que a instituição educativa

incorporou nas suas ações cotidianas. Ao termo prática, neste estudo, atribuímos aos modos

de agir, ao processo pelo qual historicamente é produzido um sentido e diferencialmente

construída uma significação. As práticas são, na acepção de Chartier (1990), plurais,

complexas, constroem significados e representações. Esse conceito, muito usado por esse

historiador francês, ajudou-nos a compreender as dimensões das ações da Escola Doméstica

de Natal e dos agentes que a constituíram historicamente.

A noção de Cultura Escolar nos permitiu também considerar a escola enquanto

local que contém arsenal de fontes e informações historiográficas que apontam para a

formulação de interpretações sobre ela própria e a história da educação. Especificamente, a

história das instituições escolares permite uma análise historiográfica, dando um sentido mais

amplo e abrangente aos espaços destinados à educação escolar e importância às

singularidades e particularidades de cada instituição, trazendo à discussão as práticas dos

diversos atores envolvidos no processo educativo, bem como as ações que se passavam no

interior da escola, como também a pedagogia adotada pela Escola e sua pluralidade de

práticas educativas.

Nesse sentido, o presente estudo insere a preocupação em construir

interpretações a respeito da instituição Escola Doméstica de Natal, destacando os elementos

que conferem à mesma um sentido histórico no contexto social de sua época, buscando uma

historiografia que explique melhor a realidade educativa brasileira e norte-rio-grandense. Com

base nesse referencial que muda o ângulo do olhar histórico para a cultura da escola,

destacamos a reflexão abaixo, que reafirma essas idéias:

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Como se pode perceber, historiar uma instituição educativa, tomada na sua pluridimensionalidade, não significa laudatoriamente descrevê-la, mas explicá-la e integrá-la em uma realidade mais ampla, que é o seu próprio sistema educativo. Nesse mesmo sentido, implica-la no processo de evolução de sua comunidade ou região é evidentemente sistematizar e re(escrever) seu ciclo de vida em um quadro mais amplo, no qual são inseridas as mudanças que ocorrem em âmbito local, sem perder de vista a singularidade e as perspectivas maiores. (OLIVEIRA; GATTI JÚNIOR, 2002, p. 74).

A ponte de análise entre a singularidade local (no nosso caso específico, a

particularidade contextual da cidade do Natal) e a totalidade do contexto mais amplo do início

do século XX foi condição ímpar para historiar uma instituição local e sua cultura escolar e

nela compreendermos as suas especificidades e generalidades numa relação dialética entre a

escola e sua comunidade cultural, escolar e pedagógica, numa tentativa de dar à leitura desses

aspectos uma pluralidade de sentidos considerando épocas, contextos e espaços diferentes.

O conceito de cultura escolar considerado nesse estudo, contribuiu para a

análise que nos propomos a fazer, estudando a escola como espaço, que não é neutro, mas

transmite valores, idéias, simbologias, discursos, culturas que são materializadas nas

finalidades da escola, nas normas de funcionamento, no papel desempenhado pelos discentes

e docentes da Escola Doméstica de Natal, bem como nos conteúdos priorizados e ensinados,

enfim, nas práticas escolares trabalhadas no interior da escola. Isso possibilitou traçar retratos

da época, de formas de educação concretizadas em práticas e processos desenvolvidos ao

longo do tempo, reunindo fragmentos e migalhas - pedaços dotados de sentido que permitiram

perceber as interligações entre transformações e inovações pedagógicas, bem como modelos

de organização que refletiam uma época ou diversos contextos históricos: uma forma escolar

própria, singular como era a Escola Doméstica no seu tempo.

A construção da pesquisa

A construção da pesquisa foi sendo ajustada às necessidades que foram

surgindo, como uma colcha de retalhos que gradativamente unificou-se conforme a variedade

de tecidos, formando um todo, onde vislumbramos um novo colorido, uma beleza, quando

juntávamos os pedaços que estavam próximos e dispersos, fazendo reviver acontecimentos

minuciosos e adormecidos, reveladores de uma história, compreendendo também, que o

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processo de construção e interpretação sobre o passado e os elos que se estabelecem com o

presente faz-se no diálogo entre os indícios e as fontes que conseguimos agrupar para

corroborar nossas assertivas e concepções. As idéias e problematizações levantadas sintetizam

as nossas interpretações sobre o que fazemos com esse passado contido na diversidade das

fontes.

O objetivo de esclarecer o contexto de escolhas da pesquisadora e do objeto

pesquisado (Escola Doméstica de Natal, sua cultura escolar que envolve a pedagogia e os

saberes), foi adentrar na crença de que os lugares ocupados nas relações sociais marcam

nossas percepções, escolhas, desejos, movendo as intenções, sentidos e ações enfim, o que

dizemos e o que fazemos, o que significamos, a nossa cosmovisão.

Desta forma, para que melhor fosse evidenciado o nosso objeto de estudo num

corpus de trabalho escrito, optamos pela organização da tese em cinco partes, acompanhada

da apresentação, conclusões e referências. No decorrer dessa construção, perseguimos a tese

de que a Escola Doméstica de Natal apresentou desde suas origens uma cultura escolar

pautada nos princípios da Escola Nova, buscando formar mulheres ativas, sociáveis e

civilizadas. Essa formação não se reduzia à preparação de boas donas de casa e educadoras do

lar, mas construía valores morais, cristãos, baseada em princípios disciplinadores e de respeito

ao outro, além de saberes respaldados nos conhecimentos da ciência, da Pedagogia Nova e da

formação cívica.

Para a realização dessa análise, optamos por um recorte temporal da temática

que se debruça de 1914 a 1945. Esse recorte, não escolhido ao acaso, denota a preocupação de

estudar a Escola Doméstica de Natal nos seus primeiros anos de surgimento, pois suas

primeiras sementes se encontram em 1914 para germinar o modelo escolar proposto. O

contexto que se estende até o ano de 1945 marca historicamente a cidade do Natal/RN por ser

o lugar palco de transformações sociais, econômicas e políticas decorrentes da Segunda

Grande Guerra Mundial.

Após 1945, iremos encontrar algumas transformações consubstanciais no

modelo curricular da Escola Doméstica de Natal que ocorrem devido a uma nova adaptação

da escola às mudanças na legislação de ensino, introduzindo, por exemplo, em 23 de

dezembro de 1954, através da Portaria Ministerial n° 983, aos portadores de diploma ou

certificado de conclusão do Curso Doméstico, a permissão de matrícula na primeira série dos

cursos técnicos comerciais, industriais e agrícolas existentes.

Um acordo firmado entre a ED e a UFRN incluiu a ED, como órgão

complementar, no ensino da UFRN, em 20 de junho de 1954. Isso significou dizer que a

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UFRN, através do reitor na época Onofre Lopes da Silva, passou a auxiliar a Escola

Doméstica no que fosse preciso, quanto aos recursos humanos especificamente, cedendo, por

exemplo, professores universitários para lecionarem na escola.

Em 23 de dezembro de 1960, pela Lei n.°2.803, o governo do Estado do Rio

Grande do Norte equipara as diplomadas pela Escola Doméstica de Natal, quando no

exercício do Magistério Estadual, às diplomadas pela Escola Normal de Natal e Mossoró com

os mesmos direitos e vantagens. Naquele momento, essa equiparação viria não só validar o

currículo da Escola Doméstica de Natal, como também ampliar o quadro de docentes no

Estado. Somente a partir de 1962, segundo portaria publicada no Diário Oficial da União, o

Ministro da Educação reconheceu e validou os cursos da escola, permitindo às educandas

diplomadas o ingresso no ensino superior.

Naquele momento, a partir da década de 60, um grande quadro panorâmico de

mudanças na legislação de ensino do Rio Grande do Norte afetou a organização interna da

Escola Doméstica. Esse fato nos fez perceber que a escola estava diante de uma nova

organização escolar e caso desejássemos estudá-la a partir dos anos subseqüentes, teríamos

que extrapolar determinada época, objeto da pesquisa, o que fugiria aos nossos objetivos de

estudo neste trabalho. Para a delimitação da pesquisa, passamos a estudar a escola inserida

numa configuração diferenciada do seu modelo escolar até meados da década de 40 do século

XX.

Quanto à conjuntura social, econômica e cultural da cidade do Natal (espaço

físico onde a escola se situava), com a chegada dos americanos à cidade, ocorreram diversas

mudanças no ritmo de vida, nos costumes, nos hábitos da população, mudanças essas que

afloraram no contexto dos anos 40, com a forte influência da cultura americana, como já

denotaram alguns estudos realizados sobre esse efervescente período da história de Natal. Não

podemos deixar de reconhecer que a conjuntura afetou, direta ou indiretamente, a cultura

escolar das instituições de ensino e por assim dizer “[...] a cultura escolar não pode ser

estudada sem o exame das relações conflituosas ou pacíficas que ela mantém, a cada período

de sua história, com o conjunto das culturas que lhe são contemporâneas (cultura religiosa,

cultura política ou cultura popular).” (JULIA, 2001, p. 9).

Na década de 40 do século XX, especificamente no ano de 1946, a Escola

Doméstica recebeu a doação de um terreno pelo governo do Estado para a construção e

instalação de sua nova sede em outro bairro da cidade, não mais a Ribeira, mas o bairro

denominado Tirol - bairros próximos. Nos anos subseqüentes à década de 40, a Escola

vivenciará mudanças significativas na sua legislação educacional, que incidirão no currículo e

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na condução dos saberes a serem transmitidos. A nova legislação impulsionará alterações

adaptadas às novas exigências legais da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

fazendo com que a escola se equipare com os Cursos da Escola Normal de Natal, ofertando

um diploma às alunas, contendo os pré-requisitos básicos para que estas pudessem ingressar

no ensino superior ou mesmo lecionar nas instituições de ensino.

Com base nesse entendimento de sistematização das idéias e da organização da

tese, realizamos a seguinte estruturação: na primeira parte do trabalho, nos detivemos em uma

análise histórica das origens da Escola Doméstica de Natal, trazendo para o contexto de

discussões o idealizador da instituição, Henrique Castriciano. Procuramos destacar nesta parte

as idéias/ideais desse intelectual no seu tempo, sobre sociedade, instrução e educação

feminina. Entender seu pensamento significou revelar os motivos que suscitaram a fundação

do modelo de Escola Doméstica de Natal. Ainda na primeira parte, traçamos o histórico de

outra entidade criada por Castriciano e outros intelectuais, a Liga de Ensino do Rio Grande do

Norte. Foi necessário evidenciá-la neste momento inicial do trabalho para que o leitor

compreenda o fato histórico que levou à fundação da Escola, ou seja, a criação da Liga de

Ensino que se deu antes da fundação da Escola Doméstica de Natal; foi a partir da Liga que

surgiu a semente germinadora da instituição criada três anos depois.

No segundo momento do trabalho, adentramos no estudo das idéias teóricas

que elencamos como inspiradoras da escola, quais sejam, o modelo europeu de educação

feminina, calcado nas idéias da Escola Nova e o Positivismo de August Comte.

A terceira parte focalizou os sujeitos que atuaram mais diretamente nas

práticas escolares da Escola Doméstica de Natal - os discentes e docentes - onde se tentou

evidenciar quais eram esses sujeitos, de onde vinham e a que grupos econômicos pertenciam,

a formação educacional recebida, etc. Esses aspectos foram relevantes para compreendermos

as ações por eles articuladas no interior da Escola.

Na quarta parte analisamos as práticas escolares no cotidiano da Escola, com

ênfase para as práticas do currículo, sua estruturação, o referencial teórico que embasou essas

práticas, etc. Analisarmos também as normas da escola e a aplicação dessas segundo o

Regimento Escolar interno do estabelecimento de ensino foi fundamental para entendermos as

diversas formas de agir, de movimentar-se das professoras, diretoras e alunas a partir de uma

cultura escolar construída e nessa análise sobre o movimentar do corpo dentro da Escola,

optamos por trabalhar o conceito de disciplina escolar aferido por Michel de Foucault (1997).

A compreensão sobre o significado da disciplina nos fez pensar sobre as

diversas formas de organização do tempo na escola, sua estruturação física e distribuição

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espacial, formas das discentes e docentes se vestirem e se comportarem. Ainda na quarta parte

da tese, optamos por fazer essa análise, o que possibilitou perceber, de forma mais visível, a

cultura escolar como elemento materializado na cultura do corpo e dos seus movimentos.

Nesse sentido, alguns documentos de época da ED foram instrumentos importantes para o

estudo, a exemplo do Regimento Geral e Interno da Escola pois nele encontramos alguns

ditames sobre as normas disciplinares a serem postas em prática por alunas, diretoras,

professoras. Esse documento da época nos deu uma visibilidade da hierarquia dessas normas,

no sentido de identificar o sujeito que obedecia e o sujeito que ordenava.

A parte destinada às considerações finais foi o momento relevante da tese para

tecer algumas reflexões sobre o papel desempenhado pela Escola Doméstica na história da

Educação norte-rio-grandense, assim como a retomada de pontos importantes abordados no

decorrer do trabalho.

Traçamos e percorremos, portanto, caminhos com a finalidade de compreender

a Escola Doméstica de Natal (modelos, práticas, pedagogia) e os acontecimentos que

marcaram a sua história. Para ilustrar essa idéia, as palavras de Veyne (1995, p. 74) sintetizam

a nossa postura, ao afirmar que “Não são os acontecimentos na sua própria individualidade

que interessa ao historiador, importa compreendê-los para neles encontrar espécies de

generalidades e especificidades.”

Como a instituição se articulou com as generalidades e especificidades sócio-

históricas do seu tempo, essa articulação se constituiu também, uma das preocupações do

nosso estudo como uma forma de evidenciar que, as idéias pedagógicas que circularam e

foram apropriadas no contexto brasileiro no início do século XX aconteceram de forma

diferenciada e não linear, muito embora tendo ocorrido em tempos idênticos, mas em espaços

distintos.

Assim quando falamos da divulgação dos princípios da Pedagogia Nova no

Brasil, não nos prendemos a algumas amarras historiográficas existentes que muito tem

engessado a História e a história do pensamento pedagógico, afirmando que esses princípios

pedagógicos se deram uniformemente na região Sudeste e que o Nordeste, por sua vez, seria a

região a receber a influência dessa primeira, por se destacar nas suas inovações pedagógicas e

na produção de idéias. Muito mais do que pensar em imposições e sobreposições de idéias,

buscou-se compreender como se deu a sua circulação. O sentido utilizado por Ginsburg

(1987) ao que denomina de ‘circularidade de idéias’ foi importante para essa apreensão. O

autor remete a essa terminologia para entender que existindo uma variedade de cultura entre

locais e grupos sociais distintos, há várias formas de haver influências recíprocas entre essas

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culturas, no sentido de que uma cultura influencia a outra, bem como os elementos

encontrados em uma realidade e que podem surgir em outra. Entendemos que alguns ideários

da Escola Nova tiveram como pólos centrais dessa discussão os Estados Unidos e a Europa.

No Brasil, essa circulação de idéias ocorreu de formas diversificadas; as apropriações desses

ideários aguçaram a curiosidade de vários intelectuais que passaram a estabelecer diálogos

com grupos mais próximos e a assumir reformas através de criação de entidades e

associações, como é o caso da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte que conseguiu agregar

diversas personalidades locais numa mesma associação em prol de uma nova estruturação da

educação norte-rio-grandense em 1911.

Essa questão instigante apontada por Ginsburg, a da ‘circularidade de idéias’,

levou-nos a pensar até que ponto uma realidade cultural influencia outros espaços, ou melhor,

em que aspecto nós podemos afirmar que as idéias pedagógicas que circularam no sudeste do

Brasil e na Europa nos primeiros anos do século XX imperaram como modelo nas demais

localidades do país.

Compreendemos que no Brasil do início do século XX houve uma

circularidade de idéias onde cada realidade local absorveu e produziu seus ideários de

educação e sociedade, ao mesmo tempo em que essas particularidades mantiveram influência

outras localidades. Nesse sentido, podemos dizer que as reformas educacionais que ocorreram

no âmbito local contribuíram para que outras regiões se apropriassem de novas práticas,

modificassem ou não sua realidade, numa relação de complementaridade, reciprocidade e não

de polaridade. Como exemplo, tivemos nas primeiras décadas do século XX algumas

reformas educacionais em nível local que simbolizaram prenúncios de reformas nacionais a

exemplo das Reformas empreendidas por Sampário Dória (SP, 1920), Lourenço Filho

(1922/23, Ce), José Augusto (RN, 1925/28), dentre outras.

Ao tentar evidenciar no nosso estudo que esse fato foi uma realidade nacional,

não estamos primando para exaltar esta ou aquela história local e regional; ao contrário,

estamos tentando buscar uma produção histórica baseada nas complexidades, nas

singularidades e também nas diversidades decorrentes das práticas culturais, além de evitar

cair nos abismos e vácuos provocados pela premissa Positivista que não se atinha às grandes

problematizações da história, pois se fechava numa masmorra de vidro e distanciava-se dos

acontecimentos, amarrando-se cada vez mais a uma história objetiva, árida e avessa a

interpretações diversas.

Portanto, além da compreensão das singularidades que é importante para

entendermos a história e a cultura locais, atentamos para o fato de que a história é dinâmica,

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sempre em construção, sendo assim. passível de ser vista por diferentes ângulos. Neste

sentido, os pesquisadores que vierem traçar uma investigação sobre a Escola Doméstica de

Natal, possivelmente descobrirão novas problemáticas e farão novas abordagens. A partir dos

vestígios documentais terão visões diferentes das que o presente estudo focalizou e encontrou

como resultados da pesquisa. Isto significa muito mais do que a versatilidade do olhar, mas a

própria dinâmica da história e do conhecimento que está sempre em movimento no tempo.

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CAPÍTULO 1

Escola Doméstica de Natal: um projeto

modernizador

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1.1. O INÍCIO DE TUDO: a Liga de Ensino do Rio Grande do Norte e o seu idealizador,

Henrique Castriciano de Souza.

O objetivo central deste capítulo é analisar sobre as origens da Escola

Doméstica de Natal, situando-o no tempo. A apreensão dessa visão histórica requereu uma

leitura minuciosa sobre a entidade criadora da Escola, a Liga de Ensino do Rio Grande do

Norte (LERN) e Henrique Castriciano de Souza, idealizador da instituição e organizador da

entidade. Falar, portanto, da LERN e de Henrique Castriciano nesse primeiro momento do

trabalho, faz-se necessário porque é através desse intelectual, de suas idéias e ideais, que a

Escola Doméstica de Natal será gestada e irá emergir no cenário educacional do RN.

Henrique Castriciano, natural do município de Macaíba/RN (1871-1947), filho

de tradicional elite agrária, foi renomado intelectual, poeta, escritor e político. Destacou-se

como grande colunista em jornais da época e personagem atuante na política potiguar,

exercendo os cargos de Secretário Administrativo (1900-1910), Procurador Geral do Estado

(1908-1914), Vice-governador do Estado do Rio Grande do Norte (1915-1923). Foi, no

entanto, na cadeira de Secretário Administrativo do governo Alberto Maranhão (1908-1913)

que Castriciano conseguiu maior apoio político e econômico para a realização dos seus

projetos no campo da educação.

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FOTO 1 – Henrique Castriciano de Souza, 1915. Fonte: Acervo da Escola Doméstica de Natal.

Para melhor compreendermos os ideais de Henrique Castriciano sobre

sociedade, instrução e educação feminina foi preciso seguir suas pegadas, sua trajetória e

fontes de inspiração que resultaram na fundação em Natal/RN da Escola Doméstica de Natal,

marco mais importante de sua vida.

Nos documentos pesquisados, encontramos inicialmente vestígios de uma

viagem realizada em 1909 por Henrique Castriciano à Europa. Duas informações emergem

desses documentos, em relação aos prováveis motivos dessa viagem: a primeira, diz respeito a

um tratamento de saúde que teria ido fazer na Europa; a segunda informa que o Governador

do Estado do RN, na época, Alberto Maranhão, o teria enviado para estudar o modelo de

ensino das escolas Suíças e trazer, quando do seu retorno, sugestões que contribuíssem para a

organização pedagógica das nossas escolas.

Ambas as informações apresentaram inicialmente significados coerentes para o

nosso estudo. Entrecruzamos esses dados com o depoimento do atual diretor da Liga de

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Ensino do Rio Grande do Norte, o Sr. Manuel de Brito, que, em entrevista concedida,

confirmou que a viagem fora custeada pelo governador do Estado, pela amizade à pessoa do

intelectual e educador Henrique Castriciano, concedendo-lhe a oportunidade para realizar o

tratamento de pneumonia que vinha lhe comprometendo a saúde há algum tempo, desde que

aproveitasse a ocasião para conhecer a estrutura organizativa e o funcionamento do ensino

Europeu. (BRITO, 2004).

No Rio Grande do Norte era comum a existência dessas viagens financiadas

pelo Governo local, a exemplo da viagem feita pelo político, educador e jurista potiguar

Nestor dos Santos Lima a São Paulo em 1909, com a finalidade de conhecer os métodos

pedagógicos empregados pelas instituições de ensino e, ao retornar, trazer algumas

contribuições para o aperfeiçoamento da pedagogia aplicada nas escolas da cidade.

A existência do Decreto de n° 234 de 1909, publicado pelo Estado do Rio

Grande do Norte, também contribuiu para reforçar esse ideário, uma vez que anunciava uma

premiação ao professor que se destacasse na cátedra e essa recompensa, na maioria das vezes,

era dada em forma de viagens. Posterior ao Decreto de n° 234, outros surgiram, enfatizando o

anterior, ou seja, concedendo recompensas ao docente que apresentasse compromisso e

seriedade no cargo ocupado. Através do Decreto n° 239, de 15 de dez. de 1910, que tratava da

Organização do Ensino Público no Rio Grande do Norte (Título II, que versava sobre a

Instrução Primária e o Capítulo VI que versava sobre Registro Profissional), em seu art. 43,

especificava:

Art. 43 - Ao que se distinguir pela sua competência e dedicação a juízo do Conselho da Instrucção, além das preferências legais em concurso de títulos, poderá o Governo conceder as seguintes recompensas; Viagem fora do Estado para observar e relatar os progressos do ensino; a) Premio Pestalozzi, consistente em medalha de ouro como effigie do celebre reformador; b) Premio Froebel, consistindo em medalha de prata com a effigie do notável pedagogo. (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p.125).

Em 1911, outro Decreto publicado foi o de n.°261, de 28 dez. de 1911, que

firmou normas para a organização do ensino público no Rio Grande do Norte. Em seu Título

II, retomou a prerrogativa apresentada no decreto anterior. A Lei n°. 359, de 22 de dez. de

1913, que também ditou normas sobre a estruturação do ensino público no Estado, no seu

Título II, relativo à instrução primária, na parte destinada ao Registro Profissional,

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estabeleceu:

Art. 41. Ao professor que se distinguir pela sua competência e dedicação, a juízo do Conselho de Instrução, além das preferências legaes em concurso de títulos, poderá o governo conceder as seguintes recompensas: a) viagem fora do Estado para observar e relatar os progressos de ensino. (RIO GRANDE DO NORTE, 1913, p.96).

Como percebemos, o contexto legal do período favorecia a participação de

professores em viagens fora do Estado para conhecer outras realidades sobre os modelos

pedagógicos empregados em outras instituições de ensino. Apesar de conhecedor da realidade

local, foi em viagem realizada a Suíça que Castriciano de Souza apreciou melhor os hábitos e

cultura daquele povo. Ele deixou expressa suas descobertas através de um relato de viagem

escrito, onde evidenciou perplexidade diante da atuação e dinamismo das mulheres suíças em

diversas atividades profissionais. Também lhe chamou a atenção os modos de se vestir e

comportar simples, mas elegante das senhoras e senhoritas francesas, que se diferenciava das

mulheres brasileiras e dos nossos costumes.

Testemunha da ordem, da simplicidade, da alegria nada ruidosa dessa republica inimitável, o que no momento me chamava a atenção e me despertava a irrequieta curiosidade não era a calma actividade do povo em geral, mas a robustez e tranqüilidade segurança das mulheres, todas evidentemente preocupadas com alguma tarefa seria. Mais tarde, consultando ligeiro trabalho econômico, encontrei a explicação de tudo em poucos algarismos. A felicidade tão lembrada sempre, do povo Suisso está na educação das mulheres. (SOUZA, 1911, p. 9-10).

Lembrou também, no seu relato de viagem, que na Suíça não havia sexo

frágil1, pois nas escolas femininas trabalhavam-se os aspectos: educacional, mental, físico,

cultural e moral contribuindo para formação de uma mulher mais ativa e atuante na sociedade.

A instituição escolar, portanto, seria a responsável para atingir essa finalidade e do governo

provinha a iniciativa para esse projeto educativo, lamentando não existir no Brasil igual

preocupação educativa.

1 Expressão usada para definir a submissão da mulher ao sexo oposto, bem como a fragilidade feminina diante algumas ações consideradas próprias ao universo masculino.

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Certamente, Henrique Castriciano esquecera de retratar que na época, no Brasil

e particularmente no Estado do Rio Grande do Norte, precisávamos muito mais de

investimentos precisos em projetos de revitalização das escolas públicas, uma vez que a

população, em sua maioria, carecia de escolas que funcionassem com melhores condições,

pois aqui predominava o imperativo de instituições particulares, principalmente sob a égide da

Igreja Católica, em que poucos indivíduos apresentavam condições financeiras de freqüentá-

la. Como exemplo das instituições particulares no RN tínhamos o Colégio Imaculada

Conceição, primeiro educandário feminino na capital, em 19022; o Colégio Diocesano Santo

Antônio (1903), Sagrado Coração de Maria (1912), Colégio Nossa Senhora das Vitórias

(1922), Colégio Santa Terezinha (1925).

Paralelo às instituições privadas, funcionava ainda na cidade do Natal a única

escola secundária do Estado, o Atheneu norte-rio-grandense, a Escola de Educandos e

Artífices (Escola do Comércio), com a finalidade de preparação de jovens para o mercado de

trabalho, onde era oferecida a formação profissional diversificada: carpinteiros, sapateiro,

alfaiate, etc. A Escola Doméstica não se espelhava nessa realidade: nem era uma escola

considerada profissionalizante, nem tampouco uma instituição mista; sua especialidade era a

formação feminina.

Apesar da proliferação de escolas particulares nesse contexto do início do

século XX, há de considerarmos que as instituições fundadas na época por iniciativa de

particulares contribuíram, de certa forma, para a ampliação do universo escolar da cidade do

Natal e do Estado do Rio Grande do Norte no período. Na realidade, vivíamos no Estado e no

Brasil um processo de descaso com o ensino público, fato evidenciado nos estudos de Araújo

(1979) com o denominado ‘ cria e extingue ’, expressão usada para afirmar o descaso das

autoridades públicas do RN em relação às reformas de instrução pública da época,

caracterizadas como frágeis e volúveis às decisões do governo.

Ainda em relação a esse período, Cascudo (1965) nos chama a atenção para o

fato de ser comum o uso de residências dos professores como forma de suprir a falta de

escolas na cidade, iniciativa essa, que partia dos próprios docentes diante da carência em que

se encontrava o sistema educacional do Estado, mas, era uma prática adotada como alternativa

para suprir as necessidades encontradas diante do quadro educacional real do Estado e do

país.

Nas suas leituras escritas e de mundo, Henrique Castriciano, assim como

2 A única escola existente na cidade de Natal que atendia em sistema de internato para mulheres.

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outros intelectuais brasileiros, envolveu-se pelas idéias de alguns teóricos e escritores

franceses, como Vitor Hugo, Balzac, Renan e Michelet. Castriciano foi influenciado, em suas

leituras pela idéias do Evolucionismo de Herbert Spencer, pelas obras de Jean-Jacques

Rousseau, de Michel de Montaigne e outros, ou seja, autores que representavam, para aquele

contexto, a modernidade que envolvia os estudos na área das ciências humanas. Por ser

adepto de Saint Simon, Henrique Castriciano acreditava na hierarquização da sociedade e em

Augusto Comte buscava a explicação para a desordem social, tida como elemento negativo,

demoníaco, propulsor da desorganização social e anti-progressista. Ainda no posivismo de

Comte tentava compreender e exaltar o comportamento feminino. Numa visão mais

pragmatista, as leituras de John Dewey e numa linha mais ativista o teórico Jean Jacques

Rousseau. (CASCUDO, 1965). Em Dewey e Comte, nós iremos encontrar as maiores marcas

na escola que criou em 1914 e no modelo pedagógico adotado.

As idéias pedagógicas e a visão de mundo que perpassavam no cenário

americano e europeu circulavam fortemente no debate dos intelectuais brasileiros nas

primeiras décadas do período republicano. Essa realidade materializava-se em projetos,

debates políticos, legislações e produções arquitetônicas das cidades evidenciando com isso o

discurso apropriador desses ideários.

O movimento Escolanovista ocorrido no Brasil nas primeiras décadas do

século XX tinha a idéia de transformar a velha pedagogia baseada em métodos intuitivos em

uma nova ciência da educação.

A idéia era precisamente transmitir aos educadores brasileiros as novas descobertas em pedagogia, que deveriam ser solidamente apoiadas nos conhecimentos da psicologia e da sociologia – as novas ciências que vinham revolucionar o tratamento tradicionalmente dado aos fenômenos humanos pelo pensamento filosófico, especulativo. Era preciso basear as decisões sobre métodos e processos educativos em conhecimentos científicos, positivos, estabelecidos mediante procedimentos empiricamente verificáveis. (CAMPOS; ASSIS apud LOURENÇO FILHO, 2002, p. 19).

Essa tendência em revisar os meios de educar substituindo normas intuitivas

por outras de maior validade técnica na organização escolar tinha como base a idéia de que os

métodos de ensino intuitivos eram desprovidos de maior senso crítico, onde o indivíduo agia

impelido pela emoção, pelo desejo, dominado por elementos mais de ordem afetiva que

objetiva, sendo necessário o uso da técnica, de práticas conscientes refletidas com base na

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ciência moderna.

Cascudo (1965) afirmava que na biblioteca particular de Henrique Castriciano

existiam livros que em Natal não encontraríamos em livraria alguma, principalmente os

escritos dos autores franceses. Ainda no testemunho de Cascudo, Castriciano sentia prazer em

comentar as obras selecionadas de sua biblioteca particular, bem como em disponibilizá-las

aos amigos, comentando e mantendo atualizado o leitor na cidade, através do relato de suas

viagens, dos estudos feitos, dos projetos desejados para as mudanças na cidade.

Podemos levantar a hipótese que a visão de Castriciano sobre educação escolar

e sobre a técnica como elementos possibilitadores da modernização do Estado advinha de sua

leitura de mundo materializada nos autores a que teve acesso, não se limitando às leituras que

circulavam no Brasil (muito embora saibamos que, em sua grande maioria, as leituras que

transitavam no Brasil advinham de outros países), mas ampliando sua visão através do contato

com outras pessoas e das vivenciadas em diversas viagens realizadas ao exterior,

principalmente para tratamento de saúde. O fato de ter uma visão ampla dos conhecimentos,

ser um leitor informado dos acontecimentos internacionais, nos leva a pensar se Castriciano,

apropriou-se das idéias da Pedagogia Nova a partir de suas leituras e viagens antes mesmo em

que estas chegassem ao Brasil de forma mais acentuada nas décadas de 20 e 30 do século XX.

O final do século XIX e o início do século XX foram marcados por grandes

transformações econômicas e sociais na Europa Ocidental com o desenvolvimento do

capitalismo. Essas mudanças refletiam-se controle da natalidade, no desenvolvimento da

indústria, na massificação crescente da escolarização e difusão de idéias pedagógicas.

(HOBSBAWM, 2001). Aquele continente era considerado por muitos intelectuais, a exemplo

de Henrique Castriciano, como o lugar berço da civilização de onde advinha o modelo de

nação e educação ideal para alcançar a tão almejada modernidade social, econômica e cultural

no Brasil.

O ideário de que o progresso do conhecimento seria a causa do crescimento

inspirava progressistas e nacionalistas, de concepções políticas distintas, a buscaram reformas

e projetos voltados principalmente para o setor educacional.

Ao retornar da viagem à Europa, Castriciano imbuído desse ideário, resolveu

conjuntamente com outros intelectuais norte-rio-grandenses fundar inicialmente uma

associação denominada Liga de Ensino do Rio Grande do Norte. Convenceu amigos e, entre

estes o Governador Alberto Maranhão, a aderir ao seu projeto educativo. Através da Liga de

Ensino do Rio Grande do Norte é que criou a Escola Doméstica de Natal. Portanto, falar da

Liga de Ensino significa inseri-la nos ideais dos seus fundadores, os mesmos da Escola

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Doméstica de Natal (ED); significa também considerá-la como concretização de um projeto

social e pedagógico dos intelectuais que a criaram (Henrique Castriciano de Souza, Francisco

de S. Meira e Sá, José Augusto Bezerra de Medeiros, Romualdo Galvão, Felipe Guerra,

Ferreira Chaves, Manoel Dantas, João Juvenal Pedrosa Tinôco3, dentre outros) como uma

medida prática para o grupo de reformadores objetivar os seus propósitos, ganhar força

política junto à autoridade política local e inserir-se nos projetos republicanos. Podemos

afirmar também que esse grupo de intelectuais participou com muita relevância do

Movimento Renovador da Educação não só no RN, mas também no Brasil.

Para que possamos compreender as bases instauradoras da Escola Doméstica,

convém mergulharmos um pouco mais nas origens da Liga; somente por essa trilha

poderemos nos aproximar do nosso objeto de estudo e do seu entendimento. Fundada em 23

de julho de 1911, a Liga surgiu da necessidade de intelectuais e políticos norte-rio-

grandenses, como já citado anteriormente, criarem uma entidade que congregasse os seus

ideais e reunisse esforços em função da concretização dos seus propósitos sociais e

republicanos. Neste sentido, propunham, através de um Estatuto próprio, nos artigos I e II,

suas finalidades:

Art. I - É fundada em Natal, capital do Rio Grande do Norte, uma associação denominada ‘Liga do Ensino’, visando, em geral, auxiliar os poderes públicos em tudo quanto disser respeito á instrução e educação do povo, e, em particular, fundar escolas para a instrução e educação da mulher. Art. II - Para atingir o fim a que se propõe, a Liga fundará escolas maternais, primarias, secundarias e profissionais, estabelecerá bibliotecas e cooperativas em todo o território do Estado e promoverá a criação de Ligas Regionais, promovendo igualmente festas cívicas, conferencias, congressos, excursões escolares, exposições e publicações de livros e revistas. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1911a, p. 1).

Manifestavam a necessidade de renovar o ensino potiguar que consideravam

arcaico, ultrapassado em seus métodos de ensino, quando no Brasil eram fundadas, em várias

cidades, Ligas e/ou entidades congregadoras de idéias, na sua maioria, de cunho nacionalista,

cívica e embrionariamente partidária. Provavelmente, tinham funções específicas, mas com

3 Francisco de S. Meira e Sá (secretário e ajudantes de ordens do governo, foi governador do Estado em duas gestões administrativas, assumiu a segunda presidência da LERN), Felipe Guerra (desembargador do Estado e presidente da LERN no ano 1935), Ferreira Chaves (Desembargador e ex. governador do Estado), Romualdo Galvão (coronel do exército , presidente do congresso e inspetor do tesouro), Manoel Dantas (diretor geral da instrução do RN e redator-chefe do jornal oficial).

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ideais voltados para o desenvolvimento da nação, a exemplo da Liga de defesa nacional

fundada em setembro de 1916 e a Liga Nacionalista, em 1917, em São Paulo, tendo por

finalidade a erradicação do analfabetismo e defesa da soberania nacional. Essas entidades

congregavam ideais que tentavam reforçar a necessidade do sentimento patriótico, a crença e

a esperança no desenvolvimento e no progresso da nação, lançando sementes construir um

país de organização nacionalista. (NAGLE, 2001).

Segundo Nagle (2001, p. 80):

O nacionalismo, no período, não foi fenômeno adstrito a determinados grupos ou associações. De um modo geral, não se tratava apenas de uma atitude contra valores, instituições e grupos estrangeiros, mas de uma tentativa de afirmação das peculiaridades e interesses derivados de um conhecimento mais amplo da própria realidade nacional.

O que nos chamou a atenção é que a Liga de Ensino do RN antecedeu à

formação das diversas Ligas no Brasil; ela apresentou peculiaridade em relação às demais

existentes no Brasil; era na sua singularidade o que poderíamos conceituar de um projeto

republicano ambicioso, audaz e inovador para o campo educacional, porque previa reformas

no ensino a partir das bases, do maternal ao ensino secundário. Observamos através dos

estudos que a concentração de esforços por parte da Liga ficou circunscrita ao ensino

secundário na instância privada a exemplo da única escola que conseguiu fundar, a Escola

Doméstica de Natal.

A fundação da Liga de Ensino do RN - LERN ocorreu em um contexto

nacional modelado pela propaganda e retórica do Civismo, um movimento educacional,

representado por associações congregadoras de homens de elite, esclarecidos e bem

intencionados, devotados à causa social e principalmente educacional. Nessa conjuntura de

efervescência voltada para a defesa da nacionalidade, discursos são incorporados às Ligas e

proferindo a ausência no país de uma educação mais científica, moderna e democrática,

tomando-se como espelho os países mais avançados econômica e socialmente, sem perder de

vista os parâmetros da tradição e costume local.

As idéias debatidas pelos intelectuais da Liga de Ensino do RN antecedem

algumas importantes associações do Brasil, como a Associação Brasileira de Educação -

ABE, criada em outubro de 1924 que enfatizou também um novo tipo de fator determinante à

constituição do povo brasileiro: a Educação. Essa associação configurou-se no cenário

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brasileiro como elemento necessário não somente à mobilidade e ascensão social para as

classes populares, mas como garantia de regeneração do povo brasileiro nos seus costumes,

no âmbito de um projeto de sociedade que correlacionava mudança social a transformações no

campo educacional, privilegiando a educação como instrumento de conformação dos

indivíduos a uma sociedade almejada.

Sabendo que, ao final da escravatura em 1889, na sociedade brasileira,

circulava, por pequenos grupos de intelectuais, o discurso da necessidade de homens e

mulheres serem mais ativos, participantes e atuantes nos acontecimentos sociais e,

particularmente nesse contexto, emergia um novo estereótipo de mulher doméstica, moderna,

para gerenciar o espaço doméstico, preparar os filhos para a sociedade e o trabalho. O

pensamento educacional de alguns educadores no Brasil, no início do século XX, era articular

as propostas surgidas para a educação com as transformações de ordem econômica e social

ocorridas no período, absorvendo o surto nacionalista então presente nas discussões. Grande

parte da intelectualidade, naquele momento, propunha formas renovadas de educação ou

modelos que eliminassem o analfabetismo reinante, buscando formas de atuação e conteúdos

modernos para a escola que deveria ser mais ativa e tornar o sujeito mais participante desse

processo de mudanças.

Nos primeiros anos do século XX, parte da intelectualidade brasileira propôs

reformas para a construção de uma nação moderna, onde as pretensões de ser “moderno”

passam a ser um tema nacional, o que ocasionou a revisão dos métodos pedagógicos e das

finalidades sociais da educação. Nessa perspectiva de transposição para a modernidade

capitalista, a força motriz também ira encontrar-se na concepção de cultura pragmática,

moderna. Afinal, como bem lembra Monarcha (1989, p. 19):

[...] o tema da Escola Nova, procurou mobilizar política e ideologicamente a sociedade em torno de uma mesma questão; a superação do atraso nacional e o ingresso no moderno. À pedagogia cabia gerar uma nova forma de sociabilidade, compatível com os ideais da racionalidade e produtividade.

Num contexto marcado pela presença do universo agrário, rural e oligárquico,

intelectuais brasileiros de tendências humanistas e modernas, que se destacavam através de

proposições de reformas por mudanças na educação, passam a compor a vanguarda

pedagógica comprometida com valores universais de nação, ciência, razão e progresso.

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As reformas do início do século XX tentavam dar respostas também às

transformações ocasionadas com o desenvolvimento do Capitalismo, cujas conseqüências

provocaram o crescimento das fábricas e crescimento esse que também exigia modificações

em outros setores, adequando-os ao contexto econômico, solicitando, com isso, mudanças no

campo educacional, como nos apresenta Carvalho:

[...] incorporando novos métodos, técnicas e modelos educacionais, tomando a fábrica como paradigma da escola e da sociedade. Tratava-se, neste caso, de programar, em moldes mais adequados às exigências de uma sociedade nova, de forma industrial, mecanismos de controle social. (CARVALHO, 1998a, p. 27).

A autora ainda evidencia que, nesse período, a ciência, a técnica e o progresso

acomodavam-se a uma nova forma de organização calcada na racionalidade dos métodos

produtivos e práticos trazidos pelo gradativo desenvolvimento da fábrica, impondo e

materializando no meio social forma de convivências harmoniosas. Na construção dos

espaços físicos e na arquitetura das cidades, os preceitos de higiene (associados à eugenia) e

saúde buscavam redefinir a fisionomia da cidade através de propostas de disciplinarização e

racionalização que incitavam também, nas instituições escolares da época, mudanças na

pedagogia adotada.

Sob o prisma de medidas utilizadas para a constituição de um meio social que

favorecesse o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos indivíduos, para a formação de

corpos saudáveis e mentes disciplinadas, a educação assentava-se nesses moldes.

Saúde, moral e trabalho, eram os três pilares principais em que assentava a convicção a respeito da importância da educação. Isso significou a ênfase na ‘qualidade’ da educação ministrada em detrimento de projetos de difusão de um tipo de escola que se limitasse apenas a instruir. (CARVALHO, 1998a, p. 148).

Desta forma, a instituição escolar deveria ser moldada pelos pilares do

desenvolvimento, passando a valorizar os atributos morais e higienizadores como

instrumentos de formação de novos hábitos e erradicação de vícios que viessem a prejudicar a

ordem estabelecida.

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A escola tradicional sofreu várias críticas pelos intelectuais que compunham a

Liga de Ensino do RN, principalmente no que dizia respeito à pedagogia e aos métodos de

ensino preconizados como repetitivos e não conciliadores com as atividades práticas do dia-a-

dia do sujeito. Essas críticas não eram exclusivas desses intelectuais, mas de outros

intelectuais brasileiros que integravam o Movimento Renovador da Educação.

Para esses intelectuais da LERN imbuídos do ideário renovador da educação

escolar que aflorava nas primeiras décadas do século XX, seria necessária a formação de um

sujeito, particularmente um sujeito feminino, para ser o signatário da sociedade advinda do

sistema capitalista e da forma republicana de governo que se organizava. O objetivo era a

formação de uma mulher que através do aprendizado doméstico e de outros saberes baseados

na ciência, pudesse dar contribuições para a solidificação dos laços familiares, no sentido de

formação educacional de sua prole e consolidação da instituição familiar. Através da

orientação educacional aos filhos, estaria a mulher contribuindo para a construção de uma

nação forte e viril, em que o Brasil estava se transformando; para que isso se concretizasse, o

sexo feminino precisaria apropriar-se de princípios pedagógicos que se afastassem da

transmissão autoritária e repetitiva de conhecimentos e ensinamentos, aproximando-se assim,

dos processos menos rígidos e mais criativos de aprendizagens, não se isolando dos

conhecimentos da vida comum.

Na visão de Rocha (2000, p. 56):

A escola foi representada pelos intelectuais que vivenciaram as transformações pelas quais passou a sociedade brasileira, entre o final do século XIX e as décadas iniciais do século XX, como um importante meio de difusão de um modo de vida considerado civilizado. Influenciados pelos ideais iluministas em relação ao poder redentor da educação e movidos por inabalável crença no dogma da ciência, coube a esses intelectuais, entretanto, configurar a escola com base em novos padrões, que a distinguissem dos precários e insalubres casebres em que o mestre-escola ensinava as primeiras letras, dos modos de ensinar característicos do que, na sua concepção, consubstanciava a ‘velha pedagogia ignorante’ e, por outro lado, das miseráveis condições em que se aglomerava a grande parte da população.

Para a autora, era desejo de muitos intelectuais que vivenciaram esse período,

constituir a escola como signo de civilização e progresso, dotando a instituição escolar de

vários princípios pedagógicos capazes de formar um novo cidadão para uma nova República.

Nessa conjuntura de mudanças sociais, econômicas e culturais é que a LERN

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se insere, apropriando-se e criando novos ideais de sociedade espelhados na figura da mulher

republicana, nacionalista, civilizada, moldada numa nova consciência de ordem e progresso

da nação, em consonância com as idéias positivistas, como as de Lindolfo Xavier (apud

CARVALHO, 1998a, p. 339-340) que representando, na época, a Associação Brasileira de

Educação, afirmava:

Desejo colocar a mulher em seu pedestal de educadora familiar. Aí é que ela é grande. Aí é que ela estará no seu altar. Desde que ela saia deste terreno, falha a sua missão. Se a mulher abandonasse o lar para participar das atividades políticas estaria pondo em risco a república. Seria concebível sua participação política - como rainha, evidentemente, numa monarquia. Sendo a República, contudo, ‘o regime do progresso conciliado com a ordem para evitar e corrigir os excessos retrógrados ou revolucionários’, e sendo o progresso fruto da Ordem e devendo a Ordem repousar sobre a Família - ‘sede do amor’, não era admissível afastar a mulher do Lar - A família, dizia Xavier, ‘prepara para a Pátria; esta generaliza-se na Humanidade.

Na segunda década do século XX, alguns debates realizados pelo grupo da

ABE fomentaram discussões cujas opiniões eram divergentes, onde alguns se pronunciavam

favoráveis ao ensino feminino, tomando-se como referência o lar, a moral e os preceitos

intelectuais; outros consideravam esse aspecto uma regressão aos métodos voltados para a

educação da mulher. A exemplo de Lindolfo Xavier, os intelectuais da LERN imbuídos desse

ideário de mulher e sociedade propunham ao Estado e à sociedade mudanças na organização

curricular, particularmente no que dizia respeito ao ensino feminino na cidade do Natal, que

serviriam de modelo para outras instituições escolares.

Neste sentido, a LERN criou uma instituição escolar que consolidou uma

cultura escolar além do seu tempo. Um tempo em que:

Intervir na escola é, pois, intervir no próprio processo de construção da nação. Ao se regenerar a alma e o coração da escola, estar-se-ia regenerando a alma e o coração dos indivíduos e por extensão a própria alma e o coração da nação. Verifica-se assim, a positivação da organização escolar levada aos extremos, concorrendo para afirmar uma crença no caráter messiânico e redentor da escola (GONDRA, 1997, p. 92).

Para efetivar os seus propósitos iniciais, a LERN tinha em sua estrutura um

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cargo de diretor, sendo o seu primeiro diretor o Sr. Francisco de Meira e Sá. A Liga era

confiada a um conselho administrativo composto de nove membros, eleitos anualmente por

uma assembléia geral que era responsável por designar o presidente e o vice. O conselho

administrativo (em reunião) ficaria na incumbência de selecionar um secretário, um tesoureiro

e um bibliotecário, dentre os membros existentes na Liga. De um modo geral, por ser uma

entidade aberta ao público, a Liga abria espaço para sócios regionais, em nível local (pessoas

idôneas da cidade do Natal) ou para outros municípios que mediante contribuição mensal,

passariam a associar-se à entidade.

Conforme seu Estatuto, os participantes sócios eram incentivados à promoção

e “[...] a criação de escolas particulares, quer primárias, quer profissionais, organizando festas

civicas, excursões escolares e conferencias populares”. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1911b,

p. 111). Na categoria dos sócios previstos para atuar como co-partícipes das atividades da

Liga, há de se distinguir as classificações existentes: os sócios remidos, beneméritos, os

correspondentes, os escolares e os regionais. Os sócios de quaisquer categorias teriam

preferência para a ocupação de empregos e matrícula de filhos (as) nos estabelecimentos de

ensino pertencentes à Liga. Organizamos uma tabela a seguir que demonstra como deveria ser

a participação desses sujeitos no processo de organização e plano de ação da Liga de Ensino

do RN.

QUADRO 1 CLASSIFICAÇÃO DOS SÓCIOS DA LIGA DE ENSINO

DO RIO GRANDE DO NORTE

SÓCIO EFETIVO

. Contribuía mensalmente, tinha direito exclusivo de tomar parte da Assembléia Geral e de ser eleito para os cargos da Liga;

. Assistia às sessões do Conselho Administrativo sem direito ao voto;

. Tinha direito de propor ao Conselho por escrito qualquer pessoa idônea para fazer parte da Liga;

. Caso esse sócio fixasse residência fora do Estado, podia, a seu requerimento, passar para a classe de sócio correspondente.

SÓCIO REMIDO . Pagava uma contribuição de uma só vez, ficando isento de qualquer taxa futura.

SÓCIO BENEMÉRITO . Era todo aquele pertencente ou não à Liga, tendo feito

doações em bens ou em dinheiro, nunca inferiores a um valor estipulado pela Liga.

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Continua...

QUADRO 1 CLASSIFICAÇÃO DOS SÓCIOS DA LIGA DE ENSINO

DO RIO GRANDE DO NORTE

SÓCIO CORRESPONDENTE

. Residiam em outro Estado e pelos serviços prestados ao ensino a Liga os distinguia com esse título. Esse tipo de sócio era isento de qualquer contribuição, não podendo, entretanto, tomar parte nas resoluções da Liga.

SÓCIO ESCOLAR

. Podia ser qualquer estudante de ambos os sexos, residentes em Natal ou nos municípios onde iam sendo fundadas Ligas regionais. O estudante era indicado pelo seu aproveitamento e mediante proposta dos professores ou diretores do estabelecimento onde estudavam. Esse sócio era isento de contribuição e não tinha direito de voto na Assembléia Geral, porém, auxiliaria a Liga no seu trabalho de propaganda, podendo fazer parte de qualquer comissão.

SÓCIO REGIONAL

. Eram assim denominados os que faziam parte das Ligas fundadas nos municípios, os quais poderiam freqüentar as sessões, conferências e estabelecimentos da Liga, sem direito de voto.

FONTE: LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE. Estatutos. Natal, Typografia do Instituto, 1911b, p. 115 -118. (Adaptação da autora).

Através dos valores financeiros arrecadados dos sócios e com o apoio logístico

do governo, principalmente o estadual, a Liga de Ensino pôde caminhar com o seu projeto

educativo de longo alcance social. Os documentos que pesquisamos assinalavam a existência

das diversas categorias de sócios, como evidencia a tabela anterior, no entanto ao cruzarmos

esses dados com o depoimento de alguns sujeitos entrevistados, obtivemos a informação que

ter sócio-representante da Liga em diversas localidades do RN, expandindo assim o seu raio

de ação, foi mera idealização, não chegando a efetivar-se na prática como gostariam os

intelectuais que compunham a entidade.

Na realidade, segundo nos afirmou (através de informação verbal) o atual

presidente da LERN, o Sr. Manuel de Brito, desde as suas origens até à atualidade, a LERN

teve como quadro de sócio apenas os sócios efetivos, beneméritos, sócios-fundadores e sócios

honorários. Essas modalidades tiveram existência efetiva e funcionaram como estimuladores

da atuação da Liga no RN, tendo em vista serem os sócios, em sua maioria, ex-governadores,

deputados, bispos, alguns professores de renome, enfim, pessoas influentes na sociedade e

que poderiam através de amizades e laços políticos conseguirem apoio ao Projeto da Liga de

Ensino.

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Para tornar consistente o seu projeto educacional, a Liga propôs como

estratégia de ação a criação de escolas domésticas baseadas num modelo Suíço de educação

para mulheres. Propunham, portanto, os intelectuais que a compunham, como estratégia de

superação do atraso educacional do Estado do RN, a formação da mulher baseada numa

preparação intelectual, moral e familiar. Os ideais dos intelectuais que compunham a Liga de

Ensino configuravam-se na formação de uma nova mulher educada, civilizada, com uma

sólida formação familiar e doméstica. Para tanto, educar a mulher significava assegurar uma

harmonia primeiramente familiar e social, posto que um dos seus lemas baseava-se na idéia

que “[...] é da mulher que depende a família e esta, é a nação em miniatura.” (LIGA DE

ENSINO DO RN, 1911b, p. 1).

Evidenciamos nesses conclames da Liga de Ensino a forte marca da filosofia

Positivista, pois ‘educação’ e ‘família’ eram palavras de ordem e progresso para os

intelectuais que representavam a LERN. Educação da mulher era exemplo de estabilidade

social, a própria ordem tão necessária à condição do progresso, à prosperidade social, também

anunciada por intelectuais positivistas do final do século XIX. Comte, precursor do

Positivismo, defendia no seu tempo a ordem como elemento coadjuvante do progresso de uma

nação e, ao exaltar o papel da mulher na sociedade fazia colocando-a na posição de mãe e

esposa, cujos modelos influenciariam a regeneração social da humanidade. Na atribuição

desses papéis, defendia Comte (1983, p. 80) que poderia a mulher exercer uma eficaz ação

educativa na sociedade, como assinala a afirmação abaixo:

É pela educação doméstica que aprendemos a ordenar os nossos sentimentos, os nossos instintos egoistas. É pela família que se faz a ligação entre a existência pessoal e social. Enfim, o verdadeiro caráter da educação moral depende da submissão do indivíduo à sociedade.

Para esse sociólogo, era pela afeição familiar que o homem superaria a sua

personalidade primitiva, tornando-se social. No que tange aos sexos masculino e feminino,

este último deveria permanecer submisso ao primeiro, o que significaria seguir a própria lei da

natureza, o destino normal de não concorrer com o homem nas posições social e econômica,

sob o pretexto de igualdade e liberdade, mas sim, concentrar-se na vida doméstica. Assim, no

seu tempo, expressava-se sobre a mulher e o progresso:

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O verdadeiro progresso da humanidade consiste, ao contrário, excluir cada vez mais as mulheres de qualquer autoridade e de qualquer trabalho, e em concentrá-las na vida doméstica. É por essa razão, que sustentadas pelo homem, elas não devem possuir vida econômica própria (COMTE, 1983, p. 92).

O pensamento desse autor se volta para o sexo feminino como elemento

influente para a moral social e para manter o equilíbrio e a harmonia da sociedade. Através da

moral social, seria possível alcançar uma regeneração da humanidade, abolindo a desordem

existente. Esse intelectual, ao destacar a mulher nos papéis de mãe e esposa, argumentava que

ocupando essas funções, o sexo feminino exerceria eficaz e valiosa ação educativa,

contribuindo para a regeneração social.

Exaltava ainda o papel educativo que a mulher poderia desempenhar na

sociedade do século XIX, apropriando-se de um modelo exemplar de mãe e educadora que,

dessa forma, contribuiria para a para transmissão dos seus conhecimentos a sua prole,

conduzindo à harmonia familiar. Através da família, o indivíduo superaria sua personalidade

primitiva, tornando-se um Ser social. A educação moral, portanto, seria garantida inicialmente

no espaço doméstico, na família, através da mulher.

No Brasil, o período republicano teve em seu ápice um ideal de mulher

republicana sob a inspiração Positivista (doutrina que pretendeu criar uma religião laica, que

elegia a Ciência como o centro de sua análise e que também fundou o culto à mulher,

proclamando a supremacia do amor). Nesse contexto, o trunfo da doutrina Comtiana parecia

ser inevitável numa sociedade marcada fortemente pelo patriarcado, pela figura ideal de

mulher perfeita, imaculada, santa, sofredora, assim representada simbolicamente. Essas

representações surgem e deixam fortes influências na mulher quando das suas posições

ocupadas na sociedade. Acreditamos também, pelas evidências apresentadas nos documentos

sobre a Liga de Ensino, que o grupo que a formava estava impregnado dessas idéias e,

portanto suas estratégias de ação eram direcionadas para tais finalidades.

Em relação à educação da mulher, percebemos nos depoimentos dos

integrantes da LERN, através dos documentos da época, o receio da existência de um ensino

feminino que colocasse a mulher em condições de igualdade com o homem no pensar e no

fazer; esse receio se justificativa porque poderia transformar-se numa afronta masculina em

praça pública, pois em vez de ensinar a mulher a dominar o sexo masculino com carinho e

atenção doméstica, contribuiria para ameaçar e, consequentemente, destruir laços familiares e

também a harmonia social. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a).

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Procuravam então expressar os perigos que esta provável igualdade traria para

a sociedade, não apenas do ponto de vista moral, mas principalmente social, pois a tentativa

de conciliação das atividades domésticas com atividades exercidas fora do espaço privado,

bem como o esforço intelectual por parte da mulher em atividades muito intelectuais

ocasionaria prejuízo mental a si e às pessoas ao seu redor. Assim afirmava o fundador da

Escola Doméstica de Natal sobre esse assunto:

[...] possuindo menos força de reserva para concorrer ao despendio considerável que o trabalho cerebral, levado além de certos limites exige e sendo enorme a quantidade de energia que despende com as crises e os trabalhos da maternidade, a mulher não pode entregar se a grandes esforços entellectuaes sob pena de atrophiar-se, atrophiando os seres a que physiologicamente está presa. (SOUZA, 1911, p. 28)

O lar, o espaço doméstico, a família apresentava-se para esses intelectuais com

uma feição tradicional de santuário, de templo, de pedra angular e assim, como toda

instituição, desapareceria caso lhes fossem tirados os atributos principais: a mulher, a dona de

casa, vigilante para mantê-lo sempre em funcionamento. O jornal A República manifestava

por isso em aclames:

Caminhar para frente - é a divisa dos povos que amam a liberdade. O que se faz é preciso, pois, marchar para adiante, melhorando o presente, para assegurar um futuro melhor e mais digno. Isso obtém-se educando o nosso povo, e fazendo assentar essa educação em base segura, qual a educação da mulher, pois que ella é o suporte da família, como a família é o suporte, sustentáculo da nação. (A ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914, p. 1).

A educação da mulher apresentava-se como preocupação máxima desses

intelectuais de vanguarda, à procura de mobilização política e ideológica da sociedade em

torno dessa discussão, pois esta seria uma forma de superação do atraso cultural e ingresso no

mundo moderno e civilizado.

É possível compreendermos melhor as representações entendidas na acepção

de Chartier (1990) enquanto geradoras de práticas culturais. No caso das representações

construídas pela LERN em torno do papel a ser desempenhado pela mulher, inserimos o

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nosso olhar para o contexto social dos séculos XIX e XX, pois o contexto é que nos remete a

um quadro de interpretações que varia segundo situações sociais e percepções de mundo.

Tendo em vista que os fenômenos sociais e culturais (materializados em ações, objetos,

expressões, em relações e em contextos sociais estruturados) podem ser compreendidos a

partir do estudo da sua contextualização e de seus significados, o pesquisador inglês

Thompson (1995, p. 165) considera que:

[...] o estudo dos fenômenos culturais pode ser pensado como o estudo do mundo sócio-histórico constituído como um campo de significados. Pode ser pensado como o estudo das maneiras como expressões significativas de vários tipos são produzidas, construídas e recebidas por indivíduos situados em um conjunto sócio-histórico.

Isto significa penetrar em universos diversos, compreendendo os atores sociais

que nele circulam ou circularam; significa descobrir contextos dentro de outros contextos

maiores, que é a sociedade, mantendo a austeridade, o poder de olhar para trás, o passado,

colocando-se no lugar do outro onde o fato aconteceu. Neste sentido, a leitura do período

compreendido entre esses séculos nos faz compreender o papel atribuído à mulher na

sociedade burguesa: o de ser mãe, esposa, mas também trabalhadora, a que manteria a casa

organizada, bem administrada; tarefa que não necessitava demonstrar inteligência e

conhecimento, ao que afirma Hobsbawm (2001, p. 331-332):

[...] Era requisitada para exercer também uma dominação; não tanto sobre as crianças, cujo senhor era ainda o ‘pater familiar’, mas sobre os criados, cuja presença distinguia os burgueses dos que lhes eram socialmente inferiores. Definia-se uma ‘lady’ pelo fato de ser alguém que não trabalhava, mas que ordenava a outras pessoas que o fizessem, sua superioridade estando estabelecida por essa relação.

Tais hábitos fizeram parte das práticas cotidianas de algumas mulheres que

vivenciaram essa época, construindo-se assim representações diversas nas formas de pensar e

agir para a mulher na sociedade. “Preparadas para governar o seu pequeno meio, na casa, e

para servir também à Nação, o grande império dêsses pequeninos reinos, está sem dúvida, na

formação exemplar da família”. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914a, p. 23). Era esse um dos

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discursos proferidos pela LERN em relação ao papel da mulher na sociedade, onde sua

contribuição social dar-se-ia inicialmente pela via familiar.

Lembramos que a questão do submisso papel social destinado à mulher não é

específico do século XX, pois vem historicamente definido no decorrer dos períodos

históricos, desde a colônia. Esse papel estava explícito nos hábitos que afloraram no Brasil

quando à mulher era delegado importante papel familiar de mãe e esposa, cabendo ao seu

cônjugue a função de provedor familiar. Neste sentido, ao homem cabia uma identidade

pública, à mulher uma identidade doméstica.

Não temos a intenção de conferir um caráter imutável e histórico ao papel da

mulher, assentando este em explicações biológicas, de submissão e obediência, tornando

permanente a idéia das relações de dominação entre os sexos, como uma dimensão imutável e

natural no decorrer da nossa história, mas sim de tornar evidente que, no contexto histórico-

social situado - Brasil/nordeste- as relações estabelecidas de acordo com os valores culturais

entre homem/mulher adquirem significados quando inseridas numa submissão social e

histórica, de construção de significados, numa configuração de relações sociais pautadas em

origens escravocrata e patriarcalista.

A compreensão do século XIX (século anterior à data de fundação da Liga de

Ensino e da Escola Doméstica de Natal) é importante para o entendimento dos costumes,

valores e crenças em torno do universo feminino, ao estabelecermos relações com o século

XX e o que ele herdou e para tecermos relações temporais entre ambos, percebemos que o

século XIX foi uma época em que homens e mulheres impulsionaram e deram forma ao

século XX. O século XIX foi a chamada ‘Era dos Impérios’, tomando emprestado a expressão

do historiador Hobsbawn (2001), ao analisar as transformações políticas, econômicas, sociais

e culturais do século XIX e ao considerar que foi uma das épocas mais significativas na

formação do pensamento moderno. O passado também apresenta significações próprias,

estabelece formas diferenciadas e elos com o presente. “Afinal, a História não é como uma

linha de ônibus em que todos – passageiros motorista e cobrador - são substituídos quando

chega ao ponto final.” (HOBSBAWM, 2001, p. 19).

As continuidades e descontinuidades existem na História e não há como negá-

las, por isso a necessidade de conhecermos e nos reportarmos ao século XIX, período que

antecede o surgimento da Escola Doméstica de Natal, para estabelecermos relações temporais

de mudanças, permanências e rupturas.

O período anterior à instauração da República no Brasil amplia o campo de

ação das mulheres na sociedade (isso acontece principalmente em países desenvolvidos como

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Inglaterra, França e Estados Unidos) e isso decorre dos movimentos feministas espalhados

pelo mundo. A procura por atividades não domésticas foi incentivada por movimentos

operários e socialistas da época, o que contribuiu para um maior grau de emancipação, ainda

que lento, e para buscar a concretização de ideais de escolha, de liberdade. As ocupações no

setor terciário aumentam e em países como a Inglaterra e Estados Unidos, as mulheres,

(diante do surgimento de recursos tecnológicos, como o ferro a vapor, máquina de lavar,

aspirador de pó que surgem nos anos 40 do século XX) conseguem racionalizar o trabalho e,

com isso, conciliar atividades domésticas com a profissão fora do lar. Outras abdicam do

casamento para optar por uma carreira dita masculina. Os movimentos feministas começam a

expandir-se pelo mundo e a participação das mulheres nas ocupações sociais, apesar de pouco

significativa comparada ao sexo masculino, já demonstrava sinais positivos.

No Brasil, como nos lembra Albuquerque Junior (2003, p. 93):

[...] a República, em suas primeiras décadas, é também marcada pela emergência da participação política da mulher, não apenas aquela participação tradicional das mulheres, que se resumia aos bastidores das tramas políticas encetadas por seus maridos e parentes masculinos, quando não de seus amantes, mas uma participação pública, em que a própria mulher e sua situação social passa a ser a causa em nome da qual se luta.

Hobsbawm (2001) apresenta alguns dados da França e da Inglaterra relevantes

para compreendermos algumas dessas mudanças, como por exemplo, o número crescente de

mulheres que se matriculavam em escolas secundárias no período e a notável expansão de

instituições educativas direcionadas para a educação feminina, o que representava mudanças

de posições e aspirações das mulheres.

Particularmente, no âmbito nacional, os anos 20 do século XX assistiram a um

processo de mudança decorrente da crise na economia agro-exportadora centrada na cultura

do café, crise que atinge o poder oligárquico então dominante no Rio Grande do Norte, Estado

de economia pouco diversificada centrada no cultivo do algodão e do sal, onde predominava

inicialmente em seu cenário um equilíbrio entre as várias facções e famílias oligárquicas, a

exemplo das famílias Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, Augusto Tavares de Lyra.

(LINDOSO, 1989). Esses grupos de poder estiveram, em sua maioria, à frente, direta ou

indiretamente, da política local, conseguindo através de acordos amigáveis a execução de seus

projetos. Reconhecermos que, por ser o fundador da Liga de Ensino do RN, Henrique

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Castriciano pertencente a um grupo oligárquico do RN teve facilidade para concretizar o seu

projeto de criação da escola para mulheres em Natal. Essa idéia foi reforçada pelo poder local

e pela cultura de uma modernidade científica que dava os seus primeiros sinais de forma

intensa na vida urbana que se configurava nos períodos de 1910 e 1920. Segundo Araújo

(1995a, p. 27):

[...] a Natal dos anos 20 era um misto de província atrasada e ‘deslumbrada’ e/ou assustada diante das novidades que se apresentavam na realidade. O choque do passado com o presente, e do universo civilizado com um universo quase primitivo, era relativizado, pois os seus elementos, de alguma forma, se acomodavam.

Diante essa realidade social, as aspirações dos intelectuais da LERN pareciam

provocar expectativas na cidade de um novo modelo escolar, onde o novo configurava-se no

desejado, no permitido, contrastando com as escolas então existentes, caminhando para

compor o quadro da modernidade e civilidade da cidade do Natal. Esses intelectuais e

reformadores mantinham o discurso sobre a educação escolar como necessidade e

possibilidade de mudança, tomando-se, para isso, iniciativas de pensar e propor caminhos

para a escolarização. Assim recaía sobre a escola a responsabilidade de ser o espaço onde,

provavelmente, concretizar-se-iam os projetos de reforma social.

Naquele momento, a vinculação escola/mudança, escola/reforma educacional e

reforma social era evidente para os integrantes da Liga de Ensino. Quando nos referimos às

mudanças que poderiam ser viabilizadas através da instituição escolar, enfatizamos que,

naquele momento histórico, a educação escolar era percebida enquanto instrumento de

mudança que iria proporcionar avanços significativos na sociedade.

Compreendemos que transformações no setor educacional de um país

provocam mudanças nos costumes, na cultura, na economia, nos comportamentos e atitudes

da população. No entanto, a forma como os intelectuais da Liga de Ensino do RN (como

também de outros Estado) idealizavam a educação no sentido de pensar que ela seria a via de

investimento imediato, a fórmula mágica para resolver os problemas sociais e econômicos de

Estado e, num contexto mais amplo, da nação, era um exacerbado poder atribuído à educação

escolar.

Carneiro Leão, um dos adeptos do escolanovismo no Brasil, com atuação em

Pernambuco, também aferia importância à educação como elemento relevante para as

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mudanças no país e defendia uma educação menos livresca e que preparasse o povo para a

vida, ao dizer:

No Brasil, tanto o ensino secundário como o superior têm tido apenas um fim: fornecer um diploma de doutor. O secundário é mesmo chamado de preparatório, que dizer, a ponte de passagem ás escolas superiores – formadoras impenitentes de encyclopedistas rethoricos, livrescos e não raro falhos na vida. O esforço do reformador tem de ser , pois, fazel-os voltarem para a realidade, isto é, promoverem a preparação systematica do povo para o triumpho na luta pela vida. (CARNEIRO LEÃO, 1923, p. 38).

Além desse argumento favorável a uma educação preparatória para a vida, o

reformador atribuía importância ao fato de termos uma vinculação entre os cursos primário e

profissional, do secundário ao superior, estabelecendo-se assim uma relação próxima entre os

níveis de ensino e uma educação que fosse condizente com as realidades sociais e econômicas

da nação, contribuindo para a formação de uma identidade nacional de ensino. Na sua visão

“só com esse critério poderemos transformar a nossa instrucçao secundaria, de uma cultura

livresca, empírica e avelhentada, numa preparação mental consentânea com as necessidades

da nossa civilisação.” (CARNEIRO LEÃO, 1923, p. 39).

A educação feminina passou a ser percebida, nesse contexto, como forte

investimento e fator de rápidas alterações nos hábitos e costumes dos indivíduos, provocando

assim acelerado desenvolvimento social, novas formas de convivência e sociabilidade,

gerando, com isso, o motor que faltava para compor o quadro do desenvolvimento da

modernidade e civilidade científicas.

Educação era instrumento de mudança. A educação familiar dada através da

escola deveria ser tratada não como problema individual, mas, nacional, de ordem pública e

privada. Caberia à escola um papel de relevância, tomando a educação escolar como elemento

construtivo e encaminhador do processo de desenvolvimento em curso na sociedade. Os

discursos proferidos no Brasil no início do século XX eram impregnados de representações da

educação como um problema nacional. Analisando esse período, percebemos a existência de

algumas associações que se manifestavam favoravelmente a esse caráter atribuído à educação,

a exemplo da ABE que trouxe, nas suas proposições, a educação como a alavanca para

impulsionar a prosperidade da nação e para a constituição do povo brasileiro.

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Como máquina persuasiva, o discurso cívico da ABE opera maniqueisticamente, produzindo imagens de realidade brasileira que opositivamente se interqualificam. O presente é reiteradamente condenado e lastimado, sendo caracterizado de modo a fundamentar temores de catástrofes iminentes, que atingiriam o país se a campanha educacional não obtivesse os resultados desejados. O futuro é insistentemente aludido como dependente de uma política educacional.: futuro de glórias ou de pesadelos, na dependência da ação condutora de uma elite que direciona, pela educação, a transformação do país. Na oposição construída por imagens de um país presente lastimado e condenado e de um país desejado, país de prosperidade, é que se constitui a importância da educação como espécie de chave mágica que viabilizaria a passagem do pesadelo para o sonho.Romper com a sociedade presente, transformá-la em passado, superá-la são operações que se constroem no discurso. As referências à obra educacional determinam-na como reiterada operação de apagamento do presente e promessa de um futuro grandioso. (CARVALHO apud LORENZO; COSTA, 1997, p. 120-121).

As palavras da autora citada nos revelam o quanto era delegado à educação o

papel relevante no desenvolvimento do país e o papel exercido pela Associação Brasileira de

Educação ao defender a consolidação de um sistema educacional mais unificado, que

produzisse efeitos morais e cívicos e vitalizasse o povo, livrando-o das mazelas advindas da

ignorância, sendo, portanto, a ausência da educação um mal que provocaria a degeneração da

nação. O descontentamento com República recém-chegada fez com que as pessoas

depositassem as suas esperanças em outras perspectivas de vida e de progresso e a educação

consubstanciaria numa das promessas de um futuro melhor.

Quanto à educação feminina, historicamente, com a divisão de papéis sexuais

na sociedade, para a mulher foi delegada a atuação especificamente no âmbito familiar,

reservando-se ao homem o espaço público na política, na vida social. As mulheres ficaram,

em sua grande maioria, relegadas ao espaço privado, familiar, doméstico, o que também não

deixava de representar um papel importante diante da dimensão central dos valores

domésticos na sociedade do início do século XX, na medida em que ela controlava e

administrava a esfera doméstica, os gastos do mês, exercendo poder decisivo sobre os valores

e a educação familiar. Com o advento de uma maior liberação da educação familiar para a

esfera institucional, a escola adquire a responsabilidade de assumir maior compromisso na

formação educacional do indivíduo.

A escola recebe a incubência de ensinar os filhos a respeitar as obrigações do tempo e do espaço, as regras que permitem viver em comum e encontrar a

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relação justa e adequada com os demais. E essa socialização não diz respeito apenas aos anos da adolescência: toda a escolarização concorre para ela. (PROSTE, 1992, p. 82).

Os discursos da época defendiam primeiro a educação da mulher, sendo essa

educação passada de geração a geração, através da educação dos filhos. Eis a idéia presente

nos discursos, por exemplo, de Henrique Castriciano de Souza, citando e concordando com

uma frase de um historiador e político francês, Tocqueville: “[...] quando se educa um

homem, educa-se um individuo; quando, porém, da-se a educação de uma família:

dificilmente uma mulher que sabe ler deixa os filhos na ignorância, como fariam muitos

homens nas mesmas condições.” (SOUZA, 1911, p. 13).

E mais adiante, após citar Tocqueville, faz a seguinte colocação:

E se assim é a mulher brasileira, se é intelligente, honesta e trabalhadora, porque não educal a convenientemente, afim de que em breve se possa dizer della o que Tocqueville disse das americanas do norte? Nação que começa, temos graves defeitos de caracter, a vontade inconsequente dos povos sem disciplina; e tais defeitos não podem ser eliminados por meio de reformas constitucionaes, do ensino secundario e superior ou por meio de mudanças de regimen eleitoral. Temos de começar do principio, isto é, pela familia, de onde sae para a escola e para a vida, o homem de amanhã, Á mulher cabe a tarefa principal nessa nova educação, mas como poderá ella concorrer efficazmente para o fim desejado sem a necessaria cultura? É pensando nisso, encarando em seu conjuncto a vida social do Brasil, estudando o individuo e a collectividade de, que se reunem os fundadores da Liga, que dispostos a empregar a energia que forem capases para que se inicie no Estado uma campanha que forçosamente, cedo ou tarde, ha de conquistar a sympathia nacional. (SOUZA, 1911, p. 20-21).

Apregoando o poder da educação como forte elemento para o desenvolvimento

da nação, assim como a ABE apontava, Henrique Castriciano advertia para essa preocupação

com um diferencial que se voltava para a educação feminina. O fim desejado para a mulher ao

qual se referia nas suas palavras, dizia respeito à função que a mulher poderia desempenhar na

sociedade estando de posse de uma formação moral e educacional bem consolidada.

Estimulando o instinto materno, educando moral e intelectualmente as mulheres, no sentido

de evidenciar através dessa educação os seus direitos e deveres e o seu potencial de atuação

na sociedade através da família, estaríamos, segundo Souza (1911, p. 21) “[...] concorrendo

assim para a civilisação gradual do paiz.”

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Essa era uma visão positivista do que viria a ser a educação e a formação

intelectual da mulher, aonde a ordem das coisas bem ajustadas conduziria a uma ordem do

social, a harmonia e organização dos sujeitos nos papéis a serem desempenhados na

sociedade. Educação, nesse contexto, não era sinônimo de mudança de mentalidade, de

consciência crítica, mas de reprodução, na expressão de Bourdieu (1996) ‘a inculcação de

habitus a serem apropriados’.

Importante também é nos reportarmos à conjuntura do século XX no Brasil

(onde se insere o nosso objeto de estudo) - uma sociedade ainda dominada pelas oligarquias

rurais, pelo patriarcado avassalador com um ensino de cunho fortemente religioso. Esse

contexto nos oferece informações para compreendermos os espaços ocupados pela Escola

Doméstica, sua simbologia para a sociedade potiguar, os métodos de ensino propostos, o

ideário de Educação Nova, considerando também e concordando com as idéias apontadas por

Monarcha (2001, p. 191) quando diz que:

[...] as condições da sociedade brasileira, dominada pelas oligarquias rurais, não exigiam uma educação universal, mas, voltada para as elites - objetivos de formar os quadros burocráticos e formar profissionais liberais e tendo grande parte da população excluída da educação.

No caso específico da Escola Doméstica de Natal, o atendimento do alunado

voltava-se para uma pequena parcela da população que tinha condições de custear uma escola

privada, ou seja, uma pequena elite da região. Mediante as ações e reações das mulheres e dos

movimentos feministas que cresciam na sociedade, com o advento da Republica, alguns

republicanos positivistas e conservadores percebiam esses movimentos como ameaçadores às

concretização de um projeto modernizador, onde a representação de mulher republicana ideal,

pura, imaculada, surgia e era enfatizada. Eis uma notícia instigante, divulgada nos jornais de

época por um anônimo, que decerto, despertou atenção de algumas feministas e exaltou os

espíritos dos intelectuais que formavam a Liga de Ensino do RN:

As mulheres sofrem muito mais que os homens e adoecem muito mais facilmente do que elles. O organismo da mulher é muito mais delicado, muito mais vibril e mais sensível do que os dos homens. Algumas mulheres são tão sensíveis, os seus nervos são tão delicados, que basta às vezes a leitura de um Romance comovente, um aborrecimento ou uma notícia

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inesperada, para que certos choros aconteçam. (COMO AS mulheres sofrem, 1935, p. 4).

Aparecem no texto acima argumentos de que a mulher era sexo frágil, sensível,

induzindo a pensar que o sexo feminino necessita, pela sua natureza, pela sua composição

física, de uma proteção masculina, de um domínio másculo. Também na leitura seguinte,

percebemos o reconhecimento do homem tomado enquanto figura patriarcal do chefe de

família e da mulher como figura submissa economicamente, daí a necessidade de prepará-la

para enfrentar as dificuldades econômicas e saber lidar com as adversidades da vida social. É

o que destaca com mais evidência as falas dos intelectuais da LERN no relatório abaixo:

São conhecidas as aptidões intellectuaes e moraes da mulher brazileira. sempre inclinada ao trabalho e á virtude. Observando essas qualidades de ação e o equilíbrio, a que devemos beneficios de toda ordem, notadamente a conservação do patrimonio moral transmitido de familia a família com o carinho que faz honra ás nossas patricias, resolvemos fundar a Liga do Ensino, cujo fim principal é preparal-as para as difficuldades da existencia, dando-lhes cuidadosa educação theorica e pratica, de modo a serem efficazmente aproveitadas as referidas aptidões, no caso de lhes faltar o amparo do chefe de familia. E’commum ver-se no Brazil inteiro o espectaculo acabrunhado da penuria em que se dissolve a familia cujo director desappareceu, se tal familia ficou sómente composta de senhoras. Sem profissão, sem experiencia, sobretudo sem a energia que só apropriada educação consegue formar, como poderão essas moças, a quem falta o pão logo que se finda o dono da casa, enfrentar corajosamente as difficuldades do dia d’amanhã? (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914c, p. 2.)

A educação teórica e a prática garantiriam para a mulher, na visão desses

intelectuais, vivenciar possíveis situações de dificuldades na vida, conseguindo superar

prováveis problemas econômicos e de relações sociais, uma vez que, tendo posse de

conhecimentos aplicáveis à sua realidade de vida poderia ela aperfeiçoar esses saberes e usá-

los em seu benefício na ausência por exemplo do marido, tido como o patriarca da família.

Para os representantes da Liga de Ensino, essas afirmativas e argumentos eram

tomados como justificativa da necessidade de o governo e a população olharem com

preocupação e atenção a educação da mulher. O sexo feminino, para esses intelectuais, era

digno de veneração, até superior ao homem, mas na bondade, no amor, na devoção, em seus

sentimentos, uma visão bastante conservadora e positivista de perceber a mulher e sua posição

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na sociedade.

Nessa perspectiva, a mulher deveria receber uma educação escolar baseada nos

seus dotes naturais e a instituição escolar deveria funcionar como um segundo lar, a extensão

do espaço privado. Em relação aos saberes teóricos e práticos que a aluna deveria receber

durante o período de formação escolar, esboçaremos essa questão com mais detalhes no

capítulo da tese que trata sobre o Currículo Escolar.

A Liga de Ensino apresentava, entre os seus membros, fortes argumentos de

que a escola deveria ser a extensão da casa e da família; assim expressavam os seus

representantes perante a imprensa potiguar: “Uma Escola Doméstica é uma casa de família.

Daí nossa orientação no sentido do estabelecimento manter o aspecto material e moral de um

lar completamente feliz.” (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a, p. 6). Essa orientação obedecia

certamente aos cuidados e preceitos da época, aos valores em que seu idealizador, Henrique

Castriciano de Souza, pensava ser o ideal de sociedade e de educação feminina, tendo o

primado de zelar pelos valores morais, cívicos, característicos de alguns costumes:

As leis do viver direito, de pensar direito, de julgar direito - devem ser inculcadas tão cuidadosamente como as leis de physica e chimica. Cremos que esta é a parte mais importante da educação, principalmente da educação do lar, e assim, a Escola presta mais atenção a esse facto do que ao proprio exercício mental, usado sobre tudo como um dos meios de fortificar o caracter e de alargar os horizontes moraes da vida. É o espirito de ser util no mais elevado sentido da palavra, à Familia, à patria, e á Humanidade que deve impulsinar na Escola Brasileira as futuras mães de familias. (SOUZA, 1927, p. 6).

Podemos perceber, nos discursos dos representantes da Liga de Ensino, uma

atenção mais centrada na educação e na escola, mas convém destacar que a formação escolar

dispensada à mulher, de acordo com os ideais da LERN, no nosso entendimento, não se

limitava ao aspecto profissionalizante, muito embora saibamos que o surgimento da indústria

em determinado período, modificou as relações de trabalho, emergindo assim, novas

preocupações com o fazer, com a eficiência, o uso da técnica, com um novo sujeito para

instaurar a nova sociedade industrial e moderna, o que levava ao surgimento de uma nova

mulher, com nos como nos lembra Albuquerque Junior (2003, p. 128):

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A própria educação feminina deveria se tornar mais prática, voltada para as atividades que eram destinadas a seu sexo, ou seja, era preciso educar as moças para serem boas donas de casa, saberem bem administrar a economia doméstica, terem preparo para exercer a tarefa fundamental para a sociedade que seria a preparação dos futuros cidadãos, trabalhadores e dirigentes do país. Na atmosfera artificial e mundana trazida pelas cidades, já não dava para esperar apenas da educação dada no interior da família a necessária preparação da mulher para ‘dotar a pátria de filhos robustos e fortes.

De acordo com essas preocupações da época, a Liga de Ensino exaltou o papel

da instituição escolar como espaço onde deveria ocorrer essa formação e somente a escola

poderia dar a continuidade à missão de formar mulheres que deveriam saber muito mais do

que rezar e ler romances. Para atender aos fins visados pelo ideário de educação feminina

voltados para os ensinamentos cívicos, morais e práticos ao seu dia-a-dia, a mulher deveria se

tornar coadjuvante na missão de soerguer a República, preparando os filhos, futuros

administradores da nação, como nos lembra Albuquerque Júnior (2003, p. 129):

Elas não seriam mais sem ideal, ignorantes e supersticiosas, seriam progressistas, sem esquecer que cozinhar o jantar do marido é uma de suas obrigações. Embora modernas e educadas, elas não deveriam se esquecer dos afazeres do lar, podendo serem as mais extremosas mães, as mais carinhosas irmãs e as esposas mais dedicadas do mundo. A mulher devia ter uma boa educação para o seu trabalho, que era o doméstico.

A Liga de Ensino manifestou, sobremaneira, preocupação em encaminhar

soluções que pudessem proporcionar à mulher a conciliação das suas novas formas de atuação

na sociedade que despontava, mantendo-a no tradicional papel de dona de casa e mãe de

família, mas, dentro de uma nova ótica, em que a mulher seria formada para assumir esses

papéis, educada para tanto, modernizada com base em novas técnicas e ensinamentos que

conduziriam a um novo fazer, agora em novos moldes civilizados para atuar no espaço

privado.

Todas essas certezas conduziriam a LERN a lançar como dispositivo de

mudança no campo da educação norte-rio-grandense a fórmula adotada: a educação da mulher

bem formada, que ajudaria a harmonizar os impasses sociais que despontavam com a

sociedade industrial, capitalista, como os desajustes nos laços familiares, sendo a educação da

prole, pela mulher, fundamental naquele momento. A fundação de escolas domésticas era

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necessária para a LERN para amenizar os impasses daquela realidade conjuntural e à mulher

caberia cumprir o papel de fortalecer os saberes cívico, morais, que conduziriam, segundo a

filosofia da Liga, a um modelo de escola moderna e mulher educada.

A instituição escolar, neste contexto, cumpriria o papel de fortalecer os saberes

necessários a uma boa administração do lar e solidificar comportamentos morais, cívicos, que

segundo a filosofia da Liga, a um modelo de escola moderna e de mulher civilizada. A partir

dessas representações construídas sobre mulher e sociedade, a Liga de Ensino estabeleceu

uma série de dispositivos e convicções que seriam capazes, de acordo com a sua filosofia, de

organizar as instituições escolares e de modelar a prática educativa das escolas, a princípio do

RN; pautadas pelas finalidades abaixo:

O fim da Liga de Ensino, convém acentuar desde já, não é pregar a emancipação da mulher nem encaminhal-a para a solução do que se convencionou appelidar feminismo, consistente na aquisição de certos direitos políticos. Bem longe disso. O principal objectivo da Liga pode ser resumido em quatro palavras - aperfeiçoar a educação domestica. É uma tarefa urgente, porque o problema não é tão simples como parecera á primeira vista. Para medir seu valor basta lembrar que se trata do futuro da familia de todos, da formação do caracter de nossos filhos, do desenvolvimento racional da saúde, da intelligencia, da vontade do pequeninos seres de hoje, mas cidadàos dámanhã, responsaveis pelos destinos da patria. Uma escola domestica, á semelhança dos qua a previdencia dos povos cultos desde muito vem fundando em larga escola, nos grandes e pequenos nucleos; em que, ao lado do indispensável ensino theorico, sejam ministrados seguros conhecimentos praticos que habilitem a mulher a velar criteriosamente pela educação physica, intellectual e moral dos filhos, orientando o espirito della de modo a poder viver por si, no caso de faltar o apoio dos que lhe servem de arrimo; uma escola assim, representa por certo o início de promissora phase social, porque é da mulher que depende a felicidade da familia e esta é a nação em miniatura. O principal objetivo da Liga é este, mas, á medida que a confiança geral for consolidando seu prestígio, ella tomará a iniciativa de outros emprehendimentos, visando sempre auxiliar os poderes públicos na tarefa do remodelamento da educação e da instrução. (SOUZA, 1911, p. 109-110).

Mais uma vez, as palavras proferidas pelo idealizador da Escola Doméstica de

Natal nos convidam a pensar a escola enquanto instituição que a partir das suas finalidades de

formação feminina daria um significativo respaldo social ao formar mulheres capazes de dar

ao seio familiar grandes contribuições em termos educacionais, gerando futuramente homens

e mulheres munidos de uma boa moral, com formação cívica, física e intelectual, seguidores

do novo regime político despontado.

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Pensar nessa relação escola e sociedade, bem como as contribuições que uma

pode fornecer a outra, é reconhecer os elos sempre visíveis e existentes na história das

instituições escolares, qual seja: essas instituições, historicamente, vêm absorvendo os

discursos que perpassam a sociedade, como também a capacidade de proferir e recriar os seus.

Nesse sentido, essa construção possibilita um contínuo movimento que interliga escola e

movimento social, numa dinâmica dialética de construção e reconstrução de idéias, o que

Saviani (2003) denomina de movimento histórico crítico da pedagogia, capaz de absorver e

reagir perante os fundamentos das transformações que se processam no decorrer da existência

e ação humanas, num contínuo processo de renovação e reestruturação das formas de

sistematizar o conhecimento.

Quando afirmamos que os dispositivos criados pela LERN seriam capazes de

organizar e/ou mudar a organização curricular, isto é, a estrutura pedagógica das instituições

escolares femininas do RN e mesmo, a sua cultura escolar, é porque esses dispositivos

(materializados nas regras, nos preceitos, declarações...) ficaram restritos ao Projeto da Escola

Doméstica de Natal, não chegando a expandir-se para outras instituições de ensino na cidade e

no Estado.

A finalidade de educar a mulher, para esses intelectuais, era posto como um

problema sério que a nação deveria enfrentar, uma missão que se traduziria numa ação mais

prolongada e futura, envolvendo finalidades a longo prazo, tendo em vista que, para eles, ao

educar o sexo feminino, estaríamos comprometendo positivamente a educação das crianças e

consequentemente os destinos da nação. Mediante uma estratégia dessa natureza, de longa

duração, a LERN, para manter-se em funcionamento, necessitaria angariar recursos

financeiros e, para tanto, foi criado um meio de arrecadação de dinheiro. Essa arrecadação

ficou a cargo de um Conselho Administrativo da Liga, que também passou a ser o responsável

direto pela administração, depósito e movimentação das quantias precisas e os excedentes

para as despesas. O fundo social, como ficou denominado, compunha-se da seguinte

contabilidade:

a) das joias e mensalidades de particulares e associações; b) das subvenções da União, do Estado e dos Municipios; c) das cotas e contribuições das Ligas regionais. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1911a, p. 124).

Nesses dados dos Estatutos da LERN, encontramos uma informação

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importante, contida no item b, as subvenções do governo, evidenciando, com isso, que houve

a atenção e colaboração dos órgãos públicos no projeto da Liga de Ensino.

A Liga surgiu num período de intensa ampliação dos serviços públicos na

educação e reformulação dos planos e métodos de ensino, em que se declarava a necessidade

de reformular os métodos pedagógicos existentes destinados à formação da mulher com a

justificativa de que perante as exigências da modernidade que afloravam com o capitalismo,

havia urgência em redefinir os estatutos da pedagogia para a nova sociedade que despontava

no início do século XX. Para os intelectuais da LERN, isto significava entender a sociedade

dentro de um programa de reconstrução social, de formação de um novo ideal de mulher,

supervalorizando os aspectos teóricos, metodológicos, onde “[...] o ideal de homem culto era

suplantado pelo ideal de homem prático: o homem novo.” (MONARCHA, 1989, p. 15).

Nessa efervescência de idéias e ideais, o primeiro presidente da LERN, Meira e Sá (1914, p.

10) afirmou nos seus discursos que “[...] trabalhando pela educação dos filhos, cumprindo o

nobre dever de pugnar pelo desenvolvimento intellectual e moral dos seus, cada cidadão

(principalmente a mulher) irá igualmente concorrendo para a prosperidade da Republica.”

Nesse contexto, a LERN configurou-se, nos cenários local e perante o contexto

mais geral como entidade formada por intelectuais de vanguarda que apresentavam

necessidades de introduzir modelos locais e nacionais, práticos e eficientes no ensino, de

acordo com a concepção filosófica de mundo, de mulher e sociedade que explicitavam ser a

melhor via. Ao enfatizar primordialmente a base familiar como a pirâmide para o sucesso e o

progresso de uma sociedade e uma educação feminina com formação intelectual e física bem

conduzida às luzes da ciência e da pedagogia, a LERN estava lançando um ideário que

considerava, se materializado nas políticas de educação, um coadjuvante no progresso da

comunidade e da nação.

Chamava a atenção também a idéia de ‘remodelação’ do ensino via educação

doméstica, com instrução baseada também num programa educacional que vislumbrasse a

educação da mulher na sua formação física e intelectual. O feminino é constantemente

associado nos discursos da Liga de Ensino à posição horizontal na sociedade e o homem

representaria a verticalidade, uma ordem hierárquica que não deveria ser ameaçada.

Para ser grande esse povo só falta educal-lo convenientemente, disciplinar-lhe energias nativas, fortalecer-lhe o carater, educar-lhe a vontade, esclarece lo no cumprimento do Dever e no culto do Direito, que são os dois polos de toda a vida social a começar da família. (MEIRA E SÁ, 1914, p. 15).

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Como proposta para o RN, a LERN pretendeu reorganizar o ensino potiguar

com base em programas, currículos, métodos de ensino, tendo como instrumento nessa

empreitada a fundação de diversas escolas domésticas, a exemplo das que existiam na Europa,

particularmente o modelo Suíço de ensino feminino. Nessa missão, como sua coadjuvante na

atuação pelo interior do Estado do RN, a Liga promoveria, pelos meios ao seu alcance, a

criação de Ligas Regionais, o que significou expandir o seu raio de ação no RN, pois uma vez

instaladas e incorporadas à Liga em Natal, as Ligas Regionais deveriam fornecer informações

sobre a produção e população do município em que funcionariam, especialmente sobre a

população escolar. Isto facilitaria, com certeza, à Liga atuar com mais eficiência, confirmar as

necessidades dos municípios da existência de escolas, acompanhar o desenvolvimento

populacional das cidades e o seu crescimento econômico, o que não ocorreu, mas sim de

forma idealizada, como já evidenciado anteriormente.

Os presidentes da LERN mantiveram no decorrer dos anos de administração a

filosofia da associação nos mesmos patamares em que foi criada em 1911. Segundo

informações obtidas nos documentos legais dessa entidade, o projeto de expansão e

modelação das instituições educativas no Estado do RN foi um objetivo a perseguir

historicamente. Henrique Castriciano foi o precursor desse projeto, seguido de outros

intelectuais que, durante a sua gestão, compunham a parte administrativa e mantinham forte

influência política no Estado.

QUADRO 2 CRONOLOGIA DOS PRESIDENTES DA LERN:

PRESIDENTES PERÍODO Henrique Castriciano de Souza 1911 a 1918 Francisco de S. Meira e Sá 1919 a 1928 Manoel Dantas 1929 a 1938 Felipe Guerra 1939 a 1948 Juvenal Lamartine 1949 a 1958 Varela Santiago 1959 a 1968 Aldo Fernandes 1969 a 1978 Onofre Lopes 1979 a 1988 Osório Dantas 1989 a 1998 FONTE: Adaptação do documento: LIGA DE ENSINO DO RN. Boletim cinqüentenário da Escola Doméstica de Natal. Natal: URN, 1914-1964a.

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Quando os intelectuais formadores da LERN uniram-se em defesa da

construção de escolas-modelo de educação feminina, seu ideário estava impregnado dos

valores escola/progresso e escola/modernização. Isto significa que no contexto onde atuavam,

o primado econômico somente teria os seus patamares de desenvolvimento caso caminhasse

lado a lado com a educação.

A Liga apresentou mentalidades que centradas na educação, escola e família

lançariam dispositivos de mudanças que seriam capazes de elevar os patamares culturais do

Estado e da nação. Um dos significados atribuídos à escola era que esta devia ser a extensão

da casa e da família. Uma escola em que:

No estabelecimento as educandas compreendem, por exemplo, a responsabilidade de manter a casa na mais perfeita ordem, cuidam especialmente do dormitório, limpam os móveis, concertam as roupas, etc. Na vida diária da Escola existem sempre cortesia, bondade e respeito mútuo. Baseiam-se as boas maneiras sobre uma boa moral. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a, p. 6).

As boas maneiras, segundo a filosofia da Escola estariam relacionadas às ações

e atitudes civilizadas, regradas pelo uso dos preceitos da higiene do corpo e da mente,

voltados para os modos de vestir e se comportar, para a prática da cortesia, do bom caráter,

referenciais esses que deveriam ser obtidos durante as aulas da Escola e praticados no

decorrer do curso, contribuindo para formar uma personalidade ajustada às necessidades da

vida moderna, havendo, portanto, atenção com a mulher no que se refere ao aprendizado, às

convicções, às atitudes, destacando a importância do autoconhecimento, dos deveres e

responsabilidade consigo e com o outro, do civismo à pátria, da conduta moral e

comportamentos que conduziriam a um tipo de escola diferente das existentes no Estado do

RN. A partir desse ideário apresentavam-se, afirmando:

A nossa Liga é nada mais, nada menos, que uma grande sociedade composta de todos os elemento progressistas do Estado, tendo por ideal supremo e unico a creação, nos differentes municipios, dessas Escolas Domesticas que são o segredo da felicidade daquella Suissa, hoje invejada por todas as nações do Orbe, devido as suas instituições maravilhosas e, sobretudo á belezza moral e á capacidade de seus habitantes, em todos ramos da actividade humana. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914a, p. 1).

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A força motriz de mudança de reestruturação educacional apoiou-se na

concepção de cultura pragmática, moderna, o aprender a aprender, aprender fazendo, típicas

da Pedagogia Nova e dos modelos suíços de escolas para mulheres. A educação para um

programa de reconstrução social e regeneração moral seria assim pautada nos valores éticos,

morais e cívicos, que seriam trabalhados pela Escola Doméstica de Natal. A modernização

proveniente também do avanço do desenvolvimento social e econômico surgia como uma

tarefa de intelectuais comprometidos (no caso específico do nosso estudo, de intelectuais

humanistas e modernos que compunham a Liga de Ensino do RN) com a vanguarda

pedagógica, com valores universais de ciência, progresso, nação; num contexto marcado pela

presença do universo agrário, rural e oligárquico composto por grupos de políticos,

fazendeiros e intelectuais que entram em crise perante um universo feminino que parecia

aproximar-se mais da participação na vida social e política. Assim, ocorreram preocupações

por parte dos grupos de intelectuais e representantes das elites em relação ao lugar que a

mulher iria ocupar na sociedade, quando da transição do século XIX para o XX.

Nesse contexto de mudanças e preocupações com a inclusão de novas

demandas sociais é que a educação do sexo feminino apareceu como uma prioridade, questão

de possível quebra das hierarquias de gênero, redefinindo novos discursos sobre as hierarquias

de sexo, entre as ocupações sociais do homem e da mulher, sem solapar a ordem social. As

mudanças trazidas, inclusive para a organização da família, pareciam solapar os lugares

tradicionalmente reservados para homens e mulheres na sociedade. A emergência do

incipiente, mas já presente movimento feminista e as mudanças de comportamento atribuídas

às mulheres por causa da vida urbana e pelo mundo que se modernizava, pareciam ameaçar a

dominação masculina, particularmente para aqueles que teriam sido educados numa ordem

patriarcal tradicional e conservadora.

O contexto educacional em que as idéias da Escola Nova perpassaram no país,

privilegiando o Ser em suas singularidades e diferenças, encontrou adeptos que procuraram

mobilizar política e ideologicamente a sociedade em torno de uma mesma questão: a

superação do atraso nacional e o ingresso numa sociedade moderna. À pedagogia cabia gerar

nesse contexto uma nova forma de racionalidade e produtividade. (MONARCHA, 1989, p.

19).

Passando a educação a ser percebida enquanto instrumento de reconstrução

social e estabilidade política e para superação do atraso cultural do RN,a e numa perspectiva

mais ampla do Brasil, a Liga de Ensino propõe que a educação fosse instrumento coadjuvante

na reconstrução social, porque isto traria garantias de continuidade de valores, de formação

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desta para os seus futuros filhos. Para Albuquerque Júnior (2003, p. 130):

A estratégia para concretizar esses anseios seria dar às mulheres não o mesmo ensino que os homens, mas um ensino específico voltado para reforçar o papel tradicional da mulher de ser mãe e dona de casa, prepará-la melhor para servir ao seu futuro marido e a futura família e não prepará-la para deles se afastar.

Além de preparar uma boa dona de casa, a Escola se propôs a formar a mulher

considerada o espelho e o modelo ideal feminino, regrada numa formação alçada nos valores

virtuosos, cívicos e socioculturais consubstanciada num modelo ideal de mulher despontada

com os anseios da nova república. Na visão de Araújo (1997, p. 139):

O remodelamento da cidade e da educação escolar levou por parte das vanguardas dirigentes reformadoras, a preocupação em fundar uma ‘Escola Doméstica’ destinada à educação da mulher visando à sua integração na vida cotidiana moderna. [ ] foi a primeira Escola Doméstica, em seu gênero, no Brasil e na América Latina, nos moldes da chamada pedagogia moderna, preconizadora de processos de ensino em que se aprende, fazendo.

Dessa forma, os reformadores da educação em colaboração com a escola

idealizaram garantir o tão almejado progresso sociocultural e econômico da cidade e da

nação, um sonho de alguns republicanos e conservadores, a exemplo dos que se integraram à

Liga de Ensino do RN.

Veremos na próxima parte da tese como a Liga de Ensino irá concretizar o seu

projeto social e educativo através da inauguração da primeira instituição com modelo Suíço

de formação, inaugurada em setembro de 1914. Foi a partir da criação dessa entidade

denominada Liga de Ensino que a Escola Doméstica de Natal foi gestada; daí decorrerem as

nossas intenções neste primeiro capítulo: garantir na leitura sobre a Liga a compreensão das

bases instauradoras da Escola objeto de estudo, os ideais que a circundaram, os anseios dos

seus idealizadores, não sendo possível dissociar Escola Doméstica e Liga de Ensino, ambas se

complementam e se confluem.

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1.2. A inauguração da Escola Doméstica de Natal

Século XX, ano de 1914, inauguração em Natal da primeira escola para o sexo

feminino baseada em modelo europeu, em sua singularidade destinada a formar um novo tipo

de mulher civilizada para uma nova sociedade que despontava com os primeiros indícios de

desenvolvimento social e econômico. Era esperada com expectativa e orgulho por alguns que

compunham as autoridades públicas do Estado do RN e intelectuais progressistas.

A fundação da escola tornou-se a concretização, como afirmamos no capítulo

anterior, de um projeto social e educativo de Henrique Castriciano de Souza e da Associação

LERN; afinal “[...] a escola é uma criação de indivíduos que vivem em sociedade, mas esta

criação não é mais do que uma resposta a certas necessidades, a certas condições que

favorecem esta “invenção.” (PETITAT, 1994, p. 198). Por ser uma criação humana, a escola

obedece em cada contexto histórico a determinações sociais, econômicas e culturais; isto

significa dizer que espaço e tempo são imprescindíveis para a análise das condições que

favorecem a criação de uma instituição educativa.

Petitat (1994, p.187) ao destacar alguns elementos importantes que

contribuíram para o surgimento de uma cultura escolar moderna na Alemanha indica que:

O surgimento de uma cultura escolar ‘moderna’ - centrada nas línguas vivas, nas literaturas nacionais, nas ciências e nas técnicas – é sem dúvida a revolução mais importante que atingiu o ensino desde o século XVIII. Esta modernização ocorre em meio a conflitos que representam mais do que simples adaptações às novas exigências trazidas pela industrialização. Estes conflitos vêm acrescentar as suas próprias; eles realizam uma assimilação da nova realidade; contribuem para produzir, selecionar e estruturar novas categorias sócio-culturais.

Neste estudo, consideramos a criação da instituição escolar e particularmente

da Escola Doméstica de Natal não somente como decorrente das exigências trazidas pelo setor

econômico, uma vez que no Brasil e particularmente no Rio Grande do Norte, no período de

criação da escola, era incipiente, em desenvolvimento, não podendo por si só, responder aos

novos anseios dos intelectuais da Liga de Ensino do RN e da sociedade de uma forma geral.

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As adaptações da escola a novos pressupostos pedagógicos, a novas teorias, sobre concepções

do que vinha a ser ensinar e aprender consideradas modernas contribui sim, significadamente

para estruturar novas categorias socioculturais, passando a dar respostas a novas necessidades

às quais a escola deveria se moldar, formando uma nova geração de indivíduos mais ativos

socialmente.

Desde o seu funcionamento inicial, a Escola Doméstica de Natal não se propôs

a ser uma escola popular, ao contrário, o que mais a caracterizou foi seu caráter seletivo e

elitista, o rigor no número de vagas, a exigência de um valor mensal a ser pago que

provavelmente afastavam do seu corpo discente as mulheres que economicamente não eram

dotadas de melhores recursos financeiros.

O acontecimento de abertura da primeira escola na cidade voltada para novos

métodos pedagógicos, de modelo Suíço das Escolas Domésticas de Ménagère4, que se

diferenciavam dos então existentes, interessava a intelectuais norte-rio-grandense por ser uma

nova organização de educação escolar distinta das demais que poderia propiciar, na visão

desses intelectuais, “a modernização dos velhos métodos caquéticos e ultrapassados da

cidade, fruto de uma educação defeituosa, uma educação de latinos, prejudicada por uma

herança do trabalho escravo, servil.” (SOUZA, 1911, p. 24). Isto provocando o surgimento de

um modelo que serviria como exemplo para uma nova organização pedagógica nas escolas

existentes e conduziria a cidade a novos patamares mais elevados de cultura e civilidade.

Estava presente também a representação de que a escola contribuiria predominantemente para

a formação educacional da mulher para que esta atuasse na sociedade de forma mais ativa,

social e ajustável ao meio.

Efervescentemente, a imprensa local divulgava a data prevista para o

funcionamento da escola. No dia anterior à sua inauguração, o Jornal A República5 insistia em

lembrar à sociedade potiguar o dia, local e hora do acontecimento e anunciava que a comissão

promotora do evento (os representantes da Liga de Ensino do RN) contava com a presença de

todos os convidados ao ato de inauguração. (A LIGA DE ENSINO DO RN, 1914). 4 Escola modelar voltada especificamente para a educação doméstica feminina, localizada no Cantão Suíço, a qual Henrique Castriciano de Souza conheceu em viagem realizada em 1909 e ao retornar ao Brasil resolveu fundar uma escola nesse nesses moldes de ensino, onde teoria e prática eram aspectos priorizados na formação dos saberes para o lar. 5 O jornal A República foi fundado em 1889, para servir como veículo divulgador dos anseios republicanos no Estado do RN, por Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, chefe político norte-rio-grandense ligado a grupos oligárquicos no Estado.

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Como havia sido planejado pelo seu idealizador, no dia 11 de setembro de

1914, às 13h, foi inaugurada a Escola Doméstica de Natal que passou a funcionar no prédio

de n.° 281, próximo à Praça Augusto Severo, situada no bairro da Ribeira. O lugar territorial

ocupado pela Escola Doméstica de Natal proporcionava relacionar a instituição à dinâmica da

cidade, no movimento escola-espaço. Afinal,

Não apenas o espaço-escola, mas também sua localização, a disposição dele na trama urbana dos povoados e cidades, tem de ser examinada como um elemento curricular. A produção do espaço escolar no tecido de um espaço urbano determinado pode gerar uma imagem da escola como centro de urbanismo racionalmente planificado ou como uma instituição marginal e excrescente. (ESCOLANO, 2001, p. 28).

Nesse raciocínio, percebemos que o local de funcionamento da Escola não foi

escolhido por acaso; era um local situado num ponto de grande rotatividade de mercadorias,

com escoamento de produtos, numa movimentação de compra e venda, com circulação de

pessoas, entre elas pequenos comerciantes; por isso era chamado por alguns norte-rio-

grandenses como o berço da cidade. Era nessa configuração social que a Escola Doméstica

de Natal poderia imprimir ares da modernidade, situando-se no ponto de dinamismo e

crescimento social de Natal.

Localizavam-se na Ribeira, durante esse período, o Teatro Carlos Gomes (atual

Teatro Alberto Maranhão), O Grande Hotel, o Banco de Desenvolvimento do Rio Grande do

Norte - BANDERN (atual prédio do PROCON Estadual), a primeira hospedaria de Natal, o

primeiro Grupo Escolar tido como escola modelo (o Augusto Severo, fundado em 1908), a

Escola Normal de Natal (1908), o Colégio Ateneu Norte-rio-grandense e demais

estabelecimentos que contribuíam para o enobrecimento cultural e econômico do bairro, como

por exemplo, os únicos cinemas existentes na cidade, o Café Chile (local muito freqüentado

na cidade), entre outros.

Como recorda Cascudo (1999, p. 155), em relação à localização do bairro

Ribeira no início do século XX: “A Ribeira conservou os grandes hotéis da época, as casas

comerciais, armarinhos, alfaiates, farmácias, clubes de danças, o primeiro cinematógrafo da

cidade, o Politeama, inaugurado a oito de dezembro de 1911 e que resistiu vinte anos.” Na

Ribeira foram instalados o Palácio do Governo, o Quartel do Batalhão de Segurança Militar e

outros edifícios que marcaram a fisionomia do bairro, configurando-o num lugar requisitado,

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visitado e movimentado por pessoas e comércios, como a Casa Reis (movimentada loja de

calçados, localizada na rua Dr. Barata), a Relojoaria Italiana, lojas de vendas de máquinas

diversas, a loja de banheiras Jajaz (representante de produtos importados para banho, na rua

Tavares de Lyra), a Alfaiataria Paris (na rua Frei Miguelinho), lojas de irrigações, máquinas

de lavar roupa, lojas de café, de bebidas geladas e demais atividades de comércio existentes

que davam dinamismo ao local.

O prédio originalmente construído para o funcionamento da escola foi de

doação do governo do Estado do RN. Em entrevista com o atual presidente da Liga de Ensino,

obtivemos a seguinte informação:

O prédio da Ribeira já era próprio, originalmente construído para essa finalidade - como não tínhamos recursos financeiros, o grupo (da LERN), se valeu do prestígio político - do Conselho Diretor formado por sete integrantes, para conseguir o prédio próprio pelo governo do Estado, representado pela pessoa do governador Alberto Maranhão. Como o primeiro presidente da Liga de Ensino foi Meira e Sá, ex. governador do Estado do RN e Senador da República, pessoa muito influente na política, tornou-se mais fácil conseguir essa concretização de Henrique Castriciano. (BRITO, 2004).

Para a doação do prédio firmou-se o acordo entre a Liga de Ensino e o governo

do Estado; numa das cláusulas do acordo constava que se a escola viesse a passar por um

processo de dissolução do empreendimento, o seu patrimônio se reverteria a favor do governo

do Estado, voltando os recursos investidos, portanto, aos cofres do governo. (LIGA DE

ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1911a).

Esse acordo muito nos chamou a atenção porque nesse caso específico, estava

evidente a parceria público/privado. Enquanto a rede pública de ensino do RN passava por um

processo de busca por expansão e melhoria no ensino, o Estado doava um prédio para uma

escola privada. Temos como exemplo, a Escola Normal de Natal que começou em 1908

funcionando anexa ao Atheneu Norte-rio-grandense, sem prédio próprio; depois, em 1910, foi

transferido para o Grupo Escolar Augusto Severo, permanecendo vinte e sete anos neste lugar

(ainda sem prédio próprio para o seu funcionamento) e em 1937 mudou-se para o Grupo

Escolar Antônio de Souza, num antigo edifício que pertencia à Associação dos Professores do

RN (APRN), em precárias condições de exercer suas atividades.

O acontecimento demonstra, mais uma vez, na nossa história educacional, o

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descaso com ensino público no Estado do RN, porquanto a Escola Normal de Natal somente

conseguiu um prédio próprio em 1950; passando por dificuldades de organização, de recursos,

pela falta de um lugar próprio para funcionar, em suma, pela falta de recursos destinados ao

seu funcionamento, assim como as demais escolas públicas existentes.

Na década de 50 do século XX, o presidente do Instituto Nacional de Estudos

Pedagógicos – INEP, o educador Anísio Spínola Teixeira, manifestou sua impressão sobre a

Escola Doméstica de Natal, ao visitá-la em 11 de março de 1954, afirmando que:

Visto afinal a Escola Doméstica de Natal, sobre que ouço falar desde que comecei a me entender em educação. Instituição que tem já 40 anos, provando, durante esse período, duas coisas: 1) que instituição educativa pode ter finalidade pública e privada, tanto no Brasil quanto na Inglaterra; 2) que instituições educativas podem resistir ao uniformismo das escolas oficiais brasileiras, manter programa autônomo e original ... sobreviver. Que digo? Triunfar e apresentar o espetáculo que aqui assisto, entre surpreso e comovido, de uma escola que pode emparelhar com o que de melhor exista nos paises de melhor e mais alta tradição educacional. (TEIXEIRA, 1920, p. 35).

As palavras registradas pelo educador brasileiro Anísio Teixeira, naquele

tempo, refletia dois aspectos importantes: o primeiro dizia respeito à visão que tinha na época

sobre o ensino privado. Mesmo sendo um dos grandes defensores do ensino público e gratuito

no Brasil, deixou transparecer, a partir das suas palavras escritas, ao visitar a Escola

Doméstica de Natal, que mesmo pertencendo ao quadro das instituições privadas, poderia

prestar serviços públicos à população, ou seja, ter uma finalidade pública, como bem

especificou no seu registro. Outro aspecto diz respeito ao deslumbramento apresentado ao

visitar a Escola Doméstica de Natal e saber que nela aplicava-se um modelo curricular

diferenciado das escolas brasileiras voltadas para a educação feminina, com um programa de

ensino original, rompendo no seu tempo, com o uniformismo tradicional das demais

instituições de ensino.

Compreendemos que as medidas tomadas pelo governo do Estado do RN em

relação ao seu ensino privado, desde o início da fundação da ED era tendenciosa porque trazia

embutida uma política de incentivo ao ensino particular, ampliando, sem dúvida, o campo de

atuação dessas instituições que, de certa forma, absorvia, mesmo de forma minoritária, uma

demanda que até então era de responsabilidade do Estado. Essa atitude do Governo Estadual

demonstrava a confiança depositada no trabalho educativo desenvolvido pelas instituições

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privadas.

A Escola Doméstica não foi a única instituição a receber ajuda financeira

Estadual, o ensino particular subvencionado pelo Estado mantinha algumas escolas e ginásios

no início do século XX com auxílio dos cofres públicos. (CASCUDO, 1999).

Numa cidade ainda provinciana como Natal que estava caminhando em passos

lentos para um processo de crescimento urbano e em vias de modernização diante das

condições conjunturais do país e do mundo, era necessário mais investimento no ensino

público e nas condições de saúde e habitação da cidade. O cenário de Natal ainda apresentava

precariedade; sua iluminação era à base de lampiões, o que aconteceu por longos períodos,

somente vindo a conhecer instalações elétricas a partir de 1905. Na gestão governamental de

Alberto Maranhão (por este ter conseguido empréstimo financeiro da França através de uma

firma responsável pela execução do empreendimento, a Vale Miranda & Domingos Barros) é

que a cidade passou a ser ajustada a novas reformas desde a instalação de luz elétrica em ruas

e residências aos bondes elétricos, abastecimento de água, saneamento, transporte, calçamento

e outros melhoramentos.

Novas idéias circulavam no Brasil e no Rio Grande do Norte e no Brasil, como

o nacionalismo, o tenentismo e inquietações de diversas ordens sociais, evidenciando

mudanças (e perspectivas de mudanças) no setor social, expressando também transformações

na vida urbana, o crescimento - ainda que lento - do comércio, das ruas, da cidade, criando

novos padrões de comportamentos e novas perspectivas de vida, de construção de um novo

sistema de valores de civilidade urbano-industrial.

As representações do que a Escola Doméstica de Natal simbolizaria para a

sociedade potiguar eram diversas. As palavras de ordem: novo, civilidade, moderno e

progresso circulavam e se entrecruzavam com valores ainda arraigados e permanentes na

sociedade. E assim percebia-se a escola como instituição modelo, específica em sua função,

que iria trazer para a cidade, e particularmente para o RN, idéias de civilidade e progresso tão

almejadas para os que ali viviam.

O início do século XX marcou um período de grande mobilidade social em

defesa da modernização das cidades no Brasil, de acordo com as especificidades e ritmos de

cada uma e esse processo gradativo de modernização, principalmente nos espaços urbanos,

possibilitariam a criação de projetos que incorporassem a modernidade à estrutura

educacional, cabendo a diversos intelectuais a discussão sobre o tema, a criação de reformas

no campo educacional e de novas representações conforme o contexto vigente.

Em Natal, diante de um contexto permeado por mudanças no setor educacional

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(com a Reforma Pinto de Abreu6, a Reforma de Ensino de 19167) e com o aparecimento de

sistemas modernos como a luz elétrica, o bonde, saneamento, transporte, cinema, teatro,

automóvel, foi criada a Escola Doméstica de Natal.

Assim a composição dessa instituição, sua estrutura física, os conteúdos

privilegiados e ministrados, os valores morais e sociais ressaltados, a estruturação do corpo

docente, a organização e a administração iriam confluir para um modelo de escola tão

esperado ansiosamente por almas famintas pelo novo, pelo progresso, pelo moderno. No

nosso entendimento, podemos questionar o que consubstanciava esse novo modelo escolar.

Entendemos que os modelos pedagógicos correspondem a pressupostos teóricos considerados

válidos em cada contexto histórico, trazendo um discurso inovador, formatado por diversos

dispositivos materiais e pedagógicos que compõem e formam a instituição de ensino. Nesse

sentido, pensar no modelo pedagógico vislumbrado pela Escola Doméstica de Natal é pensar

na sua proposta de educação e nos discursos que a compõem.

Compreendemos que ao ensejar e/ou enunciar uma educação moderna estavam

implícitos uma proposta e um discurso de poder estabelecidos entre o que seria uma educação

tradicional (trazendo à tona as ambigüidades entre o antigo e o novo) e uma educação baseada

em novos métodos de ensino voltados para a formação de um sujeito participativo e mais

atuante no social. O conceito de moderno incorporado na escola significava a ultrapassagem

de uma educação considerada arcaica, tradicional que enfatizava a repetição e a memorização

dos acontecimentos pela busca de uma educação renovada em suas bases de organização

pedagógica, principalmente nos seus métodos de ensino.

A passagem para uma pedagogia moderna vislumbrava-se junto às mudanças

sociais e econômicas advindas do desenvolvimento capitalista, na tentativa de ir

consolidando-se gradativamente nas atitudes dos indivíduos, nos seus hábitos e costumes. O

jogo dialético que se estabelece entre antigo/moderno nasce do sentimento de ruptura com o

passado, como assinala Le Goff (1996, p. 172), ao dizer que “se por um lado, o termo

moderno assinala a tomada de consciência de uma ruptura com o passado, por outro, não está

carregado de tantos sentidos como os seus semelhantes ‘ novo ’ e ‘ progresso ’. Novo para o

autor, implica um nascimento, um começo”.

6Reforma criada em 1908, que imprimiu nova orientação pedagógica ao ensino potiguar ao estabelecer o uso, ainda que introdutório, dos princípios do método intuitivo na educação. 7Reforma que representava os anseios dos renovadores escolanovista do Estado (José Augusto Medeiros, Nestor dos Santos Lima, Henrique Castriciano de Souza e outros) por reformulações na organização do ensino nos níveis primário, secundário e profissional (o desenvolvimento das faculdades de observação, emprego nas escolas primárias do método intuitivo, o estímulo a construção de prédios escolares segundo os preceitos da higiene, conforto, localização adequada...)

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A tentativa de romper com métodos tradicionais de ensino aplicados à

educação das mulheres ensejou na Liga de Ensino, e particularmente em Henrique Castriciano

de Souza, a necessidade de fundar uma Escola Doméstica que trouxesse em seus fundamentos

ruptura com os modelos de escola existentes no Estado. Acreditamos que, naquele momento,

a fundação da Escola Doméstica de Natal representou mudança diante dos modelos

curriculares de ensino das poucas escolas femininas existentes, consolidando uma mudança,

enriquecimento e ampliação do que já estava estabelecido.

No prédio onde aconteceu a inauguração da Escola, a euforia era visível. A

banda de música do Batalhão de Segurança do Estado do RN já se encontrava presente num

dos corredores da escola para entoar o hino após o sinal concedido de inauguração do

estabelecimento. Ela incorporava alegria, aplausos.

Setembro fora um mês de euforia em Natal. A cidade assistira na semana

anterior à inauguração da Escola Doméstica de Natal, às comemorações relativas à

Proclamação da República e a inauguração da Praça Sete de Setembro (localizada no centro

da cidade). Nessa solenidade, a banda de música do Batalhão de Segurança do Estado tocou

na praça, conseguindo aglomerar em torno do evento em média oito mil pessoas que

aguardavam a solenidade anunciada, contando com a participação da Companhia Isolada de

Caçadores em passeio nos arredores das principais ruas da cidade, como o bairro de Cidade

Alta e Ribeira, contornando para a Praça Sete de Setembro, conseguindo agrupar, por onde

passava, pessoas de diversas faixas etárias diante o desfilar dos soldados.

Algumas instituições escolares que se situavam na cidade também participaram

da manifestação, por exemplo a Escola Normal de Natal (que funcionava anexa ao Grupo

Augusto Severo) e o Grupo Escolar Augusto Severo, onde cerca de trezentos alunos entoavam

o hino nacional. O curso isolado masculino do Professor Luís Antônio Soares apresentava o

corpo de alunos praticando ginástica sueca, acompanhados pelo instrumental musical de

piano. O Colégio Diocesano Santo Antônio realizava um círculo de palestras, privilegiando

como temática a Independência do Brasil.

Por todos esses acontecimentos, no mês em que foi inaugurada a Escola

Doméstica de Natal a exacerbação de festividades e rituais alusivos à pátria, à nação, ao

Estado criava um clima de euforia, enaltecia o espírito patriota, o culto ao civismo, às

tradições, à independência, numa tentativa de cultuar a nossa alma patriótica. (LIGA DE

ENSINO DO RN, 1914c).

A Escola Doméstica de Natal não fugia a tais rituais festivos. A presença de

autoridades políticas, a previsão de hasteamento da bandeira nacional durante o ato de

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inauguração da escola, o canto do hino nacional, a banda de música fazendo apresentação,

todos esses momentos simbolizavam a tradição cívica manifestada pelas instituições de

ensino.

Os ideais republicanos traziam como ponto para debate nesse período a

valorização política da ação educacional e essa proposta se consubstanciaria na construção de

novos mundos e novos homens, depositando na ação educativa uma notável gama de

expectativas. Nas décadas que antecederam o período republicano no Brasil, configurava-se o

debate em prol da formação do Estado/nação e, nesse projeto, a primazia pelos valores de

justiça, fraternidade e igualdade (na perspectiva laica nesse ideário republicano) opondo-se

frontalmente aos princípios de restauração política e religiosa. A ampla divulgação e

circulação (propaganda) de material de conteúdo moral e cívico-patriótico contribuiriam

incisivamente sobre o imaginário social para a instituição simbólica da nação-estado.

Historicamente, a partir da ênfase na formação dos Estados Nacionais foi-se

entendendo que a escolarização da população era uma estratégia fecunda e apropriada para a

formação do homem novo e de novas estruturas. Lembra Carvalho (1993) que a máxima

atribuída ao processo escolar que teria como pano de fundo a tarefa de engendrar a formação

do homem novo, a formação das almas, tendo, portanto, a educação escolar, uma ação

incisiva sobre o imaginário social para a instituição simbólica da nação, considerando-se a

quase nula participação popular na implantação da República no Brasil.

Portanto, não era de estranhar a participação/representação efetiva de

autoridades políticas numa instituição como a Escola Doméstica de Natal, num período da

história em que uma das metas, pelo menos em tese, do governo republicano no Brasil era de

propor mudanças, reformas de ensino, novos métodos e teorias educacionais em prol de uma

organização da educação nacional, assim como não era de admirar, a representação relevante

de uma parte da elite intelectual do RN envolvida nesse projeto. A problemática educacional

ganhou progressiva centralidade política nesses discursos como uma das metas mais

importantes. Não se tratava apenas de educar o povo de uma forma geral, mas de estabelecer

novas diretrizes pedagógicas para educar a mulher, contribuindo esta para procriação de

gerações sadias (moral e intelectualmente), para a construção da cidadania e consolidação da

nação republicana.

Após a inauguração da Escola, semanas foram dedicadas ao recebimento de

matrículas. A escola passou a receber alunas classificando-as em três categorias: as internas,

as semi-internas e as externas, tendo como pré-requisito a idade de onze anos.

Caracterizavam-se como internas as alunas que vinham do interior do Estado e na escola

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permaneciam durante o período de aulas, podendo receber visita de familiares nos finais de

semana ou durante o período de férias. A categoria semi-interna era composta por alunas que

estudavam na instituição em horário integral, manhã e tarde e retornavam para as suas

residências no período da noite. A terceira categoria, as externas, era formada pelas alunas

que freqüentavam a escola em apenas um turno de aula.

Desde o início do seu funcionamento, a Escola Doméstica de Natal

apresentava-se à sociedade como uma instituição de fins não lucrativos, apesar da cobrança de

uma mensalidade, que era iniciada com o pagamento de uma jóia de entrada para assegurar a

matrícula e um adiantamento das despesas da Escola com a aluna.

Pelo motivo de ter a Liga de Ensino do RN como entidade mantenedora, na

Escola Doméstica, o discurso que predominava era que a instituição pretendia auxiliar o

governo na expansão do ensino público e por isso as mensalidades cobradas ao seu corpo

discente apenas serviam como forma de contribuição para a escola manter em dia as suas

despesas diárias. Esse mesmo discurso é ainda, nos dias atuais, sustentado pela direção da

Liga de Ensino e da Escola Doméstica. Segundo Brito (2004), a Escola Doméstica nunca

apresentou finalidades lucrativas em relação aos serviços oferecidos à sociedade norte-rio-

grandense, colocando-se, ao contrário, como uma Escola a serviço da comunidade, não

podendo, por isso classificar-se totalmente como instituição educativa privada, com fins

lucrativos, e sim, uma espécie de autarquia e pelo fato de assim o ser, merece atenção das

autoridades públicas responsáveis pela organização do ensino no Estado.

Com base nesse entendimento, analisamos a representação de que desde a

inauguração da Escola Doméstica de Natal, o governo estadual do RN apoiou o seu Projeto de

funcionamento na cidade, partindo da estrutura física, pois foi concedido um prédio para o seu

funcionamento, bem como subsídios para pagamento das professoras (vindas de outros

países) e demais custos da Escola.

De acordo com a Lei de n.° 405, de 29 de novembro de 1916, que reorganizou

o ensino primário, secundário e profissional do Estado do RN, o ensino privado poderia ser

ministrado livre da fiscalização quanto aos métodos e regime didático no Estado, ficando

sujeito à fiscalização oficial no que dizia respeito aos preceitos de higiene, a moralidade e a

nacionalização do ensino, mas, o que nos chamou atenção é o seu Art. 214 que trata da

subvenção financeira do Estado em relação às instituições privadas, quando diz: “O Estado

poderá subvencionar pecuniariamente as escolas primarias particulares, situadas nos povoados

ou fazendas, que reunirem as seguintes condições: a) matricula nunca inferior a trinta

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alumnos; e b) frequencia minima de vinte alumnos”. (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p.

1).

Apesar de essa lei ter surgido quatro anos após a fundação da Escola

Doméstica de Natal, no primeiro ano de funcionamento da escola, esta passou a receber, como

já citamos anteriormente, subvenções financeiras do governo do Estado, o que denota os

vínculos muito próximos dos seus fundadores aos poderes públicos local. Outro aspecto a

destacar é que a Lei n.° 405 de 1916, destacava como pré-requisito um percentual mínimo de

alunos matriculados na instituição de ensino para que esta recebesse subsídio financeiro. No

entanto, a ED de Natal não atendia a esse critério e mesmo assim, era beneficiada pela Lei no

Estado do RN.

A legislação do período tomava como maior fonte de exigência para o

funcionamento das instituições privadas os critérios e preceitos de: higiene do local, aspecto

moral, ensino da língua nacional (assim como o estudo da História e da Geografia), bem como

o fato de o estabelecimento estar sempre disponível às fiscalizações da inspeção pública de

ensino. Assim o modelo escolar da Escola Doméstica de Natal, muito embora sendo europeu,

sofreu algumas modificações no seu currículo e estrutura, mudanças essas necessárias ao seu

possível funcionamento. No próximo item, veremos com mais detalhes as idéias inspiradoras

que deram origem a esse modelo escolar de educação para mulheres em Natal.

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CAPÍTULO 2

Idéias inspiradoras de um novo modelo escolar

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Os seus fundadores, observando certas falhas de cultura e de methodo no lar brasileiro, determinadas por motivos que não podem ser longamente esplanados neste prospecto, resolveram lançar as bases de um ensino novo entre nós, tendo por modelo as Écoles Menagéres da Suissa, da Allemanha e da Belgica. (LIGA DE ENSINO DO RN).

2.1 – Modelo Escolar Suíço

A citação em epígrafe acima reflete a insatisfação na época por parte dos

intelectuais que compunham a Liga de Ensino, em relação ao ensino no Rio Grande do Norte

e particularmente o destinado ao sexo feminino. Essa insatisfação gerou inquietudes e buscas

pela remodelação pedagógica das escolas para mulheres.

Para melhor compreendermos o modelo implantado da Escola Doméstica em

Natal, convém apreendermos a sua ascendência que se encontra na implantação da Ècole

Normal pour la formation d’Institutrices d’Ecoles Ménagère de Friburgo, Cantão Suíço. Foi

deste modelo de organização escolar que a essência da Escola Doméstica de Natal formou o

seu substrato e a sua forma, adequando-se, em alguns dos seus aspectos (estrutura física,

currículo, etc.), à realidade local.

A idéia concebida de educar a mulher para o lar esteve associada às mudanças

de crescimento populacional e urbano que o continente europeu atravessou no final do século

XIX, sendo fruto também de movimentos que reivindicavam melhorias nas condições

sanitárias e higiênicas para a população, numa conjuntura social e econômica pautada pelo

crescimento acirrado e desordenado das cidades européias, com a industrialização e o advento

do capitalismo.

Essas mudanças ocorridas passaram a afetar tanto a família burguesa quanto o

proletariado na sua qualidade de vida. Com o crescente número de desempregados,

aumentando os índices de exclusão econômica, a degradação da qualidade de vida, dentre

outras mazelas, surgiam fatores que provocavam descontentamentos por parte da população,

estimulando o surgimento de movimentos sociais que aclamavam por um modelo de

sociedade ajustada harmonicamente em consonância com as mudanças da época. Isto requeria

a imposição de modelos de comportamentos, de moralização nos costumes de vida urbana da

maioria da população.

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Pregando o recolhimento às satisfações privadas, os custódios da virtude doméstica reconheciam implicitamente a devastação que o capitalismo promovera em todas as formas de vida coletiva, ao mesmo tempo em que desencorajavam os esforços para reparar este estrago, ao descrevê-los como o preço que se deveria pagar pelo desenvolvimento material e moral (LASCH, 1991, p. 217).

A família burguesa emergente precisava moldar-se a uma nova moral de vida,

que incluiria novos costumes, em obediências aos padrões da ordem econômica vigente.

Nesse contexto, movimentos sociais em prol da educação doméstica da mulher seriam

necessários para pautá-la aos princípios de uma moral e ética emergentes nas sociedades

européias. Desta forma, procurar-se-ia propiciar, através da educação feminina, harmonia

familiar, sendo esta agente de transmissão das normas morais e de comportamento social,

primeiramente no universo familiar para depois plantar frutos, tendo em vista uma harmonia

social. Então, como nos lembra Amaral (2002, p. 20):

Caberia à mulher a ‘ nobre missão ’de cuidar de todos os afazeres domésticos de modo a propiciar o conforto e o equilíbrio psicológico familiar. À mulher, esposa e mãe, ficaria a responsabilidade de educar os filhos e lhes transmitir as normas morais de comportamento social.

À mulher era atribuído papel relevante na manutenção da ordem, na moral dos

costumes e na preservação dos laços familiares que representaram ideais circulantes na

família burguesa do século XIX, como forma de manter a sua estabilidade.

O movimento higienista do século XIX também trouxe em seu bojo a ênfase à

economia doméstica, a valorização e bem-estar das famílias proletariadas, através de

programas assistencialistas na área de saúde, habitação, higiene, vestuário, trabalhos com

menores de idade, etc. Neste sentido, a instituição escolar funcionaria como objeto

coadjuvante aliada nesse projeto, com estruturas e funções definidas, na tentativa de

desenvolver práticas voltadas para o bem estar da família, o que atingia a educação

notadamente feminina. Sua política para a família estaria presente na fundamentação das

práticas de economia doméstica, nos ensinamentos que contribuíssem para formar mulheres

para atuar principalmente no âmbito familiar.

Entre espaços públicos e domésticos houve uma oposição, segundo os

discursos dos higienistas, pois essas esferas deveriam ser percebidas separadamente para

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homens e mulheres. A estas últimas era atribuída a tarefa de ensinar a humanidade a formar

novos cidadãos comprometidos com o novo Regime político e social, que poderia ser

exercitada nos papéis de mãe e professora. A emancipação feminina traria desajustes no

matrimônio:

O discurso higiênico moderno reforçava essa associação, afirmando que o lugar da mulher era no lar e sua função prioritária o cuidado de filhos e filhas. Na família ideal, a mulher não deveria trabalhar fora. A guarda da prole e sua educação seriam atividades naturais da mulher, que passaria todo o seu tempo amando e brincando com os filhos e filhas (VIDAL; CARVALHO, 2001, p. 215).

No século XX, expandem-se os cursos de Educação Doméstica na Europa,

com finalidades de reafirmar o papel a ser desempenhado pelo sexo feminino na família e na

sociedade. A preocupação com a qualificação profissional para o mercado de trabalho

também é elemento que se reafirma, nesse contexto devido, à expansão do comércio e

principalmente das indústrias agrícolas. (AMARAL, 2002).

A Escola Normal para formação de mulheres de Friburgo - Suíça conhecida

por Henrique Castriciano de Souza em sua viagem realizada em 1909 mantinha em sua

composição curricular os conhecimentos a serem estudados e preconizados como relevantes

para adaptação às mudanças que a sociedade capitalista européia atravessava. A estrutura

espacial da escola (que ele descreveu como sendo simples, asseada, bem organizada e

dividida nos moldes de: gabinete, salas de jantar, sala de costura, recinto de aula, dormitório,

sala da diretoria, laboratório de química e física, museu escolar, salas para seções de lavagem

e engomado, copa, cozinha, jardim, galinheiro, pomar, sala de medicina e higiene, sala de

puericultura e outros ambientes) de aperfeiçoamento dos conhecimentos sobre o universo tido

como próprio do feminino.

Ficou encantado, Henrique Castriciano, com essa organização escolar. Os

preceitos de higiene trabalhados no ambiente, os modos de falar educado das discentes e das

docentes, bem trajadas e limpas, tranqüilas e atenciosas. Também lhe chamou a atenção o

ambiente da escola tido como harmônico e sereno:

Ao penetrar a Escola Normal Ménagère de Friburgo senti logo o encanto, o

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bem estar que dá a Suíssa, em que, não raro, a decoração vegetal imprime uma nota pacificante de bucolismo, dando ao espírito do hospede um como aviso de tranqulidade, de trabalho silencioso, de ternura forte. (SOUZA, 1911, p. 29).

Fora o espaço físico, a estrutura curricular e o funcionamento da Escola Suíça

transparecendo com ares de tranqüilidade, cultura e ciência aos que se dispusessem a visitá-la

que despertou no intelectual Castriciano de Souza a atenção e o desejo de divulgá-la. Não

havia interesse em copiar um modelo de sistematização de estudos sobre educação doméstica,

a exemplo dos que já existiam no RN e no Brasil, mas uma instituição diferente das demais

existentes, na sua especificidade para a formação da mulher, espelhando-se da mulher Suíça.

Tratava-se para Castriciano, portanto, de fazer algumas apropriações daquele

modelo escolar. Apropriações no sentido atribuído por Chartier (1990, p. 26), quando

expressa que “A apropriação, tal como a entendemos, tem por objetivo uma história social das

interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais que são sociais,

institucionais, culturais e inscritas nas práticas específicas que as produzem.”

Em nossa percepção, o modelo Suíço de escola para mulheres muito diferia da

nossa realidade educacional, uma vez que o Estado do Rio Grande do Norte, nos inícios do

século XX, atravessava graves problemas com o número baixo de escolas, falta de maior

estrutura física para seu funcionamento, escassos recursos humanos e materiais e, como já

evidenciado anteriormente, falta de prédios escolares. Diante essa realidade, é possível

questionar a possibilidade de criar uma escola do porte físico e estrutural da Escola Doméstica

Suíça que exigia uma excelente estrutura física para o seu funcionamento, bem como,

recursos humanos e materiais diversos quando, na realidade, não tínhamos sequer docentes

melhor qualificadas para ensinar nas instituições públicas.

Acreditamos que pensar numa instituição nos moldes da conhecida por

Castriciano, na Suíça, era não priorizar o que a realidade imediata do contexto econômico e

educacional do Rio Grande do Norte apresentava e exigia: a expansão de escolas que

atendessem à demanda dos estudantes (composta na sua maioria por grupos menos

favorecidos economicamente) e que não teriam condições financeiras de custear as

mensalidades impostas pela Escola Doméstica de Natal, apesar desta declarar-se como uma

escola não particular, e sim uma entidade mantida pela Liga de Ensino do RN, portanto, sem

fins lucrativos.

Apesar de Henrique Castriciano ter deixado, em alguns dos seus escritos,

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enunciados que incluía a preocupação pela educação popular, pela valorização do artesanato

local, etc., ao pensar na fundação da Escola Doméstica de Natal o fez tecendo comparação

injusta entre a Suíça com o Brasil porque eram contextos de desenvolvimento cultural e

econômico bem diferentes. Enquanto a primeira apresentava-se como lugar de primeiro

mundo, desenvolvido, berço da civilização, portanto, próspera nos seus processos educativos,

o segundo ainda alimentava o desejo de vir a ser moderno, de alcançar patamares da

modernidade econômica, política, cultural e social. Modernidade essa proclamada na época

por vários países, como um fio redentor da própria identidade nacional nos moldes de uma

cultura civilizada. (BERMAN, 1986.).

Para Berman (1986, p. 15), “Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que

promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas

em redor, mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos e tudo

o que somos.”

Ainda na visão desse autor, o conjunto de transformações que ocorrem nos

lugares que ocupamos, nos ritmos de vida, no processo de organização social, industrial e

econômica, nos meios de comunicação, no crescimento urbano bem como os processos

sociais que vão dar vida a essas mudanças mantendo-as num contínuo estado de vir a ser,

configura-se com o termo modernização.

Nos anseios de Henrique Castriciano não éramos modernos, precisávamos

urgentemente de uma reforma social pela via educacional. Castriciano deixa evidente a

necessidade de mudança no discurso proferido durante uma conferência intitulada ‘Educação

da mulher no Brasil, realizada em Natal, em julho de 1911, onde relatava alguns aspectos de

sua recente viagem realizada a Suíça; tecendo comparações entre a educação do Brasil e a

Européia.

Temos alguma instrucção, mas quase não temos educação; e sem esta é impossível tornar um grande povo. Dahi, o doloroso contraste observado entre nós, não somente entre o litoral apparentemente civilisado e o sertão inculto, mas entre a sala e a cosinha; nos grandes centros, entre o habito exterior e as condições materiaes do individuo.(SOUZA, 1911, p. 22)

Para Castriciano de Souza, poderíamos vir a ser civilizados e modernos e, para

tanto, as mudanças nos nossos modelos de escolas femininas deveriam ser feitas tomando

como exemplo o modelo escolar da Escola Doméstica da Suíça. Não seria a ocasião, na sua

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perspectiva, de aproveitar os modelos de escolas que tínhamos na época e aperfeiçoá-los, mas

sim, de superar os existentes numa tentativa de remodelação escolar. Essa ruptura para

Castriciano e os demais representantes da Liga de Ensino do RN passaria por uma

remodelação das escolas do Estado do RN, através de uma política de reestruturação dos

espaços físicos, dos recursos humanos e materiais e surgiria como o caminho viável para uma

mudança no setor educacional, numa atitude de entusiasmo com o futuro, com o vir a ser e um

distanciamento e indiferença com o presente.

Lembramos também que a euforia por mudanças na reformulação do currículo

educacional das escolas não era característico apenas do grupo que compunha a Liga de

Ensino do RN, pois na busca por novas perspectivas de mudanças no setor educacional e

social, alguns intelectuais no final do século XIX e início do século XX, a exemplo do

potiguar Nestor dos Santos Lima, valiam-se do espelho que para eles refletisse melhor uma

nação organizada, modernizada e ajustada a nova ordem capitalista, a exemplo da Europa, ou

ainda particularmente alguns Estados do sul e sudeste do Brasil e as transformações no setor

educacional penetravam nesse universo imaginário como elemento central para as possíveis

rupturas com o que estava dado no presente como forma de orientar um discurso fundante em

prol de uma nova visão moderna da pedagogia. A afirmativa de Kropf (1996, p. 203) nos

chama a atenção para esse fato, quando diz:

Em busca de novos argumentos intelectuais capazes de dar forma à sua identidade e orientar o seu discurso em prol da reforma modernizadora, a elite intelectual do final do século XIX recorria às teorias européias então em voga, absorvendo-as como instrumental para a construção de sua própria visão de mundo.

A influência das correntes européia e americana no Brasil ocorreu via teóricos

que marcaram fortemente com suas idéias, a filosofia da educação de um tempo, a exemplo de

Rousseau, Froebel, Claraparède, Locke, Comte e outros. Essas influências eram

materializadas no ideário de alguns intelectuais brasileiros e nas reformas por eles ensejadas;

a exemplo das conhecidas Reformas: Sampaio Dória (1920, São Paulo), Anísio Teixeira

(1924, Bahia), Fernando de Azevedo (1928, Distrito Federal), Lourenço Filho (1923-1924,

Ceará), Antônio Carneiro Leão (1922-1926, Distrito Federal e Pernambuco) e com Joaquim

Ferreira Chaves (1914-1920), no governo José Augusto (1924 a 1928), Nestor Lima (1925-

1928), no Rio Grande do Norte. Essas, dentre outras reformas que ocorreram no período,

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foram relevantes porque passaram a dinamizar o processo educacional do país, reorganizando

o ensino sob novos patamares que, embora adstritas aos Estados que a implantaram, no seu

conjunto, integraram um movimento mais global de renovação educacional no século XX.

A escritora norte-rio-grandense Ângela Marialva, através de uma publicação

intitulada ‘A mulher brasileira’, numa revista local denominada Via Láctea8, manifestou nesse

período a necessidade de renovação educacional da educação feminina no Rio Grande a partir

da implantação de um modelo educacional Europeu. Nos seus escritos, apresentou admiração

pelo modelo escolar da Escola Doméstica de Natal, bem como a necessidade de haver uma

expansão desse modelo para a educação do Estado, ao afirmar:

Ao governo compete propagar no Brazil a creação de escolas domesticas que tantos resultados têm dado no estrangeiro, onde se conta muitas dellas; como a de Goteborg na Suécia, a de Abildso, perto de Christiania, a da Rússia creada desde 1871, a da Allemanha desde 1873, a da Inglaterra, Londres – onde se estabeleceu uma escola normal de cosinha, na Irlandia, na Suissa, onde as primeiras escolas foram as de Buchs e Lenzbrugo e datam de 1889; na França, na Bélgica, nos Estados Unidos da América do Norte e até mesmo no Canadá existem com admiráveis resultados. E oxalá que os outros Estados do Brazil imitem o gesto louvável do nosso Governador fundando Escolas como esta que temos em Natal, a primeira e única do nosso paiz. (MARIALVA, 2003, p. 88).

O empirismo pedagógico e a perspectiva de implantação de uma educação

escolar nova sob a influência das pedagogia americana e européia influenciaram no

movimento de renovação do ensino no Brasil e particularmente no Rio Grande do Norte.

Buscava-se no Brasil um modelo de escola nova para uma sociedade que se desejava

representativa e democrática, que se caracterizasse como mantenedora dos valores humanos,

mas também formadora de cidadãos conscientes de suas responsabilidades e direitos perante o

social; uma escola agilizadora do processo de desenvolvimento social do país. (CUNHA,

1986).

Na visão de Cunha (1986), esse modelo escolar materializaria suas práticas

considerando a mudança social advinda da mudança educacional, ou seja, a reconstrução

8 Revista fundada em 1914, sob a organização e direção das Irmãs Carolina e Palmyra Wanderley, com a colaboração de Anilda Vieira, Estelita Melo, Estela Gonçalves, Maria Penha e Joanita Gurgel. Em 1915, a mesma revista, publicou um artigo tecendo árduas críticas à Escola Doméstica de Natal, apelidando as alunas que a freqüentavam de cozinheiras.

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social pela reconstrução educacional, fato tomado como um dos pontos nevrálgicos dos

signatários da educação nova: os Pioneiros da Escola Nova no Brasil em 1932.

A mudança na educação escolar visando à formação de um homem novo, ou

melhor, de uma nova mulher ativa, participativa, onde a educação não se fechasse na cultura

da palavra e do pensamento, e sim numa formação de um sujeito participativo nas atividades

do mundo tornou-se uma das grandes buscas de alguns teóricos dos séculos XVII e XVIII, a

exemplo de Francis Bacon, John Locke, Jean Jacques Rousseau. As reformas no pensar sobre

a educação e a instrução ensejadas num contexto de transformações no social e econômico

buscam uma cultura de formação não mais limitada a uma versão de currículo antimundana,

literária, ornamental, mas sim, a formação de um indivíduo inserido na organização de

comunidade, um cidadão ativo, consciente dos seus direitos e deveres enquanto sujeito social,

mas sem perder os elos e costumes da nação e a possível prosperidade desta. O modelo

escolar da Escola Doméstica da Suíça trazia, aos olhos e mente dos seus fundadores essa

preocupação principalmente sobre a finalidade de a escola voltar-se para o mundo vivido,

para um currículo prático, composto de atividades complementares aos conceitos teóricos

sobre a vida e o universo feminino.

Voltando o olhar para esse contexto é que podemos compreender o significado

que a Escola Doméstica de Natal apresentava, tornando-se central nos discursos de muitos

intelectuais e políticos da época, no sentido de ser relevante para a formação de valores

coletivos (quais sejam, os morais, intelectuais, culturais) e conhecimentos práticos; uma

formação voltada para o social e útil para a sociedade, de acordo com um modelo produtivo

que despontava com o crescimento industrial, nas fábricas e no mercado, exigindo da escola

uma cultura de formação que passasse a privilegiar a pedagogia e seus elos com os objetivos

políticos e culturais da sociedade vigente.

Naquele momento, era necessário atualizar a escola (de preferência em

consonância com a nova ordem de idéias que circulavam) para uma sociedade que tentava

moldar-se como produtiva, aberta a inovações, transformada com o advento da República e

mudanças nos setores econômico e industrial que, desde o século XVIII, difundiu-se em parte

da Europa (embora com ritmos e intensidades diferentes) ativando um processo de redefinição

dos objetivos e dos instrumentos da pedagogia.

Tanto a prática quanto a teoria sofreram, naquele contexto, transformações,

colocando em discussão o repensar sobre novos protagonistas (criança, deficiente, mulher...),

tentando, portanto, renovar as instituições escolares e outras instâncias sociais a começar pela

família e pela fábrica. As renovações educativas e pedagógicas articularam-se de modo

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constante no curso do século XX, propiciando pesquisas e novas buscas no campo da

instrução e à escola foram atribuídas transformações não só no seu aspecto organizativo e

institucional, mas e, principalmente, nos aspectos ligados aos ideais formativos e aos

objetivos culturais. (CAMBI, 1999).

A cultura escolar preconizada pela Escola Doméstica de Natal apropriou, de

certa forma, o ativismo circulante do período onde a ação e o dinamismo, a manipulação, a

aprendizagem em contato com o ambiente externo, as atividades não restritas exclusivamente

aos conhecimentos intelectuais, o respeito à manipulação, à atividade prática eram buscas

constantes, transpondo para o universo da escola algumas práticas associadas à vida. Segundo

Cambi (1999, p. 515) “Para tal fim, a escola deve tornar-se ‘ um pequeno mundo real,

prático’, e coligar sistematicamente a ‘ inteligência ‘ e a energia, a vontade, a força física, a

habilidade manual, a agilidade.”

Quando nos referimos à cultura da escola, envolvemos a compreensão dos

diversos elementos que se integram e fazem parte da vida de uma instituição educativa, desde

os sujeitos que nela atuam aos objetos materiais e simbólicos por eles produzidos,

construídos, manipulados e que fazem funcionar as engrenagens da escola. Essa cultura

escolar sofre transformações conforme as mudanças necessárias à própria instituição para se

adaptar ao novo mundo, bem como de acordo aquelas decorrentes da conjuntura histórica,

fazendo assim alterar significativamente as formas de pensar e agir dos sujeitos, sejam os

alunos, os docentes, os funcionários. A cultura escolar, portanto, manifesta, reage e se

autotransforma conforme necessidades.

No Rio Grande do Norte, o fundador da Escola Doméstica reconhecia essas

mudanças e exigências do mundo e a necessidade de repensar a escola sob novos moldes

diante do papel social desempenhado até então, nos início do século XX. Nessa mudança

elegeu a figura da mulher e a sua formação como necessária a ser repensada, pois considerava

superficial o ensino a ela atribuído nas escolas até então existentes, quanto aos ensinamentos

voltados para as finalidades da vida cotidiana. Assim expressava no seu tempo:

A educação feminina desde alguns annos vem soffrendo em quasi todos os paizes da Europa e nos Estados Unidos seria modificação theorica e pratica. Já não basta ás familias ricas o ensino ministrado commumente nos collegios, constante do estudo superficial de humunidades e tendo por accrescimo a aprendizagem sem profundesa de utilidade na existencia cotidiana; e, relativamente ás classes pobres, a vida intensa dos grandes centros industriaes e comerciaes collocan as mulheres em tal situaçào que o ensino menagére se impoz, visto como fáltam ás empregadas laser e

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estimulo para os serviços domesticos. (SOUZA, 1911, p 1).

Dos reclames por ele proferidos, admitia que, na França, houve progressos e

melhorias no sistema de ensino ao se implantar a criação de Liceus Secundários Femininos

em quase todo o território nacional. Estes passaram a privilegiar mudanças nos métodos e

programas de ensino voltados especificamente para a formação da mulher, tomando como

primazia uma instrução teórica e mais em harmonia com os interesses imediatos que a vida

doméstica impunha (como o uso metódico dos trabalhos domésticos). Ainda em defesa pela

implantação dessa organização escolar no Rio Grande do Norte e no Brasil, argumentava a

importância de se trabalhar nas instituições escolares a Economia Doméstica como ciência,

pois segundo a sua natureza e composição necessitaria ser apreendida via estudo científico.

O conhecimento reconhecido como ciência era um aspecto bastante destacado

nesse início do século XX, afinal a influência positivista do século XIX havia deixado grandes

marcas no Brasil, inclusive nas formas de se pensar e organizar os conhecimentos a serem

transmitidos nas instituições escolares. Dentre as diversas premissas dessa filosofia de

conhecimento estava a preocupação em empreender qualquer análise da sociedade quando

feita com verdadeiro espírito e rigor científico, de forma objetiva e isenta de metas

preconcebidas, elementos próprios das ciências em geral. Surgia uma nova concepção de

ciência, fundada na objetividade dos fenômenos, na valorização excessiva da ciência como

única via confiável para compreendermos os objetos, seguindo a resumida fórmula ‘saber para

prever’, a fim de prover’.

Nesse contexto, a filosofia positivista de Augusto Comte passou a influenciar

fortemente as formas de se pensar o conhecimento e sua socialização. Henrique Castriciano

de Souza reconhecia essa compreensão como necessária para entendermos os diversos

aspectos da existência humana, daí a sua proposta de ensino onde fosse pensada a mulher

apropriando-se de conhecimentos práticos, mas precisamente associados a uma compreensão

científica desses saberes. A fundamentação científica para ele era ímpar nos estudos

realizados nas escolas para educação feminina. Para ele:

Os múltiplos aspectos da exitencia humana assumem o caracter positivo da epoca: a sciencia invadiu todos os dominios, afugentando o empirismo dos seculos passados e dando lugar á lucida comprehensão dos phenomenos que nos cercam. Assim sendo, a mulher, aquem estão confiados os misteres mais delicados do governo da casa, desde os cuidados ás creanças á hygiene

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alimetar de toda familia, não pode continuar na ignorancia dos alludidos phenomenos. Dest’arte, se faz necessaria uma transformação radical no ensino que lhe é facultado entre os latinos, principalmente entre nós, que lhe imbuimos o espirito de idéas romanticas e a guiamos segundo os falsos principios de uma educação que não raro a torna um ser frivolo, mal adivinhando o immenso papel que lhe cabe na formação da patria. (SOUZA, 1911, p. 2).

Nas palavras proferidas por Henrique Castriciano de Souza (1927) na busca

por uma reformulação curricular das escolas para mulheres, percebemos dois enfoques

teóricos fortemente presentes: o Positivismo de Comte e o ativismo e Pragmatismo9 defendido

pelo norte americano Jonh Dewey; a ciência positiva como produtora do progresso em

contínua evolução, sendo elemento fundante para a compreensão dos fenômenos. A busca por

uma cientificidade aos fenômenos estudados foi colocada numa tentativa de primar pela

racionalidade e eficácia dos resultados.

A ciência e a técnica, segundo esse referencial, deveriam ser exaltadas, onde

os saberes experimentais ganhariam cada vez mais terreno na concepção de conhecimento

científico. A pedagogia, nesse contexto, caracterizava-se pela elaboração de perfis diversos de

educação escolar, familiar e social no ideário de formação do homem. A esta última, caberia a

conformar o indivíduo segundo necessidades e modelos expressamente sociais e funcionais

para o equilíbrio de uma determinada sociedade. (CAMBI, 1999).

Assim a educação escolar da Escola Doméstica de Natal funcionaria também

como um dos meios de propiciar à mulher a apropriação do conhecimento da ciência

doméstica, sendo este foco a ser abordado a partir de princípios científicos válidos enquanto

conhecimento, valorizando as interfaces teóricas e práticas das fases de apropriação,

experimentação, manipulação dos objetos, o que seria indispensável nos processos de ensino e

aprendizagem para um melhor rendimento e compreensão dos conteúdos estudados.

Conformar a mulher às normas e valores coletivos (como comportar-se bem,

saber expressar-se diante os outros, vestir-se com discrição e elegância) além de ser um

instrumento para perpetuar uma geração de tradições e saberes (pedagógicos e culturais) pela

mulher apreendidos e repassados no seio familiar e social (próprios do novo modelo político e

ideológico vigente e incorporado na preparação do homem, para a participação e

9 Vertente teórica que teve forte influência no Brasil a partir da divulgação dos ideais de John Dewey, norte-americano, que defendia a atividade como elemento importante no processo de ensino e aprendizagem. A atividade assumia papel relevante para que os sujeitos aprendessem fazendo, vivenciando situações próximas à sua experiência de vida.

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produtividade social). Manter a ordem e caminhar em direção ao progresso tornara-se uma

dimensão indissociável e necessária naquele momento para a Liga de Ensino do RN. A

reforma pela base educacional da mulher garantiria a harmonia social e econômica iniciada no

pequeno lar de cada uma, transpondo essa organização para grandes contribuições da

sociedade como um todo, caminhando para um progresso da nação.

O uso nas escolas de métodos intuitivos10 em oposição aos empíricos

enfatizaria as aprendizagens significativas, baseadas na construção das experiências dos

indivíduos, com princípios calcados na Pedagogia Nova. Então a educação nesse cenário

passava a ser defendida como processo de reconstrução e organização da experiência. A esse

respeito, segundo Valdemarin (1998, p. 80):

[...] com a adoção do método de ensino intuitivo, pretende-se educar a criança a partir de novos padrões intelectuais, que têm sua origem numa nova concepção sobre o conhecimento, que postula a origem das idéias nos sentidos humanos e que, aplicada ao ensino, pretende formar indivíduos que usem menos a memória e mais a razão e que valorizem a observação e o julgamento próprios como meios de construção do conhecimento e da implementação das atividades produtivas.

Nesse raciocínio, pensar os processos educativos trabalhados nas escolas seria

pensar a educação centrada na experiência, como intercâmbio ativo entre sujeito e natureza,

indivíduo e mundo, valorizando o fazer e as atividades práticas, pois o sujeito do

conhecimento passa a ser tomado como sujeito de ação, portanto, o conhecimento deveria ser

instrumento para a ação e não para a contemplação, favorecendo as interações entre o

indivíduo e a vida. A Escola Doméstica de Natal, no seu modelo escolar apropriou

preocupações com o ensino que valorizasse as atividades práticas (através de diversas

disciplinas sobre Economia Doméstica) particularmente o fazer nas ações domésticas à luz da

ciência.

No Brasil, evidenciamos preocupações com o ensino doméstico desde o

Império, onde as cadeiras de ensino privilegiavam as atividades práticas que envolviam

10O Método intuitivo valorizava a intuição como fundamento de todo conhecimento, isto é, a compreensão de que a aquisição dos conhecimentos decorria dos sentidos e da observação, partindo-se do conhecido para o desconhecido. Surgido na Alemanha no final do século XVIII pela iniciativa principalmente de Basedow e Pestalozzi, difundiu-se amplamente pela Europa na segunda metade do século XIX, quando o movimento de renovação pedagógica entrou em sua fase ativa. Foi tributário das ideais dos pedagogos Rousseau, Bacon, Rabelais, Comenius, Froebel, dentre outros e no Brasil teve forte influência no pensamento educacional e nos métodos de ensino das escolas.

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trabalhos manuais com o uso de agulhas (bordados, costuras, corte, serviços domésticos...) e

eram associados somente ao universo particular da mulher, no âmbito doméstico. De um

modo geral, as instituições que mais apresentavam essas preocupações eram as de

responsabilidade de ordens religiosas, sendo os preceitos morais e religiosos incluídos nessa

formação da mulher. Tomemos como exemplo o Rio de Janeiro que, em 1876, nas escolas

normais, tinha em seu currículo cadeiras de ensino que versavam sobre os trabalhos manuais

da mulher, higiene, prática de ensino e economia doméstica. (ALMEIDA, 2000).

A Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo localizada em

Petrópolis/RJ, era “[...] destinada à educação das moças desamparadas, onde elas são

educadas para o serviço doméstico ou para tornarem-se instrutoras [diga-se, professoras do

ensino primário - grifo nosso], quando rebelam aptidão especial para isto.” (ALMEIDA,

2000, p. 265). Era finalidade dessa escola ajudar às mulheres que estavam vivenciando

situações de miséria econômica e por vícios. A preocupação maior era com o assistencialismo

ao desamparo e proteção às mulheres desprotegidas. Não era, portanto, similar ao modelo

escolar que o intelectual Henrique Castriciano procurava para se espelhar na fundação em

Natal da Escola Doméstica.

No Rio Grande do Norte, durante o Império, submetidas ao método Lancaster

e sob a vigência da Lei 15 de outubro de 1827, as mestras ensinavam nas Escolas de Primeiras

Letras os conhecimentos sobre economia doméstica. Instituía a lei, no seu artigo 12, a

seguinte prerrogativa:

Art. 12 - As mestras, além do declarado no art. 6. com exclusão das noções de geometria e limitando a instrucção da arithmetica só as suas quatro operações, ensinarão tambem as prendas que servem á economia domestica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquellas, mulheres, que sendo brazileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimentos nos exames feitos na fórma do art. 7. (RIO GRANDE DO NORTE, 1827)

Muito embora a lei não se referisse a uma escola doméstica, mas às aulas

daquelas escolas sobre o referido assunto, podemos dizer que, naquele momento, já se

consignava a preocupação com a formação feminina para os afazeres do lar, o que denotava

nesse período a preocupação em evidenciar o que seria próprio do universo masculino e do

feminino.

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2.2. Os princípios filosóficos da Escola

Falar da filosofia educacional da Escola Doméstica remete-nos aos princípios

educativos incorporados à cultura escolar dessa instituição em momentos históricos distintos,

bem como as suas finalidades sociais, porque educar para essa instituição de ensino

significava muito mais do que a mera transmissão de saberes pedagógicos; envolvia uma

formação intelectual, moral e física, formação que colocou a escola na posição primordial de

instância social, sendo, portanto, uma das suas finalidades educativas a preparação da mulher

para atuar socialmente, de acordo com os preceitos morais e culturais da época; uma formação

do Ser para a vida com base nas exigências materiais e morais. As atividades pedagógicas

trabalhadas no interior da escola eram incorporadas ao dia a dia da instituição com finalidades

educativas, consideradas de utilidade real para o sujeito do conhecimento (indivíduo) e para a

coletividade social.

Num primeiro momento, a partir do surgimento da Escola Doméstica de Natal

até aproximadamente as três primeiras décadas do século XX, podemos destacar nessa

filosofia educacional da Escola dois princípios básicos: o primeiro diz respeito à educação que

visava à preparação para a vida não dissociada, portanto, da realidade, das necessidades

sociais, proporcionando o ensinamento de saberes para serem usados na vida prática das

educandas. Nesse princípio, vislumbramos um fio condutor da filosofia pragmatista de Jonh

Dewey, onde o saber e o fazer caminham lado a lado, onde a sensibilidade, a ação e o

pensamento fundem-se e os processos de assimilação dos saberes emergem como processos

ativos, no domínio teoria/prática.

O educador suíço Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) no século XVIII já

defendia a proposição da utilização ativa dos sentidos em substituição ao decorar da palavra.

Os processos de ensino e a aprendizagem deveriam proceder do conhecido para o

desconhecido, do simples para o composto, da síntese para a análise, obedecendo à ordem da

natureza do desenvolvimento humano. Pestalozzi enfatizou para tanto, a importância da

escola por ser a instituição que proporcionasse aos alunos a aprendizagem de habilidades

manuais como costurar, tecer, cozinhar, ou seja, a sua defesa primou por um ensino prático e

experimental, realçando o afeto como elemento educador.

Pestalozzi afirmava nesse tempo que a mãe de família era o tipo verdadeiro de

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educadora primária, a quem competia, com afeto, esclarecer e cultivar a inteligência dos

filhos, de modo que a escola fosse apenas a continuadora da obra materna.

De igual forma, Friedrich Fröbel (1782-1852) deu ênfase às atividades no

sentido de atribuir a elas um significado lúdico e pedagógico. Na visão pragmatista de John

Dewey, o currículo escolar deveria ter como referência básica a preparação do indivíduo para

a vida e, nessa visão, caberia à instituição escolar elaborar atividades que levassem os aluno à

manipulação, experimentação, vivencias. Essas atividades deveriam soar em consonância

direta com a realidade de vida dos sujeitos, com seu universo particular para que pudessem

adquirir significados na sua vida.

Henrique Castriciano de Souza defendia a adoção na educação das crianças o

uso dos princípios pedagógicos de Fröebel, pois os considerava mais adequados à formação

de valores e hábitos na infância. Segundo ele “Com o regimen de Froebel, a criança é

submetida mais cedo á disciplina, aprendendo suavemente a obedecer sem vileza, adquirindo

hábitos de ordem, de asseio, de methodo.” (SOUZA, 1911, p. 47).

Além dessas proposições, a pedagogia de Froebel proporcionava, na visão de

Souza (1911), o respeito ao ritmo de aprendizado das crianças, o espírito infantil, dando

ênfase a aulas de desenho, canto, exercícios físicos, dentre outras atividades que, segundo ele,

seriam ideais para a mulher conhecer e repassar esses ensinamentos aos seus futuros filhos.

O pragmatismo apregoado por John Dewey também defendia a importância

nas escolas dos trabalhos manuais, pois, através do exercício, o indivíduo colocaria em prática

os órgãos do sentido, treinaria as habilidades de coordenação motora, etc. Nessa perspectiva,

os trabalhos manuais funcionariam como parte necessária ao desenvolvimento da inteligência

que estimularia intelecto, corpo, habilidades, etc., uma vez que a educação deveria estimular

as funções ativas do organismo humano. As matérias do currículo, por exemplo, deveriam ser

desenvolvidas mantendo conexão com o mundo real, com temas correlacionados à vida dos

alunos, proporcionando-lhes a capacidade de interagir com os outros, viver em sociedade,

participar do jogo social.

Elias (1994) ao tecer alguns estudos sobre a visão pragmática de conhecimento

de Dewey enfatizou que:

Segundo Dewey, o fato de tornar atividades domésticas como referência para o desenvolvimento do currículo não significava que o propósito da escola fosse ensinar a cozinhar, costurar ou construir, deixando de lado o desenvolvimento de habilidades como ler, escrever e contar. A idéia era que

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estas habilidades emergissem gradualmente das atividades que integravam o currículo. (ELIAS, 1994, p. 90).

É importante evidenciar que essa visão apresentada por Dewey em

determinado momento histórico buscou provocar algumas rupturas com as formas tradicionais

de conceber o conhecimento e, nesse sentido, trouxe à discussão o conceito de atividade como

expressão máxima e forma de caminho para o sujeito do conhecimento chegar aos conceitos

nas diversas áreas de estudo. O escolanovismo teve como fundamento a concepção

humanística da moderna filosofia da educação, cuja inspiração principal foi a corrente do

pragmatismo. Nessa perspectiva, o ensino passou a ser visto como processo de pesquisa que

deveria privilegiar a obtenção do conhecimento em detrimento da transmissão.

Os diversos pensadores que destacamos anteriormente, próprios do século

XVIII como Jean Jacques Rousseau (1712-1778), Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) e

Friedrich Froebel (1782-1852) e outros relevantes, contribuíram para assinalar uma nova fase

da história da pedagogia e de uma nova escola. Suas idéias ultrapassaram o século XVIII e

influenciaram as diversas concepções de sujeito, aprendizagem e conhecimento dos

educadores dos séculos seguintes. O final do século XIX, por exemplo, foi palco de

discussões sobre o campo educacional, principalmente na realidade americana onde as idéias

sobre educação e conhecimento estavam em estado de ebulição, ativadas pelas correntes

teóricas que acreditavam na necessidade de mais liberdade para a criança investigar,

conhecer, interrogar, experimentar e interagir com o meio. A Europa também foi grande palco

dessas discussões, representando no contexto mundial lugar de relevante desenvolvimento

pedagógico.

Os princípios pedagógicos que circularam na Europa e nos Estados Unidos

penetraram fortemente na realidade brasileira, de forma que alguns educadores começaram a

pensar nas possibilidades de adaptar a nova pedagogia às situações de ensino e aprendizagem

local. Teremos nas primeiras décadas do século XX algumas referências de discussão nesse

sentido por educadores no Brasil como Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Carneiro Leão

e mais particularmente no Rio Grande do Norte os intelectuais Nestor dos Santos Lima, José

Augusto de Medeiros, Henrique Castriciano de Souza e outros.

Por ser considerado o modelo ideal da nova pedagogia, a Escola Doméstica de

Natal integrou no seu trabalho pedagógico a atividade como elemento importante na

formação das educandas, partindo do pressuposto que ela, por si só não era suficiente;

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precisaria haver uma relação íntima entre o aprendizado teórico e o manual.

O estudo, mesmo elementar, das mathematicas e das Sciencias naturaes dispõe o espírito para as realidades da existência, desvendando-lhes horisontes novos, em que a alma se encontra com o mundo exterior, aprendendo facilmente a ama-lo. E esse amor é a vida nova, a extincção de preconceitos quanto à actividade familiar, o trabalho manual acompanhando o raciocínio, a imaginação disciplinada, conduzindo à realidade bem fazeja e não à inércia dissolvente. (SOUZA, 1911, p. 27).

O saber fazer passou a importar mais do que a contemplação do mundo e esse

fazer estava presente nos métodos de ensino da Escola Doméstica ao colocar a mulher em

situações de contato direto com os saberes práticos, como por exemplo: aprender a fazer e

cultivar uma horta, organizar uma casa, ter noções de puericultura (cuidar de crianças),

aprender a costurar, a cozinhar, dentre outras atividades incorporadas ao currículo e que

seriam formas de oferecer às alunas oportunidade de manipular, experimentar, expressar seus

potenciais e vivenciar situações relacionadas ao cotidiano da mulher.

FOTO 2 – Primeira turma de alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de culinária, 1918. Fonte: Acervo da Escola Doméstica de Natal. Natal, RN.

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A foto em destaque retrata um dos momentos de atividades práticas

vivenciados pelas alunas, uma aula de culinária onde, após receberem ensinamentos

sobre o uso dos alimentos, o valor nutritivo e seus benefícios, partiam para uma aula

prática acompanhadas sob a orientação de uma docente. O princípio do aprender a

fazer era uma filosofia de ensino considerada na metodologia de trabalho da escola.

O outro princípio, totalmente relacionado com o anterior, converge para a

funcionalidade da educação na sociedade, sendo a mesma, segundo os ideais da Escola

Doméstica, sinônimo de civilidade e instrumento de modernidade e reconstrução social, ou

seja, ao propor a paz, a moral, os bons costumes, a harmonia social através da educação,

prevalecia a formação do caráter, dos valores nacionais.

Mais importante ainda era a redefinição da finalidade da pedagogia enquanto

programa de reconstrução social, supervalorizando os aspectos técnicos e metodológicos. No

que seja “o ideal de homem culto era suplantado pelo ideal de homem prático: o homem

novo.” (MONARCHA, 1989, p. 15). Isso era visto como signo de uma educação para uma

civilização em mudança, que era lema de reformadores em educação no Brasil como

Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, entre outros.

Na Escola Doméstica, podemos dizer que o ideal de mulher deveria ser

suplantado pelo ideal de mulher prática, civilizada, com uma formação voltada para sua vida,

para o seu dia-a-dia nos espaços privado e social. Nesse momento, a ED priorizou como

princípio educacional o fazer numa outra dimensão apresentada nas décadas anteriores, ou

seja, aproximadamente na década de 20, e mais enfaticamente nos anos 40 do século XX, o

fazer proposto traz uma característica de racionalidade da ação. Isso significou para o

currículo a introdução de atividades educativas escolares baseadas na eficiência e na eficácia

dos resultados das práticas domésticas ensinadas.

Nesse contexto, a filosofia de formação feminina trouxe embutido o referencial

de mulher equilibrada financeiramente, econômica no uso dos recursos do lar, organizada em

suas tarefas domésticas.

As anotações de aula contidas no caderno da aluna Lamartine no ano de 1920

já indicavam essa preocupação da escola, ao destacar:

Da organização e boa administração de uma família, é que depende o progresso e o futuro de uma nação. Neste assumpto, como em muitos outros

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não pode de nenhum modo ser dispensada a collaboração da mulher. A mulher econômica cumpre administrar prudentemente os deveres dos seus, evitar disperdicios, gastos excessivos, inúteis, etc.” (LAMARTINE, 1925).

Como evidenciamos anteriormente, o saber e o fazer cumpriram duas

exigências básicas: proporcionar uma aproximação do teórico com a vida prática e incutir na

ação o princípio da organização social e do trabalho, que seria nessa perspectiva uma espécie

de introdução da mulher à vida social.

Também destacamos na filosofia da Escola dois princípios básicos: o primeiro

remete ao significado da palavra educar, tomada enquanto processo contínuo de preparação

para a vida, não dissociada, portanto, da realidade e das necessidades sociais, capaz de

proporcionar ensinamentos e saberes para serem de utilidade prática no dia-a-dia das

educandas. Para tanto, a escola também precisaria ser um pequeno meio social com vida

própria, daí a preocupação que tinha em proporcionar às alunas oportunidades para sentirem,

processarem, buscarem dominar situações e expressarem potenciais através das oficinas como

as de horticultura, culinária, costura que na sua essência suscitava o exercício mental e físico.

Esses princípios materializavam-se na organização da estrutura curricular que absorvia

obviamente a filosofia da instituição. A construção do currículo escolar foi gerada para

cumprir, portanto, tais finalidades, atendendo aos preceitos da pedagogia nova.

Outro princípio bastante presente na Escola Doméstica de Natal refere-se às

formas de se pensar sobre o papel da mulher na sociedade. Muito embora tenhamos percebido

a preocupação, dentro das finalidades de ensino explicitadas pela instituição, de preparar a

mulher para agir segundo as adversidades da vida, para atuar socialmente de forma ativa e

participativa, ainda assim a função da mulher diante do social aparece de forma restrita,

atrelada à convivência do espaço doméstico e submissa ao sexo masculino.

Na nossa percepção, isso se deu mediante os valores culturais construídos

socialmente e historicamente no decorrer dos anos, assim como pela grande influência da

corrente filosófica positivista no Brasil no final do século XIX e início do século XX. Os

teóricos adeptos do Positivismo defendiam a posição da mulher na sociedade como sendo

submissa ao homem, devendo ela reservar-se às tarefas próprias do universo feminino: tarefas

do lar, como costurar, cozer, cozinhar, bordar, etc., visão que marcou fortemente a imagem da

mulher no início da República, no Brasil.

O Positivismo como corrente de pensamento originou-se do desejo do homem

em dominar o saber com conhecimentos confiáveis e práticos. Trouxe à discussão a idéia de

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ciência exata, buscando medir o feito da realidade. O valor do conhecimento produzido

repousaria essencialmente sobre o procedimento experimental e a quantificação da

observação. Todo conhecimento, portanto, tendo origem na realidade subjetiva (crenças,

valores, etc.) seria considerado suspeito. Nessa perspectiva filosófica, a sociedade deveria ser

regulada por leis invariáveis que independem da vontade humana, significando dizer que

essas mesmas leis seriam objetivas, do mesmo tipo das leis naturais, no sentido atribuído por

Lowy (1985, p. 36) ao discutir sobre o positivismo:

A pressuposição fundamental do positivismo é de que essas leis que regulam o funcionamento da vida social, econômica e política, são do mesmo tipo que as leis naturais e, portanto, o que reina na sociedade é uma harmonia semelhante à da natureza, uma espécie de harmonia natural.

Nessa preposição, Augusto Comte afirmava o fato de a mulher ser submissa

como uma condição natural, resultante de leis naturais que são invariáveis e independem dos

contextos diferenciados. O positivismo também influenciou incisivamente o campo das

ciências, apresentado uma concepção sobre conhecimento que deveria ultrapassar o campo da

intuição e avançar para o mundo da objetividade dos fenômenos. Apresentou, para tanto,

como características centrais a objetividade, a experimentação, a validade, as leis e previsão.

Na objetividade, tudo que é subjetivo é abolido, dando sentido a um controle sobre o sujeito,

para isso, os procedimentos usados para conhecer o fenômeno deve ser o da precisão, tudo

que controle a ação do sujeito sobre o objeto. A experimentação seria a ênfase na observação

dos fenômenos estudados, pois ela conduz o sujeito a suas causas e conseqüências, que é a

hipótese. O teste dos fatos e a experimentação é que poderiam demonstrar a sua precisão. A

validade do conhecimento seria fundamental, pois ele precisa ter precisão. A experimentação

deveria ser rigorosamente controlada; concluir a validade dos resultados é generalizá-los,

torná-los universal.

As leis e a previsão eram fundamentais nessa filosofia, pois o conhecimento

Positivo era determinista. Conhecer as leis permitiria ao homem prever os comportamentos

sociais e geri-los cientificamente.

Historicamente, a corrente de pensamento positivista esteve ligada à expressão

lógica, apresentando desconfiança contra a filosofia e qualquer ciência que conduzisse a uma

especulação. Dessa forma, desinteressou-se pela problematização do sujeito e o objeto e

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agarrou-se às condições lógicas do enunciado.

Esse modelo ligado às ciências exatas e naturais depositou confiança na

objetividade e na neutralidade dos fenômenos, tendo como modelo fundamental a lógica

matemática, exata e supra-histórica. Nessa lógica, segundo Demo (1987, p. 103):

A finalidade da ciência é estabelecer a verdade, compreendida como algo factível e definitivo. Embora não insista muito em evidências empíricas, preocupa-se mais com a tessitura lógica da linguagem científica, que procura evidenciar-se em transparência explicativa e no seu fluxo dedutível sem contradições.

Podemos aferir que a corrente Positivista no Brasil marcou incisivamente as

diversas formas de se pensar a educação e a ciência. As diversas instituições escolares no país

não se abstiveram dessa influência; os colégios militares foram exemplos típicos da

penetração desse ideário assim como outras instituições escolares públicas e privadas. A

Escola Doméstica de Natal, através do seu currículo de ensino, foi uma das portadoras dessas

idéias em determinado tempo, a começar pelo ideário de educação feminina do precursor da

Escola, Henrique Castriciano de Souza, como já evidenciado no início deste estudo.

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FOTO 3 – Foto do primeiro corpo docente da Escola Doméstica de Natal, ao centro em pé, em destaque vestido de branco, o Ministro das Relações Exteriores Oliveira Lima. Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, 1919.

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CAPÍTULO 3

Docentes e discentes: construtores de uma nova cultura escolar

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3.1. As primeiras diretoras e professoras

FOTO 4 – Registro fotográfico do primeiro Corpo docente da Escola Doméstica de Natal, 1925. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

O caráter singular do modelo escolar da Escola Doméstica de Natal,

condizente com as finalidades de ensino propostas, também se evidenciava no seu corpo

docente, pois este foi composto inicialmente por professoras vindas de outros países com a

finalidade de pôr em prática o modelo curricular idealizado, com a justificativa de que, na

cidade de Natal, não havia ainda professoras com as devidas qualidades exigidas pela ED que

pudessem atuar no seu quadro funcional e implantar a estrutura curricular proposta no modelo

de Escolas Domésticas da Suíça, porquanto só existir em funcionamento na época a Escola

Normal de Natal para formação do quadro de Magistério e os seus métodos de ensino

apregoados não serem suficientes e condizentes com a formação exigida pela ED de Natal.

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De acordo com filosofia da ED, para exercer a função de docência deveria a

LERN proceder a uma contratação de professoras formadas em instituições de ensino

principalmente européias, acreditando-se, com isso, que essas professoras trariam no seu

currículo mais conhecimentos sobre os novos métodos de ensino da pedagogia em discussão

e, consequentemente, mais experiência profissional.

Dentre as qualidades especificadas estavam: ter o domínio da escrita e da fala

em mais de uma língua, ter um prévio conhecimento do Programa traçado pela ED e sobre a

educação e instrução femininas, experiência de sala de aula e algumas recomendações sobre a

sua prática pedagógica e vida social. Observando a foto destacada no início deste capítulo,

que é riquíssima em detalhes, destacamos as formas de sentar, vestir, olhar e apresentar-se

socialmente pelo (a) professor(a), onde se sobressaia a origem social desse profissional, sua

seriedade e discrição. A imagem nos reporta a um tempo em que o (a) professor(a) era uma

pessoa bastante respeitada pela sociedade e exigida em seus comportamentos, pois ensinar

naquele tempo, início do século XX, no Brasil, significava além de ter o domínio dos

conteúdos a serem lecionados, também comportar-se segundo os critérios de moralidade e

respeitabilidade social perante os outros indivíduos.

A maneira de se vestir de uma professora ou professor desse período e a sua

reputação a zelar, eram indicativos importantes para se conseguir um emprego. Esse

profissional terminava assumindo, desta maneira, um caráter assexuado e distante de uma

realidade pessoal. A imagem séria e impessoal registrada na foto anterior materializava-se

com a ajuda da indumentária. Essa forma de vestir-se, discreta, sem muitos adereços

contribuía para o docente ou discente manter uma postura austera, séria, respeitável, sóbria,

obedecendo a um estilo modesto. Essa representatividade de ser professor, em que este

deveria ser intelectualizado, reservado e pouco afeito aos modismos, parte da representação

de mulher professora construída historicamente e tão difundida socialmente no período.

A expressão repassada na fotografia exibida, a qual está sendo analisada neste

trabalho, imprime, a nosso ver, ares de intelectualidade, mas também, de imperiosidade no

comportamento. Acreditamos que essa imperiosidade nas formas de postar-se socialmente,

deveria servir de exemplo às discentes que viessem estudar na Escola Doméstica de Natal.

Nas primeiras décadas do século XX, tínhamos um quadro docente no Rio

Grande do Norte onde, em média 67%, eram do sexo feminino, atuando no interior do Estado,

sendo 33% do sexo masculino, o que denotava explicitamente que a predominância do quadro

profissional era composta por mulheres. Sobre essa realidade Souza, Valdemarin e Almeida

(1998, p. 109) consideram que:

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O discurso ideológico que se seguia a essa demanda construiu uma série de argumentos que alocavam às mulheres um melhor desempenho profissional na educação, derivado do fato da docência estar ligada às idéias de domesticidade e maternidade. Essa ideologia teve o poder de reforçar os estereótipos e a segregação social a que as mulheres estiveram submetidas socialmente ao longo das décadas.

Nesse entendimento, cuidar de crianças e educar eram missões específicas do

universo feminino, por isso o magistério revelava-se como lugar de excelência para a maioria

das mulheres. Em Natal, a maioria das discentes eram formadas pela Escola Normal de Natal.

Apesar da existência de um quadro bastante significativo no Estado em termos de percentual

de profissionais do sexo feminino atuando no magistério, a Escola Doméstica de Natal tinha

os seus critérios particulares de exigência para contratação do quadro docente e administrativo

da instituição, tanto que era composto por homens e mulheres.

A administração Escolar, na primeira década de fundação da ED, foi exercida

por professoras estrangeiras, mediante um contrato realizado entre governo do Estado do RN

e Escola Doméstica de Natal, intermediada pelo Ministério das Relações Exteriores do

Estado. As professoras Suíças Hélene Bondoc e Jeanne Negulesco, ambas diplomadas pela

Escola de Friburgo, fizeram parte da direção da ED de Natal durante o período de 1918.

Posteriormente, exerceram o cargo as docentes Eleonora James (norte-americana), até o ano

de 1922, e dando continuidade, a Alemã Alexandra Von Schimnielpfeig que permaneceu na

direção do estabelecimento durante um ano, o de 1923. Edwigs Schüller, de origem brasileira

e de pais alemães (sendo a Alemanha o lugar onde morava à época) foi contratada para

exercer o mandato no período de 1924. A irlandesa Isabel Baird assumiu durante o ano de

1925 e a francesa Júlia Severive foi a última estrangeira a assumir o cargo de direção da ED

de Natal no ano de 1926.

No que se refere à parte administrativa e pedagógica da Escola esta sempre

esteve sob a responsabilidade e critério de seleção da Liga de Ensino do RN que buscou,

desde o início de fundação da ED, manter uma rigorosa seleção dos seus funcionários, bem

como, a iniciativa de manter intacto o plano educacional traçado inicialmente. Este plano

envolvia uma cultura de formação geral e uma parte específica que se destinava a formar

conhecedoras dos saberes domésticos.

A seguir destacamos numa ordem cronológica as fotos das primeiras docentes

que lecionaram na Escola Doméstica de Natal:

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Helene Bondoc De nacionalidade Romênia Professora diplomada pela Escola de Menagère, Suíça Atuou como diretora no período de 1914 a 1918

Mlle Jenne Negulesco De nacionalidade Suíça Diplomada pela Escola de Friburgo/ Suíça Atuou como diretora da Escola Doméstica de Natal entre os anos 1914 -1918.

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Sra. Leonora James De nacionalidade Norte-americana. Exerceu o cargo de diretora da Escola Superior do Estado da Virgínia e da Carolina do Norte Atuou como professora e diretora da escola no período de 1919 a 1922. Regeu as cadeiras de Química, Pedagogia, Álgebra e Caligrafia.

Isabel Baird Natural da Dinamarca Diretora no ano 1925 (faleceu nesse mesmo ano)

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Sra. Julie Serivé De nacionalidade Francesa Atuou como diretora em 1926. Foi a última estrangeira a assumir a direção da Escola Doméstica de Natal.

Caetana de Brito Guerra Brasileira, natural de Caraúbas/RN. Diplomada pela Escola Doméstica de Natal, com curso de aperfeiçoamento na Bélgica.. Atuou como diretora de 1930 a 1935

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Alix Ramalho Pessoa, Brasileira, natural da Paraíba. Diplomada pela Escola Doméstica de Natal, com curso de aperfeiçoamento na Bélgica. Sua atuação como diretora ocorreu no período de 1935 a março de 1944

Amélia Bezerra Filha, mais conhecida como Melissinha Brasileira, natural de Natal/RN Diplomada pela Faculdade de Filosofia do Rio de Janeiro. Atuou como diretora de abril a novembro de 1944

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Sra. Noilde Ramalho Pessoa Brasileira, natural de Nova Cruz/RN Diplomada pela Escola Doméstica de Natal Atuou como diretora desde 1945 e até os dias atuais encontra-se na direção da Escola.

Conforme o quadro apresentado das docentes, compunha o corpo

administrativo e docente, inicialmente, as professoras advindas de países como a França,

Irlanda, Alemanha, Estados Unidos, Bélgica, dentre outras localidades, especificamente com a

missão de engendrar e organizar o ensino doméstico em Natal na Escola Doméstica de Natal,

tomando como base a formação educacional para as mulheres da Suíça (especificamente o

modelo de Escola Ménagère) quanto aos hábitos culturais, normas de civilidade e condutas,

com o objetivo de adaptá-las à cultura brasileira e norte-rio-grandense.

Essa característica muito nos chamou a atenção na nossa pesquisa porque

evidenciava dois grandes aspectos: o primeiro que primava pela preocupação da Liga de

Ensino em assegurar, quase plenamente, a implantação do modelo curricular suíço a partir de

professoras que apresentassem em seu currículo profissional, o conhecimento do plano de

estudo traçado e da cultura dos países ditos desenvolvidos na época. Mesmo sem apresentar o

domínio da língua portuguesa, algumas professoras estrangeiras foram contratadas sem

dificuldade; esse não foi um empecilho. O segundo aspecto refere-se em garantir que um

pequeno grupo seletivo se dispusesse a conhecer de perto o Plano de estudo traçado pela

LERN, o que significava, na nossa percepção, uma espécie de poder daquela minoria que iria

executar o Programa de Estudos idealizado. Com isso, consideravam-se as recém diplomadas

pela Escola Normal de Natal como dispensáveis ao quadro administrativo e docente da ED,

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pois a elas não caberia inserir-se numa cultura escolar tão diferenciada da sua formação

cultural e mesmo pedagógica.

Além do que havia sido traçado pela LERN no referido Regimento Escolar, no

que se referia às normas e ao cumprimento dessas, as docentes e diretoras da escola, mesmo

as advindas de culturas diferentes da do Brasil e particularmente da cidade de Natal, teriam

que fazer novas apropriações da realidade local.

Evidenciamos também que nesse primeiro grupo de diretoras e professoras da

ED de Natal havia pessoas que na Escola, passaram a ser consideradas as precursoras e

construtoras da cultura escolar, tendo inicialmente como base teórica a fundamentação nos

preceitos da Pedagogia Nova e das novas formas de perceber o ensino e a aprendizagem,

dispondo a formação feminina em novos patamares de elevação cultural que se sobressairia

diante de uma formação restrita às primeiras noções de matemática e língua portuguesa, para

uma formação mais integral e geral da mulher.

Dialogamos com as fontes documentais durante a análise dos dados levantados

para identificar quais foram os principais motivos que ocasionavam o afastamento de algumas

docentes e diretoras da ED de Natal, pois algumas, como demonstrado no quadro citado

anteriormente, permaneceram durante pouco tempo, seja na administração do estabelecimento

ou mesmo lecionando, como foi caso da professora Amélia Bezerra Filha, que apenas

permaneceu na direção da escola por um período de sete meses porque decidiu contrair

matrimônio. Dentre os vários motivos evidenciavam-se nas rescisões contratuais as

dificuldades de adaptação às condições climáticas da cidade de Natal, problemas de

estabelecimento de comunicação com as alunas da Escola em língua portuguesa, permanência

por longo período distante dos entes familiares, casamento, etc.

Obviamente, eram motivos previsíveis de acontecer, tendo em vista que as

professoras quando eram contratadas pela LERN tinham que manter uma vida austera, pacata,

restrita ao universo escolar, onde tinham que trabalhar e morar, não podendo sequer receber

visitas que não fossem permitidas pelo estabelecimento do ensino e solicitadas com

antecedência. Algumas das professoras, por exemplo, explicitaram o desejo de reencontrar os

familiares, retornando ao seu país de origem.

Dentre os critérios particulares da Liga de Ensino do RN para seleção das (os)

primeiras(os) professoras(es) a compor o quadro da docência da escola, havia a exigência de

se ter uma boa formação intelectual e moral, ter uma boa índole social baseada nos bons

costumes. A expressão bons costumes consubstanciava-se na expectativa do indivíduo já ter

adquirido nos seus hábitos rotineiros bons comportamentos aceitos socialmente: saber vestir-

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se e expressar-se adequadamente de acordo com as ocasiões, ser sociável, educado e ter

autocontrole de suas ações pessoais.

O corpo docente, escolhido não somente por causa do preparo, mas também por causa da influencia moral e social, que possa exercer sobre o corpo discente, une-se à grande família” e promove, de quando em quando festas intimas, divertimentos, passeios, concertos e recepções, com o fim de alegrar as alumnas, instruindo-as e dando-lhes bastante pratica na vida social; não sendo, porem, permitido bailes. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1927b, p .6-7).

Percebemos que uma das exigências na época para a cátedra era ter uma boa

índole moral e social. O que caracterizava a formação docente era uma formação pedagógica

acompanhada de uma boa reputação perante o social, estabelecendo-se, com isso, alguns

critérios sobre a atuação docente e sobre os saberes necessários à profissão.

Vejamos que, naquele momento histórico estávamos diante de um quadro

esboçando a representatividade do que se entendia por um bom professor: boa índole,

formação de valores morais e espirituais, conhecimento intelectual aflorado, boa

representatividade perante a sociedade enfim, critérios que ultrapassavam como mero pré-

requisito o domínio dos saberes específicos ao ato de ensinar. Nesse sentido, para a

contratação do quadro docente inicial, a Liga de Ensino do RN necessitaria dispor de recursos

financeiros para custear a vinda e a estada dessas docentes advindas principalmente da

Europa, fato que seria inviável caso não tivesse ocorrido uma cooperação do Governo do

Estado do Rio Grande do Norte, no sentido de providenciar recursos financeiros em prol da

contratação das professoras. Encontramos na nossa pesquisa, alguns registros das relações

ocorridas entre a Liga de Ensino e o Governador do Estado na época, representado pela

pessoa de Alberto Maranhão, político local, representante de grupos oligárquicos no Estado.

Segundo a Liga de Ensino do RN foi:

Graças aos bons ofícios do então Ministro dos Negócios Exteriores, o Dr. Lauro Muller e do diplomata representante do Brasil, na Suíça, o Dr. Raul do Rio Branco, e com o patrocínio do Governo do Estado, foram contratadas, por 4 anos, professoras renomadas que organizaram a Escola Doméstica de Natal, nos moldes da École Ménagère de Friburgo, na Suíssa. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914-1964, p. 13)

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Reconhecemos que a contratação pelo governo do Estado das primeiras

docentes para lecionarem na Escola Doméstica de Natal ocorreu também, devido às relações

políticas que Henrique Castriciano de Souza e os demais intelectuais que compunham a

LERN mantiveram com o governador Alberto Maranhão, uma vez que, ao ocupar o cargo de

Secretário administrativo do Governador na época, Castriciano conseguiu estabelecer

influentes ligações com as autoridades locais.

Esse ato do governador local de contratar docentes de outros países (custeando

todas as despesas, incluindo a estada na Escola Doméstica de Natal e os seus respectivos

salários) para lecionarem numa instituição de ensino particular, contradizia profundamente

com a realidade precária em que se encontravam as escolas públicas da cidade de Natal, uma

vez que (como já anunciado anteriormente) as condições estruturais da maioria das

instituições de ensino existentes na cidade, bem como a ausência de um melhor investimento

no quadro docente (em termos de trabalho e remuneração salarial) convocavam seriamente as

autoridades públicas a um olhar mais atencioso e cuidadoso com a educação pública.

Muito embora não seja esse o objeto de análise neste estudo, não poderíamos

deixar de destacar os nossos reclames ao descuido permanente das autoridades públicas com a

educação destinada particularmente aos grupos menos favorecidos economicamente naquele

momento. A Escola Doméstica, nesse contexto, mesmo não sendo uma instituição pública de

ensino, recebeu altos investimentos de ordem pública para funcionar. Para essa modelo dec

escola, a maioria dos natalenses não dispunha de recursos econômicos para freqüentá-la, pois

era uma escola destinada às camadas mais privilegiadas da população, logo uma instituição

destinada a uma pequena parcela da elite potiguar.

Mesmo contradizendo com a uma realidade evidentemente carente de mais

atenção para as instituições públicas de ensino no Rio Grande do Norte, foram realizadas as

devidas contratações pelo Governo local e pela LERN para que a Escola Doméstica de Natal

pudesse iniciar a sua programação de funcionamento e as professoras advindas do exterior,

pagas pelo governo local, viessem com a finalidade de repassar os ensinamentos aprendidos

na Escola de Menáger da Suíça e atuar na direção e no corpo docente na ED de Natal.

É importante também evidenciar nesta pesquisa que no ano de 1959, a partir de

um Acordo firmado entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN (que tinha

como reitor o Sr. Onofre Lopes da Silva) e o governo do Estado do RN ocorreu a inclusão da

Escola Doméstica de Natal como órgão complementar da UFRN, o que significava firmar

mais uma vez a parceria entre a iniciativa privada a pública, uma vez que esse Acordo

possibilitou à universidade disponibilizar alguns professores do seu corpo docente para

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lecionar gratuitamente na ED de Natal, apesar da instituição cobrar mensalidades a seu corpo

discente, caracterizando-se, portanto, como uma escola privada. Esse acontecimento foi

noticiado e registrado oficialmente no jornal da cidade e nos documentos oficiais da Escola,

pelas quais a LERN ficou reconhecida como uma entidade prestadora de serviço público à

população potiguar, cabendo então receber quando possível auxílio financeiro do poder

público.

Em consonância com os dispositivos legais vigentes na legislação de ensino do Rio

Grande do Norte, através do Decreto n.° 239 de 15 de dezembro de 1910, em seu Título VI

que tratava das Disposições Comuns aos Estabelecimentos de Ensino Particular, temos:

Art. 159. O Governo subvencionará, pela maneira mais conveniente e dentro das forças do orçamento, os institutos e escolas particulares que, pelo seu destino e organização pedagógica merecerem o favor público, a juízo do Conselho de Instrucção. Art. 160. Os estabelecimentos subvencionados pelo Estado ficarão sujeitos á fiscalização immediata da Directoria Geral que, pelos seus propostos, visará ao Regulamento ou Estatutos adaptados. Art. 161. O Governo do Estado privará de subvenção qualquer estabelecimento que infringir os respectivos Regulamentos ou Estatutos ou que recusar-se ás modificações pelo progresso pedagógico, mediante proposta do Director Geral. (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 140).

A Escola Doméstica de Natal obedecia às exigências legais no que concernia

ao seu Estatuto de Ensino interno, aos preceitos pedagógicos, às normas de higiene, à

contratação de funcionários, por isso não houve nenhum critério negativo que impedisse a

subvenção financeira do poder público para a instituição da ED. Como evidenciamos

anteriormente, as contratações foram feitas com ajuda do Senhor Ministro Lauro Muller,

responsável pelas relações com o exterior, que conseguiu viabilizar o contato com o

consulado de outros países. A relação que Henrique Castriciano manteve politicamente com o

ministro facilitou naquele tempo as rápidas contratações das professoras, não havendo

entraves, nem dificuldades de espécie alguma no momento das negociações.

Dessa forma, a última estrangeira a ocupar o cargo de diretora da instituição

foi a professora Julie Serivé de nacionalidade francesa que se manteve na função durante o

ano de 1926. A partir do ano seguinte as diplomadas brasileiras passam a compor a diretoria

de ensino da Escola Doméstica de Natal, iniciando pela diplomada pela Escola Normal de

Natal Maria Emiliana Silva que se propôs a dar continuidade aos trabalhos das suas

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antecessoras, permanecendo no cargo no período de 1927 a 1930, seguida pela professora

Caetana de Brito Guerra (atuou de 1930 a 1935), diplomada pela Escola Doméstica de Natal,

com Curso de aperfeiçoamento na Bélgica. Segundo documentação levantada “Sua atuação

foi deveras notável, não só pela capacidade intelectual que revelou, como pelo tino

administrativo manifestado durante a fase aguda do período revolucionário, quando muitas

foram às dificuldades de ordem econômica e financeira a enfrentar e vencer.” (LIGA DE

ENSINO DO RN, 1914-1964, p. 13). Dessa fase em diante, a Escola Doméstica de Natal

somente contratou professoras brasileiras para ocupar o cargo de diretoria da escola.

A partir de 1927 o corpo diretor passou a ser composto por mulheres

brasileiras diplomadas pela ED de Natal e o instigante nessas primeiras contratações é o fato

de considerar como um dos pré-requisitos centrais a categoria das ex-alunas para ocupar esses

cargos; uma tradição, por certo, que perdurou por muitas décadas na história da ED de Natal.

O que poderia ser considerado um aspecto secundário, pouco significativo - o

caso da contratação pela LERN de ex-alunas da ED para lecionarem na própria instituição em

que passaram anos compondo o quadro discente - ao contrário, contribuía para perpetuar, ou

mesmo, garantir a continuidade das práticas educativas, de forma que a cultura escolar

apropriada fosse também a repassada pelo mesmo sujeito, a ex-aluna que assumiria no futuro

a posição de docente.

Nessa perspectiva, a ex-diplomada pela Escola, a aluna Maria Emiliana Silva

foi uma das primeiras ex-discentes a ser convocada para assumir o cargo de direção no ano de

1927, ocupando-o durante o período de três anos, seguida da ex-aluna Caetana de Brito

Guerra que tinha no seu currículo um Curso de aperfeiçoamento sobre Educação Doméstica

feito na Bélgica, exercendo o cargo de 1930 a 1935.

Também tendo estudado na Bélgica durante alguns anos, a ex-aluna Alix

Ramalho Pessoa foi contratada durante o período de 1935 a março de 1944. Segundo

Medeiros (2001, p. 174), esta última era e “Dotada de grande capacidade intelectual e

administrativa, prestou à Escola, durante nove longos anos, assinalados serviços domésticos.”

Posteriormente, de abril a novembro de 1944, assumiu o cargo, a ex-diplomada pela ED e

também diploma pela Faculdade de Filosofia do RJ, a Sra. Amélia Bezerra Filha. Por fim,

exaltamos a figura da professora Noilde Pessoa Ramalho, também ex-aluna da escola que

assumiu a direção do estabelecimento em março de 1945 até os dias atuais.

Tentamos compreender o que mudou na cultura escolar da Escola Doméstica

de Natal com a saída das estrangeiras do quadro administrativo e a entrada das diretoras

brasileiras. Pela análise realizada nos documentos escritos, não foi possível compreender essa

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mudança, no entanto, a entrevista com uma ex-aluna e professora do estabelecimento suscitou

alguns aspectos que ajudaram nesse entendimento. Uma das grandes mudanças apontadas

pela entrevistada foi o fato de as diretoras brasileiras, por serem típicas da região e do país, de

adaptarem-se melhor à filosofia da escola e fazer maior estruturação do currículo e de sua

prática com a cultura local, assim como a exacerbação dos hábitos e costumes da cultura

regional: na culinária, nas formas de comunicação, linguagem, gestos, etc., com as discentes.

(MORGANTINE, 2003.)

Uma grande ênfase dada pelas estrangeiras, particularmente a da primeira

gestão administrativa da escola, foi no que se referia a arte musical. “Em 1919, Miss Leora

James assume a direção da Escola Doméstica. Dotada de senso administrativo e liderança,

consolidou o Programa da Escola, acrescentando aulas de música, canto e educação física”,

recorda a ex-aluna da ED e autora do livro ‘Uma escola suíça nos trópicos’, Eulália Barros

(2000, p. 130). Além da parte musical, o cardápio criado pelas diretoras estrangeira, refletia os

seus hábitos alimentícios, bem como a sua cultura local.

Observemos o cardápio, prescrito nas aulas de culinária na ED, pelas

professoras da época:

CARDÁPIO DE 1916:

Cahier n. 1

Aluna: Clara Soares (9-12-1916)

Soupes aux oignon et au fromage

Viande et quiabo au sauce

Rotis du porc et pommes de terre rissolés

Fonte: Barros, 2000, 135.

CARDÁPIO DE 1936

17-03-1936

Aluna: Aliete Galvão

Sopa Salvina

Pastéis folhados com presunto

Salada Macarrão

Bolo de amêndoas e nozes

(BARROS, 2000, p. 183).

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O cardápio do ano 1916 foi ensinado por uma professora de nacionalidade

estrangeira, já o de 1936 por uma brasileira. Percebemos que o cardápio já não era mais

escrito em francês. A professora Berthilde Guerra, professora da matéria de Culinária o

traduzia para a língua portuguesa. Na época da guerra, as receitas culinárias da ED

adaptaram-se à realidade local, acrescentando-se alimentos mais acessíveis e práticos.

No período em que a predominância das professoras francesas era uma

realidade na escola, a influência de sua cultura ocorria nos cardápios (todos escritos em língua

francesa) e na forma de se vestir das pessoas que compunham a escola. Em 1922: segundo

Barros (2000, p. 133):

Nesse ano a Diretora da Escola, Miss James, solicita à Liga do Ensino a contratação de duas professoras inglesas. Miss Helen Gearing para se incubir da Ordem Doméstica e Lavanderia e Miss Henrietta Davis para reger as cadeiras de Francês, Inglês e Cultura Física e Jogos. Da frança veio a Mlle. Lucille Groper para dirigir as aulas de Costura. Nesse período, a escola tinha nove professoras estrangeiras em seu corpo docente. Entende-se, assim, a influência francesa no vestir das moças da Escola. Sempre o “dernier cri” da moda.

Além da influência nos costumes diários da escola, as funcionárias

estrangeiras, segundo depoimento da ex-aluna Eulália Barros (2006), conseguiram imprimir

um diferencial diante das brasileiras, pois:

Apresentavam uma mentalidade diferente das brasileiras, além de costumes alimentares e de comportamento divergentes da nossa realidade. Isso refletia-se em algumas práticas da escola, a exemplo da não imposição em nenhum momento, de um único credo religioso, apesar delas serem adeptas ao protestantismo, das idas freqüentes com as alunas à feira livre, ao mercado, quando os costumes da época estranhavam essa prática. Mas, isso não queria dizer que a questão disciplinar fosse algo irrelevante para essas primeiras diretoras estrangeiras. Ao contrário, a rigidez na ordem e disciplina sempre foi uma constância.

Analisando as entrevistas das ex. alunas da escola, quando questionadas sobre

as primeiras docentes e diretoras, destaca-se o reconhecimento da disciplina comportamental

aplicada diariamente na ED, mas outros dispositivos pedagógicos agiam no fazer diário da

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escola, de forma que praticamente não havia resistência às normas do regimento interno,

principalmente por parte das alunas internas. As docentes conseguiam (com algumas

exceções) conquistar o grupo de alunas de forma a tornar o ambiente escolar um espaço

familiar, onde sentiam-se à vontade na convivência diária. As memórias trazidas à tona pelas

ex-alunas focalizam os bons momentos vividos com as colegas de turma, bem como, a cordial

convivência com a diretora da época e que, apesar das regras disciplinares do

estabelecimento, a escola ainda se destacava por não ser tão severa em termos de castigos e

formas de tratar as discentes, como outras existentes na cidade.

Observa-se nas práticas da Escola Doméstica de Natal uma quantidade maior

do quadro de docentes do sexo feminino contrastando com o reduzido número de professores

do sexo masculino. É instigante que a feminização do Magistério vinha crescendo desde o

final do Império, quando as virtudes femininas eram reconhecidas como mais propícias e

desejáveis às atividades educacionais. Abria-se um mercado de trabalho promissor para as

mulheres e menos atrativo para os homens. Outra característica a destacar é a formação das

docentes, que passou a ser um dos critérios fundamentais para o ingresso na carreira do

Magistério: ter boa índole, boa moral, bons costumes, ser de boa família, ter bom status

social, como já abordamos anteriormente.

Os professores, nesse contexto, foram considerados, a nosso ver, os principais

agentes que colocaram em prática os dispositivos pedagógicos da instituição à qual estavam

vinculados, aplicando as normas pedagógicas, seguindo os rituais da escola (como os de

encerramentos do ano letivo), aplicando os instrumentos de avaliação, realizando algumas

práticas de disciplinarização, punições, premiações enfim, faziam parte da complexidade da

educação escolarizada e de suas respectivas ações educativas e disciplinadoras.

Mediante as ações dos (as) docentes e das diretoras da Escola Doméstica de

Natal, temos do outro lado as discentes da Escola que singularizam nesse universo de práticas

escolares as pessoas que se apropriavam dessas práticas, mas que também agiam diante delas,

manifestando-se através de suas idéias e cosmovisão. Podemos dizer que professoras e alunas

não mantinham relações polarizadas, totalmente opostas, no sentido em que estamos buscando

compreender a cultura escolar como a vida da escola. Alunas e professoras mantinham

distanciamentos, mas também proximidades de idéias a partir dos diversos momentos em que,

juntas, compactuavam com algumas práticas culturais trabalhadas no interior da Escola

Doméstica de Natal.

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3.2. As alunas

FOTO 5 - Fotografia da primeira turma de discente da Escola Doméstica de Natal e o professor Clodoaldo de Góes, 1928. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Um corpo discente exclusivamente feminino compunha o alunado da Escola

Doméstica de Natal. A instituição dedicou suas práticas educativas ao universo feminino

desde a sua origem, funcionando em regime de internato e externato, onde a maioria das

alunas matriculadas provinha da cidade do Natal e de localidades próximas, mas também de

Estados como Paraíba, Pernambuco, Ceará, Alagoas, Pará. Observa-se, também, a presença

de alunas vindas de municípios pertencentes ao Estado do Rio Grande do Norte, como Caicó,

Macaíba, Lajes e dentre outros, como evidencia o quadro de matrícula das discentes no

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período de 1915 a 1964, destacado a seguir, demonstrando a diversidade de origens:

QUADRO 3

DEMONSTRATIVO MATRÍCULA DA ALUNAS QUADRO DE MATRÍCULA DE ALUNAS ADVINDAS DE DIFERENTES ESTADOS

DO BRASIL

PERÍODO: 1915 À 1964

Alagoas: 08 Pernambuco: 50 Pará: 07 Sergipe: 17 Maranhão: 07 Guanabara: 01 Piauí: 18 Território do Acre: 01 Ceará: 26 Paraíba: 55 Rio Grande do Norte: 1.915 Alagoas: 02 TOTAL GERAL: 2.105

FONTE: Adaptado do Boletim comemorativo do cinqüentenário da Escola Doméstica de Natal. (1914-1964). Natal: URN, Imprensa Universitária, 1964.

Grande parte do corpo discente pertencia a grupos sociais mais elevados

economicamente. A nosso ver, a Escola Doméstica de Natal passou a ser considerada a

formadora das elites culturais femininas da cidade do Natal, determinando que suas

freqüentadoras fossem educadas dentro do estilo social das camadas mais privilegiadas

economicamente, imprimindo às alunas novos hábitos de civilidade e urbanismo, condizentes

com padrões da sociedade emergente no país, já solidificada em algumas sociedades

modernas.

No século XIX, era uma prática comum às famílias das classes senhoriais

rurais serem as responsáveis pela educação dos filhos, fosse através do contrato de

preceptores ou enviando os filhos para estudar em colégios internos para meninos ou meninas.

Essa prática persistiu no início do século XX, tornando-se comum no Brasil as famílias mais

tradicionais enviarem as suas filhas e filhos para estudar em colégios que funcionassem com o

sistema de internato, pois essa realidade garantiria (nos seus valores e costumes culturais

conservados tradicionalmente de geração a geração) uma formação mais rigorosa

intelectualmente, com base em sólidos valores morais e virtuosos à sua prole, bem como

continuidade dos estudos em lugares que oferecessem melhores condições estruturais.

Em entrevista, a ex-aluna, Neide Galvão Pereira que estudou na instituição na

década de 40 do século XX, lembra com saudades os tempos onde era interna, na primeira

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sede da Escola Doméstica, situada na Praça Augusto Severo, no bairro da Ribeira. Ouvimos a

explicação sobre dois grandes motivos que impulsionaram os seus pais a matricularem-na, ela

e mais duas irmãs, no internato da ED. Um deles foi a necessidade de enviar as suas três filhas

para a capital do Estado com a finalidade de prosseguir os estudos, uma vez que, na época,

todas residiam na cidade de Currais Novos/RN, local que dispunha de apenas um grupo

escolar denominado Capitão Mor Galvão, que não oferecia condições para suas filhas

cursarem níveis mais adiantados de estudos. Outro motivo que suscitou essa escolha foi o fato

de seus familiares já terem ouvido falar da boa qualidade de ensino ofertado pela ED, do

compromisso e da disciplina empregada pela educação das mulheres, assim como

informações sobre conteúdos priorizados no currículo escolar do referido estabelecimento.

Por esses motivos, os seus pais decidiram enviar três de suas filhas para estudarem na ED.

(PEREIRA, 2006).

A aluna recorda com carinho os tempos vividos na escola, a turma que

estudava, as (os) docentes que lecionavam, trazendo no seu imaginário a escola em vida nas

suas práticas cotidianas.

O internato da escola funcionava com muita organização, tinha hora para tudo, de levantar, dormir, fazer as refeições, muita disciplina. Quando acordávamos tínhamos obrigações a fazer, cada aluna arrumava sua cama, seus pertences que não poderiam ficar espalhados. Agente aprendia a se disciplinar no dia a dia e tinha a professora que nos acompanhava diariamente, supervisionando as nossas açõesquartos do internato eram compostos de seis camas, não tinham banheiro, só camas. O banheiro localizado num corredor, próximo aos quartos, A diretora dormia próximo às alunas. No lugar havia muita disciplina e organização em tudo. A profa. do curso de Ordem Doméstica era a responsável pela inspeção dos quartos e pela ordem no recinto. Quando o presidente da LERN, à época o prof. e médico Varela Santiago passava no corredor da escola as alunas, em respeito a sua pessoa levantavam-se e cumprimentavam-no. A escola, apesar de muito rígida na disciplina do internato ajudou a me tornar organizada, a aprender a cuidar de muita coisa da vida. Todo mundo conhecia uma aluna que estudava na Escola Doméstica de Natal pela sua forma de se apresentar, de vestir, de se comportar em público, pela educação. Ao pouco que estudei agradeço a ED pelo que sou, pois aprendi a cuidar dos meus filhos, a aplicar injeção, a fazer pratos da culinária, tudo isso me ajudou no meu dia a dia, na família. Meus pais gostavam muito da ED porque era uma escola que disciplinava mesmo, educava as filhas e só consentiam a saída da aluna da escola com a autorização dos pais, mediante um termo assinado pelos mesmos, caso isso não ocorresse, a direção do estabelecimento não permitia em hipótese alguma a saída da aluna. (PEREIRA, 2006).

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O depoimento da aluna externa afeto, carinho e admiração do período

vivenciado como aluna interna na ED. Destaca grandes momentos vividos com o grupo de

alunas internas, vislumbrando um modelo de internato onde a rigidez e a disciplina eram

dispositivos empregados no dia-a-dia da escola, mas que trazia em seu teor rotineiro uma

certa direção nas ações das alunas sem causar constrangimentos, temores e ressentimentos. A

vida numa escola interna, que poderia ser para a aluna um grande dissabor, devido à ausência

da família no convívio diário, é ressaltada com um dos momentos vivenciados no passado que

possibilitou aprendizados válidos e aplicados a sua vida fora da Escola.

Esse destaque positivo da vida interna na Escola fica evidente na fala da ex-

aluna Eulália Barros, lembrando que os quartos onde as alunas dormiam eram compostos por

seis ou oito camas, continha um armário que não dispunha de porta e ficava aberto

constantemente, com os objetos pessoais de cada aluna visível e acessível a sua proprietária.

Essa idéia criada pelas professoras suíças seria na sua visão, uma forma de ensinar que os

objetos pertencentes às discentes deviam estar sempre visíveis, pela sua forma de

organização, ao olhar da professora de Ordem Doméstica e, ao mesmo tempo, ensinar às

discentes a serem organizadas, zelosas e disciplinadas com os seus pertences, de forma a usar

apenas o que era específico de cada uma. A aluna destaca que os aprendizados adquiridos na

escola foram muito válidos na sua vida, pois nunca precisou de uma enfermeira, de babá para

cuidar dos seus filhos, sentia-se muito preparada para lidar com várias situações cotidianas,

fruto dos conhecimentos adquiridos na instituição, da qual só saiu para casar-se.

Maria Eunice de Araújo Sá, em entrevista concedida também ressalta os bons

momentos vividos durante o período de seu internato na ED de 1944 a 1945. Recorda que era

um sistema de internato em que as discentes tinham que apresentar muita organização no seu

dia a dia. “Era um internato que as alunas tinham liberdade de brincar, ir ao recreio. Destaca

que os quartos do internato eram compostos de seis camas, não dispunham de banheiro, pois

esse último era localizado num corredor, próximo aos quartos, A diretora dormia próximo às

alunas, num quarto individual. No lugar havia muita disciplina e organização em tudo. A

professora do curso de Ordem Doméstica era a responsável pela inspeção dos quartos e pela

ordem no recinto. Nas recordações de Maria Eunice Sá:

Meus pais gostavam muito da ED porque era uma escola que disciplinava mesmo, educava as filhas e só consentiam a saída da aluna da escola com a autorização dos pais, mediante um termo assinado pelos mesmos, caso isso não ocorresse a direção não liberava as saídas. (ARAÚJO SÁ, 2006).

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Essas lembranças da ex-aluna advinda de família residente na cidade de São

Paulo do Potengi, interior do Estado do RN, ressaltam que quis desde cedo estudar na ED

para preparar-se para um futuro casamento, porque ouvira falar que essa instituição, de fato,

garantiria conhecimentos teóricos e práticos necessários a uma futura dona de casa, tanto que

estudou apenas um ano na escola, abandonando a vida estudantil para contrair matrimônio. A

rigidez na educação dos seus pais, segundo os seus depoimentos, também possibilitou essa

escolha como a melhor via para garantir, sem muitas preocupações, a educação de suas filhas.

A ex-aluna ainda ressaltou que a época em que estudava na instituição coincidiu com o

período da II Grande Guerra Mundial e, por ter sido considerada cenário estratégico da ação

dos militares, sofreu algumas modificações nos costumes e hábitos da população, como as

formas de lazer, de vestir, de falar,...

Lembra também, que na época, foi proibido soltar fogos de artifício em Natal

(devido aos treinamentos constantes dos militares) e que as alunas internas da ED muito

temiam os black-out que ocorriam constantemente na cidade.

Havia simulações sobre possíveis falta de energia na cidade, onde a sirene tocava acenando para um toque de recolhida das pessoas. Isso fazia parte do treinamento dos militares e Quando isso acontecia a ex. aluna recorda que na ED as discentes ficavam assustadas e algumas tinham que ser acalmadas pela diretora, muitas delas ficavam apavoradas com o acontecimento da guerra e caiam em pranto durante a noite. (ARAÚJO SÁ, 2006).

Nessas recordações da vida estudantil ressaltou que:

Durante o período do internato saia para ambientes reservados, onde não houvesse muita presença do sexo masculino. A diretora na época, Sra. Noilde Ramalho era muito energética, rigorosa e disciplinada no funcionamento da escola, nos levava para fazer um lanche em lugares bem aceitos pela sociedade, eram passeios para a gente conhecer melhor a cidade e aprender a não freqüentar um restaurante sozinha, porque essa atitude não era bem vista pela sociedade”, estudávamos perto do teatro Carlos Gomes e não podíamos ir, mas agradeço a escola pelo que aprendi. (ARAÚJO SÁ, 2006).

A ex-estudante da escola destaca com muito fervor o tempo de aprendizado, ao

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afirmar que: “aprendi a estudar melhor, de forma mais organizada, onde tive aprendizados

para a vida, que levo comigo até os dias atuais”.

O fato de a Escola Doméstica ter sido desde os primórdios uma instituição que

não pregava uma única religião, ao contrário, abria as portas para que famílias de religiões

diferentes buscassem para as suas filhas uma educação sem pregação de um único credo,

também foi um dos motivos de muitas escolhas de pais de família; é o que lembra Francisca

Nolasco Fernandes, mais conhecida como Dona Chicuta11:

Não havia, pois, muito o que escolher, pelos pais, que, residindo no interior, ou mesmo na cidade, quisessem mandar suas filhas, internas, para um educandário modelo. Era adotado, então, um critério interessante. A maioria dos católicos, os mais fervorosos, preferiam o Colégio da Conceição. Os tíbios, os protestantes e os católicos, ou ateus escolhiam ou aceitava, a Escola Doméstica, se pudessem faze-lo. (FERNANDES, 1973, p. 17)

Mais adiante, em suas memórias, destaca a opção dos seus pais para que

estudasse na Escola Doméstica de Natal:

Mas como, e para onde mandá-la, se não tinha parentes, nem amigos, nem conhecidos na Capital? Ele não procurava apenas uma boa escola, mas também um lugar para onde mandasse a filha, quase criança e com ela não tivesse preocupações, que naquele tempo, filhas haviam de ser bem guardadas. Mas, ele, indiferente às críticas, como não gostava de qualquer religião, escolheu a Escola Doméstica. Segundo as informações contidas no ‘Prospecto’, relativas ao internato naquela casa, as alunas ou pais, escolheriam livremente a religião que quisessem adotar. E a sua recomendação expressa foi que nenhuma religião seria imposta àquela filha enfezadinha e mal acanhada. Nem Católica Apostólica romana, nem Protestante de qualquer seita, pois a esses últimos tinha ele verdadeiro horror, a ponto de dizer, naturalmente por pilhéria, que, se ao morrer, fosse para o céu com Francisquinho ensinando a Bíblia, preferiria o inferno. Francisquinho era um vizinho protestante que, temendo ver perder-se a alma impenitente de meu pai, propunha-se a tarefa de salvá-la do fogo eterno, através da leitura da Bíblia, acompanhando cada versículo da competente e prolixa explicação. (FERNANDES, 1973, p. 62).

11 Aluna laureada da Escola Doméstica de Natal, diplomada na turma de 1929, que atuou no corpo docente durante trinta e cinco anos. No seu vasto currículo consta de ter sido professora da Escola Normal de Natal e a primeira mulher a exercer o cargo de diretora dessa mesma escola. Publicou em 1973 um belíssimo livro de memórias, onde recorda os tempos vividos como docente e discente nas instituições mencionadas.

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Essas recordações da vida estudantil externadas pelas ex-alunas da ED

desenharam um pouco as vivências da escola na época e a cultura escolar do internato. Os

depoimentos confirmam a necessidade das famílias em encaminhares suas filhas para serem

educadas em escolas internas por acreditarem serem as mais confiáveis em termos de

formação do caráter, dos valores e costumes condizentes com a formação exigida ao sexo

feminino (masculino) na sociedade: uma mulher educada, disciplinada e bem prendada, afinal

afastar as mulheres de uma possível promiscuidade, do vício e dos chamados maus costumes

que incidiam na vulgarização dos novos valores trazidos com a modernidade aflorada no

século XX, era também uma das metas das famílias de classe média que tinham condições

financeiras de custear os estudos dos seus filhos; era uma forma de resguardá-las e preservá-

las de uma vida mundana.

Nos embalos da nova República, o país navegava entre o arcaico e o novo,

entre a persistência do provincianismo e a sofreguidão da modernidade. O sociólogo Gilberto

Freire (1959) registrou algumas dessas possíveis mudanças de hábitos (ao se referir algumas

práticas antes não experimentadas no cotidiano do brasileiro) que marcavam esse momento de

transição, como a substituição da latrina de barril pelo water closed, o desaparecimento das

escarradeiras usadas nas salas de visita, o começo do telefone e do telégrafo, o aparador, a

emulsão de scott, as regatas e os meetings, o surgimento de clubes elegantes e esportivos, a

substituição das botinas por sapatos, desenvolvimento do volley-ball e do basket-ball, foot-

ball, substituição do entrudo pelo carnaval com serpentina, confete, uso dos pijamas em vez

das camisas de dormir, a valsa, (FREIRE, 1962). Dentre essas diversas mudanças encontra-se

a redefinição do papel da mulher, pois diante do declínio do patriarcado como instituição

dominante, surgiram novos valores urbano-industriais que incidiram numa valorização de

estilo de vida regrada numa maior participação do indivíduo na sociedade e o usufruto de

novos bens culturais e tecnológicos que primavam por mudanças nos costumes e hábitos

rotineiros dos indivíduos. Passaram a ser exaltados também a consagração dos novos

princípios republicanos (liberdade de culto, separação Estado – Igreja), que, no geral, eram

mudanças que vislumbravam grandes redefinições macro-estruturais no quadro social e

cultural do país daquele tempo. Na visão de Ferreira (1993, p. 315):

Entre os anos 20 e 30, a nossa modernidade cheirava a gasolina, brilhava à luz elétrica, tinha a cor cinzenta da fumaça industrial e seu emblema eram as altas chaminés das fábricas. Num país rural, doentio e sonolento, a modernidade emergente apontava para novos tempos e novos hábitos,

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mudanças rápidas, estilo de vida mais cosmopolita, apreciador da riqueza e do progresso. Progresso que para muitos, entre artistas, urbanistas e sanitaristas, empresários e assalariados, militares e intelectuais – à direita e à esquerda – passava pela intervenção decisiva do Estado, como agente dinamizador das reformas econômicas e sociais.

Nesse contexto, ganharam destaque no país às instituições de ensino religioso,

as chamadas Ordens religiosas que congregavam sob sua direção, padres e freiras. A Escola

Doméstica de Natal, apesar de sua administração não ser presidida por religiosos (as), nem

tampouco pelo Estado, mas, por intelectuais, poetas, políticos, através da LERN, apresentou

alguns pré-requisitos de formação que a tornou depositária da confiança de pais de família

que matricularam as suas filhas no sistema de internato.

Quando matriculada na instituição, a aluna deveria adaptar-se a um estilo de

vida ritmado pela disciplina e obediência. A vida das alunas internas no interior da escola

tinha um ritmo marcado pelos dias e pelas sinetas de horários de acordar, assistir aula, fazer

refeições, receber visitas, orar, dormir. O tempo das alunas era meticulosamente medido e

racionalizado, dividido entre o tempo de despertar, de estudar, de cumprir tarefas e o tempo

de recolher-se aos seus aposentos.

A Escola dispôs de um Regulamento próprio (o qual abordaremos no capítulo

IV) elaborado pela Liga de Ensino do RN e nele estavam prescritas as normas internas de

organização e funcionamento da instituição, bem como as condições de admissão das alunas.

O Regimento Interno, além de conter normas e regras a seguir por parte das alunas,

professoras e diretora, trazia no seu corpus uma rígida orientação sobre o uso racional do

tempo escolar, de forma que não houvesse desperdício de tempo ou ociosidade entre um

horário e outro, como evidencia o quadro de horário a seguir:

QUADRO 4 DEMONSTRATIVO DE HORÁRIO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL

DE SEGUNDA À SEXTA SÁBADO DOMINGO ATIVIDADES 6h - Acordar 6h – Acordar 6h - Acordar 6h30minh – Serviço doméstico 6h30min – Arrumação dos

armários, etc, no dormitório 7h – Arrumação dos dormitórios

7h – Cultura física 7h30minh - Café 8h – Café 7h30min – Café 8h – Limpeza geral dos

dormitórios 10h30min – Estudo

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Continua...

QUADRO 4 DEMONSTRATIVO DE HORÁRIO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL

8h às 11h – Aulas 10h – Concerto de roupa 11h30minh – Descanso 11h – Almoço 11h – Almoço 12h – Almoço 12h – Chamada 12h – Serviço doméstico 14h – Silêncio 12h10min às 15h50min– Aulas 12h – Serviço doméstico 14h – Silêncio 15h50min às 16h30min – Descanso

16h Descanso 16h30min – Recreio

16h30min – Jantar 16h30min – Jantar 18h30min – Ceia 17h – Recreio 17h – Recreio 20: 30 - Silêncio 18h30min às 20h - Estudo 18h30min – Estudo ou seção

recreativa

20h - Silêncio 20h – Ceia 20h40min - Silêncio Adaptado do documento: LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE. Plano geral de ensino. Quadro de horários. Natal: Typ. e Pap. A. Leite, 1927b, p. 7-25. Ao fazer uma leitura do quadro mencionado, no que se refere à distribuição

dos horários das atividades das alunas no decorrer da semana, percebemos que houve uma

grande preocupação da ED em manter as alunas ocupadas em alguma prática no decorrer do

dia, de forma que a ociosidade não fosse uma constância. Toda a prática escolar era

organizada conforme uma racionalizada organização, de forma que de uma atividade para a

outra houvesse pequenos intervalos intercalados para o mínimo de descanso e lazer. Como

demonstrado no quadro de horários, nos finais de semana, a aluna teria uma agenda menos

rígida, preferencialmente aos domingos, principalmente para os casos das internas, para que

pudessem receber visita de familiares ou pessoas conhecidas, com a expressa autorização dos

responsáveis pela aluna.

Um dos dados destacados no Regimento Interno da Escola sobre a distribuição

das matrículas das alunas era o item que tratava sobre uma subdivisão de duas categorias: as

classificadas do grupo A - internas e B - semi-internas, (matriculadas a partir de onze anos de

idade) e ainda o chamado ‘Grupo C’ - alunas externas.

As alunas internas constituíam-se por aquelas que, em sua maioria, eram

oriundas do interior do Estado do Rio Grande do Norte e de outros Estados. Esse era um pré-

requisito necessário para que a instituição matriculasse a discente em Regime de internato,

não admitindo à aluna que residisse na cidade de Natal fazer parte desse grupo. Na categoria ‘

B ’ estavam as semi-internas, fazendo parte desse grupo as que se distribuíam em período

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integral de estudo, não dormindo no estabelecimento por motivo de residirem em Natal.

Ainda as alunas do grupo ‘ C ’, as denominadas externas, as que freqüentavam o ambiente

escolar por um turno de aula, sendo manhã ou tarde.

No Brasil, o Censo de 1920 contabilizava uma população estimada em 30

milhões de habitantes, dentre os quais apenas 10% residiam no meio urbano. Desejos e

utopias eram criados no imaginário popular em torno da cidade e do campo sendo as cidades

os celeiros do desenvolvimento e o campo ainda marcado pelo desenvolvimento tardio. Não

há também como negar que, nesse período, muitos municípios não dispunham de escolas de

nível secundário, onde a população pudesse dar continuidade aos estudos; além disso,

algumas cidades brasileiras apresentavam condições estruturais (escola, hospitais, lojas

comerciais) mais avançadas do que o meio rural, apesar de ainda carecerem de necessidades

básicas como saneamento, serviços públicos de higiene, transporte, segurança, iluminação.

Os familiares das alunas da Escola Doméstica de Natal que optassem pelo

sistema de internato na Escola teriam que aguardar que sua filha tivesse necessariamente a

idade mínima de 11 para seguir uma rotina estabelecida pelo Regimento Interno Escolar, a

parte do Regimento sobre o internato especifica algumas recomendações que firmavam

determinados comportamentos, como por exemplo:

Para passar a noite fora do Estabelecimento, é preciso ter consentimento dos pais, por escrito. Qualquer concessão, além dos privilégios acima mencionados, somente será feita, como prêmio, à aluna que o merecer. O Regulamento interno não permite às alunas, sobre pretexto algum, receber visitas de pessoas estranhas, visita-las em suas casas, nem ter correspondência com pessoa alguma, fora da recomendação familiar. É proibido o uso do fumo e de bebidas alcoólicas, sob pena de severa punição. As alunas da Escola terão saída conforme as médias de comportamento e aproveitamento. Sairão para as casas dos seus pais ou correspondentes. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914-1964, p. 37).

Todas as discentes tinham que se adaptar a uma rotina escolar permeada por

muito rigor na disciplina, no comportamento, conduta, incluindo os horários rigorosos de

estudo, horários de acordar e dormir e de recebimento de visitas no local e no caso específico

das internas: os horários de refeição, de entrada e saída e permanência na escola. A vigilância,

a formação de hábitos disciplinares e de valores morais eram nesse contexto ações a seguir

para serem postas em prática na convivência com os outros, seja na relação aluna/aluna,

aluna/direção, aluna/funcionários, devendo haver, no ambiente escolar, práticas afetivas

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amigáveis, de cooperação, de entendimentos e não de desavenças. Assim a cultura escolar, ou

seja, a vida da escola seria cada vez mais aperfeiçoada por uma harmonia interna,

representada por uma pequena família composta dos que lá conviviam diariamente.

Na entrevista da ex-aluna, Sra. Neide Galvão, ela lembra com carinho os

momentos vividos com a turma desses anos. Recorda alguns raros momentos em que a turma

saía da escola para breves passeios, sempre acompanhada da diretora ou professora. Segundo

ela, os passeios sem a presença dos familiares eram bastante limitados; aos domingos, durante

o dia geralmente assistiam à missa no Colégio Salesiano São José (instituição privada

localizada próximo à ED); às vezes passeavam nas ruas da Cidade Alta (tomavam café no

Grande Ponto, local muito visitado pelos natalenses) e os eventos dos quais geralmente

participavam eram restritos às solenidades da própria instituição.

Na imagem a seguir, destacamos a ex-aluna Neide Galvão (primeira do lado

esquerdo para a direita) ao lado de mais quatro alunas de turma. Observamos os detalhes do

vestido, de comprimento longo, uso de sandálias e sapatos fechados, uma exigência que

atendia aos modismos de época e ao rigor nos modos de se vestir apregoados pela escola. A

época da II Guerra Mundial afastou a extravagância dos estilos da moda para pensar-se em

criar modelos segundo o regulamento da economia dos tecidos. Essa era uma marca presente

nos momentos de criação das coleções de moda no mundo, concentrando-se mais na

tendência em estilos de roupa mais baratos e acessíveis à população. As roupas de uma peça

só, como, por exemplo, os vestidos, caíram nos modismos da época no cotidiano feminino,

fundindo numa só relação a funcionalidade, feminilidade, economia e praticidade. (MENDES,

DE LA HAYE, 2003).

O uso de vestidos chamadas popularmente de ‘roupas de uma peça só’ era uma

rotina das discentes da ED. Modelos simples, sem muitos detalhes, em cores suaves, faziam

parte das vestimentas privilegiadas tanto em momentos de algumas solenidades quanto nas

saídas (acompanhada pela professora) de lazer.

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FOTO 6 - Alunas internas da ED em momento de descontração extra sala de aula, 1945. FONTE: Acervo particular da ex. aluna da Escola Doméstica de Natal, Sra. Neide Galvão.

As alunas deveriam assimilar na cultura escolar a ordem moral e social

reinante no estabelecimento de ensino, transmitida pelas docentes e demais funcionárias, bem

como passar por aprendizagens de ver, observar, experimentar, como forma de aprender

conhecimentos úteis para praticá-los no seu dia-a-dia na vida fora da escola. As alunas, por

sua vez, deveriam perceber a escola como um organismo vivo, capaz de refletir o seu meio.

Desde suas origens, a Escola Doméstica de Natal não apresentou inicialmente

grande número de alunas matriculadas e diplomadas. Uma das suas características era o

pequeno número das que passavam anualmente pela instituição. Esse reduzido número

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somente sofreu um acréscimo significativo a partir da década de 50 do século XX, onde as

turmas discentes passaram a ser compostas por um número estável de vinte ou mais alunas.

Antes desse período, tínhamos uma quantidade variável mais reduzida de alunas, como

destacamos a seguir:

QUADRO 5

REFERENTE AO PERCENTUAL DE ALUNAS DIPLOMADAS PELA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL: DE 1919 A 1945

ANO Número de alunas ANO Número de alunas 1919 05 1933 04 1920 ---- 1934 03 1921 02 1935 02 1922 02 1936 07 1923 02 1937 04 1924 ---- 1938 10 1925 06 1939 06 1926 03 1940 06 1927 04 1941 08 1928 06 1942 21 1929 03 1943 11 1930 10 1944 05 1931 08 1945 04 1932 10 ---- ----

Adaptado do documento: ESCOLA DOMÉTICA DE NATAL. Boletim comemorativo do cinqüentenário da Escola Doméstica de Natal (1914-1964). URN. Imprensa Universitária, 1964.

Podemos inferir que esse baixo índice poderia refletir duas situações distintas: a) a não

aceitação do modelo escolar pelos natalenses; b) os elevados gastos com a matrícula,

mensalidades e custos adicionais como a compra de fardamento e enxoval da aluna (exigência

para a permanência desta na escola), subtraindo dos pais uma quantia generosa para custeio

dos estudos.

O não despertar, ainda, da sociedade para o mundo feminino e sua educação

fazia com que muitas famílias achassem que as mulheres não precisavam estudar muito, as

primeiras letras já seriam suficiente para sua formação. Medeiros (1926-1932, p. 73-74), a esse

respeito, considerava que à mulher deveriam ser delegadas tarefas delicada, que permitissem a

ela desempenhar o papel maternal, buscando sua emancipação sem prejudicar os seus deveres

domésticos e maternos.

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A missão da mulher, no lar, tendo a consciência voltada para a realização perfeita dos três títulos que fazem a sua superioridade: mãe, esposa e filha, títulos sublimes que asseguram a serenidade dos seus atos, a singeleza das suas ações e o cumprimento do seu mandato na sociedade. (MEDEIROS, 1926-1932, p. 73-74).

Acreditamos que o fato de a ED ter anualmente baixo número de alunas

matriculadas tem como causa a segunda situação apontada: alto custo com a educação, pois

esta é mais condizente com a realidade econômica apresentada no período por muitas famílias

natalenses; a educação da ED exigia altos custos dispensados pelas famílias para manter a

filha numa escola considerada de classe média alta da sociedade.

O enxoval que era exigido dos familiares das discentes tratava-se, na verdade,

do material pessoal de cada aluna, de forma que todas que desejassem permanecer no sistema

de internato levassem para a escola peças de roupas padronizadas, obedecendo às exigências

de vestimenta daquele estabelecimento de ensino.

Quanto ao valor cobrado mensalmente aos pais ou respectivos responsáveis

pelas alunas, a Escola, nos seus discursos, não se colocava como entidade privada e o valor

solicitado mensalmente às alunas era tido como considerável, tendo em vista as altas despesas

pela permanência da discente na instituição. O discurso proferido era de ser uma instituição de

caráter não privado, não pertencente, portanto, a uma única pessoa em particular, mas ligada à

entidade Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, uma entidade que existia para dar

assistência ao poder público.

Podemos questionar em que aspecto esse discurso apregoado pela ED e pela

Liga de Ensino do RN estava relacionado com a filosofia da Escola e com o seu corpo

discente e docente. A primeira situação que destacamos condiz com a idéia de que a partir do

momento em que a ED não admitia ser uma escola particular, ela própria tentava justificar a

cobrança das mensalidades com base nas despesas escolares (pagamento de funcionários,

despesas para manutenção da higiene, energia, água, reformas necessárias na escola, dentre

outras).

O segundo aspecto a destacar é que, de posse desse discurso, a instituição

poderia sem muitos entraves conseguir subsídios financeiros para pagar as suas despesas e

expandir a sua estrutura física, contando com a colaboração do governo local e depois do

federal, fato já evidenciado anteriormente nesta pesquisa.

Como forma de evidenciar o caráter de utilidade pública, a LERN também

passou a distribuir bolsas de estudos às alunas que se encontrassem nas seguintes situações:

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estudassem em escolas públicas da Rede de ensino do RN e obtivessem boas notas

anualmente e pertencessem a uma família que não tivesse em condições financeiras de custear

os estudos. Esta seria contemplada com uma bolsa integral de estudos no período de um ano

para estudar na Escola Doméstica de Natal. Nesse sentido, a LERN em seus documentos

registrava: “A Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, no interesse de propiciar o estudo à

jovens vindas de famílias numerosas, cuja situação financeira não lhes permite freqüentar

colégios, concede anualmente Bolsas de Estudos.” (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL,

1914-1964, p. 36).

Essa iniciativa, na nossa análise, simbolizou firmar o papel de utilidade pública

que tanto a LERN como a ED desejavam imprimir às suas atividades frente aos órgãos

públicos para, com isso, garantir apoio político e financeiro aos seus projetos educativos.

Apesar dessa atitude, houve pouco beneficiamento às alunas advindas da Rede Pública de

Ensino do Estado do RN; no geral, o quadro discente formado era composto pela elite norte-

rio-grandense e cidades próximas, advindas das famílias de donos de terras e que dispunham

do valor mensal exigido pela Escola.

De uma forma geral, as alunas que estudaram na ED eram oriundas de grupos

sócio-econômicos privilegiados que faziam parte de uma pequena elite do Estado. Essas

alunas se moldaram bem ao modelo curricular proposto pela escola e como não houve

grandes disparidades econômicas entre valores apregoados pela escola e realidade de vida do

alunado, podemos afirmar que a adaptação escolar foi rápida, sem muitos entraves.

Às alunas foram apresentadas as propostas educativas que, na visão da Liga de

Ensino do RN, eram consideradas válidas para a realidade daquele tempo, consolidando a

Escola como um importante meio de difusão cultural e intelectual em função de um modo de

vida considerado mais civilizado. O corpo discente, nesse contexto, contribuiu não somente

para reproduzir uma cultura escolar construída pela ED, como também construí-la e legitimá-

la.

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CAPÍTULO 4

Práticas no Cotidiano da Escola

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4.1. O saber e o fazer no currículo da Escola Doméstica de Natal

[...] O currículo é considerado um artefato social e cultural. Isso significa que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua história, de sua produção contextual. O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. (ANTÔNIO F. B. MOREIRA; TOMAZ TADEU SILVA).

Falar em currículo escolar implica compreendê-lo a partir da sua constituição

social e histórica, reconhecendo que o conhecimento organizado em forma curricular e

transmitido nas instituições educativas apresenta finalidades explícitas, ou não, dentro de um

contexto lógico de construção de significados, a partir de interesses individuais e grupais,

apresentando, por isso, uma história de proposições e valores.

Numa perspectiva crítica sobre o significado do currículo, reconhecemos a não

neutralidade da ciência, dos saberes e das atitudes de quem aprende e de quem ensina;

acreditamos também que o engendramento de um novo saber pedagógico alimenta na sua

base e fundamento os objetivos e finalidades a curto e/ou longo prazo. Nesse sentido,

qualquer discurso sobre currículo, e numa perspectiva mais ampla também cultura escolar,

deve considerar o projeto social que se quer construir, visto não ser o currículo um elemento

neutro, mas impregnado de valores sociais e culturais. No caso específico da Escola

Doméstica, nosso objeto de estudo, estamos nos reportando a uma instituição educativa criada

no início do século XX, logo, não podendo esquecer que:

No seu percurso histórico, uma instituição educativa como totalidade a ser construída, sistematicamente compõe sua própria identidade. Nessa composição, ela produz sua cultura escolar, que vai desde a história do fazer escolar, práticas e condutas, até os conteúdos, inserido num contexto histórico que realiza os fins do ensino e produz pessoas. (OLIVEIRA & GATTI JUNIOR, 2002, p. 75).

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Uma cultura escolar que envolve o fazer escolar, o que ensinar e como

transmitir, o que deve ser aprendido, objetivo e fins a atingir implica compreender o currículo

normativo da escola e quais disciplinas escolares são privilegiadas, como também as

prioridades para a formação do indivíduo, diante das mudanças exigidas a partir das

transformações sociais, econômicas e políticas do século XX.

Diante da modernidade que se configurava no país nesse início de século e das

mudanças impostas na educação escolar, os modelos educativos passaram a reforçar a

aprendizagem como um processo formal e construtor de novas práticas educativas e virtudes

no indivíduo. Os modelos educativos especificavam nas instituições escolares, por exemplo,

as diversas formas de organização das classes escolares, da arquitetura escolar, das

disposições da rotina, dos horários e também dos conhecimentos a serem ensinados e

materializados no currículo da escola.

Nessa linha de raciocínio, para analisar o currículo da Escola Doméstica de

Natal foi necessário compreender o significado de disciplinas e cursos escolares, uma vez que

o saber transmitido na escola estruturou-se sob a forma de cursos trabalhados em sala de aula.

É importante destacar que, no contexto do início do século XX, o conceito de disciplina ainda

não era difundido; as instituições escolares utilizavam a denominação ‘cursos ou matérias’

para especificar o que, na atualidade, classificamos como disciplinas do currículo escolar.

Os saberes escolares, sob a forma de disciplinas, tiveram como núcleo

principal o currículo escolar definido pela instituição. O conceito sobre saber escolar

defendido por Chervel (1990) é o que mais se identifica com a nossa análise, por isso optamos

por usar esse referencial. Na visão desse autor, saberes escolares são definidos como sendo:

[...] entidades sui generis, próprios da classe escolar, independentes, numa certa medida, de toda realidade cultural exterior à escola, e desfrutando de uma organização, de uma economia interna e de uma eficácia que elas não parecem dever a nada além delas mesmas, quer dizer à sua própria história. (CHERVEL, 1990, p. 180).

Perceber o saber escolar dessa forma implicou reconhecer que as disciplinas

escolares são como criações contextuais e originais do sistema escolar, produtos históricos e

instrumentos de trabalho da instituição segundo seus interesses, convicções e idéias. O saber,

portanto, que a disciplina ordena no currículo sobrepõe-se à necessidade de apenas repassar o

saber científico, passando a ser instrumento de trabalho pedagógico necessário ao

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atendimento da filosofia de trabalho da instituição, dos seus anseios e do seu projeto

pedagógico. Isso explica porque algumas escolas, historicamente, optaram por ensinar alguns

saberes e não outros, o porquê de determinados privilégios de conhecimento em detrimento de

outros considerados válidos para formação dos sujeitos. A organização e disposição dos

saberes construídos sofrem mudanças históricas conforme as necessidade sociais e culturais,

incorporando novas experiências que passam a definir novos perfis de formação humana.

Nesse raciocínio, percebemos que o modelo curricular da ED, apesar de ter

sido espelhado numa realidade da Suíça, ao ser transposto para a realidade natalense, passou

por algumas adaptações reajustáveis à realidade local, como por exemplo, a necessidade de

enfatizar conteúdos que iriam ajudar na orientação das mulheres que residiam em zonas rurais

e, por isso, segundo os anseios dos intelectuais da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, a

Escola Doméstica precisaria orientar essas alunas, para que pudessem conhecer e vivenciar de

uma forma mais adequada algumas situações diárias consideradas difíceis para algumas

mulheres que não tinham conhecimento sobre agricultura, pecuária, leiteria, avicultura, etc. e

os aprendizados que primavam pelos estudos de medicina do lar, higiene, puericultura,

leiteria, lavagem, engomado, cozinha, costura, confecção, agricultura foram criados também

com a finalidade de aprimorar os saberes teóricos e práticos indispensáveis às mulheres que

moravam no campo ou nas cidades do interior. Eis a seguir uma passagem da ED

pronunciando-se sobre essa preocupação:

Como adeante se verá, o instituto abre novos horizontes á sociedade brasileira, orientando a mulher sobretudo para a vida campestre, onde ella tem uma grande missão a cumprir junto ás populações com justiça considerada as melhores fontes de reserva do paiz. So esse aspecto, nada deixa a desejar o nosso estabelecimento. Além da cultura geral necessária, as alumnas apprendem theorica e praticamente a tornar agradável e sã a vida do campo, espalhando em torno de si e no município em que residir toda sorte de benefiicios. Para isso, creámos as aulas de medicina do lar, inclusive hygiene e puericultura; a de leiteria; a de cosinha; a de costura e confecções; a de agricultura; a de creação de animaes domésticos; a de lavagem e engommado. Assim aparelhada, a moça residente nas fasendas e nas cidades do interior não tardará a ser uma verdadeira providencia, proporcionando saúde e conforto á família e á collectividade e podendo concorrer de modo o mais efficaz, em falta de medico ou como auxiliar deste, para o êxito da campanha iniciada em prol do saneamento do centro do Brasil pelos Drs. Miguel Pereira, Afranio Peixoto, Moncorvo Filho, Belisario Penna e outros. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1919, p. 5).

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Tendo em vista a finalidade do programa curricular, tentando atender aos

interesses das famílias advindas do interior do Estado, principalmente as que vinham para

matricular suas filhas no grupo das alunas internas que residiam em fazendas, engenhos e

sítios, a Escola Doméstica de Natal passou a desenvolver estudos que contemplavam os

ensinamentos sobre agricultura, leiteria, criação, bem como as matérias que aglutinavam

aprendizados na área de saúde, a exemplo da matéria denominada Medicina Prática que

contemplava os ensinamentos sobre: primeiros socorros, aplicação de vacinas, verificação de

temperatura, contusão, feridas, envenenamento, convulsão, dentre outros conhecimentos. Na

visão dos intelectuais da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, esses conhecimentos iriam

ajudar às alunas residentes em locais afastados da cidade a lidar com a vida rural, a melhor

conhecer a sua realidade e nela atuar satisfatoriamente, auxiliando seus familiares. A

preocupação com a saúde, o saneamento e as normas de higiene deveriam ser absorvidas pela

população brasileira, não somente nos grandes centros urbanos como também nas zonas mais

periféricas próximas às cidades. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE,

1927a).

A escola tem especial cuidado na execução desta parte do programma geral. Quem conhece a influencia, nem sempre benéfica, á falta de cultura, das senhoras brasileiras abastadas nos engenhos, fazendas e villarejos, sabe quanto esta influencia, se bem orientada, poderá representar de utilidade para a communhão rural. Nunca è demais repetir: a solução do problema do saneamento dos campos, entre nos, depende em grande parte da educação da mulher. Com a instrucção recebida em nosso estabelecimento, sabendo o bastante para socorrer os doentes nos casos de urgência e naquelles em que se faz necessário longo tratamento, a elite feminina das populações do interior será dentro em pouco um elemento preciosissimo como auxiliar intelligente dos clínicos, especialmente nos logarejos mais afastados dos centros urbanos, onde raras vezes o profissional chega a tempo e onde, se isso acontece, é commum ver prejudicados os seus esforços á falta de enfermeiras capazes. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1927a, p.24).

A escola, com essa preocupação, conseguiu, no nosso entendimento,

aproximar os saberes do currículo com as necessidades e interesses das discentes, o que

representava um grande avanço pedagógico nas formas de ensinar e aprender, onde o

conhecimento não era considerado como algo alheio, distante da realidade de vida das alunas,

sujeitos heterogêneos e, portanto, de realidades distintas e de interesses diversificados.

Nos primeiros anos de fundação da ED foi criado um Curso Preparatório a ser

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dado durante dois anos, pois segundo as fontes pesquisadas, esse curso surgiu da constatação

de que as alunas que ingressavam na escola, a partir dos onze anos de idade, ainda não

estavam preparadas o suficiente, em termos de conhecimentos, para cursar o programa

traçado pela escola. Devido à essa carência, o curso preparatório tinha em sua estrutura

curricular algumas matérias que iriam ajudar às discentes a adquirem algumas noções básicas

sobre a língua materna e estrangeira e ainda sobre história, geografia, etc., mantendo a

seguinte estruturação:

CURSO PREPARATÓRIO PRIMEIRO ANO SEGUNDO ANO

Arithmetica Arithmetica Portuguez Portuguez Cultura Physica Cultura Physica Costura Costura Musica Musica Calligraphia Calligraphia Leitura Leitura Historia do Rio Grande do Norte Historia do Rio Grande do Norte Geografia e Chorographia Geografia e Chorographia Francez ou InglesI Francez ou InglesI Fonte: ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL. Prospecto da Escola Doméstica de Natal. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1919. (Acervo particular da Escola Doméstica de Natal)

Segundo o documento supra citado, o denominado Curso Doméstico, pela sua

seqüência obrigatória, era para ser cursado pelas discentes no período de quatro anos, logo

após ter passado pelos dois anos do Curso Preparatório. Ao estudar as matérias do Curso

Doméstico, a aluna dedicar-se-ia a estudos teóricos e práticos que contemplavam os seguintes

conteúdos:

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QUADRO 6 DEMONSTRATIVO DE DISTRIBUIÇÃO DE MATÉRIAS DO

CURSO DOMÉSTICO PRIMEIRO ANNO SEGUNDO ANNO

Arithmetica Álgebra Portuguez Portuguez Cultura Physica Cultura Physica Costura Costura Musica Musica Calligraphia Calligraphia Cosinha Cosinha Historia do Brazil Historia Universal Geografia Agricultura Francez ou Inglez Leiteria Frances ou Inglez Anatomia e Physiologia

TERCEIRO ANNO: QUARTO ANNO: Álgebra Contabilidade Portuguez Portuguez Cultura Physica Cultura Physica Costura Costura Musica Musica Criação Educação Social Jardinagem Cosinha artística Francez ou Inglez Methodologia Hygiene Economia da Casa Lavagem Francez ou Inglez Puericultura e Medicina Pratica Chimica alimentar Fonte: ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL. Prospecto da Escola Doméstica de Natal. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, 1919. (Acervo particular da Escola Doméstica de Natal).

Essa estrutura curricular vigorou até meados da década de 20, do século XX,

pois um documento datado de 1922 da Liga de Ensino do RN revelou algumas alterações da

estrutura curricular original, tendo em vista terem sido acrescentadas algumas matérias antes

não privilegiadas nos ensinamentos da escola, a exemplo do primeiro ano do Curso

Preparatório que passou a contemplar a matéria de Desenho e no segundo ano Cozinha

Teórica e Prática. O Curso Doméstico passou a incorporar no primeiro ano de estudos as

matérias Higiene e Desenho, no segundo ano Desenho e Medicina Prática e no terceiro ano

Agricultura, Medicina Prática, Desenho, Lavagem e Engomado. A matéria Higiene passou a

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ser estudada no primeiro ano do Curso Doméstico. A importância atribuída aos conteúdos

dessa matéria fez com que ela, mesmo sendo ensinada nos anos posteriores, fosse também

requisitada nos momentos iniciais do currículo, funcionando como pré-requisito essencial

para as demais matérias.

Apesar de os documentos não revelarem o motivo dessa alteração da estrutura

curricular, acreditamos que ela não ocorreu ao acaso. As matérias de caráter mais pragmático

estavam inclusas nos primeiros anos de estudo, o que, na nossa percepção, deu-se pelo fato de

proporcionar nos primeiros momentos de aprendizado das alunas, a vivência prática das

unidades de estudo. Ao mesmo tempo em que, por exemplo, a discente cursava as matérias de

Anatomia e Fisiologia no segundo ano do Curso Doméstico, aprendia também a Medicina

Prática que lhe daria suporte para associar teoria e empiria.

Fontes pesquisadas apontam para grandes mudanças no currículo da ED na

década de 20. O Plano Geral de Ensino da instituição datado de 1922 cita, por exemplo, a

criação dos chamados Cursos Anexos nesse período. Esses, segundo as informações contidas

nesta fonte, complementariam as matérias até então existentes no Curso Doméstico de quatro

anos. A direção da escola, nos anos de 1919 a 1922, esteve sob a responsabilidade da norte-

americana Leora James, lembrada pelo espírito empreendedor e cultural. É importante

destacar que o surgimento dos cursos anexos, em nossa compreensão, contribuiu para ampliar

e estimular a parte cultural e artística da escola.

As mudanças na Escola Doméstica de Natal ocorriam independentes das

reformas educacionais no Brasil. Os documentos revelam que a instituição parecia ter total

independência na sua estruturação curricular e nos saberes específicos a serem ensinados.

Em 1927, houve a especificação dos cursos anexos registrados no Plano de

Ensino, onde ressaltava-se que:

No intuito de satisfazer o pendor das moças brasileiras e o constante reclamo das mães de família, resolvemos crar Cursos Annexos para o cultivo das matérias de pianno, violino, violoncelo, desenho, pintura, bem como um curso commercial. Não obstante a finalidade da Escola ser o estudo domestico, julgamos de alta conveniência attender a taes reclamos, dado o papel educativo desses cursos. O desenho, o solfejo e o canto são matérias obrigatórias ás alumnas das categorias a e b, mas as que se desejarem aprofundar nas matérias acima alludidas creamos esta secção, na qual se fará um curso inteno de 5 annos em cada matéria, denominada de categoria c. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a, p. 24-25).

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Os Cursos anexos deveriam funcionar segundo o mesmo regulamento já

existente da escola, com exceção dos cursos de piano, violino e violoncelo que deveriam estar

de acordo com o programa do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, sob a direção,

na época, do maestro Thomaz Babini. A partir desse incentivo ao estudo da música, na década

de 20 do século XX, surgiu a orquestra musical da ED composta pelas próprias alunas da

instituição, sob a coordenação dos professores:

Maestro Luigi Maria Smido (Conservatório Real de Leipzig);

Maestro Thomaz Babini (Conservatório de Bologna, Itália);

Adeline Leitão (Collegio Cardoso – Rio de Janeiro, Brasil);

Doralice Barros (Diplomada pela primeira turma concluinte da ED de Natal,

em 1919).

No ano de 1927, encontramos uma nova alteração na estrutura curricular da

ED. Dessa vez, o curso sofreu uma redução da carga horária: antes a aluna passava seis anos

estudando e nesse período cursava dois anos de Curso Preparatório e quatro de Doméstico; o

documento de 1927 da LERN informa que a Escola Doméstica passou a mencionar a duração

de cinco anos de curso completo, sendo abolidos os dois anos introdutórios ao Curso

Doméstico, o chamado Preparatório. Os dois anos que deveriam ser cursados anteriormente

foram incorporados ao curso completo de cinco anos, de forma que as matérias deveriam ser

trabalhadas num período mais curto de ensino.

Com essa nova organização, percebemos uma ampliação do currículo nas

disciplinas específicas da formação doméstica, com o surgimento de algumas matérias como

Direito Usual que tinha como objetivo orientar sobre os princípios gerais que norteavam as

leis do período colonial, a formação da monarquia, da república, os direitos dos cidadãos, a

Constituição da República, o Código Civil (principalmente no que se referia à família, ao

casamento, às relações de parentesco, propriedade, contratos, inventários, testamento). Outra

mudança foi a ênfase na separação das matérias de ensino: foram agrupadas em matérias de

caráter mais técnico e matérias de preparo intelectual. “O curso completo é de 5 annos, sendo

um destinado quase exclusivamente ao preparo intellectual, e 4 á continuação do mesmo

preparo e aos estudos de caracter technico.” (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO

NORTE, 1927a, p. 7).

A matéria intitulada Costura prevalecia no currículo, mas com a seguinte

denominação: Costura Teórica e Prática. Essa pequena alteração, no nosso entendimento,

pareceu ser uma forma de a instituição assegurar essa relação de teoria e prática para o

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professor que fosse lecionar a matéria indicada. Francês e inglês passaram a compor o último

ano do curso, mas como matérias facultativas. Educação social e Pedagogia deveriam ser

estudadas no quinto ano doméstico; elas também vêm a somar-se como novidade no

currículo. Cozinha teórica e prática deveria ser dada no quarto ano e no quinto a matéria

Cozinha Artística.

Ao cursar a matéria de Pedagogia, a discente passaria a estudar sobre educação

e suas fases, os princípios pedagógicos gerais, os fatores que interferem nos problemas da

educação do aluno, educação moral, instintos, formação de hábitos e alguns princípios da

Psicologia referentes à mente, cérebro, percepção, memória, impulso, sistema nervoso,

fenômenos mentais e outros saberes que tinham por finalidade inserir as mulheres no

conhecimento humano sobre aprendizagem, conhecimento e desenvolvimento humano.

(LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a). Esses saberes foram distribuídos na seguinte

estruturação:

QUADRO 7 DEMONSTRATIVO DAS MATÉRIAS DO CURSO DOMÉSTICO

1º ANNO 3º ANNO Cozinha pratica e theorica Cozinha pratica e theorica Português Português Francês Francês ou Inglês Arithmetica Historia Universal Geografia Anatomia e Physiologia Musica Jardinagem e Criação Desenho Leitaria Calligraphia Cultura Physica Cultura Physica Musica Costura theorica e pratica Desenho Costura theorica e pratica

2º ANNO 4º ANNO Cozinha pratica e theorica Cozinha pratica e theorica Português Português Francês ou Inglês Francês ou Inglês Arithmetica Jardinagem e Criação Corographia Lavanderia Musica Hygiene Desenho Musica Historia do Brasil Desenho Cultura Physica Cultura Physica Costura theorica e pratica Costura theorica e pratica 5º ANNO Cozinha artisica

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Continua...

QUADRO 7 DEMONSTRATIVO DAS MATÉRIAS DO CURSO DOMÉSTICO

Português Francês ou Inglês (facultativo) Direito Usual Educação social Pedagogia Medicina pratica. Puericultura Musica Desenho Cultura Physica Costura e confecções FONTE: LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE. A Escola Doméstica de Natal. Natal: Typ. & pap. A. Leite, 1927a.

Com a denominada Revolução de 1930, tivemos, em matéria de educação,

algumas modificações no ensino impostas pela legislação nacional. Uma delas foi a criação

do primeiro Ministério Nacional da Educação e Cultura, em 1931, na administração de

Francisco Campos, responsável também pela instituição de alguns decretos-leis que

objetivavam alterar a estrutura do ensino primário e secundário no país. Esses decretos,

instituídos entre os anos 1931-1932, trouxeram mudanças significativas para o campo

educacional, alterando a duração, carga horária e estruturação dos cursos, enfatizando o

caráter elitista e enciclopédico do ensino secundário, ao propor para esse nível de ensino um

caráter terminal, impossibilitando as camadas mais carentes da população de continuar os

estudos.

Essa nova realidade educacional que não preparava o aluno do ensino

secundário para o curso superior também foi evidenciada no currículo da ED, já que a

discente, ao concluir os estudos na instituição, recebia o diploma de educadora do lar, diploma

esse que não lhe abria possibilidades de ingressar no ensino superior.Essa possibilidade só foi

pensada e concretizada na década de 60 pela Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, após a

promulgação da LDB/1961.

Percebemos então que as maiores mudanças somente foram vislumbradas na

década de 60, com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Em

1962, com o advento da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, foi feita a subdivisão

do Curso Doméstico na ED quando passou a ser: o Curso Doméstico de Nível Colegial e o

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Curso Doméstico de nível Ginasial Técnico. Sob influência da LDB ele passou a ter a

seguinte finalidade:

Este segundo ciclo, para as que concluírem o primeiro ciclo ou o ginasial, compreende as matérias obrigatórias do segundo ciclo secundário, ou o curso colegial, segundo a lei vigente, acrescidas das matérias comuns no Curso Doméstico tradicional. As concluintes receberão o certificado de ‘Dona de Casa’, ou seja, de Educação para o Lar, equivalente ao Colégio Técnico, que habilita também para o ingresso nas Escolas Superiores. Terminado o segundo ciclo, as alunas que desejarem seguir a carreira do Magistério, deverão cursar a quarta série, composta de disciplinas especializadas, para que possam registrar o seu Diploma no Ministério da Educação e Cultura”. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914-1964, p. 41).

Através dessas modificações na legislação do ensino, às alunas diplomadas foi

possibilitado dar continuidade aos estudos ou ainda seguir a carreira do Magistério, o que

propiciou grandes progressos para a escola. Nesse sentido, a Escola Doméstica de Natal,

através dos representantes legais da Liga de Ensino do RN, pronunciou-se:

Observando integralmente a orientação tradicional do ensino da mulher, a Escola instituiu a atualização do preparo de suas alunas, reformulando o currículo em bases mais amplas e de melhor sentido prático, visando não somente os misteres do lar, mas, também, do magistério e do ingresso nas escolas de ensino superior. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914-1964, p. 20).

O curso ofertado pela ED antes da LDB de 1961 permitia à aluna diplomada o

direito de receber o certificado de Educadora Doméstica, mas essa teria que estudar mais dois

anos para poder prestar exames para o curso superior. Na verdade, o curso tinha, em certa

medida, um caráter terminal, de acordo com o que propunha a Reforma Francisco Campos. O

fato de o ensino secundário nas escolas não prepararem para o ingresso no ensino superior

ocorreu em todo o país a partir da influência de outras reformas educacionais, como por

exemplo, a Reforma Rivadávia Corrêa mais caracterizada como a oficialização de decretos

numa tentativa de reformar aspectos relativos ao ensino.

Nela, segundo Vieira e Freitas, (2003, p. 78):

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A orientação positivista é retomada [...] mediante a aprovação da Lei Orgânica do Ensino Superior e do Ensino Fundamental na República (Decreto n. 8.659, de 05 de abril de 1911) e o Regulamento do Colégio Pedro II (Decreto n. 8.660, de 5 de abril de 1911). A iniciativa defendia a desoficialização do ensino e de sua freqüência através da criação de institutos; a abolição dos diplomas, que cederiam lugar para certificados de assistência e aproveitamento; a realização dos exames de admissão pelas próprias Faculdades sob a justificativa de que o ensino secundário não poderia voltar-se para o ingresso no ensino superior.

Essa reforma ocorrida durante o governo Marechal Hermes da Fonseca (1910-

1914) representou retrocesso e fracasso na educação, por facultar liberdade total de autonomia

às instituições de ensino e suprimir o caráter oficial do ensino.

As especificações de cada matéria, o que deveria ser ensinado por cada docente

eram detalhadas na grade curricular (ver anexo n. 1) para que fosse cumprido um programa

oficial estabelecido pela Liga de Ensino do RN, de forma a garantir uma certa homogeneidade

dos conteúdos a serem ensinados.

A nota de aprovação nos exames realizados em sala de aula era média 6 e para

as que não obtivessem resultados satisfatórios durante o ano letivo , havia uma pontuação de

acordo com o comportamento, o que iria definir a sua continuidade ou repetição de ano letivo.

As alumnas que nos exames annuaes não obtiverem resultados satisfactorios em duas matérias mas obtiverem a media de comportamento acima de 8, serão submettidas a novo exame no começo do anno seguinte. Si, porem, forem reprovadas em mais de duas matérias, e a media de comportamento for abaixo de 8, deverão repetir o anno. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1922, p. 7).

Entende-se que o comportamento escolar especificado no Regimento Interno

da instituição tinha grande importância na vida escolar. Sua importância se equiparava aos

conteúdos ensinados, tanto que, no momento de decidir pela aprovação ou reprovação da

discente, o comportamento disciplinar era considerado relevante a ponto de justificar a

oportunidade de estudos ou não.

Como podemos perceber, considerar as finalidades educativas da Escola

Doméstica de Natal transpõe as fronteiras dos conteúdos transmitidos especificamente em sala

de aula, norteados por um modelo escolar, envolvendo também, a cultura escolar da

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instituição que compreendia: a rotina escolar diária, as formas de se comportar dos docentes e

discentes, os rituais festivos, as atividades de sociabilidade, seus objetivos, dentre outros

propósitos.

Nos objetivos da ED, destacamos a finalidade da formação intelectual, moral e

física na mulher, pela qual a Escola Doméstica de Natal acreditava contribuir para a educação

e o engrandecimento da nação envolvendo também a família, como Henrique Castriciano de

Souza, em palestra proferida ao público natalense no início do século XX esclarecia: “[...]

queremos approximar a escola da familia, de accordo com a melhor pedagogia

contemporanea, e fazer da mulher educada na simplicidade, no trabalho intellectual e manual

bem orientado, um elemento destinado a melhorar a nação do futuro.” (SOUZA, 1911, p.21).

Os saberes instituídos pela Escola Doméstica de Natal compreendia uma

aprimorada educação social, moral, física e intelectual, segundo as finalidades da instituição.

Foi com base nos fins a que se propunha a Escola que o currículo foi construído, voltado para

uma formação de uma cultura geral, onde as discentes deveriam aprender os saberes numa

ordem dialógica: teoria/prática.

Diante do modelo escolar especificado cabia à diretoria: [...] “dirigir e

fiscalizar o ensino, para que todas as matérias tenham por base o principio do methodo

intuitivo, despertando a attenção e disciplinando a vontade, no sentido da ordem, economia,

da hygiene, do asseio, dos cuidados, arranjos e deveres domésticos.” (ESCOLA

DOMÉSTICA DE NATAL, 1915, p. 4).

Os saberes escolares elencados pela Escola Doméstica de Natal situavam-se

num quadro educacional de valorização da moral, da cultura física, da higiene e da pedagogia.

Deveria tal modelo curricular ser ensinado na escola, tendo como base a corrente da

Pedagogia Nova que se baseava, na época, no método Intuitivo de ensino, numa visão

pragmática, onde os saberes transmitidos deveriam ter associação direta com a vida das

alunas. Os princípios da Pedagogia Nova, como diz Cambi (2004, p, 347), deveriam primar

por “[...] uma escola onde considere sua utilidade para o aluno de uma referência precisa à sua

experiência concreta.” Os princípios acima citados foram pressupostos firmados por

(Pressuposto) Jean Jacques Rousseau no século XVIII e retomado pelo Ativismo do século

XX, ligado a comportamentos pragmáticos. No Brasil, a Reforma Benjamin Constant (1890)

já destacava a ênfase aos métodos intuitivos, propondo para estudos a disciplina Elementos de

Economia Doméstica a ser implantada nos currículos oficiais das escolas.

Encontramos as proposições das idéias da Pedagogia Nova no currículo da

Escola Doméstica de Natal nos anos iniciais de sua fundação, na estruturação de diversas

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disciplinas de ordem teórica e prática que tinham em vista o fazer das alunas com base nos

seus interesses e necessidades. Como exemplo, destacamos o seguinte indicativo:

Para as disciplinas de ordem técnica, a seleção também é feita com rigor, pois cada curso ministrado na Escola Doméstica é uma combinação diferente de princípios fundamentais de economia doméstica. Cada um é baseado nas necessidades, interesses e capacidades das estudantes matriculadas. A professora, portanto, com o seu conhecimento e métodos de ensino, deve achar em primeiro lugar quais são os interesses e necessidades das jovens a seu cargo. Para o fazer tem de conhecer seu ambiente – seus lares e a comunidade. Então estará habilitada a traçar um plano do que irá ensinar. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914-1964, p. 29).

Fazendo uma leitura do encaminhamento dado à organização dos conteúdos de

ensino e o repasse destes na escola, percebemos que a professora que lecionava na ED recebia

orientação de considerar, em primeiro lugar, os interesses e necessidades das alunas. Muito

embora o currículo já tivesse sido estruturado inicialmente, o referencial que o norteava

baseava-se numa matriz de pensamento menos tradicional de ensino e mais numa concepção

onde o ensinar e aprender caminhava de forma mais horizontal, menos hierarquizada, mais

estimulante e condizente com a vida cotidiana das discentes, priorizando o fazer. O ensino

seria realizado pelas lições de coisas, maneira como foi divulgado o método ntuitivo. Uma

orientação pedagógica que implicava estudar mais o concreto do que o teórico e o abstrato; as

faculdades mentais deveriam ser provocadas a um desenvolvimento gradual e harmonioso. A

aluna era estimulada a observar objetos e fatos; o conhecimento, em vez de ser transmitido

pelo professor, emergia da relação concreta estabelecida entre aluna/objetos ou fatos.

O caráter científico, prático e singular do currículo da Escola Doméstica

consubstanciava-se numa das justificativas também lançadas pela instituição ao criar o seu

modelo escolar próprio, o qual tido como um diferencial das outras escolas femininas na

cidade do Natal, ao propor um ensino que abria possibilidades de as discentes utilizarem os

conhecimentos adquiridos na escola em sua vida pessoal, social e principalmente familiar.

No ano de 1960, tivemos no currículo escolar da ED algumas mudanças

significativas que atingiram as finalidades da instituição. Em decorrência da lei n°. 2.803, o

governo do Estado do Rio Grande do Norte equiparou as diplomadas pela Escola Doméstica,

quando no exercício do magistério estadual, às diplomadas pela Escola Normal de Natal e

Mossoró com os mesmos direitos e vantagens. Dois anos depois dessa lei, em 23 de maio de

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1962, ocorreu a revalidação do Curso Doméstico de Nível Ginasial e a criação do Curso

Doméstico de Nível Colegial.

A estrutura curricular da ED de Natal parecia de certa forma, nas primeiras

décadas de fundação do estabelecimento, firmar-se independente das reformas de ensino. A

Reforma de ensino Francisco Campos ocorreu dezessete anos após a fundação da escola, no

entanto esta manteve-se no decorrer dos anos com poucas alterações em na sua grade

curricular original.

Com o advento do Estado Novo em 1937, foi criada no Brasil uma nova

Constituição Federal imposta pelas forças ditatoriais. Em seu art. 15, Título IX, a União

deveria fixar as bases e determinar a estrutura da educação nacional, traçando as diretrizes que

deveriam primar pela formação física, intelectual e moral da infância e da juventude,

apontando para uma tendência de caráter nacionalista no país verificada nos campos

econômico e político e no setor educacional. O ensino pré-vocacional e profissional deveria

ser dever do Estado e se destinar aos grupos menos favorecidos economicamente. A política

do Estado Novo esteve nesse contexto, voltada para preocupações com o ensino profissional,

objeto de reformas encaminhadas pelo Ministro da Educação Gustavo Capanema, conhecidas

como Leis Orgânicas do Ensino que vigoraram até à aprovação da LDB de 1961.

As Leis Orgânicas de Ensino (Reforma Gustavo Capanema) foram decretos

que abrangeram a organização dos ensinos primário, secundário e técnico-industrial no país;

acentuava-se a idéia de educar o sujeito para assumir um papel social dentro da nação, onde a

disciplina Educação Moral e Cívica seria responsável por incutir nos alunos a formação de

base patriótica e disciplinar, onde o modelo humanista clássico de formação se sobressaía ante

uma formação de base científica. A reforma evidenciava uma realidade já proposta

anteriormente pela Reforma Francisco Campos: a falta de flexibilidade do ensino

profissionalizante e o do ensino secundário, pois ao concluir o ensino técnico profissional, o

aluno somente poderia dar continuidade aos estudos no ramo profissional correspondente, não

aproveitando o tempo de estudo realizado para engajar-se em outro curso. O currículo da

Escola Doméstica apresentava algo parecido com as duas reformas: a Francisco Campos e a

de Gustavo Capanema, pois tinha um caráter de formação terminal que dificultava o ingresso

no curso superior, bem como em outro ramo de ensino.

O currículo proposto pela ED de Natal não sofreu alterações específicas diante

dessa nova estruturação das Leis Orgânicas de Ensino; o que percebemos, no entanto, foi a

forte evidência da escola em trabalhar na perspectiva da formação disciplinar, moral e

intelectual; evidentemente isso não ocorreu de forma gratuita e descontextualizada com o

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momento histórico que gradativamente ia considerando a educação como um problema de

ordem nacional e nessa empreitada caberia às instituições escolares um papel relevante.

Disciplinas como Educação Física também ganhou destaque nessa conjuntura, como forma de

aperfeiçoar a formação viril, robusta e ativa dos indivíduos. Isso, com certeza, contribuiu

significativamente para provocar mudanças nos elementos que faziam parte da ambiência

escolar, ou melhor, alterava o conteúdo da escolarização.

É possível afirmar que a implantação de uma estrutura curricular como a da

Escola Doméstica de Natal fazia parte de um projeto de difusão, no país, de um pensamento

voltado para a conquista de uma nova pedagogia marcada pela defesa de um ensino prático,

racional e, também, por uma ciência da educação considerada nova, moderna.

Com base nos dados analisados sobre as práticas educativas da Escola

Doméstica de Natal, percebemos que o referencial teórico que norteava o currículo escolar foi

escolhido como uma maneira de firmar a renovação dos métodos de ensino, isto é, diante da

estrutura curricular das demais escolas da cidade de Natal, o modelo escolar apresentado pela

Escola Doméstica pretendia primar por uma matriz de pensamento que ultrapassasse as

perspectivas de ensino existentes em outras escolas da cidade que se voltavam para a

formação feminina centrada mais no ensino prático das prendas do lar e, quando muito,

algumas noções de Aritmética, Língua Portuguesa e Geografia.

A relação teoria/prática era bem enfatizada nas práticas de ensino da Escola

que tinha por finalidade garantir à mulher uma formação geral, com o conhecimento das

normas de etiqueta, educação, bons hábitos e comportamentos, conforme os costumes que

circulavam na moda européia e as regras de comportamento tidas como válidas. O

aperfeiçoamento do saber doméstico e o gerenciamento racional das despesas do dia-a-dia

(valores de uma boa formação moral, intelectual e física) eram elementos que, para os

idealizadores dessa escola, iriam conferir o que de melhor uma instituição escolar poderia

garantir de formação ao seu corpo discente.

A Escola Doméstica de Natal, nessa perspectiva, optou por oferecer um vasto

programa curricular correlacionando teoria e prática, valorizando a ciência como pressuposto

básico dos ensinamentos. Essas preocupações em garantir uma cientificidade aos

conhecimentos transmitidos às discentes ficam evidentes no momento de proposição da

estrutura curricular, onde cabia às alunas receberem aulas teóricas em sala de aula sempre

correlacionadas às aulas práticas realizadas em laboratórios da Escola e em espaços abertos,

ao ar livre, como forma de vivenciar a prática, estimular os sentidos e aguçar a experiência.

Neste sentido, a Liga de ensino do RN pronunciava-se:

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O ensino e nisto consiste a sua maior virtude – será mais pratico do que theorico. Sem grandes canceiras e sempre sob a direção das mestras, para quem não são uma vergonha o trabalho manual e os misteres que a nossa defeituosa educação de latinos, prejudicados pelo trabalho escravo costuma considerar deprimentes, as discípulas irão aprendendo, por meio de applicações e continuadas aulas teóricas e práticas, tudo quanto estiver indicado no referido programma educativo. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a, p. 20).

Como exemplo desses ensinamentos da escola, temos as aulas de culinária

realizadas em sala de aula; depois as alunas eram encaminhadas a um laboratório de estudo

para analisar e manipular cientificamente os alimentos e dele conhecer seus princípios ativos,

elementos de composição, como é demonstrado na foto a seguir:

FOTO 7 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em momento de aula prática sobre culinária, 1927. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Na imagem destacada, fica evidente além da preocupação em correlacionar nas

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disciplinas do currículo a teoria e a prática, a importância em destacar nessas aulas, por

exemplo, a higiene como elemento central, no momento de exercer a manipulação dos

alimentos ou de outros objetos. O incentivo do uso da touca, do avental e, às vezes, da luva

descartável garantiria as normas de higiene na hora de manipulação dos objetos de cozinha

pelas alunas.

Outro aspecto importante a destacar diz respeito à organização do espaço a ser

usado para exercer a arte culinária, pois segundo orientações dadas pela Escola Doméstica, o

espaço da cozinha, para seguir as normas de higiene, deveria ter nas suas paredes azulejos

limpos e de tom menos escuro possível para dar uma sensação de claridade e limpeza ao local.

Deveria ainda ser a cozinha um espaço de realizações, proporcionando à mulher momentos de

prazer ao exercer a culinária. “A Escola foi pioneira em fazer e recomendar a substituição das

cozinhas cobertas de fuligem por cozinhas claras e azulejadas.” (LIMA, 1998, p. 7).

Henrique Castriciano de Souza também teceu severas críticas às formas como

eram estruturadas as cozinhas das residências nesse período. Ao fazer isso, deixava claro em

suas colocações que a ausência dos princípios higiênicos nesse recinto era um dos motivos

que ocasionava a repulsa da mulher pelo uso da cozinha. Assim manifestava-se ao dizer:

A cozinha, o logar em que é solicitada a cada momento a presença da dona da casa, é a cousa mais anti-hygienica do mundo: quente, mal arejada, sem utensílios de fácil asseio e, para cumulo, como o terrível fogão de chapa espirrando fumaça, como dizem que o diabo espirra enxofre pelo nariz. Ao lado, a cozinheira malcreada, enxugando, ao menor descuido da dona da casa, o suor na toalha destinada a limpar os pratos ou a accendendo o cachimbo ordinário. Este é um dos motivos porque as senhoras odeiam a cozinha. Esta, porem, deve e pode ser cousa differente. (SOUZA, 1911, p. 41).

Essas representações de Souza sobre a cozinha do seu tempo foi motivo de

grandes preocupações da Escola Doméstica de Natal, particularmente no que diz respeito às

normas de higiene. Eram idéias à frente do seu tempo, tendo em vista que no Brasil as

cozinhas mantinham ainda os costumes do uso do fogão à lenha ou a carvão, bem como a

ausência de normas higiênicas, como água encanada, gás etc. A utilização de pias, panelas de

alumínio reluzentes, mulheres de avental, com luvas, bem penteadas e trajadas faziam parte

do imaginário de algumas poucas mulheres brasileiras, particularmente as das camadas mais

privilegiadas da sociedade como ressalta as autoras Maluf e Mott (1998, p. 412).

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Era justamente essa ausência de normas higiênicas nas cozinhas brasileiras que

a Escola Doméstica de Natal queria combater a partir das orientações dadas às alunas,

contidas nas proposições do currículo escolar, evitando que as mulheres tomassem a atividade

doméstica como um trabalho exaustivo que provocasse grande desgaste físico, além de

demorado e sujo, em que a cozinha fosse percebida apenas como mais um apêndice da casa

onde tudo poderia ser realizado: banhar crianças, passar roupa, servir de dormitório às

empregadas etc. Essa função da cozinha fazia parte de um contexto em que “Poucas casas

conheciam a função, divisão e restrição de espaço, modernidades preconizadas e prescritas

não só por higienístas, engenheiros e construtores, como pelas posturas municipais.”

(MALUF; MOTT, 1998, p. 413-414).

Outros dois exemplos que podem ilustrar as proposições da Escola sobre a

junção teoria/prática encontram-se nas aulas de Anatomia, Fisiologia e Puericultura. Na

primeira, as discentes, após estudos teóricos, eram conduzidas a um laboratório de Anatomia

para analisar, sob orientação de um docente, a estrutura de composição do corpo humano:

células, tecidos, órgãos, sistema e aparelhos digestivo e respiratório, formação óssea,

articulações, músculos, sistema vascular, sistema nervoso, sistema linfático, aparelhos

sensorial, digestivo, noções sobre nutrição, etc. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO

NORTE, 1927a, p. 22). No segundo exemplo, temos as aulas de Puericultura, momentos onde

as alunas recebiam conhecimentos teóricos e práticos sobre a criança: alimentação infantil,

doenças na infância, higiene infantil, vacinação, aleitamento materno , etapas de crescimento

das crianças, desenvolvimento físico e mental, educação física para crianças, formação moral

e intelectual para cursar a matéria de Puericultura, as discentes teriam que apresentar como

pré-requisitos já terem estudado as matérias de Enfermagem, Higiene, Nutrição e Medicina

que seriam, na concepção curricular, as bases teóricas para a Pediatria.

A imagem de uma ex-aluna da ED no ano de 1948, durante uma aula de

puericultura, refletia um dos momentos de expectativa das discentes, que era pôr em prática

os conhecimentos estudados durante as aulas de Puericultura, pois a discente deveria

vivenciar durante uma semana as práticas referentes aos cuidados de saúde, higiene e nutrição

de uma criança. A seguir a foto onde a aluna recorda um dos momentos dessas aulas, onde ela

ficava responsável por um bebê, aprendendo a cuidar dele no seu dia a dia, desde o banho à

troca de fraldas, incluindo alimentação. Os bebês, em geral, advinham de famílias carentes e

permaneciam na instituição durante certo período para ser cuidado pelas alunas durante as

aulas práticas de Puericultura. Cada criança ficava sob a responsabilidade de uma discente

que era acompanhada pelo professor da matéria para avaliação de seu desempenho.

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FOTO 8 – Imagem de uma ex. aluna da ED, em momento de aula de Puericultura, 1948. Fonte: Acervo particular da ex. aluna da Escola Doméstica de Natal, Sra. Neide Galvão.

Na sua origem, a Escola Doméstica de Natal não dispunha de um local

específico para as aulas de Puericultura. Em 1919, Varella Santiago, médico atuante da cidade

de Natal e professor da ED, fundou o Instituto de Puericultura anexo à Escola. O espaço-

laboratório das aulas de Puericultura, como comprova o Plano Geral de Ensino da Liga de

Ensino do RN, foi criado com base em algumas finalidades explícitas:

Em relação á puericultura, para attingir racionalmente os nossos fins, obtivemos um prédio ao lado da Escola, edificado e mobiliado de accordo com os preceitos da hygiene moderna e nelle installamos uma creche, onde

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as alumnas do 5º Anno Domestico, guiadas por uma enfermeira diplomada especialmente contractada para este mister, acompanham a evolução physio-phychica das creanças internadas nesta secção, a partir de dois até cinco annos de idade. Assim as alumnas, após as lições theoricas, instruem-se praticamente junto às creanças seguindo-lhes dia a dia, como ficou dito, a evolução physio-psychica, e apprendendo o que de mais importante a sciencia ha ventilado nos últimos tempos sobre este assumpto.( LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1927a, p. 24. )

Esse espaço criado possibilitou ampliar os estudos sobre a criança,

estabelecendo uma relação muito importante entre os estudos teóricos e a experiência prática,

seguindo o modelo escolar da instituição. O laboratório de puericultura também funcionou

como um campo de estágio para as alunas, pois era nele que as alunas, durante o período de

estágio (que geralmente ocorria numa semana, sob a direção e orientação de uma enfermeira e

do professor Varela Santiago), cuidavam das crianças internadas: dando banho, preparando

diariamente as refeições, organizando os dormitórios, passeando ao ar livre enfim, assumindo

o papel de mãe de família. Era esse espaço o lugar escolhido para aperfeiçoar os

conhecimentos de Puericultura e aflorar a descoberta do mundo materno, conhecimentos

moldados nos preceitos de um mundo mais moderno. O registro fotográfico a seguir evidencia

um desses momentos:

Page 173: EDUCAR PARA O LAR, EDUCAR PARA A VIDA: cultura escolar … · Puericultura, 1926 .....171 FOTO 10 – Turma de alunas da Escola Doméstica em aula prática de Ginástica Suéca, 1929

171

FOTO 9 – Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de Puericultura, 1926. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Nos exemplos abordados anteriormente, percebemos os propósitos da Escola

Doméstica de Natal em primar por um ensino teórico e prático, considerar também os saberes

pedagógicos repassados às alunas, respaldados no conhecimento científico e garantir a

apreensão de normas higiênicas a partir desses saberes, contendo em seu currículo escolar

princípios Higienistas e Positivistas. Compreendemos esses propósitos como resultante de

vários fatores, dentre eles a necessidade de dar cientificidade à Pedagogia, conferindo uma

pedagogia moderna com base em valores culturais da educação européia e de atribuir à

instituição escolar o papel de formadora de valores de uma educação tida como avançada e

moderna para a época. Como resultado dessa valorização, estaria a Escola contribuindo para

formar uma cidadã ativa para atuar na vida, ao transmitir alguns conhecimentos de utilidade

prática e necessária a sua inserção familiar e social, no espaço, portanto, privado e público.

Nesse sentido, uma aluna da Escola Doméstica na época expressava-se:

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Para este fim temos a nossa Escola Doméstica, organizada sob methodos modernos e aperfeiçoados, provida de todos os requisitos próprios, de um estabelecimento modelar. Neste educandário, as alumnas recebem a educação condigna que as habilitam para a vida laboriosa e útil, disciplinada e honesta, de que a família tem mister. (LAMARTINE, 1925, p.22)

Embora no Brasil, a difusão de uma matriz de pensamento Escolanovista tenha

ocorrido de forma mais madura e acentuada nas décadas de 1920 e 1930, defendemos a

proposição nesta pesquisa que, no Estado do RN, esse ideário escolanovista é lançado, ainda

que de forma tímida, no início da primeira década do século XX. Observamos durante a

pesquisa que o grupo de intelectuais formadores da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte

defendia a criação de Escolas Domésticas para mulheres a partir de uma matriz de

pensamento que privilegiava na estrutura curricular e no modelo de ensino/aprendizagem

princípios da Pedagogia Nova. Embora não fosse utilizado o termo Escola Nova, seus

princípios estavam presentes na prática e na teoria da Escola Doméstica de Natal.

Como pressuposto de uma Escola Ativa, a Escola Doméstica de Natal deveria:

enfatizar os princípios da atividade como condição física e mental para ser exercitada em

todos os momentos pedagógicos; dar oportunidade para que as alunas sentissem,

processassem e buscassem vivenciar novas situações de ensino e aprendizagem na escola;

provocar o enriquecimento da cultura física e moral; organizar trabalhos que envolvessem as

atividades manuais, com fins educativos e de utilidade individual e coletiva, muito mais do

que profissional; despertar o gosto por trabalhos livres para desenvolver e despertar o espírito

inventivo, estímulo ao culto da decência, da obediência, da boa etiqueta, da urbanidade, da

delicadeza; trabalhar a cultura do corpo através de ginástica ou jogos esportivos; promover na

escola um ambiente arejado, atrativo, onde a organização e a higiene fossem elementos

significativamente considerados, onde o agir e o pensar, formular idéias e operar, fossem

indissociáveis.

Nesse sentido, a Escola agia de acordo com o ideário da Pedagogia Nova,

como bem exemplifica a fala de Lourenço Filho, um dos seus principais divulgadores no

Brasil. “O modelo ideal da nova pedagogia começa por integrar aprender/fazer. Sensibilidade,

ação e pensamento devem fundir-se. A aprendizagem surge de um processo ativo, resulta de

impulsões naturais, carregadas de teor emotivo.” (LOURENÇO FILHO, 2002, p. 152).

Henrique Castriciano de Souza afirmava ser importante a existência em Natal

de uma instituição educativa que tivesse como propósito educar para o lar e educar para a vida

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como um processo ativo escola/vida. Quando expressava o desejo de uma educação para a

vida, queria firmar o propósito de a escola ser voltada para as necessidades e interesses do

indivíduo, para que este pudesse fazer uso dos conhecimentos adquiridos, utilizando-os na sua

vida prática. Particularmente esse ideário era voltado para a formação da mulher e, nesse

raciocínio, argumentava sobre as instituições escolares até então existentes antes da fundação

da ED de Natal:

Não temos a escola para a vida; e ao sahir do collegio com algumas noções de grammatica, de trabalhos delicados de agulha (de prendas, segundo os appellidam) e rapidos conhecimentos da lingua francesa, de musica e de desenho, a moça não tem aptidão physica nem energia para cuidar com vantagem dos irmãos pequenos, para auxiliar os seus na direcçao do lar e, o que é peior, para reagir contra as surpresas do destino, mantendo-se por si, com iniciativas e coragem, se lhe vierem dias tormentosos. (SOUZA, 1911, p. 32-33).

A idéia concebida de educar a mulher para o lar e para a vida, com base numa

sólida educação doméstica, não surge com Henrique Castriciano a partir da fundação da

Escola Doméstica de Natal, mas na Europa, na Suíça, com a Escola de Ménager, como já

afirmamos anteriormente no capítulo II, ao tratarmos do modelo escolar da ED que se

construiu sob forte influência de correntes do pensamento ativista. A finalidade de educar a

mulher com base em uma educação doméstica fundamentada nos preceitos da ciência esteve

aliada a correntes ideológicas e movimentos feministas emergentes na Europa no século XIX.

A partir de estudos realizados sobre as perspectivas de educação feminina no Brasil, nas

primeiras décadas do século XX, Amaral (2002, p. 21) constatou que:

Havia aqueles que defendiam o direito da mulher exercer uma profissão no mercado de trabalho e aqueles que acreditavam que a função feminina nas atividades domésticas manteria o lar em perfeita ordem e seria uma forma muito importante de contribuir para o progresso econômico do país. A instrução feminina, portanto, passou a ser reivindicada tanto para capacitar a mulher para o mercado de trabalho quanto para desenvolver bem as atividades domésticas.

No caso particular da Escola Doméstica de Natal, a fundamentação do seu

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ideário pedagógico respaldava-se nos preceitos dos que defendiam que manter o lar em

perfeita ordem seria uma importante forma de contribuir para o desenvolvimento econômico

do país, tendo em vista que a organização e a ordem social iniciar-se-iam nas casas, nas

particularidades das famílias, na educação dada aos filhos, na racionalização dos gastos

pessoais de cada família, o que permitiria pensar numa sociedade mais organizada e

equilibrada social e economicamente.

O ideário sobre a educação feminina no Brasil, e mesmo na Europa, não

ocorreu de forma harmônica; houve divergência nas posições assumidas por grupos

considerados progressivas e conservadores em algumas localidades do continente europeu,

gerando discussões entre esses grupos. O desenvolvimento industrial e urbano ocorrido no

início do século XX abriu espaço para o acesso das mulheres a uma maior escolaridade,

fazendo surgir novas profissões no mercado de trabalho. A busca das mulheres por um espaço

de atuação mais efetiva no âmbito público foi uma realidade constante que muito contribuiu

para a garantia de algumas conquistas sociais, como o direito ao voto, a participação em

cargos públicos, antes confiados apenas ao sexo masculino, dentre muitas reivindicações que

se foram concretizando historicamente.

Esse aspecto da História é importante porque significa o avanço das

reivindicações femininas, entretanto temos que considerar que, apesar dessas novas

conquistas, as mulheres ainda se deparam com inúmeras dificuldades com relação aos espaços

públicos a serem ocupados. De um lado, havia a vertente mais conservadora que não aprovava

uma possível emancipação feminina, a exemplo da Igreja Católica, pois:

A igreja católica via na crescente emancipação feminina a desestruturação das bases do casamento sadio. O discurso higiênico moderno reforçava essa associação, afirmando que o lugar da mulher era no lar e sua função prioritária o cuidado de filhos e filhas. Na família ideal, a mulher não deveria trabalhar fora. A guarda da prole e sua educação seriam atividades naturais da mulher, que passaria todo o seu tempo amando e brincando com os filhos e filhas. (VIDAL; CARVALHO, 2001, p. 215).

Por outro lado, no Brasil, as ofertas de emprego disponíveis no campo social

geralmente funcionavam como uma extensão dos trabalhos realizados no lar: engomadeiras,

operárias da indústria têxtil, de confecções e alimentos, telefonistas, enfermeiras, professoras.

Essas profissões, quando exercidas pela mulher, eram percebidas pela sociedade como uma

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forma de ajuda financeira ao marido nas despesas do lar, jamais enquanto realização pessoal e

profissional, tendo ainda que obter do cônjuge a expressa aprovação para exercer a atividade

fora de casa.

A busca por conquistas no mercado de trabalho principalmente se o trabalho

garantia direitos trabalhistas, não foi tarefa fácil para a mulher naquele momento histórico,

considerando ainda que lhe era exigido que antes de se dedicar ao trabalho remunerado ela

fosse boa dona de casa.

A utilização dos novos bens de consumo por algumas famílias, como ferro

elétrico, fogão a gás, vem acompanhada de exigências higiênicas preconizadas por novas

medidas difundidas pelo Movimento Higienista do início do século XX. Há uma crescente

exigência sobre a mulher com relação à maternidade, devendo ela ter atenção não somente

com relação à saúde, mas com os aspectos educacionais e morais. Nesse contexto de

mudanças e exigências ao sexo feminino, à mulher ficou delegada a tarefa de ser a educadora

do lar e, para tanto, necessitaria adquirir o domínio da ciência doméstica, domínio esse que

ultrapassaria o mero conhecimento dos afazeres do lar; era preciso também conhecer um

pouco sobre Ciência, Higiene, Química e Física, Geografia, Artes. Assim:

Havia, portanto, muito trabalho ainda para ser feito. Daí a necessidade de ter método, organizar bem as atividades e se realizar no dia-a-dia, aproveitar o tempo e, mais do que isso, fazer uma “administração científica” das tarefas a se desempenhar, para que as coisas não fossem feitas de atropelo, evidenciando-se, assim, o tão temido mau humor, imagem freqüentemente associada ao ‘anjo do lar’. (MALUF; MOTT, 1998: p. 406).

A dona de casa deveria saber economizar, gerenciar o dinheiro das despesas e

do orçamento familiar, por isso o conhecimento da ciência aplicada aos saberes domésticos

tornava-se o casamento perfeito para formar novos hábitos nas mulheres como, por exemplo,

administrar melhor e racionalmente o espaço doméstico.

Naquele momento, manifestava-se o desejo de europeização e de

modernização, inspirado nos modelos de sociabilidade européia e de buscas por novos ritmos

temporais, prometidos pela República recém-chegada. (NOVAIS, 1998). Nesse contexto,

cabia à Pedagogia gerar uma nova forma de racionalidade, com métodos apropriados,

respaldados pelas normas disciplinares e moralização de costumes, pautados pelos valores da

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higiene como saber a ser transmitido.

Na perspectiva da vida privada, o advento da República viria proclamar, inicialmente, uma atitude de repúdio difuso à vida rotineira e aos arcaísmos, que seriam a própria negação do progresso, como forma de os indivíduos desamarrarem-se dos modos provincianos e das sociabilidades causadas pela sociedade escravista. (SALIBA, 1998, p. 289).

Do período do surgimento da Escola até o início do ano 1940, evidenciamos

preocupações mais voltadas para uma educação baseada fortemente no Movimento

Renovador da Educação: Ativismo - estímulos em proporcionar atividades com base nos

interesses das alunas, ênfase no fazer da atividade, entre outras características. Na década de

40 do século XX, essas finalidades pedagógicas ainda se faziam presentes, no entanto,

encontramos elementos novos nas ações do currículo, por exemplo, uma excessiva

necessidade de conferir às atividades pedagógicas um caráter mais racionalizador. Isso

significava assentar alguns princípios na metodologia de ensino, antes não empregados e

experimentados pela Escola.

É lembrado que a formação técnico-profissional no Brasil acentuara-se com a

promulgação das Leis Orgânicas do Ensino ocorridas na década de 40. Os níveis de ensino: o

agrícola, o industrial e o comercial sofreram novas reformulações que espelhavam a

necessidade de qualificação de mão-de-obra do indivíduo para atuar no mercado de trabalho e

essa realidade manifestava-se na formulação de um currículo nacional com matérias pensadas

para esse fim, apesar de o ensino secundário conservar a sua tradição de preparar as elites

brasileiras para engajar no curso superior.

Nesse mesmo período, a idéia de dar às atividades pedagógicas da Escola

Doméstica de Natal um caráter mais racionalizador (apesar de, naquele momento, ainda não

ser colocada a finalidade de preparação para o trabalho) surgiu com mais sustentação teórica e

prática no currículo da Escola, desta vez acompanhada de recomendações dos princípios

defendidos pelo economista norte-americano Frederich Winshow Taylor (1856-1915) que

plasmou as bases fundamentais da organização científica do trabalho, conhecido

mundialmente como Taylorismo. Segundo a tese defendida por Taylor, o trabalho organizado

cientificamente resultaria um aumento considerável na produção e esse princípio servia de

fundamento para a organização e gerenciamento da casa pela mulher.

Uma das formas de aplicar as premissas propostas pelo Taylorismo encontra-se

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em alguns cadernos de alunas do quinto ano do Curso da Escola Doméstica de Natal (a partir

do ano de 1945) que continham registros com exemplificações da aplicabilidade dos passos

defendidos por Taylor ao trabalho nas atividades domésticas. Um dos exemplos é dado com

base na tarefa de lavar louças, uma das atividades tida, na época, como particular ao universo

feminino e percebida como muito exaustiva, demandando, portanto, tempo prolongado.

Segundo esses registros, com o uso de um método adequado, era possível tornar essa tarefa

menos cansativa, reduzindo os gastos e racionalizando o tempo na cozinha. Para tanto, era

recomendado à aluna, seguir os princípios que destacaremos abaixo:

a) Desenvolver em cada elemento do trabalho operário um método científico que substitua métodos empiricos;

b) Especializar, formar e conduzir o operário ensinando-lhes o melhor processo de trabalhar;

c) Acompanhar cada operário para assegurar de que o trabalho está sendo feito conforme regras estabelecidas;

d) Subdividir equitativamente a responsabilidade e a tarefa entre a direção e o operário encarregando-se aquela de tudo que ultrapasse a competência deste.

(SALES, 1949).

Como seria então essa ciência da organização do trabalho aplicada às

atividades domésticas? Prever, organizar, dirigir, coordenar e controlar eram elementos que

deveriam ser incorporados às instruções dadas à mulher, para que pudesse aprender a gerir

com eficácia o seu lar. Primeiro, ela precisaria fazer um levantamento prévio do trabalho

doméstico a ser exercido, tendo uma idéia precisa do objetivo a ser perseguido. Na etapa de

organização, ela centralizaria sua ação no estudo dos instrumentos a serem usados nessa

tarefa, de modo que percebesse a forma mais adequada de desenvolvê-lo. Por fim, efetuaria o

trabalho, adequando os meios e o método selecionado; verificaria os resultados obtidos,

comparando a qualidade do resultado com o tempo empregado e o dinheiro gasto.

Essas etapas, quando bem aplicadas à atividade doméstica, funcionariam,

segundo a filosofia da Escola, como propulsoras de um bom desempenho da dona de casa,

minimizando suas ações no dia-a-dia da organização e administração do lar.

A figura representada abaixo, abstraída do caderno da aluna Terezinha Dantas

Sales (1949) da Escola Doméstica na época, destaca processualmente as etapas dessa

aplicação. Vejamos:

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O método aplicado corretamente na execução da lavagem de roupa, por

exemplo, basear-se-ia nas etapas de planejamento, organização sistemática da ação a ser

executada, na criação das condições e na efetivação da atividade.

A metodologia e as técnicas, nesse contexto, seriam primordiais para o bom

desempenho da dona de casa, percebidas então como instrumentos que, ao serem bem

empregados, garantiriam o sucesso da ação da mulher durante os afazeres domésticos. O

exemplo destacado a seguir evidencia como seriam postos em prática os princípios tayloristas

numa atividade do dia -a -dia da mulher, como uma simples lavagem de louça. Vejamos esse

exemplo retirado de um caderno de uma ex-aluna da Escola Doméstica de Natal, em meados

da década de 1940. O método aplicado produziria o seguinte resultado:

1. Armário de guardar louça (lugar reservado para colocar a louça lavada e limpa).

2. Calçados ou mesa da pia para escorrer os pratos (objeto a ser usado para pôr a louça limpa)

3. Pia (local reservado à louça suja e onde seria realizada a tarefa) 4. Bandeja de servir-móvel (objeto para transportar a louça de um lugar para

o outro). (SALES, 1949, p?).

Compreendendo a sistematização dos passos apontados acima, veremos que as

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etapas a serem seguidas para exercer uma simples tarefa de lavar louça teriam que vir

acompanhadas de passos ordenados, num método de ação, onde a pessoa que o utilizaria

deveria seguir rigorosamente, para não dizer tecnicamente, uma ordenação onde a análise da

tarefa a ser realizada, a preparação do ambiente, dos objetos e a compreensão sobre o que iria

executar deveriam ser objeto de apropriação antes da execução da atividade. O que poderia

parecer evidente na observação de uma dona de casa ganhava, nessa visão, uma técnica de

regulagem dos movimentos ordenados e planejados, a princípio, por quem fosse executá-la.

As regras estabelecidas sobre a técnica aplicada seguiam a seguinte ordenação:

Primeira regra: a análise – demonstrar com a lavagem de louça. Segunda regra: a preparação do trabalho – todo trabalho deve ser preparado intelectualmente antes de ser executado materialmente. Terceira regra: o trabalho por série: todos os trabalhos da mesma categoria serão agrupados por séries para serem executados imediatamente, uns depois dos outros, sem pausas nem mudanças de utensílios. (ex: como a lavagem de ouças). Quarta regra: o trabalho deve avançar em linha reta da direita para a esquerda no espaço retrocedendo sem idas e vindas. Quinta regra: tudo em seu lugar e ao alcance da mão. Colocar no devido lugar todo o utensílio que vai usar no trabalho. Sexta regra: simplificação do trabalho. É uma regra de bom senso apenas. (Ex: usar louça que vai ao forno para servir na mesa, escaldar a louça e pôr o escorredor para enxugar, etc.). (SALES, 1949, p?).

Como no exemplo anterior, esses procedimentos ordenados eram apresentados

às alunas do quinto ano do Curso da Escola Doméstica de Natal, no ano de 1949. As alunas

eram orientadas sobre a possibilidade de pôr esses procedimentos em prática, pois esses

passos seriam importantes para evitar a fadiga e a insuficiência do rendimento humano no

trabalho, bem como para racionalizar a atividade humana, banindo, com isso, os excessivos

gastos de tempo e dinheiro que uma mulher poderia ter no seu lar.

Vejamos que a produção taylorista baseia-se na existência do trabalho

parcelado e na fragmentação das funções, na separação entre elaboração e execução do

processo de trabalho, e em outras dimensões. Segundo Antunes (1995), esse tipo de processo

de trabalho predominou na grande indústria ao longo deste século, primando pela produção

em massa e pela separação pensar/fazer.

Ao fazermos a leitura dos cadernos de estudo, escritos pelas ex-alunas da

Escola Doméstica de Natal, deparamo-nos com algumas indagações que buscamos

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compreender melhor a partir do entrecruzamento da leitura das anotações nos cadernos de

exercícios das discentes que estudaram na primeira turma da Escola e as que vieram a estudar

nos anos subseqüentes.

Encontramos alguns registros sobre os princípios do Taylorismo nas anotações

das alunas sobre o processo de racionalização do trabalho; eles eram evidenciados como uma

forma de a mulher conseguir transpor para os afazeres do lar uma racionalização das

atividades, economizando tempo e dinheiro, conseguindo assim superar os grandes encargos

atribuídos ao trabalho doméstico, onde ela teria que dispor de muitas horas do seu tempo

realizando atividades rotineiras.

Economizar, economizar, economizar... Essa é a recomendação feita às esposas em praticamente todos os números da Revista Feminina, no decorrer de duas décadas. As boas donas de casa deveriam, portanto, saber gerenciar o dinheiro das despesas, não pedi-lo com freqüência, ser comedida em suas exigências, contendo-se com a renda de que dispunham. Deveriam produzir em casa, com as próprias mãos, tudo aquilo que fosse possível, evitando ao máximo tudo e qualquer peso excessivo ao bolso do marido. (MALUF; MOTT, 1998, p. 417).

Segundo Maluf e Mott (1998), o controle do tempo, a economia doméstica na

contenção das despesas e a excessiva preocupação em ocupar a mulher com trabalhos

manuais (até mesmo para ajudar na racionalização dos gastos) foram preocupações que

fizeram parte do imaginário feminino no início do século XX. Compreendemos que isso não

significava afirmar que toda mulher estivesse realizada plenamente no papel a ela imposto

socialmente e no seu âmbito familiar, mas é importante ressaltar que essa era uma realidade

da maioria das mulheres brasileiras, com exceção de algumas que se rebelaram,

posicionaram-se à frente do seu tempo, a exemplo das escritoras feministas norte-rio-

grandenses Júlia Lopes de Almeida, Nisia Floresta, Auta de Souza, dentre outras grandes

mulheres que se destacaram na nossa história.

A contenção do tempo nas atividades domésticas também era justificada, além

do fator econômico, pela necessidade de a mulher dispor de mais horas do seu dia para outras

necessidades que apareciam no âmbito familiar, como a educação de sua prole, tendo em vista

ser a ela concebida este encargo, o que a deixava sobrecarregada, pois além dos afazeres do

lar tinha que acompanhar a instrução dos filhos. Vejamos que grandes encargos eram

delegados à mulher nessa época:

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A sua principal missão porém é preparar os seus filhos que serão os homens e mulheres do amanhã”. Nesse sentido, esperava-se que as mulheres dominassem um pouco de diferentes assuntos: [ ] as ciências naturais, a higiene, a física, a astronomia, a matemática, a geografia, as artes, a indústria, tudo, representa uma necessidade real! A mestra deve ser a Mãe, e é preciso que a mulher tenha uma soma grande de conhecimentos, para não perder uma interrogação do filho. (MALUF; MOTT, 1998, p. 406-407).

A quantidade excessiva de atividades domésticas que demandavam tempo e

organização, além de outras responsabilidades incluídas no dia-a-dia da mulher eram uma

pauta em discussão nos ensinamentos recebidos pelas alunas do terceiro ano da Escola

Doméstica de Natal, através das aulas sobre ‘Ordem Doméstica’. Essas atividades domésticas

deveriam ser realizadas no menor tempo possível, tendo como elemento central em suas

discussões a higiene pedagógica, com noções a serem ensinadas e aprendidas, sendo eficazes

instrumentos preventivos de possíveis doenças.

A moralização dos costumes, a higienização escolar e a estruturação dos

modos de organizar o tempo e o espaço nas instituições escolares emergiam no quadro social

e educacional como referência nos anos 1920 e 1930, para a construção de um sistema

nacional de ensino. (MATE, 2002).

Na visão de Herschmann (1994, p.23) a:

[...] modernização foi um termo usado na época, para designar os projetos de mudança social que ocorreram. Discurso que pautou reformas e projetos locais, responsáveis pela formulação e institucionalização de projetos pedagógicos com legislação específica, estruturação administrativa, implantação de métodos e programas, reorganização funcional dos professores, etc.

Podemos afirmar ainda que os subsídios teóricos e práticos das experiências

educacionais do período passaram a significar modernizações pedagógicas, reforçando e

fundamentando, também, propostas curriculares e modelos de ensino, a exemplo da Escola

Doméstica de Natal.

No Estado do Rio Grande do Norte, a Reforma de ensino instituída pela Lei n.° 405 de

29 de novembro de 1916 - previa a reforma do ensino público em todo o Estado nos níveis

primário, secundário e profissional) apresentava preocupações preeminentes com a

fiscalização (principalmente em escolas privadas) da higiene escolar, do estudo obrigatório da

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língua nacional e da organização da grade curricular; essa grade curricular deveria privilegiar

a língua nacional e o culto à nação/nacionalidade. É o que diz o seu Título I, artigos 1.° e 2 .° , sobre a nova divisão e organização do Ensino:

Art. 1.° o ensino público, leigo leigo em todos os seus graus, divide-se em primario, secundário e profissional. Art. 2 .° O ensino privado é inteiramente livre quanto aos metodos e regimen didactico, ficando somente sujeito á fiscalisação do Governo no que se referir á hygiene, á moralidade e ao conjuncto das materias ensinadas, dentre as quaes terá sempre o primeiro logar a lingua nacional. (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p. 38).

No modelo curricular contido nos programas de estudo (modelo organizado

pela diretoria de ensino da Escola Doméstica de Natal, em respeito à Lei n.° 405 de 1916,

representado e aprovado pelo presidente do Conselho Diretor da Liga de Ensino do RN, em

27 de agosto de 1927) encontramos, entre outras, as matérias de Higiene e Medicina Prática,

Cultura Física, Curso de formação social e Ordem Doméstica que, no seu conjunto,

privilegiavam a tríade formação intelectual e física, moral e higiênica destinada à preparação

do corpo, da mente e do espaço físico habitado.

Estimulava-se a prática esportiva como prática saudável, apta ao

fortalecimento do corpo, formando uma civilização sã para bem atuar na construção social do

país. Através do incentivo do trabalho de coordenação motora, cultivando o espírito

integrativo nas atividades de basquete ball, ginástica sueca e tênis, preferencialmente os jogos

de movimento, a Escola Doméstica contribuía para atingir essa finalidade maior. Vejamos

uma das justificativas da Escola neste sentido:

Não se poderá, absolutamente, admitir uma civilisação ou educação generosa sem que nella palpite superioridade da saúde e do humor. Eis a razão por que a nossa tão admirada Escola Doméstica, com o seu bem elaborado programma para a educação de boas donas de casa, teria, naturalmente, incompleto o seu curso, se nella não contemplasse também como uma das partes essenciaes, a educação physica. (PEREIRA, 1925, p. 32)

Uma vez que o processo de escolarização envolve os corpos dos sujeitos, a

prática do esporte na Escola se propunha a modelar os comportamentos das alunas para o

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cultivo de hábitos saudáveis de vida, da prática esportiva, criando hábitos e condutas, tendo

em vista um corpo belo, saudável e ativo. Um controle que, na visão de Foucault (1997), não

deixa de ser social, mas que se inicia pelo corpo do indivíduo através de uma ação minuciosa

e silenciosa.

Nos estudos realizados por Boschilia (2004), encontramos alguns resultados de

pesquisa que se identificam com a nossa análise e com a visão defendida por Foucault (1997)

sobre a disciplinarização do corpo. Na pesquisa feita pela autora sobre um colégio masculino,

o Colégio Marista, no início do século XX, fica evidente como os ritos são utilizados pela

instituição escolar como um dispositivo pedagógico para a conformação de comportamentos e

constituição do modelo pedagógico a ser aplicado no estabelecimento de ensino, destacando,

entre esses ritos, os exercícios físicos. Enfatiza ainda que:

[...] com a modernidade, o processo de dominação efetivado pela instituição escolar ocorria a partir de duas modalidades distintas de tecnologias de poder: a ‘disciplina” e a “biopolítica. Enquanto a disciplina intervinha mais diretamente nos espaços, utilizando recursos externos ao indivíduo, a biopolítica se caracterizava pelo uso de técnicas que exerciam o poder por meio de dispositivos que agiam diretamente sobre a conduta dos indivíduos (BOSCHILIA, 2004, p. 132).

Conclui a autora que, com o advento da modernidade, a instituição escolar, de

uma forma geral, necessitava acionar outros dispositivos de controle, onde seria negada a

força, a ação coercitiva através da violência. Neste sentido, outros dispositivos passariam a ser

acionados no quadro geral da escola, a partir de suas ações pedagógicas, considerando que

“para dar sentido a essas ações, a escola necessitava acionar outros mecanismos capazes não

só de legitimar suas práticas e auxiliar na uniformização e na melhoria da gestão do território,

mas, sobretudo, de promover a internalização das regras apreendidas.” (BOSCHILIA, 2004,

p. 133).

Em concordância com as idéias apresentadas por Boschila (2004),

consideramos que a Escola Doméstica de Natal também fez uso de diversos dispositivos

pedagógicos para auxiliar na construção do seu modelo escolar, sendo o esporte praticado

pelas alunas um dos meios utilizados para promover a apreensão de regras de obediência, o

domínio sobre o próprio corpo (autocontrole das vontades), a disciplina, hábitos saudáveis

(não fumar, não beber, adquirir bons hábitos alimentares...). Também percebemos as práticas

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esportivas como o momento de socialização entre alunas/alunas e professoras/alunas,

contribuindo para a cooperação e o trabalho em equipe.

Evitar a instalação de vícios e maus hábitos de postura, assegurando a saúde e

evitando possíveis enfermidades ao corpo era uma das finalidades básicas da educação física

na escola, com o intuito maior de contribuir para a construção do país, como especificado na

frase a seguir de uma ex-aluna da ED, na qual expressava sua visão de mundo sobre esse

aspecto: “O Brasil deve, pois, ao lado do patriotismo e heroísmo de seus filhos cultivar-lhes a

força physica, para que possam elles, da melhor forma possível, desempenhar o seu papel de

alta monta na vida nacional, que nos é tão cara.” (PEREIRA, 1925, p. 30).

A Ginástica que se difundiu nesse período teve forte cunho militarista, pois

reforçava a idéia de um corpo viril, forte, um corpo constituído de partes nas quais deveria ser

prestada a máxima atenção, de forma que as ações desse corpo fossem sempre eficazes. A

necessidade do corpo reto e rígido é incorporada pelos preceitos da Ciência Positiva que se

expandiu no século XIX. No século seguinte, surgia a necessidade de controlar os excessos

dos corpos funâmbulos, viciados, com maus hábitos de postura e prevenir doenças, mazelas,

como também evitar a ociosidade. A ginástica, por possuir um caráter ordenativo,

disciplinador e metódico, inseriu-se bem nessa realidade da ED e, particularmente nas escolas

brasileiras públicas e privadas. Destaca Foucault (1997, p. 146) que:

[...] a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo... tudo isto conduz ao desejo de seu próprio corpo através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados sobre o corpo sadio.

No interior das escolas, o higienismo, através de diversas modalidades

esportivas, manifestava-se pelo ordenamento do espaço e do tempo para agir, bem como pelo

controle dos movimentos dos corpos, conferindo a tudo uma dimensão utilitarista no sentido

de evitar o corpo parado e imperfeito. Seria fundamental que o indivíduo aprendesse a olhar,

admirar e domesticar o seu próprio corpo desde cedo, aprendendo a ter consciência de si,

percebendo que a mente é superior e controla o corpo.

Para tanto, escolher o tipo de modalidade esportiva a ser empregada no

currículo, os movimentos a serem trabalhados era tarefa meticulosa e exigia cuidados na

seleção, a exemplo da opção pela prática da ginástica Sueca.

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O método de Ginástica Sueca foi trazido para compor o currículo da Escola

Doméstica de Natal, tomando como base o modelo Suíço (Ménagère); esse modelo teve como

precursor Per Henrik que lançou na Suécia no ano 1812 um plano de reforma da educação

física, onde propunha exercícios de ordenação corporal, compostos de movimentos repetitivos

e seqüenciados de marcha e de modelação do corpo, muito próximos, em alguns movimentos,

da ginástica aplicada às corporações militares.

Como lembrava os escritos de um dos livros presentes na biblioteca da ED:

Ao contrário da antiga pretensão do athletismo, o que se quer presentemente da gymnastica, de accôrdo com o methodo Sueco, é o desenvolvimento dos tecidos orgânicos e seu vigor, a fim de levantar o nível da saúde geral, preparar os organismos pela vida e melhorar progressivamente a raça. (MAGALHÃES, 1908, p. 209)

Mais adiante, o autor destaca a relevância em entender a prática da ginástica

Sueca como importante instrumento para a formação humana, deixando escapar,

implicitamente nas suas palavras, a necessidade de eleger essa modalidade esportiva no

currículo das escolas brasileiras.

Accrescente-se ser proverbial a cultura da gymnastica – em todas as classes sociaes – na Suecia, que possue methodo original de executal-a, hoje adaptado pelos paizes verdadeiramente civilizados. Desde algum tempo preocupa-me a pouca conta em que temos a gymnastica, nós que precisamos fortalecer nossos corpos e preparal-os para resitir á acção do nosso clima e a outras causas deprimentes. (MAGALHÃES, 1908, p. 139-140).

A Escola Doméstica de Natal optou por esse tipo de ginástica no seu currículo

escolar, com a finalidade de proporcionar à mulher a construção de um corpo delicado e ao

mesmo tempo forte e esbelto, com a justificativa de que:

A ginnastica Sueca offerece vantagens á educação physica, porque tem base physiologica. É superior ás gynnasticas franceza e allemã, e, por seu valor e superioridade scientifica, é a que deve ser, de preferência, usada. Ella merece primazia, porque desenvolve symetricamente tanto os músculos superiores como inferiores. Contribue extremamente para desenvolver a funcção

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respiratória, amplia harmonicamente o corpo, tornando-o airoso, alto e esbelto, demonstrando a experiência o contrario em outras gymnasticas, que fazem as pessoas baixas e largas e de menor resistência physica. (PEREIRA, 1925, p. 31).

Vejamos mais uma vez a ênfase atribuída à modalidade esportiva para a

formação de mulheres ativas, saudáveis, vigorosas, com braços fortes e corpos resistentes,

dando margem ao surgimento de uma nova nação mais viril, forte e bela, elevada em sua

bravura e ação. Destacamos abaixo o registro fotográfico de um desses momentos

privilegiados no currículo, a aula de ginástica sueca, ao ar livre, que reunia discentes de

turmas variadas. Segundo depoimento de uma ex-aluna da escola, o fardamento usado nessa

ocasião esportiva era um short de cor azul marinho e blusa branca, como exibido na imagem a

seguir. Recorda também que o comprimento dessa vestimenta deveria ser abaixo do joelho,

mas o modelo do short concentrava elástico nas pernas, permitindo a alguma aluna subi-lo

acima do joelho, fato que não ensejava muitas reclamações por parte da professora de

educação física. Com esse depoimento, a ex-aluna quis especificar que o traje de educação

física obedecia aos preceitos dos costumes da época, com roupas geralmente usadas abaixo do

joelho, mas algumas discentes contrariavam esses costumes, por se sentirem mais à vontade

quando das práticas esportivas ao ar livre. (MORGANTINE, 2005).

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FOTO 10 – Turma de alunas da Escola Doméstica em aula prática de Ginástica Suéca, 1929. Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Os exercícios ao ar livre surgem como formas de sair das salas fechadas em

busca de ar e luz. Sob forte influência do Naturalismo, o espaço escolar refletiu as inovações

pedagógicas, passando a expressar, em sua institucionalização material, as novas teorias

pedagógicas baseadas em uma nova compreensão de homem e de mundo e que introduziam,

por exemplo, a utilização didática do espaço natural, por ser um meio para desenvolver o

espírito, a ordenação, a moral, as virtudes. Nesse raciocino, são importantes as observações de

Escolano (2001) ao ver o espaço escolar como objeto a ser analisado enquanto constructo

cultural que expressa,reflete determinadas idéias e discursos, não sendo, portanto neutro e

apático às transformações que ocorrem no mundo. Ainda na visão de Escolano (2001, p. 32):

A localização da escola é por si mesma uma variável decisiva do programa cultural e pedagógico comportado pelo espaço e pela arquitetura escolares. A proximidade à natureza e à vida postulada pelos institucionistas favorece,

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entre outras ações e estímulos, o jogo em liberdade, o ensino ativo, a utilização didática do entorno, a contemplação natural e estética da paisagem, a expansão do espírito e dos sentimentos, o desenvolvimento moral.

Os espaços escolares, na visão do autor, transmitem idéias, valores, estão

dotados de significados, transmitem conteúdos e valores do currículo, impondo também suas

próprias leis como organizações disciplinares. Nessa dimensão assumida pelo espaço escolar,

Veiga-Neto (2003) também chama a atenção para que compreendamos o currículo nessa

mesma relação apontada por Escolano (2001), no que diz respeito às ressignificações que o

espaço (e também o tempo) pode assumir, pois considera que o currículo não deve ser

entendido e problematizado numa dimensão reduzida à epistemologia tradicional, mas deve

ser entendido como um artefato escolar, cuja invenção guarda uma relação imanente com as

ressignificações do espaço e do tempo que aconteceram na passagem do mundo medieval para

a modernidade.

O currículo, para Veiga-Neto, imprime uma ordem geométrica de organização

do espaço escolar e de distribuição dos saberes ao longo do tempo. No espaço escolar, ele

funciona como um dispositivo pedagógico que reorganiza os locais a serem usados e os

objetos nele presentes, de forma a atender os modernos preceitos pedagógicos desenvolvidos

historicamente. Em termos temporais, o currículo é o responsável pelo estabelecimento das

rotinas, do ritmo de vida cotidiano da escola, etc. (VEIGA-NETO, 2003, p. 167).

Além da Ginástica Sueca, a Escola Doméstica de Natal também dispunha de

outras duas modalidades esportivas, como o volley ball e o basquet ball. Para termos idéia do

avanço representado pela Escola quanto ao currículo, é importante destacar que no Estado do

RN a modalidade de basquet ball foi implantada pela primeira vez pela Escola Doméstica de

Natal, na década de 20 do século XX, fato que nem se ouvia falar nas demais escolas

existentes. Na nossa pesquisa, localizamos um registro fotográfico da primeira turma de

alunas praticando esse esporte, no entanto, devido aos cuidados da direção da escola com a

conservação do registro, não foi possível trazê-lo para o corpo do nosso trabalho, ficando

apenas no nosso imaginário a representação da primeira turma do Estado do RN a praticar o

basquet ball, trajadas, comportadamente com blusa de gola e manga brancas, acompanhada de

short cujo tamanho era um pouco acima do joelho, sem grandes decotes, de acordo com os

valores da época e da escola, onde a sutileza, a elegância e a discrição, na hora de a aluna se

apresentar com os trajes específicos de cada atividade escolar, eram regras a seguir.

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O esporte na escola era elemento recomendado a todas as alunas como fator

educativo-disciplinar, importante para exercer força física e mental e distrair o espírito do

indivíduo, contribuindo para propiciar o bem-estar corporal e mental. Gondra (2003), ao

estudar a relação que se estabeleceu historicamente entre escola/medicina/ higiene, ou seja,

discurso médico e educação escolar, considerou que essa é uma relação estabelecida pelos

higienistas quando abordam a questão do corpo, pois:

A questão do corpo, do movimento, dos exercícios ou da ginástica, é uma preocupação que ocupa lugar privilegiado na agenda médica fazendo com que, ao tratar da educação escolar, também inclua esse tema como um dos aspectos a ser observado no rol de recomendações por eles estabelecidas, de modo a produzir um colégio, aluno, alunas, professores e mestras higienizados. (GONDRA, 2003, p. 534).

Tendo em vista que o período republicano propagou no Brasil a educação para

a formação do cidadão, entendida essa formação no sentido de preparação integral do homem,

o tripé educação física, intelectual e, sobretudo, moral e cívica, passou a ser mais valorizado.

A idéia de cidadania desse período estava alicerçada na condição de preparação do povo para

a participação política (daí a ênfase na formação moral e cívica) e referia-se, portanto, ao ideal

de civilização, a um ideal de cidadania também alicerçados no projeto ideológico da

integração social e disciplinarização do povo.

Nesse contexto, algumas matérias como Educação Moral e Cívica e Educação

Física que primavam pela estética do caráter e da boa formação cívica, ganhavam destaque.

Essas matérias tiveram também desdobramentos peculiares em outras práticas escolares,

tendo em vista suas finalidades higiênicas, moralizadoras e nacionalistas. Exemplo disso pode

ser atribuído às comemorações cívicas, nas celebrações internas da escola (particularmente as

de fim de ano), nas datas comemorativas e exposições escolares, onde esses valores tornavam-

se mais exacerbados e evidentes no currículo e na cultura da escola.

Na Escola Doméstica de Natal, essa realidade era evidente, passando o esporte,

por exemplo, a assegurar a cultura do corpo através dos jogos, da ginástica praticada ao ar

livre, objetivando tornar o corpo feminino mais flexível, ágil e ativo (dentre outras

finalidades). A cultura do corpo ganhava espaço nas instituições escolares do Brasil e por ser

uma das finalidades motivadoras da formação estética, a Escola Doméstica tornou-a

obrigatória no currículo.

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O Curso de Cultura Física presente no currículo da Escola Doméstica tinha

como finalidade:

[...] dar agilidade, resistência e vigor ao corpo, cuidando especialmente da ‘gymnastica orthopedica’. A cultura física obrigatória é ministrada durante o período escolar completo [...] As sessões de Educação Física, as competições esportivas e as excursões, são dirigidas sob a forma eminentemente educacional procurando contribuir, ao máximo, para atingir os fins almejados pela educação moderna. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1927a, p. 14 ).

Tomamos também como outro exemplo de dispositivo regulador do corpo, o

Curso de Hygiene, que tinha como conteúdos básicos para as discentes que cursavam o quarto

ano de estudo:

[...] Considerações hygienicas sobre as substancias alimentares. Alimentos usados. Bebidas. Preparação, conservação e digestibilidade dos alimentos. Alimentação segundo ás edades, ás profissões e aos climas. Regimens dieteticos. Asseio corporal. Vestuario. Exercicios physicos. Habitação privada. (Cubagem, ventillação e causas que viciam o ar das habitações). Installações sanitarias. Como deve ser feito o asseio domestico. Como devem ser os dormitorios dos doentes. Meios de combater e evitar a propagação em fámilia das molestias infectocontagiosas communs. infecções dos animaes domesticos transmissiveis ao homem. Insectos vehiculadores de molestias. Noçòes de prophylaxia do paludismo, febre amarella, tuberculose, lepra, verminoses em geral e especialmente ancylostomose. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a. p. 22-23).

Esses conteúdos compunham em seu conjunto um quadro geral da organização

de normas disciplinares sobre a higiene, fosse ela aplicada diretamente no tratamento e

cuidados com o corpo e com o meio social ou no manuseio e ingestão de alimentos. Essa

escolha do currículo correspondia à influência plausível, no Brasil, do Movimento Higienista,

onde se percebe a capacidade de a medicina intervir no domínio pedagógico, introduzindo no

âmbito escolar medidas profiláticas e preventivas de doenças, buscando na ciência a

explicação para a proliferação dessas doenças e também para sua prevenção e controle.

Desta forma, havia a perspectiva de a escola ser um lugar que poderia

contribuir para a construção de uma nação livre da proliferação de doenças e possíveis perigos

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do mundo moderno (vícios, prostituição, etc.), cabendo-lhe organizar no seu espaço escolar e

nos conteúdos do currículo as normas e regras relativas ao mobiliário, aos exercícios físicos,

às construções, à ventilação e iluminação dos espaços ocupados pelos alunos e professores;

requeria, para tanto, a visitação constante de um médico para verificação das condições de

funcionamento das instituições de ensino. No dizer de Ferreira apud Almeida (2004, p. 105):

[...] a intervenção médica estende-se a espaços e dimensões educativas que, nos séculos anteriores, não constituíam objeto de especial atenção. Se a intervenção se limitasse à problemática das condições sanitárias propiciadas pelas escolas, diríamos que, na essência a higiene apenas tinha alargado o seu espaço de influência. No entanto, [...] a medicalização traduziu-se também pela vontade de estender a influência/controle do saber médico às condições e aos processos da aprendizagem.

A intervenção médica ultrapassava, portanto os espaços físicos das escolas,

intervindo diretamente nos conteúdos escolares e nas formas de aprender. A Escola

Doméstica de Natal não estava fora dessas influências; ao contrário, passa a ser uma das

colaboradoras dessa campanha empreendida por médicos, engenheiros e educadores no limiar

do século XX.

Tomemos ainda como exemplo do currículo da Escola Doméstica de Natal as

matérias de Medicina Prática e Puericultura que privilegiavam em conjunto uma base sólida

de formação preventiva e de tratamento contra eventuais doenças e acidentes pessoais.

Destacamos nos conteúdos de Medicina Prática: verificação da temperatura do corpo,

contagem das pulsações e dos movimentos respiratórios, socorros médico-cirúrgicos de

urgência, aplicação de aparelho ortopédico em casos de fratura, contusões, dentre outros. Das

noções de Puericultura, destacamos: os primeiros cuidados com os recém-nascidos, maneiras

de vestir, aleitamento natural, desenvolvimento físico e mental, alimentação da criança,

educação física, intelectual e moral da criança, etc. (para ver organização detalhada da

estrutura curricular, ler anexo 1).

A matéria do currículo denominada caligrafia previa o trabalho da escrita com

o objetivo de inserir nessa prática algumas prescrições higiênicas, ao definir:

O movimento muscular é dirigido de modo a eliminar por completo a rigidez da mão e evitar qualquer posição ante-hygienica. A alumna passa a escrever

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não somente legivelmente, mas com rapidez e facilidade, podendo em pouco tempo trabalhar muito sem fatigar-se. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1927a, p. 14).

Como podemos perceber, a influência higienista atingia os mínimos detalhes

do cotidiano escolar nos primeiros anos do século XX, inserindo-se na instituição escolar,

provocando mudanças significativas nas formas de organização curricular e nos espaços

físicos das escolas, até mesmo estabelecendo posturas físicas consideradas válidas para a

prática da escrita em cada aluna. Segundo Almeida (2004, p. 107):

[...] a reivindicação higienista, ao abranger tanto as condições físicas como o processo de ensino, procurava também legitimar a intervenção médica o campo pedagógico, que devia incidir tanto sobre os indivíduos como sobre a organização escolar e os processos que o ensino devia seguir.

Os saberes transmitidos às alunas contidos nos programas de estudo da Escola

Doméstica sinalizavam para o aprendizado do referencial teórico associado ao prático, relação

essencial, pois incutia nas alunas a compreensão e o porquê de estar realizando de

determinada forma uma atividade. Na fotografia destacada, exemplificamos mais uma vez

essa relação.

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FOTO 11 – Alunas da Escola na Sala-laboratório de Puericultura, 1926. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Pela imagem, constatamos um dos momentos onde as alunas punham em

prática a aula que recebia sobre os conteúdos de puericultura, sendo para tanto avaliadas por

uma professora do curso numa sala semelhante a da foto.

Quanto ao momento de avaliação, essa ocorria através de exames escritos,

pois as discentes eram submetidas a acompanhamentos orais e práticos, como destacamos

anteriormente. Após estudos teóricos sobre Puericultura, punham em prática esses saberes na

própria escola, cuidando de crianças de diversas faixas etárias, representando o papel de mãe.

Dentre os critérios apresentados para essa parte avaliativa, destacavam-se: a confiança pessoal

na atividade realizada, o domínio do conteúdo aplicado, a atitude positiva perante as situações

apresentadas e a prática de normas higiênicas no trato com as crianças.

Essa parte do curso acompanhada de perto pelo professor da matéria

específica que atribuía notas pelo desempenho da aluna, tecendo observações para que essa

mantivesse um ótimo resultado no decorrer do curso, singularizava práticas educativas

distintas para mulheres na cidade do Natal.

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Em alguns documentos que destacam informações sobre a trajetória da

educação no Rio Grande do Norte, percebemos a preocupação excessiva com a existência da

inspeção médico-hospitalar, tanto nas instituições públicas de ensino, quanto nas particulares,

sendo a ‘ higiene escolar ’ expressão de ordenamento usada em várias reformas e discursos

educacionais da época, a exemplo dos discursos proferidos por Nestor dos Santos Lima, na

época diretor da Escola Normal de Natal e um dos intelectuais que mais lutou, juntamente

com Henrique Castriciano, pelo desenvolvimento e organização da educação no Estado.

Chamamos a atenção para o artigo intitulado ‘ Higiene escolar’: inspeção médico-hospitalar

publicado pela Revista Pedagogium, no ano de 1920, expondo preocupações com a higiene do

aluno em seus hábitos e costumes para um melhor rendimento escolar. Transcrevemos abaixo

um pequeno excerto:

A inspeção escolar é um cordario da exigência imperiosa da instrução, fazendo desapparecer a velha dualidade do corpo e do espírito e affirmando o principio de juvenal – a mentalidade sadia em corpo e são. Firma-se em que a escola deve obedecer aos preceitos sanitários, desde a situação ate o methodo pedagógico instituído; que as escolas são, se proporcione a conservação de sua saúde e que lhe absorvem as moléstias que sacrificam a sua vitalidade (A. L., 1922, p. 26).

O modelo curricular especificado pela Escola Doméstica de Natal incorporava

estas proposições higienistas, objetivando valorizar conteúdos que confluíam para um campo

de formação de uma pedagogia para a saúde.

Quanto à ênfase na organização de trabalhos manuais, percebemos que visava

não a um fim profissional e sim educativo, apresentando associação teoria/prática,

ensinamentos/vida prática, utilidade real para a mulher e para a coletividade, ajudando-a na

administração do seu lar e na educação dos filhos. Exemplo típico dessa afirmação encontra-

se nas propostas em sala de aula e fora dela quando as alunas desenvolviam atividades que

requeriam habilidade, firmeza manual e senso de observação, como a cultura do solo (contato

com a natureza, através do cultivo de pomares,). A fotografia a seguir demonstra tal

afirmação:

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FOTO 12 - Alunas da Escola em aula de jardinagem ao ar livre na instituição escolar, 1926. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

A imagem registrada revela um dos momentos privilegiados na escola: o da

atividade realizada ao ar livre que fazia parte do currículo escolar com o objetivo de propiciar

às discentes o exercício de aprendizados teóricos e práticos. As práticas da jardinagem e

cultivo de hortas passaram a ser indispensáveis nesses aprendizados principalmente quando

foi observado pelas primeiras docentes da Escola Doméstica de Natal que na cidade não havia

a prática do cultivo de hortas nas residências e nem exacerbado o hábito do consumo variado

de verduras e legumes na alimentação diária das pessoas. Como nos lembra a ex-aluna Barros

(2000, p. 121), “com a constatação dessa, ‘tremenda carência’, foram plantados canteiros de

legumes no terreno da Escola para o consumo diário das alunas.”

A introdução desse novo hábito alimentar foi gradativamente reduzindo a ida

das alunas e professoras à feira livre, tendo em vista que teriam, com essa prática, garantida a

produção de alguns alimentos na horta da própria escola, a partir da colaboração do grupo de

discentes. Destacamos na imagem a seguir os detalhes da roupa, do penteado, do cabelo, a

elegância da postura com que as alunas desenvolviam a atividade ao ar livre e, apesar do

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contato com os elementos da natureza (água, areia, adubo...), a turma apresentava-se para essa

tarefa com a tradicional veste de cor branca.

FOTO 13 - Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula prática de jardinagem, 1927. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

As práticas curriculares incluíam a realização de observações e experimentos

científicos no laboratório da escola (com a orientação dos docentes), manuseando alimentos

(leites, carnes...). Essas práticas tinham a finalidade de aplicar a ciência aos ensinamentos

sobre saberes da arte doméstica. Eram também uma forma de demonstrar que os

conhecimentos sobre atividades domésticas podiam ser estudados cientificamente, não sendo

reduzidos apenas ao fazer pelo fazer, ou seja, a atividade pela atividade, sem o conhecimento

do porquê fazer. Neste sentido, os espaços reservados aos laboratórios (laboratórios de

química, de física, de manipulação de laticínios, etc.) simbolizavam no contexto da cultura

escolar da Escola Doméstica de Natal o lugar que dava cientificidade aos saberes

organizadores do currículo da instituição e uma formação diferenciada das demais instituições

femininas existentes na cidade.

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FOTO 14 – Alunas da Escola em aula sobre manipulação de lacticínios, 1927. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

A aprendizagem que envolvia interação da mulher com as atividades físicas,

experimentais, significava reação a um tipo de ensino intelectualista, verbalista, teórico e

apresentava-se em uma total concordância com os métodos de ensino que priorizassem a

relação saber/fazer. A introdução de trabalhos manuais no currículo da escola, portanto, não

era ocasional. Esses ensinamentos eram sugeridos como atividade a ser executada pelo aluno,

assim como o pragmatismo de Jonh Dewey que primava pelo homem como ser ativo, que

age, que toma o conhecimento como instrumento de ação, pois “Ao invés de tomar o

pensamento como um elemento próprio para a contemplação, ele o via principalmente como

um instrumento desenvolvido para resolver problemas, procurar o que falta, modificar a

realidade”. (MOREIRA, 2002, p. 18).

Os conteúdos em função de sua utilidade e significado para a vida das alunas

eram um propósito a se perseguir na ED de Natal.

No século XX, os educadores adeptos da Pedagogia Nova indicavam como

mais propício um ensino ativo e funcional, onde o aluno realizaria o aprendizado sob o olhar

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do professor. Esse aprendizado tinha como centro o sujeito na construção do conhecimento,

fazendo-o agir e experimentar as situações didático-pedagógicas importantes no processo de

ensino e aprendizagem. Henrique Castriciano, o idealizador da Escola Doméstica de Natal,

defendia alguns desses princípios e considerava viável a sua utilização como modelo

pedagógico para as escolas femininas fundadas na capital e no RN. Para Vidal (2000, p. 515),

com relação ao movimento da Escola Nova:

[...] nesse movimento, mais do que atualizar os princípios e as práticas educativas do fim do século XIX, a escola nova promoveu nos anos 20, rupturas nos saberes e fazeres escolares. Não constituiu um novo ‘modelo escolar’, mas produziu novas ‘formas’ e alterou a ‘cultura escolar’.

É importante ressaltar como esse projeto renovador da educação surgido no

início do período republicano interagiu com diferentes culturas e regiões do país. A sua

dimensão, como pudemos perceber, não foi a mesma para todos os Estados do Brasil e nem

poderia ter sido, porque a própria realidade da cultura e do desenvolvimento econômico de

cada um impunha e exigia uma proporção diferente. Vislumbramos numa análise macro do

país que o discurso pautado na necessidade e possibilidade de entrada do país no mundo da

modernidade necessitava no início do século XX de medidas emergentes com mudanças em

vários setores (social, econômico, político) assim como no setor educacional onde se buscava

a unificação de um sistema nacional de ensino, tentando romper com a fragmentação das

reformas e do sistema de ensino.

Então ao analisar a composição curricular da Escola Doméstica de Natal,

verificamos finalidades educativas intencionais voltadas para uma formação que se pretendia

diferente das demais escolas existentes na cidade do Natal, no sentido de formalizar um

modelo curricular próprio, característico da instituição. O conceito de modelo nesse contexto,

reporta ao que é dado como ideal por alguma instância de poder, num dado momento

histórico, implicando a compreensão da distância dada entre o ideal e o real.

Naquela escola, os conteúdos trabalhados contemplavam um modelo de ensino

onde as regras de civilidade, etiqueta e cortesia e o seu cumprimento faziam parte da estrutura

curricular. O modelo escolar da Escola Doméstica fora criado para coibir manifestações

inadequadas à moralidade da época, bem como para estabelecer padrões de alimentação,

regras de estudo e comportamentos, controle do tempo, porém, simultaneamente introduziu-se

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uma série de medidas higiênicas para produzir alunas saudáveis, decentes, honestas,

respeitáveis diante da sociedade, tendo como base a proposição que:

[...] a escola vela pelas alunas, procurando por meio da orientação educacional, reintegra-las nos padrões de conduta socializada [...] o cultivo da vida espiritual e de várias atividades sociais e recreativas, imprescindíveis à formação de personalidades atraentes, prestimosas, honestas, leais e fortes, são praticados neste meio familiar. A escola tem como objetivo tornar as alunas pessoas disciplinadas e responsáveis, através do exercício, do raciocínio, levando-as a pensar e pesar as razões – pró e contra – na resolução de seus problemas individuais e da comunidade escolar. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914-1964, p.22).

Para tanto, a escola deveria educar segundo os preceitos oriundos da ciência

moderna, a exemplo das práticas desportivas que priorizavam como necessárias a educação do

corpo e da estética “As sessões de Educação Física, as competições esportivas e as excursões,

são dirigidas sob a forma eminentemente educacional procurando contribuir, ao máximo, para

atingir os fins almejados pela educação moderna.” - (Escola Doméstica de Natal, 1964. p.14).

A ginástica sueca era apresentada no currículo da Escola como modalidade esportiva que

primava pela estética, pela formação corporal saudável e perfeita, para manter o corpo e a

mente saudáveis e formar pessoas civilizadas.

Na acepção de Veiga (2001, p. 407):

Trazendo para o contexto republicano brasileiro, o despertar para a civilidade não se faria apenas com a abertura de escolas, mas com uma educação estética que envolvesse habilidades manuais, a educação das mulheres para o lar, o contato com a literatura brasileira, os cantos, a dança, presentes no cotidiano das salas de aula, nas festas escolares, nas festas da cidade, bem como no estilo neoclássico das grandes edificações, da escola e da cidade.

A educação estética, nesse contexto, esteve associada historicamente ao

conceito de civilidade. Esse ideal perseguido durante as primeiras décadas no país e

principalmente nesse período, tratava-se de um projeto político e sociocultural de grande

alcance em prol da construção de uma nação brasileira. Portanto, a idéia de cidadania, nesse

período, conduzia à preparação do povo para a participação política (daí a ênfase na formação

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moral e cívica), referia-se, pois, ao ideal de civilização associado ao belo, ao estético,

despertando para um novo tipo de civilização. Com relação a essa idéia de cidadania,

Azevedo (1976, p. 151) aponta, como indicativo de grandes transformações sociais e

culturais, o contexto pós-primeira Guerra Mundial ao afirmar que:

A guerra de 1914, com todo o seu cortejo de suas devastações e conseqüências tremendas, havia também contribuído poderosamente para elevar ao primeiro plano das preocupações sociais e políticas as reformas educacionais com que se sonhava forjar uma humanidade nova e em que concentravam as últimas esperanças de uma vida melhor da restauração da paz pela escola e da formação de um novo espírito, mais ajustado às condições e necessidade de um novo tipo de civilização. (AZEVEDO, 1976, p. 151).

O ideal de cidadania estava alicerçado no projeto ideológico de integração

social e disciplinarização do povo como já evidenciamos anteriormente e, mais uma vez,

enfatizamos o currículo onde os valores cívicos e morais eram exacerbados com maior

visibilidade, evidenciando que “o currículo não é um elemento transcendente e atemporal –

ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da

sociedade e da educação”. (MOREIRA; SILVA, 2000, p. 7-8).

O currículo da Escola Doméstica de Natal, por não ser um elemento atemporal,

prestava-se ao empenho de construção de uma ordem moral e social, sob as exigências de

formação da época. Ao contemplar no currículo a disciplina de Educação Moral, observamos

que ela servia a esses propósitos de formação, assim como a disciplina Educação Moral e

Cívica servia para enfatizar a noção de patriotismo. Portanto, não podemos deixar de

considerar na nossa análise a relação intrínseca existente entre currículo e sociedade.

Outro destaque dado pelo currículo da Escola eram os exames finais de curso

que se tornavam grandes rituais festivos, pois além da participação dos familiares e pessoas

íntimas da família, eram convidadas autoridades políticas e a imprensa local. Nos jornais e

folhetins da cidade eram publicadas notícias daquela comemoração, além dos nomes das

alunas concluintes com os respectivos resultados dos exames escritos (esses exames

constavam de uma dissertação sobre determinado assunto estudado, onde a aluna se expunha

publicamente à leitura, geralmente realizada no teatro da cidade, o Carlos Gomes, atual

Alberto Maranhão). Daremos um realce no próximo capítulo para a análise dos registros

escritos pelas alunas da Escola Doméstica de Natal.

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Ao considerarmos a cultura escolar como um conjunto de normas e práticas

produzidas historicamente por agentes (sujeitos e/ou grupos) determinados, com finalidades

específicas, evidenciamos também que ela sendo reveladora das práticas culturais urbanas é,

ao mesmo tempo, por elas produzida. Neste sentido, podemos considerar que as finalidades de

um currículo escolar ficavam sujeitas à definição dos saberes a serem ensinados, às condutas a

serem modificadas e a todo um processo, não só de transmissão de saberes, mas

principalmente de modificações do habitus pedagógico.

A Escola Doméstica de Natal manteve a preocupação em adaptar a sua

proposta de ensino à realidade local ao privilegiar na sua estrutura curricular determinados

saberes necessários à realidade das discentes que habitavam em áreas afastadas dos centros

urbanos, que advinham do interior do Estado e de outras localidades, como evidenciamos

anteriormente. O currículo escolar, nesse entremeio, contribuía relevantemente para firmar

uma característica muito própria da Pedagogia Nova que era a aproximação dos

conhecimentos aos interesses do aluno e da sua realidade de vida e ênfase na atividade.

Em relação ao caráter prático que as aulas assumiam em alguns momentos, a

seguir, destacamos mais um registro fotográfico que demonstra a importância dada ao

Ativismo em uma aula sobre a lavagem de roupa:

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FOTO 15 – Alunas da Escola em momento de aula sobre lavagem e engomado de roupas, 1927. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Nas aulas que versavam sobre os temas de lavagem e engomado de roupas, a

Escola Doméstica de Natal, através do seu corpo docente, apresentava preocupações em

advertir às alunas sobre algumas normas de higiene preconizadas na época, tentando combater

habituais costumes praticados no Brasil como o de se lavar roupa ao livre, em rios e lagoas,

pois essa prática era contrária aos preceitos higiênicos, uma vez que a mulher, ao realizá-lo,

poderia expor-se a doenças, ao contato com águas contaminadas etc.

As orientações dadas pela Escola Doméstica sobre as normas de higiene

aplicadas na lavagem e engomado de roupas e as preocupações que as donas de casa deveriam

ter com o serviço de lavagem de roupa feito particularmente por lavadeiras contratadas foram

grandes fatores que contribuíram significativamente, segundo nossa compreensão, para que o

currículo dessa escola levasse a aluna a aprender algumas técnicas de lavagem e engomado de

roupas, de forma que conseguisse praticá-las com racionalidade e eficiência, sem grandes

gastos e obedecendo aos preceitos de higiene. Racionalidade, eficiência e eficácia nas ações

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diárias da mulher deveriam funcionar como elementos imprescindíveis na formação não

apenas de boas donas de casa mas também de mulheres preparadas para atuar diante de

quaisquer imprevistos, conseguindo assim manter-se sozinha, agir com decisão

principalmente na falta do marido que era tido como o provedor familiar.

A compreensão que perpassa na leitura da Escola Doméstica e dos seus saberes

privilegiados é no sentido de apreendê-la na sua dimensão histórico-cultural, primordialmente

por ser uma instituição social cujo currículo e práticas educativas estavam inseridos num

universo histórico e social, penetrando, pois, no espaço pedagógico de atuação da escola que

englobava o seu sentido de ser, suas finalidades educativas contidas nos programas de ensino,

nos conteúdos transmitidos. Isto nos faz perceber o universo de práticas educativas na medida

em que são operadoras de culturas que trabalham com a cultura escolar como sendo

transposição didática, materializada nos livros escolares, nos livros textos, nas fontes de

leitura.

O contexto da época demarcava alguns saberes a serem estudados pelas

discentes da Escola Doméstica. O curso denominado ‘ Higiene’ arrolava os estudos sobre: as

condições higiênicas das substâncias alimentares, asseio corporal, instalações sanitárias,

asseio doméstico, meios de combater e evitar a propagação de moléstias na família, noções de

profilaxia de doenças infecto-contagiosas, animais veiculadores de doenças, etc. (LIGA DE

ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1927a). Destacamos a seguir um registro

fotográfico de um desses momentos privilegiados pela Escola, onde eram incluídas nas

práticas educativas as aulas práticas sobre a higiene do lar.

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FOTO 16 - Alunas em aula prática sobre Educação Doméstica e Higiene do Lar, 1924. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Mulheres bem preparadas e conscientes de sua responsabilidade perante o

ambiente familiar e social, que prestassem a devida atenção à educação, à higiene e a outros

problemas sociais, esses eram alguns dos objetivos dos ensinamentos transmitidos pela escola

às alunas com relação a sua formação educacional.

A dona de casa bem preparada nesse momento histórico consideraria a casa

como espaço de produção e racionalização dos gastos, assim como ocorria na indústria. No

contexto do século XX, continuam as preocupações sociais em preparar a mulher para exercer

funções próximas às desenvolvidas em casa como bordadeira, costureira, parteira e também,

professora. Quanto à organização de trabalhos manuais na ED, percebemos que havia a

preocupação não em atender um fim profissional, mas sim educativo, no sentido de os saberes

ensinados terem uma utilidade prática na vida de cada aluna que estudasse na escola.

A discente da ED também era avaliada nas aulas de caráter prático pelo

desempenho apresentado e, para tanto, eram criadas situações onde a aluna poderia expressar

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concretamente os seus aprendizados. Eram realizadas, por exemplo, pela ED algumas

recepções a autoridades locais e, nesses momentos, um grupo de alunas era selecionado, sob a

orientação das professoras, para prepararem a recepção, desde a parte ornamental da escola

até o serviço de cozinha. Além dessas situações, essa realidade era vivenciada continuamente,

pois as alunas não dispunham de funcionárias para fazerem a faxina dos dormitórios e outros

cômodos, nem de cozinheiras que fizessem o alimento diariamente. Esses eram preparados

pelas próprias alunas de forma revezada, com a justificativa de que na escola dever-se-ia

aprender no viver diário, num processo contínuo de teoria e prática.

Os conteúdos, portanto eram pensados em função de sua utilidade e significado

para a vida das alunas e da sociedade. Mudados os fins da escola, foram alterados também os

programas e métodos. Não se tratava somente de dar espaço para novos domínios de campos

teóricos ou renovar a hierarquia dos saberes curriculares, mas de repensar a cultura escolar,

buscando-se um núcleo central em torno do qual se fizesse gerar todo o saber escolar.

Para cumprir esses propósitos, a escola reservava um lugar no currículo

destinado à prática da jardinagem, agricultura, cultivo do solo, recreação, exercícios físicos e

essa prática decorria das propostas implantadas por alguns pedagogos que defendiam um

ensino mais ativo, que fosse uma atividade mais agradável.

A Pedagogia do século XX foi submetida a novos princípios do Ativismo. Os

currículos escolares foram modificados nesse período dando espaço ao ‘ fazer’ e ao ‘

trabalho’, relegando o intelectualismo e o formalismo tradicionais. Segundo Cambi (2004, p.

396):

Tratou-se, sobretudo, de abrir espaço nas escolas para o trabalho, ora entendido como trabalho pedagógico (feito em classe, capaz de valorizar a habilidade manual do estudante, destinado a reunificar o pensamento e o fazer, não-produtivo), ora como trabalho produtivo tout court, para ser exercido em locais específicos (oficinas) ligados à escola e capazes de introduzir nela uma fase que não é mera bricolagem, ma um trabalho real.

A ênfase na conjugação do saber e do fazer desembocou em novas exigências

para a formação cultural para o trabalho produtivo em fábrica que segundo Cambi (2004),

propiciou uma revisão dos currículos e programas de ensino num movimento mundial

conhecido no século XX como modelo de Escolas Novas ou Escolas Ativas que enfatizava a

reintegração entre pensamento e ação.

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Reconhecemos que a Escola Doméstica de Natal veiculou idéias e métodos de

ensino à frente do seu tempo, formando novas gerações de mulheres, dotando-as de modernas

orientações: no tratamento com as crianças (através das aulas de puericultura), educação

social (visão de sociedade e de mundo), de higiene (orientando sobre os métodos preventivos

de saúde e condições sanitárias corporais), de ordem doméstica (os cuidados com o trato do

ambiente doméstico, etc.), modificando hábitos e costumes. Compreendemos que a

apropriação desses saberes pelas alunas garantiria à Escola a satisfação de uma missão

cumprida no que se referia ao papel social que a instituição escolar deveria desempenhar na

sociedade, formando gerações que iriam reproduzir esses conhecimentos adquiridos; no caso

específico da mulher, a reprodução dos conhecimentos para sua prole.

O ensino da Escola Doméstica de Natal foi importante para civilizar as filhas

das elites norte-rio-grandenses, contribuindo para a formação educacional da mulher. Suas

finalidades educativas transpunham os ensejos de formar apenas boas donas de casa, passando

a se preocupar também com a posição social que era delegada à mulher e que a ela caberia

ocupar na sociedade. Este aspecto ficou evidente na leitura de vários documentos da época,

quando são firmadas algumas proposições, a exemplo da afirmação citada por um dos

intelectuais da Liga de Ensino do RN, ao dizer que: “Dentro da grandeza de sua finalidade,

com os seus cursos de maior utilidade pratica, está ella preparando moças que, amanhã,

saberão cumprir, sciente e efficientemente, as suas nobres funcções domesticas e sociaes.”

(SANTIAGO, 1925, p. 17).

A representação construída historicamente sobre o espaço reservado à mulher

no meio social trouxe para o interior da escola, e particularmente para a ED, o engendramento

de um novo saber pedagógico proposto para uma nova concepção de mulher, com a finalidade

de formar uma cidadã moderna e civilizada. A Escola Doméstica espelhou-se num modelo

europeu de educação feminina movido pela disciplinarização do corpo através de regras,

valores, normas disciplinares, condizentes com uma filosofia de trabalho que valorizava a

tripla formação: física, moral e intelectual.

Para atender a esses fins, o currículo beneficiava os conhecimentos sobre a

Educação Moral compreendendo os estudos sobre ‘moral social’, onde as discentes

estudavam os preceitos de justiça e caridade, temáticas que versavam sobre: o sentido das

obras beneficentes em prol de pessoas carentes economicamente, colaborações nas obras de

educação popular, de beneficência, de assistência pública e privada, além dos estudos sobre a

Pátria, o Estado e Cidadania como:

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As leis do viver direito, de pensar direito, de julgar direito devem ser inculcadas tão cuidadosamente como as leis de physica e chimica. Cremos que esta é a parte mais importante da educação, principalmente da educação no lar, e assim, a Escola presta mais attenção a esse facto do que ao próprio exercício mental, usado sobre tudo como um dos meios de fortificar o caracter e de alargar os horizontes moraes da vida. É o espírito de ser útil no mais elevado sentido da palavra, à Família, à Pátria, e á Humanidade que deve impulsionar na Escola brasileira as futuras mães de famílias. Para tanto, porém, se faz necessário a qualquer pessoa exacta compreensão dos seus deveres, mesmo os de apparencia mesquinha, ás vezes de grande importância sobre o ponto de vista educacional. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a, p. 6).

Nesse contexto de produção e apropriação de saberes, os conteúdos escolares

cumpriam papel relevante na formação feminina, contribuindo para incutir determinados

valores culturais, sociais e políticos.

Em nossa análise, portanto, entendemos que a finalidade explícita no Currículo

da Escola Doméstica de Natal não se reduziu apenas a formar boas donas de casa,

conhecedoras da ciência doméstica. Acreditamos que o embate preparação para o mercado de

trabalho que exigiu racionalização da mão-de-obra, indivíduos eficientes e ativos, transpôs-se

para o âmbito escolar e também familiar, onde era cobrado das mulheres um melhor

desempenho nas atividades domésticas e estas deveriam aprender a administrar o seu lar,

racionalizar os recursos econômicos da casa e educar os seus próprios filhos.

Assim podemos considerar algumas situações que caracterizamos como sendo:

o primeiro momento histórico da ED que se reporta às suas origens e vai até as primeiras três

décadas do século XX, onde temos um modelo de escola preocupado em evidenciar, nas suas

práticas educativas, as relações entre o conhecimento teórico e a experiência prática. Nesse

sentido, as atividades do currículo tinham essa finalidade, onde os métodos ativos eram

realidades vividas nas práticas escolares pelas discentes e docentes. O segundo momento

surgiu aproximadamente na década de 40 quando a ED passou a trabalhar os conceitos de

eficiência, eficácia e racionalização nas suas práticas escolares de sala de aula, enfatizando

esses conceitos como essenciais à formação da mulher.

Percebemos nesse segundo momento da ED de Natal que no início das

atividades pedagógicas do currículo havia a preocupação com uma formação intelectual,

moral e física das alunas. Essa formação era respaldada em princípios higienistas, como

observado nos registros escritos das alunas que realizavam estudos sobre ‘significado da

higiene’, asseio corporal’, ‘higiene infantil’, dentre outros temas associados à preocupação do

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Movimento Higienista no Brasil, no início do século XX.

Uma segunda preocupação concentrou-se em aplicar aos ensinamentos

repassados pela escola a idéia de racionalização do trabalho aplicada às atividades domésticas.

Assim como os conteúdos de ensino passaram a ser considerados peças centrais nessa

formação do corpus exclusivamente feminino, o quadro docente selecionado desde os

primórdios da fundação da escola foi elemento fundamental e responsável por essa

transmissão de saberes, sendo o mesmo escolhido de forma muito criteriosa pela Liga de

Ensino do Rio Grande do Norte. Esse é um aspecto importante a ser analisado num dos

próximos capítulos da nossa pesquisa. Os livros didáticos por serem portadores de saberes e

de cultura também funcionaram como importantes meios de difusão da cultura escolar,

relevantes para os processos de ensino e aprendizagem. A análise de alguns impressos

reservados para leitura na biblioteca da Escola e de registros escritos de suas ex-alunas

permitiu que nos apropriássemos do repertório de saberes privilegiado por essa instituição de

ensino.

4.2. Algumas práticas de leitura

Nesta parte do trabalho, buscamos analisar especificamente as práticas de

leitura realizadas no universo da sala de aula da Escola Doméstica de Natal e investigar

alguns suportes escritos que fundamentavam essas práticas. Ao fazer isto, estaremos

mostrando alguns caminhos que norteavam essas práticas de leitura, uma vez que os materiais

pedagógicos analisados estão sendo percebidos no estudo como suporte material de ensino e

aprendizagem e também como objeto cultural construído no universo da Escola.

Daremos destaque para alguns manuais didáticos que se encontram no acervo

da biblioteca Auta de Souza, espaço de leitura da Escola, por apresentarem importante papel

na construção da cultura escolar e compreensão dos modelos escolares. Uma vez que o

modelo pedagógico é cultural, contextual, produzido socialmente, torna-se necessário analisar

a sua materialidade. Nesse sentido, o manual didático expõe modos de pensar, agir e sentir, e

por fazer parte do universo da cultura escolar torna-se instrumento de análise importante para

compreender práticas escolares no interior dessas instituições.

O livro faz parte e é instrumento da prática institucional escolar. A concepção

educativa veiculada nos manuais didáticos estaria permeando a proposta de formação dos

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sujeitos escolares por ser o livro o portador de idéias privilegiadas nos conteúdos do currículo

escolar. Desvendar os livros requer uma compreensão mais acurada do lugar que ocupa nas

práticas de leitura das discentes e docentes da Escola

Neste capítulo, analisaremos também alguns textos produzidos pelas alunas da

Escola Doméstica de Natal, textos esses que eram apresentados como pré-requisito para obter

o certificado de conclusão do Curso. Semelhantes às monografias atuais, os textos versavam

sobre os conteúdos trabalhados no decorrer do Curso.

Destacaremos neste estudo alguns desses textos a que tivemos acesso durante a

investigação, esclarecendo ao leitor que a opção de análise dos textos e livros não passou por

um crivo de seleção rigorosa; ela foi delimitada pelo acesso a esses textos e livros.

Ao conhecer esses materiais escritos, percebemos que eles traziam em sua

tessitura e composição um teor mais objetivo e direcionado aos fins a que a escola se

propunha ao transmitir os saberes da educação doméstica, Quanto a fontes de leitura,

destacamos o ‘Manual de civilidade e etiqueta’ editado em 1908 que serviu como cartilha a

ser adotada pela Escola para orientar as mulheres sobre as melhores normas de

comportamento; O manual intitulado ‘Higiene Alimentar’ é uma verdadeira lição sobre os

valores higiênicos na economia doméstica; o livro denominado ‘Os quatros livros da mulher:

o livro da dona de casa, editado no ano 1917. Esses três impressos funcionaram como

dispositivos importantes na organização da cultura escolar da Escola Doméstica de Natal e na

conformação do modelo educativo proposto no contexto do início do século XX.

Os três manuais em análise nos fornecem elementos relevantes sobre a

formação da mulher. Eram prescritos às discentes que freqüentavam a instituição de ensino,

reafirmando os saberes transmitidos e as metodologias empregadas. Sabemos que os livros,

por si sós, não dizem tudo sobre o que a escola ensinava e o porquê de ensinar este ou aquele

conteúdo, no entanto deixavam evidente algumas informações que imprimiam ao conjunto

das práticas escolares o projeto pedagógico da escola.

O primeiro em destaque, o ‘Manual de civilidade e etiqueta: regras

indispensáveis para se freqüentar a boa sociedade’, da autora Beatriz Nazareth (1908), contém

uma listagem detalhada de passos a serem seguidos pela mulher para que pudesse comportar-

se com fineza e elegância perante os outros e adquirisse bons hábitos condizentes com uma

pessoa moderna e culta. Esse manual também se preocupava em informar como a mulher

poderia administrar de forma eficaz e racional uma casa e qual papel deveria desempenhar

uma boa dona de casa. Ao fazer colocações:

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Seja qual for a posição e a situação d’uma senhora, tem o dever e a obrigação de se occupar da sua casa. A ociosidade é a mãe de todos os vícios, diz a sabedoria das nações, a ociosidade póde ser causa de desgraças na vida d’uma mulher, e denota, além d’isso, uma péssima educação. (NAZARETH, 1908, p. 198).

Trazia, portanto, um teor de reprovação a inércia do corpo, reprovando a falta

de disposição da mulher para a atividade e para o trabalho doméstico. Complacente com as

idéias da nova ordem que se instalara com a República, tendo em vista a formação de um

sujeito novo, moderno, ativo e atuante na sociedade, nessa configuração social, o livro

didático era produtor e produto das relações sociais, transmitindo, absorvendo os discursos

produzidos sobre os aprendizados que melhor iriam definir os perfis de formação naquele

momento, sendo, portanto uma voz silenciosa portadora de vários discursos.

Na dinâmica sociocultural do período, o livro didático especificava no seu

corpus saberes sobre como melhor instrumentalizar a mulher para a maternidade e para as

atividades do lar, fundamentado esta num saber/fazer respaldado nos valores técnico-

científicos que deveriam ser adquiridos através de uma educação que ultrapassava os

conhecimentos adquiridos em casa, no âmbito familiar, para ser adquirido no processo de

escolarização, valorizando os princípios da moral, da higiene, da cultura e da racionalidade.

No manual didático intitulado ‘Higiene Alimentar’, do autor Eduardo

Magalhães, de 1908, com estrutura dividida em vários capítulos há uma concentração na

abordagem dos preceitos da higiene no trato com o corpo e os alimentos, onde o autor elenca

vários argumentos sobre a necessidade do cultivo de exercícios físicos para a manutenção da

estética e da saúde corporal, bem como a indispensável alimentação preparada com base em

preceitos de higiene , elemento fundamental para a formação de um indivíduo forte, robusto e

ativo. No capítulo primeiro, denominado ‘Alimentação e progresso’ fica prescrita a relação

higiene alimentar/alimentação/formação humana voltada para a idéia de crescimento da nação

em direção a um possível progresso social e econômico, tendo como objetivo a formação do

bem-estar físico do homem, no que diz:

Sólida base do edifício social, factor essencial da prosperidade nacional, esphera da producção phisica ou da intellectual, a alimentação deve primar entre os principaes cuidados do poder administrativo, para que ella seja quanto possível sufficiente e em todo o caso – sã, salubre”. Não sendo o regimen alimentar adequado às circunstancias, a saber – não correspondendo às necessidades orgânicas, aos gastos incessantes, resultantes do

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funcionamento, em ordem a reparal-os convenientemente, nenhum povo evitará a degeneração, além de expor-se a humilhantes punições ou bem merecida derrota. (MAGALHÃES, 1908, p. 3).

Estão evidentes nessa passagem preocupações em sustentar um discurso que

associa bons hábitos alimentares à preparação de corpos saudáveis e prósperos a atuar de

forma mais dinâmica socialmente, contribuindo para edificar a nação. O capítulo décimo

quinto traz também uma discussão sobre educação e higiene. Nesse momento, foi focalizada a

importância de uma boa alimentação feita de forma higiênica necessária para o indivíduo

conseguir modificar maus hábitos, corrigir defeitos, dando ao organismo melhor direção e

condições de funcionamento. Neste sentido, destaca a importância dos exercícios corporais

como impulsionadores do vigor físico, da sabedoria, da saúde corporal e mental ao considerar:

Os dous grandes esteios de um povo, em todo o mundo, são o vigor physico e a alimentação. O vigor physico se adquire por meios adequados, pelo exercício e principalmente pela gymnastica. A má hygiene, pois, faz do forte-fraco; a boa hygiene faz do fraco-forte. (MAGALHÃES, 1908, p. 14)

Percebemos o teor ideológico proveniente do movimento higienista que o

manual traz ao induzir hábitos e valores considerados válidos na formação de um sujeito

amplo, integral. Ideológico aqui define o conjunto de proposição de idéias que passam a ser

enfatizadas como sendo notáveis, imprescindíveis, únicas, possíveis de serem repassadas e

absorvidas por outros sujeitos. É dessa forma que entendemos que esses conhecimentos eram

delineados nas práticas de leitura realizadas pelas alunas e professoras, numa tentativa de

valorizar o cabedal de conhecimentos que deveriam ser apropriados e absorvidos como úteis

para a vida.

Em consonância com os escritos didáticos, o material de leitura produzido

pelas alunas da Escola Doméstica de Natal refletia algumas apropriações e representações

sobre o ideário do movimento higienista em relação às temáticas sobre a mulher, saúde,

higiene, alimentação, esporte e outros temas. Essa análise nos fez pensar o que Chartier

(1990, p. 24) ressalta sobre as práticas de leitura que são sempre criadoras de usos ou de

representações, ao afirmar que:

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No ponto de articulação entre o mundo do texto e o mundo do sujeito coloca-se necessariamente uma teoria de leitura capaz de compreender a apropriação dos discursos, isto é, a maneira com estes afectam o leitor e o conduzem a uma norma de compreensão de si próprio e do mundo.

A leitora nesse universo de práticas de leitura, não passa a ser percebida como

ser abstrato, daí a necessidade de considerar o ato de ler e as apropriações como atos

históricos e socialmente variáveis que incidem sobre ações concretas. Ainda considera

Chartier (1990, p. 26) que a leitura:

[...] requer que qualquer processo de construção de sentido, logo de interpretação, seja encarado como estando situado no cruzamento entre, por um lado, leitores dotados de competências específicas, identificados pelas suas posições e disposições, caracterizados pela sua prática de ler, e, por outro lado, textos cujo significado se encontra sempre dependente dos dispositivos discursivos e formais.

No caso específico das práticas de leituras realizadas pelas discentes da ED,

tivemos que considerar que elas ocorreram no contexto de uma cultura escolar específica que

definia os livros e materiais escritos a serem lidos; além disso, esses materiais eram

impregnados de percepções sobre várias temáticas, dentre elas: educação, saúde, sociedade,

mulher, etc. que deveriam ser repassadas dentro de uma formação cultural então circunscrita

no currículo e nas finalidades da escola.

Fizemos uma leitura dos escritos das alunas, onde destacamos os títulos das

estudantes Jacyra Barbalho denominado A mulher brasileira, o de lnah Pereira sobre Cultura

physica feminina’, os de Alda Azevedo sobre Culinária, o Maria de Lourdes Lamartine com

o nome de O lar ideal e por fim, o de Dolores Couto intitulado A puericultura.

O primeiro texto analisado intitulado A mulher brasileira, de autoria de Jacyra

Barbalho, traz no seu conjunto uma breve abordagem histórica sobre o papel da mulher

desempenhado socialmente no decorrer dos anos e alguns problemas referentes à educação

feminina. Para proceder a essa abordagem, a autora destacou alguns clássicos da literatura que

retratam o papel feminino em contextos históricos diferentes. Muito bem fundamento

teoricamente, esse texto nos transmite uma visão contextual de religião, literatura, política e

sociedade. Nysia Floresta, Auta de Souza, Júlia Lopes, Ana Nery, Maria Quitéria de Jesus e

Clara Camarão são algumas das mulheres citadas no texto, para enfatizar o papel

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historicamente atuante da mulher na sociedade brasileira.

O que chama a atenção nesses escritos é o destaque feito pela aluna ao

reconhecimento da capacidade de a mulher abrir-se para novas perspectivas de vida e

conquistas no meio social e ainda a necessidade do sexo feminino dividir-se entre o

desempenho social e o materno, ao afirmar em artigo publicado em 1925 e reeditado em uma

revista da Escola Doméstica de Natal em 1998:

Faz-se mister que muitas moças abandonem o errôneo pensamento de considerar cousa pouco digna os trabalhos domésticos. Devem, as caras patrícias, cultivar, pois, as letras sem esquecer, porém, da útil educação doméstica. À mulher cumpre, evidentemente, dirigir e zelar a sua mansão, o lar comprehende o seu domínio. (BARBALHO, 1998, p. 24).

Ficava evidente que a idéia de educação feminina objetivada pela aluna

voltava-se para uma visão de mundo em consonância com os ideários de formação feminina

da Escola Doméstica de Natal, ao considerar a prática doméstica como uma arte feminina. A

opinião pessoal da estudante explicitada nos seus escritos, fora do ambiente escolar, retomava

alguns princípios filosóficos da instituição de ensino, o que denotava que a cultura escolar

transmitida no interior da Escola instaurava práticas e discursos compartilhados. A Escola

elaborou um discurso interpretativo sobre mulher e sociedade expresso no currículo e esses

saberes se expressavam na fala dos sujeitos que eram submetidos às representações e

apropriações de idéias diversas em sala de aula e fora dela.

Os ideais de educação objetivados pela aluna citada, embora apresentasse a

mulher com destaque nas artes, na política, na vida social, reforçava também a tese da mulher

para o lar. Diz: “Mas, dignos embora de admiração esses caminhos brilhantemente trilhados

afastam-na um tanto de seu verdadeiro destino, daquelle que lhe foi reservado pela

Providência – o lar.” (BARBALHO, 1925, p. 24). Essas idéias cristalizavam-se na dinâmica

sociocultural brasileira da época, com valores ainda arraigados socialmente, onde a mulher,

desde cedo, era solicitada pela família a participar dos aprendizados domésticos e dele se

ocupar durante boa parte da sua vida inicialmente como filha e depois nos papéis de esposa e

mãe. Consagrava-se, pois, um padrão de mulher a ser seguido, atribuindo-lhe a função de

alicerce da família e da nação, atuando como reguladora das relações familiares e sociais.

O texto da aluna lnah Pereira, que versava sobre Cultura physica feminina,

traz inicialmente uma visão histórica da prática da Educação Física no mundo, apontando o

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povo grego como os precursores do esporte e do culto à beleza física. A Grécia é apontada

como o lugar reconhecido mundialmente por seu povo belo e forte.

Segundo a aluna, sob o prisma de uma análise fundada nos princípios

científicos e higienistas, alguns esportes são mais aconselhados para o sexo masculino do que

para o feminino e ainda existem aqueles que não são indicados para ambos os sexos, a

exemplo do futebol, pois:

Comquanto apreciado apaixonadamente em todo o Brasil, constituindo um divertimento favorito em grande parte das populações citadinas, não é esse ramo de esporte aconselhado pelos princípios scientificos. Apesar de infallivelmente praticado ao ar livre, gozando dessa propriedade importante, não deve o foot-ball ser aconselhado para os meninos e nem para os rapazes até vinte anos, por exigir movimentos extenuantes. Em alguns casos traz a dilatação dos músculos e em outros a paralisação da corrente circulatória do sangue que determina a morte. (PEREIRA, 1925, p. 32).

Observamos, pela opinião da aluna, que havia um teor conservador e

preconceituoso sobre o esporte ao expor a sua visão sobre a prática esportiva. Afirmava

também que, além do futebol, o ciclismo é considerado uma modalidade esportiva que não

deveria ser praticada, tendo em vista proporcionar reações físicas apenas nos membros

inferiores do indivíduo. No entanto, o basquetebol por não proporcionar fadiga muscular e ser

interessante em sua modalidade de uso era apropriado para as mulheres, tendo em vista

adaptarem-se bem à fisiologia feminina.

Em Natal, no início do século XX, foram fundados na cidade dois espaços

reservados à prática esportiva: o Centro Náutico Potengy inaugurado em 03 de outubro de

1915, por iniciativa de Annibal Leite Ribeiro, capitão da Marinha Militar e no mês de

novembro do ano seguinte, sob a direção de Frederico Holder, foi inaugurado o Sport Club de

Natal, uma agremiação esportiva. Nesse período, a modalidade futebol teve a sua prática

bastante difundida na cidade de Natal e em todos esses clubes.

No currículo da Escola doméstica, o futebol não foi difundido, mas o foram o

basquetebol e a ginástica sueca. Possivelmente pela influência da educação européia que a

escola recebia, algumas modalidades esportivas foram privilegiadas no currículo. Assim como

o basquetebol, a ginástica sueca também era indicada como prática esportiva para as

mulheres, pois segundo os preceitos da aluna, essa modalidade proporcionava o

desenvolvimento saudável dos músculos, pelos movimentos simétricos proporcionados aos

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membros superiores e inferiores, contribuindo para o bom desenvolvimento respiratório,

tornando o corpo alto e esbelto, ao contrário de outras práticas esportivas que apresentavam

menor resistência e harmonia com o corpo.

Esse reconhecimento da prática esportiva esboçado nas palavras da aluna

sinalizava os saberes transmitidos pela Escola às representações advindas das práticas

curriculares trabalhadas, o que denota, evidentemente, que práticas e representações mantêm

relações mútuas, complexas, num movimento de entrelaçamento. Os conteúdos trabalhados

no interior da Escola Doméstica concretizavam-se naquele momento, nas apropriações das

alunas que, por sua vez, manifestavam-se em seus discursos sobre as diversas temáticas

estudas: higiene, sexualidade, cultura, sociedade ou outro assunto.

A aluna, numa visão geral, reconhece que “A educação physica é necessária

desde os tempos de criança até á velhice, pois se fosse praticada por todos, em todas as fases

de vida, o mundo seria fatalmente mais alegre e menos decadente.” (PEREIRA, 1925, p. 32).

Essa visão se entremeava com os princípios higienistas sobre educação e saúde, como já

explicitado anteriormente, que buscava explicação, com base em princípios moralizantes, no

empenho de construção de uma nova ordem social que tinha como interlocução o corpo do

sujeito e sua ação, para formar a nova geração de indivíduos que deveriam atuar socialmente.

Nesse sentido, a intervenção médica expressava-se como um conjunto de recomendações para

fins de constituição física de um corpo mais modelado, higienizado, sã e forte, robusto, com

boa moral e sabedoria.

Conclui o texto considerando que o professor de Educação Física deve ter

como pré-requisito o domínio do conhecimento sobre anatomia e higiene e estudar

individualmente cada aluno para poder adaptar, com raciocínio lógico e cautela, os

movimentos individuais de cada um, de acordo com as suas necessidade. Naquele momento,

já estavam prescritas algumas exigências para a formação do professor, na visão da aluna,

lançando-se assim, alguns critérios básicos de domínio de saberes teóricos aplicáveis à prática

docente.

Por fim, destaca uma frase do educador brasileiro, Fernando de Azevedo ao

dizer: “o paiz que não tem educação physica está morto”. (PEREIRA, 1925, p. 32). Finaliza o

texto com algumas reflexões sobre o bem-estar provocado pelos exercícios físicos,

considerando que “Os exercícios, tanto na infância como na adolescência, requerem cuidados

higiênicos muito sérios para poder haver expansão rígida e franca de todos os órgãos do

corpo.” (PEREIRA, 1925, p. 32). Diz ainda ser necessária para o crescimento da nação

brasileira a prática esportiva como instrumento bastante cultivado pelo povo, para que

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possamos adquirir vitalidade e vigor físico, para que possamos trabalhar e construir a nação.

Os escritos da aluna nos permitem compreender visões ideológicas de mundo

que tomam como base os ideais de nação, higiene, progresso e desenvolvimento e que

vigorariam em todo o país. Nesse sentido, as visões sobre patriotismo, higienismo, perpassam

evidentemente por esses enunciados.

O texto abaixo a ser analisado (da aluna Alda Azevedo sobre ‘Culinária’) é

interessante porque relaciona alimentação às normas de higiene e ao bem-estar social. Ao

tratar da primeira relação, alimentação/higiene, a discente inicia suas colocações explicando

que nos períodos que antecedem a República a mulher não costumava ter cuidados higiênicos

necessários ao espaço da cozinha, sendo este lugar reservado a práticas anti-higiênicas quando

do manuseio dos alimentos. Destaca algumas palavras de Fernando de Azevedo, um dos

líderes do movimento escolanovista, para ilustrar o seu pensamento, ao citar que:

O nosso bem estar physico não está subordinado somente á boa alimentação, depende também do asseio da cozinha e seus utensílios. A cozinha representa papel importantíssimo no saúde de um povo. Assim sendo, é necessário que não sejam desconhecidos alguns preceitos de hygiene alimentar. A dona de casa deve ser muito asseiada e a mesma deve exigir de seus empregados. Ella não deverá consentir que a cozinheira e copeira enxuguem as mãos no avental, cuspam no chão, cocem a cabeça, etc. (AZEVEDO apud PEREIRA, 1925, p. 27, 29).

Nessa perspectiva, o espaço reservado à cozinha deveria, portanto, satisfazer às

boas normas de higiene e apresentar-se como um lugar agradável, fresco, bem limpo e

iluminado. Do contrário, seria um espaço impróprio para uso, anti-higiênico e favorável ao

desenvolvimento de parasitas e germes. Mais uma vez, os preceitos higienístas surgem nos

escritos da aluna da Escola Doméstica, ilustrando evidentemente que os acontecimentos

sociais penetravam no universo escolar de forma significativa, influenciando nas

representações e nas práticas de suas alunas.

Dando continuidade ao seu discurso, a aluna destaca que diante da

modernização das cidades, há necessidade de a educação feminina ser renovada conforme os

novos valores aflorados de civilidade, higiene e educação. Citando o autor Azevedo, propõe

que a mulher reveja o seu papel social, tendo em vista que:

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A educação moderna vem exigindo da mulher conhecimentos technicos de artes domesticas e é mister que ella esteja apta para desempenhar os encargos que essa missão lhe destina, afim de que possa, de um modo preciso, minorar o soffrer dos que lhe são caros e, indiretamente, o da collectividade. (AZEVEDO apud PEREIRA, 1925, p. 27).

Com base em alguns preceitos científicos, a aluna classificava a distribuição

dos alimentos no organismo humano conforme as necessidades individuais de cada um, bem

como de acordo com a idade, profissão e estado de saúde, dando como exemplo a

classificação dos que exercem atividades intelectuais e atividades físicas. Os que exercem

atividades intelectuais deveriam ter alimentação sadia e pouco tóxica, restrita a frutas,

legumes, carne, leite, etc. Os que se dedicam aos trabalhos físicos poderiam alimentar-se com

substâncias mais reforçadas, tendo em vista que pelo excessivo esforço físico, os excessos

calóricos da alimentação seriam eliminados mais facilmente.

A pessoa responsável por essa administração alimentar numa casa seria a

mulher, pois esta, de posse de conhecimentos sobre a arte culinária e respaldada pelos

preceitos científicos e higiênicos, seria a mais adequada para manter o lar bem ordenado,

saudável e harmonioso. “A distribuição apropriada dos alimentos, de conformidade com as

funcções sociais do individuo, compete á dona de casa, pois não é uma cozinheira ignorante

que sabe reconhecer e comprehender essas necessidades.” (AZEVEDO apud PEREIRA,

1925, p. 27).

A formação de corpos fortes e robustos, para agir em conformidade com o

novo regime republicano, exigia alguns cuidados com a alimentação, por isso a justificativa

pertinente da aluna sobre o estudo da culinária, que seria fundamental para a formação das

alunas da Escola Doméstica de Natal de forma que elas pudessem disseminar esses saberes da

melhor forma em seus lares, contribuindo para formar homens ativos e saudáveis. O estudo

dessa temática, culinária, respaldava-se, portanto, em princípios higienistas e

racionalizadores, tão vigentes na época, como já explicitado anteriormente.

Um importante aspecto a destacar condiz com os hábitos culturais alimentares

praticados pela população natalense no início do século XX. Cascudo (1980) chama a atenção

para esse aspecto naquele período. Quando o coentro e o cheiro-verde (também conhecido

como cebolinha) eram as verduras mais cultivadas na cozinha natalense, a Escola Doméstica

de Natal propunha o uso de outras hortaliças e legumes mais diversificados como o chuchu,

batatinha, repolho, abobrinha e outros, assim como o cultivo de hortas caseiras, compra de

hortaliças em feiras livres, práticas estranhas aos hábitos rotineiros da cidade de Natal,

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provocando nas alunas a prática de novos costumes evidenciando, com isso, o caráter

inovador do currículo da Escola Doméstica de Natal naquele tempo. Era questionada pelas

docentes estrangeiras da ED a falta de hábitos alimentares num sentido mais diversificado de

verduras e legumes pelo natalense. Nesse sentido, podemos considerar que a Escola

Doméstica de Natal, através do seu currículo, traçou grandes contribuições às alunas que a

freqüentavam e conseqüentemente as suas respectivas famílias, no repensar de uma culinária

diversificada e adaptada à realidade local.

1915 foi um ano marcado por uma grande seca no nordeste do país,

especialmente no Estado do Rio Grande do Norte. Nesse período, Natal foi palco de muita

miséria e fome, pois muitas pessoas famintas abrigaram-se na cidade, ocupando locais

públicos como a praça Padre João Maria. As primeiras docentes que lecionavam na ED,

recém chegadas da Suíça, ficaram perplexas diante desse quadro, questionando como um país

de tão grande dimensão como o Brasil poderia abrigar a fome e a miséria, sugerindo o cultivo

de hortas caseiras como uma das necessidades básicas nas moradias.

Nesse período, em Natal, a população não havia adquirido com freqüência o

costume do cultivo de hortas caseiras. A compra dos alimentos era feita em feiras livres; não

havia geladeiras para a conservação dos produtos perecíveis, sendo uma prática cotidiana da

população à ida constante, quase diária, à feira. Esses fatores foram, na verdade, um dos

propulsores a se considerar nas práticas de leituras das alunas sobre a culinária, considerando

ainda a realidade local e as possíveis formas de mudança nos hábitos alimentares da

população, tornando-se, nesse sentido, para a Escola, uma prática de intervenção nos hábitos e

costumes reais da sociedade natalense daquele momento histórico.

Analisando os escritos da aluna Maria de Lourdes Lamartine intitulado ‘O lar

ideal’, percebemos alguns pré-requisitos essenciais para a construção de uma residência e os

critérios para mantê-la um ambiente saudável e adequado à moradia. Notavelmente, assim

como os demais textos antes analisados, este destaca algumas noções básicas de higiene

aplicadas nas residências, ao afirmar que:

A fim de que a habitação assegure o conforto é necessário antes de tudo ser architetada de accordo com os dispositivos estabelecidos pela hygiene, isto é, receber ar, luz em abundancia, ser bem localizada, preservada das humidades do solo, defendida das contaminações, impurezas, etc. (LAMARTINE, 1925, p. 4).

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Ao considerar esses aspectos quanto aos cuidados com a residência, a aluna

destacava a importância do papel feminino na organização do lar e, nesse sentido, apelava

para a sensibilidade da mulher no que diz respeito ao zelo e limpeza de uma casa, ao bom

gosto na escolha do mobiliário, na ordem e manutenção da harmonia desse espaço.

O asseio despendido pela mulher ao espaço doméstico, particularmente a

cozinha, não era tratado, nessa visão, como uma questão de gosto ou luxo, mas de uma

necessidade imperiosa e necessária para a manutenção da saúde familiar, do bem-estar

corporal. Também era recomendado pela aluna da ED que as pessoas convocadas para

trabalhar em casas de família na função de empregadas domésticas passassem por exames de

saúde, a fim de diagnosticar o seu estado físico, ao considerar a autora que: “Outrossim, o que

todas as donas de casa devem exigir, é que as suas empregadas sejam examinadas na

Repartiçào de Hygiene do Estado, afim de que possam com as suas cartas de sanidade, provar

que não soffrem de moléstias infecto-contagiosas.” (LAMARTINE, 1925, p. 5)

Constatamos que as noções apregoadas pelos movimentos higienistas da época

chegavam, de fato, a influenciar o currículo da Escola Doméstica de Natal e as práticas

cotidianas da Escola, refletidas estas no pensar e no fazer cotidiano das alunas, o que significa

pensar que a cultura escolar incorporada nessa instituição absorvia as discussões em voga na

sociedade e as exigências legais propostas às diversas instituições educativas do período para

o seu efetivo funcionamento.

Percebemos que a leitura realizada pelas discentes refletia-se nas suas diversas

representações de mundo, nas concepções de mulher e sociedade, o que tornava a discente

uma das defensoras dos ideais de educação feminina apregoados pela ED e pela Liga de

Ensino do RN. Ao estudar sobre a higiene das moradias, a aluna Lamartine (1925), por

exemplo, em consonância com os estudos realizados anteriormente em sala de aula sobre

higiene e habitação, concordava especificamente nos seus escritos que:

A hygiene de uma moradia é uma questão importantíssima a considerar, que naturalmente reclama a attenção deu’a dona de casa. Uma habitação destituída de hygiene, privada de ar, luz e esgotto, circumdada de montões de lixo, águas estaguadas, pocilgas, etc. torna-se um foco de micróbios. Uma dona de casa que tenha um conhecimento de hygiene, certamente adoptará de bom grado os preceitos hygienicos recommendaveis, evitando grande numero de doenças que reinam tão commumente em nosso meio, determinadas quase sempre pelos defeitos do regimen alimentar, pela falta de asseio domestico, pelas poeiras baciliferas e os insectos que parasitam aqui e acolá, os quaes olhamos indifferentemente e dondem resulta serias conseqüências. (LAMARTINE, 1925, p. 4).

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Como percebemos, a compreensão sobre higiene fez parte dos escritos das

diversas alunas da ED quando tratavam de abordar sobre as moradias, a culinária e ainda a

educação feminina. Encontramos também tais indicações numa matéria escrita publicada pelo

professor responsável pela disciplina Higiene do lar, o médico e professor Varela Santiago.

(SANTIAGO, 1925). Nesse texto, o professor fez uma breve exposição sobre a importância

da higiene para o bem-estar tanto pessoal, quanto familiar, independentemente da classe

social a que pertencessem as pessoas. As palavras do professor convidavam as discentes a

refletir sobre a necessidade de a mulher brasileira receber uma formação teórica e prática

sobre higiene e puericultura. Segundo ele, esses dois aspectos, higiene e puericultura, sendo

bem trabalhados pela escola, evitariam graves mazelas sociais, por exemplo, a erradicação do

elevado surto de mortalidade infantil, doenças graves na infância e irregularidades orgânicas

nas pessoas, devido aos maus hábitos alimentares, enfatizando ainda que:

A falta de hygiene alimentar dos adultos e das crianças é um factor que tem ocorrido poderosamente para manter sempre elevado o obtuario geral por toda a parte. Os especialistas em moléstias de crianças são accordes em dizer que a maior causa da mortalidade infantil é a ignorância das mães. E se a mortalidade infantil constitue hoje um problema de interesse do mundo inteiro é mais que lógico que a solução dele esteja em grande parte affecta á educação hygienica da mulher. As nossas mães de famílias são dotadas das mais elevadas qualidades moraes, mas a sua educação sanitária é muito falha e deixa quase tudo a desejar. (SANTIAGO, 1925, p. 15).

Fazendo uma leitura das idéias explicitadas pelo médico e professor da Escola

Doméstica de Natal, percebemos que os problemas sociais, como a mortalidade infantil (tão

bem enfatizada) e a falta de melhores condições higiênicas da população são atribuídas a

situações particulares, sem considerar fatores de ordem sócio-econômica e política que

poderiam ser abordados. Desta forma, esses problemas recaiam sobre as responsabilidades

individuais e locais, a exemplo da mulher que sendo bem orientada, poderia mudar o quadro

macro-estrutural da cidade de Natal no início do século XX.

No texto, o professor da ED indicava o conceito de higiene como sendo uma

temática imprescindível nas discussões sobre outros temas como puericultura, vestimenta,

alimentação e outros. É o que, na atualidade, poderíamos classificar como um tema

transversal, o que emergia nas diversas discussões e disciplinas do currículo da Escola

Doméstica de Natal, como foco a ser abordado, tomando novas dimensões em níveis

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diferentes de discussões. Nesse sentido, ao estudar sobre a educação feminina deveria a

mulher se apropriar dos conhecimentos sobre as normas higiênicas aplicadas no dia- a -dia da

organização do lar. À mulher, nesta visão, caberia a responsabilidade em assumir o papel de

aplicadora das normas de limpeza e asseio pessoal na família, contribuindo assim para um

bem-estar pessoal e social.

Sobre esse assunto, a autora Almeida (1998, p. 119) tece algumas críticas

bastante significativas ao dizer que:

Encarregou-se de manter a mulher no espaço doméstico e impor-lhe regras de conduta que regulavam seu comportamento em limites estreitos. A educação positiva fez dela um anjo de bondade, [...] a educação higiênica revelou uma mulher contida e cerimoniosa [...] a ela, as ocupações domésticas, desta vez orientada pelo uso da inteligência e atendendo aos preceitos higiênicos.

Nessa visão, é apontada a ideologia veiculada pelo higienismo do início do

século XX ao destacar que esse movimento esteve em conjugação com o ideal positivista do

período, influenciando a formação feminina e veiculando uma ideologia sobre as melhores

formas de comportamentos e costumes a serem seguidos.

As práticas de leitura e escrita das alunas eram acompanhadas por uma

ordenação didática e disciplinar. Tentaremos no próximo capítulo destacar como essa

organização disciplinar agia no cotidiano da Escola, nas manifestações culturais e

pedagógicas e como ela contribuía para moldar comportamentos e movimentos dos corpos

das alunas e professoras no sentido de fabricar sujeitos obedientes e educados.

Percebendo a cultura escolar como a vida da escola materializada nas suas

práticas cotidianas e estabelecendo relações entre essa realidade, podemos afirmar que as

alunas dessa instituição, ao terem que escrever um texto no final do Curso (que denominavam

de Monografia de Curso) e submetê-lo a uma apreciação de leitura pelos docentes da própria

Escola, estavam sendo, naquele momento, avaliadas segundo os preceitos teóricos exigidos

para cada aluna, conforme a cultura escolar imposta e trabalhada no interior da instituição.

Ainda podemos dizer que esse momento simbolizava para a Escola avaliar se os saberes

trabalhados nas suas práticas cotidianas estavam realmente educando e civilizando as

mulheres dentro de uma nova ordem social que primava por uma nova visão de mundo e de

valores culturais.

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A produção dos artigos escritos pelas alunas denunciava a preocupação da

Escola em verificar aprendizagens, apropriações diversas, divulgar resultados sobre as

representações das alunas com relação aos diversos conceitos de mulher, educação e saúde,

lembrando ainda que esses momentos eram caracterizados por grandes eventos ao público,

onde os trabalhos das alunas eram publicadas no jornal da cidade A República, além de serem

apresentadas verbalmente, geralmente no teatro da cidade, na época o Carlos Gomes, diante

de autoridades públicas, familiares e convidados.

4.3. A ordem, a disciplina e a vigilância

Falar da disciplina escolar que perpassou os espaços da Escola Doméstica de

Natal no período que se estende do seu início de funcionamento, ano de 1914, até à década de

40 do século XX, significou considerar o contexto cultural em que essas práticas ocorreram.

Implica também especificar os procedimentos de vigilância, acompanhamento e orientação

acionados nos dispositivos da Escola pela direção e inspeção escolar que produziam no dia-a-

dia a uniformização do sistema de ensino que a propagação do modelo escolar pretendia

assegurar.

O conceito de disciplina utilizado nesta análise situa-se na compreensão do que

nos fala Foucault (1997), revelada na leitura do sujeito em movimento, nas formas de

condução de controle do seu corpo, das ações, dos gestos, dos comportamentos. Nessa

compreensão, a disciplina, mais do que moldar os comportamentos humanos, fabrica corpos

submissos, numa submissão em que é dispensada a violência física, pois ela age através do

controle ideológico do corpo, no uso de dispositivos repetitivos silenciosos. No caso

específico de uma instituição escolar, essa violência, que é uma violência simbólica dá-se

através do estabelecimento de regras, condutas, normas, ordenações rotineiras, nos horários

em que os indivíduos estão cumprindo um Estatuto interno que controla os sujeitos no que

fazem e no como fazem as ações diárias.

Ao transpor o conceito de disciplina para a nossa análise, evidenciamos o

efeito dos diversos dispositivos usados na Escola Doméstica de Natal para manter em

funcionamento a ordem e a organização rigorosa das classes, dos espaços ocupados no

interior da escola por docentes, pelas alunas e funcionárias (os). O regulamento interno da

instituição, o olhar meticuloso e centrado da diretora, da professora, da inspeção escolar, o

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controle disciplinar nas formas de comportamento, nas formas de se vestir, na utilização dos

métodos de ensino, nos dão o quadro geral da escola no controle dos sujeitos, uma vez que “a

disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis. A disciplina aumenta

as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em

termos políticos) de obediência.” (FOCAULT, 1997, p. 119).

Consideramos primeiramente a idéia que Foucault atribui aos espaços

ocupados pela disciplina, ao que denomina de ‘artes das distribuições’, no que concerne ao

fato de a disciplina proceder à distribuição dos indivíduos no espaço e localizações

determinadas. Ao mesmo tempo em que se refere ao espaço ocupado pelos sujeitos, indica

que estes ocupam o lugar de acordo com as distribuições prescritas pela instituição, num

espaço controlável, medido, proporcionando um espaço analítico. Neste sentido, a aluna da

Escola Doméstica era sujeito observado pela professora, assim como a professora era

submetida ao olhar meticuloso da direção, bem como a direção pela inspeção escolar, num

jogo mútuo em que:

Importa estabelecer as presenças e ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar comportamentos de cada um, aprecia-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou méritos. Procedimentos, portanto, para conhecer, dominar e utilizar. A disciplina organiza um espaço analítico. (FOUCAULT, 1997, p. 123).

O silêncio, a ordem e a disciplina na Escola Doméstica de Natal faziam parte

da rotina escolar, funcionando como principais dispositivos de organização interna da

instituição. A disciplina aplicava-se a todas as manifestações culturais e pedagógicas da

Escola, assim como nas formas das alunas, funcionárias e professoras se comportarem,

falarem, vestirem, se alimentarem, nas diversas práticas que ocorriam internamente no

estabelecimento. Como ainda diz Foucault (1997, p. 119) essa anatomia política se

desenvolve como:

[...] uma multiplicidade de processos muitas vezes mínimos, de origens diferentes, de localizações esparsas, que se recordam, se repetem, ou se imitam, apóiam-se uns sobre os outros, distinguem-se segundo seu campo de aplicação entram em convergência e esboçam aos poucos a fachada de um método geral. Encontramo-los em funcionamento nos colégios, muito cedo; mais tarde nas escolas primárias.

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O disciplinamento do corpo era mantido através de uma multiplicidade de

práticas, que envolviam desde o controle da vestimenta a ser usada pelos docentes e discentes,

até à forma de apresentação perante outras pessoas. A aluna, por exemplo, deveria apresentar

elegância, discrição e sutileza na forma de sentar-se, o que é percebido na foto a seguir, onde

a postura das mãos sobre o colo, o jeito recatado de sentar das alunas, as pernas em posição

paralela demonstravam recato, timidez, docilidade, em suma, controle do corpo.

Percebemos um disciplinamento na forma de sentar-se, na postura do corpo, o

que evidenciava o cuidado que a escola tinha ao instruir as alunas nas melhores formas de se

comportar, vestir, sentar-se, dentre outras práticas do dia-a-dia.

FOTO 17 – Registro fotográfico da turma de formandas da ED no ano 1931? Acervo particular da Escola Doméstica de Natal.

O primeiro documento que destacamos e que esboçava detalhadamente os

comportamentos a seguir na Escola foi o Regimento Interno. Este, que data da fundação da

instituição, era elemento importante para a compreensão dos ditames criados para ordenar o

espaço e a cultura escolar da Escola Doméstica de Natal. O Regimento Interno, documento

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Legal criado pela Liga de Ensino do Rio Grande do Norte, continha no seu corpus as normas

gerais de funcionamento da Escola quanto aos critérios de comportamentos, das discentes,

tanto internas como as semi-internas, na parte intitulada ‘Regimento Interno das Alunas,

cuidados indispensáveis’. Continha ainda as disposições gerais sobre a matrícula,

mensalidades, despesa da escola, reserva de matrículas, pagamentos de mensalidades e ainda

uma parte importante dedicada às funções incumbidas à direção da escola e o papel do corpo

docente. Especificava ainda este documento, que “a disciplina mantida é firme e severa,

quando as circunstâncias assim o obrigarem, porém quase sempre mantida de modo brando e

de acordo com os processos da educação moderna.” (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE

DO NORTE, 1914b, p. 34).

Obedecendo aos preceitos da Nova Pedagogia, teria a Escola Doméstica,

através do seu Regimento Interno, que abolir qualquer castigo corporal, abrindo perspectivas

às incorporações de admoestações mais amenas, em concordância também com a legislação

estadual que firmava como propósito o cumprimento, nos estabelecimentos de ensino do

Estado do Rio Grande do Norte de algumas exigências legais. Assim, o Decreto de n. 239 de

15 de Dezembro de 1910, do governo do Estado, através do Título VI que tratava das

Disposições Comuns, item terceiro, intitulado ‘Da Disciplina Escolar’, já especificava:

Art. 145. São prohibidos os castigos corporaes: a base da disciplina é a affeição recíproca dos mestres e discípulos. Art. 146. Como meios e accessorios, os professores poderão empregar moderadamente prêmios e penas estatuidas no Regimento Interno. Art. 148. Compete ao Director Geral organizar o Regimento Interno das escolas, horários da classe, programmas de ensino e instrucções para sua perfeita execução, sujeitando-as à approvação do Governo do Estado, que os mandará vigorar. (RIO GRANDE DO NORTE, 1910, p. 138).

Portanto, em conformação com as exigências legais, o Regimento criado pela

Liga de Ensino do RN destacava passagens explicitando o que poderia ser empregado ou não,

a exemplo das práticas disciplinares a serem postas em ação e os métodos de ensino

preconizados. Neste sentido, diante de alguns critérios a serem socializados, o Regimento

teria que passar pelo crivo dos pais das alunas, tendo estes que, após a leitura, concordar

plenamente com as normas da instituição. Por isso, esse documento precisava ser lido

obrigatoriamente pelos responsáveis das docentes e ainda ser assinado no ato da matrícula.

Isto teria que ser uma prática corriqueira, como forma de assegurar o

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consentimento e aceitação das normas aplicadas. Consideramos essa atitude como ato

importante naquele momento, porque resguardava a instituição de quaisquer eventualidades

de discordância futura quanto aos dispositivos normatizadores aplicados. Era também, na

nossa percepção, além da forma escrita de aprovação das normas internas pelos pais das

alunas em submissão aos condicionamentos de funcionamento postos e para serem cumpridos

rigorosamente no dia-a-dia da Escola.

Uma vez matriculada a aluna e assinada a declaração de aceitação das normas

internas, subtendia-se que a discente passaria a uma condição de conformidade quanto aos

ônus e obrigações inerentes à condição de funcionamento escolar, passando a observar e

obedecer fielmente aos preceitos regimentais, mesmo sem haver uma aceitação pessoal de sua

parte. Assim, decorrendo qualquer atividade exercida pela aluna na Escola, fosse ela

individual ou coletiva, passaria a ser praticada mediante a expressa permissão da direção

escolar. Era a direção a responsável pelo acompanhamento diário da aluna, de forma

meticulosa ordenava os passos a serem seguidos, bem como as atividades exercidas pelas

docentes.

Foucault (1997), ao estudar sobre a ação da disciplina, lembrou que o domínio

disciplinar implica que o sujeito conheça os dispositivos de poder mais apropriados para

garantir o seu uso e o seu domínio sobre o outro de forma que garanta uma submissão

satisfatória, determinada.

O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe. Um ‘anatomia política’, que é também igualmente uma ‘mecânica do poder’, está nascendo; ela define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se quer, mas para que operem como se quer, com as técnicas, segundo a rapidez e a eficácia que se determina. (FOUCAULT, 1997, p. 119).

O Regimento Interno apresentou uma parte dedicada exclusivamente aos

docentes; destacá-la é importante porque o maior contato dos docentes com as normas e

práticas se dava através do controle direto pela diretora em sala de aula ou no pátio.

Concordando com a idéia apontada por Julia (2001, p. 10-11) de que “normas e práticas não

podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são

chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos

encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais

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professores”. Entendemos que os docentes seguiam uma hierarquia interna para cumprir as

determinações superiores, seguida primeiramente pela Diretoria da Liga de Ensino do Rio

Grande do Norte, acompanhada da Direção Escolar, devendo, pois, “observar as instrucções e

recommendações da Diretora, quanto à política interna e auxilia-la na manutenção da ordem

disciplinar.” (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1914b, p. 28).

Os professores teriam que se moldar a uma hierarquia interna da instituição,

seguindo determinados deveres a serem cumpridos como, por exemplo, dar aulas nos dias e

horários estabelecidos e exercer fiscalização imediata sobre suas alunas, apresentar-se diante

da diretoria sempre que deixasse de dar aulas, expondo-lhe os motivos das faltas, cumprir as

instruções que lhes fossem transmitidas pelo presidente e secretário da Liga de Ensino, dar

exemplo de cortesia e moralidade em seus atos e comportamentos diante da disciplina

denominada Ordem Doméstica.

Além de residir na escola, as professoras não podiam sair dela sem a prévia

autorização, recebendo visitas em dias e horários determinados pela Direção. Havendo casos

de desobediência às deliberações da Diretoria, caberia a essa a responsabilidade de comunicar

o fato ao presidente do Conselho da Liga de Ensino para que fossem tomadas providências

imediatas. É o que destaca o regulamento interno da instituição:

As professoras deverão habitar na Escola, de onde não sahirão sem auctorisação da directora, a quem indicarão sempre os logares para onde se derigem. As visitas de seu conhecimento só poderão ser recebidas nos dias de ferias e em horas determinadas. Os casos de desobediência ás deliberações da directora devem ser immediatamente communicadas pela mesma ao Conselho Admnistrativo ou ao respectivo presidente.”. (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1915, p. 5).

As professoras não dispunham de autonomia nas suas práticas cotidianas. Era

perceptível que o controle disciplinar não incidia apenas sobre as alunas, mas também sobre

as docentes, o que significava haver uma ordenação superior maior da diretoria em relação a

alunas e professoras. Esse acompanhamento explicitava-se no documento interno, o

Regimento, onde o controle disciplinar fazia-se jazer para que a escola funcionasse numa

hierarquia de ordem e mando.

Vejamos que as regras de civilidade, etiqueta, cortesia e o seu cumprimento

dessas regras e normas eram exigências severas no cotidiano escolar da ED. As formas de

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controlar o tempo de acordar e de dormir, e de controlar a si próprio, bem como manter a

fiscalização contínua dos dormitórios, obedecer aos preceitos da higiene e outras atribuições

exigidas ao corpo docente traziam à cena uma cultura escolar como o conjunto de normas que

definia os conhecimentos e as condutas a serem apreendidas, assim como o conjunto de

práticas que permitiriam a transmissão dos conhecimentos e a incorporação dos

comportamentos segundo as finalidades da escola. As normas e as práticas coordenadas

variavam segundo as finalidades da instituição: formar mulheres de boas condutas morais

aceitas socialmente, de acordo com os preceitos culturais do período, mulheres educadas,

virtuosas, civilizadas que deveriam banir da escola quaisquer atitudes viciosas, de imoralidade

e ignorância em função de um disciplinamento dos corpos para atender a finalidades de

socialização.

A ordem disciplinar interna prevista para ser posta em prática pelas alunas,

previa o cumprimento de horários de entrada e saída na escola e em sala de aula, pois isso era

uma regra severa a seguir. Atitudes de zelo pelos objetos materiais da escola e objetos

pessoais deveriam ser procedimentos previstos pelas alunas e professoras. A discente que

deteriorasse objetos materiais da instituição deveria receber, segundo o regulamento interno,

uma punição, ou mesmo efetuar o pagamento ou substituição desses objetos.

A freqüência escolar pela aluna na Escola também era acompanhada pela

professora e pela direção. A advertência quanto à participação da estudante nas atividades

internas deveria ser uma constante e o Regulamento Interno primava por esse

acompanhamento, de forma que a chegada da aluna na escola deveria ser no horário

estabelecido e alguns atrasos na chegada deveriam ser considerados e computados no final

como uma falta diária. Leiamos a seguir o que dizia o Regulamento Interno:

Exige-se a assistência a todos os atos escolares e fica entendido que nenhuma estudante se ausentará, durante o período de trabalho, salvo em caso de fôrça maior. Em casos de doença, que forcem a ausência de mais de um dia, a família da estudante deverá avisar a Secretaria, dentro de 24 horas. No cálculo de freqüência, 4 chegadas com atraso equivalem a 1 ausência. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1914b, p. 36).

Nesse caso, a disciplina incidia no viver diário da aluna, desde a sua chegada

na escola ao horário de saída. Ainda segundo o Regulamento Interno Escolar era proibido

falar ao telefone, sem prévia autorização, circular nos corredores fora dos horários de aulas,

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entrar nas dependências da escola (como a cozinha, direção, secretaria...) sem a prévia

licença, conversar nas classes, deixar livros e trabalhos de costuras em lugares diferentes,

receber visitas não autorizadas, recados e encomendas sem o prévio consentimento da

direção, etc. A Escola Doméstica de Natal especificava sobre a disciplina:

A disciplina escolar comporta as seguintes penas, applicadas conforme a gravidade das faltas: admoestação, reprehensão, notas más, privação parcial de recreio, suspensão atè 15 dias e eliminação. Estas penas serão impostas pela Directora, podendo qualquer professor applicar as três primeiras. Haverá recurso obrigatório para a Liga de Ensino das penas e suspensão e eliminação, as quaes sò serão applicadas em casos de extremos e quando as penas anteriores tiverem sido ineficazes. Nenhuma outra punição é permitida, ainda, quando reclamada ou autorizada pelos pais ou representantes. (LIGA DE ENSINO DO RIO GRANDE DO NORTE, 1927b, p. 30).

Com a reordenação do espaço escolar e a disciplinarização, vem a idéia de

banir tudo o que fosse fragmentário, heterogêneo e contraditório à ordem estabelecida. Dessa

forma, as práticas normatizadoras aplicadas às alunas deveriam imprimir ideais civilizatórios

de ordem e disciplina, disciplinamento esse que não pairava nos regulamentos escritos, mas,

penetrava no interior da Escola gerando na organização do espaço pedagógico e nas normas

que o fazia funcionar, o movimento de corpos submissos, obedientes e caracterizados pela

cultura escolar imposta. Vejamos mais um registro fotográfico, desta vez uma ampliação da

foto destacada anteriormente, a de n.° 5. Sob um novo ângulo, podemos visualizar melhor a

postura das alunas e perceber a evidencia de uma postura disciplinada materializada na forma

de sentar e vestir das discentes.

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FOTO 18 – Primeiro Corpo discente da Escola Doméstica de Natal, 1928. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

O penteado das alunas, por exemplo, evidenciado na imagem anterior, deveria

estar relacionado à modéstia, cortado acima do ombro, sem uso de grandes adereços, com o

intuito de repassar a imagem de asseio, ordem e simplicidade. O modelamento do corpo,

portanto, revestia-se de cuidados na hora de vestir e também de movimentar-se na instituição,

o que minuciosamente incutia nas alunas modelos de valores, linguagem corporal e

manifestações verbais, próprios da cultura escolar da Escola Doméstica de Natal.

A idéia de criar indivíduos docilizados e modelados, aptos a uma vida em

sociedade, numa sociedade disciplinar se constrói, na visão de Foucault (1997), através de

prisões, fábricas, hospitais, mas também de escolas. À educação é atribuído papel primordial

na formação dos indivíduos, pela sua capacidade de disciplina-los através da introjeção de

hábitos, pela vigilância sobre as condutas. Essa prática passa a funcionar na escola como uma

mão invisível que gradativamente se articula com outras práticas pedagógicas do currículo da

instituição, passando a ser incorporada civilizadamente, moderadamente. Para o que Foucault

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chama a atenção, para os efeitos de poder de quem a produz, criando mecanismos de controle

na escola que passam a ser incorporados diariamente através de diversos dispositivos

implícitos e materializados em regras e ainda:

A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício. Não é um poder triunfante que, a partir do seu próprio excesso, pode ficar em seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. (FOUCAULT, 1997, p. 143).

Por ser objeto meticuloso e cuidadoso, o exercício disciplinar exigia de quem o

exercia na Escola Doméstica, alguns recursos como os atos de observar, controlar, regular e

punir, estabelecendo assim na rotina pedagógica uma política de movimento. Um estudo

importante sobre o disciplinamento dos sujeitos é o apresentado por Rocha (2000) porque

analisa a disciplina do ponto de vista escolar, social e que foi muito enfatizada,

principalmente entre o final do século XIX e início do século XX, como uma necessidade de

se firmar a ordenação social. A escola, nesse contexto, assumiu um papel relevante nessa

construção social, segundo alguns intelectuais do período. O autor ao fazer esses

apontamentos, destaca que:

Constituir a escola como signo da civilização e do progresso. Organiza-la como espaço da ordem e da disciplina, pela prescrição de uma nova economia do corpo e dos gestos, de formas racionais de empregar o tempo, ocupar o espaço e gerir o trabalho pedagógico. Dotar a instituição escolar de uma organização calcada nos ideais de racionalidade e previsibilidade, configurá-la como espaço, que, em tudo, se diferenciasse do espaço doméstico. Consubstanciá-la, enfim como instituição disciplinar. Eis alguns dos intentos a que se lançaram os intelectuais do período. (ROCHA, 2000, p. 56).

A citação apontada por Rocha (2000) torna-se relevante para percebermos que

a disciplina é historicamente construída e com o desenvolvimento da modernidade passou a

ser mais presente como parte de um projeto de moralização dos costumes e regeneração da

população, sendo configurada como uma realidade que deveria estar mais presente em

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algumas instituições, a exemplo da escola. Portanto, num período em que o ideário de

progresso e modernização prevalecia nas representações sociais construídas acerca do aluno,

professor, escola e disciplina, a escolarização passou a ser enfaticamente considerada como

uma via privilegiada para a consecução desses objetivos exacerbados no período republicano.

Não podemos esquecer que o movimento da escola ocorre no interior do movimento da

cidade, isto significa constituir um discurso interpretativo acerca da escola como totalidade

organizada em sintonia com os acontecimentos que perpassam na sociedade e com as

diferentes instâncias do sistema educativo.

No que dizia respeito ao disciplinamento das alunas internas, este era mais

rigoroso porque a permanência da discente na escola requeria uma convivência cordial

contínua entre direção, docentes e alunas. Essa convivência, para que fosse harmônica,

carecia de um rigor no cumprimento das determinações explicitadas no Regimento Interno,

tendo a aluna a obrigação de, por exemplo, tratar com educação os mestres, colegas, não

exercer qualquer ação sem consentimento da diretora, não descer dos dormitórios antes do

toque da campanha, somente receber visitas em horários preestabelecidos pela escola, não

falar com pessoas estranhas, somente mediante o aval dos responsáveis, não usar qualquer

tipo de bebida alcoólica, fumo, sob pena de punição severa, não usar jóias caras, obedecer ao

uso constante dos uniformes, estando essas práticas em conformidade com as finalidades

maiores da Escola:

O cultivo da vida espiritual e de várias atividades sociais e recreativas, imprescindíveis à formação de personalidades atraentes, prestimosas, honestas, leais e fortes, são praticadas neste meio familiar. A escola tem como objetivo tornar as suas alunas pessoas disciplinadas e responsáveis, através do exercício do raciocínio, levando-as a pensar e pesar razões – pró e contra – na resolução de seus problemas individuais e da comunidade escolar. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1914-1964, p. 22).

O disciplinamento era, portanto, tematizado nas práticas da Escola e também

nas discussões teóricas (perpassadas nos estudos em sala de aula) ao propor que se debatesse

sobre a importância dos exercícios físicos para uma melhoria do disciplinamento do corpo,

nos discursos que versavam sobre a correção e prevenção de acidentes, doenças, e no

amoldamento dos comportamentos nas aulas sobre civismo. O civismo também era uma

prática estimulada nacionalmente; incorporava valores, normas, hábitos, emblemas e mitos

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voltados para o engrandecimento da pátria para formar um modelo disciplinador obediente às

normas hierárquicas escolares calcadas no funcionamento do novo governo republicano que

apregoava a ordem e progresso como necessários ao crescimento nacional; daí a relação

disciplina e escola tornarem-se tão significativas nesse contexto.

Assim a Escola tecia uma produção discursiva capaz de corrigir, prevenir,

moldar e disciplinar. Essa estruturação que tentava em todos os momentos disciplinar e

corrigir hábitos e atitudes materializou-se também nas formas de organização do tempo na

escola.

4.4. Modelando corpos: a vestimenta escolar

As escolas também são “celeiros” de memórias, espaços nos quais se tece parte da memória social. As reminiscências desse espaço são possíveis pela estrutura das suas rotinas e sua continuidade no tempo. A importância dessa instituição, mesmo quando apontamos a sua crise na construção das subjetividades do mundo contemporâneo, reside no fato de representar, durante a infância e a adolescência, para além da sua finalidade específica, um território de lenta aprendizagem do mundo exterior. Os códigos desse universo transparecem na definição de um espaço que lhe é próprio, no uso do tempo, nas regras disciplinares, nas vestimentas específicas e numa totalidade de objetos. (CLARICE NUNES).

A citação em epígrafe nos convida a tecer algumas reflexões sobre o papel

social atribuído à instituição escolar, percebida enquanto locus cultural, construída ao longo

dos tempos, que resguarda, por parte de quem a freqüentou, lembranças, memórias diversas

que são fontes importantes para refletirmos sobre as suas práticas escolares em diversos

momentos históricos. A autora nos chama a atenção para o universo escolar que é composto

de inúmeros códigos que se entrelaçam com o mundo exterior, proporcionando assim

representações e compreensões diversas de acordo com o tempo e espaço vividos. No que

remete ao espaço específico escolar, este é dotado de significados espelhados nas formas

singulares de organizar as práticas que funcionam no interior escolar, especificadas na rotina

da escola, nas ações curriculares, no tempo escolar, e também nas formas de vestir e

disciplinar o corpo, favorecendo diversas aprendizagens a partir do uso desses objetos.

Essa reflexão é importante na medida em que conduz a pensar a escola como

lugar que fala, que comunica, que não silencia, na mesma direção apontada por Frago (2001,

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p. 64) ao especificar que:

[...] o espaço jamais é neutro; em vez disso, ele carrega em sua configuração como território e lugar, signos, símbolos e vestígios da condição e das relações sociais de e entre aqueles que o habitam. O espaço comunica; mostra, a quem sabe ler, o emprego que o ser humano faz dele mesmo. Um emprego que varia em cada cultura; que é um produto cultural específico, que diz respeito não só às relações interpessoais – distâncias, território pessoal, contatos, comunicação, conflitos de poder -, mas também a liturgia e ritos sociais, à simbologia das disposições dos objetos e dos corpos – localização e posturas -, à sua hierarquia e relações.

Essa discussão apontada por Frago (2001) é relevante para a nossa análise na

medida em que considera fulcral no seu estudo sobre instituição escolar, a cultura entendida

como construção humana, portanto não estável no tempo e espaço e dotada de significados

que refletem as transformações da sociedade. Então, neste sentido, pensar sobre a escola,

segundo esse autor, é pensar nas relações antropológicas que a escola estabelece com entre o

seu tempo e lugar.

Ao elegermos o estudo da Vestimenta Escolar neste capítulo, estamos também

refletindo sobre o papel simbólico desenhado pela instituição de ensino Escola Doméstica de

Natal no seu tempo para ser apropriado pelos que a freqüentavam. A vestimenta, no universo

das práticas da Escola, está sendo apontada como objeto dotado de valores culturais, sociais e

valores de representações.

Por ser dotada de valores sociais, históricos, culturais, as roupas refletem os

costumes de cada época, simbolizando hierarquias, lugares a freqüentar, comportamentos a

seguir. Neste sentido, o uniforme escolar usado pelas discentes correspondia ao modelo de

aluna a formar e seguia alguns costumes da época delineados nos modismos da Europa e nos

valores virtuosos de como uma senhorita de família tradicional deveria vestir o seu corpo. Por

isso, os decotes longos, o uso de adereços que serviriam de enfeites às roupas era descartado

no uso diário da aluna, ganhando espaço a roupa simples, sutil, de cor discreta, sem muitos

detalhes que ajudaria a compor o quadro de formação educacional esboçada no currículo.

Essas medidas conformavam a jovem formanda a um perfil traçado no início do século XX:

formação de uma boa esposa, com qualidades e condutas de rigorosa moralidade. Sobre esse

perfil, a justificativa abaixo:

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O perfil traçado para a esposa conveniente contava ainda com indefiníveis qualidades, tais como simplicidade, justiça, modéstia e humor. Seu antípoda ameaçador era a moça dos tempos modernos, “esbagachada”, cheia de liberdades, “de saia curta e colante, de braços e aos beijos com os homens, com os decotes a baixarem de nível e as saias a subirem de audácia”, exposta à análise dos sentidos masculinos, perfumadas com exagero, pintadas como palhetas, estucadas a gessso e postas na vida como a figura disparate de uma paisagem cubista. (MALUF; MOTTA, 1998, p. 390).

As mudanças advindas do mundo moderno no Brasil eram expressas nos

modismos, no surgimento de novos costumes, no uso de aparelhos importados

eletrodomésticos, artigos higiênicos, acessórios de uso pessoal enfim, uma multiplicidade de

objetos que mudaram substancialmente o cotidiano e o ritmo de vida das pessoas,

configurando um novo viver e novas formas de se vestir e se comportar. Essas transformações

que surgiram no Brasil em patamares iniciais de urbanização e desenvolvimento das cidades

convivem com costumes tradicionais ainda arraigados, mantendo o ritmo de relações

tradicionais e modernas, novos costumes passam a ser apropriados em detrimento do

tradicional, do ainda existente. Nessa conjuntura de mudanças, conter os excessos da mulher,

tanto no consumo desses novos bens materiais, como nos seus usos, era um discurso que

perpassava a mentalidade masculina e tradicional da época, como forma de apaziguar a

libertinagem, a desonra e possíveis condutas desviadas da normalidade dos preceitos morais

apregoados nesse tempo.

Os modos de se vestir da mulher deveriam se identificar com os princípios

higienistas, procurando assegurar o limite entre a vaidade e a libertinagem de algumas

mulheres tidas como de conduta duvidosa por freqüentarem, sozinhas, lugares públicos como

o teatro, o cinema, o café da cidade, dentre outros. Expunha-se, dessa forma, a mulher aos

rigores das tradições dos costumes na sua forma de viver, de se comportar e vestir.

A questão da influência da higiene nas escolas brasileiras no início do século

XX é apontada por vários pesquisadores. É reconhecida a penetração das normas disciplinares

nas diversas instituições de ensino públicas e privadas, tendo a escola um lugar reservado para

a agenda médica e sendo esse tema um dos pilares que irá sustentar os discursos em prol de

uma educação nova e moderna, encontrando respaldo também na legislação de ensino em

vigor desse período.

Quanto aos costumes e modo de se vestir nas primeiras décadas do século XX

na cidade do Natal, predominavam ainda o uso dos espartilhos, das meias de seda, dos

calçados fechados, botas de cano e saias longas, modismos presentes no século anterior, mas

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que se mantém como tradição e costume. Em relação ao uso dos chapéus, só eram usados

eventualmente, em ocasiões especiais como solenidades sociais, cívicas, matrimoniais (com

exceção das missas), dando lugar ao chale ou mantilha de renda com cores que variavam

segundo os critérios da idade: clara para as mais jovens e escuras para as de idade mais

avançada.

Com o advento da Segunda Guerra Mundial, a vestimenta sofreu algumas

modificações em decorrência das transformações na economia. As vestes mais usadas

passaram a ser as mais práticas e econômicas, respeitando a recessão econômica que era uma

realidade em diversos países do mundo. Simplicidade e praticidade passaram a ser uma

exigência nas roupas usadas pelas alunas da Escola Doméstica de Natal e isso era garantido

no cotidiano, porque durante as aulas de costura, as discentes, sob a orientação de professora,

tinham também a praticidade de confeccionar o seu próprio traje. Observamos um detalhe

interessante nas vestimentas das alunas da ED: o uso corriqueiro das meias acompanhadas de

sandálias abertas, costume assumido na vida diária. Questionamos se seria esse uso resultante

da higiene dos pés ou seria por causa do calor provocado pelo uso de meias e sapatos

fechados. Fica questionamentos para pesquisas posteriores.

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FOTO 19 – Alunas internas da Escola Doméstica de Natal, 1945. Acervo partícula da ex-aluna da escola, Sra. Neide Galvão.

No Brasil do início do século XX perdurou, na moda feminina o uso de rendas,

bordados, ênfase a roupas com abas, saias em camadas e drapeados. Uso de chapéu com abas,

de pequeno e médio porte, empoleirados nos penteados que prevaleciam na época. Os decotes

dos vestidos continuavam discretos, pequenos, geralmente em formato de V, em favor da

modéstia, prática que se manteve durante algumas décadas. “A moda é uma indicação de

identidade individual, grupal e sexual. Além disso, sua fluidez reflete as mudanças da matriz

social. Assim, no início do século XX, a moda revelava a estratificação e o protocolo social

rigidamente definidos [...] ”. (MENDES, DE LA HAYE, 2003, p. 19).

Vista como uma indicação de identidade, a roupa usada pelo corpo discente e

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docente da Escola Doméstica de Natal incorporava a filosofia da escola nos seus aspectos

morais, intelectuais e acadêmicos, pois deveria imprimir uma certa ordem estabelecida que

primava por banir atos tidos como impróprios ao ambiente escolar (roupas decotadas e curtas,

modelos extravagantes, uso de adereços e jóias caras, etc.).

Em relação às práticas de lazer proporcionadas pela cidade do Natal nesse

período, podemos dizer que era um lugar de movimento tranqüilo, onde as pessoas tinham o

costume de sentar nas calçadas para dialogar durante as quentes noites natalense, de assistir

aos espetáculos e saraus no teatro da cidade, o Carlos Gomes, de ouvir as serenatas durante o

período de lua cheia enfim, costumes que vislumbravam uma cidade pacata e aconchegante.

As práticas de lazer, nessa época, foram dinamizadas com a inauguração de três centros

esportivos: o Sport Club de Natal, o Centro Náutico Potengi e o América Foot-Ball Club que

surgem como associações para fomentar a vida esportiva local.

Nessa compreensão do contexto cultural do início do século XX, situamos o

fardamento escolar como elemento cultural que refletia os valores da época e tomando-o para

além dos modismos, passava a seguir particularmente a singularidade prescrita no modelo

escolar da instituição de ensino. Vejamos também que essas particularidades nas formas de se

vestir estavam prescritas no Regimento Interno Escolar, que ditava as normas que iam além

da indumentária para cobrir os corpos, mas também os movimentos desses corpos. A seguir,

registramos o modelo do fardamento escolar usado pelas discentes durante as aulas diárias,

tendo em cada ocasião de apresentação, uma vestimenta específica.

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FOTO 20 – Imagem do Corpo discente da Escola Doméstica de Natal, ao centro destaque para o professor Clodoaldo de Góes, secretário da LERN e professor das disciplinas História Universal e do Brasil, 1928. Acervo particular da Escola Doméstica de Natal

Na foto acima, observa-se o uso de sapato fechado, denotando que algumas

ocasiões, principalmente naquelas solenidades em que as docentes se apresentariam, exigia

um tipo de roupa e calçado específicos. O registro fotográfico também é característico de um

período anterior a II Guerra Mundial, o que também pode ser considerado um dos indícios de

que, nesse tempo, ainda não havia a excessiva preocupação com a recessão econômica, fato

evidenciado na década de 40.

A roupa diária usada pelas discentes da Escola Doméstica de Natal era

constituída de um vestido longo, de comprimento no joelho, de cor branca. Como a escola

optou por não uniformizar um modelo de fardamento escolar com o logotipo da instituição,

mantinha algumas regras gerais que especificavam a cor e os detalhes das roupas a serem

usadas pela alunas, como demonstra a imagem anterior, onde as alunas parecem estar vestidas

com um mesmo modelo de vestido. Como modelo constitutivo de referência à filosofia da

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instituição, a vestimenta nesse contexto, tinha o poder de sintetizar a escola, representá-la na

sua sutileza, elegância e discrição e as regras para vestir-se deveriam seguir as orientações

abaixo:

Attendendo a que essa ou aquela moda não se adapta bem a todas as moças, a directoria resolveu que estas, de accordo com a professora de costura, escolham o modelo conveniente, devendo, porém, usarem sempre a côr branca. Há uniformes especiaies para os diversos exercícios de educação physica, os quaes, bem como os de uso commum, são confeccionados pelas alumnas, sob a fiscalisação da professora. A confecção obedece invariavelmente ás regras da economia e da simplicidade, que não excluem a elegância. Quer nas festas da Escola, que nos passeios, ás alumnas trajarão invariavelmente uniformes de côr branca. (LIGA DE ENSINO DO RN, 1927a, p. 9).

É possível que a cor e o modelo do uniforme escolar da Escola Doméstica de

Natal tenham sido encolhidos conforme a justificativa acima mencionada, tendo em vista, no

momento da confecção, os critérios de economia e simplicidade. Mas, também acreditamos

que a opção pelo fardamento escolar considerou a idéia de Henrique Castriciano de Souza por

uma indumentária que transmitisse ares de higiene, sutileza, limpeza, serenidade.

Um artigo de revista publicado pela ED no ano de 1925 e reeditado em 1998

convida o (a) leitor (a) a refletir sobre as cores da moda e os tipos de roupas mais

convenientes a serem usadas, conforme as condições regionais e pessoais. Dá informações

importantes sobre a opção da cor branca no uniforme das alunas da Escola Doméstica de

Natal ao citar que:

Devemos, antes de seguir uma moda, ver se ella realmente nos convem, tomando em consideração clima, hygiene, idade, physico, etc. Nessa época de verão, que atravessamos, é aconselhável, o uso de cores claras. O preto, o roxo, o azul marinho, em geral as cores escuras absorvem o calor duas vezes mais que aquellas. Mesmo a mocidade risonha e folgazã como é, não se adapta bem sob a austeridade de uma veste escura. O roseo, o azul, o branco são as cores que devem acompanhar os sorrisos da juventude. Eis porque o branco foi escolhido para cor de uniforme da nossa Escola. Uniforme simples e hygienico. Os vestidos de passeio, claros, de cambraia, de linho, bordado com rendas estão muito em voga. Para mocinhas ficam bem, melhor que as sedas. Estas deveriam figurar, somente, nas jovens em occasião de festas a noite. (GEORGET, 1925, p. 5).

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Outro fato noticiado pela autora é de que no início do século XX, em Paris e

Londres, o fascínio pela cor roxa era latente na moda local, sendo viável na nossa cidade a

adaptação desta cor nas vestimentas femininas, como por exemplo, os tons rosa e lilás, que

eram mais aprazíveis ao clima da cidade do Natal.

Como podemos perceber Henrique Castriciano, ao optar por uma vestimenta

escolar de tom claro, não a escolheu por acaso; vários motivos podem ter influenciado

diretamente nessa escolha. No momento em que a discente realizasse a sua matrícula na

escola, teria que trazer consigo alguns objetos pessoais e dentre esses, peças de roupas

brancas que iriam compor as suas vestes diárias.

Segundo as observações de Mendes e De la Haye (2003, p 44) “[...] um dos

desenvolvimentos mais notáveis em 1914 foi a mudança das estreitas saias-funil para modelos

largos, em forma de sino, alguns com camadas sobrepostas, plissados ou pregas.” Essa nova

silhueta tornava as anáguas elaboradas novamente essenciais e as lojas ofereciam uma série de

modelos, cheios de babados, alguns divididos, com pernas largas. Em 1916, as bainhas

haviam subido duas ou três polegadas acima do tornozelo, elevando a altura dos calçados.

Ainda segundo as autoras, no período pós-guerra, no mundo, novas exigências surgiram em

relação aos modos de vestir das pessoas, afetando também os grupos mais favorecidos

economicamente, pois com a escassez de empregados, as vestimentas que exigiam

procedimentos elaborados para lavar, passar e vestir logo deixaram de ser usadas e os

modelos começaram a sofrer algumas modificações com o intuito de se acomodar à nova

ordem econômica, adaptando-se à escassez de recursos provenientes da guerra e a estilos de

vida mais modestos.

As roupas consideradas fáceis de usar também passaram a ser as mais

procuradas Geralmente a blusa sem abotoamento era prática e estava na moda para ser usada

com uma saia ou um conjunto. Era uma peça de vestuário muito procurada pelas mulheres,

pelo fato de ser colocada pela cabeça e não ter nenhum tipo de fecho, facilitando as ações do

cotidiano. A blusa usada antes, fora da saia, ao invés de enfiada nela, chegava pouco abaixo

dos quadris e, às vezes, tinha gola de marinheiro, um cinto ou uma faixa. A blusa sem

abotoamento era geralmente feita de algodão ou seda e tornou-se um elemento importante na

moda da década de 1920, assim como o uso de cardigãs de tricô, casacos e xales. (MENDES,

DE LA HAYE, 2003).

A ED não seguia todas essas regra de modismos, mais aderia a roupas leves e

práticas, como era o caso das vestes de uma peça só. A Escola deixava a aluna à vontade para

optar por esse tipo de vestimenta em algumas ocasiões de uso diário.

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A Escola Doméstica de Natal, ao optar pelas vestes com roupas práticas e de

cor branca para as alunas, aconselhava através do Plano de Curso que as alunas ao se

matricularem na ED adquirissem obrigatoriamente um enxoval pessoal. Iss era, na nossa

compreensão, uma das formas de disciplinar o tipo e o modelo de roupa a ser usada por cada

aluna. A seguir, destacamos os objetos solicitados aos pais e respectivos responsáveis pelas

discentes:

QUADRO 8 LISTA DE ENXOVAL DAS ALUNAS DA ED

ENXOVAL QUANTIDADE PEÇAS

02 Colchas brancas, para cama de solteiro 06 Lençóis 04 Fronhas brancas simples 06 Toalhas de rosto 03 Toalhas de banho 01 Guarda-chuva 02 Copos, sendo um de metal 01 Colher de chá 02 Sacos para roupa usada 01 Porta guardanapo 06 Vestidos brancos simples para uso diário 06 Pares de meias brancas para uso diário 01 Par de sapatos com saltos baixos para uso diário 01 Par de sapatos de tênis para jogos e ginástica 01 Par de sapatos finos para festas 02 Vestidos brancos laváveis (uniformes)

Roupa branca suficiente 02 Pentes, sendo um fino e um grosso 5m Morim branco para aventais e toucas de cosinha.

Sabonetes, escovas de dentes, pasta, alfinetes, tesourinhas, dedal, agulha, linha, fita métrica, etc.

Fonte: ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL. Plano geral de ensino. Natal, Typ. e Pap. A. Leite, 1927. p. 9. (Adaptação).

No que se referia especificamente às alunas internas sobre a opção do enxoval,

estas deveriam obedecer a algumas regras específicas para a sua seleção como por exemplo,

não escolher roupas finas e objetos de valor, tendo em vista a escola não se responsabilizar

pelas perdas desses. Havia também uma recomendação particular que dizia que toda a roupa

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deveria ser marcada com uma numeração cedida pela escola. Essa era uma das formas, a

nosso ver, de a Escola controlar a circulação e a organização da vestimenta que era usada

diariamente pelas estudantes internas, bem como evitar a propagação de modismos nas cores

e nos estilos a serem usados. Sob o prisma da influência do movimento higienista e de

preceitos moralizantes, Nestor Lima, na época, indicava algumas orientações a seguir na

escolha da vestimenta diária da mulher:

[...] é norma sediça da hygiene, e, pois, de educação physica, a necessidade de preservar o organismo das intempéries por meio do vestuário; em segundo lugar, porque um preceito da educação moral exige o resguardo ao pudor individual através do traje. Partindo destas duas verdades ao alcance de qualquer espírito, não seria muito difficil admitir que toda vestimenta que não proteger sufficientemente o corpo das irregularidades do meio athmospherico ou não o resguardar contra a curiosidade malsã dos olhares alheios não preenche o seu duplo fim hygienico e moral. (LIMA, 1921, p. 15).

A Escola Doméstica de Natal aconselhava, por exemplo, que nas roupas usadas

pelas alunas, tanto nas recepções, como no viver diário da escola, não houvesse extravagância

nos detalhes e nos acessórios, não sendo permitido às aluna, o uso de jóias e vestidos caros.

Propõe, pois, através da vestimenta da aluna, a racionalização da roupa, a higiene no seu uso,

a simplicidade no modo de se vestir e para além do uso interno da escola, ao cruzar os portões

do estabelecimento de ensino “As alumnas devem trajar com simplicidade, sendo obrigatório

o uso do uniforme fora da Escola.” (ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1915, p. 29).

Os códigos do universo escolar transpareciam na organização das vestimentas

específicas, fossem as usadas durante a prática esportiva ou em ocasiões de eventos internos

da Escola, ou ainda a utilizada no dia-a-dia da sala de aula, como nos lembra Nunes (2003, p.

17) “Nas escolas, as vestimentas específicas funcionam para seus usuários como exigências

de construção de novos papéis.” E o papel a ser desempenhado pelas discentes na Escola

Doméstica de Natal era a de mulheres disciplinadas, bem comportadas, vestidas com

simplicidade e elegância, mantendo-se sempre limpas e organizadas. Esses valores

apregoados constantemente na rotina escolar deveriam transpor os muros da instituição,

funcionando como habitus a serem apropriados, com base em uma pedagogia que primava

pelas normas higiênicas e disciplinares que deveriam ser praticadas socialmente.

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A questão do corpo, do movimento, dos exercícios ou da ginástica é uma preocupação que ocupa lugar privilegiado na agenda médica fazendo com que, ao tratar da educação escolar, também inclua esse tema como um dos aspectos a ser observado no rol de recomendações por eles estabelecidas, de modo a produzir um colégio, alunos, alunas, professores e mestras higienizados. (GONDRA, 2001, p. 534).

O livro intitulado ‘Os quatro livros da mulher: o livro da dona de casa’ (escrito

por Paulo Combes, publicado no ano de 1917 e utilizado como fonte de consulta na biblioteca

da Escola Doméstica de Natal) muito enfatizava, no seu conteúdo, algumas recomendações

quanto ao uso de determinadas vestimentas específicas para as mulheres. Nele, o autor sugeria

à mulher reconhecer que era preciso dar ao vestuário ares de higiene e de elegância e não de

aspecto luxuoso, ou seja, o vestuário além de cumprir o papel de adorno, era preciso ter

higiene na conservação e uso das roupas. Nesse sentido citava:

[...] os meus princípios que ofereço às meditações das donas-de-casa: a higiene nos vestuários é indispensável; a galanteria nos vestuários é útil ou agradável; o luxo nos vestuários é inútil e prejudicial. Prefiram, pois, em todas as peças do vestuário, às grandes aparências a qualidade, a utilidade, a comodidade, e a verdadeira estética. Olhem de preferência para a solidez, a duração, a facilidade de conservar, de lavar, de concertar. Não comprem nada que prejudique qualquer dos dois fins justos: a higiene e o adorno estético e, acima de tudo, nunca sacrifiquem vestuários cômodos e de bom gosto e tornados excêntricos é ridículo, só com o pretexto de andar à moda. (COMBES, 1917, p. 164-165).

Nas palavras do autor, percebemos que foram feitas algumas chamadas para os

critérios de compra e uso do vestuário feminino, destacando-se entre esses pré-requisitos a

estética, a limpeza, o zelo, a modéstia e a praticidade. Em outro momento do livro, importante

indicação sobre o vestuário é novamente retomada, dessa vez, a preocupação do autor recai

incisivamente no caráter higiênico das peças de roupa, proporcionando bem-estar e saúde às

mulheres que as vestem.

Mantendo esse caracter higiênico, poderá a dona-de-casa evitar aos seus e a si própria grandes e pequenas doenças, indisposições, um simples mal-estar a que todos estão sujeitos, mais ou menos, quando se não respeita a higiene. Nunca se deve sacrificar a higiene e a comodidade ao luxo e ao enfeite. Deve

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saber zelar o cumprimento de todas as regras higiênicas que tiver dado, explicando a razão delas – e mantendo-as com todo o rigor. Se assim proceder, póde estar certa de que os seus hão de ter sempre saúde, vigor, bom humor, e portanto, felicidade. (COMBES, 1917, p. 167-168).

Nesse contexto, as indicações sobre o uso da vestimenta escolar ajudaram a

forjar hábitos, uma vez que tomamos o uniforme escolar como objeto revestido de poder

diferenciador, fascínio e forma modeladora de condutas; funcionando como distintivo que

qualificava quem o usava, na mesma perspectiva que confirma que os “Lugares, roupas e

objetos só ganham plenamente sentidos a partir das relações sociais que se travam no

cotidiano, o que pressupõe levar em conta o enquadramento social (político e histórico) do

comportamento humano e de seus valores.” (NUNES, 2003, p. 19).

No sentido de qualificar quem o usava, o professor figurado no universo da

cultura escolar da Escola Doméstica não se vestia de acordo com sua vontade e gosto. Na

verdade, vestia-se de acordo com os costumes da época que eram bem mais disciplinadores,

rígidos. Em geral, apresentava-se para lecionar, no caso da figura masculina, geralmente bem

trajada, de terno e gravata, o que era um dos costumes da época como forma de representar

uma moralidade que deveria estar visível na sua aparência física, como também na sua

mobilidade do corpo. Essa também era uma exigência legal para o provimento de algumas

disciplinas de ensino quando efetivada a seleção de professores para lecionar nas escolas

públicas e particulares do Estado do Rio Grande do Norte, exigindo-se do professor a

moralidade em seus atos que poderia ser expressa nas formas de se comportar e acreditamos,

de se vestir. A Lei n.° 405 de 29 de novembro de 1916, que organizou o ensino primário,

secundário e profissional no Estado do RN, em seu Artigo primeiro do Capítulo V, Título 7,

especificava dentre os vários direitos e deveres do professor o de “dar exemplo de cortezia e

moralidade em seus actos, tanto na escola como fora della.” (RIO GRANDE DO NORTE,

1916, p. 91).

No caso específico das docentes e diretora da Escola Doméstica, essas

geralmente mantinham os critérios elencados na legislação local, bem como seguiam os

costumes do período quanto ao uso de decotes comportados, cumprimento da roupa abaixo do

joelho, uso de chapéu, poucos adereços, o não uso de maquiagens ou o não excesso delas

enfim, abolindo quaisquer objetos que pudessem mascarar exemplos de moralidade e abrisse

espaço para questionar a conduta pessoal, como evidencia a fotografia a seguir, do primeiro

corpo docente da Escola Doméstica de Natal:

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FOTO 21 - Registro fotográfico da primeira turma de docentes da Escola Doméstica de Natal, 1919. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Observemos os detalhes especificados nas vestes dos professores e professoras,

evidenciando que para lecionar na Escola Doméstica o (a) docente não poderia se vestir com

qualquer peça do seu vestuário, tendo em vista que era esperado dele ou dela uma

apresentação física que refletisse uma personalidade forte, moral e intelectual. A imagem em

destaque, rica em detalhes, revela, a nosso ver, os costumes da época expressos, por exemplo,

nas formas de se vestir, calçar, de sentar, nos reportando a um tempo em que ser professor

significava muito mais do que possuir o domínio do saber pedagógico e específico, vagando

para outras simbologias e representações expressas nas condutas pessoais e nas relações

estabelecidas entre indivíduo e sociedade.

Hobsbawm (2001), ao analisar o papel da mulher inglesa no início do século

XX, destaca em relação às modas femininas que:

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[...] ainda que a moda feminina não expressasse dramaticamente a emancipação até uma época posterior à Primeira Guerra Mundial, o desaparecimento das armaduras de tecidos e barbatanas que encerravam o corpo feminino em público já era antecipado pelas roupas soltas e flutuantes, popularizadas no final do período, pelas vogas do esteticismo intelectual da década de 1880, do art-nouveau e da alta costura pré-1914. (HOBSBAWM, 2001, p. 288).

Tecendo uma breve comparação com os dados apontados pelo autor e os

costumes apropriados e aflorados particularmente no Brasil no período pós-Primeira Guerra

Mundial, veremos que muito dos modismos do estrangeiro penetraram na nossa cultura,

refletindo na nossa cultura do corpo. Isso é latente no Brasil desde o período colonial, quando

tivemos influência de mudanças dos nossos costumes com o afloramento de novos valores

culturais trazidos com os portugueses. Portanto, é evidente que essa difusão não se deu apenas

nesse período apontado, afinal, fomos um país colonizado por outro do continente europeu e a

latente contribuição da cultura e dos modismos, principalmente europeus, ficaram expressos

no nosso estilo de vida porque em alguns aspectos nos deixamos influenciar por esses valores

que estiveram historicamente à frente do Brasil em termos de desenvolvimento econômico e o

cultural.

Como a Escola Doméstica foi espelhada num modelo de educação Suíça, em

muito o seu quadro pedagógico refletiu esse estilo, como também as primeiras docentes a

lecionar trazendo, na sua bagagem cultural, a influência do seu estilo de vida, seja da

Alemanha, da Bélgica, dos Estados Unidos, da França, da Inglaterra.

Entendemos, portanto, que a vestimenta historicamente serviu como objeto

cultural e hierarquizador, classificando quem o usava, distinguindo a diretora, o professor e a

aluna no universo da cultura escolar da Escola Doméstica de Natal. Destacamos também que

a vestimenta escolar, seja a das (os) professoras (es) ou das alunas, estava inserida num

quadro esboçado do currículo escolar expresso nas finalidades da Escola, por isso, fazer parte,

por exemplo, do quadro docente não era realidade de qualquer professora que acabara de se

formar na Escola Normal de Natal; alguns critérios eram esboçados para além da formação

pedagógica específica; com também compor o universo do alunado não era realidade de

qualquer mulher que se dispusesse a estudar na Escola Doméstica.

Esse referencial apontado demarcava, portanto, quem estudava, quem

lecionava e como deveria se mover e se vestir esses sujeitos nos espaços da Escola,

disciplinando o corpo, na perspectiva apontada por Foucault (1997), de submeter o indivíduo

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a uma modelagem silenciosa, minuciosa que age como se fosse uma mão invisível, tornando

cada vez mais contornos definidos do que se quer formar, modelando comportamentos,

formando sujeitos delineados por uma cultura própria. No caso específico do fardamento

escolar da Escola Doméstica de Natal, ele funcionou como símbolo da instituição e requereu

de Henrique Castriciano de Souza algumas definições sobre o seu modelo que diferiu do

clássico fardamento escolar nas cores azul e branco.

Henrique bateu-se contra o fardamento, o uniforme escolar, enfeitadinho e vistoso. Decidiu-se pelo avental ou traje externo todo branco, com linha simples de botões, meias, sapatos, gorros, brancos. Houve resistência, mas a Escola Doméstica, quando passeava com as suas alunas ou comparecia às festividades, causava impressão nova, uma graça visual distinta, movimentada e sugestiva, tão diversa dos indumentos ordinários, escuros e convencionais. A farda da Escola Doméstica, por não ser tipicamente farda, é a mais original e atraente. Graças a Deus, tem sido mantida. (CASCUDO, 1965, p. 137).

Originalidade e singularidade seriam uma das marcas representativas do

currículo da Escola, que se esboçariam, por exemplo, no modelo do fardamento escolar. Este

era feito de tecido de linho branco, mudando para fustão e posteriormente para o terbrim,

evidenciando nessas mudanças as adaptações ao clima, à vida moderna, que passou a exigir

um tipo de roupa que não demandasse muito tempo para ser organizada (o linho branco, ao

contrário, tecido escolhido inicialmente exigia da mulher o uso do ferro e goma, mais

cuidados e trabalho).

Percebemos, portanto, que a vestimenta escolar, tanto a do docente quanto da

discente, trazia espelhada, no seu modelo, diversas simbologias expressas na rotina escolar,

em cada momento específico da aluna se apresentar, seja na atividade de Educação física, na

sala de aula, nas festividades, quanto no momento do professor dar aula e/ou participar das

solenidades de formatura. A vestimenta, nessas situações diversas, era um dispositivo de

distinção que ia se firmando no interior da Escola enquanto um distensor de saberes e poderes

com base na cultura escolar construída. O uniforme escolar pode ser considerado, portanto,

naquele contexto em que foi usado, como símbolo de disciplinarização, sutileza e tradição na

Escola Doméstica de Natal.

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4.5. Espaço, tempo e cultura escolar.

FOTO 22 – Vista da Escola Doméstica de Natal no ano de sua inauguração, 1914. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal.

Na parte anterior do trabalho, mostramos como a vestimenta assumiu

simbologias culturais diferenciadas no contexto da escola, manifestando nas alunas a

disciplinarização dos corpos, sutileza e tradição. Nesta parte do trabalho, tivemos a intenção

de analisar a organização da arquitetura da Escola considerada como objeto que ultrapassa a

simples materialização de um modelo de prédio escolar, percebendo-a nos seus detalhes,

adentrando no seu significado e na sua organização temporal. Isso representou muito mais que

perceber o prédio escolar na sua exterioridade e simbologia na cidade; significou apreendê-lo

como monumento histórico vinculado à base material e cultural da instituição escolar,

significou reconhecer o espaço como lugar, na perspectiva apontada por Escolano & Frago

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(2001), de perceber o espaço como objeto significante, que muito tem a dizer, que não é

neutro e sim impregnado de simbologias e intenções, conforme os agentes que o produz e dele

faz uso. Segundo Escolano (2001, p. 45):

[...] a arquitetura escolar pode ser vista como um programa educador, ou seja, como um elemento do currículo invisível ou silencioso, ainda que ela seja, por si mesma, bem explícita ou manifesta. A localização da escola e suas relações com a ordem urbana das populações, o traçado arquitetônico do edifício, seus elementos simbólicos próprios ou incorporados e a decoração exterior e interior respondem a padrões culturais e pedagógicos que a criança internaliza e aprende.

Essa percepção nos fez apreender a escola como um lugar que apresenta uma

dimensão espacial educativa, que dispõe de uma realidade social e material, com uma cultura

específica. Assim percebendo-a, pudemos enxergar à sua micropolítica de organização

interna, não apenas para enumerar os objetos nela presentes, mas para entender como eles se

integravam no todo da escola, compondo esquemas explicativos, dando sentido a sua

realidade de existência.

Além do enfoque atribuído por Escolano e Frago (2001), a abordagem

realizada por Michel Foucault (2001) sobre a organização e distribuição do espaço físico em

alguns estabelecimentos como escolas, hospitais, conventos, prisões, dentre outros, torna-se

relevante para a nossa análise sobre a Escola Doméstica de Natal. Foucault apresenta, por

exemplo, o que chama a arte das distribuições, referindo-se à forma de distribuição dos

indivíduos nos espaços físicos, conforme o amoldamento de comportamento e atitude que se

deseja para esses sujeitos, seja através da disciplina, da vigilância contínua, criando com isso

espaços úteis de acordo com os objetivos de quem os estabeleceu e os distribuiu. Ainda

segundo esse autor:

A regra das localizações funcionais vai pouco a pouco, nas instituições disciplinares, codificar um espaço que a arquitetura deixava geralmente livre e pronto para vários usos. Lugares determinados se definem para satisfazer não só a necessidade de vigiar, de romper as comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil. (FOUCAULT, 1997, p. 123).

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A própria disposição das salas de aulas organizada por classes, em cadeiras

enfileiradas, nos faz pensar na presença do professor à frente da turma, mantendo um controle

rígido sobre a ordem e da disciplina, mas também na hierarquia, onde alunos ficam de um

lado – dos que obedecem, e o professor permanece do outro – dos que detêm o poder.

Na Escola Doméstica, algumas salas de aulas eram organizadas dessa forma

hierarquizada, apesar dos preceitos da Escola Nova.

Na imagem a seguir, encontramos o uso diferenciado do espaço da sala de

aula, onde cada discente ocupava um espaço em semicírculo, de forma que todas as demais

visualizassem o professor e o grupo, podendo manipular objetos durante os momentos de

aula, sob a fiscalização da (o) docente.

As aulas que funcionavam ao ar livre também eram momentos onde as alunas

tinham a oportunidade de explorar melhor o espaço físico, não existindo uma disposição

rígida de lugares. A seguir, destacamos um registro fotográfico de um dos momentos de aula

prática realizada em locais que fugiam à organização tradicional das salas de aula e onde o

trabalho coletivo era uma técnica bastante usada.

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FOTO 23 - Alunas da Escola Doméstica em momento de aula prática sobre culinária, 1927. Acervo particular da Escola Doméstica de Natal.

Refletir sobre essa questão nos fez pensar nas relações que se estabeleceram

entre currículo escolar e espaço, cultura escolar e lugar. Compreendendo a cultura escolar

como elemento produtor de novos sentimentos, comportamentos e valores nos sujeitos

atuantes da Escola, os espaços criados e ocupados também se inserem nessas preocupações no

interior escolar, no sentido de auxiliar essa ação dos sujeitos na instituição. Afinal a

arquitetura institui determinados valores que devem ser assimilados, como nos lembra

Escolano (2001, p. 26):

A arquitetura escolar é também por si mesma um programa, uma espécie de discurso que institui na sua materialidade um sistema de valores, como os de ordem, disciplina e vigilância, marcos para a aprendizagem sensorial e motora e toda uma semiologia que cobre diferentes símbolos estéticos, culturais e também ideológicos.

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Falar da arquitetura escolar que revestiu a Escola Doméstica de Natal nos faz

pensar na materialidade física da escola, nos seus espaços ocupados que à primeira vista,

pareciam ser pouco significativos, mas que muito têm a comunicar e ser analisado como um

construto cultural, passando a mediar o nosso olhar para uma forma silenciosa de ensino que

perpassava a escola, através de diversos dispositivos de organização interna do

estabelecimento: organização das salas de aula, espaço do aluno, da direção, do professor, etc.

Uma análise importante feita por Veiga Neto (2002, p. 164) nos chamou

atenção por estabelecer relações entre currículo e modernidade, espaço e tempo na escola:

O currículo funcionou como a máquina principal dessa grande maquinaria que foi a escola na fabricação da modernidade. Foi por intermédio dessa invenção dos quinhentos que a escola se organizou e atuou, inventando novas formas de vida que romperam com os sentidos e usos medievais do espaço e do tempo. Foi com o currículo que ela assumiu uma posição ímpar na instauração de novas práticas temporais. E, talvez o mais importante: foi pelo currículo que a escola contribuiu decisivamente para a crescente abstração do tempo e do espaço e para o estabelecimento de novas articulações entre ambos. Isso foi tão decisivo na medida em que tanto a escola fez do currículo o seu eixo central quanto ela própria tomou a si a tarefa de educar setores cada vez mais amplos e numerosos da sociedade.

Nessa perspectiva, compreendemos que a espacialização organiza

silenciosamente os gestos, os movimentos de quem o ocupa o espaço, respondendo a critérios

de diversos dispositivos pedagógicos: currículos, regimentos, teorias pedagógicas, etc. É com

base nessa compreensão que analisamos o prédio escolar da ED, percebendo que o espaço

apresenta uma dimensão simbólica, uma intencionalidade que é projetada através de sua

distribuição. O objeto arquitetônico, portanto, pode conotar um significante em termos de

comunicação, uma vez que estamos tratando a arquitetura como uma forma de comunicação

visual.

Outro aspecto a considerar inicialmente é afirmar que as construções física e

simbólica da cidade afetam as mudanças que ocorrem na escola e, com isso, as escolas não se

abstêm das transformações externas e dos condicionantes sócio-econômicos da sociedade. As

construções dos prédios escolares do Império até os primeiros anos da República,

historicamente, obedeceram a alguns determinantes, sejam eles de ordem econômica, cultural

ou social. As primeiras edificações dos estabelecimentos de ensino no Brasil sofreram forte

influência da arquitetura européia. Esse período, segundo Sales (2000, p. 50), “[...] é marcado

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por uma produção eclética e pela experimentação. São típicos dessa fase os edifícios em dois

pavimentos, caracterizados por apresentar suas fachadas ornamentos alegóricos e por se

destacar pela imponência dos prédios.”

No caso específico da Escola Doméstica de Natal, percebemos que foi

construída tendo como ideário um grupo de intelectuais que pretendiam para Natal uma escola

diferente e moderna, portanto, para a sua construção tinha que se pensar em num modelo de

estrutura física que vislumbrasse os anseios e o projeto de quem a idealizava.

A imagem da fachada principal da Escola Doméstica de Natal com traços

neoclássicos, visualizada na época em que fora fundada, nos transmite ares de poder e

pujança, com típica arquitetura ensejada pelos republicanos no Brasil que almejavam

construir no cenário nacional estruturas arquitetônicas com ares de modernidade e progresso,

exemplos materializados na construção dos primeiros grupos escolares.

Visualizada por dentro, encontramos subdivisões que demarcavam o território

de cada sujeito que lá transitava: diretora, professoras, alunas, familiares, funcionários. O

prédio escolar chamava a atenção pela sua magnitude, o que despertou olhares de alguns

intelectuais da cidade que viam na construção da Escola Doméstica de Natal uma obra

grandiosa e moderna, de linhas arquitetônicas admiráveis.

Diante daquele edifício de linhas arquitetônicas modernas, mas duna beleza sóbria, diante daquelas duas colunas alvas, que ornam a sua entrada; adornadas de lianas e trepadeiras, tem-se, de momento, a impressão de deslocamento para um desses grandes centros estrangeiros, onde tudo se reúne e combina dentro dos primores da nova pedagogia. (A ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1925, p. 5).

O prédio da Escola Doméstica de Natal foi arquitetado por João Thomé

Saboya para ter um pavimento único, caracterizado por uma fachada bastante discreta, sem

muitos detalhes chamativos, mas que dispunha de grande imponência. Anos após a sua

inauguração, a instituição sentiu necessidade de ampliar as acomodações, de forma que

houvesse espaço para as aulas de Puericultura e espaço que servisse como laboratório. Esse

objetivo foi concretizado em 1919, com já citamos em capítulo anterior, a partir dos anseios

do professor da ED e médico da cidade, Varela Santiago, que o denominou de Instituto de

Puericultura. A imagem a seguir está marcada com uma seta do lado esquerdo, indicando a

ampliação do pavimento que funcionou como Instituto de Puericultura, o que demonstra que a

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arquitetura responde a necessidades culturais, sociais, econômicas e educacionais e que a

arquitetura escolar também era parte do currículo e dos saberes do plano didático.

FOTO 24 – Faixada principal da Escola Doméstica de Natal, 1939. Acervo particular da Escola Doméstica de Natal/RN.

Analisar a forma como era distribuído o espaço na Escola Doméstica nos fez

indagar inicialmente o significado da organização desse espaço físico em uma instituição

escolar, no sentido de atribuir a ele significados, representações, intenções, finalidades. Isso

significa pensar no espaço como elemento vivo que tem algo a nos dizer, não sendo, portanto,

elemento neutro, mas considerando-o inserido num contexto de interpretações.

Nesse entendimento, o espaço é tido como testemunho de um tempo que se

reveste de simbologias, conforme os interesses específicos de cada contexto. O conceito de

espaço como realidade metaforicamente viva significa uma ruptura com a lógica formal

presente no empirismo positivista que veicula uma concepção do real como totalidade

universal. Sendo assim, a visão de espaço perde sentido interpretativo porque se reveste de

noções morfológicas, de análise descritiva dos elementos que compõem o espaço, de vertentes

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fisiológicas fundadas na biologia que naturaliza os elementos presentes em determinado

espaço, descrevendo-os na sua paisagem e forma, atentando apenas para o seu funcionamento.

O espaço, assim compreendido, deixa, a nosso ver, de ser refletido como um artefato social,

dotado de significado, o que lhe é peculiar, pois é fruto da ação humana, organizado pela

relação entre os lugares e os sujeitos sociais. O espaço é construção social. A ação humana e a

idéia de movimento e dinamicidade dos sujeitos e dos objetos são indicadores que nos fazem

atribuir significados aos conceitos de espaço e tempo e particularmente sobre a arquitetura

escolar, tidos como elementos vivos e complexos.

Para uma análise mais completa sobre a arquitetura da Escola Doméstica de

Natal, tentamos localizar inicialmente a Planta Arquitetônica que continha detalhadamente a

projeção da estrutura física da Escola. Conhecendo-a, teríamos uma visibilidade melhor da

distribuição espacial do local: disposição das salas de aula, local reservado à direção escolar,

sala de professores, pátio, etc. No entanto, esse documento não foi localizado nos arquivos,

nem indicado pela direção atual da Escola sobre a sua provável existência nos dias atuais para

que pudesse ser analisado. Indagamos sobre as possibilidades de encontrá-lo no arquivo

particular da instituição, mas infelizmente não houve receptividade a essa indagação.

No entanto, consideramos o espaço uma parte importante que tem muito a nos

dizer sobre a cultura escolar da Escola Doméstica de Natal. Buscamos analisar outras fontes

que nos permitissem ter uma visibilidade da disposição espacial da instituição e percebemos

que o currículo, por exemplo, foi um dos instrumentos relevantes para essa compreensão,

assim como algumas fotos de época.

Os espaços reservados às alunas internas, os chamados dormitórios, por

exemplo, eram locais, por exemplo, que deveriam ter a funcionalidade para descanso como

também o lugar onde as professoras observariam diariamente as formas de organização,

higienização e disciplina empregadas pelas alunas, por isso esses lugares precisavam estar

sempre sob a supervisão das professoras e diretora, ter divisão espacial inteligente, que

permitisse a entrada e saída das funcionárias e alunas diariamente sem maiores

constrangimentos.

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FOTO 25 - Dormitório das alunas da Escola Doméstica de Natal, 1919. Acervo particular da Escola

Para atender ao modelo curricular, a Escola dispôs de espaços e salas de aula

de Puericultura, engomado, lavagem, culinária, laticínio, costura, etc. Essas salas eram

organizadas de várias formas e havia ainda as salas organizadas em filas, onde o(a)

professor(a) dispunha de um local reservado em frente da turma (apesar da perspectiva de

uma pedagogia nova, os referenciais da pedagogia tradicional ainda deixavam marcas que

sinalizavam para sua influência naquele lugar.).

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FOTO 26 - Sala de aula de costura Meira e Sá. Alunas em momento de aprendizado prático, 1930. Acervo da Escola Doméstica de Natal.

Observamos que a sala de aula reservada aos aprendizados de costura

conservava no seu ordenamento físico cadeiras enfileiradas que muito nos lembra a

disposição das salas tradicionais de ensino no Brasil (um legado que persiste historicamente

até os dias atuais), bem como vislumbra rapidamente a organização do trabalho numa fábrica

onde cada pessoa desenvolve uma atividade particular, muito embora todas as pessoas estejam

reunidas num mesmo espaço geográfico. Essa sala de aula, criada em homenagem a um dos

fundadores da Liga de Ensino do Rio Grande do Norte e presidente dessa entidade no período

de 1919 a 1928, distinguia-se de algumas outras salas de aula que tinham na sua estruturação

a mesa do professor ao centro para que as alunas observassem, ao redor do docente, a aula

desenvolvida.

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FOTO 28 - Momento de aula prática de Anotomia desenvolvida pelo professor Varela Santiago. Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, 1914.

O registro fotográfico destacado revela que o corpo docente da Escola

Doméstica de Natal apresentava, em algumas situações didático-pedagógicas, aulas

diversificadas, onde o professor mantinha mais aproximação do corpo discente através de uma

acomodação do espaço físico que reservava essa possibilidade de contato com os outros, bem

como a observação das discentes numa posição que melhor visualizasse o experimento

realizado.

A imagem destacada evidencia que a escola ao eleger o uso do laboratório em

algumas aulas, possibilitava ao professor dispor do espaço e explorá-lo de uma forma

diferenciada, postando-se ao centro da sala para fazer algumas demonstrações de como

realizar uma atividade prática perante as alunas.

A imagem seguinte também ressalta o contato maior entre discente e docente.

Muito embora, estarem reunidos professor e alunas num mesmo espaço não signifique

necessariamente uma relação mais dialógica do que numa situação de cadeiras enfileiradas

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(onde professor e alunas mantinham distanciamentos físico maiores), supomos que a própria

escolha na ordenação em círculo já predispõe certa aproximação entre docente e discentes, o

que, para o contexto da época, início do século XX, é considerado um grande avanço

pedagógico na tentativa de romper com alguns preceitos pedagógicos que apregoavam a

necessidade de manter estruturas hierárquicas separadas na sala de aula.

FOTO 29 - Alunas da Escola Doméstica de Natal em aula de Português com o professor Meira e Sá, 1914. Acervo particular da Escola Doméstica de Natal.

Ao estudarmos os espaços que compõem uma instituição escolar nessa

perspectiva, logo percebemos, por exemplo, a persistência de algumas invariantes

arquitetônicas de estruturas construídas que demarcaram modelos de formalizações que

corresponderam a determinados postulados tidos como válidos para cada realidade histórica.

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Podemos citar o exemplo do movimento higienista que contribuiu para definir formas de

distribuição e ocupação dos espaços físicos das escolas desse período.

A ocupação e distribuição do tempo na escola também foi pauta de discussão

pelos médicos higienistas do século XX, uma vez que a interferência desses não se limitou

apenas às instituições de saúde, mas também às instituições de ensino. As indicações dos

médicos eram no sentido de mostrar, por exemplo, as melhores formas de se usar espaço e

tempo sem que houvesse desperdício das horas e minutos no espaço físico escolar. Eram

orientações quanto à ocupação dos lugares nas salas de aula, a distribuição de alunos por sala,

o usos dos métodos de ensino, orientações sobre higiene, ventilação, iluminação e disposição

do espaço físico. Para Ferreira apud Almeida (2004, p. 105):

[...] a medicalização traduziu-se também pela vontade de estender a influência/controle do saber médico às condições e aos processos da aprendizagem. Ele sentia-se capacitado a dar orientações sobre a distribuição do tempo, o tipo e a seqüência das atividades escolares, o método a seguir no ensino.

Na Escola Doméstica de Natal, percebemos uma forte influência desse

movimento. Tomamos como realidade as formas de as docentes e discentes se apresentarem

nos espaços da escola durante as aulas, bem como a disposição das salas de aula. As salas

quando foram construídas tiveram que atender aos preceitos de higiene, sendo bem ventiladas,

iluminadas, enfileiradas e espaçosas. Essa foi uma das exigências postas para que o espaço

escolar não fosse o causador de doenças como a miopia, doenças respiratórias, exaustão nas

alunas provocadas pelo calor excessivo, etc. Os pré-requisitos considerados naquele contexto

ultrapassavam as meras orientações dos arquitetos, relevando também as observações

médicas.

O saber médico passou a interferir significativamente na elaboração da

estrutura curricular. As formas de se pensar os espaços da escola (como as aulas iriam ser

desenvolvidas) foi ponto de muita reflexão pela ED, uma vez que a mesma se propôs a ter um

modelo curricular onde as alunas tivessem aulas ao ar livre, em contato com a natureza. Nesse

sentido, foram criados na instituição alguns espaços para cumprir a tais exigências. Os lugares

ocupados para as aulas de ginástica e cultivo de hortas eram exemplos dessas preocupações. A

seguir destacamos um registro do espaço usado pelas alunas da Escola:

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FOTO 29 – Alunas da Escola Doméstica de Natal no jardim da Escola, em aula de jardinagem, 1926. Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

A imagem destacada exibe uma aula em que as discentes eram postas em

contato com a natureza, em espaço arejado, expostas ao sol e ao vento. Essa escolha vinha

incutida de um ideário de educação e pedagogia que tinha como referente teórico o

Pragmatismo e a Pedagogia Nova. Nesse sentido, a metodologia empregada teria que

possibilitar à aluna explorar o ambiente, manipular os objetos e sentir a escola como parte

integrante da sua vida. Em consonância com a metodologia de ensino o lugar explorado

também teria que obedecer aos preceitos pedagógicos, a aula de jardinagem não poderia

funcionar, por exemplo, em ambientes fechados, do tipo laboratório, sem a exposição aos

elementos da natureza. Deveria, pois responder a padrões culturais e pedagógicos que as

alunas da Escola deveriam internalizar no decorrer do curso. Nesse sentido, o espaço cumpriu

um papel importante, muito mais do que ilustrativo e ornamental, funcionando, no dizer de

Escolano (2001), como um programa invisível e silencioso. Ainda segundo esse autor:

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A arquitetura escolar, além de ser um programa invisível e silencioso que cumpre determinadas funções culturais e pedagógicas, pode ser instrumentada também no plano didático, toda a vez que define o espaço em que se dá a educação formal e constitui um referente pragmático que é utilizado como realidade ou como símbolo em diversos aspectos do desenvolvimento curricular. (ESCOLANO, 2001, p. 47).

Por incorporar uma simbologia de significados no interior da escola, o espaço

físico deveria seguir algumas determinações conforme a finalidade escolar. A ordenação

interna da Escola Doméstica, por exemplo, tinha no seu interior um espaço ordenado,

demarcando as especificidades de ocupação e circulação de cada sujeito: lugar da direção,

sala de professores e sala para alunos, ambiente para estudo, sala para fazer refeições, lugar

para descansar, espaço para lazer, ambiente para receber visitas, etc.

Além dessa ordenação espacial, o tempo regulado e ocupado passou a ser uma

das características da instituição escolar ED no que dizia respeito à manutenção da ordem e do

cumprimento das regras internas do estabelecimento. Apesar de a escola propor em vários

momentos de suas práticas educativas as aulas ativas, evocadas como prazerosas, ao ar livre, é

importante lembrar que ela, também apresentou grandes preocupações em regular o tempo e o

espaço usados pelas alunas, docentes e demais funcionários do estabelecimento.

Em nossa percepção, isso fez parte primeiramente da manutenção da ordem

interna da instituição, mas também do controle disciplinar que se desejou manter sobre todos

os agentes que atuaram no interior do estabelecimento. Assim como destacamos

anteriormente que esse acompanhamento disciplinar deu-se nas práticas de sala de aula, nas

atividades do currículo e nas formas de vestir-se e postar-se dos sujeitos, a regulagem do

tempo também esteve incluso no espaço, de forma que contribuiu para manter o espaço

escolar organizado, regulado e controlado, prevendo-se os horários de início de cada atividade

e o seu término.

Para Frago (1994, p. 68), “Esta conciencia ‘omnipresente del tiempo’ , de um

tiempo siempre regulado y ocupado, es no uma característica auxiliar de la institución

escolar.” Na visão do autor, o controle do tempo, em qualquer instituição educativa, passa a

ser uma prática rotineira e contínua, tendo em vista que as escolas tentam em sua maioria,

manter uma organização interna que possibilite visualizar em sua totalidade os movimentos e

as atividades realizadas. Assim os sujeitos que se inserem e perpetuam essas práticas não

sentem diretamente a ação do controle do tempo que passa a ser uma espécie de ‘mão

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invisível’, agindo cotidianamente, inserindo-se nas normas escolares a serem seguidas.

Segmentar o tempo escolar passou a ser uma importante tarefa de ordenação

interna da Escola Doméstica principalmente na segunda década do século XX, pois a

racionalização do tempo das alunas remeteu a processos de organização e legitimação de

saberes, processos de organização dos espaços e dos materiais relativos ao ensino e à

aprendizagem. Essa organização sistemática do tempo escolar e do horário a cumprir, seguida

de uma hierarquização e cumprimento de funções acabou por resultar em uma

disciplinarização dos corpos que eram conduzidos à obediência, ao cumprimento de normas

escolares e horários estabelecidos, como já evidenciado anteriormente nessa pesquisa. Para

Foucault (1997):

O horário é uma velha herança. As comunidades monásticas haviam sem dúvida sugerido seu modelo estrito. Ele se difundiria rapidamente. Seus três grandes processos – estabelecer as censuras, obrigar as ocupações determinadas, regulamentar os ciclos de repetição – muito cedo foram encontrados nos colégios, nas oficinas, nos hospitais.

O relógio como medidor do tempo, nesse contexto, tornou-se um importante

instrumento para mecanizar os acontecimentos, marcando o ritmo da ação, ordenando as

atividades, computando as horas, minutos e segundos, funcionando como um símbolo

organizador do movimento diário das pessoas. Na comunidade escolar, controlando os

momentos de entrada e saída das alunas nas aulas, mantendo uma ordem temporal dentro da

instituição de ensino. Ainda no dizer de Foucault (1997), o tempo, assim como o espaço, não

é uma propriedade natural dos indivíduos, mas sim uma ordem que tem de se aprendida, uma

forma cultural que deve ser experimentada e, dependendo do contexto, ele pode variar nas

suas formas de distribuição e uso.

O tempo assim experimentado pela Escola Doméstica de Natal passou a ser

caracterizado pelo ritmo acelerado do tempo ordenado pelo Regimento Interno, onde não

deveria haver desperdício de minutos, segundos e horas; todo ele deveria ser aproveitado da

melhor forma possível, dentro de um espaço estabelecido e programado.

A pesquisa realizada por Oliveira (1995) que analisa o Programa de Economia

Doméstica e Puericultura da Escola Profissional Feminina de São Paulo, no ano de 1929,

apontou alguns resultados importantes para refletirmos na nossa análise. Um deles é que essa

escola, criada para atender alunas pertencentes à classe operária, na faixa etária maior de doze

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anos de idade e portadoras de diploma do curso primário, nos moldes de uma escola-oficina,

passou a formar mulheres tomando como base o ideário das novas exigências sociais e

econômicas, considerando a racionalização da atividade assim como ocorria no trabalho

produtivo. Nesse sentido percebeu a autora que:

Na conjuntura em que o ideário da racionalização vinha ocupando cada vez mais espaços na sociedade, as mesmas vozes que clamavam pela erradicação da rotina, do ‘empirismo grosseiro’, tanto na administração pública como no setor privado, esboçaram um novo modelo de mulher e de dona de casa, contrapondo-se a perfis vigentes. O aprendizado de mãe de família e de dona de casa, que transcorria no meio familiar, onde as meninas, geralmente desde cedo, eram chamadas a participar das tarefas domésticas ao lado das mães, pautou-se pela incorporação de um saber-fazer doméstico construído nas vivências comunitárias. Porém, sob a ótica do discurso técnico-racionalizador em expansão, caberia à Escola e não mais à família, a preparação da dona de casa competente de forma científica e racional. ‘A perfeita dona de casa seria aquela que dominasse um saber fazer doméstico fundamentado nos processos científicos do trabalho, cujo instrumental seria divulgado por um determinado tipo de escolarização. (OLIVEIRA, 1995, p. 49-50).

O resultado de pesquisa apontado por Oliveira (1995) evidenciou a influência

das formas de organização do tempo na fábrica sobre o tempo da escola. Embora

consideremos que escola e fábrica são espaços distintos, com objetivos e realidades

diferenciadas, reconhecemos também que no início do século XX um dos princípios

educativos a fundamentar a escola e a atividade humana era, além do princípio do trabalho

produtivo, a formação do indivíduo para uma atividade racional, apoiada na ciência. Nesse

contexto, buscou-se formar uma humanidade nova, com espírito mais ajustado às condições e

necessidade de um novo tipo de civilização que se desejava emergir no cenário nacional.

O sistema escolar deveria, portanto, ajustar-se às exigências dessa nova

sociedade que dava ares de franco desenvolvimento industrial em algumas cidades do país,

contribuindo para formar indivíduos democráticos e participantes. Uma nova escola deveria

emergir sendo identificada com os valores da nova sociedade urbano-industrial e como

elemento de renovação e democratização social. Essas novas exigências sociais e econômicas

criaram um clima de ansiedade em prol do bem-estar social e da prosperidade nacional e é

nessa conjuntura que emergiram novas discussões sobre a idéia de reconstrução social pela

reconstrução educacional. A escola assumiu uma grandeza relevante no papel de formadora

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de futuros homens e mulheres construtores da nova nação brasileira.

Nessa discussão é que apontamos a estruturação do tempo como uma das

esferas necessárias para esse tipo de organização social, pois ele contribuiria para disciplinar e

ajustar a vida dos indivíduos à nova ordem vivida. Os perigos da influência dos modos de

organização do tempo da mesma forma como ocorriam nas fábricas, sobre as instituições de

ensino, eram visíveis nessa realidade. Na visão de Carvalho (1998a, p. 153), a necessidade de

valorizar novas formas de organização racional do espaço e do tempo na escola era uma

realidade visível e plausível à instauração de uma nova pedagogia. Nesse sentido, afirma a

autora que:

A organização racional do trabalho traduziu-se, em alguns casos, na valorização dos métodos da chamada ‘pedagogia moderna’ enquanto possibilidade de realização, no meio escolar, das novas máximas organizadoras do trabalho industrial. A idéia de que aqueles métodos permitiriam conseguir melhores resultados com menos esforços, à semelhança dessas máximas, parece ter determinado o crivo principal de valorização das inovações pedagógicas: sua maior eficiência comparativamente à chamada pedagogia tradicional. (CARVALHO, 1998a, p. 153).

Portanto a sineta, o relógio colocado na parede da escola, acompanhado do

controle da execução das atividades produziam na rotina escolar diversas representações sobre

a distribuição do tempo no cotidiano da escola e fora dela, sobretudo a ordenação do espaço

vivido e das práticas experimentadas na vida de cada uma das alunas, enfatizando, por

exemplo, que a aluna deveria ser organizada, racionalizando as suas atividades na escola e no

seu lar.

O objeto tempo, segundo os ensinamentos da Escola, deveria ser apreendido

como algo controlável e administrável e nesse sentido, seria um aspecto positivo que serviria

para trazer benefícios à vida humana e particularmente à prática da atividade doméstica desde

que bem administrado na rotina das alunas, evidenciando, portanto, que o tempo é algo

construído, experimentado e planejado racionalmente.

Esse era, na nossa percepção, um dos dispositivos de disciplinarização

aplicado ao estabelecimento que incluía a cobrança às alunas de uma disciplina que

ultrapassava o âmbito interno da escola, ou seja, um comportamento social, pois se

internamente as formas de se comportar, vestir e falar eram acompanhadas rotineiramente

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pelas(os) professoras(es) e diretoria da instituição, externamente aos muros da escola, esse

comportamento também era solicitado às alunas, de forma que as professoras da ED sentiam-

se à vontade para repreender as alunas em lugares externos ao espaço escolar.

Para concretizar os seus objetivos, a ED dispunha de algumas normas internas

do estabelecimento que prescreviam horários para acordar, realizar tarefas até o momento de a

aluna recolher-se para dormir. Em nossa percepção, essas normas materializavam um

programa integrado com indicação de ritmos e obrigações que mediavam os gestos e os

comportamentos. (ver quadro de horários da ED, no cap. 3).

No caso específico da Escola Doméstica de Natal, ao tentar expor a aluna à

compreensão da regularidade estabelecida, implicou a aprendizagem da exatidão, da aplicação

e da regularidade do tempo que, segundo Foucault (1997), são virtudes fundamentais do

tempo disciplinar.

O controle do tempo também foi materializado nos conteúdos ensinados pelas

professoras da Escola Doméstica, onde era demonstrado à aluna que ela poderia realizar

atividades domésticas sem desperdiçar muitas horas do seu tempo numa casa. Um dos

exemplos evidenciados encontra-se registrado no Caderno de estudo da ex-aluna Terezinha

Dantas (1946) que escreveu nas suas anotações sobre a temática ‘Organização do trabalho e

educação familiar’ apontando a necessidade de estudar as condições estruturais propícias ao

desenvolvimento de uma atividade doméstica.

A fadiga e a insuficiência no rendimento do trabalho, segundo os registros da

ex-aluna, provinha muitas vezes de equipamentos não adequados à prática de uma atividade.

Desse modo, a aluna deixa evidente a importância da psicotécnica (termo referenciado no

caderno de estudo da aluna da ED) como o estudo da fisiologia do trabalho, essencial para a

compreensão das influências que o ambiente ou os meios de trabalho propiciam ao indivíduo,

para que sejam feitas as devidas correções e avaliações conforme as situações negativas

constatadas.

Ainda em suas anotações levantou algumas situações tidas como inadequadas

ao bom uso do tempo pelo indivíduo, como exemplo, a ausência de um planejamento para as

tarefas a serem executadas no dia-a-dia, apontando as possíveis correções que poderiam ser

feitas para evitar situações negativas. Dentre as correções, a necessidade de fazermos um

planejamento, detalhando as etapas a serem postas em prática, como forma de evitar

imprevistos e dispêndio de tempo.

No caso específico dos ensinamentos sobre Economia Doméstica, a ex-aluna

da ED apontou as condições propícias à realização de uma atividade doméstica para que a

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mulher pudesse apresentar bom desempenho perante o trabalho a ser exercido no seu lar.

Nessas condições, o planejamento foi destacado como ponto central para a seleção da

atividade doméstica a ser desenvolvida para a preparação do espaço e dos instrumentos a

serem usados na atividade, para a previsão do tempo usado e, portanto, na execução e

avaliação dos resultados. (DANTAS, 1946).

É importante destacar que o modelo arquitetônico escolar da Escola Doméstica

de Natal não foi pioneiro no Estado. A fundação dos grupos escolares no Brasil e

particularmente no Rio Grande do Norte, antecedeu à construção da ED. Esses grupos

demonstravam, portanto, fortes evidências da preocupação em se propor, no país, modelos de

arquitetura e organização escolares modernas e higiênicas, que fugissem das construções até

então vigentes das cidades.

Evidenciamos, portanto, que as formas de organizar o espaço na ED estavam

em consonância com as discussões sobre a modernidade e os preceitos pedagógicos mais

avançados. Modernidade é apontada nesse estudo como o caminho para se pensar os

processos de desenvolvimento econômico, social, político e cultural de uma nação. Essas

diversas formas deveriam se materializar nas idéias culturais que circulavam na sociedade,

modificando hábitos e costumes das pessoas em função de valores civilizados, em prol da

construção de um homem novo e de uma nova civilização. Como nos lembra Veiga (2001, p.

410):

Dentre as inúmeras interferências nas cidades em fins do século XIX e início do XX, estiveram, sem dúvida, as edificações dos prédios escolares. A experiência francesa e os esforços para evitar uma possível degenerescência dos homens regenerados pela revolução põem ênfase na necessidade povoar as cidades com novos monumentos e estátuas, além de escolas.

A arquitetura nesse período cumpriu um importante papel para atender a vários

propósitos dos engenheiros, médicos e também dos educadores. Em Natal, ao construir o

prédio da ED, os seus idealizadores pensaram em edificar uma escola onde os valores de

modernidade estivessem presentes nas práticas do currículo. Naquele momento, investir num

sistema de ensino modelar, significava organizar uma estrutura física erigida como signo do

progresso que a República instaurara. Pretendia-se erigir muito mais do que novas carteiras,

quadros ou salas de aula; almejava-se construir na Escola Doméstica de Natal um estado de

espírito moderno, modificando o habitus pedagógico, os costumes rotineiros da mulher ao

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exercer as suas atividades domésticas em casa, incutindo valores, como por exemplo:

administrar o lar de forma racional e higiênica. O próprio espaço da casa deveria sofrer

modificações, dando margem a novos preceitos higienístas e às poucas inovações

tecnológicas difundidas no Brasil.

Algumas mudanças ocorridas na cidade do Natal como o alargamento das ruas,

a construção de avenidas, surgimento de bondes elétricos, estradas de ferro, surgimento de

confeitarias, desenvolvimento da aviação tentavam sanar as contradições de uma cidade em

desenvolvimento que coexistiam com foco de insalubridade, vadiagem, prostituição,

criminalidade. As instituições escolares também manifestavam essas preocupações, a ED era

uma delas.

A escola passou a ser palco da difusão das normas higiênicas, conscientizando

sobre o perigo em se contrair as mazelas do mundo antigo. A proliferação de doenças e

surgimento de outras justificavam a emergência de medidas saneadoras e de projeções de

prédios escolares higiênicos, como uma solução para parte dos problemas urbanos. Moral,

higiene e estética deveriam estar presentes na estrutura arquitetônica da ED, presidindo no seu

interior de sua estrutura física uma boa organização dos espaços de circulação, com

ventilação, iluminação, limpeza do aparelhamento sanitário, correntes de ar e áreas

arborizadas para aulas ao ar livre, idéia de simbolizar o locus como expressão do moderno.

O prédio escolar foi escolhido intencionalmente, tendo por objetivo

proporcionar, a partir da organização do espaço interno, um clima familiar próximo ao

vivenciado nos lares, criando novos sentimentos, comportamentos diante da escola ou fora

dela. “O pensamento do Dr. Henrique e também das professoras suíças era que a Escola fosse

uma grade casa de família. Suas salas amplas e claras, seus jardins, seu pomar, sua horta, sua

sala de refeições, sua grande cozinha, suas portas sempre abertas davam a sensação de uma

grande casa, de um lar.” (BARROS, 2000, p. 90). Além dessa perspectiva, o ambiente deveria

imprimir ares de beleza, sutilidade, onde a ordem, o asseio e a higiene eram condições

essenciais para o seu funcionamento.

O prédio da ED destacou-se na Natal da época, cidade pequena e pacata e,

nessa realidade, a arquitetura escolar expôs, portanto, finalidades e objetivos a perseguir,

corporificando necessidades a seguir, significando a quebra, ruptura com um passado e

inserção num mundo citadino e refinado, criando novos códigos de

refinamento/confinamento, espaços de apropriação e de sociabilidade. Ordenar o uso do

espaço do prédio escolar também era regra presente, disciplinando as discentes e docentes

para usá-lo conforme os propósitos da escola.

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Escolha das condições físicas do lugar em que deveria funcionar o prédio

escolar, condições topográficas, climáticas, sanitárias, de ventilação, de salubridade, de

aglomeração urbana, todos esses critérios são relevantes quando se percebe que:

[...] o prédio escolar é uma das manifestações da cultura de uma sociedade, um signo portador de mensagens e, sobretudo, capaz de orientar os sistemas de classificação de escolas que os indivíduos utilizam para julgar as instituições de ensino. Assim sendo, necessário se faz que se conheçam alguns códigos utilizados em arquitetura como forma de ilustrar a existência de uma linguagem arquitetônica, bem como mostrar que esta tem sido, muitas vezes, intencionalmente utilizada pelos arquitetos para atender finalidades diversas. (SALES, 2000, p. 36).

A arquitetura escolar, particularmente a da Escola Doméstica, como elemento

que, em dado tempo, integra-se ao cenário de uma cultura escolar vigente pode ser tomada

como referência a já citada Lei n.° 405, de 1916, do Estado do RN, onde destacamos o artigo

n.° 204, do título IX, na parte que trata da higiene escolar, especificando:

Art. n.° 204. A inspecção medico-sanitaria das escolas e estabelecimentos de ensino será feita pela inspectoria de Hygiene do Estado e seus delegados, tanto na capital, como nas localidades do interior, comprehendendo os estabelecimentos publicos e particulares e tendo por fim: a) A indicação das medidas hygienicas e administrativas quanto á situação e

construcção dos edificios escolares. b) A escolha, de accordo com a directoria geral da instrucção publica, do

mobiliario escolar, das posições e attitudes escolares, bem como a disposição dos materiais de estudo, das horas de aula, dos recreios e exercicios physicos. (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p. 97).

A Escola Doméstica de Natal não se eximiu diante de tais exigências. A

importância da higiene física no provimento mobiliário racionalmente higiênico, bem

iluminado, ventilado foram aspectos relevados, numa tentativa de prevenir o ambiente escolar

contra prováveis acidentes graves, reorganizando racionalmente as práticas escolares (nos

horários de funcionamento, inspeção, programas de ensino...), confluindo para o atendimento

de novas formas de regulação social típicas do mundo capitalista em crescimento, do

despontar de um processo de industrialização que exigia um novo modelo de formação do

indivíduo e de organização social, cultural e econômica.

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É preciso entender também que são os códigos peculiares a cada edificação

que irão indicar e orientar o sujeito ao uso que deve ser feito do espaço arquitetado. Tomemos

o exemplo apontado por Sales (2000, p, 44) ao considerar:

Os indivíduos percebem, pela forma arquitetônica, as diferenças entre uma igreja e uma escola. Nesse caso, a função codificou a forma, gerando signos arquitetônicos característicos a cada uma destas edificações. Todavia, percebem-se, também, diferenças entre edificações que desempenham funções semelhantes. A exemplo das escolas. Nesse caso, não é a função que as diferencia, e sim os códigos peculiares a cada tipo de edificação escolar que orientam a sociedade a distinguir, por exemplo, um prédio de uma escola pública de uma escola particular.

Visualizando a Escola Doméstica de Natal no seu interior, percebemos que

existiam alguns espaços que eram caracterizados e ornamentados conforme os sujeitos que

deveriam freqüentá-los. O gabinete da direção, por exemplo, era composto por um espaço

discreto, sem muitos móveis, contendo alguns objetos como livros que davam ao espaço

ocupado ares de simplicidade, ordem, disciplina, conhecimento e intelectualidade.

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FOTO 30 – Gabinete da diretoria da Escola Doméstica de Natal, 1914. Fonte: Acervo particular da Escola Doméstica de Natal, RN.

Compreendemos que os códigos peculiares a cada edificação é que orientam o

sujeito quanto ao uso que deve ser feito do espaço arquitetado e tomemos como exemplo a

sala da diretoria, onde as discentes sabiam que deveriam entrar nela quando fossem

solicitadas, com a devida permissão da diretora; assim como o pátio, os corredores e os

laboratórios que deveriam ser ocupados quando a sineta da escola ou a (o) professora (o)

indicassem o momento adequado para o seu uso.

Nesse sentido, também concordamos com Sales (2000) em considerar que os

indivíduos assimilam as diferenças entre um espaço e outro, apropriando-se de alguns signos

arquitetônicos que os faz entender suas funções singulares, ou seja, o papel que cada um

ocupa em situações diferenciadas.

Com base nesse entendimento apontado por Sales (2000), queremos esclarecer

que os idealizadores da Escola Doméstica de Natal pensaram numa instituição que obedecesse

a certos preceitos de educação moderna, de racionalidade e de estética. Os espaços deveriam

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adequar-se a esses princípios, por isso a importância em organizar as salas com boa

iluminação, ar puro, asseadas, amplas, condizentes com as novas tendências pedagógicas, de

forma a inspirar nas alunas o gosto pelas atividades ao ar livre, pela natureza, a contemplação

natural e estética da paisagem e gosto pelo ensino ativo, seguindo-se também as orientações

da legislação em vigor na época, a lei n.° 405 de 1916, no seu capítulo III, art. 9, que

especifica:

Art. 9. Os estabelecimentos de ensino serão creados pelo governo do Estado, que lhes determinará a natureza, no acto de creação, e funccionarão em prédios especialmente construídos, ou adaptados, obedecendo ás regras communs da hygiene das habitações e dotados de material escolar e pedagógico que for necessário (RIO GRANDE DO NORTE, 1916, p. 40) .

Os prédios escolares deveriam, portanto, apresentar solidez e sobriedade, bem

como, no geral, serem construídos próximos às zonas centrais das cidades, destacando-se

ainda a busca pela racionalidade e funcionalidade nas suas edificações para comungar com os

padrões higiênicos do período.

Os espaços arquitetados da Escola Doméstica de Natal, portanto, perseguiram

essas idéias e, nesse sentido, a escola conseguia, na sua materialidade, expressar valores e

simbologias que tinham significados disciplinadores e educativos para quem a freqüentava. O

prédio escolar tido pois, como monumento histórico vinculado à base material da instituição

escolar, muito tem a dizer sobre a história da escola, transformando-se em

documento/monumento que deixa marcas de um tempo.

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5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na construção deste trabalho, algumas inquietações e desafios foram surgindo.

Pesquisar sobre a Escola Doméstica de Natal não foi tarefa fácil principalmente devido à

grande dificuldade que tivemos em localizar alguns documentos que considerávamos

importante para a reconstituição das práticas cotidianas da instituição pesquisada.

Sabemos da utopia em se chegar a uma possível verdade absoluta dos

acontecimentos, mas, na postura de pesquisadora, priorizamos no trabalho a busca constante

da aproximação dos acontecimentos, por isso entrelaçamos durante a construção da pesquisa a

análise de documentos oficiais, registros fotográficos de acervos particulares e o depoimento

de algumas pessoas que estudaram na Escola Doméstica de Natal. Esse entrelaçamento

possibilitou um maior entrecruzamento de informações, bem como uma maior aproximação

com a realidade vivida. Ao final da pesquisa, tínhamos um desenho da escola que nos ajudou

a compreender a instituição no seu tempo, na sua singularidade, na sua história.

Tentar compreender a cultura escolar da ED implicou, desde os primeiros

momentos da investigação, dar um mergulho no interior da escola, conhecendo-a por dentro.

Sabíamos desde o início que essa busca seria um grande desafio, pois requeria não apenas

descrever o que os documentos oficiais tinham a nos dizer, mas também nos levava a penetrar

em outros universos de leitura, como cadernos de ex-alunas, anotações de aula e também o

diálogo com ex-alunas, ex-professoras enfim, esmiuçar as possibilidades de informação que

desenhassem os contornos da escola no seu cotidiano.

Assolou-nos algumas dúvidas quando trouxemos para o corpo do trabalho

registros, a exemplo dos fotográficos, pois nem todos apresentavam visibilidade ideal em

termos de cor e preservação de imagem para compor um trabalho acadêmico. No entanto, os

trouxemos para o corpo do texto escrito com algumas ressalvas, pois diante da dificuldade em

conseguirmos algumas imagens da época, o pouco a que tivemos acesso foi utilizado com a

finalidade de esclarecer alguns acontecimentos da escola e evidenciá-los através de uma

imagem concreta.

Outra inquietação conjugada à anterior diz respeito aos locais onde as fontes

encontram-se resguardadas. Em sua maioria as fontes estão arquivadas na própria instituição

pesquisada que sempre primou por deixar um legado histórico testemunho de grandes

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acontecimentos considerados importantes a serem memorados. Essa realidade nos fez pensar,

desde os primeiros momentos da pesquisa, em dedicar minucioso cuidado na seleção e

interpretação dos documentos históricos disponíveis na escola pesquisada, para não mergulhar

em incoerências com os propósitos definidos anteriormente quando elegemos os objetivos de

pesquisa. Neste sentido, uma grande dificuldade que permeou a tese foi entrelaçar as

informações contidas em fontes diversificadas (fotografias, depoimentos, documentos

escritos...) para conseguirmos aproximações que mais consideramos coerentes com os

acontecimentos da época vivenciados pela Escola Doméstica de Natal.

Por não percebermos os arquivos enquanto espaços neutros, mas lugares

impregnados de sentido e de interesses particulares, temos a compreensão que cada instituição

determina os documentos que deve guardar, assim como seus interesses determinam o que

deve ser levado a público como memória, em dado momento histórico. Sendo assim, tivemos

bastante cuidado na seleção e análise dos documentos do acervo da Escola.

Ainda consideramos que não bastou apenas se limitar à análise crítica das

fontes; houve necessidade de percebê-las mais essencialmente como produção sistemática da

memória. Colocar em prática o ofício do pesquisador, o de vasculhar os arquivos, separar,

delimitar, buscar, analisar as fontes, foi um ato árduo, difícil durante a pesquisa. Comparação

aproximada pode ser feita ao ofício do tecelão que tece panos, utiliza teares, que precisa

inicialmente separar o material a ser usado, os fios, as cores e regularmente aproximá-los,

urdindo, preparando, engendrando, até compor, lindos tecidos, formando um todo composto

de vários fios que se entrelaçam e unem-se durante a sua produção.

Nos fios que se entrelaçavam e se uniam, encontramos e reencontramos o

objeto de estudo, sabendo que é inconcebível uma produção histórica totalmente fechada com

verdades absolutas, afinal não se pretendeu criar novos dogmas a respeito do que foi e

representou a instituição que investigamos, a Escola Doméstica de Natal. Também não

percebemos a escola como objeto predeterminado, fabricado, pronto e acabado, por sua

função e sua finalidade particular. Não tivemos essa visão com relação à instituição, por isso a

persistência em buscá-la além das ‘verdades’ já ditas sobre sua história, penetrando no seu

universo de práticas ainda possíveis de serem desvendadas quando vistas sob outros aspectos

de sua trajetória.

Nossa tese não se limitou à narração e análise sobre a ED apenas com relação

aos fatos notáveis ocorridos na instituição, pois acreditamos que apreendíamos mais sobre o

objeto se percebêssemos seus percalços, anseios e perturbações.

Na escrita da tese, destacamos o cenário histórico do Brasil e da cidade do

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Natal, do início até meados do século XX, como lugares que passavam por transformações

significativas no seu desenvolvimento econômico, social e educacional. Constatamos que

essas mudanças ocorreram nos diversos Estados do país de forma diferenciada, fracionada,

sem seguir um modelo único de estruturação e ordenamento, mas conforme as peculiaridades

locais de cada Estado ou cidade. Particularmente, no âmbito educacional, tentamos no

decorrer do nosso trabalho destacar que essas mudanças processaram-se conforme o ritmo

sócio-econômico e cultural de cada localidade, não havendo um único modelo de

organização, mas sim em vários: essas mudanças que acompanharam também os movimentos

de ordenamento e desenvolvimento de outras cidades do país e do mundo.

Consideramos importante ressaltar como o projeto renovador da educação

interagiu com diferentes culturas e regiões do país. A sua dimensão, como pudemos perceber,

não foi a mesma para todos os Estados do Brasil e nem poderia ter sido porque a própria

realidade cultural e econômica de cada um impunha e exigia uma proporção diferente. O que

vislumbramos numa análise macro é que, no início do século XX, o discurso pautado na

necessidade e possibilidade de entrada do país no mundo da modernidade solicitava medidas

emergentes que provocassem mudanças em vários setores: social, econômico, político, e

dentre esses o setor educacional, buscando a unificação e modernização do sistema nacional

de ensino, tentando romper com a fragmentação das reformas educacionais.

Essa compreensão surgiu quando analisamos os acontecimentos históricos e os

vislumbramos como processos não lineares e estáveis, não repetitivos e estanques, não

similares e isolados, mas sim plurais, dinâmicos, instáveis, complexos e diferenciados. Essa

dinâmica do olhar nos proporcionou estudar os acontecimentos como construções

entremeadas de idas e vindas, onde as rupturas que ocorreram no decorrer do tempo e espaço

apresentaram peculiaridades locais e específicas, dependendo de sua organização e dos

sujeitos que nele atuaram e atuam através de ações e idéias, posto que a história, sendo

dinâmica, é constituída de diversidades nas formas de pensar e fazer continuamente.

Refletir sobre essas questões teóricas nos fez pensar na Escola Doméstica

como uma singularidade própria da cidade do Natal, mas também como um fruto de

referências culturais mais gerais da época, tanto da cidade, como do país e do mundo. Nesse

sentido, no contexto da singularidade da cidade do Natal/RN (local ainda pouco expressivo

em termos de desenvolvimento econômico e social, no início do século XX) nos deparamos

com uma realidade educacional que apesar de não estar isolada dos acontecimentos mais

globais do país, apresentou algumas especificidades típicas do seu dinamismo e dos sujeitos

que nela se moviam. Podemos destacar como exemplo as idéias que circularam e foram

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debatidas por alguns intelectuais da cidade, particularmente os formadores da Liga de Ensino

do Rio Grande do Norte (LERN). Foram idéias que contribuíram para a criação de uma

instituição educativa como a Escola Doméstica, enquanto lócus difusor de pensamentos

considerados avançados para o seu tempo, fazendo parte de sua proposta de modelo

curricular, especificamente no que dizia respeito à educação feminina.

Esse projeto educacional criado pela Liga de Ensino do Rio Grande do Norte,

abrangente e pretensioso, não vingou, pois foi pensado para ser posto em prática não só em

Natal como também em outras cidades do país. Compreendemos que isso aconteceu por

vários motivos, dentre os quais a ausência de recursos financeiros para que a LERN pudesse

operacionalizar projeto de expansão de escolas femininas semelhantes ao da Escola

Doméstica de Natal. A tentativa de unificar e remodelar as escolas de educação feminina do

Estado do Rio Grande do Norte exigia vastos recursos financeiros para a estruturação da parte

física e de recursos humanos. Esses maiores investimentos seriam difíceis de serem

operacionalizados numa realidade educacional como a do Brasil no início do século XX,

quando tínhamos uma carência de escolas públicas, assim como um elevado percentual de

analfabetos que mais precisavam de instituições públicas de ensino para democratizar o saber

do que a expansão de escolas privadas.

Em nossa análise, um dos motivos que ocasionou o insucesso desse

empreendimento foi o fato de a mudança ensejar uma realidade escolar e econômica não

existente no período, ou seja, a remodelação das escolas femininas com base no modelo da

Escola Doméstica supunha a existência de escolas com recursos físicos e humanos preparados

para lidar com o currículo de modelo suíço, bem como um consistente aparato estrutural por

parte do governo para o financiamento dessas escolas. A condição real do funcionamento das

escolas, na época, na cidade do Natal, exigia a intervenção do governo do RN mais no sentido

de expansão do sistema educacional, pela própria carência de escolas públicas no período, do

que a criação de novos modelos de ensino. Esse foi um dos problemas não considerado nos

discursos da LERN e, particularmente nas propostas de Henrique Castriciano de Souza para a

educação norte-rio-grandense.

O conceito de cultura escolar que utilizamos como um dos pilares teóricos da

pesquisa possibilitou refletir sobre os múltiplos saberes e dispositivos que presidiram a

constituição de uma cultura escolar moderna na Escola Doméstica de Natal, a exemplo da

produção de um currículo para divulgar modos de vida civilizados na escola, divulgar noções

de higiene, proporcionar padrões de eficiência e racionalidade elaborada pelos médicos

higienistas através de práticas disciplinadoras aplicadas aos modos de vestir, alimentar,

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comportar e agir das docentes e discentes.

A tese central discutida nesta pesquisa buscou evidenciar que a estrutura

curricular da Escola Doméstica de Natal e a efetivação de suas práticas educativas, no cenário

de modernidade das primeiras décadas do século XX, buscaram um ideário de educação nova

que transpusesse a realidade educacional vigente na cidade e em grande parte do país, no

sentido de pôr em prática saberes ainda não vivenciados pelos sujeitos, particularmente o

feminino (uma vez que a escola era prioritariamente voltada para a formação da mulher),

conforme as instituições escolares existentes.

Nesse sentido, perseguimos a idéia que a Escola Doméstica de Natal criada

com base num modelo escolar existente na Europa, ao ser trazida para a cidade do Natal,

inovou com o seu modelo escolar e práticas educativas, trazendo à discussão alguns conceitos

trabalhados pelas docentes da Escola no âmbito de um projeto de modernidade, como os que

tratavam das relações teoria e prática, escola e vida, conhecimento e ciência, saberes

domésticos e racionalidade, higiene e educação, intelectualidade e moralidade, evidenciando-

os como partes complementares que deveriam ser tratadas de forma associada.

Além das discussões teóricas proporcionadas ao seu corpo discente e docente,

a Escola também trouxe inovações práticas ao propor uma nova forma de organização do

espaço doméstico principalmente no local onde se realizava a arte culinária: a cozinha.

Ressaltamos a importância dessa prática num momento em que a mulher natalense ainda não

estudava em cursos públicos, isto é, fora do lar, ou ainda não tinha uma prática que

enfatizasse a visão higiênica necessária a esse espaço da casa.

O currículo da Escola Doméstica trouxe no seu corpus algumas orientações

teóricas e práticas sobre normas higiênicas que deveriam ser aplicadas a esse cômodo:

cozinha. Uma dessas normas era o uso de azulejos claros para manter um padrão de limpeza e

claridade nesse ambiente. Fez-se presente a recomendação do uso de fogão a gás para primar

por um ambiente limpo e sem resíduos de fumaça ( dentre outros costumes) e também o uso

de determinados utensílios próprios da cozinha que, na visão da escola, seriam úteis para

preservar um padrão de conservação e usufruto dos alimentos de uma forma mais correta e

asseada.

Outra inovação que identificamos no decorrer da investigação foi a

incorporação pela Escola Doméstica da prática do basquetebol nas atividades esportivas,

quando em Natal e no Estado do Rio Grande do Norte não havia notícia de nenhuma escola

que contemplasse o uso dessa modalidade esportiva. A Escola Doméstica, portanto, foi

pioneira nessa modalidade de esporte, demonstrando naquele momento como o currículo de

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ensino adotado diferenciava-se dos demais existentes na cidade e trazia no seu corpus uma

simbologia de modernidade.

Afora outros aspectos mencionados no corpo do trabalho, nossa atenção foi

despertada para a finalidade maior da escola: a formação educacional da mulher de forma

mais global, entrelaçando teoria e prática.

Enquanto algumas escolas do Rio Grande do Norte (desde o período anterior à

primeira República até o seu início) indicavam para o sexo feminino o estudo das prendas do

lar e alguns elementos de Aritmética, Língua Portuguesa e noções, ainda elementares e

introdutórias ao estudo das ciências naturais e humanas, a Escola Doméstica propunha desde

sua criação em 1914 através do seu currículo estudos no campo da ciência com base num

aprofundamento teórico sobre importantes temas como a infância, a culinária, os alimentos, a

medicina, a higiene, a maternidade, dentre outros discutidos num referencial que primava por

não separar a teoria da prática.

Reconhecemos também que a questão disciplinar na formação da mulher foi

um dos elementos importantes adotado no Regimento Escolar, pois a disciplina no dia- a- dia

das práticas escolares foi estabelecida por padrões de comportamentos que deveriam ser

aceitáveis no interior da instituição e, socialmente, fora dela. A ênfase na disciplina das

mulheres condizia com os padrões de comportamento estabelecidos nas finalidades da LERN

que desejava abolir quaisquer manifestações que contradissessem o padrão feminino de

comportamento, de acordo com os preceitos morais e virtuosos da sociedade e ainda preparar

essa mulher, de forma que ela se diferenciasse, socialmente, nas suas ações, nos gestos e falas,

na sua postura, educação, valores culturais. A ED precisou privilegiar determinados

dispositivos e saberes no currículo escolar (a exemplo das aulas sobre etiqueta, cultura física

) que se conformassem com o modelo de educação feminina desejada.

Isso indicava que a Escola Doméstica de Natal primou historicamente pela

formação do ser, onde pensar e agir estivessem relacionados, no sentido de moldar atitudes,

palavras e gestos, consubstanciados numa forma específica de formação da mulher, onde não

bastava à discente apenas dominar o campo do saber teórico de alguns conhecimentos, mas

também o saber moral, cívico, acompanhado da prática das virtudes e dos hábitos

disciplinares.

A escola exerceu papel fundamental na disciplinarização dos corpos tanto das

discentes quanto das docentes, sob o manto de uma educação valorativa dos princípios

moralizantes, impondo, através de um modelo de organização escolar particular e por

intermédio dos seus diversos agentes, normas, costumes, crenças, valores vivenciados no

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cotidiano das práticas educativas, construindo uma cultura escolar própria.

A Escola Doméstica tentou explicitar através de suas práticas educativas que,

para ser mãe e uma boa dona de casa era preciso muito mais do que adquirir o domínio

prático de algumas atividades domésticas como costurar, cozinhar, lavar e passar roupa, etc.

Para exercer esse papel, a mulher necessitaria enveredar para outros campos de estudo; era

preciso dominar os saberes teóricos fundamentalmente. Era preciso estudar a ciência do lar, o

que significava para a mulher se aprofundar em conhecimentos sobre a Psicologia, a

Culinária, a Economia, dentre outros campos de estudo que dariam maior racionalidade às

suas práticas e nesse sentido, a Pedagogia ganhou um novo status, não só moralizante, mas

também de formação educacional, contribuindo para formar mulheres disciplinadas,

educadas, respeitosas e ativas administradoras do lar.

O entendimento presente em nossa análise sobre as práticas educativas da

Escola Doméstica de Natal é que o objetivo da Escola não foi apenas formar boas donas de

casa, mas, de uma forma geral, formar mulheres para um novo mundo moderno que se

descortinava. A preparação para o mercado de trabalho que exigia racionalização da mão-de-

obra, indivíduos eficientes e ativos, transpõe-se para o âmbito escolar e também familiar

onde, no segundo caso, é cobrado das mulheres um melhor empenho nas atividades do lar,

devendo, pois, aprender a administrar o seu lar, racionalizar os recursos econômicos da casa e

educar seus próprios filhos para esse novo mundo que trazia consigo princípios valorativos

próprios do modo de produção capitalista.

Esse modelo escolar ainda apresentou algumas renovações no seu currículo

atendendo às novas situações surgidas com as mudanças ocorridas no trabalho, com o

progressivo desenvolvimento das forças produtivas capitalistas. Essa influência do trabalho na

educação pode ser presenciada particularmente na década de 40 do século XX, onde a escola

passou a enfatizar o ensinamento de alguns conteúdos que versavam sobre prendas

domésticas, correlacionando saber/fazer aos instrumentos de trabalho e de produção, sob os

slogans da eficiência e eficácia nas atividades domésticas da mulher, ou seja, organizar e

planejar melhor os afazeres para ter um rendimento mais satisfatório no dia- a- dia.

Além dessa perspectiva do trabalho, a preparação da mulher pela ED exigiu

historicamente algumas adaptações, fruto de necessidades sociais, econômicas e culturais,

como, por exemplo, a ênfase em algumas matérias sobre agricultura, leiteria, criação, com a

finalidade de atender à realidade de alunas que vinham de fazendas, engenhos e sítios

localizados no interior dos Estados e certamente deveriam conhecer a parte específica do

programa com conteúdos orientadores relacionados à vida do campo para que, ao retornar aos

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seus lares, pudessem aplicar melhor os conhecimentos adquiridos, conforme a sua experiência

diária com alguns costumes rurais.

Desta forma, a formação da mulher exigiu um modelo de ensino pautado em

saberes pedagógicos e sociais espelhados nas Escolas Domésticas já existentes na Bélgica,

Estados Unidos, na Europa, principalmente na Suíça, voltado para um tipo de mulher

civilizada, educada, prendada e administradora dos recursos domésticos, mas a ED de Natal

foi além dessa perspectiva inicial, buscando atender à realidade local do meio rural que exigia

a adaptação de um currículo diferenciado para atender às particularidades das alunas que

vinham do interior do Estado.

Podemos aferir dessas situações históricas apresentadas pela ED que os

preceitos da chamada Pedagogia Nova já se faziam presentes no cenário norte-rio-grandense,

no modelo dessa escola, ainda que de forma não tão evidente como ocorrerá posteriormente,

particularmente na década de 20 do século XX, quando esse ideário foi fartamente divulgado

no Brasil. O Estado do Rio Grande do Norte foi apontado como palco de grandes discussões

teóricas mobilizadas por intelectuais locais, a exemplo de Henrique Castriciano de Souza,

Nestor dos Santos Lima, José Augusto de Medeiros, José Meira e Sá. e criação de projetos

educacionais inovadores que contribuíram significativamente para a compreensão de uma

nova pedagogia, mais ajustável à realidade daquele momento.

Acreditamos que a formação feminina posta em prática pela Escola Doméstica

de Natal, avançada pedagogicamente para o período no que se referia aos conteúdos de ensino

priorizados, apresentou-se numa perspectiva diferenciada em relação a algumas atribuições ao

papel feminino no seio familiar. A exacerbação dessa posição, a de educadora do lar (apesar

de corresponder a alguns costumes do período, onde a mulher deveria inserir-se em categorias

de comportamento próprias do universo feminino: afazeres do lar, cuidar dos filhos), para

Henrique Castriciano de Souza e os demais integrantes da Liga de Ensino do Rio Grande do

Norte refletia um ideário de mulher para quem se abriam novas perspectivas de atuação social

e no seio familiar. Certamente, essas novas perspectivas não iriam desmistificar alguns tabus

já estabelecidos historicamente em relação ao universo feminino, mas apontaria novos

horizontes para o feminino, incutido agora do domínio teórico e prático das suas ações.

Portanto essa representação sobre o espaço social reservado à mulher trouxe

particularmente para a Escola Doméstica o engendramento de um novo saber pedagógico

proposto para uma nova concepção de mulher e, apesar de estar respaldado em visões

tradicionais do fazer feminino, tinha por objetivo formar uma mulher moderna, espelhada

num modelo europeu de educação feminina, movido pela disciplinarização do corpo, através

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de regras, valores, normas disciplinares, condizentes com a sua filosofia de trabalho que

valorizava a tríade formação: física, moral e intelectual.

Outra grande influência no currículo da ED foi o discurso higienista do início

do século XX que penetrou incisivamente (mas, de uma forma geral) nas condições de

funcionamento da escola brasileira, intervindo diretamente no domínio pedagógico, com base

em uma pedagogia científica, assentada na fundamentação do saber médico e impondo-se

como saber necessário às condições de uma nação civilizada.

É possível perceber essas manifestações no currículo da Escola Doméstica, ao

incorporar nos saberes escolares as racionalizações preventivas, visando disciplinar a atuação

das mulheres nos âmbito escolar e social. Esses saberes seriam necessários para servir como

base à formação da mulher culta, educada. Desenvolveu-se uma modernização da abordagem

assentada numa racionalidade empirista e racionalista na escola: no controle do tempo, do

espaço escolar e nas normas de comportamento perante os objetos e sujeitos escolares.

Pensar a mulher formada pelos preceitos pedagógicos difundidos pela Escola

Doméstica foi pensar numa mulher moldada por uma educação que priorizou o conhecimento

científico em consonância com a vida prática do dia- a -dia dessa mulher, uma realidade de

vida de mulheres que advinham de grupos sociais mais privilegiados economicamente.

Esses resultados de pesquisa evidentemente conduzem a novas buscas que

podem ser posteriormente questionadas, problematizadas e investigadas por outros

pesquisadores. As apropriações feitas pelas mulheres dos saberes transmitidos pela Escola

com certeza é um outro campo de estudo sobre currículo e práticas de leitura que poderá ser

mais bem detalhado em pesquisas posteriores, bem como as representações das discentes

sobre os conteúdos apropriados e os seus usos.

A Escola Doméstica nos deixou um grande legado histórico relativo ao papel

social de instituição voltada para a educação feminina no Estado do Rio Grande do Norte.

Com certeza, o seu modelo curricular e a cultura escolar construídos naquele determinado

momento histórico possibilitaram abrir novos horizontes à educação feminina não só no

Estado, mas também em outras regiões do Brasil.

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RIO GRANDE DO NORTE. Decreto n.° 261 de 28 dezembro de 1911. Estabelece normas para a organização do ensino público no Rio Grande do Norte. Actos Legislativos e decretos do governo [Typografia d’A Republica], Natal, RN, 1911.

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BARROS, Eulália Duarte. Sobre as práticas educativas da Escola Doméstica de Natal. Natal, 2004. (Entrevista concedida a Andréa Gabriel F. Rodrigues em junho de 2006).

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ANEXOS

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ANEXO – A

ESTRUTURA CURRICULAR DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914.

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ANEXO – B

REGIMENTO INTERNO DA ESCOLA DOMÉSTICA DE NATAL, 1914.

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