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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE ESCOLA DE MÚSICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA MAGNO AUGUSTO JOB DE ANDRADE EDUCAÇÃO MUSICAL PARA ADULTOS: representações sociais no ensino de instrumentos para adultos iniciantes NATAL-RN 2016

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

ESCOLA DE MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

MAGNO AUGUSTO JOB DE ANDRADE

EDUCAÇÃO MUSICAL PARA ADULTOS:

representações sociais no ensino de instrumentos para

adultos iniciantes

NATAL-RN

2016

MAGNO AUGUSTO JOB DE ANDRADE

EDUCAÇÃO MUSICAL PARA ADULTOS:

representações sociais no ensino de instrumentos para adultos

iniciantes

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-

Graduação em Música da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, na linha de

pesquisa – LINHA 1: PROCESSOS E

DIMENSÕES DA FORMAÇÃO EM

MÚSICA como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Música.

Orientador: Prof. Dr. Jean Joubert Freitas

Mendes.

NATAL-RN

2016

Catalogação da Publicação na Fonte

Biblioteca Setorial da Escola de Música

A553e Andrade, Magno Augusto Job de.

Educação musical para adultos: representações sociais no ensino

de instrumentos para adultos iniciantes / Magno Augusto Job de

Andrade. – Natal, 2016.

107 f.: il.; 30 cm.

Orientador: Jean Joubert Freitas Mendes.

Dissertação (mestrado) – Escola de Música, Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, 2016.

1. Música – Instrução e estudo - Dissertação. 2. Educação

musical de adultos - Dissertação. I. Escola de Música da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EMUFRN). II.

Mendes, Jean Joubert Freitas. III. Título.

RN/BS/EMUFRN CDU 78:37

MAGNO AUGUSTO JOB DE ANDRADE

EDUCAÇÃO MUSICAL PARA ADULTOS:

representações sociais no ensino de instrumentos para adultos

iniciantes

Trabalho apresentado ao Programa de Pós-

Graduação em Música da Universidade

Federal do Rio Grande do Norte, na linha de

pesquisa – LINHA 1: PROCESSOS E

DIMENSÕES DA FORMAÇÃO EM

MÚSICA como requisito parcial para a

obtenção do título de Mestre em Música.

Orientador: Prof. Dr. Jean Joubert Freitas

Mendes.

Aprovada em: 20/12/2016

BANCA EXAMINADORA:

_________________________________________________________

PROF. Dr. JEAN JOUBERT FREITAS MENDES

(Presidente)

_________________________________________________________

PROF. Dr. MARCUS VINICIUS MEDEIROS PEREIRA

(Externo à instituição)

_________________________________________________________

PROF. Dr. MARIO ANDRE WANDERLEY OLIVEIRA

(Externo à instituição)

Dedico esse trabalho a meus alunos Silvana Karla, Karla Patrícia,

Dona Graça, Maicon Vieira, Cleomar Cabral (a mais desafiadora!) e

todos os meus alunos que me motivaram a buscar respostas para suas

especificidades e contribuir com seu caminho no instrumento e na

música.

AGRADECIMENTOS

A minha esposa Cleomar por me ensinar a ler entrelinhas e conceitos.

A minha filhinha Luiza que deixou o papai trabalhar no computador de vez em quando,

apesar de reclamar.

A meus colegas: Ana, João, Rodrigo, Valdier, Midian, Fernando e Kleber. Irmãos de copo

(de café), de cruz e de caminhada que tanto me ensinaram e me ajudaram.

A meu orientador Jean Joubert e aos nossos dedicados professores do Programa de Pós-

graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

A meus colaboradores que compartilharam e confiaram a mim seus relatos, experiências e

seu precioso tempo sem o qual esse trabalho não seria possível.

A nossa secretária Dejadiere (Deja) Lima sempre atenta e cuidadosa.

Ao café, combustível das madrugadas e das boas conversas.

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo identificar/revelar e refletir sobre as representações

sociais que mediam as relações entre a adultez e o ensino de instrumentos musicais de

tradição conservatorial. O interesse é a investigação da dimensão simbólica envolvida no

processo de musicalização de adultos e as técnicas e métodos que fazem parte dos processos

de musicalização ou ensino de música. Para tanto, foram entrevistados alunos e professores

da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que atuam

no âmbito dos cursos de formação em instrumento. Foi utilizado como referencial teórico o

conceito de representação social de Moscovici (2009) e Jodelet (2001), para definir o objeto

de pesquisa; a teoria de Bourdieu (2008, 2010), e sua aplicação por Pereira (2012), para dar

conta das interações entre as representações estudadas e as estruturas nas quais estão

inseridas; e a teoria sociológica da adultez de Sousa (2012), para definir o adulto em diálogo

com as representações em que ele está inserido. Como metodologia, foi utilizado um

levantamento bibliográfico referente ao tema, que nos forneceu elementos para a aplicação

de entrevistas semiestruturadas, segundo a proposta de Spink (2013) de pesquisa qualitativa

e análise das representações sociais. Dentre os resultados, foram encontradas diversas

evidências de representações expressas e explicitadas em vários trabalhos acadêmicos ao

longo do levantamento bibliográfico, bem como evidências de representações sociais a

respeito da musicalização de adultos dentre alunos e professores da Escola de Música da

UFRN. Tais representações aparecem fortemente associadas à percepção do tempo de estudo

(em anos e em horas cotidianas), e de profissionalização (segundo os ideais e práticas

conservatoriais), que orientam a valoração da iniciação musical na idade mais precoce

possível (“melhor idade para iniciação”), de modo, a garantir o cumprimento das demandas

associadas a formação musical representada pelos entrevistados. Sendo assim, a iniciação de

adultos é representada socialmente no meio pesquisado como uma iniciação problemática

que requer a superação de diversos obstáculos e que não se dá em consonância com o modelo

de aluno e de profissional almejado pelos cursos de formação e pelo meio profissional.

Palavras-chave: Educação musical de adultos; Representações sociais; Música; Adultez.

ABSTRACT

The present work aims to identify/reveal and reflect on the social representations that mediate

the relationships between adulthood and the teaching of musical instruments of conservatory

tradition. The interest is the investigation of the symbolic dimension involved in the process

of adult musicalization and the techniques and methods that are part of the processes of

musicalization or teaching of music. Therefore, students and professors from the School of

Music of the Federal University of Rio Grande do Norte (UFRN) were interviewed, who

work in the basic, technical, higher (baccalaureate) and postgraduate ( Master's degree). The

concept of social representation of Moscovici (2009) and Jodelet (2001) was used as a

theoretical reference, to define our research object; Bourdieu's theory (2008, 2010), and its

application in the field of musical education by Pereira (2012), to account for the interactions

between the representations studied and the structures in which they are inserted; And Sousa's

sociological theory of adulthood (2012), to define the adult in dialogue with the

representations in which he is inserted and with the social context that surrounds him. As a

methodology, a bibliographic survey was used, which provided us with elements for the

application of semi-structured interviews, according to Spink's (2013). Among the results,

we found several evidences of explicit and explicit representations in several academic works

along the bibliographical survey, as well as evidences of social representations regarding the

musicalization of adults among students and professors of the School of Music of UFRN.

These representations are strongly associated with the perception of study time (in years and

in daily hours), and professionalization (according to conservatory ideals and practices),

which guide the valuation of musical initiation at the earliest possible age ("better age for

initiation "), so as to guarantee the fulfillment of the demands associated with the musical

formation represented by the interviewees. Therefore, adult initiation is represented socially

in the researched environment as a problematic initiation that requires the overcoming of

several obstacles and that is not in accordance with the model of student and professional

sought by the training courses and the professional environment.

Keywords: Musical education of adults; Social representations; Music; Adulthood.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Representações sociais do aluno adulto iniciante de instrumento.......57

SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 10

2 DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS E CONCEITOS CHAVE ....................................... 16

2.1 OBJETIVOS ................................................................................................................... 17

2.2 MUSICALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO INICIAL AO INSTRUMENTO ........................ 18

2.3 HABITUS E CAMPO .................................................................................................... 19

2.4 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .................................................................................... 21

2.5 HABITUS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS .............................................................. 22

2.6 ADULTO E ADULTEZ ................................................................................................. 23

2.7 EDUCAÇÃO MUSICAL PARA ADULTOS A PARTIR DA LITERATURA ............ 24

3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: A TEORIA E O FENÔMENO .............................. 31

3.1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, HABITUS E O CAMPO DA EDUCAÇÃO

MUSICAL ............................................................................................................................ 33

3.2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA EDUCAÇÃO MUSICAL ................................... 35

3.3 O UNIVERSO CONSENSUAL E O REIFICADO ....................................................... 38

3.4 OBJETIVAÇÃO E ANCORAGEM .............................................................................. 40

3.5 O ADULTO COMO REPRESENTAÇÃO E O CONCEITO DE ADULTEZ .............. 42

3.6 REPRESENTAÇÕES DE EDUCAÇÃO E ADULTEZ ................................................ 43

3.7 O ADULTO INACABADO: REPRESENTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS SOBRE O

TEMA 44

4 AS REPRESENTAÇÕES E O TRABALHO DE CAMPO ......................................... 47

4.1 OBJETO E SUJEITOS ................................................................................................... 47

4.2 CONTEXTO ................................................................................................................... 49

4.3 PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE .......................................................... 52

5 ECLIPSE E ESTRANHAMENTO ................................................................................ 58

5.1 OBSERVAÇÕES INICIAIS .......................................................................................... 58

5.2 SOBRE DIFICUDADES EM PERCEBER O ALUNO ADULTO ............................... 61

5.3 SOBRE A IDADE PARA A INICIAÇÃO MUSICAL ................................................. 63

5.4 SOBRE DIFERENÇAS ENTRE CRIANÇAS E ADULTOS NA INICIAÇÃO

MUSICAL E NA FORMA DE APRENDER MÚSICA ...................................................... 67

5.5 SOBRE PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS NA MUSICALIZAÇÃO DE

ADULTOS ........................................................................................................................... 69

6 TEMPO E TEMPORALIDADE .................................................................................... 71

6.1 TEMPO EM HORAS E TEMPO EM ANOS ................................................................ 73

6.2 O TEMPO COMO CAPITAL ........................................................................................ 74

7 A PROFISSIONALIZAÇÃO E O CONSERVATÓRIO ............................................. 78

7.1 PROFISSIONALIZAÇÃO E O TEMPO ....................................................................... 79

7.2 TRABALHO E HOBBY ................................................................................................ 81

7.3 MENTALIDADE DE CONSERVATÓRIO .................................................................. 85

7.4 SOBRE O QUE SE OUVE ............................................................................................ 89

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 92

REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 97

APÊNDICE A - Proposta de roteiro para entrevistas semiestruturada realizada com

os professores: .............................................................................................................. 103

APÊNDICE B - Proposta de questões para entrevista semiestruturada realizada com

os alunos: ...................................................................................................................... 105

APÊNDICE C – Termo de consentimento livre e esclarecido ...................................... 107

10

1 INTRODUÇÃO

O percurso do pesquisador como estudante de música, trilhou o caminho de aprendiz de

violino e viola, onde esteve cercado por professores sérios, dedicados e respeitados que não

formavam apenas alunos, mas discípulos, que logo procuravam reproduzir (conscientemente

ou não) seus ensinamentos, técnicas e sua “filosofia” de fazer música.

Em outra fase de sua vida, em análise das obras de Bourdieu (2008, 2010), foi

descoberto que, o que era transmitido também nesse processo de formação era um habitus, um

conjunto de estruturas que se expressa no agir, no pensar e nas disposições corporais, e que uma

vez estruturadas, agem como estruturas estruturantes. De fato, foram aprendidas e reproduzidas

as mesmas piadas, os mesmos modos de se portar, de vestir, de agir e de pensar em várias

situações. Foi aprendido como se tocar, e por meio da prática do instrumento, foi interiorizado

um conjunto de regras que cerca e orienta o universo musical.

O ambiente que dominou a formação do pesquisador, compreende desde os cursos

básicos de instrumento, o curso de extensão universitária e o curso de bacharelado em

instrumento. O aluno que dominava cedo o repertório do instrumento, era muito valorizado,

sendo chamados de “talentos” ou “prodígios”. Esses jovens, eram vistos como troféus para os

professores e instituições, como uma prova de sucesso no ensino de música. Além disso, eram

tidos como os alunos com mais chances de uma carreira de sucesso.

Em contrapartida, os alunos mais velhos, caso em que se enquadrava este pesquisador,

são vistos como alunos “problema”, uma vez que demoravam a aprender e eram estigmatizados

como alunos que não poderiam se tornar bons músicos. Nesse ambiente, é comum que estes

alunos sejam aconselhados a desistir de estudar o instrumento por serem vistos como demasiado

“velhos” para alcançar um nível “aceitável” de performance.

No entanto, ao longo da atuação profissional deste pesquisador, observou-se que mesmo

os prodígios, dificilmente alcançavam na idade madura a carreira de concertista virtuose

antecipada na juventude. Além disso, aprender a tocar um instrumento não deveria ter como

fim apenas a formação de solistas e músicos de orquestra, mas, a atuação em orquestras ou

palcos parecia o único caminho possível e o único objetivo a ser alcançado.

Também constatou-se através da experiência profissional que, pessoas “fora da idade

adequada” para o início do aprendizado no instrumento, frequentemente desejavam aprender a

11

tocar, uma vez que os seus filhos estavam estudando, estes também frequentaram as aulas como

alunos, mesmo que por pouco tempo.

Geralmente, quando um adulto pergunta se ainda tem idade para aprender música, o

comparativo usado na atuação profissional do pesquisador é que o estudo de um instrumento é

semelhante ao ensino de um idioma. Esta perspectiva é a base da proposta pedagógica de Suzuki

(1983) e seu Método da Língua Materna, que pode ser utilizado para o aprendizado do

instrumento em todas as idades, e que se tornou familiar em muitas escolas de música. Deste

modo fica mais fácil explicar porque embora as crianças possam aprender mais rápido em certa

idade, ainda assim é possível aprender uma língua ou um instrumento em qualquer idade.

No entanto, ensinar a adultos requer do professor reflexões relacionadas metodologia,

didática e os valores e forma de pensar (habitus) aprendidos durante sua formação. Desse modo,

surgem questionamentos, tais como: Se foi aprendido que o caminho do instrumento deveria

levar a uma possibilidade de atuação profissional, como ensinar alguém que supostamente não

alcançaria esse nível? Porque ensinar a esse aluno, se os mais jovens se enquadram melhor aos

métodos à disposição, além da possibilidade de obter o prestígio e visibilidade esperada do meio

musical?

Desse modo, foi constatado empiricamente, através das vivências do pesquisador que

tão importante quanto a didática diferenciada requerida para os alunos mais velhos, existe a

devida importância no que diz respeito ao trabalho do professor, em mostrar que eles eram

capazes de aprender música, e que as dificuldades técnicas que eles enfrentavam eram

enfrentadas também por muitos alunos jovens.

Assim, questionamentos ligados ao modo como esses alunos se viam na qualidade de

estudantes, em processo de iniciação musical e como esses alunos eram percebidos pelos

professores? Além disso, constatou-se que haviam diferentes tipos de acolhimento ao público

adulto e diferentes tipos de tratamento, que variavam, de uma relação profissional aos moldes

do ensino conservatorial, aulas particulares, passando a ter até inclusive uma relação

“terapêutica”, onde o aluno adulto vê a aula como uma terapia antiestresse, ou hobby.

Ressalta-se que não há problema no ensino de música como um hobby ou como uma

atividade terapêutica, o problema é que muitas vezes o ensino de música para adultos é visto

apenas nesta perspectiva. Nesse caso, o interesse deste pesquisador é questionar, como e por

que o ensino de música para um determinado perfil de alunos que começa seus estudos de

12

instrumento depois da infância e antes da velhice é representado e categorizado dessa ou

daquela maneira e quais as implicações dessas representações?

Deste modo, o interesse com este trabalho é transformar em objeto de estudo o

conhecimento informal que circula nas escolas de música a respeito do aluno que se inicia ao

instrumento depois da infância e antes da velhice, na chamada idade adulta. A proposta para

abordar esse conhecimento se dá pelo aporte teórico da teoria das representações sociais como

proposto por Moscovici (2009).

Essas representações são produto de uma estrutura maior historicamente construída que

orienta essas representações e que é também mantida por essas representações, o habitus. Nesta

pesquisa, o habitus será abordado segundo a teoria de Bourdieu (2008, 2010), que será

retomado no desenvolvimento dos próximos capítulos.

Recentemente, Pereira (2012, 2014, 2015) fundamentado nas proposições teóricas de

Bourdieu, analisou os cursos superiores de música e atribuiu o conceito de habitus

conservatorial, para tratar das estruturas construídas historicamente segundo os moldes do

ensino conservatorial, que atuam nos cursos de formação em música orientando práticas,

valores e percepções.

Penna (2003) já apontava nessa direção ao tratar de uma lógica que domina nos cursos

superiores de música ainda era a lógica do conservatório. Tal “lógica” tem como características

a separação entre teoria e prática, a centralidade curricular da música europeia, entre outras.

Este trabalho concorda com o conceito de habitus conservatorial segundo Pereira

(2012), como estruturas estruturadas a partir do modelo de ensino de música que tem por base

o conservatório de música e que uma vez estruturadas se tornam estruturas estruturantes com o

poder de definir valores, maneiras de pensar, maneiras de agir e maneiras de representar o

mundo. Essas estruturas são internalizadas paralelamente a educação musical recebida.

Nesse contexto, não apenas as músicas e a hierarquia entre os saberes e técnicas era

internalizada, mas também valores presentes nesse universo. Dentre as estruturas modeladas

segundo esse habitus estão as representações sociais, que são uma forma de conhecimento

prático que orienta a categorização e a percepção dos membros de um determinado grupo social.

Assim, entende-se que as representações sociais como produtos de um habitus e como uma via

de acesso ao habitus e o habitus como uma via de acesso às representações sociais

(SOBRINHO, 1998).

13

Na ausência de materiais que dessem conta dos questionamentos levantados pelo

pesquisador, esse trabalho surge como uma alternativa para compreender a respeito da

dimensão simbólica que cerca o ensino de música e parece se expressar fortemente nas práticas

orientadas pelo habitus conservatorial, que parece moldar a forma de enxergar e tratar o adulto

iniciante, e esse adulto que começa a procurar cada vez mais o ensino de música.

Aqui uma distinção importante, quando se refere ao ensino de música, remete-se ao

ensino de instrumentos de uma tradição conservatorial adotada na realidade brasileira, ou seja,

os quais a história e as convenções associam à prática orquestral e que são estudados seguindo

os preceitos de uma determinada tradição. Além disso, há uma associação desse ensino ao

aprendizado de um instrumento.

Geralmente se diz “quero aprender piano”, “sempre tive vontade de tocar violino” etc.

Só depois de ingressar no instrumento é que o aluno descobre que por traz do ato de tocar,

existem uma série de fundamentos técnicos, teóricos, históricos, etc., que acabam sendo

introduzidos mesmo quando acontecem “apenas” aulas práticas. A esse respeito, com relação

ao conhecimento do senso comum que se busca estudar através da teoria das representações

sociais e a respeito da iniciação através do instrumento Pereira (2012) cita que:

O senso comum corrobora na afirmação do perfil do músico professor: ninguém pede

para aprender Música, a intenção é sempre de aprender um instrumento em particular.

Movidos por este ideal, todos vamos procurar professores que dominem o instrumento

objeto de desejo: em geral procuramos os melhores instrumentistas creditando à

destreza técnico-instrumental a perícia docente (PEREIRA, 2012, p. 76).

Outro elemento que orienta esta pesquisa, é que o aluno iniciante adulto, está inserido

no universo da “escola de música” e nas representações que esse universo envolve. Pereira

(2012) ressalta que o habitus na teoria de Bourdieu, por meio do habitus conservatorial, está

intrinsicamente relacionado ao campo no qual esse habitus atua. Deste modo, ao estudar as

representações sociais produzidas por esse habitus conservatorial nesse campo específico está

se buscando levar em conta a dinâmica das trocas e disputas simbólicas que engendram as

representações as quais busca-se estudar.

No caso da iniciação de adultos através da prática de canto coral em espaços religiosos

em que estão entrelaçados o campo da educação musical e da prática religiosa devocional, estão

em jogo os valores do campo da educação musical e também os valores do campo das práticas

14

religiosas em que se dá o aprendizado. Deste modo, a socialização, a dedicação ao louvor, a

comunhão, enquanto valores do campo religioso, podem ter mais peso do que valores do campo

da educação musical, tais como a excelência da performance, a técnica vocal e o rigor estilístico.

De modo semelhante, em uma escola particular, os valores de mercado, como a

satisfação do cliente, o atendimento, a oferta de produtos que sejam atraentes, podem ter mais

peso do que valores próprios das escolas de música que seguem os valores constituídos

predominantemente no campo da educação musical voltada à pratica do instrumento.

Ao buscar entender como são representados os adultos na Escola de Música da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, foram procurados, os professores de instrumento

que atuam nos cursos básicos, superior (bacharelado) e na pós-graduação (mestrado),

entendendo que no curso de licenciatura, além da prática instrumental não ser o foco da

formação, existe o entrelaçamento do campo da educação e da pedagogia como o campo da

educação musical.

Neste caso, valores presentes no campo da educação e pedagogia, podem ter mais peso

do que os valores da educação musical voltada à prática de instrumentos, onde historicamente

predomina o habitus conservatorial por ser esse campo historicamente constituído pela

integração do conservatório de música a estrutura da universidade (UFRN, 2016).

Ao tratar do campo da educação musical de instrumentos na Escola de Música da

UFRN, este campo também está entrelaçado a outros campos, como o da educação ou da

pedagogia, no entanto, parto do princípio que nesse campo ainda estejam em vigor

prioritariamente as regras e valores definidos a partir de um habitus conservatorial (PEREIRA,

2012), que por sua vez se manifesta através das representações sociais que pretendo estudar, as

quais se referem ao aluno adulto iniciante ao instrumento.

* * *

No próximo capítulo (2), serão apresentados marcos e fronteiras que definem o escopo

desse trabalho e os seus limites: os objetivos dessa pesquisa (2.1) e conceitos chave tratados ao

longo do texto (2.2 a 2.6) que ajudam esclarecer de que trata essa pesquisa e de que ela não

trata. Por último (2.7), será apresentada uma revisão de literatura no sentido de contextualizar

15

o leitor com o estado das pesquisas sobre educação musical para adultos, destacando temas

recorrentes e buscando uma categorização dos trabalhos encontrados.

No capítulo quatro (3) serão discutidos aspectos teóricos das representações sociais,

habitus conservatorial e o campo da educação musical para instrumentos de tradição

conservatorial (3.1); uma revisão da literatura a respeito do uso das representações sociais na

educação musical (3.2); os conceitos de universo consensual e reificado (3.3); objetivação e

ancoragem (3.4); adultez (3.5, 3.6 e 3.7).

No capítulo três (4) serão apresentadas as abordagens metodológicas os sujeitos e o

objeto (4.1), o locus de pesquisa (4.2) e procedimentos (4.3).

No capítulo quatro (5) serão apresentados o estudo piloto realizado entre graduandos da

Escola de Música da UFRN (5.1), os dados, a categorização e a análise, de acordo com

abordagem teórica e a metodologia utilizada (5.2, 5.3 e 5.4). Nesse capítulo destaca-se o que

Moscovici (2009) chama de eclipse da percepção, percebido através das características das

representações sociais enquanto fenômenos.

No capítulo cinco (6) trata-se do tempo, de sua percepção e de suas dimensões (6.1),

que por sua vez se estabelece como um valor do campo da educação instrumental de tradição

conservatorial (6.2).

Esse tempo está relacionado, por sua vez, às representações de profissionalização que

se formam a partir do habitus conservatorial (7), e será analisado conforme a sua relação com

modelo de profissionalização do campo (7.1). Também relacionado ao universo do trabalho,

será discutido na seção 7.2, a relação entre o trabalho e o hobby, esse último um termo frequente

na literatura e no senso comum. Na seção 7.3 serão abordadas as representações do

conservatório no senso comum e em outros espaços, e por último trataremos de

comportamentos relacionados ao habitus conservatorial e suas representações (7.4).

No capítulo sete (8) as considerações finais, questões que surgiram a partir da pesquisa

e possíveis desdobramentos desse trabalho.

.

16

2 DEFINIÇÃO DOS OBJETIVOS E CONCEITOS CHAVE

Mesmo hoje depois de muitos avanços na área da educação musical, não é raro ouvir

em conversas informais que alguém começou a estudar “muito velho”, que existe uma “idade

certa” para aprender música. Destaca-se que neste trabalho, aqui o verbo “ouvir” enquadra-se

a colocações que geralmente são expressas nas falas do cotidiano e não na literatura da área. De

maneira semelhante, há uma cultura que defende que “música é uma coisa que deve ser

apreendida quando criança” e uma pergunta sempre frequente: “você acha que eu ainda posso

aprender música na minha idade? ”.

Tais discursos, tão comuns nos corredores e salas de aula de diversas instituições, estão

carregados de representações socialmente compartilhadas a respeito do que constitui o processo

de musicalização para adultos. Por sua vez, essas representações parecem ter influência nas

atitudes de alunos, professores e instituições com relação ao processo de musicalização para

esse público.

Ao longo da pesquisa, tem ficado cada vez mais evidente como essas perguntas ou

concepções expressas acima, aparecem de maneiras diversas em discursos de alunos e

professores de música. Mais importante, percebemos que a recorrência desses discursos está

ligada à percepção e ao entendimento de como é representada a educação musical para os

sujeitos. Esse conjunto formado pelas representações desses sujeitos, professores e alunos de

música, orientam comportamentos, escolhas e atitudes que aparecem em vários processos que

envolvem a educação musical.

Neste trabalho, é adotado o conceito de representações sociais (MOSCOVICI, 2009;

JODELET, 2001) para dar conta desse discurso presente no senso comum que expressam

percepções acerca da educação musical ao instrumento para adultos e a maneira como essas

percepções, uma vez categorizadas e incorporadas, como “dispositivos duradouros” (habitus)

orientam os comportamentos e atitudes.

Para ficar claro, este trabalho procura identificar e refletir sobre esse conhecimento do

senso comum, de carácter simbólico, mas também prescritivo, que orienta e que media as

relações entre aqueles classificados como adultos e o ensino de instrumentos musicais de

tradição conservatorial. Não é o caso de comprovar as motivações, possibilidades ou limitações

do ensino de música inicial para adultos, mas procurar compreender a dimensão simbólica que

17

envolve esse processo e como essa dimensão interfere em comportamentos e atitudes de alunos

e professores.

2.1 OBJETIVOS

Delimitando essa pesquisa a cidade de Natal (Rio Grande do Norte), mais

especificamente na Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, lugar

onde se dá a formação musical que é referência na cidade e a qual traz na sua história também

como referência o ensino conservatorial (como será explicado adiante), o objetivo desta

pesquisa é: identificar as representações sociais que mediam as relações entre a adultez e

o ensino de instrumentos musicais de tradição conservatorial na Escola de Música da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte na cidade do Natal-RN. Esse objetivo

pressupõe os seguintes objetivos específicos:

• Identificar representações sociais a respeito da musicalização de adultos entre

professores da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande no Norte na

cidade do Natal-RN;

• Identificar representações sociais a respeito da musicalização de adultos entre

estudantes de instrumentos de tradição conservatorial considerados adultos da Escola

de Música da Universidade Federal do Rio Grande no Norte na cidade do Natal-RN

• Identificar relações entre as representações sociais a respeito da musicalização de

adultos e os comportamentos, valores e atitudes que permeiam os processos de ensino-

aprendizagem de alunos adultos iniciantes em cursos de instrumentos de tradição

conservatorial da Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande no Norte

na cidade do Natal-RN.

Compreendido o que esta pesquisa se propõe a analisar, na próxima seção, são apresentados

alguns conceitos utilizados nesse trabalho para evitar confusão no que diz respeito a sua

aplicação ao longo do texto.

18

2.2 MUSICALIZAÇÃO E EDUCAÇÃO INICIAL AO INSTRUMENTO

Ao se iniciar em um instrumento, alguém que nunca teve contato com a música,

certamente será musicalizado pela via do instrumento que escolheu. No entanto na área de

educação musical ao instrumento poucas vezes esse tipo de iniciação é tratado como um

processo de musicalização.

Nesse trabalho, a escolha do termo “educação inicial ao instrumento”, tem o mesmo

sentido de “musicalização” embora haja consciência que trazer esses termos forçosamente

evoca as representações dos grupos de educadores que os empregam. Esse tipo de ressalva tem

sido necessária porque algumas vezes os educadores que ouviam as primeiras construções desse

trabalho diziam “por que ‘educação inicial’ se isso é musicalização? ”.

De maneira semelhante, muitos professores de instrumento associam a musicalização

apenas ao tipo de educação musical que se faz com crianças no ambiente escolar. Esse trabalho

não pretende discutir o uso desses termos nem os conceitos a eles associados. Quanto a

musicalização, esse trabalho adota o conceito de musicalização segundo Penna (2010), como

um:

Processo educacional orientado que se destina a todos que, na situação escolar,

necessitam desenvolver ou aprimorar seus esquemas de apreensão da linguagem

musical – mesmo que sejam adolescente ou adultos. Necessitam porque foram

privados socialmente das condições para desenvolver tais esquemas e sua vivência

prévia à escola, cabendo, portanto, aproximá-los da música, em suas diversas

manifestações (inclusive eruditas) (PENNA, 2008, p. 41).

Esse conceito abrange não apenas a situação escolar, pois engloba os adultos como

sujeitos privados das condições para desenvolver esquemas de apreensão da linguagem musical

na situação escolar (PENNA, 2008).

Quando emergir no decorrer do texto o termo “educação inicial” de adultos, esse termo,

é um sinônimo para musicalização, como apresentado acima, embora ambos os termos estejam

relacionados nesse trabalho, a iniciação musical ou musicalização através do instrumento em

um ambiente onde predomine o habitus conservatorial.

Outro ponto assumido nesta pesquisa, é que a educação inicial de adultos ou a

musicalização, além de usadas como sinônimas, também pressupõe pelo menos dois atores, o

professor e o aluno. Desse modo, entende-se enquanto processo construído a partir da relação

19

social entre, no mínimo, dois sujeitos. Outro pressuposto é que esses atores estão em contato

direto e possuem suas maneiras de perceber, categorizar e representar o processo de educação

musical no qual estão envolvidos. Essas maneiras compartilhadas de categorizar, perceber e

representar trataremos aqui como representações sociais.

2.3 HABITUS E CAMPO

Quanto ao habitus, uma das implicações da abordagem escolhida e do recorte usado

nesse trabalho é que, ao considerar o processo de musicalização de adultos em um contexto no

qual predomine o habitus conservatorial (PEREIRA, 2012), fica fora do escopo desse trabalho

os processos de educação musical autodidata conduzidos por adultos, como por exemplo,

aqueles mediados por revistas ou por recursos digitais, assim como processos de educação

musical informais.

Entende-se que a educação musical informal é aquela realizada no ambiente familiar ou

no convívio entre amigos, na qual não existe um processo sistemático ou intencional e no qual

predomine a transmissão oral (COFFMAN, 2002). A discussão a respeito do que seria educação

formal, informal e não-formal ou educação espontânea e intencional foge completamente ao

escopo desse trabalho.

A ideia de excluir outros tipos de educação musical é focar nos modelos de educação

musical nos quais predomine o habitus conservatorial e observar como se são representados

adultos iniciantes ao instrumento nesse modelo. Essa distinção, como enunciada acima tende a

delimitar o habitus conservatorial e o campo no qual esse habitus está inserido. Neste caso,

procurou-se delimitar a educação musical instrumental como um campo de disputas simbólicas

(BOURDIEU, 2008; 2010) no qual são valorizados determinados capitais, práticas e valores,

como também seus atores estão constantemente em disputa pelo poder de definir as regras que

correspondem a seus interesses.

Vale lembrar que, campo aplicado segundo a teoria social de Bourdieu (2010), nesta

pesquisa, se refere a um espaço simbólico que é lugar de disputas (simbólicas) e possui regras

específicas para a sua constituição. Além disso, são chamadas de disputas simbólicas, o

conjunto de disputas dentro de um campo a respeito dos aspectos que compõe as definições do

20

que é valorado no campo. Campo é entendido como “um universo social relativamente

autônomo que é produto de um lento processo de constituição” (BOURDIEU, 2010, p. 285).

O ensino de instrumentos de tradição conservatorial é visto como um campo de disputas

simbólicas, seus principais atores são os alunos, professores, instituições e imprensa. A

qualidade da performance dos alunos, é um dos elementos de valor deste campo, e a primazia

pela melhor qualidade de ensino, ou por ser a referência enquanto instituição reconhecida pela

sociedade e por outros atores do campo, são alguns dos elementos simbólicos disputados dentro

do campo. Não confundir com contexto, que nesse caso é a cidade do Natal-RN.

O campo da educação musical, é um só, dependendo do recorte que se dá os atores

mudam, serão diferentes as instituições e professores na cidade de Londres, mas também em

Londres existe um campo de educação musical de tradição conservatorial sujeito ao mesmo

tipo de análise. Ao falar de Natal como contexto, delimita-se a abrangência dos atores do campo

a ser analisado e, ao mesmo tempo, estabelece-se que esses atores são influenciados por essa

realidade, que é a do município de Natal. Diferente de Londres, aqui a organização escolar, ou

número de instituições, ou perfil dos alunos, se apresentam de outra forma.

Desta maneira, as instituições capazes de formar, músicos de excelência, de preferência

reconhecidos pela maior quantidade de pessoas possível, possuem dentro desse campo, que é o

do ensino de música instrumental, um capital simbólico que é usado na disputa pelo poder de

ditar as regras do campo.

Fazendo uma relação com a questão da idade, tomando como exemplo o próprio

Amadeus Mozart, que por sua precocidade atraiu a atenção e olhares para seu professor e pai,

pode-se notar como seu pai, Leopold Mozart, capitalizou essa atenção de modo a promover o

filho e a se próprio, consolidando a sua posição de referência no campo da educação musical e

da performance.

Sendo assim, certos tipos de musicalização de adultos ficam fora do foco da pesquisa,

porque, embora exista o processo da musicalização, não existe a influência do habitus

considerado como estruturas autoreprodutoras que contribuem para o surgimento e a difusão

das representações que pretendo estudar.

No caso das práticas de canto coral em locais de trabalho, como nos corais de empresas

para a festa de Natal, ou no caso da prática do canto coral em ambientes religiosos. Nesses casos

o processo de educação musical se dá em um espaço social no qual se entrelaçam o campo da

21

educação musical instrumental e o campo da prática religiosa devocional, que imprime seus

próprios valores.

De maneira semelhante acontece com a iniciação de adultos, por meio da prática de

canto coral em espaços nos quais o campo da educação musical está entrelaçado como o campo

mais amplo da educação ou da pedagogia, ou com o campo próprio da atividade profissional,

no caso de corais de empresas. Nesses casos, também as regras próprias do campo da educação

musical instrumental (ou vocal) são menos importantes do que as regras do campo em que estas

práticas estão entrelaçadas.

No caso da prática de canto coral com os funcionários de uma empresa, para as festas

de fim de ano, provavelmente são mais importantes a integração, motivação, identificação

afetiva com a empresa, recreação e socialização dos funcionários do que propriamente a

excelência estilística, a técnica vocal ou a precisão na articulação, que são valores trabalhados,

desejados e disputados no campo da educação musical voltada a práticas vocais.

No caso da Escola de Música da UFRN, trata-se de um universo amplo, e que o ensino

de instrumentos é um dos muitos ensinos oferecidos por essa instituição. Vale destacar também

que, na qualidade de campo, o ensino de instrumentos, não apenas da Escola de Música da

UFRN, mas em todas as universidades brasileiras, está contido no espaço social em que se

entrelaça com o campo da educação da pedagogia e o campo da educação musical, entre outros.

Dado a sua origem, como um conservatório incorporado a universidade (UFRN, 2016)

e às evidências de um habitus conservatorial (PEREIRA, 2012) que ainda se manifesta nas

instituições superiores, os cursos voltados à prática de instrumento de tradição conservatorial

na Escola de Música da UFRN, ainda são predominantemente representativos do campo, ou

subcampo, da educação musical instrumental de tradição conservatorial e de seus valores e além

disso, esse campo está fortemente relacionado ao habitus conservatorial.

2.4 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

O processo de musicalização, ou educação inicial ao instrumento, em sua dimensão

simbólica pressupõe não apenas a existência de uma ou várias representações do que seja a

educação musical, como também a existência de uma ou várias representações do que seria esse

adulto que participa da aula de música.

22

Outro ponto que deve ser esclarecido logo é que, representação social, se refere a uma

teoria, a um fenômeno, e a um conceito. Para tentar facilitar o entendimento e evitar confusões

a esse respeito, quando houver referências à teoria das representações sociais será utilizada a

abreviação “TRS”, quando estiver me referindo ao fenômeno vou usar em negrito

representações sociais e quando houver referência ao conceito, será adotado a escrita sem

alterações, como por exemplo, a representação social de adulto.

A Teoria das Representações Sociais (TRS), constitui um modelo teórico proposto por

Serge Moscovici (2010) que trata do estudo do conhecimento do senso comum (senso comum

é usado pelo autor em oposição ao conhecimento científico). Esse conhecimento se constitui

diferentemente do conhecimento científico em uma espécie de conhecimento “prático” que

orienta as percepções, reações e comportamentos relacionados a um objeto. Essa teoria estuda

o fenômeno das representações sociais.

Como fenômeno, as representações sociais tendem a convencionalizar e prescrever (de

modo impositivo) nossa forma de ver o mundo, interpretá-lo e reagir em relação a esse mundo

(MOSCOVICI, 2010). Elas são produto de nossas ações e comunicações, respondem a estrutura

e social e são reforçadas pela tradição, constituindo segundo Moscovici (2010) uma realidade

sui generis. Jodelet (2001) define as representações sociais como:

Uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo

prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto

social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda saber ingênuo,

natural, esta forma de conhecimento e diferenciada, entre outras, do conhecimento

científico. (JODELET, 2001, p. 22).

É nesse sentido que será interpretado o conhecimento do senso comum tratado nesse

trabalho.

2.5 HABITUS E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

A articulação da teoria de Bourdieu, com a de Moscovici, não é recente. Ambos

receberam a influência de Durkheim e trabalham com a dimensão simbólica articulando a

sociedade e o indivíduo e o universo simbólico. Por um lado, Bourdieu e sua teoria do habitus

descrevem uma estrutura que orienta a percepção do mundo, a formação de um sistema de

23

valores, e de disposições segundo a posição que o sujeito ocupa no espaço social (BOURDIEU,

2010).

Por outro lado, Moscovici, embora, não trate especificamente do habitus como um

conceito, trata de várias das características daquilo que Bourdieu chama de habitus quando,

reconhece que “vivemos em um mundo social e não dispomos de nenhuma informação que não

tenha sido distorcida por representações ‘superimpostas’, [...] transmitidas no decurso do tempo

por sucessivas gerações” (MOSCOVICI, 2009, p. 33 e 37).

Também Moscovici reconhece as representações sociais como condicionantes ou

respondentes de uma estrutura social e que são reforçadas pela tradição (MOSCOVICI, 2009,

p. 41). Em Bourdieu, essa estrutura social que condiciona e responde às representações sociais

é o habitus.

Mary Jane Spink (2013), pesquisadora das representações sociais, trata das

representações sociais como “uma expressão da realidade intraindividual; uma exteriorização

do afeto. São nesse sentido uma, estruturas estruturantes que revelam o poder da criação e da

transformação da realidade social” (SPINK, 2013, p. 98). Não é difícil encontrar referências na

teoria de Bourdieu que se relacionem ao conceito de representações sociais de Moscovici ou de

referências em Moscovici que podem ser relacionadas com a teoria do habitus de Bourdieu.

Por fim, temos ainda Moisés Domingos Sobrinho (1998) que trata as representações

sociais como uma via de acesso ao habitus e o habitus como uma via de acesso às

representações sociais.

Pereira (2012) estudou o habitus conservatorial através de suas manifestações nos currículos

dos cursos de música, aqui considera-se as representações sociais como manifestações de um

habitus e como uma via de acesso a esse habitus. De maneira semelhante, há concordância com

Sobrinho (1998), que o habitus enquanto estrutura estruturada que atua como estrutura

estruturante, também é uma via de acesso às representações sociais.

2.6 ADULTO E ADULTEZ

Por último, dentre os conceitos que formam o objeto de estudo desse trabalho, a

representação social da musicalização de adultos ao instrumento é um conceito que emerge

como um objeto a ser representado como sendo a musicalização de adultos ao instrumento. Os

24

sujeitos que representam esse objeto, nesse trabalho, os alunos e professores dos cursos de

instrumento da Escola de Música da UFRN.

Outra definição importante é que o adulto é pensado aqui em sua dimensão simbólica

e por causa de sua dimensão simbólica. Porque a condição de estar na idade adulta, ou a adultez

(SOUSA, 2012), (que de define os comportamentos e atitudes que pretende-se estudar) é

definida também por questões do universo simbólico.

Para analisar esse adulto, concorda-se com Coffman (2002), que a concepção do que é

ser adulto passa por questões de ordem física, psico-fisiológica, cognitiva, histórica, social,

entre outras, no entanto é Sousa (2012) que fornece ferramentas para a conceituação desse ser

adulto de acordo com os papeis que representa na sociedade e de acordo como ele é

representado pela sociedade. Portanto, o conceito do que é ser adulto neste trabalho também

pode ser entendido como uma representação social e será mais desenvolvido adiante.

2.7 EDUCAÇÃO MUSICAL PARA ADULTOS A PARTIR DA LITERATURA

Por fim, resta mostrar a perspectiva acadêmica ao se referir a educação musical para

adultos procurando dentre os trabalhos, aqueles que se referem a educação musical de adultos

iniciantes e refinando os resultados que se aproximem da educação musical inicial de adultos

ao instrumento.

Para tanto o primeiro passo da pesquisa foi buscar na literatura, trabalhos que tratassem

do objeto da pesquisa ou de aproximações do objeto iniciação de alunos adultos ao instrumento.

Até o presente, a revisão da literatura não localizou trabalhos que tratem especificamente das

representações musicais da musicalização de adultos, a busca foi dividida focando em duas

palavras-chave: “educação musical para adultos”, filtrando trabalhos que tratem a respeito da

musicalização ao instrumento; e representações sociais na educação musical.

Na internet foram buscados os termos: “educação musical para adultos”; educação

“musical+adultos”; “musicalização+adultos”; “música+adultos”;

“aprendizado+música+adultos”; “educação musical+representações sociais”;

“música+representações sociais”; “aprendizado de instrumentos+representações sociais”;

“musicalização+representações sociais” e seus equivalentes em inglês: “musical

25

education+adult”; “music+leraning+adult”; “adulthood+music”;

“adulthook+music+education”; “social representations+musical education”;

Entre os termos já mencionados acima. Foram pesquisados, o Banco de Teses da

CAPES, Google, Google acadêmico, Portal de Periódicos da CAPES, Revista da Associação

Brasileira de Educação Musical, Revista Opus, Anais dos encontros da Associação Brasileira

de Educação Musical, e diversos acervos virtuais de bibliotecas universitárias e programas de

pós-graduação em música de universidades brasileiras.

Também foi realizado um levantamento bibliográfico no acervo físico da Biblioteca da

Escola de Música da UFRN, e a medida que foram encontrados materiais sobre tema, as

referências dos trabalhos frequentemente conduziam a novas referências e assim a busca foi se

expandindo.

Apesar dos trabalhos apresentados a seguir não terem uma relação direta com o tema dessa

dissertação, a proposta de trazer esses estudos aqui é apresentar de forma breve um apanhado

dos estudos que envolvem a educação de adultos, principalmente na realidade brasileira e a

partir desses trabalhos e de suas lacunas, apresentar algumas considerações de como é tratada

a educação de adultos do ponto de vista das representações sociais pelo olhar de professores e

de alunos.

Deste modo, a contribuição desses trabalhos é fornecer as pistas das representações que

pretende-se estudar. Muitas vezes essas pistas foram encontradas nas falas dos pesquisadores e

de alunos pesquisados, nas questões levantadas ou omitidas e nos próprios temas pesquisados.

Vale lembrar que, como o objeto se apresenta no âmbito do simbólico, a grande contribuição

dos trabalhos apresentados a seguir foi revelar a percepção dos pesquisadores e dos pesquisados

a respeito do fenômeno das representações sociais da musicalização de adultos. Essas

percepções foram observadas na abordagem do tema, na especificação ou generalização dos

sujeitos, nas transcrições de falas dos próprios sujeitos pesquisados, entre outros. A seguir uma

primeira categorização dos trabalhos encontrados.

Quanto à primeira palavra-chave que norteia a pesquisa, educação musical para

adultos, sob a perspectiva da iniciação musical ou musicalização, a escolha desse tema nos

trouxe algumas dificuldades com relação ao material bibliográfico.

A primeira dificuldade trata-se de generalizar educação musical de adultos, ainda que

tratando dos processos de musicalização, é tentar colocar sob o mesmo signo diversas visões a

26

respeito do que é ser adulto e como esse adulto se relaciona com a música sob o ponto de vista

de sua transmissão e recepção (KRAMER, 2000).

Outra dificuldade é que ser adulto pressupõe histórias de vida dos sujeitos em seus

determinados contextos, que muitas vezes são tão únicos, que é quase impossível colocar lado

a lado alguns trabalhos. Muitas vezes esses sujeitos e contextos são tão singulares que torna

impossível dizer que certos trabalhos que tratam a respeito da educação musical de adultos

possam ser entendidos como parte de mesmo tema. Apesar disso, essas são as primeiras pistas

para entender esse universo.

Para fins de melhor compreensão, o trabalho de Coffman (2002) refere-se a uma grande

referência por ser fruto de um projeto de fôlego a partir de uma importante conferência de

educadores musicais, Adult Education de Don D. Coffman (2002), e faz parte do The new

handbook of research on music teaching and learning. Aqui Coffman (2002) traz uma grande

revisão dos estudos a respeito do tema.

No entanto, o adulto de Coffman (2002) é um sujeito, fruto da educação norte-

americana, que já teve acesso à educação musical quando criança e na idade adulta continua se

relacionando com a música através de associações musicais, como orquestras e coros amadores,

ou continua de forma diletante. As pesquisas citadas, em sua grande maioria, têm relação com

a neurociência ou psicologia experimental. Mesmo as pesquisas cujo interesse está nas práticas

e relações do adulto com a música tratam dos aspectos motivacionais dessas relações e práticas

e usam abordagem quantitativas.

Em outra perspectiva com relação aos estudos de educação para adultos, Jáderson Aguiar

Teixeira (2012) analisa como o adulto que ingressa no curso de licenciatura em música no Ceará

vai conseguir aprender música, pois nunca teve contato formal com ela, e deve estar apto a

ensinar música ao final do curso? Esse adulto citado por Teixeira (2012) é diferente do adulto

estudado por Coffman (2002), embora compartilhem alguns pontos em comum também citados

por outros autores no que diz respeito principalmente pelo aprendizado ativo em relação a

música.

De maneira semelhante, não apenas o sujeito das pesquisas em educação musical para

adultos é bastante diverso, mas também os temas e o escopo, são muito diversos. Temos de um

lado pesquisas que envolvem adultos em um tema amplo como o trabalho de Beatriz Ilari

27

(2007), que cita o envolvimento de adultos, jovens e crianças para tratar das funções e

concepções de educação musical na América Latina.

Em perspectiva oposta, Carmen Vianna dos Santos (2006) tratou de um tema e de um

contexto bem específico, abordando estratégias metodológicas para a iniciação musical de

adultos em práticas coletivas que aconteceram na disciplina: Instrumento Musicalizador-

Teclado nos Cursos de Licenciatura da ESMU/UEMG.

No tocante ao conceito de adulto abordado na literatura, a grande a maioria dos trabalhos

encontrados que tratam da educação musical de adultos na literatura brasileira não tem a

preocupação de definir o que é ser adulto, com a exceção de Souza (2009) que também usa a

abordagem de Sousa (2012)1.

Sousa (2012) vai dizer quanto a isso que a idade adulta é representada como óbvia e por

isso mesmo até recentemente não foi alvo de estudos na área da sociologia. Na área da educação

musical, pode-se observar um fenômeno semelhante nos trabalhos que tratam do adulto,

frequentemente a definição do que é o adulto para o autor é omitida o que dá a entender que ela

é tomada como óbvia, do conhecimento de todos e que não requer maiores explicações. Outras

vezes a definição do adulto estudado é apresentada de forma breve, como definição operacional

do trabalho.

No entanto, quanto mais pensa-se no que é ser adulto, mais complicada fica a definição

e menos óbvia é a resposta. Sendo assim o que queremos dizer quando fala-se em adultos? De

fato, não foi observado nos trabalhos encontrados, autores que abordassem essa questão. Ser

adulto parece outra representação óbvia que aparece nos discursos, define comportamentos e

atitudes e não aparece nas análises.

Coffman (2002) afirma que definir o que é ser adulto é complicado, porque ser adulto

depende de fatores biológicos, sociais, históricos, psicológicos, entre outros. Se uma pessoa de

16 anos pode ser considerada como adulto dependendo da sua cultura ou dependendo das

convenções adotadas no momento histórico em que vive. Imagine se essa pessoa mesmo na

nossa cultura pode ser tratada como adolescente ou como adulto dependendo de certas

condições como a maternidade ou paternidade, ou as responsabilidades que essa pessoa assume

diante de sua família ou comunidade e da sua maturidade física e psicológica.

1 Aqui a grafia pode confundir, Souza (2009) é Alba Chistina Bonfim Souza, que traz a pesquisa: O perfil de

adultos em aulas de instrumentos de cordas friccionadas e Sousa (2012) é Filomena de Sousa com seu trabalho

Sociologia da Adultez.

28

Nesse trabalho o conceito de adulto é também uma representação social que se dá sobre

um período da vida humana. Enquanto representação social ela muda conforme o grupo na qual

a representação se dá. Nesse período histórico em particular o conceito de adulto e a sua

representação social está sofrendo mudanças mais rápidas devido aos avanços nas condições de

saúde, de trabalho, de relacionamento pelas quais estão passando as gerações que vivem

atualmente (SOUSA, 2010). Esse conceito será adotado nesta pesquisa.

Fernandes (2006), em sua pesquisa a respeito da situação do campo a partir das

dissertações e teses dos cursos de pós-graduação stricto sensu brasileiros, citou apenas dois

trabalhos que tratam de adultos, que são: de Carvalho (1982), sobre “Análise do Desempenho

Rítmico Musical em Adultos de Prática de Ensino de Educação Artística”, e Monteiro (1998),

sobre “Registro Gráfico e Produção Musical: um Estudo junto a Crianças e Adultos”.

A revisão também localizou outros trabalhos mais próximos ao tema que tratam de

adultos em processo de musicalização. Destaca-se o trabalho de Torres (1995): “Processo de

musicalização de adultos: os sentimentos e as motivações”. A autora estudou adultos de idades

entre 34 e 64 anos e sua pesquisa foi no sentido de compreender o que leva esses adultos a

buscar aulas de música e suas implicações.

Embora autores como Torres (1995), Souza (2009), Costa (2004), entre outros,

reconheçam que a educação de adultos já não representa mais novidade, vale lembrar que esse

ainda é um tema bem pouco estudado em relação a outras áreas da educação musical, como

educação no ensino básico, ou educação infantil, dentre outros. Essa última afirmação também

é citada por Dias (2014) com relação às pesquisas em educação musical no Brasil. Na revisão

da literatura brasileira em educação musical destaca-se alguns eixos que apareceram com mais

frequência:

• motivação: Albuquerque (2011), Costa (2004), Torres (1995);

• técnicas, métodos e repertórios: Santos (2006), Monteiro (1998), Carvalho

(1995), Kebach (2008, 2009), Dias (2014, 2015)

• caracterização do adulto: Souza (2009), Renner (2007);

• prática de adultos em espaços públicos: Nogueira (2004, 2005), Ribas (2006).

29

Quanto à educação musical na musicalização de adultos em espaços públicos têm-se

Nogueira (2004, 2005), que trata dos aspectos da educação musical para adultos no ensino

noturno das escolas municipais do Rio de Janeiro, e Ribas (2006), que trata do repertório,

convergências, divergências de interesses na Educação de Jovens e Adultos – EJA em oficinas

de música no município de Porto Alegre. Nogueira (2004, 2005) aborda com mais profundidade

problemas específicos das escolas públicas municipais do Rio de Janeiro e a inserção da música

nessa realidade, e Ribas (2006) trata dos adultos, suas relações e negociações nas oficinas de

música da EJA através da convivência dos adultos com outros alunos de diferentes idades.

No tocante a musicalização através de aulas de instrumentos de teclado temos, além de

Santos (2006) citada acima, Albuquerque (2011) com seu trabalho: “Aprendizagem musical a

partir da motivação: um estudo de caso com cinco alunos adultos de piano da cidade de Recife”;

e Costa (2004): “Aprendizagem pianística na idade adulta: sonho ou realidade?”. Em ambos os

trabalhos o papel da motivação assume um grande destaque, assim como o papel das aulas de

música como uma atividade de características terapêuticas, desafiadoras e como um hobby para

seus participantes. Recentemente temos também analisando adultos ao piano os trabalhos de

Dias (2014, 2015) que seguem um caminho semelhante ao de Costa (2004).

Ainda sobre o assunto da musicalização de adultos ao piano, destaca-se também um

interessante livro escrito por um adulto que descreve extensamente, suas motivações, sua

iniciação e sua experiência como estudante de piano: “Memoirs of a Secret Pianist”, de Robert

M. Fells (2012).

Neste caso, o autor é um americano que iniciou seus estudos musicais apenas na idade

adulta. Mesmo de uma realidade distante seu relato é muito rico porque aborda e aprofunda da

perspectiva de um aluno muitos dilemas, problemas e soluções citados de forma breve em

trabalhos anteriormente na realidade brasileira e pelos colaboradores dessa pesquisa.

Quanto ao processo de musicalização de adultos em instrumentos de corda, Souza

(2009) com seu trabalho: “O perfil dos adultos em aulas de instrumentos de cordas friccionadas-

violino, viola, violoncelo e contrabaixo” merece destaque. Nesse trabalho, a autora também

chega a um perfil de participantes condizente com outros trabalhos na realidade brasileira.

O trabalho de Romanelli, Ilari e Bosísio (2008), no qual os autores expõe ideias de Paulo

Bosísio (um importante professor de violino que é referência para diversos profissionais da

área, incluindo eu próprio) sobre aspectos da educação musical instrumental. Embora os autores

30

não toquem na educação de adultos especificamente, a discussão a respeito da idade para o

início dos estudos de instrumento é bastante relevante para esse trabalho, por expor algumas

concepções implícitas no meio musical que nos servirão ao longo dessa dissertação.

Também pode-se citar da revisão, o trabalho de Renner (2007): “O tempo musical no

tempo do sujeito: ouvindo os fazedores de música de idade madura”. Esse trabalho traz algumas

contribuições no sentido de tratar de facilidades e dificuldades da educação musical do adulto

do ponto de vista neuropsicológico e motor. Além desse, Kebach (2008, 2009) trata da

observação dos processos de musicalização em uma Oficina de Musicalização Coletiva. Essas

atividades foram realizadas com adultos, na tentativa de ilustrar os mecanismos que

desenvolvem os seres humanos em qualquer idade.

O critério que norteou a seleção desses trabalhos foi a busca pelo ensino de música a

adultos voltado para instrumentos na realidade brasileira. Sabe-se que muitas buscas em inglês

retornam sites em escolas e universidades nas quais se oferecem cursos para adultos,

principalmente nos Estados Unidos e Europa. No entanto, lembrando novamente Coffman

(2002), muitas vezes se trata de outro adulto, alguém que muito provavelmente já teve uma

iniciação musical na escola e que está na idade adulta retomando seus estudos ou buscando

coisas novas em música. Embora esse movimento seja importante, o tema foi considerado fora

do escopo desse trabalho por abranger outros sujeitos, outras realidades e outros problemas.

Quanto à revisão da literatura em língua inglesa, não foram encontrados trabalhos que

pudessem contribuir com as questões abordadas aqui, pois os estudos levantados tratavam da

cognição ou neurologia. De modo semelhante, propostas como lifelong learning, na qual

algumas propostas de educação musical para adultos estão contidas, não puderam ser abordadas

nesse trabalho, embora a representação contemporânea de adulto inacabado que contempla essa

filosofia seja abordada mais adiante. Essa exclusão se deve ao recorte escolhido para o trabalho

e pelo contexto em que se localiza a pesquisa.

Ainda são muitas as lacunas a serem exploradas ao tratar de educação musical inicial de

instrumentos para adultos, ou mesmo de educação musical para adultos de uma forma ampla.

Esse trabalho procura contribuir para o entendimento desse subcampo da educação musical

através da pesquisa dos aspectos simbólicos observados a partir das experiências e do olhar dos

atores envolvidos no processo de ensino/aprendizagem.

31

3 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: A TEORIA E O FENÔMENO

A TRS que fundamenta o olhar para o objeto de pesquisa desse trabalho foi desenvolvida

primeiramente por Moscovici (2009) para tentar responder algumas contradições nas

pressuposições do pensamento científico da psicologia social de sua época, a saber: “1) os

indivíduos normais reagem2 a fenômenos, pessoas ou acontecimentos do mesmo modo que os

cientistas ou os estatísticos, e; 2) compreender consiste em processar informações”

(MOSCOVICI, 2009, p. 30). Moscovici (2009) no entanto observou que alguns fatos comuns

contradiziam esses pressupostos. O primeiro deles é que:

[...]nós não estamos conscientes de algumas coisas bastante óbvias; de que nós não

conseguimos ver o que está diante de nossos olhos. É como se nosso olhar ou nossa

percepção estivessem eclipsados, de tal modo que uma determinada classe de

pessoas, seja devido a sua idade – por exemplo, os velhos pelos novos e os novos

pelos velhos – ou devido a sua raça – p. ex. os negros por alguns brancos, etc. – se

tornam invisíveis quando, de fato, eles estão “nos olhando de frente”. (MOSCOVICI,

2009, p. 30, grifo do autor)

Esse processo é bastante pertinente ao problema dessa pesquisa, porque afinal é isso que

acontece cotidianamente: um certo perfil de aluno que nos parece invisível ao olhar da educação

musical brasileira embora esteja “nos olhando de frente”.

Em segundo lugar, “nós muitas vezes percebemos que alguns fatos que são acatados sem

discussão, que são básicos ao entendimento e comportamento, repentinamente transformam-se

em meras ilusões” (MOSCOVICI, 2009, p. 31).

Merece atenção a carência de discussões a respeito dos adultos na educação musical. A

existência de uma discussão mais profunda na área da educação musical a respeito da idade

“certa” para apreender. Esse último ponto, além de invisível, quando aparece é apresentado sem

discussão.

Da mesma maneira, o que é ser adulto não é algo óbvio, embora muitas vezes aceita-se

como se fosse. Nesse momento, estão ocorrendo rápidas transformações na maneira como se

dá o processo de envelhecimento (SOUSA, 2012) e que o campo da educação musical no Brasil

2 A palavra “reagir” pode parecer estranha ao contexto da educação pelo fato de considerarmos o sujeito um ser

dotado de criticidade, etc.. No entanto lembramos que aqui o contexto do qual emerge essa palavra é o da

psicologia, que na época era dominado pela psicologia cognitiva como nos lembra Moscovici (2009).

32

já se expande em diversos temas (FERNANDES, 2006), é fundamental questionar esses

pressupostos.

Por último, Moscovici (2009) nos chama a atenção para o fato de que “nossas reações aos

acontecimentos, estão relacionadas a determinada definição, comum a todos os membros de

uma comunidade à qual nós pertencemos” (MOSCOVICI, 2009, p. 31). É aqui que se encaixa

a pergunta: como reagimos, na posição de alunos ou professores, em relação a definição de

educação musical que é comum a comunidade à qual se pertence quando a adultez (SOUSA,

2012) está em questão? Desde modo Moscovici (2009) conclui-se que, nesses casos

Notamos a intervenção de representações que tanto nos orientam em direção ao que é

visível, como àquilo a que nós temos de responder; ou que relacionam a aparência à

realidade; ou de novo àquilo que define essa realidade. (MOSCOVICI, 2009, p. 31-

32)

Por isso a escolha desse referencial para lidar com os aspectos simbólicos que orientam a

percepção e prática com relação à educação musical inicial de adultos. Uma distinção que deve

ser notada é que, como teoria, o constructo teórico das representações sociais orienta o olhar

sobre a realidade.

Esse olhar é fundado em uma epistemologia mais próxima a sociologia de Durkheim, que

se opõe a corrente da psicologia cognitiva que, ainda hoje orienta, muitas das pesquisas em

psicologia social e, que na época do desenvolvimento da teoria por Moscovici (2009), era uma

corrente muito forte nos Estados Unidos da América (MOSCOVICI, 2009). No entanto, o que

a teoria nos fornece é um meio de observar e analisar fenômenos.

Na qualidade de fenômenos, as representações sociais desempenham a função

convencionalizar os objetos representados. “Elas lhes dão uma forma definitiva, as localizam

em uma determinada categoria e gradualmente as colocam como um modelo de determinado

tipo, distinto e partilhado por um grupo de pessoas” (MOSCOVICI, 2009, p. 34).

Na educação musical, temos um exemplo dessa função no discurso de Teixeira (2012)

quando o autor se refere a uma “lógica implícita que norteia (..) uma educação musical pra

crianças” (TEIXEIRA, 2012, p. 135). Tal lógica deve ser tratada como uma representação social

(representação social aqui entendida como objeto de pesquisa), corrente no meio que tende a

associar, ou segundo Moscovici (2009), convencionalizar a educação musical atrelando-a ao

ensino de crianças.

33

As representações sociais também desempenham funções prescritivas, “isto é, elas se

impõem sobre nós como uma força irresistível. Essa força é uma combinação de uma estrutura

que está presente antes mesmo que nós comecemos a pensar e de uma tradição que decreta o

que deve ser pensado” (MOSCOVICI, 2009, p. 36).

Nesse sentido, faz-se uma relação com o conceito de habitus, de Bourdieu (BOURDIEU;

PASSERON, 2014; BOURDIEU, 2008; BOURDIEU, 2010) e relaciona-se ao tema da

educação musical através do conceito de habitus conservatorial de Pereira (2014, 2015). Sendo

assim, as representações podem ser pensadas dentro de uma estrutura maior que é o habitus.

Especificamente do habitus conservatorial (PEREIRA, 2012) formado dentro do campo da

educação musical.

Por essa razão o locus de pesquisa é a Escola de Música da Universidade Federal do Rio

Grande do Norte, onde espera-se encontrar manifestações desse habitus e evidências dessa

função convencionalizadora.

Também a razão da escolha da Escola de Música é abordar os professores, os quais

segundo Moscovici (2009) tem uma função ativa na criação e na transmissão das representações

sociais, ainda que não tenham consciência desse papel. Nesse sentido, o papel do professor

também é citado por Bourdieu e Passeron (2014) ao afirmarem o protagonismo do professor,

como uma autoridade pedagógica na inculcação de um habitus.

3.1 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS, HABITUS E O CAMPO DA EDUCAÇÃO MUSICAL

Representações sociais podem ser definidas como “uma forma de conhecimento,

socialmente elaborada e partilhada tendo um objetivo prático e concorrendo à construção de

uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 2001, p. 43). Essa representação não

acontece em um vazio social e, embora seja formada também através de processos cognitivos

individuais, ela também é formada pelas interações desse indivíduo no espaço social. Essa

representação, ou essas representações, orientam os indivíduos quanto à maneira de dar sentido

e de agir no mundo ao nosso redor.

Dessa forma, o campo da educação musical - considerando campo como um espaço

autônomo formado historicamente segundo as regras definidas por seus membros

(BOURDIEU, 2010, 2008) - possui, no caso do ensino de instrumentos praticado nas

34

universidades, um conjunto de estruturas formadas que por sua vez atuam como reprodutoras

das suas próprias condições de existência, o habitus conservatorial (PEREIRA, 2014, 2015),

que funcionam como uma via de acesso as representações sociais (GUARESCHI;

JOVCHELOVITCH, 2013) e contribuem para a formação das representações sociais a respeito

da musicalização.

Esse habitus conservatorial, que enquanto habitus, se apresenta como uma “estrutura

estruturada que tende a agir como estrutura estruturante” (BOURDIEU, 2008, p. 54). Em

Moscovici (2009), a relação entre comportamento e estrutura social, que é desenvolvida de

outra forma por Bourdieu (2008), aparece da seguinte forma:

Longe de refletir, seja o comportamento ou a estrutura social, uma representação

muitas vezes condiciona ou até mesmo responde a elas. Isso é assim, não porque ela

possui uma origem coletiva, ou porque ela se refere a um objeto coletivo, mas porque,

como tal, sendo compartilhada por todos e reforçada pela tradição, ela constitui uma

realidade social sui generis. Quanto mais sua origem é esquecida e sua natureza

convencional é ignorada, mais fossilizada ela se torna. (MOSCOVICI, 2009, p. 41)

Pereira (2012, 2014, 2015) considera o habitus conservatorial como um conjunto de estruturas

autoreprodutoras, baseadas nos modelos de ensino conservatorial e que se manifesta nos

currículos das instituições através da valorização da escrita, da primazia da música europeia, de

uma estrutura curricular que separa teoria e prática, entre outras, que se mantém como base dos

currículos dos cursos superiores.

Nesse momento deve-se lembrar que segundo Bourdieu (2008, 2010) e Bourdieu e

Passeron (2014) o habitus se estende em várias dimensões (hexis, heidos e ethos), afetando

diversas esferas do aprendizado. Vale lembrar que, não apenas se destacava no processo de

formação a primazia de música europeia, característica de habitus conservatorial, como

também um conjunto de valores relacionado com esse ensino que se estende muito além do

entender da música clássica.

Sendo assim, entende-se que as representações sociais se articulam com o conceito de

habitus concervatorial. Para Pereira (2012), elas tanto são produtos do habitus quanto uma via

de acesso a ele (SOBRINHO, 1998). Ou seja, um habitus, pressupõe maneiras de agir, de

pensar, de atuar e essas maneiras são também maneiras de compreender e representar

socialmente os objetos socialmente compartilhados.

Da mesma forma, compreender o surgimento ou a função de uma representação social

também é compreender um aspecto da realidade e das estruturas subjacentes a construção dessa

35

realidade. Por isso, as representações sociais são uma via de acesso ao habitus. Ao atuar no

meio, compartilhando essas maneiras de agir, de pensar e de perceber, também se está

compartilhando as representações construídas nesse meio e, com o passar do tempo, se reproduz

essas representações nos discursos e a forma de agir. Dessa forma, as representações e o habitus

se relacionam no mesmo sistema.

3.2 REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA EDUCAÇÃO MUSICAL

De um modo geral, a TRS tem um campo muito vasto e pode-se encontrar referências

de seu uso nas áreas de medicina, educação, psicologia, enfermagem, comunicação, entre outros

exemplos. De fato, a TRS assim como concebida por Moscovici (2009), têm diversos

desdobramentos (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH, 2013; SÁ, 1989), isto se dá porque as

representações sociais, como fenômenos, agem diretamente na forma como é compreendido

com relação a realidade que nos cerca.

Ao tentar compreender as representações sociais a respeito de um objeto, de uma teoria,

ou de um conceito, busca-se compreender, não o conceito ou fenômeno em si, mas a forma

como ocorre a formação, seu entendimento e compartilhamento quanto as representações desse

objeto. De fato, Moscovici (2009) afirma que nossa percepção do mundo é mediada por

representações.

Na educação musical, as representações sociais são aplicadas de diversas maneiras, a

revisão desenvolvida tem como finalidade, além da busca por trabalhos que possa dar suporte

a proposta de pesquisa, de situar o leitor com relação ao uso da TRS na área da educação

musical. Se por um lado, a multiplicidade de abordagens, temas e objetos dificulte o uso desses

trabalhos como suporte, por outro lado, essa mesma multiplicidade dá uma ideia do estado do

uso da TRS na educação musical.

No tocante às “representações sociais” como palavra-chave, relacionada a educação

musical, a revisão da literatura da educação musical começa por Fernandes (2006), que cita,

Arroio (1999): “Representações Sociais Sobre Práticas de Ensino e Aprendizagem Musical: um

Estudo Etnográfico Entre Congadeiros, Professores e Estudantes de Música” e o trabalho de

Silva (1998): “Samba: Alma do Povo e Seus Reflexos no Cotidiano Escolar na Perspectiva das

Representações”, como os únicos dois trabalhos com essa temática em sua revisão.

36

Mais próximo, da perspectiva que pretende-se abordar nessa pesquisa estão os trabalhos

de Duarte (1997, 1998, 2011), como também dessa autora em parceria com Mazzotti (2002,

2006). Embora os autores não tratem especificamente das representações sociais que cercam a

musicalização de adultos, eles tratam das representações sociais do que é considerado

“apropriado” entre os que formam o campo da educação musical, quando afirmam que “os

professores, ao atribuírem a qualidade ‘apropriado ao uso escolar’ a determinadas práticas e

objetos musicais, partem de critérios para afirmar o que é ser ‘educado musicalmente’ e o que

é ‘musical’”. (DUARTE, 2002, p. 32). Isso nos é particularmente apropriado porque a

musicalização de adultos que trata-se aqui parece caminhar ainda em busca de uma definição e

de um lugar na educação musical brasileira.

Nesse sentido, Duarte (2002), nos chama a atenção para esses “critérios”, frutos de

classificações a respeito de si mesmos que são formadas e negociadas pelos próprios alunos e

pela sociedade que os cerca. Como diz Duarte (2002): “os critérios utilizados pelos sujeitos

expressam os acordos estabelecidos entre eles e, desse modo, orientam as classificações

escolares. São acordos sobre a classificação dos educandos entre musicais e não musicais,

indicando o que é preciso para que venham a sê-lo”. (DUARTE, 2002, p.32). É nesse sentido

que pretende-se entender a musicalização do adulto: como eles entendem a si mesmos, como

são percebidos e classificados, ou melhor: como são representados socialmente?

Essa delimitação da pergunta nos faz reconhecer que, se por um lado são vários os

trabalhos que tratam das representações sociais e música, por outro lado poucos nos dão

suporte no que diz respeito às especificidades do problema (a musicalização de adultos) a partir

da abordagem teórico-metodológica (a teoria das representações sociais).

Sousa (2009) também faz uso da abordagem das representações sociais para identificar

o seu objeto de estudo no seu trabalho a respeito da educação de adultos em instrumentos de

cordas friccionadas usando também o referencial teórico proposto por Sousa (2012).

Portanto, trabalhos como os de Haddad (2009): “Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto

(SP): representações e significado social”; Mazzarin (2010): “Coro da Universidade Estadual

de Londrina: cantando e contando suas representações”; Silva (1998): “Samba: Alma do Povo

e Seus Reflexos no Cotidiano Escolar na Perspectiva das Representações”; Arroyo (1999):

“Representações Sociais Sobre Práticas de Ensino e Aprendizagem Musical: um Estudo

Etnográfico Entre Congadeiros, Professores e Estudantes de Música”; Westrupp (2012):

37

“Representações sociais de música em processos de educação musical formal e não formal de

uma escola de educação básica”; e tantos outros, apesar de trazerem aspectos da teoria das

representações sociais ao campo da educação musical, a revisão fornecem poucos elementos

aplicáveis ao problema.

Essa dificuldade na aplicabilidade de outros trabalhos se dá porque ao aprofundar as

representações daquele fenômeno ou tema, muitas vezes as especificidades do tema e do grupo

social no qual se dão as representações permitem que o pesquisador possa generalizar suas

conclusões dentro do tema e não fora dele.

Semelhante ao que descreve Geertz (2013) a respeito da descrição densa que, ao

alcançar as “teias de significado” a partir do olhar daqueles que partilham esses significados,

propicia a generalização apenas no âmbito dos fenômenos estudados. Dessa forma, quanto mais

profunda a descrição menos geral ela se torna. De fato, segundo Moscovici (2009), as

representações sociais têm funções simbólicas, por isso o aprofundamento traz o risco da

dificuldade de generalização. Além disso, os vários desdobramentos da TRS (GUARESCHI e

JOVCHELOVITCH, 2013 e SÁ, 1989), frequentemente conduzem a diferentes abordagens e

diferentes soluções para o mesmo problema.

Os problemas que mais se encontra em na revisão referente aos trabalhos em educação

musical no Brasil aparecem relacionados com:

• Representações sociais de grupo ou gênero, como em Silva (1998) e Westrupp (2012);

• Representações sociais e identidade, como em Matsunaga (2006) e Bonfim (2015);

• Representações sociais na escola ou no ambiente acadêmico como em Arroyo (1999), Del-

Ben (2012), Duarte (1997, 1998, 2011) e Duarte e Mazzotti (2002, 2006).

Na ausência de estudos das representações sociais de adultos na educação inicial ou do

estudo das representações sociais e idade, a pretensão aqui é construir a abordagem a partir da

TRS, partindo da proposição de Moscovici (2009) e analisar os fenômenos observados e sua

relação aos trabalhos mencionados acima. Por esse motivo, a aproximação com Duarte (1997,

1998, 2011) e Duarte e Mazzotti (2002, 2006). Não apenas esses autores nos fornecem

38

ferramentas que podem ser aplicadas no objeto de estudo, como um diálogo prévio entre a TRS

e a educação musical no Brasil.

3.3 O UNIVERSO CONSENSUAL E O REIFICADO

Pensar em representações sociais pressupõe a existência de um espaço para que essas

representações aconteçam, como, espaços de conversação em que as pessoas possam se

expressar. Um desses espaços é o chamado universo consensual onde as pessoas são vistas

pertencentes a um grupo “de pessoas que são iguais e livres, cada um com possibilidade de falar

em nome do grupo e sob seu auspício” (MOSCOVICI, 2009, p. 50).

Esse princípio, que pressupõe a possibilidade dos membros de um grupo falarem em

nome do grupo será importante aqui, pois ao considerar no estudo as entrevistas a alunos e

professores, considera-se como membros do grupo, que ao falarem em nome dele, expressam

as suas representações. Spink (2013) vai tratar esses membros como “sujeitos genéricos”.

No caso estudado aqui, esse universo consensual se dá por, na cantina da escola de

música ou nos corredores nos quais grupos de alunos ou professores conversam livremente sem

preocupações de hierarquia entre si. Ao longo do tempo a conversação cria os chamados nós de

estabilidade e recorrência, formando uma base comum de significância entre os praticantes

dessa conversação (MOSCOVICI, 2009). Dessas recorrências se formam as suas

representações.

Outra dimensão desses espaços de troca de significados é o chamado universo reificado,

no qual a “sociedade é vista como um sistema de diferentes papéis e classes, cujos membros

são desiguais [...], nos quais confronta-se com organizações preestabelecidas, cada uma com

suas regras e regulamentos” (MOSCOVICI, 2009, p. 51-52).

Como exemplos desse universo, pode-se observar nas escolas de música as aulas, os

ensaios, as palestras, nos quais pesa mais a opinião dos professores e maestros. Mesmo entre

esses atores se estabelecem diferentes hierarquias que conferem, por sua vez, diferentes pesos

aos discursos dos atores.

Também faz parte desse universo reificado as comunicações entre músicos e imprensa,

no qual os últimos ampliam o alcance do discurso conferindo ao músico status de especialista.

Da mesma maneira temos, as trocas entre os conhecimentos médicos, ou psicológicos quando

39

interpretados por músicos nos quais os especialistas e as especialidades têm suas próprias

regras, sistemas e especialidades.

No estudo o universo reificado se dá, em uma sala de aula na qual o professor exercendo

sua autoridade acadêmica (BOURDIEU; PASSERON, 2014) ao afirmar uma determinada ideia

ou conceito o faz utilizando as regras ou conceitos de seu grupo, o dos professores, e os

exprimem em uma situação na qual a sua autoridade torna o diálogo livre impossível.

Observando um ensaio de uma orquestra não é raro o maestro, vez por outra, fazer uma

declaração ou, mais comum ainda, uma piada inapropriada. Presenciou-se muitas vezes

enquanto músico momentos em que certas declarações ou piadas se mostraram inadequadas ou

constrangedoras, no entanto, na posição que ocupava o maestro nesse espaço reificado, não era

possível que eu, nem qualquer membro na orquestra ou mesmo de fora dela, intervisse para

expressar a inadequação do comentário ou da piada, no máximo era permitido que os músicos

rissem ou não.

Os mais desejosos a agradar ou àqueles mais expansivos naturalmente riam, e com o

tempo, caso repetido o comentário ou a piada, muito frequentemente esse seria repetido pelos

músicos, porque afinal fora proferido por uma autoridade e que além disso, pareceu agradar a

alguns.

Em um espaço consensual, se um colega expressa uma opinião inapropriada ou uma

piada sem graça, posso expressar com mais liberdade a posição do pesquisador, sem que isso

vá contra as regras do espaço social que ocupa-se e possa ser desrespeitoso para mim ou para

meu colega.

Outro exemplo que ilustra o universo reificado pode ser percebido através dos trabalhos

sobre cognição ou saúde, que tem por objetivo o estudo ou os efeitos da música em

determinadas áreas. Quando um estudo é publicado, ele geralmente descreve procedimentos

específicos, os resultados coletados por esses procedimentos, sua margem de erro etc. Ao

apresentar, geralmente, dentre as conclusões do experimento que notaram “melhora

estatisticamente significativa em trinta por centos dos pacientes nos quadros de hipertensão

após seções de musicoterapia com o uso de música romântica”.

Quando esse estudo é descrito por jornalistas, são apreendidos os elementos que podem

ter mais destaque para o leitor, formando uma representação a partir do estudo científico,

“cientistas confirmam que música reduz hipertensão”. Quando essa matéria jornalística é

40

resumida e vista por um músico, ou pelo público em geral, os aspectos percebidos são as

representações formadas pelo jornalista, que por se tratarem de um estudo científico chegam ao

público como uma “verdade absoluta” e que por sua vez irão se transformar nas representações

sociais do público. Caso alguém discorde, facilmente se diz que saiu na revista tal ou que é “um

fato científico”. “Eu li no jornal que música faz bem para o coração, então é verdade”.

Tanto no universo reificado quanto no universo consensual, as trocas simbólicas

contribuem para a circulação e para a formação de representações sociais. Moscovici (2008)

chamou inicialmente esse universo reificado de “esfera sagrada - digna de respeito e

veneração” e o universo consensual de “esfera profana, em que são executadas atividades

triviais e utilitaristas”. São essas esferas “que determinam o que pode-se mudar e o que nos

muda; o que é obra nossa e o que é obra alheia” (MOSCOVICI, 2008, p. 49.

Essa classificação tem contato com a sociologia de Durkheim e com o espaço que a

ciência tem ocupado na sociedade contemporânea, na qual, é a ciência e não mais a religião a

“portadora da verdade”.

Nesse trabalho a definição desses universos serve para mostrar os espaços simbólicos

nos quais o conhecimento do senso comum circula, se forma e é apreendido, ora em interações

unilaterais, nas quais a imposição predomina, ora em relações bilaterais nas quais a predomina

a informalidade e igualdade entre os sujeitos.

3.4 OBJETIVAÇÃO E ANCORAGEM

Quando algo novo é introduzido no repertório representacional, o sistema de

representações age de modo a acomodar essa novidade a alguma categoria já conhecida. Os

parisienses do século passado estudados por Moscovici (2008), foram introduzidos ao conceito

de psicanalista, alguns associavam esse profissional com a figura de um padre, para o qual os

analisados, a exemplo dos pecadores, confessavam seus pecados e falavam sigilosamente para

se redimir, ou se curar, dos males; outros associavam o psicanalista a uma espécie de médico,

que curava os pacientes através da conversa.

Na TRS esse fenômeno é conhecido como ancoragem e se caracteriza pela acomodação

do novo às categorias pré-existentes.

41

No momento em que determinado objeto ou ideia é comparado ao paradigma de uma

categoria, adquire características dessa categoria e é reajustado para que se enquadre

nela. Se a classificação, assim obtida, é geralmente aceita, então qualquer opinião que

se relacione com a categoria irá se relacionar também com o objeto ou com a ideia.

(MOSCOVICI, 2008, p. 61)

Categorizar alguém ou alguma coisa significa escolher um dos paradigmas estocados

em na memória e estabelecer uma relação positiva ou negativa com ele. (MOSCOVICI, 2008,

p. 63). Certa vez em uma igreja, perguntado sobre a ocupação do pesquisador, este se apresentou

como músico, que trabalhava em uma orquestra, etc, e logo foi convidado a trabalhar com o

coro.

Para aquelas pessoas, o membro recém-chegado já houve uma classificação, que seguia

de acordo com a que as pessoas usavam lá. De maneira semelhante, ocorre com um professor

de música ao chegar em uma escola nova que nunca ofereceu aulas de música. Se para a escola

a música é uma espécie de aula de artes ou uma espécie de aula de coral, o professor certamente

vai ser categorizado segundo as categorias preexistentes.

A objetivação é outro processo distinto no qual o novo é cristalizado, se tornando

familiar e tratado com um elemento da realidade. A objetivação “une a ideia de não-

familiaridade com a de realidade, torna-se a verdadeira essência da realidade” (MOSCOVICI,

2008, p. 71).

Quando o não-familiar passa a ser aceito, esse núcleo figurativo que é simbólico é aceito

pela sociedade, ou grupo social, e as palavras relacionadas a esse novo paradigma passam a ser

usadas mais frequentemente, formando clichês que sintetizam esse paradigma (MOSCOVICI,

2008).

Um exemplo citado por Moscovici (2008) é o da psicanálise que com o passar do tempo

foi ficando mais familiar à sociedade a tal ponto que seus termos se popularizaram e seu

paradigma figurativo foi separado do seu ambiente original de forma independente. Quando se

fala que alguém é complexado, de tanto se usar a palavra, a imagem ou ideia se torna separada

de seu sentido original e ganha independência se tornando outro objeto. Essa nova ideia é aceita

como uma realidade que é convencional. Jodelet (1984, apud SÁ, 1995, p.41) descreve os

estágios em que se dá a objetivação:

42

• seleção e contextualização: os indivíduos se apropriam do conhecimento por

conta de critérios culturais; a partir de experiências e conhecimentos que esse

grupo já possui ocorre uma construção seletiva da realidade, porém em uma

sociedade nem todos têm acesso às informações, ou ainda podem diferenciar

quanto à compreensão das mesmas;

• formação de um núcleo figurativo: o indivíduo recorre a informações e dados

que já possui para compreender aquilo que é novo;

• naturalização dos elementos do núcleo figurativo: a partir desse momento, o

abstrato se torna concreto, quase que palpável. O conceito está cristalizado e

passa a ser considerado como elemento da própria realidade. (JODELET,

1984, apud Sá, 1995, p. 41)

Talvez entre os clichês da educação musical brasileira esteja, o Método Suzuki, que

passou a designar dentro da área um objeto, ou vários, que muitas vezes não correspondem a

seu significado original (núcleo figurativo), mas que é aceito como um objeto da realidade.

Nesse trabalho esses conceitos servem para perceber de que forma a representação de

um objeto novo (no caso o aluno adulto iniciante de instrumento de tradição conservatorial) é

assimilado no sistema simbólico e como esse objeto por se transformar em outro independente

de seu significado original.

Particularmente útil aqui, é o conceito de ancoragem que pressupõe uma adequação do

novo objeto aos paradigmas pré-existentes. Ao longo do texto, temos em alguns momentos

exemplos desse processo e das implicações negativas ou positivas de acordo com a posição que

o novo objeto representado ocupa em relação ao paradigma pré-existente.

3.5 O ADULTO COMO REPRESENTAÇÃO E O CONCEITO DE ADULTEZ

Como já foi destacado anteriormente a respeito de trabalhos sobre adultos em educação

musical, assim como Dias (2014) encontra-se poucos trabalhos na literatura a esse respeito.

Ampliando o olhar um pouco mais, pode-se notar que também é escassa a literatura a respeito

do adulto em outras áreas, como observa Sousa (2012, p. 1):

Um primeiro facto a constatar em relação ao estudo social das idades da vida é a

inexistência de uma estrutura teórica organizada sobre a vida adulta. Se é com alguma

facilidade que se encontra uma extensa bibliografia sobre o tema da infância, da

adolescência, da juventude e da velhice, o mesmo não se passa em relação à idade

adulta.

43

Citando Boutinet (2000, apud SOUSA, 2012), até os anos 1990, tratar do adulto era tido

como algo “banal” tanto na academia, quanto no senso comum. Da mesma forma, a idade

adulta, uma vez definida como idade de referência era considerada uma idade “sem problemas”.

Dessa forma, o estudo do adulto seria marginalizado porque envolve um incômodo

processo de desconstrução que implica em ver a vida adulta fora da “normalidade” que ela

representa. Sendo assim, trataremos essa etapa da vida, não apenas como uma fase de

autonomia e oportunidades, mas também de complexidade e incerteza.

Nesse trabalho, será considerado o ser adulto como um ser em um estado da vida que é

descrito através do entrelaçamento de diversas esferas: biológica, social, histórica (COFFMAN,

2002). Para articular essas esferas trataremos nesse trabalho o adulto a partir da definição de

Filomena de Sousa (2012), que define a adultez (o ser adulto) como uma categoria social, que

considera o adulto a partir dos papeis, representações e funções que ele desempenha na

sociedade.

Desta maneira, defende-se que a adultez implica especificidades, problemas e

características próprias que devem ser objeto de atenção, de estudo e de intervenção política e

social (SOUSA, 2012).

Pensar o adulto dessa forma, nos permite o diálogo com as representações envolvidas

na percepção do que é a vida adulta e nos permite pensar em hipóteses da representação da

musicalização de adultos no campo da educação musical. Também essa abordagem permite

pensar que a vida adulta é ela própria composta por diversas representações sociais. Mais

adiante serão apresentadas articulações entre essas representações da vida adulta e a educação

musical inicial de adultos.

3.6 REPRESENTAÇÕES DE EDUCAÇÃO E ADULTEZ

Pensando a educação atrelada à função de formar um cidadão (RODRIGUES, 2001) e

que apenas recentemente começa a se fortalecer a ideia de que a formação deve ser entendida

como um processo que dura toda a vida (CAMBI, 1999), já pode-se inferir como uma percepção

da formação escolar um processo comum e necessário à infância e juventude que se

44

transforma em uma representação da educação (e por extensão educação musical) como apenas

destinada às crianças e jovens.

Se a pessoa não está crescendo então não precisa ser educada. Sousa (2012), a esse

respeito, nos lembra que a palavra “adulto”, de origem latina adultus, definida por “aquele que

terminou de crescer”, o conceito normativo e tradicional do adulto padrão assenta na ideia de

que é possível atingir uma maturidade e realização definitivas. Esse adulto padrão pode ser

definido como o indivíduo equilibrado, estável, instalado e consequentemente rotineiro

(SOUSA, 2012, p. 128).

Esse adulto, anteriormente chamado de adulto certo, era produto da confiança ilimitada

no progresso, na possibilidade de controlar e projetar todas as dimensões da vida humana. Até

então o adulto era tido como aquele que atingiu a maturidade biológica, psicológica, sexual,

social e sua independência financeira. Sousa (2012) afirma que, embora essa definição de adulto

não possa ser definida exclusivamente em termos etários geralmente é associada ao intervalo

entre 25 aos 65 anos. Esse adulto padrão ou adulto certo expõe o sujeito a uma tripla

marginalização:

(a) biológica – seria o adulto aquele cujo organismo atingia a maturidade e entraria

em degradação gradual: (b) pedagógica – aquele que deixaria de ser objeto de

educação (por ser o “adulto que sabe”), que já adquiriu os conhecimentos necessários

à realização do seu percurso de vida (nomeadamente os conhecimentos práticos

adquiridos pela experiência que, por si só, levariam ao desconhecimento estável da

sua carreira profissional) e (c) patológica – seria adulto aquele que agiria de acordo

com a “normalidade”, caso contrário ser-lhe-ia diagnosticada alguma patologia, sendo

considerado “doente”. (SOUZA, 2010, p. 128)

Ao trazer para o caso da educação musical, pode-se inferir que essa marginalização

pedagógica pode se apresentar nas representações sociais do meio em relação a musicalização

para adultos.

3.7 O ADULTO INACABADO: REPRESENTAÇÕES CONTEMPORÂNEAS SOBRE O

TEMA

Atualmente o adulto, longe de se constituir em um ser acabado, tem que se renovar

continuamente de forma criativa para ser capaz de absorver as exigências de um mundo em

45

constante transformação (MASI, 2012). Portanto, nem a educação nem o adulto podem ser

pensados da mesma forma.

Após a Segunda Grande Guerra, nas décadas de 1960 e 1970, o (a) adulto padrão

começou a ser substituído pelo conceito de adulto inacabado, um ser que está em contínuo

processo de aprendizado e desenvolvimento (SOUSA, 2012). Posteriormente e até os últimos

30 anos esse adulto inacabado é visto de duas maneiras: (b) o adulto em perspectiva do perene

desenvolvimento vocacional e (c) o adulto como problema do caos vocacional.

Na literatura da educação musical para adultos e na literatura em educação em geral a

noção (e não conceito, tendo em vista que raramente se define o que é o ser adulto) de adulto

inacabado aparece em diversos trabalhos, muitas vezes em busca de um sonho (COSTA, 2004),

ou complementando a sua educação (NOGUEIRA, 2004, 2005; RIBAS, 2006).

Embora não esteja tão claro em muitos trabalhos em educação e em educação musical

que lidam com o adulto, começa a ficar evidente para a análise que o adulto de hoje já não é

mais “o adulto de antigamente”.

Esta noção tende a ficar mais visível em trabalhos com idosos, crianças e adolescentes,

nos quais os pesquisadores tendem a levar em consideração o meio cada vez mais dominado

pelas tecnologias da informação e as trocas e possibilidades que elas oferecem (principalmente

no caso das crianças e adolescentes) ou a longevidade (no caso dos idosos).

Com os adultos também ocorre coisa semelhante, a vida já não pode ser tratada como um

período linear, os grandes marcos que definiam a passagem para a vida adulta, como casamento,

ingresso no mercado de trabalho, paternidade/maternidade, estão cada vez mais incertos e a

vida está se tornando mais longa em duração e ao mesmo tempo mais curta pela impressão de

que não se tem tempo para nada.

Para os estudiosos da vida adulta esse é justamente um dos maiores problemas: a vida

adulta já não é mais o que era. O grande desafio é aceitar essa mudança “ou, pelo menos, lidar

com ela (tanto ao nível do desenvolvimento conceptual e teórico como ao nível das

representações e práticas sociais).” (SOUSA, 2012, p. 126).

Em uma pesquisa preliminar na cidade do Natal, pode-se notar como são escassos os

cursos de musicalização pensados para adultos em instituições de referência e mesmo em editais

nacionais e projetos sociais. Ainda são poucos os espaços que acolham e sejam pensados para

essa categoria de público.

46

Apesar das dificuldades, pode-se observar na experiência diversos casos de procura por

um processo de musicalização na idade adulta. Justamente essa procura por parte do adulto na

sua formação, nos conduz a questão da autonomia e da autoconsciência de sua condição

apontados nos estudos de Coffman (2001).

Diferente da criança, que em geral é conduzida à escola ou à prática do instrumento, o

adulto é dotado de autonomia e autoconsciência. Isso o faz participar da percepção dos valores

no campo da música e também o torna apto a exercer sua autonomia no sentido de procurar

alternativas que melhor resolvam suas questões. Esses fatores podem conduzir os alunos

também a lutar por uma prática que represente seus interesses.

Para Bourdieu (2010, p. 291-292), essa disputa se dá através das lutas simbólicas dentro

do campo, tendo em vista que: “a utilização que se faz dessas categorias [idade] e o sentido que

se lhes dá dependem dos pontos de vista individuais, situados social e historicamente, muitas

vezes, perfeitamente irreconciliáveis, dos seus utilizadores”.

No âmbito da educação de adultos em condições desfavoráveis em relação às regras

estabelecidas temos a pedagogia de Paulo Freire (1970), que pode nos oferecer suporte teórico

quanto aos caminhos para o desenvolvimento da autonomia do sujeito como instrumento de

luta política, mas também nesse caso, de luta simbólica.

No próximo capítulo serão tratados dos procedimentos teórico-metodológicos para a

construção do problema e os meios usados para coleta de dados e análise.

47

4 AS REPRESENTAÇÕES E O TRABALHO DE CAMPO

4.1 OBJETO E SUJEITOS

Conforme Sá (1998, p. 24), “a proposição teórica representada é sempre de alguém (o

sujeito) e de alguma coisa (o objeto)". No caso, o objeto a ser representado é o que chama-se

de “educação musical inicial de adultos ao instrumento” e queremos saber como esse “objeto”

(ou constructo) é representado por sujeitos, são eles professores de música da Escola de Música

da UFRN e alunos de música da UFRN, considerados adultos ou que tivessem se iniciado em

uma idade considerada tardia.

Buscando as representações sociais manifestadas no campo da educação musical de

instrumentos de tradição conservatorial, foram procurados professores de instrumento de

tradição conservatorial (cordas friccionadas, madeiras, metais e piano).

Inicialmente o critério para a escolha dos professores entrevistados foi em primeiro

lugar o instrumento que lecionavam e em segundo lugar o seu tempo de atuação como

professores da instituição.

No caso dos instrumentos de cordas friccionadas foi adicionado mais um professor por

se tratar de um profissional cuja iniciação se deu por volta dos 20 anos, o que, pelos próprios

relatos da área, é incomum nesse meio, o que poderia contribuir e fornecer elementos cruciais

ou complementares para a pesquisa.

Os professores entrevistados atuam nos cursos básico, técnico, superior e pós-

graduação. Sendo que o curso básico atualmente funciona para poucos instrumentos e apenas

um atuava também no curso de pós-graduação (mestrado) no momento da pesquisa.

No primeiro momento, foram entrevistados dois professores representantes de

instrumentos de cordas friccionadas, um professor representante da seção das madeiras, um

professor representante da seção metais e um professor de piano. Nesse sentido, ao dizer que

eles são representantes de tais instrumentos, considerando esses sujeitos como sujeitos

genéricos (SPINK, 2013), ou seja, representantes de um grupo de professores/instrumentistas

que compartilha um mesmo campo de atuação (ensino de violino, etc) e que compartilham,

processos de formação, de trabalho e diálogo com outros membros de seu grupo.

48

Ao final das entrevistas foi solicitado que os professores indicassem algum aluno que

eles considerassem adulto ou que tivesse se iniciado no instrumento em uma idade mais tardia

(excluindo, caso ocorram, indicações de alunos da terceira idade, que constituem um grupo com

características distintas).

Para esses alunos serem considerados adultos ou que se iniciaram em uma idade tardia

foi considerado o critério de classificação de seu professor de instrumento. Essa indicação por

parte do professor também serviu como via de acesso a seu sistema de categorização baseado

em representações.

Foram indicados um aluno de piano e um de violino. Os outros professores relataram

não ter entre seus alunos estudantes que pudessem ser considerados adultos para os fins dessa

pesquisa. Nesse momento, para entender o que o professor entendia sobre os alunos adultos ou

que começaram fora da idade regular, não definimos para os professores as características

operacionais usadas ou as representações às quais esse aluno deveria se enquadrar.

Dos dois alunos indicados, um havia começado o estudo do instrumento aos 20 anos,

depois de uma breve musicalização em outro instrumento aos 17 anos e o outro aluno teve uma

iniciação musical aos oito anos com outro instrumento voltando ao estudo sistemático do

instrumento atual na adolescência. Essa discrepância no perfil dos selecionados corrobora os

estudos exploratórios realizados por nós e a literatura nos quais a definição do aluno adulto é

imprecisa e subjetiva.

Inicialmente só conseguimos dois alunos indicados, no caso dos metais o professor

relatou que nunca tinha ensinado o perfil de aluno adulto em processo de iniciação, seus alunos

frequentemente chegavam no curso técnico ou superior após uma iniciação no período ainda da

infância.

No caso das madeiras, o professor também relatou uma situação semelhante mas citou

que no passada haviam na Escola de Música da UFRN cursos básicos em instrumentos de

madeira. Dessa forma através de me rede profissional encontrei uma ex-aluna de um dos cursos

básicos de instrumentos de madeira havia se iniciado no instrumento aos vinte e quatro anos,

passando por uma breve musicalização um ano antes, também na Escola de Música da UFRN3.

3 No início dessa pesquisa, quando ainda não havia sido definido o projeto final ou mesmo a metodologia, eu

comentei com um colega que estava pesquisando a iniciação de adultos na música. A esposa desse colega, que

estava presente na ocasião, prontamente se ofereceu dizendo que gostaria de contribuir porque o tema lhe parecia

muito importante e que sua história com a música havia se iniciado de forma tardia. Um ano e meio depois, ao

49

Sendo assim, foram entrevistados um aluno de cordas friccionadas, um de piano e uma aluna

de sopros.

Para resguardar a identidade dos entrevistados e identificar no texto o discurso de alunos

e professores, o nome dos colaboradores foi substituído por uma letra mais um número

aleatório. Desta forma, em vez de usar o nome do professor ou do aluno, usaremos A1, A2 e

A3 para os alunos e P1, P2, P3, P4 e P5 para os professores. Todas as entrevistas foram

realizadas no período de 18 de agosto a 7 de setembro de 2016.

4.2 CONTEXTO

Após enunciados o objeto a ser representado e os sujeitos, devemos considerar “o

contexto sociocultural para a formação e manutenção da representação” (SÁ, 1998, p. 25).

Nesse caso, o contexto não apenas define o locus de pesquisa, mas principalmente descreve um

conjunto de características socioculturais que contribui para a circulação, formação e

reprodução das representações sociais entre os sujeitos. Nesse caso, esse contexto é a Escola de

Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, situada em Natal - RN.

Segundo os dados constantes na página de apresentação da Escola de Música (UFRN,

2016), ela foi fundada em 1962 e incorporada a UFRN em 1968. Em 1982, suas atividades eram

curriculares e extracurriculares com a seguinte estruturação: Curso de Iniciação Artística, Curso

Preparatório, Curso Médio e Curso Final (UFRN, 2016).

Já em 1991, foi para sua nova sede no campus universitário. Em 1997, inicia o curso

superior de bacharelado e no ano seguinte, o curso técnico em música. No ano de 2002 torna-

se Unidade Acadêmica Especializada, e no ano de 2004 iniciam-se as atividades do curso de

licenciatura em música. Mais recentemente, em 2010, inicia os cursos de especialização e em

2013, o curso de Mestrado em Música.

final das entrevistas, eu percebi que não havia indicações de alunos dos instrumentos da família de metais e de

madeiras. Acabei descobrindo que no passado havia cursos básicos de instrumentos de madeira na Escola de

Música da UFRN e que essa colaboradora, que se ofereceu no início da pesquisa, tinha participado de uma dessas

turmas com mais dois alunos adultos e uma criança. Sendo assim, a questão da escolha do aluno pesquisado nesse

sentido se deu pelo interesse dessa ex-aluna de contribuir com a pesquisa, por se tratar de um caso que me despertou

o interesse porque na experiência dela, sua turma tinha quatro alunos no qual a criança era a minoria, o que

contraria a minhas próprias representações em associar o adulto à minoria numérica, e porque ao final era um

exemplo de uma aluna de um instrumento que eu pretendia pesquisar.

50

Essa breve história da Escola de Música da UFRN se assemelha a diversos outros

departamentos de música que iniciaram como conservatórios e que com o passar do tempo

foram incorporados às universidades no Brasil, como o Conservatório Brasileiro, que foi

incorporado a Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O modelo de conservatório adotado no Brasil em 1841, ano em que Francisco Manuel

da Silva, autor do Hino Nacional, inicia o processo de criação do Conservatório de Música,

financiado pelo fundo da loteria e subordinado ao Ministério do Império, que foi inaugurado

em 1848 (OLIVEIRA, 1992), naquele momento era importado o modelo de conservatório de

música, bastante difundido, calcado nos moldes do Conservatório de Paris, fundado em 1795

(PENNA, 2003).

Esse modelo continuou em voga durante o Séc. XIX, ainda que modificado pela

influência do movimento Escola Nova que seguia as ideias pedagógicas de Dewey (MARTINS,

1993). Pereira (2012) observa que esse modelo não consiste apenas em uma estrutura curricular,

mas também em um sistema de valores reprodutor de estruturas que se manifestam em várias

dimensões, o habitus. Nesse caso, Pereira (2012, 2015, 2014) define essas estruturas como

habitus conservatorial.

Neste sentido, embora a Escola de Música da UFRN se constitua em uma unidade

acadêmica especializada e tenha em muitos sentidos várias diferenças em relação a um

conservatório, muito de sua estrutura ainda pode ter sido modelada a partir do habitus

conservatorial.

Em outros casos estudados por Pereira (2012, 2014), esse habitus se manifesta no

individualismo no processo de ensino, no poder concentrado nas mãos do professor, na figura

do músico professor como objetivo final do processo educativo, entre outros (PEREIRA, 2012,

2014). Nesse trabalho, buscou-se o “conservatório” na Escola de Música da UFRN, ou seja, os

cursos de instrumento de tradição conservatorial de modo a procurar dentro desse ambiente o

habitus conservatorial e as representações de iniciação de alunos adultos ao instrumento

engendradas por ele.

Ressalta-se que o interesse nesse habitus também considera o campo no qual ele é

produzido. Na Escola de Música da UFRN existem, todo um setor dedicado a educação musical

no qual se entrelaçam o campo da educação musical com o da pedagogia e o campo

hipercomplexo da educação. Nesses casos, no espaço social formado pelo entrelaçamento

51

desses campos predominam valores diferentes daqueles cultivados historicamente pelo campo

(ou subcampo) da educação musical de instrumentos de tradição conservatorial.

Para esta pesquisa, a percepção desse contexto e seu habitus é importante porque as

representações sociais também podem ser entendidas como manifestações desse habitus ou

como estruturas estruturantes resultantes dele (GUARESCHI; JOVCHELOVITCH 2013).

A vida como estudante de música do pesquisador, se deu em um contexto semelhante

que cultivava e reproduzia fortemente o habitus conservatorial, de tal maneira que a autoridade

do professor era um elemento central e não podia ser questionada em hipótese alguma. Nesse

contexto, enquanto alunos, estes levados não apenas a reproduzir técnicas, mas também modos

de pensar e de agir em relação à música, tais como: cultivar a pontualidade, estudar até a

exaustão e não questionar a autoridade.

Em um contexto em o que o professor fala “é lei” (universo reificado), esse professor

não apenas reproduz e ensina a maneira de fazer música que lhe foi ensinado, mas também as

ideias que lhe foram ensinadas, muito do que é dito em sala tem um peso geralmente decisivo.

Se um professor nesse contexto tivesse aprendido (pela experiência, ou pelo processo

de ensino-aprendizagem) que um aluno mais velho não seria um “bom músico”, não apenas ele

reproduziria essa ideia, mas também transmitiria aos alunos essa ideia junto com outros

ensinamentos, e o aluno, por sua vez, poderia ser mais um reprodutor dessa ideia.

O conhecimento compartilhado que se constitui em estruturas estruturadas e que depois

vão se converter em estruturas estruturantes (ou seja, que vão orientar e estruturar as percepções

e ações, julgamentos, etc.) é o habitus.

Nesse caso específico, essa “ideia” (de que um aluno mais velho não ter capacidade para

se tornar um bom músico) pode ser entendida como “uma forma de conhecimento prático

orientado para a compreensão do mundo” ou como “elaborações de sujeitos sociais [no caso,

professores] sobre objetos socialmente valorizados [um bom músico]” (GUARESCHI,

JOVCHELOVITCH, 2013, p.95), ambos os casos tratam de uma representação social. Deste

modo, a representação é formada com o habitus e é também uma manifestação e uma via de

acesso a esse habitus (SOBRINHO, 1998).

52

4.3 PROCEDIMENTOS DE COLETA E ANÁLISE

O problema aqui, é verificar quais são as representações sociais para o tema educação

inicial de adultos e verificar como elas interferem no processo de musicalização de adultos.

Para isso, considerou-se dois grupos de sujeitos (alunos e professores da Escola de Música da

UFRN) e suas representações a respeito do objeto “aluno adulto iniciante de instrumento”.

As experiências, as referências e o contexto apontam na direção de um habitus

conservatorial relacionado a emergência dessas representações, por isso o recorte busca os

instrumentos de tradição conservatorial através do recorte feito entre os cursos de uma

instituição que traz em sua história também a tradição conservatorial.

Neste trabalho, buscou-se a descrição do conteúdo cognitivo de uma representação

relacionando à análise das condições socioculturais que favorecem sua emergência sem nos

aprofundar no estudo da natureza epistêmica que cercam essas representações (SÁ, 1998). Essa

delimitação aqui se deve a estabelecer um norte dentre os diversos trabalhos que usam a TRS.

A natureza epistêmica indica de onde vem as representações e é naturalmente mais aprofundada

em estudos que tratam da passagem do conhecimento científico para o senso comum.

Descrever o conteúdo cognitivo é diferente de descrever o núcleo central de uma

representação, que já pressupõe outro aparato metodológico. Aqui a descrição do conteúdo

cognitivo se refere às associações de ideias que são evocadas através das representações,

semelhante ao núcleo central, mas que nos permite entender também o papel dos investimentos

afetivos como motores da transformação das representações (SPINK, 2013)

Segundo Sá (1998), a construção da pesquisa pode ser vista como um processo

decisório, pelo qual transformou-se um fenômeno do universo consensual, em um problema do

universo reificado e, em seguida, selecionou-se os recursos teóricos e metodológicos a serem

usados no problema. (SÁ, 1998, p. 26).

Para relembrar, no universo consensual no qual as pessoas são vistas pertencentes a um

grupo “de pessoas que são iguais e livres, cada um com possibilidade de falar em nome do

grupo e sob seu auspício” (MOSCOVICI, 2009, p. 50). Nesse sentido, utilizou-se esse

pressuposto para pesquisar as representações, que compreende parte do objeto de estudo,

através de entrevistas semiestruturadas realizadas com dois grupos, de um lado professores da

Escola de Música da UFRN, e de outros alunos dessa instituição.

53

Estes últimos, foram também indicados pelos professores. Segundo Spink (2013, p. 105)

“trata-se do que chamamos de ‘sujeitos genéricos’ que, se devidamente contextualizados, tem

o poder de representar o grupo no indivíduo”.

Ainda segunda essa autora, tendo em vista a necessidade de compreensão dos conteúdos

que circulam nos diferentes tempos anteriormente definidos – o tempo da interação, o habitus

e o imaginário social - a coleta de dados exige entrevistas semiestruturadas acompanhadas de

levantamentos paralelos que informam os indivíduos enquanto sujeitos sociais. (SPINK, 2013).

Sendo assim, uma vez definido o contexto social, foram entrevistados cinco professores

da escola de música sendo dois de cordas friccionadas, um de piano, um de metais e um de

madeiras. Nesse momento esses professores foram solicitados a indicar alunos que eles

considerassem adultos para a segunda etapa de entrevistas.

Apesar dessa pesquisa não ter colhido mais dados entre os alunos da instituição, como

previsto no projeto inicial, notou-se que ao evocar o tema da inicialização musical entre os

professores entrevistados muitos deles se aprofundaram na sua história pessoal como estudantes

fornecendo muitos elementos para a análise de como são (ainda hoje) percebidos, categorizados

e tratados alunos conforme a sua idade de iniciação.

De maneira semelhante, entre os alunos entrevistados, todos desenvolviam atividades

profissionais com a música concomitante ao seu estudo, os dois alunos de piano e violino na

época da pesquisa já exerciam atividades como professores particulares de música durante a

pesquisa, sendo um deles até empreendedor em diversos projetos de música em sua

comunidade, ambos com mais de um ano de experiência no ensino de seu instrumento.

A outra participante, ex-aluna de Escola de Música da UFRN, também trabalhava com

música na época de sua estada na Escola de Música como realizadora e bolsista de projetos na

instituição. Sendo assim, muitas vezes esses alunos também forneceram precioso material de

análise a respeito da maneira como alunos adultos procuram o estudo do instrumento fora da

instituição, além de fornecerem elementos que permitem a compreensão da sua posição como

professores em relação a esse público.

Dessa forma, embora tenham sido entrevistados professores e alunos, muitos

professores trouxeram um rico relato da sua percepção como alunos e a maioria dos alunos

acabou contribuindo também como professores, principalmente em relação ao público adulto

com o qual esses alunos já têm contato.

54

Mesmo que essas experiências, as dos professores entrevistados na posição de alunos e

a dos alunos entrevistados na posição de professores, tenham ocorrido fora do locus de

pesquisa, notou-se como essas histórias de vida são determinantes para a formação das

percepções, representações e atitudes dentro do locus de pesquisa.

Aqui, essa distinção se faz necessária porque, em certas narrativas transcritas aqui, os

professores narram situações que viveram enquanto alunos, nas quais a autoridade pedagógica,

prática, comportamentos e atitudes censuráveis pela ética e pedagogia contemporânea e, busca-

se deixar claro, que esses comportamentos e atitudes não aconteceram na Escola de Música da

UFRN.

São essas experiências anteriores que contribuem para definir a afiliação ou rejeição aos

paradigmas que esses profissionais adotam e para a construção de suas representações a respeito

do ensino de música ao instrumento. Consequentemente, essa experiência coletiva é

incorporada a Escola de Música da UFRN, formando o ambiente no qual circulam as

representações.

Para a criação do roteiro das entrevistas foram observadas referências e experiências

anteriores que apontam para algumas questões centrais nos discursos observados na literatura e

nos discursos do senso comum, tais como: a idade “ideal” para aprender, as diferenças de

tratamento com relação a essa idade, entre outras.

Também observou-se em diversas referências a dificuldade na percepção da condição

de adulto, por outro lado notou-se (SOUSA, 2010) que ao mesmo tempo em que características

como trabalho e paternidade/maternidade aparecem relacionadas a adultez, também aparecem

em relatos (FELLS, 2012; COSTA, 2004) como empecilhos ao estudo da música. Baseado

nessas pistas, a proposta de questionário para os professores procurou meios de levantar essas

questões.

Procurou-se também verificar as fontes às quais os sujeitos atribuem suas respostas e

até que ponto suas respostas refletem a educação na qual eles se formaram e a visão de seus

colegas (grupo social em que se compartilham as representações). Vide o apêndice A. De

maneira semelhante, o apêndice B traz o roteiro de perguntas para os alunos que buscou também

complementar os dados colhidos na entrevista com os professores e evocar o conteúdo

representacional trazido pelos alunos.

55

Todas as entrevistas foram realizadas após um contato anterior com o colaborador que

sugeriu o local e horário da entrevista conforme conveniência do entrevistado. Todos os

colaboradores foram informados e esclarecidos a respeito da pesquisa e consentiram sua

participação, no qual foi utilizado o termo de consentimento livre e esclarecido em anexo (vide

apêndice C).

Com relação aos professores colaboradores, o pesquisador, como músico

instrumentista, já havia estabelecido uma relação profissional anterior por compartilhar muitas

vezes os palcos e salas de ensaio com esses profissionais. Em um primeiro momento, isso

facilitou a comunicação devido ao fato de que o colaborador já me conhecia como músico.

Nenhum desses colegas que se tornaram colaboradores tinha uma relação próxima

comigo e os contatos anteriores geralmente se resumiam a um breve comprimento. No ato da

entrevista essa relação anterior serviu para abreviar explicações com relação a locais, escolas

de música e profissionais que faziam parte do repertório comum de referências.

Entre os alunos, a mediação do professor que o indicou para a entrevista, tornou a

entrevista, com o fato de conhecer pessoalmente apenas no dia da entrevista, em um primeiro

momento mais direto e “burocrático” que se dissolveu ao longo da entrevista.

Um dos alunos se encontrava em uma fase na qual o trabalho e a necessidade de gerar

renda exerciam um forte impacto em seu discurso por isso era para ele uma situação

relativamente nova. Esse aluno começou na música aos oito anos e só na adolescência começou

a estudar o seu instrumento “seriamente” buscando a profissionalização.

Com ele, ao mesmo tempo em que se tinha um relato muito rico das condições de estudo

de um aluno “típico”, pude perceber o significado do trabalho e da necessidade de

independência que são características da adultez e estavam começando a ser vividas agora como

aprendiz de um instrumento diferente do que ele conheceu na infância.

Outro aluno foi um exemplo de foco, suas respostas sempre foram muito diretas e sua

experiência profissional, assim como no caso do colaborador anterior, foi enriquecedora no

sentido de mostrar como a sua história de vida implica na formação da representação dos alunos

adultos de instrumento com os quais ele trabalha.

A ex-aluna, apesar de ter demonstrado interesse em participar da pesquisa se portou de

maneira reflexiva e direta, demostrando muita maturidade ao se descrever e descrever seus

sentimentos e experiências vividas. Talvez pela distância temporal entre as situações descritas,

56

que era maior do que a dos outros alunos colaboradores, essa colaboradora rendeu um rico

relato.

A aplicação do roteiro de entrevistas resultou em entrevistas de durações diferentes

conforme os entrevistados. Em alguns casos o colaborador respondia sucintamente as perguntas

principais e seus desdobramentos de modo que tentativas de aprofundamento em alguns temas

resultaram em respostas repetidas.

Outras vezes a evocação de um tema transportava o entrevistado a experiências com

profunda carga afetiva o que resultava em entrevistas mais longas. Não necessariamente o

conteúdo evocado tinha referência ao tema proposto, nesses casos, optou-se por dar voz ao

colaborador e retomar o roteiro em seguida.

Desta maneira, algumas entrevistas duraram mais de uma hora, outras nos renderam

cerca de quinze a vinte minutos de conversa. Mesmo assim, seguindo os procedimentos da

análise de discurso (ORLANDI, 2001; FREIRE, 2014), observou-se em todas as entrevistas a

saturação do discurso relacionado ao tema proposto.

A articulação entre a teoria da análise do discurso e a TRS pode ser justificada pelo

tratamento do conteúdo simbólico na TRS e pela forma com a qual a teoria da análise de

discurso liga a língua, discurso e a ideologia segundo a tradição de Pêcheux (ORLANDI, 2001,

p. 17).

Nesse caso, a ideologia da qual trata Pêcheux é definida segundo Althusser como “uma

relação imaginária (a imagem que temos das coisas), transformada em práticas guiadas por essa

relação” (FREIRE, 2004, pos. 145). Para Althusser “há um assujeitamento do indivíduo à

ideologia e, a partir do momento em que ele é assujeitado, ele passa a falar da posição

determinada por ela” (FREIRE, 2004, pos. 148).

Spink (2013) propõe o uso da análise de discurso aplicada à TRS como uma forma de

pesquisa qualitativa que possa ser aplicada em poucos sujeitos considerando esses sujeitos

como via de acesso às representações sociais do grupo do qual eles pertencem.

Segundo a autora existem duas perspectivas para o estudo das representações sociais

enquanto processo: “de um lado a perspectiva tradicional de estudar muitos para entender a

diversidade; de outro o estudo de casos únicos para buscar na relação representação-ação os

mecanismos cognitivos e afetivos da elaboração das representações sociais (SPINK, 2013, p.

100).

57

Nesse sentido, ao considerando os relatos de vida de professores da Escola de Música

da UFRN na sua fase de estudantes, esteve-se procurando por esses mecanismos cognitivos e

afetivos, os quais considerados na dinâmica do processo de formação das representações, têm

peso importante para a formação do conteúdo representacional do sujeito. Para Spink (2013) a

análise do discurso segue os seguintes passos:

1. Transcrição da entrevista;

2. Leitura flutuante do material, intercalando a escuta do material gravado com a leitura

do material transcrito de modo a afinar a escuta deixando aflorar os temas, atentando

para a construção, para a retórica, permitindo que os investimentos afetivos emerjam;

3. Retornar aos objetivos de pesquisa e definir o objeto da representação;

4. Construção de mapas que transcrevem a entrevistas;

5. Transportar essas associações para um gráfico pontuando as relações entre elementos

cognitivos, as práticas e os investimentos afetivos. (SPINK, 2013, p. 105-108)

Foram seguidos esses passos na análise que resultaram na Figura 1, abaixo.

Figura 1 – Representações sociais do aluno adulto iniciante de instrumento

Fonte: O autor (2016)

58

5 ECLIPSE E ESTRANHAMENTO

[...] nós não estamos conscientes de algumas coisas bastante óbvias; de que nós não

conseguimos ver o que está diante de nossos olhos. É como se nosso olhar ou nossa

percepção estivessem eclipsados [...]. (MOSCOVICI, 2009, p. 30)

Nesse capítulo serão feitas as primeiras análises do material representacional. Esse

capítulo tratará dos problemas relacionados à percepção dos objetos da representação e sua

relação com os sujeitos formadores das representações.

5.1 OBSERVAÇÕES INICIAIS

No sentido de investigar de forma exploratória, observou-se uma discussão sobre a

percepção dos estudantes de graduação (licenciatura e bacharelado) com relação ao que eles

entendiam as diferenças entre o ensino de música para jovens e para adultos.

As observações foram realizadas na disciplina Metodologia da Pesquisa, na qual realizei

meu estágio docência, ofertada aos alunos dos cursos de licenciatura e bacharelado em Música,

por ocasião de um exercício de prática de entrevista semiestruturada. O tema sugerido pela

professora da disciplina (não por mim) foi “diferenças entre o ensino de música para jovens e

para adultos”. Gravei o exercício e pedi formalmente a permissão para relatar aqui uma breve

descrição e análise.

A turma tem 46 participantes compostos por alunos dos cursos de licenciatura em

música e bacharelado em música, sendo predominantemente compostas por alunos dos cursos

de licenciatura do terceiro período por fazer parte da grade curricular desse curso e ser optativa

para os alunos de bacharelado. A disciplina tem 30 créditos distribuídos em uma aula semanal

de 2 horas/aula nas quartas feiras nos últimos horários do turno da noite.

Para a atividade a turma foi dividida em dois grandes grupos (Grupo 1 e Grupo 2) que

iriam elaborar o roteiro de entrevista e em seguida foram designados quatro participantes de

cada grupo para aplicarem a entrevista e serem entrevistados. Cada grupo elaborou quatro

perguntas centrais que poderiam ser desenvolvidas. No primeiro turno os quatro participantes

do Grupo 1 aplicaram uma das quatro perguntas a um dos participantes do Grupo 2, de modo

59

que cada participante do Grupo 1 aplicou uma pergunta a um participante do Grupo 2. No

segundo turno o Grupo 2 perguntou ao Grupo 1 usando o mesmo sistema.

Ambos os grupos interpretaram “ensino de música para jovens e adultos” como aulas

de música no contexto da Educação de Jovens e Adultos – EJA, modalidade da educação básica

nas etapas do ensino fundamental e médio (BRASIL, 2000).

Ambos os grupos também basearam suas perguntas e respostas nas diferenças e

dificuldades de trabalho com jovens e adultos: “Qual a principal dificuldade de difundir

conhecimento musical para jovens e adultos?”; “Em sua opinião existe diferença no ensino de

música para um jovem e para um adulto? Quais seriam?”; Essas dificuldades eram de dois tipos:

ou relacionadas às características de aprendizado, centralizadas nas dificuldades com relação a

lentidão na assimilação dos assuntos quando se tratam de alunos mais velhos; ou dificuldades

com às condições de trabalho próprias das escolas públicas que recebem a EJA.

Os alunos concordaram com que existem diferenças entre jovens e adultos, foram

levantadas as necessidades de obedecer ao tempo necessário de cada aluno assim como seus

interesses. No entanto, não ficaram claras as diferenças entre esses jovens e adultos. Ora os

alunos adultos eram associados a representação de idosos, ora alunos de 30 anos eram

considerados jovens. Também foi levantada a música representada na escola como lazer ou

como uma atividade terapêutica em contraste com a “seriedade” de outras disciplinas.

Transcrevo aqui um trecho do exercício de entrevista:

Aluna do Grupo 1 pergunta: “Em sua opinião existe diferenças entre o ensino da

música para o jovem e o adulto? Quais seriam?”

Aluno Grupo 2 responde: “Pegando gancho na sua resposta [em referência a resposta

da aluna no turno anterior, que relatou uma experiência de uma amiga que afirmava

que ao ensinar uma pessoa ‘de mais idade’ precisava elaborar a aula de forma diferente

porque essa pessoa demandava mais tempo para o aprendizado do conteúdo]: é claro

que vai existir essa questão muito bem colocada por você aqui...existe uma

diferença...é...não saberia dizer se cognitiva...mas principalmente motora...né...em

relação a apreensão daquele conhecimento que você quer passar. Então o jovem por

ainda tá no início de sua vida...tá naqueles...no início de sua juventude...ele vai ter

uma... como é que eu vou dizer...uma facilidade maior de apreender aquilo ali do que

uma pessoa, (isso não sou eu que estou dizendo, isso é cientificamente provado, né),

quanto mais ...é...idade você tem, mais dificuldade você tem de apreender algum

conteúdo que você não tenha tido acesso na sua juventude.”

Aluna do Grupo 2: “Você já teve essa experiência? Percebeu isso?”

Aluno do Grupo 1: “Não, nunca tive essa experiência”.

60

Mais adiante perguntei para esse aluno do Grupo 1, o que ele considerava como um

aluno jovem? Sua reposta ficou indecisa e por fim, ele respondeu que “jovem era alguém até

30 anos”.

Nesse pequeno trecho temos exemplos das representações sociais em relação ao ensino

de adultos encontrados no contexto da Escola de Música da UFRN. A própria ancoragem do

tema proposto a EJA revela um tipo de categorização. Observem que a diferença está atrelada

a uma dificuldade.

Essa dificuldade é “comprovada cientificamente”, caracterizando uma espécie de

representação social a partir da ciência que se tornou uma forma clássica dentro da teoria das

representações sociais a partir dos estudos de Moscovici (2009). Ou seja, o respondente, não

tem acesso ao material científico que estuda esse fenômeno, apenas às representações

circulantes que supostamente são corroboradas por esse material científico.

Mais adiante, a aluna que fazia o papel de entrevistadora pergunta se essas dificuldades

citadas já foram observadas pelo sujeito, o qual responde que não. Nesse caso o respondente

tinha era um aluno com traços físicos característicos da meia idade, que demonstrava já ter

experiência profissional em outros momentos, portanto se encaixa na representação

compartilhada socialmente de idade adulta.

Mais adiante, após a entrevista enquanto a turma se dispersava, alguns alunos me

procuram para comentar as suas experiências como estudantes de música adultos. Os três alunos

que me procuraram relataram a sua grande dificuldade em aprender música na fase adulta e a

sua pouca disponibilidade de tempo para praticar, devido às suas responsabilidades com o

trabalho e com a família. Ao serem perguntados se eles sentiam alguma dificuldade motora na

idade adulta ou dificuldade na assimilação do conteúdo, todos negaram.

Deste modo, se de um lado as dificuldades relatadas que fazem referência aos estudos

científicos estão associadas às dificuldades de ordem biológica tais como dificuldades motoras

ou cognitivas, na prática elas aparecem como resultado de sua situação socioeconômica e das

limitações de tempo advindas dessa situação:

Aluno: “Não dá para me comparar a um jovem que tem todo o tempo do mundo...hoje

eu trabalho, tenho responsabilidades...quando eu era menino tinha tempo para

estudar...”

Eu: “E hoje você sente alguma dificuldade de aprender os conteúdos, para “pegar” as

músicas ... ou você sente que sua musculatura está diferente...?”

Aluno: “Não …só o tempo pra estudar mesmo...”

61

5.2 SOBRE DIFICUDADES EM PERCEBER O ALUNO ADULTO

No estudo preliminar que se deu através do registro de uma atividade com graduandos

(vide 3.3) também observou-se que muitas vezes os próprios alunos se encontravam ou

passaram por um processo de musicalização em idade adulta4, tinham que conciliar o

aprendizado de música com as obrigações e responsabilidades da vida adulta e ao mesmo tempo

não enxergavam a si mesmos como alunos adultos de música.

Mais ainda, eles reproduzem representações a respeito do aluno adulto a partir de

representações sociais baseadas na popularização da ciência5 que são contrárias à sua própria

experiência. Outro aspecto é que ao refletir a respeito da educação musical para adultos esses

alunos se afastam ainda mais de si ao ancorarem o tema à educação musical no contexto das

aulas para jovens e adultos em escolas públicas, onde eles não dão aulas, mas tem notícias de

colegas que ensinam lá.

A partir daqui, será tratado a análise do material das entrevistas, nas quais percebemos

que também o tema é de difícil percepção para os entrevistados que não vivenciaram as

dificuldades de uma iniciação musical na idade considerada “boa”.

Para os entrevistados que tiveram a sua iniciação ao instrumento na idade considerada

pelos próprios entrevistados como sendo a adequada, ou próxima a que eles consideravam

adequada, a percepção de que existe uma distinção para aqueles que começaram seus estudos

de música fora dessa idade considerada adequada é eclipsada e a relação entre idade do aluno e

a iniciação musical tem uma conotação distante.

No entanto, para outros, em que a sua iniciação se dá fora da idade que os próprios

consideram adequada, a relação entre idade, iniciação musical e desenvolvimento é

continuamente apontada no seu discurso. Nota-se:

Com que idade você começou a estudar música?

P4: Dez anos.

4 Considerando a própria classificação dos alunos como adultos a descreverem a sim mesmos e seus problemas

cotidianos. 5 Na área de estudos da TRS existe uma corrente de pesquisadores, incluindo o próprio Moscovici em seu estudo

clássico a respeito da psicanálise, que estuda os processos sociais pelos quais a ciência e a tecnologia são

transformados em senso comum. No exemplo acima o aluno não tinha conhecimento científico a respeito de

estudos cognitivos ou motores a respeito do aprendizado de música em adultos, mas compartilhava a representação

de que “é cientificamente provado” de que “quanto mais ...é... idade você tem, mais dificuldade você tem de

apreender algum conteúdo que você não tenha tido acesso na sua juventude”.

62

Na sua experiência qual a idade que você considera melhor para a iniciação no seu

instrumento?

P4: Olha ...eu considero assim... a partir de dez anos, mas com muito cuidado. Muito

cuidado. [...] (Entrevista realizada em 2016, grifo do autor)

De modo contrário, os alunos ou professores que se iniciaram em uma idade percebida

como tardia, carregavam nos seus discursos essa percepção e as consequências dessa iniciação

tardia:

Qual a idade que você começou a estudar?

P1_Eu comecei com 20 anos de idade.

[...] (Sobre a idade melhor para começar o instrumento)

P1:Ah, com certeza cedo. A partir dos 8 anos 9 anos [...] Mas eu acho que música

assim, a gente tem que musicalizar as crianças mesmo. [instrumento] inclusive eu

acho que é um instrumento que a pessoa pode começar bem cedo.

[...]Eu antes de entrar aqui quando eu comecei, eu ouvi várias vezes que eu não

devia...como eu comecei com vinte aos de idade eu devia parar de tocar... e fazer outra

coisa... [...] (Entrevista realizada em 2016, grifo do autor).

Nesse caso, a relação entre a idade em que se deu uma iniciação considerada tardia,

pelos entrevistados, e as implicações aparecem muito claramente para aqueles que sofreram as

consequências dessa iniciação enquanto são diluídas no discurso daqueles que não passaram

por essa experiência.

Outros aspectos desse eclipse da percepção e desse estranhamento são mais fortes e

evidentes quando aquele que forma a representação não é o aluno nem o professor, mas um

membro próximo da família desse aluno mais velho.

Eu queria ter começado a estudar música antes, mas minha família não tem ninguém,

nenhum músico, muito menos músico da área erudita. Então meus pais achavam que

tocar [instrumento] era coisa que não existia. [...] meus pais tentaram me dissuadir

muito também...eles não entenderam quando eu quis largar o meu outro curso e eu

mudei de cidade para estudar com esse outro professor da graduação...Não era a

cidade em que eu morava, eu morava em [cidade] ele dava aula em [cidade]. E eu

cheguei a passar em [cidade em que morava], mas eu falei: ‘não esse professor aqui é

melhor e eu quero mudar para estudar com ele’. E ...tive vários problemas...vários

problemas...Meu pai parou de me mandar dinheiro...tive que trabalhar...trabalhei de

carreto, de técnico de informática, dei aula de inglês, fiz o que deu...e tocava muito

em casamento. E por falta dessa cultura...meus pais pra você ter uma ideia não sabiam

nem que tinha curso superior de música. Meu tio que é jornalista uma vez veio me

perguntar se eu podia fazer faculdade de [instrumento]. (P1 - Entrevista realizada em

2016).

[...] quando eu disse que eu ia estudar música, né, durante aquele ano, enquanto

chegava o vestibular, aí foi um Deus nos acuda. Que ‘música é coisa de vagabundo,

de preguiçoso’, que eu não ia chegar a lugar nenhum com música que eu fosse fazer

algo de futuro, que eu fosse procurar um emprego de vendedora num shopping. Então

assim, a família toda caiu em cima. [...] (A3 - Entrevista realizada em 2016).

63

Nesse último caso, a falta de conhecimento a respeito do tema, aliado às representações

negativas com relação ao estudo de música e sua profissionalização, tiveram consequências

marcantes nas vidas dos alunos e nas relações familiares daqueles que sofreram essas

dificuldades.

Esses exemplos também são interessantes para se notar o quão marcante pode ser esse

tipo atitude na vida de um estudante de música e como após isso esse tema pode adquirir um

carácter pessoal para aquele aluno em particular, o que pode contribuir para que o tema de

musicalização na idade adulta, ou avançada, seja tão evidente para aqueles que sofreram

consequências negativas dessa prática.

Nesse caso, essa representação por parte da família também revela representações da

música e da educação musical em um contexto mais amplo no qual música “é coisa de

vagabundo”, música “não é coisa de futuro”, no sentido de que a música não se enquadra nas

categorias usadas pelos os familiares para definir ocupações que possam garantir uma segurança

financeira e por não ser categorizada como uma atividade acadêmica. Ou seja, diga de ter

investimentos de tempo e dinheiro que possam ser posteriormente convertidos em capitais

culturais ou financeiros.

5.3 SOBRE A IDADE PARA A INICIAÇÃO MUSICAL

Teixeira (2012) chega a se referir a uma “lógica implícita” que associa a educação

musical a educação musical para crianças. O que o autor chama de “lógica implícita” é o

trataremos aqui como representações sociais a respeito da condição do adulto e da criança

enquanto aprendizes iniciantes de música.

Essas representações a respeito do adulto como iniciante, nos parecem intimamente

relacionadas com uma representação a respeito de uma “idade certa” para aprender música,

acima da qual seria inviável começar o estudo de música. Essa representação aparece muito

claramente no texto de Souza (2009), bem como a experiência do pesquisador como estudante

e profissional da área:

Quando iniciei meus estudos de violoncelo era habitual escutar por parte de

professores e colegas de escola de música, que só seria possível aprender violoncelo

64

se o indivíduo começasse o seu processo educacional na meninice. À luz dessa forma

de pensar, se o aluno não fosse solista até a adolescência seria praticamente inviável

se tornar profissional. (SOUZA, 2009, p.12).

Interpretando essas falas sob a teoria das representações sociais, Duarte e Mazzotti

(2002, p. 32) nos lembram que:

Os professores, ao atribuírem a qualidade “apropriado ao uso escolar” a determinadas

práticas e objetos musicais, partem de critérios para afirmar o que é ser “educado

musicalmente” e o que é “musical”. [...] Propor, recusar e redefinir critérios são

movimentos que têm caminhado junto com a nossa própria definição enquanto

indivíduos e enquanto coletividade.

De fato, é o que os professores frequentemente fazem, de um modo ou de outro, como

pode-se observar no texto abaixo:

G&B – Falemos um pouquinho sobre a educação musical instrumental. Qual é a

melhor idade para uma criança começar a tocar um instrumento?

PB – É, acho que é como tudo na vida, não tem uma idade padrão pra se começar e

depende da criança que está na frente: - se ela demonstra interesse, se ela é capaz de

se concentrar, e se tem também quem a assista fora da sala de aula. Por isso uma

criança de três anos de idade, por exemplo, que fora da sala de aula não tem quem a

assista, não vale a pena, vocês sabem muito bem. Quer dizer, na verdade, na minha

época era dito assim: “aprende-se a tocar violino junto com a alfabetização”. No meu

tempo era isso. E isso era uma coisa que não era questionada, mas a gente sabe que

sempre houve muita gente que começou muito cedo, não só grandes violinistas como

Heifetz, mas também violinistas ‘não grandes’ que começaram muito cedo também.

Depende muito da situação, do meio. Por outro lado, também, a criança tem que ter

uma infância com menos obrigações, mas se ela demonstra vontade e tem quem a

assista, até com três anos de idade, não é? Eu acho apenas que quando ela começa

muito tarde, as coisas se tornam naturalmente um pouco mais difíceis - não

impossíveis, mas um pouco mais difíceis - e acredito que sete anos de idade, oito anos

de idade também é uma idade muito boa de uma maneira geral para dizer que se possa

começar a estudar violino. (ROMANELLI, ILARI, BOSÍSIO, 2008, p. 10)

Essas representações da “idade certa” também fazem parte do discurso de alunos

estudados em trabalhos de outros autores, conforme aparece na revisão no trabalho de Souza

(2009, p.59) ao entrevistar a aluna Ana: “[...] Eu falava que era a idade, que tem que começar

quando é criança e tudo...”

No entanto, são questões que, embora apareçam nas falas de professores e alunos, é algo

passa sem discursão ou mesmo sem que seja percebido, por causa da característica que as

representações têm de eclipsar a visão das pessoas, como discutido acima.

Por outro lado, uma vez identificadas essas ideias, ou como trataremos aqui, essas

representações, são praticamente palpáveis como objetos de estudo. Como representações

65

sociais essas ideias se apresentam como estruturas invisíveis que orientam práticas e percepções

nos processos de educação musical.

Nesse trabalho, a necessidade de questionar a respeito da percepção de uma idade “boa”

para a iniciação musical se deve a pergunta inicial a respeito de “como é percebido um adulto

no seu processo de musicalização?”. A revisão da literatura aponta no sentido de uma

“naturalização” da educação musical na infância (TEIXEIRA, 2012).

De fato, quando perguntados a respeito de qual seria a melhor idade para a iniciação

musical no seu respectivo instrumento segundo sua experiência pessoal todos os colaboradores

situaram essa idade na infância, variando conforme adequação de aspectos físicos (tamanho do

instrumento em relação ao tamanho da criança, capacidade física-respiratória, etc.), aspectos

cognitivos (desenvolvimento da linguagem, compreensão, formação dos sentidos e gostos), e

aspectos motivacionais (interesse dos pais e da criança). Abaixo algumas respostas que ilustram

esses resultados:

Há, com certeza cedo. A partir dos 8 anos 9 anos, já dá se você tiver um instrumento

que seja do tamanho da criança eu acho que é válido. (P1- Entrevista realizada em

2016).

Mas eu acho que música assim, a gente tem que musicalizar as crianças mesmo.

[instrumento] inclusive eu acho que é um instrumento que a pessoa pode começar bem

cedo. (P1 - Entrevista realizada em 2016).

O ideal, cara seria antes dos dez. Se você pretende viver só daquilo, entendeu? Só de

música ... Também eu acho que depende um pouco do objetivo...Se você quer ser um

músico de ponta, se destacar você tem que começar o quanto antes. (A2 - Entrevista

realizada em 2016).

Eu acredito assim, que quando se tem uma iniciação musical boa assim - não

necessariamente no instrumento, mas de música, aspectos musicais como solfejo, por

exemplo – dez anos, beleza. (P4 - Entrevista realizada em 2016).

Com o instrumento, eu acho que onze doze anos já dá pra gente ir começando legal.

Ai quem vem mais tarde um pouco, se for muito tarte, tipo dezenove, vinte anos é

muito complicado. (P4 - Entrevista realizada em 2016).

Eu acho que é... é muito relativo. Mas se eu pudesse escolher, e escolheria que o aluno

tivesse já uma iniciação musical com leitura, teoria musical, e ele começasse numa

idade – não necessariamente assim... tantos anos – mas numa idade, por exemplo que

ele já pudesse pegar um instrumento inteiro. (P5- Entrevista realizada em 2016).

Eu sempre achei que instrumento você tem que começar cedo. Mas eu também acho

que você devia dar uma experimentada. [...] acho que para começar, uns dez, doze

anos dá pra você começar bem [instrumento]. (A3 - Entrevista realizada em 2016).

Eu acho que como tudo o que você começa mais novo, você consegue desenvolver

melhor. [...] Mas eu percebo que você começar cedo é essencial pra você se

desenvolver bem. (A3 - Entrevista realizada em 2016).

66

Acho que os pais os pais e a criança devem ter vontade, sabe? Ter clima pra isso. Hoje

em dia, isso não é minha prática, mas hoje em dia se consegue ensinar crianças muito

jovens, crianças quase bebês. Mas pra minha experiência ache que a faixa boa é a

partir dos seis, sete anos. Pra minha experiência que eu saberia lidar com a linguagem

dessa criança. (P2 - Entrevista realizada em 2016).

Cara essa é uma pergunta difícil pra se responder porque eu não sei, não existe uma

receita pra cada pessoa, mas...tem pessoas que acham que de crianças mesmo é a idade

pra se começar na música por causa da educação musical, da etapa da musicalização,

do contato com a música, da criação do gosto. [...] Por isso muitos defendem que a

melhor hora é na infância que você tá passando por esse descobrimento do mundo

através do ouvido. (A1 - Entrevista realizada em 2016).

A pergunta “qual a idade que o senhor considera mais adequada a iniciação em seu

instrumento?” foi equivalente a se tivéssemos perguntado: “qual a idade que o senhor considera

mais cedo para se iniciar ao instrumento?”. Melhor, mais adequado, nesse caso se transforma

em um sinônimo de mais cedo. Desse modo temos mais cedo percebido e representado com

o mesmo sentido de melhor.

A hipótese a partir de referencial teórico, é que justamente essa seja a representação

social compartilhada a respeito da “melhor idade para a iniciação musical” ou “idade mais

adequada para a iniciação musical”. Melhor ou mais adequado, nesse caso, remete a

representação de mais cedo, mais precoce possível conforme as limitações a serem consideradas

(sejam elas de ordem física, cognitiva etc.). O limite para o “mais cedo possível” é regulado

pelo critério do professor ou do aluno, conforme sua experiência e seu conhecimento, mas

sempre o mais cedo representa o melhor.

Retomando a fala do professor Paulo Bosísio (ROMANELLI, ILARI, BOSÍSIO, 2008,

p. 10, grifo do autor): “[...] não tem uma idade padrão para se começar e depende da criança

que está na frente [...]”.

Embora não exista um padrão definido a iniciação musical é representada, na literatura

e no discurso dos entrevistados, sempre relacionada com a ideia de infância. Musicalização é

sempre associada à criança. Daí pode-se notar que a invisibilidade de outros públicos que não

a criança, como relação ao processo de musicalização se dá porque no centro dos discursos a

respeito de musicalização está a associação à criança e ao período da infância.

Nesse momento lembremos de Sousa (2012) que traz o adulto representado como

alguém que parou de crescer, por isso não é visto como alguém que precisa mais estudar.

Quando se estabelece o novo paradigma do adulto inacabado (SOUSA, 2012), a prioridade

67

dessa contínua reconstrução é a adaptação a um mundo continuamente em movimento, no qual

o que se aprende na universidade ou na escola já não serve mais “pra vida toda” e o adulto é

continuamente exposto a um processo de educação continuada de modo a atualiza-lo conforme

as necessidades do mercado. Nesse caso não se trata de necessariamente de aprender coisas

novas, mas estar apto e competitivo para exercer a sua função em um mundo em rápido

movimento.

Mais recentemente vem surgindo a partir da possibilidade de uma vida ativa e produtiva

mais longa (SOUSA, 2012) a realização das atividades complementares que podem também

tomar a forma da realização dos sonhos de infância. Alguns trabalhos tratados anteriormente

(COSTA, 2004; ALBUQUERQUE, 2011; DIAS, 2014) tendem a categorizar o interesse pela

educação musical fora da infância nesse sentido.

Novamente aqui o perigo de uma marginalização do adulto em relação a educação

musical e em relação ao que esse adulto pode atingir com essa educação. Uma coisa é esse

adulto pensar na música com uma atividade terapêutica, outra coisa é ele ser limitado porque

na idade dele a música só pode ser uma atividade terapêutica.

5.4 SOBRE DIFERENÇAS ENTRE CRIANÇAS E ADULTOS NA INICIAÇÃO MUSICAL

E NA FORMA DE APRENDER MÚSICA

Todos os entrevistados foram questionados a respeito das diferenças que eles percebiam

entre os alunos que se iniciam mais jovens ou mais velhos no instrumento assim como a respeito

das dificuldades e facilidades apresentadas por essas diferentes categorias de alunos. As

respostas a ambas as perguntas se mostraram complementares porque as diferenças percebidas

no processo de ensino-aprendizagem estão relacionadas a percepção das características dos

alunos e dos problemas e facilidades encontrados nesse aluno.

De modo geral foram percebidos pelos colaboradores diferenças no aluno mais velho

com relação a comunicação (mais fácil se comunicar com adultos que com crianças), à forma

como aprende música (adultos tem mais dificuldades em incorporar a música) e ao tempo que

ele necessita para aprender música (adultos aprende mais demoradamente que crianças).

Eu vejo que – e isso foi meu caso também quando eu comecei a estudar – o problema

da pessoa mais velha é a relação dela com o corpo – eu conheço pessoas mais velhas

68

que eu dei aula que tinham muita dificuldade em ter consciência corporal para tocar

um instrumento, mesmo pessoas que já eram musicalizadas que já tocavam outros

instrumentos. E elas tentam racionalizar demais também. A criança geralmente você

fala ela faz. O adulto sempre tá perguntando o porquê dele estar fazendo aquilo...e

tem dilemas existenciais e tem que pagar conta...Então é mais complexo. [...] Mas em

geral são problemas de consciência corporal. Os alunos têm facilidade, por exemplo,

de ouvir uma música, de entender a estrutura musical, de entender aspectos mais

abstratos, mas quando vai passar aquilo pro corpo geralmente é mais difícil. (P1 -

Entrevista realizada em 2016).

Eu acho que nos alunos mais velhos, os muito adultos, a dificuldade que eu velho é –

para o [instrumento]- é ...transforma a melodia...é ter ao instrumento a mesma

intimidade da melodia cantada. Nos mais jovens esse conceito, essa experiência é mais

fácil de acontecer. Os dois percebem. A resposta dos mais jovens parece ser... em

menor prazo do que nos muito adultos. Deve, aí eu não sei, mas penso que há algumas

interferências, sabe, entre a sua percepção e o seu fazer. (P2 - Entrevista realizada em

2016).

A diferença que eu consigo ver é que eles [os alunos mais jovens] são mais rápidos,

eles conseguem tocar mais rápido do que eu, por exemplo, que eu não tive o ritmo

deles durante esses anos que se passaram. Eu no caso, por exemplo, preciso estudar

uma peça, dependendo da dificuldade em torno de três a quatro dias para tocar o que

eles tocariam em um dia. Esse tipo de coisa. (A2 - Entrevista realizada em 2016).

[No mais novo a assimilação é mais fácil e a comunicação mais difícil] Já o mais velho

a vantagem é que a comunicação é mais fácil, mas nem sempre a assimilação é tão

fácil. (P5 - Entrevista realizada em 2016).

Em relação ao estudo exploratório com alunos de graduação (licenciatura e

bacharelado), se mantém a associação entre uma idade mais avançada e a dificuldade de

assimilação, no entanto dessa vez essa associação é baseada nas experiências de alunos e

professores ao contrário de uma explicação baseada em uma representação social de origem

cientifica:

[...] o jovem por ainda tá no início de sua vida...tá naqueles...no início de sua

juventude...ele vai ter uma... como é que eu vou dizer...uma facilidade maior de

apreender aquilo ali do que uma pessoa, (isso não sou eu que estou dizendo, isso é

cientificamente provado, né), quanto mais ...é...idade você tem, mais dificuldade você

tem de apreender algum conteúdo que você não tenha tido acesso na sua juventude.”

(Aluno registrado durante observação em sala de aula, vide cap. 3.3)

Nos discursos a respeito das diferenças entre alunos mais jovens e mais velhos está a

associação entre aluno mais velho e dificuldade. Quanto mais velho mais difícil.

69

5.5 SOBRE PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS NA MUSICALIZAÇÃO DE ADULTOS

No sentido de complementar a forma como professores e alunos representam a

musicalização de adultos, buscou-se que os colaboradores respondesses a respeito dos pontos

positivos e negativos da musicalização em idade adulta. Professores e alunos entrevistados

responderam e caracterizaram de forma semelhante as dificuldades e facilidades da iniciação

de alunos que se iniciam em música na infância.

No entanto, apenas os alunos ou professores, que se iniciaram em uma idade que os

próprios considerassem mais avançada em relação a idade ideal, identificaram vantagens ou

pontos positivos na iniciação de um aluno mais velho.

Esse dado parece ter relação com o ponto acima que se refere à percepção dos

colaboradores a respeito da iniciação musical na idade adulta. Da mesma forma que os

entrevistados que haviam se iniciado em idade considera por eles como a mais adequada (ou

próximo a essa idade) tendem a ter dificuldade de perceber a iniciação de alunos mais velhos

que essa idade, esses colaboradores também tendem a não enxergar nenhum ponto positivo na

iniciação de um aluno mais velho. Analisando a transcrição do colaborador P4, citado acima:

_Você percebe alguma vantagem em se iniciar o instrumento numa idade mais

madura?

P4 _Não.

_É mais pesado mesmo?

P4_É mais pesado.

_Geralmente você tem esse tipo de aluno?

P4_Não. Porque aqui é por conta também do perfil do curso que nós temos, né?

De forma complementar, os professores e alunos entrevistados que percebiam a sua

iniciação musical fora da idade ideal para o instrumento, apontaram tanto dificuldades quanto

facilidades da iniciação de um aluno mais maduro. Entre os colaboradores foram apontados

como principais vantagens da iniciação musical de um aluno maduro o foco nos estudos, foco

nos objetivos de estudo e a consciência do processo pelo qual estavam passando. Nota-se

As vantagens...eh...uma das poucas vantagens que tem é que você já está com a sua

personalidade, sua parte mental desenvolvida, e você já tem seu senso crítico. Isso pra

mim é uma faca de dois gumes, eu já tive muitos alunos mais velhos que questionavam

demais e não conseguiam tocar direito por causa disso. E eu acho também que a pessoa

– isso eu acho que foi uma das coisas também que me ajudou muito... como eu

70

comecei muito tarde eu estava muito consciente do meu processo de aprendizagem.

Eu acho que isso me possibilitou depois me tornar um bom professor. Porque eu sei

como eu aprendi. Eu não aprendi com oito anos de idade e aquilo não sei se parte da

minha memória consciente, entendeu? Então, eu acho que tem a ver com isso. (P1).

_o que você achou que foi vantagem de ter começado no [instrumento] com vinte e

um anos?

A2_ “O foco. Eu comecei focado em evoluir pra ser profissional. Ainda tô no

caminho, lógico, mas...”

Qual foi a vantagem grande? Eu quando eu comecei eu já tinha quinze, ai eu fiz

dezesseis anos, já perto do vestibular eu sabia o que queria. Então não fiquei mais

perdendo tanto tempo, eu queria estudar eu queria ser [instrumentista]. Coisa que é

muito difícil você exigir de uma criança de sete, oito anos, ainda mais nessa realidade

brasileira. (P5)

Outra desvantagem no que diz respeito a musicalização de alunos que começaram em

uma idade mais tardia é com relação ao “tempo” ou a “falta de tempo” associada a vida adulta.

Um ponto unânime nos discursos dos colaboradores foi com relação à falta tempo para o estudo

do instrumento, no caso de alunos adultos esse “tempo” tem duas implicações: a curto prazo as

demandas da família, trabalho e responsabilidades que pesam sobre o adulto reduzem a prática

necessária a dedicação ao instrumento; a longo prazo o adulto teria menos anos de estudo

necessários para adquirir a as habilidades necessárias a uma prática considerada de excelência

e sua iniciação tardia é apontada diversas vezes no meio musical como um impedimento à

profissionalização.

Na próxima seção, será retomado esse tópico, não mais apenas como uma desvantagem,

mas como um ponto central no discurso dos colaboradores, que é determinante para a formação

da representação social da musicalização para adultos.

71

6 TEMPO E TEMPORALIDADE

Ao longo da pesquisa, o tempo assumiu um papel de valor que se expressa no campo da

educação musical na sua dimensão medida em horas e em outra dimensão medida em anos.

Essa última dimensão em anos aparece sempre associada ao o ideal de formação profissional

definido pelo campo e buscado por professores, alunos e instituições. Tais ideais e valores se

impõe no campo modelando suas representações e as atitudes como se verá a seguir.

Esse tempo aqui é apreendido por um sujeito que, consciente da sua existência, dá

sentido à sua percepção de passado e futuro, criando um tempo que não é absoluto, mas ao

contrário é relativo e pensado a partir das representações de mundo de cada sujeito. Deste modo,

essa percepção define a existência, não de um tempo único, tempo físico, independente, mas

uma temporalidade a partir da percepção desse sujeito e de sua organização da realidade. Esse

conceito é expresso de forma mais clara por Marques (2008):

Se o tempo físico independe de nós, pois é o tempo da natureza, ele na verdade sequer

precisaria ou mesmo poderia ser por nós percebido. É o presente absoluto da ação, já

que não é passado nem futuro. O passado não existe, pois já se foi; o futuro também

não existe, pois ainda não acontece. Assim, estes dois conceitos apenas fazem sentido

dentro da experiência vivida, dentro da racionalização e consciência do seu decorrer

– constituem, portanto, o valor da memória e da projeção, causa e consequência do

momento presente, medido pelo ser humano –, ou seja, o tempo psicológico. Isso

significa, em primeiro lugar, que só o presente é real, mas também que qualquer tempo

por nós vivido só tem sentido se comparado com o tempo que ainda não é, ou não

mais existe – o que se constitui no processo fundamental da consciência humana e,

num plano mais restrito e aqui relevante, da apreensão da história. Este tempo é, em

suma, a temporalidade. (MARQUES, 2008, p. 45)

Heidegger (2005) vai chamar esse sujeito que interpreta a sua realidade como o ser da

pre-sença (um conceito ontológico que pressupõe o ser estando em jogo com o próprio ser)

que perfaz o movimento de compreensão de si mesmo a partir da temporalidade.

Nesse trabalho essa distinção se faz necessária porque a percepção de tempo, que é

central nos discursos dos colaboradores, se dá na articulação que esses sujeitos fazem entre o

passado, presente e futuro conforme interpretam a si mesmos e a realidade que os cerca. Nota-

se:

72

É a questão do desenvolvimento, porque o [instrumento], pra que você venha a tocar,

fazer as coisas ...significa que você vai ter que desenvolver sua técnica, de [técnica]

por exemplo e sua [técnica], que é um dos aspectos mais importantes pra gente. Pra

você desenvolver isso, isso vai levar tempo. Vai levar muito tempo. Vai levar anos as

vezes, dependendo da pessoa também. Mais de dois anos até pra você adquirir

consistência. Então é por isso que leva desvantagem, né? Porque, por exemplo, o cara

que começou com vinte anos...o que começou com doze anos ele já tem mais estrada

aí... já tá mais desenvolvido. S7

Esse tempo é percebido aqui, não a partir de sua dimensão linear, mas a partir da

articulação entre passado, presente e o porvir. A expressão “vai levar muito tempo” faz

referência a experiência que é relativa porque varia conforme os alunos e suas condições. Em

contraste com a fala: “Mais de dois anos até pra você adquirir consistência”.

Se por um lado, dois anos, não parece “muito tempo”, esse tempo é expresso aqui a

partir de uma articulação feita entre a experiência de administrar os esforços diários necessários

para a aquisição de uma determinada técnica e o resultado futuro desse esforço. Não são “dois

anos” lineares, mas dois anos nos quais o tempo é empregado de determinada maneira e que

faz parte de um processo mais amplo, nesse caso o processo de formação musical.

Esse tempo é a “racionalização e consciência do seu decorrer – (..) o valor da memória

e da projeção, causa e consequência do momento presente, medido pelo ser humano –, ou seja,

o tempo psicológico” (MARQUES, 2008, p. 45), ou seja, é temporalidade. De maneira

semelhante percebemos no colaborador P3:

Quanto o aluno é criança, eu...geralmente você adota até o próprio ritmo de estudo,

né? Se for com doze, treze anos de idade, dez anos...então há uma expectativa

diferente, né? Em relação aquele que tem dezoito. Que aí com vinte anos, ele não tem

mais aquela expectativa de tempo que se espera para construir um profissional. Mas

quando você tem doze, treze anos, você tem mais...uma metodologia que eu vou dizer

assim, sem pressão, né? Pelo menos é a maneira como eu vejo. [...] Quem tem mais

idade o tempo vai ser sempre contra. Contra que eu digo, vai trabalhar sempre contra

ele. Em relação ao cara que é mais novo e tem mais tempo, para decidir, tomar

decisões. (P3)

No exemplo acima notou-se como as expectativas com relação ao desenvolvimento são

moldadas conforme a articulação entre o que é representado para formar, “construir um

profissional” e os recursos necessários para a sua formação, dos quais o tempo em suas

73

dimensões em anos e em horas de estudo se torna um recurso decisivo. Também a metodologia

aparece aqui em função desse tempo, como elemento que o estrutura.

6.1 TEMPO EM HORAS E TEMPO EM ANOS

A seguir, as transcrições ilustram dois aspectos do tempo para o adulto e as suas

respectivas dificuldades: a falta de tempo em horas para estudar e a falta de tempo em anos para

se desenvolver e se profissionalizar:

Principal dificuldade, na minha opinião própria é o tempo. O tempo pra você estudar

e dar conta do que você tem que dar, entendeu? Você conhece bem, né? Repertório

de orquestra algumas peças elas têm uma dificuldade um pouco alta, ai você diz: se

eu não estudar eu não vou poder somar com a orquestra. Vai acabar atrapalhando aí

eu, particularmente, não me sinto bem.

[...]

Se você quer ser um músico de ponta, se destacar você tem que começar o quanto

antes.

(Por que?)

Porque você tem mais tempo para estudar. No caso a vida adulta ela é cheia de

pormenores...e aí você acaba tendo que resolver alguma coisa. Pronto, tem um estudo

para fazer ou um concerto no final de semana, mas aí na tua semana acontece muitas

coisas que você precisa resolver, entendeu? Isso na faze adulta, aí acaba tirando um

pouco o foco, mas...é isso. Quando jovem os problemas são bem menos, né? Esse tipo

de problema raramente acontece. Há não ser uma necessidade de ir ao médico, que é

mais raro. (A2 - Entrevista realizada em 2016).

A questão era que eu ainda não trabalhava, então eu tinha mais tempo, conseguia

assim, digamos, me virar. Depois que eu entrei na graduação comecei a trabalhar aí

dificultou um pouco o estudo. Porque aí, freelancer, por exemplo, eu que toco em

eventos (casamentos, formaturas) você tem que estar sempre pronto pra horários que

são inesperados. Ontem mesmo [quinta] teve um evento que eu fui saber na quarta-

feira. E eu dependo disso, né? Dependo dessa renda de freelancer. E as aulas também.

Embora a gente faça de tudo pra que seja previsível, mas às vezes o aluno vai viajar,

às vezes acontece alguma coisa que ele não pode, o aluno desiste, não tá se adaptando

bem, prefere fazer menos aulas, a gente tem que ir se adaptando quanto a isso, né?

[...]

Se você casa ou se você tem filhos, você tem fazer uma cerimônia pomposa, você tem

que fornecer uma boa educação, uma boa moradia pra sua família e isso gera um

senso, não um senso, gera uma grande responsabilidade na pessoa que demanda tempo

e energia. E às vezes, mesmo a pessoa tem tempo, eu vi muito isso, que eu conversei

com um deles até, que ele disse que ele tinha tempo para estudar sim, mas a energia

que ele gasta cuidando dos filhos e estando lá pra esposa dele era algo que dificultava

74

muito ele pegar, mesmo que uma hora por dia, pegar uma partitura e dedicar, se

concentrar naquilo. Dificultava muito. (A1 - Entrevista realizada em 2016).

A percepção do tempo, seu uso para o estudo da música e para a profissionalização tem

sido uma constante nos discursos dos entrevistados, no estudo preliminar e em certos relatos

encontrados na revisão da literatura. Como elementos para a análise observou-se que o tempo

na sua dimensão em horas de estudo, que medem o trabalho cotidiano tende a ser mais

valorizados pelos alunos mais maduros por conta da percepção de que é um recurso que tende

a se tornar escasso diante das responsabilidades da vida adulta.

Na qualidade de professores, os entrevistados também se remetem continuamente a essa

dimensão do tempo em horas, ressaltando a dedicação exigida para o aperfeiçoamento técnico.

No entanto aparecem muitas vezes que nem sempre o aluno mais jovem que teria mais tempo

disponível faz bom uso desse recurso.

Um sujeito que trabalha tem seu horário de trabalho então... sobra muito pouco tempo

ou um tempo.... digamos se ele conseguir... um adulto não consegue ter duas horas

diárias seis dias na semana. E às vezes os jovens também não conseguem isso e quanto

ainda tem estão muito excitados pelas outras obrigações. (P2 - Entrevista realizada em

2016).

Quanto ao tempo em anos, essa dimensão tende a aparecer nos discursos em relação ao

desenvolvimento médio do aluno e a sua inserção no mercado de trabalho. Sendo assim o tempo

em anos é evocado em relação a atuação profissional e o tempo em horas de estudo é evocado

em relação ao desenvolvimento técnico cotidiano avaliado a cada aula.

6.2 O TEMPO COMO CAPITAL

Ao longo das entrevistas e da análise ficou cada vez mais evidente o valor do tempo

para os alunos e professores. Semelhante ao conceito de capital de Bourdieu (1986), o tempo

ou mais especificamente a quantidade de tempo disponível a um aluno, a exemplo do capital, é

percebida como determinante para as chances de sucesso para práticas musicais e pode, sob

certas condições, se transformar em capital cultural (segundo Bourdieu (1986) no seu estado

institucionalizado esse capital é objetivado na forma de títulos, diplomas e certificados, etc.).

75

Nesse sentido o aluno que tem mais tempo para estudar no seu cotidiano tem mais

“recursos” para o sucesso no estudo de música. A longo prazo o aluno que tem mais tempo

disponível em anos, que começa mais cedo, tem mais “recursos” para seu sucesso profissional.

Essa atribuição de valor ao tempo pode ser percebida diversas vezes ao longo dos

discursos dos colaboradores e parece ser de fundamental importância para orientar a percepção

que os professores tem de seus alunos em relação a viabilidade de seu estudo e da

profissionalização do aluno e dos próprios alunos orientando-os práticas para economizar o

tempo e valorá-lo. Abaixo alguns exemplos do tempo sendo usado como capital.

Pra você ter tempo de chegar na faze adulta com um nível bom. É diferente de você

começar com vinte e quatro anos ter que dar conta de uma outra universidade, ainda

ter que trabalhar, eu era bolsista, tinha que me sustentar. Eu só acho que pra você ser

instrumentista eu acho que você tem que começar cedo e tem que ter tempo pra se

dedicar [...]. (A3)

Eu penso assim: que seu um adulto que nunca tocou um instrumento, pretende ter aula

pra se tornar um profissional de concerto isso eu acho que é bem difícil, não é tão

plausível. Já na criança, ou adolescente ou jovem isso já é mais possível porque a uma

série de coisas envolvidas: o sujeito ainda não definiu uma profissão; o sujeito pode

lidar com o tempo de estudante se tiver apoio em casa, estrutura em casa melhor ainda;

e aquilo pode ser uma profissão com um lugar certo. Mas um adulto você tem que ter

uma outra realidade. [...] Um sujeito que trabalha tem seu horário de trabalho então...

sobra muito pouco tempo ou um tempo…digamos se ele conseguir ...um adulto não

consegue ter duas horas diárias seis dias na semana. E às vezes os jovens também não

conseguem isso e quanto ainda tem estão muito excitados pelas outras obrigações. [...]

Há e tem uma coisa importante, nas universidades, nas escolas como a nossa, a gente

tem assim: 18 semanas você mude de grau. O fator tempo pra mudar de grau é

muito importante isso faz parte do sistema. É uma quantidade de tempo pra você

cumprir os objetivos de um determinado repertório. Isso é um grande problema.

Se você é um sujeito que você tem uma grande aptidão pra aquilo, natural, digamos

assim, disposição, não é aptidão, disposição para o instrumento você consegue fazer

bem direitinho. Senão você não consegue cumprir, se desenvolver num tempo. Se

desenvolveria, mas talvez com o dobro de tempo ou com aquele tempo, mais a metade

dele. Então isso é um grande problema e com aquelas coisas que eu falei: a falta de

tempo, que todo mundo precisa ganhar dinheiro ou trabalha e ainda está estudando e

tal...Tem uma complicação disso. Os currículos pedem o desenvolvimento num

determinado espaço de tempo. E as pessoas tem que se adequar a isso. Isso eu acho

que os conservatórios poderiam ser mais felizes nisso. Dar tempo pra o tempo do

sujeito. E não o sujeito de qualquer forma se encaixe naquele limite de tempo. (P2)

Essa percepção do tempo forma o pilar das representações sociais a respeito da

musicalização de adultos. Ao relacionar com os pontos anteriores, nos parece que tanto

76

estudantes quanto professores percebem o tempo, suas dimensões e implicações para o estudo

do instrumento da mesma maneira. A distinção que observou-se é que os alunos, que se

iniciaram em um momento em que tinham menos o capital tempo a seu favor ou que tem

problemas com a falta de capital tempo para seu estudo, tendem a adotar um foco mais preciso

nos estudos e procurar uma consciência maior do seu objeto de estudo para driblar essa

desvantagem:

Você sabe que você decide uma coisa, eu tirando por mim...dezesseis anos eu sabia

qual era coisa que eu queria eu sabia que eu não podia mais perder tempo. Meus

amigos que eram da minha idade, que tocavam vinte vezes mais do que eu. Eu sabia

que eu tinha que correr contra o tempo, eu sabia que eu tinha que me esforçar,

trabalhar mais para tentar chegar no nível deles e estar tocando junto no caso

na mesma [instituição] lá [lugar]. Essa é a vantagem. (P5 - Entrevista realizada em

2016, grifo do autor).

[...] como eu comecei muito tarde eu estava muito consciente do meu processo de

aprendizagem. Eu acho que isso me possibilitou depois me tornar um bom professor.

Porque eu sei como eu aprendi. Eu não aprendi com oito anos de idade e aquilo não

sei se parte da minha memória consciente, entendeu? (P1 - Entrevista realizada em

2016).

No entanto a ênfase nesses aspectos, ou a própria percepção dessas estratégias como

aliadas no estudo dos adultos apareceu apenas nos alunos ou professores que fazem uso delas.

Deste modo, todos os colaboradores percebem o tempo como um capital e como elemento de

suma importância para o estudo da música.

Com relação ao tempo cotidiano em horas para o estudo, a percepção é unânime no

sentido de que se o aluno não tem um estudo sistemático e cotidiano o aprendizado musical não

acontece de modo adequado. No entanto, no que diz respeito ao tempo em anos, necessário para

a profissionalização, apenas os que enfrentaram ou enfrentam a ausência desse capital como

obstáculo tendem a perceber o tempo como fator importante, mas não determinante do

sucesso profissional.

Ao considerar que todos os entrevistados que se iniciaram fora de uma idade

considerada ideal para o instrumento estavam trabalhando com música quando estudantes (no

caso da ex-aluna entrevistada) ou atuam no momento dessa pesquisa com atividades

profissionais em música, mesmo os alunos, a questão da iniciação na infância como fator

77

determinante para a profissionalização se constitui efetivamente como uma representação social

negativa que se impõe para formar a representação social da musicalização para adultos.

Ao lembrar da educação musical como um campo (BOURDIEU, 2010), uma área

autônoma constituída historicamente em torno de um conjunto de valores, observou-se que

nesse campo é um valor a dedicação em horas ao estudo do instrumento. Percebemos que o

valor tempo em anos disponíveis para a profissionalização está relacionado ao ideal de

profissionalização do campo e será discutido em seguida.

Lembrou-se também que, frequentemente, o capital econômico também pode ser

convertido no capital tempo. Isso é particularmente válido se a posição que o sujeito ocupa no

espaço social lhe proporcionar recursos suficientes para assegurar que o tempo gasto (ou

investido) no estudo de um instrumento não afetará a renda para sua subsistência. Popularmente

se diz: tempo é dinheiro, inversamente lembrou-se que dinheiro é tempo.

78

7 A PROFISSIONALIZAÇÃO E O CONSERVATÓRIO

Observou-se entre alunos e professores duas tendências em seus discursos, professores

se referem sempre a necessidade de formação voltada à execução instrumental. Para eles é

importante que o aluno desenvolva as competências necessárias à execução. Notou-se que

alguns professores citam a necessidade de adequar o repertório aos alunos, respeitando suas

particularidades, mas o valor aqui é a excelência da execução ao instrumento.

Se isso parece óbvio estando os professores em atuação nos cursos técnicos e superiores

(bacharelado) da Escola de Música da UFRN, esse modelo de formação nem sempre

corresponde às aspirações e à realidade profissional expressas no discurso de seus alunos, que

muitas vezes já exercem atividades profissionais no meio musical, principalmente o ensino de

música, que não está contemplado na proposta de formação do curso superior nem tão pouco

do curso técnico, mas que representa para os alunos entrevistados o objetivo da formação ou

um meio de subsistência durante a formação. Segundo a UFRN:

O perfil requerido para o Bacharel em Música é o do músico, na mais ampla acepção

da palavra: aquele que é sábio, douto ou perito na arte da música. Em outras palavras,

o do profissional apto a exercer sua condição de músico, capaz de articular o

conhecimento musical nas suas diversas áreas de abrangência, aproveitando o melhor

de suas potencialidades. Isto significa que ele estará não somente credenciado a

desempenhar a carreira concertística e acadêmica, como também preparado para

incursões mais específicas e detalhadas em nível de pós-graduação. (UFRN, 2006, p.

16)

Esse documento teve o cuidado de explicitar que o curso de música não é “empenho

orientado formação ou a modificação da conduta do músico, e que não se limita à mera

acrobacia de músculos e dedos” (UFRN, 2006, p.13). No entanto o exposto acima parece

reforçar a colocação de Pereira de que “merece destaque a falta de clareza, no decorrer da

história e até mesmo hoje, do que seja um músico artista, um músico professor (também artista),

e um professor de música – e as funções e espaços de atuação de cada um. (PEREIRA, 2012,

p. 77).

O que os professores ressaltam em seus discursos é que o aluno precisa tocar, e que tem

um tempo rígido para fazer isso dentro da academia. Quando perguntados dos objetivos da

79

formação que desejam para o aluno suas respostas variam entre o desenvolvimento de

habilidades técnicas ao desenvolvimento de habilidades musicais abstratas, frequentemente

ressaltando a adequação às capacidades e potencialidades do aluno.

A definição do que seria um bom profissional ou um nível de performance considerado

“profissional” também é imprecisa, algumas vezes aparece relacionada com a capacidade de

executar um o repertório solista ou orquestral, por exemplo (P6), outras vezes permanece

indefinido tanto nos discursos de alunos quanto professores.

No caso dos alunos, a meta vem primeiro associada a obtenção de um determinado

trabalho com música e não necessariamente aos atributos ou requerimentos técnico-artísticos

desse trabalho. Eles dizem, “quero me tornar professor universitário, ou maestro”, ao invés de

“quero tocar concerto tal ou sinfonia tal”.

Fica claro, porém, que essa meta demanda tempo. Um tempo organizado e

multifacetado.

7.1 PROFISSIONALIZAÇÃO E O TEMPO

Como visto anteriormente, a valorização do capital tempo em anos e sua relação de

importância para a profissionalização, assim como a sua percepção de que, embora importante,

ele não é determinante para a profissionalização se refere a uma percepção de profissionalização

ao instrumento diferente daquele cujo foco é apenas a performance. Aqui a profissionalização

não é sinônimo de uma carreira de virtuose como solista internacional, e sim um lugar no

mercado de trabalho onde se pode viver fazendo música. Para a maioria dos entrevistados esse

espaço de trabalho está prioritariamente na carreira docente que é vista também como uma área

mais aberta ao aluno que se inicia adulto e a experiência que ele traz.

_O que você pretende alcançar com teu estudo na música?

A2 _Eu pretendo fazer pós-graduação e o meu foco principal é atividades acadêmicas.

Eu quero estar trabalhando a nível acadêmico.

_Você quer se profissionalizar pra ser professor de música na universidade?

A2 _Exatamente.

[...] Na verdade o mercado de trabalho é um pouco restrito, né?. Ele é mais aberto pra

questão dos docentes, eu acho que você deve saber disso. O pessoal que trabalha mais

80

na parte de execução de peças, eles tem dificuldade de trabalho, de ganhar uma grana

legal. Mesmo com um nível bom, mas ele encontra dificuldade, em algumas barreiras

que a gente sabe que são políticas...

De fato, a experiência docente faz parte da vida profissional tanto dos alunos

entrevistados quanto, obviamente, dos professores que se iniciaram em uma idade considerada

fora dos padrões do instrumento. No caso de nossa pesquisa entrevistamos professores que se

iniciaram ao instrumento aos 15 e aos 20 anos que reconhecem que a iniciação deve se dar bem

antes dessa idade.

Outro argumento que reforça a possibilidade do aproveitamento da consciência e do

foco nos estudos atribuído ao aluno adulto é exposto abaixo:

Bons professores que eu tive, começaram tarde, ou se não começaram tarde passaram

por um processo de readequação numa idade relativamente avançada. Isso possibilitou

a eles estar consciente de como eles aprenderam pra poder ensinar. Eu acho isso

importante. (P1 - Entrevista realizada em 2016).

A profissionalização relacionada com o capital tempo distribuído em anos de estudo

aparece frequentemente relacionada a um ideal de performance, que também aparece nos

discursos dos professores como objeto dos cursos de música na Escola de Música da UFRN.

Esse ideal que orienta o uso do tempo e seu valor parece não considerar outras formas de

realização profissional paralelas à performance, como a docência da qual todos os

colaboradores estão envolvidos.

(..).é igual quando a gente é criança e botam na cabeça da gente que a gente quer ser

rico, que ser rico é bom. Tem gente que é rico e é absolutamente infeliz ...então eu

acho que ser rico ...você tem que saber porque que você quer ser rico. ‘há...eu quero

ser solista’ ‘por que é que você quer ser solista?’ ‘só porque você quer subir na frente

de uma orquestra, tocar uma peça difícil e todo mundo bater palma?’, entendeu? Eu

acho muito mais interessante trabalhar ajudando as pessoas...dando aula...seja lá o que

for, sabe? desenvolver um projeto, na minha visão, ou tocar numa orquestra...Assim

essa mentalidade elitista que tem no meio erudito tem haver com isso, é bem vazio,

sabe? Acho que as pessoas que pensam assim, tem pouca reflexão. E eu conheço muita

gente que pensa assim, muita gente que é muito importante também, sabe? Assim: ‘se

você não conseguir estudar fora do Brasil, você não é ninguém’. (P1 - Entrevista

realizada em 2016).

81

Sendo assim, enquanto campo (BOURDIEU, 2010), os valores dominantes na educação

musical na área de formação ao instrumento ainda estão fortemente ligados um ideal de

performance, que pressupõe um capital tempo em anos para ser alcançado. Esses valores

incluem outras possibilidades da aplicação do conhecimento adquirido pelo adulto.

7.2 TRABALHO E HOBBY

Foi observado entre os entrevistados que era comum ao iniciarem os estudos de música

a existência de alunos mais velhos ou alunos adultos compartilhando o ambiente de aulas,

interessados em aprender música sem compromisso e outros com a intenção de se

profissionalizarem em música, como afirma o aluno entrevistado A2: “todo mundo tinha mais

ou menos a tua idade e todo mundo já entrou para se profissionalizar...A ideia era essa...”.

Esse aluno adulto em processo de musicalização que deseja se profissionalizar em

música é praticamente ausente nas pesquisas ou, por vezes, substituído pelo aluno que deseja

aprender por hobby, os quais “sem desejo de profissionalização, os alunos adultos procuram o

aprendizado de um instrumento pelas mais diversas razoes” (DIAS, 2015, p. 408).

Com exceção de Souza (2009), a percepção de que existe o interesse em

profissionalização no aluno que se inicia na fase adulta não é apontada, além de ser

frequentemente desencorajada por não fazer parte dos anseios dos alunos.

A profissionalização não deve ser o critério norteador do ensino de piano, e os sujeitos

envolvidos na aprendizagem desse instrumento, devem ser compreendidos em seus

respectivos contextos, particularidades, experiências e realizações. O ensino de

música na maturidade faz parte da pirâmide do conhecimento musical e da prática

musical. Nesse contexto, a prática musical é realizada de forma amadorística, e a

prática amadora é um componente essencial para o campo da música, uma vez que

nem todos que estudam um instrumento pretendem seguir carreira na área de música.

(DIAS, 2015, p. 411).

Fells (2012) relata o sentimento que tem de seu aprendizado musical ser classificado

exclusivamente como um hobby: “Engraçado, quando crianças têm aulas de piano ninguém diz

que é um ‘hobby’. As aulas de piano parecem ser outro curso suplementar à sua educação

82

escolar regular” (FELLS6, 2012, pos. 28, tradução do autor). Essa fala nos revela muito de como

ainda estão sendo pensados os adultos em relação a educação musical inicial. Em muitos

contextos aprender música é “estranho” se você for adulto. O autor ainda ressalta que:

A verdade é que ninguém sabe onde esses estudos vão levar o estudante no futuro.

Mas numa idade mais avançada da vida, muito avançada no meu caso, não existem

esperanças ou ilusões. Aprender piano na minha idade é estritamente um hobby.

(FELLS, 2012, pos. 33, tradução do autor7).

Frequentemente encontrou-se em muitas das pesquisas anteriormente citadas, a

representação social da educação musical de adultos como um “hobby” a ser exercido

descompromissadamente, geralmente por razões terapêuticas. Nas falas de adultos é comum

encontrar evidências dessa função terapêutica.

Nos relatos dos colaboradores de Albuquerque (2011, p.79): “ela [a Música] me ajuda

nessa função que estou te dizendo, de relaxamento, de distração”. Outro colaborador também

ressalta esse ponto, quando afirma que: “[...] eu espero isso mesmo, eu toco pra... é... pra

esparecer, pra diminuir o estresse, porque eu gosto, e que em faz bem, então eu espero isso

assim, eu nunca vou progredir não, é só pra ficar tocando pra mim mesmo” (ALBUQUERQUE,

2011, p. 68)

Embora o autor reconheça que “dizer que o adulto só aprende música para seu lazer e

terapia não é o suficiente” (ALBUQUERQUE, 2011, p.89), sua é conclusão é imprecisa ao

afirmar que “o estudar faz parte sim das metas do adulto pelo piano, as expressões e o desejo

de transmitir os materiais absorvidos, são objeto do agir musical dos adultos” (Albuquerque,

2011, p.89).

6 Essa referência corresponde ao livro: Memoirs of a Secret Pianist: Learning the Piano in Later Life de Robert

Fells (em tradução livre: “Memórias de um pianista secreto”). Este não é um trabalho acadêmico, é um relato das

experiências de um senhor que aprendeu piano na idade madura e compartilha, desde sua rotina de estudo, até

dicas de repertório dentre vários aspectos de sua experiência musical. Embora não seja um trabalho científico, do

ponto de vista da TRS, ele é extremamente rico por trazer no seu relato experiências muito próximas as

experiências descritas na realidade brasileira devidamente comentadas, as quais nos permitem uma via de acesso

ao conteúdo simbólico que é compreende o objeto de estudo. 7 “The truth is that nobody knows where these music studies will lead the student in the future. But in later life,

much later in my, case there are no such hopes or illusions. Learning the piano at my stage in life is strictly a hobby

[...]” (FELLS, 2012, pos. 33)

83

Além disso, Albuquerque (2011), Costa (2004), e Dias (2014), sugerem que ao pensar

música como terapia, isso possa funcionar como uma forma de evitar as expectativas

enfrentadas pelos adultos, a frustração e a ansiedade.

Pensando nos alunos adultos que perguntam se ainda têm idade para estudar, se

esquivando das exigências “de fazer música seriamente”, da vergonha, da pressão e da

ansiedade de se tornarem objeto de riso ao iniciarem o estudo de um instrumento, pode-se

imaginar como o status de hobby poderia servir para aliviar essas pressões, tendo em vista que

“a pressa em aprender e a busca pela perfeição na execução das peças pode gerar uma

autocrítica exagerada” (DIAS, 2014, p. 178).

Uma outra implicação da educação musical inicial para adultos ser tratada como um

sonho de infância revivido como hobby ou uma terapia anti-estresse, é que nesse sentido fica

também eclipsado a percepção de que a música pode representar também uma possibilidade de

compreensão de mundo. Lembremos que até a matemática pode ser uma terapia ou um hobby,

o sudoku é um exemplo disso, mas o estudo da matemática é necessário porque o mundo e a

relação como ele estão repletos de conteúdos tratados na matemática.

De maneira semelhante, a educação musical também tem a função de fornecer uma

compreensão de mundo mais ampla, porque afinal o mundo está repleto de música e a relação

com o mundo é mediada também pela música. A diferença aqui é que mesmo os que não tem

talento inato para a matemática podem e frequentemente são obrigados a apreender seus

conceitos mais básicos para se orientar no seu dia-a-dia.

Longe de discutir os objetivos da educação musical é salutar ilustrar como em relação à

educação musical ainda aparece de forma muito presente a representação de que a música é

algo “hermético”, que é acessível “apenas para os poucos dotados que são capazes de apreende-

la”.

Nas entrevistas dos colaboradores o hobby aparece também como uma alternativa ao

estudo voltado à profissionalização, por este demandar mais investimento de tempo, o qual se

configura como um capital escasso diante das responsabilidades da vida adulta.

É bem mais difícil [se o aluno for adulto]. Ai realmente é a realidade ...é mais difícil

pra ele alçar um...Principalmente se ele tiver filho ou filhas, as responsabilidades da

família e de trabalho...ele não tem...o tempo que ele precisava ele não tem. Ai talvez

seja o fator que... se o cara vai começar do zero...O cara tem que pensar, se for para

seguir como uma profissão é muito mais difícil, né? Ai ele precisa realmente né...é

muito mais complicado. Se bem que muita gente as vezes procura, se tem família e

84

vai começar do zero de repente é como um hobby, não vai seguir uma profissão, pra

se profissionalizar. (P3 - Entrevista realizada em 2016).

No caso do adulto e sua relação com a música, frequentemente não se está devidamente

atento para o fato de que o hobby representa em na sociedade uma oposição ao trabalho e está

indissociavelmente ligado a ele (ADORNO, 2002).

O hobby é representado como uma atividade que deve ocupar o tempo livre sem ser

tomada tão “seriamente” quanto o trabalho. Mais ainda, o hobby deve contribuir para que o

sujeito esteja mais disposto e apto ao trabalho. Adorno (2002) acrescenta ainda considerações

de como o tempo livre é usado para alimentar a indústria e de como o capitalismo se aproveita

desse tempo instituindo nele novas modalidades de consumo.

Com relação ao aprendizado da música, dizer que a música na fase adulta é um hobby

também implica em considera-la, não como uma parte integral da vida do indivíduo, mas como

uma atividade que, por não manter relação direta com o trabalho gerador de renda, deve servir

para exclusivamente para o lazer, tendo em vista que o trabalho, na maioria das vezes, não é

representado como o lugar do prazer, e da realização, pelo contrário é o lugar dominado pela

seriedade e do esforço árduo. A respeito disso, Adorno coloca que:

Aquilo com o que me ocupo fora da minha profissão oficial é, para mim, sem exceção,

tão sério que me sentiria chocado com a ideia de que se tratasse de hobbies, portanto

ocupações nas quais me jogaria absurdamente só para matar o tempo, se minha

experiência contra todo tipo de manifestações de barbárie — que se tomaram como

que coisas naturais — não me tivesse endurecido. Compor música, escutar música, ler

concentradamente, são momentos integrais da minha existência, a palavra hobby seria

escárnio em relação a elas. Inversamente, meu trabalho, a produção filosófica e

sociológica e o ensino na universidade, têm-me sido tão gratos até o momento que

não conseguiria considerá-los como opostos ao tempo livre, como a habitualmente

cortante divisão requer das pessoas. (ADORNO, 2002, p. 105-106).

Talvez por isso, a ideia de profissionalização de estudantes adultos ainda pareça de

forma tão opaca, pois dar ao estudo de música a chancela de uma atividade “séria”, ou seja, um

não-hobby, é desafiar a representação de oposição que essa atividade deve ter em relação ao

trabalho formal (ADORNO, 2002) e estar apto em seguida a desafiar as representações de

profissionalização, de realização musical e de aluno que circulam no campo da educação

musical. A função terapêutica também se relaciona com a ideia de tempo livre em Adorno:

85

Por um lado, deve‐se estar concentrado no trabalho, não se distrair, não cometer

disparates; sobre essa base, repousou outrora o trabalho assalariado, e suas normas

foram interiorizadas. Por outro lado, deve o tempo livre, provavelmente para que

depois se possa trabalhar melhor, não lembrar em nada o trabalho. (ADORNO, 2002,

p. 108)

Nesse caso a terapia faz parte das atividades que não lembram o trabalho, por serem

opostas a ele, mas que ao mesmo tempo o servem, possibilitando que o sujeito possa trabalhar

melhor.

7.3 MENTALIDADE DE CONSERVATÓRIO

Longe de refletir, seja o comportamento ou a estrutura social, uma representação

muitas vezes condiciona ou até mesmo responde a elas. Isso é assim, não porque ela

possui uma origem coletiva, ou porque ela se refere a um objeto coletivo, mas porque,

como tal, sendo compartilhada por todos e reforçada pela tradição, ela constitui uma

realidade social sui generis. Quanto mais sua origem é esquecida e sua natureza

convencional é ignorada, mais fossilizada ela se torna. (MOSCOVICI, 2009, p. 41)

A percepção desses valores, descritos acima não acontecem em um vazio, são produtos

e são produtores de sentido em uma realidade específica, que no caso, é a Escola de Música da

UFRN. Essa escola, por sua vez tem sua história e deve seus valores a uma tradição que é

continuamente revista e transformada.

Quanto a isso existem nos depoimentos e relatos diversos exemplos de uma mudança

em andamento com relação à didática herdada para a didática praticada atualmente e aos

objetivos de estudo dos alunos. Todos os entrevistados expressaram uma grande disposição

para o acolhimento de seus alunos, independentemente da idade e uma visão acolhedora em

relação ao paradigma da educação do conservatório.

Olhe, nossas formações foram perfeitas por causa das falhas que elas tiveram. Porque

justamente a gente é uma ponte entre os professores ou alunos de professores que

estudaram na Europa e todo mundo ia ser um grande virtuose E eles não estudaram

pra ser professor e tinham muitas falhas na pedagogia. E são essas falhas que, penso,

que estão movendo a didática no momento. Se você não repetir esses não ditos e esses

comandos ...é como é que se diz... marciais... de uma didática que tá provado que não

funciona. (P2 - Entrevista realizada em 2016).

86

Apesar disso, no mesmo ambiente em que se desenvolve essa transformação também

notou-se a clara percepção de um modelo baseado nas práticas conservatoriais, reforçado pelas

representações românticas de talento que ainda aparecem associadas às formas de pensar e às

práticas da educação musical.

A mentalidade do conservatório, das escolas de música. [...] É uma mentalidade

elitista inculcada na cabeça das pessoas, que inclusive gera muita frustração. [...]

Assim, essa mentalidade elitista que tem no meio erudito tem a ver com isso, é bem

vazio, sabe? Acho que as pessoas que pensam assim, tem pouca reflexão. E eu

conheço muita gente que pensa assim, muita gente que é muito importante também,

sabe? Só que antes, quando a gente é mais novo, essas coisas entram na cabeça e fica

de uma maneira muito prejudicial. [...] então eu acho que isso tá melhorando cada vez

mais. Mas tem um certo preconceito. Que eu acho que não tinha só haver com idade

não, tinha haver com outras coisas, falta de conhecimento. (P1, grifo do autor)

Não sei se isso passou pela sua cabeça, mas cria-se uma espécie de mito, né...Um

adulto chega pra você e quer começar do zero, entendeu? Ele acha que não vai

conseguir, ele acha que ... Por exemplo, muitas pessoas chegam pra mim perguntando:

‘ [nome do entrevistado] e aí? Tu acha que dá pra mim aprender cara? Nessa idade?

(A2, grifo do autor)

“A1_Eu acho que adulto, jovem, como eu falei a gente deve abandonar mais o

misticismo, que é uma visão romântica, de que alguns nascem com talento e tem que

aproveitar aquele talento naquela hora, porque se não vai dar certo, nunca vai ser um

grande [instrumentista]. Eu acho que esse é um mito do herói romântico que a gente

deveria ter abandonado isso a muito tempo.

-Você ainda ouve isso pelos corredores?

A1_Ouço bastante, ouço bastante. Inclusive, como eu falei, alunos meus que são

adultos às vezes veem um pouco dessa visão romântica: de que existe um herói, aquele

virtuose que nasceu pra aquilo e ele é que deve ser o cara que vai seguir aquilo. Você

deve fazer apenas em casa com os seus amigos.

-Você acha que existe ainda essa visão na Escola de Música?

A1_Existe, existe. Acho que existem visões muito diferentes em cada canto

da...Assim, não é cem por cento, mas em geral existe muito, é muito cultivada essa

visão ainda. De que existe o talento que a música é uma linguagem específica pra

aqueles que escutaram esse chamado. Se a gente deixasse essa visão de lado a gente

aproveitaria cada momento da música em sua essência, aproveitar cem por cento.”

Na revisão da literatura, notou-se também traços desse habitus conservatorial na

abordagem dos temas e problemas de pesquisa, nota-se: “Aprendizagem pianística na idade

adulta: sonho ou realidade?” (COSTA, 2004). Em diversos trabalhos a motivação sempre

focada nos interesses, sonhos ou expectativas dos alunos (muitas vezes percebidos como

87

“sonhos”, algo intangível ou de difícil alcance), que tende a minimizar o papel dos professores,

instituições, familiares e amigos nesse processo. Algo semelhante a perguntar sobre o que faz

um adulto querer, se motivar, a estudar música se isso é algo tão distante para ele?

Quanto a Costa (2004) a reposta para a pergunta, se é sonho ou realidade aprender a

toca piano na idade adulta, a resposta é:

“Depende. Minha resposta não é nem afirmativa nem negativa, porque o processo de

aprendizagem, por ser pessoal, depende de uma série de fatores que estão além da

predição de qualquer professor ou pesquisador. Pode ser possível se a pessoa quiser

que ele seja, se ela estiver suficientemente motivada para isso, se estiver em boas

condições fisiológicas e emocionais, se conseguir administrar seu tempo, se estiver

disposta a enfrentar obstáculos, se estiver inserida num ambiente que a estimule e,

sem sombra de dúvida, se encontrar um professor que saiba lidar com todas essas

questões relativas ao universo do adulto. (COSTA, 2004, p. 95)

Em seguida, Gardner (1999, apud COSTA, 2004), em a sua teoria das inteligências

múltiplas aponta para o talento (usando pelo autor com o mesmo sentido de inteligência musical

na teoria de Gardner) como uma solução para da motivação, considerado um problema central

para o estudo de música para adultos segundo o autor.

A teoria das inteligências múltiplas nos dá uma grande contribuição no primeiro caso

[sobre a motivação], pois através dela podemos desenvolver a percepção de quais são

os talentos naturais dos nossos alunos, aqueles que "brotam" espontaneamente na sua

expressão, e assim direcioná-los a atividades satisfatórias. (COSTA, 2004, p. 95-95)

.

Sendo assim, “um indivíduo que se dedica a uma atividade para a qual possui algum

talento é naturalmente motivado, certamente terá progresso e evitará frustrações” (COSTA,

2004, p. 96). Essa solução reforça as representações de tradição romântica, do talento inato

como necessário para o aprendizado bem-sucedido da música.

Essa solução reduz a responsabilidade do professor, e mesmo do aluno, no processo de

aprendizagem porque é o “destino” (a sorte de ter essa inteligência de forma inata), que

determina o componente crucial para o sucesso na música e a motivação necessária à sua

prática.

Outra consequência também dessa abordagem ao mudar a palavra “talento” para

“inteligência musical” ocorre o perigo do reforço de um comportamento associado ao habitus

88

conservatorial (“o forte caráter seletivo dos estudantes, baseado no dogma do ―talento inato.

(PEREIRA, 2012, p. 124)) ser agora tratado como “fato científico”. Para Pereira (2012):

O conservatório, desde a sua criação, tem dado o tom da educação musical, instituindo

as práticas possíveis, organizando os significados, valores e ações referentes ao ensino

musical. E o consenso sobre estas práticas conservatoriais perpassa não somente os

cursos de Licenciatura em Música, como também as escolas especializadas, projetos

sociais e as representações do senso comum sobre música e ensino musical.

(PEREIRA, 2012, p. 121)

Aqui observou-se que esse habitus pode estar contido, além desses espaços citados

acima, nos trabalhos acadêmicos reforçando as representações do senso comum. Notou-se

também que, dentro do campo (BOURDIEU, 2010) da educação musical para instrumentos a

introdução de novos elementos e a disputa entre novos valores que situam a profissionalização,

o ideal de formação e o ideal de aluno, ora em uma perspectiva mais inclusiva hora em uma

perspectiva mais romântica.

É interessante notar nesse ponto que o professor com um dos discursos mais inclusivos

que demostrou plena consciência da existência de um paradigma que precisa ser transposto (P2)

indicou um aluno seu (A1) que ainda percebe claramente as representações e valores associados

a esse paradigma.

Nesse caso, isso não implica em afirmar que o discurso de um não corresponde a prática

do outro, mas que no mesmo campo que constitui a educação musical na Escola de Música da

UFRN estão em disputa valores e representações opostos com relação a um ou vários objetos.

No caso, um desses objetos é a representação social de musicalização para adultos, que

hora é vista por uma ótica mais abrangente e inclusiva, hora é vista segundo a tradição

conservatorial, que afirma que se um aluno começa no instrumento “muito velho” ele não tem

chances de crescimento ou profissionalização.

O discurso mais abrangente e inclusivo corresponde a formação de novos valores a

partir de questionamentos de pesquisadores como os da área da educação musical, tais como

Penna (2008), Pereira (2014), entre outros.

Também é formado a partir de discussões entre professores de instrumento, no entanto

nesse caso a pesquisa aponta para a existência de “ilhas” formadas pelos professores de um

determinado instrumento que, muitas vezes reproduzem entre eles os valores relacionados ao

sistema conservatorial e em outras vezes os questiona. Nota-se, o colaborador P2 afirma que

89

“hoje temos professores de [instrumento] mais preparados para serem educadores do que a vinte

anos”. Outro professor de outro instrumento já afirma exatamente o contrário:

Eu acho que no Brasil, hoje em dia, tem muito mais bons [instrumentistas] do que

bons professores. (..)grande parte dos professores hoje em dia, não só de

[instrumento], em geral, foram pessoas que tocam bem e que dão aula. A maioria não

estudou pra isso, não reflete criticamente sobre maneiras melhores de ensinar os

alunos, já vi muito preconceito com ...gente que estudou mais velho. (P1 - Entrevista

realizada em 2016).

Outros ainda afirmam que não existe discussão a respeito da musicalização no seu

instrumento entre seus pares e outros ainda que afirmam reproduzirem e concordarem com a

forma de ensinar que receberam de seus professores da graduação.

No que diz respeito a questão da musicalização na idade adulta, os professores

entrevistados que tiveram sua iniciação em uma idade considerada mais velha para o

instrumento ou já próximo da idade adulta afirmam ter uma opinião contrária ou única em

relação a seus pares.

Nesse sentido, ambos os professores nessa situação demonstram uma abordagem e uma

percepção dos alunos mais velhos segundo a experiência pessoal deles, de modo a evitar os

constrangimentos e as adversidades que passaram na sua experiência como alunos.

7.4 SOBRE O QUE SE OUVE

Os resultados dessas representações negativas a respeito das possibilidades de sucesso

no meio musical baseadas no tempo a longo prazo como um capital determinante para o sucesso

do aluno em um ideal de profissionalização restrito podem ser observados através de relatos,

de atitudes e de práticas de professores de música no sentido de dissuadir os alunos do estudo.

Por vezes, essas atitudes beiram a humilhação. A seguir relatos vividos por alguns dos

colaboradores que hoje são professores da Escola de Música da UFRN:

P1_ Eu antes de entrar aqui quando eu comecei, eu ouvi várias vezes que eu não

devia...como eu comecei com vinte aos de idade eu devia parar de tocar... e fazer

outra coisa....

_Você ouviu isso de quem?

90

P1_Foi de professores, professores de festival...isso no começo...Ouvi de muita

gente...de professores que depois vieram a se tornar meus colegas, entendeu, mas que

falaram: ‘olha profissionalizar não vai dar certo, você já está muito velho.’ Eu ouvi

isso mais de uma vez, numa época. Depois eu parei de escutar isso. Mas é... já ouvi

isso de muita gente.

Em outro momento:

“Eu cheguei, eu tava estudando a um ano [instrumento] tava tocando [método], estava

com vinte e um anos de idade e ai eu fui fazer uma audiçãozinha que todos os alunos

tinham que tocar pr’os professores, porque tinha três orquestras de três níveis

diferentes. E aí os professores botavam os alunos: ‘esse aqui é iniciante, vai pra

orquestra tal...esse aqui é avançado...’. E aí todos os alunos tinham que tocar, você

tocava uma peça e ai eles te botavam numa orquestra. E ai eu entrei na sala, eu lembro

disso como se fosse ontem, e na sala tinham três professores de [instrumento] ...dos

três professores um já foi meu colega de orquestra agora, outro é meu colega e outro

eu nunca mais vi, mas enfim...E ai quando eu cheguei eu toquei a [música] do

[método] ...tocava muito mal porque eu estava nervoso, e tal...E ai eu lembro que eles

me perguntaram, eles fizeram tipo uma entrevista comigo: ‘tudo bem? Quantos anos

você tem?’ ai eu ‘tenho vinte e um’, ‘quanto tempo você toca?’ ‘Um ano’ ai um dos

professores me perguntou: ‘por que que você toca [instrumento]? O que você faz da

vida?’ ai eu ‘faço publicidade e propaganda, comunicação social, mas esse ano eu

resolvi que quero fazer vestibular pra [instrumento] quero me profissionalizar e tal..’

E ai as pessoas falaram: ‘olha você já está velho demais...eu não conheço ninguém

que começou na sua idade e conseguiu se profissionalizar...se eu fosse você eu

continuava com a publicidade ... tratava o [instrumento] como um hobby’ ...entendeu?

Eu ouvi várias e várias dessas coisas. E entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Eu

sabia que eu queria, as pessoas nunca tinham me visto na vida. Mas com certeza eles

me falaram isso por causa da minha idade não foi porque eu toquei mal. Se eu tivesse

oito anos de idade e tivesse tocado mal eles iam falar: ‘beleza, você tem oito anos de

idade, você tem muito tempo pela frente, se preocupa não.’ (P1, grifo do autor)

Em outro caso:

Então eu tinha efetivamente, quando eu comecei [instrumento] eu tinha quinze anos.

E aí o que é que acontece, comecei a estudar comecei a gostar só que foi a coisa que

eu mais ouvi na minha vida: ‘muito tarde para começar. Muito tarde, quinze anos já

não dá mais...’. Por que? Porque todos os colegas tinham começado com sete anos,

oito anos O pessoal já tocava concertinhos de Bach, concertinhos de Haydn eu tocando

[música], né? [...] Eu tive um professor antes de [nome] que se eu tivesse

continuado com ele mais um semestre eu tinha desitido. Eu entrava na sala e ele

dizia assim: ‘tá muito velho...’ Quando você desligar o gravador eu digo quem foi.

Após a gravação segue relato do entrevistando narrando as aulas em que chegava e o

professor dizia: ‘tá muito velho para o [instrumento]’. (P5)

91

Dessa forma, se por um lado percebemos que as representações negativas em relação a

musicalização de adultos podem gerar atitudes práticas nocivas, por outro lado notou-se o

quanto essas atitudes fortalecem naqueles que as superam a percepção de que existem outras

ferramentas capazes de se contrapor à falta de tempo em anos para desenvolver os estudos de

música. Dentre essas ferramentas talvez a mais importante seja acreditar que é possível a

iniciação musical de um aluno mais velho:

Então se você quer botar seu filho de quatro anos de idade para estudar, bota. Se tiver

cinquenta e seis e quiser aprender a tocar um instrumento, aprende. Então é isso. (P1

- Entrevista realizada em 2016).

E contra tudo e contra todos, todo mundo dizendo que não dava, tudo ...eu botei na

cabeça que dava e fui. E isso, de uma certa forma foi tão bom pra mim que eu hoje

quando chega alguém mais velho eu já me vejo ali, sabe? Então eu procuro dar todo

apoio, tudo, porque eu sei que é possível. Eu acho que é possível. (P5 - Entrevista

realizada em 2016).

Acima no item 4.2 também citam-se relatos de como representações negativas por parte

da família geram atitudes extremamente nocivas para a prática musical. Também notou-se no

caso da família representações negativas associadas a ideias pré-estabelecidas de

profissionalização e trabalho, mas que naquele caso não se referem aos paradigmas do modelo

conservatorial.

92

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quanto ao objetivo geral desse trabalho - identificar as representações sociais que

mediam as relações entre a adultez e o ensino de instrumentos musicais de tradição

conservatorial na Escola de Música da Universidade Federal do Rio Grande do Norte na cidade

do Natal-RN – Notou-se que as representações sociais do aluno adulto iniciante de instrumento

estão associadas com a ideia de dificuldade.

Essa dificuldade está relacionada com a forma com a qual o campo da educação musical

de instrumentos de tradição conservatorial percebe o tempo como capital fundamental e

necessário para o desenvolvimento ao instrumento. Esse tempo é percebido na sua dimensão

em anos, que se relaciona com o desenvolvimento profissional e com sua dimensão em horas,

que se relaciona à prática diária ao instrumento.

De uma forma geral, quanto menos tempo o aluno tem para se desenvolver, mais difícil

será seu processo de formação e pior será categoria em que será classificado quanto estudante

de iniciação.

Apesar de fundamental, o tempo não se apresenta como elemento único necessário ao

“bom desempenho” e à profissionalização em música. Para parte dos colaboradores que tiveram

em sua trajetória que lidar com uma iniciação tardia ao instrumento, outras estratégias são

apresentadas para alcançar os resultados desejados, tais como, o foco nos estudos e a

consciência sobre o processo de ensino. Para os colaboradores que não vivenciaram a escassez

de tempo é mais difícil perceber possibilidades de profissionalização para àqueles que

começaram tardiamente.

Não notou-se diferenças entre as representações compartilhadas por professores ou por

alunos considerados adultos, os dois grupos valoram da mesma maneira o tempo de estudo e

reconhecem como difícil a iniciação de um aluno como mais idade.

A única diferença quanto as representações sociais dos dois grupos estudados nesse

trabalho (professores de instrumento e alunos de instrumentos adultos) foi que se o sujeito,

professor ou aluno, vivenciou dificuldades na sua formação que tiveram relação com a idade,

esse sujeito tende a perceber as diferenças, problemas e vantagens dessa condição.

De forma semelhante, se o professor vivenciou dificuldades com relação a idade em que

se deu a sua iniciação ao instrumento ele tenderá mais a sentir empatia pelo aluno que passa

93

pelo mesmo problema e sua percepção com relação ao ensino de instrumento tende a ser

divergente em relação aos professores de sua área e os procedimentos considerados como

negativos dos professores de sua formação.

O ideal de profissionalização que baliza a percepção, medição do tempo e sua aplicação

para o desenvolvimento do instrumento aparece associado à performance quando descrito por

professores e associado a outras possibilidades de inserção profissional quando percebido por

estudantes. Dentre essas possibilidades destaca-se a prática docente, o que vai de encontro aos

objetivos dos cursos de formação e sugere a necessidade de revisão do ideal almejado pela

instituição.

Dentro do campo de ensino de instrumentos de tradição conservatorial são encontrados

valores associados ao habitus conservatorial, como excelência na performance, mas também

aparecem com frequência valores associados ao campo da educação e pedagogia como o

princípio de adequação dos procedimentos, repertórios e métodos aos alunos e a inclusão. A

presença desses valores é positiva para a educação musical ao instrumento e deveria ser

discutida e reforçada como parte da formação ao instrumento.

Os resultados possibilitam referências a teoria das janelas de oportunidades de Gardner

(1983 apud ILARI, 2003) como apresentados por Ilari (2003), que descreve os períodos em que

as crianças parecem ter maiores facilidades para desenvolverem cada tipo de inteligência, no

caso, a inteligência musical.

As representações sociais de melhor idade para o início do aprendizado do

instrumento correspondem às representações de idade mais cedo para o início do

instrumento. É possível ainda que esse conceito, juntamente com pesquisas semelhantes, tenha

contribuído para a formação da representação de quanto mais cedo melhor para aprender

música, de modo semelhante ao descrito no chamado efeito Mozart (BANGERTER; HATH,

2004).

No entanto, a ideia complementar a essa teoria, de que o desenvolvimento de uma

inteligência não se limita apenas àquele período de abertura da janela, não aparece com tanta

força simbólica quanto a primeira representação, muito pelo contrário. Isso reforça a

necessidade de trabalhos na área de educação musical como Renner (2007), que propõe outros

olhares a respeito das relações entre adultos e a música ao longo da vida.

94

Atualmente, o paradigma do trabalho oposto ao lazer e ao desenvolvimento de

atividades criativas e prazerosas é questionado por Massi (2012) que propõe um modelo de

ocupação produtiva que possa unir o trabalho, o jogo e o aprendizado no chamado ócio criativo.

Esse modelo apresenta grande sintonia com a representação contemporânea de adulto

inacabado e com a filosofia do aprendizado ao longo da vida livelong learnig, que tem como

base proposições teóricas presentes em documentos como: Learning: The treasure within

(UNESCO, 1996).

Essas novas maneiras de abordar o trabalho e as oportunidades de crescimento, das quais

a educação musical pode fazer parte, podem contribuir para outras possibilidades de inserção

da música na vida de adultos e para a formação de novos modelos e paradigmas para a educação

musical nos quais a música possa representada em outras categorias e não apenas como um

hobby/terapia ou uma atividade profissional.

Ao realizar esse trabalho tive descobertas inesperadas, como os relatos dos

colaboradores de citaram vários colegas adultos, ou quase, que se iniciaram ao instrumento já

focados na profissionalização e que seguiram esse caminho, muitas vezes alcançando a meta.

As referências a partir da literatura sugeriam uma frequência bem menor.

Outra surpresa foi a maturidade dos discursos dos professores com relação à percepção

de sua formação e de suas fragilidades. Me surpreendeu ter hoje profissionais refletindo a

respeito de seu papel e a respeito de possibilidades de envolver os alunos no processo de

formação.

Muitos colaboradores deixaram claro que essa reflexão tinha sido fruto das lacunas na

sua formação. Essa atitude poderia ter feito a diferença na vida de muitas pessoas no passado

que abandonaram a música por não poderem se adaptar a carga de exigências imposta por

profissionais que tinham um entendimento diferente.

Um aspecto que permeia vários pontos desse trabalho é o poder simbólico e com ele a

questão da violência simbólica (BOURDIEU, 2008, 2010). Essa violência se apresenta, através

da aceitação de um arbitrário cultural por aqueles que são excluídos justamente por esse

arbitrário (BOURDIEU, 2010).

Aqui, usando arbitrário cultural no sentido de Bourdieu e Passeron (2014), como um

conteúdo que é ensinado, inculcado, através do processo educativo e que, apesar de poder ser

qualquer outro, corresponde aos interesses de uma classe dominante que detêm o poder no

95

campo. Esse arbitrário é concebido para se adequar aos interesses dos dominantes e é legitimado

através das autoridades pedagógicas e instâncias formativas, de modo que, mesmo as classes

oprimidas por esse conteúdo o consideram legítimo (“certo”) e o defendem em detrimento de

seus próprios interesses e experiências formativas.

A música europeia pode ser entendia como um arbitrário cultural. Ela corresponde aos

interesses de uma classe dominante e em vários contextos, mesmo aqueles oprimidos por esse

arbitrário ainda o consideram como modelo legítimo de música em detrimento de outras

expressões mais significativas para eles. Isso é um exemplo de poder simbólico (BOURDIEU,

2010).

A violência simbólica se dá através da coerção que esse poder exerce, a qual permite

que se obtenha “de forma quase mágica” a mesma coerção exercida pelo uso da força física, só

que aqui essa violência, por ser simbólica, é ignorada como tal porque a própria vítima a percebe

como legítima. Segundo Bourdieu (2010, p.14-15),

O poder simbólico como poder de construir o dado pela enunciação, de fazer ver e

fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, desse modo, a ação

sobre o mundo, portanto o mundo, poder quase mágico que permite obter o

equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica) graças ao efeito

específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como

arbitrário. Isto significa que o poder simbólico não reside nos «sistemas simbólicos»

em forma de uma «illocutionary force» mas que se define numa relação determinada

– e por meio desta – entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos, quer

dizer, isto é, na própria estrutura do campo em que se produz e se reproduz a crença.

O que faz o poder das palavras e das palavras de ordem, poder de manter a ordem ou

de a subverter, é a crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia,

crença cuja produção não é da competência das palavras (BOURDIEU, 2010, p. 14-

15).

Será que, a ideia de que se aprende música apenas na infância não corresponde também

a um arbitrário, o qual apesar de contrariar a experiência e os interesses de muitos alunos,

corresponde a um padrão único e correto para todos?

Por fim, esse trabalho revela a necessidade de questionar a forma de perceber a realidade

e de encarar os alunos adultos iniciantes de instrumento de tradição conservatorial. Esses

questionamentos deveriam ser refletidos durante o processo de formação e estar presentes

durante a vida profissional, de preferência, incentivados por professores e instituições.

Ao longo desse trabalho, nas oportunidades que tive de expor alguns conceitos básicos

relacionados ao tema, por ocasião de congressos ou seminários, a ideia de que a “idade certa

96

para começar um instrumento”, é uma representação, embora evoque uma forte carga afetiva e

vários relatos, ainda carece de base teórica para ser compreendida e aproveitada no meio da

educação musical.

Talvez isso, possa sugerir que, além do domínio técnico no instrumento ou domínio

metodológico e pedagógico, os currículos de formação em música, tanto no bacharelado quanto

na licenciatura, possam incluir ferramentas que possibilitem ao profissional o trabalho com o

universo simbólico que cerca esse campo e a dimensão simbólica da qual a própria arte faz

parte. Nesse sentido, a teoria de Bourdieu (2008, 2010) ou a de Moscovici (2008) podem

fornecer uma base para futuros desdobramentos e pesquisas que trabalhem a dimensão

simbólica, seus problemas e conteúdos.

97

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Universidade do Estado

103

APÊNDICE A - Proposta de roteiro para entrevistas semiestruturada realizada com os

professores:

1. Sócio-culturais:

a. Qual sua faixa etária:

i. 18 a 25 anos

ii. 26 a 30 anos

iii. 31 a 36 anos

iv. 37 a 40 anos

v. 41 a 45 anos

vi. 46 a 50 anos

vii. 50 a 60 anos

viii. 60 a 70 anos

ix. Acima de 70 anos

2. Com que idade você iniciou o estudo em música?

a. Como era esse estudo? (em casa, na escola, etc)

b. Quais os motivos de você começar a estudar nessa idade?

3. Qual a idade que o senhor(a) considera melhor para a iniciação de seu instrumento?

a. Por que?

4. Seus alunos nos últimos dois anos estão dentro dessa idade?

5. O senhor acha que dependendo do instrumento, a idade melhor para a iniciação pode

ser diferente?

a. Por que?

6. Existe alguma variação na maneira de ensinar os alunos que estão nessa idade para os

que estão acima ou abaixo dessa idade?

a. Quais seriam as principais dificuldades e facilidades que acompanham essas

faixas etárias, os mais novos e os mais velhos?

7. Como o senhor(a) acha que deve ser a iniciação de alunos adultos no seu instrumento?

a. Quais são os pontos mais importantes a serem considerados? (técnica, tempo

de estudo, talento, etc)

8. Quais as vantagens ou prejuízos de se começar o estudo de música na idade adulta?

a. (Em que o senhor(a) baseia essas respostas?)

104

9. Como o senhor(a) vê a interferência do trabalho (no caso de uma aluno que trabalha)

em relação ao aprendizado do instrumento?

10. Quais os objetivos do estudo? O que ele deve alcançar, tecnicamente,

profissionalmente?

a. Como o efeito da idade pode alterar esse objetivo

11. Como o senhor vê a interferência da maternidade ou paternidade em relação ao estudo

do instrumento?

12. O senhor(a) considera que a sua visão a respeito desse assunto corresponde a dos seus

colegas professores?

13. O senhor (a) considera que a sua visão desse assunto corresponde a de seus

professores de música no período de sua formação?

14. O senhor(a) deseja acrescentar alguma coisa com relação ao tema da iniciação ao

instrumento em idade adulta?

105

APÊNDICE B - Proposta de questões para entrevista semiestruturada realizada com os

alunos:

1. Sócio-culturais:

a. Qual sua faixa etária:

i. 14 a 17 anos

ii. 18 a 25 anos

iii. 26 a 30 anos

iv. 31 a 36 anos

v. 37 a 40 anos

vi. 41 a 45 anos

vii. 46 a 50 anos

viii. 50 a 60 anos

b. Você trabalha?

i. Na área de música?

c. Têm filhos?

2. Com que idade você iniciou o estudo em música?

a. Como era esse estudo? (em casa, na escola, etc)

b. Quais os motivos de você começar a estudar nessa idade?

3. Qual a idade que o senhor(a) considera melhor para a iniciação de seu

instrumento?

a. Por que?

4. Houve alguma dificuldade no seu ingresso na Escola de Música?

a. Se houve, quais?

5. Você percebe se tem as mesmas condições de estudo de um aluno que começa

mais jovem que você ou mais velho?

a. Quais as diferenças na sua opinião entre os alunos mais velhos e mais

jovens que você?

6. Quais as suas principais dificuldades no estudo do seu instrumento?

7. Você acha que seus colegas compartilham as mesmas dificuldades suas?

a. Por que?

8. O que você deseja alcançar com seu estudo musical?

106

9. Você acha que seus professores de música compartilham de suas opiniões a

respeito de suas dificuldades e facilidades?

10. Você acha que sua família compartilha de suas opiniões a respeito de suas

dificuldades e facilidades?

11. Você acha que seus colegas de turma compartilham experiências semelhantes de

suas dificuldades e facilidades?

12. Você acha que alunos da mesma idade que você sente as mesmas dificuldades no

seu instrumento?

107

APÊNDICE C – Termo de consentimento livre e esclarecido

Convidamos o(a) Sr.(a)_______________________________________________

para participar da pesquisa de mestrado intitulada provisoriamente “Educação musical para

adultos: Representações sociais sobre idade e musicalização”, sob a responsabilidade do

pesquisador Magno Augusto Job de Andrade, devidamente matriculado (matrícula número:

2015103213) no curso de Pós Graduação (mestrado) em Música pela UFRN.

Sua participação é voluntária e se dará por meio de conversas informais e entrevistas

guiadas que poderão ser feitas em situações específicas e de seu conhecimento.

Se depois de consentir sua participação o Sr. (a) desistir de continuar participando

tem o direito e a liberdade de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, seja

antes ou depois da coleta de dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua

pessoa.

Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mas sua identidade não será

divulgada, se assim o quiser, sendo guardada em sigilo.

Eu, _______________________________________________________________,

fui informado(a) sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha colaboração,

e entendi a explicação. Por isso, eu concordo em participar deste projeto de pesquisa na

condição de colaborador e pesquisado.

Data: ______/________/_______

Assinatura do participante:_____________________________________________________

Assinatura do pesquisador

responsável:_____________________________________________________