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EDUCAÇÃO E CULTURA NA LUTA POR EMANCIPAÇÃO DA HUMANIDADE: ataques e resistências no governo Bolsonaro Franklin Douglas (Coordenador da mesa) Doutor em Políticas Públicas (UFMA). E-mail: [email protected] Cacilda Rodrigues Cavalcanti Doutora em Educação (UFMG). E-mail: [email protected] Eblin Farage Doutora em Serviço Social (UERJ). Secretária geral do ANDES Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior). E-mail: [email protected] Raquel Dias Doutora em Educação (UFC). Coordenadora do GTPE (Grupo de Trabalho de Política Educacional do ANDES Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior). E-mail: [email protected] Selma Maria Silva de Oliveira Brandão Doutora em Políticas Públicas (UFMA). E-mail: [email protected] EMENTA O papel da mídia na educação e formação da cultura de massa no Brasil. O desmonte da educação superior, o projeto do capital e a ascensão da extrema direita no Brasil. Os rumos da política de ciência e tecnologia no governo Bolsonaro. As lutas de resistência pela Educação Pública de qualidade no Brasil e os ataques do governo Bolsonaro. Escola sem partido.

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Page 1: EDUCAÇÃO E CULTURA NA LUTA POR EMANCIPAÇÃO DA …...EDUCAÇÃO E CULTURA NA LUTA POR EMANCIPAÇÃO DA HUMANIDADE: ataques e resistências no governo Bolsonaro Franklin Douglas

EDUCAÇÃO E CULTURA NA LUTA POR EMANCIPAÇÃO DA HUMANIDADE: ataques e

resistências no governo Bolsonaro

Franklin Douglas (Coordenador da mesa)

Doutor em Políticas Públicas (UFMA). E-mail: [email protected]

Cacilda Rodrigues Cavalcanti

Doutora em Educação (UFMG). E-mail: [email protected]

Eblin Farage

Doutora em Serviço Social (UERJ). Secretária geral do ANDES – Sindicato Nacional dos

Docentes de Instituições de Ensino Superior). E-mail: [email protected]

Raquel Dias

Doutora em Educação (UFC). Coordenadora do GTPE (Grupo de Trabalho de Política

Educacional do ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes

de Instituições de Ensino Superior). E-mail: [email protected]

Selma Maria Silva de Oliveira Brandão

Doutora em Políticas Públicas (UFMA). E-mail: [email protected]

EMENTA

O papel da mídia na educação e formação da cultura de massa no Brasil. O

desmonte da educação superior, o projeto do capital e a ascensão da extrema direita no

Brasil. Os rumos da política de ciência e tecnologia no governo Bolsonaro. As lutas de

resistência pela Educação Pública de qualidade no Brasil e os ataques do governo

Bolsonaro. Escola sem partido.

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A IDEOLOGIA E O “PODER” DA COMUNICAÇÃO NA FORMAÇÃO DA CULTURA DE

MASSA NO BRASIL

Franklin Douglas1

RESUMO: Reflexão sobre o conceito de cultura a partir do pensamento do italiano Antonio Gramsci. Inter-relaciona cultura com a categoria ideologia e com a comunicação. Caracteriza cada um dos termos e reflete como são pertinentes para a análise da situação da brasileira.

Palavras-chave: Cultura. Ideologia. Comunicação.

ABSTRACT: Reflection on the concept of culture from the thought of the italian Antonio Gramsci. It interrelates culture with the ideology category and with communication. It characterizes each of the terms and reflects how they are relevant to the analysis of the brazilian situation.

Keywords: Culture. Ideology. Communication.

1 INTRODUÇÃO

Inicialmente, há a necessidade de delimitarmos três pontos de partida para a nossa

reflexão nesta mesa, especialmente da temática a que me proponho trabalhar: ideologia,

cultura e comunicação.

Todos os três pontos enfrentando a sedimentação desses conceitos no senso

comum. E o faço não por compreender o senso comum como negativo ou estático. Ao

contrário, participo do entendimento de Gramsci sobre ele, que diz em seus Cadernos do

Cárcere:

Todo estrato social tem seu “senso comum” e seu “bom senso”, que são, no fundo, a concepção da vida e do homem mais difundida. Toda corrente filosófica deixa uma sedimentação de “senso comum”: é este o documento de sua efetividade histórica. O senso comum não é algo rígido e imóvel, mas se transforma continuamente, enriquecendo-se com noções

científicas e com opiniões filosóficas que penetraram no costume. O “senso comum” é o folclore da filosofia e ocupa sempre um lugar intermediário entre o folclore propriamente dito (isto é, tal como é entendido comumente) e a filosofia, a ciência, a economia dos cientistas. O senso comum cria o futuro folclore, isto é, uma fase relativamente enrijecida dos conhecimentos populares de uma certa época e lutar [Caderno 24]. (GRAMSCI, 2001, p. 209 – grifos nossos).

1 Doutor em Políticas Públicas (UFMA). E-mail: [email protected]

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Assim, o primeiro ponto que registro: não estou tratando de conceitos em seus

sentidos mais estritos e específicos que o senso comum nos coloca. Ou seja: não vejamos

aqui cultura como sinônimo de manifestação artística, expressão musical ou muito menos

como exteriorização de alto conhecimento, nível educacional elevado. Não! Esses dois

sentidos presentes no senso comum não nos interessam aqui. Para além deles, um conceito

mais complexo, que compreende a cultura no sentido de uma cadeia de relações, vamos

dizer assim, que costura, entrelaça, liga, amalgama as relações e interações existentes na

sociedade.

O segundo ponto: também não trabalharei aqui o conceito de ideologia no sentido

atribuído pelo marxismo ortodoxo: uma inversão da realidade, uma falsa consciência. Não

há tempo e espaço, tampouco, para expor o caminho do termo, dos franceses de Napoleão

Bonaparte aos estudos do húngaro Karl Manheim. Dele, fiquemos com a ideia de que o ato

de conhecimento resulta de inúmeros elementos, de natureza não de consciência

puramente teórica, mas também proveniente da vida social e suas influências. Assim,

partiremos da conceituação que compreende a ideologia como conjunto de ideias que

dirigem a ação humana, que conduzem as escolhas tomadas pelo ser humano em

sociedade. Trabalharei ideologia como concepção, como visão de mundo.

Por fim, um terceiro ponto: rejeitarei outro senso comum que se estabeleceu no

campo de estudo da comunicação: a comunicação como quarto poder. Esse sentido

emergiu da reflexão muito influenciadora do padre gaúcho Pedrinho Guareschi junto às

Comunidades Eclesiais de Base, nos anos 1980 e, depois, como também docente da

PUC/RS, entre estudantes de comunicação e alguns acadêmicos que incorporaram o

conceito. O movimento social focado na luta pela democratização da comunicação também

é muito responsável pelo enraizamento dessa concepção. De outro lado, há uma parte de

comunicólogos que utilizaram esse sentido para tentar equiparar sua capacidade de

influência a dos poderes constituídos na teoria pós-Revolução Francesa que fundou o

Estado em sua tríplice divisão de poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. A

comunicação emergiria como quarto poder na sociedade midiática que se juntaria aos

demais constituídos.

Vejo isso muito na perspectiva daqueles que, sendo jornalistas, formadores de

opinião em grande escala, queiram ser tratados como chefes do poder executivo,

parlamentares ou juízes. Mera ilusão! Nem o poder desses, tampouco seus salários! A

comunicação não é o quarto poder, muito menos o principal, ainda que assim se apresente.

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Se há um poder que paira sobre os demais, este é o poder econômico, ao qual a

comunicação está submetida e não o inverso.

Feitas essas considerações preliminares, esclareço o que já está evidente, penso:

situo-me no campo de estudos do pensamento gramsciano. Será pela trilha da reflexão do

italiano Antonio Gramsci que conduzirei minha abordagem.

Assim, esta contribuição para compreender o papel da mídia na educação e na

formação da cultura de massa, especificamente no Brasil, tem esse ponto de partida:

percorrei o caminho da conceituação, na obra gramsciana, de cultura, para em seguida,

inter-relacionar com ideologia e comunicação.

2 GRAMSCI, CULTURA, IDEOLOGIA E COMUNICAÇÃO

O conceito gramsciano de cultura não se encontra numa definição dada, específica

e acabada. Sua reflexão para alcançá-lo, na verdade, se distribui num enfeixado conjunto de

outros conceitos que vão se complementando, tais como intelectuais, ideologia, estrutura e

superestrutura, sociedade civil, sociedade política, bloco histórico, moral, educação,

trabalho, nova cultura política, hegemonia, etc.

Assim, quando Gramsci está preocupado com a luta entre as jovens gerações e as

velhas, ele está, ao questionar sobre o monopólio cultural da geração velha, se ela tornou

artificial ou prejudicial a passagem de valores e conhecimento de uma geração a outra, ele

está externando aqui um viés de seu conceito de cultura, o qual, não incorpora o erro maior

e mais comum de “não saber sair da própria concha cultural [e] [...] não ver as diferenças

sob as aparências iguais e não ver a identidade sob as diversas aparências” (GRAMSCI,

2001, p. 241), por exemplo. Pode-se perceber aqui a dimensão da pluralidade, da

diversidade, do elemento cultural, em Gramsci.

Da mesma forma, quando destaque que:

[...] as modificações nos modos de pensar, nas crenças, nas opiniões, não ocorrem mediante “explosões” rápidas, simultâneas e generalizadas, mas sim, quase sempre, através de “combinações sucessivas”, de acordo com “fórmulas de autoridade” variadíssimas e incontroláveis [...] assim, também se combinam variadamente, na esfera da cultura, as diversas camadas ideológicas [...]. Na esfera da cultura, aliás, as “explosões” são ainda menos frequentes e menos intensas do que na esfera da técnica [...] a cultura é produto de uma complexa elaboração [...] [Caderno 24]. (GRAMSCI, 2001, p. 207).

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Pode-se perceber aqui a dimensão processual, gradual e lenta e do elemento

cultural para Gramsci.

Ao se preocupar em atribuir à repetição uma característica necessária do método

didático, quando esboça que “a repetição paciente e sistemática é um princípio

metodológico fundamental: mas a repetição não mecânica, “obsessiva”, material, e sim a

adaptação de cada conceito às diversas peculiaridades e tradições culturais” (GRAMSCI,

2001, p. 206), Gramsci está evidenciando a dimensão da multiplicidade do elemento

cultural.

Ao chamar atenção de que “um erro muito difundido consiste em pensar que toda

camada social elabora sua consciência e sua cultura do mesmo modo, com os mesmos

métodos [...]” (GRAMSCI, 2001, p. 205), podemos perceber aqui a dimensão classista do

elemento cultural por Gramsci.

Quando destaca a importância de se estudar o pensamento social católico

acentuando seu papel como “ópio ideológico”, “tendente a conservar certos estados de

espírito de expectativa passiva de tipo religioso, mas não como elemento diretamente ativo

de vida política e histórica” (GRAMSCI, 2001b, p. 193), temos aqui a dimensão religiosa

do elemento cultural, em Gramsci.

Quando atenta que cada época ou ambiente é contraditório e costumamos

expressar a própria época, colaborando ou combatendo a forma de vida oficial em que

vivemos, Gramsci articula aqui o que podemos evidenciar como a dimensão histórica do

elemento cultural.

E também, considerando-se que “[...] relações não são mecânicas. São ativas e

conscientes, ou seja, correspondem a um grau maior ou menor de inteligibilidade que delas

tenha o homem individual” e que “cada um transforma a si mesmo, modifica-se, na medida

em que transforma e modifica todo o conjunto de relações do qual ele é o centro

estruturante” [Cadernos 10] (GRAMSCI, 2004, p. 413), temos a dimensão transformadora

latente do elemento cultural.

Ao refletir sobre a estratégia que em dado momento foi útil à Inglaterra para

expandir a classe aristocrática em superioridade aos humildes através do estilo gentleman,

Gramsci anota como conceber a cultura:

O gentleman, portanto, é a pessoa culta, no significado mais nobre do termo, se por cultura entendermos não simplesmente riqueza de conhecimentos intelectuais, mas capacidade de realizar o próprio dever e de compreender seus semelhantes, respeitando todo princípio, toda opinião, toda fé que seja sinceramente professada [...] [Cadernos Miscelâneos]. (GRAMSCI, 2001, p. 99).

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Eis aqui a dimensão humanista do elemento cultural em Gramsci.

E ainda, a força e a dimensão do tradicional como marcas do elemento cultural,

quando Gramsci observa que: Destruir é muito difícil, exatamente tão difícil quanto criar.

Porque não se trata de destruir coisas materiais, trata-se de destruir “relações” invisíveis,

impalpáveis, ainda que se escondam nas coisas materiais. [Cadernos Miscelâneos].

(GRAMSCI, 2001a, p. 105).

Assim, a concepção de Gramsci de cultura é, sobretudo, marcada por uma

dimensão total, integral, do homem na sociedade. Evidenciada, por exemplo, quando ele

reflete sobre intelectuais, afirmando justamente não existir o não intelectual. Diz nosso autor:

[...] não se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um “filósofo”, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneira de pensar [...] [Caderno 12]. (GRAMSCI, 2001, p. 53).

Todo homem participa de uma concepção de mundo! Temos, em Gramsci, a

cultura como expressão da sociedade (GRAMSCI, 2001a, p. 121). E, num raro momento

de tentativa de síntese do conceito de cultura, a partir de um estudo seu sobre a arte de De

Sanctis, aduz Gramsci (2002, p. 63):

[...] Mas o que significa “cultura” neste caso? Significa, indubitavelmente, uma coerente, unitária e nacionalmente difundida “concepção da vida e do homem”, uma “religião laica”, uma filosofia que tenha se transformado precisamente em “cultura”, isto é, que tenha gerado uma ética, um modo de viver, um comportamento cívico e individual. [Caderno 23]. (GRAMSCI, 2002b, p. 64).

Ao registrar a concepção dos humanistas, de que “Cultura não é somente saber,

mas é também viver” (GRAMSCI, 2002c, p. 236), nosso pensador reafirma todas as

dimensões da cultura que aqui estamos didaticamente recortando:

a) a dimensão da pluralidade e da diversidade;

b) a dimensão processual, gradual e lenta;

c) a dimensão da multiplicidade;

d) a dimensão classista;

e) a dimensão religiosa;

f) a dimensão histórica

g) a dimensão transformadora latente;

h) dimensão humanista;

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i) a dimensão do tradicional;

j) dimensão total, integral, do homem na sociedade.

Eis o fértil terreno sobre o qual mina a ideologia!

Em Gramsci, “[...] as ideologias são expressões da estrutura e se modificam com a

modificação desta [...]” (GRAMSCI, 2004, p. 131). Muda a estrutura, muda a ideologia.

Ressalta, contudo, ele: o desaparecimento de uma estrutura não corresponde

necessariamente ao desaparecimento de elementos da superestrutura a ela vinculados.

Pode ocorrer que de uma ideologia sobrevivam elementos para além da estrutura superada.

Será a historicidade do conceito e do valor desses elementos que definirá o que caducará

ou não.

Ao esmiuçar seu argumento de que não se deve confundir as flutuações da política

e da ideologia com modificações estruturais, ele está realçando a máxima dialética existente

no movimento do real que une, com reciprocidade, as duas, estrutura e superestrutura. Isto

porque, justifica o autor, ao se pensar a estrutura “especulativamente”, como um “deus

oculto”, está se cometendo o erro de não pensar a estrutura historicamente, “como conjunto

das relações sociais nas quais os homens se movem e atuam [...]” (GRAMSCI, 2004, p.

297).

Gramsci (2004, p. 96) observa que existem diversas filosofias ou concepções do

mundo, e que entre elas sempre há a escolha por uma. Mas essa escolha não é puramente

intelectual. É um fato complexo e que muitas das vezes traz consigo uma contradição entre

o fato intelectual e a norma de conduta. E, “este contraste entre o pensar e o agir, isto é, a

coexistência de duas concepções do mundo, uma afirmada por palavras e a outra

manifestando-se na ação efetiva, nem sempre se deve à má-fé” (GRAMSCI, 2004, p. 97).

Em amplas massas, ela é expressão de contrastes mais profundos de natureza histórico-

social.

Na escolha de uma concepção de mundo, mesmo quando um grupo toma

emprestado para si a concepção de outro grupo, seja por subordinação ou submissão

intelectual, e que passa a seguir – ou porque, em épocas normais, já a segue – tem-se que

esse grupo a escolhe (ou a crítica) por decorrência de fatos políticos inseparáveis da

filosofia. Destarte, à luz da reflexão gramsciana, não há como separar dada concepção de

mundo de determinada política.

Ideologia aqui entendida, nos mesmos termos de Gramsci, como: [...] o significado

mais alto de uma concepção do mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito,

na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas.

(GRAMSCI, 2004, p. 98-99).

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Ideologia como “hipótese científica de caráter educativo energético, verificada e

criticada pelo desenvolvimento real da história, ou seja, transformada em ciência (hipótese

real), sistematizada” (GRAMSCI, 2004, p. 232).

O papel precípuo da comunicação, vamos assim entender a grande mídia em seu

conjunto geral de veículos e formadores de opinião pública em escala massiva, tem sido

exatamente este: conservar a unidade ideológica do bloco social cimentado pela concepção

de mundo/ideologia que vigora como dominante. Assim, a comunicação, essa mídia

corporativa que aí está, torna-se instrumento de solução para um problema, como historia

Gramsci (2004), que em épocas passadas apresentava extrema debilidade: se antes a

obstinação da Igreja romana era evitar a sua divisão em duas religiões, a dos “intelectuais” e

a das “almas simples”, trabalho o qual os jesuítas destacaram-se como maiores artesãos da

organização da cultura católica, a fim de evitar essa cisão entre os de baixo e os do alto, a

comunicação monopolizada no Brasil exerce com excelência esse papel antes

desempenhado pelos jesuítas. Contemporaneamente, ela é o principal mecanismo de

coesão ideológica do bloco social dominante.

Organicamente, ela se coloca e exerce um papel de intelectual, à medida que

elabora princípios e problemas os quais as massas colocam como sua atividade prática

(GRAMSCI, 2004). Unifica, assim, a solução a todos, aos “simples” e aos “intelectuais”, do

bloco cultural e social sobre o qual exerce sua influência. E o faz com maestria porque, na

sua lógica mercadológica, das disputas das audiências, dos públicos, ela precisa manter

permanente interação e contato cultural com as massas, sabendo compreender suas

respostas e retornos aos produtos e bens culturais lançados por ela, a fim de verificar sua

aceitação.

Essa lógica permite ao veículo não se desprender, não pender mais ao pensamento

filosófico individual de seus produtores, autores, diretores, editores, enfim, dos que elaboram

o processo cultural disseminado pela televisão, pelo rádio, pelos jornais de circulação

nacional, do que ao senso comum estabelecido entre os “simples”, aquelas imensas massas

que constituem as audiências.

Ora, dado que “a relação entre filosofia „superior‟ e senso comum é assegurada

pela „política‟” (GRAMSCI, 2004, p. 101), temos aqui que o papel intelectual exercido pela

mídia monopolizada é eminentemente político na conformação e permanente (re)elaboração

do senso comum sob o qual as massas se movimentam.

Isto porque, como lembra Gramsci (2004, p. 103), “o homem ativo de massa atua

praticamente, mas não tem uma clara consciência teórica desta sua ação”. Sua dupla

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consciência, a implícita na ação e a superficialmente explícita ou verbal, é herdada

acriticamente do passado. E, como reflete Gramsci (2004, p. 103):

“[...] esta concepção „verbal‟ não é inconsciente: ela liga a um grupo social determinado, influi sobre a conduta moral, sobre a direção da vontade, de uma maneira mais ou menos intensa, que pode até mesmo atingir um ponto no qual a contraditoriedade da consciência não permita nenhuma ação, nenhuma escolha e produza um estado de passividade moral e política”

(GRAMSCI, 2004, p. 103 – grifo nosso).

O que temos a observar, entre o vai e vem dessa comunicação controlada por meia

dúzia de multimilionárias famílias brasileiras (as famílias Marinho - Globo, Saad – Band,

Abravanel – SBT, Carvalho – Rede TV, Sirotsky – RBS, Civita – Veja, Mesquita – grupo

Estado, Frias – grupo Folha, dentre outras poucas e regionais, como Sarneys – Mirante,

Lobão – Difusora, para destacar a situação maranhense), é que ela torna-se instrumento

pelo qual os setores econômicos dominantes buscam impedir a ascensão da “compreensão

crítica de si mesmo” por parte das classes subalternizadas. A fim de impedir que, na luta de

“hegemonias” políticas, de direções contrastantes, no campo da ética, da política, se evite a

chegada a um patamar de elaboração superior da própria concepção do real pelas classes

populares (GRAMSCI, 2004).

Essa comunicação vinculada aos interesses da classe dominante age para

neutralizar qualquer processo de autoconsciência, posto que “a consciência de fazer parte

de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de

uma ulterior e progressiva autoconsciência [...]” (GRAMSCI, 2004, p. 103).

Evidente, como ressalta Gramsci (2004), esse “devir histórico” não é mecânico. Da

distinção, separação, independência quase instintiva entre a consciência teórica da ação e a

atuação prática, progride-se a uma concepção de mundo coerente, unitária. Ela emerge do

senso comum e o supera para, tornando-se crítica, constituir-se numa concepção do real

cujo progresso da unidade intelectual e ética implica também o desenvolvimento do conceito

de hegemonia.

A autoconsciência, crítica, significa, histórica e politicamente, a “criação de uma

elite de intelectuais [...] [posto que] não existe organização sem intelectuais, isto é, sem

organizadores e dirigentes” (GRAMSCI, 2004, p. 104 – grifo nosso). Nas classes populares,

a criação de intelectuais é um processo longo, cheio de contradições, avanços e recuos, de

debandadas e reagrupamentos (GRAMSCI, 2004). Algo, em menor proporção para a classe

dominante, uma vez que possui mais instrumentos de ação, mas também presente na

formação de seus intelectuais e dirigentes.

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No Brasil, a mídia exerce o papel de intelectual, de corpo dirigente e organizador da

ação da classe dominante. Não como “sujeito” principal, mas como “colaborador” essencial

dos setores aos quais se vincula para organizar a intervenção na realidade concreta, na

cultura hegemônica dominante.

3 À GUISA DE CONCLUSÃO

Como iniciei, parto à conclusão desta fala também pelo senso comum. Como já

frisei, o senso comum não é uma concepção única, idêntica no tempo e no espaço. É

desagregada, incoerente, inconsequente. No senso comum, predominam os elementos

realistas, imediatos: é um agregado caótico de concepções sem nexo. O que não significa a

inexistência de verdades no senso comum, mas que ele é conceito contraditório e

multiforme pelo qual o homem médio absorve acriticamente a concepção de mundo pelos

vários ambientes sociais e culturais nos quais desenvolve sua individualidade moral.

(GRAMSCI, 2004).

Portanto, reafirmo, o senso comum deve ser o ponto inicial da ação que se quer

transformadora. Para transformar o senso comum, há a necessidade de estabelecer um

novo senso comum, uma nova cultura, que se enraíze na consciência popular com a mesma

solidez que as crenças tradicionais.

A mídia trabalha muito bem com o senso comum. Sua relação é permanente e

flexível: ora reforça; ora tensiona. As pautas mais polêmicas da sociedade brasileira

contemporânea tem sido bons exemplos disso. O casamento homoafetivo, o beijo gay na

novela em horário nobre, a família não mais convencional (pai, mãe e filhos desses mesmos

pais), etc., são temas pelos quais a mídia tenta transformar o senso comum para uma nova

concepção. Dependendo da reação da sociedade, ela recua ou não na abordagem

proposta. Como na gramática midiática a audiência é a bússola principal: sua queda ou

aquisição de percentuais do público a faz medir com precisão até onde pode avançar.

Se é assim nesse plano das relações sociais, culturais, o mesmo não funciona no

plano da política. O único momento de recuo aceito pela mídia em sua pauta proposta é a

reação nas ruas e nas redes às suas proposições. Poucas vezes no sentido de abandonar,

quase sempre no objetivo de reformular a forma da abordagem.

Orienta-nos Gramsci:

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Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas “originais”; significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas, “socializá-las” por assim dizer; e, portanto, transformá-las em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual e moral. (GRAMSCI, 2004, p. 96).

E ressalta ele:

Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que compartilham um mesmo modo de pensar e de agir. Somos conformistas de algum conformismo, somos sempre homens-massa ou homens-coletivos. [...] Quando a concepção do mundo não é crítica e coerente, mas ocasional e desagregada, pertencemos simultaneamente a uma multiplicidade de homens-massa, nossa própria personalidade é compósita [...] (GRAMSCI, 2004, p. 94).

Aqui, ao, digamos, repetir as reflexões de Gramsci, sigo sua orientação. Mais do

que uma nova descoberta, talvez, e, sobretudo, nestes tempos tão obscuros, de Trump´s e

Bolsonaros, o mais importante seja difundir criticamente essas ideias de Gramsci, a fim de

que não sejamos, de maneira alguma, conformistas de algum conformismo, para que não

sejamos de jeito algum homens-massa, mas homens-coletivos, sujeitos de nossa própria

História!

REFERÊNCIAS

GRAMSCI, Antonio. Os Cadernos do Cárcere. Volumes 1, 2, 3, 4, 5, 6. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, 2001a, 2001b, 2002b, 2002c, 2004. KUCINSKI, Bernardo. Mídia da exclusão. In: KUCINSKI, Bernardo. A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 1998. LIMA, Venício A. de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006. MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004. RUBIM, Albino. Sociabilidade, Comunicação e Política: subsídios para uma alternativa teórica. Textos de cultura e comunicação, Salvador, 1992.

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O DESMONTE DA EDUCAÇÃO PÚBLICA SUPERIOR: as marcas do projeto do capital e a

ascensão da extrema direita no Brasil

Eblin Farage2

RESUMO: Este artigo trata do processo vivenciado pela educação pública superior no Brasil, tendo como referência a crise estrutural do capital que imprime um projeto de mercantilização das políticas públicas e a conjuntura nacional, aonde ganha expressão o recrudescimento do conservadorismo e os impactos da reestrutura do Estado na política de educação. Identifica os principais elementos do projeto do capital para a educação, dando visibilidade aos processos vividos pela política educacional e o projeto neoliberal. Reafirma a função pública, gratuita, de qualidade, laica e socialmente referenciada que a educação deve ter e coloca como desafio para alcançar a construção de um projeto de educação contra hegemônico a necessidade de reorganização da classe trabalhadora.

PALAVRAS CHAVES: Educação Superior. Projeto do capital para educação. Contrarreformas da educação.

ABSTRACT: This article deals with the process experienced by the higher public education in Brazil, with reference to the structural crisis of capital that implies a project of commercialization of public policies and the national conjuncture where the conservatism and the impact of the restructuring of the State in education policy. It identifies the main elements of the capital project for education, giving visibility to the processes experienced by the educational policy and the neoliberal project. It reaffirms the public, free, quality, secular and socially referenced function that education must have and poses as a challenge to achieve the construction of an education project against hegemonic the need for reorganization of the working class.

KEYWORDS: College education. Capital project for education. Counter-reforms of education.

1 INTRODUÇÃO

Refletir sobre a educação pública superior hoje no Brasil nos impõe analisar a crise

internacional do capital e a conjuntura, identificando os distintos projetos em disputa. Um

2 Doutora em Serviço Social (UERJ). Secretária geral do ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes

de Instituições de Ensino Superior). E-mail: [email protected]

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projeto hegemonizado pelos interesses do capital e outro pelos interesses dos

trabalhadores. Interesses que disputam entre si e são inconciliáveis, não sendo possível

mediação que permita ao mesmo tempo garantia de direitos duradouros e estruturais aos

trabalhadores e manutenção de privilégios da classe que domina economicamente.

Nesse sentido, o presente artigo aborda aspectos da educação superior pública,

com foco no período recente de agravamento da crise internacional do capital, que tem suas

bases na crise iniciada na década de 1970 a partir da identificação dos elementos desse

projeto imposto ao Brasil. Vale destacar que aparentemente os efeitos do projeto do capital

aparecem como desconexos, mas representam o conjunto das ações impostas para a

educação superior com o objetivo de transformá-la em mercadoria. Nesse processo, as

indicações do Banco Mundial (BM) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), são

absorvidas sobre a perspectiva da “modernização” e da necessidade de alinhamento

internacional com a política de educação superior, submetendo um conjunto de países, em

especial os de capitalismo tardio, como os da América Latina, a um mesmo processo

educacional.

O que transparece como ações desvinculadas, fazem parte de um mesmo projeto

de tentativa de reestruturação dos estados nacionais, após a crise internacional do capital,

para buscar recuperar suas taxas de lucro. Nesse trajeto, a educação passa a ser

considerada uma mercadoria central para contribuir na revitalização do capitalismo e como

meio para a apropriação do fundo público pela iniciativa privada. A mercantilização da

educação, assim como da saúde, da previdência social e de todas as áreas sociais,

conquistadas pelos trabalhadores como direitos sociais, passam a ser foco do projeto

privatista de desmonte das instituições públicas, conquistadas, em especial no Brasil, após a

Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Os rebatimentos da crise internacional do capital, iniciada na década de 1970, se

fazem sentir em países de desenvolvimento capitalismo tardio, de forma ainda mais

perversa e dura. Países como o Brasil e outros da América Latina, na qual os trabalhadores

tiveram poucas conquistas, as imposições das exigências de revitalização do capitalismo se

fazem sentir de forma ainda mais intensa. Nos países em que pouco se conquistou, em que

os direitos sociais já eram insuficientes, seletivos e fragmentados, qualquer perda de direitos

repercute de forma muito perversa no cotidiano dos mais pobres.

Nesse sentido, o presente artigo faz algumas reflexões sobre a Educação Superior

no Brasil e o projeto de contrarreforma do Estado e da Educação Superior no processo de

fortalecimento do projeto do capital.

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Ao identificar os elementos da totalidade e do projeto em curso do capital, identifica

a necessidade de construção de um projeto contra hegemônico, nos termos de Gramsci

(2000), e classista que tenha como foco as demandas da classe trabalhadora para contribuir

na construção de um projeto de emancipação humana, nos termos de Marx (2009). O autor,

que diferencia a emancipação política da emancipação humana, apesar de reconhecer que

a primeira é uma conquista e um avanço, salienta que está se restringe a ordem burguesa.

Para Marx (2009: 71) “toda emancipação política é a redução do homem, por um lado, a

membro da sociedade civil, a individuo egoísta independente; por outro lado, a cidadão, a

pessoa moral”. Já como emancipação humana Marx(2009: 71-72) afirma:

Só quando o homem individual retoma em si o cidadão abstrato e, como homem individual – na sua vida empírica, no seu trabalho individual, nas suas relações individuais -, se tornou ser genérico; só quando o homem reconhecer e organizar as suas forças próprias como forças sociais e, portanto, não separar mais de si a força social na figura da força política – (é) só então (que) está consumada a emancipação humana

Na perspectiva da construção da emancipação humana é necessário pensar a

educação que temos e a educação que queremos, se nos marcos do projeto do capital ou a

partir da superação desde modo de produção.

Nesse sentido a defesa de uma Universidade Pública, gratuita, laica, estatal,

socialmente referenciada e antipatriarcal, que consiga assegurar, como defende o ANDES-

SN (2013 p. 17), a “capacidade de assegurar uma produção de conhecimento inovador e

crítico, que respeite a diversidade e o pluralismo, contribuindo para a transformação da

sociedade”, se torna imprescindível.

2 A CONTRARREFORMA DO ESTADO E A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL

Tratar da Educação Superior na conjuntura nos impõe fazer uma breve análise do

momento político que vivemos no Brasil, vinculado com o desenvolvimento capitalista

internacional, em crise desde a década de 1970. Como já apontava Marx (2001), o

capitalismo é um sistema político- econômico-social e cultural cuja existência está vinculada

a crises cíclicas, que exigem sua reconfiguração na forma de gestão do Estado e/ou da

produção. As crises, segundo o autor, são cada vez menos espaçadas, aprofundando a

pauperização da classe trabalhadora e as expressões da questão social nos termos de

Iamamoto (1995).

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A crise cíclica e estrutural do capitalismo impõe uma reconfiguração do papel do

Estado, de forma a atender as exigências imediatas para a recuperação do sistema

capitalista, em especial a partir da tentativa de elevação de suas taxas de lucro. A cada

crise, alternativas no campo político e econômico vão sendo gestadas, com rebatimentos

importantes na vida social, cultural e política da classe trabalhadora. Já foram construídas

como alternativa à crise capitalista, diferentes formas de gestão do Estado e da

desigualdade social. Em alguns países da Europa, a partir da década de 1950, se gestou

um modelo de Estado “protetor”, denominado Estado de Bem Estar Social. Esse modelo

buscou superar a crise capitalista da década de 1930, repercutindo em várias partes do

mundo, como um modelo almejado de Estado mais “humano”, dentro da ordem do capital.

Vale destacar que o Estado de Bem Estar Social, que garantiu alguns direitos à

classe trabalhadora, foi uma experiência restrita a países de capitalismo avançado, não

sendo reproduzido em nenhuma de suas dimensões, no Brasil, nem no governo de Getúlio

Vargas (1930-1945) e nem nos governos de conciliação de classe3 de Luiz Inácio Lula da

Silva (2003- 2010) e Dilma Rousseff (2011-2016), como consideram algumas análises.

Na Europa como no Brasil inaugura-se uma nova fase do capitalismo monopolista,

o qual não conseguindo se recuperar da crise iniciada na década de 1970 passa a exigir

uma nova reconfiguração do Estado, apresentando-se em uma perspectiva neoliberal. O

neoliberalismo, como afirma ANDERSON (1995), “foi uma reação teórica e política

veemente contra o Estado intervencionista e de bem-estar”.

No Brasil, a política neoliberal começa a ser desenvolvida na década de 1990, no

governo de Fernando Collor de Mello(1990- 1992), mas especialmente a partir do governo

de Fernando Henrique Cardoso- FHC (1995-2002)4 – que investiu na privatização clássica

das empresas estatais, na recuperação da economia através do controle dos juros, na

consolidação do Plano Real e na retirada de direitos do funcionalismo público atacando as

políticas públicas, entre outros.

A década de 1990 marca, portanto, a contradição entre o início do desenvolvimento

da política neoliberal no Brasil e a luta pela efetivação da CF/88 que, apesar de traços

liberais, traz em seu conteúdo importantes conquistas para a classe trabalhadora. Na área

3 São considerados governos de conciliação de classe aqueles que utilizam, para governar, de uma

estratégia política, que busca ao mesmo tempo atender as demandas do capital e também algumas demandas da classe trabalhadora, assegurando a governabilidade e o apassivamento da classe trabalhadora. Por um lado garante a reprodução e o desenvolvimento do capitalista e por outro melhorias nas condições de vida da classe trabalhadora, de forma a mantê-la contidas. Essa estratégia busca uma conciliação de interesses da burguesia e do proletariado, que são, inconciliáveis. Essa estratégia de governabilidade não permite nenhuma mudança estruturante nas relações sociais. 4 FHC havia sido Ministro da Fazenda do governo de Itamar Franco (1992-1995), quando lançou o

Plano Real, que se manteve como carro chefe de seu primeiro governo.

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das políticas públicas e sociais merecem destaque na CF/88, o significativo avanço do

denominado tripé da Seguridade Social (Saúde, Assistência Social e Previdência), como

explicitado no artigo 194, o qual prevê que “a seguridade social compreende um conjunto

integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a

assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (Brasil, 1988). A

partir da compreensão da seguridade social como dever do Estado foi possível construir o

Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o Sistema Único de Saúde (SUS) e o sistema

de Previdência Social contributivo e solidário, que pela primeira vez incluiu os trabalhadores

rurais no sistema de proteção social.

A seguridade social inaugura um novo conceito de política pública e social no

Brasil, como atribuição do Estado e direito da população, reconhecendo a desigualdade

social na cidade como no campo. Porém, esse novo patamar de direito conquistado na

CF/88 foi frontalmente atacado a partir do projeto de reconfiguração do Estado iniciado pela

política neoliberal, em especial a partir do Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado,

conduzido por Luiz Carlos Bresser Pereira, então Ministro da Administração e Reforma do

Estado, em 1995, no governo de FHC.

Conquistamos formalmente na CF/88 direitos através de luta e reivindicação dos

movimentos organizados, porém, sua implementação e concretização passaram a ser

ameaçada pelo projeto neoliberal. O que nem havia sido consolidado começa a ser

desmontado. Educação, saúde, previdência e assistência social passam a ser consideradas

como mercadorias para contribuir na revitalização do capitalismo. O tripé da Seguridade

Social passa a ser considerado meio de apropriação do fundo público pela iniciativa privada,

proliferando fundos de previdência complementar, planos de saúde com convênios com

equipamentos públicos e organizações sociais para gerir as políticas de assistência social.

Assim, a partir da segunda metade da década de 1990 tem início o desmonte do que ainda

nem havia se consolidado, ficando inconcluso o processo de conquista e efetivação de

direitos no Brasil.

A área da saúde atravessa um longo e penoso processo de privatização interna,

com o repasse da gestão de importantes setores, como a atenção básica, para

organizações sociais e/ou ONG, aprofunda-se a parceria público-privada com o repasse de

verba pública para instituições privadas, em especial no atendimento de alta complexidade e

por fim impulsiona-se os planos de saúde privados.

Na área da Previdência Social, outro setor do tripé da seguridade social, passa por

várias contrarreformas, desde o governo de FHC com a instituição do fator previdência,

depois em 2003 no governo Lula, com o fim da paridade entre ativos e aposentados, fim da

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aposentadoria integral e a taxação dos aposentados e em 2012, no governo Dilma, com a

criação da FUNPRESP (Fundo de Previdência Complementar dos Servidores Públicos

Federais) que inaugura a aposentadoria complementar para o funcionalismo público federal,

colocando os servidores que ingressaram após 2013, no teto do regime geral de previdência

social. A quarta e mais intensa reforma da previdência, proposta pelo governo Temer a partir

de 2016, não se concretizou, dada a pressão organizada e combativa das entidades

sindicais e movimentos sociais e também pelo fato de estarmos próximos a eleições gerais

no país. Em 2019, com a ascensão da extrema direita ao governo federal com a eleição do

presidente Jair Bolsonaro (PSL), uma “nova previdência” passa a ser discutida e está sendo

colocada para aprovação no congresso nacional. Essa reforma da previdência deve ser

considerada uma das piores e mais perversas, já que acaba com a perspectiva da

previdência pública, vincula o direito a aposentadoria a regimes de capitalização, mais uma

ação voltada para o setor rentista da burguesia e busca a desconstitucionalização da

previdência social.

Na legislação trabalhista entre as muitas medidas que retiraram direitos dos

trabalhadores e precarizaram as políticas públicas, merece destaque a aprovação da

terceirização das atividades meio ainda no governo FHC, impondo a privatização gradual

das políticas públicas, com a terceirização e consequente precarização de vários serviços e

setores. Em 2017, no governo Temer, com a aprovação da terceirização da atividade fim, do

trabalho intermitente e da contrarreforma trabalhista, praticamente põem-se fim a

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, impondo um retrocesso de 50 anos aos

trabalhadores no Brasil.

Todas essas ações, que guardam vínculos com as propostas do Plano Diretor do

governo FHC, e portanto com o projeto de contrarreforma do Estado do neoliberalismo,

intensificam a submissão da economia brasileira aos interesses do desenvolvimento

capitalista internacional e as exigências dos organismos internacionais, como Banco

Mundial (BM), Fundo Monetário internacional (FMI) e o OCDE, deixando em último plano os

interesses da classe trabalhadora. Como afirma o documento do MARE, “Estado e mercado,

direta ou indiretamente, são as duas instituições centrais que operam na coordenação dos

sistemas econômicos” (Brasil:1995,09), nesse sentido Estado e mercado caminharam juntos

no fortalecimento do capitalismo ao longo de toda a história brasileira a partir da República.

Todos os governos, com tonalidades distintas deram continuidade ao mesmo

projeto estrutural do capital. Nos governos de conciliação de classe do PT, tivemos

continuidades e descontinuidades, prevalecendo continuidades, em especial no que tange a

política econômica. Porém, tais continuidades realizam-se com o diálogo e a absorção de

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algumas das reivindicações históricas da classe trabalhadora, em especial na área da

educação, dos direitos humanos, da assistência social e do combate às opressões. No que

tange a direitos estruturais, previstos no tripé da Seguridade Social, o desmonte teve

continuidade, com uma nova roupagem, com novas formas de privatização, como foi o caso

da criação da EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), em 2011 e, da

FUNPRESP (Fundo de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais), em

2012, ambas consideradas uma forma de privatização não clássica implementada pelo

governo federal sendo modelo para estados e municípios. Ressalta-se, ainda, a imposição

do modelo de gestão das políticas públicas via “organizações sociais”, as parcerias público-

privadas e a mercantilização das políticas públicas, com destaque para a política de

educação, como também já apontava o Plano Diretor de Reforma do Estado, de 1995, que

caracteriza a Universidade como um “serviço” não exclusivo do Estado.

Todas essas ações, mesmo as que não são realizadas exclusivamente voltadas

para a educação pública, como as contrarreformas da previdência, acabam por contribuir

para o desmonte do sentido do público, para a desvalorização dos servidores públicos e por

tanto, tem rebatimento na forma de estruturação do ensino superior no Brasil.

2.1 As marcas do projeto de educação do capital na educação superior brasileira pós

Constituição de 1988

A história da educação pública superior no Brasil, em especial a partir do período

da ditatura civil-militar (1964-1985), com os acordos MEC-USAID5, foi direcionada pelos

interesses dos organismos internacionais. Mas especificamente após a crise internacional

do capital que teve início na década de 1979 e que se aprofunda nas décadas seguintes,

que passa a exigir a reconfiguração dos Estados nacionais, a educação superior passa a ser

considerada uma mercadoria rentável.

Gradativamente a educação superior pública passa a ser hegemonizada pela

iniciativa privada no Brasil, tendo como marco o período da ditadura militar. Como aponta

Sguissard (2008), no início da ditadura militar 61,6% do ensino superior era público e 38,4%

privado, em dez anos o quadro se modifica drasticamente, passando as instituições privadas

a controlarem 63,6% das matrículas enquanto as instituições públicas ficavam com 36,4%.

5 Acordos firmados entre o governo brasileiro e o governo dos Estados Unidos para a implementação

de um modelo de educação.

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Hoje, segundo os dados do censo da educação superior de 2016, divulgados pelo Instituto

Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP-MEC), 82,3% das

matrículas em 2016 foram em instituições privadas de ensino, demonstrando a grandiosa

mercadoria que a educação superior se transformou.

No Brasil, no mesmo período em que se expande o ensino público, com a

ampliação do acesso de estudantes de origem popular através da lei 12.711 de 2012, que

institui as cotas sociais e raciais no ensino superior público, também se amplia o repasse de

verbas públicas para a iniciativa privada, através de programas como o Fundo de

Financiamento Estudantil (FIES), criado em 1999 e o Programa Universidade para Todos

(PROUNI), criado em 2004 e instituído pela Lei 11.096/05, verdadeiros mantenedores de

conglomerados empresariais da educação.

A expansão da Universidade pública, por nós defendida, tem que garantir, como

afirma o ANDES-SN (2013 p. 17), “os anseios e às necessidades da maioria da população,

contribuindo para reparação da injustiça social à qual a sociedade brasileira tem sido

submetida”. O que requer uma expansão com qualidade e baseada no tripé ensino-

pesquisa-extensão, com condições de trabalho para professores e técnico-administrativos e

condições de estudo para os discentes.

Esse processo de mercantilização da educação, esta sendo marcado por diferentes

imposições dos organismos internacionais, mais especificamente pelas imposições do

Consenso de Washington de 1989, que entre suas medidas indica a redução dos gastos

públicos, e também pelo processo de Bolonha de 1999, que insere um conjunto de novos

paradigmas para o ensino superior público, como modelo pedagógico e político, impondo,

entre outros elementos, a certificação em larga escala e o alijeiramento da formação

profissional, tendo como modelo o ensino a distância (EaD). As imposições do processo de

Bolonha vão orientar o PNE (2014-2024), em especial no que se refere à retirada da

obrigatoriedade da destinação de recursos públicos exclusivamente para a educação

pública, ou seja, garantindo a apropriação privada do fundo público e também a

contrarreforma da educação superior brasileira.

A conjuntura se agrava na medida em que as respostas dadas pelo Estado desde a

década de 1990 não estão sendo capazes de eliminar as crises do capital. Recentemente,

com o golpe parlamentar-jurídico-mediático que levou ao impedimento da presidenta Dilma

Rousseff, em 2016, evidenciou-se a fragilidade das políticas desenvolvidas e, ao mesmo

tempo, as bases de sustentação do projeto privatista incorporados pelos governos de

conciliação de classe. Entramos em um ciclo de retrocesso de direitos, que passa pela

diminuição dos já insuficientes direitos sociais e políticas públicas, cortes de verba (iniciados

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e, 2015), e com o recrudecimento do conservadorismo expresso em projetos como o

estatuto do nascituro, os projetos Escola Sem Partido, as propostas de alteração da

definição de família na CF-88, a proposta de mudança na definição de trabalho análogo ao

escravo etc.

Com a posse do ilegítimo governo Temer, em 2016, se acirra a conjuntura e se

intensifica a retirada de direitos, com destaque para a proposta de contrarreforma da

previdência, barrada pela mobilização dos trabalhadores, e a aprovação da contrarreforma

trabalhista e do ensino médio, a terceirização ampla e irrestrita e a Emenda Constitucional

95 que incidirá de forma brutal nas políticas públicas e sociais, abrindo no âmbito destas um

novo ciclo do assistencialismo, do coronelismo e do favor e impactando também o ensino

superior público.

Nesse contexto de retrocessos o conservadorismo se intensifica, e se expressa na

criminalização dos movimentos sociais, professores e militantes sociais, nos projetos escola

sem partido, na tentativa de eliminação do debate de gênero nos espaços públicos, na

violência contra pobres, negros e negras e moradores de periferias. No assassinato de

quilombolas e índios. Em chacinas nas grandes periferias brasileiras, na intervenção federal,

militar do Rio de Janeiro em 2018, no assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu

motorista Anderson, tudo isso expresso em um projeto do capital que tomou o Palácio do

Planalto e virou governo no Brasil com a eleição do presidente Bolsonaro (PSL) e de

dezenas de governadores que apoiam sua política e com o assombroso crescimento de seu

partido.

E nesse contexto, de suspensão dos concursos públicos, desmonte das políticas

sociais, cortes orçamentários e conservadorismo, que somos desafiados da educação

superior pública.

Ler a realidade a partir da totalidade e um dos elementos centrais para a

construção dos questionamentos necessários a construção de um projeto de educação

classista e alternativo ao projeto hegemônico do capital. Nossas experiências na América

Latina já demonstraram que não é possível conciliação entre projetos antagônicos, portanto,

aos trabalhadores/as cabe construir o seu projeto de educação e de sociedade.

Consideramos que um dos desafios na realidade brasileira e latino americana seja

identificar os nexos existentes entre o cotidiano imediato e os projetos em disputa na

sociedade, dando visibilidade aos elementos da luta de classes. Todo o movimento político,

cultural, social, econômico imposto pelo projeto neoliberal, implementado no mundo a partir

da década de 1980, acentuou marcas do neoliberalismo impondo uma sociabilidade

baseada no individualismo, na competição, na destituição da perspectiva de classe, dando

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lugar a perspectiva da conciliação do inconciliável. Como se os interesses da burguesia e da

classe trabalhadora tivessem algum ponto de confluência possível.

O resultado da proliferação do projeto neoliberal, entre muitas outras coisas, como

afirma Anderson (1995), da difusão da ideologia de que tudo sempre foi assim e portanto

sempre será. Essa ideologia, que tão bem serve a lógica do capital, marca de forma

profunda as possibilidades de organização coletiva dos trabalhadores, impulsionando a

descrença, em especial a partir da crise do chamado socialismo real, após 1989, e tornando

nebuloso os projetos em disputa. Busca-se camuflar as disputas, e impor a ideologia de que

é possível “humanizar” o capital, como prega uma parte da teoria pós-moderna.

Entendemos que a luta de classes continua no centro das relações sociais e que a

“questão Social”, como definida por Iamamotto (1995), é o cerne das disputas dos projetos

de sociedade e de educação. Por isso, é fundamental compreender as dimensões da

ideologia burguesa, difundidas nas imposições dos organismos internacionais para a

educação e suas implicações no projeto de educação no Brasil, materializados na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, no Plano Nacional de Educação (PNE) de

2014, na contrarreforma do Ensino Médio de 2017 na Base Nacional Comum Curricular

(BNCC) de 2018 e nos sucessivos cortes de verbas para a educação superior pública desde

2015 ao mesmo passo que se mantém e amplia as verbas destinadas a apropriação privada

do fundo público via programas como FIES e PROUNI. As determinações dos organismos

internacionais, estão expostas, na Carta ao Povo Brasileiro de Lula em 2002, na Ponte para

o Futuro do Governo Temer de 2015 e mais recentemente no “Programa de Ajuste Justo” do

Banco Mundial de 2017.

Como afirma Lima (2007 p. 18),

Está análise parte da hipótese de que a educação escolar constitui-se como uma eficaz estratégia de “alivio da pobreza”, que se amplia e aprofunda nos países periféricos, configurando-se como uma política internacional de segurança do capital, bem como uma promissora área de investimentos para o capital em crise

Entre as marcas do projeto do capital mais sentidas, que impõem uma verdadeira

contrarreforma na educação superior, destacamos: 1) processo de alijeiramento da

educação superior com a diminuição dos currículos de graduação, a expansão do ensino a

distância (EaD) e a redução, cada vez maior, do tempo dos programas de pós graduação

(mestrado e doutorado); 2) a intensificação da parceria público privada através da

proliferação das Fundações de direito Privado nas universidades públicas, convênios com

empresas que subordinam a pesquisa aos interesses privados; 3) a venda de serviço, seja

através da aprovação pelo Supremo Tribunal Federal da cobrança de curso de

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especialização, que abriu precedente para propostas de cobrança de mensalidades nas

instituições públicas de ensino, ou seja através da venda de pesquisa e outros serviços

prestados pelas universidades; 4) a expansão dos editais para “professor voluntário”, como

expressão do grave ataque ao Regime Jurídico Único e ao servidor público; 5) a

subordinação da produção do conhecimento aos interesses do capital, em especial a partir

do novo Marco de Ciência e Tecnologia e Inovação aprovado em 2016 no governo Dilma; 6)

a intensificação do trabalho docente, provocada pela competitividade gerada pela

necessidade de progressão funcional, que induz os professores a subordinação das

distorções na produção do conhecimento promovidas pelas agências de fomento como

CAPES, CNPQ e as agências estaduais; 7) a perseguição e criminalização dos professores

e a desqualificação do fazer profissional de quem ensina; 8) o desmonte do tripé do ensino-

pesquisa-extensão, hierarquizando a produção do conhecimento e a 9) tentativa de impor a

“neutralidade” aos processos educativos, retirando os conteúdos críticos, os debates sobre

gênero e questão racial em uma explicita tentativa de novamente invisibilizar as relações

sociais patriarcais, racistas, lgbtfóbicas e sexistas que estruturam o capitalismo no Brasil.

Esses elementos, aliados ao conjunto de retrocessos já nos primeiros 100 dias de

governo de Bolsonaro, vem intensificando: 1) o adoecimento docente; 2) a competição

interna nas instituições de ensino superior e nos próprios departamentos; 3) a ampliação do

assédio moral nas relações de trabalho; 4) a perseguição política aos professores; 5) o

racismo institucional; 6) a precarização da assistência estudantil; 6) a depressão entre

professores e alunos e o 7) suicídio, em especial entre alunos.

Como afirma Mézaráros (2005 pág 25):

Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os processos sociais mais abrangentes de reprodução estão intimamente ligados. Conseguentemente, uma reformulação significativa da educação é inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes funções de mudança.

Daí nossa urgente e necessária tarefa de pensar de forma coletiva o projeto de

sociedade e de educação que interessa a classe trabalhadora.

3 REFLEXÕES FINAIS

Vivemos no último período um grande alinhamento entre o poder executivo-

legislativo e judiciário, aliado ao poder da grande imprensa, em nome de levar ao máximo o

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projeto do capital para a sociabilidade da humanidade. Nesse processo busca-se invisibilizar

a luta de classes e os interesses antagônicos das classes sociais, em um explicita tentativa

de apassivisar a classe trabalhadora em nome da humanização do capital. Esse modelo

impõem retrocessos em todas as áreas e uma profunda reconfiguração nas políticas

públicas, em especial na educação, considerada ferramenta essencial para o

desenvolvimento da consciência social.

Nossa tarefa, diante da impossibilidade de conciliar interesses antagônicos e

contribuir, de diferentes formas para o processo de reorganização da classe trabalhadora,

buscando a construção de um projeto civilizatório que garanta a emancipação plena de

homens e mulheres, tendo na educação um de seus pilares estruturantes.

REFERÊNCIAS

ANDES. Proposta do ANDES-SN para a Universidade Brasileira. Cadernos ANDES, número 2, 4ª ed. Brasília/DF: janeiro/2013 ANDERSON, P. Balanço do neoliberalismo. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. BRASIL, Constituição Federal, 1988. BRASIL. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado. Câmara de Reforma do Estado. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Brasília, DF: Presidência da República; Câmara de Reforma do Estado, 1995. GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Volume 3. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2000 IAMAMOTO, Marilda Villela, CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil – Esboço de uma interpretação histórico metodológica. São Paulo: Editora Cortez, 1995. LIMA, K. Contra-Reforma na Educação Superior: de FHC a Lula. São Paulo: Xamã, 2007. MARX, K. O Capital- Crítica da Economia Política. Editora Civilização Brasileira, 2001. ____________. Para a Questão Judaica. São Paulo, Editora Expressão Popular,2009. MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005. SGUISSARDI, V. Modelo de expansão da educação superior no Brasil: predomínio privado/mercantil e desafios para a regulação e a formação universitária. Educação e Sociedade, Campinas, v. 29, n. 105, p. 991-1022, set./dez. 2008.

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LUTAS E RESISTÊNCIAS PELA EDUCAÇÃO PÚBLICA DE QUALIDADE NO BRASIL E

SEUS DESAFIOS NO GOVERNO BOLSONARO

Cacilda Rodrigues Cavalcanti6

RESUMO: Este artigo aborda, em uma perspectiva histórica, as lutas em defesa da educação pública no Brasil e os desafios para o projeto educativo da classe trabalhadora no contexto do governo Bolsonaro. O estudo se fundamenta em dados oriundos de pesquisa bibliográfica e documental e evidencia que a agenda educacional do Governo Bolsonaro é deliberadamente ultraconservadora e fundamentalista religiosa, marcada por contradições internas, que abrem possiblidades de enfrentamento pela classe trabalhadora.

Palavras-chave: Educação Pública. Lutas. Governo Bolsonaro.

ABSTRACT: This paper approaches, in historical perspective, the fight in defense of the public education in Brazil and the challenges for the educational project of the working class in the context of the Bolsonaro government. The study is based on data from bibliographical and documentary research and shows that the educational agenda of the Bolsonaro Government is deliberately ultraconservative and religious fundamentalist and marked by internal contradictions that open possibilities for working class stand up to Bolsonaro educational project.

Keywords: Public Education. Fights. Government Bolsonaro.

1 INTRODUÇÃO

As forças conservadoras que foram ganhando espaço político no Brasil na última

década culminaram com o governo ultraconservador de Jair Bolsonaro na Presidência da

República. No curso desse movimento, partidos de esquerda, sindicatos, movimentos

sociais e a escola pública, gratuita, laica e democrática se tornaram objeto de ataques.

Professores foram alçados a inimigos do Estado e da Família, acusados de doutrinação

ideológica.

O contexto é de desmonte da escola pública, tanto pela via do corte de recursos

financeiros quanto pela destituição da função social da escola, reduzida a instrução técnica.

6 Doutora em Educação (UFMG). E-mail: [email protected]

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Conquista histórica da classe trabalhadora, o direito à educação se encontra ameaçado. A

Ciência e as Universidades são atacadas e subjugadas ao fundamentalismo religioso.

Diante desse cenário, identificar e compreender a luta em defesa da educação pública,

gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada assume um grande significado

político-ideológico. Este trabalho pretende recuperar um pouco da história dessas lutas e,

assim, lançar elementos para se pensar as possibilidade e estratégias de contraposição, no

campo teórico e prático das lutas sociais, ao projeto educativo neoconservador que se

apresenta no governo atual.

O artigo é de natureza ensaísta, fundamentado em pesquisa bibliográfica e

documental. A primeira seção apresenta um resgate das lutas em defesa da educação

pública ao longo do século XX. A segunda seção aborda as lutas no contexto das políticas

neoliberais e a terceira faz uma análise, ainda incipiente das proposições do governo

Bolsonaro para a educação pública e suas implicações para o projeto educativo da classe

trabalhadora em defesa do direito à educação pública, gratuita, laica, democrática e de

qualidade socialmente referenciada.

2 BREVE HISTÓRICO DAS LUTAS EM DEFESA DA EDUCÇÃO PÚBLICA NO BRASIL

Recuperar a memória, ainda que breve, das lutas e resistências em defesa da

educação pública, assume grande significado político-pedagógico neste tempo de ofensiva

ultra conservadora em que ideias retrógradas se apresentam como novas interpretações da

realidade social e novos atores políticos vão se constituindo com velhos discursos

apresentados como novos e como solução para a crise econômica, cultural e moral em que

se insere a nação brasileira. Em contraposição, movimentos sociais, entidades sindicais,

associações científicas e sociais diversas reafirmam a luta histórica da classe trabalhadora

por educação pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada.

A história da educação brasileira nos mostra que a luta em defesa da educação

pública sempre esteve presente na pauta de movimentos sociais, tanto de movimentos

sindicais quanto de organizações estudantis e organizações sociais diversas, em formas

também diversificadas de resistência ao projeto educativo burguês a serviço do capital.

Dessas lutas, resultaram diversas conquistas na garantia de educação pública que,

ampliaram o acesso à educação básica às classes menos favorecida, ainda que marcadas

pelas contradições das políticas sociais do Estado capitalista.

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Em que pese diversos movimentos em torno da educação ao longo do período

Imperial, é no período republicano que a educação pública se torna de fato a pauta de

diversas organizações e mobilizações sociais. Assim, um primeiro movimento de lutas mais

amplas em defesa da educação pública se estrutura a partir da década de 1920 e ganha

maior repercussão na década de 1930, com o movimento dos pioneiros da educação nova.

Dentro dos marcos liberais, os pioneiros da educação nova colocam a escola pública como

elemento fundamental do projeto nacionalista de desenvolvimento, evidenciando aspectos

que só na década de 1990 vão se constituir objeto da legislação educacional, a exemplo da

universalização da educação primária, da definição de recursos para financiar a educação

pública, a construção de um Plano Nacional de Educação e de um fundo público para

diminuir as desigualdades de recursos disponíveis pelos diversos entes da federação para

ofertar a educação pública. Esse movimento, embora de grande importância para a garantia

da escola pública, se fez distante das massas e apostava nas instituições do Estado

capitalista como promotora da educação, vista, por grande parte dos pioneiros, como

mecanismo de ascensão social, portanto, como forma de legitimação do projeto político

burguês.

Deve-se destacar também, no final da década de 1930, a criação da UNE (1937),

que, a partir de então, mobiliza estudantes em defesa da universidade pública, com atuação

em pautas políticas nacionais do momento, a exemplo da campanha o “Petróleo é Nosso!”.

Entre os anos de 1940 e 1960, a UNE teve grande atuação política em defesa da educação

e da democracia, participando de importantes mobilizações políticas como a “Campanha da

legalidade” para garantir que Jango fosse empossado, a “Frente de Mobilização Popular” e o

“Centro Popular de Cultura (CPC)”.

Ao longo da década de 1950, no contexto de discussão da primeira Lei de

Diretrizes e Bases da Educação tem-se um importante movimento na organização de

diversas associações de professores do ensino primário em diversos estados brasileiros,

que mais tarde deram origem aos sindicatos de professores e culminaram com a fundação

da primeira confederação da categoria – a Confederação dos Professores Primários do

Brasil, no ano de 1960 (FASUBRA, 2007 )

Outra importante luta pelo direito à educação se constituiu na década de 1950, com

os movimentos de educação popular que reuniram educadores, líderes comunitários e

religiosos, intelectuais e estudantes em torno da construção de uma educação vinculada à

realidade social das massas e como instrumento de politização e conscientização da

realidade social. Esse movimento projetou os ideais pedagógicos de Paulo Freire de

construção de uma educação libertadora, fundamentada no diálogo entre educadores e

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educandos, na leitura crítica da realidade social, na cultura popular e em métodos de ensino

focados na problematização. Ao longo da década de 1950 e de 1960 diversos movimentos

se organizaram em torno da educação popular, destacando-se, entre esses o Movimento de

Educação de Base (MEB), o Movimento de Cultura Popular (MCP), os Centros Populares de

Cultura (CPC) e a Campanha de pé no chão também se aprende a ler. Esses movimentos,

embora tenham sido originados fora do sistema oficial de educação, desencadearam ideias

e práticas político-pedagógicas que constituíram bases para muitos movimentos em torno da

escola pública.

O período compreendido entre o final da década de 1970 e a década de 1980 foi de

grande mobilização em torno da educação pública, resultando na criação de um conjunto de

entidades científicas, sociais e sindicais que tiveram forte participação no processo

constituinte e na elaboração, tramitação e aprovação da atual Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996). Entre essas entidades, destacam-se: a Associação

Nacional de Pós-Graduação em Educação (ANPED); o Centro de Estudos Educação e

Sociedade (CEDES) e a Associação dos Servidores das Universidades Brasileiras (depois

transformada na FASUBRA), criados no ano de 1978; a Associação Nacional de Educação

(ANDE), criada no ano de 1979; a Confederação dos Professores do Brasil (CPB) que, em

1979, substituiu a antiga Confederação dos Professores Primários do Brasil (CPPB) e deu

origem, no ano de 1990, à Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

(CNTE).

Essas entidades, articuladas a outras organizações já existentes, impulsionaram

um conjunto de lutas em defesa da educação pública, que se organizaram, principalmente,

em torno das Conferências Brasileiras de Educação (CBEs), realizadas entre 1980 e 1991,

que colocaram na pauta de seus debates e proposições questões como a democratização, o

caráter público da educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e o Plano Nacional

de Educação. Entre as seis CBEs realizadas nesse período, a IV Conferência, realizada em

Goiânia em 1986, teve papel fundamental para a definição do projeto educativo da classe

trabalhadora que seria defendido na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação, cujas bases estavam na Carta de Goiânia:

[...] o funcionamento autônomo e democrático das universidades; garantia de controle da política educacional em todos os níveis pela sociedade civil, por meio de órgãos colegiados democraticamente constituídos; formas democráticas de participação garantidas pelo Estado, para controle efetivo das obrigações referentes à educação pública, gratuita, laica, universal e de boa qualidade; destinação dos recursos públicos exclusivamente para o ensino público; plano de carreira; piso salarial unificado nacionalmente; condições adequadas de trabalho; qualificação docente; espaços de atividades culturais e desportivas (MARTINS e ALMEIDA, 2016)

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As diversas organizações políticas e suas mobilizações em defesa da educação

pública, gratuita e laica conduziram, logo após a IV CEB, à constituição do Fórum Nacional

da Educação na Constituinte em Defesa do Ensino Público Gratuito, lançado em 9 de abril

de 1987, em Brasília, por ocasião da Campanha Nacional pela Escola Pública e Gratuita

que teve como documento balizador Manifesto em Defesa da Escola Pública e Gratuita.

Paralelamente à organização e mobilização política, um conjunto de produção

teórica de caráter crítico, fundamentadas no marxismo, trouxeram contribuições importantes

para pensar a educação brasileira articulada à realidade mais ampla em que se insere e a

partir de suas contradições da luta de classes, que forneceram elementos importantes para

a luta da classe trabalhadora por educação pública de qualidade.

Entretanto, embora esse movimento de desconstrução da ideologia liberal tenha se fortalecido, atingindo-se um processo ampliado de difusão do pensamento marxista, principalmente a partir das pesquisas em programas de pós-graduação articulados com os diversos movimentos sociais, o liberalismo resgatou a sua liderança, nas duas últimas décadas do século XX, sob a égide da “nova” ideologia do neoliberalismo. (ROSAR, 2011).

Nos anos 1990, as políticas educacionais vão gradativamente se ajustando ao

ideário neoliberal e novas prioridades vão se estabelecendo, sem se completar o projeto

educativo da escola pública almejado pelos movimentos e organizações sociais da classe

trabalhadora ao longo do século XX. Nesse processo novas lutas se estabelecem sobre

uma antiga – a garantia do direito à educação pública, gratuita e de qualidade.

3 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS DE CUNHO NEOLIBERAL E SUAS IMPLICAÇÕES

NAS LUTAS EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA

A década de 1990 foi marcada pela ofensiva do projeto neoliberal de educação que

se apresentou, por um lado, como projeto de universalização do ensino fundamental em

contraposição às demais etapas de ensino e, por outro, como um conjunto de estratégias de

modernização e democratização da educação, tendo como principal articulador o Banco

Mundial, por meio de acordos de empréstimos para financiar o ensino fundamental com foco

em metas acordadas internacionalmente. Um conjunto de proposições, tais como a Gestão

da Qualidade Total na Educação, o Sistema de Avaliação da Educação Básica, fundos

financeiros com foco no ensino fundamental e parceria público-privado, alinharam a gestão

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da educação brasileira aos modelos empresariais apontados como a saída para a qualidade

da escola pública. Apresentadas dessa forma, as proposições neoliberais ganharam muitos

adeptos, que viram em tais propostas formas estratégicas para o alcance da qualidade e a

“participação” da comunidade na escola.

Assim, defesas históricas dos movimentos sociais e sindicais como a escola pública

de qualidade e a sua gestão democrática foram ganhando novas conotações, confundindo-

se com receituário neoliberal de escolha escolar, parceria escola-comunidade-terceiro setor,

qualidade total, avaliação em larga escala, rankeamento e responsabilização como

elementos de qualidade, que foram ganhando adeptos mesmo em setores progressistas no

contexto das políticas de universalização do ensino fundamental.

Paralelamente a esse processo de implementação de políticas neoliberais, uma

produção teórica de cunho pós-moderno foi ganhando espaço no cenário acadêmico

brasileiro, colocando em questão a luta de classes, o sindicalismo e até mesmo as relações

de trabalho, de modo que novas interpretações da realidade se estabeleceram de forma

mais favoráveis às proposições neoliberais.

Um conjunto de políticas de caráter neoliberal conduziram a um arrefecimento e

mudanças nas formas das lutas por educação pública. Professores, gestores públicos de

educação e muitas organizações sociais tiveram suas agendas afetadas por políticas de

carreira docente baseadas no produtivismo acadêmico, bem como nas políticas de acordos

de resultado, que exerceram também um papel de controle dos movimentos políticos. Além

disso, as reformas descentralizadoras das políticas educacionais conduziram também a

dispersão das arenas de luta dos movimentos sociais, dificultando a unificação de pautas e

das lutas em esfera nacional. Desse modo, muitos movimentos sociais, tanto entidades

sindicais quanto científicas e sociais reestruturaram suas estratégias de lutas, muitas vezes

aderindo às chamadas estratégias propositivas e em substituição às estratégias combativas.

Nesse contexto, observa-se que as políticas de expansão da oferta de educação

básica para todos foram sendo estabelecidas em um movimento contraditório das disputas

de classes no interior da máquina estatal pela educação. Estas vão se constituindo objeto

de políticas públicas tanto pela pressão dos movimentos sociais quanto por meio de acordos

internacionais assinados pelo Brasil. Nesse processo, a luta pelo direito à educação também

foi influenciando um conjunto de movimentos em defesa da educação de cunho mais

identitário, uma vez que os novos marcos legais (tanto a Constituição Federal de 1988

quanto a LDB nº 9.394/1996) conduziram à percepção dos diversos segmentos

historicamente excluídos do direito à educação. Esses movimentos, às vezes organizados

em torno de pautas específicas da educação, às vezes organizados em torno de pautas dos

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sujeitos e seus territórios que incluíam a educação, nem sempre estiveram articuladas às

lutas mais amplas da classe trabalhadora por educação pública, gratuita, laica e de

qualidade social. Por outro lado, muitas das pautas dos movimentos identitários só se

tornaram objeto de políticas públicas a partir da participação desses movimentos em

instâncias e processos de tomada de decisão nas estruturas governamentais, o que

potencializou as chamadas formas propositivas em contraposição às formas combativas de

luta por direitos.

No contexto do governo Lula, a perspectiva de inserir nas instituições do Estado as

demandas dos movimentos sociais como objetos de políticas públicas de educação ganhou

mais força, conduzindo a novas organizações ou a novas formas de luta. Nesse contexto,

antigas e novas organizações foram se apresentando com a pauta da escola pública,

porém, na maioria das vezes, assumindo os compromissos da agenda neoliberal para a

educação, a exemplo da parceria público-privada na oferta e na gestão da educação e da

política de responsabilização escolar com os acordos de resultados. Nessa direção,

podemos observar que organizações tais como a UNDIME (União dos Dirigentes Municipais

de Educação), a UNCME (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação) e o

MTPE (Movimento Todos pela Educação) se constituíram em parceiras, divulgadoras e,

muitas vezes, implementadoras de políticas governamentais de alinhamento da escola

pública à lógica de mercado.

Mesmo em um contexto complexo e de agendas em nome da escola, mas com

projetos societários distintos, os movimentos sociais e sindicais mantiveram suas lutas.

Destacam-se ao longo da década de 1990 e 2000, a realização dos cinco Congressos

Nacionais de Educação (CONED), que formularam uma proposta consistente de Plano

Nacional de Educação da Sociedade Brasileira com ampla participação popular, tendo como

referência fundamental a defesa da educação pública, gratuita, laica, democrática e de

qualidade socialmente referenciada, expressa na meta principal de investimento equivalente

a 10% do PIB exclusivamente em educação pública. A proposta do Plano Nacional de

Educação da Sociedade Brasileira foi encaminhada ao Congresso Nacional, mas foi

preterida pelo projeto do MEC do governo FHC, que foi aprovado pela Lei nº 10.172/2001,

que instituiu o PNE 2001-2010.

Na última década, movimentos e organizações sindicais e sociais da classe

trabalhadora travaram diversas lutas em defesa da educação pública, a exemplo da

campanha Fundeb pra Valer, a luta pelo investimento do equivalente a 10% do PIB em

educação pública, a luta pelo Piso Salarial Nacional do Magistério e em defesa da receita

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oriundo dos royalties do petróleo para educação pública. Ainda que os movimentos não

tenham sido plenamente vitoriosos, pode-se dizer que alcançaram muitas conquistas.

4 (DES)EDUCAÇÃO NO GOVERNO BOLSONARO E AS LUTAS NECESSÁRIAS EM

DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA

Apesar do pouco tempo do governo Bolsonaro (4 meses), o discurso educacional

veiculado e as medidas tomadas nesse período já fornecem elementos suficientes para uma

definição da sua agenda política da educação. O ano de 2019 apresenta-se para o Brasil, na

esfera da política educacional, como um ano de retrocessos, marcado pela tentativa de

imposição de uma agenda educacional ultraconservadora e fundamentalista religiosa que se

contrapõe aos princípios constitucionais da liberdade, da democracia e dos direitos sociais.

A agenda conservadora para a educação que vem sendo implementada nos três

primeiros meses do atual governo à frente da Presidência da República, já estava delineada

no “Plano de Governo” apresentado pelo atual Presidente da República durante a

campanha: 1) inverter as prioridades, de modo a investir menos em educação superior e

investir mais em educação básica e no ensino técnico; 2) expurgar a filosofia de Paulo Freire

das escolas; 3) priorizar Matemática, Ciências e Português, sem doutrinação e sexualização

precoce; 4) a educação a distância como estratégia para a educação na áreas rurais. (Cabe

ressaltar que as propostas apresentadas no plano do governo também já deixavam claro as

interpretações equivocadas (e o desconhecimento) desse grupo político acerca da realidade

da educação brasileira, cujas propostas são estabelecidas meramente por convicções

ideológicas ou religiosas e não por diagnósticos adequados da realidade educacional do

país.

Na perspectiva de tal projeto educativo, ao assumir o governo federal, Bolsonaro

nomeia para o Ministério da Educação o teólogo e professor de filosofia de perfil

conservador Ricardo Vélez Rodriguez, que em 100 dias de governo e muitas atrapalhadas

mostrou-se incapaz de levar adiante a agenda educacional (mais ideológica do que técnica)

do governo, e foi substituído pelo Professor de Ciências Econômicas da Unifesp Abraham

Weintraub, que caminha na mesma direção ultraconservadora.

Para compreender a política educacional anunciada pelo atual governo e poder

discutir suas implicações para a luta em defesa da escola pública por parte das forças

progressistas, lançaremos mão da análise da (des)organização administrativa dada ao

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Ministério da educação e das principais pautas que tem ocupado a agenda do MEC no

governo Bolsonaro.

A estrutura administrativa do MEC sofreu alterações logo no início do mês de

janeiro, de modo a ajustá-la ao perfil conservador e religioso da política a ser implementada.

Por meio do Decreto nº 9.465, de 2 de janeiro de 2019, foram extintas a Secretaria de

Articulação com os Sistemas de Ensino (SASE) e a Secretaria de Educação Continuada,

Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). A SASE havia sido criada em 2011 a partir

de uma demanda da CONAE 2010 para articular os diferentes entes federativos e níveis de

ensino visando a construção do Sistema Nacional de Educação (SNE), o regime de

colaboração, a avaliação do cumprimento das metas do PNE e a implementação do Piso

Salarial Nacional. A SECADI, que existia desde 2004, era responsável por um conjunto de

ações e políticas voltadas para inclusão e para diversidade educacional, abrigando as

pastas da Educação Especial, da Educação de Jovens e Adultos, da Educação do Campo,

da Educação Escolar Indígena, da Educação Escolar Quilombola, entre outras. A extinção

dessas secretarias deixa evidente que o PNE e as políticas inclusivas e de cunho identitário

não constituem objeto da política educacional do atual governo. Evidenciam também que

governo não tem pretensões de construir políticas acordadas entre os três entes federados.

A análise da estrutura administrativa do MEC demonstra também uma disputa

interna entre militares e “discípulos” de Olavo de Carvalho pelo comando do Ministério da

educação. A maioria dos secretários e diretores do MEC são profissionais da área

econômica, da gestão do setor privado, de direito, de engenharias, com pouca (e maioria

sem nenhuma) experiência na área de educação ou mesmo em políticas sociais. Esse

aspecto configura, por um lado, o alinhamento ideológico de combate à esquerda e ao

“marxismo cultural” (a partir de uma interpretação fantasiosa do pensamento de Gramsci) e,

por outro, o perfil tecnicista da equipe diretiva do MEC e, a consequente aversão à

Universidade como espaço de produção do conhecimento científico, filosófico e artístico.

Entre as principais pautas apresentadas até o final do mês de abril pelo governo

Bolsonaro, destacam-se: o Homeschooling, a militarização da escola, o Projeto Escola Sem

Partido, a Alfabetização pelo método fônico, a Privatização da educação superior. Dado os

limites deste trabalho, não é possível nos debruçarmos em uma análise minuciosa de cada

uma dessas proposições. Assim, nossa análise será mais geral, sobre o significado político-

ideológico dessas propostas.

Observa-se que os mais importantes programas do governo Bolsonaro têm em

comum o aspecto ideológico: desconstruir a pseudo ideologia de esquerda presentes nas

escolas e intensificar a ideologia da direita. Todas essas ações visam a um maior controle

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da formação dos(as) alunos(as), de modo a controlar o conteúdo a ser ensinado e evitar a

análise crítica da realidade. Propostas como o Projeto Escola Sem Partido e o

Homeschooling são claras expressões da tentativa de promover uma formação tecnicista,

pretensamente neutra, desprovida de conteúdo político e da liberdade de expressão que

caracterizam a formação de pessoas críticas com capacidade de análise da realidade e

tomadas de decisão autônomas. Sustentados em um discurso neoconservador e ultraliberal,

o Homeschooling visa a, por um lado, destituir o papel do Estado na oferta da educação e,

por outro, afirmar o patriarcado na definição da família tradicional. Para Miguel (2018, p.20),

o discurso fundamentalista

[...] costuma apresentar o reforço da família tradicional como compensação para a demissão do Estado das tarefas de proteção social – o Estado que é o inimigo comum, seja por regular as relações econômicas, seja por reduzir a autoridade patriarcal ao determinar a proteção aos direitos dos outros integrantes do núcleo familiar. Aliança similar ocorre no Brasil, em que o ultraliberalismo faz frente unida com o conservadorismo cristão.

Outro aspecto que fica evidente no projeto educativo de Bolsonaro diz respeito à

lógica de mercado como parâmetro para oferta da educação, seja pelos métodos de gestão,

seja pela privatização da oferta da educação pública, como tem ficado evidente em seus

discursos de ataque à universidade pública. Baseados em diagnósticos mal-intencionados

(e manipulados) do Banco Mundial, o atual governo tem investido no sucateamento das

universidades e na divulgação de visões distorcidas sobre as universidades brasileiras

tentando destituí-las de seu papel de produtoras de ciência e tecnologia, como estratégias

de privatização.

Assim, observa-se um movimento em curso de uma política educacional de

desconstrução da educação pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada;

uma política educacional de caráter ultraconservador comprometida com interesses do

grande capital e de grupos religiosos fundamentalistas interessados em um Estado sob o

comando da Religião.

Porém, tendo em vista as contradições inerentes a toda realidade, há muito espaço

para o acirramento das mesmas no contexto da política educacional do atual governo

federal, as quais podem favorecer a luta organizada da classe trabalhadora em defesa do

seu projeto educativo.

Podemos perceber que são muitas as contradições do projeto educativo

neoconservador e reacionário do grupo Bolsonaro. Uma dessas contradições resulta da

própria composição da equipe técnica do MEC, que combina, de forma tensionada,

fundamentalistas religiosos, olavistas e militares com pautas e estratégias de atuação

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divergentes, as quais tem se expressado em dificuldades de manter uma equipe técnica

articulada e capaz de implementar as ações propostas. Outra contradição se manifesta na

própria incompetência técnica e política do corpo diretivo do MEC para propor e implementar

políticas. Até o momento, não foram apresentadas propostas concretas dessas políticas, tais

como diagnósticos embasados em dados consistentes, metas estabelecidas, ações a serem

desenvolvidas, metodologias, formas de avaliação e recursos financeiros, evidenciando que

a tão propalada competência técnica como critério de sua política educacional não

corresponde à realidade.

Em que pese as dificuldades técnicas e políticas do grupo que comanda o governo

no presente momento, há um projeto de desmonte da educação pública em curso no Brasil.

As medidas iniciais do governo Bolsonaro no campo da educação expressam que o grande

projeto educacional desse grupo político que assumiu o governo federal é a formação de

uma subjetividade aprisionada como condição necessária à hegemonia neoconservadora e

fundamentalista religiosa que, por sua vez, é a condição necessária (política, ideológica e

moral) na atual conjuntura brasileira para manutenção e expansão das relações de

produção capitalista no contexto do capitalismo mundial.

Portanto, se coloca para a classe trabalhadora a tarefa de analisar o projeto

educativo do governo Bolsonaro em suas diversas composições e contradições, a fim de se

organizar de forma consistente a luta em defesa da educação pública. Diante de um projeto

de educação de caráter ultraconservador, fundamentalista e reacionário, se coloca,

imperativamente, a necessidade do acirramento da luta em defesa do projeto educativo da

classe trabalhadora, a qual envolve o combate a todas as formas cerceamento da liberdade

e de mercantilização da educação.

Portanto, no momento atual os movimentos sociais e sindicais devem atuar de

forma contundente e imediata não somente contra todas as pautas educacionais do governo

Bolsonaro, mas contra a manutenção do próprio governo, que não representa o projeto de

sociedade necessário à classe trabalhadora. Se faz necessário manter a longo prazo e de

forma mais ampla, a luta pela escola pública, gratuita, laica, democrática e de qualidade

social, plenamente financiada pelo Estado e sob o controle da classe trabalhadora.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história da educação brasileira é a história da luta da classe trabalhadora pelo

direito à educação. Essa luta possibilitou que uma parcela significativa da população

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brasileira tivesse acesso à educação básica e que uma parcela ainda muito pequena tenha

acessado o ensino superior. Possibilitou também marcos legais de proteção ao direito à

educação e à laicidade do ensino. A qualidade e a democratização ainda são sonhos que

continuam a alimentar as lutas.

O projeto de desmonte dessas poucas conquistas que se anuncia e ganha corpo no

atual governo federal significa a negação de um dos direitos humanos fundamentais, pois

está na base da garantia dos demais direitos. Portanto, é preciso combatê-lo ampla e

veementemente, em seu conteúdo e forma. Mais do que nunca a luta pela escola pública

precisa ser coletiva e envolver as garantias para uma educação plenamente libertadora e

emancipadora do Ser Humano, como defendeu Paulo Freire.

Estamos em um momento da história brasileira em que se colocam em disputa dois

projetos educativos antagônicos: de um lado, um projeto ultraconservador que pretende

formar uma geração de pessoas despolitizadas sem capacidade de análise crítica da

realidade e uma nação submissa aos interesses do grande capital, fundamentado na

pedagogia do medo. De outro lado, o projeto educativo da classe trabalhadora,

impulsionado pelas forças sociais em defesa da educação como direito público, gratuita,

democrática, laica e de qualidade socialmente referenciada, fundamentado na pedagogia da

autonomia. Tais projetos não são apenas contraditórios, são antagônicos, pois a

manutenção de um depende do aniquilamento do outro.

REFERÊNCIAS

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O PROGRAMA ESCOLA SEM PARTIDO E SUAS ARTICULAÇÕES COM O PROJETO

DO CAPITAL PARA A EDUCAÇÃO

Raquel Dias7

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar criticamente o programa Escola sem Partido, buscando desvelar seu significado e identificar suas articulações com o projeto do capital para a educação. As ideias de uma suposta Escola sem Partido surgiram em 2004, pelas mãos da Organização Não-Governamental que leva o mesmo nom e, presidida pelo advogado Miguel Nagib, mas só começaram a ganhar destaque em 2015, quando se materializaram em projeto de lei, que propunha modificações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, tendo como eixo central o combate às chamadas “ideologia de gênero” e “doutrinação ideológica”.

Palavras-Chave: Escola sem Partido. Capital. Educação.

ABSTRACT: This article aims to critically analyze the School without the Party program, seeking to unveil its meaning and identify its articulations with the capital project for education. The ideas of a supposed "No-Party School" came in 2004, under the umbrella of the Non-Governmental Organization of the same name, presided over by lawyer Miguel Nagib, but only began to gain prominence in 2015 when they materialized in a bill that proposed changes in the Law of Guidelines and Bases of National Education, having as central axis the fight against so-called "gender ideology" and "ideological indoctrination".

Keywords: School without Party. Capital. Education.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo analisar criticamente o programa Escola sem

Partido, buscando desvelar seu significado e identificar suas articulações com o projeto do

capital para a educação, por meio de um cotejamento com os discursos e documentos

oficiais do governo brasileiro, dos organismos internacionais, como o Banco Mundial, da

Frente Parlamentar Evangélica, dentre outros.

7 Doutora em Educação (UFC). Coordenadora do GTPE (Grupo de Trabalho de Política Educacional

do ANDES – Sindicato Nacional dos Docentes de Instituições de Ensino Superior). E-mail: [email protected]

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O artigo está dividido em três partes que se articulam. No primeiro momento,

situamos o surgimento e desenvolvimento do projeto Escola sem Partido no contexto do

avanço das ideias conservadoras no Brasil e apresentamos suas proposições centrais. No

segundo momento, apresentamos um resumo das principais propostas do Banco Mundial

presentes no documento “Um ajuste justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público

no Brasil” (2017) e que visam ao contingenciamento dos investimentos nos serviços públicos

e, em particular, sobre a educação pública. Na terceira parte, examinamos criticamente o

documento “Manifesto à Nação: O Brasil para os Brasileiros”, de autoria da Frente

Parlamentar Evangélica (2018), o qual se referencia no documento do BM e advoga as ideia

do Movimento Escola sem Partido.

Por fim, nas considerações finais, buscamos apontar as articulações entre o

programa Escola sem Partido, orientado por uma ideologia conservadora, e o projeto do

capital para educação, na fase atual de acumulação do capital, que visa imprimir um caráter

mais mercantil à educação.

2 A DEFESA DE UMA ESCOLA SEM PARTIDO NO CONTEXTO DO AVANÇO DAS

IDEIAS CONSERVADORAS

As ideias de uma suposta Escola sem Partido surgiram em 2004, pelas mãos da

Organização Não-Governamental que leva o mesmo nome, presidida pelo advogado Miguel

Nagib, mas só começaram a ganhar destaque em 2015, quando se materializaram em

projeto de lei, que propunha modificações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, tendo como eixo central o combate às chamadas “ideologia de gênero” e

“doutrinação ideológica”. Ramos (2018, p. 7) destaca que o MESP escolheu como “síntese

de suas antíteses o termo „doutrinação‟” e o que denominou como “‟ideologias‟ de esquerda

e de gênero‟”.

Não é toa que as propostas defendidas pelo Movimento Escola sem Partido tenham

ganhado relevância nesse momento, ou seja, em 2015, no contexto de avanço das ideias

conservadoras. Esse processo de “direitização” da política já se revelou nas eleições de

2014, como resposta às jornadas de junho de 2013, que também continham,

contraditoriamente, alguns germens de ideias reacionárias, como negação dos partidos e de

suas bandeiras. Nesse momento, na nossa avaliação, estamos sob a vigência de uma

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situação reacionária aberta com golpe parlamentar que culminou com o impeachment da ex-

presidenta Dilma Rousseff, em 2016, mas que vem se aprofundando desde então, com a

ascensão de Michel Temer à Presidência da República e, posteriormente, com a vitória de

um governo de extrema direita como seu sucessor.

Concordamos com Calil (2019) que a saída encontrada pela burguesia brasileira

para enfrentar a crise econômica que atinge o Brasil com mais força a partir de 2014 foi o

“gradativo fechamento do regime sem uma ruptura aberta” (CALIL, 2019) ou uma “virada à

direita” (BOULOS, 2016), mantendo certa aparência de legalidade, ainda que tenha operado

um golpe. Demier (2017), ao analisar a situação política brasileira pós-golpe, defende a tese

de que estaríamos sob um regime novo, o da “democracia blindada”, o qual é parte

constitutiva do projeto neoliberal de gestão do Estado burguês, mas que caracterizaria, por

adotar procedimentos de blindagem das conquistas populares de forma a garantir o êxito da

implantação das contrarreformas.

Nesse caso, a burguesia rompe com o projeto de colaboração de classes e não o

contrário. Num contexto de crise econômica, o capitalismo não permitia mais ao reformismo

petista continuar aplicando uma política de concessões à classe trabalhadora, que teria

marcado o período anterior sob o governo de Luiz Inácio Lula da Silva – Lula (2003-2011), o

qual se beneficiou de uma conjuntura internacional favorável, todavia, efêmera. Mais do que

não permitir concessões, a crise econômica exigia do governo a aplicação de uma política

de ajuste profundo e de retirada de direitos garantidos no período anterior e também

aqueles constitucionalmente consolidados.

Assim, no período pós-golpe, entramos numa fase de desestruturação do pacto

social estabelecido desde a Constituição Federal de 1988 e de desconstitucionalização dos

direitos sociais. Nesse contexto de cerceamento das liberdades democráticas e de

desconstitucionalização dos direitos, o Movimento Escola sem Partido encontra um terreno

fértil para o desenvolvimento de suas ideias.

Em 2014, surgem os primeiros projetos de lei – PL amparados no respectivo

Movimento, a saber, os PL 7180 e 7181, de autoria do deputado federal Erivelton Santana

(PSC-BA), os quais foram arquivados. Em 2015, surge o PL 867/2015 do deputado federal

Izalci Lucas (PSDB-DF), que propunha alterar a LDB incluindo o Programa Escola Sem

Partido – PESP nos princípios da educação nacional. Em seguida, uma versão substitutiva

ao PL 7180/2014, que havia sido desarquivado, incorpora como apensados o PL 7181/2014

e o PL 867/2015. Vários outros projetos foram apensados à versão substitutiva, tratando de

temas correlatos, como, tipificação do assédio ideológico como crime, proibição de uso dos

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termos gênero ou orientação sexual nos planos de educação e nos currículos, proibição de

uma suposta “ideologia de gênero” nas escolas etc.

Ao longo do ano de 2018, o PL 7180/14 foi submetido à votação 12 vezes na

comissão Especial da Câmara dos Deputados até ser encaminhado para arquivamento no

dia 11 de dezembro do mesmo ano, quando ocorreu a ultima reunião da Comissão Especial

da Legislatura em vigor. O PL foi oficialmente arquivado no dia 31 de janeiro de 2019. No

entanto, no dia 19 de fevereiro, o PL 7180/14 foi desarquivado por meio de pedido do

deputado federal Alan Rick (PRB-AC), concomitante ao surgimento do PL 246/19 com

mesmo conteúdo de autoria da deputada federal Bia Kicis (PSL-DF).

A tese principal dos defensores do projeto Escola sem Partido é de que a escola

atual é doutrinadora e disseminadora das ideias de esquerda e de uma ideologia de gênero.

Nesse caso, os disseminadores dessas ideias seriam os professores e as professoras.

Como consequência, transforma o professor e a professora em inimigos, promovendo uma

total desqualificação destes profissionais, como bem salientou Penna (2017), mediante “[...]

remoção, até explicitamente, de todas as atribuições do professor [pluralismo de

concepções pedagógicas, liberdade de ensinar], chegando ao extremo de excluir a sua

liberdade de expressão”.

Essa visão acerca da escola e dos profissionais que trabalham nela é animada pelo

discurso oficial do atual presidente da República, que chegou a compartilhar vídeos nas

redes sociais de uma professora que teria sido filmada por estudante durante uma aula, e

seu ministro da educação, que considera um direito dos alunos filmarem os professores8.

Esse tipo de postura incentiva os estudantes a filmarem os professores e as professoras,

submetendo-os a uma situação de tensão constante. Como trabalhar e produzir saberes

significativos num ambiente marcado pela desconfiança, vigilância, cerceamento da

liberdade de ensinar e de expressar?

3 O BANCO MUNDIAL E SUA PROPOSTA DE UM “AJUSTE JUSTO” NOS GASTOS DA

EDUCAÇÃO

Em novembro de 2017, o Banco Mundial (BM) publica o documento “Um ajuste

justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil”, o qual foi encomendado

8 Conferir matéria sobre essa questão em: https://veja.abril.com.br/educacao/para-ministro-da-

educacao-filmar-professores-em-aula-e-direito-dos-alunos/.

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pelo governo brasileiro com o objetivo de realizar uma análise aprofundada do gasto público

o qual teria se tornado, na avaliação do BM (2017, p. 01), “[...] cada vez mais engessado

pela rigidez constitucional em categorias como folha de pagamento e previdência social,

deixando quase nenhum espaço para despesas discricionárias e de investimento”.

No Resumo Executivo, o documento afirma que a principal conclusão do estudo é a

de que o governo brasileiro “gasta mais do que pode e, além disso, gasta mal” (BM, 2017, p.

7) e cita a Emenda Constitucional 95/16 (teto dos gastos) como uma medida positiva que

“introduziu uma trajetória de ajuste gradual para os gastos públicos ao longo dos próximos

dez anos” (Idem, ibidem), mas alerta de que não é suficiente para o equilíbrio fiscal e

aponta que a “fonte mais importante de economia fiscal de longo prazo é a reforma

previdenciária” (Idem, p. 8).

Outra medida de contingenciamento dos gastos diz respeito à redução da massa

salarial do funcionalismo público, por meio da “suspensão de reajustes nas remunerações

do funcionalismo no curto prazo, enquanto se desenvolvem estudos mais detalhados sobre

o valor adequado de remuneração das diversas carreiras públicas” (BM, 2017, p. 10).

Seguindo a mesma lógica, analisa o gasto com educação em todos os níveis,

colocando-a sob o crivo da relação custo-benefício, quando afirma “que o desempenho atual

dos serviços de educação poderia ser mantido com 37% menos recursos no Ensino

Fundamental e 47% menos recursos no Ensino Médio” (BM, 2017, p. 13). Isso representaria

uma “economia de aproximadamente 1% do PIB” (Idem, ibidem), ou seja, o documento

sugere soluções que dizem respeito à diminuição de investimento porque a lógica é gastar

menos e obter os mesmos “benefícios”. Como isso seria possível? De maneira simples, nas

palavras do BM, “simplesmente ao permitir o declínio natural do número de professores,

sem substituir todos os profissionais que se aposentarem no futuro, até se atingir a razão

eficiente aluno/professor” (Idem, ibidem) porque, segundo o Banco, a razão aluno/professor

(RAP) é muito baixa e esta deveria ser aumentada em 33% no ensino fundamental e 41%

no ensino médio, economizando 0,3% do PIB por ano. Complementa sugerindo, ainda, a

“redução do absenteísmo dos professores” e o “aumento do tempo empregado para

atividades de ensino” (Idem, ibidem).

O documento também ataca a vinculação orçamentária dos investimentos em

educação, alegando que há uma diminuição do número de alunos no ensino fundamental

hoje sem apresentar qualquer fonte dessa informação.

Critica, ainda, o investimento no ensino superior que, segundo o Banco, seria

ineficiente e informa, sem indicar fonte da informação, que “os níveis de gastos por aluno

nas universidades públicas são de duas a cinco vezes maior que o gasto por aluno em

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universidade privadas (sic)” e que “mais de 65% deles [os estudantes das universidades

federais] pertencem aos 40% mais ricos da população” (BM, 2017, p. 13).

Helene (2013) destaca que um dos mitos relativos ao ensino superior é exatamente

este apresentado pelo documento do BM, a saber, de o investimento para manter um aluno

na instituição pública é maior do que em uma instituição privada. O autor (2013, p. 56-7)

explica que esse mito é construído tendo como base a “simples divisão do orçamento de

uma instituição pública pelo úmero de estudantes de graduação e comparando esse

resultado com as mensalidades de uma instituição privada”. Esse tipo de cálculo

desconsidera o fato de que as instituições públicas têm em seu orçamento várias despesas

não correspondentes à educação, como pagamento de aposentadorias, desenvolvimento de

atividades de pesquisa, manutenção de museus, dentre outras atividades que realiza como

parte da cultura universitária.

O documento sugere, então, uma reforma desse nível de ensino, incluindo a

“extensão do FIES às universidades federais [...] combinada ao fornecimento de bolsas de

estudo gratuitas a estudantes dos 40% mais pobres da população”, com vistas a economizar

0,5% do PIB do orçamento federal (BM, 2017, p. 13-4).

Na introdução do capítulo que trata da educação e tem o sugestivo título “Gastar

Mais ou Melhor? Eficiência e Equidade da Educação Pública”, o documento apresenta um

balanço geral dos problemas da educação publica no Brasil e das “despesas” e, em

seguida, aponta as possíveis soluções.

As crescentes despesas públicas e a queda nos números de matrículas públicas resultam em um maior gasto por estudante e em razões aluno-professor ineficientes. [...] A obrigatoriedade constitucional de se gastar 25 por cento das receitas tributárias em educação contribui para que tais municípios aumentem os gastos por aluno de forma mais acelerada. [..] Além de uma razão aluno-professor relativamente baixa, o sistema público de educação no Brasil é caracterizado por baixa qualidade dos professores e pelos altos índices de reprovação. Todos esses fatores levam a ineficiências significativas. Se todos os municípios e estados fossem capazes de emular as redes escolares mais eficientes, seria possível melhorar o desempenho (em termos de níveis de aprovação e rendimento estudantil) em 40% no ensino fundamental e 18% no ensino médio, mantendo o mesmo nível de despesas públicas. Em vez disso, o Brasil está gastando 62% mais do que precisaria para atingir o desempenho atualmente observado em escolas públicas, o que corresponde a quase 1% do PIB. Os gastos públicos com o ensino superior também são altamente ineficientes, e quase 50% dos recursos poderiam ser economizados. Os gastos públicos com ensino fundamental e médio são progressivos, mas os gastos com o ensino superior são altamente regressivos. Isso indica a necessidade de introduzir o pagamento de mensalidades em universidades públicas para as famílias mais ricas e de direcionar melhor o acesso ao financiamento estudantil para o ensino superior (programa FIES) (BM, 2017, p. 121)

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Qual é a lógica que preside a avaliação do Banco Mundial? Nitidamente, a lógica

mercantil de avaliar a educação a partir do crivo da relação custo-benefício que se aplica

aos serviços da iniciativa privada. Trata-se de avaliar contabilmente o que se denomina de

despesas em educação com vistas à redução das despesas e a obtenção de supostos

resultados mais eficientes. Ora, se se gasta X e obtém Y e esse Y poderia ser obtido com –

X, então, qual o sentido de se gastar X ou +X (como está previsto no PNE) para obter o

mesmo Y?.

De acordo com Saviani (1998, p. 4), ao serem analisadas “sob o crivo da relação

custo-benefício”, as carências em educação, assim como em outras áreas sociais, são

consideradas como “custos”. Assim, o Estado “tenderá a atrofiar a política social

subordinando-a, em qualquer circunstancia, aos ditames da política econômica”.

Em nenhum momento, o Banco Mundial se preocupa em historiar os percursos e os

percalços da constituição do sistema nacional de educação que nunca se concretizou no

Brasil e das razões da sua não concretização. Não há uma preocupação com a

universalização da educação básica, melhoria da qualidade do ensino, valorização do

profissional da educação, dentre outras medidas necessárias à elevação geral do nível de

qualidade de todos os níveis.

Ao contrário, o que o BM sugere é reduzir despesas e manter a situação atual,

caracterizada pelo próprio Banco “por baixa qualidade dos professores e pelos altos índices

de reprovação”. A mesma sugestão se aplica ao ensino superior, considerando que os

“gastos públicos com o ensino superior também são altamente ineficientes, e quase 50%

dos recursos poderiam ser economizados”.

4 A FRENTE PARLAMENTAR EVANGÉLICA E SUA REVOLUÇÃO CONSERVADORA

NA EDUCAÇÃO

A Frente Parlamentar Evangélica, constituída por cerca de 180 parlamentares

eleitos no último pleito, tornou público o documento intitulado “Manifesto à Nação: O Brasil

para os Brasileiros”, em outubro de 2018, o qual servirá de base à atuação da bancada

evangélica para a legislatura 2019 – 2023.

O documento contém quatro eixos, a saber: Modernização do Estado; Segurança

Jurídica; Segurança Fiscal; Revolução na Educação. Interessa-nos, particularmente, o

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conteúdo do eixo quatro, que trata da educação, o qual está subdividido em quatro tópicos:

Mérito: A Base de um Sistema Educacional de Sucesso; Escola sem Ideologia e Escola sem

Partido; O Novo Ensino Superior Brasileiro; Eficientização dos Recursos Destinados à

Educação. Prioridade à Universalização do Ensino Básico e Técnico de Qualidade.

Como o próprio título do tópico um sugere, o mérito é a base de um sistema

educacional de sucesso. No entanto, vale lembrar que, para que o mérito se constitua a

base do sistema, é preciso, primeiro, que o sistema exista. O sistema educacional consiste

na organização da educação nacional sob bases e diretrizes comuns tomada como tarefa do

Estado, a exemplo do que fizeram os países desenvolvidos nos séculos XIX e XX.

E o papel desses sistemas era precisamente universalizar a instrução pública, entendida como aquela que assegura, ao conjunto da população, o domínio da leitura, escrita e cálculo, ademais dos rudimentos das ciências naturais e sociais (história e geografia). Portanto, a referência fundamental da organização dos sistemas nacionais de ensino estava dada pela escola elementar que, uma vez universalizada, permitiria erradicar o analfabetismo. (SAVIANI, 2008, p. 7).

No Brasil, a educação só passou a ser discutida como uma questão nacional a

partir da década de 1930 do século XX, mas nunca se constituiu o sistema nacional de

educação. Dessa forma, como poderíamos falar em mérito ou merecimento se o direito à

educação básica não se concretizou como um direito de todos? Só seria possível falar em

conquista pelo mérito se as condições para esta conquista estivessem dadas a todos como

ponto de partida.

O documento segue afirmando que a causa do fracasso educacional brasileiro se

deve ao “desprezo pelo esforço, pelo estudo, pelo mérito conquistado ao longo do tempo” e,

como consequência, as escolas e universidades públicas teriam se tornado “instrumentos

ideológicos que preparam os jovens para a Revolução Comunista, para a ditadura totalitária

a exemplo da União Soviética e demais regimes sanguinários”. Nesse caso, “quanto mais

ideológico [o ensino], mas [sic] ele se torna improdutivo, ineficiente e corrupto”.

Importante ressaltar, em direção oposta, que, segundo a Unesco, em noticia

veiculada pelo G1, em 09 de abril de 2015, Cuba foi o único país da América Latina e do

Caribe a alcançar a totalidade dos objetivos mensuráveis estabelecidos na Conferencia de

Dakar, em 2000. Em Cuba, a educação é um direito inalienável de todo cidadão e o país

aplica 13% do PIB em educação, de acordo com noticia publicada no site Abril Abril, no dia

11 de dezembro de 2017.

Por fim, o documento finaliza o tópico um afirmando que “As sociedades mais

avançadas do mundo não discutem a meritocracia como solução” porque seriam

necessariamente meritocráticas. Supomos que a meritocracia não seja apontada como

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solução porque a educação está ou esteve minimamente garantida nesses países como

condição de exercício de cidadania e de desenvolvimento do país.

No tópico dois, denominado “Escola sem Ideologia, Escola sem Partido”, o

documento propõe como uma das tarefas da revolução na educação “Libertar a educação

pública do autoritarismo da ideologia de gênero, da ideologia da pornografia, e devolver às

famílias o direito da educação sexual das suas crianças e adolescentes”.

Em consonância com que foi expresso na primeira parte, de que as escolas e

universidades seriam instrumentos ideológicos de propagação das ideias comunistas, o

documento identifica uma suposta instrumentalização a serviço dessas ideologias, as quais

teriam envenenado “a alma e o espírito das últimas gerações” e teria destruído a qualidade

de ensino. Na esteira desse raciocínio, afirma categoricamente que “introduziram nas

escolas todo tipo de pornografia, licenciosidade, perversão etc” (grifos nossos).

Importante observar que o documento dirige um ataque frontal contra professores e

professoras os quais seriam os sujeitos dessas ações.

Como forma de combater aquilo que supõe-se ser uma realidade nas escolas e

universidades públicas, propõe o “Ensino da Moral” combinado à “Universalização do amor

à Pátria, aos Símbolos Nacionais, aos Heróis Nacionais e demais manifestações que agem

no plano simbólico”.

No tópico três que trata do Novo Ensino Superior Brasileiro, sugere “Rever o Ensino

Superior e modernizar a Graduação”, uma vez que se caracterizaria, na avaliação da Frente,

pela existência de “salas de aula vazias, e um custo gigantesco para um resultado

microscópico”. Isto explicaria o imenso atraso que vive o Brasil, ou seja, esse atraso não

teria nenhuma relação com a história e a formação social do país, nem com a divisão

internacional do trabalho e outros determinantes.

Vale lembrar que existe um Projeto de Lei (PL 1711/2019) em tramitação que prevê

a possibilidade de "reorganizar" ou extinguir cursos superiores que tenham taxas de

diplomação inferior a 50% das vagas de entrada.

O documento propõe, nos termos do que denomina de “Alfabetização Solidária”,

que “todos os graduandos e pós-graduandos em universidades públicas trabalhem por um

semestre para uma turma de analfabetos [...] como forma de retribuir à nação os impostos

pagos pelo povo brasileiro para o ensino público”. Institui o trabalho voluntário como uma

política de Estado, uma vez que o torna obrigatório para todos os estudantes, desconsidera

a especificidade do ato de alfabetizar que não compete a qualquer um, pois exige formação

específica em pedagogia, por exemplo, bem como exclui os próprios estudantes do “povo

brasileiro” que paga impostos.

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No tópico quatro, o documento se propõe a discutir a “Eficientização dos Recursos

Destinados à Educação”, atribuindo “Prioridade à Universalização do Ensino Básico e

Técnico de Qualidade”, aprofundando a dicotomia entre ensino básico e superior. Neste

item, ficam mais explícitas as articulações dessa revolução conservadora na educação com

os interesses mercadológicos do capital no que tange à educação, em especial, a de nível

superior.

O documento afirma que “estudos mostram que o investimento público em

educação como percentual do PIB no Brasil é maior do que diversos países que tem uma

educação de melhor qualidade que a brasileira” e que “os dados refutam a ideia que o Brasil

é um país que investe pouco”. No entanto, não traz qualquer referência às fontes dessas

informações. Em seguida, mostra um gráfico (sem fonte) de gasto por aluno contendo 38

países, no qual o Brasil ocupa a 33ª posição, mas o que chama atenção dos autores do

documento é somente o fato de que o Brasil está numa posição próxima a do Chile e da

Argentina que tem resultados no PISA superiores ao do Brasil.

Na sequencia, o documento apresenta vários dados sem citar nenhuma fonte a não

ser o documento do Banco Mundial, “Um ajuste justo”, que também não apresenta as

referencias e aponta várias sugestões para o que denominam de uso mais adequado dos

recursos públicos. Dentre as propostas, estão limitação dos gastos por aluno aos níveis das

universidades mais eficientes, desvinculação orçamentária, aumento do tempo dedicado às

aulas, auditoria dos programas de financiamento, como Prouni, FIES etc.

Além disso, compara o percentual do PIB que o Brasil aplica em educação, em

torno de 6%, com os outros países da OCDE e da América Latina, sugerindo que o valor

está acima da média, como também os valores gastos por aluno ensino superior público e

privado, alegando que o gasto no ensino público é três vezes maior e, por fim, aponta o

absenteísmo dos professores como um dos fatores do baixo nível de qualidade do ensino.

Vale salientar que o Brasil acumula muitos atrasos educacionais decorrentes do

fato de não ter construído o Sistema Nacional de Educação, como a não universalização da

educação básica, os baixos níveis de qualidade do ensino, a desvalorização dos

profissionais da educação, altas taxas de analfabetismo absoluto e funcional etc. nesse

caso, para se ter uma mudança significativa desse quadro, seria necessário investir muito

mais, conforme está previsto na meta 20 do Plano Nacional de Educação, e não reduzir o

investimento como sugere o BM.

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5 CONCLUSÃO

Os projetos Escola sem Partido, em todas as suas versões, e seus apensados,

vistos isoladamente, já nos causam espanto, tanto pela existência em si de projetos com

essas características e pelas suas proposições. Analisados à luz da conjuntura e do avanço

da agenda privatizante e mercantilizante da educação, expressa na desconstitucionalização

dos direitos sociais, como as propostas da desvinculação orçamentaria e de cobrança de

mensalidades nas universidades públicas presentes nos documentos citados, o

congelamento dos gastos com as politicas sociais por meio da Emenda Constitucional 95/16

e, já sob os efeitos do congelamento, os sucessivos cortes anunciados pelo governo federal

nas áreas da educação, ciência e tecnologia públicas, a investida contra os cursos da área

de humanas em detrimento da valorização de cursos que dão retorno mais imediato ao

mercado, da contrarreforma da previdência social, dentre outras medidas, os projetos em

questão tornam-se mais virulentos ainda.

Freitas (2018, p. 28) chama a atenção para as articulações entre os projetos que

visam ao cerceamento da liberdade docente e aqueles que objetivam atribuir m caráter mais

mercantil à educação. Então, nessa linha de raciocínio, seria

[...] compreensível que movimentos destinados a cercear a liberdade docente como o „Escola sem Partido‟ [...] estejam simultaneamente presentes à implementação acelerada das reformas constitucionais e do Estado, após 2016, incluindo a reforma da educação, com autoria e financiamento empresarial. Tais iniciativas têm a mesma origem ideológica: o neoliberalismo [...].

Assim, concordando com Freitas (2018, p. 23), não se trata apenas de uma questão

econômica, mas “[...] também ideológica, no sentido de dar garantias à defesa da

apropriação privada e sua acumulação contínua [...]”.

Essa visão dos apologistas do Escola sem Partido e dos reformadores empresariais

encontra ressonância no discurso oficial, como bem expressou o novo presidente ao afirmar

na sua posse que se engajará na promoção de uma educação capaz de preparar as

crianças e os jovens para “o mercado de trabalho e não para a militância política”. Para

tanto, considera necessário “[...] valorizar a família, respeitar as religiões e nossa tradição

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judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores”, conforme

noticiou o site da Uol, no qual encontra-se o discurso na íntegra9.

Essas ideias embalam um conjunto de projetos de lei que buscam cercear o livre

pensar e a liberdade de ensinar em sala de aula, através da proibição de conteúdos e da

punição/criminalização de docentes, bem como vem incentivando a perseguição ao(à)s

docentes por parte dos apologistas do movimento Escola sem Partido e do próprio governo

e seu ministro da educação quando dizem que é direito dos alunos filmarem os professores.

Por fim, avaliamos que a tentativa de amordaçamento dos docentes e a

descaracterização da função social da escola e da universidade públicas têm o objetivo

nítido de submeter cada vez mais a educação aos imperativos do mercado.

ideologicamente, busca-se imprimir um caráter mais conservador à educação e,

economicamente, aplica-se uma agenda ultra liberalizante de natureza privatista e mercantil.

Amordaçar para privatizar. Parece-nos que este é o receituário da classe dominante sob a

égide de um governo de extrema direita num contexto de crise do capital.

REFERÊNCIAS

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9 Posse de Jair Bolsonaro. Bolsonaro diz que missão é livrar país da corrupção e submissão

ideológica. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/01/01/bolsonaro-primeiro-discurso-presidente-congresso.htm. Acesso em: 08/02/2019.

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OS (DES) CAMINHOS DA POLÍTICA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO

CONTEXTO DAS ATUAIS CONTRARREFORMAS NEOLIBERAIS NO BRASIL: indicações

para o debate

Selma Maria Silva de Oliveira Brandão10

RESUMO: Este estudo aborda os rumos da política científica brasileira em tempos de contrarreformas neoliberais, sob a égide da inovação tecnológica. De modo sintético, a análise indica que a partir dos anos 1990, a política científica no país foi direcionada, de acordo com os ditames internacionais, prioritariamente aos interesses do mercado. Nesta direção, os resultados do trabalho demonstram que, na atual conjuntura de retrocessos no âmbito das garantias constitucionais, e no contexto de um verdadeiro “desmanche” das políticas sociais, a política científica no país, corre o sério risco de ser lançada literalmente ao espaço.

Palavras-chave: Contrarreformas. Produção do Conhecimento. Política Científica. Inovação Tecnológica.

ABSTRACT: This study approaches the directions of Brazilian scientific policy in times of neoliberal counter - reforms, under the aegis of technological innovation. In summary, the analysis indicates that since the 1990s, the country's scientific policy was directed, according to international dictates, primarily to the interests of the market. In this direction, the results of the work demonstrate that, in the current conjuncture of setbacks within the framework of constitutional guarantees, and in the context of a true "dismantling" of social policies, the country's scientific policy runs the serious risk of being literally thrown into space.

Key words: Contrarreformas. Knowledge production. Scientific Policy. Technological Innovation.

1 INTRODUÇÃO

Na perspectiva de acelerar o desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil,

para fomentar maior competitividade das empresas nacionais no mercado mundial, tendo

em vista a inserção do país na chamada sociedade da informação e do conhecimento, os

últimos governos brasileiros vêm implementando um sistema de ciência, tecnologia e

10

Doutora em Políticas Públicas (UFMA). E-mail: [email protected]

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inovação com ampla participação do setor privado, em detrimento de uma política científica

de base pública e estatal.

O presente trabalho tem como objetivo central analisar a política científica brasileira

implementada a partir dos anos 1990, no contexto da contrarreforma neoliberal do Estado,

cuja missão consiste em melhorar a competitividade brasileira no mercado internacional,

estimulando a produção do conhecimento voltada para o desenvolvimento econômico e

social do país, com base nos preceitos da denominada nova economia mundial: a

informação e a inovação tecnológica.

Assim, importa compreender, nos limites de um trabalho desta natureza, os

principais determinantes norteadores da produção científica no país, sob os ditames

neoliberais, sobretudo, aqueles de feição ultraconservadoras, como os em vigor na atual

conjuntura nacional e internacional.

2 A POLÍTICA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO CONTEXTO DAS

CONTRARREFORMAS NO BRASIL: a produção do conhecimento a serviço do

mercado

Como testifica uma vastíssima produção bibliográfica, as ideias neoliberais

passaram a ganhar terreno a partir de 1973, quando todo o mundo capitalista avançado caiu

em uma longa e profunda recessão após 30 anos de grande euforia. Nesta perspectiva

assim comenta Leher (2004, p. 14):

Para fazer frente a acentuada queda na taxa de lucros, as classes dominantes abraçaram essas ideias que, em curto espaço de tempo, contribuíram para realizar o que Hobsbawm caracterizou como “a revanche do capital”, contra as reformas conquistadas pelos trabalhadores ao arrancarem concessões daquele, materializadas no “Estado Social”.

De acordo, pois, com o receituário neoliberal do Consenso de Washington11 para os

países da periferia do sistema, desenvolvimento é sinônimo de crescimento econômico,

decorrente de uma política de estabilização da economia que deve pautar-se, entre outros,

11

O termo foi atribuído pelo economista Jonh Williamson a uma reunião realizada em novembro de 1989 na capital dos EUA, cujo objetivo, em linhas bem gerais, foi avaliar as políticas até então em desenvolvimento na América Latina e propor um conjunto de medidas de acordo com os preceitos do neoliberalismo, de redução do Estado para os países e regiões pobres do mundo, sob o pretexto mais uma vez de alavancar o desenvolvimento em cada nação onde fosse devidamente implementado. (BATISTA, 1994).

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no combate da inflação, na contenção do déficit público, através das privatizações e

abertura dos mercados nacionais.

No Brasil, sob tal orientação a ofensiva neoliberal ganhou maior visibilidade a partir

da eleição do presidente Fernando Collor de Mello e se consolidou na década de 1990, a

partir da implementação do Plano Real no governo de Fernando Henrique Cardoso.

FHC realizou a primeira geração de contrarreformas neoliberais no país, iniciada

em 1995 a partir do Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado, preconizado pelo

então ministro Bresser Pereira. Sob a retórica neoliberal da descentralização, maior

eficiência e transparência na gestão das políticas públicas, houve uma redefinição das

funções do Estado, com a adoção do modelo gerencial, “[...] cuja referência básica é o

atendimento à lógica empresarial e ao mercado competitivo, adotando concepções

instrumentais/funcionais de autonomia – ou heteronomia – e de participação.” (MANCEBO,

2009, p. 18). Ou seja: o referido processo imprimiu novas formas de controle sobre as

classes subalternas, expressas, dentre outras, na parceria público-privado (PPP), no

discurso da solidariedade, da filantropia das empresas cidadãs; enfim, na transferência de

responsabilidade do Estado para o setor privado de atividades que pudessem ser

controladas pelo mercado. Neste rearranjo se situam os serviços de saúde, cultura,

educação, especialmente o ensino superior e o desenvolvimento da ciência e tecnologia.

Neste contexto, portanto, começava a ser implementada no Brasil uma nova política

de C&T, tendo como finalidade principal a inserção do país na chamada Sociedade do

Conhecimento. Ou seja, em decorrência do enorme desenvolvimento tecnológico das

últimas décadas - grande parte introduzido no mundo do trabalho, - foram criadas

categorias, noções e termos próprios, via de regra, utilizados de maneira análoga, na

perspectiva de imprimir ideologicamente na sociedade o sentido de uma revolução

irreversível, caracterizada pela supremacia do conhecimento: sociedade pós-industrial,

sociedade pós-capitalista, sociedade informática, sociedade em rede, sociedade

programada e os mais difundidos sociedade da informação e sociedade do conhecimento.12

Sob esse verdadeiro arsenal conceitual, assistiu-se ao surgimento do que seria um

novo paradigma de desenvolvimento tecnológico fundado na inovação, a partir do

pressuposto de que a sociedade do conhecimento é um novo modelo de organização social,

pós-industrial, sem classes, cujo principal recurso é o conhecimento, ilimitado e ao alcance

de todos. (FRIGOTO, 1995).

12

Esses conceitos foram disseminados a partir da publicação de uma série de obras de autores renomados com grande repercussão mundial,: A Sociedade Informática, do filósofo polonês Adam Schaff, 1990; Sociedade Pós-capitalista, do filósofo e administrador austríaco Peter Drucker, 2002; 1995; Império, do filósofo italiano Antonio Negri e do crítico literário americano Michael Hardt, 2000, dentre outras.

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Com esses determinantes, a ideologia da sociedade do conhecimento tem servido

de suporte para “[...] estes sujeitos políticos coletivos do capital [...]”, nas palavras de Lima

(2007, p.51), tais quais a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a

Cultura (UNESCO), OMC e, particularmente, o Banco Mundial (BM) na elaboração de suas

recomendações para a liberalização econômica dos países periféricos, em nome, mais uma

vez, da modernização e do desenvolvimento.

Para lograr êxito, em sintonia com tais recomendações a política científica brasileira

desde então, foi assentada nas seguintes medidas: “[...] liberalização do regime de

comércio, eliminação de barreiras à transferência de tecnologia do exterior e as mudanças

nas leis de propriedade intelectual e de incentivos fiscais.” (OLIVEIRA, 2004, p. 77).

Segundo FHC, com estas medidas esperava-se corrigir uma estratégia equivocada de

desenvolvimento posta em prática em décadas anteriores no país, marcada por um

distanciamento entre os investimentos em C&T e a demanda por inovação no setor privado,

somada ainda a ineficiência do setor público relacionado à C&T no atendimento a essa

demanda, cujos reflexos foram percebidos no baixo desempenho nacional na área de

inovação tecnológica. Nos moldes da Sociedade da Informação e do Conhecimento, a

inovação é um dos fatores decisivos para o desenvolvimento econômico e social de uma

nação. Para corroborar neste propósito, foi criado, em janeiro de 1996 o Conselho Nacional

para Ciência e Tecnologia (CCT).

Visando definir no plano teórico e político, o papel do Brasil na produção e difusão

do conhecimento nesse novo estágio de desenvolvimento das relações capitalistas de

produção, assim como o papel da inovação na aceleração do desenvolvimento econômico e

social do país, no governo FHC, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (MCT&I)

veiculou três documentos: Livro Verde. Sociedade da Informação no Brasil: desafio para a

sociedade brasileira (2000); Livro Verde. Ciência, Tecnologia e inovação (2001) - elaborado

para subsidiar os debates da Segunda Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e

Inovação13 - e o denominado Livro Branco: Ciência, Tecnologia e Inovação (2002) que

contém as diretrizes estratégicas para o setor no período 2002 a 2012.

O documento Ciência, Tecnologia e Inovação: desafios para a sociedade brasileira

– também batizado de Livro Verde - é o marco regulatório da referida política, cuja tônica

central consiste em incentivar a participação empresarial, de todas as maneiras possíveis,

13

A 1ª. Conferência de Ciência e Tecnologia foi realizada em 1985. Sob sua égide, o próprio Ministério de Ciência e Tecnologia foi fundado. (BRASIL, 2010). A partir de 2004 o MCT voltou a organizar anualmente as Conferências regionais e nacionais de C&T, envolvendo instituições científicas, universitárias e empresariais, com o discurso da democratização das decisões nesta área.

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nas atividades de P&D. O trecho a seguir, presente no referido documento, é muito

elucidativo quanto a este propósito:

A pequena participação do setor privado nas atividades de pesquisa e desenvolvimento é uma questão central. O arcabouço institucional para uma sociedade do conhecimento – não apenas aquele específico do setor de Ciência e Tecnologia, mas também o que trata das relações do Estado com o setor privado na área de pesquisa e desenvolvimento – precisa ser revisto com urgência. Novos instrumentos legais em análise estabelecerão canais de cooperação público/privado e acelerarão a transferência de conhecimento dos centros geradores para a sociedade e para o mercado [...]. Destaca-se a premente necessidade de maior integração entre a comunidade acadêmica e o mundo empresarial. (BRASIL, 2001, p. 36).

Outro aspecto central presente no Livro Verde refere-se à necessidade, segundo

seus formuladores, de melhor capacitar o país para transformar cotidianamente “[...]

conhecimento em inovação e inovação em desenvolvimento [...]” como determina uma das

diretrizes da política (BRASIL, 2001, p.18). Ou seja, a partir da inclusão do termo Inovação

na política de C&T no país, objetiva-se tornar a pesquisa e a produção do conhecimento -

sobretudo aquelas voltadas para a aplicação de novas tecnologias - mais atrativas para o

mercado, na disputa por recursos financeiros do setor produtivo.

No referido documento, por inovação e avanço tecnológico, entende-se a

capacidade de absorção ou adaptação de tecnologias importadas, tendo em vista

transformar recursos técnicos em aumento de produtividade do trabalho sob capital,

acelerando seu processo de valorização, eixo central da política de CT&I. De conformidade

com as orientações das agências multilaterais para os países em desenvolvimento, compete

ao Brasil adaptar a realidade nacional à ciência e tecnologia, formuladas nas fronteiras

avançadas do conhecimento e das tecnologias de ponta, assim como contribuir para

agregar valor à finança mundializada, através de iniciativas inovadoras. Estas orientações

foram prontamente assumidas pelo país como condicionalidades para recuperar

financiamentos junto ao BM e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), como

fica explicito no próprio documento. (BRASIL, 2001).

Balizado por estes parâmetros, a Política Científica e Tecnológica do Governo FHC

buscou essencialmente implementar no Brasil um Sistema Nacional de Inovação, que

subordina o aparato científico e tecnológico nacional aos imperativos de aumento

exponencial da produtividade capitalista sob o comando do capital financeiro, segundo as

diretrizes neoliberais para a política social: privatização, descentralização, flexibilização e

participação.

Nesta direção, entre as décadas de 1980 e 2000, o governo brasileiro adotou uma

série de medidas de natureza legal, financeira e organizacional, tendo em vista ajustar a

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política científica brasileira as novas fronteiras internacionais do conhecimento. Dentre tais

medidas destacam-se: a proposta de Lei da Inovação Tecnológica, o revigoramento da Lei

da Informática, o fortalecimento do Fundo de Interação Universidade–Empresa, denominado

Fundo Verde-Amarelo, a criação e regulamentação dos Fundos Setoriais14.

Essas orientações tornam inequívocas a opção do governo brasileiro – em

consonância com a política neoliberal – “[...] em consolidar um modelo de gestão no qual o

Estado desliza de uma função de financiador e executor do desenvolvimento de C&T para a

de planejador e coordenador de um sistema definido como público não estatal.” (NEVES;

PRONKO, 2008, p. 170).

A chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) ao governo, em 2003, gerou grande

expectativa quanto a mudança de rumo da política econômica e social no país, com

repercussões na política científica nacional. Entretanto, no essencial o governo petista não

alterou substancialmente nem a direção, nem as formas institucionais para o

desenvolvimento da ciência e da tecnologia no país. Portanto, o governo Lula da Silva “[...]

reafirma a prioridade da inovação tecnológica como foco estratégico, que a consolida como

uma proposta de C&T na ótica do capital e aprofunda os mecanismos que subordinam essa

política aos imperativos da produtividade e da competitividade empresariais”. (NEVES;

PRONKO, 2008, p. 171).

De fato, durante o primeiro mandato de Lula da Silva, obtiveram aprovações

importantes instrumentos legais nessa direção como a Lei de Inovação, a Lei do Bem e as

PPP15.

Ao repetir o mesmo discurso da inovação tecnológica como política estratégica

nesta área para atender as exigências da chamada Sociedade do Conhecimento, novidade

mesmo só na cor do livro do MCT&I. O Livro Azul apresenta os resultados da 4ª Conferência

14

Os fundos setoriais de ciência e tecnologia são instrumentos de financiamento de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação no país. Com exceção do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (FUNTTEL), gerido pelo ministério das comunicações, os demais fundos são alocados no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e administrado pelo Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Os fundos setoriais foram criados na perspectiva de serem fontes complementares de recursos para financiar o desenvolvimento de setores estratégicos para o país .(BRASIL, 2012b). 15

A Lei da Inovação, Lei nº 10.973, foi sancionada em 02 de dezembro de 2004 e “[...] estabelece medidas de incentivo à inovação e a pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação e ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do país.” (BRASIL, 2004, art. 1). A chamada Lei do Be, Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005, concede incentivos fiscais para empresas que desenvolvam atividades de pesquisa e inovação tecnológica. Por sua vez, as PPP, instituídas e normalizadas pela Lei no. 11.079 de 30 de dezembro de 2004, servem de verdadeiro suporte no âmbito das políticas de CT&I para estimular o crescimento da P&D empresarial. Nesse sentido, as PPPs enfatizam o componente da inovação, vinculando ainda mais as políticas de C&T às necessidades empresariais de valorização do capital, no quadro de um novo modelo de gestão, reforçado pela Lei de Inovação e pela Lei do Bem. (BRASIL, 2004).

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de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada em 2010, com o tema Ciência, tecnologia e

inovação para o desenvolvimento sustentável. Novamente, portanto, a inovação se destaca

como um dos eixos estratégicos da política. Através do Plano de Ação em Ciência,

Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Nacional - também conhecido como

Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Ciência, - a inovação foi incluída como

um dos eixos centrais da política governamental (BRASIL, 2010).

Segundo seus formuladores, em um mundo cada vez mais dependente de

conhecimento, informação e criatividade, para desenvolver-se com segurança e

sustentabilidade, ciência, tecnologia e, sobretudo, inovação são acionados mais e mais

como agentes propulsores da transformação econômica e social. Nesse sentido, “[...] a

busca por novas possibilidades de transformar o conhecimento em inovação - e em riqueza,

por consequência – envolve hoje inúmeros atores: academia, setor empresarial, entidades

de categorias profissionais, do terceiro setor, entre outros.” (BRASIL, 2010, p. 17). Para

tanto, o governo Lula da Silva lançou mão de outra velha novidade - a PPP - como

alternativa para resolver o duplo entrave ao desenvolvimento científico tecnológico nacional:

1) o baixo investimento das empresas brasileiras em inovação tecnológica ao longo do

tempo e o seu distanciamento das universidades e centros de pesquisa como fontes de

informação; 2) a incapacidade da academia em interagir com o mercado, criar ambientes

inovadores e empreendedores, bem como atrair investimentos privados, atuando a revelia

das necessidades e prioridades do setor produtivo. (BRASIL, 2010).

Para tanto, o direcionamento do ministério da CT&I, consistiu em ampliar a

infraestrutura da ciência e tecnologia e unir universidades, institutos de pesquisa e a

iniciativa privada para desenvolver projetos estratégicos de interesse nacional, como se

observa na fala do então ministro, Marco Antônio Raupp: “uma das necessidades que se

impõe é a construção de um modelo que faça a aliança entre conhecimento científico e

economia [...]”, Para tanto, o país tem urgência na aprovação de um novo marco legal para

ciência e tecnologia, que seja capaz, de “[...] incrementar os mecanismos de incentivo à

inovação para que mais empresas passem a realizar atividades de pesquisa e

desenvolvimento de modo crescente e contínuo.”16 (RAUPP, 2012).

Nesta direção, as ações implementadas no governo Dilma Rousseff, foram no

sentido do alinhamento das políticas de educação superior com as de CT&I como principal

ferramenta para impulsionar o crescimento do país. Sancionada pela então presidenta, no

dia 11/01/16, a Lei nº 13.243, batizada como novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e

Inovação fortaleceu o incremento na cultura da inovação. Pela nova Lei, as Entidades de

16

O texto da nova Lei encontrava-se, naquele momento em tramitação no Senado Federal.

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Ciência, Tecnologia e Inovação (ECTIs) públicas poderão, mediante remuneração e por

prazo determinado, compartilhar laboratórios e equipamentos com ECTIs privadas em

atividades voltadas a inovação tecnológica. O projeto faculta ainda às instituições de ciência,

tecnologia e inovação públicas, prestar serviços a instituições privadas voltados à inovação

e a pesquisa científica e tecnológica. O servidor público envolvido na prestação desses

serviços poderá receber contribuição pecuniária diretamente da ECTI pública ou de

fundação de apoio com que esta tenha firmado acordo.

É notório, portanto, que a base principal deste modelo dependente da política

científica e tecnológica implementado no Brasil, a partir dos anos 1990, está no processo de

liberalização econômica, proposto a países como o Brasil pelas agências multilaterais, com

a disseminação da seguinte ideologia: para países da periferia do sistema a capacidade de

absorver novas tecnologias e de aplicá-las é tão ou mais importante do que a capacidade de

gerar essas tecnologias. Sob tal orientação, a contrarreforma da educação superior passou

a ser uma das diretrizes estratégicas da política de CT&I dos governos neoliberais no país,

em consonância com o receituário do grande capital internacional via agências multilaterais.

Isto porque, no Brasil, é reconhecidamente no âmbito das Universidades públicas brasileiras

que 90% do conhecimento científico são produzidos e a educação superior nestas

instituições é de melhor qualidade, muito embora na tentativa de contrariar os fatos, para o

atual Presidente da República Jair Bolsonaro, isto aconteça nas universidades privadas.

3 PARA ONDE NOS LEVA A POLÍTICA DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO

GOVERNO BOLSONARO? PARA O ESPAÇO?!

Ao assumir o governo em janeiro de 2019, o atual presidente Jair Messias

Bolsonaro indicou para a pasta do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e

Comunicação, o astronauta tenente-coronel da Força Aérea Brasileira Marcos Pontes, que

no discurso de posse, defendeu como prioridade da sua gestão a divulgação de iniciativas

de ciência e tecnologia no país. Segundo o ministro, um conjunto de ações será direcionado

para ampliar a produção do conhecimento, assegurando maior divulgação de iniciativas

relativas à ciência e tecnologia nas instituições de ensino públicas em todo o país, tendo em

vista motivar os jovens a seguir carreira de pesquisador. Para tanto, além de ampliar a

produção do conhecimento, o ministério se empenhará no fortalecimento dos processos de

transformação das pesquisas em inovação, com aplicações no setor produtivo.

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Em que pese o corte de 42% no orçamento da pasta, (o equivalente a R$ 2,1

bilhões), na solenidade comemorativa pelos 100 primeiros dias do governo Bolsonaro,

Marcos Pontes avaliou como positiva a agenda do ministério, ao considerar o cumprimento

das primeiras metas estabelecidas, que consistiu na implantação do Centro de testes de

tecnologia de dessalinização e do Programa Ciência na Escola. Este último, busca promover

a interação entre Universidades e a rede de escolas públicas para o ensino de Ciências,

motivando assim jovens para a carreira de ciência e tecnologia. Nas palavras do ministro,

“[...] nossas universidades e escolas vão participar da formação dos futuros pesquisadores

do país [...] tudo isso vai cooperar para o futuro brilhante de nossas crianças.” (BRASIL,

2019).

Talvez a elucidação para perspectiva tão vaga, seja vislumbrada na visão

conservadora acerca da política educacional brasileira, presente, por exemplo, no projeto

Escola sem Partido. Recentemente, na posse do mais novo ministro da educação, o

presidente assim se pronunciou: “[...] queremos uma garotada que não se interesse por

política nas escolas, mas que aprenda coisas, que as levem para o espaço no futuro.”

(BOLSONARO, 2019). Nisto consiste assegurar um futuro brilhante para crianças e jovens

brasileiros? Para o atual governo, parece que sim!

Bem em sintonia com o projeto de nação do atual governo, infelizmente, é a

soberania nacional que, no presente, parece ser lançada para o espaço, como ficou patente

na assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), como parte da agenda

ultraconservadora e entreguista do governo. Na primeira visita do presidente Bolsonaro aos

EUA, o referido acordo, firmado pelos chefes de estados, no dia 18 de março de 2019,

assegura o uso da base espacial de Alcântara, no Maranhão, pelos EUA, para lançamento

de foguetes e satélites. A assinatura do acordo foi motivo de grandes comemorações nestes

primeiros cem dias de governo, dado que todas as anteriores tentativas entre os dois

países, neste sentido foram frustradas. No ano 2000, por exemplo, o Congresso Nacional

rejeitou a proposta enviada pelo então presidente FHC, sob o argumento que feria a

soberania nacional, curiosamente, com a anuência do então deputado, Jair Bolsonaro.

Para o atual Presidente da República, cuja perspectiva é o alinhamento político e

ideológico a todo custo com os EUA, o referido acordo é considerado uma conquista pelo

suposto compartilhamento de conhecimento nas áreas de insumos e inovações

tecnológicos, com promessa de enormes ganhos financeiros para o país, que proporcionará

desenvolvimento em todos os setores da economia local e nacional. Muito embora, como

todo mundo sabe, através do referido acordo os EUA passarão a dispor do lugar mais

adequado no planeta para fazer suas operações, considerando as condições climáticas

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ideias da Base de Alcântara, o que proporcionará, uma economia de 30% no uso do

combustível necessário no lançamento de foguetes e satélites, segundo apontam os

especialistas.

No que tange a soberania nacional - em audiência pública na Câmara dos

Deputados, no dia 10 de abril, para dar maiores explicações sobre o referido acordo - o

ministro tratou logo de assegurar que o país não corre nenhum risco, na medida em que terá

total controle sobre todas as ações realizadas na Base Espacial de Alcântara, no Maranhão,

a partir da aprovação pelo Congresso nacional. Neste mesmo tom, em visita ao Maranhão

nos dias 14 e 15 de abril, Pontes, voltou a assegurou que a contrapartida brasileira no que

tange ao AST, consiste tão somente na proteção da tecnologia produzida nos EUA, dado

que atualmente, a indústria americana de tecnologia neste ramo possui domínio absoluto no

mundo, ou seja, 80% de todos os satélites e foguetes produzidos possui algum componente

norte americano, cujo uso precisa de autorização das autoridades daquele país.

Em contrapartida, desde sua assinatura, o AST com os EUA tem sido alvo de

inúmeras críticas e receios quanto à unilateralidade do mesmo, reforçando assim a condição

de subalternidade do país frente ao imperialismo norte-americano. Apesar das opiniões

divergentes entre os diversos segmentos dos trabalhadores organizados sobre a matéria, de

modo geral há consenso em torno da ameaça aos rumos de um projeto de autonomia

nacional, que passa necessariamente pelo desenvolvimento científico e tecnológico.

Em palestra no I Encontro de Ciência e Desenvolvimento promovido pela Secretaria

de Estado da Ciência, Tecnologia e Inovação do Maranhão, ainda por ocasião da visita à

Base de Alcântara, o ministro Marcos Pontes respondendo a questões formuladas, diante de

uma plateia numerosa, assegurou que não há o que temer, pois a perspectiva é transformar

a Base de Alcântara em um Centro Comercial a disposição de qualquer país, para usos

afins. E que, “[...] o AST não oferece ameaças à soberania nacional como os opositores ao

projeto chegaram a afirmar”. Muito pelo contrário, “[...] a gente aumenta nosso poderio, pois

o Centro sempre será controlado pelo Brasil e trará enormes vantagens financeiras ao país

e ao Maranhão, e que serão revertidas em melhores condições de vida para as populações

que vivem no referido território”. Desse modo, segundo Pontes, “[...] em pleno

funcionamento, o Centro Comercial de Alcântara abrirá ao Brasil um mercado bilionário, que

movimentará a princípio cerca de 350 bilhões de dólares, com previsão de atingir o

montante de 1 trilhão até 2040”. (Informações verbais)17.

17

Depoimento retirado da fala no ministro no referido evento, realizado no Multicenter Sebrae, no dia 15 de abril de 2019, do qual participou a autora do artigo.

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A urdidura dessa trama, (ou seria drama?) do qual o AST assinado pelos

presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trummp, destaca-se aparentemente como um ato

isolado, envolvem desde sempre os países situados na periferia do sistema capitalista,

como o Brasil, de modo diversificado e intensificado. Muito embora, volta e meia se

apresente com ares de novidade, e promessas de prosperidade para todos, nada tem de

atual e original, muito menos de veracidade, até porque na trama engendrada pelo concerto

dos países imperialistas, com a anuência dos governos das nações periféricas, no final os

interesses dos mocinhos sempre se sobrepõem como nas tramas hollywoodianas.

4 CONCLUSÃO

Assim, ainda que sob os limites deste trabalho, e, em defesa de um projeto

societário emancipador, a razão nos impõe a necessária tarefa de contra argumentação

mediante os rumos da atual política de CT&I do qual o AST, se situa, como capítulo

importante na atual conjuntura brasileira.

O Brasil, ao longo de sua história, se inseriu na divisão internacional do trabalho do

sistema capitalista de forma subordinada. No campo da produção do conhecimento, não foi

diferente. Florestan Fernandes (2009, p. 129) é elucidativo sobre os determinantes deste

processo ao afirmar que, na trajetória histórica da América Latina e do Brasil,

especificamente, somente se conheceu um tipo de modernização induzida e dependente; ou

seja, “[...] o ponto mais vulnerável do capitalismo dependente e do neocolonialismo está na

dominação externa.” Entretanto, a aceitação, a incorporação e mesmo a intensificação da

heteronomia dos países latino-americanos se concretizam graças à anuência das

burguesias nacionais. Nas palavras do autor, “[...] a história como emancipação, na

evolução da América Latina, foi negada de fora para dentro e de dentro para fora.”

(FERNANDES, 2009, p. 132).

Dessa forma, ao se pensar a política científica brasileira na atualidade, diante de

tudo que estamos vivenciando, uma questão central diz respeito às suas reais

possibilidades de construir um padrão de modernização/desenvolvimento relativamente

autônomo para o país. Esta conquista, indaga Fernandes (2009), relaciona-se diretamente

ao grau de desenvolvimento científico-tecnológico nacional e à capacidade de o país

produzir uma certa massa de conhecimentos originais nas esferas científica e tecnológica?

Se, para muitos, trata-se de uma relação meramente quantitativa, segundo o referido autor,

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a resposta esclarecedora a esta questão passa necessariamente pelo entendimento de que

a economia e a política formam dois pólos que comprimem interna e externamente as

possibilidades de superação da dependência científico-tecnológico e a conquista de

autonomia progressiva neste campo.

Ou seja, em países situados na periferia do sistema capitalista, como o Brasil,

[...] „para vencer o atraso e a dependência científico-tecnológica aos quais tem sido submetido, é necessário reestruturar as relações de exploração e opressão que se impõem sobre os trabalhadores e instaurar um processo educativo, que amplie os horizontes de liberdade das pessoas. (SINDICATO NACIONAL DOS DOCENTES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR, 2018, p. 45).

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