educação popular em movimentos sociais

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    EDUCAO POPULAR EM MOVIMENTOS SOCIAIS: CONSTRUOCOLETIVA DE CONCEPES E PRTICAS EDUCATIVASEMANCIPATRIASBATISTA, Maria do Socorro Xavier UFPBGT: Educao Popular / n.06

    Agncia Financiadora:No contou com financiamento

    Os movimentos sociais como lcus da Educao Popular

    Neste ensaio pretende-se analisar a contribuio da educao popular vivenciada

    nos movimentos sociais na constituio de uma pedagogia formadora de seres humanos

    com capacidade crtica e emancipadora e destacar as dimenses da educao nos

    movimentos sociais. Ele resulta de um projeto de pesquisa que busca analisar a educao

    popular vivenciada nos movimentos sociais e as lutas por educao. O texto foi estruturadonos seguintes tpicos: Os movimentos sociais como lcus da Educao Popular; Educao

    Popular em movimentos sociais: prticas educativas emancipadoras; A liberdade e a

    autonomia como fundamentos da Educao popular e concluses.

    A educao como uma ao social que busca formar seres humanos, produzir,

    transmitir e preservar os conhecimentos, a cultura, os jeitos de pensar, sentir e agir de uma

    sociedade faz parte da histria da humanidade. Cada povo, em cada contexto histrico,

    encontra seus meios e fins para educar os indivduos que convivem numa dada sociedade.

    Na modernidade, na sociedade industrial capitalista que se caracteriza por ser

    cindida em classes, pela existncia de pobres e ricos, pelas diferenas entre aqueles que tm

    e os que no tm a riqueza nem acesso aos bens econmicos e culturais, pela

    predominncia do poder econmico e poltico a educao assumiu um formato oficial

    predominante na instituio escolar e foi pensada em seu contedo e em seu fazer para

    atender aos interesses das classes e grupos hegemnicos. Muito embora tenha sido, como

    poltica social e como direito de cidadania, resultante das contradies e lutas das classes

    populares, a educao lhes foi historicamente negada, complementando um quadro de

    excluso e negao de cidadania que atinge a grandes contingentes desses setores da

    populao.

    Assim, evidencia-se que a educao tem uma essncia poltica como uma de suas

    caractersticas fundantes. Da disputa de projetos e concepes de sociedade e de educao

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    nasce no Brasil, no final da dcada de 1950 e incio de 1960, uma outra concepo e prtica

    de educao, voltada para as classes populares, que passou a ser chamada por seus

    protagonistas de Educao Popular. Tecida inicialmente fora dos muros escolares, como

    movimento de Cultura Popular, nos crculos de cultura, como uma ao cultural, um

    processo de educao na rua, na periferia, nos bairros, na praa, nos Centros de Cultura

    popular, nas associaes de moradores, nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB), nos

    movimentos sociais, buscando romper uma cultura do silncio de opresso. Depois, a partir

    da dcada de 1980, ela invadiu a escola pblica, em vrias experincias, em diversos

    municpios e escolas, seja como poltica pblica, seja como prtica educativa experienciada

    por professores adeptos dessa concepo de educao.

    A educao popular se compe de uma teoria educacional e de mtiplas prticas

    pedaggicas. Ao longo de sua histria tem assumido caractersticas e concepes distintas.Ela tem suas origens, na Amrica Latina, nas lutas populares contra a opresso, as

    desigualdades e a excluso social e educacional. Na arena poltica onde se expressam os

    conflitos e se reivindicam direitos atravs de aes coletivas forjam-se saberes e prticas

    educativas.

    A educao popular tem-se constitudo num paradigma educativo que tem bases

    tericas, epistemolgicas, filosficas, ontolgicas, metodolgicas e prticas distintas e

    diversificadas daquela vivenciada na educao escolar e representa uma das maiores

    contribuies da Amrica Latina ao pensamento pedaggico universal (GADOTTI, 1998).

    Destaca-se trs dimenses da educao popular vivenciada nos movimentos sociais: 1) As

    lutas populares que buscam conquistar educao escolar pblica; 2) As experincias, os

    processos e propostas de educao popular desenvolvidos pelos movimentos sociais e

    organizaes da sociedade civil; e 3) o Carter educativo e pedaggico da participao nos

    movimentos sociais.

    Movimentos sociais so aes coletivas que se desenvolvem numa esfera

    sociocultural, onde sujeitos coletivos interagem, criam espaos de solidariedade, praticam

    uma cidadania em processo, vivenciam prticas educativas que propiciam mltiplas

    aprendizagens, reivindicam direitos e que buscam mudar a sociedade em que vivem. Eles

    so, como salienta Camacho (1987, p. 217),

    uma dinmica gerada pela sociedade civil, que se orienta para a defesa deinteresses especficos. Sua ao se dirige para o questionamento, seja de

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    modo fragmentrio ou absoluto, das estruturas de dominaoprevalecente, e sua vontade implcita transformar parcial ou totalmenteas condies de crescimento social.

    Um movimento social pode se configurar como movimento antagonista (Melucci,

    2001, p. 42) que uma ao coletiva portadora de um conflito que atinge a produo de

    recursos de uma sociedade. Luta contra o modo pelo qual os recursos so produzidos e

    coloca em questo os objetivos da produo social e a direo do desenvolvimento.

    Ao longo da histria os movimentos sociais no Brasil vm lutando para conquistar

    direitos humanos, sociais, civis e polticos, servios coletivos. H lutas por questes de

    gnero, de etnias, em que se buscam reconhecimento e afirmao das identidades culturais,

    o respeito s diferenas e alteridade. Ressaltam-se tambm os movimentos pacifistas e

    ecolgicos. Mais recentemente, a partir da dcada de 1990, entram em evidncia os

    movimentos de mbito mundial que questionam a barbrie do capitalismo global eneoliberal que retrocedeu os avanos e as conquistas que as lutas sociais dos sculos XIX e

    XX alcanaram, remetendo as lutas do sculo XXI que se inicia, aos temas de ento, como

    o direito vida, cidadania civil social e poltica, que o movimento antiglobalizao.

    Como salienta Batista (2003, p. 7).

    Os movimentos sociais contra a globalizao questionam a lgicacapitalista e neoliberal, predatria da natureza e do ser humano. Queremtornar os indivduos sujeitos e centro de preocupao do desenvolvimento.

    Afirmam a necessidade de que todas as foras sociais progressistas seunifiquem e trabalhem como parceiros na criao de um outro mundo maissolidrio, mais humano. Figuram na cena poltica mundial como uma redede atores sociais que aglutina milhares grupos, movimentos, ONG.

    Como salienta Len (2000: 1), surge indmita la fuerza de los movimientos de

    resistencia, creacin y propuesta que, desde diversas visiones, se afanan en desconstruir

    viejos preceptos y reconstruir smbolos, discursos y prcticas, para trazar la pauta de una

    solidaridad globalizada.

    Os movimentos populares, os movimentos de cultura popular no Brasil

    propiciaram uma educao contra-hegemnica, uma educao oriunda dos povos

    oprimidos, preocupada com seus interesses, suas perspectivas de sociedade, na qual eles

    sejam sujeitos e cidados. Ou seja, uma educao que tem uma identidade com as

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    diversificada teia de experincias de educao popular, empreendidas pelas aes coletivas

    dos movimentos na cidade e no campo.

    Entendemos que a educao vivenciada nos movimentos sociais caracteriza-se por

    ser um processo de produo, apropriao e partilha de experincias e conhecimentos sobre

    a realidade social, poltica, econmica, cultural e ontolgica. Nos movimentos e nas lutas

    empreendidas pelos setores das classes populares so vivenciadas processos educativos e

    propostas de educao, destacando-se as experincias de educao popular em ONGs,

    associaes comunitrias, centros de cultura popular, as prticas de economia solidria em

    associaes, cooperativas, feiras, e as propostas e programas de Educao dos Movimentos

    sociais, especialmente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em que

    se vivenciam relaes sociais de solidariedade, de ajuda mtua, de cooperao, tendo como

    preocupao maior a formao de seres humanos em todas as suas dimenses,caracterizando-se assim uma educao omnilateral.

    Salienta-se a dimenso educativa da participao nos movimentos sociais que

    proporciona vrias experincias scio-educativas, que constituem a dimenso pedaggica

    do movimento, que em seus procedimentos e rituais desenvolvem uma didtica que compe

    uma pedagogia comunitria, que nasce da ao dialgica dos sujeitos. As denominaes de

    prticas educativas, educao popular, educao no formal, constituem expresses

    utilizadas para falar das aprendizagens que a participao poltica nos movimentos propicia

    com suas mltiplas dimenses: polticas, culturais, subjetivas, simblicas, afetivas, que

    proporcionam novas matrizes discursivas para a educao.

    Entendemos a educao, as relaes, os saberes vivenciados nos movimentos como

    uma educao popular, de acordo com o entendimento de Calado (1998, p. 2) como uma

    perspectiva, uma metodologia, uma ferramenta de apreenso/compreenso, interpretao

    e interveno propositiva, de produo e reinveno de novas relaes sociais e

    humanas. Esse fazer educativo diferente daquele vivenciado na educao formal onde

    sujeitos distintos e diferentes so polarizados numa relao verticalizada, em que um sabe e

    ensina e o outro no sabe e aprende. Relao de poder prpria da verso liberal tradicional

    da pedagogia adotada pela escola. Essa educao popular caracteriza-se como educao da

    rua, da polis, do sujeito, que constri o cidado coletivamente, numa arena cotidiana de

    lutas em que se constri e se conquista uma cidadania com mltiplas dimenses.

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    Nessas prticas educativas ressaltam-se aspectos polticos como a contestao e a

    resistncia ao modelo de sociedade e de histria, ao qual os movimentos se contrapem

    quando questionam o modo de serda sociedade capitalista atual e a cultura de dominao, a

    mercantilizao da vida em todos os espaos que ela reproduz e consolida. A Educa(a)o

    popular nos movimentos sociais mostra que possvel mudar, que h possibilidade de no

    presente se construir uma nova sociedade com novas relaes sociais e novos sujeitos

    coletivos que se pautem em relaes de solidariedade, igualdade, de respeito, coletividade,

    alteridade, como destaca Caldart (2000, p. 8).

    Quando nos assentamentos os Sem Terra buscam construir novasrelaes sociais de trabalho, e novos formatos para a vida emcomunidades do campo, afirmam uma cultura centrada no bem-estar dacoletividade, e se contrapem, portanto, absolutizao do indivduo,que caracterstica dominante da sociedade capitalista.

    Portanto, na arena poltica onde se expressam os conflitos e se reivindicam direitos

    atravs de aes coletivas forjam-se saberes e prticas educativas. Os movimentos sociais

    evidenciam uma produo de conhecimentos que so gerados sobre a realidade em suas

    mltiplas determinaes, matizados pelos vrios prismas dos saberes: cientfico, do senso

    comum, ideolgico, permeados pelas culturas populares. So saberes construdos

    socialmente, coletivamente, em que se entrecruzam a riqueza dos conhecimentos, saberes

    experincias, sentidos das culturas populares, silenciadas, negadas, vividas no cotidiano,nas estratgias de sobrevivncia e de trabalho ou reificadas em artefatos e nas tradies,

    conhecimentos ou crenas populares expressas em provrbios, contos ou canes.

    Evidencia-se a dimenso sociolgica e ontolgica das experincias do cotidiano dos

    movimentos sociais onde se constroem novas relaes sociais com base na cooperao, na

    solidariedade, na cidadania, formando novos sujeitos que reconstroem as concepes e

    prticas que se formaram e foram introjetadas, fundadas nos valores hegemnicos vigentes

    numa sociedade permeada pelas relaes de poder entre dominantes e dominados, onde o

    individualismo, a competio esto presentes e so a marca da sociabilidade.

    A educao popular promove a cidadania, emancipao humana, uma cultura

    democrtica e solidria e norteia-se pela liberdade, para alm da liberdade da ideologia

    liberal/neoliberal. Ela se apresenta como construo coletiva de resistncia, de

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    enfrentamento s imposies das polticas educativas oficiais e como negao da negao

    ao direito educao.

    Ela possibilita o dilogo de saberes populares, da cultura popular com os

    saberes/conhecimentos produzidos e sistematizados socialmente; que se orientam pelas

    necessidades dos setores populares visando incorpor-los sociedade, como seres humanos

    por inteiro. Ela utiliza vrias linguagens ldicas, artsticas, teatrais, poticas, cientficas,

    imagticas. So saberes de uma epistemologia que une ao-reflexo. Saberes que resultam

    em uma prxis transformadora. uma educao ontolgica, posto que parte da experincia

    dos seres que refletem sua experincia de vida, muitas vezes oprimida, para propiciar um

    ser humano que faz uma nova histria, transformando sua realidade.

    A liberdade e a autonomia como fundamentos da Educao popular

    Um dos pensadores pioneiros e maior inspirador dessa viso de educao foi o

    educador Paulo Freire2. A contribuio do pensamento e da prtica educativa dele para a

    educao popular um marco no s no Brasil, mas na Amrica Latina e no mundo. Os

    fundamentos tericos, filosficos, antropolgicos, ontolgicos, metodolgicos desse

    pensador so a essncia de toda a educao popular que se vem fazendo.

    A concepo libertadora de educaoproposta por Freire evidencia o papel da

    educao na construo de um novo projeto histrico, fundamenta-se numa teoria do

    conhecimento que parte da prtica concreta na construo do saber e o educando como

    sujeito do conhecimento e compreende a alfabetizao no apenas como um processo

    lgico, intelectual, tambm como um processo profundamente afetivo e social (GADOTTI,

    1998, p. 02).

    Freire (1997, p. 37) destacou a educao como ato poltico, que toma partido pelo

    oprimido, questionou e redefiniu a prtica docente autoritria, defendendo a educao como

    instrumento libertrio, onde os sujeitos se descobrem e produzem em comunho.

    2 Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, no Recife, Pernambuco/Brasil. Foiprofessor da Universidade Federal da Pernambuco. Desenvolveu uma teoria, uma epistemologia, umametodologia que fundamentam a Educao Popular. Destacam-se entre suas obras: Educao como

    prtica da liberdade (1967); Pedagogia do oprimido (1968); Cartas Guin-Bissau (1975); Pedagogia daesperana (1992); sombra desta mangueira (1995); Pedagogia da Autonomia: Saberes necessrios prticaeducativa, de 1997

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    A diretividade da prtica educativa que a faz transbordar sempre de simesma e perseguir um certo fim, um sonho, uma utopia, no permite suaneutralidade. A impossibilidade de ser neutra no tem nada que ver com aarbitrria imposio, que faz o educador autoritrio, a seus educandos, desuas opes.

    Freire acreditava no poder transformador e construtor da histria dos seres humanos

    e atribua educao um papel importante para redimir os oprimidos da situao de

    opresso, defendendo a educao como instrumento de libertao. A Pedagogia do

    oprimido aquela que busca a libertao dos seres humanos oprimidos, e para tanto eles

    tm que ser parte ativa desse processo. Ele afirma (1984, p. 32) que a educao

    tem de ser forjada com ele e no para ele, enquanto homens ou povos, naluta incessante de recuperao de sua humanidade. Pedagogia que faa daopresso e de suas causas objeto de reflexo dos oprimidos, de queresultar o seu engajamento necessrio na luta por uma libertao, em queesta pedagogia se far e se refar.

    Na viso freireana a educao um processo humanizador e histrico que deve

    proporcionar uma prxis transformadora para libertar os homens e mulheres da situao de

    submisso que a sociedade capitalista lhes impe. Freire afirma (1984. p. 44)

    a pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terdois momentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vo

    desvelando o mundo da opresso e vo comprometendo-se na prxis, coma transformao; o segundo, em que, transformada a realidade opressora,esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia doshomens em processo permanente de libertao.

    Freire (1984 , p. 51), entendia o processo de explorao e a opresso da resultante

    como resultado da materialidade das relaes sociais de produo e atribua um papel

    importante educao como instrumento na superao da situao de opresso impingida

    pela luta de classes que proporciona a dominao e a alienao.

    Talvez se pense que, ao fazermos defesa deste encontro dos homens nomundo para transform-lo, que o dilogo, estejamos caindo numaingnua atitude, num idealismo subjetivista. No h nada, contudo, demais concreto e real do que os homens no mundo e com o mundo. Oshomens com os homens, como tambm alguns homens contra os homens,enquanto classes que oprimem e classes oprimidas.

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    A educao popular de inspirao Freireana privilegia o dilogo como principio

    pedaggico, a liberdade e a autonomia, como objetivos para a formao humana. Os

    conhecimentos tm como ponto de partida o oprimido e seu mundo, sua cultura. Nos

    movimentos sociais predominam as prticas educativas libertadoras, so aes culturais

    dialgicas que tm o oprimido e seu mundo, sua cultura como pontos de partida para

    extrojeo da cultura dominante em busca de uma conscincia crtica, da liberdade, da

    formao humana numa perspectiva de igualdade, liberdade, solidariedade, diferente das

    prticas educativas bancrias dominadoras, silenciadoras, subordinadoras presentes na

    lgica das relaes dominantes. No entrecruzamento do conhecimento da vida com o

    conhecimento sistematizado a Educao popular pode possibilitar uma desvelamento da

    realidade vivida. Como salienta Freire (1985, p, 78-0):

    A educao libertadora, problematizadora, j no pode ser o ato dedepositar e de narrar, ou de transmitir conhecimentos e valores aoseducandos, meros pacientes maneira da educao bancria, mas um atocognoscente. [...] Educao problematizadora consiste de carterautenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento darealidade.

    Freire (1983, p 49) ressalta a capacidade da Educao Popular contribuir para a

    formao humana emancipadora. Ele destaca o homem como ser no tempo, como sujeito

    histrico e cultural, que alm de conhecer o mundo transforma-o. Herdando a experincia

    adquirida, criando e recriando, integrando-se s condies de seu contexto, respondendo a

    seus desafios, objetivando-se a si prprio, discernindo, transcendendo, lana-se o homem

    num domnio que lhe exclusivo o da histria e o da cultura. Esse mesmo autor (1983,

    p 67) afirma que a educao deve ser crtica e corajosa, propor ao povo a reflexo sobre

    si mesmo, sobre seu tempo, sobre sua responsabilidade, sobre seu papel no clima da

    sociedade em transio. Uma das marcas distintivas das idias de Freire o dilogo como

    elemento da gnese do ser humano, das relaes sociais, dos processos de educao e

    formao, de identidade e de alteridade. O dilogo proporciona uma aprendizagem ativa,

    comunicante e est sempre presente nas prticas dos movimentos sociais.

    Destacaramos ainda o chamamento que Freire faz educao no sentido de que ela

    se volte para a responsabilidade social e poltica, recusando posies quietistas, para a

    necessidade de ela desenvolver a criticidade, que segundo Freire (1983, p. 69) implica a

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    apropriao crescente pelo homem de sua posio no contexto. Implica na sua insero,

    sua integrao. Resulta de trabalho pedaggico crtico apoiado em condies histricas

    propcias. Esses elementos contribuiriam para o desenvolvimento de uma tomada de

    conscincia dos indivduos e para a sua participao ativa, transformadora e responsvel na

    sociedade, processo alimentado pela esperana, pelo sonho pela utopia, como aponta Freire

    (2001, p.25).

    Um desses sonhos para que lutar, sonho possvel mas cuja concretizaodemanda coerncia, valor, tenacidade, senso de justia, fora para brigar,de todas e de todos os que a ele se entreguem, o sonho por um mundomenos feio, em que as desigualdades diminuam, em que asdiscriminaes de raa, de sexo, de classe sejam sinais de vergonha e node afirmao orgulhosa ou de lamentao puramente cavilosa. No fundo, um sonho sem cuja realizao a democracia de que tanto falamos,sobretudo hoje, uma farsa.

    Arroyo (2002, p.2) destaca a educao popular como elemento de promoo

    humana e salienta os paradigmas educativos e pedaggicos devem ser radicais ao colocar

    o ser humano como problema pedaggico. Ele tambm salienta que uma teoria

    pedaggica deve privilegiar o ser humano se constituindo como humano.

    O fazer-se humano comporta espaos e dimenses mltiplas, faz-se num

    aprendizado contnuo e coletivo e os movimentos sociais representam espaos privilegiados

    de vivncias para construir novas sociabilidades e novos seres humanos que se constituem

    como sujeitos culturais, sociais, ticos, coletivos, espaciais, histricos, afetivos, polticos,

    cidados.

    Pode-se afirmar que os processos sociais e pedaggicos resultantes

    da experincia tecidas e compartilhadas nos movimentos sociais

    proporcionam um fazer-se humano autopoitico (MATURANA e

    VARELA,1995, p. 262), que proporciona um constante processo de auto-

    criao de humanos, de saberes de experincias, conhecimentos,

    possibilitam a autonomia e a liberdade dos sujeitos.

    Se sabemos que nosso mundo sempre o mundo queconstrumos com outros, toda vez que nos encontramos emcontradio ou oposio a outro ser humano com quedesejamos conviver, nossa atitude no poder ser a dereafirmar o que vemos do nosso prprio ponto de vista e,sim, a de considerar que nosso ponto de vista resultado

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    de um acoplamento estrutural dentro de um domnioexperiencial to vlido como o de nosso oponente, aindaque o dele nos parea menos desejvel. Caber, portanto,buscar uma perspectiva mais abrangente, de um domnioexperiencial em que o outro tambm tenha lugar e no qualpossamos, com ele, construir um mundo.

    A educao popular vivenciada nos movimentos sociais proporciona processos

    educativos e de produo de saberes entre pessoas que comungam de objetivos e

    identidades comuns, mediados por prticas organizativas e discursivas em que todos so

    sujeitos do processo. As variadas formas e linguagens utilizadas como a msica, o teatro, a

    mstica, os smbolos, os textos escritos, a linguagem oral e todos os recursos utilizados

    formam uma rica contribuio para as concepes de educao. As estratgias de luta e de

    organizao, as anlises de conjuntura, contribuem como elementos metodolgicos parauma educao poltica, para a identidade social dos sujeitos e para a construo da

    cidadania.

    Concluses

    Muito embora a Educao Popular tenha assumido diversos significados e formatos

    tem sido alimentada por princpios filosficos, sociolgicos, ontolgicos e epistemolgicos

    que ressaltam a emancipao, a liberdade, o empoderamento das classes e dos setores

    oprimidos, excludos. Busca evidenciar e afirmar a cidadania como direito de todas e todos.

    Apresenta-se como uma prxis poltica-pedaggica que d voz pelo dilogo, como

    instrumento de libertao, de afirmao de culturas silenciadas e negadas, possibilita

    construo de saberes, de novos modos e metodologias no processo de construo de uma

    sociedade democrtica, humana, tica e fraterna.

    Esse processo de formao humana nascido das experincias das aes dos

    movimentos sociais pode fornecer contribuies no mbito da pedagogia para a educao

    escolar, na perspectiva de contribuir para superar os processos e prticas educativasbancrias como dizia Freire, e novas perspectivas em relao assimilao/produo de

    conhecimentos. Pois, difentemente da escola nos movimentos sociais o processo de

    apreenso/construo do conhecimento se d pela relao objetiva e intersubjetiva que

    resulta em saberes socialmente construdos e ressignificados. Na escola se impe um

    conhecimento o cientfico como predominante, a base e o objetivo principal da

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    educao, mas inspirada nos movimentos sociais ela pode potencializar a expresso de uma

    construo, vivncia de conhecimentos que reflitam a criao coletiva dos desejos e utopias

    de uma comunidade dos aprendizes/ensinantes.

    Se a escola incorporar a idia de que o processo de ensinar o mesmo do aprender,

    e que no um ato unilateral de algum que ensina/deposita conhecimentos desligados da

    realidade de quem aprende, ela pode fazer do currculo um processo que faz parte da vida

    de quem aprende se alimentando na fonte das experincias, dos modos de viver e de pensar

    dos sujeitos resultantes da aprendizagem que ocorre em suas experincias de vida, das

    relaes sociais enriquecidas atribuindo novos significados aos conhecimentos

    sistematizados, possibilitando sujeitos cognoscentes construtores de novos conhecimentos

    que para eles sejam instrumento de mudana, de incluso, de novas sociabilidades.

    Referncias

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