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Movimentos Sociais e o Processo de Urbanização Maria Blassioli Moraes Introdução o processo de urbanização das cidades em desenvolvimento desde o século XIX, gerou muitas transformações no cotidiano dassociedades. A estrutura de vida do homem urbano passou a funcionar como um relógio, onde as engrenagens não poderiam parar. Henri Lefebvre e Georg Simmel desen- volveram estudos pensando os problemas decorrentes da urbanização nasci- dades, descrevendo e analisando as novas características da sociedade urbana. Bairros inteiros tomaram o aspecto cinza da fumaça e dos edifícios das fábricas. Novas moradias surgiam do dia para a noite. Populações migra- vam do campo para a cidade em busca do trabalho e da inserção neste imenso relógio que, ao girar asengrenagens, não incorporam todos. Quem não consegue acompanhar o ritmo, fica para trás, formando um grande bloco de miseráveis. Mas, neste processo houve um período, principalmente entre asdécadas de 1950 a 1970, em que a proliferação dasfábricasno ABC paulista ofere- ceu um espaço a estehomem que vinha do campo, semexigir dele alguma qualificação ou experiência e, o salário, principalmente do operário do se- tor metalúrgico, era suficiente para sustentaruma família, sem que outro membro precisasse trabalhar.Isto não quer dizer que todas ascondições de vida da classe operáriafossem positivas. Além dascondições de trabalho, as de habitação foram também, constantemente, motivos de protestos. Na região do ABC ocorreram conflitos entre operáriose empregadores, cadavez mais freqüentes,desde o início desteséculo. Sobre estatransfor- maçãoo sociólogo Leôncio Martins Rodriguesafirmou que "O avanço da indústria trazia consigoo aumento do número de operários, suaconcentra-

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Movimentos Sociais e oProcesso de Urbanização

Maria Blassioli Moraes

Introdução

o processo de urbanização das cidades em desenvolvimento desde o séculoXIX, gerou muitas transformações no cotidiano das sociedades. A estruturade vida do homem urbano passou a funcionar como um relógio, onde asengrenagens não poderiam parar. Henri Lefebvre e Georg Simmel desen-volveram estudos pensando os problemas decorrentes da urbanização nas ci-dades, descrevendo e analisando as novas características da sociedade urbana.

Bairros inteiros tomaram o aspecto cinza da fumaça e dos edifícios dasfábricas. Novas moradias surgiam do dia para a noite. Populações migra-vam do campo para a cidade em busca do trabalho e da inserção nesteimenso relógio que, ao girar as engrenagens, não incorporam todos. Quemnão consegue acompanhar o ritmo, fica para trás, formando um grande

bloco de miseráveis.Mas, neste processo houve um período, principalmente entre as décadas

de 1950 a 1970, em que a proliferação das fábricas no ABC paulista ofere-ceu um espaço a este homem que vinha do campo, sem exigir dele algumaqualificação ou experiência e, o salário, principalmente do operário do se-tor metalúrgico, era suficiente para sustentar uma família, sem que outromembro precisasse trabalhar. Isto não quer dizer que todas as condições devida da classe operária fossem positivas. Além das condições de trabalho, asde habitação foram também, constantemente, motivos de protestos.

Na região do ABC ocorreram conflitos entre operários e empregadores,cada vez mais freqüentes, desde o início deste século. Sobre esta transfor-mação o sociólogo Leôncio Martins Rodrigues afirmou que "O avanço daindústria trazia consigo o aumento do número de operários, sua concentra-

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ção em grandes fábricas e nos centros urbanos, propiciando condições maisfavoráveis para o fortalecimento das associações e partidos operários"I.

Neste processo de desenvolvimento e organização da classe operária, ogoverno de Getúlio Vargas (1930-1945) criou medidas objetivando con-trolar as ações dos trabalhadores. Assim, formaram-se sindicatos e outrasorganizações sob a tutela do Estado e estas organizações precisavam ter li-cença do Estado para funcionarem.

O amadurecimento da luta operária, no Brasil, apresentou característi-cas singulares, como a participação da Igreja Cat6lica nos movimentos so-

ciais, representando o desenvolvimento da luta de classe em nossa realida-de. O Centro Pastoral do Ipiranga esteve ao longo do século XX apoiandoas movimentações populares, sendo também responsável pela organizaçãooperária e formação dos círculos operdrios católicos entre 1930 e 1960. Emfinal da década de 1970, quando ocorreram as greves consecutivas de 1978,79 e80, as pastorais operárias haviam engendrado as oposições sindicais e,ao lado do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), conseguiram colo-car aquelas lutas na agenda da construção democrática. A formação do par-tido da classe trabalhadora surgiu ap6s essas experiências.

A organização operária surgiu em períodos anteriores a 1930, durante os

primeiros anos deste século, e a partir destas lutas e devido às práticas deconfronto com a classe patronal, formou-se a classe trabalhadora. Segundoo historiador inglês E. P. Thompson "A classe acontece quando alguns ho-mens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas),

sentem e articulama identidade de seus

I . .Interesses entre SI, e

contra outros ho-mens cujos interes-ses diferem (e igual-mente se opõem)

I dos seus". A classe

existe mesmo antesde seus membros se

perceberem como. tal, por isso, o mes-

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Diadema nasceu na Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

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mo autor afirmou que a classe operária inglesa (seu objeto de estudo) estavapresente em seu fazer-se. Os acontecimentos e as práticas definem sua for-mação, portanto, é histórica. A História definiu a formação da classe operá-ria no ABC, devido a industrialização e as implicaçõ~s decorrentes dela,levando-se em conta os aspectos econômico e político do momento.

No grandeABC, a partir de 1950, da presença da numerosa populaçãooperária na região, formaram-se valores, costumes e práticas em defesa deum mesmo interesse. Não eram apenas alguns grupos isolados na socieda-de, mas os municípios com seus bairros operários objetivavam o bem-estarde sua população. Qualquer prática social, protesto e reivindicação realiza-da pelos trabalhadores obedecia a uma organização, consciente ou não.

Singularidades, igualdades, transformações e permanências permearamo desenvolvimento histórico dos sete municípios: Santo André, São Bernardodo Campo, São Caetano do Sul, Oiadema, Rio Grande da Serra, Mauá eRibeirão Pires. Observar este movimento e as transformações na históriadesta região auxiliará para a compreensão dos movimentos sociais no con-texto atual em que vivemos. Antes visualizava-se claramente a classe traba-lhadora, principalmente nas fábricas; hoje o espaço urbano não apresentaum movimento social de significativa expressividade. As fábricas já nãocomportam mais o numeroso quadro de operários que, sendo demitidos,formam uma grande massa de desempregados.

Os confrontos entre o passado organizativo e a atual situação podemresultar em novas formas de solidariedade possíveis de serem entendidasatravés de um retorno ao passado em busca da genealogia das lutas sociais.

Condições básicas de moradia: motivos de luta

Os bairros do ABC, desde sua formação, apresentaram muitos proble-

mas, como a falta de condições básicas: sistema de esgotos, água encanada,

pavimentação, transporte público, entre outros. Como resultado desta si-

tuação, a população mobilizou-se para exigir reformas urbanas e as conseqü-

ências foram maiores do que se poderia pensar. Da identificação e ligação do

homem com seu bairro, surgiram várias expressões de luta e práticas sociais,

desde festas religiosas, folclóricas e regionais, até a organização de trabalhos

conjuntos à instituições formais como partidos, sindicatos e Igreja Católica:

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Diadema nasceu no Grande ~<:::~~ória Retrospectiva da Cidade Vermelha

Formaram-se Comissões de Bairros que se reuniam para discutir, dasmelhorias necessárias aos bairros até o apoio à luta dos operários das fábri-cas. O bairro se constituiu como um espaço de luta na medida em queexistiram dificuldades para sua formação que se davam em terrenos semestrutura para tal empreendimento. O bairro estava na Igreja, na fábrica,nos sindicatos e nas assembléias de trabalhadores realizadas nos grandesestádios de futebol de Santo André e de São Bernardo do Campo.

Muitas Sociedades Amigos de Bairros (SABs) formaram-se na região apartir da década de 1950, devido ao desenvolvimento acelerado da indús-tria que atraiu maiores contingentes da população, ampliando o espaçourbano. Entretanto, São Bernardo do Campo, em 1942, já abrigava umaSAB que procurava responder às necessidades da população para resolver

problemas locais.

"Neste contexto o movimento das SABs, nascido no bojo damobilização popular ocorrida no final dos anos 40, passa a desem-

penhar um importante papel das aspirações populares."2

146Após 1945, finalizado o Estado Novo de Getúlio Vargas, as organizações

encontraram maiores possibilidades de exigir reformas e não somente de

pedi-Ias, como até então acontecia.Antes da formação das SABs e das Comissões de Bairros, os trabalhado-

res faziam reclamações através da imprensa escrita que reservava grandeespaço para isto. No O Imparcial, em 1931, havia diálogo com a popula-ção, através de cartas enviadas ao jornal. Discutiam-se problemas dos bair-ros e os jornalistas transmitiam às autoridades as principais exigências. A

seção "Reclamações populares" era publicada diariamente.

"Sr. Redator- solicito a V.S. o obsequio de uma visita à Av. AntonioCardoso, onde poderá verificar o estado de transito e o número demais de uma centena de buracos praticados talvez para a colocaçãode árvores e que há vários mezes atentam para a integridade dos que

por ali transitam."3

Ao surgir as Comissões e as SABs, a imprensa perdeu este papel de repre-sentante da população, entretanto persistiram as notas e matérias sobre taisproblemas. Devido ao crescimento de antigos bairros, nascimento de novose à ineficácia dos governantes quanto à resolução dos problemas, houve a

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Diadema nasceu na Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

necessidade da população organizar-se e a partir desta articulação, realiza-ram-se encontros entre as entidades de diferentes bairros e municípios, comoo I Congresso das Sociedades Amigos de Bairros, em São Paulo (1955) e oI Encontro das SABs da Grande São Paulo (1968).

As SABs do ABC participaram dos dois encontros, procurando analisarquais as transformações necessárias para os bairros, objetivando a uniãoentre as entidades representativas e a seleção dos principais problemas, pro-curando tornar a luta mais intensa e forte. Além disto, esta união demons-trou para a sociedade e para o regime militar, o descontentamento da popu-lação com as medidas políticas que vinham sendo impostas e a possibilida-de de organização da população. Muitas vezes, esta luta política foi consci-ente com a percepção da realidade vivida conforme os '~nais do I Encontrodas SABs': de 1968. O Conselho Coordenador do Encontro reconheceu ocaráter político, explicando que:

,.," compreendemos que as nossas entidades somente sobreviverãonum clima de ampliação, e não de restrição da liberdade. Assim éque consideramos absolutamente indispensável o restabelecimentoda autonomia da capital de São Paulo, restituindo-se ao esclarecidopovo paulistano o direito inalienável de eleger em pleito direto o seuprefeito. Ao mesmo tempo, rejeitamos, firmemente, as tentativas desuprimir a autonomia de centenas de municípios, que prosperamna medida em que suas populações participam das decisões admi-nistrativas dessas comunidades. Não se pode matar a democracia apretexto de salvá-la."4

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A população indignava-se com a violência empregada, com as medidaseconômicas e políticas lançadas pelo governo militar (1964-1984) e com afalta de autonomia dos prefeitos dos municípios, sendo que as críticasextrapolavam os interesses locais. No Encontro, criticou-se, também, oassistencialismo e o paternalismo praticado pelas SABs, que afastava a po-pulação destes órgãos e, portanto, incentivar a participação fez parte dasmetas do evento.

Enquanto não foi prática de enfrentamento, as organizações de bairrosnão ameaçaram a autoridade do Estado. Entretanto, no final da década de1960 e durante a de 1970, os abalos estruturais do regime militar e suasmedidas rígidas de segurança interna, provocaram a oposição de organiza-

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Diadema nasceu no Grande ASC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

ções, como de algumas SABs. Muitos líderes destas entidades procuraramabandonar o assistencialismo e exigiram reformas e mudanças sociais mais

profundas.Em 1979 foi eleita uma nova diretoria para a Federação das Sociedades

Amigos de Bairros de Santo André que buscou um direcionamento maispolítico e social, influenciados pelos fortes movimentos grevistas na região.

"Com algumas excessões, as atividades da maioria das SABs se re-vestem de caracter paternalista. Em cada uma delas alguns abnega-dos diretores conseguem, com auxílio do poder público, implantarprogramas assistenciais, recreativos e esportivos que são usufruídospelos associados sem que haja a participação dos mesmos."5

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As instituições governamentais dos municípios contribuíram para a prá-tica assistencial das entidades e faziam a política "do faz de conta': ou seja,muitas vezes não tinham uma verdadeira intenção de acabar com os proble-mas locais.

Em 1966, líderes e representantes das SABs de Santo André foram rece-bidos pelo prefeito Fioravante Zampol. Este afirmou que resolveria algunsproblemas, como a iluminação de algumas ruas, o desentupimento debueiros, a colocação de sarjetas, a passagem de plaina nas ruas, a instalaçãode classes de grupos escolares e o asfaltamento de ruas, sendo que a prefei-tura tinha data certa para receber as SABs, todo terceiro domingo de cadamês. Esta atitude pode ter sido posta em prática para conquistar a confian-ça da população, uma vez que persistiam as reclamações sobre a ineficiênciana resolução dos problemas.

Outro fato demonstra isto mais claramente, em São Bernardo do Campo,o Secretário de Finanças Jaime Franchini, representando o prefeito Hyginode Lima, ouviu reivindicações de moradores do Jardim Lavínia e entregou-lhes um cheque de verba, que ficava reservado às entidades assistenciais.

"Na oportunidade, o secretário das finanças que na ocasião repre-sentava o prefeito Hygino de Lima, anotou várias reivindicações dapopulação local, comprometendo-se em levá-Ias à apreciação do chefedo executivo para rápida solução."6

Ou seja, além do assistencialismo, havia a clara falta de autonomia localpara solucionar os problemas. Em início dos anos 80, entre as regiões da

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectivo do Cidade Vermelho

Grande São Paulo, a sul, compreendendo Diadema, Mauá, Ribeirão Pires,Rio Grande da Serra, Santo André, São Bernardodo Campo e São Caetanodo Sul, apresentou maior número de SABs:7 Nesta região, os municípioscom maior número de SABs foram os que apresentaram, também, melhoratuação dos sindicatos, como São Bernardo do Campo e Santo André, de-vido à numerosa população operária nas fábricas destes municípios.

MUNicíPIOS N° DE SABS/1980Oiadema 15Mauá 21Ribeirão Pires 12Rio Grande da SerraSão Bernardo do CampoSanto AndréSão Caetano do sulTOTAL

N° DE SABS/19847

25

38

03

01

53

41

06

166

42

41

07

138

149Em fins da década de 1970 surgiram as primeiras Sociedades dos Ami-gos das Favelas (SAFs) em São Bernardo do Campo, originando-se dane-cessidade de responder às exigências de melhorias das favelas, sendo que,algumas destas entidades foram implantadas com o auxílio das SABs. SantoAndré apresentou maior número de favelas, no entanto, São Bernardo doCampo surgiu como foco desencadeador e inspirador de lutas sociais - não

pode-se desconsiderar o significado das articulações políticas e sociais deórgãos eclesiais, partidários e sindicais em Santo André em atividades desdefins da década de 1940, mas o papel de líderes operários e a grande concen-

tração de trabalhadores, emSão Bernardo do Campo, fo-ram fatores decisivos para levá-10 a uma organização maisconsistente.

Em Santo André destaca-ram-se as lutas da populaçãounidas à Igreja Católica. D.Jorge Marcos de Oliveira, bis-

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~~~a!!~e~~~ Grande ABC: História Retrospectivo do Cidade Vermelho

po da diocese deste município desde 1954, reafirmou o apoio da Igreja àslutas populares e um de seus objetivos foi conscientizar a população sobreas condições básicas de higiene e de saúde, produzindo reuniões, boletins ecadernos informativos, como este sobre a rede de esgotos,

'~ melhor maneira de cuidar do esgoto é a "rede de esgotos", por-que não contamina poços. Outra maneira seria manter a distânciacerta entre a fossa e o poço, mas pelo tamanho dos lotes da periferiaisso é muito difícil, e quando se consegue, a distância do nosso fossocom a fossa do vizinho é sempre menor que o necessário. A situaçãopiora quanto mais gente vem morar no bairro... Portanto a melhorsolução para não contaminar a água que usamos é ter água encanada.Todos temos direito à saúde."8

Além do fim educacional, transparecia a indignação em relação a situa-ção dos bairros. Objetivava-se sensibilizar a comunidade, fazendo-a perce-ber quais as causas de seus problemas e os possíveis meios para resolvê-los e,para isto, era necessário um trabalho de conscientização. Certamente, nem

o clero ou outra instituição foi totalmente responsável pela mobilizaçãopopular, mas percebendo seu descontentamento, se uniam à luta dos traba-lhadores. A articulação da população nos bairros ocorreu também em regiõesonde existiam condições básicas e nestes casos as exigências faziam parte deuma série de fatores que tornariam o convívio no bairro mais confortável.

Seria ilusão pensar que mesmo durante os períodos em que as SABsexigiam, mais do que assistiam, havia participação de toda a comunidade,entretanto, a participação ocorreu de várias formas. Em fins da década de1970, a retomada das lutas sociais, estavam inseridas não somente nas SABs,mas em outros movimentos dirigidos e direcionados à população, pelosintelectuais e pela esquerda. A situação de crise política e econômica emque mergulhava o país em fins dos anos 70 reacendeu ânimos e conscientizouquem, até então, ainda guardava esperanças quanto à política governamen-tal. Lideranças de determinadas correntes da Igreja, de operários, de parti-dos e de sindicatos mostraram-se unidos, em resistência ao que restava deum regime em queda. O governo militar perdia credibilidade dos setoresmais influentes da sociedade que pretendendo reverter este quadro, criouuma série de programas para a "abertura políticà'. No processo, os militares

procuraram reconquistar o apoio das classes médias e de correntes político-

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectivo do Cidade Vermelho-

partidárias descontentes. A pressão popular reconquistou certas liberdades

para alguns setores da sociedade.

A Igreja Católica fortalece a luta dos trabalhadores

A posição da Igreja Católica a favor das lutas do operariado não abran-geu todo o clero, mas partiu das bases que, pressionando os setores da hie-

rarquia do clero fez com que repensassem sobre suas posições políticas.Desta forma, o apoio indiscriminado para a classe dominante, detentora depoder político e econômico, cedia aos poucos, espaço ao apoio à classe

trabalhadora.Segmentos da instituição questionavam a situação econômica do país e

as decisões políticas do Estado. O populismo clientelista de Getúlio Vargas(1950-1955) e os problemas políticos do final deste mandato contribuírampara a transformação da Igreja e para a organização popular, assim como, odesenvolvimento das indústrias e o crescimento da população operária de-

finiram o direcionamento dos trabalhos da Igreja.Durante o regime militar, religiosos de variados segmentos do clero fo-

ram reprimidos em sua ação popular, o que também provocou a mudançade posição de muitos clérigos que inicialmente haviam se colocado a favordo governo militar. Quando ocorreu o golpe militar, os setores conservado-res estavam fortemente organizados e, através de movimentos como a "Mar-cha da Família com Deus pela liberdade", apoiaram o governo que se ins-taurava, criticando as forças populares que se mostraram em oposição. .

No ABC, na segunda metade da década de 1950, as lutas permitiramtransformações na estrutura interna da Igreja e alguns fatores foram res-

ponsáveis por mudanças,como a presença de D. JorgeMarcos de Oliveira que em1954 tornou-se o bispo deSanto André, onde permane-ceu até 1975 e apoiando ma-nifestações dos trabalhadoresrecebeu o apelido de "bispooperário". Heloísa Mattins afir-

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mou que ele foi "consideradoo primeiro bispo a colocar aproblemática operária entre aspreocupações de sua pastoral".

A atuação de D. Jorge Mar-cos extrapolou as fronteiras daregião. Em 1966, o bispo es-teve na Pontifícia Universida-

---o -,- de Católica (PUC) em apoio

ao movimento estudantil e, em ato no dia 24 de setembro de 1968, recebeualunos desta universidade que haviam sido presos pela ditadura para discu-tirem a rearticulação do movimento dos estudantes. O próximo passo dobispo seria a Faculdade de Filosofia de São Bento, onde presenciaria o "DiaInternacional contra a ditadurà', proposto pela União Nacional dos Estu-dantes (UNE), mas por determinação do diretor da faculdade, o edifíciopermaneceu fechado, impedindo o desenvolvimento do ato.

Os trabalhos desenvolvidos pelo bispo influenciaram na posição de D.Cláudio Hummes que em 1975 assumiu a diocese do município e retomoumuitos dos trabalhos em andamento no ABC. Os clérigos influentes social-mente e que possuíam representatividade de poder frente ao Estado, esta-vam sujeitos às críticas da classe dominante e do clero conservador contrá-rios aos movimentos populares. Os religiosos ao lado do movimento operá-rio atuaram como intermediários entre o governo e os trabalhadores, entre-tanto, as declarações de apoio tornavam-se mais fortes e presentes.

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'~ Igreja não pretende qualquer outro objetivo com a sua participa-ção, a não ser como pastor defender os direitos fundamentais dosmetalúrgicos e apoiar suas justas reivindicaçães."9

Organizações como a Juven tude Operária Católica U OC), a Ação Ope-rária Católica (AOC), a Ação Católica Operária (ACO) e a Pastoral Operá-ria (PO) atuavam já na década de 1950, representando e deixando-se ocuparpelo trabalhador. AJOC no ABC foi um espaço importante, pois os operári-os-sujeitos da ação, articularam-se a outras organizações de trabalhadores.

Um resultado das transformações em setores da hierarquia da Igreja afavor dos setores sociais mais desfavorecidos, foi a formação da Conferência

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Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), em 1952. A CNBB discutia a posi-

ção dos bispos e de outros clérigos diante das determinações do Estado e

das movimentações populares, dialogando com ambas as partes. Desta for-

ma, não se mostravam claramente de um lado ou de outro, mas mediavam

as partes, ora repreendendo a ação dos religiosos progressistas, ora negocian-

do com o governo a liberdade de expressão destes. Muitas organizações se

formaram durante a década de 1960, como a Ação Popular (AP), o Movi-mento de Educação de Base (MEB) - que tinha como objetivo educar para

transformar o indivíduo, e não para formalizá-lo e as Comunidades Eclesiais

de Base (CEBs). Eram organizações que se tornavam cada vez mais politizadas

e procuravam conscientizar a população sobre os problemas sociais e suas

possíveis soluções. As CEBs distanciavam-se do fatalismo e discorriam sobre

a necessidade de luta dos trabalhadores para que mudassem sua realidade.

"As CEBs são um grande movimento de evangelização a partir daperspectiva dos pobres, os preferidos do reino, não para deixá-Iosem sua situação de pobreza, mas para convocá-los a se unirem nabusca da própria libertação."lo

153Foi comum a atuação de setores da Igreja nas mobilizações das organiza-ções de bairros, procurando sanar os problemas locais. Existiu uma integraçãoentre todas as organizações que estavam em oposição à classe dominante.Propagandas da Igreja, dos sindicatos e dos partidos chamavam a popula-ção para comparecer nas assembléias, nos atos de protesto e reuniões reali-zadas em estádios de futebol, nas igrejas matrizes, nas praças, nas paróquias,nos sindicatos e nas sedes das SABs. Em todos os lugares desenhavam-semeios de atrair os operários que estavam fora do contexto das lutas sociais.Hinos, músicas e discursos incentivavam a união dos homens e traduziam aimagem da igreja, como possível salvadora e transformadora da realidadesocial, como neste hino das CEBs:

"Ninguém mais pode ser isolado,na vida é preciso se unir, seguindopela estrada lado-a-lado, prá juntosnossa história construir.

Miséria, desemprego, insegurançasão males de um povo sofredor.que põe no amanhã sua esperança

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Di~dema nasceu no Grol~de ASC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

vivendo já cansado em sua dormissão da Igreja é dar condição."

Já, a Juventude Operária Católica UOC) surgiu com um discurso mais

agressivo aos que estavam distantes dos problemas sociais, e criticando a

posição conservadora de setores da Igreja.

"Jovens trabalhadores do BrasilA JOC é sua, como é de todos os jovens trabalhadores.Não fique indiferente! Colabore.Não seja um destes cépticos.Não seja egoísta. Chega de parasitas."12

AJOC, em Santo André, quando desuaoficialização nacional, em 1948,era subordinada à Federação da JOC de São Paulo e apresentava uma atua-ção moderada, sofrendo transformações posteriormente, passou cada vezmais a estar inseridos na luta da classe. Muitos membros da JOC, passada ajuventude, sentiam a necessidade de continuar rio movimento e, desta for-ma, engajavam-se na Ação Cat6lica Operária (ACO), criada a partir deencontros realizados em Santo André em 1962. Promoviam discussões degrupos e propunham resoluções e atitudes ao operariado, discutindo ques-tões como a alta do custo de vida, a educação de base e o desemprego.

Na década de 1970 a luta popular ampliou-se em São Paulo e no Brasil enum encontro promovido pela Pastoral Operária, em 1973, discutiu-se odissídio coletivo e as manobras do governo no sentido de bloquear as mani-

festações operárias.

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"O dissídio coletivo é o encerramento forçado das campanhas sala-riais, depois de esgotada a fase de negociações entre patrões e operá-rios... O dissídio coletivo é apenas um meio de dizer que o reajustefoi determinado pela justiça, já que patrões e operários não chega-ram a um acordo."13

o papel dos sindicatos também foi discutido neste Encontro e concluiu-se que estas entidades deveriam agir em defesa da classe operária, desenvol-vendo trabalhos de conscientização e organização dos trabalhadores. Pre-

tendia-se retomar o sindicato para o operário, realizando a reapropriaçãodeste espaço e caminhando as lutas contra as orientações do Estado. Este

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

processo se completou em fins da década de 1970 mas continuaram exis-

tindo os sindicatos pelegos.

Discursos, principalmente da PO, daACO e daJOC traziam críticas inci-

sivas à exploração dos patrões e ao acordo do Estado como fornecedor de

uma política capitalista industrial de exclusão. Criticava-se o "milagre econô-

mico" de 1970, como sendo um disfarce para a real situação de miséria em

que o país se encontrava. A aversão de muitos cristãos ao regime capitalista

industrial forçou-os a escolher uma alternativa política e mesmo quando dizi-

am estar acima das decisões político-partidárias, acabava-se por definir, nas

entrelinhas ou claramente, uma forte inclinação a favor de regimes socialistas.

"Como parte integrante do movimento operário, a ACO luta porum regime que atenda aos interesses dos trabalhadores, e esse regi-me é o socialista. O capitalista é um regime intrinsecamente mau einjusto, uma vez que seu desenvolvimento exige que homens explo-rem outros homens. Por melhor que seja um patrão, se ele não ex-plorar seus trabalhadores, fatalmente irá a falência."!'

155

Práticas de lutas desenvolvidas nas décadas de 1950 a 1970 formaram aestrutura necessária para que ocorressem as greves de final de 1970. Havia aarticulação e consciência da necessidade e da possibilidade do enfrentamentocontra o empresariado.

O clero mostrava seu apoio à classe operária através da presença dosbispos e padres no espaço das fábricas, nas assembléias realizadas pelos sin-dicatos e oferecendo espaço e voz a esta classe. Os jornais noticiavam diari-amente a participação ativa do clero nos movimentos operários.

Depois dos trêsgrandes movimentosgrevistas de 1978,1979 e 1980, quandoos trabalhadores senti-ram na prática da lutaa mão forte do Esta-do, através da políciasempre presente nasm:lniff'~..t:lcnf'.. n~n f'r:l

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

mais possível e nem desejável que a Igreja escondesse a desaprovação em rela-

ção a estas atitudes.

"Pedimos pão e deram-nos soldados pelas ruas de todo o ABCD.Pedimos liberdade e prenderam nossos dirigentes sindicais. Pedi-mos paz e instalaram seus tribunais militares. Pedimos o direito dedefesa e cercaram o tribunal de soldados, impedindo o livre acessoao público. Pedimos justiça e anunciaram pesadas sentenças. Agora,se nos calarmos seremos todos nós que, amanhã, perderemos o pou-co que nos resta de pão, da liberdade, de paz, de direito e justiça. "15

Muitas vezes setores da liderança da Igreja no ABC mostraram-se parti-dários à luta operária, mas também atuavam de forma rígida ao defendersuas posições. Consideravam legítima a luta operária, pois era justa frente àpolítica do Estado, mas colocavam-se contra partidos políticos de esquer-da. A posição sobre o Partido Comunista Brasileiro foi explicitada por D.

Jorge Marcos na eleição de 1955:

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"Queremos manrer-nos fora e acima dos partidos, na mais perfeitaserenidade, mas sentimos o dever de nos dirigir a todos os diocesanos,de modo particular aos eleitores que sufragarão, pelo voto, seus di-rigentes e represenranres... Ninguém desconhece que a linha mestrado plano comunista está em convulsionar a ordem pública até im-planrar o totalitarismo russo, até dominar definitivamenre nossaPátria, destruindo-lhe a independência, a liberdade inrerna, a famí-

lia, o direito enfim...Não permitamos que os falsos brasileiros, lobos em pele de cordei-ro, subam amanhã os degraus do altar da Pátria, penetrem no recin-to das classes e do trabàIho, invadam nossos templos para destruir a

tranquilidade nacionàI, a família e a religião."16

Esta liderança de Santo André atraía muitos fiéis e simpatizantes, influ-enciando-os em suas decisões políticas, pois defendia claramente os interes-ses e posições do clero. Em outros momentos, como em 1980 ao discuti-rem sobre o retorno do pluripartidarismo, no processo de Abertura propos-to pelo governo, também explicitaram opiniões. Esta mudança na organi-zação partidária não era vista como uma liberdade concedida, mas comouma manobra política do Estado para dividir as forças da oposição e disfar-

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çar o retorno de uma "falsa democracia". Neste sentido, os clérigos viamcom maus olhos o engajamenio político de seus membros. Entretanto, houvetambém críticas de setores da Igreja às correntes mais conservadoras.

"Precisamos ter a audácia de lutar dentro da Igreja por aqueles prin-cípios que defendemos na luta operária, e que setores da hierarquiaainda não aceitam: o socialismo, a luta de classes, o direito à partici-pação nas decisões, a democracia, e outros mais."!?

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Esta posição de uma corrente da Ação Católica Operária, de 1980, quan-do o movimento estava envolvido nas transformações do momento, de-monstrou a heterogeneidade da Igreja Católica. Nesta heterogeneidade,inicialmente a partir de 1950; parece ter ficado a cargo das organizações dejovens a escolha por uma posição política menos conservadora

A disseminação da posição da Igreja como favorável aos trabalhadores econsequentemente contra o Estado ocorreu lentamente. Não demorou asurgirem críticas e ameaças vindas do governo em direção à Igreja Católica.João Figueiredo, em 1980 manifestou seu desprezo pela Conferência Na-cional de Bispos do Brasil (CNBB), dizendo que esta entidade não era aIgreja Católica, pois D. Paulo Evaristo Arns (membro da CNBB) teria cri-ticado as práticas desenvolvidas pela política Estatal. Para consertar o de-sentendimento o presidente da CNBB, D. Ivo Lorchester encontrou-se comGolbery do Couto e Silva, Chefe do Gabinete Civil da Presidência da Re-pública, retomando a harmonia entre as partes. A prática de acompanharos passos dos religiosos era realizada pela polícia política, o DepartamentoEstadual de Ordem Política e Social (DEOPS), sendo que muitos forampresos, torturados e mortos por este órgão. Edsel Mignotti, diretor doDEOPS em 1980, classificou os discursos de D. Claúdio Hummes comoum risco à ordem, uma vez que incitava os operários a permanecerem emgreve. Nas missas o bispo discutia problemas sociais como a ordemestabelecida pela sociedade capitalista, o meio ambiente degradado pelapoluição da indústrias, entre outros.

D. Cláudio Hummes apoiava os movimentos e as direções que toma-vam, mas como outras correntes da Igreja e de acordo com a posição daslideranças das greves, procurava não expor o que seria melhor no encaminha-mento das paralisações, embora muitas vezes sua opinião transparecesse em

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meio ao discurso. Quanto à decisão pelo início da greve, em assembléia noestádio da vila Euclides (SBC), em maio de 1980, disse:

"A decisão de vocês só merece aplauso e deve ser assumida aré o fim,mantenham-se unidos na base, organizados e sobretudo defendamsuas alianças. A Igreja nunca decidirá se vocês devem fazer ou parara greve. Vocês é que devem decidir. A Igreja se põe a serviço devocês, mas esta decisão é de grande responsabilidade."18

Seria difícil, se não impossível, a Igreja desenvolver trabalhos negando aspráticas sociais da população operária. Santo André apresentou esta Igrejadesde a década de 1950 e São Bernardo pôde contar com o apoio do cleroprincipalmente entre 1960 e 1980. Em cartas abertas à população, apresen-tava-se a união das instituições que apoiavam a classe operária. A ACO, aPO, a Pastoral do mundo do trabalho, a Frente Nacional do Trabalho (FNT)e a Comissão Justiça e Paz, muitas vezes, atuaram unidas, fortalecendo otrabalho de conscientização. Foi constante, também, o apoio das Comuni-dades Eclesiais de outros Estados do país, aos trabalhadores do ABC, prin-cipalmente nas greves de final de 1970.

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Trabalhadores em movimento - as organizações de luta por

melhorias na produção industrial

A formação dos sindicatos e de outras organizações comprometidas coma luta da classe operária antecedeu o "novo sindicalismo" de 1978. Traba-lhos e discussões acadêmicas que, até hoje focalizam as greves de 1978-1980, pouco consideraram o caminho que resultou neste grande movimen-to social e não somente sindical, ao final da década de 1970.

A projeção destas greves, na época em que ocorreram, rendeu a denomi-nação de "novo sindicalismo" devido à retomada, da instituição sindical, àuma prática de luta de enfrentamento. Realmente houve uma "vitoriosa"renovação na ação sindical, mas não uma completa inovação, entretantopara a sociedade urbana do período final do regime militar este sindicatofoi novo. Hoje, uma análise mais aprofundada da atuação do sindiçato nasdéçadas anteriores, não permite dizer isto.

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A atividade sindical de enfrentamento atraiu a atenção da mídia, quenoticiava diariamente os passos e decisões dos operários junto aos sindica-tos. Em decorrência da lenta retomada da liberdade de imprensa foi possí-vel noticiar estas práticas, sendo que até final da década de 1960 a imprensasofreu forte censura e muitos movimentos de luta não foram publicados,passando desapercebidos pela sociedade brasileira, assim como a repressãoatravés das prisões, torturas e ameaças constantes também não chegavam aoconhecimento da população. Formou-se um cenário de medo e terrorconstruído no decorrer do regime militar e as greves que paralisaram gran-des e pequenas indústrias em todo o ABC, também na capital e em outrosmunicípios, desafiaram a ordem imposta. Como disse Eder Sader em "Quan-do novos personagens entraram em cenà': "...a formação do chamado 'Mo-vimento de Custo de Vidà, o crescimento de correntes sindicais contesta-doras da estrutura ministerial tutelar, o aparecimento das comunidadeseclesiais de base, as greves a partir de 1978, a formação do Partido dosTrabalhadores seriam manifestações de um comportamento coletivo decontestação da ordem social". O movimento no ABC não foi construídosomente por intelectuais, estudantes ou pela esquerda, mas, em grande par-te, por operários que defenderam seus interesses opostos aos do Estado eaos dos Empresários e por fim, lutaram pela liberdade de greve, liberdadepara exigir direitos, contra a política salarial, contra a intermediação dogoverno na negociação com os patrões e por outras frentes. A identificaçãoda sociedade com a luta dos trabalhadores resultou num acúmulo de forças.

O enfrentamento como prática do sindicato existiu nas décadas de 1930a 1950, entretanto encontrou enormes dificuldades para o seu desenvolvi-mento. Diferente do que ocorreu nos anos de 1970 e de 1980, durante asprimeira metade do século XX a prática assistencialista prevaleceu sobre ade combate e, muitas vezes, os trabalhadores se movimentaram sem o apoiodos sindicatos ou, ainda, pressionando-os, pretendiam sua participação.Práticas conjuntas, sindicato-trabalhadores, existiram principalmente entre1945 e 1947 e entre 1955 e 1963, após o término dos governos de GetúlioVargas, que procuravam controlar a agitação social. Entre 1964 até final de1970, realmente predominou a prática de assistência na estrutura sindical,em decorrência da intervenção imposta pelo governo a estas entidades.

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Diadema nasceu no Grande ABC: Histó~a R~rospectiva ~ Cidade Vermelha

Vários líderes sindicais lutaram por uma prática de combate no ABC,como Filadelpho Braz que entre 1947 a 1964 defendeu os interesses dooperariado entre líderes nomeados para intervir no Sindicato dos Metalúr-gicos de Santo André. Filadelpho foi considerado incoveniente no Sindica-

to, mas persistiu em sua prática de luta até ser preso em 1964, quandocolocaram na entidade novos interventores. Sobre a atividade do sindicato,

quando este esteve livre de interventores (1956 a 1964), comparando-o

com o renovado sindicato de 1970, disse:

"Os problemas do sindicalismo eram iguais aos problemas dosindicalismo hoje: o patrono intransigente e usando de repressãopolicial para refrear o movimento dos operários. Durante esse lapsode tempo nós fazíamos aquilo que hoje fazem os países democráti-cos: a França, a Itália, o próprio futados Unidos, a Alemanha. Fazí-

amos aquelas greves que tinham de certa forma, alguma conotação

política."19

160

Outro líder deste Sindicato, Miguel Guillen, também lutou para que osindicato funcionasse como instituição de enfrentamento. Estes líderes rea-lizaram uma luta com os sindicalistas atrelados à máquina sindical contro-lada pelo Estado, o que não nos permite afirmar que estas entidades foramhomogêneas em suas práticas e objetivos. Nos jornais locais noticiavam-se

as duas práticas: a assistencialista e a combativa.Em campanha para pedir a baixa do custo de vida, em junho de 1952, se

reuniram trabalhadores associados dos Sindicatos dos Trabalhadores nasIndústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico e nas Indústrias de ProdutosQuímicos de Santo André. Alguns líderes das entidades reclamavam dobaixo número de associados e da falta de prática de luta da instituição emrelação aos serviços prestados, uma vez que predominava a práticaassistencialista. Esta foi denunciada por um jornal de Santo André, em 1950.

"Não é mais possível que continue essa desarmonia e indiferença dentrodos sindicatos de operários deste município ou nas outras cidades daUnião...Notamos em tempos passados, que esses mesmos sindicatos,hoje dirigidos por juntas governativas e por Diretorias que não mais

correspondiam a confiança e a aspiração dos trabalhadores, seguiamem outros tempos, a evolução social defendendo os interesses da classe,

hoje despresada pelos falsos líderes sindicais."2o

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospe~~do Cidade Vermelha

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As chapas de oposição aos interventores faziam propagandas, chamandoos trabalhadores para as eleições de diretoria. Em lugar do "Departamentode Assistência Médicà' em que se transformara a entidade, propunhamdefender os direitos sociais e as reivindicações de classe.

Em janeiro de 1957, novamente pediu-se a baixa do custo de vida.Nesta ação envolveram-se, além dos trabalhadores, os sindicatos que en-viaram ao Presidente da República um telegrama avisando-o de que osaumentos dos impostos e dos combustíveis teriam aumentado o custo devida. Os sindicatos estabeleceram diálogo com o governo, em decorrên-cia da ação dos trabalhadores que lutavam para retomar a instituição.Outras exigências, como a liberdade e a autonomia sindical, distribuiçãode verbas do fundo social- sindical, aplicação das leis trabalhistas e salá-rio-família, foram comuns.

Outro operário sindicalista, Marcos Andreotti, chegou a Santo Andréem 1925 e em 1928 empregou-se na indústria têxtil Ipiranguinha, ondeestabeleceu os primeiros contatos com as lideranças operárias. Primeiro pre-sidente do Sindicato dos Metalúrgicos daquele município, fundado em 1933,também travou lutas internas. Andreotti filiou-se ao PCB em 1934 e, ain-da, seguindo as teorias do Partido, mas sob outras legendas, foi eleito vere-ador em 1946 e em 1956 (nas duas ocasiões foi impedido de tomar posse).Nestas eleições o PCB elegeu deputados e vereadores, impedidos de atuar.

Durante as décadas de 1940 e 1950, as teorias políticas do Partido Co-munista brasileiro guiaram muitos dos líderes sindicais que se distanciavamdo peleguismo. Por vezes o Partido auxiliou na retomada do sindicato. Ainfluência do partido gerou críticas negativas da hierarquia da Igreja Cató-lica, como foi colocado no capítulo anterior. Seguir as teorias do partidosignificava realizar oposição a ordem.

O velho sindicalismo fez das entidades uma grande prestadora de serviços:

médicos, dentistas, barbeiros e outros serviços podiam ser encontrados. Estaprática está, até hoje, presente, mas o objetivo principal se transformou, mui-tos símbolos da estrutura deste sindicato permaneceu e outros, opostos, sur-giram. Sobre a transformação na ação do Sindicato dos Metalúrgicos de SãoBernardo do Campo, Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, disse:

"Eu participei de diretorias aqui, onde a preocupação era efetiva-mente com a boa administração do sindicato. Hoje nós não nos

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Diodemo nasceu no Grande ABC: História Retrospectivo do Cidade Vermelho-~ ~

preocupamos com isso. Hoje achamos que é muito mais fácil o sin-dicato contratar um administrador. A diretoria está convencida queo papel dela é ficar nas portas das fábricas."zl

Os sindicalistas, que trabalharam nas indústrias ou estavam simplesmenteafastados de seus cargos para atuarem na instituição, conheciam o meio deprodução, o espaço das fábricas e isto proporcionava um diálogo diretoentre os sindicalistas e os trabalhadores, tornando mais fácil o planejamen-to de reuniões, assembléias e outras práticas promovidas pelos sindicatos, apartir das necessidades dos operários.

Do freqüente diálogo entre trabalhador e sindicato, Lula percebeu queresultou na conscientização dos trabalhadores.

"... Também o sindicato é resultado da consciência do trabalhador,como esse é resultado dos ensinamentos que o sindicato tentou dara este trabalhador. Praticamente nós estam os tendo, há uns dois outrês anos, a primeira geração totalmente industrial em São Bernardo.Já não é mais o homem que veio da roça trabalhar como ajudante..."22

162A geração totalmente industrial foi resultado da passagem, de uma geração à

outra, de valores e costumes cada vez mais presos a realidade urbana. A cultura

rural não desapareceu completamente, mas aos poucos se dissolveu no meio

industrial, aos bairros da cidade e às novas manifestações culturais. O homem

se adaptou a esta realidade, moldando-a e também se transformando.

Entre 1978 a 1980 a imprensa noticiou as greves do ABC com grande

destaque, assim como fez nas greves de Osasco (SP) e Contagem (MG), em

1968. Mas, entre 1930 a 1950 os jornais pouco apresentavam as atividades

de líderes como Filadelpho'" J I. I Braz ou Marcos Andreotti.

Sobressaíam a publicação

de avisos e convocaçõest

para que os trabalhadores

,comparecessem em,

"; reuniões ou outras práticasde caráter burocrático dos

I sindicatos.

I-

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Diadema nasceu na Grande ABC: História Retrospectiva do Cidade Vermelho

Finalizado o governo paternalista e populista de Getúlio Vargas que, con-cedendo direitos e formulando leis trabalhistas, garantia a sonolência da classeoperária, os movimentos explodiram em São Paulo. Muitos ocorreram sema presença dos sindicatos, sendo que, os jornais se referiam diretamente aostrabalhadores. Jornais que demonstravam interesse pela prática de luta ope-rária, como "O Imparcial", criticavam a ditadura do Estado Novo e noticia-vam os movimentos.

"Com a volta do país ao regimen de lei, rebentou uma onda dereação popular contra a situação verdadeiramente sufocante a que aditadura havia nos reduzido. E surgiram as greves. Era uma conse-qüência lógica. Os salários estavam praticamente limitados aos queprevaleciam em 1939...0 combate ao direito de greve só interessaao fascista, porque a greve é uma manifestação da vontade popular."23

Discutia-se, também, a elevação do custo de vida, a defasagem de poderde compra do salário do trabalhador e o bem estar do habitante da região.

Os trabalhadores das décadas de 1940 e 50, perceberam a exploraçãoque sofriam. O período de pagamento do dissídio coletivo vinha acompa-nhado de lutas para que fosse efetivado, assim como ocorreu com o paga-mento do dissídio em final de 1970. E, em 1946, os trabalhadores estavamatuando sem o sindicato:

163

"A conclusão não é nada lisonjeira para os empregadores; é que osoperários já verificaram que quando recorrem ao dissídio coletivosem greve, o caso arrasta-se por meses e às vezes anos sem uma solu-ção; quando, porém, entram em greve, e depois o dissídio éinstaurado...Assim, enquanto os empregadores não compreendemque dependem deles haver ou não greves, elas estourarão a cadamomento numa prova magnífica de vontade coletiva."24

A esta conclusão chegaram, também, os trabalhadores nos seus sindicatos

em final de 1970, percebendo que não adiantava discutir com os patrões e

que deveriam agir. Entretanto, os sujeitos que discutiram estes problemas na

imprensa, em final de 1970, não foram os mesmos das décadas anteriores.

No 'novo sindicalismo" o operário sindicalizado falava à população, e nas dé-

cadas anteriores eram os jornalistas que expunham os problemas, colocando-

se como porta vozes, sensibilizados com a situação do operariado.

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A consciência de exploração no final dos anos 40 deu-se a partir do mes-

mo fator de 1970, o pagamento do dissídio coletivo acompanhado pela

situação política e econômica do momento. Em 1946 o país estava saindo

de 15 anos de ditadura populista e em 1978 o país ainda estava em meio a

uma repressiva ditadura. Este último contexto garantiu uma união mais

forte entre os grupos de oposição ao governo e uma maior projeção dos

movimentos através da imprensa oposicionista. As greves e ações sindicais

foram movimentos vitoriosos que se tornaram símbolo da luta pela liberdade

de expressão e pelo direito a exigir direitos. Foi esta vitória que outras organiza-

ções de oposição objetivaram durante todo o período de ditadura militar.

A repressão policial fez parte da prática dos governos no Brasil. Em 1959,

a polícia de Juscelino Kubitschek reprimiu piquetes de trabalhadores em

transportes, de Santo André e Mauá.

"Piquetes de grevistas tentaram impedir a saída dos veículos, não oconseguindo diante do policiamento ostensivo. Em face daintransigência dos empregadores, para solução do movimento, umacomissão de grevistas e líderes sindicais solicitaram a mediação deD. Jorge Marcos de Oliveira." 25

164

o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS) criadoem 1924 e extinto em 1983, garantia a ordem vigente por meio de repres-são e investigando o cotidiano dos envolvidos em movimentos e organiza-ções. Alguns governos, como o de Getúlio Vargas e o militar de 1964 fize-ram maior utilização deste instrumento de poder. Intervenções nas entida-des sindicais foram medidas freqüentes durante estes regimes.

Lutas insistentes e freqüentes procuraram retomar os sindicatos das mãosdos interventores. A ausência de liberdade pôde ser sentida em todas aspráticas colocadas em ação e em conseqüência da violência praticada peloEstado surgiram grupos oposicionistas. Octavio Ianni estudando as grevesde 1978-1980 afirmou que "Sob a ditadura militar, ao mesmo tempo quecresceu a força econômica do capital da burguesia, cresceu a força políticado trabalho, da classe operárià'26. As grandes greves de final de 1970 noBrasil podem ser consideradas como gota d'água, uma vez que a movimen-tação operária foi um processo que cresceu constantemente após 1968,quando ocorreram as greves dos metalúrgicos de Contagem e Osasco.

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Toda a ação do Estado tornava-se elemento a mais para críticas e reaçõesdas organizações oposicionistas. O Fundo de Greve do Sindicato dosMetalúrgicos de Santo André, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serratornou-se Associação, em decorrência de lei que proibiu a formação defundos para operários durante as greves.

Em 1976, este quadro começou a mudar. Em sindicatos do ABC, comoo setor metalúrgico em São Bernardo do Campo e em Santo André, operá-rios retomaram a liderança, discutindo problemas da classe com sensibili-dade e integrando trabalhador e sindicato em uma única luta. Em 1977 'OMetalúrgico" publicou a grande concentração de trabalhadores em assem-bléia da categoria, discutindo o nível salarial.

"Foi uma das poucas vezes em que se conseguiu reunir tantos compa-nheiros nestes últimos dez anos. O acontecimento chamou a atençãodos jornais. E estes assinalaram a singular movimentação como o iní-cio de uma mudança no modo de comportar dos trabalhadores"

Foram comuns as discussões sobre as mudanças necessárias na estruturado sindicato. Em congresso realizado no Sindicato dos Metalúrgicos de SãoBernardo do Campo em 1978 discutiu-se esta transformação. Este sindica-to se colocava na posição de "abre-alas" no processo de renovação do movi-mento sindical.

165

"Não existe no país nenhum outro local que encontre tantos operári-os dentro de uma fábrica, como aqui em São Bernardo. Em segundolugar, o que diferencia os trabalhos de São Bernardo de outras locali-dades é o fato de que até por volta de 1970 ou 1972, os trabalhadoresde São Bernardo eram os mais bem pagos do país. A partir de 1970,na fase do milagre brasileiro como já não bastasse o arrocho salarial, asempresas começaram a arrochar ainda mais o salário."28

No ano de 1966 o movimento estudantil no ABC se articulou, defenden-

do os interesses da classe operária e exigindo melhores condições de vida. Os

grêmios estudantis de escolas de Santo André esforçaram-se para garantir seu

funcionamento, pois eram ameaçados a terem suas portas fechadas pela polícia.

Em uma nota, a Folha do Povo denunciou que o diretor de uma escola do

município tentou dissolver a organização (Grêmio Estudantil Senador Fláquer)

que, com persistência, deu continuidade as suas atividades.

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Diade~~~ceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

Em São Caetano, estudantes protestaram contra a política desenvolvida pela

e para as classes média e alta. Produziram um manifesto, no qual constava que

a preocupação da sociedade deveria estar voltada para as populações mais pobres.

Em final da década de 1970, em meio as agitações grevistas, o movimen-

to estudantil reorganizou-se. Universitários ligados a UEE de São Paulo,

participaram da campanha contra o aumento de mensalidades. Outra frente

defendida foi a liberdade de expressão dos estudantes através de entidades

como a União Nacional dos Estudantes (UNE), 'íiesmantelada"pelo regimemilitar, logo após o golpe. Já, em 1980, as faculdades do ABC, como a FEl de

São Bernardo do Campo, a Faculdade de Engenharia de Mauá, de São Cae-

tano e a Fundação Santo André, mobilizaram-se para arrecadar fundos de

greve, pedindo dinheiro, alimentos e vendendo ingressos de eventos.

O regime destruiu várias organizações estudantis, garantindo a prática

do imobilismo. Um questionário formulado pelo DIEESE e proposto aos

participantes do I Congresso Estadual dos Trabalhadores de São Paulo, re-

alizado em agosto de 1968 no Sindicato dos Trabalhadores na indústria

metalúrgica de São Paulo, definiu que:

166 "De qualquer maneira, constata-se que o trabalhador vê no sindicatomais uma instituição de amparo do que propriamente de luta e isso seexplica pelo próprio nível de consciência de classe vigente entre nós."29

Este Congresso ocorrido em 1968, legalmente, reuniu as representaçõessindicais impostas pelo Estado. A luta e o protesto não encontravam espaçonaquela orientação e enquanto os sindicatos realizavam tal encontro emSão Paulo, Contagem (MG) apareceu, em destaque, nos jornais, em decor-rência da greve dos metalúrgicos. A Folha do Povo de Santo André quesempre publicou textos do Deputado João Amazonas, apresentou através

dele o apoio aos trabalhadores em greve.

"A perda do poder aquisitivo, ano a ano, vem trazendo efeitos dano-sosà vida da nação, ao seu crescimento e desenvolvimento, condu-zindo os assalariados à uma pobreza galopante, o que causa tambémum achatamento do mercado interno."3o

Ao contrário dos sindicatos de São Paulo, que na década de 1970 conti-nuaram sob controle dos interventores, no ABC muitos trabalhadores assu-

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miram seu comando. Em 1976, os sindicatos e operários estavam mobiliza-dos, exigindo reajuste salarial. O ~BCD Jornal" daquele ano mostrou queos salários dos trabalhadores, entre 1965 a 1975, sofreu redução de 61 % epara que voltasse ao mesmo poder de compra necessitaria de reajuste de63%. Neste processo, o Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de SãoBernardo do Campo e Diadema, liderado por Lula, tomou um caminhodistinto de outros sindicatos. Isto rendeu-lhe críticas e já apresentava suaclara posição de enfrentamento.

"Não é bem que estejamos fazendo sozinhos. Estamos tentando.No ano passado tentamos, mas não conseguimos. Nós não quere-mos dividir a categoria como alguns afirmam. A tentativa de sairsozinhos é de separar a classe patronal. Num dissídio com todos ospatrões juntos, vão também os representantes de pequenas empre-sas do interior e a classe patronal quer sempre nivelar por baixo."3!

Este sindicato, nos anos seguintes continuou agindo, muitas vezes, semconsultar decisões de outras entidades da categoria. Isto demonstrou umarelativa desunião entre as entidades que, ao final, lutavam pelas mesmasfrentes. Por outro lado, esta ação determinou sua atuação de liderança nasgreves de 1978/1980, alem de continuar gerando críticas. Os sindicalistastrabalhavam para atrair maior número de operários para a luta e para esta-belecer contatos com a classe empresarial. Segundo Benedito Marcílio, pre-sidente do Sindicato da categoria dos metalúrgicos em Santo André, Ribei-rão Pires, Mauá e Rio Grande da Serra, um dos objetivos foi a conscientizaçãodo trabalhador sobre a concentração coletiva e direito de greve. Para isto, ascomissões de trabalho estavam dentro das fábricas discutindo os proble-mas. Os trabalhos de conscientização intensificavam-se no período dedissídio coletivo. A partir de maio, greves em grandes indústrias foramdeflagradas nos três anos de final de 1970.

167

As greves que caracterizaram o "novo sindicalismo"

Em maio de 1978, 2.500 trabalhadores entraram em greve na SaadScania e, na Ford, ocorreram rápidas paralisações. Durante os mesesseguintes, trabalhadores e sindicalistas de diversas categorias reuniram-

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se em assembléias para que juntos decidissem sobre o desenvolvimentodo movimento grevista.

Unido a este movimento, outros reromaram forças, como o movimentocontra a alta do custo de vida que reunindo sindicatos, organizações católicase frentes de trabalho formadas por mulheres, reivindicou o congelamento depreços de gêneros de primeira necessidade, o aumento de salários acima dosíndices de custo de vida e o reajuste salarial de 20% para todas as categorias.

Em meio às movimentações crescentes, questionou-se a imobilidade dostrabalhadores e dos sindicatos. Até então.

"...existia o medo funcionando como tabu, que segurou todo mun-do durante dez anos ( a última greve contra essa lei, em 1968, foiviolentamente reprimida). Ninguém se atrevia a passar por cima dalegislação, certo de que as conseqüências desse gesto seriam extre-mamente danosas ao movimento operário."32

168

Entretanto, a repressão expressou-se num contexto político e econômicoque definiu a ocorrência de muitos movimentos de oposição. Justificar aausência de protestos somente em decorrência da repressão, seria negar outrosmovimentos, como as greves de Contagem e Osasco ou o movimento estu-dantil e outras práticas de protesto.

O movimento grevista, em 1979, ampliou-se, ganhando adesões em re-lação ao ano anterior. Recebeu maior apoio de políticos do MDB, como deRoberto Satunino que

"... declarou que o MDB irá seguir contra a política injusta, cruel edestruidora e vai apoiar decididamente a classe trabalhadora na sua lutapela melhoria dos salários e pela ampliação das liberdades sindicais."33

Em abril, 6 mil funcionários da Rhodia de Santo André entraram emgreve, reivindicando 30% de aumento real sobre o salário de novembro de1978. Outras indústrias pararam. Os sindicatos, ao saberem das mobiliza-ções, procuravam auxiliar no processo de união entre trabalhadores da cate-goria. Procuravam tomar as rédeas do movimento.

Os sindicatos mais atuantes, dos metalúrgicos de Santo André e de SãoBernardo do Campo, sofreram intervenções. Em 24 de março, o sindicatode São Bernardo foi cercado por policiais. Ninguém poderia sair ou entrarna instituição, sendo que líderes, jornalistas e 300 trabalhadores ficaram

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Diadema nasceu na Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

presos em seu interior. Neste mesmo dia, trabalhadores reuniram-se naca-tedral do Carmo, em Santo André, para protestar contra as ações policiais.

Ap6s quinze dias, a greve foi suspensa e devido às negociações com ospatrões e ao engajamento dos operários, foi considerada vitoriosa.

"A coragem esteve presente durante os quinze dias de greve. O mo-vimento tomou força graças à atuação do Lula, que durante todo otempo liderou a manifestação de uma classe já cansada de tantaexploração. Foram 15 dias em que não faltou a força policial, cons-tituída por um número razoável de homens. Sem refletir, as armasvenceram. A força falou mais alto. Mas nem por isso os metalúrgicosperderam sua coragem."34

Nesta greve de 1979, a repressão persistiu. Santo Dias da Silva, operáriometalúrgico, foi morto pela polícia durante ato de protesto. O fato tornou-se símbolo de luta contra a repressão, pela liberdade.

169

"Pressionados pela fome,os operários fazem greve.Reprimidos, saem às ruas.Assassinados como o companheiro Santo,se multiplicamnuma multidão viva e combativa.A classe operária não morre nuncae seu futurosó tem um nome:Liberdade. '55

o resgate da dignidade do trabalhador foi exigido em todas as lutas, ouseja, além do aumento de salário, desejou-se o direito de expressão, da liber-dade. A luta era de toda a sociedade, não somente dos operários. O ABCgerou possibilidades de luta. '~luta é de todos e o centro da luta é SãoBernardo, com polícia ou sem polícia!"36

A violência transpareceu por meio das armas nas ruas e pela ameaça dedemissão aos trabalhadores. A questão sobre o "processo de Aberturà' gerou areação dos que perceberam a intenção do Estado com esta política. RaimundoFaoro, através do Diário do Grande ABC. criticou-a claramente.

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Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectivo do Cidade Vermelho

'~elitização da abertura tornou-se,ral de que nós, os liberais, estejamoliberdades por um processo mais a

A luta continuou durante o ano de 1980, sendo que as paralizações ini-ciaram-se em 30 de março, prolongando-se até 5 de maio, em Santo Andrée até o dia 13 em São Bernardo do Campo, onde durou 41 dias. Em SantoAndré, a greve terminou antes em decorrência do esvaziamento do movi-mento.' A presença de forte e carismática liderança sindical em São Bernardodo Campo, também foi um diferencial, alem disto, São Bernardo abrigavamaior número de mão-de-obra e seu sindicato localizava-se às portas daVolkswagen, o que facilitava o mobilização da classe.

Em assembléia no estádio da Vila Euclides, com a presença de D. Cláu-dio Hummes e Luís Inácio, trabalhadores decidiram-se pela greve. Pediam15% acima do INPC de abril, sendo que a oferta da Federação das Indús-trias do Estado de São Paulo (FIESP) foi de 5%.

A FIESP formou uma comissão de 14 pessoas, responsáveis em negociaro reajuste salarial com as lideranças sindicais. Este grupo, através de propa-gandas veiculadas pela imprensa, procurou desestimular os trabalhadores à

aderirem à greve.170

"Os metalúrgicos estão em greve porque não aceitaram o aumento queos patrões ofereceram, de 85% ao ano. Mas você junto com sua família,precisa levar em conta que a greve custa dinheiro para o grevista."3!!

Configurou-se, desta forma, um constante confronto entre a FIESP e os

sindicatos. Em resposta, publicava-se que, contrariando a idéia de que os

trabalhadores estariam desmobilizados, os sindicatos dos metalúrgicos esta-

vam mobilizando os trabalhadores através de assembléias relâmpago em

frente às fábricas.As pressões da FIESP acompanhavam a repressão do governo. No dia do

trabalho, 10 de maio, os trabalhadores foram proibidos de se reunirem no está-

dio da Vila Euclides e o Sindicato dos Metalúrgicos de São ~ernardo estava sob

intervenção desde 18 de abril, em decorrência do TRT ter julgado a greve ilegal.

As manifestações do Dia do Trabalho, em São Bernardo do Campo, ocor-

reram na Igreja Matriz com a presença de D. Cláudio Hummes que foi

ameaçado pelo DEOPS de ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional

chocante e não há nada mais natu-s aqui agora vendo a conquista dasmplo das classes populares."37

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(LSN). Neste dia, os trabalhadores organizaram uma grande passeata quesaiu da Igreja, onde o bispo celebrou a missa.

"São Bernardo do Campo foi transformada numa praça de guerra. OPaço Municipal, além de centenas de policiais e cavalarianos, foi cer-cado com cordas, isolando toda sua extensão. Na Vila Euclides, todaa área foi tomada e ficou sob controle. A praça da igreja matriz foicercada com cordas e soldados a cada dois metros... Uma jornalista éferida, seu sangue mancha a calçada. A barreira policial é reforçadapor cães pastores. Na porta da Igreja todos cantam o hino nacional."39

Em decorrência do grande número de pessoas presentes no ato, os locais que

estavam sendo guardados pela polícia, foram liberados. A cena dos trabalhado-

res ocupando os espaços foi descrita com emoção por quem a presenciou.

"São centenas de faixas, cada uma delas representa uma idéia, umconjunto de pessoas, uma bandeira, uma entidade. São centenas defaixas, representam um sentimento de oposição do povo brasileiroao regime militar."4o

Os sindicalistas anunciavam que a adesão dos trabalhadores foi de cercade 90% da categoria, na região do ABC e cidades do interior. Como era dese esperar, em São Bernardo a adesão ao movimento foi maior, uma vez queo sindicato se mostrou mais resistente, transmitindo confiança aos traba-lhadores. Os municípios e cidades localizados próximos, também apresen-taram grande adesão:

171

MUNlcfplO N° DE METALtlRGICOS %Rio Grande da Serra 54.000 90S.Bernardo IOiadema 133.000 95S.Caetano do Sul 32.000 80Taubaté/Pindamonhangaba 19.800 90Piracicaba 15.300 90Lorena 4.000 100Sertãozinho 4.500 100Cruzeiro 5.000 100Mococa 2.000 80

A greve foi interpretada, por muitos, como uma prova de resistência em

que os trabalhadores agüentaram o quanto puderam o confronto com a

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Diadema nas~~u~_~rande ASC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

classe patronal e o governo. A atuação dos trabalhadores foi muito exaltadae comentada pelos sindicalistas. pela imprensa e outros setores sociais.

O resultado do processo grevista foi discutido entre os sindicalistas eoperários e daí constituiu-se o caderno "41 dias de resistência e luta - uma

análise da greve feita por quem dela participou".

'~ nossa greve foi um dos momentos mais importantes do movi-mento dos trabalhadores nas últimas décadas. Durante 41 dias todanossa categoria demonstrou sua capacidade de luta e resistência contraa intransigência dos patrões, principalmente das multidões nacio-nais, e do governo que lançou toda sua repressão contra trabalhado-res desarmados, que nada mais queriam do que a conquista de me-

lhores condições de vida."41

172

A articulação da classe operária em todo o processo grevista e as limita-ções deste tipo de organização fez com que as principais lideranças sindicaissentissem a necessidade de criar uma instituição que preenchesse as lacunasque o movimento não poderia ocupar. Assim, o Partido dos Trabalhadoressurgiu para ocupar espaço na representação política da classe, oferecendomaior campo de atuação. Sua possibilidade de criação foi resultante doretorno do pluripartidarismo no país. A possibilidade de existência de maispartidos políticos foi criticado por membros do clero e intelectuais queatribuíram esta medida à política governamental de dividir as forças da

oposição e de apresentar uma suposta democracia.O "Manifesto do PT" de 1 O de fevereiro de 1980 apresentou à população

os meios e objetivos deste novo partido.

"Agora, as vozes do povo começam a se fazer ouvir através de suaslutas. As grandes maiorias que constróem a riqueza da nação que-rem falar por si próprias - não esperam mais que a conquista de seusinteresses econômicos, sociais e políticos venham das elites domi-nantes... O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições,mas principalmente no dia a dia de todos os trabalhadores, pois só

assim será possível construir uma nova forma de democracia,cujasraízes estejam nas organizações de base da sociedade, e cujas deci-

sões sejam tomadas pelas maiorias."42

A partir de então o partido construiu, aos poucos, seus projetos e meiosde funcionamento. Passou a ocupar sede em São Paulo e a participar e

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Diadema nasceu no Grande ASC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

promover congressos e reuniões tendo o trabalhado como tema. As mulhe-res também foram responsáveis por movimentos, como o do custo de vida(MCV) , arrecadação dos fundos de greve, pelas melhorias nos bairros, elutaram juntamente com os metalúrgicos, estando presentes nas greves, as-sembléias da classe e outros atos.

Os metalúrgicos de São Bernardo do Campo realizaram o I Congressode Mulheres de São Bernardo do Campo, em fevereiro de 1978. O congres-so, organizado pelos líderes sindicais, pretendia atrair a mulher para dentrodo sindicato, uma vez que constatou-se que poucas participavam de assem-bléias da categoria. Propuseram a discussão de questões como o assédiosexual dentro do local de trabalho e assistência médica, entretanto as mu-lheres levaram as discussões para outros problemas, como melhores condi-ções de trabalho e equiparação salarial.

Os jornais passaram a dar maior destaque a atuação das operárias edonas de casas.

Existiu uma integração entre as lutas da população do ABC. Todos osesforços de melhorias convergiram do trabalhador, para ele mesmo. Aformação de um partido político foi a conquista de uma posição entre orestrito meio, onde, até então, decidia-se sobre os passos da classe operáriasem que este estivesse presente. A classe operária aproximava-se de seu"inimigo", a classe industrial, através de uma representação política,conquistando, assim, espaço entre os atores que centralizavam as decisõesde poder no país.

173

Notas

1 RODRIGUES, Leôncio Martins, "Trabalhadores, sindicatos e industria-

lização", SP., Ed. Brasiliense, 1974.

2 Cadastro da Sociedades Amigas de Bairros da grande São Paulo, Governo do

Estado de São Paulo, Emplasa, S.P., 1980. p.lS

3 "Reclamações populares" IN O Imparcial, 20 de dezembro de 1931.

4 '~o povo de São Paulo", Declaração de princípios do I Encontro das SABs da

Grande São Paulo, p.31

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5 Didrio do Grande ABC, César Micali Carter, presidente da Federação das

SABs de Santo André, abril de 1979.6 "Sociedades amigos recebem verbas do exercício de 1968." Folha do Povo,

19 de agosto de 1968.

7 Quadro comparativo das sociedades amigos de Bairros, por município da

sub-região sul de São Paulo, Cadastro das Sociedades Amigas de Bairros da

grande São Paulo.8 "Prevenção de doenças", Cadernos Populares 3, coleção CEB, pasta 1,

Doc.8, s/d CEDIC9 Diário do Grande ABC, abril de 1980.

10 "Comunidades Eclesiais de Base", estudos da CNBB, volume 23, pg.18.

1i "Hino das CEBs", Doc. 50, s/d., coleção CEBs, pasta 1, CEDIC-PUC.

12 "1948, 10 aniversário as juventude operária cat6lica do Brasil- 1958",

Coleção ACO, pasta 13, 1958.13 "A Igreja no mundo do trabalho da grande São Paulo", 12/08/1973, Pasta

2, Coleção PO, CEDIC-PUC.14 Questões para a ACO, Pasta 11, Coleção ACO, s/d., CEDIC-PUC.

15 Aos nossos irmãos do ABC, março 1981, pasta 1, coleção PO, DOC.97,

CEDIC-PUC.16 "Pastoral de S. Excia. D. Jorge Marcos- bispo diocesano de Santo André",

folheto publicado pela Folha do Povo, 15 de setembro de 1955.17 "Questões para a ACO", coleção ACO, Pasta 11, p.4, CEDIC-PUC.

18 "A greve do ABC- 1980", Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André,

"março/abril de 1980.19 Diário do Grande ABC, 14 de o~tubro de 1979.

20. Jornal de Santo André, 23 de janeiro de 1957.21 Diário do Grande ABC, 29/08/1979.

22 Diário do GrandeABC, 29 de agosto de 1979.

23 O Imparcial, 9 de fevereiro de 1946.

24 O Imparcial, 2 de março de 1946.

25 Torn~1 de S~nto AncJrp. 7.C) cJp ~hril cJp 1 C)~C)

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26 Ianni, Octavio, "O ABC da classe operária", p. 50.

27 O Metalúrgico, 1977.

28 '~s mudanças partirão de S. Bernardo", Diário do Grande ABC", agosto

de 1979.29 "Características sócio-econômicas dos participantes do I Congresso dos

Trabalhadores de São Paulo", DIEESE em resumo, agosto/ setembro de 1968.30 '~ greve dos trabalhadores e suas consequências", Folha do Povo, 27 de

maio de 1968.31 '~vez dos metalúrgicos", ABCD jornal, 25 de março a 7 de abril de 1976.

32 "Quando o direito de greve é conquistado", Tribuna Metalúrgica, junho

de 1978.33 Diário do grande ABC, 13 de março de 1979.

34 Diário do grande ABC, 15 de abril de 1979.

35 "10 de maio", Coleção do Peão- feito para girar, s/d., PI-D42, Coleção

Movimento dos trabahadores, CEDIC-PUC.36 Ver Laís Wendel Abramo em "O resgate da dignidade- a greve de 1978 em

São Bernardo", Dissertação de mestrado apresentada à FFLCH-USp, 1986.37 "Democracia não chegou ao operário", Diário do Grande ABC, 27 de

maio de 1980.38 Diário do grande ABC, 2 de abril de 1980.

39 "10 de maio", Coleção do Peão- feito para girar, pg.9, s/d., Coleção Mo-

vimento dos trabalhadores, PI-D42, CEDIC-PUC.40 Ibid. pg.16.

41 '~greve do ABC-1980", Publicação do Sindicato dos Metalúrgicos de

Santo André, Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires e Mauá, s/do42 "Manifesto do PT", 10/02/1980, Coleção P1: pasta 1- 0.50, CEDIC-PUC.