educação - pedagogia e metafísica em delfim santos

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EDUCAgAO - PEDAGOGIA E METAFISICA EM DELFIM SANTOS «(...) A educagdo ndo e actividade particular no esforgo cultural dos povos (...) trata-se de umfenomeno englobante de que a filosofia, a ciencia e a arte, sdo aspectos mais oumenos especiais e consequentes disso mesmo, que,agora, de umamaneira geral, chamamos educagdo (...) A propria religido, evidentemente, e uma forma de educagdo e decerto a mais intensa e constante nos seus propositos formativos. Para facilitar a plena compreensao do que acabamos de sugerir, devemos desdejd indicar que ndo identificamos educagdo e pedagogia (...) A pedagogia e saberestruturado sob a forma de ciencia do que, como fenomeno primdrio chamamos educagdo, do mesmo modo que a teologia e saber estruturado soba forma deciencia do que, tambem, como fenomeno primdrio, chamamos religido (...)». Delfim Santos, Obras Completas, III,pp. 281-282 1. A Pedagogia - o Educando: ser essencial-existencial Fun?ao, em ultima analise, do que o transcende, como, imediatamente, desi mesmo, e o homem, para Delfim Santos, um ser, como tal, essencial-existencial. Nesta compreensao, seassim se revela, aosoutros como a si pr6prio, um ser inacabado por permanentemente perfectivel, e,entao, por isso mesmo, um ser de permanente aprendizagem, peloque tambem e assim se afirma e especif icacomo educando. Deste modo, se, em fungao da sua realizagao-encontro, sempre terminara por se evidenciar e definir em fiingao da educagao e/ou da educa^ao-pedagogia, sempre assim comega, tambem, por se manifestar-definir, comoseressencial- existencial. Revista Portuguesa de Filosofia, 49 ( 1 993) 149- 170

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Page 1: Educação - Pedagogia e Metafísica em Delfim Santos

EDUCAgAO - PEDAGOGIA E METAFISICA EM DELFIM SANTOS

«(...) A educagdo ndo e actividade particular no esforgo cultural dos povos (...) trata-se de umfenomeno englobante de que a filosofia, a ciencia e a arte, sdo aspectos mais ou menos especiais e consequentes disso mesmo, que, agora, de uma maneira geral, chamamos educagdo (...) A propria religido, evidentemente, e uma forma de educagdo e decerto a mais intensa e constante nos seus propositos formativos. Para facilitar a plena compreensao do que acabamos de sugerir, devemos desdejd indicar que ndo identificamos educagdo e pedagogia (...) A pedagogia e saber estruturado sob a forma de ciencia do que, como

fenomeno primdrio chamamos educagdo, do mesmo modo que a teologia e saber estruturado sob a forma de ciencia do que, tambem, como fenomeno primdrio, chamamos religido (...)».

Delfim Santos, Obras Completas, III, pp. 281-282

1. A Pedagogia - o Educando: ser essencial-existencial

Fun?ao, em ultima analise, do que o transcende, como, imediatamente, de si mesmo, e o homem, para Delfim Santos, um ser, como tal, essencial-existencial.

Nesta compreensao, se assim se revela, aos outros como a si pr6prio, um ser inacabado por permanentemente perfectivel, e, entao, por isso mesmo, um ser de permanente aprendizagem, pelo que tambem e assim se afirma e especif ica como educando.

Deste modo, se, em fungao da sua realizagao-encontro, sempre terminara por se evidenciar e definir em fiingao da educagao e/ou da educa^ao-pedagogia, sempre assim comega, tambem, por se manifestar-definir, como ser essencial- existencial.

Revista Portuguesa de Filosofia, 49 ( 1 993) 149- 170

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O homem: ser essencial-existencial

Essencialmente, em fungao da dualidade radical: realidade e espirito1, existencialmente, em fiingao da tetrade: materia, vida, consciencia e espirito2, adequada e/ou correlativamente, e, o homem, para D. S . , e, assim, total, significativa/ vivencialmente, dominio de heterogeneidade-totalidade e de pluralidade-unidade.

1 Delfim Santos, Obras Completas, E 210; 1 284.Passaremos a citar as Obras Completas I, II, III com as siglas I, II, III e a respectiva paginac.ao, como nos artigos que publicamos nesta revista: «Filosofia-OntologiaeMetafisicaem Delfim Santos» [43 (1987) 337-356)] e«Fenomenologia eMetafisica em Delfim Santos» [48 (1992) 297-320].

Em torno da Educa9ao e da Pedagogia Delfim Santos escreveu muitos e valiosos trabalhos, dentre os quais os mais importantes nos parecem os seguintes:

De incidenciapratica: Em rela9ao aos varios graus de ensino: Ensino (II 523-525); Oriental aona Escola (II 405-406);

A Missao da Escola (II 423-424); Reformas do Ensino (El 77-79); Escola Primaria (HI 81-83); A Descentralizac, aodo Ensino (El 85-87); Formagao Escolar e Forma9ao Profissional (HI 89-103); Ensino Primario (IE 1 13-1 18); A Crian?a e a Escola (IE 1 19-122); A Crian9a e o Seu Mundo (HI 123-124); ACrian9anaEscolaMontessori(in 129-140); ACrian9aeaEscola(in 195-204); Instni9aoe Educa9ao (HI 229-230); Inadapta9ao Escolar e Suas Consequencias (HI 23 1 -233); Satide Mental na Escola (HI 237-242); Escolaridade Obrigatoria (III 297-298); Exames (Ed 299-307); Omais importante problema (HI 309-317);

Em rela9ao, determinadamente, ao Ensino Profissional: Prof. Oliveira Guimaraes (II 55 3-555); Subsidios para a Organiza9ao da Escola Profissional de Ourivesaria(III2 1-37); Orienta9ao Profissional do Ourives (IE 39-41); Selec9ao Profissional do Ourives (Ul 43-45); Ensino Profissional (El 47-49); Ensino Tecnico A Escola Comercial de Rodrigues Sampaio (El 151-157);

Emrela9ao,expressamente, ao Ensino Superior/Universitario: LinhaGeraldaNovaUniversidade (E 373-390); Missao do Estudante (El 7-10); A Crise da Universidade e apenas parcial (IE 73-75); Missao Humanizante da Universidade (El 205-21 8); Contribui9ao da «Cidade» para «Um Estilo de Vida Universitario» (El 219-220); Extensao Universitaria (El 219-220); Na la Reuniao dos Antigos AlunosdaFaculdadedeLetras do Porto (EI59-63);Colabora9aoUniversitaria(IE105-107);Congresso da JUC (IE 125-128); Mais uma Faculdade de Letras (IE 235-236);

De incidencia especulativa: Trabalhos mais longos: Fundamenta9ao Existencial da Pedagogia (11427-499); Forma9ao de

Professores(IE 179-193); TematicadaForma9aoHumana(IE247-278);Hist6riadaEduca9ao(IE 281- 296); A Li9ao de Pestalozzi (E 501-517); Adolfo Coelho como Pedagogista (E 541-551);

Trabalhos mais breves: O Homem e o seu destino (H 125-127); Ensino Classico - Ensino Modemo(E 391-397); VelhoseNovos(E 399-401); AFinalidadedaEduca9ao QI 403-404); Renova9ao (E527-529);Ferias(n531-532);Mundo(E533-534);Infancia(n535-536);Esperan9a(E537-538); Aprendizagem (U. 539-540); Pedagogia como Ciencia Autonoma (IE 5 1-54); O mais importante (El 65-67); Revolu9§o Necessaria QJ1 69-71); Educa9ao e Espirito (IE 147-148); Valor e Significado da Infancia (El 149); Instni9ao e Educa9ao (IE 229-230); Orienta9ao (El 365-366).

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Essencial-existencialmente, na perspectiva primordial de fundamentagao3, existencial-essencialmente, na perspectiva, correlativa, da intencionalidade/ sentido, e, adequadamente, dominio de mediagao-ambiguidade4.

Dominio, existencialmente, ontologico-axiologico5, e, essencial- -existencialmente ou fundantemente, fiingao, necessariae radicalmente, da realidade- ser e do pensamento-espMto6; e, existencial-essencialmente, ou intencionalmente, fungao das mesmas variaveis, ainda que, e apenas, em sentido inverso7.

Em qualquer circunstancia, se, antropologicamente, o homem se especif ica como dominio de ambiguidade-mediunidade, do mesmo modo se especificara, entao, educacional e/ou educacional-pedagogicamente.

Antropol6gica-educacionalmente,eohomemfiingaosejadoqueotranscende sejade si mesmo. Na primeira perspectiva, fiindamentalmente, «nem tudo depende do homem»8. Na segunda, «O Homem nao nasce homem (...) Isto e, nao e urn ser natural, um ser apenas produzido pela natureza, mas um ser f acticio e tantas vezes f icticio - um ser que tern de f azer-se, e, a todo o momento, ref azer-se»9. . . . E, por isso mesmo, e apodicticamente, por um lado «O homem nao surge como homem e sem os cuidados de outrem, nunca, mesmo, o poderia vir a ser»10; tambem, e por outrolado,necessaria,comocoerentemente,«ofenomenoeducativoecontemporaneo do aparecimento da vida humana na terra». 1 1 E, sendo assim, a todos os titulas ao homem se destina, enquanto, com ele, ao principio e ao fim, por conseguinte, se identifica!

Dominio de «luta pela clarificagao da existencia»12, e, de facto, cada um de nos, dominio de educagao, considerada «fenomeno primordial e basico de comportamento humano, como fenomeno congenere com a vida»13; e, neste, dominio de «aprendizagem-pela-para aexistencia»14. Comefeito e como D. S. bem o inculca, existir nao e apenas viver, e, por isso mesmo, vive-se para algo mais importante do que a propria vida15!

Mas, desta forma, se a educagao e/ou educagao-pedagogia se especifica e/ ou entende, em fiingao do homem, assim, identica como correlativamente, se ha-de entender-concretizar, considerando-se a si mesma.

Homem e educagdo-pedagogia

Fungao, por conseguinte, do homem e/ou da antropologia, ha-de a educagao ser entendida/orientada, segundo D. S., em duas perspectivas: a essencial e/ou

3 II 207; 210; 211 4II 212, 213; 214 5 1 394; 395 6 n 20, 60 7 IK 374, 471, 396, 397 8 in 65 9UI 65; 345; 350; 471 10ni283 nni282 121 314-315 13 n 451 14 n 448 15 H 337

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essencial-existencial - o dominio da transcendencia - e a existencial e/ou existencial-essencial - o dominio da transcensao...

Na ultima pesrspectiva, ou considerando o momento existencial-essencial, enquanto, primordialmente, momento de intencionalidade-sentido, e a educagao dominio pedagogico ou tecnico-pedagogico de orientagao do educando16 do/no/pelo espirito, para o ser-realidade17. Na primeira perspectiva, ou considerando o momento essencial^xistencial,enquanto,primoidialmente,defiindamenta5ao,ha-decomegar por ser a educagao dominio pedagogico ou tecnico-pedagogico de descoberta, seja da realidade como se nos patenteia, seja do educando face aos outros, como a si proprio18. Assim odefendeuM.Montessori, como, com ela,D. S.19.

Existencialmente e/ou a partida, sempre deve, a educagao,orientar-se em fungao do que/pelo que da realidade se nos revela, o educando se/nos manisfesta - o dominio objectivo-subjectivo20. Essencialmente, e, assim, perenemente, orientar- -se-a, adequadamente, em fiingao do que/pelo que, de uma e de outro, em absoluto-perenementesenosesconde21 - odominiotransobjectivo-transubjectivo...

Se, considerando a realidade ou a transcendencia22, e, de facto, a existencia dominio modal23, e, como tal, de transcensao24, sempre e por maioria de razao ha- de se-lo, tambem, a existencia humana ou o homem como existente. E isto porque, nele «tudo e diferente do que os outros julgam que ele e, ou do que ele julga ser»25. E, dai, para D. Santos, que «a educagao seja o mais importante dos problemas a considerar nos nossos dias»26. Mas exigir-se-a a rejeigao de «uma pedagogia assente, por sua vez, numa psicologia de tipo mecanicista, incompreensiva do problema da diferenciagao e do respeito pela personalidade»27, exactamente e no mesmo sentido da inspiragao e exemplo do grego Socrates28 ou do alemao Keyserling29, «pelo valor concedido ao que o homem tern de humano»30. E que, de facto, e, como D. S. no-lo patenteia, se, considerando a ciencia e/ou o saber cientif ico, entre a realidade e o que dela nos representamos , medeia sem diivida, o abismo; considerando a antropologia e/ou o saber de/sobre a vida/acgao humana, entre o que consideramos como sendo o homem e o homem mesmo e assim no ambito da realidade/totalidade de todos e cada um de nos, o abismo nao e, afinal, menor! Por isso tambem se, em ciencia, ainda podemos falar de problemas, em antropologia, e, aqui com G. Marcel, movemo-nos em dominio autentico de misterio3 1 ! E dai, a respeitabilidade ilimitada, em/para D. S. e Socrates, face ao que, no homem ha de humano: a eticidade32!

16nii48 17 m 148 18 m 129-140 19 IE 129-140 20 m 323-327 21 m 323-32: 22 II 299; 1 282-283 23 1 312 24I315 25 IU 67 26ni67 27 in 256 28 in 294 29I18 3°! 18 31U22 32 1 18

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Educagdo - Pedagogia e Metafisica em Delfim Santos 153

Por tudo, se, como dominio de fiindamentagao, a educagao (e, correlativamente e para tanto, a pedagogia) sempre deve comegar pela perspectiva existencial e/ou essencial-existencial, como dominio de sentido, inversamente devera orientar-se. Mas,sempreemfun5aodohomem,devera,assim,serentendidana/pelaconsidera5ao do seu todo ontogenetico33 ou no «sentido harmonico do (seu) desenvolvimento humano»(nacitagaodePestalozzi)34,ounosentidodo«desenvolvimentoharmonioso quer organico, quer espiritual» (na evocagao de Montessori)35! ...

Concluindo, e, face, por conseguinte, a todo e qualquer processo educacional e correlativamente pedagogico, o educando devera sempre, ser considerado/ orientado (e/ou considerar-se/orientar-se) na/pela sua ambiguidade-totalidade, como ser essencial-existencial... E, assim, considerando o que o transcende, como o que dele nao deixa de depender... se bem que seja o que dele depende fungao do que o transcende! Com efeito, «Ha coisas que dependem do homem e coisas de que o homem depende, aprendeu Pascal em Epicteto (...) O que ultrapassa o homem e e para ela sempre incerto, constitui o dominio das coisas de que ele depende; o que depende do homem e ele ultrapassa em dignidade, e certo se deseja que seja certo. O homem, encantado com este ultimo tipo de certeza acerca do que e sua propria construgao, pretendeu dar-lhe maior valor do que a incerteza sempre inevitavel que pertence as coisas de que ele depende, mas, contra este orgulho de contentamento e de significado premonitorio a maxima simples e clara de Epicteto»36!

2. A educagao: fundamento e sentido da pedagogia

Se imediata ou existencialmente, como mediata ou essencialmente, a educagao se entende em D. S., em fungao do homem ou da antropologia, correlativamente, a pedagogia se entendera em fungao do educando ou da educagao37. Se pessoal, interpessoal ou socialmente38 a educagao e fundamento e sentido da antropologia, e, identicamente entao, fundamento e sentido da pedagogia39.

Como totalidade, no que respeita seja ao piano de fundamentagao seja ao piano de sentido, o homem, e como tal o educando, e fungao quer da perspectivagao essencial-existencial oumetafisica-ontologicaquerdaperspectivagaoexistencial- essencial ou ontologica-metafisica. E se, neste contexto, assim se nos impoe perspectivar o teor e o alcance de todo e qualquer processo educacional, o mesmo diremos, correlativamente, de todo e qualquer processo pedagogico. Por isso, se este e sempre fungao do educando, em identico contexto e/ou de acordo com as

33 n 449 34 II 5 14 35 m 135 36 n 205 37 m 229-230; 69; 71 38 HI 229-230; 70; 77-79; H 425-426 39 EH 65-67; 147-148; H 477-490

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mesmas perspectivas se devera f ormalizar/entender. . . E, assim, e, em correlagao, portanto,sistematica-metodologicamente,como,e,emul^^ transmetodologicamente.

A perspectiva metafisica-ontologica

Fungao, primordialmente, de algo que o transcende e que, assim, essencial e/ ou essencial-existencialmente, portanto, o determina e conforma, o educando deve sempre comegar por ser entendido, a partir da vida e da existencia. Neste sentido, caracteriza-se «a pedagogia como processo existential e nao como processo 16gico independente do tempo. A fundamentagao existencial da pedagogia radica (...) na compreensao temporal da existencia humana. »40. Apodicticamente, a «nogao de existencia e o ponto de partida da pedagogia, como tambem, na actualidade - e evoca D. S. o Sein und Zeit de Heidegger - se tornou o ponto de partida da filosofia»41. Mas se assim deve comegar o educando por ser entendido tambem assim devera comegar por ser orientado. «Realmente, o fundo sentido do acto pedagogico podecaracterizar-sedestamaneira: clarificagao progressivadotransito do estar-no-mundo, como situagao original, paraestar-no-mundo-para-alguma- coisa. E, neste transito, que se revela a capacidade de compreensao e aprendizagem, e o acto primario e consequente do estar no mundo»42. E, aqui, incide, para D. S., apertinencia,actualidadeepromissao,doqueconsideraaTipologia/Caracteriologia e/ou Antropologia/Caracterologia43. Em qualquer circunstancia, se, a partida, o educando, depende sempre do que radical ou proximamente o transcende, sera tambem dependente do que, desde o inicio, dele pode e deve depender. E, por isso, se, na segunda perspectiva, assim se aponta ao que nele se caracteriza como o segundo momento do processo educativo-pedagogico, tambem, a partida, ou, na primeira perspectiva, assim se especifica o que classificamos de primeiro momento do mesmo processo.

40 II 440 41 II 440 42 n 440-441 43 II 407-422. Para alem deste trabalho que intitulou «Psicologia e Caracterologia»,

escreveu, ainda, D. Santos,«Medicina e Caracterologia» (III 159-174). Dentro da mesma orientacao, ambos os trabalhos sistematizam o seu entendimento da Antropologia e/ou do que tambemclassificou, com Tumerliz, de «Psicologia Antropologica» (II 411), e que sumariamente entendeu como uma «teoria dos tipos» (I 392): em, assim, enquanto «Ha sempre algo de tipico que assemelha certa pessoa com certas pessoas, aomesmo tempo que de outras a distingue» (HI 164). £ umponto de vista que, inspirando-se em Pende, Krestschemer, Sigaud, Wolff e Corman (III 164), aproxima, tambem, D.Santos, de autores como Jaensch e Spranger (HI 144). A parda Tipologia, perfilha, tambem, a Caracterologia, agora, na inspira^ao particular de Klages, que exalta como psicologo e como metafisico, salientando, inclusive, a sua «distin5ao entre alma e espirito» (H 418-419).

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Educagdo - Pedagogia e Metafisica em Delfim Santos 155

Neste contexto, coerentemente, devera o educando comegar por ser orientado em fungao do meio cultural envolvente, o que tanto significa, em adequagao a nossa «indole, as nossas tradigoes e a nossa vida propria»44; mas, com o mesmo rigor e empenho,tambem,t(xioequalquerprocessoeducacionale/oueducacionalpedag6gico comegaraporseespecificarcomo«processodedescobertadapr6priaeintransferivel solugao»45. Assim, o educando,devera comegar sempre por ser orientado, no sentido do ajustamento-conf ormagao ao contexto46 ontologico-axiologico, national, como mesmo e sobretudo, regional e local, ou, ao meio cultural envolvente. Mas, em simultaneo,assimdeveracomegarpororientar-setambemnosentidodaevidenciagao- expressao do seu perf il psico-vital proprio e inconfundivel, o que tanto significa no sentido da sua totalidade de corpo-espirito47, a sua sempre especffica tipologia- caractereologia, no ambito ontologico-axiologico proprio e/ou intransferivel. Por isso, se o que deve caracterizar o primeiro momento do processo educativo- pedagogico, sera a facultagao, na medida do possivel, do referido meio cultural envolvente - «o espirito objectivo»48 - assim o devera ser, entretanto, em fungao das necessidades e interesses bem proprios do educando - «o espfrito pessoal»49. E, sempre, na/pela definigao da suahistoricidade50, como «sendo»51, na perspectiva situacional e concreta52: em si mesmo, como em fungao do que o envolve. Dai, a pertinencia/exigencia de conhecimento seja do meio envolvente que ao educando comegou por ser facultado seja dele proprio: a sua estruturagao tipologica- caracteriologica... E esse, ao fim e ao cabo, o sentido-valia da teorizagao-acgao pedagogica, em tomo das primeiras idades, desde meados do sec. XIX e comnomes e escolas que D. S. bem conhece...

Assim e evocando, nomeadamente, Froebel e a sua escola - a primeira - feita para a crianga, «se nao sera a adaptagao, mas sim a aptagao (...) a alma da escola»53, tal apenas consagra a ligao do mestre comum, enquanto, para Pestallozzi, «nao e a crianga que deve adaptar-se a escola, mas a escola a crianga. »54. De resto, a «inadaptagao escolar, no seu aspecto negativo, mostra que a crianga nao e capaz de cumprir a finalidade que a escola lhe impoe, mas a escola nao e o termo final, pois ela propria deve tornar-se apta a adaptar-se a real

* aptagao' daqueles que se

langaram na aventura de humanizagao, para a qual a escola devera fornecer a respectiva e apropriada ferramenta. »55. E mais uma vez, a reflexao-ligao do nosso pensador-pedagogo e, indiscutivelmente, fecunda porque actual, filos6fica como antropologicamente . E, aqui, e, em totalidade, psicologica-caracteriologicamente, como, portanto, pedagogicae/ou pedagogica/educacionalmente...

44 in 305 45ni78 46ni78 47 1 253: HI 159 48 1 263 49 1 261: 263 50 1 263 51 1 507 52 n 485; 470 53 HI 232 54 m 232 55 m 233

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156 Revista Portuguesa de Filosofia

A perspective! ontologica-metafisica

Em fungao do ambito cultural dado, o primeiro momento do processo educacional-pedagogico deve comegar por exigir a atitude - acgao de adequagao- conformagao. E, assim seja no sentido de adequagao-conformagao do educando ao seu proprio meio sejaem/portal mediagao, no sentidode adequagao-conformagao do educando a si mesmo. Por um lado, a Educagao deve sempre comegar por procurar«adaptaroespMtosubjectivoou individual - oeducando - (...)aoespirito objectivo - ou meio cultural - (...) que o circunda e com o qual coexiste.»56. Por outro, e enquanto e o homem, «sempre diferente» e «diferentemente dotado» (...) para a compreensao dos valores que em si mesmo desenvolve e pretende realizar»5 7, tal orientagao ha-de ter «por finalidade f avorecer o transito do individuo a pessoa e (...) a personalidade»58, na/pela determinagao-conformagao do entao designado «espfrito pessoal»59. Por isso a acgao educativa, no seu «primeiro interesse (...) nao deve modificar mas descobrir naquele sobre o qual exerce as suas aptidoes e tendencias a sua capacidade de apreensao de valores e a forma de vida e de pensamento que lhe estao destinadas pelo seu tipo psicologico.»60.

Em fungao do ambito cultural a dar-se-nos, deve comegar por exigir o segundo momento do processo educacional-pedagogico, a atitude acgao de inadequagao-inconformagao - se bem que e agora, correlativamente, em dois sentidos: o da inadequagao-inconformagao do educando ao seu proprio meio,apostando assim na «criagao de novas formas, possivelmente em melhor acordo com a sua propria epoca de vida»6 \ «contributos firmes paraumnovo mundo perenemente feliz»62; como, em/portal mediagao, o da inadequagao-inconformagao do educando a simesmo, a sua «fisionomiaespiritual, acabada (...) rigida caracteristica do adulto»63; mas sempre, portanto, em fungao do espirito, afirmativo porque negador e vice/versa, e, como tal, ironico64! Porquanto, e, apenas, em tal postura

56 1 263 57 II 403 58 II 404 59 H 404; 1 263 60 II 425; 424 «A (...) diferencia9ao tipologica e psico-vital e os homens, em fun9ao das

virtudes proprias a cada um dos grupos da sua parti^ao, assim teriam uma situa?ao socialcorrespondente e, ao mesmo tempo, uma educa9ao que melhor relevasse essas qualidades ou virtudes» (II 445). «Dissemos ja, repetindo verdade elementarissima, e por isso mesmo esquecidfssima, que todos os homens sao diferentes (...) e (...) a diferencia^ao que os separa, e tambem porventura os une, assenta no vigor do tonus vital, na intimiza^ao possivel das suas qualidades animicas e na for9a universalizante do seu espirito. (...) £ claro que (...) a diversidade individual dos homens esta em desacordo com a unidade tipica que a educa9ao propoe» (II 445). «No homem e tudo diferente, e ele proprio e diferente do que os outros julgam que ele e, ou do que ele julga ser, mas sempre o esfor9o de descoberta que a educa9ao lhe propicia e fecundo e criador» (IH 67)!

61 1 263 62I255;261 63 II 33; 34 64 III 349 «O espirito surge no homem como nega9ao, contra a brutal incorpora9ao na

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Educagdo - Pedagogia e Metaffsica em Delfim Santos 157

( vivencia) , «busca incessante do bem e do belo»,65, «O sol e novo em cada dia, disse Heraclito, e cada dia e novo para cada homem (...)»66, ao ponto, entao, de o ser «realmente, se esqueceu o anterior»67...

Porque entre os dominios ontologico e ontico-espiritual sempre medeia o abismo - exactamente aquele que vai entre o existential e o essential68, o determinado ou representative e o indeterminado ou aporetico69, o objectivo e o trans-objectivo70 - «Pretender prolongar a vida seja do que for, tern sempre um limite inultrapassavel»7 lf e, assim, considerando-se, seja o que nos envolve, sejacada umdenos.72...

Sempre partindo da existencia, enquanto dada ou admitida73 e «manifestagao do espirito objectivo»74, o dominio e ontologico e/ou ontologico-axiologico75, a partida e a chegada, fiingao do dominio trans-objectivo-trans-subjectivo ou ontico- espiritual, como tal - o que tanto significa, a fisica em fiingao da metaffsica76, a cultura da incultura77, a cultura estabelecida em fungao da nova cultura, «ultimo botao florescente», enquanto em fungao da «raiz permanente, ou, pelo menos, perene»! E se, assim, filosofica e antropologicamente, assim, correlativamente, portanto, educacional - pedagogicamente78! ...

Considerando-se, seja o que nos envolve, seja cada um de nos, sao, sempre, todos os dominios de determinagao-conf ormagao, como dominios fenomenologico- hermeneuticos, fungao, da nossa explicagao-compreensao. Mas se, como tais, sao dominios, sempre, e, af inal, de renovagao e/ou ultrapassagem79, sao-no, entretanto, e, assim, proporcionalmente, em fungao da nossa capacidade-acgao de in-pre- -determinagao/in-pre-compreensao - o que tanto significa, trans-objectivamente ou em fungao da realidade em si mesma80 e trans-subjectivamente ou em fungao do espirito como tal81. . .

natureza de que esta constantemente amea^ado. O espirito opoe-se e pretende negar a natureza, e e neste sentido que os romanticos (...) se referiam a oposi9ao entre natureza e espirito (...). Um filosofo recente (Scheler) chamou ao espirito Negador (Neinsager).Esta negatividade (...) e absoluta e transcende, sempre,toda a objectividade (...) e infinita (...). E «A ironia nao se dirige a casos particulares (...); o seu objecto e o todo; e sempre, portanto, expressao de uma atitude metafisica» (III 349-350).

65 IE 371-372 66 III 384 67 m 376 68 j 232 69 m 376 70nii9 71 n 119 72 in 182-183 73 II 440 74 III 51-54 75 HI 185; 1 321; III 406 76 III 254 77 HI 443 78 IE 356 Assim e neste entendimento, chega D. Santos, a distinguir «escolar» e

«estudante», afirmando, expressamente: «Em geral, na universidade, encontram-se escolares e nao estudantes (...). Mas a missao do escolar e diferente da missao do estudante. Este radica na op9ao consciente e livre de um caminho dificil, mas serio, pleno de responsabilidade (..). O escolar - ou aluno liceal - aprende o que se sabe; o estudante - ou aluno universitario - aprende o que ainda se nao sabe. E numa verdadeira universidade, e claro, s6 ha estudantes» (HI 9-10).

79 HI 182; 183; 185 80 HI 185 81 HI 257

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158 Revista Portuguesa de Filosofia

Por isso e so a tal nivel, «pela possibilidade de meditar, de recolher-se dentro de si mesmo para por-se consigo de acordo e precisar o que ere e o que nao ere; o que da verdade estima e o que da verdade detesta»82, e que seremos capazes de, ao fim e ao cabo, «descobrirmos a realidade da (nossa) existencia»83. E que, de facto, e, em fungao do «misterio que nos envolve» e que nos proprios somos84, so a «apreensao intuitiva»85 dele e de nos nos podera dar a adequada compreensao e/ ou in-pre-compreensao-sentido...

E, entao, se tal deve comegar por supor-exigir o desajustamento- inconformagao do educando ao respectivo contexto ontologico - axiologico, tal supoe-exige, identicamente, o atinente desajustamento-desconf ormagao do educando a si mesmo. E, neste contexto, se assim se processa, ao fim e ao cabo, o movimento deacgao-educagao - pedagogicadetranscensaododominioontologico-axiologico, para o dominio ontico-espiritual, identicamente, e, para tanto, se processa o movimento de transcensao do espirito pessoal do homem-educando, para o espirito transpessoal... E, assim, em fungao das nossas necessidades-aspiragoes sempre mais fundas e amplas se devera orientar-exercer a educagao, considerando-se seja o mundo que nos envolve seja todos e cada um de nos - a nossa mentalidade e atitude86.

Mas, portanto, somente em tal ambito ou em fungao de tais variaveis, devera ser, entao, entendido e orientado o necessario processo educacional-pedagogico e/ ou pedagogico-didactico: seja sistematica-motodologicamente (em fungao da perspectivagao ontologica-axiologica) seja trans-sistematica-trans- metodologicamente (em fungao da perspectivagao ontica-espiritual) .

O processo sistemdtico-metodologico

Se a educagao, como processo, deve ser sempre dominio adequado de objectivosetecnicas,assimseespecfficacomodomuiiopedagogicoe/ou pedagogico- didactico87. Mas se a pedagogia, deste modo, nunca e, como tal, um fim mas um meio,em/porsimesmasempreosera.E,assim,noquerespeitaqueraperspectivagao ontologica-axiologica (I9 momento do processo pedagogico-didactico) quer a perspectivagao ontica-espiritual (2g momento do mesmo processo). Mas, assim, tambem, e, para tanto - considerando o que nos envolve como todos e cada um de nos no que se refere seja ao que nos transcende seja ao que de nos proprios pode/ devedepender...88

82nil81;305 83 m 233; 257 84 in 233 85 HI 185; 521; 129; 358 86 H 384 87 1 226 88 III 9-10; 350; 352; 406

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Educagdo - Pedagogia e Metaffsica em Delfim Santos 159

Comegando por considerar o primeiro momento do processo pedagogico- -didactico, impoe-se-nos comegar tambem por ter em conta que se, a tal nivel, o educando ha-de comegar por ser orientado, em fungao do meio envolvente, assim tambem, na/pela mediagao deste, ha-de ser entendido, em fungao do seu perfil humano proprio: arespectivatipologia/caracterologia...89

No envolvimento da materia, da vida, da consciencia e do espirito, como estratos existenciais do Universo, se assim se devem especificar-categorizar as varias e/ou atinentes determinagSes ontologicas-axiologicas, comodomihios multiplos e especificos de saber-cultura, tambem assim devem ser considerados-entendidos, sistematica-motodologicamente90. Mas, entao, ede modo imediato, o que se afirma datotaUdade/diferenciagaodocomplexoexistencialquesempieenvolveedetermina/ condiciona o homem, o mesmo se ha-de afirmar dele proprio, a partida e a chegada. . . E, assim, em fungao da totalidade essencial-existencial em questao, enquanto a todos os estratos indicados serelacionae/ou a todos integra, emcorpo-personalidade inconfundivele/ouintransferivel...91

Neste contexto, se por um lado nao podem identificar-seobjectiva- metodologicamente as ja designadas ciencias da materia e do espirito92, tambem nao poderao ser tratadas-compreendidas , do mesmo modo, a ciencia e a antropologia93. . . Com efeito e se, por tal nao ser visto e respeitado, aqui incidiu, para D. S., o maior erro da Escola Ocidental, designadamente, sobre o Positivismo, aqui, e, a partida, portanto, deve incidir tambem sobre o nosso tempo todo o afinco da nova Escola. E, por isso, estadeve ser uma Escoladetrabalho e/ou de autenticidade experimental em fungao do educando, o que tanto significa, dasuaespecificidade sempre indivisa e/ouintransferivel.Eaqui,comoD.S.bemoexpressa,naoenquantoerigorosamente a escola descobre e/ou operaacrianga, mas enquanto esta, simeimpreterivelmente, na/pela escola, se descobre/opera a si propria94. Mas, entao, e por isso mesmo, em fungao quer imediatamente do espirito objectivo e pessoal95, e, como tal, sistematico- metodologico, quer mediatamente e/ou do espirito trans-objectivo e trans-pessoal, e, assim, trans-sistematico-trans-metodologico: ali, considerando a Antropologia ou Antropologia-Caracterologia,aqui,aMetaffsicaouFilosofiaFundamental.

O processo trans-sisterndtico-trans-metodologico

Essencial ou ontica-espiritualmente, a educagao, como processo, deve ser tambemdominio atinente de tecnicas ou domfnio pedagogico-didactico - o domfiiio especifico, para D. S., da «Nootecnica»96. Mas, adequadamente e entao, se ha-de especificar como dominio trans-objectivo-trans-subjectivo, e, como tal, trans-

89 III 148; II 397 90 n 477 91 n 82; 83; m 130; 136; 254 92 III 10 93H 490; III 185 94 ffl 10 95 m 131 96mi82;183

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160 Revista Portuguesa de Filosofia

sistematico e trans-metodologico. E... para ai devera ser orientada a pedagogia considerando-se seja a realidade seja o espirito. Com efeito nao « ha correlagao delimitante entre pensamento e realidade. Aquele 6 mais vasto do que esta e esta mais vasta do que aquele»97. No entanto, se, de si, «indiferente», «nao pode estar a realidade subordinada aos - nossos - artificios»98, e, porem, «a essencia do pensamento (...) intencionalidade (...) de algo»", em «aprofundamento dapropria interrogagao que e, essencialmente, o espirito humano»100!

Assim, no sentido da realidade, o que tanto significa, da transcendencia, todo o esforgo educacional e pedag6gico ha-de orientar-se ao nivel da imergencia existencial para o da emergencia essencial; no sentido do espirito, devemos mover- nos do piano da conf ormagao estrutural e significativa para o piano da intuigao e criatividade puras . . .

Se «o homem pretende libertar-seda inseguranga, pretende compreender-se, aprendendo, e, quanto mais fundo sente esse estado de ignorancia, mais intensiva e a sua tentativa de perscrutar o nao saber»10 K Por isso mesmo, devera a f inalidade da escola ser bem diferente da actual. «A sua finalidade e ajudar os homens, tornando-os capazes de se servirem do que la aprenderam, para, por si compreenderem o que lhes nao f oi ensinado, nem mesmo poderia ser ensinado»102.

Entretanto, tal se tomara apenas possivel, em fungao do potencial de diivida, epoche , interrogagao, revolta, reflexao, como, e proporcionalmente, pela capacidade- exercicio de silencio, recolhimento, interioridde, ironia: as vias atinentes, por imprescindiveis, da abertura-interpelagao ontica-espiritual103, enquanto, fungao, portanto, da transcensao/emergencia, do processo sistematico-metodologico, para o processo, afinal, transistematico-transmetodol6gico.

Mas, neste contexto, se assim entendemos, por conseguinte, acorrelagao dos momentosexistencialeessencialdoprocessoeducativo,adequadamenteentendemos, tambem, a correlagao educador e educando, enquanto e entao se definem como os intervenientes atinentes, por imprescindiveis, do mesmo processo.

Momentos e inten>enientes na educaqao

Os momentos existencial e essencial

Face as perspectivas indicadas - a ontologica/axiologicae a ontica-espiritual; aquela, enquanto, sistematica-metodologica, esta,transistematica transmetodologica - classificamos os correspondentes momentos dorespectivo processo educacional/

97 II 142 98 1 310 99 1 309-310 100 II 233 101 III 182 102 III 181-229 103 IE 191; 192; 310; 8

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Educagdo - Pedagogia e Metafisica em Delfim Santos 161

pedagogico: o primeiro como existencial e o segundo como essencial - e, assim, como momentos extremos, sebemque tao identificados quanto interdependentes!

Deste modo, comegando por considerar o primeiro, e o processo educacional/ pedagogico fimgaodeadequa9aoao<<espMtoobjectivo>>,comodomuiioestabelecido do saber-valorar-agir: o domuiio tal qual, da «cultura estabelecida»104; considerando o segundo, e, correlativamente, o processo educacional-pedagogico fiingao, do nao- -saber/nao-valorar/nao-agir e/ou in-por-saber/in-por-valorar/in-por-agir: a postura adequada da sageza socratica, como da pedagogia guru. E, assim, enquanto, e aqui, para alem, portanto, dos homens e das epocas, o «saber-do-nao saber e situagao radical que nao so poe em diivida a objectividade do que se sabe, mas inicia a meditagao das condigoes que toda a objectividade requer»105. E e assim que Socrates chega a conclusao de que merecia, de facto, ser considerado, de todos o mais sabio, tal como o proclamara o oraculo106! Por isso, para D. S., a exaltagao socratica assim se equivale, neste mesmo contexto, a exaltagao dos mestres de sabedoria orientais. Com efeito, para estes e na sua interpretagao, «o conhecimento supremo refere-se a ultima realidade que e o f undamento de todas as artes e de todas as ciencias», «ponto culminante da sabedoria»107, coroamento da pluralidade pela unidade, da heterogeneidade pela totalidade, em fungao da ironia e da sageza108.

E, aqui, e, nesta compreensao/vivencia, e clarividente, por motivador, o que D. S. refere no Prefacio a «Ele e o outro» de Hermann Hesse: «Eis o fulcro central da sua obra: a alternancia da luta entre a vida e o espirito, o demoniaco e o divino, a bipolaridade real e simbolica que anseia pela unidade, aquela unidade nao frenetica mas pratica, que anuncia a sageza de Lao-Tse, de Confucio, de Bahgavad-Gita, dos proverbios de Dschuang Dsi e das parabolas de Jesus - unidade que cada um pode encontrar dentro de si erh momentos de graga ou de desgraga»109. E convindo, assim, que da estirpe de tais pensadores, e, de facto, Hermann Hesse, cita, ainda, D. S., com Otto Engel, «na tradigao ocidental, Heraclito, Nicolau de Cusa, Giordano Bruno, Hegel e os romanticos», concluindo: «mas a grande fonte de revelagao f ormativa f oi a antiga sageza oriental, hindu e chinesa, propiciadorada compreensao proftmda do cristianismo»110! . . . Por isso, e. . . em fiingao da sabedoria, como veiculo da realidade, em culminancia, se nao deixa de realgar como «o yoga ensina a arte de concentragao (...)», nao deixa de nos recordar, tambem, qual, entre os Bramanes, o lugar e a importancia do estudo, enquanto previlegio unico dos membros «pertencentes aprimeiraclasse»,queaele«consagramavidainteiramente» m!

Em todo o caso, existencialmente, sempre partimos da primeira perspectiva - odomMoontologico-axiol6gicoe/ouculturaldadoouestabelecido;essencialmente,

104 U 448; 489 105 1 285 106 n 448; 350; HI 53; 54 107 El 289 108 III 350; 289 109 in 476 110 IE 476 111 IE 289

11

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162 Revista Portuguesa de Filosofia

dirigimo-nos, como, radicalmente, partimos, para a (e da) segunda perspectiva - o dominio ontico-espiritual, e, como tal, in-pre-pro-cultural... E se assim, portanto, considerando o que nos envolve, assim, identicamente, e, sempre, primordialmente, considerando-nosan6sproprios,emtotalidade/ambiguidade...

Face ao dominio ontologico-axiologico, e, considerando o educando, ja, ai, deve prezar o processo pedagogico-didactico, nao a experiencia mas a «experiencialidade», nao a certeza mas a duvida e/ou a interrogagao, nao o adestramento mas a aprendizagem e a «aptagao»112. Por isso e encarando-se a civilizagao como dominio de saber-agir acumulado e como complexo tecnologico alcangado, entender-se-a a cultura, mesmo atalnivel, como saber-valorar-agir... a descobrir-intuir-viver113... E se, ja ai, devera entender-se a educagao, como «o acordar da actividade interrogante, que so a aprendizagem desperta»114, em tal devera consistir, efectivamente, o papel e o valor da aprendizagem! E, sobretudo, e tambem, jaentao, devera ser o mais importante «a f ormagao da personalidade»1 15, como «finalidade imanente ao proprio ser humano... apto para serhomem... para desenvolver as suas aptidoes...»116, sempre caracterologicamente tipicas e/ou intransferiveis117!

Mas, se assim no primeiro momento, assim, por maioria de razao, no segundo, que, como tal, prende-justifica, particularmente, no todo do seu pensamento- -mensagem cultural, a atengao-dedicagao de D. S. Neste, ha-de a correlagao pedagogia-educagao (sempre visando o educando. . .), determinar-se, radicalmente, em fiingao do espirito trans-objectivo dominio de nao saber/nao-valorar/nao-agir e/ ou de saber-de-nao-saber/agir-de-nao-agir, o mesmo e dizer, de propulsao radical e/ou genesiacade todo o saber-agir118. Por isso e atalnivel - na/pela epoc/ie mais exigente, sejadoquenos envolve sejadecadaumdenos - assimnos moveremos, no ambito daexperiencialidade pura: o dominio da verdade e do valor, como tais, o que tanto significa, o dominio mais exigente da perplexidade-angustia e/ou da interrogagao como tal. Por isso, so a tal nivel nos moveremos no ambito e/ou horizonte de intuigao-visao-vivencia, o mais genuino, por mais livre e criador:

n2ffl233;n287 113 HI 356; 357 114 m 257 115m 181; 102-103 116 III 233 1 17 III 233. Por isso, se «O grande problema social do nosso tempo consiste em colocar cada

homem no seu devido lugar»(III 45), tambem, entao, «A educasao nao transforma os homens, descobre-os, o que vale muito mais», volvendo,assim, «o mais importante dos problemas a considerar nos nossos dias» (III 67)! E, por isso mesmo, se, por um lado, a «Educac,ao consiste apenas em ' levar o homem a ser homem' , por outro, «O que a pedagogia pretende e que

* tal homem' seja realmente 'tal homem', sem interesse de que ele se assemelhe, ou seja identico a tal outro homem proposto como modelo. Outro qualquer interesse nao pode servir a pedagogia» (II 426).

118ni 351; 355; 356; 373; 443

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Educagdo - Pedagogia e Metafisica em Delfim Santos 163

domfnio radical da cultura ( Ausbildung) 1 19, o mais promissor e esperangoso, por isso mesmo, ao coragao do homem120, e/ou, correlativa-coerentemente, e assim, atinentemente, portanto, ao coragao do educando!

E. . . e, este, autenticamente, o nivel, afinal, do santo, do filosofo, do artista, que, «segundo Nietzsche, sao - na citagao de D. S. - o mais alto que os homens, no seu permanente esforgo ascensional podem atingir». . . 121

Os intervenientes adequados

Posto isto, considerando o primeiro momento, e sempre em fungao do educando122, poderao-deverao ordenar-se, como itens do processo de aprendizagem: NECESSIDADE- MOTWAQAO- INTERESSE- APRENDIZAGEM123,o que, sempre, e, a partida, se processa, no sentido de se aprender «o que se sabe»124. Considerando o segundo momento, podera-deveraconstituir asequenciado mesmo processo: PERPLEXIDADE- ANGUSTTA- IRONIA- CRIATIVIDADE125, no sentido, afinal e correlativamente, de aprender «o que ainda se nao sabe»126. .. E assim, portanto, em todos os dominios que envolvem o homem, como, primacial/ fundamentalmente, no que respeita a si mesmo.

Considerando o primeiro momento e os respectivos intervenientes, nao pode ser ja, ai, o educador que conta, mas o proprio educando, e assim, portanto, sempre e ja, a partir do ensino infantil, como D. S. refere, analisando M. Montessori127. Considerando o segundo momento, e, assim, proporcionalmente, nem o educador nem o educando ja ai figuram. . . A tal nivel, toda a aprendizagem, para o ser, deve exercer-se, em fungao do que, em absoluto, e, perenemente a ambos transcende (educador e educando) como a ambos fundamenta e da sentido...

Bern entendido, se e isto que, afinal, D. S. pretende, pessoal, interpessoal como socialmente, outra coisa tambemnao pretende ao projectar seja a nova Escola seja, sobretudo, a nova Universidade. E, aqui, e, agora, quanto nos parece atinente, por actual, considerando, paritcularmente o momento cultural e educacional- pedagogico portugues, relere ter emconta toda a sua atinente leflexao-perspectivagao e respectivos trabalhos. E se, por nos parecer imprescindivel, nao deixaremos de referir, ja, singularmente, «Linha Geral da Nova Universidade», deste mesmo trabalho, nao deixaremos, tambem, de destacar: «Demorar-nos-emos a tragar, com certa minucia, o piano especial da Faculdade de Filosofia, escola que, para quern tiver cultura actualizada e perfeita intuigao da vida espiritual, devera ser a alma da Universidade.»128. .. E, assim, enquanto «Seria o nucleo propulsor da Alta Cultura e

119 II 384 120 n 384; IH 253 121 HI 148 122 m 8i 123 m 9-10 124 m 10 125 ni 9-10 126 in 10 127 HI 131 128 H 380

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164 Revista Portuguesa de Filosofia

o centro coordenador de toda a acgao especulativa e tecnica»129; centro coordenador, como, fundamental/perenemente, axial, de toda a cultural Com efeito, por um lado, «com a palavra cultura queremos significar que o estudo deve abranger todos os aspectos da vida dos povos a que se refere», por outro, e, para tanto, «A cultura e sempre cultura do espirito no seu aspecto integral. Os Alemaes tern a palavra Ausbildung, que exprime o que pretendemos . . . » 130. E, dai, portanto, o entendimento e o correlativo papel e lugar da filosofia nas Escolas, como, particular/adequadamente, na Universidade... ou seja, portanto, face aos grandes momentos da cultura e ao correlativo/adequado processo educacional e/ou educacional pedagogico como, e, assim, tambem, apodicticamente, quer enquanto, «A autentica cultura e por natureza filosofica», quer enquanto «o filosof o seria o mantenedor da possibilidade de cultura no espirito humano»131.

Face, por conseguinte, aos momentos indicados, considerando o primeiro, e, assim, em fungao da existencia e do conhecimento/ /sentimento/acgao, e a educagao, como tal e para tanto, f undamento e sentido imediatos de toda e qualquer pedagogia132. Considerando o segundo e assim em fungao da realidade/ser e do pensamento/ /espirito, e ela, tambem, e, entao, radicalmente, dominio identico.

Paralelamente, face ao primeiro momento, sao e/ou devem ser, sempre em fungao do educando, vida e existencia indissociaveis. . . Com efeito, «O homem nao aprende apenas para viver, mas para existir, e existir nao e apenas viver»133.

Mas, em todo o caso, se face ao primeiro momento, a educagao e/ou educagao-pedagogianuncapoderaoudeveraserdommiodemeradidactica134emuito menos ummais simples oumais complexo processo administrativo135 ou judicial, por separatista ou condenatorio (regime de exame) do educando136, face ao segundo, nunca , em absoluto, o devera ser... Por isso e aqui, particularmente, se sempre deveria poder o discipulo escolher o Mestre, tambem, correlativamente, deveria poder escolher, este, aquele... E o compromisso mutuo, assumido, seria, entao, genuina-autenticamente cultural e nao ja administrativo, nem mesmo, apenas escolar...137. E que «o fundamental, na universidade, e a formagao da personalidade»138. E assim, enquanto, « A nova Universidade sera uma escola de trabalho e tera como unicos meios de selecgao aqueles que ponham a prova, nao o peso de um saber morto, mas o espirito de iniciativa, de critica, curiosidade e inquietagao pelos problemas do espirito»139. Por isso, como espago de trabalho e de convivio, sera/devera ser, autenticamente, a universidade ambiente de criatividade e de inovagao, no saber como no agir, em fungao da personalidade e/ou das potencialidades mais ineditas e promissoras do homem e do estudante, aluno ou

129 II 386 130 n 384 131 IE 445 132 m 66 133 II 440 134 ffl y 135 ffl 8 136 III 8 137 n 388; IE 212; 59 138 HI 216 139 H 389

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Educagdo - Pedagogia e Metafisica em Delfim Santos 165

professor, e, sempre, necessaria como coerentemente, mais deste que daquele. . . na f orja, ao fim e ao cabo, do saber e/ou saber-sentir-agir, e/ou, em ultima analise, da personalidade 140. Por tudo, constitui, a Pedagogia, para D. S ., «uma ciencia radical (...) base de todas as ciencias, e de que todas (...) sao oriundas na especializagao do acto de apendizagem14 *; acto, este, tao decisorio e imprescindivel, que, entao, e, rigorosamente, «Nao se aprende a viver, mas vive-se aaprender», seja, aprendendo, seja, afinal e coerentemente, por maioria de razao, ensinando142 - nao em fungao de compartimentos, mas da ambiguidade total e fecunda... entre o ser e o sendo... este e aquele, na/pela imanencia/mediagao do espirito, dada a sua «lei imanentista e totalista», a sua «virtude totalizante»143.

Concluindo e tendo em vista, portanto, quer a perspectiva ontologica- axiologica ou existencial, e como tal, sistematica-metodologica quer a perspectiva ontica-espiritual ou essencial e, assim, trans-sistematica-trans-metodologica, se e, sempre, a educagao, fungao da antropologia144, e, em ultima analise, da metafisica145, e, entao, e assim, sempre, a pedagogia, fungao da educagao... Pelo que, tambem, e, consequentemente, e esta, existencial ou historicamente, como essencial ou perenemente, fundamento e sentido da pedagogia! ...

3. 0 Espirito: fundamento e sentido da educagao-pedgogia

Fungao, em ultima analise, dos extremos, assim se especifica, portanto, a antropologia, sistematica/metodologicamente, numa primeira perspectiva, e, assim, a partida e a chegada, como dominio existencial, e, como tal, historico. Mas, entao, e, para tanto, trans-sistematica/trans-metodologicamente, especifica-se, numa segunda perspectiva, e assim, em absoluto/perenemente, como dominio essencial. . . Correlativamente, o que se afirma da antropologia afirmar-se-a, tambem, da educagao e/ou da educagao/pedagogia.

Nesta compreensao, e, como Delfim Santos bem o demonstra, sempre se define,ohomem,no/peloseutodoexistencial-tetradicode<<materia,vida,consciencia eespMto>>,constituindo,este,imprescindivelmente,aleidoseutodo,chave, portanto, da sua personalidade146; em absoluto, e para tanto, perspectiva-se, primordial/ radicalmente, como dominio dual de realidade/ser e de pensamento/espfrito dommio situado,como tal, antes/para alemda personalidade detodosecadaumdenos147...

Assim sendo, a nivel da realidade e do espirito, e, assim, por conseguinte, essencialmente, se constitui a realidade, dominio defundamentagao, especifica-se o espirito, como dominio de sentido-mediagao. E se, deste modo, nunca podera a

140m 181; 185; 216; 219 141 m 182 142 IE 183 i43l 32 144 m 89 145 HI 250-251 146 ffl 522; 1 32 147 ffl 323; n 142; 1 309; 310

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166 Revista Portuguesa de Filosofia

realidade, patentear-se-nos, sempre e apenas, no/pelo espirito, podera o homem, perscmta-la148. Com efeito, se bem que, sempre dominio de misterio149, existencialmente, nao deixa ja o espirito de integrar a nossa estrutura humana especificando-nos assim como dominio de personalidade. . . 150 E, por isso, se bem que tambem sempre em angustia15 \ so na medida em que o homem mediar/viver a sua interioridade/espiritualidadevislumbrara/poderamediarapropriarealidade152...

Em todo o caso, se, no/pelo espirito - «realidade de compreensao, de amor, de generosidade (...)»153 - radica e se significa com autenticidade o misterio/ decifragao do homem como existente.. . para ele, portanto, devera orientar-se toda a educagao, como, correlativamente, toda a pedagogia154. De resto, e, insistimos com D. S., se, apenas na/pela sua mediagao, poderemos mediar-nos, no todo da nossa personalidade, como, portanto, e, para tanto, a propria realidade, sem educagao e/ou educagao/pedagogia, o seu signif icado/vivencia sera sempre, para nos,meramitfficagao...155sebemque,emultimaanal^eouemabsoluto/perenemente, sopre, ele, de onde, para onde e como entenda!...156

Pelo exposto, se assim avulta o sentido de totalidade a envolver e a significar, autenticamente, o homem, assim tambem sobreleva o seu sentido de ambiguidade - E, deste modo, na/pela evidenciagao, por conseguinte, quer da perspectiva

148 II 142 149 III 148 150 1 259 Nas palavras de D. Santos, «os ingredientes fundamentalmente constituintes do

homem, no piano individual, sao a materia, a vida, a consciencia e o espirito. Esta tetralogia, de per si, faz surgir no universe algo de novo e de unico: a pessoa» (I 363). «A personalidade e, por sua vez, um valor que tern o espirito como veiculo da sua expressao (...). A unidade do ser materia- vida-consciencia representada na escala animal, revela-nos o individuo, mas nao a personalidade. (...) A consciencia, no homem, e um suporte e nao um coroamento: e a portadora do espirito» (1259) Inclusive, enquanto «A consciencia separa o espiritounifica (...)» (I 258) no proprio, como com todos e comtudo (I 258-259)... enquanto «a mais intensa forma deuniversalidade que domina o homem», na proporcao adequada,em que assim e e lhe confere «poder de libertacao» (1 250;266)

151 II 158 152 II 142 153 HI 522 154 III 148; II 154; 150; 1 60 Entendido,o espirito, em doissentidos:o«objectivo», enquanto

«constituido pelas formasde vida presentes e em formacao, nas quais 'vivemos esomos' (1 263), e em fun^ao do qual se forma o «espiritopessoal» (I 263); o «transobjectivo», «transcendental» (1282-283), enquanto «condufao dohomem a visionar horizontes, para alem ou aquem de si, convite premente a conquista do fogo aos deuses, isto e, do espirito, para com ele se refazer, em correc^ao da epimeteica caricatura que ele representa na natureza» (III 147), e em funcao do qual o espirito em nos aparece «como regiao da liberdade, sem, como tal, poder ser apreendida por qualquer esquema» (1272), ou seja, portanto, «fora do tempo e do espa9o» (I 272)!

155 jjj ^g «Educa£ao e espirito sao o principio e o fim do homem. Educa9ao sem espirito e macanico adestramento; espirito sem educagao e fogo de artificio fugazmente a iluminar a escuridao que permanece» (III 148). 156 jjj ^g k<q eSp£rito sopra de onde quer e nao se sabe para onde. E esta a sua grandeza, e esta a sua missao» (III 148)

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Educaqdo - Pedagogia e Metafisica em Delfim Santos 167

essencial e/ou essencial-existencial, na incidencia da fundamentagao quer da perspectivaexistenciale/ouexistencial^ssencial,naincidenciadaintencionalidade- -sentido...157 - Momentos,porlmido,desitaoirredutiveisquantoindissociaveis,face a compreensao/vivencia do homem. Mas, assim, tambem, enquanto, considerando o primeiro - e na perspectiva da fundamentagao - dele dependemos a chegada, como dele sempre comegamos por depender a partida; como, considerando o segundo - e na perspectiva do sentido - e ele de nos tambem dependente, se nao a partida, sempre pelo menos, a chegada...158 E, daqui, a necessaria e coerente compreensao do homemcomo dominio total e/ou de ambiguidade.. . antropologica, como, correlativamente, educacional-pedagogicamente no ambito, seja da fundamentagao e sentido radicais darealidade/ser edo pensamento/espirito, seja da fundamentagao e sentido imediatos da existencia/sendo e do conhecimento/ sentimento/acgao: ali,trans-objectivacomotrans-metodologicamente; aqui,portanto, objectiva como metodologicamente. Mas, de qualquer modo, sempre e/ou em absoluto, em fungao do espirito ou na/pela sua mediagao e assim em transcensao e/ou conversao/reconversao permanente159! Com efeito, se, essencialmente, ou, como tal, a realidade, em absoluto, se nos escapa, como, de resto, o espirito, existencialmente, a par da materia, da vida e da alma ou psique, o espirito, identicamente nos integra e assim se nos faculta! ... E, so, na/pela sua mediagao se nos toma possivel, imprescindivel, porque radicalmente, portanto, anossarealizagao e/ouexistencia160.

E podemos concluir. Face a realidade e aexistencia, constitui o espirito, por conseguinte,dominiodefmitoriamentemediunico.Mastambeme,entao,seespecffica^ enquanto tal, como dominio de fundamento e de sentido. .. seja do homem e/ou da antropologia seja da educagao e/ou da educagao/pedagogia16 1. . . E em todo o caso, existencial ou historicamente, como e, para tanto, essencial ou metafisicamente, como, porconelagao, essencial-existencialmente, e, afinal, existencial-essencialmente - assimsenosfacidta/impoeatotaUdade/am portanto, nos caracteriza, especifica e... realiza! Em fungao, sempre, por conseguinte, e/ou, em ultima analise, da realidade/ser como tal. E assimna proporgao emque, se, porum lado, e o pensamento/espirito «intencionalidade» para arealidade162, tambem por outro e apenas, na/pela sua mediagao, esta se vislumbra em transcensao constante, entre ser e sendo, realidade determinada e indeterminada... angustia e fascinio do insondavel e do misterio! Ambiguidade catartica e realizante: entre a realidade que chama por nos... e o espirito que, perscrutando-a/mediatizando-a... assim nos especifica, unif ica e define como humanos 163 ! A postura, ela mesma, do

157ini61;I421;31;II416 158 IH 324 159 1 421; 32; H 416 160 1 32; in 359-350; III 147 161 1 337; m 147 162 1 309-310 163 1 421; 253; 273; 259

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168 Revista Portuguesa de Filosofia

homemculto e, assim, autentico: sage talqual, «fermento indispensaveldacultura», que sempre e apodicticamente «so existe quando se busca a sua fundamentagao originaria»164!

Reflexao Final

Por tudo, existencial/historicamente, e sempre, o homem dominio de educagao165,peloqueejaatalnivel,pedagogiaeeduca9ao,sao,desi,inseparaveis166. Mas, sendo assim, e nesse sentido, inseparaveis prioritaria, porque transcendentalmente167, na raiz e na perenidade168, sao tambem169 - enquanto, sempre e afinal, e o «sendo» fungao do ser170, o espirito fungao do espirito171!

Nesta compreensao172, se o ser/realidade, como tal, e para connosco «indiferente»173, enquanto, nasuaessenciasempre senos esconde174, o pensamento/ espirito, como «visao do invisfvel»175, em nos e por nos, sempre por ele/ela se pergunta, em identica proporgao176, mesmo quando por si proprio se pergunta177: luz/ energia, afinal178, que, especificando o homem179 e cada homem180 assim o potencia e define, em ultima instancia, em alento de «perplexidade» e de «admiragao»181, como mediador de si e do mundo182, do relativo e do absoluto183 - adequadamente, na proporgao do que depende de si, como, em ultima analise, do que o ultrapassa e transcendentaliza184... em revival/arrebol perene... por imparavel... em transcensao185!...

Tematica/aporetica, esta - «Educagao-Pedagogia eMetafisicaemDelfim Santos» - fecunda/realizante,porempatica/axial186...assimexige,emtotalidadee parauma fenomenologia/hermeneutica fiel ao pensamento de D. Santos, o tratamento integrante e mesmo imprescindivel, seja da relagao «Educagao-Antropologia e Metafisica», seja, emultimidade, darelagao «Educagao eMetaflsica». Entretanto, e... por nos... fica a disponibilidade e a promessa!

MANUEL GUEDES DA SUVA MIRANDA

164 III 357; 356 165 III 443; 282 166 m 283 167 1 283 168 1 282; 283; E 105; 109; 121 169 III 147 170 1 229; 227; II 32 171 II 358; 1 232 172 1 259; 32; III 147 173 1 310 174 1 145 175 1 248 176 1 309-310 177 1 315 178 II 325 179 II 360 ] 180 1 253 181 1 226; 245 15ZHI497 lwm222 154 1 285; H 200; 201; 205 185 II 351; HI 518-519; HI 147; 1 315 186m 147-148; 1 221; II 306

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Resumo

No ambito dos principals trabalhos de Delfim Santos bem que, na totalidade da sua mensagem, contextuamos a nossa reflexao em tres proposi9oes: «A pedagogia - o educando: ser essencial- existencial»; « A educac^o: fundamento e sentido da pedagogia»; «O espirito: fundamento e sentido da

educa^ao e dapedagogia». Deste modo, naprimeira proposi9ao, posicionamos o homem, no contexto

pedagogico-educacional. Na segunda, movemo-nos na ambiguidade ontologica-metafisicae sistematica- trans-sistematica; e, assim, se come9amos por evidenciar, no processo educative os momentos essencial e existencial, concluimos pelos respectivos intervenientes. Na terceira, conotamos arealidade e o espirito, como dominio metafisico da educa9ao e da pedagogia.

Na triade das proposigoes , sobrelevamos , na primeira, o homem como termo de media9ao, na

segunda, a educa9ao e na terceira, o espirito, concluindo poreste ultimo, como termo medio fundamental e, assim, metafisico, da educa9ao e da pedagogia, em Delfim Santos.