educação omnilateral - frigotto

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Educação omnilateral Gaudêncio Frigotto Omnilateral é um termo que vem do latim e cuja tradução literal significa “todos os lados ou dimensões”. Educação omnilateral significa, assim, a concepção de educação ou de formação humana que busca levar em conta todas as dimensões que constituem a especificidade do ser humano e as condições objetivas e subjetivas reais para seu pleno desenvolvimento histórico. Essas dimensões envolvem sua vida corpórea material e seu desenvolvimento intelectual, cultural, educacional, psicossocial, afetivo, estético e lúdico. Em síntese, educação omnilateral abrange a educação e a emancipação de todos os sentidos humanos, pois os mesmos não são simplesmente dados pela natureza. O que é especificamente humano, neles, é a criação deles pelo próprio homem (Mészáros, 1981, p. 181). [SS1] Comentário: Nas ref. só tem Mészáros, 1979 e 2002. [L2] Comentário: conferir modificação Esse desenvolvimento que se expressa em cada ser humano não advém de uma essência humana abstrata, mas é um processo no qual o ser se constitui socialmente, por meio do trabalho; é uma individualidade – e, consequentemente, subjetividade – que se constrói, portanto, dentro de determinadas condições histórico-sociais. Por isso Marx define a essência humana, na sexta tese sobre Feuerbach, como sendo o conjunto das relações sociais (Marx, 1988). E, com base nesta compreensão, Gramsci (1978) sublinha que a humanidade que se reflete em cada individualidade é expressão das múltiplas relações do indivíduo com os outros seres humanos e com a natureza. Assim, a língua que falamos, os valores, sentimentos, os hábitos, o gosto, a religião ou as crenças e os conhecimentos que incorporamos, não são realidades naturais, mas uma produção histórica. São os seres humanos em sociedade que produzem as condições que se expressam no seu modo de pensar, sentir e de ser. Tal compreensão de ser humano é o oposto da concepção burguesa centrada numa suposta natureza humana sem história, individualista e competitiva, na qual cada um busca o máximo interesse próprio. Pelo contrário, pressupõe o desenvolvimento solidário das condições materiais e sociais e o cuidado coletivo na preservação das bases da vida ampliando o conhecimento, a ciência e a tecnologia, não como forças destrutivas e formas de dominação e expropriação, mas como patrimônio de todos na dilatação dos sentidos e membros humanos. Sendo o trabalho a atividade vital e criadora, mediante a qual o ser humano produz e reproduz a si mesmo, a educação omnilateral o tem como parte constituinte. Por isso, Marx, ao referir-se aos processos formativos na

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Artigo sobre Educação Omnilateral

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  • Educao omnilateral

    Gaudncio Frigotto

    Omnilateral um termo que vem do latim e cuja traduo literal significa todos os lados ou dimenses. Educao omnilateral significa, assim, a concepo de educao ou de formao humana que busca levar em conta todas as dimenses que constituem a especificidade do ser humano e as condies objetivas e subjetivas reais para seu pleno desenvolvimento histrico. Essas dimenses envolvem sua vida corprea material e seu desenvolvimento intelectual, cultural, educacional, psicossocial, afetivo, esttico e ldico. Em sntese, educao omnilateral abrange a educao e a emancipao de todos os sentidos humanos, pois os mesmos no so simplesmente dados pela natureza. O que especificamente humano, neles, a criao deles pelo prprio homem (Mszros, 1981, p. 181).

    [SS1] Comentrio: Nas ref. s tem Mszros, 1979 e 2002.

    [L2] Comentrio: conferir modificao

    Esse desenvolvimento que se expressa em cada ser humano no advm de uma essncia humana abstrata, mas um processo no qual o ser se constitui socialmente, por meio do trabalho; uma individualidade e, consequentemente, subjetividade que se constri, portanto, dentro de determinadas condies histrico-sociais. Por isso Marx define a essncia humana, na sexta tese sobre Feuerbach, como sendo o conjunto das relaes sociais (Marx, 1988). E, com base nesta compreenso, Gramsci (1978) sublinha que a humanidade que se reflete em cada individualidade expresso das mltiplas relaes do indivduo com os outros seres humanos e com a natureza. Assim, a lngua que falamos, os valores, sentimentos, os hbitos, o gosto, a religio ou as crenas e os conhecimentos que incorporamos, no so realidades naturais, mas uma produo histrica. So os seres humanos em sociedade que produzem as condies que se expressam no seu modo de pensar, sentir e de ser.

    Tal compreenso de ser humano o oposto da concepo burguesa centrada numa suposta natureza humana sem histria, individualista e competitiva, na qual cada um busca o mximo interesse prprio. Pelo contrrio, pressupe o desenvolvimento solidrio das condies materiais e sociais e o cuidado coletivo na preservao das bases da vida ampliando o conhecimento, a cincia e a tecnologia, no como foras destrutivas e formas de dominao e expropriao, mas como patrimnio de todos na dilatao dos sentidos e membros humanos.

    Sendo o trabalho a atividade vital e criadora, mediante a qual o ser humano produz e reproduz a si mesmo, a educao omnilateral o tem como parte constituinte. Por isso, Marx, ao referir-se aos processos formativos na

  • perspectiva de superao da sociedade capitalista, enfatiza o trabalho, na sua dimenso de valor de uso, como princpio educativo, e a importncia da educao politcnica ou tecnolgica.1

    1 Com efeito, na literatura que analisa as concepes de educao e instruo na obra de Marx e outros autores marxistas, de forma recorrente, especialmente o trabalho como princpio educativo e a educao politcnica ou tecnolgica so tratados como dimenses da educao omnilateral. Ver, a esse respeito, Frigotto, 1984 e Souza Jnior, 2010.

    2 Cabe no confundir propriedade, como valor de uso, com a propriedade privada dos meios e instrumentos de produo com o fim de gerar lucro e acumular capital mediante a explorao do trabalho alheio. Como sublinha Marx, originariamente propriedade significa nada mais que a atitude do homem ao encarar suas condies naturais de produo como lhe pertencendo, como pr-requisitos da sua prpria existncia (1977, p. 85; grifos do autor).

    Outro aspecto a sublinhar que, como evidenciam vrias anlises de educadores marxistas, nem Marx e nem Engels se dedicaram especificamente a elaborar uma teoria da educao. Nem mesmo Grasmci, cujas preocupaes com a educao escolar so mais explcitas e reiteradas, teve esse objetivo. A questo da educao aparece, por um lado, na crtica sua perspectiva unilateral e restrita vinculada ao plano material objetivo das relaes sociais capitalistas fundadas na propriedade privada dos meios e instrumentos de produo,2 na diviso social do trabalho, e nos processos de expropriao e alienao que tais relaes impem, limitando o livre e solidrio desenvolvimento humano.

    Por outra parte, essas anlises apontam, ao mesmo tempo, para a necessidade de luta para a superao desse modo de produo e, no plano das suas contradies, de ir construindo o carter e a personalidade do homem novo, mediante processos educativos que afirmem os valores de justia, de solidariedade, de cooperao e de igualdade efetiva, e o desenvolvimento de conhecimentos que concorram para qualificar a vida de cada ser humano. Um conhecimento que concorra para abreviar o tempo dedicado ao trabalho como resposta ao reino imperativo das necessidades materiais e amplie o tempo livre, tempo de escolha, de possibilidade de criao e de humanizao. Por isso, uma das lutas centrais no interior da sociedade capitalista a da diminuio da jornada de trabalho.

    Os fundamentos filosficos e histricos do desenvolvimento omnilateral do ser humano e da educao ou da formao humana que a ele se vincula, na sua forma mais profunda e radical (que vai raiz), os encontramos nas anlises de Marx, Engels e de outros marxistas, especialmente Gramsci e Lukcs. Nestas anlises, fica explcito que at o presente momento os seres humanos viveram a sua pr-histria porque o desenvolvimento dos sentidos e das potencialidades humanas estiveram obstrudos pela ciso em classes sociais antagnicas e pela explorao de uma classe sobre as demais.

    A sociedade capitalista, sob a qual vivemos, constituiu-se mediante a superao das formas explcitas de explorao materializadas pela escravido e servilismo das sociedades precedentes, mas estatuiu uma forma mais sutil de expropriao do trabalho alheio mediante uma igualdade aparente e formal entre os donos do capital e os trabalhadores que vendem sua fora de

  • trabalho. Trata-se de uma sociedade que explora dentro de uma legalidade construda pela classe dominante e que se expressa no direito positivo por ela produzido.

    O balano de dois sculos de capitalismo mostra-nos toda a sua irracionalidade, com a apropriao privada do avano cientfico e tecnolgico como forma de gerar mais capital. A terra e o desenvolvimento do conhecimento, da cincia e da tecnologia, apropriados privadamente e colocados a servio da expanso do capital, voltam-se contra a classe trabalhadora e seus filhos e se afirmam dentro de uma lgica destrutiva. Alm disso, ocorre a destruio de direitos e das bases da vida mediante a agresso ao meio ambiente.3 Disso resulta uma contradio insanvel que se evidencia pelo aumento da misria e da fome, pela volta de epidemias, pela indigncia e pelo aumento da violncia e do extermnio dos pobres.

    3 Ver, a esse respeito, Mszros, 2002 e Altvater, 2010.

    [L3] Comentrio: conferir modificao

    [L4] Comentrio: conferir modificao

    As possibilidades do desenvolvimento humano omnilateral e da educao omnilateral inscrevem-se, por isso, na disputa de um novo projeto societrio um projeto socialista que liberte o trabalho, o conhecimento, a cincia, a tecnologia, a cultura e as relaes humanas em seu conjunto dos

  • grilhes da sociedade capitalista; um sistema que submete o conjunto das relaes de produo e relaes sociais, educao, sade, cultura, lazer, amor, afeto e at mesmo a grande parte das crenas religiosas lgica mercantil.

    A base objetiva da anlise da evoluo social e econmica e do homem como um animal social que se cria e recria pelo trabalho a encontramos em Marx, tanto em suas obras de juventude, especialmente nos Manuscritos econmico-filosficos (2004),4 quanto na sua maturidade intelectual, em O capital (2006) e no Grundrisse (1986). Na anlise da evoluo histrica, com o surgimento da propriedade privada e a subordinao do trabalho ao capital, este autor explicita-nos porque o desenvolvimento humano e a educao omninalateral esto limitados, constrangidos e mutilados.

    4 Uma anlise profunda, a partir dos Manuscritos econmico-filosficos, sobre o carter fundante do trabalho na constituio do homem como ser social efetivada por Lukcs, 2010.

    5 Essa sntese de Istvn Mszros (1971, p. 16) desenvolvida de forma detalhada e didtica ao longo de toda a obra que trata da teoria da alienao em Marx, destacando seus aspectos econmicos, polticos, ontolgicos e morais e educacionais.

    Com efeito, mediante a propriedade privada dos meios e instrumentos de produo, estabelece-se o impedimento da maioria dos seres humanos de produzir dignamente a sua existncia pelo seu trabalho em relao solidria com os demais seres humanos. O contingente de milhares de famlias dos trabalhadores sem terra experimenta, h anos, este impedimento, e sente em suas vidas os seus efeitos. Da mesma forma, os demais trabalhadores do campo, que vivem da pouca terra ou so arrendatrios e os da cidade, que vendem sua fora de trabalho ou que esto desempregados ou subempregados, produzem suas vidas de forma precria porque parte de sua produo ou de seu tempo de trabalho so expropriados.

    A propriedade privada constitui-se no fundamento de todas as formas de alienao. Separa e aliena o ser humano da natureza e do produto de seu trabalho; aliena-o de si mesmo, pois o que produz no lhe pertence, mas pertence a quem comprou sua fora e seu tempo de trabalho; aliena-o como membro da humanidade ou lhe exclui da condio humana e, finalmente, aliena-o em relao os outros seres humanos.5

    [SS5] Comentrio: Na nota, o autor cita Mszros (1971, p. 16); nas ref., as nicas datas para este autor so 1979 e 2002.

    Ao separar o trabalhador dos seus meios e instrumentos de produo de sua vida pela propriedade privada e tornando-o uma mercadoria fora de trabalho , o capital vai administrar essa fora de acordo com seus interesses

  • destinando a cada trabalhador uma parcela de sorte que possa extrair de cada trabalhador o mximo de produtividade. O advento de novas tecnologias, em vez de ser algo que beneficia o trabalhador, volta-se contra ele pela intensificao do trabalho e da explorao e ampliando o exrcito de reserva de desempregados e subempregados. Para grande maioria dos trabalhadores do campo, em vez de significarem novas possibilidades na melhoria da produo, as novas tecnologias resultam em sua expulso para periferias urbanas e na ampliao do latifndio. Por isso, torna-se, para a classe trabalhadora, uma questo vital abolir a propriedade privada e substituir o indivduo parcial, mero fragmento humano que repete sempre uma operao parcial, pelo indivduo integralmente desenvolvido (Marx, 2006, p. 552).

    Neste contexto, as questes centrais no campo educativo, seguindo as contribuies de Marx, Engels, Gramsci e Lukcs, e apropriando-as para nossos dias, so:

    . Quais os elementos educativos a serem combatidos, e quais devem ser reforados e incorporados, no conjunto das prticas sociais e nas instituies, que corroborem a construo da travessia para relaes sociais que permitam o reencontro com a humanidade perdida sob as relaes sociais capitalistas e possibilitem o pleno desenvolvimento no s dos cincos sentidos, mas tambm os assim chamados sentidos espirituais, os sentidos prticos (vontade, amor etc.), numa palavra, o sentido humano, a humanidade dos sentidos (Marx, 2004, p. 210)?

    . Qual o papel e funo especfica, no plano contraditrio do velho e de novo, da instituio escola nesta travessia cujo objetivo no se reduz emancipao da religio e da poltica dentro da ordem capitalista, mas da emancipao humana, cuja condio a sua superao?6

    6 Sobre a necessidade de ir-se alm da emancipao religiosa e poltica e buscar construir a emancipao humana, ver Marx, 2003 e 2007.

    [SS6] Comentrio: Na nota, o autor menciona Marx, 2003, que no existe nas ref.

    Tanto no plano das prticas educativas difusas que se efetivam em todos os espaos da vida em sociedade no trabalho, no esporte, nas atividades culturais, no plano das relaes familiares e nas prprias relaes afetivas quanto na instituio escolar, a tarefa daqueles que querem o

  • reencontro dos seres humanos com a sua humanidade cindida e perdida implica um combate sem trguas aos valores mercantis da competio, do individualismo, do consumismo, da violncia e da explorao sob todas as suas formas.

    Em contrapartida, cabe reforar a ideia da propriedade social e coletiva da terra e da cincia e tecnologia como valores de uso na compreenso de que uma individualizao rica somente se efetivar quando cada ser humano tenha uma mesma base material objetiva e subjetiva para seu desenvolvimento. Disto decorre o sentido da solidariedade e a cooperao em todas as esferas da produo da vida, assim como o sentido de justia. Este nos ensina que, por sermos todos animais sociais que no podem prescindir de produzir os meios de vida pelo trabalho cada um, de acordo com suas possibilidades e respeitando as particularidades da infncia, juventude, vida adulta e velhice, temos o dever de colaborar nesta tarefa.

    No mbito da educao escolar, cabe combater, inicialmente, a formao tanto bsica quanto profissional subordinadas fragmentao do processo capitalista de produo ou a viso unidimensional das necessidades do mercado. Ao longo do sculo XX, assumem papel central os herdeiros dos economistas filantropos a que se refere Marx, para os quais o significado da educao adaptar a formao dos trabalhadores s mudanas na diviso do trabalho: uma formao fragmentada e plurifuncional ou polivalente, fundada numa concepo de conhecimento que analisa a realidade humana de forma atomizada e que a reduz ao aparente mascarado como a mesma se produz.

    [SS7] Comentrio: conferir redao

    Os organismos internacionais, como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, a Organizao Mundial do Comrcio, e a Organizao Internacional do Trabalho, acolhem hoje os sucedneos dos economistas filantropos, que ditam para o mundo as reformas educacionais para formar os trabalhadores funcionais ao capital.

    Uma multiplicidade de noes explicitam, a comear pela de capital humano, a concepo unidimensional dominante de educao que, de direito social e subjetivo, passa cada vez mais a ser um servio mercantil. Desde 1994, uma comisso de professores da Universidade de Frankfurt elege, anualmente, uma Unwort (no palavra) para designar termos que no expressam a realidade e degradam a dignidade humana. Capital humano,

  • definida como uma antipalavra, um fantasma que vaga pela teoria econmica, foi escolhida em 2004 com a seguinte justificativa da comisso: degrada pessoas a grandezas de interesse meramente econmico (Altvater, 2010, p. 75).

    No bojo do iderio neoliberal, que tira da referncia a sociedade e os direitos coletivos e universais e centra-se no superindividualismo, novas noes derivam de capital humano. As no palavras que degradam a dignidade humana e a reduz a grandeza econmica, entre outras, so: sociedade do conhecimento, qualidade total, pedagogia das competncias, empregabilidade, empreendedorismo e capital social.

    Na educao e instruo do ser humano novo, cuja tarefa a de elevar a classe operria acima dos nveis de conhecimento e dos valores da burguesia na construo de novas relaes sociais despidas da violncia de classe, as trs dimenses apontadas por Marx e Engels em 1868, enriquecidas historicamente pela produo de novos conhecimentos, permanecem integralmente vlidas: educao intelectual, corporal e educao tecnolgica. Esta ltima, que recolhe os princpios gerais de carter cientfico de todo o processo de produo e, ao mesmo tempo, inicia as crianas e os adolescentes no manejo de ferramentas elementares dos diversos ramos de produo. diviso das crianas e adolescentes em trs categorias, de 9 a 18 anos, deve corresponder um curso progressivo para a sua educao intelectual, corporal e politcnica (Marx e Engels, 1983, p. 60). Nesta concepo, esto dados os fundamentos do que deve ser a funo e o direito da educao bsica universal, pblica, laica, gratuita e unitria, e do trabalho como princpio educativo.

    Um aspecto central para os movimentos sociais e organizaes dos trabalhadores do campo e da cidade a apreenso da especificidade da escola no domnio dos fundamentos cientficos que permitem compreender, ao mesmo tempo, na expresso sinttica de Gramsci, como funcionam a sociedade das coisas (cincias da natureza) e a sociedade dos homens (cincias sociais e humanas).

    O carter revolucionrio da escola, no ventre das atuais adversas e contraditrias relaes sociais, constitui-se na medida em que o processo pedaggico, no contedo, no mtodo e na forma, permita s crianas, jovens e

  • adultos, irem se apropriando daquilo que Marx entende por cientificidade do saber.7 Trata-se do saber que implica um mtodo materialista histrico dialtico que supere as formas fragmentrias, funcionalistas, pragmticas e utilitaristas da cincia burguesa, a qual separa os objetos de conhecimento das mediaes e conexes que os constituem; cincia burguesa que pode revelar as disfunes da realidade, mas no consegue explicar o que as produz.

    7 Ver Barata-Moura, 1998, p. 69-145.

    8 Para aprofundar esta questo, ver Saviani, 2008, p. 65-73.

    Torna-se, assim, um conhecimento que naturaliza, mascara e reproduz as relaes sociais de explorao e as exime dos efeitos de sua violncia expressa na desigualdade social e em todas as mazelas humanas que da advm. Exime-as, do mesmo modo, do carter predatrio da natureza e da degradao do meio ambiente e seus efeitos reais e crescentes que ameaam vida do planeta Terra.

    Quando se produz conhecimentos que apreendem a historicidade do real, vale dizer, como ele se produz em todas as dimenses do mudo humano e da natureza, tal conhecimento ou teoria constitui, como indica Marx, uma fora material revolucionria. Disto decorre a crtica de Marx a todas as formas de doutrinao e de reducionismos na construo da cientificidade do conhecimento.

    A escola, assim, ter um papel revolucionrio na medida em que construir por um mtodo materialista histrico dialtico, partindo dos sujeitos concretos, com sua cultura, saberes, senso comum, e dialogando criticamente com o patrimnio de conhecimentos existente as bases cientficas que permitem compreender como se produzem os fenmenos da natureza e as relaes sociais.8 Estas sero bases para uma prxis revolucionria em todas as esferas da vida no horizonte de abolir para sempre a ciso da humanidade em classes sociais. nesta prxis e na luta poltica concreta que se forjam a identidade e conscincia de classe.

    Neste horizonte de compreenso do papel da instituio escola, cabe combater, em seu interior, todas as formas de competio que estimulam o individualismo, cone da educao burguesa. Do mesmo modo, se pautados pelo rigor cientfico que nos mostra uma realidade social e humana produzidas, em todas as esferas da vida, de forma desigual, no faz sentido a ideologia dos

  • dons e nem estimular no processo educativo as avaliaes comparativas, ou premiar os melhores alunos ou professores, um expediente cada vez mais utilizado pelo iderio neoliberal em nossa realidade.

    A tarefa do desenvolvimento humano omnilateral e dos processos educativos que a ele se articulam direcionam-se num sentido antagnico ao iderio neoliberal. O desafio , pois, a partir das desigualdades que so dadas pela realidade social, desenvolver processos pedaggicos que garantam, ao final do processo educativo, o acesso efetivamente democrtico do conhecimento na sua mais elevada universalidade. No se trata de tarefa fcil e nem que se realiza plenamente no interior das relaes sociais capitalista. Esta, todavia, a tarefa para aqueles que buscam abolir estas relaes sociais.

    No por acaso, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e outros movimentos sociais e organizaes dos trabalhadores do campo perceberam que, sem luta, esta realidade no muda. E dentro de suas lutas que, de forma mais explcita e no sem dificuldades, se constroem os processos pedaggicos escolares centrados no projeto da educao do campo, projeto que se traduz na ao prtica da relao entre cincia, cultura e o trabalho como princpio educativo, dimenses bsicas da educao omnilateral.

    Para saber mais

    ALTVATER, E. O fim do capitalismo como o conhecemos. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2010.

    BARATA-MOURA, J. Materialismo e subjetividade. Estudos em torno de Marx. Lisboa: Avante, 1998.

    FRIGOTTO, G. A produtividade da escola improdutiva. So Paulo: Cortez, 1984.

    GRAMSCI, A. Concepo dialtica da histria. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1978.

    LUKCS, G. Prolegmenos para uma ontologia do ser social. Campinas: Boitempo, 2010.

    MARX, K. Elementos fundamentales para la crtica de la economa poltica (Grundrisse) 1857-1858. 14. ed. Mxico, D. F.: Siglo XXI, 1986.

    ______. O capital. 24. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2006.

  • ______. A questo judaica. 6. ed. So Paulo: Centauro, 2007.

    ______. Formaes econmicas pr-capitalistas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

    ______. Manuscritos econmico-filosficos. So Paulo: Boitempo, 2004.

    ______. Teses sobre Feuerbach. In: ______; ENGELS, F. Obras escolhidas. So Paulo: Alfa-mega, 1988. V. 3, p. 208-210.

    ______; ENGELS, F. A sagrada famlia. Crtica da crtica contra Bruno Bauer e seus seguidores. So Paulo: Centauro, 2005.

    ______; ______. Instrues aos delegados do Conselho Central Provisrio, AIT, 1868. In: ______; ______. Textos sobre educao e ensino. So Paulo: Morais, 1983.

    MSZROS, I. Para alm do capital: rumo a uma teoria da transio. So Paulo: Boitempo, 2002.

    ______. Marx e a teoria da alienao. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.

    SAVIANI, D. Onze teses sobre educao e poltica. In: ______. Escola e democracia. Campinas: Autores Associados, 2008.

    SOUZA JR., J. Marx e a crtica da educao. Aparecida: Ideias & Letras, 2010.

    GAUDNCIO FRIGOTTO doutor em Educao, professor do Programa de Ps-graduao em Polticas Pblicas e Formao Humana da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), scio fundador da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-graduao em Educao (Anped) e membro do Conselho Latino Americano de Cincias Sociais (Clacso) e do Instituto de Pensamento e Cultura Latino-Americano (Ipecal).

    [SS8] Comentrio: Por qual instituio?