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Frigotto, Gaudêncio Título: Educação e a crise do capitalismo Este livro, de alguma forma, é a continuação mais eloqüente de A produtividade da escola improdutiva, texto que ainda hoje é consulta obrigatória para aqueles que desenvolvem m pesquisas na área de Educação e Trabalho. Essa linha de continuidade entre duas obras separadas por uma década constitui um dado alentador e trágico ao mesmo tempo. Alentador, porque Frigotto continua discutindo de forma clara e decidida os enfoques Economicistas que reduzem a educação a um mero fator de produção, a "capital humano". II Trágico, porque esta última perspectiva continua expandindo-se com novas roupagens, com inéditas e sedutoras máscaras, que convencem, inclusive, muitos intelectuais que a combatiam no passado. Tal continuidade entre ambos os trabalhos não deve nos fazer pensar que, em seu novo livro, Frigotto limita-se a denunciar que "o velho" ainda não morreu e que "O novo é apenas uma armadilha que encobre um status quo imune ao passar do tempo. Justamente um dos valores mais destacados deste trabalho reside e m que o autor pretende discutir a racionalidade (ou irracionalidade) que encerra m os enfoques do neo-capital humano no atual contexto de profundas mudanças vivida s pelas sociedades de classe neste fim de século.' A especificidade da crise estrutural que atravessa hoje o capitalismo real é o marco no qual cobram materialidade as perspectivas discutidas pelo autor. O novo livro de Gaudêncio Frigotto ajuda-nos a pensar que é possível renascer das cinzas, que é possível e necessário lutar por um mundo mais justo e igualitário. Simplesmente, porque a história ainda não terminou. EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL PREFÁCIO Os socialistas estão aqui para lembrar ao mundo que em primeiro lugar devem vir às pessoas e não a produção. As pessoas não podem ser sacrificadas. Nem tipos especiais de pessoas os espertos•, os fortes,

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Educação e a Crise do Capitalismo

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Frigotto, Gaudêncio Título: Educação e a crise do capitalismo

Este livro, de alguma forma, é a continuação mais eloqüente de A produtividade da escola improdutiva, texto que ainda hoje é consulta obrigatória para aqueles que desenvolvem m pesquisas na área de Educação e Trabalho. Essa linha de continuidade entre duas obras separadas por uma década constitui um dado alentador e trágico ao mesmo tempo. Alentador, porque Frigotto continua discutindo de forma clara e decidida os enfoques Economicistas que reduzem a educação a um mero fator de produção, a "capital humano". II Trágico, porque esta última perspectiva continua expandindo-se com novas roupagens, com inéditas e sedutoras máscaras, que convencem, inclusive, muitos intelectuais que a combatiam no passado. Tal continuidade entre ambos os trabalhos não deve nos fazer pensar que, em seu novo livro, Frigotto limita-se a denunciar que "o velho" ainda não morreu e que "O novo é apenas uma armadilha que encobre um status quo imune ao passar do tempo. Justamente um dos valores mais destacados deste trabalho reside e m que o autor pretende discutir a racionalidade (ou irracionalidade) que encerra m os enfoques do neo-capital humano no atual contexto de profundas mudanças vivida s pelas sociedades de classe neste fim de século.' A especificidade da crise estrutural que atravessa hoje o capitalismo real é o marco no qual cobram materialidade as perspectivas discutidas pelo autor. O novo livro de Gaudêncio Frigotto ajuda-nos a pensar que é possível renascer das cinzas, que é possível e necessário lutar por um mundo mais justo e igualitário. Simplesmente, porque a história ainda não terminou.

EDUCAÇÃO E A CRISE DO CAPITALISMO REAL

PREFÁCIO

Os socialistas estão aqui para lembrar ao mundo que em primeiro lugar devem vir às pessoas e não a produção. As pessoas não podem ser sacrificadas. Nem tipos especiais de pessoas os espertos•, os fortes, os ambiciosos, os belos, aquelas que podem um dia vir a fazer grandes coisas nem qualquer outra. Especialmente aquelas que são apenas pessoas comuns ( ... ). É delas que trata o socialismo; são elas que o socialismo defende. O futuro do socialismo assenta-se no fato de que continua tão necessário quanto antes, embora os argumentos a seu favor não sejam os mesmos em muitos aspectos. A sua defesa assenta-se no fato de que o “'-capitalismo ainda cria contradições e problemas que não consegue resolver.

Enc Hobsbawm (I992b)

A epígrafe de Hobsbawm é apropriada para começar estas breves palavras sobre o novo livro de Gaudêncio Frigotto. Não apenas porque o historiador inglês constitui uma das referências permanentes (tácitas ou explícitas) desta obra, mas também porque o seu conteúdo resume três das

principais razões que orientam a estimulante reflexão teórica aqui proposta pelo autor do presente volume. Primeiramente, a necessidade de pensar as condições históricas que dão origem à profunda crise que atravessa hoje o capitalismo real, ultrapassando as Visões apologéticas e apocalípticas. Em segundo lugar, a opção por realizar essa tarefa partindo de uma reflexão rigorosamente crítica desde a perspectiva do materialismo histórico; um materialismo histórico renovado e capaz de reformular-se ele próprio à luz do colapso do socialismo soviético e da queda dos regimes comunistas da Europa Oriental. Por último, embora certamente não menos importante, o livro de Frigotto propõe um enorme desafio ético: pensar e compreender a crise do capitalismo desde um renovado enfoque socialista como forma de contribuir para a construção de um a sociedade democrática e radicalmente igualitária, fundamentada nos direitos e que respeite as diferenças, a diversidade, uma sociedade -segundo Hobsbawm - de pessoas comuns, das maiorias, justamente aquelas condenadas pelo mercado à mais absoluta miséria.

Este livro, de alguma forma, é a continuação mais eloqüente de A produtividade da escola improdutiva, texto que ainda hoje continua sendo de consulta obrigatória para aqueles que desenvolvem pesquisas na área de Educação e Trabalho. Essa linha de continuidade entre duas obras separadas por uma década constitui, ao mesmo tempo, um dado alentador e trágico. Alentador, porque Frigotto continua discutindo de forma clara e decidida os enfoques economicistas que reduzem a educação a um mero fator de produção, a "capital humano". Trágico, porque ainda hoje esta última perspectiva continua expandindo-se com novas roupagens, com inéditas e sedutoras máscaras que convencem, inclusive, muitos intelectuais que as combatiam no passado. Tal continuidade entre ambos os trabalhos não deve nos fazer pensar que, em seu novo livro, Frigotto limita-se a denunciar que "o velho" ainda não morreu e que "o novo" é apenas uma armadilha que encobre um status quo imune ao passar do tempo. Justamente um dos valores mais destacados deste trabalho reside em que o autor pretende' discutir a racionalidade (ou irracionalidade) que encerram os enfoques do neocapital humano no atual contexto de profundas mudanças vividas pelas sociedades de classe neste fim de século. A especificidade da crise estrutural que atravessa hoje o capitalismo real é o marco no qual cobram materialidade as perspectivas discutidas por Gaudêncio neste novo livro.

De fato, o contexto mais amplo da reestruturação capitalista contemporânea no plano político, econômico, jurídico e educacional funciona como um enquadramento iniludível para 'avançar tanto na crítica teórica aos enfoques apologéticos da sociedade pós-industrial, quanto para recusar as saídas individualistas e mística que acabam defendendo os intelectuais apocalípticos.

Educação e a crise do capitalismo real é um livro para ser lido à luz da atual hegemonia dos regimes neoliberais e neoconservadores (tanto na América Latina quanto num número nada desprezível dos países do Primeiro Mundo), e reconhecendo as novas condições materiais e culturais criadas a partir da crise do regime de acumulação fordista, de seus Estados de Bem-Estar e da própria reorganização (ou desorganização) da classe operária que é derivada de tal processo.

E aqui cobra sentido a dupla tarefa crítica à qual se propõe Frigotto. Em primeiro lugar, discutir as novas concepções do "capital humano" que se respaldam na suposta legitimidade das teses do fim da história e das ideologias, segundo as quais (e afortunadamente) o mundo é e será para sempre capitalista. A recusa de tais perspectivas conduz o autor a discutir a validade das posições que as caracterizam no plano educacional. Frigotto analisa assim três categorias básicas no discurso neoliberal dos homens de negócio, dos organismos internacionais, das burocracias governamentais conservadoras e dos intelectuais reconvertidos: "sociedade do conhecimento", "educação para a competitividade" e "formação abstrata e polivalente".

Em segundo lugar, realiza uma crítica não menos radical aos enfoques defendidos por três autores que, desde óticas não convergentes e diferenciados ainda da trivialidade que caracteriza os

admiradores do capitalismo pós-industrial, "acabam silenciando o u eliminando os grupos ou classes sociais fundamentais e os movimentos com eles articulados como sujeitos da história, (o qual os conduz), ironicamente, a reforçar a tese do fim da história": Adam Schaff, Claus affe e Robert Kurz.

No contexto de um capitalismo transformado, e não por isso mesmo excludente e discriminador, Frigotto desenvolve uma minuciosa análise marxista da educação. Enfoque marxista que, na medida em que é aplicado a ele próprio, reformula-se e enriquece-se. Logo, de certa forma, este livro difere da citada obra A produtividade da escola improdutiva. O leitor encontrará aqui novos conceitos, novos percursos teóricos, novas perguntas e também, certamente, novas respostas a velhas perguntas.

Por último, este livro possui um inestimável valor político. Ele contribui com um conjunto de idéias relevantes no campo da ação política e, ao mesmo tempo, está inspirado na necessidade de aprofundar, defender e ampliar as experiências democráticas de resistência e oposição ao programa de ajuste neoliberal existentes em nossos países. No plano educacional, as reflexões de Frigotto inserem-se e inspiram-se numa multiplicidade de experiências alternativas de gestão que foram (e estão sendo) desenvolvidas no Brasil por administrações populares: Porto Alegre, Belo Horizonte, Angra dos Reis e muitas outras que constituem hoje um modelo de gestão eficiente e democrática de uma política educacional pública e de qualidade. Tais experiências inspiram o autor deste livro e são uma referência tácita ao longo de todos os capítulos que compõem o presente volume.

O novo livro de Gaudêncio ajuda-nos a pensar que é possível "renascer das cinzas", que é possível e necessário lutar por um mundo mais justo e igualitário. Simplesmente, porque a história ainda não terminou.

Pablo GentiliRio de Janeiro, maio de 1995

INTRODUÇÃO

É difícil, mesmo para aqueles que transformaram o marxismo (de Marx) de teoria da hi stória e profunda ontologia em doutrina ou crença, não reconhecer o colapso do sociali smo realmente existente e a necessidade de questionar pressupostos teóricos e estr atégias políticas que tomaram como referência

o pensamento e a obra de Marx e Engels. Isto, todavia, não significa, como veicula a ideologia hoje hegemônica, que o projeto socialistil é uma quimera do passado, a teoria histórica de Marx e Engels está morta e, finalmente, a humanidade aprendeu a respeitar as leis da liberdade natural do mercado, da livre concorrência e que, po

rtanto, o capitalismo é a forma de organização social definitiva e desejável da humanida de.

Este livro; que trata das relações trabalho-educação dentro das profundas transformações des te final de século, por razões éticas, teóricas e políticas, é um esforço de remar contra a c rrente. Primeiramente, sustentamos que o capitalismo deste final de século enfrenta sua crise estrutural mais profunda e sua perversa recomposição vem se materializan

do nas inúmeras formas de violência, exclusão e barbárie. É preciso, pois, mostrar, sem co ncessões, a crise e O colapso do capitalismo

-Em segundo lugar, entendemos que as concepções ontológicas e teóricas do processo históric o elaboradas por Marx e Engels e desenvolvidas por outros marxistas como Gramsci,continuam sendo a base que nos permite uma análise radical para desvendar a nature

za e especificidade das relações capitalistas hoje e, especificamente, da problemática do trabalho e da educação. Base, também, para, na expressão de Eric Hobsbawm, renascer d as cinzas e construir uma alternativa socialista efetivamente democrática de relações sociais.

Temos clareza de qu'll no plano 'teórico este trabalho enfrenta a tensão mais crucia l. No presente, este embate dá-se tanto com a avassaladora ideologia neoliberal ou neoconservadora, que tem no mercado o deus regulador do conjunto das relações sociai

s, quanto com determinadas posturas pós-modernistas que, ao negárem a razão histórico-dia lética, o devenir histórico e de elos de universalidade humana, acabam reificando

o momentâneo, o transitório, o efêmero e a capilaridade do micro, do local e do circun stancial. A utopia, por este caminho, fica esmaecida e com ela, a ação política. Dá-se, também, de forma mais complexa, como veremos ao longo do texto, com posturas de pe nsadores de tradição marxista, mas cujas análises acabam trabalhando mais o plano lógico e racionalista que efetivamente o plano histórico da realidade.

Três razões de ordem teórica e 'ético-política nos animam a prosseguir a análise da educação suas relações com a produção material (economia) e, mais amplamente, com a produção ideológi e simbólica (idéias, valores, concepções, conhecimentos etc.) no terreno do marxismo. Is

to não nos exime da necessidade de dialogar e debater com contribuições que, não pertenc endo a esta tradição teórica ou até combatendo-a, são valiosas e indispensáveis para a compr ensão da problemática aqui analisada.A primeira, nos é sintetizada por Jame.son (1994) quando nos lembra que "o marxism

o é a ciência do capitalismo" e, portanto, não podemos postular sua morte se o seu obj eto não desàpareceu. Ao contrário, diz o autor, o marxismo é a única teoria capaz de pensa r o capitalismo dentro de uma perspectiva histórica e dialética evitando reducionismos, não sendo, todavia, imune a estes reducionismos e à reificação conceituaI.

A segunda razão é explicitada por Paola Manacorda (1984), ao afirmar que uma teoria não deve ser abandonada porque enfrenta problemas novos. Uma teoria é superada quand o não tem capacidade de nos ajudar a analisar estes problemas. Neste particular, u ma vez mais, Jameson qualifica a natureza

-da,crise do marxismo. As crises do paradigma marxista sempre ocorreram exatamente nos momentos em que seu objeto de

estudo fundamental-.-o capitalismo -parecia estar mudando de aparência, ou passand o por mutações imprevistas e imprevisíveis.Por fim, cabe insistir na tarefa da esquerda, particularmente dos socialistas, d

e não aderir ao pragmatismo do capitalismo que globaliza sua forma de extração de mais -valia e redefine suas formas de exclusão. Pelo contrário, como assinala Anderson (1 995), os que lutam para superar as relações capitalistas de produção da existência, por se rem essencialmente excludentes, devem aprender da direita a não transgredir princípi os ideológicos e teóricos. O autor adverte-nos de que, na década de 40, Hayek era uma v oz isolada quando postulava a restrição à liberdade e à democracia como fundamentais par a o sucesso capitalista. Trinta anos depois suas teses são a base da onda neoliber

al que avassala o mundo. Neste sentido, ao mesmo tempo que devemos c<tmbater teóri ca e politicamente a tese do mercado como regulador das relações humanas mostrando s

ua incapacidade de regular direitos fundamentais (saúde, educação, cultura etc.), neces sitamos afirmar a democracia como valor universal e a solidariedade como base dautopia socialista.O pressuposto fundamental da análise materialista histórica é de que os fatos sociais

não são descolados de uma materialidade objetiva e subjetiva e, portanto, a construção do conhecimento histórico implica o esforço de abstração e teorização do movimento dialético ( flitante, contraditório, mediado) da realidade. Trata-se de um esforço de ir à raiz das determinações múltiplas e diversas (nem todas igualmente importantes) que constituem d eterminado fenômeno. Apreender as determinações do núcleo fundamental de um fenômeno, sem

o que este fenômeno não se constituiria, é o exercício por excelência da teorização histórica ascender do empírico contextualizado, particularizado e, de início, para o pensament

o, caótico -ao concreto pensado ou conhecimento. Conhecimento que, por ser histórico e complexo e por limites do sujeito que conhece, é sempre relativo.

A educação no Brasil, particularmente nas décadas de 60 e 70, de prática social que se d efine pelo desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes, concepções e val ores articulados às necessidades e interesses das diferentes classes e grupos socia is, foi reduzida, pelo economicismo, a mero fator de produção -"capital humano". Asc eticamente abstraída das relações de poder, passa a definir-se corno urna técnica de pre

parar recursos humanos para o processo de produção. Essa concepção de educação corno "fator econômico" vai constituir-se numa espécie de fetiche, um pOder em si que, urna vez a dquirido, independentemente das relações de força e de classe, é capaz de operar o "mila gre" da equalização social, econômica e política entre indivíduos, grupos, classes e nações. No livro A produtividade da escola improdutiva: um (re )exame das relações entre edu

cação e estrutura econômica capitalista (Frigotto, 1984), buscamos analisar: os pressu postos e estrutura interna da "teoria do capital humano"; as condições históricas no c apitalismo monopolista que demandaram, produziram e configuraram este conjunto de idéias, conceitos e doutrina que, ao mesmo tempo, ocultam seus fundamentos; a mec anicidade das análises que buscam vincular ou desvincular linearmente a educação do pr

ocesso de produção; as conseqiiências do economicismo no plano político-educacional brasil eiro; e, por fim, os elementos teóricos e político-práticos de "inversão de sinal" esboçad o pela sociedade brasileira, materializado na luta por um projeto educativo articulado aos interesses dos trabalhadores.

Formulada no bojo das teorias do desenvolvimento nos centros mais avançados do cap italismo monopolista, a "teoria do capital humano" disseminou-se, sendo rapidame nte absorvidapelos países do "Terceiro Mundo". No Brasil e, mais amplamente, na América Latina, fe

z escola. É no final da década de 60 que os programas de pós-graduação em educação e as facul ades de educação introduzem nos seus currículos a disciplina Economia da Educação.

'" Os efeitos do economicismo na política educacional, reforçado pela ideologia do re gime militar, se expressaram, negativamente, de ''(árias formas: pelo desmantelame

nto da escola pública e refdr\o da educação corno "negócio"; pelo dualismo que materiali zava urna quantidade e qualidade de serviços educacionais diversos para as classes trabalhadoras e classe dominante; pelo tecnicismo e fragmentação que diluíram e esmae ceram o processo de conhecimento; pela proletarização do magistério público etc. Efeitos que perduram e, em muitos casos, se agravam.Dez anos depois, num contexto da crise do Estado de Bem-Estar ou do modelo fordi

sta de regulação social que sustentou o padrão de acumulação do capitalismo nos últimos 50 a nos e dos mecanismos de reestruturação econômica marcada pela exclusão, este trabalho bu sca, fundamentalmente, analisar duas ordens de questões.

A primeira sinaliza que as novas demandas de educação explicitadas por diferente~ do cumentos dos novos senhores do mundo -FMI, BID, BIRD -e seus representantes regi onais CEPAL, etc. -baseadas nas categorias sociedade do conhecimento, qualidade total, educação para a competitividade, formação abstrata e polivalente, expressam oslimites das concepçõesda teoria do capital humano e as redefinem sob novas bases. E

ste movimento de mudança das categorias e a necessidade de conservar a natureza ex

cludente das relações sociais, especificam os dilemas e contradições que o capital e os homens de negócio historicamente encontram para adequar a educação aos seus interesses

. Explicita, de igual modo, um espaço de contradição dentro do qual é possível desenvolver urna alternativa de sociedade e de educação democráticas que concorrem para a emancip ação humana.

A segunda centra-se na apreensão crítica das teses do fim da sociedade do trabalho e na perda da centralidade do trabalho como categoria de análise das relações sociais.

Esta ordem de questões se apresenta como uma problematização teórica para aqueles que têm no trabalho, nas suas diversas formas históricas, uma categoria central na compree

nsão das relações sociais e, dentre estas, os processos e as relações educativas. O pressuposto do qual partimos neste trabalho é que estas duas ordens de questões di ferem e, de um modo geral, são conflitantes, mas que, paradoxalmente, se articulam

, se reforçam e se identificam em alguns aspectos, como é o caso da idéia de soçiedade d o conhecimento e do desaparecimento das classes sociais. Ambas, por caminhos div

ersos, se desenvolvem a partir da apreensão que fazem da crise do Estado de Bem-Es tar ou, mais amplamente, da crise do capitalismo e do socialismo real nestas últim as décadas (anos 70/90).

A EDUCAÇÃO COMO CAMPOSOCIAL DE DISPUTAHEGEMÔNICA

A educação, quando apreendida no plano das determinações

e relações sociais e, portanto, ela mesma constituída e constituinte destas relações, apres enta-se historicamente como um campo da disputa hegemônica. Esta disputa dá-se na pe rspectiva de articular as concepções, a organização dos processos e dos conteúdos educativ os na ~escola e, mais amplamente, nas diferentes esferas da vida social, aos interesses de classe.

Neste trabalho, elegemos como foco principal de preocupação retomar algumas questões n o âmbito das relações entre sociedade, processo produtivo, processo de trabalho e educ

ação ou qualificação humana que têm sido tratadas por diferentes campos do conhecimento: E conomia, Economia da Educação, ;~ Sociologia, Sociologia do Trabalho, Psicologia Social e a própria

Filosofia etc. Embora nossa ênfase seja no âmbito da Economia da Educação, é impossível elim inar a necessária relação que mantém com os demais campos disciplinares. Ou seja, não há razõ s de ordem epistemológica para fixar fronteiras rígidas já que todos estes campos, mesmo reconhecendo que sua

especificidade não pode ser negada, têm como objeto de análise imediaticidade fenomênic a ou no plano político-jurídico e ideológico, como sendo a própria realidade concreta. P or este ardil,

No seu âmbito mais amplo, são questões que buscam apreender a função social dos diversos p rocessos educativos acaba-se confundindo os processos históricos que mudam, às vezes profundamente, a estrutura social, os processos produtivos, na produção e reproduçãodas relações sociais. No plano mais a divisão e o conteúdo do trabalho, os

processos educativos específico, tratam das relações entre a estrutura económico-so -e as formas de reprodução da força de trabalho, como necescial, o processo de produção, as mudanças tecnológicas, refuncionalização das relaçõeociais dominantes ,processo e divisão do trabalho, produção e reprodução da força com as transforma'ções fundntais que mudam e alteram ade trabalho e os processos educativos ou de formação humana" natureza destas relaçoes. ./Além da reprodução, numa escala ampliada, das múltiplas habilidades sem as quais a atividade produtiva não poderia serPor diferentes cami.ihos de caráter determinista e mecanicista, este risco assume um caráter mais crucial na medida realizada, o compl exo sistema educacional da sociedade é em que se tomam as

mudanças tecnológicase "das formas da também responsável pela produção e reprodução da estrutura sociabilidadecapitalista" - reais e. profundas -, como ade valores dentro da qual os indivíduos definem seus próprios

superação tout court destas relações sociais capitalistas.'

objetivos e fins específicos. As reJações sociais de produção capitalistas não se perpetuam automaticamente. (Mészáros, 1981: 260) No plano da concepção da realidade histórica não est amos, pois, diante de um embate novo, mas apenas de questões e problemas que assum

em um conteúdo histórico específico dentro das novas formas da sociabilidade capitalis ta. Na verdade, são questões que engendram um velho debate travado, não apenas no~mbit o da economia clássica liberal (Adam Smith e Stuart MiIl) e clássica marxista (Marx

e Engels), mas, mais amplamente, no conjunto""~o pensamento que embasa o ideário da sociedade capitalista e \las perspectivas que lhe são antagônicas .

Por esta razão, podemos perceber que a explicitação do papel social da educação, ou especi ficamente da relação entre o -processo de produção e os processos educativos ou de formação humana, vem marcada por concepções conflitantes e, sobretudo, antagônicas. Desde os Ma nuscritos Filosóficos de 1844 e ao longo de sua obra, ao referir-se aos fundadoresda

economia clássica liberal ou aos apologetas das relações sociais da sociedade capitalista nascente, Marx insiste em mostrar que suas representações explicitam como se produz dentro da relação capitalista, mas não como se produz esta própria relação:

A economia política parte do facto da propriedade privada. Não o explica. Concebe o processo material da propriedade privada, como ele ocorre na realidade, em fórmula s gerais e abstmctas, que em seguida lhes servem de leis. não compreendem I tais. leis, isto é, não demonstram como elas derívam da essência da propriedade privada.

Ao elidir as determinações que produzem as relações sociais capitalistas, estas passam a ser concebidas como naturais e, portanto, independentes da ação dos homens. A tese

do mundo pós-histórico (Fukuyama, 1992:101) constitui-se hoje na explicitação mais anacrôn ica, vulgar, perversa e cínica da saída neoconservadora da naturalização do mercado como o "deus" regulador do conjunto das relações e necessidades humano-sociais.

Neste texto. introdutório, cujo objetivo é o de, ao situar a natureza histórica desse embate, apreender a problematicidade.

A perspectiva crítica mais atual e radical da falsidade deste pressuposto e a expl icitação da natureza classista, excludente e alienadora da sociedade capitalista, na sua gênese' e na sua "anatomia" geral, é, ainda, sem dúvida, a obra de Marx e Engels, particularmente O cgpital (não importa o descaso dos adeptos do mundo "pós-histórico")

. Nesta crítica explicita-se tanto o caráter de positividade da revolução burguesa nas r elações de produção e polítictts, na ruptura das visões metafísicas teocêntricas de conhecim e um amplo desenvolvimento da ciência modema, quanto o caráter de negatividade pela cristalização de uma nova relação classista e, portanto, de exploração e alienação.2

As análises de E. Hobsbawm e de Francisco de Oliveira (que retomaremos adiante) no s ajudam, ao mesmo tempo, a perceber o equívoco das teses do quanto pior melhor, na perspectiva de superação da forma capitalista de relações sociais, como entender que t

al superação somente pode ser construída mediante a ação política, nas vísceras• mesmo da con dição capitalista, mediante o fortalecimento e ampliação democrática da esfera pública. Nest a perspectiva não se abrem espaços nem para o voluntarismo, nem para o otimismo ingênu

o ou determinismo da revolução tecnológica. Este determinismo tem estado na base das te ses do fim das classes, do surgimento da sociedad\, harmônica e igualitária do conhe cimento e do mundo pós-histórico. Por este "borramento" lógico. das classes sociais ac aba-se perdendo aquilo que Karel Kosik define como sendo o critério objetivo para

a distinção entre mutações estruturais -que mudam o caráter da ordem social -e mutações deriv das, secundárias, que modificam a ordem social, semporém mudar essencialmente seu caráter.

No plano da concepção da realidade histórica não estamos, pois, diante de um embate novo, mas apenas de questões e problemas que assumem um conteúdo histórico específico dentro das novas formas da sociabilidade capitalista. Na verdade, são questões que engendram um velho debate travado, não apenasna economia clássica liberal (Adam Smith e Stuart

MiIl) e clássica marxista (Marx e Engels), mas, mais amplamente, no no conjunto do pensamento que embasa o ideário da

sociedade capitalista e \las perspectivas que lhe são antagônicas . Por esta razão, podemos perceber que a explicitação do

papel social da educação, ou especificamente da relação entre o -processo de produção e os processos educativos ou de formação humana, vem marcada por concepções conflitantes

e, sobretudo, antagônicas. Desde os Manuscritos Filosóficos de 1844 e ao longo de sua obra, ao referir-se aos fundadores da economia clássica liberal ou aos apologetas das relações sociais da sociedade capitalista nascente, Marx insiste em mostrar que suas representações explicitam como se produz dentro da relação capitalista, mas não como se produz esta própria relação:

A economia política parte do facto da propriedade privada. Não o explica. Concebe o processo material da propriedade privada, como ele ocorre na realidade, em fórmulas gerais e abstmctas, que em seguida lhes servem de leis. não compreendem

tais. leis, isto é, não demonstram como elas derívam da essência da propriedade privada. (Marx, 1964: 157-8)Ao elidir as determinações que produzem as relações

sociais capitalistas, estas passam a ser concebidas como naturais e, portanto, independentes da ação dos homens. A tese do

mundo pós-histórico (Fukuyama, 1992:101) constitui-se hoje na explicitação mais anacrônica, vulgar, perversa e cínica da saída neoconservadora da naturalização do mercado como o "deus" regulador do conjunto das relações e necessidades humano-sociais.introtórcujoobjetoé

que o mesmo engendra nas formas atuais da sociabilidade capitalista, vamos situa

r: os dilemas da burguesia nascente sobre a questão educativa; a estratégia reiterat iva da segmentação e do dualismo como forma de subordinar os processos educativos ao

s interesses da reprodução das relações sociais capitalistas; e o caráter perverso desta s ubordinação na realidade -brasileira._ Em seguida, vamos sinalizar o contexto -em qu

e a educação é alçada ao status de capital"humano, elemento específico da teoria conservad ora do desenvolvimento, e os caminhos que assumiu a crítica a esta perspectiva nocampo educacional, no Brasil. Por fim, vamos expor a natureza das questões apresent

adas como desafio teórico e político-prático na relação trabalho-educação, e a "nova" função dos sistemas educativos diante das novas formas assumidas pelas relações sociais de produção num contexto de crise do modelo de desenvolvimento que sustentou o processo de acumulação capitalista nos Últimos cinqüenta anos.

1. A segmentação e fragmentação como estratégias da subordinação dos processos educativos ao apital

Na sua formulação mais geral, a análise das relações entre o processo de produção e as prátic educativas, desde a perspectiva clássica liberal ou neoliberal, é explicitada pela c oncepção de que a sociedade é constituída por fatores onde, em determinado período, um des tes fatores é o fundamental e determinante, como por exemplo, a economia, e em out

ros será a política, a religião. (Ver Kosik, 1986: 99-108) Por esta perspectiva, o tra balho, a tecnologia, a educação s~o concebidos como fatores. A educação e a formação humana terão como sujeito definidor as necessidades, as demandas do processo de acumulação de capital sob as diferentes formas históricas de sociabilidade que assumir. Ou seja, reguladas e subordinadas pela esfera privada, e à sua reprodução.

Numa perspectiva histórica de análise, Marx e Engels, e a escola marxista, de um mod o geral, concebem a realidade social como uma estrutura, uma totalidade de relações onde, em sua unidade diversa, o conjunto de relações sociais e econômicas, por serem i mperativas na produção da vida material dos seres humanos, constituem-se na base a p artir da qual se estrutura e se condiciona a vida social no seu conjunto. Como,.em diferentes momentos, estes autores insistem, o caráter fundamental das relações so ciais de produção não confere às mesmas a definiçãQ única e isolada das demais determinações. elações econômícas são, antes de tudo, relações sociais e, enquanto tais, engen&am todas as d mais. O ser humano que atua na reprodução de sua vida material o faz enquanto uma to talidade psicofísica, cultural, política, ideológica etc.

O trabalho, nesta perspectiva, não se reduz a "fator", mas é, por excelência, a forma mediante a qual o homem produz suas condições de existência, a história, o mundo propria mente humano, ou seja, o próprio ser humano. Trata-se de uma categoria ontológica e econômica fundamental. A educação também não é reduzida a fator, mas é concebida como uma prá a social, uma atividade humana e histórica que se define no conjunto das relações soci

ais, no embate dos grupos ou classes sociais, sendo ela mesma forma específica de relação social. O sujeito dos processos educativos aqui é o homem e suas múltiplas e his

tóricas necessidades (materiais, biológicas, psíquicas, afetivas, estéticas, lúdicas). A l uta é justamente para que a qualificação humana não seja subordinada às leis do mercado e à sua adaptabilidade e funcionalidade, seja sob a forma de adestramento e treinamento estreito da imagem do mono domestificável dos esquemas tayloristas.

"" A qualificação humana diz respeito ao desenvolvimento de condições físicas, mentais, af etivas, estéticas e lúdicas do ser humano (condições omnilaterais) capazes de ampliar a capacidade de trabalho na produção dos valores de uso em geral como condição de satisfação d as múltiplas necessidades do ser humano no seu devenir histórico. Está, pois, no plano

dos direitos que não podem ser mercantilizados e, quando isso ocorre, agride-se e lementarmente a própria condição humana.

b Por ser o trabalho o pressuposto fundante do devenir humano, ele é o princípio edu cativo e, portanto, é fundamentâl que---todo o ser humano, desde a mais tenra idade, socialize

este pressuposto. É desta com.p reensão do trabalho como criador da realidade humana (não enquanto visão•' moralizante, pedagogista) que Marx e Erigels postulam a união do trabalho manual, industrial, produtivo, com o trabalho intelectual. Nem Marx nem Engels definem a forma e o conteúdo que esta ); categoria antedíluviana (como elespróprios lembram) vai as. sumir historicamente. Na base da análise do seu tempo históri

co e na perspectiva do avanço tecnológico e, portanto, da potenciação das forças produtivas , apontam a hipótese da superação _do trabalho manual acabrunhador e a possibilidade d

a redução do trabalho sob o mundo da necessidade e a dilatação do mundo da liberdade. Es ta possibilidade; na sua forma mais plena, implica a supressão da relação capitalista que, domi-nantemente, transforma o trabalho de criador da vida humanaem alienador da vida do trabalhador.

Ao tratar da função social e da crise da educação, no interior da crise do capitalismo c ontemporâneo e de suas instituições, Mészáros, de forma clara, situa a questão central media nte a qual podemos analisar o confronto das perspectivas

acima:

Se essas instituições -inclusive as educacionais _ foram feitas para os homens, ou se os homens devem continuar a servir às relações sociais de produção alienadas -:-é esse /0 verdadeiro tema do debate. (Mészáros, 1981: 272)

~~ O caráter subordinado das práticas educativas aos interesses do capital historica mente toma formas e conteúdos diversos, no capitalismo nascente, no capitalismo mo nopoli~ta e no capitalismo transnacional ou na economia glObalizada. Em boa medi da, a literatura nos revela as formas específicas desta

subordinação e não é objetivo deste trabalho expõ-Ias. Cabe, apenas, registrar que o caráter explícito desta subordinação é de uma clara diferenciação da educação ou formação humana par asses dirigentes e a classe trabalhadora.

Esta subordinação nem sempre é de fácil dissimulação' N,t, ao longo do desenvolvimento do si stema capitalista. Assim, por diferentes man~ras, o caráter contraditório das relações s ociais capitalistas po4,e ser explicitado ~o âmbito das relações ,( entre a socIedade e os''Processos educatIVOS, ou destes com o processo produtivo. Isto nos indica,

de um lado, que ocapital é prisioneiro de sua contradição, de seus limites de concepção ( fragmentária) da realidade, portanto não é onisciente e, de outro, que é confrontado por interesses da classe trabalhadora que lhe são antagónicos.

No plano histórico mais distante, o inventário das posições entre os fundadores do liber alismo clássico e entre os iluministas sinaliza como a questão da educação na perspectiv

a da subordinação das relações capitalistas é, ao mesmo tempo, necessária e problemática. Há um lado, a necessidade de que a reprodução da força de trabalho seja moldada, forjada, fabricada para a disciplina e subordinação das novas relações de produção mas, ao mesmo tem po, há a necessidade de estabelecer uma distinção clara com as formas servis e escravo cratas do ancien

. .regIme. ~

Antes mesmo da consolidação dos sistemas de ensino, em 1757, Voltaire recomendava ao rei da Prússia que a canalha não era digna de ser esclarecida:

A canalha (as massas) é indigna de ser esclarecida (...) é essencial que haja cozinheiros ignorantes ( ... ) e o que é de lei é que o povo seja guiado e não seja instruído. (Apud Arroyo. 1987: 75)

Em' contrapartiqa, na mesma época, Diderot fazia a recomendação à imperatriz da Prússia, de fendendo a instrução para todos. Rousseàu, embora com uma perspectiva de condenação à ciênci ao progresso técnico, por confundir, como

mostrará mais tarde Marx, a forma histórica capitalista de produção e utilização da ciência e das máquinas, com o próprio progresso técnico, coloca-se numa perspectiva oposta à de Vo ltaire e rompe com os ideais da Ilustração. (Nosella, 1977: 34-5) As referências de Sm

ith de uma instrução em doses homeopáticas e, um século mais tarde J. Mil! (1848), de um a educação nacional das criapças das classes trabalhadoras para

o cultivo do bom senso e que tudo o mais é "sobretudo decorativo", caminham na mes ma direção.

Na medida, todavia, em que o sistema capitalista se solidifica e os sistemas edu cacionais se estruturam, assume nitidez a defesa da universalização dualista, segmen tada: escola disciplinadora e adestradora para os filhos dos trabalhadores e esc ola formativa para os filhos das classes dirigentes.Desttut de Tracy, no final do século XVIII e alvorecer do século XIX, no contexto da

s concepções naturalistas e organicistas, e no bojo da estruturação originária do conceito de ideologia como sendo a ciência das idéias, expõe como natural a existência de uma es cola e de uma formação dualista. Defende também como natural, a subordinação do ensino e q ualificação das classes trabalhadoras às necessidades imediatas da produção, enquanto os f ilhos das classes dirigentes deveriam ser preparados para governar:

Os homens de classe operária têm desde cedo necessidade do trabalho de seus filhos. Essas crianças precisam adquirir desdecedo o conhecimento e sobretudo o hábito e a tradição do

trabalho penoso a que se destinam. Não podem, portanto, perder tempo nas escolas. (. ..) Os filhos da classe erudita, ao contrário,

podem dedicar-se a estudar durante muito tempo; têm muitas coisas para aprender para alcançar o que se espera deles no futuro. (. ..) Esses são fatos que não dependem de qualquer

vontade humana; decorrem necessariamente da própria natureza dos homens e da socie dade: ninguém está em condições de

mudá-los. Portanto trata-se de dados invariáveis dos quais devemos partir. (Desttut, 1908)34c ------.------------

Desttut conclui que todo Estado bem administrado deve providenciar dois tipos de sistema de instrução totalmente distintos.3Marx e Engels, embora não tenham efetivado uma análise

.--» específica da questão educacional, em diferentes momentos 'criticam a perspectiva unilateral da subordinação da escola ao capital sob as rel~ções capitalistas e os mecan ismos de burla às parcas conquistà,\,dos trabalhadores contempladas nas cláusulas sobre educaçã<\ nas leis fabris. Em suas obras, em ( diferentes momentos, delineiam-se as

bases filosóficas de uma i\ concepção omnilateral de educação e de qualificação humana, insc ita no horizonte da instauração de novas 'relações sociais ) dentro de uma nova sociedáde.4,

"::J Nos séculos XIX e XX, particularmente nos países europeus, ocorrem reformas educ acionais, mudanças de perspectivas pedagógicas, massificação e elevação dos níveis de escol Dentre as três mudanças mais significativas deste final de século, apontadas por Hobs

bawm (1992b), uma é a da crescente intelectualização e, portanto, de elevação dos'õpatamares educacionais em todo o mundo. De forma cada vez mais dissimulada, todavia, o des envolvimento dos sistemas de ensino solidificaram uma estrutura dualista e segme

ntada que perdura até o presente, ainda que de forma diferenciada, em contextos es pecíficos nas diferentes formações sociais capitalistas.'

Paradoxalmente, é da França já no ocaso do século XX contrastando com o ideário da Revolução rguesa que há

mais de dois séculos proclamava a defesa da 'escola pública, gratuita, universal e l aica -, que nos chegam as análises sociológicas mais agudas que demonstram o caráter d ominantemente reprodutor, dualista e classista da educação, com Bourdieau & Passeron (1975), Baudelot & Establet (1971) eEstablet (l98n

A análise da ed_ucaç~ no J3rasil -desde o Império e a sua "boa sociedade" às délr!..arches da República Velha e até os dias atuais da República -nos traça um quadro de extrema pe rversidade, Somente em 1930 se efetiva um esforço para a criação de um sistema naciona

l de educação, mas chegamos em 1993 colocando no texto da nova LDB, barganhada e apr ovada na Câmara dos Deputados, com a obrigatoriedade reaI apenas até o quinto ano de escolaridade, Aproximadamente 7 milhões de crianças estão fora da escola, mais de 20

milhões de analfabetos absolutos e 80% da população com uma alfabetização precária, As razõe esta perversidade são de várias ordens, Apontamos aqui apenas o horizonte por onde e ntendemos as determinações mais estruturais,

Num primeiro plano situam-se o fato de sermos uma ~ sociedade que definiu sua in dependência pelas mãos do colo\ nizador, Herdamos, pois, uma matriz cultural bastante peculiar, ~onde o colonizado se identifica com o colonizadoL Apagam-se as raízes

ou são renegadas, Perfilamos uma relação de submissão, No passado mais remoto, essa subm issão se dava em relação aos conquistadores e colonizadores, Hoje, continuamos a ser c olonizados mediante a integração subordinada ao grande capitaL Não só somos a sociedade que mais retardou a libertação dos escravos, como pertencemos àquelas que os analistas situam

como de Terceiro Mundo,

A Revolução de 30, embora explicite mudanças e reformas significativas no plano do Est ado, da economia e da política, não constituiu efetivamente uma ruptura com as velha

s oligarquias, A elite industrial que se forjou nos anos 20 e após 30 é frágil e depend ente das oligarquias agrárias, Oligarquias que, como apontam as análises de Bosi (19 92), Villas (1991),

36

Weffort (1992) entre outros, têm a capacidade de manter a desarticulação entre o polític o e o social (democracia política e profunda exclusão social) e de defender a modern idade e, ao mesmo tempo, de manejar, sem remorsos, a chibata senhoriaL

i

Mantém-se, até hoje, uma cultura que escamoteia os conflitos, as crises, embora a so ciedade viva em crises e em conflitos, Sob o paternalismo e clientelismo, dilui-

se o conflito capital-trabalho, mirl'ÍlPiza-se a desigualdade social e a profunda discriminação raciaL 'Faz-se a apologia da conciliação e dai

harmonia "balofa", O próprio sistema intelectual dominante desenvolve-se com uma p ostura marcante de desenraizamento,

No plano econômico, esta matriz explicita-se, corno nos j; indica Francisco de Oli veira, no uso dilapidador do fundo público. O Estado é estruturado corno uma espécie d e deusJanus que tem uma dupla face: urna privada e a outra pública, que atua em função desta

. Historicamente, tem se constituído no grande fiador de urna burguesia oligárquica, protegendo latifúndios improdutivos, terra como mercado de reserva, subsídios sem re torno e especulação financeira. Os incentivos fiscais constituem-se na ampliação de subsíd ios do fundo público ao enriquecimento fácil e rápido de restritos grupos. Uma burguesia que sabe ser competente quando apoiada no fundo público. Nesta relação misturam-se

jogo de influências, formação de quadrilhas de corrupção no âmago do aparelho do Estado, nep otismo e us~a.

No plano político, como analisa Debrun no ensaio A conciliação e outras estratégias (198 3), desde a independência até hoje se alternam as estratégias da conciliação conservadora, do autoritarismo e do apelo, no plano do discurso, ao ideário liberaL

Há, contudo, sinais de rompimentos com esta tradição. As manifestações e démarches que culmi naram com o julgamento e afastamento de Collor, explicitam um tecido de sociedade

que tem novas forças e atores sociais em jogo, sinalizando uma nova direção. Estes no vos.atores sociais (novo sindicalismo, movimentos sociais urbanos, movimentos do campo, movimentos das minorias), como veremos adiante, redefinem a relação Estado-s ociedade sob novas bases.

No plan() educacional, mostra-nos A. Candido, que até mesmo as propostas de reform

as localizadas e de caráter mais liberal na década de 20, como as de Lourenço Filho no Ceará em 1924, a de Francisco Campos em Minas Gerais em 1927 e a de Fernando de A zevMo, no então Distrito Federal em 1928, tiveram ferrenha resistência, especialment e da Igreja. O que aconteceu em 30 com as propostas da Aliança Liberal no plano educacional, insiste Candido, foi reprodução dos mecanismos dos privilégios. Não se tratava

portanto, de uma revolução educacioual, mas de uma reforma ampla, e, no que concer ne ao grosso da população, a situação pouco se alterou.

Para Candido, o único país que realizou uma revolução no campo educacional na América Lati na foi Cuba, porque fez uma verdadeira revolução social.6

Na década .<le50 e início da década de 60, esboçou-se, na sociedade brasileira, em todos os âmbitos, um movimento que apontava para refomfJ§ debase e para a implantação de uma sociedade menos sUbmissa ao grande capital transnacional, às oligarquias e, portan

to, mais democrática. Este movimento envolveu grupos importantes da sociedade: mov imentos de cultura popular, de erradicação do analfabetismo, de educação popular, cinema novo, teatro popular, movimento estudantil e, no plano político-econômico, um proje

to que procurava romper com a relação de submissão unilateral ao capital transnacional.Esse processo foi abruptamente interrompido pelo golpe civilmilitar de 64.1O que é aparentemente estranho, mas, posto na matriz cultural das elites dirigente

s brasileiras já referidas, compreen.sível pela sua extrema funcionalidade, é que sem c onseguir a universalização da escola básica, já a partir do final dos anos 30, sob a tut ela e subsídio do Estado foi montado um eficiente e amplo sistema d~\'comunicação de m assa, de início com a radiodifusão e, mais iàrde, sob as sombras do regime militar, as redes de televisão. O monopólio (global) da mídia, em particular da televisão, constitu iu, como o entende Pasolini (1990), um verdadeiro poder fascista.

Os dados de expansão do sistema educacional e de entrada e permanência na escola e d

o acesso à televisão nos indicam uma progressão aritmética no caso da escola e geométrica no caso da TV. Para se ter uma idéia, em relação ao primeiro grau, em 1960 o país tinha 86,7 mil estabelecimentos e em 1988, 28 anos depois, passou para 190,4 mil. No m

esmo ano 0,9% dos domicílios dos grandes centros urbanos tinham aparelho de TV e 20 anos depois, em 1980, esse número progrediu para mais de 6 vezes, 55,9 e, em 1989

para 72,6, oito vezes mais. O mesmo IBGE!!1ostra que nestes mesmos domicílios, e

m 1989, 56, I % tinham filtro de água em casa, 56,1% geladeira, e 72,6% dispunham de aparelho de TV (IBGE, PNAD, 1989)

Ao contrário do que ocorreu na Europa, onde o sistema de comunicação de massa se desen volveu numa sopiedade amplamente escolarizada, no Brasil universalizou-se rapida mente, onde a maior parte da população é analfabeta ou semi-analfabeta. Por certo a luta pelo controle democrático da mídia é hoje um desafio tão importante quanto a erradicação do analfabetismo para aqueles que lut~m por uma 'efetiva democracia no Brasil. Veremos, adiante, como os novos sujeitos sociais vão se constituindo no tecido da sociedade brasileira, influenciando a relação entre Estado e sociedade, materializan do, no campo educacional, um embate de natureza muito diversa dos embates dos anos 30 e mesmo dos anos 50 neste âmbito.

parei aqui

2. A educação alçada a capital humano -uma esfera específica das teorias de desenvolvime nto

Como assinalamos anteriormente, embora a relação entre

o processo econômico-social e a educação já estivesse presente na escola clássica liberal (Adam Smith, Stuart Mill), a construção de um corpus teórico dentro de um campo discip linar -Economia da Educação -que define a educação como fator de produção, se explicita some nte no contexto das teorias do desenvolvimento, mais especificamente na teoria,_d,a modernizaçãe>,após a Segunda Guerra Mundial.A teºf.!a _ capit~1 huIllan() é uma esfera particular da teoria

ºº__

do desenvolvirne~tõ:--rna~~•~da pelo contexto em que foi produzida, uma das expressões ideológicas dominantes desse período. A teoria do desenvolvimento, geral e abrangente , pelas suas características e pela problemática abordada, é muito mais uma teoria da modernização do que uma teoria explicativa do desenvolvimento capitalista, isto é, das

bases materiais e das condições sociais em que assenta o processo de produção e reprodução das formações sociais capitalistas. (Grzybowski et

alii, 1986: 12) 40

A construção sistemática desta "teoria" deu-se no grupo de estudos do desenvolvimento coordenados por Theodoro S~,nos EUA, na década de 2Q. O enigma para a equipe de~Sd lultz era descobrir o "germe", a "bactéria", o fator que pudesse explicar, para além dos usuais fatores A (nível de

'tecnologia), K (insumos de capital) e L (insumos de mão de obra), dentro da fórmula geral neoclássica de Cobb Douglas, as variações do de\~nvolvimento e subdesenvolvimen to entre os países. Schultz notabiliza-se com a "descoberta" do fator H, a partirda qual elabora um livro sintetizando a "teoria" do capital humano, que lhe vale

u o Prêmio Nobel de Economia em 1968 (Schultz, 1973). No Brasil, esta teoria é rapid amente alçada ao plano das teorias do desenvolvimento e da equalização

,social no contexto do milagre econômico. A idéia-chave é de que a um acréscimo marginal de .J instrução, treinamento e educação, corresponde um acréscimo marginal de capacidade

de produção. Ou seja, a idéia de capital 'humano é uma "quantidade" ou um grau de educação e de qualificação, tomado como indicativo de um determinado volume )~, . de conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridas, que funI cionam como potencializadoras d

a capacidade de trabalho e de produção. Desta suposição deriva-se que o investimento em capital humano é um dos mais rentáveis, tanto no plano geral ldo desenvolvimento das nações, quanto no plano da mobilidade individual.

A disseminação da "teoria" do capital humano, como panacéia da solução das desigualdades e ntre países desenvolvidos e subdesenvolvidos e entre os indivíduos, foi rápida nos paíse s latino-americanos e de Terceiro Mundo, mediante os organismos internacionais (

BID, BIRD, OIT, UNESCO, FMI, USAID, UNICEF) e regionais (CEPAL, CINTERFOR), que representam dominantemente a visão e os interesses do capitalismo integrado ao gra nde capital.

É na crença nesta mágica solução, ao largo das relações de poder na sociedade, que um dos mai ilustres representantes da escola econômica neoclássica no Brasil, Mário H. Slll'lQllsen,41

no. final da década de 60 e início. de 70, pregava ao. mundo. que o. Brasil tinha enco.ntrado. seu caminho. para o. desenvo.l

vimento. e eliminação. das desigualdades, não. pelo. incentivo. ao. co.nflito. de classes, mas pela equalização. do. acesso. à esco.la e pelo. alto. investimento. em educação. (Simo.nsen, 1969). O Mo.bral, de triste memória, fo.i a grande o.bra, em matéria de educação., que Simo.nsen crio.u e deixo.u co.mo. legado..

Do.is aspecto.s básico.s o.cupam a literatura que abo.rda a educação. co.mo. capital humano., desde o. início., internamente co.nflitantes. O primeiro é. a tentativa do. po.nto. de vista macro e microeco.nômico. de se mensurar o. impacto. da educação. so.bre

o desenvo.lvimento.. O po.mo. de discórdia aqui' é de o.rdem meto.do.lógica e não. de co

.ncepção.. No. plano. da literatura internacio.nal destacamo.s, na perspectiva macro , o.s estudo.s de Harbinso.n & Myers (1964) e no. plano. nacio.nal, o.s de Lango.ni (1974) e Simo.nsen (1969), que tentaram mensurar o. impacto. da educação. de fo.

rma agregada no. desenvo.lvimento. o.u desenvo.lver méto.do.s de projeções e de previsão. de necessidad~e mão.-de-o.bra e nível de instrução., co.mo. manpower approach. No. plan o. micro, a ênfase é na análise de custo., taxa de retorno., custo.-benefício., análises d e o.ferta e demanda etc.

Blaug (1972) e Becker (1964) são. do.is do.s principais r epresentantes internacio.nais e C. Castro (1971, 1976), no. Brasil.

O segundo. aspecto. básico., o. mais impo.rtante para o. que no.s interessa na discussão. que faremo.s adiante, centra-se no.

debate so.bre o. pressupo.sto. básico. e tr)ais amplo. da "teo.ria", que é da~ducação.seLpro.duto.ra de capacidade d.",trabalho..A questão. básica é, po.is, co.mo. e que tipo. de educaçã()-é

gerado.r de diferentes capacidades de trabalho. e, po.r extensão., da produtividad e e da renda.

;;/ Aqui, uma vez mais, sem romper co.m a matriz co.nceptual . (da metafísica da c ultura, diria Ko.sik, 1986), o. embate é so.b~e

o. que de fato. produz a capacidade de po.tenciar trabalho. e o. que a esco.la e fetivamente desenvo.lve: co.nhecimento. e habilidades técnicas específicas o.u determ inado.s valo.res e atitudes funcio.nais ao. mundo. da produção.. Os estudo.s do.s ec o.no.mistas "'r

742(neo.clássico.s) tendem a valo.rizar o. primeiro aspecto., enquanto.

o.s so.ciólo.go.s (funcio.nalistas), o. segundo.. Parso.ns (1961) e Dreben (1968) são. do.is representantes da so.cio.lo.gia funcio.nalista que desenvo.lveram ampla s análises enfatizando. que a maio.r produtividade se dá pelo. desenvo.lvimento. de atitudes adequadas e funcio.nais ao. mundo. do. trabalho.. Auto.res co.mo. Bo.wl es (1972) e Gintis (1971), co.nhecido.s co.mo. radicais americanos, po.r suas análises têl;em uma inspiração. marxista, enfatizam o.s aspecto.s do. discipli~",mento. e das atitudes, fo.calizando. não. apenas a questão. da funcio.nalidade, mas so.bretud o. da repro.dução. do.s interesses do. capital.

O co.njunto. de po.stulado.s básico.s da teo.ria do. capital humano. teve profunda influência no.s (des)caminho.s da co.ncepção., po.líticas e práticas educativas no. Brasil , so.bretudo., na fase mais dura do. go.lpe militar de 64, ano.s 1968 a 1975.

No. plano. da po.lítica, de fo.rma auto.crática, o. eco.no.micismo. serviu às fo.rças pr omo.to.ras do. go.lpe, da base co.nceptual e técnica à estratégia de ajustar a educação. a o. tipo. de o.pção. po.r um capitalismo. asso.ciado. e subo.rdinado. ao. grande capi

tal. A Refo.rma Universitária de 68 e, so.bretudo., a Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Nacio.nal, de 1971, co.rpo.rificam a essência deste ajuste.

Ô. crítica à teoci.a do. capital humano. no. plano. internacio.nal e nacio.nal não. é rece nte. É ampla e bastante co.mpleta. No. plano. internacio.nal, além das análises anteri o.rmente indicadas de Bo.wles e Gintis, destacaria o.s trabalho.s de Carno.y (19

87), Labarca (1977), Finkel (1977 e 1990) e Hirchen & Ko.hler (1987). No. plano. nacio.nal, este debate desenvo.lve-se no. interio.r do. mo.vimento. de redemo.c ratização. da so.ciedade brasileira. Destacam-se o.s trabalho.s de Ro.ssi (1978), Ga lvan (1979), Salm (1980) e Arapiraca (1982). ~

"'--0 o.bjeto. de tese de do.uto.rado. que desenvo.lvemo.s no. início. do.s ano.s 80, publicado. co.m o. título. A produtividade da escola improdutiva, tem co.mo. e

ixo. central de análise, a crítica ao. caráter circular e po.sitivista da teoria do ca pital humano e a explicitação. das co.ndições históricas, no. interio.r

do capitalismo monopolista, que a produz. Por fim, um debate com as diferentes p erspectivas "críticas" da "teoria" do capital humano no campo educacional e suas i

mplicações político-práticas para a organização da educação que se articula aos interesses d classe(s) trabalhadora(s). (Frigotto, 1984)

Sobre este aspecto, buscamos mostrar que a questão não se situa, como as análise~ insi stiam, na perspectiva de um linear vínculo reprodutivista que tomava a escola um l ocus por excelência produtor de mais-valia relativa (Rossi, 1978, Galvan, 1979) ou

da tese do desvínculo que postulava que o capital prescinde da escola (Salm, 1980 ). A escola é uma

. instituição social que mediante suas práticas no campo do cQ.nheci'11.ento, valores, atitudes-e,~mesino, por sua âeSqUaITficação, articula determinados-interessese-ôesartÍclil a outros. No plano espeCIfiCãmente econÔÍnic(): moviment-;;'uma fatia do "fundo público" que se constitui em pressuposto de investimentos produtivos. O Programa de Mere

nda Escolar exemplifica, de forma clara, a relação de enormes somas de recursos dess e fundo que, como demonstra Gianotti (1983:268-275), mesmo sendo uma exterioridade do capital, cumprem uma função crucial na realização da mais-valia.

Uma síntese densa da trajetória da construção e desconstrução da teoria do capital humano, n Brasil, nos anos 80, é realizada na tese de doutoramento por Luiz C. Basilio (1993).Este mesmo debate, no contexto da crítica à matriz conceptual que embasava as política

s e a organização da educação nos longos anos da ditadura, está fortemente presente nas anál ises da Sociologia da Educação, realizadas por Cunha (1975, 1977), Warde (1979) e Pa

iva (1973); na administração e gestão educacional, Felix (1984) e Paro (1986); e, no p lano mais' amplo da Filosofia, Cury (1981) e Saviani (1980, 1986, 1989)

Nos anos 80, não só os debates dos educadores (Conferências Brasileiras de Educação, reuniõe científicas anuais da ANPEd, seminários regionais de pesquisa), mas também as publicações

, sinalizavam que a crítica, para ser efetiva, não 44

basta engendrar a denúncia e a resistência, mas necessita abrir perspectivas para as alternativas. O lema básico da Primeira Conferência Brasileira de Educação (SP, 1980) f oi: inverter o sinal. Neste processo de inversão de sinal, as análises dos movimento

s sociais e os próprios movimentos fecundam e .ampliam a compreensão do educativo. P rimeiramente se ampliam as' análises que buscam entender os processos educativos q

ue se dão no conj~Iilt~ das relações e lutas sociais e, então, a problemática da escola é ap reendida em sua relação com estas lutas. " No âmbito da educação, o trabalho, na perspectiva marxista de categoria ontológica e eco nómica central, constitui-se, ao mesmo tempo, num dos eixos mais debatidos tanto p

ara a crítica da perspectiva economicista, instrumentalista e moralizante de educação e qualificação, como na sinalização de que tipo de concepção de educação e de qualificação hum articula às lutas e interesses das classes populares.9

A perspectiva moralista e higiênica do trabalho desenvolveu-se, no Brasil, desde o século passado, inicialmente as Escolas de Artes e Ofícios, para os desvalidos da so rte. Mais tarde, nos anos 30, foi reiterada pela Igreja católica com o apoio do go verno Vargas, nos círculos operários, como antídoto ao perigo da influência comunista. A tualmente reedita-se, como panacéia para resolver (aumentar) a penalização dos aproxim adamente 5 milhões de meninos e meninas que sobrevivem nas ruas.i

! A ótica instrumentalista e pragmática, na vertente de adequação ao mercado de trabalho , é desenvolvida nos anos

9. É importante registrar que. ao falarmos dos interesses populares, não nos filiamo s na perspectiva daqueles que tomam como sendo estes interesses as mistificações imp ostas li. classe trabalhadora pelos aparelhos de hegemonia, sobretudo a mídia. As

mistificações populistas do saber popular, por vezes, têm um efeito político tão perverso quanto aqueles que negam, in y"mine, a existência de um saber nas classes populare

s. Penso que as análises de Gramsci sobre a questão do "senso comum" (l978a) e de Ko sik (1986) sobre pseudoconcreticidade e "a metafísica da vida cotidiana", são baliza mentos fundamentais para não se cair nesta armadilha. -"45

40 com a cnaçao da rede de escolas técnicas ind'lstriais e agrícolas, SENAI e SENAC e, posteriormente, com a Lei 5692171, ainda em vigor, com várias modificações, que defin e a profissionalização compulsória no primeiro e segundo graus. Manifesta-se, esta últim a, numa perspectiva pedagogista do aprender-fazendo, muito em voga para justific

ar as escolasprodução. No Capítulo IV 1P0straremos' que esta perspectiva instrumentalis ta e imediatista continuam sendo a dominante, ainda que os homens de negócio defendam uma formação e qualificação geral, abstrata e polivalente.

Além do pensamento de Marx, debatido em alguns cursos de pós-graduação (poucos), as obra s de autores como Hobsbawm (l981ê-1987), Thompson (1989 e 1991), Gramsci (1978), /wUjuez (1977), Schaff (1990), Manacorda (1990 e 1991), Braverman (1977), Gorz (1980), Coriat (1989 e 1994) e Eng~ita (1989, 1991), entre outros, vão ter uma sign

ificativa influência para as análises da relação trabalho-educação no final da década de 80 e início da década de 90. Embora a leitura dominante, como mostra Arroyo (1991), venha demarcada por uma perspectiva pessimista e de negatividade do trabalho e uma cons

eqüente fixação na tese da resistência, há um salto qualitativo na análise pedagógica. De out a parte, a crescente e fecunda aproximação dos pesquisadores em educação, através dos progr amas de pós-graduação e mediante a Associação Nacional de Pesquisa e Pós,Graduação em Educaçã d), com as Ciências Sociais permitiu uma abertura de análise. Esta aproximação deu-se, so bretudo, no âmbito da História, Sociologia, Ciência Política, Economia e, em menor propo rção, na Antropologia. Esta última, todavia, parece penetrar no campo educativo por seu elo menos denso para a compreensão da educação no âmbito das relações sociais. Aparece, muit as vezes, como reificação do singular, do diferente e da particularidade em contraposição às análises de caráter mais estrutural.\Iv O campo educativo, dominantemente aprisionado no plano "pedagógico escolar, al

arga seu locus para o plano do conjunto das práticas e relações so~;;ris;\e a educação, co mo apontamos

46 c

anteriormente, passa a ser concebida como uma prática cons tituída e constituinte destas relações sociais. Arroyo, um dos educadores que mais tem contribuído neste período para a apreensão do educativo no tecido das relações sociais, ao examinar como historicamente o mundo da produção se constitui. num espaço onde tanto a burguesia busca fabricar e formar

o trabalhador que lhe convém, como este luta, mediante suas organizações, para'.~upera r os processos de alienação, indaga:\\

Se é aí que a b~fguesia e as classes trabalhadoras colocam o loeus do educativo, por que a história da pedagogia teima em situá-lo, e até exclusivamente, na escola? (Arro yo, 1987:91) p

/

O trabalho de Kuenzer (1985), A pedagogia da fábrica as relações de produção e a educação do rabalhador,

inaugura, no âmbito educacional, a busca de se apreender, no tecido complexo e dif erenciado do mundo da produção e do trabalho, os processos educativos em embate. O núm ero de pesquisas, especialmente dissertações e teses, que seguem esta perspectiva te m se ampliado significativamente.

Três trabalhos, sendo dois coletâneas, apreendem, na década de 80, o movimento de inve rsão do eixo na apreensão da relação educação, escola-trabalho para trabalho-educação. Uma primeira coletânea, Trabalho e conhecimento dilemas na educação do trabalhador (Fri gotto, G., 1987), com textos de Arroyo, Arruda, Gomez e Nosella, de um lado iden

tifica a "superficialidade teórica" do debate sobre trabalho-educação mediante uma homo geneização do discurso e a não-historicização da categoria valor-trabalho e capital-trabal ho (Frigotto) e de outro explicita, no plano histórico mais amplo (Nosella e Arroy

o) e no plano das relações de produção atuais (Gomez e Arruda), como esta relação se produz.

Na mesma época, e dentro da mesma perspectiva, Kuenzer (1987) faz um amplo balanço d

a relação trábalho-educação no Brasil. Este inventário resulta, ao mesmo tempo, do esforço de aprofundamento teórico e de definição de diretrizes políticas alternativas à tradição economi ista dominante.

A segunda coletânea, organizada por Silva (1991), Trabalho, educação e prática social: po r uma teoria da formação humana, expõe análises que focalizam a contradição da negatividade da positividade do trabalho sob as relações capitalistas de produção (Thompson, Manacor da, Lerena, Enguita, Silva, Arroyo); o sentido do trabalho como princípio educativo em Gramsci (Nosella) e as bases do embate da concepção e prática

educativa, na perspectiva de uma formação humana dentro dos interesses unidimensiona

is do capital e da luta por uma formação omnilateral ou politécnica na ótica dos interes ses dos traba-lhadores (Frigotto).

Ao mesmo tempo que este debate se delineia no âmbito da construção teórica, exercita-se no plano do embate político e organizativo da educação, tanto no contexto do processo constituinte, quanto no processo de elaboração e definição da nova Lei de Diretrizes e B ases da Educação Nacional, que está em gestação desde 1988. A luta, no plano das diretrize s e no plano das bases (condições de concretização das diretrizes), dá-se dentro de um tec ido social e cultural onde as elites dirigentes fazem o discurso da modernidade,

mas estão prenhes das práticas escravocratas, estamentais e oligárquicas. Como nos mo stra Francisco de Oliveira (1992), Collor é a expressão paradigmática da falsificação da m odernidade.

O início dos anos 90 sinaliza, ao mesmo tempo, um processo de aprofundamento da re

lação trabalho-educação, um aumento significativo de pesquisadores da área que se preocupa m com essa temática 10 e a busca, tanto no planO teórico, como no plano político organ izativo, da rediscussão da função social da escola no conjunto das lutas pela efetiva democratização da sociedade brasileira.

Em relação à concepção da escola, o eixo básico centra-se na questão da escola unitária, form cnológica ou poli 10. José dos Santos Rodrigues, ao levantar a participação das reuniões anuais da ANPEd, desde 1989, mostra que no conjunto dos 13 grupos de trabalho institucionalizados

na (ANPEd)j o GT trabalho-educação, neste período, agregava a participação de mais de 20% do totai de participantes. (Rodrigues, 1993, 23-24)48

"~I btécnica e no aprofundamento do sentido e das implicações

. político-práticas de tomar-se o trabalho como princípio educa tivo. Trata-se de uma perspectiva que demarca, como explici taremos mais detalhadamente no último capítulo, uma clara contraposição às teses do neoconservadorismo que, definindo

. o '. mercado como o sujeito regulador da concepção e da organização da educação, tende a e ternizar a concepção instrumentalista, duali~ta, fragmentária, imediatista e interessei

ra de formação human'â\ Inúmeros trabalhos expõem este debate, entre eles, Machado (1989,1 992), Kuenzer (1989, 1991, 1992), Saviani (1988, 1989), Frigotto (1991a), Nosella (1992, 1993), Warde (1993), Market (1992) e Rodrigues (1993).O trabalho de Nosella sobre A escola de Gramsci (1992), pela influência que Gramsc

i teve na área desde o início da década de 80 e pelo nível de aprofundamento atingido em relação à questão da escola unitária, educação tecnológica, enquanto antítese à visão intereimediatista dos homens de negócio, é o que mais avança neste debate. Trata-se de um esforço de precisar questões que vêm carregadas de ambigüidade. Na mesma direção, o trabalho dRodrigues, A educação politécnica no Brasil: concepção em construção(1984-1992), nos permite, de forma densa, apreender as diferentes nuances do debate sobre esta questão eo tecido de realidade do qual tais análises emanam.Este debate crítico nos auxilia, hoje, a perceber que o resgate das concepções marxistas de formação humana politécnica ouomnilateral emerge no terreno das contradições do capitalismo neste final de século. O risco que se pode correr neste campo é o mesmo parao qual Francisco de Oliveira chama atenção em relação à análise econômica, que é o detransformar a teoria marxista de crítica ao capitalismo emmodelo ou aplicada para resolver problemas operativos depolítica econômica. II Esta tendência certamente tem se mani

11. Ver entrevista de Francisco de Oliveira, "Marxismo não é modelo, é crítica", Folha d e S. Paulo, 13.06.93.49

festado de diferentes modos em relação à concepção de politecnia. No âmbito do esquerdismo, ransformou-se em bandeira de palanque ou em novo jargão da moda e, no âmbito da burocracia e tecnocracia do MEC e dos organismos, instituições ou intelectuais zeladores

da "formação" que convém aos homens de negócio, em uma perspectiva que ameaça acabar o qu e sefez e vem fazendo de bom em termos •de formação técnicoprofissional.

A partir de 90, uma nova categoria é incorporada ao debate da relação trabalho-educação: a t",cnologia. Este tema tem tido sido enfatizado nas reuniões anuais• da-ANPEd, nas Conferências Brasileiras de Educação e na participação da área nas duas últimas reuniões de S (1992 e 1993). Os debates estão expostos em três coletâneas e outros trabalhos publicados isoladamente em diferentes espaços.

A primeira coletânea, Sistemas educacionais e novas tecnologias, reúne textos de educ adores que examinam a natureza e o impacto das novas tecnologias sobre a socieda

de, o trabalho e a educação. (Tempo Brasileiro, 105, jul. 1991) A segunda coletânea reúne textos de sociólogos, econo

mistas e cientistas políticos, trabalhando casos específicos do impacto das novas tecnologias sobre o trabalho, o sindicalismo e a formação dos trabalhadores. (Revista Educação & Sociedade, abro 1992)

Finalmente, a terceira coletânea, Traba1bQ:.fcluca.ção, condensa um esforço conjunto de r eflexão de sociólogos e educadores na compreensão da natureza da nova base tecnológica e seu impacto sobre o processo de trabalho e a formação humana. (Vários autores, Papiros, 1992)

Este esforço de trabalho conjunto, se de um lado nos tem ajudado a avançar sobre as perspectivas mistificadoras da ciência e da tecnologia, tomadas como variáveis supra -sociais, e as visões pessimistas e catastróficas, de outro tem permitido apreender as tensões das análises em relação à educação. Desta

A análise de Machado sobre as mudanças tecnológicas e a educação da clasSe trabalhadora en fatiza, sobretudo, a natureza da qualificação numa perspectiva marxista e a especific idade da nova base técnica do processo de produção. O trabalho de Magda Neves tensiona

as análises homogeneizadoras sOQre as novas tecnologias e mostra, mediante suas p esquisas, que na realidade brasileira convivem formas tayloristas, fordistas e pós -fordistas de ori\anização e gestão do trabalho. Ao ressaltar

o caráter social das n\(vas tecnologias, Neves nos mostra que a positividade ou ne gatividade da nova base técnica está inscrita nas relações de força concretas no plano polít ico, econômico e cultural mais amplo. O terceiro trabalho de Rezende Pinto,

Pessoas inteligentes trabalhando com máquinas ou máquinas inteligentes substituindo trabalho humano?, inscreve-se de.ntre aqueles que diagnosticam as demandas da no va base técnica dos setores de ponta do processo produtivo e busca averiguar como

os sistemas educacional e o de formação técnico-profissional podem lhes ser funcionais. Por este caminho entende que a formação para esta nova base técnica tem que tender à fo

rmação abstrata, à policognição ou poli valência e vê como desintegradora a perspectiva da fo mação politécnica.

As análises de Machado e Neves, assinaladas anteriormente, são também trabalhadas pelas contribuições de outros pesquisadores da área de Ciências Sociais que participaram dos debates neste período com os educadores. Destaco as análises de Nádya Castro (1992), R

. P. Castro (1994), Helena Hirata (1991, 1993 e 1994), M. Salerno (1992 e 1994), Freyssenet (1992 e 1993), Ferretti (1994) e Coraggio (1993).

Este rápido balanço da crítica ao reducionismo economicista consubstanciado na educação pel a "teoria do capital humano", como salientamos, teve como eixo central a categor

ia trabalho. Por esta via não só. o educativo é concebido como tendo seu locus no conj unto das relações e práticas sociais, como a escola, enquanto aparelho de luta hegemônic a, passa

terceira coletânea destacamos os trabalhos de Machado (1992), j' a ser entendida não como reflexo das relações sociais, aparelho Magda Neves (1992) e Rezende Pinto (199 2).

apenas reprodutor das relações dominantes, mas ela mesma constituinte das relações SOCIa IS. No plano da análise crítica isto significou, ao mesmo tempo, uma superação da visão si mplesmente reprodutora da escola e da educação, discutido no âmbito da Economia da Edu cação, a visão conspiratória de Rossi e Galvan, ou aparelho ideológico descolado da base m aterial, como analisa Salm (1980). /2 Ou seja, rompeu-se com a visão que, busca ap reender o vínculo ou a falta de vínculo linear dos qrocessos educati~s com o sistema produtivo, para situá-los nr plano das mediações concretas constitutivas dos processo§/ sociais, onde a estrutura e superestrutura formam, na expréssão gramsciana, um bloco histórico.

Este percurso de duas décadas de construção teórica e de luta no plano político organizati vo da escola, conjunturalmente, teve como espaço de embate o complexo, tortuoso e i nconcluso processo de "transição" democrática e, dentro dele,o processo de promulgação de uma nova Constituição e uma nova Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional. Inúmeros são os documentos que fazem o balanço do andamento das démarc hes deste processo no campo da educação.

As grandes esperanças alimentadas pelas negociações a partir de um projeto encampando boa parte das lutas históricas dos educadores, com a vitória de Collor e a nova corr elação de forças no Congresso, aumentaram a cada dia sua desfiguração, levando Florestan F ernandes (1992), numa análise deste processo, a afirmar que a nova LDB estava sendo mutilada, correndo o risco de se transformar num frankenstein. Como veremos no último capítulo, as definições que vão se solidi

É nítida, nestas análises, a influência da leitura althusseriana da teoria marxista de ideologia, onde a mesma é apreendida de forma descolada da base material. Porta nto, não a tomam, ela mesma, como um elemento constitutivo da própria materialidade dos processos sociais. O grande sucesso dos textos althusserianos e, sobretudo do texto sobre os "aparelhos ideológicos de Estado", e mesmo o sucesso do livro de B ourdieu & Passeron -A reprodução _ mais que outros textos importantes de Bourdieu, s

e de um lado podem ser interpretados por uma espécie de resistência ao aprofundament o das análises, de outro deve-se reconhecer que, na conjuntura do início dos anos 70 , sob a violência da ditadura, assumiam uma espécie de efeito catártico ..

2I"ficando na nova LDB, pelo que a Câmara aprovou, explicitam claramente o velho dile

ma da burguesia em matéria da função econômico-social da educação. Este dilema, entre nós, se apresenta de um lado pela demanda de ampliação da escola básica e uma nova qualidade da mesma como exigência das necessidlldes da nova base técnica do processo produtivo, d

os processos de reconversão tecnológica e, de outro, pela dificuldade de liberar eh. campo educativo da esfera privada do mercado. "

"Os homens de negócio, a sociedade do conhecimento e o fim da sociedade do trabalho

Os debates do início da década de 90 sobre a natureza das novas tecnologias caracter izadas como configuradoras da Terceira Revolução Industrial, as mudanças na base técnica da produção e o impacto sobre o conteúdo do trabalho, divisão do trabalho e qualificação e formação humana nos permitem identificar uma problemática que se expõe como desafio teóric o e político prático para quem tomou como eixo de compreensão dos processos educativos

e da organização da escola unitária e politécnica, a categoria trabalho.

Este desafio, que --neste trabalho buscamos abordar e configurar na sua anatomia mais geral e apenas referi-lo aos embates concretos da realidade brasileira e l atino-americana, se manifesta em dois níveis diversos de problematicidade .sobre a mesma base histórico-material. '

O primeiro desafio materializa-se no esforço de atender novas formas de sociabilid ade do capital, a um tempo, produtoras e resultado da crise do "modelo" fordista

de desenvolvimento e, portanto, de acumulação, concentração e centralização de capita]l3 qu e regulou as relaçÕes capitalistas no último meio

Labini, embora não seja um autor inscrito na tradição marxista de crítica ao process

o de acumulação, nos ajuda a entender o processo de concentração ii

século. O controle e monopólio do progresso técnico e do conhecimento que está na base d esta nova sociabilidade é crucial na competição intercapitalista e na subordinação do trab alho ao capitaL Mas o conhecimento é também uma força (matel1al) na concretização'dos inte resses-dos trabalhadores.

Sob este terreno real opera,se a formulação de representações -que não são il1aquiavélicas, expressão da forma mesma de conceber a realidade -que no plano político-ideológico se explicitam nas teses da sociedade pós-industrial, pós-capitalista, sociedade global s

em c/asses, fim das ideologias, sociedade pós-histórica. Como demonstra Gentili (199 4), a partir de uma ampla revisão de literatura internacional, estas teses têm como pressuposto que isto resulta de um novo modelo de organização social: a sociedade do conhecimento.'4

No plano econômico, no nível mundial, este novo modelo de organização social implica um novo tipo de organização industrial, baseada em tecnologia flexível (microeletrônica asso ciada à informática, microbiologia e novas fontes de energia), em contraposição à tecnolog ia rígida do sistema taylorista e fordista e,. como conseqüência, um trabalhador flexíve l, com uma nova qualificação humana. (Gentili, 1994)

Dentro desta "nova ordem", os mesmos organismos internacionais (FMI, BID, BIRD, U NESCO, OIT, UNICEF, USAID), organismos regionais (CEPAL, CINTERFOR, OREALC), técni

cos dos Ministérios da Educação e de instituições ligadas à formação técnica, empresários e quisadores seguiam, desde o final da década de 40, o receituário do CBAI para estabelecer os fatores responsáveis

capitalista. Para Labini, este processo se dá mediante três formas básicas: "A concentração das unidades de produção (que pode ser chamada de concentração

técnica), a das empresas (concentração económíca) e a das empresas produtoras de bens dife renciados ou grupos de empresas ligados entre si, principalmente por partiCipação ac ionária (acumulação financeira)". (Labini, 1972: 35)14. Dentre os autores trabalhados por Gentili destacamos as análises de

Bell (l973, 1980), ToffIer (1980,1973, 1990) e Drucker (l982, 1987).

pela eficiência de formação para o trabalho,15 a partir da década de 60, passam a obedec er o receituário do economicismo e tecnicismo veiculados peIa teoria do capital humano que sub

metem o conjunto dos processos educativos escolares ao imediatismo da for

mação técnico-profissional restrita. Porém, nos ànos 80, surgem com novos conceitos e cate gorias que, aparentemente, não aJ?enas superam aquelas perspectivas, como lhes são op ostas. T,\{lta-se, na 'verdade de uma metamorfose de conceitos sem, todavia, alterar-se fundamentalmente as relações sociais que mascaram.

No plano da ordem econômica, os conceitos ou categorias pontes são: flexibilidade, p articipação, trabalho em equipe, competência, competitividade e qualidade total. No pl

ano da formação humana são: pedagogia da qualidade, multi-habilitação, policognição, polivalê a e formação abstrata. Nesta perspectiva configura-se uma crescente unanimidade do discurso da "modernidade" em defesa da escola básica de qualidade.

Esta mudança de enfoque seria a explicitação real de que a "nova (des)ordem" mundial, sob a égide da sociedade do conhecimento, estaria efetivamente delineando novas re

lações não c/assistas, pós-industriais e, portanto; de processos educativos e de formação hu ana desalienados e não subordinados aos desígnios do capitaROs homens de negócio mudar

am suas concepções e seus interesses? Ou estamos diante de transformações que mudam efeti vamente dentro da relação capitalista sem, contudo, alterar a natureza desta relação? Qu al a qualidade deste novo dilema? Em que base material ele se assenta e que poss ibilidades, no plano das contradições, engendra para aqueles que lutam para liberar

a educação da esfera privada, dos grilhões do capital e mesmo do imperativo mundo da n ecessidade

15. De acordo com Allen e Richars, os fatores responsáveis pela eficiência da formação téc nico-profissional são: fator geral (conhecimentos gerais), manual (habilidades), e

specífico (conhecimentos científicos básicos das noções tecnológicas), tecnológico (procedim os técnicos), administrativo (capacidade de avaliar e organizar) e social (adaptação aos interesses da empresa e dos clientes). (Apud Vianna, 1967)

e situá-la no plano da esfera pública e, portanto, protegida do imediatismo interess eiro do mercado capitalista?

O primeiro desafio é, pois, de qualificar a base histórico-social das quais emergem e ssas novas exigências educativas e de formação humana -rejuvenescimento da teoria do c apital humano -e de decifrar por que as teses de uma formação geral e abstrata, que prepari. sujeitos polivalentes, flexíveis e participativos aparecem ao mesmo tempo com as perspectivas neoconservadoras de ajuste no campo econômico-social e no cam

po educacional mediante as leis de mercado. Nesta redefinição, expressão dos problemas que as relações capitalistas, sobre uma nova base científico-técnica enfrentam,' quer no seu confronto intercapitalista na concorrência, quer nas formas renovadas de lutados trabalhadores, para fixar uma nova base de acumulação, situa-se, ao nosso ver,o espaço da luta por alternativas tanto nos processos quanto no conteúdo do educativo

. O terreno de embate está, pois, no plano da natureza específica que assumem as rel ações sociais na sociedade capitalista deste fim de século. Se esta primeira ordem de questões traz exigências novas de um enfrentamento nos pla

nos teórico e político para não correr o risco de deixar sucumbir a análise à unanimidade das aparências na defesa de uma nova "qualidade" para a educação e a formação, ou a uma po sição conspiratória, pessimista e irracionalista, a segunda ordem de questões se apresen ta como uma espécie de um xeque-mate, num complicado jogo de xadrez, para aqueles

que tomam o trabalho no seu processo. histórico como categoria central de análise da s relações humano-sociais em geral e, especificamente, no campo educacional.

Aqui, o tensionamento é de outro calibre, quer pelos interlocutores, quer pela lei tura que fazem da crise ou da decretação do fim da sociedade do trabalho e com ela o fim

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da centralidade do mesmo como categoria sociológica de análise,o fim do trabalho abstrato e com ele o fim das classes sociais fundamentais. A f

unç~o so"i<ll_.da educação e a formação humana é, para est.ª--PS1"!>pJ<ç,tiva, a_de..Jlf~.Pll ara o tempolivre. ---- . .. .-....._.-.......~.

Os interlocutores aqui não são nem os economistas neoclássicos do capital humano, nem o s homens de negócio, mas sociólogos e filósofos filiados a perspectivas críticas na anális e social. Trata-se das análises sobre o trabalho na vida social deste final de sécul

o, como as de Offe (I989b), Schaff (1990) e Kurz (1992) com\)s quais di'alogarem os a seguir.

O enigma a ser' decifrado aqui, no horizonte teórico exposto por Francisco de Oliv eira (I 988b), situa-se, ao nosso ver, na apreensão da crise do padrão de desenvolvi

mento dos últimos 50 anos, calcado na dilatação do fundo público e por essa via a uma te ndência de desmercantilização da força de trabalho.

Na forma histórica concreta de desenlace desta crise, cujo conteúdo e custo social e humano têm se apresentado de forma diversa em diferentes regiões do mundo, inscreve

-se a possibilidade de ampliar o caráter social e público do fantástico progresso técnico e sua capacidade de satisfazer necessidades humanas e liberar tempo livre! mund

o de fruição e de efetiva liberdade, ou aumentar o poder de destruição e ampliar o tempo liberado e aprisionado pela violência e alienação do desemprego estrutural e subempre go. Este desenlace comporta menos profecias e mais sujeitos sociais (coletivos) concretos, agregando forças para a positividade que a crise engendra.

A intenção deste trabalho, nos limites de sua elaboração, é de qualificar a natureza desta s duas ordens de questões no que elas se articulam, no plano teórico e político-prático, com a educação no seu vesgo neoconservador, cujo sujeito é o

J mercado, na perspectiva neo-racionalista ou (ir)racionalista do fim da s ociedade do trabalho, fim do trabalho e das classes sociais e, finalmente, na pe rspectiva alternativa de situarem-se os I'rocJ<~.oi::educ.at&os.. e a_~scOla'no

CQj1junto.A~f'Qr"çâs _que e1eg~f!LQ.ser!1JJ[l1ªºoc.0Il1C>_ sllieit:C>..socjAl_IlO-.dJ<§el! "oIvimento omnilateraLde suas possibilidildes históricas.

Temos, como eixo orientador do trabalho, que as diferentes perspectivas anterior mente expostas decorrem do tipo de compreensão da crise profunda e do colapso do mo

delo de desenvolvimento que serviu de resposta à Grande Depressão do final da década de 20. Trata-se de um modelo sobre o qual sustentou-se o padrão de acumulação capitalista s neste último meio século e que a literatura o denomina, mais comumente, de modelo keynesiano, Esta'}Jo de Bem-Estar Social ou Estado-previdência, modelo fordista. Tr ata-se, como analisa Francisco de Oliveira, de um padrão

que pode ser sintetizado na sistematização de uma esfera pública onde, a partir de reg ras universais e pactadas, o fundo público, em suas diversas formas, passou a sero pressuposto do finan

ciamento da acumulação do capital, de um lado, e, de outro, do financiamento da repr odução da força de trabalho, atingindo globalmente a população por meio dos gastos sociais. (Oliveira, 1988b: 20)

No primeiro caso, as Vlsoes neoconservadoras apontam como solução aquilo que histori camente se mostrou como sendo a raiz do problema: o mercado como regulador do co njunto das relações sociais. No segundo caso, as visões neo-racionalistas ou irraciona

listas, por fazerem uma análise mais lógica que histórico-dialética da crise, suprimem o s sujeitos sociais em luta hegemônica e apontam a travessia mediante soluções de natur eza meramente institucional ou alternativas idealistas ou "escatológicas". Trata-s

e de análises de ampla receptividade e que, no caso brasileiro pelo menos, têm servi do para alimentar as perspectivas do "esquerdismo infantil" incapaz de perceber mudanças na relação entre o Estado e a sociedade.Um esquerdismo infantil impenitente julga que no fundo a

educação púbJica, a saúde pública. a previdência social e outras instituições estruturadoras relações sociais são apenas uma

ilusão e contribuem para reproduzir o capital. (Oliveira, 1988b: 21) 58

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NATUREZA, ESPECIFICIDADE ECUSTOS HUMANOS DA CRISEDOS ANOS 70/90

Inúmeras são as análises que, de diferentes formas, caracterizam a crise deflagrada, em âmbito planetário, a partir de 70 e cujos fatos mais marcantes se deram no final da década de 80. Nunca mudou tanta coisa em tão pouco tempo, exclamam uns; nunca houve tanto fim, sentenciam outros.

Para uns, que jogam, como nos lembra Hobsbawm, uma espécie de jogos de soma zero, é o fim das ideologias, do socialismo, das classes sociais, da sociedade do trabal

ho, da planificação, da história, e a prova da superioridade dos mecanismos "naturais" do mercado e, portanto, da necessidade da volta aos mesmos. Para outros, esta, t odavia, não é, como insiste Hobsbawm, uma apreensão adequada para a crise atual,

exceto por pós-graduados de faculdades de administração que, de hotéis Hilton espalhados pelo mundo, dão conselhos a

países do Terceiro Mundo e a países anteriormente socialistas (Hobsbawm, 1992a: 100)

O que existe, na verdade, é uma crise mais geral do processo civilizatório, material izada de um lado pelo colapso do socialismo real e, de outro, pelo esgotamento d

o mais longo e bem-sucedido período de acumulação capitalista, Há, pois, uma profunda cr ise do capitalismo hoje existente que apresenta contradições mais agudas.

A problemática crucial de ordem político-econômica e social da crise dos anos 30 manif estava-se tanto no desemprego em massa, quanto na queda. brutal das taxas de acu 'rriulação. Ambos

incidiam na reprodução da força de trabalho. Maiscte meio século depois a mesma questão volta à baila, porém com uma materialidade histórica bem diversa. Como ver emos a seguir, na perspectiva que Francisco de Oliveira nos apresenta, os longos

50 anos de sustentação, mediante o fundo públiço, ela acumulação capitalista, onde o financ iamento da reprodução da força de trabalho é, entre outros, um aspecto importante, permi tiu ao capital (associado ao Estado) um longo período de intensa reprodução ampliada e in\,estimento pesado no avanço tecnológico. Todavia, neste mesmo período, o jogo de i nteresses implicados na reprodução da força de trabalho deslocou, em grande parte, o lo eus desta disputa da esfera privada

para a e~fera pública. O resultado deste processo de intensa acumulação, particularmente nos países capitalist as centrais, foi um profundo revolucionamento da base técnica do processo produtiv

o (Terceira Revolução Industrial), com impactos, positivos e negativos sobre o trabal ho humano. Configuram-se uma nova divisão, mudanças no conteúdo, quantidade e qualidad e do trabalho e novas demandas de qualificação humana.

O ponto crucial é que o fato de a nova e fantástica base técnica, potenciadora das força s produtivas, dar-se sob relações de exclusão social, ao contrári.Q.dí'.liberar tempo livr e enguanto mundo da .liberdade, produz tempo de tensão, sofrimento, Iirê()cup~oejlªg;;í( ,_<!() desemprego estrutural e subem~go. O trabalho, enquanto força de trabalho, p

assa a constituir-se numa preocupação visceral de tal sorte que, perversamente, como nos indica Francisco de Oliveira, (1990: 12) o caráter excludente das relações sociai s determina que, nestas circuns60

tâncias, o trabalhador lute para manter-se ou para tornar-se mercadoria.O desemprego estrutural e o subem..pJ~go que atingem o coração docapiíalTSmo desenvolv

ido e de fOl:ma..!l1~~~r~a, porque com lrageisforçâSde•resisfênCiã~•o Terceiro Mundo e à degr dação ecológica resultam de um movimento de reorganização e regionalização do capitalismo e estruturação de um novo regime de '~çumulação •capitalista, sob a égide, como bem explicita N Chomsky, (1993: 6) dos "novos senhores do mundo" ou "do governo mundial de fact

o": Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, grupo dos sete países mais industr ializados e o seu Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Este novo governo mun dial te11lna..Ql:i.\,atização do conl1~c.iffifnto enos.l'rocesso~.(je exclusão suas ar

màs-6âsicas. Por certo, esta forma de resposta nãoénema••6liÍcii,-nem a humanamente desejável Neste capítulo buscamos, sucintamente, apreender a natureza e especificidade da cri

se e dos processos que serviram de enfrentamento às crises cíclicas do capit!llismo, que atingem seu ápice nos anos 30, cuja base de sustentação teórica foi o keynesianismo e cujo pressuposto básico, ao contrário das teses da liberdade absoluta do mercado, implicava tomar como eixo a planificação e, portanto, uma pesada intervenção. do Estadg

. nQ.processo econômico-social.Interessa=nos,-• de outra parte, assinalar os custos humanos diferenciados da crise e as perspectivas de seu enfrentamento.!

É no quadro da compreensão da crise, portanto, e sobretudo do que ela impacta sobre o trabalho humano, que podemos

1. Se é uma crise do processo civilizatório, tanto em sua gênese quanto na sua manifes tação atual e em suas perspectivas de enfrentamento, o colapso do socialismo real e

o esgotamento das políticas do Estado de Bem-Estar Social não podem. a despeito de s uas especificidades, ser separados. Ver, neste sentido, Hobsbawm, 1992a: 3-106. Neste trabalho, limitamo-nos a examinar a crise do capitalismo que se manifesta

de forma clara desde o início da década de 70. A base da análise aqui exposta tem como sustentação os trabalhos de Hobsbawm (l992a e b) e F. de Oliveira (l988b, 1992), qu e abordam a crise do Estado de Bem-Estar Social.61

enfrentar as questões básicas deste ensaio que se delineiam, de um lado, pelas teses de base "neo-racionalista" do fim da sociedade do trabalho e da centralidade do trabalho na vida humana, e pelas teses neoconservadoras do mercado como instrum

ento de regulação do conjunto das relações sociais e, de outro, pela relação desta ordem de questões com as alternativas que se apresentam para a educação e a formaçãohumana.

1, Natureza e especificidade da crise: o esgotamento do Estado de Bem-Estar e do modelo fordista deacumulação e regulação social

É importante demarcar, neste primeiro item, que a crise dos anos 70/90 não é uma crise fortuita e meramente conjuntural, mas uma manifestação específica de uma crise estrut ural. O ~ue entrou em crise nos anos 70 constituiu-se em mecanisnÍ~ de soluçãõâãCtise dos an os -30: aspolíilcas-estatã1s~-meãíanle -"--".-. -'. ----,,,-,,---,,-._--.,,---------------~ ----..--~ o fundo público, finÍlnciando o padrão OeacumUlaçãõ•capitalista nos últimos cinqÍienta anos. A crise•nã() e,portiiiítO,como a explica a ideologia neoliberal, resultado da demasiada interfe rência do Estado, da garantia de ganhos de produtividade e

da estabilidade dos trabalhadores e das despesas sociais: Ao contrário, a crise é um elemento constituinte, estruturãl, do movimento cíclico da acumulação capitalista, assumindo formas específicas que variam de intensidade no tempo e no espaço.

1.1. ,A natureza estrutural da crise

Ao tratar da especificidade do modo de produção capitalista, Marx, particularmente na obra O capital, nos mostra que se trata de um modo social de organização cujo tecid o estrutural do conjunto de suas relações sociais tem como objetivo central e perman

ente a maximização da acumulação de capital. Possui, como leis imanentes e necessárias, a acu

62

mulação, a concentração e a centralização. É uma sociedade que proâ/iiparti-produvr,Tsto é, s e se interessa por produzir bens úteis para o consumo enquanto portadores da virtu

de do lucro, da mais-valia e, portanto, da acumulação ampliada do capital. (Beluzzo, 1980)

'. A exploração capitalista diferencia-se da exploração dos modos de produção precedentes po r inscrever-se no próprio processo social de 'produção mediante a separação entre a esfera econômica e pl>\ítica e pela unificação da produção e apropriação da mais-valia. Funda-se" p , numa re~ç~~§gcial flll!damel1tal, formalmente igualitária, mas'-I1ÍstÓnca e efetivam.ente de.~!Ial: reJfIÇ.~oc.aJ'lital/trªl:>-ªlho -proprietárws pnvaoos dos l!l.eioL e instrume nt~_<k_PIOdJJção eY~Il<l~49IeLd_e_ força

detrabalho.2--~•'• ..,----~-"._-

I f O capitalismo tem que engendrar o sujeito livre e igual ante o direito, o contrato e a moeda, sem o que não poderia existir sua ação seminal: compra e venda de força de trabalho e

2. É fundamental que se distinga o trabalho enquanto atividade histórica de autocriaça o humana (sob as mais diversas bases técnicas), mediante a produção de bens materiais enquanto valores de uso, da forma abstrata mercadoria força de trabalho que o mesm

o assume sob as relações capitalistas na produção de bens como valores de troca. ""-

Por ser uma dimensão ontol6gica e histórica de produção de valores d<! uso, "o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano

com sua própria ação. impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a nat ureza como uma de suas forças. Atuando assim sobre a natureza externa e modificand

o-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza". (Marx, 1978) Nesta perspectiva

o homem constrói a si mesmo em intercâmbio com os demais seres humanos e cria poss ibilidades novas para seu devenir.

Enquanto mercadoria, o trabalho torna-se uma força abstrata, sem conteúdo concreto, que interessa ao capital como produtora de valores de troca, de mais-valia. "Os homens, antes de qualquer determinação concreta substancial, transformam-se em mónadas do dispêndio de força de trabalho abstrata. Em agregados altamente diferenciados co

operam de forma diretamente social, porém em grau mais alto de indiferença e alienação r ecíprocas. P9dem satisfazer suas necessidades apenas indireta e posteriormente, me diante o processo abstrato de automovimento do dinheiro".

63

apropnaçao de valor. Essa liberdade efetiva implica como paralelo seu a igualdade abstrata da cidadania. (O'Donnel, 1981)Trata-se de uma ilusória liberdade, na medida em que as relações de força e de poder ent re capital e trabalho são estruturalmente desiguais. É sob esta ilusão e violência que a ideologia burguesa opera eficazmente na reprodução de seusinteresses de classe. .

Ao contrário, todavia, do que o clássico ideário liberal ou a morbidez apologética neoli beral apregoam, as "leis históricas" sob as quais opera o capitalismo não são harmônicas, mas contraditórias e conflitautes. O caráter contraditório do capitalismo, que o leva

a crises periódicas e a ciclos abruptos e violentos, como o demonstra Marx ao ana lisar a natureza do capitalismo e a sociedade capitalista nascente, não advém de alg o externo, mas deriva da dominação do capital e exploraçãodo trabalho.

Em lugar da suposta tendência ao equilíbrio e à igualdade dos agentes econômicos, trata-se de um sistema que, pela concorrência sob forças e poder desiguais, conduz à acumulação, concentração e centralização de capital. Ao capitalista interessa produzir o máximo de me rcadorias que condensem o máximo de mais-valia. Para permanecer no 'Jogo" esta reg

ra é crucial. Por isso os diferentes competidores buscam, mediaute ii incorporação cres cente de ciência e tecnologia no processo de produção, aumentar o capital morto e dimi nuir o capital vivo com o intuito de produzir mercadorias ao menor custo e, port

auto, condensadoras do máximo de mais-valia. Mas, ao mesmo tempo que o capital nec essita que as mercadorias sejam monetarizadas, isto é, que seja realizada a mais-v alia que

condensam, é um sistema que tende a reproduzir como mercadoria a força de trabalho no seu processo reprodutivo global e a excluir tanto força de trabalho excedente qua nto capitalistas

(in)concorrentes.64

.._-----------------cO caráter contraditório (de crise portanto) do modo de

. produção capitalista explicita-se, historicamente e em formações sociais específicas, de formas e conteúdos diversos, porém, inexoravelmente, pela sua própria virtude de pote nciar as forças produtivas e por sua impossibilidade de romper com as relações sàciais d e exclusão e socializar o resultado do trabalho humauo para satisfazer as necessid

ades sociais coletivas. Paradoxalmente, mesmo com mais dedgis terços da humanidade passaudo fome ou morrendo de fome,'a_prise do capital é,hoje, de superacumulação estat almente regulada. Somente nesta perspectiva põde~seelltendêr as políticas do GATI.

A crise está, pois, organicamente engendrada na natureza das relações sociais capitali stas e

não é nada mais do que a maneira violenta de fazer valer aunidade das fases do processo de produção, que se tornam autônomas. (Marx, 1978)

A literatura que análisa a gênese e o desenvolvimento histórico do capitalismo, começand o pelas análises de Marx, Engels e Rosa de Luxemburgo, nos dá conta que, de tempos e

m tempos, o sistema, de forma global, enfrenta crises violentas e colapsos que não advêm de fatores exógenos, mas justamente do caráter contraditório do processo capitali sta de produção. As crises de 1914, 1929 e agora a crise que se apresenta de forma b rutal dos anos 70/90, exemplificam estas erupções violentas de um processo de crises

.,,[c1icas. Os conteúdos, as formas, os atores e forças em jogo e a gravidade dos d estroços são diversos no tempo e no espaço. Cabe, pacientemente, perquirir estas espec ificidades e evidenciá-las3

3. Metodologicamente é importante registrar que, para não esvaziar a densidade das a nálises de Marx sobre a natureza estrutural da crise no modo de produção capitalista,

e transformar a agudez da concepção dialética materialista histórica, na análise da realid ade, em dogma e visão mecanicista, é crucial que a análise apreenda as mediações, as profu ndas diferenças do capitalismo atuaI em relação ao capitalismo do início do século XVIII. 65

Trata-se, pois, de crises que têm uma mesma gênese estrutural, mas que cada vez traz uma materialidade específica. ( Na busca de suplantar a crise o capitalismo vai e stabelecendo J uma sociabilidade onde cada novo elemento que entra para -< enfre ntá-Ia constitui, no momento seguinte, um novo, compli(cador.4 A entrada do Estado

como imposição necessária no enfrentamento da crise de 29 foi, •ao mesmo tempo, um mecan ismo de superação cfa virulência da crise e um agravador da mesma nas décadas subseqüentes

. A volta às teses monetaristas e mercantilistas .protagonizadas pelo ideário neolibe ral explicita a ilusão de que o problema crucial esteja nos processos de planejame nto e, portanto, de interferência. do Estado naeconomia.5

Vários trabalhos, partindo das análises de Marx em O capital, sobre as formas med iante as quais o capitalismo enfrenta suas crises cíclicas, abordam esta problemátic a. Gianotti, num texto sobre as "Formas de sociabilidade capi~ talista", mostra como na atual fase do capitalismo o capital, para reproduzir~se, necessita de "f onuas de produção postas pelo capital como o seu outro e que crescem com ele". Neste

contexto analisa a função do Estado. do fundo público, da riqueza social, do trabalho improdutivo e a própria natureza das classes sociais. (Gianotti, 1983: 216~99) Fr ancisco de Oliveira, em várias análises, das quais destacamos' "O terciário e a divisão social do trabalho", (1981) "O surgimento do antivalor: capital, força de trabalho

e fundo público": (l988b: 8-28) discute, no primeiro caso, a idéia de que o trabalh o improdutivo não é externo, alheio ao trabalho produtivo, mas parte de um mesmo mov imento contraditório. No

segundo texto, expõe o papel central do fundo público na superação da crise dos anos 30

e, portanto, na definição do padrão de acumulação capitalista dos últimos 50 anos, padrão est que, a partir dos anos 70, entra em crise. Magdof

(978) mostra como a entrada do Estado na economia não se apresentou como uma escol ha entre outras alternativas, mas como uma imposição.

Certamente, o Estado sempre se constituiu num ator político na consecução dos inter

esses da classe burguesa, Todavia, como analisa Gramsci (1978), já na década de 20, a complexidade dos processos de acumulação foi desmascarando de forma cada vez mais clara a imagem do Estado liberal neutro, árbitro do bem comum. A atividade econômica , ao contrário de ser resultado de forças livres do mercado e de uma racionalidade p

uramente técnica, resulta, cada vez mais, da atividade política. Crises econômicas red undam em crises do Estado e

vice-versa. 66

c

Para analisar a crise da sociedade capitalista dos anos 70 é necessário, portanto, s ituá-Ia como uma crise com um conteúdo histórico mais complexo e, conseqüentemente, com uma trama de sujeitos sociais e mediações mais complexa, e reconhecer

. que seu enfrentamento ou sua superação engendra a possibilidade •de.. processos de d estruição e exclusão mais perversos que os precedentes, emb.ora também existam possibili dades de um novo patamar de COh\luistas da classe trabalhadora. A dominância dos p rocessos de re'l,~truturação do capitalismo, de imediato, nos mostra, como veremos a diante, uma cota diferenciada, em termos de perspectivas e de custos humanos, no

s países do Cone Norte e nos países do Cone Sul, como é o caso da América Latina.6 Se é verdade que o colapso abrupto do socialismo real deve ser debitado a erros br

utais dos rumos• que a Revolução de 17 foi tomando, transformando os dirigentes numa " classe de burocratas", fixados num poder monolítico, autocrático e violento (é só lembra rmos do período estalinista), não podemos esquecer que o mesmo resulta da história da exploração e atraso daquelas sociedades e, posteriormente, da violência permanente do s istema capitalista mundial. Na visão de Marx, o socialismo se iniciaria em condições f avoráveis onde a forma capitalista de produção tivesse atingido o mais elevado grau~

de desenvolvimento e contradição (Inglaterra, França ...) e daí se expandiria num proces so geral de ruptura com o capitalismo. Ou seja, a passagem se daria onde o capit

alismo, por suas "virtudes" de produção e incapacidade de socialização desta produção, exace rbasse as contradições, e não pelo caminho do quanto pior melhor. Como nos indica Hobs bawm:

-----._~--- , f' .:;J(/<" . j~ i:

6, Diversos trabalhos publicados na década de 90 que analisam a crise do capitalis mo reservam uma perspectiva bastante sombria para países como os que constituem a América Latina. Ver, entre outros, Schaff (1990), R. Ronchey (1991),

R. Blackburn (1992), Furtado (1992), Wright (1983), Boron (1991 e 1994), Gomes ( 1992).

c

(...) por este prisma, nem o advento de uma ordem social não-capitalista, que foi a República Soviética, nem a atual perspectiva de sua desintegração, podem ser vistas como fatos isolados, mas sim como sérias mudanças de rumo dentro da configuração maior da política e da economia mundiais. (Hobsbawm, I992b: 134).

Este encaminhamento ilOS ajuda a não simplificar a análise e, perante a perplexidade de uma crise profunda do sistema mundial e da qual não temos clareza, não caiamos em atitudes

e interpretações políticas mórbidas. Profecias mórbidas e cínicas como as do firt:!.. da-hi§!<?ria de Fukuyama, mediante as quais se passa a idéia de que o capitalismo, com seu "deus mercado"(o bem), finalmente impera absoluto com a morte do socialismo

e do comunismo e, por conseqüência, da teoria marxista que o inspirou (o ma!).? Contrastando com a morbidez profética dos apologetas

do fim da história e da supremacia da forma mercantilista de relações sociais, um número significativo de intelectuais, com matizes teóricos e ideológicos diversos e conflitantes, nos sinaliza a necessidade de uma outra Íeitura. Assim é que os trabalhos de Blackburn (1992), Hobsbawm (I 992b), Alliez (1988), Anderson (1992), Williams (1984), Callinicos (1992), Kagarlitsky (1993) e Ronchey (1991) interpretam a crise do socialismo como uma trama de relações mais complexa que

a simples autodissolução por inviabilidade histórica e concluem que esta crise não significa que o vitorioso é o capitalismo. \, i

7. É preciso registrar Que, ao contrário da pretensa novidade, a crítica

externa e interna à utopia socialista e às formas históricas Que buscaram viabilizá-la concretamente, não é nova. Por certo pode-se afirmar que é tão velha Quanto a

origem do próprio socialismo ou socialismos. As críticas ao socialismo real, sob a hegemonia soviética, já no final da década de 20 eram profundas e duras por Gramsci na Itália e, de forma crescente, por inúmeros marxistas e socialistas de diferentes partes do mundo. Uma exemplar documentação destes embates pode

ser encontrada na coletânea de 12 volumes organizada por Eric Hobsbawm, sobre a História do marxismo, traduzida no Brasil pela editora Paz e Terra, Uma

recuperação destes debates, incluindo as diferentes visões atuais no Brasil, é feita de fonua sistemática e bastante exaustiva por José C. Lombardi. (1993: 121-322)68

Certamente devemos nos perguntar com G. Steiner "se o chicote numa mão e o cheeseb urger na outra, esgotam as alternativas enfrentadas pela civilização humana".

.~A especificidade da crise do Estado de Bem-Estar e do modelo fordista de regul ação social'.

A crise de car~tçr planetário que se explicita particularmente nos anos 70 tem suas r aízes bem mais remotas. Contraditoriamente, a crise dos anos 70 tem na sua gênese as estratégias de superação da crise dos anos 30. As políticas do Estado de Bem-Estar e os governos da social-democracia não tiveram a capacidade de estancar um modelo de de senvolvimento social fundado sobre a conGentraçãocrescentede capital e exclusão social

. Este modelo de desenvolvimento, com base na teorizaç.ãQ t<eynesiana, tem sido cara cterizado como sendoo moddofordista e neofordista de produção.

Como analisam vários autores," este modelo define-se por diferentes características que podem ser assim sintetizadas:

uma determinada forma de organização c:loJrabalho f1JDdadaem .hases•tecnológicas que se pautam por um refinae mento do sistema de m;tquinas de caráter rígido, com divisão específica do trabalho, um determinado patamar de conhecimento e uma determinada c omposição da força de trabalho;

um determinado regime de acumulação, fundado numa estrutura de relações qué-buscou' com patíbiliiár produção em grande escala e consumo de massa num determinado nível de lucro;

e, por fim, um determinado modo de regulação social que compreende a base ideológic

o-política de-pr()duçãode valores, normas, instituições que atuam no plano do controle 8. Ver, a esse respeito, as análises de Alliez (1988), Lipietz (988), Coriat(1988), Jacobi (1986) e Palloix (1982).

c

das relações sociais gerais, dos conflitos intercapitalistas e nas relações capital-trab alho.

Por um período de aproximadamente 60 anos foi adotado .(

este modelo de desenvolvimento. Em sua primeira fase, como expõe Alliez (1988), qu e vai até 1930, constitui-se num processo de refinamento do sistema de maquinaria

analisado por Marx. Grandes fábricas, decompos'ção de tarefas na perspectiva taylorista , mão-de-obra pouco qualificada, gerência científica do trabalho, separação crescente entr e a concepção e a execução do trabalho etc. O fordismopropriamente dito que se caracte.! iza por um sistema de;nãquinàs "copIado, aumentointenso de

capli~fn,oito eci~l'~oci~ii~aaae;-prQ(fí!çilo_eITIgrandees~aj;. e consull1o_d(l massa, tem seu desenvolvimento efetivo a partir dos anos 30 e toma-se um modo social e cultural de vidaapós a Segunda Guerra Mundial.

A crise de 29, que é uma crise de superprodução e, portanto, uma ameaça de asfixiamento do sistema que não consegue realizar as mercadorias produzidas, determina novas es tratégias para o enfrentamento da crise. Dentre estas estratégias destacam-se, no pl ano capitalista, o fascismo, o fordismo e o americanismo.

A segunda fase do sistema fordista entra justamente no contexto das teses keynes ianas que postulam a intervenção do Estado na economia como forma de evitar o colaps o total do sistema. No plano supra-estrutural desenvolve-se a idéia de Estado-Nação (t

otalitário ou democrático) e, após a Segunda Guerra Mundial, ganha força a idéia de Estado de Bem-Estar Social. É também neste período que os regimes sociais-democratas se apres entam como "alternativa" ao capitalismo "selvagem" e aos projetos socialista e co munista. Neste contexto, como nos mostra Hobsbawm, (l992b) o sistema capitalista incorpora idéias da planificação socialista e principia um quadro de recuperação e de est abilidade. O Estado de Bem-Estar vai desenvolver políticas sociais que visam à estab ilidade no emprego, políticas de rendas com ganhos de produtividade e de previdência social" incluindo seguro desemprego, bem como70direito à educação, subsídio no transporte etc. O slogan de

H. Ford -nossos operários devem ser também nossos clientes -caracteriza a estratégia e conômica desta segunda fase do fordismo que busca viabilizar a combinação de produção em g rande escala com consumo de massa.As perspectivas de Francisco de Oliveira (l988b) e de E. Hobsbawm (l9~2b), diferentes da maior parte das análises, compreendem o sutgime nto, desenvolvimento e crise do fordismo e do Estado 'lie Bem-Estar Social ou Pre videnciário, dentro de uma dialética em cujo pacto, contraditoriamente, se situou a

possibilidade de sustentação do padrão de acumulação capitalista. Este pacto envolve o fin anciamento, pelo fundo público, do capital privado e, ao mesmo tempo, de forma cre scente, da reprodução da força de trabalho, aumentando de forma generalizada a assistênc ia da população não por caridade, mas como direito, mediante as políticas sociais de saúde , educação, emprego etc.

(...) o fundo público, em suas diversas formas, passou a ser o pressuposto do fina nciamento da acumulação de capital de um lado, e, de outro, do financiamento da repr odução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio dos gastos sociais. ( ... ) o fundo público é agora, um "ex-ante" das~

condições de reprodução de cada capital particular e das con dições de vida, em lugar de seu "ex-posto" típico do capitalismo concorrencial. (Oliveira, 1988b: 8-9)

Desta relação dialética entre o padrão de financiamento da acumulação privada e da reprodução força de trabalho, tendo como vértice o fundo público, decorrem inúmeras cane,. seqüências que, tradicionalmente, eram consideradas como possíveis apenas dentro do socialismo. Hobsbawm destaca duas:

a) o capitalismo produziu uma abundância de bens e serviços e "a maioria das pessoas comuns no Ocidente goza de um padrão de vida muito além do que se poderia conceber há cinqüenta anos. E, graças ao Estado de Bem-Estar Social, os pobres possuem um abrig o contra os ventos do infortúnio". Por isso, indica Hobsbawm, o argumento de que sóo socialismo elimina a pobreza, o desemprego, neste contexto, enfraqueceu;

b) muito do que uma vez foi visto como típico de uma economia socialista tem, desd e os anos 30, sido cooptado e assimilado por sistemas não-socialistas, principalme

nte uma economia planejada e a pl'bpriedade estatal ou pública de indústrias e serviço s". Mesmo com a onda neoconservadora deflagrada por Thatcher, na Inglaterra, e R eagan, nos EUA, mostra Hobsbawm que, entre 80 e 87, de acordo com dados do Banco Mundial, foram efelivadas 400 privatizações, sendo que metade delas apenas em cinco países, um deles o Brasil.(Hobsbawm, I 992b: 263-4)

A análise de Francisco de Oliveira também destaca a não-confirmação das previsões da pauperi zação:

o que se assiste é uma expansão do consumo de todas as classes nos países mais desenvo lvidos, e uma renovada e inusitada expansão do investimento.Mais amplamente, mostra-nos desdobramentos que se tecem no plano da materialidad

e das relações sociais, decorrentes da relação orgânica entre o padrão de acumulação e reprod capital e a reprodução da força de trabalho, cuja dissolução não aceita esquemas lógicos, ma depende de forças materiais reais. As despesas sociais se constituem num salário in

direto e permitem, portanto, a liberação do salário direto para consumo de massa. Tais despesas são cruciais para o aumento dos mercados de bens de consumo duráveis:

A presença dos fundos públicos. pelo lado desta vez da reprodução da força de trabalho e d os gastos sociais públicos

gerais, é estrutural ao capitalismo contemporâneo, e, até prova em contrário, insubstituível. (Oliveira, 1988b: 10)

No âmbito do caráter contraditório da relação do fundo público com o financiamento do capita l privado e a reprodução72c ------.. -

da força de trabalho, outras conseqüências fundamentais advêm, tanto na perspectiva do c apital quanto do trabalho e que, face à crise, engendram alternativas com custos s ociais e humanos muito diversos.Se o desenvolvimento do antivalor, como o define Fran cisco de Oliveira (I988b), explicita como a sociabilidade capitalista, mediant' \ o fundo público, amplia uma gama de valores, de riqueza\$ocial que' não se constit uem em capital, mas que além de Subsidiar diretamente o capital privado, favorece-

o indiretamente assumindo grande parte dos custos de reprodução da força de trabalho, liberando-o para investir no desenvolvimento tecnológico, ao mesmo tempo produziu uma imensa gama de bens e serviços públicos como antimercadorias sociais e uma desme

rcantilização significativa dá' reprõduçao da força de trabalho. A-c6ifseqüência política, crdeste processo é que o embate por estes direitos se deslocou da esfera privada p

ara a esfera pública. Como veremos a seguir, é neste terreno que se dá o embate entre as perspectivas neoconservadoras, antidemocráticas, e' as perspectivas democráticas e m face da crise.

Os limites deste modelo de desenvolvimento se fazem sentir já ao final da década de 60 com a progressiva saturação dos mercados internos fie bens de consumo duráveis, con

corrência intercapitalista e crise fiscal e inflacionária que provocou a retração dos inv estimentos. Desenha-se, então, a crise do Estado de Bem-Estar Social, dos próprios r egimes sociais-democratas e principia-se a defesa à volta das "leis naturais do mer cado" mediante as políticas neoliberais, que postulam o Estado Mínimo, fim da estabi lidade no emprego e corte abrupto das despesas previdenciárias e dos gastos, em ge

ral, com as políticas sociais. Este modelo teve nos governos Thatcher, na Inglater ra e Reagan, nos Estados Unidos suas ãncoras básicas.

Inúmeras são as análises que buscam explicar a natureza, contradições e determinações da cris do Estado de Bem-Estar Social ou estado assistencial, cuja sintomática se explici

ta pela Crescente inqlpaci<lªd" cle oJundo_público financiar a acumulllção privada e mant er as políticas sociais de reproduçãoº1} fQ[ç:a:deftabalho. Dentre estas análises destacal1Íó s de Offe (l989ã,-1990), Habermas (1987), O'Connor (l977a) e F. de, Oliveira (1988b). F

Neste âmbito, as análises de Habermas e de_Qff" constituem contribuições instigantes cuj o teor--mais"'geral se radica na tradição fecunda do legado Iilarxista: a Crítica ao E

stado e às relações capitalistas na "sua lógica cega e destrutiva de autovalorização do capi al". Noutros âmbitos, como veremos adiante, as análises destes autores, como bem mos

tra Anderson (1985), têm afinidades peculiares com as perspectivas estruturalistas na sua matriz francesa e, por este caminho, se, afastam da tradição marxista de com preensão histórica da realidade social.

Por polemiz\lp'nos, no Capítulo III, a questão da tese posta por Offe di'rlão -central idade do trabalho como categoria sociológica fundamental, para não correr o risco de uma visão reducionista e simplificadora da contribuição deste autor na crítica mais ger

al às relações capitalistas e especificamente aos limites, contradições e alternativas ao Estado de Bem-Estar, destacamos alguns pontos que têm, positivamente, alimentado

o debate crítico. A coletânea de 10 ensaios e uma longa entrevista, editados por Joh an Keane, reúnem o conjunto mais amplo de análises, em diferentes circunstâncias, feit as por Offe nos anos 70

e início dos anos 80 sobre as contradições, crise, limites e a lternativas ao Estado de Bem-Estar Social. (Offe, 1990) Nestes ensaios, Offe expõe

os limites intrínsecos e, portanto, estruturais das políticas do Estado de Bem-Esta r Social derivados de suas múltiplas funções conflitivas de atenderas necessiejades pr ivadas c:I'O----".'lpi_taL eas ,demandas sociais e públicas crescentes-:-Este caráte r conflitivo se explicita sobretudo mediante a crise fiscal que debilita as poss

ibilidades de cumprir suas múltiplas funções relativas ao capital privado e às demandas públicas. Explicita-se,

também, mediante os problemas de eficácia e de controle da planificação central. Neste âmb ito, Offe mostra-nos que a crise74

c ---------também resulta dos problemas de legitimação do Estado de Bem-Estar.

Por ser uma crise de natureza estrutural, Offe nos mostra que não comporta saídas si mples e fáceis. Neste sentido, sinaliza três movimentos de resistência e que se põem com o alternativas.

A primeira, refere-se à perspectiva da "Nova Direita" que postula a volta a(j~cont roles do mercado, do laissez-faire. Para Offe, esta alternati~, se apresenta pro blemática, pois os neoconservadores não percebem que "o capitalismo está, ao rnesmo tem po, posto em perigo e possibilitado pelo Estado de BernEstar". A segunda alternat

iva, que não exclui as perspectivas da primeira, é o reforço ao corporativismo que bus ca, ao mesmo tempo, revigorar os processos de mercado e neutralizar demandas polít icas com o intuito de aliviar os problemas fiscais. Por diferentes razões, Offe vê e ste mecanismo reforçado, embora também enfrente profundas dificuldades advindas dos interesses em confronto que podem gerar pesados desequilíbrios.Baseado na análise de que o Estado de Bem-Estar, ao mesmo tempo que tem viabilizad

o a administração da crise de reprodução do capital, tem' ampliado os espaços de controle da esfera pública e, portanto, da perda de espaço do campo privado sobre a vida coti diana dos cidadãos, Offe aponta a alternativa "democrática-~ socialista". Na entrevi

sta apresentada na coletânea, Offe destaéa como ponto crucial da estratégia socialista o combate ao que Marx aponta como a lógica insaciável de auto valorização do capital e de, portanto, um sistema que não se preocupa com os valores de uso.

Este combate implica, para Offe, buscar formas de ampliar os critérios de produção de valores de uso. Neste particular, discorda das lutas pelo pleno emprego, defende

ndo a idéia de desenvolvimento de trabalhos desvinculados da lógica "saláriotrabalho", mediante cooperativas. Outros aspectos que enfatiza são a ampliação dos direitos democ ráticos, a luta pela paz, o movimento ecológico, a crítica à modernização predatória e a fé c no avanço tecnológico.

Em toda a sua análise embasada em argumentos sólidos, como nos indica Keane na intro

dução à coletânea, é surpreendente que Offe não considere as implicações da crescente nature ansnacional do capital e a crise global do sistema capitalista.

A perspectiva desenvolvida por Offe sobre a crise do Estado de Bem-Estar, de u~m odo geraI; corrobora as análises de Hobsbawm e de Francisco de Oliveira, que vêm bal izando, fundamentalmente, esta breve incursão na compreensão da natureza e especific idade da crise dos anos 70/90. Entendemos, todavia, que estas últimas, ao mesmo te mpo que explicitam melhor muitos dos aspectos abordados por Offe, avançam no plano

teórico, econômico e político-ideológico. Um dos pontos cruciais deste avanço é justamente a compreensão de como joga a internacionalização do capital e, outro, a questão das

classes socíais.

No plano político e econômico a crise se dá nos processos de internacionalização produtiva e financeira da economia capita

lista. A regulação keynesiana funcionou enquanto a reprodução do capital, os aumentos de produtividade, a elevação do salário real se circunscreveram aos limites -relativos p or certo _ da territorialidade nacional dos processos' de interação daqueles componentes de renda e do produto. (Oliveira, 1988b: 12-3)

Mostra-nos este autor que o processo de internacionalização tirou parte dos ganhos f iscais sem todavia liberar o fundo público de financiar a reprodução do capital e da f orça de trabalho.

No plano teórico, a crise do Estado de Bem-Estar é c, situada, por Francisco de Oliv eira, no interior do caráter ; contraditório do sistema capitalista e, portanto, da questão dos

. limites deste sistema.

Ora, a história do desenvolvimento capitalista tem mostrado, com especial ênfase depois do Welfare State, que os limites do sistema ca~italista só podem estar na negação de suas

76 c

categorias reais, o capital e a força de trabalho. Neste sentido. a função do fundo públ ico no travejamento estrutural do sistema tem muito mais a ver com os limites do capitalismo, como desdobramento de suas p róprias contradições internas. (Ibídem:12-3)Os sinais de esgotamento do modelo de desenvolvimento fordista, enquanto regime

de acumulação e regulação social, coincidem, parado'xalmente, com um verdadeiro revoluci ona-mento da base técni~ do processo produtivo, resultado, como se apontou anteriorm ente, do financiamento direto ao capital privado e indireto na reprodução da força 'de trabalho pelo fundo público. A microeletrônica associada à informatização, a microbiologi a e engenharia genética que permitem a criação de novos materiais e as novas fontes de energia são a base da substituição de uma tecnologia rígida por uma tecnologia flexível. Esta mudança qualitativa da base técnica do

processo produtivo, que a literatura qua lifica como sendo uma nova Revolução Industrial permite, de forma sem precedentes, a celerar

o aumento da incorporação de capital morto e a diminuição crucial, em termos absolutos, do capital vivo no processo produtivo. Vale registrar que a mudança para uma base técnica de tecnologia flexível, informatizada, embora se dê em grau e velocidade difer enciados, é uma tendência do sistema.O impacto sobre o conteúdo do trabalho, a divisão do trabalho, a quantidade de traba

lho e a qualificação é crucial. Ao mesmo tempo que se exige uma elevada qualificação e cap acidade de abstração para o grupo de trabalhadores estáveis (mas não de todo) cuja exigênc ia é cada vez mais de supervisionar O sistema de máquinas informatizadas (inteligente s!) e a capacidade de resolver, rapidamente, problemas, para a grande massa de t emporários, trabalhadores "precarizados" ou, simplesmente, para o excedente de mão-d

e-obra, a questão da qualificação e, no nosso caso de escolarização, não se coloca como prob lema para o mercado.

Dentre as vanas estratégias de que o capital se utiliza para retomar. uma nova base de acumulação desta"am~seos processos de reestruturação capitalista que incluem: reconversão tecnológica, organização empresarial, combinação das _forças de trabalho, estruturas fnanceiras etc: De outra parte, como veremos adiante, as empresas.deslocam-se deumaregião para outra saindo dos espaços •on<Je a "classetrabalhadoli"-émals organizada ehistoricamente vem acumulando a conqllistade direitos.

A contradição capital-trabalho, neste contexto, assume uma dimensão nova que confere u ma especificidade à crise que abala o sistema capitalista9

2. Os caminhos alternativos de enfrentarnento da criseA compreensão da crise no horizonte teórico, que acabamos de sinalizar, permite-nos,a um tempo, perceber quais os custos sociais e humanos da alternativa neoliberal de volta aos mecanismos excludentes do mercado, e igualmente perceber que a crise do Estado de Bem-Estar carrega consigo uma positividade, cuja concretização políticadepende da capacidade dos sujeitos sociais concretos de manter e ampliar democraticamente a esfera pública na disputa dos bens, serviços e direitos conquistados noterreno contraditório deste mesmo Estado de Bem-Estar.Importa também observar que o Estado de Bem-Estar e suasinstituições não são agora o "horizonte intransponível"; para além dele, -bate, latente, ummodo social de produção superior.Resta resolver um problema, intacto, que é o da apropriação dos resultados desse modosocial (...) Mas, decididamente, o9. Roberto Schwarz, destaca que "pela primeira vez o aumento de produ

tividade está significando dispensa de trabalhadores também em números absolutos, ou s eja, o capital começa a perder a faculdade de explorar trabalho". (Schwarz,

1992: II) 78cacesso e o manejo do fundo público são o nec plus ultra das formas sociais do futuro . (Oliveira, 1988b: 19)Tanto Oliveira quanto Hobsbawm reconhecem que até o

presente a apropriação tem se dado dominantemente no sentido _da reprodução do capital. Hobsbawm salienta três problemas que; mesmo sob a égide do Estado de Bem-Estar, se a gravaramneste último meio,século:a questão \~.cológica, -em face de um processo de,

desenvolvimento sem limites, atingiu o ponto que pode de fato significar a destr uição da biosfera;

o aumento da distância entre habitantes dos países desenvolvidos e ricos e dos país es pobres. Mostra-nos Hobsbawm que o "mundo desenvolvido" em 1900 representava u

m terço da humanidade e hoje representa apenas 15% a 20%. O PIB dos países desenvolv idos que era, em 1900, 3 vezes maior que o resto da humanidade, em 1980 era de a proximadamente 12,5 vezes;

por fim, o terceiro problema explicita-se no fato de que(...) ao subordinar a humanidade à economia, o capitalismo

mina e corrói as relações entre seres humanos que formam as sociedades e cria u~ vácuo m oral em que nada co'nta a não

ser o desejo do indivíduo aqui e agora". (Hobsbawm, I992b: 266-7)

No olhar vesgo da burguesia, a crise atual, uma vez mais, aparece como um desvio das leis "naturais do mercado". A pedra de toque dos neoconservadores está na críti

ca à excessiva intervenção e agigantamento do Estado, e postula-se, como remédio, a volt a da "regulação" do mercado e as políticas monetaristas. O ideário neoliberal e neoconse rvador protagonizado por Thatcher e Reagan, mal grado seu insucesso naquelas soci edades, tornou-se a palavra de ordem para o ajustamento (leia-se submissão às regras dos novos senhores do mundo e suas instituições: FMI, BIRD, BID etc.) nos países da A mérica Latina e, agora, de forma avassaladora, para o Leste Europeu.

c,

Um dos representantes mais empedernidos deste olhar públicas e, conseqüentemente, do s investimentos em políticas vesgo no Brasil, R. Campos, ao criticar, como "grande embuste", sociais.I !

a tendência intervencionista da Constituição de 1988, percebe Na realidade, não se trata de uma alternativa para a crise, a origem deste mal des

de a Constituição de Weimar, em 1919, , mas a busca da recomposição dos mecanismos de re produção na Alemanha.

do capital pela exacerbação da exclusão social.

Esse tipo de constituição, que se popularizou na Europa após Uma coisa é ver o mercado c omo um guia para eficiênciaa Carta Alemã de Weim!tr de 1919, tem pouca durabilidade.

economlca. Ver o mercado como o único mecanismo de disAo contrário da mãe das Cartas Ma gnas democráticas -a

tribuição dos r~aursos em ~conomia. como vêem os fanáticos Constituição de Filadélfia -que é, como diz o professor

do reaganismo e do thatcherismo ou o Institute of Economic James Buchaman, "política sem romance", as constituiçõesAffairs e outros centros de pensamento ultracapitalista, é inrecentes fazem o "romance da política"~ Baseiam-se em doisteiramente outra. O mercado produz desigualdade tão naturalerros: primeiro,

a "arro gância" de que nos fala Hayek, de

mente como combustíveis fósseis produzem poluição no ar. pensar que o processo político é ma is eficaz que o mercado(Hobsbawm, 1992b: 264)

na promoção do desenvolvimento; segundo, a idéia romântica de que o Estado, esse "mais frio dos monstros" como dizia Em relação ao Estado, a questão crucial não é se é um

Nietszche, é uma entidade benevolente e capaz. (Campos, O Estado Máximo ou um Estado Mínimo, mas qual Estado. Neste Globo, 11.07.93)

sentido, Francisco de Oliveira mostra que a perspectiva conservadora, na realidad e, não postula reduzir o Estado em todas A volta às leis puras do mercado retoma, co m vigor, as as suas faces, mas apenas estreitar ou eliminar sua face pública.teses conservadoras dos anos 40, como as de F. Hayek e,

mais recentemente, as de Friedman que entraram na ordem do dia na' década de 70 co mo sendo a nova e eficaz estratégia capaz de suplantar a crise. lO Particularmente

, as teses de Friedman sobre o financiamento da educação, como veremos a seguir, são h oje invocadas para legitimar políticas de descomprom~sso do Estado nesta área. Fundamentalmente, a tese neoliberal (que não é unívoca) postula a retirada do Estado d a economia -idéia do Estado Mínimo -; a restrição dos ganhos de produtividade e garantia s de emprego e estabilidade de emprego; a volta das leis de mercado sem restrições;

o aumento das taxas de juros para aumentar a poupança e arrefecer o consumo; a dim inuição dos impostos sobre o capital e diminuição dos gastos e receitas10. Para uma análise das idéias de Hayek e Friedman, ver Bianchettí (1992).

I I. Para uma análise mais detalhada das teses neoliberais e sua crítica, ver: ViIla real (1978), Finkel (1990) e Bianchetti (1992).80

( ... ) seu objetivo é dissolver as arenas .específicas de confronto

. e negociação, para deixar o espaço aberto a um .Estado Mínimo, livre de todas as peias estabelecidas ao nível de cada arena específica da reprod~ção do capital. Trata-se de uma verdadeira regressão. pois o que é tentado é a manutenção do fundopúblico como pressuposto apenas do capital. (Oliveira, 1988b: 25)A efetiva alternativa para a crise do Estado de Bem-Estar e do modelo fordista d

e acumulação, como nos apontam Hobsbawm e Oliveira, não é a regressão às leis de mercado e n em a proposta da social-democracia, pois as estratégias políticas que a viabilizaram

tinham no fundo público sua razão básica. A transnacionalização da economia expõe o limite de elasticidade do fundo público e sua crescente incapacidade para atender a repro

dução ampliada do capital e da força de trabalho. '1-\

Também a perspectiva "de estilos de vida alternativos" individuais ou em comunidad e (Williams, 1984) ou as propostas...~

c .---------------------

de regulação social advindas da doutrina social da Igreja Coutinho (1984 e 1991) e H obsbawm (1992c) -, exige,por mais que se apresentem como uma opção contra o arbítrio necessariamente, a radical i~ªçªo..<la__cl~I110<:rada.~

do mercado, insiste Hobsbawm, não constituem solução para Ao contrário das teses da dire ita da sociedade "pós-his

os problemas que o mundo enfrenta hoje. tórica, . pós-c1assista" e o império da lei de mercado ou das

teses de uma determinada esquerda que desloCa o embate para Os problemas do glob o que hoje pode tornar-se inabitável pelo . o terreno individual, subjetivista ou para uma "razão sensível

mero crescimento exponencial em produção e poluição. sem (oú cínica)" (Kurz, 1992), como mostram Oliveira (1988b) e

mencionar a capacidade t.enológica de" destruição demonstrada•

Jameson (1994), nO embate da travessia não só persistem ospela Guerra do Golfo, e os problemas de um mundo dividido sujeitos sociais c1ási;icos (as classes fundamenta is), cuja apreen

em uma vasta maioria de povos famintos e Estados extraordi são demande ir além das aparências imediatas e nacionais, nariamente ricos, não podem ser resolvidos desta maneira. Mais como a própria sociabilidade capitalista e os interesses que a cedo ou mais tarde exigirão ação sistemática e planejadaela se contrapõem, fazem emergir novos sujeitos políticos.

nacional e internacionalmente e uma investida contra as fortalezas centrais da e conomia de mercado de consumo. Exigirão não A democracia representativa é o espaço insti tucional no qual, apenas uma sociedade melhor que a do passado. mas como além das classes e grupos diretamente interessados, intervêm sempre sustentaram os socialis

tas, um tipo diferente de sociedade. outras classes e grupos, constituindo o ter reno do público, do (...) É por esse motivo que o socialismo ainda tem um programa q

ue está acima do privado. São pois condições necessárias e 150 anos após o manifesto de Marx e Engels. É por esse suficientes. Neste sentido, longe de desaparição das classes mot

ivo que ainda está no programa. (Hobsbawm, J992b: 269-70) sociais, tanto a esfera pública como seu corolário, a democraciarepresentativa. afirmam as classes sociais como expressões

A alternativa que pode incorporar o imenso progresso AnI I { 9J~--•, coletivas e s ujeitos da história. (Oliveira, 1988b: 23)1-' J/.'/ /técnico a favor das necessidades e ampliação da liberdade ,.r-;"i/

"7,1'::/ A estruturação e ampliação da esfera pública, mediantehumana, malgrado o colapso do socialismo real, continua sendo I• ' uma democracia representativa -no método, na forma e no a do socialismo. As questões que se colocam são: que tipo conteúdo -, é, par a Oliveira, o caminho, de dentro dos limites de socialismo e qual o caminho para

a travessia? Por certo, do "Estado-Classista", para contrapor-se à lógica de exclusão sobre as tentativas concretas de resposta a estas questões a do mercado e do capi tàI e para a travessia para o socialismo.história tem lições amargas mas salutares. J2

A trilogia proposta como alternativa, por Oliveira, é: método A crise do Estado de B em-Estar e o colapso do socialismo democrático, esfera pública e socialismo. Coutinh o, ilãmes~ real parecem mostrar que o caminho de construção do socialismo perspeCtiva, defenôe-quealutapela~democracia (de massa,

implica um tecido de realidade e de sujeitos políticos que rompam, desde as vísceras do regime capitalista mais desenvolvido, sua coluna vertebral. A travessia não com porta fórmulas, mas como indicam vários pensadores -F. de Oliveira (1992),

J2. Não é propósito deste trabalho analisar as razões históricas do colapso do socialismo real e sua influência nas alternativas que se apresentam à crise deste final de século

. A coletânea organizada por Robin Blackburn (1992), o livro de Boris Kagarlitsky (1993), entre outros trabalhos, nos permitem apreender tanto as raízes históricas do colapso quanto as alternativas em disputa.82 popular) e pelo socialismo é a mesma coisa: "a democracia não é um caminho para o soci alismo, mas sim o caminho do socialismo".l~ f..tU~'Çl /~(. :

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rr'_ i\ 0..P

13. Para uma compreensão mais detalhada deste debate referido à realidade brasileira ver Oliveira (1991), Coutinho (1984 e 1994), Weffort (1992), Touraine(1995) e Debrun (1983).

3. Os custos sociais e humauos da alternativa neoconservadora

Os ~feitos do ajuste neoconservagor no enfrentamento da crise. que sIgü-itica a de finição-de um novo modelo de acumulação e regulação social, dentro de um novo reordenamento undial, têm como conseqüência o aumento da exclusão social.._.~-_. "-"--_.._--_._A idéia de custos sociais e humanos materializa-se pelo aumento da miséria absoluta,

da fome, daviolêncLªL<!'êclQeBÇas endêmicas e pelod.;err;prego-e-subempregoeSirutural que ating~demodo diferenciado os países do Cone Norte e Sul.

Com a crise do sistema fordista de acumulação e regulação social agudiza-se a desorganiz ação .do"_mercado_mll'!c:lial e aguça-se a luta intercapitalista, ao mesmo tempo que s e busca um novo reordenamento e regionalização do capitalismo para a partilha do mun do" Nesta partilha, o denominado "grIJ]Jo dos 7", que constitui uma tróica, (Gomes

1992) -EUA, Japão -';"Mercado Comum Europeu -se é verdade que estabelecem uma surd a e feroz luta de interesses entre si, valem-se dos organismos internacionais qu

e os representam para subjugar o restante do planeta"

Noam C~oJ}lsky, numa análise sobre os novos senhores da humanidade, mostra que se no início do capitalismo

os mercadores e manufatureiros eram os principais arquitetos da política de Estadoutilizando seu poder para levar desditas terríveis aos vastos reinos que subjuga

vam, em nossa época os senhores são, cada vez mais, as corporações supranacionais e as i nstituições financeiras que dominam a economia mundial incluindo o comércio internacio naL (Chomsky, 1993: 6-18)

As formas de subjugação se dão por vários mecanismos" Entre estes destacamos o GATI, den tro do qual se inserem a imposição das leis de patentes aos países do Terceiro Mundo e um perverso processo de privatização e monopolização doconhecimento.

84 c

A privatização do conhecimento é, ao mesmo tempo, uma forma de aumentar a polarização da r iqueza social e do poder e uma ameaça à própria espécie humana. Num debate com cientista s sobre direitos humanos hoje, Norberto Bobbio adverte-nos sobre os riscos da pri vatização do saber tecnológico.

o conhecimento tornou-se a principal causa e condição necessária para o domínip do homem sobre a natureza -e sobre os outros homens. C..) Ó;;\~OVOs direitos que relacionei como o direito de viver num aritbiente não poluído, o direito à privacidade,

o direito à integridade do patrimônio genético -referem-se claramente às ameaças que não der ivam da ciência como tal, mas do uso que das suas descobertas e aplicações fazem aquel

es que, com base na força ou no consenso, têm autoridade de tomar decisões obrigatórias para a coletividade. Entre elas se encontram as decisões sobre a ciência. (Bobbio, 1 991: 6) A reestruturação e reorganização do capitalismo face à crise, na busca de salvaguardar os processos de maximização da acumulação, atingem de forma mais generalizada e brutal os p aíses do Hemisfério Sul mas, por ser uma crise estrutural e por ser protagonizada po

r corporações transnacionais e pelo domínio do capital financeiro, seus efeitos perver sos se fazem sentir em todas as partes do mundo, inclusive nos tradicionais países ricos do Hemisfério Norte.

De acordo com o US Bureau ai the Census, em 1975, 12% ou 25,9 milhões de norte-ame ricanos viviam abaixo da linlgi de pobreza. Em 1992, o~;d~;-ind;~~;:;;--~-existênc iade 14,5o/;-õu36,9-illilhões de norte-americanos abaixo do nível de pobreza. (Jornal do Brasil, 15.10.93: 5)

"Referindo-se a esta realidade dos EUA, N. Chomsky mostra que se desenyolve no s eu interior o modelo terceiromundista, com ilhas imensamente privilegiadas em mei o a um mar de miséria e desespero.

Um passeio a pé por qualquer cidade norte-americana dá forma humana às estatísticas sobr e qualidade de vida, distribuição de riqueza, pobreza e empregos e outros elementosdo "paradoxo

de 92". Cada vez mais a produção pode ser deslocada para

zonas de alta repressão e baixos salários, e dirigida a setores privilegiados na economia global. (Chomsky, 1993: 18)

Esta mesma análise é feita por Therborn (1988), referindo-se à realidade européia. No prólo go de seu livro sobre desemprego, enfatiza que "o desemprego converteu-se na pra

ga do capitalismo avançado dos anos 80". A Europa, como veremos no Capítulo III, con verteu-se numa verdadeira cortina de ferro para impedir a entrada, em seus merca dos, dos desenraizados e miseráveis do Terceiro Mundo.

Para a América Latina e o Terceiro Mundo em geral, a despeito da sua heterogeneida de e do fato de que dentro do caráter transnacional da economia haja ilhas de pros

peridade e privilégios, os custos humanos assumem proporções alarmantes. As análises da c rise atual do capitalismo são de pessimismo quando se referem à situação e perspectivas da América Latina e Terceiro Mundo.

Num balanço da crise do capitalismo na década de 80, Blackburn nos oferece um retrat o do que estão representando as regras do ajuste imposto pelos países ricos aos países pobres.

Os frutos gerados pelo capitalismo nos anos 80 não se dissociamde um processo obsceno, que bloqueou as perspectivas de um enorme número de pessoa

s nos países mais pobres -primeiro por causa das dívidas que contraíram com os países ma is ricos, e, posteriormente, porque os seus produtos foram excluídos domercado. Em grande parte do Terceiro Mundo a distribuição

do poder econômico e político não impediu a escassez quase generalizada de víveres, nem epidemias de doenças curáveis. Não raro os movimentos em favor dos pobres, que tentara m se opor a tal estado de coisas, tiveram por resposta a repressãoimpiedosa e esquadrões da morte. (Blackburn, 1992: 108)

A explicação mais surpreendente de como na reorganização do capitalismo em crise, por se u caráter excludente o capital, com sua nova base tecnológica, ao contrário de potenci alizar a vida humana -extensão das capacidades humanas -pode86

/1 c

tornar-se poder destrutivo, vem da OIT: A tecnologia empobrece o Terceiro Mundo.

Praticamente todos os países da América Latina estão submetidos ao ajuste dos centros hegemônicos do capitalismo. Os dados que N. Chomsky apresenta do Banco Mundial ind icamque os países industrializados reduzem as rendas nacionais do sul do planeta em -. eerca do dobro à ajuda financeira concedida à região. Isto constrqi um quadro de profu nda perversidade na relação Norte/Sul:

Os programas ditados pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial já ajud aram a dobrar a brecha entre os países ricos e pobres desde 1960. As transferências de recursos dos países pobres para os ricos chegaram a mais de US$ 400 bilhões entre 1982 e 1990, o equivalente, em valores atuais, a mais ou menos seis Planos Mars hall "fornecidos pelo sul ao norte". (Chomsky, 1993: 18)

Os mecanismos do confisco social dão-se mediante transferências por serviços da dívida ex terna; royalties e especulações monetárias; perdas por deterioração dos termos de acordos de comércio e lucros repartidos pelas multinacionais.

. A análise sobre a dívida externa e o pagamento dos juros da dívida, nos termos que têm sido colocados para o Brasil e para os países latino-americanos, inviabiliza qualquer política de retomada do desenvolvimento e dilapida de tal forma o fundo público

que impossibilita a manutenção de serviços que são direitos dos cidadãos, como saúde, educaç seguro desemprego etc. Os dados analisados por M. Arruda para o caso brasileiro

são de extraordinária clareza para mostrar como se inviabiliza qualquer possibilidad e de mudanças profundas sem enfrentar a relação genocida com os "credores".

O balanço de pagamento de 1990 fechou com um déficit total de US$ 3,3 bilhões, financi ado pelo acúmulo de atrasados nospagamentos externos. No entanto, é o próprio Banco Central

que divulga o fato surpreendente de o Brasil ter pago US$ 7 bilhões de amortizações, m ais US$ 9,7 bilhões de juros aos

c

credores interf!acionais durante 1990. ano da moratória. ( ... ) Na passaram a det er no início dos anos 90 apenas 35%. (Soares,

década passada (1980-1989) o Brasil pagou aos credores externos 1993: 12) US$ 147,5 bilhões, sendo US$ 96,8 bilhões de juros e 50,6

bilhões de amortizações. Apesar disso, a dívida passou de US$ Estes dados mostram que ao lado das ilhas de riqueza e

64,2 bilhões em 1980 para 115,1 bilhões em 1989. (Arruda, ostentação, aninham-se o aband ono -infantil, -a-f(jfjfeãmiséria

1992: 58-64) asdoenças endêmicas e, C()fiseqüeil1em~~~remafti(a: A:ONU, levando emcontaa-éxpectátiva de vida, as taxas de

Robert Kurz, ao analisar a situação dos países da América mortàfídade infanti~ a distribuição renda e o nível educacional Latina, nos fala do sacrifício do Terceiro Mundo e cita

Simon da população, clasSificao_..I3rasil n()_~~p.tl)ag~simo__Raís do (1987), para ex emplificar a rendição da Argentina ao credo I!lundo em qualidadexle vida. (Revista I sto É, de 16 a 22 demaio deT993:-13).-~•-----•

neoliberal: O número de crianças abandonadas (meninos de rua) na A Argentina tornou-se o caso exemplar de uma estratégia

América Latina é de aproximadamente 10 milhões. Trata-se impiedosamente praticada de desindustrialização. Entre 1975 e de um contingente 'que tem crescido e que atinge, sobretudo, 1982 a produção industrial caiu 20% e a ocupação na indústria, os grandes e médios centros urbanos. Misturam-se crianças e em 40%. Crise de desemprego em massa fez com que a

jovens que sobrevivem do trabalho na rua ou que têm a rua participação dos salários na renda nacional diminuísse de 49% como seu "mundo de vida". O documento O trabalho e apara 32,5%. (Simon, apud Kurz, 1992: 175)rua: crianças e adolescentes no Brasil urbano dos anos 80

traça um retrato sombrio de um contingente de aproximadamente Este quadro, com o g overno Menen, radicalizou-se, cons5 milhões de crianças e jovens que trabalham em con diçõestituindo-se o exemplo argentino como um caso paradigmático de que o ajuste neoli beral traz uma receita avassaladora contra as classes trabalhadoras. Trata-se deum modelo para poucos, não mais que 30% da população.

Numa análise sobre as políticas de ajuste para o caso brasileiro, M.C.C. Soares expõe uma síntese de indicadores que vários organismos nacionais e internacionais apresent am e que mostram o agravamento da pobreza:

A taxa de crescimento do PIB caiu de 8,6% nos anos 70 para 1,7% nos anos 80 e se tornou negativa no início dos 90; o

PIB per capita em 1990 foi inferior ao de 1979; entre 1981 e 1990 caiu 5,3%; a dív ida externa (corroQorando os dados de

Arruda), a despeito da maciça transferência de recursos para o exterior, subiu de 64 para US$ 116 bilhões de 1980 a 1989;a percentagem de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza

passou de 24% em 1980 para 39% em 1988; o salário-mínimo real caiu 40% entre 1980 e 1989; os salários, que se apropriavam de mais de 50% da renda nacional no final da década de 70,

precárias e são vítimas de todo o tipo de exploração. (Fausto & Cervini, 1992: 18-45) J

Mais surpreendentes são os dados revelados por J. Muzungu, em artigo na revista Glo be, que constata a existência, ainda hoje, de 15 milhões de escravos no mundo. Deste s, 320 mil se encontram no Brasil. (Muzungu, 1993: 38)

A síntese da lógica da acumulação de riqueza de um lado, e da acumulação da miséria de outro, nos últimos 50 anos no Brasil, nos é cruamente exposta por Celso Furtado:

Durante 50 anos ° Brasil cresceu mais do que qualquer país do mundo, alcançou uma das taxas de crescimento mais altas,

7% ao ano -a cada 10 anos o PIB dobrava. Mas o país fez isso acumulando miséria. O crescimento é necessário, mas não suficiente. (Furtado, Jornal" do Brasil, 03.10.93: 13) Tomando os países da América Latina no seu conjunto,

C. Villas (1991) mostra-nos que a aplicação das políticas neoliberais representaram um a violência brutal sobre a vida da

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1. A crise da sociedade do trabalho e a não centralidade do trabalho

Tomaremos aqui, pela influência de seus trabalhos no Brasil, as análises que Claus O ffe, Adam Schaff e Robert Kurz derivam da "crise da sociedade do trabalho".

De Claus Offe interessaonos discutir, sobretudo, a tese da "perda da centralidad e do trabalho como categoria sociológica fundamental para entender a vida social" e as categorias histórico-analíticas que propõe como substitutas.Do pensamento filosófico de Adam Schaff, analisaremos

a sua compreensão da "nova revolução tecnológica" e a idéia do "fim do trabalho" na sua forma de trabalho abstrato, que dela deriva.

Por último, um autor menos conhecido no Brasil e mesmo nos meios acadêmicos de seu p aís, Alemanha, um autodidata, motorista de táxi e membro de um pequeno grupo (altern ativo), Robert Kurz, que, numa obra "ousada" ou de "arrogância desconcertante" (Gi anotti, 1993: 48) e de amplo sucesso editorial no nosso país, sustenta a tese do c olapso da modernização, entendida como a forma mercadoria de organização do conjunto das relações sociais, incluindo a experiência do socialismo real, que denomina de sociali smo de caserna. Nesta obra prognostica, também, o fim da sociedade do trabalho, do trabalho abstrato e, como conseqüência (lógica), o fim das classes sociais e do capit alismo. Trata-se de uma análise que chega à mesma conclusão de Fukuyama -"o fim da his tória" -com sinal trocado, como pondera Gianotti numa perspicaz resenha destaobra.

Antes de buscarmos explicitar os argumentos básicos das análises destes três autores, é importante salientar alguns aspectos de contextualização teórico-histórica dos seus trab alhos.

Na discussão da tese da não centralidade do trabalho como categoria sociológica de análi se de Claus Offe, autor ligado ao pensamento neofrankfurtiano, tomaremos como ba

se um conjunto de trabalhos por ele produzidos ou de textos em parceria na coletân ea que organizou, traduzida com o título Trabalho e sociedade -problemas estrutura is e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho (1989). Trata-se de uma

coletânea de textos produzidos na Universidade de Bielefeld, no início da década de 80 e originariamente publicados em .. alemão. Na questão específica da categoria trabalh o, no nosso

entender, como veremos adiante, Offe desloca a sua análise do. terreno "i;istórico. paf!l_ll.111.a.!ler~p~çíEa_<l~,ca.r~ter neo-racionalista e funtionalista

. Isto contrasta, como mostramos no Capítulo II, com 'a. 'sua significativa contri buição na crítica e na análise da crise do Estado de Bem-Estar1

Adam Schaff é um filósofo polonês, com algumas obras de peso 'desenvolvidas dentro da concepção marxista de históriaj'

e de realidade, como História e verdade (1974), e Linguagem e conhecimento (1964). Estas obras caracterizam-se pela densidade filosófica e constituem-se em fontes re ferenciais de uma epistemologia histórico-dialética.

Contrastando com estes textos, no ensaio Sociedade informática (1990), publicado or iginariamenieÍla Afemaliliiícom

o títUlõWohim führt der weg em 1985, Schaff arrisca hipóteses arrojadas sem sentir-se na obrigação de trazer muitos argumentos)

ou comprovações. Trata-se de um trabalho encomendado, como já indicamos, pelo Clube de Roma,2Jlo....quaLo .autor analisao impactod.1l.quil()gu"de11()minaa"segun~a.. r"volução técni

. co~industrial" sobre. os .. âmbitos econôlllico,.. poIiiicO-sociar e cultural e so bre o indi\iíduohulllª-no (sentido da vida; 'estilo de"vidá 'ea'buscad" um novo sistem a de valores). Neste1.

Ver Offe, c., Capitalismo desorganizado. São Paulo, Brasiliense, 1989; Problemas e struturais do Estado capitalista, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984; Contra dicciones en el Estado del bieneslar, México, Alianza, 1980; "Sistema educacional.

sistema ocupacional e pOlítica da educação -contribuição à deter* mi nação das funções socia istema educacional", Revista Educação & Sociedade, São Paulo, nO 35, 1990.

2.

O Clube de Roma é um organismo que constitui uma espécie de intelligentzía, formado po r intelectuais e empresários de tradição liberal*conser* vadora ou progressista que bu scam analisar estrategicamente os rumos que toma

} o desenvolvimento económico, político e social, no âmbito das relações interna~ da nais. trabalho amplia uma análise que publicou em 1984, cuja edição italiana tem o título Occu pazione e lavoro in la rivoluzione microelettronica (1984).

A análise de R. Kurz, exposta no livro O colapso da modernização -da derrocada do soci alismo de caserna à crise da economia mundial (1992) situa-se no vértice de um debat e que apreende, de .um lado, as interpretações sobre a derrocada do socialismo real e, de outro, as conclusões sobre a vitória

e supremacia definitiva (enfim!) do siste ma capitalista. Como indica R. Schwarz na apresentação da obra, Kurz "arrisca uma le itura inesperada dos fatos". Sustenta a tese de que a crise do Leste Europeu é ape nas a segunda etapa (a primeira foi protagonizada pelo "Terceiro Mundo") da cris

e da sociedade das mercadorias, já que socialismo real (ou de caserna) e capitalis mo, sob formas diferentes, eram regidos por este sistema. A crise é, portanto, da

forma mercadoria e começa, agora, sua fase final no coração do próprio capitalísmo avançado. O livro de Kurz foi originariamente publicado na Alemanha em 1991. Diferentemen

te dos outros dois autores, Kurz não tem nenhum outro trabalho traduzido e publica do no Brasil.

Os três trabalhos têm como base' de análise, fundamentalmente, o "Primeiro Mundo", embo ra Schaff e Kurz se refiram especificamente ao "Terceiro Mundo" e, coincidenteme

nte, os três foram publicados originariamente na Alemanha. As motivações que dão origem a os estudos são diversas, assim como são diversas as análises. Todavia, o que nos inter

essa é que os três dão ênfase, em seus estudos, à crise da sociedade do trabalho.. Daí deriv am amílises 'lue-iâmbé.;) têm perspectivãS diversas, mas os três abordam a crise do trabalho assalariado -do trabalho abstrato -'o º,desapa~.(:i~!ttrLdas classes sociais e as' perspectivas de superaçãodo capitalismo:----

Por fim, na orde.;)'d~S obsel'vaçÕ~smêtõãõlOg1CãSprévias, destacamos dois aspectos que julgam pertinentes na introdução deste debate.

O primeiro aspecto diz respeito à necessidade teórica, política e mesmo ética, daqueles que, em suas análises, têm

buscado na apreensão histórica da categoria trabalho o eixo paraa,cQÍÍlm:e-e-jj~ã<ldasreliiçõeS socülis e 'práticas 'educãi:íVãs

.visando~esta~~cer.!lrn•deºªte_ÜIt!çº-s05j'-'Lª~__q~§_st(í~~posXas pelos trabalhos anteriormente assinalados .. para a área de edu cação, o ap~of.m(jaménio deStas'qües(Õesé crucial, na medida

em . que o eixo do trabalho como prinçíRio, ,educativo, na perspeçtiva,cte'Marie,posteriormenté, de Gramsci, tem balizado, em grande parte,tantooembaté=~Qrlcº~:::<iili!ií'toQ,.embiile pofíticopráticodas--l11tlmasduas'décadas no BrasiL' "

O segundo aspecto, de ordem mais geral, relaciona-se ao tensionamento que as análises acima trazem, no âmbito epistemológico, teórico e político, para aqueles que, não porconfissão de fé, mas por um processo de aprofundamento ede radicalidade na análise do real, desembocaram na concepçãomaterialista histórica formulada por Marx e Engels e buscam,por esta concepção, apreender as múltiplas determinações emediações que constituem as estruturas necessárias da realidadesocial e, ao mesmo tempo, uma determinada ontologia social.Konder (1992), em relação a este último aspecto, concluiseu perspicaz livro - O futuro da filosofia da práxis - opensamento de Marx no século XXI - com duas advertênciasextraídas, como ele a denomina, de "duas expressões extraor

dinariamente agudas da filosofia da práxis" -Karel Kosik e Antonio Gramsci. Ambas~ se aplicam ao contexto dos trabalhos que iremos analisar. Registramos, toda via, a de Gramsci, apenas i. \I',\

por ser a que tem uma direta relação metodológica com este trabalho:

Na discussão científica, já que se supõe que o que Ínteressa seja a busca da verdade e o progresso da ciência, demonstra ser mais "avançado" aquele que adota o ponto de vista segundo

3. Esta afirmação pode ser confinuada pelo volume de publicações, teses, dissertações e artigos produzidos sobre o tema na área de educação. Para um balanço da relevância que a questão do trabalho assumiu nas análises do campo educacional, ver José dos Santos Rodrigues, A educação politécnica no Brasil:concepção em construção (1984-1992), dissertação de mestrado, UFF,1993.95

o qual o adversário pode expressar uma exigência que deve ser incorporada, ainda que , como um momento subordinado, àsua própria construção. (Gramsci, apud Konder, 1992: 140)

Esta advertência ganha um signifi~d_o mai§_gm::iaLp.elo fato deque .os-inIerf9s:ufor esquediscuternaproblemática da crise da sociedade do trabalho, do. fim da. central

idade desta categoria;;áanáHs(s6"üiIe~6 prôpriofim dóirabalho abstrato, não são, como apontam s anteriormente, os teóricos do capital humano das décadas de 60 e 70 ou osapologetàsd asoclêdade do conhecimento das décadas .de 80 e.'tO,glle revisifam e vestein~cornnov as';'oupagens estamesma "teoria". Trata:sede autores inscritos ou na tradição crítica

da Escola de Frankfurt ou em outras perspectivas da tradição illa,-xista. Há que se qu alificar, todavia, em que medida esta tradição não é falseada.

Orientado por estas observações, inicialmente busco expor, de forma sucinta, os argumentos dos autores na forma mais original possível. Em seguida, estabelecerei uma discussão crítica com os mesmos.

1.1. Claus Offe e a tese da perda da centralidade do trabalho na vida social

A argumentação que embasa a tese de Offe sobre a perda da centralidade do trabalho e nquanto categoria sociológica e, portanto, enquanto conceito fundamental para apre ender as relações sociais, deriva de observações cotidianas, enquetes diversas, pesquisa s e argumentos de caráter histórico, que lhe indicam estar a sociedade do trabalho em crise.4

4. Por .çri~~. entende o autor como sendo uma situação na qual repentinamente instituições tradicionais e evidências incontestáveis tornam~se controversas, onde inesperadamente surgem dificuldades de relevância fundamental, onde não se sabe

o que vai acontecer. "Sociedade do trabalho" é uma expressão cunhada por Dahrendorf para referir~se à visão da sociologia clássica (Weber e Durkheim) que tem no trabalho a categoria explicativa central e é tomada como referência

por Offe. 96

Três argumentos iniciais são explicitados para sinalizar a crise da sociedade do tra balho.

Começando pelo prefácio da coletânea, Offe vale-se de

um texto do Ministro do Trabalho e da Ordem social da •Alemanha, cujo título é O traba lho continua, para afirmar que "isso'Só pode ser interpretado (da mesma forma que

a visita de saúde em morib~ndos) como um sintoma da crise da sociedade do trabalho'\,

Um segundo argumet.to, corroborado por inúmeras análises de autores anteriormentj' m encionados, é que, embora a Jlfo.~ução económica de bens. es~rviç.Qsc.r"sçaempequenª--monta,.

.Qs. dados evidenCIa;;" uma capacidade decrescentedomercado ..cle trabalho para absorver trabalhadores.' Mas, . para Offe, mesmo que isso não ocorresse,. a crise da sociedade do trabalho se fundaria na "perda da qualidade subjetiva de centroo rganiz.ador das atividadeshumanas, daauto"estimae das. referências sociais, assim como das orientações .morais".

Por fim, neste nível de argumentação, a crise da sociedade do trabalho estaria evidenc iada pela profunda diferenciação interna dos que têm trabalho remunerado contratual. Da crise da s.ociedadedotrabalho,.Qff~.deriva a perda do caráter explicativo funda mental do trabalho como categOrIa sociológica. A argumentaçãe'deOffe-se'desefiV6IVeI1f osfranâo por que o trabalho empiricamente se torna um objeto central dos clássicos e por que, hoje, a Sociologia deve fundar seu objeto em novas categorias. O fatode o trabalho constituir-se, como o concebe Marx, "uma eterna necessidade natura l da vida social" não pode levar-nos a ignorar, segundo Offe, as transformações profun das de sua divisão, organização, fragmentação e racionalidade daí derivada.O que explica, de acordo com Offe, o fato de o trabalho ter sido a categoria cen

tral nas análises dos clássicos deve-se a razões objetivas do mesmo terem assumido pos ição estratégica entre o fim do século XVIII e término da Primeira Guerra Mundial. Esse da do estratégico adviria do processo de diferenciação que o trabalho vai assumindo na sup eração da

97

sociedade estamental e na estruturação da sociedade capitalista,

o surgimento do proletariado e as contradições da racionalidade técnica do processo de trabalho que visa a subjugar a natureza em função das necessidades humanas e da rac ionalidade econômica burguesa:

É exatamente esse amplo poder macro"'socio\6gico determinante do fato social do trabal~o (assalariado) e das contradições da racionalidade empresarial e social que o comanda, que agora se

torna sociologicamente questionável. (Offe, 1984: 16) Ampliando a argumentação acima, observa que as pesquisas

ela sociol<>gilljodustrial abandonaram o tema do trà5al1lõ-e-êste s';-reduz-a "uma variável dependente de políticas de humani zação". A pesquisa se desloca para_as -"bord_a_s'~_da_esf",ra do trabalho, para temas como a família,papéis._ do __ sexo,_saúde etc:-Serve-se Offe, todavia, das análises macrossociológicas sobre o surgimento da "sociedade pós-industrial de seryiços"

paramos(rar que. a referência unitáriª-º-Cl!rAbalhg_-ª,,-_dilui. -As atividades _do Setm seclIn<iário_(indu$lriall-sliminuer!L e se d~s locam para o âmbito dos serviçg_s,_onde a heterogeneidade é

muito grande e não permite critérios similares de produtividade e racionalidade técnica. ------

Outra dúvida levantada por Offe é sobre a validade da centralidade do trabalho para quem tem trabalho remunerado. Os mecanismos de ordem moral onde "o trabalho pode

ria ser normatizado como obrigação, no âmbito da integração social ou instalado como impos ição, no âmbito de integração sistêmica" não se sustentam hoje para organizar a vida pessoal, especial -mente para os países de capitalismo avançado. Para Offe, o elemento de integr

ação fica invalidado pela tendência ao anonimato dos indivíduos nestas sociedades e o de imposição, diluído pelas garantias do seguro-desemprego das políticas do . Estado de Bem -Estar.

O conjunto de trabalhos mencionados por Offe que descrevem diferentes dimensões. da fragmentação e difereng!ª,<-iio . dos que trabalham eâprocluçãode-iima-cêrtaciiltura do "não-trabalho", pelosgrupos_d~d"sempregados, o. conduz à suposição de que "a consciência s ocial não mais:põdê-ser

. reconstrilídacóinóconsciênCiitôêdasse" e, portanto, a Sociologia deve buscar outras catego ias básicas para construir seu objeto.

: (,i'

'~ Se a consciência social não mais pode ser reconstruída -como )Gonsciência d~ classe. a cu1tura cognitiva não mais pode ser " referenciada ao '~~senvolvimento das forças produtivas, o sistemapolítico não mai" se atém às condições de produção e da

superação dos conflitos distributivos, e se a sociedade não mais problematiza através de indagações que possam ser respondidas pelas categorias de escassez e de ocupação, então s urge evi-dentemente a necessidade de um sistema de coordenadas conceituais com o qu

(}.l seria possível cartografar as esferas da realidade social não plenamen'te deten ninadas pelo âmbito dotrabalho e da produção. (Offe, 1984: 34) /:;

O caminho percorrido por Offe leva-o a apoiar-se num referencial que não é da Sociol ogia clássica mas, como ele I) /, mesmo expõe, de uma teoria "que vá além da esfera do trabalho". Esta escolha é explícita ao afirmar que:

Habermas apresenta em sua "teoria da ação comunicativa", uma-proposta teórica fundamen tada na história da teoria social, e que satisfaz essàs necessidades. Afastando-se d ecidida e controversamente dos paradigmas da teoria dos conflit~s~ Habermas const rói a estrutura e a dinâmica das sociedades modernas"I,'

não como um, a~tagonis~9,~U!º-':'_~~Jai2:ado"na,esferaJhl produção, ~2~Oa~~~!~~ão-entre os "subsistemas da ação objetÍvamente

racional", mediatizados pelo dinheiro e pelo poder, e um "espaço vital (lebenswelt ) autodeterminado (eigensinni)" pelo outro lado. (Offe, 1984: 34)

Finalmente, as categorias gerais que Offe define como substitutivas da categoria trabalho, para fundar o objeto da Sociologia não mais na perspectiva das contradições e conflitos, mas na teoria da ação comunicativa, são o espaço vital, o modo de vida e o cotidiano. No plano mais concreto, estas98

categorias se explicitam em temáticas como "a família, os papéis dos sexos, o comporta mento divergente, a interação da administração estatal com seus clientes; etc." (Offe, 1 984: 18)

1.2. Adam Schaff e o anúncio do fim do trabalho abstraIO na sociedade informática

A análise de Schaff no texto Sociedade informática (1990) busca apreender e dimensio nar o profundo impacto daquilo que o autor chama de Segunda Revolução Industrial, so bre a formação econômica, política e cultural da sociedade e sobre

o indivíduo, o sentido e estilo de vida e sistema de valores. Esta "Segunda Revolução Industrial" resulta de uma tríade que muda qualitativamente a base técnica do proces so produtivo e

afeta as relações sociais no seu conjunto: "'a revolução micro

eletrônica e a revolução técnico-industrial a ela associada ( ... ). A revolução da microbio logia com sua componente resultante, a engenharia genética ( ...) e a revolução energéti ca" (Schaff, 1990: 23).

t

Essa tríade traz uma mudança qualitativa em relação à Primeira Revolução Industrial. Enquanto esta, por um período

de aproximadamente dois séculos de inventos, possibilitou dilatar e substituir de forma fantástica a força física do homem, a segunda aque estamos assistindo agora consiste em que as capacidades intelectuais do home

m são ampJiadas e inclusive substituídas por autómatos, que eliminam com êxito crescente o trabalhohumano na produção e nos serviços. (Schaff, 1990: 22)

Ambas significaram saltos qualitativos.' Todavia, para Schaff a primeira revolução c onduziu a diversas facilidades e

5. A definição do número de' "revoluções industriais" e a sua própria definição. não são tema os -quais exista concordância tranqüila. Ruymond100~í!I

~{a um enorme incremento na produtividade do trabalho humano, enquanto a segunda, por suas conseqüências, aspira a eliminação deste.

Para Schaff atral]§f()[ltlllç.ão revolucionária da ciência e da técnica, que traz modificações naproduç-ão e-nosservÍços, "deve necessariament~ produzir mudanças nas relações sociais".

No plano econômico, o impacto mais profundo f_a]edução

" ....--...._.----------------da demanda de traba~o humano eo conseqüente acirramen to

do desemprego estr.utlÍnll. -Esta tendência, segundoSéhaff, --é supra-sistêmica e a solução não pode advir mediante o tradicional

-'

auxílio desemprego. Para o autor, o problema será crucial quando a redução da jornada de trabalho se aproximar ao nível zero para grandes massas. Nesta situação haveria um custo

onde "o tempo livre se converteria em carga psíquica. Produz-se, de fato, uma 'poluição' de tempo livre".

A saída para essa tendência, encontrada por Schaff, seria a substituição do trabalho tra dicional trabalho remunerado -por atividades que dessem "sentido à vida" "ainda qu

e seja somente para assegurar o bem-estar psíquico dos homens que não trabalham".6 A operacionalização desta perspectiva poderia vir mediante o tipo de estratégia postula da pelo me-morando sobre The Triple Revolution, elaborada por um comitê especial do The Santa Bar~ara Center of the Study of Democratic Institutions em 1964, que -r ecomenda:

Williams (1984: 99), numa análise crítica ao próprio conceito de revolução industrial, nos indica que a literatura sobre o tema mormente apresenta-nos uma classificação de três revoluções industriais. Uma primeira que vai de 1760 a 1840, cujo marco identificad

or é a máquina a vapor. Uma segunda, que vai de 1860 a 1910, cujos marcos básicos são di ferentes formas de energia. mormente derivadas do petróleo e da .cletricidade. Por

fim. a terceira, cujos marcos iniciais se dão na década de 50, com a energia nuclea r, microeletrônica e microbiologia.

6. Enquanto a fórmula keynesiana em face do desemprego em massa dos anos 30 defend ia que o Estado deveria 'empregar trabalhadores nem que fosse para abrir e fecha r buracos para manter o emprego e a demanda agregada, ~g1,l-'

,a .. bmca__do__ lraba.lbo____ não relJ111nerado visa .ao e.quilíbrio psíquico. Isto s eria a solução numa sociedade que faz do tempo livre tempo escravizado? Adiante reto maremos esta questão. 101

Instamos que a sociedade, através das instituições jurídicas e governamentais apropriada s, se comprometam sem reservas a proporcionar, por direito, um rendimento a todoo indivíduo ea toda a família. (p. 35)7

Esta sociedade futura, para Schaff, não será nem o capitalismo, nem o socialismo, na forma como os conhecemos até hoje. Por falta de outr. denominação melhor, sugere que s e denomine de economia coletivista. Partindo uma vez mais do memorando supracitado, conclui que esta sociedade não poderá prescindir da planificação:(

o descobrimento histórico do período posterior à Segunda Guerra Mundial é que o destino econômico da nação pode ser dirigido. ( ...) A essência desta direção é" planificação. Orequisito democrático é a planificação a ~arg~ _<.l~~,corP:(ini_ç_ões ~

., -,--.

públicas para o bem geral. (...) O objetivo será a direção consciente e racional da vida econômica através de instituições planificadoras submetidas ao controle democrático. (p. 40)

Ao analisar o impacto da revolução tecnológica, Schaff precisa qual o tipo de trabalho desapareceráeas conseqüências em termO,;-õãs-crassessociais. Diferentemente de elaus Offe , ressalva a dimensão ontológica do trabalho. O qúe desaparecerá é

o trabalho que consiste no emprego da própria capacidade em troca de um determinado salário ou equivalente sob a forIl'!a Jopreçórecébioó pelofiuto-dotrabalhodealguém.(.) Para'evitar'e~~~ d-~-i~terpretação, devemos salientar que a elimirmção do trabalho (no senti

do tradicional da palavra) nã;-sÍg-nifi~a o clesapàrecimen"iü"'da aÚ~idade -humana:"-q~e•--P ?'d~~',~~_q~irir:,-as.--. _.formas das mais diversas ocupaçÕes. (p. 42)

7. Em face dos dados que analisamos no Capítulo II sobre a especificidade da crise e os custos humanos da reorganização do capitalismo, os "conselhos" do The Santa Ba rbara Center, mencionados por Schaff, lembram os conselhos dos confessores aos r enitentes pecadores!102! !

Partindo do pressuposto do fim do trabalho na sua forma de trabalho abstrato, Sc haff conclui, também, pelo fim das classes sociais fundamentais:

É pois um fato que o trabalho, no sentido tradicional da palavra, desaparecerá paulatinamente e 'com ele o homem trabalhador,

e, portanto, também a classe trabalhadora. ( ...) Como dissemos, pode ser que Qcorram mudanças de caráter socialista, Estas poriam fim à p~\)priedade privada dos meios de produção e

dos serviços em làrga escala e, conseqüentemente, também à classe capitalista. o que corresponderia a urna modificação radical da estrutura social. (p. 43)

No. plano político, coerente com o.S pressupostos que adota, admite mudanças profund as. O problema crucial neste campo. é o da democracia. Esta demanda a necessidade de elevar-se a consciência social. Neste particular, Schaff destaca

o papel primordial da educação. Importante, também, é a análise que faz da relação Estado e s ciedade. A questão Estado ou não Estado. e a co.ntraposição do universal e do particular são, para Schaff, falsos dilemas.

Estado ou governo local, dado que o dilema é ,a rigor apenas aparente, deve ser superado pela fórmula centralismo mais governo local. A solução, portanto, segue o sentido de complementaridade e não"õ espírito dos contrários que se excluem mutuamente. (p. 68)

Finalmente, no plano cultural e do indivíduo, as mudanças tecnológicas caminham, para o autor, "no sentido. da produção do cidadão do mundo., do homem universaCEstelzOlnoun r"-' versalis também" camlnha.ri à procura de um novo estilo e modo de vida que se d esloca do homo laborans para o.h().mCi ludeljs. Isto implicará uma nova ética e, por tanto, novos valores.

Pela sociedade informática, embora não se garanta automaticamente o "paraíso", percebe Schaff as condições objetivas para o homem produzir-se e auto.criar-se livre da mald

ição bíblica do" "ganharás opãocorn QSllQICltiíciífé>sló".Esta' tarefa; marcada pela utopia, ui, só poderá resultar do

homem enquanto ser social, isto é, como resultado do conjunto de relações sociais.

1.3. Robert Kurz e o colapso da modernização: a crise do trabalho abstrato

A análise de Kurz, "que arrisca uma leitura inesperada dos fatos", marcadamente ir racionalista, pela amplitude e di• versidade dos problemas que aborda, transcende o escopo deste trabalho. Buscamos, tanto neste item como no debate a seguir, apr eender a tese central de seu trabalho relacionada com a Grise da sociedade do tr

abalh_'Lf-.do trabalho abstrato, a questão dasda.§§.ei-s~c.~is~~;;;;erspeçiiYa~_:gu:e-.a pré'seiltaj)arã-a superação da sociedade regida pela forma mercadürIíi"(fe relaç;õ"es a SÚCiáis:--.-------"'------.------.~---------_.A tese básica do autor é a de queam()demiZcação

constituída pela forma mercadoria de relações, .sociais entra numa crise qualitativamente diferente das crises cíclicas e está no horizonte do colapso. A peculiaridade ela tesed6-Kurz é

que fi forma mercadoria de produção e de relação socialjllC:jgi. a sociectadecapiliillstã regida (mais ou menos) pela liberdade das 'regrasde merciíoüé o socialismo real -s.ocialismo de Gaserna, como o denomi~a ::"'::,'qileTüCincapaz de ro~per'com

o trabalho abstrato, mas apenas o regulou pelo estatismo. Esta tese, por si e pelos argumentos que utiliza, traz à tona um longo debate que, como apontamos no Capítulo II, longe de ser novo, tem a idade do próprio capitalismo e das propostas socialistas.

No tocante à questão do trabalho, das classes sociais e \ da perspectiva da ruptura do capitalismo, a análise de Kurz Iaposta deterministicamente na agonia e no fim d

o trabalhoI abstrato: da mercadoria força de tra15alhÓé,cómÓcÓnseqüência I lógica, <5 fim" da sses sociais. Embora não tome como !iú;gumentoiinediato as caraCterísticas específicas d

a "revolução ~tecnológica" para desenhar a agonia do trabalho abstrato, de 104

forrpa mediata as toma, na medida em que debita esta crise ao avanço das forças prod utivas.

O questionamento mais geral que Kurz apresenta, é sobre a_)ógica do éthos da sociedade do trabalflO. Entendida 'como soc1edadeoü trabafho-soba formlúnercadoria, trabalho abstrat(j,

•portanto, postula qu" esta s()dedade não pode ser tomada como "u;" estado fundament

al ontológico da humanidaoe".íTjiista:mente a forma merêadoria do trabalho e dotrabalhãdo f abstrato, sem referência con15~eta, fetichizada na forma alienada do dinheiro e

cujo objetivo é a produção de mais dinheiro, que define a essência do capitalismo e que, para o autor, o socialismo real não rompeu. Pelo contrário, para Kurz,

em nenhum, outro lugar, esse éthos protestante do homem abstrato de trabalho d.entro de uma sociedade transformada numa máquina de trabalho, declarada por Max Weber como

característica constitutiva ideológica .e histórica do capitalismo, foi posto em prática ' com mais fervor e rigor do que no movimento operário nas formações sociais do social ismo real.

(Kurz, 1992: 25)Para expor a essência da forma mercadoria, o autor recorre a Marx quando mostra qu

e a mesma é uma forma histórica que inverte< a lógica da necessidade. O que importa não é produzir bens úteis enquanto "valores de uso", algo imposto imperativamente para o

ser humano enquanto ser de necessi• dades. O que importa é produzir bens como valor de troca, uma atividade que traz em si a própria finalidade:

Os recursos humanos e materiais (força de trabalho, instrumentos, máquinas, matérias-p rimas) deixam de ser simples componentesdo metabolismo entre os homens e a natureza, que servem

para a satisfação das necessidades. Passam a servir, apenas, para a auto-reflexão taut ológica do dinheiro como "mais dinheiro". Necessidades sensíveis somente podem ser sa tisfeitas, portanto, pela produção não sensível de mais-valia, que se impõe cegamente como produção abstrata. em empreendimentos

industriais, de lucro. (Kurz, 1992: 28) lOS j,

/\,

o conflito básico da modernização, insiste Kurz,não é aquele entre trabalho e não-trabalho, como sempre supôs

o marxismo ingênuo do movimento operário da luta de classes, mas sim aquele entre o conteúdo. social e a fonna-social, inconsciente, do próprio trabalho. (p. 43)

Por este caminho busca aquilo que 'indica ser um dilema da teoria de Marx que não"oi até o presente superado. Este dilema se explicita de um lado na afirmação do movim

ento operário enquanto posição de trabalhador, posição de classe e, de outro, pela crítica d a economia política que desmascara justamente a classe trabalhadora (o proletariad

ol, não como sendo uma categoria ontológica, mas como categoria social construída hist oricamente. Neste sentido conclui' quedo mesmo modo que se excluem a ontologia do trabalho e a crítica do trabalho abstrato, excluem-se, também, a posição do trabalhador e a crítica da vida do trabalhador. (p. 71)

O que está cada dia mais evidente para Kurz é a tese central de Marx -contradição entre

o avanço das forças produtivas e o caráter opaco das relações sociais de produção. O moviment letal desta contradição se efetivaria pela mediação da concorrência capitalista que iria alcançar, inevitavelmente. mediante o desenvolvimento ininterrupto das forças produti

vas, o ponto de uma "abolição do trabalho", isto é, do trabalho de produção abstrato, repe titivo, somente destinado a criar valores; com isso, no entanto, suprime também su

a razão de ser, fazendo obsoleta a si mesma. (...) A concorrência trabalha, sem sabe r e sem querer, na destruição do seu próprio fundamento. (p. 80-81)

Nesta perspectiva, Kurz lembra uma das teses de Marx desenvolvida na crítica à econo mia política burguesa segundo a qual

a concorrência no sistema produtor de mercadorias era historicamente necessária para iniciar, numa forma a princípio ainda106,li~

inconsciente e fetichista, a emancipação humana dos fundamentos puramente naturais d o trabalho como "labor", como sofrimento, como "suor de teu rosto". (p. 79)

A questão intrigante na análise de Kurz e que veremos a seguir, é de que ao mesmote!Il p().em que incita à lutªpara

o rompimenlc> da-forrllamercadoria ~d~r~lªçº~!lsºciais . de ilhenaçllo,este -émbateTicá-semos jeito clássico.-: a classe trabalhadüiagiieadrnliejánaoe~istii enqiiíUitü-iaCEstaquestão._ ______ , .. _m.___ ". __ '""_."-,.______ _ . ________. ____ ._

fica ainda mais problemática quando assinala que a ruptura, a superação da crise e a i nstauração de uma nova sociedade, não se farão por esquemas administrativos estatistas, mas por um "consciente movimento social ( ...) movimentoque teria

. que dern.lbar~com-viojênCia maIõroü-menor, tambélllesses apãi'atoS:':-Não-descarta~-ressar vaâas-as-âifefeíiçashisiÓricas, a forma das clássicas revoluções burguesas. Na sua utopia "pr stica um final não-feliz, marcado pela violência".

Kurz atribui às Ciências Sociais especial relevância no esforço para elevar-se a consciênc ia social crítica. Em face do caráter destrutivo, violento e excludente da sociedade

das mercadorias e sua razão abstrata universal, postula a emergência de uma razão sen sível. Formar-se-ia, por esta "razão sensível", um sujeito social e político para deflag rar a ruptura?

/. ~-.:!. i'

2. Da compreensão da crítica da centralidade do trabalho à crítica da crítica Os referenciais se tornam velhos quando não têm mais capacidade explicativa e não porq ue esses se enfrentam com problemas novos.Paola Manacorda

Nesta seção buscaremos levantar algumas questões e contra-argumentações das idéias anteriorm nte expostas. Os autores, como já assinalamos, não se situam num mesmo terreno teórico

e nem mesmo, na maioria das vezes, empírico-histórico. Todos eles, todavia, têm o mérit o de trazer ao debate uma problemática teórica e socialmente candente. De outra part

e trazem elementos de diagnóstico da fase atual do capitalismo, particularmente so bre o trabalho humano, de extrema relevância político-social e, portanto, para os pr

ocessos educativos que se dão nos diferentes espaços, movimentos e instituições da socie dade. Este diagnóstico, sobre o q ..al as análises se multiplicam, pode ser explicit ado, no âmbito do trabalho, por indicações como as de Alain TQlIrainl':

Na era industrial o trabalho era considerado o centro do mundo. Ele catalisava ao mesmo tempo a vida das pessoas e a estrutura da sociedade. Isso acabou: o trabalho mudou e, de repente, o "mundo do trabalho", ou o que resta dele, mantém uma relação problemática com o mundo tout coun. (Touraine, 1993: 31, tradução nossa)

As dificuldades e discordâncias com as abordagens acima representadas não residem fu ndamentalmente no plano fenomênico dos dados que, como nos adverte Kosik (1986), re vela e esconde a realidade, mas no plano interpretativo. Não há como negar mudanças pr ofundas no conteúdo, na divisão, na quantidade e qualidade de trabalho demandado no processo produtivo da fase atual do capitalismo. Todavia, parece-nos problemático deduzir da crise do trabalho no interior das relações capitalistas de produção e das mud anças de sua natureza, a perda da centralidade do mesmo na vida humana.

A análise de Claus Offe, com todas as ressalvas positivas já apontadas para o debate contemporâneo, ao discutir a problemática do trabalho, afasta-se das perspectivas crít icas ligadas à concepção materialista histórica de análise da realidade social. 8

8. Por materialismo histórico entendemos, como explicita M. Manacorda (1991a: 97),

"a expressão imediata da luta contra o ídeologísmo e a falsa consciência dominante: na realidade, em Marx, se trata, antes de tudo, de um modismo, que reduza toda a se paração entre matéria e espírito, entre ser e pensamento", Ou como lembra Gianotti ao di scutir a teoria do va1or: "Por certo, uma teoria do108

É importante registrar que a Escola de Frankfurt desenvolve-se dentro de uma verten te da tradiçao marxista denominada por M. Lõwy (1990: 139) marxismo-Iacionalista, cu ja densa tradição vem desde os anos 30, com escritos de Horkheimer, Marcuse e, após a Segunda Guerra Mundial, com trabalhos de . Aqomo. Atualmente, os autores mais ex pressivos vinculados a esta Escola são .os neofrankfurtianos Habermas e Offe, com uma densa produção. Habermas propõe-se um projeto de reconstrução do mate?'í'llismo histórico.

Offe reconhece sua dívida para com a tradição marxista numa entrevista dada a David He ld e J. Keane, em Londres, em 1982, afirmando que no passado se considerava ante

s de tudo e acima de tudo marxista, mas que atualmente, mesmo que isto lhe traga situações embaraçosas, defende uma postura metodológica eclética nas Ciências Sociais. Estou convencido de que não existe nas clencias SOCiaIS COIDtemporâneas um paradigma singular suficientemente desenvolvido e coerente para que se possa prescindir de outros para

digmas. (...) O ecletismo é certamente legítimo dentro da

sociologia teórica e empírica. se com isso quisermos indicar uma disposição para aprende r tanto da tradição. marxista como das tradições que incluem weberianos, durkheimianos e outros.

(Offe, 1990: 258) ~

Na perspectiva em que situamos este debate entendemos que a análise que Perry Ande rson faz da Escola de Frankfurt, no contexto da crise do marxismo ocidental, nos ensaios Considerações sobre o marxismo ocidental (1976), posteriormente em A crise d a crise do marxismo (1985), onde faz uma autocrítica por não ter incluído no primeiro uma análise davalor talvez não tenha utilidade para todos aqueles que apenas tratam de calcular

a renda nacional. ( ... ) Mas para todos-nós que, além de estarmos interessados no f uncionamento do capital, indagamos ainda as condições de seu vir~a~ser que, portanto , propomos uma concepção de Ciência que investiga tanto o funcionamento quanto os modo

s de constituição do fenômeno, a análise do valor surge corno a única capaz de emprestar i nteligibilidade às categorias com que o sistema labora na sua superfície", (Gjanoui, 1983: 227)

obra de Habermas e, finalmente, no seu mais recente trabalho publicado no Brasil

,Q fim da izist_óriIL-c::cdç Hegel a Fukuyama (1992), é a mais abrangente e consistent e. A compreensão positiva e, ao mesmo tempo crítica, da obra de Habermas, autor com quem Offe trabalha há longos anos, mais especificamente, nos ajuda a qualificar mel hor a natureza deste debate.

No balanço da crítica <;\0 marxismo ocidental, Anderson mostra que, à exceção de Gramsci, o marxismo ocidental caminha por um abandono ao internacionalismo e no contexto

das derrotas dos movimentos operários desloca-se do trabalho empírico-histórico e sua vinculação com os partidos e sindicatos para o âmbito da academia. Dominam as temáticas da supe restrutura e um embate de discurso. O marxismo, neste terreno, não só cai na a rmadilha estruturalista como neste campo é derrotado. Os sinais de retorno à tradição clás sica estão, para Anderson, no mundo anglo-americano e nórdico.

A análise sobre o edifício teórico de Hábermas é, ao mesmo tempo, realçada pela sua densidad e e abrangência, quanto por duras críticas. Ao referir-se ao programa de Habermas de "reconstruir o materialismo histórico", Anderson salienta:

A escala e o perfil arquitetônico do edifício teórico resultante -sintetizando investi gações epistemológicas, sociológicas. políticas, culturais e éticas em um único programa de quisa

não possuem nenhum equivalente efetivo na filosofia contemporânea, de qualquer inspir ação. O ponto de partida para qualquer avaliação da obra de Habermas deveria compreender adequadamente a superioridade dessa façanha. As idéias que se entrelaçam para formar

o seu sistema filosófico precisam, contudo, ser situadas com alguns parâmetros compa rativos. (Anderson, 1985: 70)

Ao situá-lo como o "principal herdeiro do tema hegeliano da realização plena da razão" e ao mostrar as saídas que Habermas dá para a crise da sociedade capitalista, Anderso

n conclui que, politicamente, assume hoje posições similares às que Hegel assumia no s eu tempo.

A correspondência entre as duas arquitetônicas é. com efeito, mais do que formal. Poli ticamente, com o ajustamento adequado110

para o tempo decorrido. há uma curiosa semelhança em seus resultados finais. Cada um aceita o mercado da época como a ordem objetiva de qualquer vida econômica moderna, embora assinalando as suas disfunções sociais, para as quais não parece haver remédio e strutural. Cada um aceita o Estado do dia como a forma necessária de liberdade sub jetiva e adverte contra as tentativas de avançar para além dela, na direção de formas ma

is radicais 1e autodeterminação. A República Federal está a alguma distânçia da Prússia pós-R rma, mas a adesão de Habermas à demÓcracia parlamentar é historicamente tão convencional pa ra o seu tempo quanto a de Hegel à monarquia constitucional. Não leva a maiores esperanças de transformação de baixo para cima. (Anderson, 1992: 78)9

9. A tônica de um desenraizamento com os movimentos políticos e de uma apreensão do mo vimento empírico-histórico pelo marxismo ocidental e, em particular pela tradição da Esc ola de Frankfurt, explicitados na análise de Anderson, persistem em trabalhos recentes de Habermas e sobre temas candentes. Comentando

o mais recente trabalho de Habermas, traduzido no Brasil, Passado como futuro (T empo Brasileiro, 1993), que trata de temas sobre a queda do muro de Berlim, a re

unificação da Alemanha, a guerra do Golfo, a reunificação européia e o novo cenário histórico E. Sader critica a frieza das respostas dadas por Habermas sobre temas tão canden

tes. "Se ele se alarmou com as 2.000 ações militares contra Bagdá e com os ataques dos Skud contra Israel, de forma ingênua reconhece o papel da ONU, que autorizou os a liados a empregar meios militares, quando o próprio Pérez de Cuéllar, então secretário ger al da entidade, se sentiu sumamente vexado pela forma"'-como as Nações Unidas foram atropeladas pelos Estados Unidos no episódio". Sader mostra ainda que Habermas, qu

ando perguntado sobre o que os alemães orientais perderam com a reunificação, cita ape nas alguns filmes antigos e programas editoriais dos anos 50. Fala do desemprego disfarçado etc., "quando se-sabe dos violentos retrocessos sociais -dos quais as mulheres originárias da parte oriental são as principais vítimas, ao lado dos aposenta dos, dos artistas, imigrantes e estudantes. Quanto ao desemprego disfarçado, as de zenas de milhões de desempregados estruturais mantidos ou não pelo Estado Alemão não ser vem para que faça qualquer tipo de comparação". Sader conclui, e é isto que nos interess a chamar atenção mais que tudo, que "ao longo de suas respostas Habermas dá a impressão de querer mais adequar-se aos juízos de uma consciência kantiana do que intervir par

a alterar a realidade que, supostamente, deve indigná-lo. Suas palavras são excessiv amente mansas, mesmo quando revelam forte condenação. (...) Justamente ele, que tant

as contribuições já deu para a construção de uma esfera pública e para a denúncia da modernid de incompleta e da falsidade das teorias da pós-modernidade". (Sader, 1993: 3)

A questão teórica mais pontual que nos interessa na análise da centralidade do trabalh o e onde Offe se situa sobre i.

esta questão, relaciona-se à proximidade. de muitas coordenadas do pensamento de Hab ermas ao estruturalismo francês. O ponto crucial desta proximidade, que situa Habe rmas no ct»limiar entre o marxismo e o não-marxismo foi o seu argumento de que Marx se equivo

car" ao atribuir uma primazia fundamental à produção material, na sua definição da-humanid ade como espécie e na sua evolução como história. (Anderson, 1985: 7(5)Anderson observa sucessivos deslocamentos do corpo teórico de Habermas para contest

ar a primazia da produção material, partindo da noção genérica de interação social em contrap sição à economia, deslocando-se para a centralidade da comunicação e esta cada vez mais id entificada com a linguagem. ;~ (W

O terceiro estágio foi então atribuir a primazia total das funções comunicativas sobre a s produtivas, na definição da humanidade e desenvolvimento histórico: ou seja, nos ten nas de Habennas. da "linguagem" sobre o "trabalho". Já na época de Knowledge and Hum

an Interests, Habermas declarou -cunhando uma nota vechiana -que "o que nos dest aca da natureza é a única coisa cuja natureza podemos conhecer: a linguagem". (Ander son, 1985: 71) ;1

Offe, como analisamos na seção anterior, toma como horizonte teórico substitutivo à conc epção marxista da fundamentalidade das relações sociais de produção material, a teoria da aç municativa de Habermas. ,\Como nos aponta M. Manacorda (1991b: 96-7), Offe é um neofrankfurtiano que se fili

a à perspectiva de oposição às categorias econômicas marxianas como elementos fundamentais ordenadores da vida social (as relações de produção, relações de trabalho), deslocando tal fundamentalidade para o plano da política e do sujeito, enfatizando "a família, os n egócios, o Estado, a escola, definidos como princípios organizativos fun tID112

damentais". Por esta via sobrepõe e contrapõe política à eco nomia e o político aparece centrado na individualização dos conflitos.10

A conseqüência imediata do abandono das relações de produção material da existência, enquanto relações sociais,

. relações, portanto, entre os homens, leva Offe a afastar-se da dimensão histórica e on tológica do trabalho e do trabalho enquanto valor de'\~so que, sob diferentes form

as concretas, toma o homem artífi"e de seu devenir, e a fixar-se na forma do traba lho assalariado, forma mercadoria, ainda que criticamente.

Ao desconsiderar a dimensão ontológica do trabalho (que é sempre histórica) mascara-se, como nos mostra Konder ao expor o pensamento marxiano, que pelo trabalho y

o sujeito humano se contrapõe e se afirma como sujeito, num. movimento realizado p ara dominar a realidade objetiva: modifica

o mundo e se modifica a si mesmo. Produz objetos e, para lelamente, altera sua própria maneira de estar na realidade objetiva e de percebê-Ia. E -o que é fundamental -faz a sua própria história, "Toda a chamada história mundial

assegura Marx -não é senão a produção do homem pelo trabalho humano". (Konder: 1992: 105)1 1

~10.

Sobre esta questão, M. Manacorda nos lembra: "Em Marx são sempre os homens -os sujei tos -que entram em relações determinadas entre eles. Faz até sorrir encontrar hoje -em alguns neomarxistas -essa afirmação de Marx como uma descoberta (dos sujeitos) em o

posição à matéria de Marx. Esses neomarxistas nos admoestam que as crises das instituições e dos processos económicos são produtos das intervenções dos homens", e se propõem a "elabo rar uma luta de classe das teorias" ou de "reconstruir uma unidade dialética entre objetividade e subjetividade, entre teoria e coisas práticas. E tudo isso, dizem,para ir além de Marx". (Manacorda, 1991 a; 96)

11.Para um aprofundamento da concepção ontológica do trabalho e para

evitar o erro de confundir as mudanças do conteúdo do trabalho, a divisão do trabalho, a gestão do trabalho e, mesmo, a superação do. trabalho, sob a forma mercadoria de relações sociais, com o trabalho em geral como criador da vida humana, sugerimos a leitura dé Lukáes (1978 e 1979), Kosik (1986), Konder

(1992).

Os argumentos de Offe, todavia, são bastante frágeis no plano dos dados empírico-históri cos, dentro daótica que assume. Mesmo se nos fixarmos numa visão eurocêntrica, nada pa rece indicar que para as grandes massas de trabalhadores, o trabalho entendido c

omo emprego, venda da força de trabalho; esteja ausente como algo fundamental do e spaço vital, do modo de vida, do cotidiano. O Estado de Bem-Estar dos regimes socia is-democratas, cujo arguillento para• mostrar que oferece segurança• de sobrevivência ao s trabalhadores é de que estaria superada a idéia quem trabalha não tem direito a come r _ como mostramos no capítulo anterior, embora tenha representado significativos ganhos para os trabalhadores, não representou o desaparecimento da crise estrutura

l do capitalismo, mas apenas uma forma de resposta à crise dos anos 30. Talvez se Offe, que em vários trabalhos critica o Estado Assistencial, levasse estas críticas às

últimas conseqüências, como indicamos nas análises de Hobsbawm, de Oliveira e Therborn, não afirmaria com tanta segurança que o trabalho, mesmo na sua forma mercadoria, não faz hoje parte das preocupações do trabalhador.

Ao criticar as perspectivas atuais de luta pelo pleno emprego como algo que se a fasta das lutas originais da classe trabalhadora contra o "salário-emprego" e indi cando O trabalho cooperativo como alternativa, Offe contradiz duplamente o argum

ento de que o trabalho já não ocupa o espaço vital dos trabalhadores, primeiro admitin do que existe uma luta pelo "salário-trabalho", segundo porque a alternativa do tr abalho cooperativo, que reconhece como forma democrática e socialista de trabalho, também é trabalho. (Offe, 1990: 299)

Pelo contrário, tomando algumas das fontes -jornais e periódicos -que Offe utiliza p ara concluir que o trabalho não se constitui em categoria sociológica fundamental, p odemos mostrar que a Europa,

em face do desemprego estrutural que a atormenta, e specialmente a partir da crise do Estado de Bem-Estar que se agrava no final da década de 70 e em face da pressão de desempregados do Terceiro Mundo que buscam, no Primeiro Mundo, asilo econômico, vem estruturando uma verdadeira cortina de ferro para proteger postos de trabalho:114Inglaterra tenta se tornar inexpugnável. ( ...) Os britânicos jágarantiram o direito de ser o único país a controlar suasfronteiras dentro da Europa unificada. (O Globo, 07.07.91)O trigésimo mês consecutivo de crescimento do desemprego,que atinge agora 2,87 milhões de pessoas (10.1% da força de trabalho), levou o governo inglês a lançar ontem um pacote econômico ( ...). (Jornal do Brasil, 1992) Dias de

pânic"'.para moradores ilegais na Alemanha. Cem mil podem ser expuii;Qs pela nova lei. A Alemanha (fora a ex-RDA,onde até agora pràticamente não há imigrantes) recebeu no ano

, passado quase um milhão de pessoas. (O Globo, 07.07.91)

Em maio de 1993, o Parlamento Alemão aprovou lei restringindo a entrada de estrang eiros no país, que entrou em vigor em julho do mesmo ano, para frear um processo q

ue já teve mão invertida. A Alemanha, no final do século passado, fomentava a saída de s eus cidadãos em busca de novas terras. Após a Segunda Guerra Mundial buscou atrair e strangeiros para os trabalhos pesados, "sujos" e sem exigência de qualificação. A crise do Estado Social-Democrata, a mudança da base técnica do processo produtivo que pou

pa e dispensa trabalhadores coincidiu (e não por acaso) com um surto de "asilados e exilados" econômicos.

De acordo com dados publicados no Jornal do Brasil, em 196I os imigrantes repres @ntavam apenas 1,2% da população da Alemanha. Hoje, 32 anos depois, representam 8%. A progressão

é geométrica. Em 1987 foram 57 mil pedidos de asilo econômico; em 1992, 438 mi l. (Jornal do Brasil, 29.05.93: 20)

Alemãs ocidentais retrocedem 40 anos. Alemãs perguntam se estão ve1has e exigem o dire ito ao trabalho. (Jornal do Brasil,11.08.91)A paciência dos suíços com os imigrantes acabou em abril de

1987, quando a população aprovou, em plebiscito uma lei que' determina ( ...) a poss ibilidade de fechar as fronteiras. Os suíços, como disse o próprio chefe do departamen to de refugiados,

Peter Arbens. vivem hoje um estado de pavor de imigrantes. (O Globo, 07.07.91)

Itália cria ministério para conter imigração. (O Globo, 07.07.91). 115

Em recente pronunciamento o candidato e virtual novo dirigente máximo da Alemanha,

do Partido Social Democrata, surpreendeu o mundo com a afirmação de que era necessári o proibir a imigração pois esta compromete a identidade alemã.

Estas manchetes poderiam multiplicar-se várias vezes expressando não só que a exacerbação d a distância entre Primeiro e Terceiro Mundo leva milhões de pessoas a buscarem o exíli

o e asilo econômico nos paÍses mais desenvolvidos, como o agravamento do desemprego no Primeiro Mundo torna a situaçãocada vez mais crítica.

Por trás destas manchetes, todavia, estudos de maior densidade como os de Therborn (1988), revelam-nos uma situação de profunda crise também no Primeiro Mundo.

A leitura dos dados do Quadro I indica claramente as tendências: Quadro 1Taxa de desemprego em porcentage~_ da força de trabalho

PAÍS 1991 1992

Áustria 10,2 11,3 Bélgica 7,7 8,4

Canadá 10,3 11,3

França 9,9 10,4

Alemanha 6,3 7,0

Holanda 4,4 4,5

Itália 10,3 10,6

Japão 2,0 2,2

Espanha 15,3 14,9

Suécia3,15,2

Suíça 1,5 3,5

Inglaterra 8,8 10,1

EUA 6,97,4Fonte: OECD -1993. ln: Jornal do Brasil, 13.06.93: 20. 116Esta mesma fonte indica que, no caso da Alemanha, as . taxas de desemprego de 1993 da população economicamenteativa são de 10,1%, com uma previsão de 11,3% para 1994.Para os pequenos países da Europa, a taxa média era de 12,5%em 1993 e uma projeção de 12,9% para 1994.

A revista Futuribles, cujos números 165 e 166 de maio de 1992 se atêm llü debate sobre tempo de trabalho, mostra, paradoxalmente, qui>; enquanto nos últimos 50 anos o a vanço das forças produtivas foi fantástico, a jornada de trabalho, para

o cada vez mais reduzido número de trabalhadores com emprego estável (não mais de 35%) , estagnou, na Europa, ao redor de 40 horas semanais. Cria-se uma situação em que o

operariado europeu, com nível mais elevado de consciência política, é forçado a negociar t anto salários quanto o tempo da jornada em condições desfavoráveis, já que as empresas mul tinacionais ameaçam sair para outros países ou regiões de alta repressão e baixos salários

. Hobsbawm, (1992c: 267) ao sinalizar que se sacrificam cidades inteiras em nome da lucratividade, lembra o filme Roger and Me, que demonstra o drama da cidade de Flint, quando a General Motors fechou suas fábricas. O que vem ocorrendo hoje, especialmente na França, exe mplifica esta tendência.

No início dos anos 90 o governo alemão e de outras nações do Mercado Comum Europeu estão p ropondo aos trabalhadores a redução da jornada de trabalho com diminuição proporcional do s salários.

Mais perversos são os indícios das agressões aos éxilados econômicos, cidadãos de segunda ca tegoria -subclasse -na Alemanha, e as pressões que têm começado a aparecer em diferent

es países, por parte dos trabalhadores empregados, que reclamam por ter que manter , mediante impostos cada vez mais pesados, os desempregados.As análises de Offe corroboram estas tendências, sem, contudo examiná-las mais a fundo

. Uma sociologia do trabalho que atente para as relações sociais de produção marcadas pe la exclusão social crescente, cujo resultado é não apenas o aumento do desemprego estr utural e subemprego mas também de uma crescente concentração de capital nas mãos de pouc os, deveria mostrar que, nesta circunstância, perversamente, o trabalhador luta pa

ra ser mercadoria, já que o fato de ser empregado (mesmo sob a forma de mercadoria , é menos dramático que

o desemprego ou subemprego).Apreendida a problemátoca anterior de outra forma, como a expõe Alliez (1988), o tem

po livre, ao contrário de se constituir em mundo de liberdade, de fruição, do lúdico, um novo "modo de vida", torna-se tempo escravizado, tormento do desemprego e subem

prego. As estatísticas de desemprego e subemprego do Terceiro Mundo e a precária pro teção social dos desempregados traduz um quadro mais perverso.

A analogia que poderíamos fazer é de que a libertação dos escravos, em nosso caso com im enso retardamento, que se colocou como condição de implantação das relações capitalistas de rodução e como elemento ideológico importante para justificar a legalidade capitalista, sob o capitalismo não significou efetivamente uma libertação. Em certas circunstâncias

o "liberto", tanto pelas condições objetivas da nova relação de trabalho marcada pela cu ltura escravocrata e acrescida da legalidade capitalista, como pelas condições subje tivas do próprio escravo, cáiu numa situação pior que a de escravo, pelo menos na perspe

ctiva de sua reprodução material. No Brasil, produziu-se toda uma legislação de violência l egal sobre o "liberto", mediante a lei de terras que vedava acesso à propriedade rural aos "libertos" e mediante a "lei da vadiagem".Na moderna sociedade das mercadorias, sob a égide do capital financeiro, da tecnol

ogia flexível, das máquinas inteligentes, da robótica e do fantástico campo da microeletrôn ica, microbiologia, engenharia genética e novas fontes de energia, a liberação do home

m da máquina que o embrutece e, portanto, tecnologia que tem a virtualidade de lib erar o homem para um tempo maior para o mundo da liberdade, da criação, do lúdico, par adoxalmente o escraviza e o subjuga, sob as relações de propriedade privada e de exc lusão, ao desemprego e su118

bemprego. A profundidade da crise consiste exatamente em que a repetição da história, sob estas condições de avanço das forças produtivas, torna cada vez mais difícil esconder a farsa.

Os argumentos utilizados por Offe em relação à divisão do trabalho também carecem de maior densidade analítica. 'Prjmeiramente, em suas análises, não incorpora a questão da divisão internacional do trabalho, centrando-se numa perspectiva eurocêntrica. De oll(ra

parte, os• argumentos da diminuição dos trabalhos no setor s~ndário e a tendência à terceiri zação se, por um lado, descrevem efetivamente uma tendência do processo produtivo sob

uma nova base técnica que destrói, cinde, cria ou recria e desloca ocupações, por outro lado, escondem uma compreensão da divisão social do trabalho que "naturaliza" a sepa

ração dos níveis produtivos não evidenciando, portanto, a existência de uma inter-relação nec ssária entre o processo imediato de produção e o processo de circulação e consumo. Como nos mostra F. de Oliveira, na análise do terciário e divisão social do trabalho no conte xto do capitalismo atual:A recuperação da própria noção de divisão social do trabalho

torna-se possível apenas se abandona o "naturalismo das distinções" entre mercadorias e serviços e um certo "mo~alisrno"

que subjaz por trás da utilização dos conceitos de trabalho produtivo e improdutivo. ( Oliveira, 1981: 14)~

Offe, ao fixar-se dominantemente na descrição fenomênica do "mundo do trabalho" e ao não apreender as determinações e mediações constitutivas da nova configuração da divisão social o trabalho, resultante de uma perspectiva epistemológica neo-racionalista, acaba,

pelo menos neste particular, construindo sua análise deutro da ótica dos fatores, cu ja crítica profunda e sintética foi feita por K. Kosik:

A teoria dos fato~s asse~era que um fator privilegiado, a -economia, determina t odos os outros -como o Estado, o direito, a arte, a política, a moral -mas deixa d e lado o problema como surge e se configura o complexo social, isto é, a sociedade como formação econômica; e pressupõe a119

existência de tal formação como um fato já dado, como forma exterior ou como campo onde um fator privilegiado determinatodos os outros. (Kosik, 1986: 104).

À" Na análise de Offe o que vai aparecer é que a formação )~(ec~nômica, as relações sociais e icas, 'e o trabalho, enquanto relação social e dimensão ontológica, se reduzem a fatores. Perante a crise das .elações sociais econômicas capitalistas e a crise do trabalho abs trato, da forma mercadoria força de trabalho, que é profunda, e dos mecanismos utili

zados para fazer face à crise, sem superá-la, por inscreverem-se na perspectiva dos fatores, busca deslocar o eixo da análise na procura de outro fator determinante: "sentido da vida", cotidiano e "espaço vital". Por esse caminho, mesmo que o autor

não demonstre ter sido superada, rompida a relação capital-trabalho, relação de alienação e, portanto, de violência (física e simbólica), que funda as classes fundamentais, conclu

i que a "ação comunicativa", por afastar-se da teoria dos conflitos, dá conta melhor.. da "dinâmica social das sociedades modernas".

É novamente Kosik que nos permite apreender sob que concepção de trabalho Offe opera s na análise:

Na sociologia do trabalho, na psicologia do trabalho (...) e nos respectivos conceitos sociológicos. psicológicos e econômicos etc., se examinam e se fixam determinados aspectos do trabalho;

enquanto isso, o problema central -o que é o trabalho _ ou é compreendido em si mesmo como um pressuposto nãoanalisado e feito acriticamente ( ... ) ou então é conscientemente

afastado da ciência como "problema metafísico".(...) Embora pareça haver nada mais notório e banal do que o trabalho,

está demonstrado que esta pretensa banalidade e notoriedade se baseiam em um equívoco: na representação cotidiana e na

1

sua sistematização sociológica não se pensa no trabalho em sua essência e generalidade, mas sob o termo trabalho se

entendem os processos de trabalho, a operação de trabalho, os diversos tipos de trabalho e assim por diante. (Kosik, 1986: 177-8) .,

'1 120Contrastando com esta perspectiva de trabalho, Kosik resgata o sentido ontológico

de trabalho, sentido este imprescindível para não esbarrar no reducionismo da concepção d os fatores:

o trabalho. na sua essência e generalidade, não é atividade laborativa ou, emprego que o homem desempenha e que de retorno, exerce'u,ma influência sobre a sua psique. o seu habitus e o seu pensante-?to, isto é, sobre esferas parciais do ser humano. O trabalho é um processo que permeia todo o ser do homem e constitui a sua especifi cidade. Só o pensamento que revelou que no trabalho algo de essencial acontece para o homem e o seu ser, que descobriu a íntima, necessária conexão

entre os problemas "do que é o trabalho" e "quem é o homem", pôde também iniciar a inves tigação científica do trabalho em

todas as suas formas e manifestações (o ..) e bem assim a investígação da realidade humana em todas as suas formas emanifestações. (Kosik, 1986: 178)

Em suma, a questão crucial em relação à análise de Offe, não é que ele não consiga descrever stões do cotidiano da crise do trabalho e da sociedade do trabalho, particularment

e na realidade européia. O problema está no fato de que, ao abandonar a perspectiva ontológica do trabalho, . desenvolve uma análise que o leva'-a vários sofismas de comp osição. O mais geral destes sofismas é de que de dados relativos ao problema crucial e à crise do trabalho enquanto emprego, tarefa, ocupação, deduz a crise do trabalho em geral e daí, a perda de sentido do trabalho enquanto categoria sociológica para expl icar as relações sociais.

A análise de Schaff, mesmo que em diferentes momentos possa engendrar um reducioni smo do tipo a que Offe chega na análise do trabalho, é explícita em afirmar que a cris e e "o fim do trabalho" se referem à dimensão do trabalho abstrato,

o trabalho sob as relações capitalistas, e não ao trabalho como atividade humana const itutiva do próprio homem. Schaff, ao fazer esta referência explícita está se defendendo de críticas a tecnológicas", nascem, se difundem e incidem sobre o trabalho, os valo res, o tempo livre e a vida em seu conjunto.

um trabalho anterior no qual tal ressalva não aparecia. I2 Por isto, na obra a que estamos nos referindo aqui, deixa claro que ao afirmar o fim do trabalho como e mprego sob o capitalismo, não

está se referindo ao fim do trabalho como atividade hu mana, como processo constitutivo do próprio ser humano. ú

A tensão e problemáti<!a da análise de Schaff e mais enfaticamente em Kurz, situam-se no determinismo tecnológico de autodestruição do capitalismo. Isto pelo fato, como ver emos a seguir, de que ambos, cada um ao seu modo, definem o desaparecimento das

classes fundamentais produzidas pela relação capital-trabalho, sem que a relação social c apitalista tenha desaparecido. O nó górdio, uma vez mais, incide na perspectiva da " passagem", da ruptura, ou da superação do modo de produção capitalista. Isto fica tão mais complicado à medida que as utopias de uma nova sociedade se fundam ou sobre a virtude apologética da "revolução tecnológica" (Schaff) ou de uma "razão sensível" (Kurz).

Em relação à análise de Schaff, parece-nos importante mostrar, mediante as contribuições de Raymond Williams, Ramón Pena Castro e, sobretudo, Paola Manacorda, os riscos do de terminismo tecnológico. )

A questão central que precisamos aprofundar é de que as análises que se fixam na apree nsão das diferentes "revoluções tecnológicas"13 no plano descritivo, em seus efeitos pos itivos ou negativos, acabam por borrar a problemática central dos mecanismos, das forças sob as quais as mudanças ou "revoluções

Trata~se, sobretudo, da crítica de PuoIa Manacorda. entre outros, ao livro Occ upaúone e lavoro in la rivoluzione microeleuronica, Milano. Mondatori,1984.

Williams (1984) chama a atenção para o fato de que o conceito de "revolução industri al", na seqüência de primeira, segunda e terceira revolução industrial, só pode ser tomado dentro de "um significado meramente técnico" do termo. Todavia, se seguíssemos por

este terreno apenas descritivo, possivelmente, teríamos que falar em muitas revoluções industriais. ~ '.

Na verdade, o que se deve dizer é outra coisa. O pleno significado da revolução indust

rial não se reduz à introdução e ao desenvolvimento de novas forças produtivas. O que começo u a mudar a partir de 1760 foi todo o conjunto de

relações de produção, as quais. finalmente, constituíram uma nova ordem sdcia!. (Williams, 1984)\,Na mesma perspectiva, Ramón Pena Castro mostra-nos

o equívoco daquilo que denomina o "fetichismo tecnológico", que consiste em tratar a ciência e a tecnologia como variáveis independentes e determinantes, escondendo as relações sociais que as produzem. Ao tratar da relação trabalho e qualificação mostra que es te fetichismo se desenvolve dentro do seguinte raciocínio: a ciência determina a tec nologia, a tecnologia impõe

o tipo de organização de trabalho, o tipo de organização de trabalho determina as qualif icações e, por extensão, as exigências de ensinol e da fôrmação humana.

Fica evidente que este raciocínio escamoteia as determinações econômico-políticas, omitind o o dado essencial: o desenvolvimento da ciência e da tecnologia depende dos poderes econômicos e políticos. (Castro, R.P., 1992: 6)~

É, todavia, Paola Manacorda (1984) que, dentro da mesma perspectiva de Williams e Castro, efetiva críticas diretas ao pensamento de Schaff.I4 Inicialmente, a autora ressalta que embora Schaff esteja engajado na luta do fim do trabalho alienado, a utopia que propõe é pouco fundamentada e pro-blemática.

Num primeiro aspecto chama a atenção para o fato de que as análises das mutações tecnológica s, ao estilo de Schaff,

14. A crítica de Paola Manacorda a Schaff aqui incorporada resulta de uma síntese de seu pensamento no livro Lavoro e intelligenza nell'età microeleuronica,1984.

têm levado a confundir como iguais questões profundamente distintas. Há necessidade de distinguir-se a mudança efetiva do conteúdo do trabalho e as mudanças da organização e di visão do trabalho das mudanças das relações sociais de produção. Schaff cai no erro metodológ co de induzir-se das mudanças do conteúdo do trabalho, da organização do trabalho, uma i nevitável mudança nas relações sociais de produção. Por esse caminho, igualmente se iolduz d a revolução científico-técnica, sob as relações sociais capitalistas, a revolução !OU! cour! Sobre a posição de Schaff do "fim do trabalho", Manacorda observa que as conclusões bo mbásticas da superação do trabalho enquanto atividade para satisfazer as necessidades humanas materiais deriva de uma tradição económica que se nega a ir além dos efeitos visív eis para estudar os mecanismos que os provocam. Por esse caminho, confundem-se a

s mudanças do conteúdo, organização, quantidade de trabalho com a finalidade mesma do tr abalho. Neste sentido, vai apontar que Schaff, por vezes, sobrepõe três finalidades

do trabalho: prover a satisfação das necessidades humanas, meio de construir a reali zação da capacidade criativa e o papel de identidade social. Para Schaff,

a primeira dimensão está incorporada pela máquina e as duas outras, em função desta, sofre m uma profunda reorientação psicológica e social.

É preciso questionar o pressuposto de que as máquinas incorporam quase todo o trabal ho entendido como instrumento de satisfação das necessidades humanas. Isto, em última análise, implica supor que as necessidades, e o trabalho para satisfazê-Ias, são quant idades finitas. Ora, as necessidades humanas são históricas e não finitas. O trabalho,

enquanto processo de criação do homem e de satisfação de suas necessidades, não pode ser considerado finito. Não há, pois, um limite teórico nem das necessidades, nem das ativ idades humanas.

Por fim, Paola Manacorda também critica a perspectiva de Schaff de que a automação e a nova "revolução tecnológica" acabam com os trabalhos desqualificados, repetitivos e n ocivos, mostrando que não existem trabalhos nocivos e repetitivos por

124

si. Existem modos nocivos e desumanizadores de desenvolver um determinado trabalho. Isto indica que o problema está na forma de organização e divisão do trabalho, nas relações de trabalho sob as relações capitalistas e não na natureza em si í do trabalho, definida uma vez para sempre. A utopia é, justamente, romper com a perspectiva utilitarista e da forma valor determinadas pelas relações sociais capitalistas.

No plano empfI:ico, inúmeros trabalhos recentes, em di ferentes países, tanto li~ados à medicina do trabalho quanto a dimensões sociológicas, psicossociais e antropológicas, confir mam as análises de ManacordaI5

No plano epistemológico e teórico, a análise de Schaff sobre a "revolução tecnológica" e O trabalho .contrasta com suas análises sobre história e linguagem. Como nos demonstra ) Kosik, não existe uma divisão arbitrária entre mundo da necessidade (plano da reprodução material do homem -re

solvido pelo trabalho) e mundo da liberdade (espaço de criação propriamente humana -desenvolvido no plano da arte).

A di visão do agir humano em trabalho (esfera da necessidade) e arte (esfera da liberdade) capta a problemática do trabalho ) e do não-trabalho apenas aproximadamente e apenas sob certos

aspectos. Esta distinção parte de uma determinada forma histórica do trabalho como de um pressuposto não analisado e, portanto, aceito acriticamente, sobre cujo fundamento se petrificou a divisão do trabalho surgida historicamente, em trabalho físico

;~ material e trabalho espiritual. Nesta distinção fica oculta uma ulterior característica essencial da especificidade do trabalho como agir humano que não abandona a esfera da necessidade15. Ver. por exemplo, os estudos de Magda de Almeida Neves, Mudanças

) tecnológicas e os impactos sobre o trabalho e a qual{ficação profissional (São Paulo. 1991, mimeografado) e As trabalhadoras de Contagem: uma história outra, uma outra história (tese de doutorado, USP, 1990); e Roberto Moraes

Pessanha, Tecnologia da injonnação e organização do trabalho (Rio de Janeiro, COPPE, 1992); trata-se de um estudo onde se analisa o emprego de alta tecnologia

no processo off-shore de exploração do petróleo na bacia de Campos (RJ) e as condições precárias de trabalho dos trabalhadores, muitos deles com elevada ~ qualificação.125

mas ao mesmo tempo a supera e cria nela os reais pressupostos

da liberdade. A representação do tempo livre como férias organizadas é absolutamente est ranha a Marx. É claro que a

criação de um tempo Jivre como dimensão quaJitativamente nova da vida• humana se conjuga com a criação -de umasociedade livre. (Kosik, 1986: 188)

Isto nos permite sustentar, de modo inequívoco, que a criação de "espaço vital" a.que se refere Offe ou do mundo laudens a que se refere Schaff pressupõe a ruptura das re lações sociais de alienação que transformam o tempo livre (desemprego, subemprego) em to rmento e não em fruição. O mundo da liberdade pressupõe imperativamente a "riqueza" do m undo da

necessidade.'6

A análise de Schaff sobre o papel da tecnologia na superação da forma mercadoria de tr abalho e, como conseqüência, o desaparecimento da classe trabalhadora não enfrenta a qu estão da forma que assumem as classes sociais no capitalismo transnacional e sua anál ise converge com as perspectivas da sociedade do conhecimento e do tecno-economicismo ou tecnocratismo.

A análise de Kurz, sob a argumentação "bem arrumada", própria do discurso estruturalista , que por não enfrentar a trama do enredo das mediações, conflitos e contradições da mater

ialidade histórica, sempre é bem acabado, nos leva a uma espécie de história sem saída onde o "ex-sujeito explorado", a(s)

16. Kosik acrescenta uma explicação em nota de rodapé que me parece importante para en tender a divisão arbitrária em que incorre Schaff, acima analisada: "A relação entre nec essidade e liberdade é uma relação historicamente' condicionada e historicamente variáve l. É, portafl,t~, perfeitamente coerente, do pon~de vista materialista, Que Marx reduZa o problema da liberdade à redução do_!_~o de trabalho. isto é. à cria"çãQ...Jte tenJP,..Jivre. e neste sentido trac:hga

-ª-..Qroblemática d_e--º.e~s.si.dJldª.--e...d_e.--lib.erda.de..Jl,a.hist6J:ia....e.llLLe laçli,º_U~mP.ILde._ trabalb9.--e_Je_mpn_livre::."{...) O tempo Iívre, o tempo que está à n ossa disposição, é a própria riqueza (destinada) em parte à fruição do produto, em" parte à l e manifestação de uma atividade que não é, como o trabalho, determinada pela coação de uma f inalidade exterior que deve ser cumprida e cujo cumprimento é uma necessidade natu

ral ou um dever social! como se queira". (Marx, Theorien über de Mehrwert, v. III, p. 30.5; 'tradução nossa)126c1asse(s) trabalhadora(s) expia(m) seu fracasso numa mórbida espera do apocalipse.

Tanto Gianotti (1993) quanto F. de Oliveira (1993c), em duas resenhas onde anali

sam a obra aqui focalizada -O colapso da modernização -enfatizam que Kurz reduz a anál ise histórica mediante uma análise lógica, constituindo-se num "dedutivista":"

Ele deduz das cate~rias mais gerais do marxismo um movimento da história. Confunde lógica e política. Ele opera um desloca mento, que é uma falsificação de Marx, ao colocar a questão do fetiche no âmbito da concorrência. ( ...) O fetiche em Marx

não está apenas na concorrência, nem apenas na produção. o fetiche está em todo o sistema, e stá em todo o processo. Por que ele faz isso? Porque ele precisa abrir mão da classe operária. Ele vai tomar uma teSe que está em Habermas, que

é o fim da sociedade do trabalho. (Oliveira, Folha de S. Paulo, 13.07.93b: 6) Somente ignorando os processos históricos complexos, diferenciados e produzidos po r sujeitos sociais concretos, mostram-nos Gianotti e Oliveira, podem levar Kurz a

ver no socialismo real uma espécie de fotocópia do capitalismo, sobretudo na sua for ma estatista.

O resultado dos "arranjos lógicos", da teoria da crise do capitalismo e o congelam ento das classes sociais substituídas por uma categoria fluida -razão sensível -conduz em-no a uma visão apocalíptica da história, que sequer pode ser incorporada

"à tradição 'pessimista' dentro do marxismo (...) ou à tradição racionalista da Escola de Fr ankfurt" mas acaba sendo o "irracionalismo mais idealista dos últimos tempos". (Oliveira, 1993c: 57)17

17. Para uma visão mais geral da fluidez e dos arranjos da análise de Kurz, da natur eza lógica, metafísica. escatológica e irracional (para ficar em alguns dos adjetivos utilizados pela crítica) da mesma e de importantes indicações das razões de seu sucesso no seio da esquerda no Brasil, ver as resenhas do livro de Kurz, O colapso da mo dernização, feitas por Luiz Carlos Bresser Pereira, e, especialmente, por José Artur G ianotti e Francisco de Oliveira, em Novos Estudos

CEBRA?, 36: 46-57, jul. 1993c.

Mesmo percorrendo caminhos diferentes, e ambos se opondo ao status quo, as utopi as "alternativas" de Schaff e Kurz convergem para perspectivas que Williams e Ho bsbawm identificam como de influência comunitária e eclesial.

Williams nos mostra que, face à crise atual da sociedade capitalista, o pensamento conservador tenta passar a idéia de que toda utopia, especialmente as "utopias si stemáticas",18 é totalitária. A moda deste" final de século é de uma falta de utopia siste mática -o inferno ou vazio organizado. Este vaziose traduz pela seguinte idéia:(...) a simples tentativa de criar um novo tipo de sociedade,

mais justa. mais racional e mais humana, conduz, por seus próprios processos e imp ulsos, e entre eles sobretuçIo o planejamento. ao oposto: uma ordem mais repressiva , mais arbitrária,mais padronizada e desumana. (Williams, 1984: 21)

Essa perspectiva não é senão, diz-nos Williams, um magnífico truque. A utopia fundamenta da, com todas as suas limitações, é um poderoso instrumento para romper com as relações so ciais dominantes. Significa, ao mesmo tempo, uma contestação às relações dominantes e um p rojetar de novasrelações sociais.

Mas o tipo dominante admirado de utopia é de outra natureza:

Não se baseia em um novo sistema como crítica do sistema existente, nem em uma alter nativa cuidadosamente detalhada. Seu propósito é, por sua vez, produzir desejo. Trat a-se de um estímulo criativo para sentir e relacionar de uma maneira diferente, ou para fortalecer e confinnar sentimentos e relações reais que não se encontram na orde m existente e não podem ser vividos dentro dela. Este tipo de utopia heurística tem muito em comum com os movimentos que colocam em prática estilos de vida alternativos individuais ou de pequenas COmu

A utopia sistemática funda-se a partir da crítica da ordem estabelecida e na Pro posição de estratégias de mudança para urna nova ordem de relações

sociais.

nidades e, de modo crucial, com uma tendência importante e provavelmente crescente do pensamento religioso. (Williams, 1984: 23)

Embora Schaff insista na dimensão de homem social formulada por Marx, e Kurz nos f ale de um "coletivo" dotado de uma consciência crítica, ambos, por caminhos diversos , têm como pressuposto que a passagem para uma nova ordem, que evitam chamar de sôci alista, se dá sem o concurso das classes. . \ ...SOCIaiS. -',,

Do lado de Schaff, como vimos, a positividade da revolução tecnológica levaria ao desa parecimento da classe trabalhadora e, dependendo das circunstâncias, da classe cap italista.

Em Kurz, a contradição maximizada entre o avanço das forças produtivas e o engessamento das relações sociais, implodiria tanto a burguesia quanto o proletariado. A resistência se daria na tecnocracia, burocracia e aparelhos de cunho militar, policialesco

ou paramilitar (um resíduo do estatismo tanto do capitalismo quanto do socialismo de caserna). Em lugar da classe trabalhadora, um coletivo dotado de uma "razão sen

sível" e, portanto, substitui-se a dialética da materialidade das relações sociais, com sujeitos sociais, por uma utopia (ir)racionalista ou por um determinismo lógico.

O caráter mecanicista da inevitabilidade do colapso do capitalismo, em Kurz, ou ç!o congelamento dos sujeitos sociais, e, portanto, da presença da ação política contra-hege mônica, fica patenteada na imagem que o autor usa para fazer entender a lógica do co lapso. Kurz compara a lógica inexorável do colapso do capitalismo a um campeonato de

futebol. No início há muitos times, mas, à medida que a competição se desenvolve, vão sendo eliminados, até que num determinado momento o campeonato inevitavelmente chega ao

embate final. O time vencedor, ao derrotar todos fica sem possibilidade de cont inuar, pois ao liquidar todos não tem mais com quem competir. Assim estaria se dan do com o <:apitalismo. 19

Este exemplo foi desenvolvido por Kurz num debate. em 20.04.93. na Universid

ade Federal Fluminense (RJ), no qual repetia, pela quarta ou quinta vez, a confe rência síntese de seu livro para os brasileiros. (Conferência gravada)1290 __------' Kurz esquece, entre outras coisas, que o ':iogo" das relações sociais é de outra natur eza. Mas mostra ser um observador desatento do próprio futebol. O fim de um campeon ato mundial, certamente, não é o fim (da história) do futebol, mas apenas daquele camp eonato. O time vencedor, dependendo das regras, pode começar o novo campeonato com alguma vantagem, mas isto não lhe garante a nova vitória, pois as forças em luta po~e m ter modificado.

No seu novo livro publicado na Alemanha em 1993 e traduzido pela editora Paz e T erra com o título A volta do Potemkin (1994), insiste em sua tese irracionalista e pessimista. Ele próprio explicita o teor deste novo de trabalho em entrevista à Fol ha de S. Paulo, por ocasião da Feira do Livro de Frankfurt,em 1993:

Uma nova crítica ao capitalismo não pode mais aproveitar as idéias de luta de classe e poder. Isto está ultrapassado. Mas é necessária uma terceira alternativa, que não é a de Estado e

de mercado. Estamos num ponto de destruição do sistema de mercado, de destruição social e econômica. E pode ser que entremos num estado de destruição total e que não haja terce ira

alternativa. (Folha de S. Paulo, 12.10.93: 4)A "matriz" do determinismo tecnológico em Schaff, o dedutivismo e (ir)racionalismo

de Kurz, as previsões escatológicas e a falta de um detalhamento mais sistemático das propostas alternativas de ambos nos permitem perceber que as suas "utopias" se d efinem pelas de segundo tipo, analisadaspor Williams.As classes sociais fundamentais não são um dado que possa se dissolver por si mesmo.

A gênese das classes fundamentais hoje existentes se materializa mediante relações soc iais e de força que, de um lado, encontram os donos dos meios e instrumentos de pr

odução cujo interesse primordial é a busca incessante da acumulação e do lucro e, de outro , aqueles que em relação ao capital se organizam na defesa de seus interesses enquan

to vendedores de sua força de trabalho. 130

As classes fundamentais ongmam-se de um processo histórico, de uma relação social. Nes te sentido, não se pode confundir as mudanças das formas de sociabilidade capitalist a, isto é, dos mecanismos históricos, dos novos atores e as diferentes formas e estr atégias de refuncionamento do capita lisnlO em face das suas crises, e das formas qu e assumem as classes sociais, com o desaparecimento efetivo das relações capitalista s, e, portànto, das classes sociais.\,

É neste sentido'que F. de Oliveira (1987) e Jameson (1994) nos mostram que o fato da crescente opacidade e, portanto, dificuldade de apreendermos as classes socia

is na sociedade contemporânea, não nos permite pura e simplesmente anunciar tranqüilam ente o fim da sociedade de classes.

A opacidade da divisão e das relações entre as classes é contemporaneamente de tal densi dade que o trabalho teórico

de dar-1hes transparência caminha no sentido inverso do movimento da história do capi talismo. No sentido de que enquanto

o sistema capitalista se afirma sistematicamente enquanto tal. borrando ou anuJa ndo ou ainda subordinando as formas que O precederam, sendo portanto mais transp arente o caráter do sistema em si mesmo, o movimento das classes vai em sentido in verso, isto é, torna-se mais complexo• e difícil reconhecer,

enfim, o perfil das classes sociais. Menos que uma simples assimetria ou assíncrona, paradoxal ou geométrica. dos dois movimentos, que permitisse suas decodificações parcializadas, trata-se do contrário: é dum movimento de unidade dos con trários. (Oliveira, 1987: 10)Jameson indica que é necessano ir além das aparências e insistir em categorias marxist

as que são tidas como anacrônicas: modo de produção, revolução, socialismo e classe social. A globalização, que significou uma crise na produção nacional, e também nas instituições (sic de uma força de trabalho nacional em diminuição, deverá causar o aparecimento de formas internacionais de produção, com as correspondentes relações d~ classe. ( ... ) É necessário insistir tanto na inevi ta

bilidade desse novo processo de formação global de classe

como também nos dílemas representacionais os quais ele nos confronta atualmente. (Jameson, 1994: 81)

Nas análises de Schaff, de Kurz e mesmo de Offe, prefere-se o atalho da supressão da s classes fundamentais, confundindo as formas que as classes e os grupos fundame ntais assumem no capitalismo contemporâneo com a sua desaparição.

Por esta razão, taml'lém, desfazem-se apressadamente da utopia socialista e das luta s concretas que esta utopia nos indica hoje -face à avassaladora ideologia neolibe ral _ na

dilatação da esfera pública...

o socialismo significa vida garantida: o direito à educação livre e aoassociação;

perante as e o direito 1994:74)

cuidado com a saúde; o direito à comunidade e i

o direito ao trabalho (questão nada irrelevante I

condições endêmicas do desemprego pós-moderno) ao lazer, à cultura e à aposentadoria. (James on,

Para que a teoria se constitua em efetiva força material, a análise necessita perqui rir mais fundo tanto a questão da crise do capitalismo neste final de século e seus mecanismos de recomposição, quanto a crise do trabalho e das condições paradoxaIS onde o

aumento fantástico da potenciação das forças produtivas, sob as relações de exclusão, não te permitido socializá-lo na qualificação da vida humana. Ao contrário, sob muitos aspecto

s não só da classe trabalhadora, mas particularmente desta, a penúria e a exclusão aument aram. Mais globalmente, o caráter destrutivo destas relações põe em risco o

próprio ecossistema. A análise e as propostas utópieas que ultrapassem as perspectivas de Offe, de Schaff e de Kurz, enquanto caminho de ruptura, são cada vez mais nece ssárias.

A crise da forma mercadoria de trabalho, do trabalho abstrato, portanto, não signi fica o fim da centralidade do trabalho enquanto processo criador do humano na su

a dupla e inseparável dimensão de necessidade e liberdade. A superação da crise somente se efetivará, pela raiz, mediante um processo de embates concretos que concorram p

ara a negação das 132

relações sociais de produção fundas na cisão das classes sociais, pela mercantilização da for de trabalho, em suma, pela alienação.

Esta travessia não se dará quer pelo concurso, pura e simplesmente, da "revolução tecnológ ica", quer pela "ação comunicativa" ou pela "razão sensível". Resultará, concretamente, de um em~ate de forças cuja configuração cada vez mais opaca não elid<\,sua existência, as cl asses e grupos sociais, mas os pressupõe. A radicalização da luta democrática e neste mo vimento o controle, "acesso e manejo" do fundo público na dilatação dos direitos e das conquistas das classes subalternas, como nos mostram Francisco de Oliveira, Hob

sbawm e Anderson, entre outros, constituem-se no campo de definição da desmercantiliz ação do conjunto das relações sociais e o terreno sobre o qual se desenham, como nos ass inala Oliveira, as "formas sociais do futuro".

A natureza deste embate tem uma especificidade regional e "nacional", todavia, o s problemas que engendra têm profundas determinações "transnacionais".

O número de organizações internacionais intergovernamentais cresceu de 151 em 1951 para 280 em 1972 e para 365 em 1984; o número de organizações internacionais não~governa

mentais foi de 832 para 2.173 em 1972, e mais que dobrou nos doze anos que se se guiram, atingindo 4.615 em 1984. (Hobsbawm, 1990: 206) A explosão de nacionalismos, especialmente onde o so cialismo real predominou até seu "desmoronamento", são, em

face desta realidade, como analisa Anderson, "fogos de artifício". O horizonte his tórico gravita numa outra direção:

O futuro pertence ao conjunto de forças que está ultrapassando a Nação-Estado. Até agora e las foram capturadas ou impulsio

nadas pelo capital, uma vez que o internacionalismo, nos últimos cinqüenta anos, mud ou de lado. Enquanto a esquerda não conseguir retomar a iniciativa nesta área, o atu al sistema estaráseguro. (Anderson, 1992: 131)

As implicações dos encaminhamentos aqui expostos para

o embate político, político-sindical e para os processos educativos que se estruturam nos diversos âmbitos e movimentos da sociedade e na instituição escolar, são de diferen tes ordens.

No .próximo capítulo, discutiremos as implicações das formas de apreensão da crise do capi talismo dos anos 70/90, face aos interesses que s; confrontam no campo específico

das alternativas de propostas e ações educativas, atendo-nos, particularmente, ao ca so brasileiro. Muito embora estejamos num recanto tropical definido como ''Terce

iro Mundo", onde as relações de exclusão vêm sobredeterminadas pela violência do capital t ransnacional e, portanto, os custos humanos são potenciados geometricamente, nem t

udo é negatividade. O inequívoco avanço das forças produtivas e as contradições que daí advêm ngendram uma positividade que deve e que pode ser dilatada pela ação política das clas

ses, grupos e movimentos sociais. No caso brasileiro, os sujeitos sociais coleti vos que se confrontam quer com as formas de "capitalismo selvagem" praticado pel

as velhas oligarquias, quer com as formas do capitalismo "moderno", da participação, do trabalho enriquecido, da sociedade do conhecimento e da qualidade total, não só aumentaram em quantidade como engendram uma nova qualidade.134'o,\,'.

IV EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO í HUMANA: AJUSTE NEOCONSERVADOR E,

ALTERNATIVA DEMOCRA TICA *

A disputa em tomo da realidade ou irrealidade do pensamento -isolado da prática -é u m problema puramente escolástico.K. Marx, Tese (9) sobre Feuerbach~

No capítulo introdutório buscamos explicitar que o campo educativo e, mais amplament e, a formação humana, tem se constituído, desde o projeto da burguesia nascente, um ca mpo problemático para definir sua natureza e função social. Os dilemas -que assumem co

nteúdos históricos específicos decorrem, de um lado, do fato de que a forma parcial (de classe), mediante a qual a burguesia analisa a realidade, limita, em certa medi

da, a concretização de seus próprios interesses; de outro, porém, decorrem da existência d e interesses concretos

* Este capítulo, originalmente escrito para este livro, foi publicado. com algumas diferenças em relação a esta versão, na coletãnea organizada por PabloA. A. GentHi e Tomas Tadeu da Silva (1994: 3I~92). 135

antagônicos dos grupos sociais que constituem a classe trabalhadora e que tomam o c ampo educativo, na escola e no conjunto das instituições e movimentos sociais, um es paço deluta hegemônica.

O inventário (breve) deste embate, no i'lano mais geral e especificamente na reali dade brasileira, mostra qne na teoria

e na prática não soment, se avançou bastante na apreensão de sua natureza, como ele assu me uma especificidade no bojo da crise do capitalismo dos anos 70/90 que expõe que stões desafiadoras para aqueles que entendem o espaço educativo como um locus import ante da luta e construção da democracia substantiva. A primeira ordem de questões, com o explicitamos ao final do Capítulo I, liga-se a uma mudança dos homens de negócio em face da educação e formação humana e a segunda explicita-se pelas teses do fim da socied ade do trabalho e da não centralidade do trabalho, hoje, na apreensão da realidade social.

Partimos do pressuposto de que estas duas ordens de questões, muito diversas e mes mo, em certo sentido, excludentes no âmbito da análise e de posicionamento político-id eológico, estruturam-se a partir da apreensão que fazem das novas formas de sociabil idade capitalista, do papel do progresso técnico e, sobretudo, da crise do modelo

de desenvolvimento que regulou os processos de acumulação nos últimos cinqüenta anos. O Capítulo II buscou delinear a compreensão que fazemos da crise do capitalismo no seu aspecto estrutural e a sua especi

ficidade neste final de• século e, ao mesmo tempo, demarcar a direção do embate teórico e político por onde as conquistas da classe trabalhadora podem se ampliar. A dilatação d

a esfera pública e a organização para deter o controle e manejo democrático do fundo públic o constituem-se no eixo de luta face ao neoconservadorismo que busca circunscrevê-los ao domínioprivado do capital (tese do Estado mínimo).

No Capítulo III buscamos trabalhar a segunda ordem de questões mediante a leitura crít ica das teses sobre o fim da136

sociedade do trabalho e do trabalho como categoria de análise social, explicitando

os argumentos básicos, o horizonte teórico-histórico em que se firmam e algumas de sua s conseqüências no plano político-prático.

Neste último capítulo objetivamos explicitar, inicialmente, aperspectiva básica dos ho mens de negócio no campo educativo e de formação hl\mana face à crise do modelo fordista de organização e gestãq. do trabalho e, portanto, face às novas bases que a reconversão t

ecnológica e a redefinição do padrão de acumulação capitalista demandam na reprodução da forç trabalho.

No plano teórico-histórico, interessa-nos expor o significado das teses da formação poliv alente e educação geral abstraIa e sua (des)articulação com a perspectiva do Estado mínimo

. Em seguida buscaremos discutir o significado e a pertinência teórica e histórica da concepção de edncação politécnica e formação humana omnilateral, no plano da luta hegemônica se articula aos interesses da classe trabalhadora, e a defesa e ampliação da esfera pública como condição de possibilidade de seu efetivo desenvolvimento.

1. Os apologetas da s'lciedade do conhecimento e os homens de negócio blefam e apo stam no cinismo?Antonio Gramsci nos adverte que face à crise, por esta manifestar-se no fato de qn

e "o velho não morreu e o novo ainda não pode nascer", é comum snrgirem interpretações e c omportamentos mórbidos. Esta morbidez, mormente, manifesta-se por previsões escatológic as, profecias, culto ao irracionalismo e posturas cínicas.

No contexto da discussão que estamos fazendo neste trabalho, esta morbidez explici ta-se, claramente, como assinalamos nos capítulos anteriores, nas teses conservador as do fim da história de Fukuyama, tese da sociedade do conhecimento de Toffler e, a partir dela, o fim das classes e sobretudo do proletariado, sendo este substituído pelo eognitariado, I ou por teses como as de Kurz -que ironicamente alguns críticossituam como o Fukuyama da esquerda -que deduzem da

crise "da sociedade do trabalho" a autodissolução das classes sociais. No mesmo rastro do fim da sociedade do trabalho e com ela o fim do conflito, Offe e Schaff não postulam como novo ator social a "razão .sensível" de um coletivo indefinido (Kurz), mas o deslocamento para questões como o sentido da vida e da preparação do homem para o mundo do lazer.

Não é difícil, por certo, ao confrontar os processos históricos específicos com estas prof ecias, surpreender traços de uma espécie de jogo do trueo, onde o blefe é uma tálica sin gular, e nem percebermos um elevado grau de cinismo. I Mais explícito isto pode to

mar-se quando analisamos as persI pectivas de educação e formação humana postuladas pelos homens de negócio ou pelos seus mento~e.s intelectuais, assessores e consultores,

em realidades culturais. como a brasileira, onde a burguesia se constituiu media nte uma metamorfose das0ligarquias.2 .

Se é sustentável, todavia, aquilo que Marx e Engels nos assinalam em A ideologia alemã, é preciso perquirir o tecido histórico-social a partir do qual se explicitam uma determinada consciência e determinadas categorias ou necessidades:

A

causa não está na consciência, mas no ser.Não no pensamento, mas na vida.

I. Toffler deduz o fim da divisão do trabalho e das próprias classes sociais em deco rrência das mudanças do conteúdo e reorganização do processo de trabalho, motivadas pela i ntrodução, no processo produtivo, de uma nova base técnica constituída fundamentalmente pela microeletrônica associada à informati~ zação -que exige uma força de trabalho que se ocupa mais com a "cabeça" do que com os braços e força muscular (Toffler, 1973, 1980 e 1985).

2. O ensaio de F. de Oliveira intitulado Collor _ a falsificação da ira (1992) mostr a do que é capaz a -classe ou classes dominantes brasileiras para manter o aparthe

id social existente, montado historicamente sobre a violência (econômica, política e p olicial ou parapoliciaI). Os processos de falsificação, de

blefe e o cinismo aparecem claramente. 138

Este pressuposto nos conduz a um fio condutor na análise sobre as alternativas edu cacionais em disputa hegemônica hoje e pode ser formulado da seguinte forma: o emb ate que se efetiva em torno dos processos educativos e de qualifiCação humana parare

sponder aos interesses ou àsnecessi4aSIes de redefinição "'oe-um'noYopadrãõ~de:reprodução'.do apital ou do atendimento das necessidades e interesses'-dá 'elas'se ou"........,' "

. classes trabalhadora'\,firma-se. sobre uma meslllª ...materialidade, em profunda transformação, onde o progresso técnicoass!llll~um papel crucial, ainda que não exclusivo.

Trata-se de uma relação conflitante e antagônica, por confrontar de um lado as necessi dades da reprodução do capital e de outro, as múltiplas necessidades humanas. Negativi dade e positividade, todavia, teimam em coexistir numa mesma totalidade e num me

smo processo histórico e sua definição se dá pela correlação de força dos diferentes grupos. classes sociais. O fantástico progresso técnico que tem o poder de dilatar o grau de satisfação das necessidades humanas e, portanto, da liberdade humana, e que tem es

tado sob a lógica férrea do lucro privado, ampliando a exclusão social, não é uma predesti nação natural, mas algo produzido historicamente.

Neste sentido, a questão não é de se negar o progresso técnico, o avanço do conhecimento, os processos educativos e de qualificação ou simplesmente fixar-se no plano das persp ectivas da resistência, nem de se identificar nas novas demandas dos homens de negóc

io uma postura dominantemente maquiavélica ou, então, efetivamente uma preocupação humani tária, mas de disputar concretamente o controle hegemônico do progresso técnico, do av anço do conhecimento e da qualificação, arrancá-los da esfera privada e da lógica da exclu

são e submetê-los ao controle democrático da esfera pública para potenciar a satisfação das ecessidades humanas. O eixo aqui não é a supervalorização da competitividade, da liberda de, da qualidade e da eficiência para poucos e a exclusão das maiorias, mas a da sol idariedade, da igualdade e da democracia.

2. Formação e qualificação abstrata e polivalente e a defesa do Estado mínimo: a nova (de) limitação do campo educativo na lógica da exclusão

o eixo de análise que buscamos esboçar nos permite perceber que a crescente literatu ra que desenvolve as teses do surgimento de uma sociedade "pósCindustrial". sem cl asses, fundada não mais sobre os Y,rocessos excludentes característicos de um proces so produtivo transformador da natureza e consumidor de fontes de energia não renováve l, mas de uma economia global onde o principal recurso é o conhecimento, o qual não teria limites e estaria ao alcance de todos, opera dentro de um nível profundament

e ideológico e apologético. Este nível de formulação, fortemente veiculado pelos organismo s internacionais que representam o capitalismo transnacional. inscreve-se no hori

zonte dos "economistas filantropos" a que Marx se refere ao discutir a perspecti va que os mesmos têm de educação.

.) O verdadeiro significado da educação, para os economistas filantropos, é a for mação de cada operário no maior número possível de atividades industriais, de tal sorte qu e se é despedido de um trabalho pelo emprego de uma máquina nova, ou por uma mudança n

a divisão do trabalho, possa encontrar uma colocação o mais facilmente possível. (Marx, 1983: 81)Em seguida, Marx vai demonstrar como esta filantropia

I chocava-se, objetivamente, com a lógica do processo de valo.~ rização do capital.. ~erspectivas filantrópicas persistem, de várias formas, e retomam força no interiordo ajuste neoliberal, como a tese da sociedade do conhecimento que transforma oproletariado em "cognitariado",3 elas convivem com demandas que o in~---~

3. Uma forte manifestação desta "vocação" filantrópica e moralizante das elites empresaria is, políticas. eclesiásticas e mesmo da "intelectualidade", no Brasil, dá-se mediante

a visão de que a escola é o [oeus por excelência destinado a solucionar o problema da violência. dos meninos e jovens infratores, da pobreza, do subemprego, do mercado informal, do desemprego e hoje, especialmente, dos

desenraizados meninos e meninas de rua. 140ventário da literatura internacional e nacional identifica como um nova "qualidade

" da educação escolar e dos processos de qualificação ou requalificação da força de trabalho. O que efetivamente mobiliza, no caso brasileiro, com um atraso de um século em rel

ação às conquistas da universalização da.escola básica na Europa, empresários como A. E. de M raes,

o maior "capitão" da indústria nacional, como o apresenta a,

imprensa, a bradar,\!ace ao fato de que Coréia, Hong Kong, Japão, México, Vene,?uela têm , respectivamente 94%, 69%, 96%, 55% e 45% dos seus jovens cursando o segundo gr

au e que este índice chega a apenas 35% no Brasil: educação, pelo amor de Deus. (A. E. de Moraes, Folha de S. Paulo,

20.06.93: 2) Este "lamento", sem perder o caráter moralista e filantrópico que funcio na como uma espécie de mea culpa de uma burguesia que ainda cultiva posturas escra vocratas e oligárquicas, revela demandas efetivas dos homens de negócio de um trabalh

ador com uma nova qualificação que, face à reestruturação econômica sob nova. base técnica, l es possibilite efetivar a

reconversão tecnológica que os torne competitivos no embate da concorrência intercapit alista. /r.~A explicitação de que esta demanda tem caráter orgânico pode ser apreendida tan~ pela ação dos organismos de classe dos empresários nacion ais (CNI, FIESP, IEL) e sua articulação com os organismos internacionais (FMI, BID, BIRD. OIT), quanto por uma crescente literatura internacional e nacional que ana

lisa a crise do modelo fordista de organização e gestão do trabalho, a reorganização mundi al da economia e do processo produtivo e as conseqüências para a educação e qualificação / d a. força de trabalho.

Neves••\l994),• ao analisar as propostas educacionais dos empresários no Brasil, tomando o final da década de 80 e início da década de 90, mostra que a CNI foi mudando sua es trutura organizacional para poder situar-se no interior das mudanças que o processo produtivo internacional experimenta e os desdobramentos em termos de produtivi

dade, competitividade, relações de trabalho etc. A CNI criou quatro novos conselhos téc nicos permanentes de: política econômica, relações de trabalho e política social, política i ndustrial e desenvolvimento tecnológico e de integração internacional. Como destaca Ne

ves, a partir de 1990 a questão educacional passa a fazer parte permanente do Cons elho de Relações de Trabalho e Desen

volvimento Social.

Numa outra pesquisa" sobre a modernização industrial e a questão dos recursos humanos, C. Salm e A. Fogaça (1991) detectam que entre as maiores emprésas do complexo indus trial brasileiro os atributos mais valQrizados nos trabalhadores relacionam-se a conteúdos desenvolvidos pela educação geral. Partindo destes estudos Salm (l992)ãssJnala

:

no intuito de estimular o debate, terminaria arriscando dizer que o capitalismo brasileiro. pejo menos na sua parte menos rude, menos cartorial, está, pela primei ra vez na história deste país, interessado na promoção de transformações radicais em nosso sistema educacional. (Salm, 1992: 100)

Gentili (1994), num estudo empírico-analítico sobre Poder econômico, ideologia e educação, envolvendo uma amostra de 28 empresas que introduziram os processos de reconver

são tecnológica e de organização do processo produtivo e processo de gestão do trabalho na Argentina, identifica uma grande homogeneidade do discurso empresarial em relação à d emanda de uma nova qualificação e uma "revalorização" da formação geral. Gentili vai mostrar , todavia, que por trás desta homo

geneidade se localizam interesses muito delimitados que convergem para aquilo que conforma os trabalhadores às novas características do processo produtivo.

Após uma ampla revisão de bibliografia internacional e alguns textos nacionais sobre produção e qualificação, Paiva (1989) chega a indicações muito parecidas:

Não há dúvida de que as transformações nas estruturas produtivas e as mudanças tecnológicas colocam à educação novos proble mas. Mas certamente algo se simplifica. Pela primeira vez142

existe clareza suficiente de que é sobre a base da formação geral e sobre patamares el evados de educação for'!'.'!l_..9u.e..•a discussão a re..sp.eito daprõfissiol!lllizaçiO""cmn e~lkE para obter tais objetivos o consenso político nunca pôde ser tão amplo,

na medida em que unifica trabalhadores. empresários e outros setores soci~~ (Paiva, 1989: 63)4

Que transfon,Jações da base material são estas que con-\Q~tl duzem a romper, nihplano das'concepções, aquilo que parecia mostrar-se como algollatural -o adestramento do t rabalhador?

Ao final do século XIX, o empresário Geraldo Mascarenhas expunha aquilo que era sens o comum para a época, decorrente da concepção taylorista de homem e de trabalhador e q

ue se traduziu em políticas edncativas e a criação de inúmeras institnições educativas organ izadas para tal fim.s

o adestramento do homem para o trabalho sempre foi e será uma das mais importantes tarefas da administração industrial.

A ela grande atenção tem sido dedicada, como uma das condições essenCIaIS para a conquis ta da boa produtividade. (Giroletti, 1987: 1)

No Brasil, a perspectiva do adestramento e do treinamento foi dominante até recent emente. A legislação educacional promulgada sob a égide dQ. golpe de 64 e tendo o econo micismo como sustentação teórico-ideológica ainda está vigente, embora profundamente quest ionada e, em parte, superada especialmente nos Estados e municípios onde a gestão ed ucacional passou a

Iser controlada por forças políticas democráticas.

Inúmeros trabalhos de todos os matizes buscam dar conta desta mudança. Em boa parte destas análises observa-se uma

Paiva analisa sobretudo a realidade européia e americana. Mesmo assim, chama atenção para a complexidade da questão e para sua heterogeneidade, O que está sinalizando, de acordo com a autora, são tendências.

Como vimos no Capítulo I, toda a política de formas:ão l?!Qf!§,$ioO..aL!<-o _técnica de sde os anos 4fiJljnb.a vine_ada com a p':erspectiva º-º-ªdestramento. Para

. uma compreensão da perspectiva ideológica e pedagógica da formação profissional, v er Frigotto (1977 e 1983).

. ~

I

ótica apologética, parte desenvolve uma perspectiva que se pretende crítica, mas que opera dentro da visão conspiratória. Tem se ampliado, porém, o número de trabalhos que buscam apreender o intrinc~aminho~ontraditóri()d'ls..tr,aJl:for~ações..

t

que vêm ocorrendo no mundo e o impacto sobre nossa reahdade. Não buscamos, aqui, detalhar os meandros destas diferentes perspectivas. Fixamo-nos neste último aspecto.

Não compactuando com a tese do quanto pior melhor e

com as perspectivas apologéticas, parece-nos importante mostrar primeiramente que os novos conceitos abundantemente utilizados , pelos homens de negócio e seus assessores --:. globalização, integração, flexibilidade, competitividade, qualidáde'Total-;-Pãf::- tícip~çªo,pedagogia da. CJ.lia1idadee:defe~ada~ªuêação,.gêrà:h

formação polivalente e "valorização . do .. tral:>ll,\h]l.dot:': _o. 'são,

uma imposição das novas formas de sociabilidade capitalista tanto para estabelecer um novo padrão de acumulação, quanto para definir as formas concretas de "integração" dentro-da nova reorganização da economia mundial.

A súbita redescoberta e valorização da dimensão humana do trabalhador está muito mais afeta a sinais de limites,

,\iii

problemas e contradições do capital na busca de redefinir um novo padrão de acumulação com a crise de organização e regulação fordista, do que a autonegação da forma capitalista de relação humana. Ou seja, as inovações tecnológicas, como analisamos no Capítulo III, longe de serem "variáveis indel~ pendentes", um poder fetichizado autônomo, estão associadas às relações de poder político-econômico e, portanto, respondem a demandas destas relações.6 Em seguida, cabe mostrar que o 6. Parodiando Magdof (1978) que, ao discutir a "era do imperialismo", mostrava que a intervenção do Estado na economia não era uma escolha, mas 1

uma imposição para a crise do capitalismó dos anos 30, a mudança dos capitalistas em face do trabalho. à educação básica e à qualificação, na crise dos anos 70/90. também não é uma escolha, mas uma imposição. Cabe, para aqueles que buscam romper a forma capitalista de relações sociais, não desconhecer os limites e as contradições que os «homens de negócio" enfrentam, para, partindo deles, po

,it

tencializar os interesses dos trabalhadores e de novas relações sociais. -_...-:'/'"

144

ajuste neoliberal se manifesta no campo educativo e da qualificação por um revisitar e "rejuvenescer" a teoria do capital humano, com um rosto, agora, mais socia!.'Os grandes mentores desta veiculação rejuvenescida são

o Banco Mundial, BID, UNESCO, OIT e os organismos regionais e nacionais a eles v inculados. Por esta trilha podemos perceber que tanto a integração econômica quanto a

valorização da educação básici\$eral para •formar trabalhadores com capacidade de abstração" ivalentes, flexíveis e criativos ficam subordinadas à lógica do mercado, do capital e, portanto, da diferenciação, segmentação e exclusão. Neste sentido, os dilemas da burguesi

a em face da educação e qualificação permanecem, mesmo que efetivamente mude o seu conteúd o histórico e que as contradições assumam formas mais cruciais.Em relação ao primeiro aspecto, já mostramos no Capítulo II a natureza da crise do model

o fordista de regulação econômico-social e as implicações na reestruturação capitalista. Ret mos aqui, pela relação mais direta com o debate que estabelecemos neste trabalho, al

gumas dimensões relativas à reestruturação pósjordista8 no que ela impacta sobre a organizaç produtiva, a organização, conteúdo e divisão de trabalho e os processos de formação humana. Esta reestruturação~assume especificidades diferenciadas entre os países que puderam,por um considerável período histórico no interior das políticas do Estado de Bem-Estar,

Coraggio. numa discussão sobre a Economia y educación en America Latina, destaca que "discutir eJ sentido deI rejuvenecimento de la categoria capital humano, ori ginariamente propuesta por el economista Theodoro Schultz en los 60, es una tare

a teórica que habrá que emprender si se quiere tener una mayor comprensi6n deI proce sso de recomposici6n de la economia mundial". (Coraggio,

1993: 6)

A expressão "pós-fordismo" que sinaliza a tendência da mudança da base técnica do proce sso produtivo, dos métodos de gestão da produção, da força de trabalho, etc., que, na real idade, quer significar um novo paradigma, não pode ser tomada como algo homogêneo ne

m mesmo nos países de capitalismo avançado. Em realidades como a brasileira convivem formas tayJoristas, fordistas e "p6sfordistas" de organização do processo produtivo e de gestão da força de trabalho.

"esgotar" os ganhos do modelo fordista -elevadas taxas de acumulação, ganhos de produtividade no emprego e consumo de massa -dos países, como o Brasil, em que predominou

aquilo que a literatura denomina de fordismo-periférico. Nestes países não se constituiu efetivamente um mercado com insti tuições e atores sociais sólidos; o que predominou foram relações tayloristas e, em casos como o brasileiro, associadas

ao clientelismo e populismcP.9

,--Os novos conceitos relacionados ao processo produtivo, organização do trabalho e qualificação do trabalhador aparecem justamente no processo de reestruturação econômica, num con texto de crise e acirrada competitiyidade intercapitalista e de obstáculos sociais e políticos às trãd!Cionalsformas de orga nização da produção. A integra~_,-ª-9.ualidade e afl~i\)jJid"dec()!lsti~ll.elll~se .. Tl()lL.elell1ent()s.chª\'e.L.P<l~a_..<!a!0.L2.illt()Sde

. produtividade e competitividade. t

•~--Õvlabm~pa~e.s.~::;'ltQ, demaI.cadlLp.or..reJaçile.s......dç podér no plano pOlítico.::.e c.onômic.D_.e,_portanto,--P..9uestrições de várias ordens, está inscrita no efetivo acesso

à nova base científico-técnica_f.Q!!Tl.aQª.Pfl.;UrÍtlde apresentada por Schaff (1990) e o utros autores: microeletrônica, microb.ij)J.Qg~_.slla resultante -a engenharia genét iG.ª-e novas fontes de energia. J Neste cenário os grandes grupos econômicos e os orga nismos

\que os representam, "os novos senhores do mundo", ou "o l(oder de fato" (FMI, BIRD), empenham-se pelo controle privado desta nova base científico-técnica.

O quê, de específico, efetivamente, traz a nova base científico-técnica que faculta mudanças profundas na produção,

Francisco de Oliveira assinala os pré-requisitos para que o mercado se constitu a efetivamcnte numa categoria histórica Concreta. "O mercado real e concreto é um co

njunto de instituições saturadas historicamente da força dos agentes sociais. Ele não é na da mais do que isto. Se isso pode ser traduzido em fórmulas e indicadores, depende

da densidade histórica dos agentes sociais específicos. Falar de mercado e de força d e trabalho no Brasil, com 60 por cento da população no mercado infonnal, é uma piada.

Isto não tem densidade histórica, não corresponde à categoria teórica que é manipulada nos p lanos".

(1990)

organização e divisão do trabalho e faz os homens de negócio demandarem mudanças nos proce ssos educativos e de qualificação? Como, concretamente, esta nova base científico-técnica é incorporada no processo produtivo e quais suas implicações face aos conflitos e lut

a de classes?

'. A resposta a estas questões, no seu conjunto ou em alguns de seus aspectos, é mar cada pela controvérsia e esta tem sua origem, como apontamos acima, no confronto d

as perspectivas apologéticas, conspir~rias e histórico-críticas e mesmo no interior de cada uma destas perspectivas.

Tomando como referência alguns trabalhos dentro da ultima perspectiva,IO podemos d epreender, em primeiro lugar, que a nova base científico-técnica, ainda que de forma não homogênea e no seu aspecto mais geral, permite uma mudança radical, um salto qual itativo em relação à lógica da mecanização e automação derivadas da eletromecânica.

A máquina a vapor e, mais tarde, a descoberta do petróleo e da eletricidade, permiti ram potenciar e substituir, em grande medida, a força física do animal e do trabalha dor. A base mecânica e eletromecânica caracteriza-se por um conjunto de máquinas fixas , com rigidez de programação de seqüência e movimentos para produtos padronizados e em g rande escala. Sob esta base, característica do taylorismo e fordismo, os custos de

mudança são elevadíssimos e, por isso, ficam evidentes os limites para uma automação flexív el.

As mudanças da tecnologia com base microeletrônica, mediante a informatização e robotização, permitem ampliar a capacidade intelectual associada à produção e mesmo substituir, po

r autômatos, grande parte das tarefas do trabalhador. Como nos mostra Castro, "as novas tecnologias (microeletrônicas, informáticas, químicas e genéticas) se diferenciam das anteriores

Para uma discussão detalhada,'l!}lma perspectiva críticjl da q!!e!ití'jo...acima,

ver: Coriat (1994, 1988, 1989), Hirata (1993, 1991), Freyssenet (1993, 1992), Bo yer (1986), Enguita (1989, 1990, 1991), Atkinson (1987), Janossy (1979), Schmitz & Carvalho (1988), Salemo (l9?1, 1992), R. P. Castro (1994), Machado

(1992) e Machado & Silmar (1994). ..J ."\ f -r< "0 /-,.

pelo predomínio da informação sobre a energia". (Castro, 1994: 6). A informação é a "terceir a dimensão da matéria, sendo as outras duas energia e massa". (Rubin, 1993, apud Cas

tro, 1994: 40). Os processos microeletrônicos, mediante o acoplamento de máquinas a computadores e informatização, permitem uma alteração radical no uso, controle e transfo rmação da informação. Facultam, de outra parte, a flexibilização das seqüências, de integraçã ização do tempo e do consumo (leenergia.~e uma profunda mudança da relação do traballg<:LQ L:C~iirii a

máquina."

É, pois, no exame da incorporação deste novo padrão tecnológico (reconversão tecnológica) no rocesso de organização da produção e circulação, com novos materiais e processos,

e nova organização, divisão e gestão do trabalho, que podemos identificar o surgimento d e um número crescente de conceitos-ponte ou jargões [email protected]ção, qualidade total, flexi

bilidade, integração, trabalho enriquecidõ;cicfos-:dél::i>i1írole-ae-qualidade __ que tende a se tomar senso comumentre ~ôs homens de neg6ClO, e seus aSSeSS()reS, é que ocupam -lórigos debates em seminários, simpósios, nos mais diversos âmbitos, inclusive e, de modo crescente, nas Universidades. 12

A tradução destes conceitos em termos concretos dá-se mediante métodosque~~~buscam_~otiJ :l1Lz~t~111r.~,~_e~llil~çº-,_el1~rgia,matérias,~ trabalho vivo, aumentar a produtivida de, a qualidade dos produtos e, conseqüentemente, o híveldecompetifiVidade

11. "A mutação qualitativa consiste no seguinte: todo o progresso produtivo realizado até o presente assentava-se na transformação da matéria mediante emprego de fontes de energia mais e mais potentes, agora a transformação da

matéria pode ser feita de fonna mais rápida, barata e perfeita, graças à utilização de informação codificada, memorizada, através de linguagens e sinais que auto matizam saber e saber~fazer humano, com baixos custos de energia e de trabalho

vivo". (Castro, 1994: 40-1)

12. É importante enfatizar que, muitas vezes, estes conceitos, em realidades cultu rais. econômicas e educacionais tão díspares como no caso brasileiro, quer pela existênc ia de um empresariado que teima em não abrir mão de suas origens e métodos oligárquicos,

quer por razões de natureza das próprias relações intercapitalistas. não refletem, de fat o, uma realidade concreta. Neste tipo de realidade o risco das visões apologéticas se amplia enormemente.e de taxa de lucro. Dentre estes métodos, a literatura destaca:' just in time e Ka

n Ban, que objetivam, mediante a integração e flexibilização, a redução do tempo e dos custo s de produção e circulação, programando a produção de acordo com a demanda; métodos ou sistem s vinculados ao processo de produção como CAD e CAN e a vinculação de amhos ensejando a integração do projeto com a manufatura; ou, como mostra Salerno (1994), outras estra

tégias m"lnos enfatizadas mas importantes de estruturação e organizaçãh das empresas ou ent re empresas que concorrem para os objetivos acima. Salerno destaca a focalização, que "consiste em concentrar esforços naquilo que é a vantagem competitiva da empresa";

a descentralização produtiva, que consiste em deixar de produzir certos componentes e comprá-los de terceiros; definição de projetos específicos, redução dos níveis hierárquicos.Na medida em que, como vimos nos Capítulos II e III,o fantástico progresso técnico vem demarcado pela lógica privada da exclusão, este conju

nto de métodos e técnicas de organização e gestão do processo produtivo não só se inscreve ne ta lógica como é um mecanismo de ampliação da mesma. Os custos humanos são cada vez mais a mplos, evidenciados

pelo desemprego estrutural que aumenta, atingindo sobretudo os jovens eos velhos, o emprego precário e a produção, mesmo no Primeiro Mundo, de

cidadãos de segunda classe.Os sinais do caráte?-de exclusão da reestruturação capitalista são tão fortes que nos induzea procurar, para além da ênfase apologética da valorização do trabalhador e da sua

formação eral e polivalente, qual é seu efetivo sentido político-prático. Tomados os termos em q ue a questão é posta pelos organismos internacionais e pelos organismos de classe ou instituições que representam os homens de negócio lembram-nos da imagem formulada por Brecht ao dizer que, olhada de longe, a sociedade capitalista parece uma tábua hor izontal onde todos são situados em condições de igualdade, mas que, olhada de perto, m anifesta ser uma gangorra.

O apelo à valorização, face à reestruturação econômica, do "fator trabalho", da educação gera ormação polivalente foi enfatizado por organismos como OIT, já em meados da

década de 70. Ana Maria Rezende Pinto (1992), num trabalho com título sugestivo, Pes soas inteligentes trabalhando com máquinas ou máquinas inteligentes substituindo o t rabalho humano, examina como vários países desenvolvidos buscaram ajustar os sistema

s educativos e a utilização de outras estratégias empresariais, para fazer face às neces sidades de um sistema produtivo que incorpora crescentemente anova base tecnológic

a. Deste exame amplo, incluiodo indicações do caso brasileiro, no qual constata uma ên fase na demanda de educação geral, conclui: "~s mudanças em curso nos sistemas de_ensi no examinados parecem sugerir que a produtividade da ~SÇQJa improdutiva ia não é de to do funcional à ordem capitalista".. (Rezende Pinto, 1992: 21)

Na mesma direção, referindo-se às propostas dos empresários, L. W. Neves destaca: O empresariado parece estar se dando conta de que o baixo nível de escolaridade de amplas camadas da população começaa se constituir em obstáculo efetivo à reprodução ampliada do

capital. em um horizonte que sinaliza para o emprego, em ritmo cada vez mais ace lerado, no Brasil, de novas tecnologias de base microeletrônica e da infonnática ass im como de métodos

mais racionalizadores de organização da produção e do trabalho, na atual década. (Neves, 1 994: 10)

tf.;) a investida dos homens de negócio, em defesa da escola '-básica, dá-se Sobretudo a partir do final dos anos 80, é preciso ter presente, todavia, que isto nãQ_signif ica que antes

_disto os mesmos não estivessem atentos em relação à educação que lhes convém. 13 A "novidade reside exatamente no fato êIe a crítica incidir no puro e simples adestramento e na

proposta da educação básica geral.

13. Especialmente a partir dos anos 30, podemos perceber que a questão da educação e, sobretudo. do treinamento e qualificação para moldar e "fabricar" os trabalhadores é a

lgo que preocupa as lideranças políticas e empresariais. Em relação às démarches para a criaç do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, ver Frigotto (1977). Se nos anos 3

0, os empresários tiveram que ser induzidos por Getúlio Vargas para cuidarem da form ação profissional, hoje vemos que seus organismos de classe tomam a iniciativa para fazer valer seus interesses

de classe face ao Estado. 150

A identificação dos atores organlcos desta investida em defesa da escola básica e de s uas propostas nos permite perceber que a mesma se mo.ve dentro de inúmeras contrad

ições e é marcada pela histórica dificuldade e dilemas da burguesia face à educação dos traba hadores.

O moviment()_~,a().ll1e.~mo tempo de crítica ao Estado, 11 ineficiência. da es,co.Ia pública; de cohrançád6Estaoolúl manutenção. daescola',defesa-daprivatiiãçã6 ou demecãliismos zantés.com algllmas pequenas variantes, aspreo.cllpáções-. básicas relativas ao ajustament

o da educação aos interesses empresariais são expostas em do.cumentos ..daJ'lESP,.CNt_ IEL, ~ENALln~til!!Jº..Herbert Levy da Gazeta Mercantil, Instituto Libe.ral,JEDl (I nstituto de Estudos para üDesenvolvimento Industrial) ou em documentos de órgãos do go verno ou vinculado.s a alguma Universidade.A FIESP, organismo que expressa as idéias mais conservadoras do empresariado, lamen ta-se sobre os riscos de investir na no.va base tecnológica face ao fato da falta de mão-de-obra especializada e retoma a tese do capital humano:

A carência de pesquisa básica e aplicad.a, a escassez de mão de-obra especializada e a rápida obsolescência das inovaçõestornam os investimentos em setores de alta tecnologia os mais arriscados em um p

~ís de industrialização recente como o Brasil. Uma ênfase maior em tecnologia de ponta d everá ocorrer quando o país estiver apto a investir maior parcela de recursosna formação de capital humano e P & D. (FIESP, 1990)

A CNI dispõe de um Instituto -IEL -especificamente encarregado. de analisar as ten

dências e as necessidades do setor industrial no plano da educação e formação técnico-profis ional. Trata-se de um instituto criado. em 1969 com o objetivo. precípuo de funcio

nar como uma espécie de embaixador para sensibílízar e envolver as Universidades pública s e privadas na defesa das necessidades da indústria nacional. Só no ano de 1992, o

IEL elabo.rou o projeto Pedagogia da Qualidade, com o apoio do CNI, SENAI e SESI , coordeno.u o. Encontro Nacional Indústria-Universidade sobre a Pedagogia da Qual

idade A investida para se implantarem os critérios empresariais (23 e 24 de março de 1992), realizou mais 16 encontros de eficiência, de "qualidade total", de competi tividade em áreas estaduais sobre educação para a qualidade e 15 cursos sobre incompatív eis com os mesmos, como educação e saúde, de

qualidade (otal (relatório do IEL de 1992).

O IEDI, que reflete mais claramente o ideário dos empresái1Õsde mentalidade mais aberta e . que se articulam com pesquisadores ligados a ins'itutos de pesquisa ou a Un iversidades, também em 1992, produziu o documento Mudar para cOmpetir -a nova' r<daçãíL~n

trLÚ)mJ2etitÍl>idadceJdu;çQÇ}lp, estratégias empresariais. Neste documento, após uma análise AO esgotamento do mOOero fordista de organização da produção e do trabalho e de caracter izar a especificidade da nova base técnica vinculada, sobretudo, à microeletrônica e à i nformática, apontam a questão educacional, particularmente uma sólida educação básica geral, como um elemento crucial à novaestratégia industrial. (lEDI, 1992)

Com uma mesma perspectiva, mas buscando influenciar diretamente as políticas educa cionais do governo, o Instituto Herbert Levy da Gazeta Mercantil e a Fundação Brades co encomendaram a João Batista Araujo de Oliveira e Cláudio de Moura Castro a coorde

nação de um documento sobre Educação fundamental e competitividade empresarial _ uma pro posta para o Governo.'4 Nesta proposta situam a escola básica como um dever fundam ental do Estado e apresentam

diferentes formas mediante as quais as empresas podem colaborar com o poder público na educação básica e no tipo de educação demandada para as empresas.

14. João Batista Araujo de Oliveira esteve vinculado durante muitos anos à FINEP e, à ép oca da realização do documento, servia a OIT em Genebra. Cláudio de Moura Castro, foi pesquisador do IPEA, coordenador do Programa ECIEL (Programa de Estudos Conjunto

s de Integração para a América Latina) nos anos 70 e, à época da elaboração do documento, era difetor dos Programas de Fonnação Técnica da OIT. Os colaboradores, todos eles ou estão

ou tiveram passagem em órgãos governamentais -Antônio C. R. Xavier, Cláudio Gomes Colin A. Macedo, Emílio Marques, Guiomar Namo de MeIJo, Maria Tereza Infante e Sérgi o Costa Ribeiro.

senvolve-se hoje dentro do setor "público". O que é, sem 1 dúvida, profundamente probl emático é a pressão da perspectiva~ .

neoçonservadora para que a escola pública e a Universidade em particular e a área da s aúde se estruturem e sejam avaliadas dentro dos parâmetros da "produtividade e eficiên cia empresarial". Mais preocup~~e ainda, quando os próprios dirigentes das Universi dades públicas aderem às idéias da "qualidade total", sem qualificar esta qualidade.'5

Ao depurarmos o discurso ideológico que envolve as teses ') da "valorização humana do trabalhador", a defesa ardorosa da i educação básica que possibilita a formação do cidadão e de! , um trabalhador polivalente, participativo, flexível, e, portanto, Ij com el evada capacidade de abstração e decisão, percebemos \ . que isto decorre mais da própria vulnerabilidade 'Iue do nov ! padrão produtivo, altamente.,jutegrado. Ao contrário d o que, \; certas perspectivas apresentavam na década de 70, que prog-l \ nosticava

m a "fábrica automática", auto-suficiente, as novas tecnologias, ao mesmo tempo que diminuem a necessidade

\ quantitativa do trabalho vivo, aumentam a necessidade qualitativa \do mesmo. , Dois aspectos nos ajudam a entender por que o capital depende de trabalhadores

com capacidade de abstração e de trabalho em equipe. Como nos mostra Salerno, o novo padrão tecnológico calcado em sistemas informáticos projeta o processo

15. No plano mais geral são exemplos indicativos desta estratégia os debates recente mente promovidos pelo CODEPLAN-DF, sobre "Gestão da qualidade: tecnologia e partic ipação" (CODEPLAN, 1992) e pelo Instituto Nacional de Altos Estudos (lNAE) e FINEP (

1993). No plano mais específico da educação, evidencia esta tendência a relação cada vez mai s estreita entre o IEL (Instituto Euvaldo Lodi) da CNI e o CRUB (Conselh9 de Reitores das Universidades Brasileiras). Só em 1992, o IEL promoveu mais de uma dezen

a de seminários com diversas Universidades. Há Universidades que já tem seu "Programa de qualidade total e competitividade". Para uma -crítica a este tipo de adesão acrític a ver Chaui (1993), Cano (1992) e Anderson (1995).

de produção com modelos de representação do real e não com o real. Estes modelos, quando o peram, entre outros intervenientes, em face de uma matéria-prima que não é homogênea, po dem apresentar problemas que comprometem todo o processo. A intervenção direta de um trabalhador com capacidade de análise torna-se crucial para a gestão da variabilidade e dos imprevistos produtivos. (Salemo, 1992: 7)

Por serem sistemas alt~mente integrados, os imprevistos, os problemas, não atingem apenas um setor do processo produtivo, mas o conjunto, e o trabalhador parcelar do taylorismo constitui-se em entrave. Não basta, pois, queo trabalhador do "novo tipo" seja cagaz de identificar-e de-resolver os problemas e os imprevistos, Il )as de resolvê-los emeqllipe:

Para enfrentar a "vulnerabilidade" tecnológica, o capital redescobriu a humanidade do trabalhador assalariado que foi ignorada pelo taylorismo. Forçado pela vulnerab ilidade e complexidadede sua base tecno-organízacionaI o capital passou a se interessar

pela apropriação de qualidades sócio-psicológicas do trabalhador coletivo através dos cham ados sistemas sócio-técnicos de trabalho em equipes, dos círculos de qualidade etc. Tr ata-se de novas formas de gestão da força de trabalho que visam a garantir a integração do trabalhador aos objetivos da empresa. (R. P.Castro, 1994: 43)

Os aspectos aqui assinalados revelam que estamos diante de um processo em que o capital não prescinde do saber do trabalhador e do saber em trabalho'6 e é forçado a d emandar trabalhadores com um nível de capacitação teórica mais elevado,

o que implica mais tempo de escolaridade e de melhor qualidade. Revelam, de outr a parte, que o capital, mediante diferentes mecanismos, busca manter tanto a sub

ordinação do trabalhador quanto a "qualidade" de sua formação. Mas é també.1llJleste process o que se evidenciam os próprios limiteu0unbigilidades

16. Para uma análise da natureza das questões que uma série de pesquisas buscam eviden ciar ao examinar como se explicitam contradições, porosidades e lacunas no processo produtivo que depende de um saber que se elabora no espaço do trabalho, ver Helois

a H. Santos (1992) e N. L. Franzoi (1991). ,lt<<("""",.Ji:' ~V:"""t !

f;vrp.~ V~do ajuste neoconservador e, 19t1almente, o terreno sobre o qual às forças que lutam por uma democracia substantiva ou por uma SOCiedade socialÍsta democrática devem tra balhar. Nesta luta o conheclmenf6,-Üiformação técnica e política constituem-se em material idade alvo de disputa_

••.A. estratégi"..Jllais-geral.-desubordinação pá~se mediante, como VimOS, o mecanismo de ex clusão social,-materíaliiado. ". ---------,,~ --------,,-,,-------____ "

no desemprego estru\!1rar crescente eno emprego precário,. também crescente, na cOnt ratação de serviços e enfraquecimento do poder sindical. ----------

O estudo feito por um grupo de pesquisadores americanos, com a participação de pesqu isadores de dezenove outros países, para examinar o sistema de produção da Toyota (toy otismo), considerado pela literatura como sendo o sistema que origina os process

os de "qualidade total", flexibilização, trabalho participativo, do qual resultou o l ivro The machine Ihat changed the world (1990), ao mesmo tempo que expõe uma persp ectiva apologética deste sistema, sintetiza sua lógica excludente: "Trabalhadores em excesso têm que ser expulsos rápida e completamente da fábrica para garantir que as ino vações dêem certo".

No campo da educação e formação, o processo de subordinação busca efetivar-se mediante a del mitação dos conteúdos e da gestão do ~processo educativo. No plano dos couteúdos, a educação ral,abstrata, vem demarcada p.ela exigência da polivalência ou de conhecimentosquepúmitam a "poli cognição" .

O conceito de policognição tecnológica, que busca explicitar as demandas emergentes do sistema produtivo capitalista dentro do novo padrão tecnológico, se caracteriza por

um conjunto de conhecimentos que envolvem: ,\

a) domínio dos fundamentos científico-intelectuais subjacentes às diferentes técnicas qu e caracterizam o processo produtivo moderno, associado ao desempenho de um espec ialista em um ramo profissional específico; b) compreensão de um fenômeno em processo

no que se refere tanto à lógica funcional das máquinas inteligentes como à organização produ tiva como um

. todo; c) responsabilidade, lealdade, criatividade, sensualismo; d) disposição do t rabalhador para colocar seu potencial cognitivo e comportamental a serviço da prod utividade da empresa.(Rezende Pinto, 1992: 3)

A autora destaca que o conceito de poli valência é de cunho mais operacional e mostr a as e.xigências demandadas do "novo" trabalhador:boa formação geral, atento, leal, responsável, com capacidade

de perceber um fenômeno em processo, não dominando, porém, os fundamentos científico-int electuais subjacentes às diferentestécnicas produtivas modernas. (Ibidem: p. 4)

Essa distinção apreende aquilo para o qual a literatura crítica tem chamado a atenção em r elação a diferentes formas de "poli valência", já que há tipos de atividades polivalentes que não demandam nenhuma maior qualificação e se trata apenas de intensificação do trabalh o. '7 Evidencia, por outro lado, a tensão real sobre a qual se dá a formação e qualificação humana para estar a serviço da produtividade da empresa quando esta se vê impelida,para manter-se competitiva, aentrar num processo de reconversão tecnológica.'8

Roberto Boclin, um dos mais destacados dirigentes do SENAI, que há mais de três década s trabalha em sintonia fina na adequação da força de trabalho aos interesses dos empre sários

17, Salemo mostra que é preciso distinguir-se entre "trabalhador muJtifuncional

e multiqualificado": "enquanto o primeiro se caracteriza por operar mais de uma máquina com características semelhantes _ o que pouco lhe acrescenta em termos de de

senvolvimento e qualificação profiSSional, o segundo desenvolve e incorpora diferent es habilidades e repertórios profissionais", (Salerno. 1992: 18) Lucília Machado. nu

ma mesma perspectiva e contrastando à concepção de po1ivalência o conceito de politecnia , aponta que a poJivalência "não significa obrigatoriamente intelectualização do trabalh o, mesmo tratando-se de equipamentoscomplexos". (Machado, 1991: 53)

18. A 'pesquisa sobre Processo de trabalho, sindicato e conhecimento operário no c ontexto da reconversão produtiva -o caso MU do Uruguai, (Garayalde. 1992) é paradigmát ico para entender-se os dilemas e dificuldades do capital e a importância do movim ento sindical para compreender estes limites.156

industriais e cuja projeção no plano dos que fazem da educação um negócio o alçou a Presiden te do Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro, durante o governo M

oreira Franco, após uma ampla avaliação da crise do modelo fordista, define o tipo de formação necessária atualmente. Ao fazê~lo, explicita, ao nosso ver, como o conceito de poli valência e poÍicognição, na perspectiva dos homens de negócio ou de seus prepostos, e xpre'ssam mistific;lÇão apologética, necessidades efetivas do capital, am'bigüidades e c ontraposição clara com as perspectivas que situani o homem e suas necessidades comoo eixo da produção e da formação:Longe de se pensar na desqualificação da força de trabalho

pelo advento da informatização, o que se considera é a fonnação integral do técnico, que de uma certa forma vem a ser a poli valência, distinta dos princípios marxistas e ajust

ada à realidade do desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Vem a ser uma visão teórico-prática que ofereça um aprofundamento

do conhecimento, que possibilite a assimilação dos processos de trabalho e que ofereça múltiplas condições de acesso a emprego. A polivalência na escola deve aproximar-se da polivalência do trabalho. (Boclin, 1992: 21)

Esta delimitação, como reiteramos ao longo deste trabalho, não se faz sem contradições e c onflitos. As inúmeras receitas dos "consultores de Recursos Humanos", que anunciam

"o que se espera do profissional do ano dois' mil", convergem para as seguintes características: flexibilidade,:versatilidade, Ii<l~rªn_ça,

. prillcJpios.º~cmoral,_.orieDú.çã()-=gjohlll,...h_ºm.<i~~l!~C:isi[º,. comunicação, habilida <iiscernir,_equilíbriofísico-emocional. (O Globo, 11.07.93:42) O gerente geral de R

ecursos Humanos da Atlantic vai mais longe na caracterização do profissional do futu ro: "Ter uma boa bas~<I~5ºllhecimentos_~JlJ!l<lamental. A cultura i:râZ--senSiblliai llk_para __g~riLÉ preciso conhecer expressões -da-cuIturâ;iiistória, artes, grandes film es". (Fernando Guimarães, O Globo, 11.07.93: 44)

Esta demanda real de mais conhecimento, mais qualificação geral, mais cultura geral se confronta com os limites imediatos da produção, da estreiteza do mercado e da lógic a do lucro. No caso brasileiro, o atraso de um século, pelo menos, na universalização da escola básica é um dos indicadores do perfil anacrônico e opaco das nossas elites e um elemento cultural que potencia o descompass~ do discurso da "modernidade" e defesa da educação básica de qualidade, da ação efetiva destaselites.o processo constJtumte e o longo período de mais de

. cinco anos (1989-1995), de debate na definição da Lei de Diretrizes e Bases da Edu cação Nacional evidenciam, de forma exemplar, este atraso da fração mais numerosa da bur guesia e os dilemas dos setores mais avançados desta mesma burguesia. O peso dos p arlamentares de tradição oligárquica barrou avançosmais significativos.

Florestan Fernandes, um dos parlamentares que mais se empenhou na defesa das pro postas dos educadores progressistas, representados num Fórum permanente de 34 inst ituições científicas e sindicais da área, reiteradamente tem mostrado como

.as forças conservadoras se opunham à promulgação de diretrizes e bases que configurasse m um amplo reforço à escola pública, laica e unitária. Referindo-se ao processo constitu inte Fernandes conclui:

A educação nunca foi algo de fundamental no Brasil, e muitos esperavam que isso mudasse com a convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Mas a constituição promulgada em 1988,

confinnando que a educação é tida como assunto menor, não alterou a situação. (Fernandes, 1992)

Mais tarde, ao examinar o processo de. elaboração e definição da LDB, Fernandes, uma vez mais, mostra como estas forças contradizem na prática o discurso da modernidade.158

Eu penso que nós havíamos chegado a um projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que poderia tervigência durante 10 ou 15 anos, até que surgissem discussões para realizar-se um proje

to de lei mais adequado às exigências da situação histórica brasileira. No entanto, os int eresses que se chocaram dentro do Parlamento são tão destrutivos que o

. projeto que já havia passado por todas as comissões, e por elas aprovado, ac ~bou, por manobras principalmente de partidos ultraconservadores\,---como PDS, P

FL e outros -voltando à deliberação das coÍllissões. E aí surgiram negociações que tornaram o projeto. já com muitas limitações, muito mais precário. Eu comparo o que acon teceu a um conjunto de

decapitações, pelas quais a melhor parte de alguns dispositivos ou foi transformada ou foi eliminada. (Fernandes, 1992: 28)

As mutilações e subterfúgios que foram se introduzindo no projeto de LDB colocam o cam po educacional como um dos espaços onde claramente -como analisam alguns cientistas SOCiaiS o Estado, enquanto sociedade política (Executivo, Parlamento e Judiciário)

, não reflete o avanço político-organizativo da sociedade civil. Um único representante d as forças ultraconservadoras, deputado A. Tinoco, ligado ao grupo de Antônio Carlos Magalhães, apresentou mais de mil e duzentos destaques. O enfraquecimento da escol

a pública e o reforço às• teses privatistas e mercantilista, em boa medida, se constitue m numa falsa vitória e, portanto, um limite aos próprios interesses de frações da modern a burguesia.

Pelo confronto entre o texto original do deputado Otávio Elísio (Projeto de Lei 1.25 8 de 1988), que transformou em forma de projeto de lei as teses básicas de longos anos de debate dos educadores em seminários nacionais e regionais, nas CBEs (Confe

rências Brasileiras de Educação), reuniões anuais da ANPEd, cuja síntese se explicita na C arta de Goiânia, (reunião da ANPEd, 1986) e num texto de Saviani (1988), com o proje

to aprovado na Câmara dos Deputados em maio de 1993, pode-se perceber que as mutil ações a que se refere F10restan Fernandes deram-se tanto no plano das concepções 159

,.'

quanto das bases, condição material e efetiva paraque os princípios não redundem em querelas escolásticas.

No plano conceptual e organizativo, optojetoapr9vado pela Câmara desvertebra a pro posta de escola unitária que compreende o ensino fundamental e médio. Não só fixa uma

"'terminalidadeH com cinco anos de escolaridade como mantém

o dualismo entre ensino ~ral pr0l'edêutico e ensino técnico. '9 "----------.~-._---_._-----,-----_.--

Esta decepção em relação à proposta de Darcy Ribeiro, todavia, não era a última. O mesmo proj to que servira de alívio ao governo Collor está agora servindo ao projeto autocrático n

o campo educativo para o governo Fernando Henrique Cardoso. Lembrando os velhos métodos da época da ditadura, agora com mais gravidade, os grupos de trabalho formad os dentro do MEC substituem as inúmeras instituições da sociedadecivil que durante mais de 6 anos debateram e negociaram uma proposta democrática de LDB. Chegamos, em maio de 1995, com uma proposta de LDB sem a participação da' maior parte das instituições sociedade já que última síntese é composta

pelas propostas do atual Ministério da Educação e do projeto do senador Darcy Ribeiro. Em ambos os casos foram ouvidas pessoas e alijadas as organizações e instituições que compunham

o Fórum por uma LDB democrática. Mais uma LDB que, por

19. É preciso registrar que nesta desvertebração as forças conservadoras tiveram uma sur preendente ajuda mediante o projeto de LDB proposto no Senado por Darcy Ribeiro, elaborado por ele e um pequeno grupo de assessores, como bem mostra F. Fernande

s: "Eis que estávamos prestes a sofrer uma decepção única. Nada menos que o senador Darc y Ribeiro iria tomar a peito de apresentar um projeto de Lei de Diretrizes e Bas

es da Educação Nacional no senado. Sua impaciência não permitiu que a Câmara dos Deputados terminasse o seu trabalho, ocasião em que o projeto tramitaria normalmente no Senado e sofreria transfor

mações. Por que essa precipitação? O senador, como representante do PDT, sentiu-se à vonta de para aliviar o governo ColIor de uma tarefa ingrata. Recebendo suas sugestões (

e por essa via os anseios imperativos do ensino privado) e aproveitando como lhe pareceu melhor o projeto mencionado, mostrou aquilo que se poderia chamar de ve rsão sincrética 'oficial' daquela lei." (Fernandes,

Folha de S. Paulo, 06.11.92: 12) 160)__/não expressar os anseios e direitos da sociedade terá, na prática, vida curta.

Já pela proposta fragmentária e dualista da escola fundamentai podemos ver que os rep r!"sentantes--dos._hQm~nLde negócio no Congresso,monitorados pelos organism()s~çlass istas, esvaúaramos clamores deumãeaucaçaoTliriclamental e média nosmoldes'db Japão~Tigfes

Asi"átTcos'(referências obngatorias nos disc..;;:sôSClõs"empresáfiOSparasilialiiar a educação que necessitam dos trabalhadores) ou apelos expostos em documentos de empresáriostais como:Queiramos ou não, estamos em plena era tecnológica. ( ...) A

evidência histórica referente às relações entre educação e produtividade é incontornável. Pr m as altas tecnologias de produção e informação e nenhum país se arrisca entrar em competição por mercados internacionais sem haver estabelecido um sistema educacional onde toda a população, e não só a

força de trabalho, tenha atingido no mínimo 8 a 10 séries de ensino de boa qualidade. (Penteado, 1992: 5),Na prática, todavia, o que os representantes dos empresários aprovaram no Congresso.f9ia_Jerminalida<)g.aqs ~cinco anos

'deéscolarrdãae:-Natuiali~a-se assim, o longo e perverso descaso com a educação pública p' ara as classes populares demarcando como patamar possíveLapenas.~a. .alfabetj.zaçãoJun ci()nal. Ora, isto entra ",m. tOJalcontradiçaQcom a idéia de uma formação abstrata-;;-po ljvalente çapaz de faGIJliãf ãõsfumrôftiab<ilfiiidOtês uma capacitação para operarem.O sÍstem iÍv()sob a nova

base tecnológica. . ..... ~ ... ~ _....~ .

Mas, ao examinarmos a proposta de educação técnica e profissional veiculada pelos orga nismos ligados aos empresários, direta ou indiretamente, percebemos, mais claramen te, o limite e

estreiteza das elites na luta para ter o controle privado desta m odalidade de ensino, mesmo quando este é mantido pelo Estado. A luta destas elites

, com o apoio da maior parte das direções das escolas técnicas e setores atrasados do próprio

(\

, magistério e funcionários, ,_é de manteLQ__sistemJl de ensino técnico-industrial como u~~no sistema de educaçãó-:-z<f ==:.==='-'----....._----_ ..... _

O exame mais cuidadoso do tipo de ensino que se oferece nestas escolas, mesmo qu e seja tido como o de melhor qualidade, revela-nos que é demarcad0-P.cla~~~.a_d!uY

_us.te-alLmeLCJido de trabalho. A concepção das ciências -Física, Química, Matemática, Biolo gia e Ciências Sociais -é, como mostram alguns trabalhos, de natureza escolástica. A s eletividade, de outra parte, é total. Há casos em que há uma vaga para 50 candidatos.

As evidências estatísticas mostram que o argumento de que é para formarem-se técnicos de nível médio necessários à incorporação ao mercado de trabalho é falso para o grupo social qu freqüenta as escolas técnicas federais.21

No plano da formação profissional evidencia-se, ainda mais claramente, o descompasso entre o discurso e a prática. Durante o processo constituinte efetivou-se um gran

de esforço para que aquilo que é inusitado em toda a América Latina _ a formação profissio nal estar delegada pelo Estado ao absoluto controle dos empresários -tivesse uma g

estão tripartite. Reivindicava-se uma efetiva participação, do Estado e das Centrais dos Trabalhadores. Nada mais daquilo que o ideário liberal ensina. A mobi

lização do empresariado e seus prepostos foi extraordinária e esta proposta não passou. No processo da LDB buscou-se criar, não no Ministério do Trabalho -que em matéria de f ormação profissional quase sempre foi um condomínio dos interesses privados _ mas no M inistério da Educação, um Conselho Nacional de Formação

A gestão das escolas técnicas. salvo raras exceções, é profundamente autocrática. Esta e strutura se consolidou sobretudo durante a ditadura, e mesmo com o processo de r edemocratização os professores encontram grande resistência

para suas lutas até hoje.Para uma análise sobre a natureza e qualidade do ensino técnico-industrial

ver: Braga (1991), Lopes (1990) e R. J. de Oliveira (1990). Para uma análise da po lítica de ensino técnico na última década, sua "melhoria" e expansão, ver Frigotto & Ciavatta Franco (993).162

Técnico-Profissional com a formação tripartite já assinalada. Esta proposta também foi dur amente combatida e não aprovada.Uma outra exemplificação em nível mais específico que mostra o atraso das elites em face

até de suas necessidades é a não-aprovação da proposta de liberação dos trabalhadores jovens e adultos que trabalham e estudam, por um período de duas horas, mantendo-lhes o m

esmo salário. Por aí percebemos qual o efetivo inteie~se dos empresários para com a ed ucação pública e, também, às dubiedades e conflitos que enfrentam em face dos seus interes ses.

As posturas político-práticas anteriormente exemplificadas encontram sua expressão mai s geral na tese do Estado mínimo e na descentralização (autoritária). Na realidade, como

vimos no Capítulo II, a idéia de Estado mínimo significa o Estado, máximo a serviço dos i nteresses docapitaI. Postula-se que o EstãâõreproauZaãforçade trabaJho::-comumníveLe1exado q (formação (formar trabalha.dores polivalentes, comcapacidªde de abstraçãopara t0Irlllr dec isões complexas e r~dilSl,_º-.9!!f leva tempo e elevado investímentQ;:massem çontrUmirjJ _arª ó fundo gúblico.Está-contradição decorre, por certo, da forma parcial como a burguesia apreende a realidade social.

O desmonte do Estado no Brasil, na sua capacidade de financiar a educação e outros s erviços, como a saúde, que são incompatíveis com a lógica do mercado e do lucro, não chegou até o presente a níveis tão perversos como, por exemplo, na Argentina e Chile, porquehá forças sociais organizadas que se contrapõem.22

Como corolário do Estado mínimo este desmonte faz-se mediante diversos mecanismos. A s apologias da esfera privada,

22. Os processos de dilapidação do fundo público pelos interesses privados têm sido tão br utais no Brasil e tão naturalizados, que o Partido dos Trabalhadores (PT), a CUT e

outras forças de esquerda. que tiveram papel decisivo no destronamento de conor e que estão revelando o tecido podre e corrupto plotado nas vísceras do Estado, são cri ticados pela imprensa -a serviço do conservadorismo -como espiões criminosos, promoto res da desordem.

( da descentralização e da flexibilização, c()lll()mecaniSmOL(te

'aemocratizaçãõ-ede eficiência,••sãüos .mais .freqüentes, Na. prática, a descentralização e f se constituído __ em processos antjdemocráticos de delegaçã()_aempresas (públicas ou priva das), à "comunidade", aos Estados e aos.11lU: nicípios a manutenção da educação fundamental e média, sem que se "desentulhe" os mecanismos de financiafue.l1(ü::mediÍtnte urna efe

tiva e democrática r<!forma tributária. Também, ignora-se a tradição cliente lista que car acteriza a pequena política do interior, fortemente controlada por forças retrógradas.23

Dentro de urna tradição que apresenta fórmulas mágicas e, portanto, inorgânicas, para reso lver a questão educacional (CIEPs, CIACs, programa de qualidade total, construtivi

smo etc.) e que Nose\la (1993) identifica como sendo resultado da megalomania e ganância eleitoreira e, de acordo com Cunha (1991), podem advir do eleitorismo, do experimentalismo pe-dagógico ou do voluntarismo ideológico, a fórmula mais recente junt a a idéia dos cupons de um dos papas do neoliberalismo, Milton Friedman (1980)24 c

om a da escola "cooperativa". Na prática cada escola acabaria se tornando um micro ssistemaeducacional.Por esta simbiose, os professores, agora "donos" da escola, seriam remunerados d

e acordo com a "produtividade". Esta composição vem sendo experimentada, desde o iníci o dos anos 90, pela prefeitura de Maringá (PR) e tem sido apresentada corno meta s alvacionista por governos de alguns Estados e pelo próprio governo federal, partic ularmente através do MEC. A ênfase deste início do governo F. H. Cardoso é de premiar as escolas bem-sucedidas. Uma vez mais a idéia de urna avaliação rigorosa efetivada por instituições de elevada capa

23.

Para uma compreensão dos entraves para a educação pública alojados nos microespaços de pod er local, ver Leroy (1987).

24.

M. Friedman entende que a escola é uma empresa como qualquer outra e deve ser regu lada pelo mercado. Sua tese postula que o governo deveria distribuir "cupons" me diante os quais os pais buscariam no mercado educacional

o tipo de escola que melhor atenda às suas expectativas. 164

cidade técnica, em todos os níveis de ensino, revela, ao mesmo tempo, urna concepção tec nocrática de avaliação e uma visão reducionista das diversas e complexas determinações que e stão na base do fracasso escolar.

O prefeito de Maringá (PR), o primeiro a concretizar esta "fórmula", foi alçado a urna espécie de embaixador do experimento no país e até em congressos internacionais. A Fun dação Getúlio Vargas (lU) foi convidada a dar respaldo técnico à idéia e, se possível, geQera izá-la corno modelo num dos Estados da federação.25

Urna variação desta idéia_é o estímulo que o governo vem dando à classe médiae mesmo às Class populares para que organizem nas empresaspúblicaÇ orrde-traoilfulm~=-tipo Banco do B

rasil, Petrobrás, .. ou . nosbâÍrro§:e--c.õiíjJlntos habi-. tacionais, escolas cooperativas. --Ü -governo, por esta via, dissimula o desmonte do sistema educacional mediante a

idéia de cooperativa. A cooperativa de ensino transforma-se, assim, no Programa Na cional de Cooperativas Escolares com um sistema operacional desenhado, prevendo

a divisão dos cooperados. por renda, profissão, espaço e subsídios dos municípios, Estados e governo federal. (Ver Cedraz, 1992: 29-32)

Esta estratégia é reforçada mediante o apoio do governo federal ao sistema da _ Campan ha Nacional de Escolas da Comunidade (C,NEC). Em fevereiro de 1993 o governo com prou, mediante convênio, 50 mil vagas da CNEC. Este apoio permite hoje que /Í CNEC c ompre espaço de televisão para divulgar seu trabalho. Aquilo que foi criado como um projeto emergencial

25. A FGV do Rio de Janeiro, em 1990, encarnando a era Collor, fechou unilateral mente nove institutos ligados às Ciências Sociais. Dentre eles o IESAE (Instituto de

Estudos Avançados em Educação), considerado pela área entre os melhores centros de pós-gr aduação do pais. Dia após dia, explicita-se como um escritório de intermediação de recursos (grande parte deles públicos). A razão de fechar os nove institutos, foi econômica. Após seu fechamento, todavia, instalou mais um posto bancário na instituição, ocupando mai s da metade do espaço da livraria. Neste momento, sintomaticamente, entra no proce

sso de acompanhamento e avaliação de projetos de "qualidade total" financiados pelo Banco Mundial em âmbito de sistemas estaduais de educação.

transforma-se numa política permanente e cada vez mais am pliada.

Na lista infindável de mecanismos de descentralização e flexibilização antidemocráticas nos deparamos com convênios mais espúrios como o firmado entre a União, as empreiteiras da construção civil e a Rede Globo de Televisão para uma

i

amplo projeto de alfabeti7Jlção. Pelo que a sociedade está descobrindo, mediante as CPls do impeachment e do Congresso Nacional, as empreiteiras são especialistas na dilapidação do fundo público, mas, pelo que sabemos, não têm credenciaisno campo pedagógico-educacional.26

No senso comum que se vem formando sobre os problemas da educação e da saúde, a deslis ura tecnocrática tem insistido que estes problemas se devem a um mau gerenciamento

e à falta de acompanhamento e avaliação.lunto a este senso comum o ideário neoliberal ou neoconservadorvUlgIírizaa--idéia-de

que o -Estauo,a -esfera--pública;-é--rrm paq~rme-PêSruÍo e ineficiente, -lncapaz-degerenciareavaliãfããequadamenie.como conseqüência;estão--sntgindO--ftlifda"õer(emptesasüu-e-;;;Prei_

teiras de serviços), muitas delas redefinindo seus objetivos originais, que se esp ecializam em gerenciamento e avaliação. Já mencionamos o caso da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Paradigmático, para entender-se esse tipo de intermediação, é também o caso da Fundação Cesgranrio.

A Fundação Cesgranrio surgiu, no período ditatorial, para realizar e gerenciar o vesti bular unificado no Rio de Janeiro. Com o processo de redemocratização da sociedade,

as Universidades públicas passaram a chamar a si a função que lhes compete: definir, o mais democraticamente possível, o acesso ao ensino superi?r. Partindo de uma impor tante idéia debatida

26. Uma análise das distorções pedagógicas e do viés ideológico desta estranha. mas por muit os festejada. parceria. é feita na dissertação de mestrado de Denise Maria Antunes Cor deiro Terra: Por detrás dos tapumes _ desvelando () trabalho e a alfabetização no cant

eiro de obras. Rio de Janeiro. Universidade Federal Fluminense, 1995.166

nos meios pedagógicos de se fazer uma avaliação continuada, a Cesgranrio montou um pro jeto eivado de generalidades e "chavões", que denominou de Sapiens. Há três anos, tent

a convencer as Universidades públicas e o MEC a adotá-lo. Já conseguiu uma autorização do MEC para implantar o projeto, experimentalmente, no Estado do Rio de Janeiro. No

momento vem se oferecendo ao MEC e se articulando para vender-lhe seus serviços d e avaliação e, mais especificamente, o projeto Sapiens.27 \',

Na mesma perspectiva de intermediar recursos, a Cesgranrio lançou, em 1994, o Proje to de Capacitação de Recursos Humanos e Fortalecimento Institucional das Entidades I

ntegrantes do Programa de Atenção a Menores em Circunstâncias Difíceis. O que importa aqu i não é o complicado título do projeto. Poderia ter outro nome qualquer. O que importa são os recursos que vai intermediar. A primeira parcela de US$ 8 milhões foi libera

da pelo BID ao Programa, através da prefeitura do Rio de Janeiro. (Ver: Jornal do Brasil, 03.11.93: 13) Por que as Universidades públicas (UFRJ, UFF e UERJ), cuja p resença de seus reitores foi anunciada para o lançamento do projeto e que na realida

de vão executar parte, pelo menos, da capacitação, não podem receber diretamente da pref eitura os recursos?-

Para caracterizar oe forma ineguívoca o rumo nacontramão que ioma-ap:olíiic~~U9çiQDai,-p~I~~]or2~~~atr-as;;-de•representantes das elites, contrariando, como dissemos,•até -mesmQ.sellsinteresses;

agora no plano da organizáçãodo processo pedagÓgiCO, -assinalamos o que denominamos de sín drome Chiarelli.

O senador Chiarelli, como pagamento do apoio de campanha, recebeu do governo Coll or de Mello o Ministério da Educação. Em seus primeiros pronunciamentos declarou que 27. Para uma análise crítica da proposta Sapiens e dos vínculos que a mesma busca ter com o poder público, ver: "Sapiens -sabedoria ou novas armadilhas para o acesso ao ensino superior?" (Frigotto & Ciavatta Franco, 1992).

faria uma revolução na educação e tomaria como inspiração

o que OCorrera em Cuba neste campo. Além dos CIACs, postulava uma total descentral ização, não apenas administrativa, mas também curricular.

A expressão mágica -adaptar-se à realidade -foi tomada ao pé da letra. O ministro confun dia os sujeitos que conhecem alunos e o .seu saber social -que são (ou deveriam se

r) sempre o ponto de partida necessário do processo de construção do conhecimento, com o sujeito do conhecimento e sua necessária busca de universalidade, tarefa inequívo ca de um projeto pedagógico da escola.

Pela lógica linear do "adaptar-se à realidade", a escola tende a tomar-se uma espécie de bruaca onde tudo cabe e da qual tudo se cobra: resolver o problema da pobreza

, da fome, do trânsito, da violência etc. Neste período, propôs-se o aumento substantivo de disciplinas na escola primária para atender às diferenças regionais. Exemplar, par a entenderem-se os desdobramentos desta perspectiva, é o depoimento de um subsecretár io Estadual de Educação que se deparou com um processo cuja solicitação era de se criar, na escola fundamental, as disciplinas de suinocultura e avicultura. A justificativa era de que se tratava de uma região onde se criava muito suíno e muitos frangos."

Todas estas medidas do poder Executivo constituíam-se em mutilações do projeto de LDB encalhado no Senado. E o que temiam as organizações científicas e sindicais ligadas à ed ucação, que desde o processo constituinte estruturaram-se

, num Fórum permanente, está ocorrendo. O projeto cai agora /~

\

na "vala" comum da revisão constitucional. As forças conservadoras, sob o argumento d e que a Constituição de 88 foi fortemente marcada pelas teses do centralismo e do es tatismo de inspiração socialista e agora o socialismo foi liquidado, querem "depurar " o texto constitucional das referidas influências.

\''- " .....---

28. Para uma análise das perspectivas da educação do governo Collor, ver; Frigotto, G. , Revista Contexto & Educação, Ijuí, nO 24, 1991.168',i0.í;,-'7

Nada mais claro, nesta perspectiva, do que a "pregação" feita por Emane Galvêas -ex-mi nistro do governo militar -ao examinar as perspectivas da educação na economia brasi leira na década de 90. Tomando como seu mentor (intelectual e ideológico) um dos mais competentes compiladores •de.. idéias reacionárias, -Arnaldo Niskier -ela é paradigmática e, entre outras coisas, sentencia: '"

Os defensores dà".educação transformadora atribuem à educação um caráter essencialmente político. Não mais a educação in dividualizada, mas a educação coletiva, com politização dos conteúdos, o debate das questões sociais. Não a união das classes, mas a luta de classes para que se chegue à escola

única. Enquanto se discute essa fraseoJogia, na prática a educação se deteriora e suas p erspectivas como instrumento essencial da nossa esperada redenção econômica, tornam-se cada vez maissombrias. (Galvêas, 1993: 138)

Galvêas, após um longo retrospecto que discute a educação desde Rui Barbosa, influência do positivismo e do marxismo, conclui:

A maioria dos teóricos da educação no Brasil é de formação marxista. Por isso mesmo, a crítica que se' faz à política

educacional é que ela é influenciada pelo empresariado capitalista, que só pensa'-na ed ucação do indivíduo para melhorar

a produtividade de suas empresas e aumentar seus lucros. Um besteirol inominável. (...) e por isso, deve mudar. Mudar re volucionariamente, como se isso fosse possível ou viável. C..)

Eles procuram usar a educação e a escola para dar aos trabalhadores instrumentos par a a luta pela transformação social. Com a queda do muro de Berlim e o fracasso do mo delo

comunista soviético, essa radicalização deve desaparecer no Brasil. Mas ainda vai levar ano. (Ibidem, p. 140)

Numa conjuntura diversa e adversa às forças comprometidas com a democracia substantiv a, as forças conservadoras se articulam para, como mostra Singer (Jornal do Brasil,12.10.93: 11), implementar a idéia de Estado mínimo e as teses neoliberais.

\:J fazer valer seus interesses. A FIESP, no amblto geral, mediante " um documen to que expressa suas demandas, monitora os de

o:l putados e senadores conservadores. Os organismos ligados à : CNI (IEL, SENAI, SENAC) encaminharam, igualmente, um

{ documento específico ao campOda formação técnico-profissio~ nal. Por esta proposta radi calizam-se o dualismo, a fragmentação e o controle privado nesta ~rea.

9.-9ue queremos realçar do exposto nesta seçlío é que..a. defesa . da educaç.ã.n......blsic. Lpara umuoII!!.ação abstratª_~.

-polivalente. pelos hQmJ'.11L_dcnegócio -condição para uma estratégia de qualidade total , flexibilização e trabalho integrado em equipe -.é uma demanda efe.tiYaimposta..pela nOVa. blise

.. tecnológico-material d.QJ>roce§.so_<leJ1fOdl!ção. Esta perspectiva sinaliza o horizon te e os limites de classe, os dilemas e conflitos em face da educação e formação humana que, historicamente, a burguesia enfrenta. Este horizonte e limites, no caso bra

sileiro, vêm reforçados por uma sobredeterminação do atraso e do caráter oligárquico, parasi tário e perversamente excludente das elites econômicas e políticas. Por outr<Lpjiúe., a natureza da materialidade histórica das relações capital-trabalho em face da nova base científico-técnica, situa o embate contra-hegemôni,eo no campo da educação e fõrmãção humana perspectiva_ democrática e socialista, num patamar com uma nova qualidade. O conhe

cimento e sua democratização é uma demanda inequívoca dos grupos sociais que constituem a classe trabalhadora.

3. A formação humana unitária e politécnica:

o horizonte dos processos educativos que se articulam aos interesses da classe t rabalhadora

A análise até aqui exposta nos indica que !l luta contrahegemônica tem, concomitantemente, várias tarefas de caráter teórico e político-prático. N.Q..plaIllLte.ótiç.Q....Q embat~.' j!le na crítica aos postulados n~oliberil.is e neoconservadores que, no campo da e ducação, revjsitam as perspectivas da teoria do capital humano e, portanto, do 'econ omicismo, dos anos 70, agora com novos conceitos. A educação e o conhecimento são 170

poder.29 Ainda no plano teórico impõe-se a tarefa de superar posições qne se presumem crít icas radicais e de esquerda, mas que por sofrerem de uma espécie de "infantilismo teórico-po'líticO" acabam reforçando práticas conservadoras. Neste plano, as posturas esc atológicas, irracionalistas, neo-anárquicas ou mesmo a pura e 'Simples perspectiva da resistência não nos levam longe3o \, .,

Neste último tópico, primeiramente mostraremos que o resgate dos conceitos de escola unitária, formação omnilateral e/ou politécnica, tecnológica-industrial produzidas no int erior da concepção de homem e do processo de "emancipação

'J humana" em Marx e Engels e posteriormente em Gramsci,3! i que surge na década de 80 no pensamento educacional brasileiro, Isustenta-se na mesma materiali

dade histórico-social das relações I sociais de produção e relações políticas de onde emergem conceitos de, polivalênci!l,_pºlicogn~º, __m.ulti~hª-bmtªçíio, for71 mação .ª-bstrata, tão c homens de negócio, e, ao. mesmo!

29. A análise atenta do que se está postulando, em face da reconstrução económica e da rec onversão tecnológica a ela articulada. nos mostra que a questão da qualidade total. da flexibilidade e da competência baliza-se. uma vez mais, sobre o velho debate de " atribut6s" cognitivos (formação geral, capacidade abstrata, policognição) e atitudinais (identificação com a empresa, capacidade de relacio~ namento grupal etc.), cujo obje

tivo fundamental é o aumento da produtividade e de sua apropriação privada. Ver. a est e respeito. os textos mencionados de

Coraggio (1992), Finkel (1990). 30.

A elevada aceitação e fixação, por parte de grande número de jovens militantes de esquerda , à "teoria da resistência" ou o apego a perspectivas neo-anarquistas revelam um lim

ite de apreensão teórica que tem como conseqüência posturas e ações político-práticas problem s. O trabalho de Nunes (1990), na área da educação, ressalvadas as legítimas boas intenções, exemplifica estas perspectivas. Para uma análise das tendências da resistência no pla

no político mais amplo, ver Herbert J. de Souza -:-Como se faz análise de conjuntura e, no plano educacional, ver o texto "Revendo os vínculos' entre trabalho e educação: elementos materiais da formação humana", de Miguel Arroyo. 1991.

31.

Parece-nos crucial alargar a concepção de escola, como é posta por Nosel1a ao historic izar o pensamento gramsciano: "A noção de 'escola'( ... ) refere-se a todo o tipo de organização cultural para a formação de intelectuais;

tempo,. de.marcam uma perspectiva ético-política de formação huma,n.a numa. direçã()-que lhe s• éllntagôolca,eque--interessa âsclasses tnillliIliaâoras:VeÜ;oenõvõ~-ilrcaiCõe moderno, no plano histórico, coexistem contraditoriamente.

O segundo aspecto, no plano político, busca assinalar que, no mesmo período em que f rações da burguesia brasileira, como indicamos anteriorme~te, atentas às transformações mu ndiais e preocupadas com seu destino, redefinem seus organismos de classe e criam

novos, no âmbito das classes trabalhadoras emergem um partido de massa (e de clas se), um sindicalismo de "novo tipo", movimentos sociais urbanos e movimentos soc

iais no campo que estão redefinindo as relações. entre Estado e sociedade em bases div ersas da tradição oligárquica, fisiológica e paternalista. Nesta redefinição aparece clarame nte o embate pelo controle democrático do fundo público e por uma nova função social da educação. Outra característica destas lutas é que não se reduzem ao momento econômico-corpor ativo, mas contêm elementos ético-políticos.Tomando-se os embates em torno das questões, sobretudo econômicas e sociais no processo constituinte e, para o campo específico da educação, os debates em torno da definição da LDB, o confronto destas forças sociais parece-nos nítido. Por estes embates concr etos as perspectivas apologéticas do fim das classes sociais mediante a revolução cien

tifica e o surgimento da sociedade do conhecimento não encontram sustentação histórico-em pírica. Ao contrário, reiterando o que discutimos especialmente no Capítulo II, na ótica de análise desenvolvida por F. de Oliveira, as classes sociais

quanto mais parecem desaparecer do campo da visibilidade do confronto privado, t anto mais são requeridas como atores deregulação pública. Isto não é um paradoxo, mas contradição

essas organizações são criadas e sustentadas historicamente pelas diferentes práticas ou forças produtivas da sociedade". (Nosella, 1992: 108) De outra parte, também nos pa rece fundamental o alargamento que, num outro texto, o mesmo autor dá à concepção de for

mação politécnica ao circunscrevê-la no âmbito da tecnologia e do industrialismo. (Nosella , 1993: 157-86)172

das classes SOCIaiS hodiernas, que é, também, a mesma do fundo público. (Oliveira, 199 3: 140)3.1. Escola unitária e politécnica: a formação na ótica da em{lncipação humana

Se a luta heg~mônica se• desenvolve sob uma mesma materialidade histórica, complexa, c onflitante e antagônica, as alternativas em jogo no campo dos processos educativosse diferenciam tanto pelo processo quanto pelo conteúdo humano e técnico-científico.

A educação ou mais amplamente a formação humana ou mesmo os processos de qualificação específ cos para fazer face às tarefas econômicas, numa perspectiva socialista democrática, têm

como horizonte permanente dimensões éticopolíticas inequívocas: "os socialistas estão aqui para lembrar ao mundo que em primeiro lugar devem vir as pessoas e não a produ ão". (Hobsbawm, I 992b: 268)

1Ó0i conjuntos de categorias -filosófica, pedagógica e polit amente articulados -forma ram, na década de 80, o eixo conceptual em tomo do qual se buscou organizar os pro cessos educativos no conjunto da sociedade brasileira: a concepção de escola unitária

e de educação.@ formação humana omnilate'Eb.-p-oJitécnica-ou tecnológica. E importante perce ber comoestas categorias efetivamente sinalizam um conteúdo histórico em devenir e não

são meras elucubrações de visionários.32 Caberia aqui, talvez, lembrar o que Marx sinal iza em face das tarefas históricas.

32. Já mencionamos, anteriormente, o trabalho de José dos Santos Rodrigues (1993), q ue analisou com extrema perspicácia a base histórica, no Brasil, do processo de cons

trução da concepção de formação politécnica. Todavia, o modismo ou por vezes o oportunismo, a iados à, pobreza de cultura política, têm reduzido estas categorias a disputa em itens

da legislação ou palavras-pontes, jargões de platafonna de palanque de "pregadores" i luministas. Este infantilismo de esquerda necessitamos combater. O que estamos d iscutindo aqui é outra coisa, É tentar mostrar como, no tecido das relações sociais, est es conceitos explicitam elementos concretos e possibilidadés de avanço político-prático.

É por isso que a humanidade só levanta os problemas que é

capaz de resolver e assim, numa observação atenta, descobrir-se-á que o próprio problema só surgiu quàndo as condições materiais para o resolver já existem, ou estavam, pelo menos, em viasde aparecer. (Marx, 1983: 25)

Os elementos analisados anteriormente sobre a natureza da nova base técnica moslca m-nos que esta, mesmo sob as relações sociais de exclusão vigentes, detêm a virtualidade de efetiva melhoria da qualidade de vida para todos os seres humanos. Esta nova realidade técnico-produtiva, como vimos, não só demanda para aquele conjunto de traba lhadores exigidos no processo produtivo bases de conhecimento científico (unitárias), cuja universalidade lhes permita resolver problemas e situações diversas, como também visa a um trabalhador capaz de consumir bens culturais mais

amplos. Os princípios científicos da nova base técnica são unitários e universais. Sob este ponto de vista a

distinção entre setor primário, secundário e terciário da economia não faz muito sentido. Mesmo em realidades como a brasileira, marcadamente defasada na produção de conhecim

entos básicos e cuja velocidade e intensidade da reconversão tecnológica são bem menores q ue nos centros hegemõnicos do capitalismo, até mesmo pelo caráter transnacional assumido pela produção capitalista, estão dadas condições virtuais claras. O que é necessário desbloquear são os mecanismos de exclusão que deixam à margem das condiçõe mínimas de vida, em nosso caso, mais da metade da população, e, ao mesmo tempo, conge

lam ou retardam o próprio progresso técnico. Ou seja, o desbloqueio das condições objeti vas e subjetivas para o desenvolvimento da omnilateralidade humana, particularmente para as classes trabalhadoras, entendida como:

o chegar histórico do homem a uma totalidade de capacidades e, ao mesmo tempo, a u ma totalidade de capacidades deconsumo e gozo, em que se deve considerar sobretudo o

usufruir dos bens espirituais (plano cultural e intelectual), além dos materiais. (Manacorda, 1991a)174

A possibilidade de dilatar a capacidade de consumo não se deve, fundamentalmente, à escassez de produção mas, sobretudo, aos mecanismos sociais que impedem a socialização de sta produção.A tomada de consciência, da forma mais ampla pOSSÍvel,. desta realidade histórica de tal sorte que a mesma se constitua num elemento d~

ação política, é um fato crucial. Neste processo, sem dúviqa, desempenha um papel fundamen tal o trabalho educativo qúe se dá, na perspectiva gramsciana, nos diferentes aparel

hos de hegemonia. No caso brasileiro, como destacamos no Capítulo I, desenvolvemos nos anos 40 uma rede de radiodifusão ampla e, a partir dos anos 70, um dos sistem as de televisão mais sofisticados e monopolizados e, inversamente, foi-se desquali ficando a escola pública, particu-larmente seus profissionais.33

O resgate ou a construção da escola pública unitária, quiçá com quase um século de atraso, é dos problemas básicos a serem enfrentados pela sociedade brasileira, para que a de

mocracia tenha condições objetivas de se efelivar. Aqui, a questão básica permanece na s ua anatomia geral, aquela que há mais de 60 anos colocava Gramsci em relação à ruptura d a velha escola italiana:~A luta contra a velha escola era justa, mas' a reforma não era uma coisa simples c

omo parecia. não se tratava de esquemas programáticos. màs de homens, e não imediatament e dos homens

que são professores, mas de todo o complexo soeial do qual os homens são expressão. (O ramsei, 1978a)3433.

Para uma visão sintética do processo de proletarização do magistério, ver Florestan Fernan des (1991).

34.

A concepção de escola unitária desenvolvjda por Gramsci tem sido, no Brasil, trabalhad a e apropriada de forma dominantemente a-histórica. A análise que, ao mesmo tempo, e videncia este viés e resgata esta categoria básica numa perspectiva fecunda é exposta por Paolo NoseJanos textos: A escola de Gramsci (1992) e A modernização dg produção e da escola no Brasil o e.stigma-da relação escravocrata (1993).

analisar a escola no Brasil dos anos 80 e os desafios dos anos 90, que a construção da escola unitária pressupõe como materialidade objetiva e subjetiva o desenvolvimen to de um "projeto de política industrial, moderno, 'original'. Somente nessa persp ectiva pode ser encaminhada a questão educacional e o tema da 'escola unitária"'. (N osella, 1993: 179)

Esta forma de apreender a relação da escola com a materialidade social na qual ela s e produz nos permite perceber que a forma e o conteúdo que assume no seu desenvolv

imento não é algo arbitrário. Neste sentido, na escola, os processos \~ educativos não p odem ser inventados e, portanto, não dependem de idéias mirabolantes, megalômanas de gên ios que dispõem de planos ou de fórmulas mágicas. Depende de uma construção molecular, orgân ica, pari passu com a construção da própria sociedade no conjunto das práticas sociais. Como nos indica Gramsci:

Criar uma nova cultura não significa apenas fazer individualmente descobertas "orig inais", significa também, e sobretudo, difundir criticamente verdades já descobertas

, "socializá-las" por assim dizer; transformá-Ias. portanto, em base de ações vitais, em elemento de coordenação e de ordem intelectual emoral.-O fato de que uma multidão de homens seja conduzida

a pensar coerentemente e de maneira unitária a realidade presente é um fato «filosófico" , bem mais importante e "original"

do que a descoberta por parte de um "gênio filosófico", de uma verdade que pennaneça como patrimônio de pequenos grupos de intelectuais. (Gramsci, 1978a: 13)

No contexto dos embates que se travam hoje na sociedade brasileira na busca de r omper com todas as formas de exclusão social e, nos interstícios das possibilidades concretas de construir-se um industrialismo de novo tipo e processos educativos não imediatistas que concorram para a formação omnilateral e, portanto, para os process os de emancipação humana, a busca do sentido "radical" de escola unitária, no plano do conhecimento e no plano político-organizativo, é fundamental.176colocam aos setores capitalistas que queiram ser competitivos a necessidade de u

m conhecimento no processo de trabalho que não se reduza a fórmulas, técnicas, mas à cap acidade de analisar, interpretar, resolver situações novas. Não se trata,. pois, de um conhecimento restritQL!l]IL 1l.clestramel1to _para uma ta~efa ou f

unção. Neste processo ampliam-se, também, as ctemã.iidas-clilturaiil-:-de;• irilhãih-ador. E stas demandas;-lodavIa, tendem a se~-aPrisiÔ~-;;S-iíoli~ite . uantitativo e ualitati

vo das necessidad.es __ dO."-'!Pital. . ____~está, sob a base contraditória do capiti lL~m dilaJaLJlS possibill<lades_d.e----.!!Jllil formação tecnológica "unitária" para tod os.

Do ponto de vista epistemológico, ou seja, dos processos de apreensão e construção do co nhecimento na realidade histórica, o conceito de escola unitária nos indica que o esf orço é no sentido de identificar os eixos básicos de cada área de conhecimento que em su a unidade detenham a virtualidade do diverso. O princípio da ciência é, neste sentido, por excelência unitário, isto é, síntese do diverso e do múltiplo.

No plano prático do processo de construção do conhecimento, a concepção de escola unitária, m nossa realidade, implica, ao mesmo tempo, vários desdobramentos. O primeiro dele

s é o de distinguir-se entre O processo teórico-prático mediante o qual o homem, enqua nto um ser social, constrói

o conhecimento da realidade, da natureza, do conhecimento em SI.

Independentemente ou não da escola, os seres humanos acumulam conhecimento. A real idade na sua dimensão social, cultural, estética, valorativa etc., historicamente si tuada, é o espaço onde os sujeitos humanos produzem seu conhecimento. Trata-se de um a realidade "singular e particular". É a partir desta realidade concreta que' se p ode organicamente definir o "sujeito do conhecimento" e os métodos, as formas de s eu desenvolvimento. Este, para ser democrático, deve tender à universalidade.

! 177 l-~<

l!á, pois, um duplo_equívoco a SUIL~aLIKL[llano_,cIa construção de uma"s~91ªJ1l)ilária~(demo crática). Primeiramente é preciso ter claro que, ao definir-se o conhecimento a ser

~ trabalhado (conteúdos, processos, métodos, técnicas etc.), .parª~gill)ku.-de.ve t er como Pºllto--.ilLP~~_dada dos sujeitos sociais concretos.A conSClenCIa da crian?a não é algo "individual" (e muito

menos individualizadol, é o reflexo da fração da sociedade civil da qual participa, da s relações tais como elas se concentram (. ~.r\7na família, na vizinhança, na aldeia, et c. (Gramsci, 1978a: 131)35,. \j',,) ',','/ I' Ci Esta realidade é, a um tempo, biológica, social, econômica, política, cultural, valor ativa etc. Não podemos, pois, reduzir este ponto de partida às dimensões cognitivas, m esmo quando

o problema a ser enfrentado seja de ordem cognitiva e, muito menos, a uma perspe ctiva psicologista.

Esse equívoco, ainda que fortemente presente, talvez não seja hoje, no campo educaci onal, o mais ardiloso. Num contexto, de um lado, do exacerbamento do individuali smo alimentado pela ideologia neoliberal (fetichismo do mercado) e, de outro, pe

la mistificação do particular, do individual, do subjetivo "narcísico desejante" (cris e da razão instalada pelo pós-modernismo), como nos mostra Chaui (1993), o risco mais presente é afirmarem-se as condições particulares ponto de partida num inorgânico ponto de chegada. A síndrome Chiarelli, a que. nos

referimos, comumente é reforçada pelo esquerdismo ou por muitos profissionais que ad erem acriticamente a pedagogias que seguem o ideário do laissez-faire ou ao populi smo peda

35. A compreensão de homem "como uma sene de relações ativas, um processo" e a naturez a humana de cada ser, "o conjunto de relações sociais" construídas no bairro, na aldei a, cidade e, em suma, de todas as "sociedades das quais o indivíduo pode participa r", nos permite precisar que não se trata da realidade de cada indivíduo singular, m as do conjunto de relações sociais dentro das quais cada indivíduo produz sua realidad e humana. (Gramsci: 1978a: 38-44)178~JI

~~ , I II

-~ i\

gógic036 Uma forma sutil e antidemocrática de relações educativas é, sem dúvida, a reificaçã nso comum,do folclórico,da realidade dadádos desenraizados e exclllídos.A realidade socialmente dada necessita ser elaborada> desenvolvida no horizonte

de maior universalidade. Democrática ", éa escola que é capaz de construir, a partir d o dialeto (Iingüístico, gnoseológico, va!orativo, estético, cultural, em suma) uma ordem ilIl!:is avançada e, portanto, mais universal.37

'''~~Estãforma de conceber a relação da escola com a realIdade social, ao contrário de d ilatar o currículo escolar na lógica da particularidade de cada problema que aparece criando novas matérias sem base disciplinar orgânica, e portanto, uma forma arbitrári a, coloca o desafio de ~identificar_os51úcleoS41nitários" historicamente necessários d os cam[los de conhecimento gue tratam da societas rerulILe_sacietas-homilJl!!!LJ '-'lu~._uma vez construídos e apropriados concretamente, permitea ao aluno, ele me

smo, analisar e interpretar-as infindáveis_-'Illellite.s...~e~ problemas que a rea lidaOO-.-apresenta;3E A lógica de se buscar criar para cada novo problema uma nova disciplina ou deter-se36.

o esvaziamento das licenciaturas e da Faculdade de Educação, de um lado, produzido p ela reforma Universitária do regime militar baseada na fragmentação e no tecnicismo e, de outro, pela desvalorização do professor, constituem-se em limites objetivos na co nstrução da escola unitária.

37.

O caráter democrático da escola não consiste na visão de que todas as crianças e jovens de vam ter o mesmo atendimento, já que as condições historicamente dadas são de uma brutal d esigualdade. Democrática é a sociedade e a escola que instauram um processo de relações cujo horizonte hist6rico seja a equalização no plano do conjunto de condições necessárias à emancipação humana. E, como nos mostra Gramsci, "se se quiser criar uma nova camada de intelectuais chegando às mais altas especializações. própria de um grupo social que t radi-cionalmente não desenvolveu as aptidões adequadas. será preciso superar dificuldades inauditas". (Gramsci: 1978a: q9)

38.

É comum hoje atribuir-se O pouco efeito das campanhas de proteção à saúde (sarampo, desidr atação, Aids etc.) às deficiências técnicas destas campanhas. Isso pode ocorrer. Todavia, numa população semi-analfabeta ou instruída por processos de caráter metafísico ou fragmen tário, o problema crucial é a incapacidade desta população de decodificar o significado das mensagens.

t? :/1,

na particularidade de cada situação, de cada dialeto, é instaurar um processo de dispersão e de indisciplina intelectual.

A perspectiva da escola unitária, na prática da identificação e organização dos conhecimento s (necessários e não arbitrários), tem inúmeras outras implicações. Dentr.Lestas, destaca-se a superação das .polarid.ªdes:_conhe(;im~nt()_~eral~.~sp~c!f'ico: 1;/ t~cnic:o~..Qolíti co,_humall~-"_ técniCo, teórico e prático. , ri' Trata-se de dimensões que, no plano 're al, se desenvolvem i'"

.---.-----.~-.,,~~.----.. ' 1

dentro de uma mesma totalidade cOIicreta.39 Tanto a idenrifiCãção '. do núcleo necessário de confeúdos~' quanto os processos, os métodos, as técnicas não podem ser determinados nem pela unilateralidade da teoria (teorismo), nem pela unilateralidade

da técnica e da prática (tecnicismo, ativismo), mas na unidade dialética de ambas, ou seja, na e pela práxis.40

A organização e identificação de núcleos necessários de 1 c(jn.hecimento a serem sI~l:!l-YQ~-!dos",!ê.l!J como exig~l1cia.um. trabalho de natureza interdisciplinar. Os recortes da realidade delimitados, por serem unidade do diverso, engendram na sua especificidade as "qualidades" ou a materialidade da totalidade.

A interdisciplinaridade é, pois, uma característica da realidade. Nas condições históricas objetivas da sociedade capitalista, por ser a realidade humana cindida, fragmentada e alienada, o trabalho interdisciplinar padece de limites materiais objetivos e limites políticos, ideológicos e valorativos.41

39.

Karel Kosik, por certo, é um dos autores que m6lhor nos ajudam a entender esta dimensão da dialética do real. Ver Kosik, 198<\

40.

Esta é uma questão crucial. Ela se coloca diametrflmente oposta às perspectivas messiâni cas que de tempos em tempos elegem de~rminados méto,dOS como salvacionistas. No mo mento, o construtivismo é uma/espécie de "totem" eleito para extirpar as mazelas do analfabetismo e do fracasso escolar. Na perspectiva em que nos situamos neste de

bate, vendido d~mo bezerro de ouro, na forma como é mistificado, não passa de uma si mulac~ó', um bezerro de barro.

41.

A forma mais freqüente de como os textos' pedagógicos tratam da questão interdisciplin ar inscreve-se numa perspectiva vulgar. Aparece como uma

espécie de sopa metodológica, como técnica de relacionar conteúdos ou processos educacio nais. Para uma apreensão da questão do trabalho interdisciplinar como "necessidade e como problema" no plano epistemológico, ver Frigotto (1991 e1993), _~

O_,caráter unitlÍrio iliz respeito, também, à ruptura com ""'-" -'--------,~

toda a espécie de dualismo na organização do sistema educacional. "Qualidade total", pe dagogia da qualidade, etc., na perspectiva da emancipação humana, pressupõem a ruptura do velho industrialismo e da modernidade fundados na exacerbação

•da exclusão social, portanto, nada "original", e a emergência de" um industrialismo d e novo tipo. Sob o industrialismo marcado pela exclusão, o campo educativo fica bl oqueado quer pelas perspectivas ~itistas, quer pelo parâmetro imediatista; utilita rista, "interesseiio" e excludente do mercado.

Tomando-se a formação qualificação, (mesmo na ótica restrita da produção material) na perspec iva do desenvolvimento humano nas suas múltillLl!§"":'d5IOJ;)US.0.e.B como eXIgênciasdas

'diferentes necessid;;de;-do ser humano, ver-se-á que~oespaçõ rríaÍsadequadoe•préVíÜpa\!llerl senvolvimento é efe'tivamente a democratizaç.ão_da.escola.básic.a..unitáriaJ.e.ç,ll9lógica e politécnica de primeiro e segundo graus. A perspectiva unitária e politécnica'dernarc

a a l1ecessidade de romper-se, como já assinalamos, com as dicotomizações dtlformaçãogeral e específica, humanista e técn-icà;-ieÓfica-e prática eté:4"; '.Assim percebida, a formação humana nos explicita que

o efetivo acesso à escola básica unitária, tecnológica ou politécnica, constitui-se nUlJla exigência para a qualificação da força de trabalho para o processo social em todas as su as dimensões, ao mesmo

tempo pré-requisito do horizonte teórico e político dos processos de formação técnica e profissional mais específicos 43

Para uma ampla análise destas questões no debate da educação brasileira na última década , ver Nereide Saviani -Saber escolar, currículo e didática: problemas da unidade con teúdo/método no ensino. Tese de doutorado, pue-sp,

1993,Nosella sinaliza-nos que se há um crescente consenso entre aqueles que analisa

m a relação trabalho-educação sobre a importância dos elementos subjetivos e objetivos da tecnologia na formação humana. tal consenso ainda se expressa com timidez: "A tecnol ogia não apenas apresenta as marcas da subjetividade humana, individual e coletiva

; ela própria nada mais é que a filha dum homem 1'-/1 I '

3.2. A dilatação da esfera pública: da reslstenGÍa à alternativa política ao neoconservadorismo na educação

A discussão até aqui empreendida na sua perspectiva

teórica e política nos indica que, tanto no plano economlCo social, quanto educacional, o avanço democrático no Brasil engendra, ao mesmo tempo, a necessidade de superação do plano da resistência e a p~ssibilidade de construção de uma alternativa ao projeto neoliberal.

A direção do embate, na forma poética expressa por Mao

Tsé Tung (1979), implica a capacidade de se entrar na jaula dos tigres para apanhar-lhes as crias. Ou, como nos ensina Gramsci, esta luta contra-hegemónica demanda aguçar a inte ligência para analisar melhor a realidade, ter vontade política e, sobretudo, organização. Trata-se, pois, de um embate quese dá no terreno teórico e político-prático, ou seja, no plano

da práxis.Na realidade brasileira, não obstante a gravidade da crise do Estado e da sociedad

e em seu conjunto, (crise económicosocial, política e ético-valorativa) diferente dos e mbates pelas reformas de base do final da década de 50 e início da década de 60, exist em hoje forças políticas de "novo tipo". Isto pode-se evidenciar, pelo menos, em três níveis.

Partidos ideológicos não são novidade em nossa história. O inventário de seu papel e seus equívocos, em boa parte, está feito.44 A novidade reside na emergência de um partido i deológico de massa -Partido dos Trabalhadores (PT) _ vinculado organicamente aos i nteresses das classes trabalhadoras. Seus problemas internos, e até seus equívocos que diferentes

historicamente determinada. A tecnologia é a cara do homem" (Nosella, 1993: 181). Nesta mesma perspectiva, Bottomore afirma: "Seria possível dizer que o marxismo é a teoria e prática socialistas de sociedades especificamente tecnológicas.

Ou seja. se o trabalho humano que transforma a natureza e tcm em vista objetivos

coletivos humanos é de importância fundamental para a concepção marxista de práxis, a tecn ologia é o produto". (Bottomore, 1988))

análise explicitam, não lhes elide sua importância na construção de uma efetiva alternativ a democrática.

O sindicalismo também não é novidade. Seu inventário histórico foi realizado de forma bast ante exaustiva. A novidade está na emergência de um sindicalismo de "novo tipo" .45O "debate sobre as câmaras setoriais nos ajuda a entender os sinais desta novidade

. Francisco de Oliveira, neste debate, qualifica a naturez'à\,do novo sindicalismo , bem como afirma a positividade da dimensão político-corporativa, qualificando-a no plano histórico concreto.46

Mas não se trata mais do corporativismo intransparente e burocrático de herança fascis ta que reina no país desde Vargas, onde ninguém representa ninguém. Trata-se é de corpor ativismo assentado em entidades representativas reais e num Es'tado costurado na transparência da competição entre as partes. Que fique claro: são transparentes as regr as de luta política (pois

é disto que se trata), seus conteúdos e o poder de barganha de cada parte. Por outra s palavras, o acordo das montadoras

inaugura as câmaras setoriais como mecanismo capaz de politizar em sentido forte a s relações entre as Classes sociais e grupos de interesse, pois publiciza a luta eco nôrnica. (Francisco deOliveira, Folha de S. Paulo, 1993)

Por fim, mas não 'com menor importância, tomam uma nova dimensão os movimentos sociais urbanos e do campo. Aqui também, vários trabalhos expõem as características, natureza e dificuldades destes movimentos: Sader (1988), Oliveira (1987 e 1988a), Jacobi (1 986,1987), Kowarick (1987), Martins (1987), Singer & Brant (1980) e Gohn (1982,1991), entre outros. Na área especificamente educacional vários trabalhos

Para uma visão da natureza, dificuldades e impasses do "novo" sindicalismo, ver Zanctti (1993).

Antonio Gramsci, em Maquiavel, política e o Estado moderno, ao analisar

o plano de correlação de força numa determinada conjuntura, mostra-nos que a luta económ ico-corporativa é uma primeira dimensão da consciência de classe

44. Ver, a este respeito, L Konder, A derrota da dialética (1988). (Gramsci, 1978b). Ver também Bobbio & 'Pasquino, 1992.182183

indicam-nos o papel destes novos atores sociais: Spósito (1984 e 1993), Manfredi ( 1986) e Campos (1989, 1992).Estas diferentes formas de organização e de ação política

de imediato sinalizàm numa direção oposta do ideário dos apologetas da sociedade do conhecimento e das teses do fim da sociedade do trabalho, que eliminam a priori as classes e

conflitos sociais. Também mOitram o caráier imobilista, e neste sentido reacionário, das perspectivas irracionalistas, ao estilo de Kurz, que oferecem como substitutivo das classes e grupos sociais enquanto sujeitos históricos coletivos que lutam pela dilatação da esfera pública e da democracia representativa, a possibilidade da união dos homens e mulheres de bem, movidos pela razão sensível para lutar contra a burocracia e aparatos militares e policiais.No plano do embate concreto há desafios que não podem ser subestimados e que, no cas

o brasileiro, tomam proporções maiores, de um lado pelo caráter opaco das ações das elites econõmicas e políticas, historicamente excludentes e violentas e, de outro, a exígua cultura política de grande parte daesquerda.

A tradição escravocrata, oligárquica, paternalista e clientelista da elite econômico-políti ca e, em grande parte, da elite intelectual do Brasil, faz com que a alternativa

da direita de países como Inglaterra e EUA, de atacar os gastos sociais públicos e propor no lugar do Weifare State, o Estado caritativo e assistencialista -com a possibilidade pior de se mesclar assistencialismo e repressão, como nos mostra Oli veira (l988b: 26) -se apresente aqui com mais virulência47 O monopólio

Adam Schaff, np trabalho que faz para o Clube de Roma (Sociedade informática, 1990, ante~omente mencionado), alerta para o fato de que se não

for adotada a estratégia de socializar o produto do trabalho social, a alternativa

é a exclusão da mayfria e a manutenção do privilégio de poucos pela violência. O caso argen tino ge ajuste neoliberal, retratado por Atílio A. Boron (1991), traz cada dia mai

s 5rareza de que este modelo que é para poucos, pressupõe a exclusão, a violência e repr essão da maioria como estratégias de manutenção da

"ordem". / :,1 184 f'

global (1) da mídia encarrega-se de maximizar o arrastão dos jovens infelizes de que nos fala Pasolini, produtos da exclusão social e apinhados nos subúrbios dos grande s centros urbanos ou utilizar o massacre de crianças da Candelária (Rio de Janeiro,

1993) para incentivar os processos de intervenção autoritária e ignorar o arrastão dos g olpes do mercado financeiro, do assalto ao patrimônio público mediante a venda de em presas estatais de forma fr,,:udulenta, e. de quadrilhas instaladas no executivo

, legislativo \'e judiciário que transformam o fundo público num condomíni'o privado. Pelo lado das forças da esquerda, a falta de um aprofundamento teórico e, conseqüenteme nte, de compreensão histórica da complexa relação entre estrutura e conjuntura, leva gran de parte dessas forças a substituir a análise dialética capaz de apreender os conflito

s e contradições e as armadilhas e possibilidades da travessia, por posturas moralis tas, escatológicas e dogmáticas. Por este terreno desenvolve-se as teses do quanto p ior melhor ou as estratégias voluntaristas e arrogantes.48

Um dos equívocos mais freqüentes e sérios pelas suas conseqüências políticas é a postura que mplos setores da esquerda têm ante o Estado e a relação sociedade e Estado. Celso Furt

ado debita esta confusão, em grande parte, ao golpe militar de 64: "Os militares t omaram espaço demais para o Estado em tarefas que nao eram dele. Por outro lado a luta contra a ditadura colocou a sociedade contra o Estado. Governo e Estado se confundiram" (Jornal do Brasil, 03.10.93: 13).Em recente ciclo de debates Hugo Zemelman, sociólogo chileno que, por força do e

xílio, após O golpe e o assassinato de Allende, foi pam o México onde trabalha até hoje, lembra que sem o inventário crítico do passado recente dos intelectuais da esquerda sobre suas estratégias políticas, os erros podem voltar a se repetir. Lembra, de ou tra parte, que muitos intelectuais latino-americanos que se alinhavam às forças de e squerda, negam-se a este inventário e preferem formar o grupo dos "neoliberais de esquerda", que rapidamente são cooptados pelos organismos que representam o capita

l internacional como consultores do "ajuste", nas diferentes áreas. (Hugo Zemelman , palestra UFF, 22.09.93) Ver, do mesmo autor, La democracia latinoamericana: un orden justo y libre, México,1994.

r Yy'<..l M• /""' r ICO ,:. /', f>:r i Esta confusão, no plano do debate e da análise, se explicitaque trafegam recursos públicos são subterfúgios e, portanto,pelo erro de fixar-se na perspectiva metafísica do dever ser eestratégias antidemocráticas. Bancos, emissoras de rádio e TVna polarização Estado ou não Estado. Isto funciona como ume empresas devem pagar os impostos que lhes cabem. Ao

~

bloqueio para que a questão, politicamente correta _ qual Estado? -seja formulada

e debatida. No plano prático, isto se traduz na defesa de políticas localistas que r eforçam formas abertas ou disfarçadas de privatismo em •campos que o mercadonão pode democraticament~ regular.

A direção teórica e política que assumimos neste trabalho, na perspectiva das análises, es pecialmente, de E. Hobsbawm e de Francisco de Oliveira, nos leva a perceber comeles que

t• \o('

j a construção de formas sociais efetivamente democráticas (e, (;f~\\

portanto, socialistas) têm como exigência que os sujeitos sociais coletivos (classes , grupos e movimentos sociais) tenham capacidade efetiva de ampliar a esfera públic

a e de ter "acesso e manejo do fundo público". Isto significa dar transparência à ação polít ica e tornar efetivamente público aquilo que historicamente foi manejado pelo estreito interesse privado do capital.

A primeira idéia fundamental a fixar em decorrência dessa perspectiva é a de que o "me rcado", mesmo onde existe uma '('< materialidade de instituições que lhe dão densidade concreta,

\ ç" ' , .

\ é inca~az de, democ~atic_amente atender direitos ~om~ os da) educaçao, saude , habltaçao e emprego. DIreItos nao sao

,('

cantilizáveis. "Em cada uma destas áreas não há nenhuma '1'1 possibilidade que o mercado possa prover, nem sequer o mínimo requisito de acesso aos bens imprescindíveis em q uestão" (Anderson, 1995: 199). O desmonte do Estado nestas áreas significa desmonte

de direitos.Os"eteitoS-d~~do Estado no campo da saúde e educação básica nos oferecem um quadro perverso. Trata-se de uma violência, incomensuravelmente maior que a dos arr astões. Há, pois, que se ampliar

o papel do Estado nestas áreas.

As políticas em curso de delegar a empresas privadas, bancos etc., a tarefa de sal var a escola básica e as propostas de escolas cooperativas a cargo dos bairros, ce ntros habitacionais ou de empresas (fundações) prestadoras de serviços educacionais 186

Estado, cabe gerir democraticamente os recursos. O volume fantástico de recursos púb licos repassados a empresas como a TV Globo, acrescidos das isenções, em nome de pro gramas educativos que são passados em horários pouco comerciáveis, são uma prática p'erver sa de dilapidar o fundo público sem avaliação e controle "pela sociedade organizada.,

. Mas aumentar pura e simplesmente o tamanhodo Estado na educaçãoe saúdésignificapºucose não se alteraremos processos de gestãódo'fundo público. Neste particular a idéia central é a que expomos no Capítulo III, formulada por Francisco de Oliveira e P. Singer, entr

e outros, de que o Estado (sociedade política) deve ser permeado pela ação da soçjedade civil organizada. Os proêessos de gestão necessitam ser democráticos;'êõmoTi,aíca Francisco de Oliveira, no método, no Ǻl!!~]lcl() _e na form,a.As teses básicas, em termos de educação, postas no processo constituinte e no processo de formulação da LDB, sobre gestão democrática, afirmam esta direção. As idéias que orientam as mudanças dos critérios de composição e de função dos Conselhos (nacional, estadual e muni cipal) de Educação são as que tiveram maior resistência do aparato burocrático e das forças reacionárias e privatistas.

Uma segunda estratégia, que tem sido utilizada para esmaecer ocaráter público da educação, deriva dos processos de descentralização e municipalização do ensino. Na-f()rma" que . se'tem-'proéessaaoã"dêIegação~ae'responsabllidade aos Estados e municípios e, por vezes, art iculada à iniciativa privada, como é o caso da expansão do ensino técnico agrícola e indus trial, a

descentralização e municipalização constituem-se em formas autoritáriaseantídéínoêfá stã6=~duéaçiQcial. Não se tratâ'i>.<iiiT'de'defendúó centralismo burocrático e tllmpouco'd.;s ~i;: na oposíÇão1ajsaen'tre ofederal, estââuaT e municipal. A questão é de oúiranatureza.Trat e de artIcular estas esferas

dentro de um projeto unitário e orgânico de educação.49

Um terceiro aspecto, mais dissimulado de privatização e de estreitamento do caráter públ ico da educação, localiza-se no cerco empreendido pelos homens de negócio -através de se us'orgamsmosdeclasse e setores do aparelho burocrático do MEC e do Ministério do qab alho -::: s()"reo ell!ii,nQ.té.cnico_. e a formação profissional. Este cerco se prolon

ga por dentro destas instituições por uma tradição autocrática de gestão que se arrasta desd e a era Vargas até hoje.

Tradicionalmente o sistema de ensino técnico industrial e agrícola tem se pautàdôpeloS-C rítériôsdelr-mií~d9;:aQ mercado e, não raro, estas escolas e centros que são maisb~mãota:dos e recursos públicos neste nível de ensinO, transformam seus espaços numa continuidadedas empresas privadas'-'qtiê; dediferentes formas,delas se benefiCiam...---------

No processo de definição da LDB, o lobby do ensino técnico propõe uma radicalização do dualismo, mediante a formação de ,um subsistema de ensino "tecnologico" que'vai da escola básica à pós-graduação. A base da argumentação

passa pelo ideário da teoria do capital humano, atualizada pelas "teses" da sociedade do conhecimento e da "qualidade total".

A direção da luta democrática não estLerndesmantelar o, ensino técnico, mas em transformá-lo na perspectiya_ da educação tecnológica ou politécnica, (de-novo.tipo), e dentro do sis tema unitário de ensino. Não há razões de ôrdem-eco' nômica e menos ainda políticas e éticas a manter-se o dualismo atual ou, o que é pior, ampliá-lo.

49. Esta articulação implica a luta contra todas as formas de propostas educativas i norgânicas fundadas na megalomania, no imediatismo eleitoreiro, no experimentalism o e voluntarismo que. por não tomarem a escola e os processos educativos como expr essões orgânicas da sociedade, criam~nos idealista e ima~ ginariamente e lhes atribu em papéis salvacionistas. A tarefa a implementar não passa pela pirotecnia, mas pelo caminho do bom senso, da construtividade e da

intervenção orgânica. 188

Finalmente, dentro do embate de ampliação da esfera pública e o controle democrático na gestão da formação humana, há uma longa travessia no âmbito do ensino técnico profissional. Trata-se de um campo muito articulado a interesses imediatos da classe trabalhadora e em torno do qual mantêm'se grandes

. expectativas, muitas vezes falsas. No campo da formação profissional, como assinal amos anteriormente, as forç'a~ preocupadas com a efetiva emancipação humana dos trabal had<5,es, comprometidas com as mudanças estruturais da sociedade 'brasileira, por

entenderem a .natureza e características da produção e das relações sociais e políticas dest e final de século, devem defender como a mais adequada para a qualificação humana, e,

em conseqüência, para a formação profissional, a universalização da escola unitária que envol e

o ensino básico e médio (atual segundo grau) como um direito de toda criança e todo jo vem e um dever do Estado.Esta é uma luta na qual está implicada a própria viabilidade' de uma efetiva democraci a. Uma tarefa política urgente é para que os recursos do fundo público que são desviados , em forma de múltiplos incentivos a empresas lucrativas ou diretamente sob a form

a de concessões e convênios (bancos, emissoras de televisão, empresas mercantilizadora s de serviços como Cesgranrio ou uma multiplicidade de ONOs etc.), sejam concentrado s para o financiameIllo da escola básica' unitária.

Concomitante a esta luta, há uma gama de demandas reais e de instituições que se ocupa m da formação técnicoprofissional e necessitam ser submetidas ao mais amplo controle de mocrático. De forma geral, historicamente, o controle da natureza desta formação tem f

icado nas mãos unilateralmente do capital, através de instituições próprias ou instituições q e

o representam. É da legislação de cunho fascista da era Vargas que se montou no Brasil

um sistema unilateralmente privado de formação profissional. Trata"se de uma situação úni ca na América Latina.

A luta imediata da sociedade organizada, dos partidos e dos sindicatos progressi stas e dos movimentos sociais é para uma transparência sobre o volume de recursos in

vesticl0S' incluídas todas as fóntes em instituições como SENAI, SENAC, etcj..uta que im plica apaJikipa:ç1ió~doEstail03'C~uiifEsra:dó efetivamentedemocrático) e dos trabalhador

es, alémaos-em, presários na gestão dos recursos e na condução polÍtica: filosófica e pedagóg da formaçãoptofi,;sionãl:"bm:::CsíOtese, __tiJempo _ de democratizar estasinstituições,-'Mu itos profissionais que nelas atuam encampam esta "erspecti va.

Outro espaço onde a formação profissional se efetiva é no interior das próprias empresas. Aqui também há incentivos que devem ser democraticamente controlados. Por isso, é deve

r do Estado e pauta de luta democrática dos trabalhadores exercer um controle também neste espaço. As empresas podem, espertamente, contabilizar, como gastos em formação p rofissional, inúmeras atividades que efetivamente não o são.Os trabalhadores, através de suas organizações políticas

e sindicais, também devem lutar pela orientação político-técnica da formação. O controle da natureza da formação profissional dada no chão da empresa, a exemplo do que ocorre hoje na Itália, deve ser pauta de negociação.50 A sociedade e os

trabalhadores, através de suas organizações políticas esiildiCáis, devem ter informações claras, por exemplo, sobre o,tip_o"de formação que se efetiva em instituiçQeseducaiivaSda:Eundação Bradesco, Banco do BrasiC 'ou em programas-educativos-daRede Globo. Quem define a filosofia destes programas? Qual

o custo? De onde são tirados estes recursos? Quem presta conta a quem? Quem é atendido e quantos?

50. O último contrato coJetivo orientado pela Central Italiana CGL! (j 993) inclui

na pauta de negociação a participação efetiva dos trabalhadores na definição do tipo de for mação específica que se faz no chão da fábrica. Trata-se de disputar

o "espaço" que sempre foi domínio do capital e dar-lhes maior transparência. Como subl inhava G. Giovaninni, um dos dirigentes da CGLI, num colóquio de que participei em Bologna (1991), o esforço situa-se no sentido de transformar a competência técnico-pr ofissional, em elemento de negociação política. Não se trata de obscurecer o conflito, c omo busca a estratégia de gestão japonesa.

Trata-se de trabalhar transparentemente o conflito. 190

No plano das lutas dos sindicatos, organizações e partidos progressistas deve estar

em pauta, também, a reivindicação da criação de centros públicos de formação profissional, al buscar-se descobrir espaços ociosos que podem ser potencializados para esta finali

dade. A tradição política conservadora 'brasileira tem um vínculo ainda não suficientement e esclarecido com as grandes empreiteiras da construção civil.51 Há inúmeros "elefantes brancos" cújll preocupação acaba com a inauguração. Um exemplo claro chega ao conhecimento da sociedade bra-sileira após o massacre dê quase uma dezena de menores num único ato b rutal no Rio de Janeiro -massacre conhecido como chacina da Candelária. Construiu-se, em Quintino (RJ), um moderno centro de formação concluído há cinco anos que pode ate nder até 5 mil jovens e nunca foi utilizado. De quem é a responsabilidade? Não há crime nesta displicência?

Em suma, a educação e mais amplamente a formação humana enquanto práticas constituídas pelas e constituintes das relações sociais não avançam de forma arbitrária, mas de forma necessár ia e orgânica com o conjunto das práticas sociais fundamentais. Neste sentido, a lut

a pela ampliação da esfera pública no campo educacional pressupõe a ampliação do público em t das as esferas da sociedade, principalmente no plano das

relações econômicas e políticas. As velhas questões das mudanças estruturais como as da refo rma agrária, redistribuição de renda, etc., necessitam ser alçadas ao debate político tran sparente. Neste sentido, como indica Singer ao referir-se ao embate sobre a reforma constitucional, não basta fixar-se na resistência:

Numa situação de crise como a nossa, não dá para se opor a propostas de mudança sem propor outras mudanças. As forças

51. O conhecido esquema Paulo Cés'ar Farias (caso PC), no início dos anos 90, e, em seguida, o escândalo da Comissão de Orçamento do Congresso Nacional, revelado pelo ex-assessor José Carlos Alves dos Santos, começam a explicitar

o tamanho do pântano e a natureza do lodo na relação empreiteiras e políticos (ministros , senadores, governadores, prefeitos).

que representam os interesses da maioria pobre têm de elaborar um projeto consiste nte da saída da crise e derivar dele as mudanças constitucionais necessárias.' ( ... ) Cabe agora reinventar um Estado mais permeável à sociedade civil, que se ~oordene c om as grandes classes sociais para dar cabo da inflação e inaugurar nova etapa de de senvolvimento com distribuição derenda. (Singer, Jornal do Brasil, 12.03.93: II)

Quanto mais as forças progressistas comprometiclascom a democratização da sociedade vi slumbram a-possibilidade de assumir a direção do Estado brasileirg,. tanto mais urge

nte se coloca a. taref<l<le adquirire exerc!tªr ~-competêndâ(política e técnica) de tra~sc ender a pedagogi;-daresisfêii':;-'ªe passar a alternativas demarcadas pela transparênc

ia. ed~ortanto~p~19. exercício efetivo da democi-acia:Isto•signífica dizer• que a direção da s propostas e _pníticas~(ti.íé:ativas devem germinar no interior dos movimentos e orga nizaçõesdacÍassé-irnbii1Iiiidorue de suas lütascollcretas:Xs últTmas•qi:Íatrodéêãilas-ae-!ut , como assinalamos anteriormente, em todos os âmbitos da sociedade e, em particula

r, na educação, permitiram experimentar concretamente a prática de alternativas. Avançar criticamente no que se fez e vem fazendo nas prefeituras de Porto Alegre, São Pau

lo, na gestão Erundina, Vitória, Rio Branco, Aracaju e o que vem sendo especialmente realizado na prefeitura de Belo Horizonte com o que denominaram de

escola "plural", entre outras experiências positivas no campo educativo gerido por forças democráticas, é a tarefa que se impõe como horizonte permanente.

Nesta perspectiva, nem a história acabou e, menos ainda, a luta para a construção da u topia socialista. Nesta luta a efetiva democratização da escolapu5licá unitaria, de to

dos os processos de formação técnico'ptoflssidllal-" -dd•s-meios -de• comunicação social• não aísser~posf"rgada:Trata~sede uma. condiçii9 ... necess>iriaparllCI4e .ªciQªcI~nia COnC!f tamente possa desenvolver-se-e constituir-se para a gráiídemaioria da população brasilei

ra. Para qu.f._o direito à educação e outros direitos como o da saúdíÇmoradiã,-ifansporte eem regose"jaffi192

garantidos, o tamanho do Estado tem que, pelo menos, doi:Jrar. Não se trata, todav ia, de umEstadoaut()cr.ático;privatista e centralizador, mas de um Estado.essencia

lmente_d.emociáBco. Isto pres_slIpõeforças democ~áticas organizadas e com capacidade• efet iva de gerir e controlar estefundoamplja<l0: .~

A crise do capitalismo real deste fim de século, globalizado e tnihsnacionalizado, uma vez mais e de forma mais perversa, ainda que mais diSsimulada, busca resolver sua crise pela exclusão e pela violência. A qúestão das guerras espalhadas pelo mundo, o problemà ecológico, a concentração da riqueza e do capital, do conhecimento e do desemprego estrutural são provas inequívocas de que a saída não está no capitalismo.

Por mais qQe as .uotapias pareçam estar riscadas do horiz21lt!'. da história, de um lado peJo• neolloerã.llsmo e,de---oUtrO, pelo pós-modernismo, a construção defl1Qcrªtii::~a dosoc.iiII~ii1o ~tá em pauta como o modo depf()diç~()_es!flltu!illm~nle_çapaz.depôr fim ao que Marx denominou de pré-história da humanidade,

as sociedades regidas pela cisão das Classes sociais• quéCil1dem •0 humano. '

'""",

CONCLUSÃO

o pressuposto implícito que orientou a análise deste texto no plano teórico é de que o d esafio para se qualificar a natureza e especificidade histórica da crise do capita lismo e das experiências do socialismo (real) implica a capacidade de se distinguir e, ao mesmo tempo, trabalhar unitariamente as determinações estruturais e o movime

nto conjuntural, bem como as mediações necessárias e orgânicas, e .as mediações secundárias, problema está, pois, na capacidade do pensamento, pela pesquisa e análise, de abstra

ir o movimento da realidade histórico-social, apreend"ndo as forças e determinações que o produz,

A reiteração de aspectos teóricos que julgamos fundamentais do trabalho tem uma intenci onalidade para além da formalidade do trabalho acadêmico. Faz sentido na medida em q

ue nela estão implicadas questões de ordem política e ética. Assim como a teoria quando consegue expor, no plano do conhecimento, a "raiz" das determinações dos fatos históri cos, se constitui em força material e elemento crucial de consciência crítica e de tra nsformação, as visões apologéticas, irracionalistas e reducionistas da realidade produze

m alienação e reificação do status quo. É, então, na relação entre a atividade teórica e polí ica que se explicita e qualifica a natureza da práxis humana.

Partindo deste horizonte teórico e político o esforço que

empreendemos nesta análise centra-se, sobretudo, na relação entre trabalho e educação num contexto de crise. profllIld<i do capitalismo, no contexto dos anos 70/90. Tal escolha resulta do fato de que especialmente nª.s.últiil1as~âecadas; como mostramos no Capítulo I, a reflexão no campo educacional

brasileiro deteve-se, sob difere~tes concepçoes, no debate desta relação. Inicialmente na crítica ao economicismo, explicitado na educ~ção pela teoria do capital humano, que estabelece um reducionismo da concepção de trabalho, homem e sociedade

e que balizou as políticas educacionais tecnicistas do rel5ime militar. Desta crítica emerge a compreensão de que' o"tnibaÍho enquanto atividade vital, valor de uso, forma do homem pro duzir-se historicamente, transcende a determinação da forma. alienada de trabalho sob o capitalismo e é a vida da espécie.

É vida criando vida. E é como condição de criação do humano ',. ---._--'"~---------,-----,---'------------ nas SUilS dimensões.do mundo danecessidadee~~,Ii~erdª-<l.e_, que o trabalho é princípio educativo. Mesmo sob a forma capitalista, neste sentido, o trabalho não é Pllra riel 5atlvidade.

É neste movimento que, em face da crise do capitalismo, esta concepção de trabalho e sua relação com os processos educativos se defronta, de um lado, com um rejuvenescimento da teoria do capital hum~no, l11eâiiiriteas'perspediv'ls'da sociedade do conhecimento, e pedagogia da qualidade total,

veiculadas pelos homens denegócio'e'instituiç6es•irailsnàcióiíâis que os representam e, d~ outro, pelasperspectiviís• dáàiSé'da

sociedade do trabalho.

Um primeiro ponto a r,\alçar como síntese, por conter sinalizações teóricas e políticas impo rtantes para aqueles que ética e politicamente estão comprometidos com uma alternati

va ao neoliberalismo e à. forma capitalista de produção da vida humana, é que as duas pe rspectivas anteriores, mesmo partindo de tradições teóricas e ideológicas diversas e con flitantes, ao eliminarem os sujeitos sociais coletivos, grupos e classes sociais fundamentais, acabam por definir ou reforçar a idéia da exis196

tência de uma única possibilidade de produção da vida humana: as relações sociais capitalistas.

A tese do fim da história resulta de uma concepção que naturaliza as relações capitalistas onde, portanto, as crises do 'capitalismo são apenas disfunções momentâneas e conjuntur ais. O colapso do socialismo real é tomado como prova definitiva de que a humanida det;,ncerrou seu devenir no modo de produção

. social capitalista. A teS~ da sociedade pós-industrial e pós-modema, expressões de um nevo paradigma científico e tecnológico, -sociedade dp conhecimento -representaria

a superação das desigualdades pelas formas de regulação social do mercado capitalista. É n este sentido que a "nova" sociedade do conhecimento -por ser este um bem disponível

, supostamente atingível por todos tem a capacidade de eliminar as diferenças e desi gualdades. O proletariado se transforma em cognitariado . Os conflitos, as relações

de poder e de força ficam zerados malgrado a exacerbação da concentração e centralização de c pital e conhecimento e dos mecanismos de exclusão.Pela perspectiva da crise da "sociedade do trabalho" ou do "fim do trabalho", em

bora os autores pertençam a uma tradição crítica ao capitalismo, os conflitos e antagoni smos de classe também são eliminados sem que a relação capitalistaFesteja superada. ~ Pela perspectiva de Schaff esta superação se efetiva pelas virtud

es da revolução tecnológica. A nova base científico-técnica permitiria à humanidade prescind ir do trabalho relativo ao mundo da necessidade e liberada para a busca do senti

do da vida transitando do homo studiosus para o homo universalis e para um novo estilo de vida mediante a superação do homo laborans pelo homo ludens. Independentemente da relevância das reflexões mais amplas de Schaff, neste particula

r transforma a revolução tecnológica na revolução tout court. Estabelece uma separação arbitr a entre mundo da necessidade e mundo da liberdade e, como conseqüência, define as ne cessidades humanas, que são históricas, como quantidades finitas.197

Na perspectiva de Offe, não desconhecendo suas contribuições significativas, inclusive para entender a natureza da crise do Estado de Bem-Estar, ao deslocar sua análise

do plano da materialidade das relações sociais de produção, no pressuposto da crise da s ociedade do trabalho, para a concepção de interação social, relação intercomunicativa e mund o da linguagem do projeto teórico de Habermas, também elimina os sujeitos sociais clás sicos fundantes da relaçãtcapitalista e com eles a perspectiva do conflito, das relaçõesde poder e de força.A perspectiva que aponta é de cunho individualista, demarcada pela categoria modo de vida, onde a preocupação pelo trabalho é marginal e substituída por temas como a família ,o sel':O e o meio ambiente.A ênfase da tese da perda da centralidade do trabalho como categoria de compreensão

da vida social explica-se, ao nosso ver, em conseqüência da inflexão teórica que Offe op era em direção à perspectiva estruturalista como nos aponta

P. Anderson, e como resultado do abandono da perspecti va ontológica do trabalho. Esta inflexão firma-se, então, na apreensão do trabalho como um fator entre outros. Por esta via, as análises empíricas de Offe sobre o trabalho sustentam-se sobre uma perspectiva estática de divisão social do trabalho que, como analisa Francisco de Ol iveira, acaba naturalizando distinções entre mercadorias e serviços, trabalho produtiv

o e improdutivo. Nesta rota perde-se, também, a compreensão da divisão internacional do trabalho e o peso recai sobre uma ótica eurocêntrica. '

Mas mesmo na perspectiva eurocêntrica e tomando o trabalho na sua forma "mercadori

a" ou serviço, as conclusões a que Offe chegou ao final da década de 70, mediante as q uais argumenta que o trabalho já não faz parte das preocupações vitais do trabalhador, p arecem não encontrar hoje sustentação empírica.

Face ao desemprego de 22,25% do PEA na Espanha e índices crescentes em toda a Euro pa, a tese do Partido Socialista Espanhol -repartir o trabalho, que se converteu num bem

198

especialmente escasso -vem sendo adotada como diretriz política da maior parte dos governos. O governo alemão está propondo, à semelhança da Espanha, um plano de redução dos dias de trabalho e da jornada de trabalho com uma proporcional redução dos salários qu

e seria compensada, em parte, por uma àjuda do Estado. (Jornal do Brasil, 06.11.93 : 14)

Dos autores com os quais debatemos a crise da sociedade do trabalho, Kurz é, s~"l dúvida, o' que positivamente explicita mais claramente a natur~a estrutural da cri se do capitalismo e, negativamente, o viés mecanicista e lógico-estruturalista de

análise da mesma. A dedução lógica ocupa o lugar da análise histórica em diversas das "suas conclusões. Os sujeitos sociais, grupos e classes são substituídos pela razão sensível. Co mo resultado de uma postura irracionalista e pessimista, a alternativa futura para a humanidade é apocalíptica.

O horizonte da travessia, eliminados os sujeitos históricos ou secundarizados, fic a adscrito ao que Williams e Hobsbawm sinalizam como de utopias religiosas e esc

atológicas -alternativas "comunitárias, mas contraditoriamente de cunho individualista " .

A educação, de prática social constituída e constituir'te da sociedade e, poitarito,-aÜvld ade liinuaiúi inscrita' na luta hegemônica, fica circunscrira ao papel ele mudanças dê v alores para a societaslaudens em Schaff;. instrumento delIitefação social na relação int ercomunicativa ou processo de requalificação e adaptabilidade face à mudança da natureza do trabalho sob uma nova base tecnológica e pelo deslocamento do âmbito primário e se cundário para o campo dos serviços, em Offe; instrumento para desenvolver a "razão sen sível", em Kurz.

O que queremos demarcar é que a ordem de questões í

levantadas pelas análises sobre crise do capitalismo e do socialismo real e sobre fim da sociedade do trabalho, tanto no plano das alternativas da crise do capita

lismo neste final de século, quanto nas questões específicas da educação, mesmo sendo dive rsas, se relaciona com e refQrça a tese do Hfirru::la199.._-'

históLia" e o surgimento da sociedade pós-industrial -a sociedade do conhecimento.•

Mas a história, talvez à semelhança dos deuses, prega suas peças. Na lenda sobre quem ga nharia o amor de Helena, a mulher mais bela do mundo, a história não acabou em Menel au, o eleito como resultado da esperteza de seu pai Tíndaro. Os deuses se encarreg

aram, movidos por disputas, ódios e vinganças, de devoher a Páris, menino abandonado p or Príamo e Hércula, reis da poderosa e rica Tróia, sua verdadeira origem. E, pelos ca minhos que só os deuses descobrem, Páris arrebata o amor de Helena.

Aqui, o enredo é de outra natureza. Os deuses descansam e divertem-se! Os sujeitos são os homens e a tarefa da história ... é estabelecer a verdade deste mundo. Nesta tarefa, as contribuições analíticas de E. Hobsbawm,

P. Anderson, Francisco de Oliveira e Carlos Nelson Coutinho, entre outras, em di

reção antagônica aos profetas do fim da história e do ideário dos homens de negócio e numa v isão também diversa dos adeptos da crise da sociedade do trabalho e da eliminação das cl asses sociais, nos permitem perceber a crise, as classes sociais, o Estado, a ed

ucação, em suma, o conjunto das relações•e práticas sociais no plano das contradições e da lu hegemônica.

A crise dos anos 70/90 não é nova e nem fortuita, porque é de caráter estrutural, ou sej a, inerente, orgânica' à forma capitalista de relações sociais. Mas a crise é profundament e nova em sua materialidade atual. A tese de Francisco de Oliveira, do surgiment

o do antivalor como resultado da sociabilidade capitalista, sintetiza a novidade desta materialidade, agora em crise. O capitalismo na sua sociabilidade vai tece ndo

o seu outro. E o outro lhe é imposição necessária e inferno. Contradição em processo. O Estado de Bem-Estar, agora em crise, explicita esta contradição enquanto forma de

viabilização de um prolongado padrão de acumulação capitalista e de regulação social, mas tam como afirmação e conquista de direitos sociais, garantias200

ao trabalhador. Ao trazer ao plano da esfera pública, em grande parte, os processos de reprodução da força de trabalho e da negociação e afirmação de direitos sociais, .o-Estado_.de..J3em Estar instaura um processo dede§mercantilização..daJo.rÇ.{Lde traballw. Sua reprodúção fica menos unilateralmente determÍ nada pelos critérios imediatos do capital.

As classes e. os grupos sociais também padecem desta contradição, todavia'\Rão desaparecem, pois seu fundamento

material e histórico perr'l\anece estruturalmente, ainda que diverso no plano histórico empírico. A crise do Estado-Nação, enquanto forma de_regulação econômico-siJ.ciãl~re.suJtanteda.traITsnacio'• nalização da economia que internacÍona.IizªoC'-lpJ.t'-lLeadasse

dominante também coloca a qUt,>.'líão da classe trabalhadoíino . plano transnacional. A crise expressa um "empate" de alternativas em disputa. Mais do que nunca os su jeitos sociais fundamentais têm um papel crucial. As alternativas estão em curso. O retrocesso neoliberal ou neoconservador, que se sustenta pela exacerbação da exclusão

e da violência, está clara e avassaladoramente em marcha. Seus limites e contradições, m esmo no plano da burguesia internacional, todavia, se apresentam cada vez mais c ontundentes.

A alternativa de uma sociedade socialista democrática, cujo embate nas condições objet ivas presentes tem na radicalização da ampliação da esfera pública um elemento crucial, na conjuntura da crise e do colapso do socialismo real, enfrenta desafios de várias ordens. A falta de utopia da esquerda neste contexto sinaliza a precariedade de s

ua cultura política. Esta precariedade se expressa na incapacidade de inventário his tórico-crítico. Por aí surgem as saídas fatalistas, messiânicas e voluntaristas ou vincadas por atitudes de individualismo narcísico, apologia da diferença e do provisório pós-mode rnista. Aumentam, também, os intelectuais que, na década de 60, estavam engajados nu

ma luta revolucionária e hoje se transformaram em governantes, ministros e assessor es friamente técnicos e subservientes aos desígnios do capital financeiro internacio nal.

20!..._--' Este encaminhamento de compreensão da crise que nãozera a história nem os sujeitos sociais, por deixar no planoda disputa hegemónica o horizonte do socialismo, tem implicações pontuais para as alternativas no campo dos processoseducativos que discutimos, especialmente em relação ao Brasil,no último capítulo. Fixemo-nos em alguns.O conteúdo das demaildas dos homens de negócio nocampo educativo, estrutural e ideologicamente, não mudou denatureza, mas o conteúdo da demanda mudou profundamentee com ele as contradições assumemnova qualidade. O reju ~venescimento da teoria do capital humano é expressão desta ,mudança de conteúdo histórico. No plano teórico-ideológico a

ótica economicista e sociologista daquela teoria é alargada pela tese da sociedade do conhecimento. .y J

As categorias de qualidade tor;i, formação abstrata, for mação polivalente derivadas daquela'tese e elaboradas por sociólogos, economistas, psicólogos, engenheiros, pedagogos e filósofos sinalizan1/demandas de um "novo trabalhador" com uma nova qualificação, com capacidade de elevada abstração,flexível e participativo. Esta demanda explicita, por sua vez, ~

a natureza da tendência do processo de produção sob a nova base tecnológica e no plano da competitividade dentro da reorganização económica e do novo padrão de valorização. / O que muda qualitativamente, como tendência para aqueles i

'\

que o processo produtivo necessita, é a passagem de um trabalhador adestrado para um trabalhador com capacidade de abstração mais elevada e polivalente. Mas muda sob

a lógica da exclusão. O limite, o horizonte definidor é o processo produtivo demarcado pela naturalização da exclusão. No planoI

ideológico, a sutileza dá íese--óá-so(;iedaaeao cóilhecimento , " {

esconde, ao mesmo tempo, a desigualdade entre grupos e classes sociais, o monopóli o crescente do conhecimento e,,

portanto, a profunda apropriação desigual do mesmo. '-.//

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Mas esta mudança expressa também um nível mais elevado de contradição e, portanto, de. pos sibilidade de dilatar os202

"'. \/ ~}

interesses de uma alternativa que se articule aos interesses da classe trabalhad ora.

As propostas neoliberais como alternativa no campo educativo expõe os limites do ho rizonte da burguesia e, em casos como o brasileiro, sobredeterminados por uma bu rguesia atra'sada, elitista e despótica. Isto, como vimos, se materializa de forma exemplar n~ embate em torno da educação no processo constituinte (1988) \,' mais esp ecificamente, no processo em curso há mais de 5 ànos da LDB (1989-1995). O discurso da modernidade, na prática, esconde o profundo atraso histórico. O que vem ocorrendo

por inúmeros disfarces, convênios, cooperativa etc., é a privatização crescente e o desmon te da escola pública. A alternativa da educação numa perspectiva socialista democrática não pode inventar uma realidade supra-histórica. Ela se gesta no embate contra-hegemónico de dentro desta materialidade. No plano teórico, político, filosófico e ético, a perspectiva é de não reduzi r os processos educativos a uma concepção unidimensional, mas alargá-los na perspectiv

a omnilateral e/ou politécnica que expressa as múltiplas necessidades do humano. Processos educativos de novo tipo implicam necessariamente o desenvolvimenro de r elações sociais de novo tipo e um industrialismo de novo tipo. O "desempate" não compo rta alternativas anacrónicas, pois estas já têm nome -neoliberalismo ou neoconservadori smo.

Os novos movimentos sociais, partidos e sindicalismo de novo tipo e as políticas e ducacionais que se desenvolvem em várias capitais e inúmeros municípios por estas forças políticas, mesmo com imensos limites e problemas, sinalizam que a alternativa está

em curso no plano político-ideológico, ético e teórico-prático. O processo constituinte e de definição da LDB, neste sentido, são pródigos em indicações sobre as possibilidades e os limites a superar. A própria derrota eminente das organizações democráticas na aprovação da ova LDB, que em seus relatórios originais do projeto da Câmara incorporava

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enormes avanços em relação a anteriores, mas que pela junção e alquimia autocrática das prop ostas do Ministério da Educação do governo Fernando Henrique Cardoso e da proposta per sonalista do senador Darcy Ribeiro, reedita-se o velho, o dualista e fragmentário,não será o fim de tudo, mas apenas mais um entrave.

O ponto crucial para prilduzir a alternativa ao neoliberalismo no desenlace da cr ise em todos os âmbitos reside, como:." "

vimos, na capacidade de monej(JecQ11.tm1e.do..j.ulJ.d2_PI1blico " e naampliação-da.e sfefa __pl1bliç,a..O. camp.<J educacional, como odasaúde, por serem direitos não ll1e~ cantijfzávers,--demandam

máximo, socialmente possível, dQ.E,5I<í:âo.....d~n1ocratlcó~ A tradição de um Estado lientelista, paternalista e auto• ritário, no caso brasileiro, obnubila, no presente

, amplos setores progressistas e dificulta a superação de uma visão moralista e reduci onista de Estado. Isto se manifesta nas perspectivas maniqueísta do contra ou a fa vor do Estado. O problema é

de outra ordem. A possibilidade de avanço alternativo ao neoliberalismo na educação im plica trazer o embate, a disputa,

conflito, no plano da esfera pública. Implica mais sujeitos coletivos com densidade analítica e organizativo-política para dar densidade ao embate.Um exemplo, entre outros, de visão equivocada no campo educacional é a perspectiva d

e acabar com a formação profissional específica e os organismos que a coordenam, por se rem de exéIusivo controle dos empresários. O problema não é acabar, pois isto agrava um campo problemático e de interesse dos trabalhadores.

A luta primeira efundam.ental é garantir a escola básica unitária e pública (primeiro e segyruIogiílilsr--de.ntLo:::,ae uma perspeCtívapolíticó-pedagógiciUlue.Porli1 da diversida de cultural e s()ciál .. daS•crüiiíçaseJoveils.=a:ii?º'Qs..<:Q:i1lo a mais adequada formaçã() co-pr'Ofrssional. Isto, todavia, llão elimina a necessidade deformaçãotêcriicó-=!irºfi~sio~a l mais específica. Um primeiro passo;íioplãiíõ-das condições (jadaS, é fazer valer (o que per os na constituinte e LDB) a gestão tripartite -Estado, centrais de trabalhadores e empresaU9s . Este parece-nos ser o caminho que permite trazer a disputa pe)o-cont roleda.qualidade da.formação e dos recursos investidos a.ufI!pjano mais democrático. E

ste --eíllbate"p6âeserlevado t

. até o chi'io"da--'iábric'a,-úma vez que somas gigantescas de recursos deixam de ser recolhidas ao fundo público como incentivo à educação e formação profissional. Os sindicatos , neste particular, ma\ não só eles, têm uma luta pontual.\.O mesmo ocorre' 'Com a questão da educação técnica de nível médio, mantida como um enclave n um conluio entre feudos no interior do Estado, no nível do poder central e da direção

das escolas e dos empresários. Aqui também não se trata de destruir a educação técnica, mesm o nos limites em que é desenvolvida. Trata-se, com mais razão, de mudar sua\

perspectivadl!g"stão~ de concepção-políticopedagógica.Várias• escolas' técnicas experimentam dénsõ deb'ate" e 'embate interno com enormes avanços na direção de sua democratização. A pers ectiva da escola unitárial'ressupõe uma educação tecnolÓgica como expressão mais avançada e o gânica-a um

industrialismodenovolipó.' -..'.'....-.-.

A luta pela construção de uma alternativa socialista democrática não pode fixar-se na esp era de condições ideais futuras. A história já nos _ensinou algo. É embate que se trava "na jaula onde os tigres cuidam de suas crias". No presente,

t a luta por dilatar a esfera pública, em todos os campos sociais, é uma luta concreta na dilatação das possibilidades, não suficientes mas necessárias, de um salto qu alitativo. O socialismo, como nos lembra Hobsbawm, ainda continua no programa. Nãose trata de um utopismo, mas de uma radical necessidade para que o humano encon

tre o espaço efetivo de seu desenvolvimento pela eliminação de todas as formas de exclu são.

",;/;

Neste,processode--embate,.a afirmação da escola unitária, pública e democrática, tem um pa pel crucial. Nesta luta conta menos o fetiche da genialidade de profetas que inv

entam a realidade para si mesmos ou os projetos e programas que apenas represent am bengalas clientelistas. O que conta é o

,

avanço orgânico de projetos que sejam expressões efetivas de uma necessidade histórica d a sociedade. Apenas estes, parecenos, têm a marca de uma efetiva alternativa históric a. As experiências que mencionamos ao final do Capítulo IV, sem~

dúvida, inscrevem-se nesta alternativa. Há necessidade de aprofundá-las criticamente, d ilatá-las e torná-las hegemónicas, o que implica a luta concomjtante, como condição necessár ia, para construir relações sociais de novo tipo -uma efetiva sociedade socialista.Não há por que abandonar valores e princípios fundamentais e nem transigir teoricamente

.. Afirmar a liberdade, autonomia e a qIHllidll<i~, sem ys pri.iic]Ql0s_da:-igua Wade,

'democracia e solidariedad~:-é firrlliu--se, como-üfazem os neõliber~is,.ri}lre~l:1tal iberdade, a~ionomia-ê'qu~lid~d~-~~üí

laclas pelo mercado o;;-peIaleidü-maisforte. Teoricamenie,' o'argumellfó'ôe'FrecÍeric Jameson (1994) de que o marxismo é a única teoria capaz de pensar adequadamente o capitalismo

numa perspectiva dialética, ainda que os marxistas não estejam livres das reificações e que 'por ser o marxismo a ciência do capitalismo só pode estar superado quando esta forma de relação social for superada, parece-nos inequívoco.

Um ponto fundamental a reiterar e a ser demarcado nesta conclusão é que o processo de recomposição do capitalismo em face da crise deste final de século engendra, ao mesmo

J

tempo, um crescente grau de violência, destruição e exclusão e uma explicitação da necessidade de sua superação. Ao

contrário do que a ideologia neoliberal tenta passar,o capi!lilis!U(),_ IÚO é o fim da história ou a forma desejável 'e perene _d~..

relações' sociiiis.É apenas of(rri::cIiCpre:hisfóría.humana;ada socieda.de ele classes. ,-QESlado..de.Rem:E,s.taLS9Cial como sistema de acumulação e regulação social concentrou riq;:;eza~ miserla e excIUsãn::Mãs; no plano das lutas e contradiçÕes,' tambériifíiinoudireitos sociais para além dos políticos. Sã(n~'stes 'âifeífossociiiIs que

o neoliberalismo procura' zentr comoforma-de-restâUfaflaxa§ .. , de lucro do capital transnacional ..~oba!~i(lé~ao.Ciij)iiaf]i;-~~ 206

ceiro. A construção democrática dosocialisl1lo tem como ponto de partida a necessidade

de garantir e dilatar,nã eSfefá-pública, os direitos já alcançados peIa luta das classest raballiadoras dentrodo,Estadode Bem-Estar Social. Para além deste~patamar, como no

s lembr~-Frariciscü'de Oliveira (1988b), pulsam as novas formas sociais do futuro. Formas estas cuja viabilidade implica a ação humana organizada. Felizmente, os sere s humanos continuam construindo a história!\.'.~.--'

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audêncio Frigotto nasceu em Antônio Prado, RS, em 1947 e reside na cidade do Rio de Janeiro desde 1974. É formado

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em Filosofia (1970) e Pedagogia (1971) pela FIDENE, atual Universidade de Ijuí" (U NIJUI-RS) mestre em Educação (1977) pela Fundação Getúlio Vargas, professor titular da dis ciplina Economia Política da Educação da Universidade Federal Fluminense -UFF/RJ, mini strando, também, as disciplinas de Epistemologia da Educação e Teoria da Educação no Progra ma do Pós-Graduação (mestrado e doutorado) em Educação. Coordena, desde 1987, a linha de p

esquisa sobre o Trabalho e Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF. Autor, c -autor e organizador de vát/ rios livros e mais de 30 artigos em revistas. Destacam

-se os livros: A produtividade da Frigo•tto, Gaud;encio

escola improdutiva (São Paulo, Cortez, ~ 1993,4' ed.); (org.). Trabalho e conhecim ento: dilemas na educação do trabalhador (SãoIEducaçãO a cris do

Paulo, Cortez, 1995,3' ed.); e as coletãneas: smo real i fapitali

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2' ed.). Orientou, até 1995, mais de 50 I O 1:. I:? ~íJ 'Ii';" ~ 'v; I

1 F1!:..~-'':''~;.,.(.''''~,~_."" .. ~"" dissertações de mestrado e teses de1 t:{t~~ ~ t ;,R~':-"'-! doutorado, e participou em aproximada t_.~~,.::_:~"_::_:_:~,.~:_~:~___t

mente 150 bancas examinadoras de L dissertações de mestrado, teses de douto

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rado e concursos públicos. Esú> livro foi Impresso na US GRÁFICA E EDITORA lTOA

[Atualmente, é Vice-Presidente daAssociação

Rua Visconde de Pamalba. 2.7S3 _ 8aIB~I CEP 03045-002 -SãO) Paul... -Sf> _ FO)ne -292-5666

Nacional de Pesquisas e Pós-Graduação em com filmes fomecldo$ pelo edaor

!Educação (ANPEd) e membro do Conselho

Editorial de cinco revistas. k• \,