educação não formal e ensino artístico no estado novo entre...

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES Educação não Formal e Ensino Artístico no Estado Novo Entre Paradigmas Susana Coutinho Afonso Cabral Dissertação MESTRADO EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA 2016

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  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE BELAS-ARTES

    Educao no Formal e Ensino Artstico no

    Estado Novo Entre Paradigmas

    Susana Coutinho Afonso Cabral

    Dissertao

    MESTRADO EM EDUCAO ARTSTICA

    2016

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA

    FACULDADE DE BELAS-ARTES

    Educao no Formal e Ensino Artstico no

    Estado Novo Entre Paradigmas

    Susana Coutinho Afonso Cabral

    Dissertao orientada pelo

    Professor Doutor Joo Paulo Queiroz

    MESTRADO EM EDUCAO ARTSTICA

    2016

  • i

    Dedicatria

    Dedico este trabalho ao meu marido e ao meu pai, pelo apoio, ajuda e incentivos constantes,

    bem como a disponibilidade que sempre tiveram para me ouvir.

  • ii

    Resumo

    A presente dissertao, no mbito do Mestrado em Educao Artstica, partiu da questo de ter

    ou no existido uma coincidncia temporal na mudana de paradigmas, na educao no formal e no

    ensino artstico durante o Estado Novo.

    Aborda-se a educao no formal que se manifesta atravs de Exposies, Bailados, Cinema,

    Teatro e Propaganda do regime, entre outros e, paralelamente, as polticas do ensino ministrado nas

    escolas no perodo compreendido entre 1928 e 1974, em que se instalaram em Portugal a Ditadura

    Nacional e o Estado Novo.

    Tem como finalidade evidenciar a importncia do Ensino Artstico na Educao e comprovar

    que, para alm da sua presena nas escolas, esteve tambm presente fora delas, atravs de manifesta-

    es artsticas paralelas, reforando a inculcao das ideologias do Regime.

    Procura-se compreender a influncia que o regime do Estado Novo teve na educao, no ensino

    e na sociedade portuguesa para, atravs da propaganda, das reformas, do controlo e da represso, cons-

    truir o Homem Novo.

    Reala-se a importncia de Antnio Ferro e da sua Poltica do Esprito, como Diretor do

    Secretariado de Propaganda Nacional, bem como das iniciativas que desenvolveu para, atravs da arte,

    mostrar Portugal ao pas e ao mundo.

    Destacam-se as principais reformas do ensino, salientando-se as de Cordeiro Ramos, Carneiro

    Pacheco, Pires de Lima, Galvo Teles e Veiga Simo, dando relevo evoluo do ensino artstico, das

    suas didticas e metodologias, na escola primria, no ensino tcnico e nos liceus.

    Palavras-chave: Antnio Ferro; Desenho; Educao no Formal; Ensino Artstico; Estado Novo;

    Ministros; Modernismo; Reformas;

  • iii

    Abstract

    The following dissertation, written within the scope of the degree of Masters in Artistic Edu-

    cation studies, was originated from the issue whether a temporal coincidence existed or not while the

    change of paradigms occurred on the Portuguese school curricula and the informal artistic teaching

    during the period designated by Estado Novo New State.

    In it an approach to the theme of non-formal Education is used, which demonstrates itself

    through exhibitions, ballets, cinema, theater and the regimes propaganda among others, alongside

    with the policies of teaching, of the school s curricula during 1928 and 1974 and particularly during

    the age of the New State.

    This dissertation aims to show the importance of the artistical teaching on Portuguese Educa-

    tion and to prove that besides its presence in schools, it was also present outside national schools, visi-

    ble through parallel artistical demonstrations, boosting the Regimes main ideologies on the people.

    It is looked at the understanding of the influence that the regime of the New State exerted on

    the education, the schools curricula and on Portuguese society in order to through propaganda, re-

    forms, a strong control and repression to build the New Man.

    In it, it is enhanced the importance of Antonio Ferro and his so called Policy of the Spirit he

    performed as director of the secretariat for the national Propaganda and also the initiatives he devel-

    oped for through Art to show Portugal to the country and to the world.

    The main reforms of teaching are highlighted, particularly emphasizing the reforms led by

    Cordeiro Ramos, Carneiro Pacheco, Pires de Lima, Galvo Teles and Veiga Simo being particularly

    relevant the development of the artistical teaching its didactics and methodologies on primary school,

    technical schools and on national schools.

    Keywords: Antnio Ferro, Drawing Subject,, Non formal teaching, Artistical Teaching, New

    State (Estado Novo), Ministers, Modernism, Reforms.

  • iv

    Agradecimentos

    Agradeo ao meu orientador Professor Doutor Joo Paulo Queiroz pela preciosa ajuda, suges-

    tes e conselhos na elaborao deste trabalho.

    Aos meus amigos e colegas de profisso, professores Rui Amador e Cristina Laborinho (His-

    tria), Isabel Soler e Arthur Garcia (Ingls), Alice Ferro, Dulce Oliveira e Vera Carvalho (Portugus),

    Vtor Solha (Informtica), Catarina Gonalves e M Jesus Dmaso (Artes Visuais) e a todos que de

    uma forma ou de outra sempre me incentivaram, em todos os momentos bons ou mais difceis do tra-

    balho.

    Ana Sofia Pessoa, pela sua amizade, total entrega e disponibilidade para me ajudar na pro-

    cura de bibliografia diversa.

    Cristina Cardoso pela preciosa ajuda como colega de mestrado, na partilha de informao e

    obras vrias, bem como pelo constante incentivo.

    Ao meu marido Lus, minha me Elisa e ao meu pai Joo, pelo apoio dirio e incondicional

    para que eu levasse este objetivo at ao fim.

    Ao meu filho Diogo pelas minhas ausncias, carinho e ateno adiadas.

  • v

    ndice

    Introduo ............................................................................................................................................... 1

    I PARTE .................................................................................................................................................... 5

    1. Enquadramento histrico, poltico e social ..................................................................................... 6

    1.1. Ditadura Nacional .................................................................................................................... 6

    1.2. Constituio da Repblica Portuguesa .................................................................................... 8

    1.3. Concordata e relaes com a Igreja ........................................................................................ 9

    1.4. Estado Novo .......................................................................................................................... 13

    1.5. Organizaes do Estado Novo ............................................................................................... 15

    1.5.1. Unio Nacional .............................................................................................................. 15

    1.5.2. Polcia Poltica ................................................................................................................ 17

    1.5.3. Obra das Mes pela Educao Nacional ....................................................................... 19

    1.5.4. Mocidade Portuguesa ................................................................................................... 21

    1.5.5. Legio Portuguesa ......................................................................................................... 24

    1.5.6. Fundao Nacional para a Alegria no Trabalho ............................................................ 27

    1.5.7. Censura da Informao e das Artes .............................................................................. 29

    II PARTE ............................................................................................................................................. 32

    2. Polticas de Educao no formal ................................................................................................. 33

    2.1. Ideais Salazaristas .................................................................................................................. 33

    2.2. Antnio Ferro e a Propaganda Nacional ............................................................................... 35

    2.3. Campanha do Bom Gosto ..................................................................................................... 45

    2.4. Modernismo e Estado Novo .................................................................................................. 49

    2.5. Exposies e Concursos ......................................................................................................... 61

    2.5.1. Exposio Colonial do Porto .......................................................................................... 61

    2.5.2. Exposies de Arte Moderna ........................................................................................ 67

    2.5.3. Concurso da Aldeia mais Portuguesa de Portugal ........................................................ 69

    2.5.4. Exposio do Mundo Portugus .................................................................................... 71

    2.5.5. Portugal dos Pequenitos ............................................................................................... 79

    2.6. Espetculos e Comunicao Social ........................................................................................ 82

    2.6.1. Bailado Verde-Gaio ....................................................................................................... 82

    2.6.2. Teatro ............................................................................................................................ 88

    2.6.3. Cinema ........................................................................................................................... 92

  • vi

    2.6.4. Rdio .............................................................................................................................. 94

    2.6.5. Televiso ........................................................................................................................ 96

    III PARTE .............................................................................................................................................. 100

    3. Poltica Educativa do Estado Novo .............................................................................................. 101

    3.1. Eixos estruturantes.............................................................................................................. 101

    3.2. Ministros da Instruo Pblica / da Educao Nacional e Reformas .................................. 103

    3.3. Combate ao analfabetismo ................................................................................................. 127

    3.3.1. Escolas Regimentais .................................................................................................... 128

    3.3.2. Plano dos Centenrios ................................................................................................. 129

    3.3.3. Telescola ...................................................................................................................... 133

    4. Ensino Artstico nas Escolas ......................................................................................................... 135

    4.1. Fases das Reformas do Ensino ............................................................................................ 137

    4.1.1. Inverso das concees republicanas (1930-1936) .................................................... 141

    4.1.2. Consolidao da escola nacionalista (1936-1947) ...................................................... 152

    4.1.3. Desenvolvimento econmico e social do ps-guerra (1947-1960) ............................. 158

    4.1.4. Planificao e democratizao do ensino (1960-1974) .............................................. 167

    4.2. Formao de Professores de Desenho ................................................................................ 184

    4.3. Ensino do Desenho e sua evoluo durante o Estado Novo ............................................... 189

    4.4. O ensino nas Escolas Primrias ........................................................................................... 193

    4.4.1. Formatao ideolgica ................................................................................................ 193

    4.4.2. Liberdade de expresso .............................................................................................. 200

    Concluso ............................................................................................................................................ 209

    Referncias .......................................................................................................................................... 217

    Monografias .................................................................................................................................... 217

    Teses / Dissertaes ........................................................................................................................ 225

    Artigos. ............................................................................................................................................ 228

    Artigos Revistas e Jornais ................................................................................................................ 230

    Publicaes Diversas ....................................................................................................................... 231

    Referncias eletrnicas ................................................................................................................... 232

    udios e vdeos ............................................................................................................................... 239

    Apndice.............................................................................................................................................. 240

  • vii

    ndice de Figuras

    Figura 1. A Escola da Nossa Memria, Exposio C.M. Loul, 2014..12

    Figura 2. Emblema da MP.21

    Figura 3. Jovens da MP em formao...21

    Figura 4. Uniformes da MPF.....23

    Figura 5. Bandeira da Legio Portuguesa......26

    Figura 6. Censura do jornal, 1970.30

    Figura 7. Antnio Ferro no seu gabinete no Palcio Foz, Lisboa. ....35

    Figura 8. Ballets Russes, cartaz do livro Les Ballets Russes de Diaghilev....36

    Figura 9. Capa da revista Panorama, SNI, n. 1 (1941) ...37

    Figura 10. Capa da revista Panorama, SNI, n. 8 (1942) .........38

    Figura 11. Cartaz: Votai a Nova Constituio de Almada Negreiros, 1933..40

    Figura 12. Cartaz de propaganda ideolgica do Estado Novo: O povo foi esquecido pelos partidos!

    .....40

    Figura 13. Cartaz de propaganda ideolgica do Estado Novo: A lio de Salazar: Deus, Ptria, Fam-

    lia; a trilogia da educao nacional, 1938. ...41

    Figura 14. Cartaz de propaganda ideolgica do Estado Novo: A lio de Salazar, 1938.....42

    Figura 15. Teatro do Povo em digresso pelo Algarve e Alentejo (1947) ...44

    Figura 16. Revista Panorama, n 3. Campanha do Bom Gosto....47

    Figura 17. Capa da Revista Panorama, n 3.....47

    Figura 18. As banhistas, Almada Negreiros, 1925. leo s/ tela....50

    Figura 19. Auto-Retrato num grupo, Almada Negreiros, 1925. leo s/ tela.....51

    Figura 20. Prmio Valmor, 1945...........52

  • viii

    Figura 21. Igreja Nossa Senhora do Rosrio de Ftima, Lisboa, 1938....53

    Figura 22. Vitral do altar-mor Igreja de Nossa Senhora de Ftima, 1938...54

    Figura 23. Pormenor da esttua de Gonalves Zarco, Funchal, 1934..54

    Figura 24. Monumento aos Descobrimentos, 1960...55

    Figura 25. A Soberania, Exposio do Mundo Portugus, 1940...56

    Figura 26. Autorretrato, Almada Negreiros, 1940....57

    Figura 27. Tudo pela Nao, selo de correio de Almada Negreiros, 1935....58

    Figura 28 - Cartaz Portugueses Votai no Estado Novo, 1933...58

    Figura 29. Homenagem a Luca Signorelli, Almada Negreiros, 1942...59

    Figura 30. Domingo Lisboeta, trptico (1946- 48).....60

    Figura 31. Cartaz oficial da Exposio, 1934....61

    Figura 32. Cartaz de propaganda do Estado Novo........62

    Figura 33. A Rosinha, Exposio Colonial do Porto, 1934...63

    Figura 34. O Augusto, Exposio Colonial do Porto, 1934...63

    Figura 35. A formao nas Misses, 1934.....64

    Figura 36. A formao nas Misses, 1934.....64

    Figura 37. Encantadores de serpentes (Pavilho da ndia) ..65

    Figura 38. Marimbeiros de Moambique..65

    Figura 39. Selo comemorativo da Exposio Colonial Portuguesa, Almada Negreiros, 1934.66

    Figura 40. No dia da colocao do Galo de Prata na Torre de Lucano, 193970

    Figura 41. Igreja da Misericrdia e Torre de Lucano...70

    Figura 42. Planta da Exposio do Mundo Portugus, 1940........71

    Figura 43. A Nau Portugal fundeada no espelho de gua....73

  • ix

    Figura 44. O Mosteiro dos Jernimos, a Praa do Imprio e os principais pavilhes da exposi-

    o...... 74

    Figura 45. Aldeia da Guin no jardim colonial da Exposio do Mundo Portugus, 1940.....75

    Figura 46. Reconstituio das Aldeias portuguesas..77

    Figura 47. Reconstituio das Aldeias portuguesas..77

    Figura 48. Palcios, castelos, monumentos e casas portuguesas no Portugal dos Pequenitos..79

    Figura 49. Palcios, castelos, monumentos e casas portuguesas no Portugal dos Pequenitos..80

    Figura 50. Figurino para bailarina do bailado Muro do Derrete..83

    Figura 51. Figurino para bailarino do bailado Muro do Derrete.....84

    Figura 52. Maquete para cenrio e figurino Dona de Casa...85

    Figura 53. Maquete para cenrio e figurino Dona de Casa....85

    Figura 54. Maquete para cenrio e figurino Mulher da Nazar para o bailado Nazar..86

    Figura 55. Maquete para cenrio e figurino Mulher da Nazar para o bailado Nazar.87

    Figura 56. Teatro do Povo em digresso pelo Algarve e Alentejo (1947) ...89

    Figura 57. Teatro do Povo em digresso pelo Algarve e Alentejo (1947) ...89

    Figura 58. Logotipo da Emissora Nacional...94

    Figura 59. Logotipo da Rdio Televiso Portuguesa.96

    Figura 60. Aula da Telescola em Paos de Ferreira (1968) ..98

    Figura 61. A crise acadmica de Coimbra (1969) ..122

    Figura 62. A crise acadmica de Coimbra (1969) ..123

    Figura 63. Escola do Primeiro Ciclo, Monte Real - Projeto Raul Lino..130

    Figura 64. Escola de Caminhos - Lama, Barcelos. Projeto Rogrio de Azevedo.......131

    Figura 65. Escola EB1 de Igreja Cristelo. Projeto Rogrio de Azevedo. .......131

    Figura 66. Capa do Compndio de Desenho Geomtrico para o ensino tcnico profissional, 1933.

  • x

    .143

    Figura 67. Traado da elipse pelo mtodo do jardineiro......144

    Figura 68. Composies com elementos geomtricos.....144

    Figura 69. Composies com elementos geomtricos.145

    Figura 70. Capa do Compndio de Desenho de Augusto do Nascimento aprovado oficialmente para o

    Ensino Liceal........146

    Figura 71. Exemplo de esquemas organizados (como seja o caso das leis da composio)..........146

    Figura 72. Algumas indicaes sobre a execuo do desenho mo livre.........147

    Figura 73. Objetos de uso comum....147

    Figura 74. Desenho de inveno (Combinao de tringulos. Aplicao de aguadas uniformes - 1

    ano).........148

    Figura 75. Desenho de inveno (Combinao das construes geomtricas estudadas. Aplicao do

    gouache - 1 ano)..........148

    Figura 76. Desenho de inveno (Composio decorativa livre - 2. ano).........149

    Figura 77. Desenho de inveno (Estilizao de flores e de folhas - 3. ano)....149

    Figura 78. Desenho de inveno (Estilizao de flores e de folhas - 3. ano)....149

    Figura 79. Capa do Livro de Desenho para o 1., 2. e 3. anos dos liceus.....154

    Figura 80. Tipos de harmonia das cores.........154

    Figura 81. Sombras com luz vinda da esquerda e da direita.......155

    Figura 82. Sombras com luz vinda da esquerda e da direita.......155

    Figura 83. Capa do manual Elementos de Desenho para o 1., 2. e 3. anos dos liceus, 1937...156

    Figura 84. Gerao de cnicas com lanterna.........156

    Figura 85. Trabalhos Manuais com estampilha......157

    Figura 86. Trabalhos Manuais com carimbo de batata......157

  • xi

    Figura 87. Capa do Compndio de Desenho para o 1. Ciclo dos Liceus, 1950.164

    Figura 88. Alguns princpios de composio.......164

    Figura 89. Alguns princpios de composio.......165

    Figura 90. Exemplo de aplicao das orientaes para o desenho livre do 2. ano...165

    Figura 91. Programas para o 1. Ano do 1. Ciclo do Ensino Secundrio, 1972.......171

    Figura 92. Capa do manual de Educao Visual para o 2. Ciclo do Ensino Liceal..176

    Figura 93. Movimentos na composio plstica (Figura 1)....176

    Figura 94. Movimentos na composio plstica (Figura 2)....177

    Figura 95. Desenho Analtico (Figura 57)......177

    Figura 96. Desenho Analtico (Figura 58)......177

    Figura 97. Arquitetura moderna numa igreja de Monterrey (Figura 43), p.31..178

    Figura 98. Esttua de Almeida Garrett, de Barata Feyo, 1950 ..........178

    Figura 99. A Revolta das bonecas de Eduardo Viana. leo s/ tela, 1916.......179

    Figura 100. Nau Catrineta (primeiro trptico) de Almada negreiros, 1944....179

    Figura 101. Bordado a l do Cizek's Juvenile Art Class, desenhado por um rapaz de 10 anos e borda-

    do por uma menina de 14......191

    Figura 102. Livros nicos da escola primria do Estado Novo, 1941....193

    Figura 103. Livros nicos da escola primria do Estado Novo, 1944....193

    Figura 104. Livros nicos da escola primria do Estado Novo, 1951....193

    Figura 105. Ilustrao da capa do livro nico da primeira classe.....194

    Figura 106. Ilustrao da contracapa inicial do livro nico da primeira classe194

    Figura 107. Ilustrao da contracapa final do livro nico da primeira classe...195

    Figura 108. Ilustrao do livro nico da primeira classe, p.36..195

    Figura 109. Ilustrao do livro nico da primeira classe, p.37..196

  • xii

    Figura 110. Ilustrao do livro nico da primeira classe, p.51..196

    Figura 111. Ilustrao do livro nico da primeira classe, p.45......197

    Figura 112. Livro da leitura da primeira classe,1967.....199

    Figura 113. Livro da leitura da primeira classe (ilustrado por Maria Keil e Lus Filipe de Abreu),

    1967......199

    Figura 114. Livro da leitura da primeira classe (ilustrado por Maria Keil e Lus Filipe de Abreu),

    1967......199

    Figura 115. Capa do livro Noes de Desenho vista para a 4. Classe do Ensino Primrio,

    1942..201

    Figura 116. Noes de Desenho vista. Ensinar criana as fases por que passa o desenho vista,

    p.19 ......204

    Figura 117. Noes de Desenho vista. Representar atentamente o que tem a desenhar,

    p.19...............204

    Figura 118. Noes de Desenho vista. Repetir, desenhando o objeto em posies diferentes,

    p.25...........205

    Figura119. Capa do Livro do Professor: o Desenho no Ensino Primrio segundo os actuais progra-

    mas, 1959......206

    Figura 120. Evoluo das representaes da figura humana, segundo a idade da criana.......207

  • xiii

    ndice de Tabelas

    Tabela 1 Ministros da Instruo Pblica / Educao Nacional ....103

    Tabela 2 Principais Medidas/Reformas dos Ministros..104

    Tabela 3 Alteraes no Sistema de Ensino em Portugal (Reforma Veiga Simo) ...170

    Tabela 4 N de sesses / semana da disciplina de Desenho no ensino liceal.....180

    Tabela 5 N de horas / semana da disciplina de Desenho no ensino liceal182

    ndice de Grficos

    Grfico 1 Taxa de analfabetismo em Portugal (1930 - 1970) ...129

    Grfico 2 Evoluo do n. de escolas no Estado Novo (1926 -1956) .......129

    Grfico 3 Evoluo do tempo dedicado ao ensino do Desenho no ensino liceal .182

  • xiv

    Abreviaturas utilizadas

    AN Assembleia Nacional

    BM Banco Mundial

    CNEA Campanha Nacional de Educao de Adultos

    CRP Constituio da Repblica Portuguesa

    CTT Correios, Telgrafos e Telefones

    CUT Curso Unificado da Telescola

    CPTV Ciclo Preparatrio TV

    DGS Direo-Geral de Segurana

    DOI Desenho Objetivo Interpretativo

    DOM Desenho Objetivo Matemtico

    DSD Desenho Subjetivo Decorativo

    DSE Desenho Subjetivo Espontneo

    EN Emissora Nacional

    ENED Escola Normal para o Ensino de Desenho

    ENT Estatuto Nacional do Trabalho

    ESN Escolas Normais Superiores

    FNAT - Fundao Nacional para a Alegria no Trabalho

    FRELIMO - Frente de Libertao de Moambique

    GEPAE Gabinete de Estudos e Planeamento da Ao Educativa

    IAC Instituto para a Alta Cultura

    IMAVE - Instituto de Meios Audiovisuais de Ensino

    INATEL Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres dos Trabalhadores

    JCF Juventude Catlica Feminina

    JNE Junta Nacional de Educao

    LACF Liga da Ao Catlica Feminina

    LP Legio Portuguesa

    MEF Misses Estticas de Frias

    MEN Ministrio de Educao Nacional

    MIP Ministrio de Instruo Pblica

    MOPC Ministrio das Obras Pblicas e Comunicaes

    MP Mocidade Portuguesa

    MPF Mocidade Portuguesa Feminina

    MUD Movimento de Unidade Democrtica

  • xv

    OCDE Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OECE Organizao Europeia da Cooperao Econmica

    OMEN Obra das Mes pela Educao Nacional

    PAIGC Partido Africano para a Independncia da Guin e Cabo Verde

    PCP Partido Comunista Portugus

    PEP Plano de Educao Popular

    PIDE Polcia Internacional e de Defesa do Estado

    PRM Projeto Regional do Mediterrneo

    PVDE Polcia de Vigncia e Defesa do Estado

    RCP Radio Club Portugus

    RDP Radiodifuso Portuguesa

    RR Radio Renascena

    SNI Secretariado Nacional de Informao, Cultura Popular e Turismo

    SPN Secretariado de Propaganda Nacional

    T Teste, do tipo dos de Decroly, destinado a avaliar o grau de representao mental

    TM Trabalhos Manuais, ligando a abstrao do desenho geomtrico destreza manual

    TV Televiso

    UN Unio Nacional

    UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura (United Nations

    Educational, Scientific and Cultural Organization)

  • xvi

    O objectivo da educao por isso a criao de artistas

    de pessoas eficientes nos vrios modos de expresso.

    Herbert Read, Educao pela Arte, 2010

    http://pensador.uol.com.br/autor/aristoteles/

  • 1

    Introduo

    O trabalho que se apresenta teve por objetivo fazer o estudo e relacionar as polticas de Educa-

    o no formal e do ensino artstico em Portugal, durante o perodo do Estado Novo.

    A identificao de mudanas de paradigma orientou tambm a investigao subjacente, por-

    quanto se colocou como questo de partida, o ter ou no havido uma simultaneidade temporal na ocor-

    rncia dessas mudanas, em cada um dos campos, Educao formal e no formal.

    Alm desta questo, a explorao dos temas enunciados afigurava-se atrativa e til, na medida

    em que permitiria uma perceo das estratgias de interveno junto de dois pblicos-alvo bem distin-

    tos e estatisticamente equilibrados: os iletrados e os alfabetizados ou em vias de o serem.

    Como se esperava e se poder constatar ao longo da dissertao, encontraram-se estratgias

    comuns e distintas, de convergncia ou dissonantes e, frequentemente, de complementaridade.

    O risco presente na escolha do tema, a sua vastido, foi ponderado numa perspetiva de estudo

    especializado versus generalista. Sendo certo que o segundo caminho era o nico transitvel, assumiu-

    se essa limitao contando que, sem se perder a possibilidade de cumprir os objetivos exigveis a

    qualquer investigao, permitiria uma importante aquisio de novos conhecimentos. No tanto juntar

    o til ao agradvel, mas valorizar o processo tanto quanto o resultado.

    Em consequncia, a metodologia utilizada no procurou estudos exaustivos, mas investigar os

    aspetos essenciais, apenas tanto quanto necessrio, para que fosse possvel estabelecer correlaes

    entre os dois campos: a Educao no formal e o Ensino artstico no Estado Novo.

    Nesta pesquisa considera-se Educao no formal a que est na posio intermdia entre a

    Educao formal, altamente sistematizada e certificada, e a informal, natural e espontnea;1 assim, a

    Educao no formal decorre fora do mbito do ensino oficial, embora frequentemente implementada

    por organismos oficiais que no o Ministrio da Educao; visa incentivar subgrupos especficos da

    populao para atividades artsticas, cientficas, desportivas e culturais em geral, tendo implcita uma

    determinada orientao ideolgica e coordenando as suas aes com os meios de comunicao social.

    Embora o termo Educao no formal tenha surgido pela primeira vez na Conferncia

    sobre a Crise Mundial da Educao, organizada pela UNESCO em 1967, as prticas do Estado Novo,

    sobretudo na fase inicial de consolidao do regime, enquadram-se neste conceito. Irei assim utiliz-lo

    1 Lus Miguel Pinto, Educao No-Formal: um contributo para a compreenso do conceito e das prticas em

    Portugal, p.49

  • 2

    como ferramenta de estudo e de agilizao concetual, para melhor poder estudar as aes de interven-

    o cultural fora do mbito da escolaridade (a educao formal).

    Na origem desta perspetiva da UNESCO ter estado a [] pobreza no contexto rural ou,

    de forma mais genrica, a necessidade de suprir carncias educativas nos pases subdesenvolvidos

    [].2

    Na fase preliminar da dissertao consultaram-se obras de referncia geral, de que destaca-

    mos: Antnio Ferro O inventor do Salazarismo de Orlando Raimundo; O modernismo na arte

    portuguesa e A Arte em Portugal no sculo XX / 1911-1961 ambos de Jos-Augusto Frana;

    Valores e Ensino no Estado Novo de Adlia Carvalho Mineiro; Histria da criana em Portugal de

    Maria Joo Martins; Histria do Ensino em Portugal, desde a fundao da nacionalidade, at ao fim

    do regime Salazar-Caetano de Rmulo de Carvalho; A Inspeco do Ensino em Portugal Na

    Vigncia do Estado Novo de A. Henriques Carneiro e Serafim Amaro Afonso; e Educao pela

    Arte de Herbert Read.

    Relativamente Educao no formal optou-se por no utilizar qualquer obra de referncia

    especfica, consultando-se em alternativa um vasto conjunto de obras e autores; j quanto ao Ensino

    artstico, a referncia que tommos como principal foi a tese de doutoramento de Maria Clara Brito,

    As Disciplinas de Desenho e de Educao Visual no Sistema Pblico de Ensino em Portugal, entre

    1836 e 1986 Da Alienao Imerso no Real, obra recente, mas j incontornvel.

    Como fontes primrias, utilizou-se a legislao oficial, manuais escolares e textos dos respeti-

    vos autores (Betmio de Almeida e Calvet de Magalhes). Quanto s fontes secundrias, consultaram-

    se Dicionrios, Dissertaes de Mestrado e Teses de Doutoramento, Monografias e artigos de autores

    que investigaram, com profundidade relativa, cada um dos temas estudados. Utilizaram-se ainda refe-

    rncias eletrnicas para assuntos menores.

    Sempre que possvel privilegiaram-se as fontes diretas, em particular a legislao da poca em

    estudo, no s por serem originais, mas por permitirem analisar aspetos inditos dos temas em investi-

    gao.

    Quanto ao critrio de escolha dos manuais a analisar, utilizaram-se obras menos referidas em

    estudos idnticos, sempre que adequado.

    2 Lus Miguel Pinto, Educao No-Formal: um contributo para a compreenso do conceito e das prticas em

    Portugal, p.47

  • 3

    Sobre a metodologia utilizada no desenvolvimento da dissertao, destacam-se duas partes:

    - Na II Parte Polticas de Educao no formal, focaram-se os vrios temas, respeitando a

    ordem cronolgica, quando pertinente.

    - Na III Parte, quer no captulo 3 Poltica Educativa do Estado Novo, quer no captulo 4

    Ensino Artstico nas Escolas, utilizou-se igualmente a sequncia cronolgica tambm para uma

    melhor organizao.

    Seguidamente apresentaremos de forma resumida as partes I, II e III, bem como o Captulo 4.

    Ensino Artstico nas Escolas, considerando embora que todos foram importantes, tendo em vista que:

    - O primeiro Enquadramento histrico, poltico e social faz a contextualizao do perodo

    em estudo;

    - O segundo Polticas de Educao no formal aborda o primeiro dos dois temas centrais da

    dissertao;

    - O terceiro Poltica Educativa do Estado Novo, onde se destacam as Reformas do ensino,

    prepara e contextualiza o tema do captulo seguinte (Captulo 4. Ensino Artstico nas Escolas), o

    segundo dos dois temas centrais em anlise;

    No captulo 2 abordam-se no s os temas que partida se consideraram mais importantes

    para o atingimento dos objetivos estabelecidos, bem como alguns outros que emergiram, com o desen-

    rolar da investigao, de que so exemplo os cartazes e a censura.

    No captulo 3 analisa-se de forma bastante exaustiva a ao dos ministros da Instruo Pbli-

    ca e da Educao Nacional, enquadrando as polticas no respetivo contexto econmico e social.

    No captulo 4 analisam-se as reformas do Ensino artstico, em termos de sistemas, currculos,

    programas e manuais. Optou-se por analisar separadamente a Formao de Professores de Desenho

    e O Ensino nas Escolas Primrias para no densificar a outra anlise anteriormente referida.

    A anlise poltica, que feita com alguma extenso nos captulos 1 e 3, teve em considerao

    que, dadas as caractersticas autoritrias do regime do Estado Novo, as decises importantes relativas

    Educao no formal e ao Ensino artstico eram tomadas fundamentalmente em funo de opes

    ideolgicas e econmicas, no sendo to relevante a presso da opinio pblica/contexto social.

    Mesmo em regimes democrticos como, por exemplo, no ps 25 de Abril, as decises impor-

    tantes so tomadas nos crculos do poder, sendo indispensvel uma forte capacidade de influncia e

  • 4

    no podendo as reivindicaes de carter socioprofissional, logstico ou pedaggico, ficar limitadas

    aos crculos dos fruns acadmicos e revistas especializadas, aqueles por vezes pouco participados e

    estas menos divulgadas.

  • 5

    I PARTE

    Nesta I Parte, analisam-se os antecedentes do Estado Novo, procurando entender-se as razes

    para esta mudana de paradigma em Portugal e descrevem-se as principais organizaes que suporta-

    ram o seu sucesso.

    Aps a implantao da Repblica em 1910, assiste-se tentativa de consolidao dum regime

    democrtico e parlamentar, assente em ideais republicanos e anticlericais; este regime viria a revelar-

    se incapaz de pr em prtica os ideais da Repblica, tendo sucumbido em 1926, com o golpe militar

    do 28 de maio.

    O novo regime que ento se implantou, teve como desgnio reverter as transformaes sociais

    iniciadas pela I Repblica; neste contexto poltico, o carisma, o pensamento e a doutrina social de

    Salazar encaixaram na perfeio, assistindo-se sua rpida ascenso poltica, semelhana do que se

    passou um pouco por toda a Europa, em particular em Itlia com Mussolini e na Alemanha com Hitler.

    O novo regime passou ento por um perodo de transio - a Ditadura Nacional - o qual termi-

    nou com o plebiscito e aprovao da nova Constituio, em 1933.

    Surge assim o Estado Novo, um regime autocrtico, nacionalista e antiparlamentar, baseado

    num Corporativismo de Estado e imbudo da moral crist de uma Igreja humilde e subserviente.

    Analisam-se tambm as causas que contriburam para a queda do regime em 25 de Abril de 1974,

    aps se ter mantido no poder durante 41 anos, dando lugar mais longa ditadura na Europa do sc.

    XX.

  • 6

    1. Enquadramento histrico, poltico e social

    1.1. Ditadura Nacional

    O assassinato de Sidnio Pais foi um momento traumtico para a I Repblica. A partir da,

    qualquer esperana de estabilizar o pas desapareceu. Instalou-se uma crise permanente que terminou

    quase oito anos depois com o pronunciamento militar de 1926. Esta revoluo, como geralmente acon-

    tece, foi amada por uns e odiada por outros.

    As revolues no so factos que se aplaudam ou se condenem. Havia nisso o mes-

    mo absurdo que em aplaudir ou condenar as evolues do sol. So factos fatais. Tm de

    vir. De cada vez que vm sinal que o homem vai alcanar mais uma liberdade, mais um

    direito, mais felicidade.3

    Durante a I Repblica, Portugal teve 45 governos em 16 anos e esta instabilidade poltica foi

    uma das principais razes que levaram sua queda. A revoluo de 28 de maio de 1926 teve origem

    numa sublevao militar comandada pelo General Gomes da Costa, levando implantao da Ditadu-

    ra Militar, que durou cerca de dois anos.

    O golpe militar de 28 de maio de 1926 [...] apresenta-se como uma profilaxia ade-

    quada para remediar a instabilidade e debilidade governativas de vrios e sucessivos

    executivos, pondo-se fim ao regime parlamentar republicano e dando lugar a um perodo

    de Ditadura Militar.4

    scar Carmona foi eleito Presidente da Repblica a 25 de maro de 1928, dando incio a um

    novo perodo poltico - a Ditadura Nacional, de cariz nacionalista e antiparlamentar. Salazar ento

    convidado para Ministro das Finanas do Governo de Vicente de Freitas, numa tentativa de estabilizar

    as finanas pblicas e dinamizar a economia do Pas.

    A par da instabilidade poltica e da participao desastrosa de Portugal na I Guerra, a precria

    situao financeira do Pas foi um dos mais graves problemas da I Repblica e a razo pela qual Sala-

    zar foi chamado ao poder.

    3 Ea de Queirs, A Inevitabilidade das Revolues, Distrito de vora [Consult.2015-08-19] Disponvel em

    URL: http://www.citador.pt/textos/a-inevitabilidade-das-revolucoes-eca-de-queiros 4 Adlia Carvalho Mineiro, Valores e Ensino no Estado Novo, p.37

    http://www.citador.pt/textos/a-inevitabilidade-das-revolucoes-eca-de-queiros

  • 7

    Progressivamente vai-se impondo politicamente como mentor do regime; a ascenso poltica

    de Salazar acentua-se em 5 de julho de 1932, com a sua nomeao para Presidente do Ministrio do 8.

    Governo, sem deixar de acumular a pasta das Finanas.5

    Quando em 1928 Salazar aceitou o convite que pela segunda vez lhe foi formulado (j tinha

    tido uma curta passagem pelo cargo dois anos antes), ps como condio a subordinao de todos os

    ministrios ao Ministro das Finanas. Tal exigncia foi-lhe concedida, s abrindo mo dessa pasta 12

    anos depois (em 1940), nomeando para o cargo Joo Lumbrales, no seu segundo Governo.

    Salazar Era homem para mandar e ser obedecido sem condescendncias nem hesitaes.6

    neste fase que se ocupa da elaborao duma nova Constituio, coordenando um grupo de

    professores de Direito por si convidados.

    Pelo plebiscito realizado em 19 de Maro de 1933 aprovada a nova Constituio, pondo fim

    a cinco anos de Ditadura Nacional, para dar lugar ao Estado Novo.

    Ao contrrio dos lderes contemporneos Franco, Mussolini e Hitler, Salazar no alcanou o

    poder pela fora. Este foi-lhe simplesmente oferecido.7

    5 Adlia Carvalho Mineiro, Valores e Ensino no Estado Novo, p.38

    6 Rmulo de Carvalho, Histria do Ensino em Portugal, p.721

    7 Idem, Ibidem, p.722

  • 8

    1.2. Constituio da Repblica Portuguesa

    A Constituio da Repblica Portuguesa de 1933 vigorou em Portugal at 1974, data em que o

    Estado Novo foi extinto com a Revoluo de 25 de abril de 1974.

    Este documento foi objeto de apreciao pelo Conselho Poltico Nacional e publicado na

    imprensa para discusso pblica. O texto final foi publicado a 22 de fevereiro de 1933 em suplemento

    ao Dirio do Governo.8

    Foi plebiscitada em 19 de maro de 1933, entrando em vigor em 11 de abril do mesmo ano,

    com a publicao no Dirio do Governo da ata da assembleia geral de apuramento dos resultados do

    plebiscito.9

    Esta Constituio sofreu revises pela Assembleia Nacional em 1935, 1936, 1937, 1938, 1945,

    1951, 1959 e 1971.10

    Relativamente liberdade da educao artstica, a Constituio subordinava-a, implicitamente,

    ao coordenadora do Estado.11

    As artes e as cincias sero fomentadas e protegidas no seu desenvolvimento, ensino

    e propaganda, desde que sejam respeitadas a Constituio, a hierarquia e a aco coorde-

    nadora do Estado.

    8 Portugal, Presidncia do Ministrio, Decreto n. 22.241, de 22 de fevereiro de 1933.

    9 Portugal, Presidncia do Conselho, Acta DD1/33 in Dirio do Governo de 11 de abril de 1933.

    10 Marcello Caetano, Histria Breve das Constituies Portuguesas, p.9

    11 Portugal, Presidncia do Ministrio, n.2 do art.43 do Decreto n. 22.241, de 22 de fevereiro de 1933.

  • 9

    1.3. Concordata e relaes com a Igreja

    A Concordata de 1940 um dos tratados internacionais celebrado entre Portugal e a Santa S

    que regulou, por mtuo acordo e de modo estvel, a situao jurdica da Igreja Catlica em Portugal,

    na vigncia do Estado Novo.

    Foi assinada a 7 de maio de 1940, na vigncia do Papado de Pio XII, pondo fim a um longo

    conflito entre o Estado e a Igreja que predominou durante a I Repblica e que teve como culminar da

    progressiva laicizao a aprovao da Lei da separao do Estado das igrejas12

    a 20 de abril de 1911,

    levando o Vaticano a cortar relaes diplomticas com Portugal. Seguiram-se algumas tentativas de

    reaproximao, como a Lei Moura Pinto de 1918,13

    e a Lei da personalidade de 1926,14

    cujo arti-

    culado Salazar procurou influenciar a favor da Igreja catlica, mas sem grande sucesso.15

    A Concordata de 1940 d relevo ao papel da Igreja Catlica no aparelho escolar, estabelecen-

    do no artigo 21:

    O ensino ministrado pelo Estado nas escolas pblicas ser orientado pelos princ-

    pios da doutrina e moral crist, tradicionais do Pas. Consequentemente, ministrar-se- o

    ensino da religio e moral catlicas nas escolas pblicas elementares, complementares e

    mdias aos alunos cujos pais, ou quem suas vezes fizerem, no tiverem feito pedido de

    iseno.16

    Salazar era um catlico fervoroso; alis a sua educao marcada por oito anos passados no

    Seminrio de Viseu, antes de ir estudar Direito para Coimbra. Nesses tempos de juventude, faz algu-

    mas das suas maiores amizades para a vida, como sejam com Mrio de Figueiredo e Manuel Gonal-

    ves Cerejeira.

    O primeiro veio a ser Ministro da Justia e dos Cultos no 5. Governo da Ditadura (1928), che-

    fiado por Vicente de Freitas, no qual Salazar assegurava a pasta das Finanas; Figueiredo demite-se

    em 1929 e Salazar segue-lhe o exemplo, por solidariedade, tudo por causa duma Portaria que procura-

    va repor tradies religiosas e que ficou conhecida como a Portaria dos sinos.

    Pela Portaria 6.256, de 26 de junho de 1929, Mrio de Figueiredo, ento ministro

    da Justia, dispensou de autorizao prvia a realizao das procisses e autorizou o

    toque dos sinos antes do nascer e aps o pr-do-sol. [...] A reaco de alguns dos minis-

    12

    Portugal, Ministrio da Justia, Dirio do Governo n. 92, de 21 de abril de 1911. 13

    Portugal, Ministrio da Justia e dos Cultos, Decreto n. 3.856, de 23 de fevereiro de 1918. 14

    Portugal, Ministrio da Justia e dos Cultos, Decreto n.11.887, de 15 de julho de 1926. 15

    Rita Carvalho, A Concordata de Salazar Portugal - Santa S 1940, p.p. 26 29 16

    Portugal, Ministrio dos Negcios Estrangeiros, Dirio do Governo n. 158, Srie I, de 10 de julho de 1940,

    Concordata entre a Santa S e a Repblica Portuguesa.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_de_Separa%C3%A7%C3%A3o_do_Estado_e_da_Igrejahttps://pt.wikipedia.org/wiki/20_de_abrilhttps://pt.wikipedia.org/wiki/1911

  • 10

    tros, que pretendiam a revogao da portaria por ir contra certas disposies da Lei da

    Separao, acabou por levar demisso deste ministro. Salazar demite-se tambm, solida-

    rizando-se com o seu amigo e colega.17

    Mrio de Figueiredo foi um dos principais redatores e negociadores da Concordata, tendo ele

    prprio sido um dos trs signatrios deste Tratado, em 7 de maio de 1940; voltaria depois ao Governo,

    como Ministro da Educao Nacional, no 10. Governo do Estado Novo, em agosto de 1940.

    Quanto a Manuel Gonalves Cerejeira, igualmente doutorado e Professor na Universidade de

    Coimbra, ntimo de Salazar, tendo-se ambos conhecido no Centro Acadmico de Democracia Crist

    e vivido juntos cerca de 11 anos; Cerejeira, ento Arcebispo de Mitilene, nomeado Patriarca de Lis-

    boa em novembro de 1929, no sem a influncia discreta de Salazar.

    A convico de que a situao [em Portugal] se encaminhava favoravelmente para

    os catlicos, no deve ser dissociada da escolha de Cerejeira para substituir Mendes Belo

    no Patriarcado de Lisboa (Mendes Belo morrera a 5 de Agosto de 1929). Cerejeira fora

    correligionrio de Oliveira Salazar, facto que a Santa S valorizava bastante.18

    Diz-se que Salazar teria prometido a Cerejeira celebrar uma Concordata com a Santa S,19

    mas

    a motivao principal de Salazar no seria tanto a amizade a Cerejeira nem mesmo o seu fervor de

    catlico, mas a maior valia que tal acordo traria ao regime, resultante da cooperao do poder temporal

    do Estado com o poder espiritual da Igreja. Deste modo, teria os instrumentos necessrios para com-

    bater o falso liberalismo, o socialismo, o comunismo, o atesmo, o materialismo e as revolues.20

    Tal aliana cimentaria a ideologia do Estado Novo, sintetizada no lema Deus, Ptria e Fam-

    lia.

    Salazar foi nomeado Presidente do Ministrio do 8. Governo da Ditadura portuguesa em 5 de

    junho de 1932, mantendo-se em funes at adoo da Constituio de 1933, em 11 de abril desse

    ano. A afirmao do poder poltico de Salazar face instituio militar, aos nacionais-sindicalistas e

    aos republicanos conservadores foi um processo complexo, longo e atribulado, no sendo de estranhar

    que, na Constituio de 1933, no tenha conseguido impor bases mais slidas que pudessem suportar

    uma futura Concordata com a Santa S.

    17

    Rita Almeida de Carvalho, A Concordata de Salazar Portugal - Santa S 1940, p.p.62 e 63 18

    Idem, Ibidem, p.64 19

    Teresa Coutinho, O dcimo tratado entre Portugal e a Santa S [Consult.2015-10-24] Disponvel em URL:

    http://www.publico.pt/destaque/jornal/o-decimo-tratado-entre-portugal-e-a-santa-se-188423 20

    Rita Almeida de Carvalho, Op. Cit., p.81

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Centro_Acad%C3%A9mico_de_Democracia_Crist%C3%A3http://www.publico.pt/destaque/jornal/o-decimo-tratado-entre-portugal-e-a-santa-se-188423

  • 11

    Regressando agora ao momento da publicao do Projeto da Constituio no Dirio

    do Governo (22 de Fevereiro de 1933), o nncio Berda Cardinale critica-a duramente.[...]

    Reconhece o avano na liberdade do ensino religioso nas escolas particulares, criticando

    todavia o laicismo nas escolas pblicas.21

    Mas Salazar tinha outra estratgia: a dos pequenos passos, resolvendo os diferendos caso a

    caso, apoiada nas suas caratersticas de persistncia e de hbil negociador.

    Tendo sido empossado como Presidente do Conselho de Ministros do 1. Governo do Estado

    Novo (9. Governo da II Repblica) em 11 de abril de 1933, organizou, decretou e negociou durante 7

    anos, at conseguir da Santa S a assinatura da Concordata, em 7 de Maio de 1940. A ttulo de exem-

    plo, referem-se apenas algumas das medidas que foi tomando ao longo desse perodo, para ultrapassar

    as disposies da Constituio de 1933 que eram inaceitveis para a Santa S:22

    - Isenta da fiscalizao por parte do Estado o ensino religioso nos estabelecimentos de ensino

    particular;23

    - Estabelece, na reforma da Constituio realizada em 1935, que o ensino estatal visa a for-

    mao do carcter e de todas as virtudes morais e cvicas, orientadas pelos princpios da doutrina e da

    moral crist, tradicionais no Pas;24

    - Introduz a cadeira de Educao moral e cvica nos trs anos do ensino liceal;25

    - Introduz a disciplina de Moral no ensino primrio;26

    - Autoriza emisses regulares da Rdio Renascena, a segunda emissora catlica aps a do

    Estado do Vaticano (Dezembro de 1936);

    - Torna obrigatria a afixao do Crucifixo modelo oficial nas salas de aula das escolas pbli-

    cas do ensino primrio elementar como smbolo da educao crist determinada pela Constituio;27

    - Obriga colocao do crucifixo, como condio sine qua non para que as escolas pudessem

    funcionar.28

    21

    Rita Almeida de Carvalho, Concordata de Salazar Portugal - Santa S 1940, p.88 22

    Idem, Ibidem, pp.92-98 23

    Portugal, Ministrio da Instruo Pblica, Decreto-Lei n. 23.447, de 5 de janeiro de 1934. 24

    Portugal, Presidncia do Conselho, Lei n. 1.910, de 23 de maio de 1935. 25

    Portugal, Ministrio da Educao Nacional, Decreto n. 27.085, de 14 de outubro de 1936. 26

    Portugal, Ministrio da Educao Nacional, Decreto-Lei n. 27.279, de 24 de novembro de 1936. 27

    Portugal, Ministrio da Instruo Pblica, Lei n. 1.941, de 11 de abril de 1936. 28

    Portugal, Direco-Geral do Ensino Primrio do Ministrio da Educao, circular de 17 de junho de 1937.

  • 12

    Figura 1. A Escola da Nossa Memria, Exposio C.M. Loul, 2014.

    Fonte: Cmara Municipal de Loul.29

    As negociaes para a Concordata iniciaram-se oficialmente a 14 de Julho de 1937;30

    nos trs

    anos decorridos at respetiva assinatura, Salazar limou ainda muitas arestas, de que destacam apenas

    duas: a introduo do juramento religioso das testemunhas nos tribunais e a dificultao do divrcio

    por mtuo consentimento, passando de 2 para 5 anos o prazo mnimo do casamento.31

    No ser mera coincidncia o facto de em 1940 se comemorar o Duplo Centenrio da Nacio-

    nalidade, (Fundao em 1140 e Restaurao em 1640).

    O Governo do Estado Novo preparou com grande antecedncia as comemoraes desta efem-

    ride, a que quis dar o maior relevo, nomeadamente atravs da Exposio do Mundo Portugus. A

    Concordata foi ratificada a 7 de maio e as comemoraes do Duplo Centenrio tiveram a sua inaugu-

    rao no dia 2 de Junho.

    Em tempos de crise e tempos de segurana, Salazar soube gerir os ritmos do processo nego-

    cial, acabando por impor que a Concordata visse a luz do dia no momento que lhe era mais convenien-

    te [...] para a sua perpetuao no poder.32

    29

    Cmara Municipal de Loul, Conferncia: A Escola Primria Portuguesa ao servio do Estado Novo (1933-

    1955) [imagem em linha] [Consult.2015-10-12] Disponvel em URL: http://www.cm-

    loule.pt/noticias/6888/conferencia-%E2%80%9Ca-escola-primaria-portuguesa-ao-servico-do-estado-novo-1933-

    1955%E2%80%9D.aspx 30

    Rita Almeida de Carvalho, A Concordata de Salazar Portugal - Santa S 1940 - p.500 31

    Portugal, Ministrio da Justia, Decreto-Lei n. 29.637, de 28 de maio de 1939. 32

    Rita Almeida de Carvalho, Op. Cit., p.525

    http://www.cm-loule.pt/noticias/6888/conferencia-%E2%80%9Ca-escola-primaria-portuguesa-ao-servico-do-estado-novo-1933-1955%E2%80%9D.aspxhttp://www.cm-loule.pt/noticias/6888/conferencia-%E2%80%9Ca-escola-primaria-portuguesa-ao-servico-do-estado-novo-1933-1955%E2%80%9D.aspxhttp://www.cm-loule.pt/noticias/6888/conferencia-%E2%80%9Ca-escola-primaria-portuguesa-ao-servico-do-estado-novo-1933-1955%E2%80%9D.aspx

  • 13

    1.4. Estado Novo

    O Estado Novo constituiu o perodo da histria de Portugal compreendido entre a entrada em

    vigor da Constituio de 1933, a 9 de abril do mesmo ano e 25 de abril de 1974, data da Revoluo

    dos Cravos;33

    este perodo caracterizado como marcadamente nacionalista e antiparlamentar, uma

    vez que o nico partido poltico existente e aceite foi a Unio Nacional, organizao surgida em 1931

    com o principal objetivo de apoiar o Governo, dando-lhe um apoio civil para alm do suporte militar.34

    O Nacionalismo foi adotado pelo Estado Novo para melhor conseguir a unio de todos os por-

    tugueses, empreendendo para tal uma intensa campanha de exaltao dos valores nacionais, propagan-

    deando

    [...] as excelncias de um idlico mundo rural sem tenses doentias, tutelado pelo

    passado mtico dos nautas, santos e cavaleiros: o reencontro com a tradio, aps o parn-

    tesis sombrio de um sculo de liberalismo.35

    Para Salazar a Unio Nacional visava igualmente reforar a unio de todos os portugueses:

    [] reuniu catlicos e laicos, monrquicos e republicanos, nacionalistas e liberais e autoritrios, cor-

    porativistas e sindicalistas.36

    A ideologia do Estado Novo foi resumida por Joo Ameal num opsculo editado pelo Secreta-

    riado da Propaganda Nacional (SPN) em 1934, com o ttulo de Declogo do Estado Novo, explican-

    do os dez dogmas da respetiva filosofia. O ponto VI do Declogo reafirma o antiparlamentarismo do

    novo regime, da seguinte forma:

    No h Estado Forte onde o Poder Executivo o no . O Parlamentarismo subordi-

    nava o Governo tirania da assembleia poltica, atravs da ditadura irresponsvel e

    tumulturia dos partidos. O Estado Novo garante a existncia do Estado Forte, pela segu-

    rana, independncia e continuidade da chefia do Estado e do Governo.37

    Outro importante pilar do Estado Novo foi o imperialismo, suportado num ainda vasto conjun-

    to colonial: em frica, com Angola, Moambique, Guin, Cabo Verde e S. Tom e Prncipe e, na

    33

    Fernando Rosas, Estado Novo, in Fernando Rosas, Dicionrio de Histria do Estado Novo, p.315 34

    Arlindo Manuel Caldeira, O Partido de Salazar, Anlise Social, XXII (94), p. 943 35

    Fernando Rosas, Antnio de Oliveira Salazar in Fernando Rosas, Dicionrio de Histria do Estado Novo,

    p.869 36

    Manuel Braga da Cruz, Unio Nacional, in Fernando Rosas, Dicionrio de Histria do Estado Novo, p.989 37

    Joo Medina, Histria de Portugal, Vol. XII, p.59

  • 14

    sia, com o que restava do Estado Portugus da ndia (os enclaves de Goa, Damo e Diu), Timor e

    Macau.

    Se durante a primeira fase do Estado Novo no houve contestao de maior quer por parte des-

    tes territrios quer da comunidade internacional, j o mesmo se no pode dizer aps o fim da II Guerra

    Mundial; com efeito, estando os pases europeus enfraquecidos pela guerra e tendo surgido novos blo-

    cos de influncia poltica e econmica a nvel global, aumentaram as presses no sentido da autode-

    terminao, descolonizao e independncia, um pouco por todo mundo.

    Foi neste contexto que sucessivamente os pases europeus foram libertando as suas colnias;

    sem carter exaustivo, recordamos as mais significativas e respetivas datas:38

    - Espanha: Marrocos espanhol (1956)

    - Frana: Indochina - Laos, Camboja Vietname do Norte e Vietname do Sul (1954), Marrocos

    e Tunsia (1956) e Arglia (1962)

    - Inglaterra: ndia - Unio Indiana e Paquisto (1947), frica inglesa, Honduras, Guiana, e

    Malsia (1957), Chipre (1960), Malta (1964) e Singapura (1965)

    - Holanda: Indonsia (1949) e Nova Guin (1963)

    - Blgica: Congo Belga, Ruanda e Burundi (1959 a 1962)

    - Itlia: Lbia (1949) e Somlia (1960)

    A posio de Salazar, insistindo na manuteno do imprio e usando o subterfgio das Pro-

    vncias Ultramarinas, deu origem a que Portugal tivesse sido condenado pela Assembleia Geral da

    Naes Unidas em 1957, precisamente por no dar soluo aos seus territrios no autnomos.39

    E em 1961, em contraponto com a posio internacional, deu incio Guerra do Ultramar,

    numa tentativa de conter os movimentos de libertao das colnias portuguesas em frica.

    A guerra prolongada e mantida em trs frentes constituiria uma causa prxima da Revoluo

    do 25 de Abril e consequente queda do regime.

    38

    Antnio de Sousa Lara, Colonizao Moderna e Descolonizao: Sumrios para o estudo da sua histria,

    p.p.157-164 39

    Idem, Ibidem, p.147

  • 15

    1.5. Organizaes do Estado Novo

    1.5.1. Unio Nacional

    O pronunciamento militar do 28 de Maio de 1926, que ps fim 1. Repblica, deu origem a

    um regime de Ditadura Militar, depois denominada Ditadura Nacional, ao suspender a Constituio de

    1911. Este novo regime teve um incio conturbado por lutas internas de liderana protagonizadas por

    militares, sucedendo-se no curto espao de um ms e meio a tomada do poder, primeiro pelo Coman-

    dante Mendes Cabeadas, depois pelo General Gomes da Costa e finalmente pelo General scar Car-

    mona.40

    Sob a presidncia de scar Carmona, a Ditadura Militar entra ento numa velocidade de cru-

    zeiro, mas cedo se fez sentir a necessidade de criao duma organizao civil que fizesse a ponte

    entre o poder militar e a sociedade civil.

    A gnese da Unio Nacional tambm no simples nem pacfica, havendo lugar, ao longo de

    menos de um ano, de inmeras tentativas de criao duma organizao civil, destacando-se movimen-

    tos como a Era Nova, estruturalmente republicana, a Milcia Lusitana ou Ordenana Lusitana, de ins-

    pirao fascista e a Unio Liberal Republicana, nacionalista.

    Finalmente, em maro de 1927, intensifica-se a tentativa de criao da Unio Nacional, com a

    designao do Coronel Vicente de Freitas para presidente da respetiva Comisso Organizadora.41

    No obstante todas as tentativas e incentivos sua criao, incluindo as do Governo, nomean-

    do, j em setembro de 1927, uma comisso ministerial encarregada da sua concretizao e constituda

    por Sinel de Cordes, Manuel Rodrigues e Vicente de Freitas, a Ditadura Militar no conseguiu unificar

    os vrios setores da sociedade civil em torno desse projeto, que continuou a coexistir com vrios

    outros, como fossem a Unio Liberal Republicana, de Cunha Leal e a Liga 28 de Maio, pr-

    sindicalista. Tal unificao s foi possvel em 1930 e apenas um poltico foi capaz de a concretizar:

    Salazar.

    no referido contexto de institucionalizao da Ditadura (civil) que tem de se

    entender a formao da Unio Nacional, que vir a ser apresentada oficialmente em 30 de

    Julho de 1930. Tudo leva a crer ser da autoria de Salazar, total ou parcialmente, o Mani-

    festo ento apresentado, sendo no Ministrio das Finanas que se rene o Conselho de

    Ministros, que o aprova [...]42

    40

    Arlindo Manuel Caldeira, O Partido de Salazar, Anlise Social, XXII (94), p.957 41

    Dirio Portugal, de 26 de maro de 1927 42

    Arlindo Manuel Caldeira, Op. Cit., p.955

  • 16

    No entanto, o grande impulso d-se apenas aps a nomeao de Salazar como Presidente do

    Conselho (5 de julho de 1932), sendo os Estatutos da UN publicados pouco depois, em agosto do

    mesmo ano.43

    O controlo de Salazar sobre a Unio Nacional era de resto absoluto, autonomeando-se presi-

    dente da Comisso Central, com poder de nomeao de todas as comisses, durante um perodo transi-

    trio de 5 anos. Mas, em 1934, com a publicao dos Novos Estatutos da Unio Nacional,44

    Salazar

    refora o seu controlo pessoal, ao ser nomeado chefe vitalcio da UN, com competncia para nomear e

    demitir por livre escolha os membros da Comisso Central.

    A Salazar competia no s nomear a Comisso Central, mas tambm a Comisso

    Executiva, os delegados das comisses de propaganda, o secretrio-geral, a Junta Consul-

    tiva, a Comisso Administrativa, a Comisso de Estudos Corporativos e quaisquer outros

    organismos tcnicos a criar. As restantes comisses, excepo das comisses de fregue-

    sia, ficavam igualmente na dependncia direta da Comisso Central, isto , de Salazar. Ao

    nvel da organizao interna, a UN est, assim, bem prxima de todos os partidos fascis-

    tas: estrutura vertical, pesada hierarquizao, centralismo autocrtico, s que talvez em

    nenhum deles seja levado to longe, em termos estatutrios, o reforo da autoridade cen-

    tral.45

    A criao da Unio Nacional teve assim em vista, essencialmente, a institucionalizao da

    Ditadura de Salazar.

    Desta forma, esvaziaram-se os partidos polticos nascidos durante a 1. Repblica (que nunca

    foram alis formalmente proibidos) e foi posto um ponto final no regime parlamentarista, ao ser criada

    uma organizao que, no se intitulando Partido, aglutinou todos os movimentos polticos, subordi-

    nando-os ao Governo de Salazar. O regime no necessitou sequer de abolir as eleies para a Assem-

    bleia Nacional e para a Presidncia da Repblica, transformando-as numa fico s quais concorriam

    apenas a Unio Nacional e o candidato Presidncia por ela escolhido.

    Em fevereiro de 1970, sendo j Presidente do Conselho de Ministros o professor Marcelo Cae-

    tano, realizou-se o V e ltimo congresso da Unio Nacional, no qual esta organizao foi redenomina-

    da de Ao Nacional Popular.

    43

    Portugal, Ministrio do Interior, Decreto n. 21.608, de 20 de agosto de 1932. 44

    Portugal, Ministrio do Interior, Portaria n. 7.909, de 30 de outubro de 1934. 45

    Arlindo Manuel Caldeira, O Partido de Salazar, Anlise Social, XXII (94), p.969

    https://pt.wikipedia.org/wiki/A%C3%A7%C3%A3o_Nacional_Popular

  • 17

    1.5.2. Polcia Poltica

    A principal funo da Polcia Poltica de Salazar foi seguramente a neutralizao da oposio

    ao Estado Novo. Com estatuto de Polcia Judiciria mas autnoma desta, as suas atribuies incluam

    os servios de estrangeiros, fronteiras, emigrao e passaportes, mas o maior relevo incidia no comba-

    te aos crimes contra a segurana interior e exterior do estado. Em sntese, a cronologia desta Polcia

    Poltica, foi a seguinte:

    1933 - Aps a entrada em vigor da nova Constituio da Repblica Portuguesa, criada a

    PVDE - Polcia de Vigilncia e Defesa do Estado;46

    1945 - reestruturada a Polcia Poltica, passando a designar-se PIDE - Polcia Internacional e

    de Defesa do Estado;47

    1969 - J sob a governao de Marcelo Caetano, d-se nova reorganizao orgnica desta

    Polcia, sem alterao significativa nas suas competncias e formas de atuar, passando a designar-se

    DGS - Direo- Geral de Segurana;48

    Importa tambm destacar a reorganizao da PIDE em 1954, com o alargamento das suas ati-

    vidades s ilhas adjacentes e ao Ultramar;49

    durante a guerra colonial, a PIDE ter tido mesmo algu-

    mas intervenes no estrangeiro, sendo-lhe atribudas responsabilidades nos assassinatos de Eduardo

    Mondlane, lder da FRELIMO - Frente de Libertao de Moambique, em Dar es Saalam - Tanznia,

    em 1969 e, de Amlcar Cabral, lder do PAIGC - Partido Africano para a Independncia da Guin e

    Cabo Verde, em Conacri - Repblica da Guin, em 1973.

    No campo da neutralizao da oposio ao Estado Novo, os destaques maiores so os assassi-

    natos de Dias Coelho (1961), artista plstico, militante na clandestinidade e dirigente do PCP - Partido

    Comunista Portugus50

    e do General Humberto Delgado e da sua secretria Arajaryr Campos, em

    Espanha, em 1965.

    Humberto Delgado fora candidato s Presidenciais de 1958, contra Amrico Thomaz, o candi-

    dato do regime, tendo reunindo em torno de si toda a oposio ao Estado Novo. Questionado por um

    46

    Portugal, Ministrio do Interior, Decreto-Lei n 22.992 de 29 de agosto de 1933. 47

    Portugal, Ministrios do Interior e da Justia, Decreto-Lei n. 35.046 de 22 de outubro de 1945. 48

    Portugal, Ministrios do Interior e do Ultramar, Decreto-Lei n. 49.401 de 24 de novembro de 1969. 49

    Portugal, Ministrios do Interior, da Justia e do Ultramar, Decreto-Lei n. 39.749 de 9 de agosto de 1954. 50

    Margarida Tengarrinha, Jos Dias Coelho - A morte saiu rua..., Disponvel em URL:

    http://www.dorl.pcp.pt/index.php/combatentes-hericos-menumarxismoleninismo-108/jose-dias-coelho/576-jos-

    dias-coelho-a-morte-saiu--rua [Consult.2015-11-11]

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Africano_para_a_Independ%C3%AAncia_da_Guin%C3%A9_e_Cabo_Verdehttps://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_Africano_para_a_Independ%C3%AAncia_da_Guin%C3%A9_e_Cabo_Verdehttp://www.dorl.pcp.pt/index.php/combatentes-hericos-menumarxismoleninismo-108/jose-dias-coelho/576-jos-dias-coelho-a-morte-saiu--ruahttp://www.dorl.pcp.pt/index.php/combatentes-hericos-menumarxismoleninismo-108/jose-dias-coelho/576-jos-dias-coelho-a-morte-saiu--rua

  • 18

    jornalista, numa clebre conferncia de imprensa, sobre o que faria com Salazar se ganhasse as elei-

    es, respondeu obviamente, demito-o!. A partir desta altura o regime passa a ter como inimigo,

    alm do Partido Comunista, a figura de Humberto Delgado.51

    51

    Irene Flunser Pimentel, Histria da Oposio Ditadura 1926-1974, p.12

  • 19

    1.5.3. Obra das Mes pela Educao Nacional

    A OMEN - Obra das Mes pela Educao Nacional, foi uma organizao feminina do Estado

    Novo, criada em 1936, pelo ento Ministro da Educao Nacional, Carneiro Pacheco.52

    A OMEN foi criada com o fim de estimular a ao educativa da famlia e assegurar a coopera-

    o entre esta e a escola, designadamente:53

    - Coadjuvar o professor na organizao do recenseamento escolar, na vigilncia da compostu-

    ra, da assiduidade e da aplicao dos alunos, e na instituio de prmios;

    - Dar ao professor uma cooperao efetiva na educao moral e cvica dos alunos, no ensino

    do canto coral, no exerccio da ginstica rtmica e nas festas escolares;

    -Desenvolver entre os portugueses o gosto pela cultura fsica, tendo em vista a sade de cada

    um e o servio da Ptria;

    - Organizar a seo feminina da Mocidade Portuguesa;

    - De um modo geral contribuir por todas as formas para a plena realizao da educao nacio-

    nalista da juventude portuguesa.

    A hierarquia da OMEN foi assim escalonada:54

    - No topo, uma Junta Central nomeada pelo Presidente do Conselho;

    - Uma Direo, nomeada pelo Ministro da Educao Nacional;

    - Descentralizadas por distritos, concelhos e freguesias, foram criadas Comisses distritais,

    Comisses municipais e Comisses paroquiais.

    Para as reunies destas ltimas, eram convidados os respetivos procos; ficava assim assegu-

    rado o envolvimento da Igreja nas atividades da OMEN, no obstante aquela dispor j de organizaes

    laicas femininas.

    52

    Portugal, Ministrio da Educao Nacional, Decreto-Lei n 26.893 de 15 de agosto de 1936 53

    Portugal, Ministrio da Educao Nacional, Idem 54

    Portugal, Ministrio da Educao Nacional, Idem

  • 20

    Com efeito, j em maro de 1934 haviam surgido os estatutos da Liga da Ao Catlica Femi-

    nina (LACF) e da Juventude Catlica Feminina (JCF), com a preocupao de disputar ao Estado o

    monoplio da formao do futuro escol feminino.

    Nesta ltima, que j contava em Maio de 1934 com dez mil associadas, foram orga-

    nizadas, segundo o meio social, as organizaes catlicas femininas de juventude inde-

    pendente, universitria, escolar, agrria e operria...55

    Uma vez mais Salazar soube gerir cirurgicamente os interesses em presena: o Estado coman-

    da, a Igreja apoia e, sempre que pode, distancia-se dos regimes Nazi e Fascista:

    Salazar no deixou, porm, de esclarecer, numa aluso evidente Alemanha nazi e

    Itlia fascista, que o Estado Novo se distinguia do Estado totalitrio e pago, omnipoten-

    te, princpio e fim de si mesmo, a que tinham de estar sujeitas todas as manifestaes indi-

    viduais e colectivas. Nesse tipo de Estado, Salazar criticou nomeadamente o facto de ele

    subordinar tudo sem excepo ideia de nao ou de raa por ele representada, na

    moral, no direito, na poltica e na economia. Por isso, a Constituio de 1933 assegura-

    va, segundo ele, a liberdade e a inviolabilidade das crenas e das prticas religiosas,

    atribua aos pais e seus representantes a instruo e a educao dos filhos, reconhecia

    a Igreja com as suas organizaes prprias, e deixa[va]-lhe livre a aco espiritual.56

    55

    Irene Flunser Pimentel, Influncia interna e externas na Obra das Mes e na Mocidade Portuguesa Feminina, pp. 25- 26, [Consult.2015-11-30] Disponvel em URL: http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/1927 56

    Idem, Ibidem, p.27

    http://recil.grupolusofona.pt/handle/10437/1927

  • 21

    1.5.4. Mocidade Portuguesa

    Figura 2. Emblema da MP.

    Fonte: Escola Profissional Monsenhor Joo Maurcio de Amaral Ferreira57

    O enquadramento da juventude portuguesa na ideologia do Estado Novo era um projeto antigo

    de Salazar que se concretiza em 1936 com a criao da Mocidade Portuguesa.

    instituda [...] a organizao nacional da Mocidade Portuguesa (M.P.), que abran-

    ger toda a juventude, escolar ou no, e se destina a estimular o desenvolvimento integral

    da sua capacidade fsica, a formao do carcter e a devoo Ptria, no sentido da

    ordem, no gosto da disciplina e no culto do dever militar.58

    Figura 3. Jovens da MP em formao. Fonte: Carlos de Jesus59

    Embora englobando toda a juventude, escolar ou no, a MP tutelada pelo Ministrio da Edu-

    cao Nacional, atravs da Junta Nacional de Educao, pelo que nos liceus que a sua prtica mais

    57

    Escola Profissional Monsenhor Joo Maurcio de Amaral Ferreira [imagem em linha] [Consult.2015-12-06] Disponvel em URL: http://eppovoacao.pt/moodle/mod/forum/discuss.php?d=125 58

    Portugal, Ministrio da Educao Nacional, Art. 40 do Decreto-Lei n 26:611 de 11 de abril de 1936. 59

    Primeiro de Dezembro, Carlos de Jesus [imagem em linha] [Consult.2015-12-06] Disponvel em URL:

    http://lusopresse.com/2009/214/Primeiro_de_Dezembro.htm#

    http://eppovoacao.pt/moodle/mod/forum/discuss.php?d=125http://lusopresse.com/2009/214/Primeiro_de_Dezembro.htm

  • 22

    vivenciada, constituindo o exerccio ao ar livre e a instruo pr-militar uma atividade obrigatria, a

    observar em um dia til por semana.

    Em todas as escolas, pblicas ou particulares, com excepo das do ensino superior,

    um dia til de cada semana ser destinado a exerccios colectivos, ao ar livre sempre que

    possvel, de educao fsica e pr-militar, dentro do quadro geral da M.P. 60

    Anteriormente, em 1934, esse projeto deu espao ao surgimento da Ao Escolar Vanguarda;

    no entanto, o extremismo de matriz fascista, sobre o qual esta organizao de juventude baseava a sua

    ideologia, no podia ser til a uma ao nacionalista, conservadora de estabilizao da sociedade esta-

    do-novista.61

    Mas a ideologia do Estado Novo reservava papis bem diferentes para o homem e para a

    mulher, como intua um cartaz enviado para as escolas ao longo de 1937 [...] destinado explicao

    durante as horas de ensino da Moral, onde se pode observar a representao de um lar no qual o pai

    fica sentado cabeceira da mesa, enquanto a me serve a comida.62

    O servio militar obrigatrio era exclusivamente prestado pelos homens e, na educao, a

    separao por sexos era rigorosa; sempre que possvel, um estabelecimento de ensino seria exclusiva-

    mente masculino ou feminino e, quando tal no fosse possvel, face reduzida dimenso da populao

    em idade escolar, era o edifcio dividido em turmas masculinas e turmas femininas, com recreios sepa-

    rados.

    No pois de estranhar que tivesse sido sentida a necessidade de criao duma Mocidade Por-

    tuguesa Feminina (MPF), o que viria a acontecer no ano seguinte, tambm sob a gide do Ministrio

    da Educao Nacional, mas com total autonomia face MP, j qua a MPF seria tutelada pela Obra das

    Mes pela Educao Nacional (OMEN).63

    Nas atividades das filiadas, inclua-se a educao fsica, mas agora associada higiene e limi-

    tada a atividades rigorosamente adequadas ao sexo e idade, sendo excludas as competies e exibi-

    es de ndole atltica e tudo o que pudesse ofender a delicadeza do pudor feminino.64

    60

    Portugal, Ministrio da Educao Nacional, Art. 43 do Decreto-Lei n 26:611 de 11 de abril de 1936. 61

    Pietro Tessadori, O Homem Novo do fascismo italiano e do Estado Novo portugus, p.207. [Consult.2015-12-

    06] Disponvel em URL: http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/15449/1/ulsd069172_td_Pietro_Tessadori.pdf 62

    Pietro Tessadori, Ibidem, p.139 63

    Portugal, Ministrio da Educao Nacional, Decreto-lei n. 28.262 de 8 de dezembro de 1937. 64

    Portugal, Ministrio da Educao Nacional, Art. 3 do Decreto-lei n. 28.262 de 8 de dezembro de 1937.

    http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/15449/1/ulsd069172_td_Pietro_Tessadori.pdf

  • 23

    Figura 4. Uniformes da MPF, Mocidade Portuguesa. Fonte: Jos Leite65

    Em reforo desta ltima caraterstica, so meticulosamente desenhados os uniformes (Figura 4), em

    que por exemplo a altura da saia deveria ser:66

    - Para as lusitas: 0,05 a 0,08 m do meio da rtula para cima;

    - Para as infantas: descida at altura do joelho;

    - Para as vanguardistas: descida abaixo do joelho; e

    - Para as lusas: apropriada idade e estatura das filiadas...

    65

    Jos Leite, Mocidade Portuguesa. Restos de Coleco [imagem em linha] [Consult.2015-12-06] Disponvel

    em URL: http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2012/01/mocidade-portuguesa.html 66

    Portugal, Ministrio da Educao Nacional, Anexo I - Descrio dos uniformes - Decreto-lei n. 28.262 de 8 de dezembro de 1937.

    http://restosdecoleccao.blogspot.pt/2012/01/mocidade-portuguesa.html

  • 24

    1.5.5. Legio Portuguesa

    A Legio Portuguesa constituiu uma organizao nacional, integrando uma milcia, normal-

    mente dependente do Ministrio do Interior, mas sob a orientao e fiscalizao do Ministrio da

    Guerra na parte relativa preparao militar, que funcionou durante o perodo do Estado Novo em

    Portugal.

    A Legio atuar...sob as ordens da autoridade civil ou militar a cargo de quem este-

    ja a manuteno da ordem pblica.67

    A sua criao autorizada em 30 de setembro de 1936, pelo Decreto-lei n. 27:058, definindo-

    a como uma organizao patritica de voluntrios, destinada a organizar a resistncia moral da Nao

    e a cooperar na sua defesa contra os inimigos da Ptria e da ordem social.

    A justificao para a criao deste corpo paramilitar, dada pelo Governo como uma manifes-

    tao espontnea da vontade dos cidados em colaborar na defesa dos princpios morais da Nao,

    combatendo um inimigo que j aflige outros povos, chamado Comunismo.

    [...] apesar de nada se haver oficialmente definido, no curto espao de alguns dias,

    mais de duas dezenas de milhar de cidados, por acto consciente e voluntrio, se inscreve-

    ram para formar a Legio Portuguesa e pedem ao Estado que a reconhea e discipline.68

    No entanto, afigura-se como razo mais plausvel para a criao da LP o facto de existirem

    movimentos considerados mais radicais como o Integralismo Lusitano, o Movimento Nacional-

    Sindicalista, a Cruzada Nacional Nuno lvares Pereira e a Liga 28 de Maio, pretendendo a criao de

    uma milcia popular, inspirada em organizaes como a SA alem (camisas castanhas) ou a MVSN

    italiana (camisas negras).

    Salazar ops-se criao de uma organizao desse tipo por considerar que o Estado Novo

    no tinha necessidade de se apoiar numa milcia para se afirmar, ao contrrio do que tinha acontecido

    com os Nazis na Alemanha e os Fascistas na Itlia, cujas milcias tinham sido determinantes para a

    chegada ao poder de Hitler e Mussolini.

    A esta razo, junta-se a da estratgia de Salazar de subordinar o exrcito ao poder poltico,

    invertendo definitivamente uma realidade instalada desde os primrdios da 1. Repblica.

    Um dos factores que levou criao da Legio Portuguesa em 1936 foi precisamen-

    te o objectivo de retirar o monoplio da violncia s Foras Armadas.18

    Deste modo, Sala-

    67

    Portugal, Presidncia do Conselho, Base VI do Decreto-Lei n 27.058 de 30 de setembro de 1936. 68

    Portugal, Presidncia do Conselho, Prembulo do Decreto-lei n. 27.058 de 30 de setembro de 1936.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Mil%C3%ADciahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rio_do_Interior_%28Portugal%29https://pt.wikipedia.org/wiki/Estado_Novo_%28Portugal%29https://pt.wikipedia.org/wiki/Portugalhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Integralismo_Lusitanohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_Nacional-Sindicalistahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_Nacional-Sindicalistahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Sturmabteilunghttps://pt.wikipedia.org/wiki/Alemanhahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_de_Oliveira_Salazarhttps://pt.wikipedia.org/wiki/Nazihttps://pt.wikipedia.org/wiki/Alemanhahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Fascismohttps://pt.wikipedia.org/wiki/It%C3%A1lia

  • 25

    zar constituiu uma milcia mais prxima do Estado do que das instituies militares, ser-

    vindo de contraponto influncia que a elite castrense detinha junto do regime. 69

    A premissa de subordinao do Exrcito ao poder poltico est presente nesta lei,

    sendo colocado na dependncia do governo.139

    reafirmada novamente a dependncia da

    Legio Portuguesa em relao ao Ministrio da Guerra, ligao indissolvel, assente num

    controlo absoluto da milcia pelo Estado [...]70

    A Legio Portuguesa, enquadrando os cidados numa organizao do regime e promovendo a

    massificao da sua ideologia, como que a segunda dose de uma vacina contra as ideologias subver-

    sivas do comunismo e do anarquismo, que ameaavam o patrimnio espiritual da Nao: a f, a fam-

    lia, a moral crist e a autoridade do Estado Corporativo. Esta dose ministrada aos cidados maiores

    de 18 anos.

    O legionrio repudia e combate em todos os campos as doutrinas subversivas,

    nomeadamente o comunismo e o anarquismo.71

    A primeira dose aplicada aos jovens menores de idade, na Mocidade Portuguesa; alis, -

    lhes assegurado o ingresso na Legio Portuguesa, logo que atinjam aquele limite de idade.

    A orgnica estabelecida para a LP determinava que a mesma fosse superiormente dirigida por

    uma Junta Central, cujos membros - nomeados pelo Governo - deveriam ser pessoas de formao e

    esprito nacionalista.

    A Legio ser superiormente dirigida por uma junta nomeada pelo Governo de entre

    pessoas de formao e esprito nacionalista [...]72

    A Legio Portuguesa ser dirigida superiormente por uma Junta Central constituda

    por cinco membros nomeados pelo Gverno, dois dos quais, pelo menos, sero oficiais do

    exrcito ou da armada.73

    Viriam a fazer parte da Junta Central, do Comando-Geral e de outros rgos superiores da

    Legio Portuguesa, pessoas que se iriam mais tarde notabilizar politicamente como Craveiro Lopes,

    Henrique Tenreiro, Humberto Delgado, Antnio de Spnola ou Jlio Evangelista.

    69

    Joo Lus Ribeiro de Campos Neves, Tese de mestrado O Corpo de estadomaior nos anos 30, p.7 70

    Idem, Ibidem p. 38 [Consult.2015-12-20] Disponvel em URL:

    https://run.unl.pt/bitstream/10362/7085/1/Tese%20de%20mestrado_JN.pdf 71

    Portugal, Presidncia do Conselho, n. 3 do Compromisso a que se refere a base III anexa ao Decreto-lei n. 27.058 de 30 de setembro de 1936. 72

    Portugal, Presidncia do Conselho, Base V do decreto-Lei n.27.058 de 30 de setembro de 1936. 73

    Portugal, Presidncia do Conselho, Art. 1. do Regulamento da Legio portuguesa - Decreto-lei n. 27.087 de

    15 de outubro de 1936.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Governo_da_Rep%C3%BAblica_Portuguesahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Higino_Craveiro_Lopeshttps://pt.wikipedia.org/wiki/Henrique_Tenreirohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Humberto_Delgadohttps://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_de_Sp%C3%ADnolahttps://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%BAlio_Evangelistahttps://run.unl.pt/bitstream/10362/7085/1/Tese%20de%20mestrado_JN.pdf

  • 26

    Figura 5. Bandeira da Legio Portuguesa. Fonte: Jos Sobral74

    O juramento dos membros do movimento nacional legionrio era o Compromisso do legion-

    rio, que consistia no seguinte:

    Como legionrio, juro obedincia aos meus chefes na defesa da Ptria e da ordem

    social e afirmo solenemente pela minha honra que tudo sacrificarei, incluindo a prpria

    vida, se tanto for necessrio, ao servio da Nao, do seu patrimnio espiritual, da moral

    crist e da liberdade da terra portuguesa.75

    O uniforme da LP consistia em calas e dlm castanhos e camisa, gravata e bivaque verdes.

    A Legio Portuguesa usava um grito de guerra76

    , que era o seguinte:

    Legionrios, quem vive?

    Portugal! Portugal! Portugal!

    Legionrios, quem manda?

    Salazar! Salazar! Salazar!

    A LP foi extinta no prprio dia do 25 de abril de 1974, pelo Decreto-Lei 171/74, que extingue

    tambm, entre outras organizaes do regime, a Mocidade Portuguesa.

    74

    Jos Sobral, Bandeiras da Legio Portuguesa. Audaces Vexilologia, Herldica e Histria [imagem em

    linha] [Consult.2015-12-06] Disponvel em URL: http://audaces.blogs.sapo.pt/ 75

    Portugal, Ministrio do Interior, Art. 46 do Decreto-Lei n. 44.062 de 28 de novembro de 1961. 76

    Jos Antnio Barreiros, Traio a Salazar, p.83

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Cal%C3%A7ashttps://pt.wikipedia.org/wiki/Dolm%C3%A3https://pt.wikipedia.org/wiki/Camisahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Gravatahttps://pt.wikipedia.org/wiki/25_de_abril_de_1974http://audaces.blogs.sapo.pt/

  • 27

    1.5.6. Fundao Nacional para a Alegria no Trabalho

    A Fundao Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT), foi criada em 13 de junho de

    193577

    , sendo preocupao do regime no deixar ao acaso a ocupao dos tempos livres dos trabalha-

    dores e, muito menos, merc de organizaes consideradas ideologicamente perigosas.

    Havia assim que a enquadrar devidamente, articulando a sua ao com outras organizaes j

    montadas, em particular os Sindicatos Nacionais, as Casas do Povo e os Grmios Patronais, entre

    outras, e, em matria de propaganda, com estreita ligao ao SPN:

    O objectivo colocar tambm sob a tutela do Estado Novo e da sua ideologia o perigoso

    espao dos tempos livres e dos lazeres, assegurando o seu preenchimento com atividades ldicas e

    culturais consentneas com a inculcao dos valores ideolgicos fundamentais do regime.78

    Uma vez mais, o regime de Salazar adota e adapta a preceito os modelos dos regimes autorit-

    rios da Europa, em particular de Hitler e Mussolini:

    Em termos verbais, notrio o parentesco com a kraft durch Freude (Fora pela Alegria) e

    quanto s funes, so muito anlogas s do Opera Nazionale Dopolavoro (Obra Nacional Aps o

    Trabalho).79

    Segundo os Estatutos, a FNAT tinha como misso ocupar os tempos livres dos trabalhadores

    com vista ao seu melhor desenvolvimento fsico, intelectual e moral.

    Quanto ao primeiro, a FNAT propunha-se: 80

    - Organizar colnias de frias;

    - Promover passeios e excurses;

    - Organizar desafios, demonstraes atlticas e festas desportivas;

    - Criar cursos de ginstica e Educao Fsica;

    77

    Portugal, Presidncia do Conselho, Decreto-Lei n. 25.495 de 13 de junho de 1935. 78

    Jos Carlos Valente, Fundao Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT), in Fernando Rosas, Dicion-

    rio de Histria do Estado Novo, p.376 79

    Jos Carlos Valente, Estado Novo e Alegria no Trabalho, pp.10-11 80

    Portugal, Presidncia do Conselho, Decreto-Lei n. 25.495 de 13 de junho de 1935.

  • 28

    Para a prossecuo destes objetivos, a FNAT comeou por utilizar o Estdio Nacional, uma

    estrutura emblemtica do regime, a par de muitas outras de menor mediatismo, mas igualmente impor-

    tantes para os seus objetivos: o Pavilho do Parque Eduardo VII, os Campos da CUF do Barreiro e

    dos Cimentos Tejo, em Alhandra, entre outros.81

    Finalmente, em 1959, a FNAT pde inaugurar o seu prprio estdio em Lisboa, com uma

    arquitetura urbanstica tpica do Estado Novo a que deu o nome de Parque de Jogos 1 de Maio.82

    Em ordem elevao de nvel intelectual e moral, as iniciativas passavam por:83

    - Organizar conferncias, sesses de msica, teatro, cinema educativo e palestras radiofnicas;

    - Promover visitas de estudo a museus, monumentos e outros locais de interesse histrico;

    - Instalar bibliotecas populares;

    - Criar cursos de cultura profissional ou geral, msica e canto coral.

    So infindveis as iniciativas da FNAT para a concretizao deste segundo tipo de objetivos,

    no cabendo no mbito do presente trabalho qualquer descrio mais ou menos exaustiva; referem-se

    contudo, a ttulo de exemplo, algumas iniciativas mais emblemticas, como sejam:84

    - Concertos no Coliseu de Lisboa;

    - Cursos no Centro de Cultura Popular;

    - Sesses solenes para dirigentes no Teatro Nacional D. Maria II;

    - Expanso por todo o pas, da rede de Centros de Alegria no Trabalho.

    Finalmente, destaca-se a aquisio pela FNAT, em 1962, do Teatro da Trindade em Lisboa.85

    As atividades mais populares da FNAT, [] vo ser os refeitrios econmicos, as col-

    nias de frias, a ginstica e o desporto ou, ainda, os seres recreativos para operrios (mais tar-

    de designados seres para trabalhadores) e certas iniciativas de folclore e etnografia. 86

    81

    Jos Carlos Valente, Estado Novo e Alegria no Trabalho, p.85 82

    www.inatel.pt [Consult.2016-07-04] 83

    Portugal, Presidncia do Conselho, Decreto-Lei n. 25.495 de 13 de junho de 1935. 84

    Jos Carlos Valente, Op. Cit., pp. 54, 57, 77 e 132 85

    www.inatel.pt [Consult.2016-07-04] 86

    Jos Carlos Valente, Op. Cit., p.54

    http://www.inatel.pt/http://www.inatel.pt/

  • 29

    1.5.7. Censura da