educação não escolar - discussão terminológica e mapeamentos dos fundamentos das tendências -...

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Atas do XI Colóquio sobre Questões Curriculares / VII Colóquio Luso-Brasileiro de Questões Curriculares / I Colóquio Luso-Afro-Brasileiro sobre Questões Curriculares – Currículo na contemporaneidade: Internacionalização e contextos locais. Realizado entre os dias 18 a 20 de setembro de 2014, na Universidade do Minho, Braga – Portugal, p. 754 a 760, ISBN: 978-989-8525-37-6. Disponível em: < http://webs.ie.uminho.pt/coloquiocurriculo/ >. Acessado em: 22/11/2014. EDUCAÇÃO NÃO ESCOLAR: DISCUSSÃO TERMINOLÓGICA E MAPEAMENTO DOS FUNDAMENTOS DAS TENDÊNCIAS Marcos Francisco Martins 1 UFSCar e CNPq (Brasil) [email protected] Resumo O texto problematiza as terminologias empregadas para denominar processos educativos que se desenvolvem fora da escola e apresenta um mapeamento das tendências desses processos a partir dos fundamentos que guardam, sustentado no materialismo histórico-dialético. Encontra-se no texto a asserção de que não é neutra a discussão terminológica e que a educação escolar e não escolar são determinadas pela e determinantes da vida social, porque operam com o modo de produção e de reprodução uma relação de tipo histórico-dialética, do que resultam similaridades entre as tendências que as orientam. O texto inscreve-se no “Eixo temático 5: Currículo e educação formal, não-formal e informal”. Palavras-chave: educação não escolar, fundamentos da educação, tendências educacionais. Os processos educativos que se desenvolvem fora da escola A centralidade da escola nas relações sociais de tipo capitalista não foi suficiente para fazer subsumir os processos educativos não escolares. Dado o fato de que estão sujeitas à mesma relação dialética com o processo de produção da existência humana, a complexificação dos tipos escolares seguiu paralelamente à complexificação das formas de educação não escolar. A partir da década de 1980, os processos educativos desenvolvidos fora da escola pulverizaram-se (GOHN, 1999; MARTINS, 2007) e ganharam o interesse dos que se dedicam às ciências humanas e sociais. Desse fenômeno surge um problema: como conceituá-los 2 , uma vez que mesmo tendo como identidade serem processos de ensino-aprendizagem guardam significativas diferenças entre si? Há uma tradição no Brasil na área da educação que identifica os processos educacionais que se efetivam fora da escola com o termo “educação não formal”, popularizado a partir de década 1960. A utilização mais usual deste termo indica contraposição à educação formal (GOHN, 2008, p. 123), seja pelas crises que passou, seja pela alegada “[...] rigidez, burocratismo, incompreensão, intolerância, incapacidade de diálogo e desvalorização do conhecimento e da cultura trazida pelos alunos” (GROPPO, 2013, p. 64), muito embora existam os que “[...] caracterizam a Educação não-formal como um complemento, um espaço alternativo para os rebeldes e insubordinados da escola” (idem). A essa identificação cabem críticas, como as de Park e Fernandes (2005, p. 10), porque o modelo educativo em referência tem forma, mas “[...] bastante fluida, com contornos maleáveis que se ajustam a indivíduos, desejos e conteúdos” (Id., Ibid., p. 68). 1 Coordenador do Mestrado em Educação da UFSCar campus Sorocaba, líder do Grupo de Pesquisa Teorias e Fundamentos da Educação, bolsista PQ-CNPq,graduado em Filosofia, com doutorado em Educação. 2 Produção “[...] da realidade [como] uma síntese, que reproduz no pensamento o concreto, o real, com todos os seus movimentos, suas determinações e ricas significações, tornado-se um concreto pensado.” (MARTINS, 2008, p. 132).

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Educação não-escolar: concepçõesMarcos Franscisco Martins

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  • Atas do XI Colquio sobre Questes Curriculares / VII Colquio Luso-Brasileiro de Questes Curriculares / I Colquio Luso-Afro-Brasileiro sobre Questes Curriculares Currculo na contemporaneidade: Internacionalizao e contextos locais. Realizado entre os dias 18 a 20 de setembro de 2014, na Universidade do Minho, Braga Portugal, p. 754 a 760, ISBN: 978-989-8525-37-6. Disponvel em: < http://webs.ie.uminho.pt/coloquiocurriculo/>. Acessado em: 22/11/2014.

    EDUCAO NO ESCOLAR: DISCUSSO TERMINOLGICA E MAPEAMENTO DOS FUNDAMENTOS DAS TENDNCIAS

    Marcos Francisco Martins1

    UFSCar e CNPq (Brasil)

    [email protected]

    Resumo

    O texto problematiza as terminologias empregadas para denominar processos educativos que se desenvolvem fora da escola e apresenta um mapeamento das tendncias desses processos a partir dos fundamentos que guardam, sustentado no materialismo histrico-dialtico. Encontra-se no texto a assero de que no neutra a discusso terminolgica e que a educao escolar e no escolar so determinadas pela e determinantes da vida social, porque operam com o modo de produo e de reproduo uma relao de tipo histrico-dialtica, do que resultam similaridades entre as tendncias que as orientam. O texto inscreve-se no Eixo temtico 5: Currculo e educao formal, no-formal e informal.

    Palavras-chave: educao no escolar, fundamentos da educao, tendncias educacionais.

    Os processos educativos que se desenvolvem fora da escola

    A centralidade da escola nas relaes sociais de tipo capitalista no foi suficiente para fazer subsumir os processos educativos no escolares. Dado o fato de que esto sujeitas mesma relao dialtica com o processo de produo da existncia humana, a complexificao dos tipos escolares seguiu paralelamente complexificao das formas de educao no escolar. A partir da dcada de 1980, os processos educativos desenvolvidos fora da escola pulverizaram-se (GOHN, 1999; MARTINS, 2007) e ganharam o interesse dos que se dedicam s cincias humanas e sociais. Desse fenmeno surge um problema: como conceitu-los

    2, uma vez que mesmo tendo como identidade

    serem processos de ensino-aprendizagem guardam significativas diferenas entre si?

    H uma tradio no Brasil na rea da educao que identifica os processos educacionais que se efetivam fora da escola com o termo educao no formal, popularizado a partir de dcada 1960. A utilizao mais usual deste termo indica contraposio educao formal (GOHN, 2008, p. 123), seja pelas crises que passou, seja pela alegada [...] rigidez, burocratismo, incompreenso, intolerncia, incapacidade de dilogo e desvalorizao do conhecimento e da cultura trazida pelos alunos (GROPPO, 2013, p. 64), muito embora existam os que [...] caracterizam a Educao no-formal como um complemento, um espao alternativo para os rebeldes e insubordinados da escola (idem). A essa identificao cabem crticas, como as de Park e Fernandes (2005, p. 10), porque o modelo educativo em referncia tem forma, mas [...] bastante fluida, com contornos maleveis que se ajustam a indivduos, desejos e contedos (Id., Ibid., p. 68).

    1 Coordenador do Mestrado em Educao da UFSCar campus Sorocaba, lder do Grupo de Pesquisa Teorias e

    Fundamentos da Educao, bolsista PQ-CNPq,graduado em Filosofia, com doutorado em Educao. 2 Produo [...] da realidade [como] uma sntese, que reproduz no pensamento o concreto, o real, com todos os seus

    movimentos, suas determinaes e ricas significaes, tornado-se um concreto pensado. (MARTINS, 2008, p. 132).

  • Crticas ao conceito de educao no-formal tm sido reiteradas por Silva, Souza Neto e Moura. Protagonistas dos Congressos Internacionais de Pedagogia Social e da ABES Associao Brasileira de Educadores Sociais (cf. ARAJO e PARENTE, 2010), afirmam a impropriedade do termo educao no-formal, optam pela identificao dos processos educativos no escolares pela terminologia educao social e advogam que tais prticas constituem-se com tamanha peculiaridade em relao escola que ensejam: a) criar cursos para a habilitao de educadores sociais em diferentes nveis (SILVA, SOUZA NETO E MOURA, 2009, p. 13, 307 e 308) para a formao de pedagogos sociais; b) a criao de uma nova cincia da educao, a Pedagogia Social, entendida como [...] Teoria Geral da Educao Social (Id., Ibid., p. 09 e 10).

    Processos educativos desenvolvidos fora do ambiente escolar tambm so denominados de educao popular. Muito embora a partir da dcada de 1980 tal terminologia tenha sido identificada com o legado de Freire, continua-se a utiliz-la indiscriminadamente porque se faz leituras variadas sobre a contribuio terica e prtica desse autor.

    Cabem crticas identificao de Libneo de uma das modalidades educativas como educao no-intencional, referindo-se [...]s influncias do contexto social e do meio ambiente sobre os indivduos (LIBNEO, 1992, p. 17), pois os que concebem a educao como produto e produtora do ser humano afirmam que todo fenmeno educativo intencional.

    No razovel, tambm, o emprego do termo educao informal, que para Libneo sinnimo de educao no intencional e para Gohn refere-se educao [...] que os indivduos aprendem durante seu processo de socializao na famlia, bairro, clube, amigos etc., carregada de valores e culturas prprias, de pertencimento e sentimentos herdados. (GOHN, 2008, p. 127). O termo informal confunde socializao com educao, com o risco de: a) produzir uma reduo no conceito de socializao; b) resultar em uma concepo conservadora sobre os processos de ensino-aprendizagem, como ocorre com Durkheim (KRUPPA, 1994); c) desconhecer que a educao formal desempenha outros papis para alm da socializao, como a construo de conhecimento sistematizado e da profissionalizao.

    impossvel dar conta do exerccio de crtica terminolgica, uma vez que so inmeras (cf. as 45 adjetivaes listadas por Saviani - 2008, p. 165204, e por Groppo, 2013). Isso porque se adjetiva o fenmeno educativo a partir de certas particularidades. No parece ser esse o caminho profcuo, da a opo pelo termo educao no escolar, que se justifica por 3 motivos, sem renegar o espao escolar, pois a escola guarda centralidade no processo de formao humana:

    1) identifica o que comum em todas as experincias educativas que se desenvolvem fora da escola: so processos de ensino-aprendizagem, sem adjetivar aspectos que lhes so particulares;

    2) contrape-se ao senso comum que acredita que educao s ocorre no ambiente escolar, destacando que h educao fora dela, inclusive, desenvolvida por processo que historicamente so anteriores a ela;

    3) colabora para que a ateno e o esforo heurstico do pesquisador da rea estejam voltados ao que h de mais essencial no fenmeno educativo: os fundamentos que sustentam e orientam os processos de ensino-aprendizagem.

    Contudo, a terminologia educao no escolar no suficiente para a produo do concreto pensado. Nesse caminho parece que avanou Groppo (2013) ao expor a gnese das prticas por ele identificadas de socioeducativas, a partir do conceito de campo social de Bourdieu. Considerando isso, importante identificar a [...] coerncia interna, isto , [a] determinao da unidade das vrias formas de desenvolvimento (KOSIK, 1976, p. 31) dos processos educativos no escolares, e justamente o que se pretende ao apresentar um esboo de mapeamento que se segue.

    Fundamentos das tendncias das prticas educativas no escolares

    Elaborar uma sntese (MARTINS, 2008, p. 125 - 159) dos fenmenos educativos no escolares por meio de um mapeamento dos fundamentos sobre os quais se assentam as tendncias que lhes orientam, assim como ocorre na literatura da rea da educao escolar no Brasil

    3, uma tarefa est por ser realizada. Da a legitimidade heurstica

    deste texto, pois por ele, na trilha de Severino (1994, p. 35), se produziu um quadro para avaliar as tendncias da educao no escolar.

    3 Cf. Aranha (1989) e de Luckesi (1994); e entre os que utilizaram mais claramente o referencial marxista para tanto,

    destacam-se Saviani (2008) e Libneo (1989).

  • FUNDAMENTOS DAS TENDNCIAS DOS PROCESSOS EDUCATIVOS NO ESCOLARES

    FUNDAMENTOS E CARACTERSTICAS

    TENDNCIA TRADICIONAL TENDNCIA CIENTIFICO-TECNICISTA

    TENDNCIA HUMANISTA-EXISTENCIAL

    TENDNCIA HISTRICO-DIALTICA TENDNCIA PS-MODERNA

    ONTOLOGIA

    viso de mundo

    (ser)

    Centrada na metafsica, segundo a qual o real fruto e se explica por elementos no fsicos. Natureza e homem integram a mesma ordem harmnica.

    Em oposio metafsica, fundamenta-se na viso cientfica moderna e entende o real como um sistema orgnico e harmnico, regido por leis de funcionamento.

    Orientada por uma viso humanista subjetivista, concebe o mundo como um espao de convivncia, cujos sentidos e significados so dados pelos sujeitos.

    Concebe o real como histrica produo humana, uma totalidade em movimento motivado por contradies objetivas e subjetivas; portanto, pela prxis o real est sujeito a transformaes nas partes e no todo, estruturado segundo os modos de produo da vida social.

    Concebe a realidade como um complexo articulado na forma de rede, multidi-mensional, fragmentado em microcosmos, instvel, no hierarquizado a partir de nenhuma dimenso da vida social (como a econmica) e com base nas tecnologias da microeletrnica, que integram as esferas biolgicas, psquicas e sociais do real.

    ANTROPOLOGIA

    viso sobre o ser humano (homem)

    O ser humano concebido como portador de uma essncia, que se manifesta em dons naturais inscritos nele desde o nascimento e que diferenciam os indivduos entre si.

    Concebe o ser humano como orgnico, regido por leis na-turais, mas c/ capacidade de conhec-las e as dinmicas de funcionam/o da realidade para domin-la, inclu-sive as da prpria natureza humana.

    O ser humano concebido como um ser dialgico que, pela linguagem, manifesta intencionalidades e determinado pela situao vivida, pelo grau de liberdade e pela conscincia.

    O ser humano concebido como um ser de prxis, por meio da qual historicamente satisfaz as prprias necessidades e, assim, produz o mundo e a si mesmo.

    Entende o ser humano como socialmente construdo, diverso sob o ponto de vista tico, poltico, esttico, social e cultural, e que se produz a partir das teias de relaes reais e virtuais que constitui historicamente.

    EPISTEMOLOGIA

    viso do conhecimento

    (saber)

    O conhecimento entendido como algo pronto, como algo essencial, e, portanto, deve ser identificado, sistematizado e transmitido para ser contemplado.

    O instrumento para conhecer o mundo a cincia, que se desenvolve produzindo conhecimento a partir da observao e da experimentao.

    O conhecimento resultante do dilogo intersubjetivo e a validade resultante do consenso construdo entre indivduos e grupos sociais.

    O conhecimento resultante da relao dialtica entre os suj. e o mundo natural e soc., em um de-terminado contexto, com vistas a transform-lo, da a prxis como critrio de validade do conheci/o.

    No constitui uma unidade epistemolgica bsica. crtica ao cartesianismo (hierar-quia e especializao de saberes), ao deter-minismo e viso linear do conhecimento, introduz a incerteza no mbito cientfico e declara o fim das metanarrativas.

    AXIOLOGIA

    viso da ao humana (agir)

    As aes devem efetivar o que os homens trazem em potncia e, assim, promover a harmonia do indivduo com a realidade.

    As aes devem promover a racionalidade tcnica, entendida como neutra tica e politicamente, com vista a tornar os indivduos competentes.

    As aes devem promover indivduos e grupos sociais a outra situao existencial, com graus diferentes de liberdade e de conscincia, buscando maior autonomia.

    As aes devem transformar sujeitos individuais e coletivos, bem como a realidade como totalidade. Visam a produzir uma realidade no estruturada em classes sociais, o socialismo.

    As aes devem integrar homem e mundo, mantendo as diversas formas de alteridade contempornea, promovendo a co-nexo dos saberes e cuidando da sustentabilidade ecolgica (relao homem-natureza).

    a) educao centrada na transmisso de contedos (elementos subjetivos,

    a) educao focada no mtodo, que deve instrumentalizar os

    a) a educao visa a elucidar e alterar a situao existencial, para promover a autonomia no

    a) a educao visa formao integral, compromissada tica e politicamente com a superao da

    a) a educao foca, alm do saber reformulado (ps-moderno), os aspectos culturais, que so prprios da realidade

  • CARACTERSTICAS DOS PROCESSOS

    EDUCACIONAIS NO ESCOLARES

    (educar)

    culturais e morais), sem relao com as contradies da realidade concreta;

    b) a ao educativa conservadora e se confunde com filantropia;

    c) o educador sujeito central no processo, com autoridade para ser redentor dos educandos;

    d) o educando visto como ignorante.

    indivduos, visando eficincia socioeconmica;

    b) a ao educativa se reduz capacitao tcnico-cientfica;

    c) o educador um cientista-tcnico: indivduo competente, e como tal tem autoridade para organizar o ensino para promover a competncia dos demais;

    d) o educando compreendido como incompetentes, no sentido econmico e social do termo.

    contexto vivido;

    b) a ao educativa volta-se a indiv-duos e comunidades, orientadas, principalmente, pela noo de incluso, empoderamento e cidadania;

    c) o educador intrprete do real e interlocutor dos indivduos e grupos comunitrios;

    d) privilegia educar indivduos e/ou comunidades que vivem em situao de vulnerabilidade social.

    sociedade de classe;

    b) a ao educativa volta-se transformao dos homens e grupos sociais (produo de catarse) e das relaes sociais globais;

    c) o educador um militante (Cf. MARTINS, 2007), que luta pela transformao global das relaes sociais para construir o socialismo;

    d) privilegia educar sujeitos das classes subalternas.

    hodierna;

    b) a ao educativa visa a promover uma reforma cientfica e cultural, por meio da integrao dos saberes e articulada pelas novas tecnologias da comunicao e da informao;

    c) o educador um reformador do pensamento e do homem no mundo;

    d) o educando so todos os homens de todas as classes, os quais precisam reaprender a viver na nova, complexa, diversa e cambiante realidade.

  • O objetivo do mapeamento colaborar com o entendimento das nuanas fundantes dos processos de ensino-aprendizagem no escolares, o que no significa que nele se enquadrem perfeitamente o conjunto dessas experincias (cf. LIBNEO, 1989, p. 05).

    A Tendncia Tradicional informa indivduos, grupos sociais e instituies, estatais ou no, que fazem da educao instrumento de assistencialismo. Integram as iniciativas orientadas por essa tendncia as que foram e so desenvolvidas por sujeitos ligados a igrejas e por profissionais do Servio Social, sobretudo, as de antes da Virada crtica de 1979.

    Na Tendncia Cientificista-Tecnicista destacam-se as iniciativas desenvolvidas pelo que se convencionou equivocadamente chamar de terceiro setor. Muitas ONGs so ex. desse novo padro de interveno social, [...] entidades comunitrias e filantrpicas, particularmente as que se organizam como empresas sociais, tornando a solidariedade um valor de troca. (MARTINS e MENDONA, 2010, p. 19)

    Groppo chamou tais prticas de educao organizacional, pois compem [...] um verdadeiro mercado social capitaneado por ONGs profissionalizadas e fundaes empresariais (GROPPO, 2013, p. 68), que esto contaminando os processos de educao escolar (cf. FRIGOTTO, 1995).

    As tendncias Tradicional e Cientificista-Tecnicistas orientam aes educativas na perspectiva da conservao das relaes sociais, uma vez que visam a educar indivduos e grupos sociais para se integrarem harmonicamente na realidade. A Tendncia Cientificista-Tecnicista est mais em evidncia atualmente e as prticas que orientam revelam que se seguem a lgica que preside o flexvel funcionamento do metabolismo do capitalismo contemporneo, vide os programas, cursos e projetos educativos voltados ao empreendedorismo social.

    A Tendncia Humanista-Existencial tem perspectiva de transformar os indivduos e, no limite, a situao comunitria em que esto inseridos, mas no visa a alterar a estrutura social global. As aes que inspiram caracterizam-se por uma prxis comunitria (MARTINS, 2007), que tende a orientar processos educativos para empoderar indivduos e grupos para que sejam includos no conjunto das relaes sociais, do que resulta que, em alguma medida, se tornam funcionais ao sistema de vida social. Iniciativas de Educao de Jovens e Adultos desenvolvidas por mov. e org. sociais orientadas por uma reduzida leitura fenomenolgica-existencial de Freire (cf. GIOVEDI, 2006) so exemplos a citar, bem como prticas educativas desenvolvidas por ONGs que se articulam em torno do discurso da incluso, do empoderamento e da cidadania. Assim tambm as prticas educativas de org. que lidam com adolescentes em conflito com lei e mesmo as que desenvolvem o cooperativismo restrito ao objetivo de aumentar a renda dos indivduos e comunidades por meio da integrao precarizada no ciclo de produo. Deve ser citada, ainda, a educao social, pela leitura do legado de Freire (SILVA, SOUZA NETO e MOURA, 2009, p. 19), sem lhe evidenciar o vis marxista.

    A Tendncia Histrico-Dialtica orienta aes educativas no escolares de alguns dos movimentos sociais clssicos, que se articulam na forma de partido e sindicato, mas tambm organizaes sociais novas, como o MST, muito embora, neste caso, possa haver recorrncia a outros fundamentos (cf. OLIVEIRA, 2008), mesmo que contemporaneamente esteja sendo promovida uma aproximao entre este movimento e a Pedagogia Histrico-Crtica, declaradamente marxista.

    Apesar de haverem diferentes iniciativas educacionais no escolares que se orientam pela Tendncia Ps-Moderna, as mais relevantes so as desenvolvidas por coletivos e organizaes sociais NMS: Novos Movimentos Sociais - articuladas pelo Frum Social Mundial. Este um espao plural, no interior do qual se encontram grupos que tm referncia em autores como Boaventura de Sousa Santos, Castells, Wallerstein, Hardt, Negri e Touraine. As iniciativas educativas deles contriburam para, p. e., educar jovens que no Brasil produziram os movimentos de junho de 2013 (MARTINS, 2013). Esta e as demais lutas sociais anticapitalistas protagonizadas por esses sujeitos revela que h um germe de perspectiva transformadora da estrutura social (cf. FREITAS, 2005).

    Alm dessas, existem iniciativas educativas que mesclam os fundamentos e as caractersticas descritos no mapeamento apresentado, e outras, ainda, que com eles no se identificam. Esse o caso das tendncias compreendidas como libertrias, que tm fundamento no anarquismo como teoria social. Como exemplo, podem ser citados os Black Bloc, que se articulam por redes sociais informticas e renegam a denominao de grupo ou movimento social, preferindo intitular-se como

  • estratgia de ao direta e impessoalizada contra os cones do modo de vida capitalista, agindo sem qualquer mediao institucional, pois a negam como princpio.

    Apontamentos finais

    H dois destaques finais. Primeiro: a discusso terminolgica sobre a educao no escolar exposta, muito embora limitada, quer reportar ao leitor que o debate sobre nomenclatura dos processos de ensino-aprendizagem que se desdobram fora do ambiente escolar no simples e nem, muito menos, neutro. As adjetivaes produzidas para denominar tais processos se sustentam em vises de mundo, as quais engendram determinadas prticas sociais. Essas so orientadas por fundamentos, os quais forjam tendncias que orientam processos educacionais manifestamente conservadores da realidade ou transformadores dos indivduos, dos grupos sociais, das comunidades ou mesmo da realidade social global. Segundo: o mapeamento das tendncias de educao no escolar considera que as mesmas determinadas e determinantes condies sociais que implicam decisivamente na educao escolar, so as que interferem categoricamente na educao no escolar. Sob esse ponto de vista, a educao escolar e no escolar esto sujeitas a mesma relao histrico-dialtica com o modo de produo e reproduo da vida social de uma formao social.

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