diretrizes curriculares e proposta pedagÓgica: … · “diretriz curricular” e “proposta...

27
DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: Um estudo comparativo Adalnice Passos Lima* 1 Secretaria de Estado da Educação do Paraná RESUMO - Este artigo é resultado do estudo comparativo do conteúdo de dois documentos que contêm o direcionamento pedagógico para as escolas quanto ao planejamento curricular que orienta a ação dos professores e alunos: as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná e a Proposta Pedagógica. Com o objetivo de verificar a aproximação ou o distanciamento existente entre o conteúdo dos dois documentos, o modelo hermenêutico de análise de texto jurídico e a técnica de análise de texto de Bardin foram escolhidos para realizar a comparação, tendo em vista que ambos permitem um tratamento mais flexível da informação e, portanto, são formas de análise de texto que conseguem contemplar as singularidades das instituições escolares que participaram do estudo. As semelhanças e diferenças de conteúdo foram coletadas por meio da análise dos recursos semânticos e sintáticos utilizados na construção dos textos. Embora o estudo tenha sido realizado com textos especialmente escritos para a disciplina de Língua Estrangeira, e, em particular o inglês, a metodologia revelou que essa forma de análise pode ser aplicada em textos semelhantes de outras disciplinas e que os resultados poderão ser usados para subsidiar o planejamento de ações pedagógico-administrativas que buscam a melhoria da qualidade do ensino ofertado nas escolas, tais como implementação das Diretrizes Curriculares, reformulação da Proposta Pedagógica e organização da formação em serviço de professores. Palavras-chave: Diretrizes Curriculares. Proposta Pedagógica. Gestão Escolar. Planejamento Escolar. Qualidade de ensino. Curriculum Guidelines and Pedagogic Proposition: A comparative study. ABSTRACT - This article is the result of a comparative analysis of the content of two documents that provide pedagogical guidelines for the planning and organization the work developed by teachers and students in schools: the Curriculum Guideliness of the state of Parana (Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná) and Pedagogic Proposition (Proposta Pedagógica). The aim of this analysis is to identify how close or distant the content of these two documents are. The hermeneutic model of legal text analysis and the text content analysis developed by Bardin were used to compare the documents. They allow flexible treatment of information and, therefore, are types of text analysis that can deal with the singularities of the schools that took part in the study. Content similarities and differences were collected from semantic and syntactic resources available in text structure. Even though the chosen methodology of analysis was applied on texts addressed to foreign languages, it can also be used on texts for other school subjects once the analysis results can become the basis of pedagogical and administrative action plans such as the implementation of curriculum guidelines, changes in school pedagogic propositions and organization of in-service teaching courses. Key words: Curriculum Guidelines. Pedagogic Proposition. School Management. Curricular Planning. Quality of teaching. 1. INTRODUÇÃO 1 Professora de Inglês da Secretaria de Estado da Educação do Paraná participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE 2007. E-mail: [email protected].

Upload: dinhxuyen

Post on 10-Nov-2018

227 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA:

Um estudo comparativo

Adalnice Passos Lima*1

Secretaria de Estado da Educação do Paraná

RESUMO - Este artigo é resultado do estudo comparativo do conteúdo de dois documentos que contêm o direcionamento pedagógico para as escolas quanto ao planejamento curricular que orienta a ação dos professores e alunos: as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná e a Proposta Pedagógica. Com o objetivo de verificar a aproximação ou o distanciamento existente entre o conteúdo dos dois documentos, o modelo hermenêutico de análise de texto jurídico e a técnica de análise de texto de Bardin foram escolhidos para realizar a comparação, tendo em vista que ambos permitem um tratamento mais flexível da informação e, portanto, são formas de análise de texto que conseguem contemplar as singularidades das instituições escolares que participaram do estudo. As semelhanças e diferenças de conteúdo foram coletadas por meio da análise dos recursos semânticos e sintáticos utilizados na construção dos textos. Embora o estudo tenha sido realizado com textos especialmente escritos para a disciplina de Língua Estrangeira, e, em particular o inglês, a metodologia revelou que essa forma de análise pode ser aplicada em textos semelhantes de outras disciplinas e que os resultados poderão ser usados para subsidiar o planejamento de ações pedagógico-administrativas que buscam a melhoria da qualidade do ensino ofertado nas escolas, tais como implementação das Diretrizes Curriculares, reformulação da Proposta Pedagógica e organização da formação em serviço de professores.

Palavras-chave: Diretrizes Curriculares. Proposta Pedagógica. Gestão Escolar. Planejamento Escolar. Qualidade de ensino.

Curriculum Guidelines and Pedagogic Proposition: A comparative study.

ABSTRACT - This article is the result of a comparative analysis of the content of two documents that provide pedagogical guidelines for the planning and organization the work developed by teachers and students in schools: the Curriculum Guideliness of the state of Parana (Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná) and Pedagogic Proposition (Proposta Pedagógica). The aim of this analysis is to identify how close or distant the content of these two documents are. The hermeneutic model of legal text analysis and the text content analysis developed by Bardin were used to compare the documents. They allow flexible treatment of information and, therefore, are types of text analysis that can deal with the singularities of the schools that took part in the study. Content similarities and differences were collected from semantic and syntactic resources available in text structure. Even though the chosen methodology of analysis was applied on texts addressed to foreign languages, it can also be used on texts for other school subjects once the analysis results can become the basis of pedagogical and administrative action plans such as the implementation of curriculum guidelines, changes in school pedagogic propositions and organization of in-service teaching courses.

Key words: Curriculum Guidelines. Pedagogic Proposition. School Management. Curricular Planning. Quality of teaching.

1. INTRODUÇÃO

1 Professora de Inglês da Secretaria de Estado da Educação do Paraná participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE 2007. E-mail: [email protected].

Page 2: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

A preocupação com a qualidade da educação no Brasil extrapolou os muros

das escolas. De abril a junho de 2007, jornais e revistas, ao publicarem os

resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica de 2005 (IDEB),

demonstraram sua perplexidade diante do fato de nenhuma escola brasileira ter

atingido a nota mínima (6,0). Com a média nacional em 3,8, descortinou-se um

futuro de muito trabalho nas escolas, nas famílias e nas comunidades,

independentemente da condição social ou da localização da escola. No Paraná, a

nota mais alta coube ao Colégio da Polícia Militar (5,6) e segundo o responsável

pela instituição, o mérito não reside muito na maneira de ensinar, mas na “disciplina

militar adaptada” e na seleção dos candidatos, mais de mil para as 120 vagas.

Outro periódico, a revista Cláudia de abril de 2007, em artigo denunciando a

situação da qualidade do ensino no Brasil, afirma que “não adianta procurar nas

crianças e jovens a causa do desastre”. A revista resgata ainda o posicionamento de

Sebastião Amorin no artigo Ensino Básico, Silenciosa Tragédia Nacional,

publicado no jornal O Estado de São Paulo: “[a pouca aprendizagem se deve a] uma

dieta acadêmica rala, que está condenando nossas crianças à subnutrição

intelectual crônica”. Em outro momento, o texto ressalta que, segundo Maria Amábile

Mansutti, assessora da coordenação geral do Centro de Estudos e Pesquisas em

Educação, Cultura e Ação Comunitária, não é o caso de questionar a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação e suas regulamentações, mas que o “problema é

transformar isso em programas coerentes, que digam o que o aluno precisa

aprender e em que seqüência, para evitar lacunas no processo de aprendizagem”.

Em junho de 2008, o Ministério de Educação, através do Instituto Nacional de

Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), divulgou os resultados do IDEB/2007,

fato que deixou os paranaenses orgulhosos, pois o Estado não só alcançou, como

ultrapassou as metas estipuladas pelo MEC, apresentando sensível melhora em

relação ao IDEB/2005. E, se comparado com os demais estados do Brasil, o Paraná,

em todos os níveis de ensino da Educação Básica, foi apontado como o Estado com

os melhores resultados, ou seja, os alunos obtiveram o melhor desempenho no

Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), na Prova Brasil e nas taxas de

aprovação, repetência e evasão escolar coletadas pelo Censo Escolar.

2

Page 3: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

No entanto, Andreas Schleicher, responsável pela aplicação Programa

Internacional de Aferição de Estudantes (PISA), ao ser entrevistado pela revista Veja

em agosto de 2008, além de situar o Brasil dentre os últimos países no “ranking” de

ensino da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),

faz uma análise da educação brasileira. A forma como ele a caracteriza e a compara

com a educação de outros 57 países corrobora a importância desse trabalho de

análise documental das Diretrizes Curriculares do Paraná e da Proposta Pedagógica

da escola. Andréas Schleicher aponta as seguintes questões:

• “[Os brasileiros] são estudantes que demonstram certa habilidade para decorar a matéria,

mas se paralisam quando precisam estabelecer qualquer relação entre o que aprenderam na

sala de aula e o mundo real.”

• “Em um momento em que se valoriza a capacidade de análise e síntese, os brasileiros são

ensinados na escola a reproduzir conteúdos quilométricos sem muita utilidade prática”.

• “Enquanto o Brasil foca no irrelevante, os países que oferecem bom ensino já entenderam

que uma sociedade moderna precisa contar com pessoas de mente mais flexível”.

Quando perguntado se após uma década de avaliações do desempenho

educacional no Brasil, Schleicher percebe avanços. Ele afirma que “o Brasil passou

a ter chance de avançar no momento em que começou a mapear os problemas de

maneira objetiva”. Assim sendo, esta análise comparativa que procura investigar a

transposição das orientações constantes do texto das Diretrizes Curriculares do

Paraná para o texto das Propostas Pedagógicas das escolas mantidas pelo governo

estadual, se constitui em avaliação de parte do processo de implementação de um

novo encaminhamento pedagógico, que, neste estudo, é a normatização das DCE

pela escola com a redação de sua proposta pedagógica. Além da verificação se os

documentos cumprem a função de orientar os professores na organização do

currículo escolar com o objetivo de melhorar a qualidade do ensino, este estudo

pretende fornecer, de forma semelhante ao IDEB, informações para que o Estado do

Paraná, através de suas escolas, venha alcançar as novas metas educacionais

estabelecidas pelo MEC, tendo em vista que os documentos foco desta análise

embasam a ação pedagógica e conduzem a atuação dos professores na direção

dessas metas.

3

Page 4: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

O estudo comparativo desse trabalho foi realizado somente nos documentos

relativos à disciplina de língua estrangeira e se constituiu das seguintes fases: (a)

busca dos documentos, (b) pesquisa bibliográfica sobre diretriz curricular e proposta

pedagógica e a função de cada documento na estrutura administrativo-pedagógica e

legal da educação, (c) escolha de uma metodologia de análise de texto que pudesse

fornecer os elementos para a análise do conteúdo dos documentos, (d) elaboração

de critérios de comparação e organização da forma de registro dos dados, (e)

comparação e apresentação dos resultados.

2. DESENVOLVIMENTO DO ESTUDO

2.1. Documentos e Nomenclatura

Antes da análise do conteúdo dos documentos é importante distinguir “diretriz

curricular” de “proposta pedagógica”. A legislação vigente e a literatura consultada,

não raras vezes, empregam os mesmos termos para designar coisas ou conceitos

diferentes. “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra.

A primeira observação terminológica tem como fonte a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, LDBEN Nº 9394/96. O artigo 8º determina que união,

estados e municípios devem baixar normas complementares para seus respectivos

sistemas de ensino, enquanto que, para os estabelecimentos de ensino, cabe a

tarefa de “elaborar e executar a proposta pedagógica” (Art. 12). Por norma

complementar a que a lei se refere, entenda-se como sendo as Diretrizes

Curriculares Nacionais ou documento similar organizado pelas demais instâncias

administrativas. Portanto, diretrizes curriculares constituem um documento

direcionado a mais de uma escola ou sistema de ensino, de dimensão normativa, de

caráter obrigatório e, com a finalidade de orientar o planejamento curricular. Da

mesma forma que o termo “diretrizes curriculares”, “currículo” se caracteriza pela

amplitude de sua abrangência, pois fornece justificativas gerais para a formulação

da política educacional e que, para a política do ensino de línguas, combina

objetivos educacionais e culturais com objetivos lingüísticos (Dubin e Olshtain,

2000). Outros estudiosos do “currículo” também afirmam que esse documento é uma

descrição geral dos objetivos educacionais por meio da explicitação da filosofia

4

Page 5: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

educacional e da orientação teórica sobre a concepção de língua e de aprendizagem

de uma língua, sem deixar de considerar as questões nacionais e políticas relativas

à educação e, mais particularmente, sobre o ensino de inglês. As DCE, se

consideradas sob esse enfoque, podem ser reconhecidas como “currículo” porque

estabelecem que o ensino de uma língua deve ser realizado para atender:

• uma filosofia educacional que entende que a presença de uma língua

estrangeira na formação do aluno da Educação Básica vem ao encontro das

necessidades da sociedade contemporânea brasileira, porque se presta para

desenvolver não só o respeito à diversidade cultural e lingüística, como

também colabora na construção da identidade dos alunos pelo contato com

outras formas de comunicação e expressão da realidade. É ainda pela língua

estrangeira que o aluno pode vivenciar outras formas de se posicionar diante

das situações do cotidiano pessoal, nacional e mundial;

• uma concepção de língua, porque defende que a língua, fenômeno histórico-

cultural que se realiza na interação entre pessoas com fins comunicativos,

desvela princípios, valores e relações de poder inerentes aos seus falantes

enquanto indivíduos e membros de uma comunidade;

• uma concepção de aprendizagem de uma língua estrangeira, porque entende

que a língua deve ser aprendida em situações de uso concretas, significativas

e relevantes, a partir de textos orais e escritos, que conduzam a práticas

lingüísticas que possibilitem reflexões lingüístico-discursivas, ideológicas e

culturais. Nesse processo de aprendizagem, a língua materna tem papel

importante para o desenvolvimento da consciência lingüística e cultural da

língua estrangeira.

Dubin e Olshtain (2000), nas orientações sobre como elaborar currículos para

o ensino de língua, afirmam que, de um modo geral, os currículos contemplam uma

das seguintes abordagens de ensino: (a) behaviorista, que considera o ser humano

como um organismo passivo; (b) cognitivo-racional, que considera o ser humano

como fonte e gerador de fatos; (c) humanística, voltada para o crescimento individual

e desenvolvimento do ser humano sem esquecer fatores afetivos. Embora as

5

Page 6: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

orientações educacionais das DCE sejam compatíveis com uma ou mais teorias de

aprendizagem da língua, elas contemplam a última, que, sob a influência de Paulo

Freire, acrescenta a visão de mundo ao encaminhamento humanístico para que o

homem passe da consciência ingênua da própria realidade para uma consciência

crítica, caracterizada pelo anseio de profundidade na análise da realidade

reconhecida como mutável e pela capacidade de aceitar o novo, se válido (Freire,

1982). As afirmações sobre currículo acima expostas estão em consonância com o

Parecer 1362/2002 do Conselho Nacional de Educação, que afirma que as atuais

diretrizes curriculares nacionais não adotam o antigo conceito de currículo, “grade

curricular que formaliza a estrutura de um curso, [mas] é substituído por conceito

bem mais amplo, que pode ser traduzido pelo conjunto de experiências de

aprendizado”. O mesmo parecer salienta que o novo conceito de currículo adotado

possui três elementos: “atividades convencionais de sala de aula e complementares,

estudante ativo com o papel de construir o seu próprio conhecimento e experiência,

com orientação e participação do professor e, finalmente, programa de estudos

coerentemente integrado e fundamentado na necessidade de facilitar a

compreensão totalizante do conhecimento pelo estudante” (CNE, Parecer

1362/2002).

Por outro lado, a importância administrativa das diretrizes curriculares está no

fato de que são consideradas como mediadoras entre a flexibilização e a

descentralização do ensino, e entre a coordenação e o controle centralizados,

garantindo que os currículos contemplem os conteúdos da base nacional comum

determinados pela LDBEN.

Dificuldades de nomenclatura também são comuns com relação à

denominação do documento normativo e orientador gerado pelo estabelecimento de

ensino. A LDBEN 9394/96 o denomina de “proposta pedagógica”, enquanto que, no

Parecer 1362/2002 do Conselho Nacional de Educação, a formalização do currículo

dos cursos determinados pela instituição escolar para um dado período de tempo,

recebe a denominação de “projeto curricular”. Ainda é importante considerar que, no

jargão administrativo-pedagógico da educação brasileira, o termo “currículo” é

comumente utilizado em substituição à expressão “proposta pedagógica”, mas que,

neste trabalho, o sentido do termo “currículo” segue o parecer do CNE.

Quanto à função, DCE e Proposta Pedagógica não diferem: são documentos

que orientam a ação educativa. A distinção entre esses documentos reside em

6

Page 7: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

condições externas que determinam sua escrita. As DCE são de alcance mais amplo

e subsidiam a proposta pedagógica das escolas do sistema de ensino do Governo

do Estado. A Proposta Pedagógica, de responsabilidade da escola e a ela

destinada, deve ser elaborada a partir das determinações das DCE, por ser esta

proveniente de instância administrativa superior. Por outro lado, enquanto proposta,

ela não contém realizações, mas intenções e expressa o desejo de realizar a

educação de uma forma que contemple as DCE e possa satisfazer as necessidades

dos educandos, é documento que reúne as proposições pedagógicas resultantes de

reflexões sobre a intencionalidade educativa de um estabelecimento de ensino. É

documento que exige alteração sempre que as proposições se efetivam no cotidiano

da escola ou que novas diretrizes curriculares são apresentadas pela SEED.

Portanto, segundo Baffi (2002), a proposta pedagógica precisa ser “um instrumento

que permita clarificar a ação educativa da instituição educacional em sua totalidade

e tenha como propósito a explicitação dos fundamentos teórico-metodológicos, dos

objetivos, do tipo de organização e das formas de implementação e de avaliação

institucional”.

Nesta análise, a proposta pedagógica é concebida como:

• documento elaborado para um contexto específico que segue e particulariza

as orientações curriculares das instâncias educacionais superiores;

• instrumento pelo qual se exerce a autonomia da escola, levando-se em

consideração o aluno real, o docente, a comunidade, e os profissionais de

apoio;

• documento articulador dos processos que ocorrem na Instituição Educacional

desde os mais simples aos mais complexos;

• registro das idéias norteadoras de todo o trabalho educacional, considerando

a disciplina, a série e nível de ensino, com sugestões de organização das

atividades de ensino conforme estabelecido pelo sistema de ensino: bimestral

ou semestral;

• formalização de sugestões para gestão do currículo na sala de aula;

7

Page 8: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

• documento referencial onde pais e professores encontram o direcionamento

político-pedagógico que a escola escolheu para realizar processo de ensino

aprendizagem.

2.2. O contexto do estudo

Promulgada a LDBEN 9394/96, ao Estado coube a tarefa de estabelecer para

seu sistema de ensino normas complementares à lei. Essas normas que orientam o

encaminhamento pedagógico para a Educação Básica receberam a denominação

de Diretrizes Curriculares Educacionais (DCE). Ao adotar o princípio da gestão

democrática do ensino público, conforme explicitado na LDBEN, a Secretaria de

Estado da Educação do Paraná, em 2004, optou por construir o documento com a

participação dos professores. A versão das DCE utilizada na análise comparativa

com as propostas pedagógicas das escolas é a versão preliminar divulgada em

2006, após a realização de inúmeros encontros, seminários e grupos de estudo, que

contaram com a participação de professores dos diferentes níveis e modalidades de

ensino de todo o Estado.

É importante tecer algumas considerações a respeito do clima da escola

diante da perspectiva eminente de mudança. Os anos em que ocorreram as

discussões sobre os novos encaminhamentos curriculares podem ser caracterizados

como um período delicado. Segundo Everard e Morris (2002), certa insegurança se

instala na escola, tendo em vista que a mudança não só altera conceitos,

concepções e valores, como também a maneira de atuar em sala de aula. Alguns

depositam no novo a esperança de melhoria da qualidade do trabalho que se realiza

na escola, quer seja ele ensino ou aprendizagem. Outros, no entanto, com a

proximidade do novo, resistem a ele apostando no seu fracasso. Apesar das DCE no

Paraná terem sido elaboradas com intensa participação dos professores, a

instabilidade pedagógica se instalou na rede estadual de ensino em 2004 e os

professores têm reagido de formas diversas: “estou fazendo tudo errado e vou ter

que jogar tudo fora”, “nada vou mudar porque meus alunos estão aprendendo”, “lá

vem outra moda para dar mais trabalho” ou “vamos fazer diferente para melhorar

ainda mais a aprendizagem”. Para que a insegurança não se transforme em caos,

cada etapa da implementação das DCE precisa ser cuidadosamente planejada para

8

Page 9: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

promover interferência positiva na aprendizagem e a melhoria da qualidade do

ensino seja realmente alcançada. Everard e Morris afirmam ainda que não se trata

de conceber a implementação como um período com final pré-determinado em que

as pessoas simplesmente tomam conhecimento da mudança. Este é um período de

interação entre os profissionais, diálogo, “feedback”, mudança de objetivos, planos

de atualização profissional, estabelecimento de micro-políticas, mudanças que

envolvem sentimentos e valores diversos que podem gerar confusão e até

frustração.

Pelo exposto acima percebe-se a relevância do presente trabalho, pois ele

pretende identificar dificuldades de implementação das DCE na escola. Em outras

palavras, a análise comparativa, ao detectar distorções de entendimento e

encaminhamento das DCE no texto da Proposta Pedagógica, é capaz de fornecer

subsídios para o planejamento cuidadoso da reformulação da proposta com vistas a

efetivar a implementação das DCE na sala de aula. E, ainda, os resultados deste

trabalho podem ser utilizados para contribuir para que o período de mudança se

caracterize como momento pedagógico positivo, tendo em mente que a análise

também se presta para realçar os progressos e acertos.

2.3. Modelo e técnica de análise

Analisar um texto significa estudá-lo em suas partes para melhor poder

compreendê-lo e interpretá-lo. Uma análise de texto é realizada com objetivos bem

variados. Podem estar relacionados à didática, como, por exemplo, a identificação

da idéia mais importante do conteúdo do texto, ou a questões prático-profissionais,

como a familiarização com termos técnicos. Mais particularmente, em textos

normativos como os que são objeto deste estudo, a análise que nos pareceu mais

apropriada segue o modelo hermenêutico de análise jurídica por ser o modelo que

mais afinidade tem com as concepções educacionais hoje adotadas no sistema de

ensino brasileiro. Esse modelo fundamenta-se na idéia de “uma sociedade aberta

dos intérpretes da [lei e] incide sobre os direitos fundamentais tanto pela ampliação

democrática que proporciona à medida que todos são admitidos como intérpretes

prováveis” (Guerra e Emerique). Portanto, a hermenêutica jurídica estuda e

sistematiza para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito e se

9

Page 10: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

contrapõe ao modelo convencional que trabalha somente com duas alternativas:

aplicável e não aplicável à regra. Convém lembrar que, para o modelo hermenêutico,

“o intérprete de uma norma [...] deve ser cuidadoso, no sentido, também, de não

considerar com extremo o fator jurídico dessa norma, sob pena de extirpar a sua

natureza política em tal grau que inviabilizará sua fonte de axiologia principiológica

diretora” (Guerra e Emerique).

O modelo hermenêutico de interpretação de textos jurídicos, se aplicado à

educação, flexibiliza o entendimento da concepção de mundo e de educação. Na

interpretação das formas de resistência à mudança, o modelo hermenêutico procura

sistematizá-las para ter subsídios para estabelecer maneiras de minimizá-la. Essa

maneira mais aberta de análise de documentos jurídicos se torna mais aplicável à

situação deste estudo, pois a dinâmica social faz com que escolas possuam

características diversas que as farão transpor as orientações das DCE de maneiras

diferenciadas. Em um modelo mais rígido seria impossível fazer a comparação dos

documentos, tendo em vista que a proposta pedagógica não é transcrição das DCE,

mas registro da forma particular como seu conteúdo pode ser aplicado em uma

realidade bem definida e única.

Para realizar a análise comparativa das DCE com a Proposta Pedagógica

(PP), foi escolhida a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (1977), com

o objetivo de servir de prova para verificação das hipóteses levantadas

apresentadas. Essa técnica consiste em, primeiramente, categorizar os temas

presentes no documento, isto é, identificar as orientações das DCE para o ensino de

língua estrangeira e, depois, identificar essas orientações para o ensino de inglês na

PP da escola. Em outras palavras, com a aplicação da técnica de análise de

conteúdo de Bardin, pretende-se verificar como as orientações pedagógicas para o

ensino de línguas estrangeiras das DCE se transformam em orientações para o

ensino de inglês nas escolas. Na categorização foram utilizados, indistintamente,

três níveis de análise: semântica, sintática e pragmática. A análise semântica,

embora dela resulte uma categorização nada consensual porque se baseia na

interpretação pessoal de quem faz a análise do conteúdo do texto, é o nível

responsável pelo estabelecimento das semelhanças ou diferenças entre os

conteúdos dos textos. A sintática utiliza-se de padrões frasais que são tomados

como ponto de partida para a categorização dos conteúdos. E a pragmática

estabelece a relação entre o resultado da análise semântico-sintática com a quem

10

Page 11: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

se destina o texto. A opção por um ou outro nível de análise não foi determinada “a

priori”, mas estabelecida a partir da situação em que semelhanças e diferenças

surgiram nos textos.

2.4. Metodologia da pesquisa

Após a definição do modelo e da técnica de análise, o trabalho se

desenvolveu em três etapas. A primeira etapa, denominada por Bardin de pré-

análise, foi o período em que foram coletados os documentos objeto de análise:

versão das DCE disponibilizada para as escolas na data em que se iniciou o

trabalho e as Propostas Pedagógicas das escolas. Para que fosse possível uma

pequena generalização dos resultados, a análise comparativa das DCE foi realizada

com Propostas Pedagógicas de 6 estabelecimentos de ensino, 3 da capital e 3 do

interior, aqui denominados de A, B, C, D, E e F para preservar as unidades

escolares. Se “a chance de avançar [reside] no momento em que [a escola] começa

a mapear os problemas de maneira objetiva”(Schleicher, 2008), foi possível

antecipar que a redação desse documento seria o espaço onde poderia ser avaliada

a implementação das DCE no documento que orienta pedagogicamente os

professores de uma unidade escolar. Identificados os pontos em que a PP

referendava as DCE e os pontos em que os dois documentos se contrapunham, a

natureza deles passou a ser o foco da atenção deste estudo. Assim a análise dos

documentos foi realizada com o intuito de identificar se:

• a PP se caracteriza como documento destinado a um contexto específico, em

contraposição às DCE que se destinam a todas as escolas;

• a PP se caracteriza como documento que vislumbre uma prática pedagógica

que vai ao encontro das necessidades dos alunos e possibilidades dos

professores pertencentes a uma comunidade escolar delimitada, tendo em

vista que a limitação das DCE é de ordem geográfica, o Paraná ;

• a PP se caracteriza como documento articulador dos processos educativos

que ocorrem em uma instituição educacional, por ser essa uma das

orientações das DCE ;

11

Page 12: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

• a PP se constitui em registro das idéias norteadoras do trabalho educacional,

considerando disciplina, série e nível de ensino, e traz sugestões de

organização das atividades, conforme estabelecido pelo sistema de ensino,

uma vez que as orientações das DCE são pertinentes a todas as etapas da

Educação Básica;

• a PP, considerada como a formalização de sugestões para gestão do

currículo na sala de aula, serve de guia para o professor;

• a PP particulariza o direcionamento político-pedagógico das DCE

estabelecendo prioridades para seus alunos e professores.

Na segunda etapa, exploração do material, foi aplicada a técnica de Bardin no

texto das DCE para estabelecimento dos itens a serem utilizados como referências

na comparação das DCE com a PP. Para facilitar a localização das idéias ou

conceitos presentes no texto, cada uma das frases recebeu um número de

identificação. A tarefa seguinte foi agrupar as frases que continham o mesmo

conteúdo, ou seja, agrupar as frases com a mesma diretriz pedagógica. Ao realizar

essa tarefa foi possível identificar os termos e conceitos que se repetem por todo o

texto das DCE. Como exemplo, pode ser citado “discurso” que, em um mesmo

parágrafo da página 29 das DCE, é encontrado da seguinte forma: “...em todo

discurso...”, “...engajamento discursivo ...” e “ ... espaço discursivo ...”. E a expressão

“construção de significados” e suas variações se fazem presentes em pelo menos

duas vezes nas páginas que tratam da fundamentação teórica. A partir desse fato,

foi possível concluir que a técnica aplicada ao texto permitiu detectar a densidade

conceitual e também localizar a adequação da redação e sua intencionalidade, isto

é, verificar, por exemplo, se no espaço destinado ao encaminhamento pedagógico

há preocupação com conceituação. Após o agrupamento das frases, a

categorização do conteúdo foi o passo seguinte e ficou definida da seguinte forma:

concepção de educação, de língua, de sujeito, de discurso, de texto, de leitor, de

leitura e de cultura; objetivos do ensino de LE; metodologia do ensino de LE; seleção

e organização do conteúdo; material didático e avaliação da aprendizagem (ver

anexo).

Com os textos das PP foram adotados os mesmos procedimentos iniciais

utilizados com o texto das DCE. Após a numeração das frases da PP, foi feita a

12

Page 13: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

leitura com o propósito de agrupá-las não entre si, mas junto às frases das DCE e

respectivas categorias. Essa tarefa foi realizada com o auxílio de uma tabela em que

a primeira coluna foi preenchida com trechos do texto do documento da SEED e as

demais preenchidas com os números identificadores das frases presentes nas PP

de cada estabelecimento participante da pesquisa, isto é, colocados na mesma linha

em que, na primeira coluna, estava a orientação correspondente das DCE.

Quadro 1- Comparativa 1

DCE - CONCEPÇÃO DE DISCURSOPP da

Escola

A

PP da

Escola

B

PP da

Escola

C

PP da

Escola

D

PP da

Escola

E

O discurso é forma representativa do que somos 1 21 11

O discurso não é individual, é prática social. 218-47-56

-6413-23

O discurso está vinculado à história e ao mundo social 2-6 20

O discurso está ligado a poder e verdade 47 19

O discurso se realiza no texto e pelo texto 56-59

O discurso é conjunto de princípios, valores e significados subjacentes aos textos.

Gêneros do discurso são tipos de organização do texto determinados pelo contexto (grupo social, espaço e tempo)

82-84 32

No interdiscurso (individual) o enunciador identifica os enunciados que incorpora no intradiscurso (grupo).

60 31

Fonte: Elaboração própria

Na terceira etapa, ou seja, momento para o tratamento dos resultados, a

análise comparativa não se pautou somente no conteúdo, isto é, não se resumiu em

verificar se a orientação das DCE estava ou não presente nas PP. O estudo da

forma como a orientação pedagógica da DCE foi redigida nas PP serviu para

constatar não só a transposição das orientações das DCE para as PP, mas também

foi usada para estabelecer se as orientações das DCE estão presentes nas PP e

13

Page 14: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

verificar se as PP cumprem seu papel de guia pedagógico para professores de suas

escolas.

2.5. Resultados

O primeiro contato com os dois documentos nos levou a concluir que as PP

das escolas foram escritas seguindo as orientações pedagógicas das DCE frente à

quantidade de termos comuns aos dois tipos de documentos. Por terem sido escritos

com o propósito de fornecer orientações pedagógicas, a semelhança da função do

texto também leva a reconhecer PP como documento que segue as DCE. No

entanto, a literatura aponta que existe uma diferença entre os destinatários de cada

documento e é com base nesse fato que foi possível perceber que, da forma como

está escrita, a PP não cumpre seu papel de guia pedagógico da escola. Os

resultados da análise comparativa dos documentos também revelam a fragilidade

das PP como registro de expectativa de prática pedagógica de uma escola.

Diferentemente das demais disciplinas, antes da apresentação da proposta

pedagógica de Língua Estrangeira, a escola precisa, em primeiro lugar, resolver uma

questão que as DCE deixam em aberto: anunciar e justificar a língua estrangeira

escolhida para integrar o currículo. Nas PP analisadas, essa definição não está

explícita como é de se esperar, pois os textos, a maior parte das vezes, continuam

adotando o tom genérico das DCE, isto é, disponibilizam orientações pedagógicas

aplicáveis ao ensino de qualquer língua estrangeira na Educação Básica. Este fato é

percebido na permanência do termo “língua estrangeira” em vez de “inglês” ou

“língua inglesa”. São poucos os momentos em que se percebe que as escolas

assumem que a língua a ser ensinada é o inglês. Por exemplo, as escolas B e E

fazem referência direta ao inglês somente quando relacionam os objetivos. Como

conseqüência, as justificativas que levaram as escolas a ensinar Inglês não são

específicas para essa língua, não estão relacionadas ao papel que ela desempenha

na sociedade, papel que difere do Espanhol, língua dos países vizinhos, e do

Ucraniano ou do Alemão, línguas de comunidades de imigrantes que se

estabeleceram no Paraná. Justificativas genéricas como “dar condições para que o

aluno se relacione com outras comunidades e outros conhecimentos” e “encorajar os

alunos a ter uma posição crítica frente aos textos para superar a leitura tradicional”

se aplicam a qualquer língua de um currículo, inclusive a materna.

14

Page 15: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

Conforme afirmação anterior, as PP são documentos que reproduzem as

orientações das DCE, porque a educação por elas preconizada está voltada para as

necessidades da sociedade contemporânea que, na escola, se serve da LE para

trabalhar a diversidade cultural e lingüística sem caráter hegemônico de uma sobre

outras. Percebe-se também que as PP concebem o aluno como resultado da

incorporação de diversas maneiras de entender o mundo e que sua transformação

depende em grande parte de sua capacidade de interagir com o texto, resultado de

uma prática social vinculada ao momento e contexto de sua produção. No entanto,

ainda em decorrência da explicitação da língua a ser ensinada, os textos não

apontam para o cuidado que o professor precisa ter com relação a questões

específicas da língua inglesa: hegemonia da língua em setores da sociedade como

ciência, economia, informação e comunicação, a valorização social da língua

enquanto fator de melhor empregabilidade e língua materna de países do primeiro

mundo. Por outro lado, é importante ressaltar que, se considerados fatores

geopolíticos, para os brasileiros o inglês não é de extrema relevância comunicativa:

o Brasil tem como vizinhos países hispano falantes. O texto das PP não orienta

professores quanto a essas questões.

Outro aspecto observado em todas as PP está relacionado ao tratamento

dado às orientações das DCE. Feita a comparação, verificou-se que a história do

ensino de línguas no Brasil nem sempre está presente no texto das PP e que há

grande preocupação com a concepção de língua, objetivos e metodologia do ensino

de LE, enquanto que sobre material didático e avaliação há pouca orientação. No

que se refere à concepção de língua, é importante ressaltar que as PP repetem as

idéias gerais presentes nas DCE ao invés de aprofundar a questão em relação ao

inglês, isto é, as PP não fazem menção à visão ideológica da sociedade que a

língua inglesa reflete na sociedade atual, não ressaltam a relação de poder

estabelecida entre falantes e não falantes de inglês, nem justificam porque não

convém considerar o inglês como código lingüístico apenas. No entanto, embora as

PP para a língua inglesa não se caracterizem como específicas para essa língua,

pela maneira como estão escritas possibilitam perceber que, veladamente, se

propõem a enfrentar formas de ensinar que não contribuem para a formação de um

aluno agente de sua própria história.

No processo de análise dos textos, o que se destacou por primeiro foi o

conjunto de frases que discorrem sobre a abordagem comunicativa, o ponto

15

Page 16: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

conflitante entre os documentos. As DCE, depois de mencionarem que, nas escolas

estaduais, a abordagem comunicativa é encaminhamento metodológico amplamente

adotado pelos professores de LE, afirmam que esta abordagem, apesar dos seus

aspectos positivos, não consegue atender os propósitos educacionais a que o

ensino de LE se propõe enquanto disciplina curricular, pois precisa “superar uma

visão de ensino de língua estrangeira apenas como meio para se atingir fins

comunicativos, que restringem as possibilidades de sua aprendizagem como

experiência de identificação social e cultural” (DCE, p. 29) advogando a adoção da

abordagem crítica. No entanto, o texto das DCE não pode prescindir do termo tendo

em vista que a atividade lingüística é uma atividade de comunicação. Os extratos

abaixo ilustram esse fato.

“...é fundamental que os professores reconheçam a importância da relação entre língua e

pedagogia crítica no atual contexto global educativo, pedagógico e discursivo, na medida que

as questões de uso da língua, do diálogo, da comunicação, da cultura, do poder, e as

questões da política e da pedagogia não se separam.” (DCE, p. 29)

” Assim, ao final do Ensino Fundamental, espera-se que o aluno:

- seja capaz de usar a língua em situações de comunicação oral e escrita. (DCE, p. 32)

“Possibilitar aos alunos que usem uma língua estrangeira em situações de comunicação –

produção e compreensão de textos verbais e não-verbais – é também inseri-los na sociedade

como participantes ativos ...” (DCE, p.32)

As PP também empregam adotam uma mesma postura fazendo uso de

expressões como “sistemas de comunicação”, “atividades comunicativas” e

“comunicação oral e escrita”. Mas certa confusão conceitual é percebida quando, no

texto das PP, é empregado o termo especificando a forma de ensinar criticada nas

DCE, a abordagem comunicativa. A escola E, por exemplo, deixa claro que sua

concepção de ensino de LE difere daquela recomendada nas DCE quando afirma

que “avaliação em língua estrangeira segue necessariamente o encaminhamento

metodológico dado pelo enfoque comunicativo”. Por outro lado, a escola D apesar

de não deixar transparecer de forma clara que recomenda a abordagem

comunicativa, defende a necessidade de estimular o aluno a usar a LE porque “isso

facilitará a compreensão da forma e das funções da língua”, lembrando que função

16

Page 17: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

da linguagem remete a um dos aspectos que estruturam o encaminhamento

metodológico da abordagem comunicativa. Essa mesma escola conceitua enfoque

comunicativo como aquele em que o falante “usa a língua para comunicar algo a

alguém”, expressão bastante utilizada na teoria da comunicação e que, por ter sido

criada na época do estruturalismo e a ele estar fortemente relacionada, não

evidencia quão complexo é ensinar uma língua estrangeira dentro da abordagem

crítica como orientam as DCE. Com esses exemplos, pode-se notar que algumas

dificuldades de entendimento de conceito têm origem lingüística.

O segundo ponto enfocado pela análise, objetivos do ensino de língua

estrangeira, também por falta de definição da LE escolhida para integrar o currículo

escolar, são aplicáveis a qualquer LE. A PP da escola A, além do fato de fazer

passar a justificativa por objetivo, afirma o seguinte: “o trabalho com LE parte do

entendimento do papel das línguas nas sociedades”. Nota-se que a expressão foi

simplesmente transposta das DCE sem o tratamento necessário para que essa

informação se aplique somente ao ensino de inglês. Admitindo-se que, no início da

PP, a comunidade educacional escolar já tenha sido informada de que o inglês é a

língua estrangeira curricular, espera-se que um texto com propósito de

direcionamento pedagógico estabeleça claramente o papel do inglês na sociedade

brasileira e, mais particularmente, para esta escola; que oriente os professores para

ajudarem os alunos na percepção de que o inglês faz parte do cotidiano dos

brasileiros e que essa participação não é igual para todos mas única para cada um

deles. E isso não acontece nos momentos do texto em que se apreende a

justificativa da escolha, nem nos objetivos listados.

Outro aspecto relacionado aos objetivos das PP é o fato de eles se prestam

para que se perceba que cada escola tem uma forma diferente de entender as

razões do inglês no currículo escolar. A PP da escola E menciona a importância do

inglês como instrumento de comunicação, a escola B o tem como instrumento de

acesso a bens culturais da humanidade e, no PP da escola A, o inglês se presta

para a inclusão social por ser uma “língua mundial” e “a língua principal em livros e

jornais”. Por outro lado, os objetivos mais evidenciados no texto das DCE, aqueles

que estão mais relacionados ao encaminhamento pedagógico defendido pela SEED,

constam de todas as PP. Entre eles, pode ser citada a promoção do contato com a

diversidade lingüística e cultural para que o relacionamento com outras

comunidades desperte a consciência crítica dos alunos e possibilite a transformação

17

Page 18: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

da forma de perceberem a realidade. No entanto, excetuando disponibilizar o

contato com uma forma bastante diversa de comunicação lingüística, grande parte

dos objetivos do ensino de inglês aplicam-se também à disciplina de Português ou

às demais disciplinas curriculares, quando dizem respeito à formação do aluno.

Finalmente, os documentos não mencionam fatos relevantes como o de que a LE

também desperta a consciência lingüística da língua materna.

O terceiro ponto, a metodologia, embora tenha sido o mais tratado nas PP,

apresenta situação idêntica aos dois anteriores: transposição das orientações das

DCE sem mencionar as especificidades do ensino de inglês. No entanto essa é a

seção das PP que deixa transparecer problemas de ordem conceitual. Seguem

extratos comentados que podem ser a verdadeira expressão do pensamento dos

professores ou resultado da falta de compreensão das DCE e problemas que têm

sua origem no processo de construção do texto.

A - “... [o ensino de uma língua estrangeira ] como uma atividade interacional, ou

seja, significativa, pois em situações de uso ...”. ( escola C)

Atividade interacional é o mesmo que atividade significativa? Kock (2000),

explica que uma atividade interacional é aquela em que os participantes estão

envolvidos. Na aprendizagem de inglês, uma atividade com essa característica pode

ser aquela em que todos os participantes do ato comunicativo produzem um texto

nessa língua. Por outro lado, atividade significativa é toda atividade vinculada ao

contexto concreto da vida, da cultura e da sociedade de um indivíduo. O problema

existente no texto da escola C está em tomar o termo “significativa” como explicação

de “interacional”, quando na realidade não querem dizer a mesma coisa, pois

“significativa”, segundo o exposto, tem relação com a experiência de vida do aluno.

As DCE orientam para que as atividades nas aulas de LE sejam significativas para

que os alunos compreendam que pela LE os alunos vivenciam o sentimento de

cidadania global por meio de acesso a formas de pensar de outras comunidades.

B - “... ao ensinar uma LE deve-se buscar a autenticidade da língua ...” (escola A)

Qual o entendimento da escola A do termo autenticidade? A autenticidade da

língua diz respeito a falar como os falantes nativos, por exemplo? Primeiramente

18

Page 19: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

faz-se necessário afirmar que as DCE utilizam esse termo quando discorre sobre

material didático, enquanto que essa escola se refere à autenticidade na parte do

texto que estabelece o encaminhamento metodológico. Quando utilizado para

qualificar “língua”, “autenticidade” se refere à obediência às características sócio-

lingüísticas. Por exemplo, ao se afirmar que Machado de Assis e Jorge Amado

deram autenticidade à língua brasileira, ressalta-se que, cada um da sua maneira,

conseguiu dar novo tratamento à língua portuguesa que resultou numa forma de

escrever que lhes são típicas, diferentes dos demais escritores, e caracterizada

como brasileira, originalmente do Brasil.

A partir da abordagem comunicativa, a autenticidade de materiais didáticos

ganhou espaço no ensino de línguas, uma vez que se passou a acreditar que a

seleção de materiais autênticos para as aulas de língua estrangeira contribui para

melhorar a aprendizagem. Embora o termo possa também ser utilizado para

qualificar as atividades desenvolvidas nas aulas, atividades autênticas, ou seja,

aquelas pertinentes à realidade do aluno, as DCE e a maioria das discussões

demonstram preocupação com a autenticidade de materiais didáticos, isto é,

materiais que não foram escritos com o propósito de ensinar a LE, mas com a

função comunicativa. Assim, tanto o texto da PP como o das DCE, estão alinhados

à postura didático-metodológica relativa ao material didático: textos autênticos

preparam melhor o aluno para o uso da língua estrangeira.

C - “... esses conteúdos se articulam com os temas transversais ...” (escola B)

Preocupa quando a PP de uma escola defende a articulação dos conteúdos

com os temas transversais. Esses temas, considerados de relevância social, foram

criados para os Parâmetros Curriculares Nacionais e, de certa forma, limitam os

temas que servem como suporte para o ensino da LE. As DCE defendem que na

relação de conteúdos das disciplinas devem constar temas de relevância para os

alunos, sem categorização prévia, constantes ou não da relação de temas de

interesse da sociedade brasileira. As DCE, pelo seu caráter democrático, primam

pela liberdade de ensinar do professor e contam com a sensibilidade do professor

para selecionar temas que façam sentido para os alunos, sejam eles transversais ou

não.

19

Page 20: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

A técnica de análise utilizada para fazer a comparação de conteúdos dos

documentos permitiu tecer as seguintes considerações sobre outras questões:

1. Repetição: as DCE e cada uma das PP das escolas têm palavras e

expressões que se repetem por todo o texto. São termos que caracterizam a

postura teórico-metodológica defendida pelas DCE. Dentre eles podem ser

citados: “construção discursiva’ e “construção de significados”, “engajamento

discursivo” e “engajamento em práticas discursivas”; “entendimentos

possíveis” e “significados possíveis”. Essa recorrência vocabular, além de

tornar o texto denso, produz no leitor a sensação de que o mais importante

das diretrizes é a compreensão dos conceitos, fazendo com que outros

aspectos do ensino de uma LE, mais especificamente o ensino de inglês, não

sobressaiam.

2. Transposição de conteúdos por meio de transferência de termos: segundo a

literatura, a PP deve incorporar o conteúdo das DCE. Nos textos das PP

percebe-se que os conteúdos das DCE se fazem presentes pela repetição de

palavras–chave, expressões e até frases inteiras, como demonstra o quadro

que segue. Ao construir o texto das PP com essa estratégia, a escola não

consegue obter um texto identificado com o seu contexto.

Quadro 2 – Comparativa 2

DCE PP ESCOLA

Estas Diretrizes estão comprometidas com o resgate da função social e educacional daLíngua Estrangeira.

... estabelecer os objetivos de ensino de uma Língua Estrangeira Moderna e resgatar a função social e educacional desta disciplina na Educação Básica

C

... o leitor precisa executar um processo ativo de construção de sentidos e também relacionar a informação nova aos saberes já adquiridos

... (o aluno) como agente ativo da aprendizagem, visto que ele traz saberes e estes vão interagir com os saberes que ele vai adquirir.

A

... (pela língua) é que se organizam e determinam as possibilidades de percepção e de sentidos do mundo

A língua repleta de sentidos organiza e determina aspossibilidades de percepção do mundo. D

Fonte: Elaboração própria

3. Generalização: quando a escola B afirma que “os testes devem ter por

objetivo melhorar o conhecimento” sem especificar que está tratando do

20

Page 21: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

conhecimento de inglês, deixa o sentido da frase aberto, neste caso, aplicável

para qualquer disciplina. Além disso, não há especificação dos

conhecimentos lingüísticos possíveis de serem avaliados por testes.

4. Organização curricular: o Common European Framework for Languages,

documento que orienta o ensino de línguas na comunidade européia é

utilizado por autores de material didático, organizadores de testes e

professores, uma vez que fornece subsídios para a organização de cursos,

currículos, testes e livros, como é o caso dos livros didáticos utilizados pelos

professores e alunos das escolas participantes deste estudo. Considerando

que o Common European Framework for Languages contempla a abordagem

comunicativa e suas orientações se confrontam com as orientações das DCE,

que advogam os gêneros discursivos como o ponto de partida para a

organização curricular, os livros selecionados pelas escolas consideram

simultaneamente critérios lingüísticos, temáticos e de gênero na elaboração

das unidades. Por exemplo, a primeira unidade do livro adotado por uma das

escolas apresenta o zoológico como tema e os alunos, além de aprender o

nome dos animais selvagens, conhecem algumas placas de sinalização

existentes em zoológicos e são expostos às estruturas lingüísticas

apropriadas para situações de uso da língua nesse contexto. Diante desse

encaminhamento didático conflitante, seria de se esperar que as PP

recomendassem aos professores a necessidade de adaptação dos livros

didáticos de inglês. No entanto, as DCE, por sua vez, também apresentam

três maneiras de tratamento da língua quando afirmam que a língua possui

unidades lingüísticas, temáticas e composicionais. Mas, no texto das PP das

escolas, a organização dos conteúdos não fica clara. Por exemplo, na escola

B, os objetivos estão relacionados como se fossem conteúdos estruturantes

da escola B, e nas escolas D e E a organização dos conteúdos está

fundamentada unicamente na gramática. Além disso, no rol de conteúdos não

se percebe o princípio da continuidade e se tem a impressão de que os

conteúdos foram compilados de livros didáticos, justamente os livros que,

segundo as DCE, adotam em sua maioria a abordagem comunicativa, como

vemos na citação a seguir.

21

Page 22: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

“É importante aqui tecer algumas considerações sobre o livro didático, material que tem

assumido uma posição central na definição de conteúdos e metodologias nas aulas de língua

estrangeira. As concepções de ensino e língua subjacentes às atividades dos livros didáticos

tendem a se fundamentar, em grande parte, na Abordagem Comunicativa”.(DCE, p.44)

Finalmente, expressões como “conteúdo estruturante”, “eixos” e “conteúdos

específicos”, ou foram ignoradas ou não foram compreendidas pelos profissionais

das escolas. Na tentativa de se afastar do abstrato, essa terminologia das DCE

serviu para designar diferentes coisas nas PP. Percebe-se que “conteúdo

estruturante” e “eixo” foram considerados sinônimos, “temas transversais” foram

tomados como “conteúdos estruturantes”, “eixos” foram relacionados aos propósitos

educacionais da LE como disciplina curricular da Educação Básica e a expressão

“conteúdos específicos” foi usada para identificar o rol de conteúdos. Pareceu-nos

que o texto das DCE não conseguiu transmitir com clareza o significado desses

termos, fato que propiciou uma multiplicidade de interpretações.

3. CONCLUSÃO

Este estudo comparativo entre o texto das DCE e o das propostas

pedagógicas, com o objetivo de compilar informações que constatassem a presença

das orientações curriculares estaduais nos documentos redigidos pelas escolas,

mostrou-se relevante diante do fato de que as diretrizes curriculares são de

cumprimento obrigatório por parte das escolas e delas as escolas não podem se

distanciar. O modelo de interpretação e a técnica de análise utilizada foram

considerados adequados para o estudo desses documentos complexos e capazes

de fornecer os dados que permitiram atingir os objetivos do estudo e gerar material

para eventuais decisões administrativas.

Conclui-se que as PP analisadas são documentos que, de certa forma,

seguem as DCE, mas não se constituem em documentos que expressam o fazer

pedagógico individualizado das escolas. Se a PP é a regulamentação das DCE nas

escolas, essa regulamentação precisa melhorar no sentido de ser capaz de se

afastar do tom genérico das DCE para refletir na sua redação as particularidades do

22

Page 23: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

contexto escolar. Se as PP pretendem fornecer aos professores de um

estabelecimento de ensino as orientações para sua atuação na sala de aula, essas

PP precisam aperfeiçoar o encaminhamento metodológico de forma a fornecer o

direcionamento curricular específico para o ensino da língua estrangeira escolhida

para integrar o rol de disciplinas escolares, nesse caso, o inglês. Se as PP são

documento em que deve encontrar o tipo de organização curricular e formas de

implementação das diretrizes curriculares estaduais, as PP necessitam registrar

claramente a ação educativa que pretendem realizar durante as aulas de inglês.

As PP, mesmo tendo sido escritas após a realização de encontros e

seminários com o objetivo de dar suporte teórico para o estabelecimento das

mudanças curriculares, são espelho do conflito entre concepções de ensino de

línguas e encaminhamento pedagógico por que passam os professores. Embora as

PP tenham contemplado as diretrizes curriculares mais enfatizadas nas DCE,

aquelas de cunho mais educacional que lingüístico, os textos denotam dificuldades

na compreensão de conceitos importantes relacionados ao ensino de inglês como

língua estrangeira e problemas de organização da prática pedagógica do ensino de

inglês. Encaminhamentos metodológicos conflitantes e até distorcidos se constituem

em elementos que revelam problemas decorrentes da transposição das orientações

das DCE para as PP.

Ao atingir o objetivo maior, esse trabalho possui dois pontos relevantes: ter

testado uma metodologia de análise possível de ser aplicada nas PP de qualquer

disciplina e ter gerado informações que podem servir para a SEED e as escolas

organizarem ações que visem melhorar a qualidade do ensino por meio do

enfrentamento de questões pontuais como as que foram levantadas nesse estudo.

REFERÊNCIAS

BAFFI, Maria Adélia Teixeira. Projeto Pedagógico: um estudo introdutório. In: BELLO, José Luiz de Paiva. Pedagogia em Foco. Rio de Janeiro: 2002. Disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/gppp03.htm. Acesso em: 4/06/2007.

BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Parecer n. 1362. Relator: Conselheiro Carlos Alberto Serpa de Oliveira. Brasília, 12 dez.2001. Diário Oficial da União, Brasília, 25 fev. 2002.

23

Page 24: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

BRASIL, Lei 9394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial [da República Federativa do Brasil], Brasília, DF, v. 134, n. 248, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27834-27841.

CAPPELLE, M. C. A., MELO, M. C. O. L. e GONÇALVES, C. A. Análise de conteúdo e análise de discurso nas ciências sociais. Disponível em http://ageconsearch.umn.edu/bitstream/43563/2/revista_v5_n1_jan-jun_2003_6.pdf Acesso em 25/10/2008.

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental. Brasília: MEC, 1998.

DUBIN, F. e OLSHTAIN, E. Course Design. Cambridge: CUP, 2000.

EVERARD, K. B. e MORRIS, G. Effective School Management. Londres: Paul Chapman Publishing, 2002.

GADOTTI, M. O Projeto Político Pedagógico da Escola na perspectiva de uma educação para a cidadania. 1998. Disponível em: http://www.paulofreire.org/ Acesso em 4/06/2007.

GUERRA, S. e EMERIQUE, L. M. B. Interpretação das normas constitucionais de direitos fundamentais. Disponível em

http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1349http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1349 Acesso em 25/10/2008.

HEDGE, T. Teaching and Learning in the Language Classroom. Oxford: OUP, 2000.

IDEB 2007. Resultados Finais. Brasília: INEP, 2008. Disponível em http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/resultado_ideb2007.pdf Acesso em 5/08/2008.

KOCH, I.V. A inter-Ação pela linguagem. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2000. In GONÇALVES, A. V. A Produção de Texto numa Perspectiva Dialógica. Disponível emhttp://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=artigos/docs/dialogica Acesso em 25/10/2008 Acesso em março de 2007.

LUNA, S. V. Planejamento de Pesquisa: uma introdução. São Paulo: EDUC, 1996.

PALMAR, A. e MARTINS, M. Só 15 escolas de 1ª a 4ª séries atingem meta de qualidade. Gazeta do Povo, Curitiba, 22 junho 2007, Educação, p.3.

PEDRAL, S. Vergonha nas escolas. Cláudia. São Paulo, 2007, n. 6, p. 48-56, abril 2007.

24

Page 25: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

Resultado do Ideb diminui desigualdades regionais. Folha de São Paulo, São Paulo, 12 junho 2008, Educação, p.1.

SALGADO, M. U. C. Referenciais Curricurares. Salto para o futuro/TV Escola. Brasília: MEC, 2004. Disponível em http://www.tvebrasil.com.br/salto/boletins2004/rc/meio.htm Acesso em julho de 2007.

SCHLEICHER, A. Medir para avançar rápido. Veja. São Paulo, 2008, n. 2072, 6 ago. 2008. p. 17-21. Entrevista concedida a Mônica Weinberg. SIMÕES, L. C. Autenticidade e a abordagem comunicativa: reflexões sobre a sala de aula de língua inglesa. Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Centro de Letras e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 2004. Disponível em http://bibliotecadigital.uel.br/document/?code=vtls000098034. Acesso em 25/10/2008.

UE. Common European Framework or Reference for Languages: Learning, Teaching, Assessment. Disponível em http://www.coe.int/T/DG4/Linguistic/Source/Framework_EN.pdf. Acessado em março de 2007.

VASCONCELLOS, C. S. Planejamento: Plano de Ensino-Aprendizagem e Projeto Educativo. São Paulo: Libertat, 1995.

25

Page 26: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

ANEXO

DCE PP

Função do documento

Orientar sistema – texto genérico.Ex.: sem definição de qual LE ensinar

Orientar prof da escola – texto detalhando DCE no contexto da escola (não ocorreu). Ex.: não há justificativa para a escolha da LE definida no currículo.

Concepção de educação

Explicita princípios como:

• atender necessidades dos alunos;

• respeito à diversidade;

• sem hegemonia de uma cultura;

• eqüidade no tratamento da LE em relação às outras disciplinas.

Pouco tratado.Não são tratados em todas as PP.

Concepção de língua

Discurso é:

• histórico-cultural, inseparável da comunidade;

• em constante transformação;

• heterogêneo e ideológico;

• depende da situação de uso;

• constituído a partir da cultura, dos grupos sociais e do poder;

• com organização fonética, lexical, semântica e sintática.

Bastante tratado em todos os doc. coletados. Quase todos os itens constantes nas DCE são mencionados nas PP, mas de forma genérica como constam nas DCE sem especificidade para o inglês.

Concepção de sujeito

Sujeito se constitui em entrecruzamento de discursos e interage com eles.

Mencionado em metade das PP, mas repetindo DCE sem especificar o sujeito no contexto de uma dada escola.

Concepção de discurso

Representação do coletivo existente no sujeito, vinculado à história de mundo, prática social que se realiza pelo texto. Organizado segundo o contexto.

Não tão mencionado.Repete DCE

Concepção de texto

Unidade de sentido. Contextualizado, com organização relativamente estável e determinado pelas condições de produção.

Certos aspectos que constituem a concepção de texto são mencionados em todas as PP

Concepção de leitor

Ativo na interação com o texto que ocorre por meio da cultura, da língua, dos procedimentos interpretativos, dos discursos coletivos e da ideologia

A maioria das PP não discorre sobre o leitor

Concepção de leitura

Leiitura discursiva e leitura crítica.Leitura com múltiplos sentidos Pouco tratado

Concepção de cultura Conjunto dinâmico e conflituoso de significados

sobre a realidade em um contexto específico.Não é sistema estruturado e fixo de valores e formas de comportamento

Tratado quanto ao aspecto de sua flexibilidade.

26

Page 27: DIRETRIZES CURRICULARES E PROPOSTA PEDAGÓGICA: … · “Diretriz curricular” e “proposta pedagógica” não fogem à regra. A primeira observação terminológica tem como

Objetivos do ensino de LEM

Diversidade, cultura, outros procedimentos interpretativos da realidade, construção da identidade, desenvolver a capacidade crítica, progressão no trabalho

Extensivamente tratado em todas as PPP, mas de forma genérica sem especificar o contexto do inglês.

Metodologia do ensino de LE

Faz ressalvas à abordagem comunicativa e defende a abordagem crítica.Trata de metodologia do ensino de LE em geral.

Extensivamente tratado em todas as PP, mas sem especificar a metodologia para o ensino de inglês em uma escola específica.Defende a abordagem comunicativa e crítica.Confusão entre dialógico e diálogo.

Concepção de conteúdo

Significativos, de interesse do aluno e não selecionados segundo série, mas atendendo as condições de trabalho, a língua ofertada e permitindo a progressão no estudo. Diversidade de textos com articulação com outras disciplinas.

Pouco abordado.Sem tratamento específico para o inglês.

Material Expõe sobre critérios de seleção aplicáveis a outras disciplinas.

Quando abordado, se restringe ao livro didático, material organizado pelo professor e os que estão na escola

Avaliação Explicitam os princípios gerais da avaliação não tratando especificamente da avaliação para LE

Tratada em quase todas as PP e da mesma forma que as DCE.Apresenta concepção de avaliação que entra em conflito com a das DCE

Fonte: Elaboração própria

27