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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Sidney da Silva Lobato Educação na fronteira da modernização: a política educacional no Amapá (1944-1956) Mestrado em História São Paulo 2009

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Sidney da Silva Lobato

Educação na fronteira da modernização: a política

educacional no Amapá (1944-1956)

Mestrado em História

São Paulo

2009

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Sidney da Silva Lobato

Educação na fronteira da modernização: a política

educacional no Amapá (1944-1956)

Mestrado em História

Dissertação apresentada à Banca Examinadora

da Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção do

título de Mestre em História, sob a orientação

da Prof. Doutora Márcia Mansor D’Aléssio.

São Paulo

2009

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Banca Examinadora:

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Para minha mãe, Maria Idaisa, minha grande mestra...

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AGRADECIMENTOS

Cada um de nós é um singular ponto de confluência de representações e experiências

dos grupos ao lado dos quais nos colocamos ou, simplesmente, com os quais temos contato.

A complexidade do específico está no fato de que ele contém, concomitantemente, a

singularidade e a generalidade. Portanto, o estudo que apresentamos a seguir é uma síntese

resultante de elaborações individuais e coletivas ou a materialização de uma história pessoal

cheia de encontros e experiências compartilhadas. Disto deriva o dever de agradecer.

Agradeço, primeiramente, à minha família (pais, irmãs e sobrinhos) pelo apoio,

compreensão e calor humano — combustíveis indispensáveis num labor cheio de renúncias,

sacrifícios e desafios. Agradeço especialmente a minha mãe, cujos valores me inspiraram o

respeito pela experiência dos mais velhos e a paixão de perscrutar o desconhecido. Agradeço

aos meus amigos amazônidas pelo incentivo e pelo companheirismo nas horas de alegria e de

adversidade. Sou grato aos amigos que têm visitado minha casa e aqueles que me acolheram

no seu lar. Agradeço, pelo apoio, aos novos e tão queridos amigos de Sampa. Um

agradecimento especial à minha doce amiga Fabiana e à dileta Miti Shitara (que, com

solicitude, me deu generosa atenção e apoio em São Paulo).

Meu “muito obrigado” àquelas pessoas que me ajudaram por acreditarem na força dos

meus ideais e no vigor de meu esforço perseverante: Kátia Regina Balieiro de Souza e Alcilene

Barbosa. Muito obrigado ao apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) — instituição que me concedeu bolsa integral durante o mestrado.

Obrigado ao apoio material e intelectual dado em São Paulo pelas amigas Maura Leal e Eliane

Vasquez. Obrigado também a todos os depoentes que, gentilmente, me cederam o direito de

utilizar seus relatos neste estudo, e a Elpídio Martel, que me auxiliou na realização de várias

entrevistas. Agradeço igualmente ao amigo Mário Médice pelo estímulo e pelo

companheirismo (presencial ou através dos e-mails).

Agradeço aos Professores Doutores Jonas Marçal de Queiroz e Mauro Cézar Coelho,

que me introduziram no aprendizado dos fundamentos da pesquisa histórica. Agradeço à

Professora Doutora Márcia Mansor D’Aléssio, que me orientou na realização deste trabalho

de pesquisa — a quem dedico uma grande admiração pela pessoa e profissional que é.

Agradeço os comentários e as sugestões (que muito ajudaram a aprimorar este estudo)

apresentados pelo Professor Doutor Jorge Ferreira e pela Professora Doutora Maria Odila

Leite da Silva Dias, dois historiadores que nos fazem ter orgulho de participar deste ofício.

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Agradeço, pelas valiosas lições, a todos o professores das disciplinas que cursei no mestrado

em História, da PUC de São Paulo. Agradeço, também, ao incentivo recebido de meus ex-

alunos dos ensinos fundamental, médio e superior. Por fim, agradeço a todos aqueles que não

foram mencionados, mas que estão inscritos na alma deste pesquisador. Aqueles cuja presença

anônima neste agradecimento não diminui a força da influência que exercem. Muito obrigado.

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RESUMO

O primeiro governo do Território Federal do Amapá iniciou em 1944 e terminou no

início de 1956. Neste período, o governador Janary Gentil Nunes e seus assessores —

inspirados no ideal estadonovista de criação de uma nação moderna — realizaram uma série

de ações e obras cujo objetivo era a modernização da sociedade territorial. A educação era

vista por estes administradores públicos como um poderoso meio de se alterar os hábitos e

valores dos populares amapaenses. Este otimismo em relação ao poder da educação tinha

como corolário a visão depreciativa do modo de vida local. As incongruências existentes entre

este modo de vida e a lógica organizacional do regime escolar geraram altos índices de evasão

e reprovação. Os ambiciosos planos governamentais de modernização da vida local não

obtiveram, assim, pleno êxito.

PALAVRAS-CHAVE: Amazônia, política educacional, cultura popular, modernização.

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ABSTRACT

The first Federal Territory Amapá’s government started on 1944 and finished on

beginning 1956. In this period, the governor Janary Gentil Nunes and his assessors — filled

with estadonovista ideal of creating a modern nation — they made a lot of buildings and

actions to get modern Amapá’s society. Education was seen as a powerful means to change

amapaense’s popular behaviors and values by government. This optimism resulted in a

depreciative vision of the local life. Incongruity behind local culture and school’s regime made

high rates evasion and reproving. So, the ambitious government’s plans in making modern

local life didn’t achieve its goal.

KEY WORDS: Amazon, educational policy, popular culture, modernization.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Número de matrículas nas escolas de ensino médio do Amapá (1947-1952) ..........106

Tabela 2: Índices da educação de adultos no Brasil (1944-1947) ................................................108

Tabela 3: Números da Campanha de Educação de Adultos no Amapá (1947-1951) ..............116

Tabela 4: População dos municípios do Território Federal do Amapá (1955) .........................127

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Não há ignorante que não saiba uma infinidade de

coisas, e é sobre este saber, sobre esta capacidade em ato

que todo ensino deve se fundar. Instruir pode, portanto,

significar duas coisas absolutamente opostas: confirmar

uma incapacidade pelo próprio ato que pretende reduzi-la

ou, inversamente, forçar uma capacidade que se ignora

ou se denega a se reconhecer e a desenvolver todas as

conseqüências desse reconhecimento. O primeiro ato

chama-se embrutecimento e o segundo, emancipação.

Jacques Rancière

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ..................................................................................................04

RESUMO/ ABSTRACT ................................................................................................06

LISTA DE TABELAS ...................................................................................................08

INTRODUÇÃO .............................................................................................................11

CAPÍTULO 1: O que se deve ensinar: a formação do homem novo ............................29

CAPÍTULO 2: Mãos à obra: a expansão da oferta do ensino primário (1944-1946) .....63

CAPÍTULO 3: Educação e divisão social do trabalho (1947-1953) ...............................88

CAPÍTULO 4: Adeus, senhor governador (1954-1956) ................................................119

PALAVRAS FINAIS ....................................................................................................130

FONTES ......................................................................................................................141

BIBLIOGRAFIA CITADA ..........................................................................................145

ANEXOS ......................................................................................................................152

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SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ..................................................................................................04

RESUMO/ ABSTRACT ................................................................................................06

LISTA DE TABELAS ...................................................................................................08

INTRODUÇÃO .............................................................................................................11

CAPÍTULO 1: O que se deve ensinar: a formação do homem novo ............................29

CAPÍTULO 2: Mãos à obra: a expansão da oferta do ensino primário (1944-1946) .....63

CAPÍTULO 3: Educação e divisão social do trabalho (1947-1953) ...............................88

CAPÍTULO 4: Adeus, senhor governador (1954-1956) ................................................119

PALAVRAS FINAIS ....................................................................................................130

FONTES ......................................................................................................................141

BIBLIOGRAFIA CITADA ..........................................................................................145

ANEXOS ......................................................................................................................152

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INTRODUÇÃO

O Território Federal do Amapá foi criado no final do Estado Novo (1943), quando o

próprio Vargas iniciava um processo de abertura democrática, através da constituição de

novos canais de diálogo com a classe trabalhadora. Janary Gentil Nunes, capitão do Exército

brasileiro, por sua experiência e reconhecida atuação nas terras amapaenses, foi escolhido pelo

presidente para governar este novo território. De 1944 (ano de sua posse) até 1956 (fim de seu

governo), Janary Nunes se manteve a frente do governo territorial graças a uma série de

estratégias que envolviam articulações junto à classe dirigente nacional. Estas articulações

ocorriam através de um permanente contato com os centros de poder. Além disso, o primeiro

governador do Território do Amapá tentou permanentemente obter a máxima adesão dos

grupos sociais amapaenses aos ideais do seu governo.

Este estudo tem como objeto a política educacional do governo de Janary Nunes. Este

governo ocorreu num período muito conturbado da história do Brasil. Nosso objetivo nestas

linhas introdutórias é cotejar as teses que se tornaram referência na análise deste período. É

importante destacar que os autores, ao adotarem diferentes abordagens, criaram tipos diversos

de periodização. Conforme exporemos abaixo, a historiografia que estuda o pós-30,

inicialmente, se caracterizava por uma abordagem estrutural e trabalhava com uma longa

periodização: de 1930 até 1964. Pesquisas posteriores questionaram as conclusões destes

primeiros estudos, através da análise de períodos menores. Esta mudança é um índice do

movimento historiográfico de valorização das especificidades e das críticas cada vez mais

numerosas ao estruturalismo.

Primeiramente, apresentamos os estudos que adotaram o modelo teórico do populismo

como eixo de suas análises. Damos destaque à tese de Francisco Weffort — cientista político

considerado o principal representante dos teóricos do populismo. Em seguida, procuramos

apresentar a produção historiográfica que critica os postulados de Weffort e propõe

alternativas explicativas à abordagem estrutural. Considerando a relação entre texto e

contexto, buscamos também evidenciar os vínculos dos diversos discursos historiográficos

com o ambiente social em que foram produzidos. Por fim, situamos o lugar do nosso estudo

dentro do debate historiográfico exposto, procurando evidenciar sua contribuição.

Muitos trabalhos produzidos por historiadores, sociólogos e cientistas políticos acerca

da formação do Estado nacional têm identificado a Revolução de 1930 como marco inicial do

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processo de formação do Estado nacional no Brasil.1 Segundo estes estudos, o aparecimento

de um Estado forte, que se impunha às oligarquias estaduais e locais, teria sido possível devido

à ocorrência de uma crise de hegemonia: a ausência de uma classe forte o bastante para

projetar seus interesses particulares acima dos demais. As oligarquias rurais dissidentes, setores

do Exército e da classe média teriam assumido o poder federal numa situação de falta de

legitimidade. De acordo com esta interpretação, para legitimar sua posição privilegiada, a elite

política, a partir de 1930, se valeu de uma aliança policlassista e da ideologia autoritária

elaborada pelos críticos da República Velha. Segundo esta ideologia, o Estado seria o tutor não

só do movimento econômico, mas também dos grupos sociais que compunham a nação.2

A imagem do Estado como tutor da nação se desdobrou no postulado de que o

populismo se constituiu no Brasil e na América Latina como um fenômeno político de Estado de

compromisso: ―o chefe do Estado passará a atuar como árbitro dentro de uma situação de compromisso que,

inicialmente formada pelos interesses dominantes, deverá contar agora com um novo parceiro

— as massas populares urbanas — e a representação das massas nesse jogo estará controlada pelo próprio

chefe do Estado‖.3 Para Francisco Weffort, a classe trabalhadora — imatura e ainda não

politizada — só poderia figurar no cenário político como coletividade heterônoma (sob a

tutela do chefe do Estado). Esses limites da atuação das classes populares — e,

particularmente, da classe operária — são explicados neste momento por meio de uma noção

de mal de origem: a classe trabalhadora urbana era oriunda do meio rural e foi inserida numa

sociedade em que a industrialização ainda era incipiente.4 Esta explicação pressupõe que as

relações de produção nos domínios rurais brasileiros eram baseadas em valores e práticas pré-

capitalistas. A idéia de um mal de origem nos remete às abordagens sobre o início de nossa

formação social — nos remete às raízes do Brasil. Para Sérgio Buarque de Holanda, o domínio

rural constituiu, desde o período colonial, uma moralidade própria, não afetada pelo Estado,

com suas leis e instituições.5 A inacessibilidade do poder estatal ao ambiente rural e patriarcal

1 Maria do Carmo Campelo de Souza afirma que o sistema político que emergiu após a Revolução de 1930 transferiu o foco de poder dos Estados para a União (SOUZA, Maria do Carmo Campelo de. O processo político partidário na Primeira República. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em perspectiva. 21 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 218-219). Ver também: WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980; e FAUSTO, Boris. A revolução de 1930 — historiografia e história. 16 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 2 REIS, Elisa P. O Estado Nacional como ideologia: o caso brasileiro. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 1 a 2, 1998, p.194-195. 3 WEFFORT, Francisco. Op. cit. P. 69-70. Grifos do autor. 4 LOPES, Juarez Brandão. Sociedade industrial no Brasil. São Paulo: Difel, 1964. 5 HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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era também a falta de acesso deste ambiente às formas da razão política moderna.6 Saídos

deste universo sócio-cultural, os novos trabalhadores urbanos não teriam desenvolvido o

idioma ideológico. Para os teóricos do populismo, os trabalhadores originários do campo e das

pequenas comunidades do interior, quando instalados nas cidades, não se identificaram

completamente como operários industriais, tendendo a se comportar de acordo com seus

―interesses pessoais‖.7

Os analistas do populismo buscaram entender o longo período que vai de 1930 até 1964.

Neste período, eles identificaram um certo sentido histórico: a idéia de uma sociedade de

transição (consolidação da industrialização e da urbanização). No contexto da transição de

uma economia tradicional, de participação política restrita, para uma economia de mercado, de

participação política ampliada, a teoria da modernização elegeu o camponês como

protagonista do surgimento do populismo na América Latina.8 Segundo Octavio Ianni, essa

política de massas é compreensível na medida em que se leva em conta:

a composição rural-urbana do proletariado industrial. Com as migrações internas, em direção às cidades e aos centros industriais — particularmente intensos, a contar de 1945 — aumenta bastante e rapidamente o contingente relativo dos trabalhadores sem qualquer tradição política. Seu horizonte cultural está profundamente marcado pelos valores e padrões do mundo rural. Neste predominam formas patrimoniais ou comunitárias de organização do

6 Robert Wegner, se referindo à questão dos domínios rurais na argumentação de Raízes do Brasil, afirma que, segundo este ensaio: ―nada limita a autoridade do pai, nenhuma força externa ao domínio rural o detém, fazendo com que o núcleo familiar seja absorvente da vida dos homens, cuja educação ganha absoluta preponderância dos laços de sangue‖. O corolário deste modo de vida é o nascimento do homem cordial, ―que, tornando-se incapaz de compreender regras abstratas e seguir um ordenamento impessoal, segue os impulsos e sentimentos que, bondosos ou não, nascem do coração‖ (WEGNER, Robert. A conquista do oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte: UFMG, 2000, p. 32-33). 7 FERREIRA, Jorge. O nome e a coisa: o populismo na política brasileira. In: FERREIRA, Jorge (org). O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 69-71. 8 Em fins da década de 1950 e na década de 1960, ocorreu entre os marxistas (principalmente ingleses) um forte debate acerca da natureza da transição do feudalismo para o capitalismo na Europa. A teoria até então aceita para explicar a origem do capitalismo foi duramente criticada por historiadores como John Merrington, que afirmou: ―a cidade é o princípio dinâmico do progresso, o campo é inerte e passivo, exigindo um estímulo externo, o ―puxão do mercado‖ exercido pelas cidades como núcleos concentrados de transações de trocas e de riqueza em capital, que por sua vez constitui o poderoso fundamento para a ideologia da burguesia ascendente: a vitória do capitalismo é a vitória da civilização urbana e dos princípios da liberdade de mercado‖ (MERRINGTON, John. A cidade e o campo na transição para o capitalismo. In: SWEEZY, Paul et al. A Transição do feudalismo para o capitalismo. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, p. 172). Merrington denuncia a natureza ideológica da tese que considera a civilização urbana o pólo dinâmico e revolucionário da transição para o capitalismo; um motor da história que desintegra as forças arcaicas da sociedade, identificadas com o campo. Neste discurso ideológico, a burguesia é apresentada como portadora das forças renovadoras, modernas, que libertariam a Europa da decadência feudal. Muitos autores ao analisarem o processo de modernização da sociedade brasileira utilizaram a lógica dualista presente na teoria clássica da transição do feudalismo para o capitalismo. Vavy Pacheco Borges assevera que autores vinculados à Comissão Econômica Para a América Latina/ CEPAL (como Celso Furtado e Fernando Henrique Cardoso) e ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros/ ISEB (como Nelson Werneck Sodré e Hélio Jaguaribe) organizaram seus estudos a partir do pressuposto da existência no Brasil de uma oposição fundamental: arcaico versus moderno; atrasado versus adiantado; semifeudal versus capitalista. Ao tentar identificar em que momento o Brasil se tornou um país capitalista estes autores, segundo Borges, acabaram utilizando ―os modelos de desenvolvimento das nações européias‖ (BORGES, Vavy Pacheco. Anos trinta e política: história e historiografia. In: FREITAS, Marcos Cezar de (org.). Historiografia Brasileira em perspectiva. 4 ed. — São Paulo: Contexto, 2001, p. 173).

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poder, de liderança e submissão etc. Em particular, o universo social e cultural do trabalhador agrícola [...] está delimitado pelo misticismo, a violência e o conformismo como soluções tradicionais. Esse horizonte cultural modifica-se na cidade, na indústria, mas de modo parcial e contraditório.9

A herança cultural rural que o camponês emigrado e transformado em operário

carregava consigo era apontada por Ianni como um obstáculo para a constituição de uma

genuína consciência de classe. Conforme afirma Jorge Ferreira, os teóricos do populismo

argumentavam que ―os líderes populistas se projetam em sociedades que não consolidaram instituições e

ideologias autônomas, mas necessariamente seriam substituídos por outras lideranças portadoras de idéias

classistas quando o capitalismo alcançasse maturidade na região‖.10 Escritas no final dos anos 60 e

durante a década de 1970, as teses baseadas no conceito de populismo tentavam explicar o

Golpe de 1964. Este Golpe, de acordo com estas teses, teria ocorrido devido à exaustão das

condições históricas que permitiram o funcionamento da manipulação populista: esgotamento

do modelo econômico de substituição de importação e a autonomia das massas,

transformando-se finalmente em sujeitos políticos.11 A perspectiva de uma sociedade brasileira

em transição gerou ―grandes sínteses‖ que tornaram opaca nossa percepção das especificidades

históricas presentes no longo período de 1930 até 1964. Vários fenômenos políticos (como o

regime de governo do Estado Novo) foram eclipsados pela prioridade dada à análise das

macroestruturas econômicas.

Maria Helena Capelato retoma e amplia argumentação de René Gertz12 de que houve

uma fase de esquecimento do Estado Novo na historiografia. Capelato apresenta duas ordens

de fatores deste esquecimento. O primeiro fator seria o predomínio na historiografia brasileira

— e mesmo ocidental — de uma abordagem centrada nas estruturas sócio-econômicas, que

encara o acontecimento político como epifenômeno. O segundo diz respeito à concepção

existente entre os historiadores de que ―o distanciamento no tempo era imprescindível à boa

reconstituição histórica‖.13 Atestando a insurgência de um recente interesse pelo período de 1937-

1945, Capelato argumenta que tal fato se deve ao ―retorno‖ à história política, ao crescente

9 IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1971, p. 57. 10 FERREIRA, Jorge. Op. cit. P. 65. 11 GOMES, Angela de Castro. O populismo e as ciências sociais no Brasil: notas sobre a trajetória de um conceito. In: FERREIRA, Jorge (org). O populismo e sua história: debate e crítica. Op. Cit. P. 36-37. 12 GERTZ, René E. Estado Novo: um inventário historiográfico. In: SILVA, José Luiz Werneck da (org.). O feixe e o prisma. Uma revisão do Estado Novo. Rio de Janeiro: Zahar, 1991, p. 111. 13 CAPELATO, Maria Helena Rolim. Estado Novo: novas histórias. In: FREITAS, Marcos Cezar (org.). Op. Cit. P. 190.

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prestígio da história do ―tempo presente‖ e às inquietações geradas pelos resquícios de

autoritarismo na sociedade brasileira.14

Nos anos 80 e no início dos anos 90, apareceram diversas pesquisas interessadas em

analisar diferentes aspectos do Estado Novo. Contudo, parte dos autores destas análises optou

por um outro tipo de abordagem generalizante: a inclusão da ditadura varguista num campo

mais amplo de estudos, ou seja, o do totalitarismo. Um historiador que lida com o conceito de

totalitarismo é Alcir Lenharo. Em A sacralização da política15, Lenharo analisa como políticos,

esportistas, médicos e eugenistas ligados ao Estado construíram, a partir da retórica católica,

um discurso que representava a sociedade brasileira como um corpo funcionando de forma

harmônica. Seguindo os passos de Foucault e Guatari, este historiador abandona a visão

juridicista e burocrática de Estado e analisa como o discurso de conciliação entre as classes era

difundido no cotidiano dos trabalhadores, a fim de fortalecer o conformismo e a obediência

ao governo.16 Devemos compreender que a ênfase dada por Lenharo aos aspectos fascistas do

Estado Novo é fruto de uma preocupação comum dos anos 80: tentar entender as

ambigüidades da democracia que se estava construindo, e que era ainda permeada por práticas

autoritárias.17

Lenharo discorda de Weffort quando este afirma que, no Brasil da primeira metade do

século XX, o atraso econômico (capitalismo tardio) coincidia com a incipiência da classe

trabalhadora e empresarial. Para Lenharo, o esquema explicativo do ―Estado de compromisso‖

aproxima-se do discurso estadonovista do ―entrosamento eficaz‖, que apresentava o Estado como

tutor da classe operária diante da burguesia industrial.18 Ademais, Lenharo observa que esta

tese está embasada em fontes como projetos, leis, decretos, enfim, textos produzidos pelo

Estado, à luz dos quais as classes ―alcançam existência, isto é, estatuto político‖.19 O autor de A

sacralização da política argumenta que o Estado Novo levava a sério o potencial de mobilização e

14 Ibidem, p. 190. 15 LENHARO, Alcir. Sacralização da política. Campinas: Ed. UNICAMP/ Papirus, 1986. 16 Lenharo era um historiador que tinha sólida base teórica e filosófica. Para ele, o Estado Novo projetava uma visão orgânica da sociedade. O desejo seria a energia vital fundamental no dinamismo do corpo social. A dominação, portanto, pressupunha a orientação dos desejos (não para a luta de classes, mas para a luta pela produção e pela ordem). A cabeça pensante e direcionadora seria o chefe político do regime de governo centralizado. Vargas teria usado técnicas e tecnologias (imprensa e rádio, por exemplo) para o controle da classe trabalhadora (isso nos remete não apenas a Foucault, mas também a alguns estudos da Escola de Frankfurt). Para Lenharo, a sacralização e a conseqüente sublimação ocorreram quando, pelo discurso, este corpo social foi transformado em corpo místico e o chefe político foi transformado em santo (homem com virtudes e capacidades superiores). Esta transformação teria sido operada por um forte apelo emocional: o culto à pátria, à ordem e ao presidente. 17 ROVAI, Martha Gouveia de Oliveira. A manipulação dos desejos pela construção de imagens. Projeto história. N. 14, fev. 1997, p. 273. 18 LENHARO, Alcir. . Sacralização da política. Op. Cit. P. 20-21. 19 Ibidem, p. 24.

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desestabilização social da classe trabalhadora. Do contrário, não teria feito tamanho esforço

para controlar os trabalhadores e reestruturar suas organizações de classe segundo sua

orientação.

Assim como Lenharo, Maria Luiza Tucci Carneiro, no livro O anti-semitismo na Era

Vargas, enfatiza os aspectos que aproximam o Estado Novo (assim como todo o primeiro

governo de Vargas) da experiência nazi-fascista européia. Por meio do estudo de circulares

secretas de representantes do governo, Tucci Carneiro infere que por baixo da máscara

(discurso falacioso ou ideológico) que era o nacionalismo, o governo Vargas praticava uma

política xenófoba e anti-semita — por exemplo, restringindo ao máximo a entrada de judeus

no Brasil.20 Enquanto isso, por meio da reprodução da imagem estereotipada dos judeus nos

meios de comunicação, se fortalecia na sociedade brasileira uma mentalidade anti-semita que

remontava ao período colonial. Porém, ainda segundo Tucci Carneiro, na Era Vargas

(diferentemente da fase colonial), ―o judeu passou a ser discriminado e odiado não mais pela sua religião

e sim como povo, como grupo étnico‖, ou seja, o judeu ―passou a ser visto como um ‗estrangeiro‘

inassimilável, irredutível, sem condições de contribuir para a composição étnica dos povos‖.21 Tucci Carneiro

afirma que o Estado Novo foi o momento de clímax do fortalecimento de uma mentalidade

anti-semita. Mentalidade que teria serpenteado de forma camuflada no espaço político.22

Estudos posteriores puseram em evidência o radicalismo desta tese.23

20 Segundo Tucci Carneiro: ―por trás da máscara do nacionalismo, identificamos política de caráter racista, e por conseqüência elitista, antidemocrática e repressiva, sugerindo rumos bem próximos aos seguidos pelo fascismo e pelo nazismo, triunfantes na Europa‖ (CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na Era Vargas: fantasmas de uma geração (1930-1945). 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 102). 21 Ibidem, p. 26. 22 Ibidem, p. 186. 23 Para Giralda Seyferth, o nacionalismo não era uma máscara, mas um projeto governamental que tinha como fim a homogeneização cultural dos brasileiros e como meios, entre outros: o combate aos chamados quistos raciais (através da atuação da escola nacionalizadora, do Exército e da polícia) e o controle de movimentos imigratórios segundo critérios como a facilidade de assimilação cultural (SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 200 e 225). Marcos Chor Maio argumenta que prevalecia no Brasil do pós-30 uma ideologia assimilacionista e miscigenacionista (consolidação da nação por meio da homogeneização cultural), segundo a qual o estrangeiro só é aceito na medida em que dá perspectivas de deixar de ser estrangeiro. Marcos Chor Maio argumenta também que a visão economicista de Tucci Carneiro — que vê o anti-semitismo como um instrumento de proteção das classes dominantes brasileiras diante da competição internacional — a impede de compreender as razões que levaram à entrada de um número significativo de judeus no Brasil após o surgimento das circulares secretas (o número de judeus que entraram no Brasil entre 1933 e 1942 foi superior ao da década de 1920 ou ao dos países latino-americanos de governo democrático e não anti-semitas, no mesmo período). Segundo Chor Maio, isto ocorreu porque a sociabilidade política brasileira era pautada, sobretudo, por uma atitude pragmática (―tratamento de cada caso individual como único‖), em detrimento de uma abordagem burocrática e universalista (MAIO, Marcos, Chor. Qual anti-semitismo? Relativizando a questão judaica no Brasil dos anos 30. In: PANDOLFI, Dulce (org.). Op. Cit. P. 245-250). O judeu seria efetivamente um perigo se estivesse associado ao comunismo (Ibidem, p. 244). Isto fica comprovado nos depoimentos coletados por Luiz Filipe Silvério Lima, que, referindo-se à experiência dos judeus do bairro paulistano do Bom Retiro, afirma: ―a repressão estatal, quando emergiu, estava ligada aos comunistas militantes, não a uma perseguição deliberada contra os judeus‖ (LIMA, Luís Filipe

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O mundo da violência, tese da historiadora Elizabeth Cancelli, avança na caracterização

do Estado Novo como uma experiência política totalitária no Brasil.24 Cancelli não somente

identifica na Era Vargas um governo que se estrutura a partir da difusão do terror (nos termos

de Thomas Hobbes), mas também uma sociedade fragmentada pela modernidade capitalista.

Juntas, estas duas esferas (sociedade fragmentada e governo tirano e perseguidor) explicariam

o fenômeno totalitário no Brasil de Getúlio (1930-45). Cancelli argumenta que neste contexto

a polícia (como agente do terror) se tornou um componente fundamental da expansão do

poder estatal. Fragmentada e aterrorizada, a população tornava-se vítima passiva das ações

truculentas da polícia, dentro e fora das prisões.

Segundo Cancelli, o objetivo do Estado Novo era ―modificar o lugar do indivíduo e das

classes no espaço público, negando as diferenças, a pluralidade e qualquer forma de organização e manifestação

que pusessem em xeque a concepção orgânica da sociedade‖.25 Aqueles indivíduos que divergissem deste

objetivo eram transformados em inimigos do Estado e objetos da truculência policial.26 Esta

interpretação é endossada pelo estudo de Maria das Graças Andrade Ataíde de Almeida sobre

a política educacional estadonovista em Pernambuco.27 Segundo esta autora, ―as mentes [dos

alunos] seriam forjadas no novo paradigma pedagógico, edificado nos conceitos de ‗ordem‘, ‗autoridade‘,

‗tradição‘ e ‗nacionalismo‘‖, e prossegue: ―neste ideário, o Estado afirma-se como totalitário e dedicado à

coletividade e o indivíduo era apresentado como parte integrante do todo‖. Essa caracterização radical do

Estado Novo como a versão brasileira do totalitarismo também foi objeto de diversas

ponderações e críticas.28

Os estudos fundamentados na noção de totalitarismo têm pontos de aproximação e de

distanciamento em relação à teoria do Estado populista. O mais notório ponto de aproximação

é, não há dúvida, a ênfase que ambos dão à eficácia dos processos de dominação e

manipulação. Contudo, enquanto os teóricos do populismo destacam a imaturidade política das

Silvério. Os judeus do Bom Retiro: histórias de vida durante a Era Vargas. In: Anais da X International Oral History Conference. Rio de Janeiro: CPDOC/ FGV; e FIOCRUZ, 1998, p. 1.635). 24 CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: a polícia da Era Vargas. 2 ed. Brasília: Editora da UNB, 1994, p. 20. 25 Ibidem, p. 80. 26 Ibidem, p. 121-138. 27 Maria das Graças Andrade Ataíde de Almeida afirma que ―a sustentação de um clima de insegurança, terror e violência assegurava a implantação de uma situação de fato: exonerações e aposentadorias forçadas transformaram-se em instrumentos de punição e armas de combate contra aqueles que eram apontados como representantes da pedagogia da desordem‖ (ALMEIDA, Maria das Graças Andrade Ataíde. Estado Novo: projeto político pedagógico e a construção do saber. Revista brasileira de história. V. 18, n. 36, 1998). 28 Por exemplo, Helena M. B. Bomeny afirma que, durante o Estado Novo, Vargas procurou manter uma posição eqüidistante em relação aos radicalismos políticos ou ideológicos. Entre a experiência liberal-democrática e a totalitária, Getúlio buscava um meio termo que evitaria o individualismo pernicioso do liberalismo e a mobilização excessiva da juventude (BOMENY, Helena M. B. Três decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce (org.). Op. Cit. P. 141-150).

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classes populares, que se puseram sob a tutela do líder político nacional, as teses que

identificam características fascistas no primeiro governo de Vargas argumentam que a

obediência e a ordem social derivaram, neste período, da ação de uma ampla rede de

estratégias governamentais que banalizaram o terror, a perplexidade e a resignação. O foco de

ambas abordagens é a ação estatal e as fontes consultadas são, via de regra, os diversos tipos

de registros oficiais. As classes populares aparecem nestes estudos como coadjuvantes ou

vítimas da ação estatal.

Estudos recentes sobre o Estado Novo e a fase da redemocratização dão ênfase às

especificidades históricas, contrapondo-se às generalizações acima apresentadas. Atentos às

particularidades nacionais, os historiadores têm se negado a equiparar a experiência brasileira à

italiana, à alemã e mesmo à portuguesa. Trabalham com recortes mais específicos e dão ênfase

às questões políticas e culturais desta fase. Ângela de Castro Gomes, contrariando a tese de

Weffort da incapacidade política dos trabalhadores em 1930, afirma que, durante toda a

Primeira República, a classe trabalhadora lutou arduamente pela regulamentação do mercado

de trabalho no Brasil. Porém, apenas no pós-30 — quando o poder decisório se deslocou do

legislativo para o executivo — um surto de regulamentação alcançou efetividade.29 Houve um

reconhecimento e enfrentamento da questão social.30

Segundo Gomes, a partir de 1942 — ano em que Alexandre Marcondes Filho assumiu

o Ministério do Trabalho — ocorreu a invenção do trabalhismo como ideologia de outorga:

Vargas e Marcondes Filho apresentavam a legislação trabalhista como dádiva, inserindo, deste

modo, sua relação com a classe trabalhadora na lógica simbólica da reciprocidade — ―o povo

tinha o direito de receber, e portanto o dever de retribuir‖.31 Afastando-se dos estudos (como o de

Lenharo) que apresentam a propaganda política como principal estratégia de legitimação do

getulismo, Ângela de Castro Gomes argumenta que, graças ao sucesso da política trabalhista

(na qual os trabalhadores eram levados a reconhecer ganhos efetivos), pôde ocorrer uma

assimetria nos acontecimentos de 1945: ―caía o Estado Novo, mas crescia o prestígio de Vargas‖.32

O historiador Jorge Ferreira afirma que em meados dos anos 80 do século XX muitos

historiadores brasileiros adotaram a literatura de autores identificados com a História Cultural.

Autores como Carlo Ginzburg que, através do conceito de circularidade cultural, sugere ―que as

idéias não são produzidas apenas pelas classes dominantes e impostas, sem mediações, de cima para baixo‖;

como Roger Chartier, para quem ―as camadas populares se apropriam das mensagens dominantes,

29 GOMES, Ângela de Castro. A invenção do trabalhismo. 3 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005, p. 179. 30 Ibidem, p. 197. 31 Ibidem, p. 232. 32 Ibidem, p. 286.

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dando-lhes novos e diferentes significados‖; e outros que deram destaque à noção de resistência

cultural (P. Burke, R. Darnton, G. Levi e N. Davis).33 Segundo Jorge Ferreira, no Brasil,

muitos historiadores passaram, recentemente, a utilizar o conceito de cultura para dar

visibilidade às ações das ―pessoas comuns‖ no passado colonial, na sociedade escravista e na

Primeira República. Todavia, também de acordo com Ferreira,

ainda são poucos aqueles que incorporaram o enfoque cultural nas suas reflexões sobre a história política brasileira após 1930 [...]. No Brasil, Thompson, ao lado dos historiadores da cultura, em poucas ocasiões ultrapassa a data tabu: 1930. Novamente não estamos diante de uma casualidade. Lembremos que a concepção que o historiador inglês tem de classe social é incompatível com a noção de populismo e de suas inevitáveis conseqüências, como manipulação das massas, mistificação ideológica e consciência desviada dos seus interesses ‗reais‘.34

Há, portanto, um limite temporal a ser ultrapassado nos estudos culturais no Brasil.

Neste sentido, os trabalhos de Angela de Castro Gomes (juntamente com os de outros poucos

pesquisadores) são pioneiros. Aprofundando a análise de alguns aspectos abordados por

Gomes, Jorge Ferreira, na coletânea de textos Trabalhadores do Brasil, evidencia como os

trabalhadores se apropriaram do discurso paternalista do Estado, entre 1930 e 1945. A partir

daí, argumenta que o reconhecimento de valores — ganhos materiais e simbólicos — e a

identificação de interesses são fatores que explicam melhor a relação entre Estado e classe

trabalhadora no pós-30. Ferreira critica, portanto, as abordagens (como a de Cancelli) que

vitimizam e transformam os trabalhadores em categoria facilmente manipulável pelos grupos

dirigentes.35

No livro O imaginário trabalhista, Ferreira estuda o período de 1945 até 1964, através de

momentos de grande mobilização popular.36 Este historiador afirma que, no período que

sucedeu a queda do Estado Novo, houve uma intensa atuação política dos trabalhadores. De

um movimento em prol da permanência de Getúlio como presidente, o queremismo avançou

para a defesa de uma constituinte que garantisse a permanência da legislação trabalhista.37 Mais

do que isto, o trabalhismo, origem e motivação do queremismo e do PTB, ―traduziu uma

consciência de classe, legítima como qualquer outra, porque histórica‖.38 Assim, para Ferreira, o pós-45

33 FERREIRA, Jorge. Op. Cit. P. 97-98. 34 Ibidem, p. 99-101. 35 FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário do povo. Rio de Janeiro: FGV, 1997, p. 127. 36 FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista: getulismo, PTB e a cultura política popular (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. 37 Ibidem, p. 67. 38 Ibidem, p. 88.

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foi marcado pela mobilização dos trabalhadores em torno da garantia de direitos e da

ampliação de sua participação política.

Lucília de Almeida Neves argumenta que nos anos 40 e, principalmente, nos anos 50,

―havia um forte sentido de esperança, caracterizado por uma marcante consciência da capacidade de intervenção

humana sobre a dinâmica da História, buscando-se implementar um projeto de nação comprometido

principalmente com o desenvolvimento social‖.39 Este ―tempo histórico‖ teria sido marcado pela

mobilização de expressivo segmento da população brasileira em torno de um projeto de

desenvolvimento nacional dirigido pelo Estado. Contudo, como afirma Ferreira:

os trabalhadores do campo não receberam os benefícios da legislação social e trabalhista, voltados para a população urbana, sobretudo a sindicalizada. Por estarem excluídos do pacto estabelecido entre Estado e classe trabalhadora, a repercussão do governo Vargas não surtiu entre os camponeses os mesmos efeitos que teve entre os trabalhadores urbanos.40

Assim, a forma como as pessoas experimentavam o ―tempo histórico‖ que se estendeu no

Brasil de 1945 a 1964, dependia do espaço social que ocupavam. Em 1953, o então ministro

do Trabalho do segundo governo Vargas — João Goulart — ouviu, na cidade de Manaus, do

presidente do Sindicato dos Gráficos e da Casa dos Trabalhadores da Amazônia (entidade que

possuía mais de 15 mil associados) — Jamaci Sena Bentes — a reclamação de que os

sindicatos da região estavam funcionando sem qualquer apoio político. Segundo Jamaci, os

seringueiros eram os mais prejudicados, ―são os párias da Amazônia‖.41 Estar na Amazônia,

mesmo sendo sindicalizado, significava estar também à margem de muitos dos benefícios da

política varguista — mas, não de todos.

As teses até aqui apresentadas privilegiam as transformações e conflitos que se

desenvolviam no espaço urbano. Podemos, neste momento, identificar um outro tabu ou

silêncio historiográfico: pouco se investiu na análise das mudanças ocorridas nos espaços

distanciados dos centros urbanos mais populosos. Este silêncio tem contribuído para a

perpetuação de uma imagem do meio rural como ambiente estagnado e indiferente à

modernização da sociedade brasileira. Um dos estudos clássicos da história das políticas

educacionais no Brasil corrobora esta imagem. Estamos nos referindo à História da educação no

Brasil, de Otaíza de Oliveira Romanelli.42 Esta autora analisa a evolução do ensino no Brasil

entre 1930 e 1973 e argumenta que a modernização da economia e da sociedade

39 NEVES, Lucília de Almeida. Trabalhismo, nacionalismo e desenvolvimentismo: um projeto para o Brasil (1945-1964). In: FERREIRA, Jorge (org). O populismo e sua história: debate e crítica. Op. Cit. P. 171. 40 FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil: o imaginário do povo. Op. Cit. P. 58. 41 FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista. Op. cit. P. 133-134. 42 ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil (1930-1973). 30 ed. Petrópolis: Vozes, 2006.

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(industrialização e urbanização) — que ocorria, sobretudo, no Sudeste — não foi

acompanhada por um similar movimento de expansão e modernização do ensino: a expansão

escolar ocorrida a partir de 1930 já não correspondia à nova demanda e as reformas

educacionais realizadas possuíam um caráter conservador.43 Segundo Romanelli, esta

defasagem entre educação e desenvolvimento social era gerada por um esforço das elites

(setores antidemocráticos da burguesia e latifundiários) no sentido de manter a escola como

privilégio de classe — principalmente os níveis secundário e superior.

Romanelli aponta a permanência do predomínio de latifúndios, das relações

semifeudais e dos processos arcaicos de produção como características fundamentais da

sociedade agrária no Brasil do pós-30.44 Para esta autora, o Estado foi um ente passivo (ou

meramente reativo) na dinâmica da expansão do ensino.45 Ele apenas teria respondido à

pressão de uma demanda por mais escolas, gerada pela modernização da sociedade. Logo, se o

meio rural permanecera estagnado ou indiferente à modernização, não poderia apresentar uma

pressão por maior oferta de ensino. Deste modelo explicativo só poderia derivar uma imagem

lamentável da situação do ensino na zona rural. Para ilustrar suas idéias, Romanelli transcreve

trechos de uma conferência de Jayme Abreu (que se referiam a fatos mencionados em um

simpósio sobre educação nos territórios federais, realizado em 1966): ―a Diretora da Divisão de

Educação do Amapá referia que ‗os professores primários moram na escola, pescam o seu sustento após o

período de aulas e normalmente são transferidos de local, no fim do ano, porque não têm como pagar seus

débitos‘‖; e ainda, ―a Diretora de educação do Amapá narrou sua visita a uma das escolas da margem do

Rio Oiapoque, onde ‗foi informada de que os alunos não haviam realizado as provas por falta de papel e lápis,

e que ali estavam recorrendo à escrita em folhas secas com tinta extraída de sementes‘‖. Utilizando estes e

outros relatos fornecidos por Jayme Abreu, Romanelli infere que havia um grande contraste

entre os sistemas escolares dos grandes centros urbanos e o das áreas mais pobres do Brasil (a

zona rural).46

O estudo que apresentamos a seguir sobre a política educacional no Amapá, entre

1944 e 1956, nos possibilita fazer algumas ponderações acerca da tese de Romanelli.

Primeiramente, ressaltamos o papel ativo do Estado no tocante à política de expansão

educacional do pós-30. Além disto, argumentamos que o Estado procurou utilizar a educação

como um instrumento de modernização das regiões brasileiras identificadas como as mais

43 Ibidem, p. 29. 44 Ibidem, p. 84. 45 Romanelli afirma que, quanto à expansão escolar, ―o Estado teve uma participação meramente passiva, tentando, quando muito, soluções de emergência diante das crises provocadas pela pressão social [...]‖, e argumenta em seguida que ―a demanda social de educação se transformou em fator-chave da expansão do ensino no Brasil‖ (Ibidem, p. 70). 46 Ibidem, p. 95.

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atrasadas. A diretriz estatal da realização de uma modernização draconiana não se restringia ao

fomento e regulação da industrialização, ou à regulamentação das relações entre empresários e

trabalhadores urbanos, mas pressupunha o desenvolvimento de uma rede integrada de

produção que articularia os setores primário e industrial, bem como pressupunha a formação

de um amplo mercado interno. Em discurso aos trabalhadores urbanos, no dia 1º de maio de

1941, Getúlio Vargas proferiu as seguintes palavras:

os benefícios que conquistastes devem ser ampliados aos operários rurais, aos que insulados nos sertões, vivem distantes das vantagens da civilização. Mesmo porque, se não o fizermos, corremos o risco de assistir o êxodo dos campos e superpovoamento das cidades — desequilíbrio de conseqüências imprevisíveis [...]. Não é possível mantermos a anomalia tão perigosa como a de existirem camponeses sem gleba própria, num país onde os vales férteis como a Amazônia, permanecem incultos e despovoados de rebanhos, extensas pastagens como as de Goiaz e Mato Grosso. É necessário à riqueza pública que o nível de prosperidade da população rural aumente para absorver a crescente produção industrial; é imprescindível elevar a capacidade aquisitiva de todos os brasileiros — o que só pode ser feito aumentando-se o rendimento do trabalho agrícola.47

O Brasil evoluiria da condição de país essencialmente agrícola para uma economia de

base mista (agro-industrial) sob a coordenação do poder estatal. Os conflitos entre os

apoiadores de Vargas e os grupos coligados à UDN — ocorridos entre 1945 e 1954 — eram a

manifestação do choque de dois projetos políticos para o desenvolvimento nacional: um

autoritário e nacionalista e outro liberal e simpático à maior abertura do Brasil ao capital

internacional. O pensamento autoritário enfatizava a necessidade de um Estado forte e com

um projeto de desenvolvimento social que disciplinasse as energias sociais, culturais e

econômicas presentes na nação. Uma das preocupações centrais deste pensamento era a

existência de grandes diferenças de ocupação humana e de geração de riqueza nas diversas

regiões do Brasil. Essa preocupação aparece, por exemplo, nos estudos sobre a história da

Amazônia, realizados por Arthur Cézar Ferreira Reis (historiador amazonense antiliberal), nas

décadas de 1930, 40 e 50. Nestes estudos, Reis argumentava que da valorização econômica da

região amazônica dependia a consolidação da soberania brasileira sobre o Norte, diante da

cobiça internacional.48

47 VARGAS, Getúlio. O trabalhador brasileiro no Estado Novo (1º de maio de 1941). In: A nova política do Brasil. Rio de Janeiro: José Olímpio, Vol. VIII, 1941, p. 261. Grifo nosso. 48 Em A política de Portugal no vale amazônico (livro lançado em 1939), o autor destacava a importância da intervenção estatal para o progresso da região amazônica. Reis argumentava que Portugal mantinha, no período colonial, uma política bem definida em relação ao extremo-norte: ―[...] não política liberal, de produção desorientada‖, mas uma ―política econômica em que se pode sentir a existência de um plano‖, mais especificamente de um ―plano de valorização, como é da técnica atual‖ (REIS, Arthur Cézar Ferreira Reis. A política de Portugal no vale amazônico. 2 ed., Belém: SECULT, 1993, p. 110).

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Nas décadas de 1940 e 1950, a Amazônia se destacava no quadro heterogêneo da

sociedade brasileira: região percebida como espaço economicamente atrasado49 e marcada pelo

vazio populacional. Na perspectiva do governo federal, urgia ocupar a região e valorizá-la

economicamente para que ela, definitivamente, se integrasse ao restante do país, sobremodo

aos centros de poder. Ou seja, da integração sócio-econômica dependeria também a

solidificação da vinculação política (fortalecimento da soberania nacional sobre as áreas de

fronteira). Por isso, em 1940, discursando aos comerciantes de Belém, Getúlio Vargas

afirmava que:

o Pará, toda a Amazônia, não conseguiu adaptar os métodos de trabalho a essa renovação dos processos de aproveitamento dos recursos naturais. Não é momento de indagar as causas dêsse retardamento. Talvez a imprevidência, que La Fontaine simbolizou na fábula da cigarra e da formiga, tenha impedido que se aplicasse em obras duradouras, de técnica agrária e industrial, boa parte do abundante ouro extraído da floresta generosa.50

Foi a partir da idéia de atraso regional que, no pós-30, formulou-se para a Amazônia

uma diretriz política de valorização econômica e de nacionalização do seu espaço. Este atraso,

segundo Vargas, pode ter sido resultado do predomínio de uma cultura baseada no gozo

despreocupado e imprevidente do tempo e no uso oportunista dos recursos da floresta (aos

moldes da cigarra descrita pela fábula referida)51. Vargas percebe na Amazônia a ausência de

uma sociedade regida pela ética do trabalho (para a qual o trabalho tem valor central na forma

das pessoas buscarem a felicidade). Vargas percebe também nesta região a ausência da

moderna técnica agrícola e industrial. Na sua visão, uma economia baseada na exploração

predatória da floresta levava ao esgotamento dos recursos naturais e ao nomadismo. O êxodo

rural agravaria cada vez mais o problema do desemprego e da miséria nas cidades. A fixação

do homem no campo e a ocupação definitiva do interior do país implicavam na melhoria das

49 No século XIX e início do XX, eram utilizados os termos: áreas ―civilizadas‖ e áreas ―incivilizadas‖. Mais ou menos entre 1930 e 1960, tornou-se mais comum utilizar as palavras ―atrasadas‖ e ―adiantadas‖. A partir dos anos 60, tornou-se mais usual a tipologia: ―desenvolvidas‖ e ―subdesenvolvidas‖. De todo modo, estas classificações trazem consigo um pressuposto evolucionista: a existência de um destino (ou sentido histórico) comum a todos os povos. Este destino se apresenta como um pretenso consenso (o melhor para todos), pondo a salvo este discurso de críticas e pondo as atualmente chamadas populações tradicionais num campo semântico de inferiorização. Disto desponta o sentido profundamente político deste discurso: a legitimação do direito de uns poucos homens ―esclarecidos‖ (re)ordenarem o mundo social. 50 VARGAS, Getúlio. Os problemas da Planície Amazônica e o futuro do Pará. In: A nova política do Brasil. Op. Cit. P. 55-56. 51 Na fábula de La Fontaine, citada por Vargas, a cigarra vive a tocar e cantar durante o verão, mas irá passar fome no inverno. Já a formiga, trabalhadora disciplinada, trabalha incansavelmente no estio e guarda o excedente para os dias difíceis da estação fria.

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condições de vida e trabalho do agricultor.52 O problema do campo começou a ser enfrentado

pelo governo federal por meio da criação de um sistema de créditos para os agricultores, de

estudos sobre uma lei de sindicalização rural, de concessões de terras nas fronteiras (Decretos

n. 1.968, de 17 de janeiro de 1940, e n. 1.610, de 20 de setembro de 1940) e de um projeto de

criação de colônias agrícolas na Amazônia (Decreto 3.059, de 14 de fevereiro de 1941).

O governo federal promoveu uma grande onda migratória de nordestinos para a

Amazônia.53 O ideal de uma civilização agrícola amazônica, contudo, se viu obrigado a

conviver com a ―batalha da borracha‖: a criação, durante a Segunda Guerra Mundial, de uma

ampla frente de produção de borracha na Amazônia, formada por trabalhadores transferidos

do Nordeste com recursos do Lloyd brasileiro, para se atender a alta demanda dos aliados por

esta matéria prima.54 Entre 1942 e 1945, cerca de 60 mil pessoas foram enviadas para os

seringais amazônicos.55 Para o governo federal, além de aliviar o Nordeste das pressões

sociais, era imprescindível dar valor econômico ao espaço amazônico. Este seria o grande

produtor de gêneros agrícolas e de matérias primas.

Novos territórios federais foram criados em 1943, dentro da perspectiva de ocupação

e valorizações das áreas pouco povoadas. Arthur Cézar Ferreira Reis, no livro Território do

Amapá: perfil histórico (lançado em 1949), argumenta que a criação destes territórios muito

contribuiria para a consolidação da unidade nacional, através da empresa de integração

nacional e da valorização econômica do espaço amazônico, especialmente do Amapá, que

deveria ter sua ―barbaria regional‖ combatida, a fim de que ele fosse integrado ao ―organismo

brasileiro‖.56 Dirigindo nossa atenção para o espaço amazônico, e mais especificamente para o

amapaense, objetivamos evidenciar a diversidade de experiências na efetivação do processo de

modernização draconiana do pós-30. A existência de especificidades naturais e sociais na

Amazônia reclamava posicionamentos e respostas diferentes do centro decisório brasileiro.

Aspectos políticos (a necessidade de consolidar os marcos fronteiriços e eliminar os

localismos) e sócio-econômicos (predomínio de atividades extrativistas e da pequena

52 GOMES, Angela de Castro. A construção do homem novo: o trabalhador brasileiro. In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; e GOMES, Angela de Castro (orgs). Estado Novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 163. 53 LENHARO, Alcir. Colonização e trabalho no Brasil: Amazônia, Nordeste e Centro-Oeste. 2 ed. Campinas: Editora da UNICAMP, 1986, 59-99. 54 O Japão, que entrou na Segunda Guerra Mundial ao lado dos países do Eixo e que controlava 97% das regiões produtoras de borracha do Pacífico, bloqueou o fornecimento desta matéria prima aos países aliados. 55 Alcir Lenharo afirma que nem tudo foi seguido à risca no projeto de colonização do vale amazônico, pois ―a ocupação da Amazônia acabou por ter sua ênfase na batalha da borracha, um plano oportunista e imediatista de deslocamento maciço de nordestinos para a Amazônia que nada fez para deter a exploração dos seringalistas sobre os seringueiros [...]‖ (LENHARO, Alcir. Colonização e trabalho no Brasil. Op. Cit. P. 46). 56 REIS, Arthur Cézar Ferreira. Território do Amapá: perfil histórico. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1949, p. 6.

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agricultura) tornavam imperativo, na perspectiva do governo federal, educar homens e

mulheres para formar uma sociedade de cidadãos trabalhadores.

Neste estudo analisaremos a relação entre a política educacional do governo de Janary

Nunes (1944 até 1956) e a sociedade amapaense (concebida como um conjunto social e

culturalmente heterogêneo). Para tanto, tentamos responder as seguintes questões: quais eram

os objetivos da política educacional do governo de Janary Nunes, no Amapá, entre 1944 e

1956? Qual era a relação desta política educacional com o projeto janarista e com as mudanças

no quadro político nacional e internacional? Que pessoas, representações, estratégias e práticas

ajudaram a efetivar esta política educacional? Para responder estas indagações foi necessário

constituir um amplo e heterogêneo corpus documental, percorrendo lugares como: o Centro de

Documentação de História Contemporânea (Cpdoc), no Rio de Janeiro; o Arquivo do

Departamento de Imprensa Oficial do Estado do Amapá; e a Biblioteca Municipal de Macapá.

Nestes arquivos coletamos artigos de jornal, relatórios de governo, fotografias e balanços

estatísticos. Além destas instituições, visitamos algumas pessoas que testemunharam as

transformações ocorridas no Amapá a partir de meados da década de 40 e que nos falaram,

em entrevista, sobre suas impressões acerca deste período: Amaury Guimarães Farias57,

Arlindo Oliveira, Eulice de Souza Smith, Josefa Lina da Silva, Benedita Guilherma Ramos,

Joaquim Ramos da Silva, Raimundo Lino Ramos, Renato Felgueiras Vianna, José Sebastião

Mont'Alverne e Joaquim Theófilo de Souza. Cada uma das categorias de fonte foi analisada à

luz dos objetivos desta pesquisa e de considerações sobre sua natureza própria, conforme

passamos a descrever.

Os jornais noticiosos nos permitem, conforme afirma Miriam Lifchitz M. Leite, ―uma

verificação do papel da imprensa como informadora da população, formadora da opinião, manipuladora de

situações e alimentadora de fantasias e mitos‖.58 Esta função manipuladora do discurso jornalístico

indica que não podemos endossar o que é dito nele em nossas análises ou tomá-lo,

apressadamente, como elemento para a confirmação da hipótese, como fazem muitos

historiadores.59 Ao nos dispormos a analisar os artigos do jornal Amapá, procuramos

identificar os seus códigos e suas mudanças, conforme a indicação metodológica de Leite: ―as

palavras escolhidas, as expressões recorrentes, quem escrevia e por que, e o que escrevia e para quem, onde se

escrevia e até onde se alcançava o objetivo imediato do jornal e o objetivo atingido, a função desempenhada

57 Faleceu em julho de 2007. 58 LEITE, Mirian Lifchitz M. O periódico. Variedade e transformação. In: Anais do Museu Paulista. São Paulo, tomo XXVIII, 1977/1978. 59 Sobre este tipo de análise de jornais consultamos também: CAMARGO, Ana Maria de Almeida. A imprensa periódica como fonte para a História do Brasil. In: PAULA, Eurípedes Simões de Portos (org.). Rotas e comércio. Anais do V Simpósio Nacional dos professores universitários de História. São Paulo, 1971, vol. II.

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voluntária e aquela que cumpriu sem chegar a saber ou, ainda, como formas literárias exprimiram situações

políticas em que os homens se tinham atribuído missões educativas‖.60 Estas indicações permitiram uma

abordagem diferente daquela que infere a partir de afirmações do jornal. A análise dos artigos

do jornal Amapá61 nos facultou identificar as práticas e representações do governo relativas à

política educacional.

Por meio do levantamento do material contido nos relatórios governamentais,

pudemos identificar quais eram os objetivos educacionais do primeiro governo do Território

Federal do Amapá. Os relatórios procuravam evidenciar o impacto e o alcance das políticas

implementadas. Do ponto de vista da retórica, os relatórios apresentam uma pretensa

neutralidade política e são abundantemente enxertados de informações técnicas. Aliás, é

próprio do discurso político-administrativo não explicitar o lugar de onde fala. Isto constitui

uma estratégia de legitimação (identificação com o ―bem comum‖ e não com particularismos).

Procuramos avaliar, também, a concepção personalista de administração territorial presente

nos relatórios — a partir da qual as ações governamentais eram atribuídas à decisão particular

(e pretensamente técnica) do governador Janary Nunes.

As fotografias nos ajudaram na compreensão do panorama cultural da época que

estudamos e nos possibilitaram descortinar, neste panorama, diferentes visões de mundo. Ciro

Flamarion Cardoso e Ana Maria Mauad definem a fotografia como ―artefato produzido pelo

homem e que possui uma existência autônoma como relíquia‖ e ―mensagem que transmite significados relativos

à própria composição‖.62 Como documento, a fotografia ―revela aspectos da vida material de um

determinado tempo do passado de que a mais detalhada descrição verbal não daria conta‖.63 Enquanto

monumento, ―ela é agente do processo de criação de uma memória que deve promover tanto a legitimação de

uma determinada escolha quanto, por outro lado, o esquecimento de todas as outras‖.64 O uso da análise de

fotografias em nossa pesquisa se direcionou, principalmente, ao registro fotográfico oficial das

construções e ações escolares. Por meio deste tipo de registro pudemos identificar como o

governo de Janary difundiu uma representação específica da sociedade amapaense e edificou

em torno disto uma memória. O conceito de imagem oficial65, que Boris Kossoy utiliza para

60 LEITE, Mirian Lifchitz M. Op. Cit. P. 149. 61 Jornal semanal mantido e gerenciado pelo governo do Território desde 19 de março de 1945. As ações deste governo constituem o principal objeto de seus artigos. 62 CARDOSO, Ciro Flamarion e MAUAD, Ana Maria. História e imagem: os exemplos da fotografia e do cinema. In: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo (orgs.). Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 408. 63 Ibidem, p. 406. 64 Ibidem, p. 407. 65 A imagem que determinado grupo produz e apresenta como sendo a representação verdadeira e legítima de um lugar ou situação (KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. 3 ed. Cotia-SP: Ateliê Editorial, 2002).

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analisar os cartões postais, também é perfeitamente aplicável à nossa análise das fotografias

presentes no jornal Amapá e nos relatórios de governo, pois nos chama a atenção para o fato

de que a opção do fotógrafo por certas imagens, enquadramentos e planos, objetiva perenizar

uma determinada forma de percepção da paisagem, dos sujeitos históricos e dos

acontecimentos, em detrimento de outras possíveis.

A produção de estatísticas relativas à escolarização se proliferou notavelmente a partir

de 1930.66 Neste momento, surgiu uma crença alargada nos números como orientadores da

administração social, especialmente na área educacional.67 Por isto herdamos uma gama

considerável de levantamentos estatísticos relativos à educação. O trabalho com análises

quantitativas pode envolver dois processos diferentes de coleta dos dados: a) coleta direta,

quando a informação estatística é elaborada a partir de quantidades extraídas diretamente da

fonte; b) coleta indireta, quando a informação é inferida a partir dos elementos conseguidos

pela coleta realizada por outrem (é feita, portanto, por deduções e conjecturas).68 Em nossa

pesquisa, trabalhamos com a coleta indireta. Utilizamos os dados estatísticos produzidos pelo

IBGE e pela Divisão de Estatística do governo territorial do Amapá para analisar os diversos

aspectos da expansão educacional no Território e as mudanças no perfil sócio-econômico da

população amapaense nas décadas de 1940 e 1950.

As entrevistas foram confrontadas com os discursos das demais fontes de nossa

pesquisa.69 Desta forma, identificamos diferentes narrativas que procuraram e procuram

formular sentidos específicos para as experiências históricas. Seguindo as orientações

metodológicas de Verena Alberti, dividimos o trabalho de produção dos depoimentos em três

66 Cynthia Pereira de Souza afirma que a partir dos anos 30, quando Getúlio Vargas subiu ao poder, foram firmados convênios entre o governo federal e os Estados para a organização dos serviços estatísticos (SOUZA, Cynthia Pereira. A criança-aluno transformada em números (1890-1960). In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 199). 67 Ibidem, p. 201-203. 68 Ver: BUESCU, Mircea. Métodos quantitativos em história. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1983; e BARNETTA, Pedro Alberto. Estatística aplicada as Ciências Sociais. 4 ed. Florianópolis: UFSC, 2001. 69 A história oral é a metodologia de coleta/produção de uma fonte — que chamamos de depoimento — onde o historiador está diretamente implicado. A discussão em torno do estudo da memória através da história oral tem se direcionado, nas últimas décadas, principalmente para a questão da relevância das reminiscências pessoais para a produção do conhecimento histórico. Gwyn Prins afirma que o desprestígio sofrido pela utilização de entrevistas entre os historiadores é um desdobramento do desprezo à palavra falada nas sociedades alfabetizadas (PRINS, Gwin. História Oral. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: EDUSP, 1992, p. 166). Paul Thompson enfatiza o aspecto social do emprego de depoimentos. Seu propósito social consiste em dar voz àqueles que não se expressam no registro documental. Thompson deixa claro quais são as contribuições que o uso de depoimentos tem dado à pesquisa histórica: penetra aquilo que, de outro modo, seria inacessível; oferece um corretivo fundamental às pesquisas com registros; e transforma ―objetos‖ de estudo em ―sujeitos‖ da produção do conhecimento sobre si mesmos (THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. 2 ed — Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992, 119, 134-137).

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momentos: preparação das entrevistas; sua realização; e tratamento do material produzido.70 A

preparação das entrevistas implicou no estudo prévio do seu tema, seleção das pessoas (a

serem entrevistadas), montagem de um roteiro de questões (abertas) e verificação do ambiente

e equipamento de gravação. Na realização das entrevistas, procuramos nos adequar ao ritmo

do entrevistado e sermos sensíveis aos fatores que interferiram no andamento da entrevista,

para considerá-los durante a análise. Na interpretação e análise das entrevistas, procuramos

atentar para as intenções dos entrevistados (e do próprio entrevistador). Foi preciso também

analisar as entrevistas como um todo, no qual as partes (conceitos, formas de se referir a fatos,

lembranças cristalizadas, cacoetes de linguagem, etc.) se articulavam, constituindo significados.

A análise de artigos de jornal, relatórios, fotografias, dados estatísticos e entrevistas nos

possibilitou esquadrinhar as diretrizes da política educacional do governo de Janary Nunes no

Amapá. Assim como toda a historiografia apresentada acima, este estudo trata da relação entre

Estado e sociedade. No entanto, conforme ressaltamos, estamos pondo em foco a fronteira da

modernização — onde os poderes constituídos não identificam dentro da sociedade a

existência das condições necessárias a um impulso modernizador. A racionalização da

produção (orientação técnica) e das relações sociais em geral (regulação do tempo e do espaço)

torna-se então a meta da ação estatal. Destarte, em meados do século XX, a pequena camada

letrada que compunha o governo janarista contemplava a sociedade amapaense com um olhar

que reconhecia, sobremodo, a falta de algo — nos aproximamos aqui da noção de nadificação

de Sartre.71 Fazer esta sociedade suprir esta carência significava realizar uma obra

modernizadora. Neste sentido, era preciso mudar o homem. Contra todo determinismo racial

e ambiental, a classe dirigente reconhecia na educação a principal força capaz de criar um

homem novo. Porém, a modernidade, ao mesmo tempo em que nos acrescenta, nos subtrai

(exige sacrifícios antes dos prêmios). A realidade não se amoldou às exigências do projeto

modernizador: imensos obstáculos sócio-econômicos e hábitos seculares lhe impuseram

resistência. No que tinha de mais ambicioso este projeto fracassou. Mas, legou o bastante para

retinir dentro e fora dos círculos acadêmicos: na história e na memória.

70 ALBERTI, Verena. Fontes orais. Histórias dentro da História. In: PINSKI, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2005, p. 155-202. 71 Para Sartre, o mundo não existe fora das significações que a consciência lhe empresta. Este é o fundamento fenomenológico da tese de sartreana. Mas esta consciência existe numa perspectiva temporal, ou seja, no plano da unidade passado-presente-futuro que se manifesta por meio de um sentido próprio, um projeto de futuro, que sempre reconhece no presente o que ainda não é, mas que deve ser (o Em-si). O reconhecimento desta carência no presente é o que Sartre chama de nadificação (SARTRE, Jean Paul. O ser e o nada: ensaios de ontologia fenomenológica. 15 ed. Petrópolis: Vozes, 2007, p. 543-545).

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CAPÍTULO 1

O que se deve ensinar: a formação do homem novo

No dia 21 de novembro de 1946, ao encerrar a modesta cerimônia de inauguração da

nova escola isolada e mista de Santana (na época vilarejo próximo da capital territorial,

Macapá), o jovem governador do Território Federal do Amapá, Janary Gentil Nunes,

dirigindo-se aos presentes (membros de sua equipe de governo, professores, alunos, escoteiros

e moradores desta vila), contou uma lenda sobre um rei persa:

Esse soberano convidava homens de todos os recantos do mundo a visitar seu famoso palácio, onde poderiam percorrer todas as suas salas, exceto uma, onde só êle entrava e cujo segredo guardava religiosamente. Muitos supunham que ali existissem abundantes riquezas que pudessem causar deslumbramento em quantos tivessem a ventura de contemplá-las. Quando o rei faleceu, os seus áulicos, seguidos por uma densa multidão, viram então apenas uma sala completamente vasia [sic] e uma janela aberta. Era em meio ao silêncio do compartimento indevassável que o velho monarca pensava em construir a felicidade de seus súditos...72

Após terminar de contar esta lenda, Janary arrematou: ―assim também, cada brasileiro

deveria ter no seu íntimo sagrado onde não medrassem outros sentimentos senão o de criar uma Pátria melhor‖.

Este fato nos ajuda a entender o significado da política e o desafio que ele guarda em si. O

desejo íntimo do rei persa de interferir no destino de centenas ou milhares de homens

representa a megalomania própria da política. Segundo Peter Sloterdijk, ―a política é a arte de

organizar os laços ou forças de ligação e para além disso numa esfera de elementos comuns‖.73 Quando

entendemos que Janary pretendia enlaçar todos no mesmo sentimento, e perguntamos o que

seria naquele momento ―uma Pátria melhor‖, também percebemos que ele estava falando, antes

de tudo, de seu próprio sonho. Sloterdijk afirma que, ao se organizar em grandes

conglomerados (como a nação), ―o homem se torna então o animal para abrigos mais abstratos‖ cuja

expressão mais visível é o Estado e aqueles que ocupam postos de comando da coletividade: o

homo politicus ou o ―decatleta a serviço do Estado‖.74 Absorvido na entrega ascética às coisas da

política, o homo politicus pensa o mundo à luz de doutrinas que propõem a ordenação do todo.

Janary dedicou a maior parte da sua vida à política. E dedicou-se com paixão — fonte

de amizades e inimizades. Ele era um sacerdote do Estado e, como tal, pensava, sobretudo, a

partir de grandes generalizações (ele diria: grandes ideais). Há, no entanto, uma

72 Mais uma escola de alfabetização do Território. Amapá. Nº 89, de 30/11/1946, p. 4. 73 SLOTERDIJK, Peter. No mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica. São Paulo: Estação Liberdade, 1999, p. 32. 74 Ibidem, p. 37.

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incompatibilidade entre esta forma de pensamento e a complexa e conflituosa realidade das

coisas práticas. O próprio campo político torna-se freqüentemente um espaço de combates

ostensivos pela primazia deste ou daquele grupo na ordenação da realidade social, segundo

suas ideologias. Bourdieu afirma que a luta que opõe os profissionais da política ―assume pois a

forma de uma luta pelo poder propriamente simbólico de fazer ver e de fazer crer, de predizer e de prescrever, de

dar a conhecer e de fazer reconhecer, que é ao mesmo tempo uma luta pelo poder sobre os ‗poderes públicos‘ (as

administrações do Estado)‖.75 Disto decorre o fato de ser o campo político um gerador de

divergentes narrativas sobre experiência social.

Neste capítulo, objetivamos evidenciar como, ao mesmo tempo em que engendrava

uma série de inovadoras políticas públicas no Amapá, Janary difundia uma narrativa histórica

que dava um novo sentido à experiência dos amapaenses. Com tal procedimento este

governador objetivava alcançar a aprovação do Executivo Federal para a sua atuação política e

a colaboração da sociedade amapaense para o seu empreendimento local. Ainda neste capítulo,

esquadrinhamos os fundamentos da nova política educacional territorial e demonstramos

como eles se articulavam com as metas estadonovistas para a Amazônia. Nas terras

amapaenses, um amplo processo de inovação política teve como marco inicial a instalação do

primeiro governo do Amapá, no início de 1944.

No dia 25 de janeiro de 1944, num avião da Força Aérea Brasileira, Janary Gentil

Nunes chegou em Macapá para a instalação do novo governo territorial. Acompanhavam-no a

sua esposa (Iracema Carvão Nunes) e seus dois filhos, assim como o Ministro da Justiça e

Negócios Interiores76 (Alexandre Marcondes Filho, que também acumulava a pasta do

Trabalho), alguns deputados e convidados. Neste dia, também chegaram em Macapá, por via

fluvial, vários membros das camadas mais abastadas de Belém e das ilhas circunvizinhas.

Todos interessados em assistir a posse de Janary, que, aos 31 anos de idade, trazia consigo um

histórico de destacadas atividades militares.77 Na cerimônia de posse — ocorrida no modesto

75 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 174. 76 Os territórios federais estavam vinculados ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. 77 Nasceu no município de Alenquer — no Pará — e em 1930 (aos 18 anos) ingressou na Escola Militar do Realengo, no Distrito Federal. Entre 1936 e 1937, serviu no pelotão de Clevelândia do Norte (na região que depois seria um município do Território Federal do Amapá, o Oiapoque). Em 1938, foi para Curitiba fazer curso no Centro de Transmissão da 5ª Região Militar — no qual foi primeiro colocado. Neste mesmo ano, publicou o livro Bandeira do Brasil. Tornou-se diretor técnico da Federação de Escoteiros do Paraná e Santa Catarina (região que na época era alvo da campanha de nacionalização das colônias de imigrantes, principalmente alemães). Em 1939, foi secretário e relator da Comissão Interministerial do Exército, Marinha, Justiça e Educação, quando colaborou na elaboração do Decreto-Lei 43.545 (de 31 de julho de 1940), que regulamentou o culto aos símbolos nacionais. Janary assumiu em 1940 o comando do Pelotão do Oiapoque (região de fronteira entre Brasil e Guiana Francesa, historicamente marcada por disputas territoriais). Em 1942, foi indicado para liderar a 1ª Companhia Independente de Metralhadoras Antiaéreas, responsável pela defesa da Base Aérea de Belém, durante a Segunda Guerra Mundial. Em 27 de dezembro de 1943, foi nomeado governador do Território Federal do Amapá (após

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prédio da antiga Intendência de Macapá — o interventor do Pará (Coronel Joaquim de

Magalhães Cardoso Barata) leu o ato de transferência dos bens patrimoniais que agora estavam

no Território Federal do Amapá e que haviam pertencido, até então, ao Pará.

Durante os seus doze anos de governo (no dia 1º de fevereiro de 1956 foi nomeado

presidente da Petrobrás)78, Janary procurou evidenciar que o dia 25 de janeiro de 1944 foi um

marco histórico que dividiu em dois momentos radicalmente distintos a história das

populações das terras do novo território. Nos dias 25 de janeiro ocorriam atividades como:

apresentações diversas, campeonatos esportivos, inaugurações, churrascos, passeios e bailes.

Comumente, o jornal governamental (Amapá) apresentava neste dia edições especiais, com um

número maior de páginas ou vários cadernos com fotos e crônicas sobre as principais

realizações do governo. Deste modo, ocorria a tentativa do estabelecimento de uma narrativa

histórica para os amapaenses, na qual a posse de Janary simbolizava o fim de um período de

pessimismo, abandono, caos, atraso, doenças, analfabetismo, superstição, pobreza e

invisibilidade. Iniciava então um luminoso momento de otimismo, patriotismo, progresso em

todos os aspectos sócio-econômicos.79

O governo Vargas também buscou disciplinar a compreensão de sua obra política

postulando a sua superioridade por meio da avaliação do passado e da projeção de um futuro

novo. Segundo Angela de Castro Gomes, o novo Estado precisou ―debruçar-se sobre o passado

naquele sentido mais profundo em que ele significa tradição‖. Neste aspecto, a revista Cultura Política é

exemplar: o Estado liberal da Primeira República era apresentado como indiferente e

inadequado às novas exigências da realidade social (industrialização e crescimento do

proletariado). No ano de 1930, teria ocorrido uma ruptura revolucionária na história. A

Revolução de 1930 teria vindo restaurar e preservar a ―personalidade nacional‖, numa amálgama

de inovação e tradição. Os articulistas da revista Cultura e Política atribuíam a Vargas um papel

cogitações em torno de seu nome e de Emanuel de Almeida Morais, também capitão do Exército). Getúlio, além influenciado por lideranças da região, dava preferência à escolha de um militar (como fizera na seleção da maioria homens que ocuparam a chefia das interventorias estaduais, no pós-30) que conhecesse a região a ser administrada (BENEVIDES, Marijeso de Alencar. Os novos territórios federais. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946, p. 75-76). 78 Durante a maior parte do ano de 1949, Janary Nunes ficou afastado do cargo de governador do Amapá com o objetivo de realizar curso para obter nova patente militar. O caráter interino deste afastamento e do governo de seu substituto (Raul Montero Valdez) — bem como a manutenção das diretrizes janaristas — invalida qualquer tentativa interpretativa de identificar neste ano uma interrupção da política que se estava implementando no Amapá desde 1944. 79 Como exemplo, destacamos um trecho do Editorial do número especial do jornal Amapá, de 25 de janeiro de 1952: ―se o Amapá caminhou mais célere do que outros recantos do país, projetando-se em evidência no cenário econômico e social da Pátria, deve-se ao entrosamento produtivo entre o seu Governo e o seu povo, que sempre marcharam unidos na árdua e gloriosa missão de soerguimento do Território. Foi graças a essa coesão de ideais que nasceu e cresceu, florindo e frutificando, a mística do Amapá, tornando esta terra de heróis e de sofrimentos, numa das mais promissoras esperanças do Brasil atual‖ (Oito anos de batalha territorial [Editorial]. Amapá. N. 358 (1ª secção), de 25/01/52, p. 1). Grifo do original.

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determinante no sucesso da Revolução e, principalmente, na efetivação do seu programa a

bom tempo.80

Aqui nos achamos diante de um velho dilema da historiografia que trata do campo

político: a escolha entre a visão ―cínica‖ e a visão ―inocente‖ dos governantes e de suas imagens.81

A visão ―cínica‖ pressupõe uma cisão entre discurso e prática, bem como o uso de variados

recursos da retórica e da propaganda com a finalidade de iludir e manipular o maior número

possível de pessoas. Neste tipo de abordagem, as palavras e ações dos políticos ganham o

sentido de meios ardilosos e maquiavélicos de alcançar seus objetivos — ressalta-se, portanto,

que as ações são dirigidas por móveis conscientes.82 A visão ―inocente‖ pressupõe uma

coerência entre discurso e prática, uma vez que ambos seriam regidos por necessidades

psicológicas relacionadas a papéis sociais culturalmente estabelecidos — aspectos rituais da

manutenção de uma ordem social.

Peter Burke apresenta uma terceira alternativa, isto é, uma síntese entre estas duas

linhas interpretativas: ―tanto o rei como seus conselheiros tinham consciência dos métodos pelos quais as

pessoas podem ser manipuladas por meio de seus símbolos [...]. Contudo, os objetivos com que manipulavam os

demais eram obviamente escolhidos a partir do repertório oferecido pela cultura do seu tempo‖.83 Os políticos

elaboram suas metas a partir do conjunto de valores dentro do qual foram formados. Porém,

para atingir seus objetivos, o profissional da política adota modos de convencimento ou

estratégias de persuasão que conhece muito bem. A pregação política é fundamental na

disputa pela hegemonia, na medida em que esta implica um conflito entre representações.84

No entanto, é preciso considerar que a persuasão política governamental torna-se inócua sem

que grupos e classes governados reconheçam85 ganhos efetivos advindos da administração

pública. Neste sentido, Jorge Ferreira nos adverte que o ―mito‖ Vargas não era um produto da

80 GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Op. Cit. P. 189-196. 81 BURKE, Peter. A fabricação do rei: a construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994, p. 22-23. 82 Um exemplo deste tipo de abordagem é a forma do historiador amapaense Fernando Rodrigues dos Santos definir o termo ―janarismo‖: ―um período político-administrativo marcado, também, pela dicotomia entre o discurso e a prática; e realizações efêmeras e paliativas‖ (SANTOS, Fernando Rodrigues. História do Amapá: da autonomia territorial ao fim do janarismo (1943-1970). 2 ed. Belém: GrafiNorte, 2006, p. 31). 83 BURKE, Peter. Op. Cit. P. 24. 84 Uma vez produzido e difundido, o discurso político estará sujeito a práticas de apropriação. Jorge Ferreira, analisando centenas de cartas enviadas por pessoas comuns a Getúlio Vargas, entre 1930 e 1945, demonstra como os populares se apropriaram do discurso varguista — de um relacionamento direto entre presidente e povo e da valorização do trabalho — em prol de seus interesses e necessidades (FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil. Op. Cit. P. 13-17). 85 Angela de Castro Gomes nos lembra que as experiências coletivas não são dirigidas por um mero cálculo racional, pois ―os homens se relacionam com estas circunstâncias, experiências, realidades, enfim, com estes cálculos racionais, sempre segundo um esquema de representações que não é o único possível‖ (GOMES, Angela de Castro. A invenção do trabalhismo. Op. Cit. P. 21). Portanto, quando pensamos em ―reconhecimento‖ não podemos esquecer destas mediações simbólicas.

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propaganda política, pois mesmo a propaganda mais sofisticada e massificante não é capaz de

sustentar uma personalidade política por várias décadas ―sem realizações que beneficiem, em termos

materiais e simbólicos, o cotidiano da sociedade‖.86

No caso do Território Federal do Amapá, apesar de todo o esforço de Janary e de seus

assessores, a difusão do discurso governamental (relativamente sofisticada) não era algo

massificante. O jornal Amapá não tinha uma grande tiragem — e nem poderia ter,

considerando o número altíssimo de analfabetos e de semi-analfabetos existentes. Seu público-

leitor alvo era, sobretudo, o crescente, mas numericamente inexpressivo funcionalismo

público territorial. A programação radiofônica tinha audiência insignificante. Isto decorria da

pobreza da população e da falta de energia elétrica em muitos lugarejos. A narrativa da

modernização do Amapá se difundia, antes de tudo, por meio das obras e serviços

implementados pelo novo governo territorial.87 Ainda que muitos amapaenses não tivessem a

clara noção do sentido mais ambicioso do projeto janarista, podiam claramente perceber a

interrupção de uma fase de ampla indiferença estatal. As mudanças realizadas eram

suficientemente expressivas, ou seja, era impossível não ver várias alterações na paisagem e no

cotidiano amapaense. Estas mudanças eram signos da presença efetiva do governo na vida

regular dos populares.

Nas narrativas da maioria das pessoas que foram por nós entrevistadas, observamos a

reafirmação da divisão do tempo histórico em ―antes‖ e ―depois‖ da chegada de Janary Gentil

Nunes. Por exemplo, Arlindo Silva de Oliveira nos relatou: ―agora uma coisa eu digo pra você,

naquela época tudo foi criado pelo Janary — educação, saúde, agricultura — aonde você anda tem a mão dele:

se você vai na Fazendinha, foi ele que criou aquilo ali; se você vai na educação, é só você olhar pro Barão do

Rio Branco, você vê lá (atrás era o Teatro); Rádio Difusora; agricultura [...]‖.88 Nestes relatos, a

avaliação da administração de Janary não era realizada tendo como parâmetro um ideal de

governo perfeito, e sim a concreta experiência da vida local de antes de 1944. Além disso,

outro parâmetro foi utilizado pelos depoentes na construção de suas narrativas: os governos

86 FERREIRA, Jorge. Trabalhadores do Brasil. Op. Cit. P. 49. 87 Em 1954, o articulista Morel M. Reis escreveu que ―no interior, em todo lugar que foi possível obter matricula mínima de pelo menos 20 alunos, criou-se uma escola isolada primária. Tivemos oportunidade de ver alguns desses estabelecimentos, que em geral chamam a atenção, no interior e no campo, porque são os melhores prédios que o viajante encontra‖ (Educação, saúde, transportes e energia elétrica são obras fundamentais do Território do Amapá. Amapá. N. 502, de 14/02/1954, p. 04). 88 Arlindo Silva de Oliveira. Entrevista realizada no dia 13 de outubro de 2006. Em outro trecho, o entrevistado (que atuou no estabelecimento das bases do serviço de transporte aéreo no Amapá) afirmou o seguinte: ―naquela época só tinha caboclo aqui mesmo. Lá no rio pescava uns dois peixinhos. Não tinham a idéia de progredir, de avançar na vida. E outros no interior tinham a coleta de castanha do Pará, agora mudou o nome. Mas só veio melhorar depois que foi assumido... Passou a Território, que o coronel assumiu, o capitão assumiu, teve várias idéias e lá que melhorou bastante a vida interiorana. Mas, antigamente, não tinha nada. O que tinha muito aqui naquela época era malária, matava muita gente e não tinha nem assistência‖.

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atuais. Renato Felgueiras Vianna — que foi técnico da Divisão de Produção e professor de

Moto-mecanização da Escola de Iniciação Agrícola do Amapá — afirmou:

Janary foi muito útil ao Amapá. Muito mesmo. Muita coisa que tem no Amapá vem da época do Janary. Muita coisa: parte de escola, parte de médico. Aqui você tinha um Pronto Socorro em que [você] era atendido e não ouvia dizer que não tem remédio. Hoje não tem. E não acontece nada, nada, nada [...]. O Janary construiu: Escola Normal, aqui o Santina Rioli, Alexandre Vaz Tavares, Barão do Rio Branco, Colégio Amapaense [...]. Aqui na capital, aqui no Amapá, se todo governador que chegasse fizesse um bocadinho isso estava outra coisa.89

Surge, portanto, nestas narrativas um novo sentido para atuação de Janary no governo

do Amapá. Este sentido é o da denúncia das negligências dos governantes atuais.90 Apresentar

suas realizações também era uma das principais estratégias de Janary para obter o apoio da

classe dirigente em geral. Em abril de 1945, quando esteve na capital federal, o governador do

Amapá apresentou ao presidente Vargas e ao então Ministro da Guerra, General Dutra, um

álbum de fotos nas quais figurava ―o estado de abandono em que encontrou aquela região ao assumir o

cargo‖ e as realizações do seu governo.91 Fotografias de obras e serviços povoam os relatórios

de governo e as páginas do jornal Amapá, fazendo ecoar a mensagem de que havia algo novo a

ser reconhecido pelos autóctones. Em 1962, com o objetivo de alcançar o máximo de adesões

para a sua candidatura de deputado federal, Janary lançou o livro Confiança no Amapá, que

reúne relatos de políticos e intelectuais sobre as impressões que tiveram ao visitar o Território

(ou viver nele). Esta coletânea foi concebida como um inventário de descrições do primeiro

governo territorial, de caráter testemunhal e idôneo — objetivava fazer ver as realizações

governamentais pelos olhos supostamente insuspeitos de pessoas consideradas ilustres.92

Não havia uma distância entre discurso e prática no tocante aos doze anos de

administração janarista. Afirmar isto implicaria em ter que ignorar um número muito grande

de indícios e evidências. Discurso e prática estavam atrelados a um ambicioso projeto político

de modernização da sociedade. À luz do projeto governamental, os discursos e narrativas

procuravam evidenciar o sentido da obra que se estava realizando: a superação do ―atraso‖.

89 Renato Felgueiras Vianna. Entrevista realizada no dia 16 de outubro de 2006. 90 Referindo-se ao projeto de desenvolvimento agropecuário para o município de Amapá, elaborado pelo governo de Janary, relatou Arlindo Silva de Oliveira: ―[...] a idéia do Janary era de plantar o futuro. Se não houve continuação é porque foi abandonado. Não tem nada ali! Aquilo ali até pra criar animal é difícil. O terreno é muito arenoso, não tem pasto. A idéia dele era fazer pasto. E tudo era uma forma gratuita‖. 91 O Governador Janary Nunes e sua permanência no Rio de Janeiro (do correspondente no Rio de Janeiro). Amapá. Nº 04, 14/04/1945, p. 01. 92 Um exemplo destes relatos é o do deputado Alcides Carneiro (do PSD da Paraíba), de 1954: ―o Território do Amapá, pelo seu progresso, pela sua organização modelar, merece ser visto, compreendido e admirado por todos os brasileiros que ainda guardam no coração a fé e a esperança nos destinos do Brasil‖ (CARNEIRO, Alcides. O Coronel Janary é um exemplo de homem: o Território do Amapá, exemplo de obra. In: NUNES, Janary Gentil (org.). Confiança no Amapá: impressões sobre o Território. Rio de Janeiro: Artes Gráficas, 1962, p. 54).

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Contra o continuísmo da completa falta de assistência da administração pública, o governo

procurava evidenciar a superioridade de suas diretrizes através do que seus representantes

realizavam e diziam. Não obstante, este projeto não estava livre de críticas e de fissuras no

interior do grupo de pessoas que compunham a administração territorial. Os relatos colhidos

por nós nas entrevistas não exprimiram apenas elogios a Janary e seu governo. O aspecto

criticado na administração janarista por aqueles que a testemunharam não foi, contudo, a

existência de uma incoerência entre retórica e ação, mas a incapacidade deste governador de se

relacionar com posturas, propostas, projetos e valores divergentes dos seus dentro de um

espírito democrático.

A intransigência e a intolerância de Janary se fez notar em diversos momentos. Aliás,

esta intolerância levou alguns de seus apoiadores a irem compor com a oposição. Arlindo Silva

de Oliveira relatou que ―Janary era muito austero‖ e que por isso ―ele arrumou um monte de inimigos‖.

Amaury Guimarães Farias (que foi assessor técnico do gabinete governamental e, em 1958,

entrou para o PTB, que, no Amapá, fazia oposição ao PSD, partido de Janary) assim

descreveu a intolerância política de Janary: ―se alguém quisesse divergir das idéias do governo, esse

alguém seria uma persona non grata‖. E completava: ―posso dizer que o professor Paulo de Tarso,

prefaciador do livro, Meus momentos políticos, de minha autoria, que foi lançado em meados do ano

corrente e que conta uma parte desta história, ele diz que naquela época, ser oposição, era uma decisão muito

perigosa, pois se vivia isolado e aqui no Amapá só tinham dois empregadores: o governo e o governo‖.93

Entretanto, existe um outro aspecto da atuação de Janary no governo territorial que

merece ser objeto de uma análise mais cuidadosa, pois não é tão evidente para o historiador

impregnado dos valores contemporâneos. Nos referimos ao pressuposto etnocêntrico do

projeto modernizador estatal. O projeto janarista não tinha como meta meramente responder

às demandas internas da sociedade amapaense. Seu objetivo era mais ambicioso: reorganizar a

vida com base em novos valores e hábitos. Este objetivo era coerente com as expectativas do

Executivo Federal — o que era fundamental para a permanência de Janary no governo —

mas, em muitos aspectos, se chocava com o modo de vida da maior parte da população

territorial. Por este motivo, a narrativa governamental dirigida aos habitantes do Amapá —

mais do que mera propaganda — tinha um forte sentido pedagógico (de exaltação do futuro,

93 Amaury Guimarães Farias. Entrevista realizada no dia 13 de outubro de 2006. Paulo Tarso Barros (presidente da Associação Amapaense de Escritores) escreveu no prefácio de Meus momentos políticos: ―naquela época, ser de oposição era uma opção arriscada, pois imediatamente a pessoa passava a ser mal vista pelas autoridades, comerciantes e todo o conjunto da sociedade que dependia do Governo. Quando lemos ou ouvimos essas histórias, percebemos como os valores democráticos e a liberdade não eram respeitados pela maioria dos governadores, militares ou não, que aqui desembarcavam [...]‖ (BARROS, Paulo Tarso. ―Prefácio‖. In: FARIAS, Amaury Guimarães. Meus momentos políticos. Macapá: [produção independente], s/d, p. 1.

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em detrimento do passado e do presente).94 Isto derivava principalmente do fato de que Janary

sabia que não atingiria suas metas sem a colaboração dos mais amplos setores da sociedade

local. O papel ativo do Estado no processo de modernização da sociedade brasileira se revelou

no Amapá e na Amazônia de forma mais ostensiva e ampla. Nos centros urbanos do Sudeste,

este papel também pôde ser percebido — mas, sob outro prisma.

No Sudeste, as ativas forças modernizadoras presentes na sociedade e na economia

(agentes da urbanização e da industrialização) criavam demandas sociais que o Estado (de

arrojada ação desenvolvimentista e planificada) procurava atender. Contudo, os diferentes

setores e classes sociais dos centros mais urbanizados tinham demandas diferentes e, amiúde,

contraditórias. O governo Vargas teve que enfrentar, por exemplo, os antagonismos entre

patrões e empregados, e defender constantemente seu intuito de máxima ampliação e

socialização dos ganhos econômicos, dentro da ordem capitalista. O atendimento ou não das

diversas demandas sociais estava sempre sujeito às diretrizes desenvolvimentistas do governo.

Portanto, o Estado no pós-30 não pode ser identificado como meramente passivo ou reativo

na sua relação com os agentes sociais das cidades do Sudeste urbano.

Na Amazônia, o papel ativo do Estado Novo se fazia sentir de forma mais

percuciente, uma vez que este se achava então diante de uma sociedade cujo modo de vida

(relativamente heterogêneo) estava distante dos valores modernos. As demandas ou

necessidades regionais muitas vezes não coincidiam com a perspectiva esposada pelo governo

federal. A valorização da produção de mercado levava os técnicos e políticos do governo

federal e territorial a reprovarem a falta de ambição (de acumular riquezas) do ribeirinho

amazônida, que, via de regra, produzia principalmente para o próprio consumo.95 As práticas

tradicionais de cultivo e extrativismo florestal das populações locais eram classificadas como

primitivas e inadequadas à aceleração do crescimento dos índices econômicos do Amapá. As

comunidades amapaenses foram convocadas a abandonar sua cultura (desdenhando-a como

atrasada) em nome da consolidação do capitalismo nacional, via integração de subsistemas

94 Comentando sobre a importância da dimensão pedagógica no processo de produção social das necessidades, argumentou Pierre Bourdieu: ―se querendo produzir um objeto cultural, qualquer que seja, eu não produzo simultaneamente o universo de crença que faz com que seja reconhecido como um objeto cultural, como um quadro, como uma natureza morta, se não produzo isto, não produzi nada, apenas uma coisa‖ (BOURDIEU, Pierre e CHARTIER, Roger. A leitura: uma prática cultural. In: CHARTIER, Roger (org.). Práticas da leitura. São Paulo: Estação Liberdade, 1996, p. 240). 95 Janary, em 1946, conclamava, todas as categorias de trabalhadores a colaborarem na conversão do homem local: ―precisamos reagir contra esse vício que bem revela o desprezo pela produção. Há falta de ambição e de eficiência. Combatamos essa tara de nosso caráter e de nossa formação. De nada adiantará o esforço isolado. Levemos para a barraca do agricultor, do seringueiro, do pescador, do castanheiro, para todos os lares da Amazônia, dos que moram nas cidades, dos que se juntam em torno dos ‗barracões‘ ou dos isolados nas beiras dos rios sob a sombra da selva – a evidência da necessidade de produzir mais. Esse será o caminho da redenção do nosso caboclo e do levantamento do nível de vida do povo brasileiro‖ (NUNES, Janary Gentil. O caminho da redenção. Amapá. N. 52, de 16/03/1946, p. 1). Grifos do autor.

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agro-industriais, num mercado interno com relativa autonomia em relação ao externo. O

governo federal, a partir de 1930, procurou ordenar as relações sociais e produtivas no Brasil

com base na ética do trabalho, que condenava o gozo despreocupado do tempo livre, e

valorizava o tempo produtivo, gasto no labor (agora não mais associado ao estigma da

escravidão, mas ao ideal de prosperidade da família e da pátria).96

Renato Ortiz afirma que os teóricos do determinismo da raça e do meio, na virada do

século XIX para o XX, estavam preocupados em perceber se as raças consideradas inferiores

possuíam as faculdades necessárias à constituição da economia capitalista — faculdades

derivadas das idéias de racionalidade, disciplina, ambição. Mas, concluindo que tais

características eram imanentes à raça branca, os deterministas defenderam que as sociedades

mestiças deveriam optar pelo branqueamento, processo pelo qual se suprimiriam as influências

deletérias de índios e negros por meio do aumento do contingente populacional branco.97 As

representações que tentavam caracterizar as populações amazônicas não ficaram indiferentes à

influência das teses do determinismo raciológico e mesológico. Euclides da Cunha, referindo-

se especificamente à Amazônia, asseverou existir, além da influência do clima, que

enfraqueceria todas as faculdades, um ―influxo porventura secundário, mas apreciável, da própria

inconstância da base física onde se agita a sociedade‖, pois ―a volubilidade do rio contagia o homem‖ e ―a

adaptação exercita-se pelo nomadismo‖.98 No início do século XX, José Veríssimo lamentava a

índole resignada do caboclo: ―inconstantes e despreocupados dos sérios cuidados da vida, preferem ao

sedentário, o trabalho nômade... Não é a ambição que os leva, que não as tem [...]. A incúria a tudo preside,

nada de preocupações, nada de higiene... a apatia entrega o homem indefeso às influências deletérias... Esta

gente, quer a tapuia, quer a mameluca, está profundamente degradada‖.99 A prodigalidade que a natureza

oferecia ao homem, sem cobrar-lhe esforço sistemático, era, segundo Veríssimo, a causa do

96 Mesmo no Sudeste, as demandas relativas à modernização não representavam o interesse de toda a sociedade. A valorização do trabalho regular e a disciplinarização da vida de homens e mulheres entrava em choque com a chamada ―cultura da malandragem‖ (TOTA, Antonio Pedro. Cultura, política e modernidade em Noel Rosa. In: São Paulo em Perspectiva. Vol. 15, n. 3, jul-set/ 2001, p. 45-49; e VASCONCELLOS, Gilberto e SUZUKI JÚNIOR, Matinas. A malandragem e a formação da música popular brasileira. In: FAUSTO, Boris (dir.). História geral da civilização brasileira. Tomo III (O Brasil Republicano), vol. 4, São Paulo: DIFEL, 1984, p. 501-523). 97 ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 5 ed., São Paulo: Brasiliense, 1994, p. 21. No entendimento desta temática, o estudo intitulado Nem tudo era italiano nos trouxe outras importantes contribuições. Trata-se de um estudo sobre o processo de exclusão dos pobres nacionais na São Paulo que se modernizava na virada do século XIX para o XX. Segundo Carlos Santos, entre 1890 e 1915, os governantes paulistas viam na imigração de europeus um caminho para europeizar e branquear a cidade de São Paulo. O imigrante (sobretudo o italiano) era percebido como homem dotado de qualidades que alavancariam a modernização paulistana. Isso em detrimento dos nacionais, tidos como cheios de vícios e avessos ao trabalho (SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Nem tudo era italiano. São Paulo e pobreza (1890-1915). São Paulo: Annablume, 1998, p. 21). 98 CUNHA, Euclides. Um paraíso perdido: ensaios, estudos e pronunciamentos sobre a Amazônia. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1994, p. 35. 99 VERÍSSIMO, José. Estudos Amazônicos, 1898-1916. Belém: UFPA, 1970.

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abatimento de tapuias e mamelucos. Por outro lado, este escritor já apresentava a educação

como fator eficiente de reversibilidade do modo degradante de vida dos amazônidas.100

No início dos anos 30, formou-se uma atmosfera de grandes mudanças na sociedade

brasileira, cujo substrato era o processo de urbanização e de industrialização e a nova política

de desenvolvimento social que o Estado engendrava no Brasil. Neste novo quadro, as teorias

raciológicas se tornaram obsoletas. O projeto varguista de criação de um novo homem

nacional não se fundamentava na busca do branqueamento ou da imigração, mas na ampliação

do intervencionismo do Estado para áreas como educação e medicina social.101 Ou seja, as

diretrizes do governo federal do pós-30 não mais se baseavam na idéia de que o atraso sócio-

econômico brasileiro era causado pela inferioridade racial do mestiço ou do nacional. A

formação profissional e a organização de um mercado de trabalho nacional eram as bases de

uma política que tinha como objetivo ampliar ao máximo o acesso dos brasileiros aos bens de

consumo.102 Mas, emerge no bojo deste discurso otimista uma outra modalidade de

inferioridade: a cultural. Esta se traduz na classificação das formas de sociabilidade e de

produção não regidas pela racionalidade moderna como práticas atrasadas e primitivas, que,

portanto, deveriam ser atacadas por meio de intervenções do Estado no mundo da vida.

Abandonando a perspectiva dos determinismos raciais e ambientais, o historiador

amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis, em diversos livros publicados a partir de 1931,

atribuía o ―atraso‖ da Amazônia ao descaso dos representantes do Estado liberal vigente na

Primeira República. Este descaso teria feito com que a região ficasse a mercê dos poderes

locais. Estes poderes — constituídos por seringalistas decadentes e latifundiários — não

reuniam as condições necessárias para alavancar o desenvolvimento econômico regional. A

obra de Arthur Reis não escapava às implicações das tensões em torno da crise do liberalismo

no Brasil e no mundo. Insatisfeito com o Estado mínimo liberal, Arthur Reis destacava o

papel civilizador do Estado. A ação estatal teria como diretriz a constituição de uma ordem

sócio-econômica capitalista na Amazônia por meio de uma obra técnica. E "técnica porque não

100 BEZERRA NETO, José Maia. Os males de nossa origem: o passado colonial através de José Veríssimo. In: BEZERRA NETO, José Maia e GUZMÁN, Décio de Alencar (org.). Terra matura: historiografia e história social da Amazônia. Belém: Paka-Tatu, 2002, p. 39-60. 101 GOMES, Angela de Castro. A construção do homem novo: o trabalhador brasileiro. In: Op. Cit. P. 152. Como nos lembra Janete M. Lins de Azevedo, as políticas públicas são construídas ―a partir das representações sociais que cada sociedade desenvolve a respeito de si própria. Segundo esta ótica, as políticas públicas são ações que guardam intrínseca conexão com o universo cultural e simbólico ou, melhor dizendo, com o sistema de significações que é próprio de uma determinada realidade social‖ (AZEVEDO, Janete M. Lins. A educação como política pública. 3 ed. Campinas: Autores Associados, 2004, p. XIV). 102 A Lei dos 2/3 (Decreto n. 19.482) obrigava as empresas a empregarem trabalhadores nacionais nesta proporção. Medidas governamentais passaram a limitar a entrada de estrangeiros no país. O artigo 121, parágrafo 6º, da Constituição de 1934 instituiu um regime de cotas imigratórias (GOMES, Angela de Castro. A construção do homem novo: o trabalhador brasileiro. In: Op. Cit. P. 154-155, 162).

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pode ser promovida mantendo-se os sistemas de rotina até então em uso na região".103 A denúncia do atraso

da região amazônica justificaria a intervenção técnica do Estado cujo objetivo final era

consolidação do capitalismo nacional.104 O jurista Océlio de Medeiros apresentou, no livro

Territórios Federais (de 1944), explicação semelhante para o ―atraso‖ amazônico, (que define

como ―a indisciplina das forças econômicas‖): a incapacidade dos poderes locais e estaduais de

desenvolverem a região.105 Para Medeiros, a desproporção de tamanho territorial e de ―elementos

vitais e econômicos‖ entre os Estados prejudicava o equilíbrio da federação e da nação. Remediar

este desequilíbrio seria tarefa legítima da União.106

O otimismo nacionalista do pós-30 tinha como cerne a crença na viabilidade da

construção no Brasil de uma nação moderna a partir das forças produtivas internas. Ao lado

do nacionalismo, a crescente influência dos militares na cúpula governamental federal (somada

aos temores gerados pela Segunda Guerra Mundial) fortalecia o projeto de consolidação

nacional por meio da integração econômica e favorecia a aceleração da efetivação de medidas

ligadas à segurança nacional107, como a criação de novos Territórios Federais nas áreas

fronteira (pelo Decreto-Lei n. 5.8120 de 13 de setembro de 1943). O objetivo de colonizar e

valorizar as regiões de fronteira através da criação de novos territórios federais se tornou

factível devido à centralização política (hipertrofia do Executivo Federal). Durante a Primeira

República, os Estados, fortalecidos pela lógica federalista da política brasileira, dificilmente

consentiriam a subtração de parte de sua base territorial. No pós-30, Vargas minimizou esta

possibilidade de resistência através dos interventores federais (governadores estaduais

escolhidos diretamente pelo presidente), por meio dos quais ele influía na vida política dos

Estados.

Portanto, foi dentro de uma atmosfera de otimismo nacionalista e de centralização

política que os novos Territórios Federais (Amapá, Rio Branco, Guaporé, Ponta Porã e

Iguaçu) foram criados em 1943.108 Militares, intelectuais e políticos construíram um amplo

projeto de valorização e integração de áreas de fronteira, contrapondo-se ao pessimismo das

103 REIS, Arthur Cézar Ferreira. A valorização da Amazônia. In: A Amazônia que os portugueses revelaram. 2 ed. Belém: Secretaria de Estado da Cultura, 1994, p. 113 (a primeira edição foi lançada em 1957). 104 Ibidem, p. 115. 105 MEDEIROS, Océlio. Territórios Federais. Rio de Janeiro: Editora Nacional de Direito, 1944, p. 376. 106 Ibidem, p. 503-507. 107 O Exército transformou-se no principal esteio da ordem política instituída pela Revolução de 1930. Em 1937, quando já havia passado por um processo de renovação e fortalecimento de sua cúpula, o Exercito propugnava o desenvolvimento econômico, a indústria de base, a exportação, as estradas de ferro, o fortalecimento das Forças Armadas, a segurança interna e defesa externa (CARVALHO, José Murilo. Forças Armadas e política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p. 99). 108 SILVA, Maura Leal. A (onto)gênese da nação nas margens do território nacional: o projeto janarista territorial para o Amapá (1944-1956). Dissertação de mestrado, PUC-SP, 2007, p. 23-60.

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teses deterministas.109 No Amapá, Janary Nunes deixava claro que sua obra viria comprovar o

engano dos pessimistas. No dia 31 de dezembro de 1952, ao microfone da Radio Difusora de

Macapá, o governador do Território Federal do Amapá assim se pronunciava:

longe vão os dias em que a incerteza e a dúvida assaltavam os nossos espíritos diante das dificuldades que pareciam intransponíveis. Certamente, ainda quase tudo ainda está por fazer. Mas sabemos que nossa terra não é tão má quanto diziam. Sentimos que também aqui, sob a linha equatorial, nesta paisagem que amamos, poderemos criar um ambiente sadio no qual apreciemos as belezas da vida, dignificando nosso país.

Cada momento que passa fortalece nossa crença na capacidade do homem amazônida e alimenta nosso amor pela gleba ainda virgem.

E, adiante, afirmava: temos convicção sincera de que estamos principiando uma nova era de prosperidade para toda a Amazônia. O baixo padrão de vida do cabôclo é uma conseqüência direta de falta de técnica no aproveitamento da terra. O caboclo tem batalhado sem os meios necessários para vencer a natureza áspera. Depois de tantos erros, entretanto, julgamos que surge uma solução excelente, já preconizada pelos nossos antepassados mas sem ter sido posta em execução com caráter extensivo.110

Esta mensagem de encerramento do ano de 1952 é uma profissão de fé no futuro do

Amapá e um interessante registro da forma como Janary Nunes percebia o homem local. O

espaço natural até então havia vencido o ―cabôclo‖, que, segundo este governador, só dispunha

de meios rudimentares para o explorar. A falta de técnica no trabalho do autóctone era

apresentada como o principal óbice para a efetivação da civilização no território. A civilização

era entendida como a sujeição das forças naturais à vontade disciplinadora do homem. A

prosperidade consistiria mesmo na adoção de novas e eficientes técnicas na produção,

superando o primitivismo e a imprevidência das formas de trabalho até então existentes.

Tanto nacionalistas antiliberais quanto deterministas tinham em comum a percepção

negativa das formas tradicionais de subsistência e ambos (fascinados pela modernidade dos

países industrializados) pregavam a necessidade urgente de superá-las como a um estágio

atrasado de civilização. Este objetivo era abraçado pelos militares como uma missão de

salvação nacional. Isto se devia em grande parte a uma herança positivista do Exército, que

forjou a figura do soldado-cidadão (para quem estava sempre aberta a possibilidade de atuação

109 Neste atinente nos aproximamos das seguintes indicações de Roger Chartier: ―as percepções do social não são de forma alguma discursos neutros: produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar um projecto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos as suas escolhas e condutas‖ (CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. 2 ed. Lisboa: DIFEL, 2002, p. 17). 110 NUNES, Janary Gentil. Cultura de seringueiras no Amapá. Macapá: SIP, 1953, p. 3.

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política no sentido de colaborar para o progresso do Brasil). Desde a Proclamação da

República, a idéia do soldado-cidadão passou a compor a justificação das intervenções

militares no campo político.111 Janary Gentil Nunes estudou na Escola Militar do Realengo

que, junto com a Escola da Praia Vermelha, era o principal centro militar de difusão das idéias

positivistas, desde fins do século XIX.112 Acreditamos que Escola Militar foi o lugar onde a

idéia de que a política era um eficaz meio de modernização social se cristalizou na

personalidade de Janary, como um habitus.113

O projeto janarista de modernização do Amapá não pode ser entendido como mera

busca do atendimento das demandas locais, pois sua finalidade maior era alterar

completamente o modo de vida aí existente. Não queremos aqui dizer que a política janarista

não procurava atacar problemas locais efetivos (como as endemias) ou que se chocava de

forma radicalmente oposta às expectativas dos amapaenses. Antes de serem criados os novos

territórios federais, diversos estudos foram realizados para inventariar as características e

―problemas‖ de suas áreas. Em 1941, Moacir M. F. Silva, consultor técnico do Conselho

Nacional de Geografia, apresentou dados referentes às regiões de fronteira da Amazônia que

destacavam sua baixa densidade demográfica.114 No relativo à região que compôs o Território

Federal do Amapá, podemos perceber uma grande controvérsia acerca dos dados

populacionais exatos. Essa controvérsia resultava dos processos de contagem populacional

ainda parcialmente baseados em estimativas.115 As variações, no entanto, se mantinham

sempre dentro da faixa de classificação demográfica das ―terras despovoadas‖ (abaixo de 1

111 CARVALHO, José Murilo. Op. Cit. P. 25. Alfredo Bosi afirma que, ao contrário do que se convencionou pensar, os militares comtianos não desapareceram totalmente do cenário político brasileiro após o fim do governo de Floriano Peixoto. No Exército e nos estratos dirigentes gaúchos o positivismo continuou a racionalizar interesses e vontades (BOSI, Alfredo. A arqueologia do Estado-providência. Sobre um enxerto de idéias de longa duração. In: Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 280). 112 Ibidem, p. 25. 113 Pierre Bourdieu define habitus como uma ―disposição geral geradora de esquemas particulares capazes de serem aplicados em campos diferentes do pensamento e da ação‖ (BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 5 ed. São Paulo: Perspectiva, 2001, p. 211). 114 Os três municípios que comporiam o Território Federal do Amapá apresentavam os seguintes dados populacionais: Amapá com 6.496 habitantes (0,09 hab/km2), Macapá com 15.595 (0,80 hab/km2) e Mazagão com 8.217 (0,36 hab/km2) (SILVA, Moacir M. F. Geografia das fronteiras no Brasil. Revista Brasileira de Geografia. Ano IV, n. 4, out-dez. 1942, p. 764). 115 Giorgio Mortara, consultor técnico do Serviço Nacional de Recenseamento do IBGE, num relatório datilografado de 1944, afirma que, em 1940, a população do Território Federal do Amapá estava assim distribuída: Amapá com 6.007, Macapá com 9.973 e Mazagão 4 196 (MORTARA, Giorgio. A população de fato do Território Federal do Amapá nas suas novas fronteiras. Mimeo, 1944 — Cpdoc: GV, 00.00/8). Observe-se (apesar do hiato de apenas dois anos) a grande diferença numérica destes dados em relação aos apresentados por Moarcir Silva (nota anterior). Devemos ressaltar que os estudos de Mortara e de Moacir Silva se referiam ao momento imediatamente anterior à criação do Território — quando ainda se verificava nesta área um ritmo lento de crescimento populacional.

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habitante por km2). Mas, algumas evidências fazem essa região contrastar com a imagem

marasmática de um lugar quase desabitado.

Em 1920, representantes das diversas categorias sociais do município de Montenegro

(nome que então recebia o município de Amapá), fizeram um abaixo assinado, denunciando

ao presidente da República (Epitácio Pessoa) o descaso do governo paraense em relação à

região, a falta de escolas, hospitais e infra-estrutura em geral. Pediam autonomia política da

região em relação ao Pará.116 A extração de ouro e a exportação de peixe, pele e carne bovina

para a Guiana Francesa dinamizavam a economia deste município nas primeiras décadas do

século XX.117 Esse dinamismo contrastava com a falta de infra-estrutura local e com crise da

borracha que abalava o restante do Pará e de toda Amazônia.118 Politicamente, o município de

Amapá sofria a influência de fazendeiros como Júlio Pontes e Arlindo Correia, que não

hesitavam em enfrentar os prepostos do governo paraense.119 Em 1941, a criação de uma base

aérea norte-americana para escala de aviões de guerra que fossem para a África e Europa,

atraindo centenas de funcionários, estimulou o comércio local.120 Em 1943, quando Getúlio

Vargas criou o Território Federal do Amapá121, este município foi escolhido para ser a capital.

Janary, contudo, alegou que o Amapá possuía dificuldades de comunicação por via fluvial, e

Vargas transferiu o status de capital para Macapá, pelo Decreto-Lei n. 6.550, de 31 de maio de

1944.

O município de Macapá, apesar de ser mais populoso que o de Amapá, tinha uma

economia mais modesta. No início da década de 1940, os macapaenses sobreviviam

basicamente da agricultura de subsistência (produzindo principalmente farinha de mandioca),

da criação de gado, da pesca, da caça, do extrativismo vegetal (sementes oleosas, madeira e,

sobretudo, látex), do modesto comércio e do emprego público. Josefa Lina da Silva (que

nasceu em 1916 e, na década de 1940, fazia parte da comunidade negra da vila de Santa

116Consultamos a transcrição integral deste documento apresentada em: REIS, Arthur Cézar Ferreira. Território do Amapá. Op. Cit. P. 178-180. 117 BARRETO, Cassilda. A rebelião rural no Amapá. Brasília: Fundação Biblioteca Nacional, 1999, p. 14. 118 WEINSTEIN, Barbara. A Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1993, pp. 241-293. 119 Também era expressiva nesta região a existência de vários povoados indígenas. 120 Segundo Jadson Porto, ―no período de 1941 a 1948, a empresa Pan Air do Brasil, subsidiária da Pan Air Ways, aprimorou e aparelhou os aeroportos do Amapá, Belém, São Luiz, Fortaleza, Natal, Recife, Maceió e Salvador. A construção da base aérea do município do Amapá foi efetivada em 1941, antes da adesão do Brasil à Guerra [...]‖ (PORTO, Jadson. Amapá: principais transformações econômicas e institucionais — Macapá: GEA/ SETEC, 2003, 111-112). 121 O Território Federal do Amapá tinha os seguintes limites: linha de limites com as Guianas Holandesa e Francesa (noroeste e norte); Oceano Atlântico (nordeste e leste); Canal do Norte e o braço norte do rio Amazonas até a foz do rio Jarí (sul e sudeste); o rio Jarí, da sua foz até as cabeceiras na Serra do Tumucumaque (sudoeste e oeste). 143.716 km2 formavam a superfície total do Território do Amapá (MORTARA, Giorgio. Os territórios federais recém-criados e seus novos limites. Boletim Geográfico. Rio de Janeiro, SGEF, ano II, n. 16, p. 452). Apresentamos um mapa com estes limites no anexo 1.

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Engrácia, localizada no centro histórico de Macapá), falando sobre os tipos de cultivos com os

quais trabalhava, relatou: ―plantava cacau, algodão e maniva [...]; primeiro a gente plantava maniva e

quando estava grande a gente ia capinar pra ficar só a maniva mesmo‖.122 A agricultura era extensiva:

abriam-se clareiras na floresta utilizando a técnica da coivara. A baixa fertilidade do solo era

compensada pela possibilidade permanente de se abrirem novas clareiras.123 Também havia em

Macapá coronéis ricos e influentes, como Leopoldo Gomes Machado, Coriolano Finéas Jucá

(comerciante cuja atividade atingia grande parte da região foz do Amazonas) e José Serafim

Gomes Coelho, de quem Clodóvio Gomes Coelho herdara a propriedade da vila de Santa

Engrácia.124

O município de Macapá ocupava a região central do território. Ao sul ficava localizado

o município de Mazagão, que possuía uma atividade expressiva de extração de castanha,

borracha e óleos vegetais, bem como modesta pecuária extensiva (gado bovino e bufalino).125

Entre 1898 e 1948, o Coronel e seringalista José Júlio de Andrade exerceu forte influência na

vida econômica e política da região. Era dono de vasta propriedade, onde estabelecia um

regime de rigoroso mandonismo.126 José Júlio comandava o trabalho de extração de látex no

vale do rio Jarí, que funcionava segundo o regime de aviamento. Neste regime, o seringueiro

era envolvido num sistema de endividamento que iniciava tão logo aceitasse o trabalho nos

seringais — aonde já chegava devendo passagens, alimentos da viagem e os instrumentos de

trabalho. A cada safra o seringueiro aumentava seu débito e não poderia sair do seringal

enquanto devesse (o que geralmente era garantido por meio do policiamento de milícias

armadas). O seringalista funcionava como elo de ligação entre os fornecedores de

mantimentos (donos das casas aviadoras de Belém) e os seringueiros. As casas aviadoras

negociavam com os exportadores da borracha. A geração de riquezas neste sistema não

concorria para o aprimoramento dos fatores de produção. O crescimento da produção de

borracha se dava apenas pela expansão da área de extração (que cedo esgotava seu potencial

econômico).127

122 Josefa Lina da Silva. Entrevista realizada dia 13 de fevereiro de 2008. Sobre os trabalhos cotidianos, Raimundo Lino Ramos também afirmou: ―naquela época se vivia mais de fazer farinha. Tinha uns que eram empregados da prefeitura. Mas, naquela época a prefeitura era manobrada pelo Estado do Pará. Então, aqui nos tínhamos o nosso prefeito, o subintendente chamado. Então, a gente recebia uma besteira, o pagamento, e já veio melhorar na época de 1944‖. 123 O trabalho na agricultura e no extrativismo é analisado mais atentamente no Capítulo 2. 124 BARBOSA, Coaracy Sobreira. Personagens ilustres do Amapá. Macapá: Governo do Estado do Amapá/ Departamento de Imprensa Oficial, 1997, 71-78. 125 LINS, Cristóvão. Jarí: 70 anos de história. 3 ed. Rio de Janeiro: Dataforma, 2001, p. 83-93. 126 RAIOL, Osvaldino. A utopia da terra na fronteira da Amazônia: geopolítica e o conflito pela terra no Amapá. Macapá: O Dia, 1992, p. 207-212. 127 FILOCREÃO, Antonio Sérgio. Extrativismo e capitalismo na Amazônia: a manutenção, o funcionamento e a reprodução da economia extrativa do sul do Amapá. Macapá: GEA/ SEMA, 2002, 48-51.

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O Amapá era um território de diversidades sociais, econômicas e culturais. De modo

geral, podemos afirmar que já havia nos anos 40 do século passado alguma produção de

excedentes locais que vinculava esta área aos mercados regional, nacional e internacional. No

entanto, ainda de modo geral, esta vinculação não provocara a racionalização dos fatores de

produção e circulação de mercadorias: o lugar e o tempo de trabalho eram determinados pela

natureza. O novo projeto governamental de expansão da fronteira da modernização carecia de

instrumentos poderosos para fazer frente a hábitos seculares. Ao lado do otimismo

nacionalista, ganhava força um otimismo em torno da educação. Esta era considerada o mais

eficaz mecanismo para retirar o homem brasileiro do estado de amesquinhamento em que era

visto. Acreditava-se que a educação era o melhor meio de formar um novo homem — capaz

de se orientar conforme a racionalidade capitalista em benefício de si e da nação.

Este otimismo em relação a educação já podia ser observado na Primeira República.

Jorge Nagle argumenta que a desilusão com a República ensejou um movimento de

―republicanização da República‖ por meio da difusão do processo educacional.128 Os quadros de

pensamento atribuíam à ignorância todas as crises e viam na instrução a solução de todos os

problemas sociais, econômicos, políticos e outros. Para Nagle, ―a percepção ‗romântica‘ dos

problemas da sociedade brasileira e de suas soluções resulta numa superestimação do processo educacional

regenerador do homem‖. Isto derivaria de uma inversão da ordem das coisas: ―as relações básicas da

sociedade brasileira deslocam-se para um plano derivado‖.129 Um programa amplo de transformação

social estaria sendo substituído por um programa restrito à formação — aperfeiçoamento e

disseminação da educação escolar.130

A Associação Brasileira de Educação (ABE) foi uma das principais instituições onde se

conceberam as políticas educacionais efetivadas a partir de 1930. Fundada em outubro de

1924 por advogados, médicos, professores e, principalmente, engenheiros, a ABE organizou

uma grande campanha pela causa educacional.131 O programa apresentado propugnava a

―organização da nação‖ por meio da ―organização da cultura‖. Marta Carvalho destaca que termos

como ―organização‖ ganhavam conotação forte no discurso de autores como Alberto Torres ou

128 NAGLE, Jorge. A educação na Primeira República. In: FAUSTO, Boris (dir.). História geral da civilização brasileira. Tomo 3 (O Brasil Republicano), v. 2, 7 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004, p. 262. 129 Ibidem, p. 263. 130 Marta Maria Chagas de Carvalho apresenta a seguinte objeção a esta tese: o entusiasmo pela educação era romântico, mas, diferentemente do que pensava Nagle, ―o romantismo do projeto de unidade e unificação‖ era uma tática essencial à construção e consolidação de uma hegemonia cultural (CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Educação e política nos anos 20: a desilusão com a República e o entusiasmo pela educação. In: DE LORENZO, Helena Carvalho e COSTA, Wilma Peres (orgs.). A década de 1920 e as origens do Brasil moderno. São Paulo: UNESP, 1997). 131 Ibidem, p. 115.

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Oliveira Vianna. Tratava-se de ―imprimir forma, de produzir estrutura e diferenciação funcional numa

sociedade percebida como amorfa, amebóide‖.132 A amorfia atribuída à população brasileira teria uma

contrapartida indissociável: o papel da classe letrada no direcionamento político das

transformações sociais.133 A sociedade brasileira (amorfa e desprovida de autoconsciência) não

tinha condições de engendrar o próprio desenvolvimento — ela precisaria do direcionamento

firme do governo e da intelectualidade. Portanto, neste momento, o complemento

indissociável do otimismo de muitos intelectuais em relação à educação era a visão degradante

da sociedade.

As reformas educacionais estaduais implementadas na década de 1920 — que eram

inspiradas no ideário escolanovista — não conseguiram engendrar mudanças a nível nacional,

por falta de um sistema organizado de educação pública no país.134 Destarte, apenas a partir de

1930 o entusiasmo pela educação pôde se efetivar numa ampla política nacional. Com a

criação do Ministério da Educação e Saúde (1930), inicia-se um intenso debate sobre as

diretrizes da nova política educacional e a expansão da rede oficial de ensino.135 O governo se

abriria aos jovens intelectuais da ABE (como Lourenço Filho e Anísio Teixeira) e a alguns dos

reformadores dos sistemas estaduais de ensino (como Francisco Campos e Gustavo

Capanema). Estes, a partir de então, puderam por em prática suas idéias inovadoras por meio

de políticas de âmbito nacional. Em 1933, quando da instalação da Assembléia Nacional

Constituinte, Getúlio Vargas leu uma mensagem onde afirmava sua fé no poder

transformador da educação:

no Brasil, o homem rude do sertão, sempre pronto a atender aos reclamos da Pátria nos momentos de perigo, é matéria prima excelente, e, se vegeta, decaído e atrasado, culpemos a nossa incúria e imprevidência. Por vezes, o seu aspecto é miserável, mas no corpo combalido, aninha-se a alma forte que venceu a natureza amazônica e desbravou o Acre. Em algumas regiões, vemo-lo quebrantado pelas moléstias tropicais, enfraquecido pela miséria, mas

132 Ibidem, p. 124. 133 Alberto Torres atribui à classe dirigente — incluindo nela os intelectuais — a missão de consolidar a ―solidariedade patriótica‖ ou, em outras palavras, de levar a nação ao estado de maturidade: ―no Brasil, com mais forte razão, o estudo da synthese nacional, e o trabalho de educação da opinião e de arregimentação dos espiritos em torno de um programma e de um ideal, é, por força da nossa conformação geográphica, mais difficil e mais necessário‖ (TORRES, Alberto. O problema nacional brasileiro: introdução a um programa de organização nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1914, p. 84). 134 SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria Bousquet e COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 70. 135 A educação escolar era parte fundamental da política varguista. Já em novembro de 1930, o governo provisório de Vargas criou o Ministério da Educação e Saúde, que ficou sob o comando de Francisco Campos. Iniciou-se uma grande reforma educacional no país. A Igreja passou a ter uma participação cada vez menor no sistema educacional brasileiro. Em 1933, as escolas primárias contavam 21.726 estabelecimentos de ensino oficiais (estatais e municipais) e 6.044 estabelecimentos particulares (incluídos aí os confessionais). Já em 1945 (final do Estado Novo), tínhamos 33.423 escolas oficiais e apenas 5.908 particulares (dados extraídos de: FREITAG, Bárbara. Escola, Estado e sociedade. 4 ed. São Paulo: Moraes, 1980, p. 52).

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alimentado, indolente e sem iniciativa, como se fosse um autômato. Dai a êsse espectro farta alimentação e trabalho compensador; criai-lhe a capacidade de pensar, instruindo-o, educando-o, e rivalizará com os melhores homens do mundo. Convençamo-nos de que todo brasileiro poderá ser um homem admirável e um modelar cidadão. Para isso conseguirmos, há um só meio, uma só terapêutica, uma só providência: — é preciso que todos os brasileiros recebam educação.136

Afirmando a importância da educação, Vargas rechaçava as interpretações

deterministas que enfatizavam os efeitos negativos da formação racial e do meio ambiente no

Brasil. O brasileiro era visto com um tipo vigoroso (de ―alma forte‖), que desafiara imensos

obstáculos naturais. Mas, segundo Vargas, suas energias careciam de direcionamento e de

disciplinarização. Isto seria obtido, sobretudo, através da educação. A educação agiria

aprimorando as capacidades mentais do homem nacional, dotando-lhe dos meios que o

afastariam dos perigos cotidianos, como miséria, fome e moléstias. Comentando os objetivos

governamentais da criação dos territórios federais, Vargas asseverou: ―o programa de organização

resume-se em poucas palavras: ‗sanear‘, ‗educar‘ e ‗povoar‘‖.137 A integração das áreas de fronteira, onde

foram criados os territórios, se processaria através da intensificação da colonização desses

espaços por homens com corpos saudáveis e mentes educadas, enfim, habilitados à promoção

da riqueza pessoal e nacional.

A política educacional janarista objetivava revigorar o homem regional para que ele

pudesse ajudar a alavancar o desenvolvimento do país. São numerosos os momentos em que

Janary reafirmou a importância da educação no quadro de suas intenções para o destino do

Amapá. O seguinte fragmento é um exemplo:

[...] a Educação terá de constituir fator preponderante, adotando as formas mais intensas e variadas para a conquista de aperfeiçoamento.

No Amapá ela terá de intervir em todos os setores de atividades: alfabetizando, porque, se aprender a ler e contar não constitui sua finalidade, é, pelo menos, o processo inicial mais necessário para atingi-la; divulgando as regras higiênicas e sanitárias e criando a mística do caboclo sadio para combater o conformismo à doença; executando processos novos de cultura da terra, de assistência à criação; de organização administrativa e social; lutando contra o nomadismo, a casa miserável, a família sem tradição, o pauperismo; prégando a fixação ao solo e exemplificando com fatos a possibilidade de ser feliz na cidade ou no interior; propagando o dever de satisfazer os compromissos comerciais, o instinto da economia e o amor ao trabalho; ensinando a alimentação, o vestuário, o exercício, a alegria, o conforto, a crença; incutindo em cada indivíduo a noção de que pertence à coletividade brasileira; difundindo as diretrizes da géopolítica nacional de fórma simples e acessível, para que se tornem cogitação popular; plasmando a ânsia de melhorar seu corpo, sua família e sua pátria.138

136 VARGAS, Getúlio. Educação. Revista Brasileira de Estatística. Ano II, n. 3, out-dez, Rio de Janeiro: IBGE, 1941, p. 824. 137 VARGAS, Getúlio. Os Territórios Federais — a finalidade de sua criação. Amapá. N. 7, de 05/051945, p. 2 (transcrito do livro Brasil (1943-1944) — publicação do Ministério das Relações Exteriores). 138 NUNES, Janary Gentil. Educação. Amapá. N. 109, de 19/04/1947, p. 1.

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Esse entusiasmo pela educação se materializaria através da abertura de várias frentes de

ação, como descreveremos nos próximos capítulos. As linhas acima nos autorizam inferir que

a educação que se desenvolvera nas terras amapaenses a partir de 25 de janeiro de 1944 fazia

parte de um ambicioso projeto governamental de transformação dos modos de vida dos

brasileiros. Janary percebia a complexa diversidade social do Território do Amapá à luz destas

representações do passado, do presente e do futuro do país. No presente, alterando as

heranças do passado (o velho, o caduco, o atrasado), por meio da educação, se construiria,

para um futuro promissor, um homem renovado (vigoroso, disciplinado e produtivo). Mas, de

que forma a educação escolar concorreria para este objetivo? Através de que conteúdos e

metodologias? Quais eram seus fundamentos pedagógicos?

As diretrizes educacionais do governo territorial em 1944 previam uma expansão

escolar que provocasse o início de um processo de democratização do ensino. O ensino foi

dividido (conforme normativa federal) em: primário (4 anos) e secundário (ginasial com 4 anos

e colegial com 3 anos). O ensino regular (não profissionalizante) deveria ser misto (meninos e

meninas juntos) e leigo — o ensino religioso mantinha-se, porém, como matéria optativa, pois

ele era para o governo federal um instrumento moral de formação da juventude, uma

estratégia de cooptação da Igreja e uma arma contra o liberalismo e o comunismo.139 O núcleo

moral do processo de escolarização pretendido seria o cultivo do nacionalismo. Objetivava-se

fomentar o orgulho nacional (que estaria anêmico ou fraco), combatendo o sentimento de

inferioridade que tinha como contrapartida o fascínio pelo estrangeiro. A educação, como

instrumento de nacionalização, ganhou destaque no combate que o governo federal

empreendeu contra as tradições exógenas mantidas pelos núcleos de imigrantes no Sul e

Sudeste do país.140 Além disto, o esforço nacionalizador voltava-se contra as forças centrífugas

atuantes no Brasil. Forças que eram derivadas da fragmentação e insulamento de suas diversas

regiões.141

139 A Igreja (que perdia parte da sua demanda escolar) exerceu forte influência na definição dos fundamentos políticos e pedagógicos da educação nas décadas de 1930 e 40, com destaque para a atuação de Alceu Amoroso Lima nos bastidores do Ministério da Educação (Ver: SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria Bousquet e COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Op. Cit. P. 61-64). 140 SEYFERTH, Giralda. Op. Cit. P. 218. 141 Tratando dos impasses do início do Império entre tendências políticas centralizadoras e autonomistas, Sergio Buarque de Holanda afirma: ―apesar de todas as discrepâncias entre as instituições norte-americanas, tantas vezes invocadas no Império, e o que chamamos as nossas tradições nacionais, parece fora de dúvida que o localismo, a falta de nexo poderoso entre as várias unidades regionais, concordava melhor com essas tradições do que um regime fortemente centralizador‖ (HOLANDA, Sérgio Buarque de. A herança colonial — sua desagregação. In: Idem (dir.) História geral da civilização brasileira. Tomo II (O Brasil Monárquico), vol. 1, 2 ed. São Paulo: Difel, 1995, p. 20.).

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A homogeneização cultural seria promovida nas escolas por meio do uso exclusivo da

língua portuguesa, do estudo da história e da geografia do Brasil, bem como por meio da

educação moral e cívica (que não era matéria escolar específica, pois estava prescrita como

tema obrigatório de todas disciplinas). O nacionalismo das escolas não seria aquele da ―busca

das raízes mais populares do povo‖, como queriam os modernistas, mas aquele que fazia ―do

catolicismo e do culto dos símbolos e líderes da pátria a base mítica do Estado forte que se tratava de

construir‖.142 No Amapá, o culto aos heróis nacionais incluía aqueles homens que participaram

diretamente dos litígios pela posse brasileira das terras amapaenses (nomes de ruas, de prédios

públicos e de eventos homenageavam estas personagens históricas). Na narrativa histórica que

Janary tecia para o território, estes outros heróis seriam precursores da obra de soerguimento

sócio-econômico que ele estava implementando no novo território.143

O ponto culminante desta narrativa era o dia 13 de setembro de 1943: a data da

criação do Território Federal do Amapá (única data comemorativa que superava em

importância o 25 de janeiro, com a qual estava intimamente ligada). No dia 13 de setembro de

cada ano, ocorriam inaugurações, torneios esportivos, churrascos, visitas, e (a partir de 1947) a

exposição agropecuária. Neste dia, o jornal Amapá apresentava, em diversas seções (edição

especial com vários cadernos), as principais realizações do governo territorial. Durante a

―semana da pátria‖ (alusiva aos dias 07 e 13 de setembro), havia os desfiles de escolares,

escoteiros e bandeirantes. O fortalecimento do prestígio do poder central, a partir de 1930144,

tinha como uma de suas estratégias o culto dos símbolos nacionais. Esta estratégia era

completada pela instituição concomitante de uma identidade entre o Estado e a nação, ou

entre o presidente e o ―povo‖. Janary foi um dos elaboradores do Decreto-Lei 43.545 (de 31 de

julho de 1940), que disciplinava o culto aos símbolos nacionais. No governo do Amapá, ele

142 SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria Bousquet e COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Op. Cit. P. 98. 143 A história recente das terras amapaenses é resumida assim em um relatório do serviço de Divulgação e Propagando do Governo do Território Federal do Amapá: ―há 44 anos, justamente no princípio do século atual, passava definitivamente para a jurisdição nacional, dilatando o solo pátrio, cerca de 260 mil quilometros quadrados de terras riquíssimas e semi-virgens do litigioso território do Amapá, defendido para o Brasil pelo incomparável genio diplomatico do grande Barão do Rio Branco‖ — e prossegue — ―o 1º de dezembro representa pois, para o Território do Amapá, a sua incorporação ao âmbito nacional, após dois longos séculos de renhido e sangrento litígio, onde se destaca a figura intrepida de Veiga Cabral na defesa das armas deste pedaço de chão brasileiro; 13 de setembro de 1943 marca a data da criação, por decreto lei, do Território Federal do Amapá, significando a sua integração direta no organismo político-administrativo da União, constituindo mais uma Unidade da Federação Brasileira‖ (Serviço de Informações do Governo do Território Federal do Amapá. O Território Federal do Amapá depois de um ano de administração. Macapá: Imprensa Oficial, 1944, p. 3). 144 Segundo Márcia Mansor D‘Aléssio, a primeira forma de nacionalismo defendida por Vargas era um projeto que pudesse reunir todos os brasileiros em um ―nós‖ indestrutível (D‘ALÉSSIO, Márcia Mansor. L‘État brésilien (1930-1954) dans l‘approche vilarienne de la question nationale. In: COHEN, Aron, CONGOST, Rosa et LUNA, Pablo F. (coord.). Pierre Vilar: une histoire totale, une histoire en construction. Paris: Syllepse, 2006, p. 108).

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instituiu nas escolas o ritual diário de hasteamento da bandeira brasileira ao som do hino

nacional.

Palestras proferidas durante a programação da semana da pátria esclareciam o sentido

histórico do que se estava celebrando. O passado era compreendido à luz da obra que o

governo estava projetando para o Amapá.145 Nesta semana, os alunos das escolas de Macapá

eram obrigados a comparecer nos desfiles organizados pelo governo. Eulice de Souza Smith

(nascida em 1912 — e que no início da década de 1950 foi secretária em escolas de Macapá)

comentou sobre o clima de entusiasmo do transcurso das paradas estudantis: ―era um esforço que

as professoras tinham em fazer o desfile de Sete de Setembro [...]; os alunos ficavam empolgados — eles

mesmos gostavam de fazer o desfile com satisfação e alegria, porque era mais quem se enfeitava, era mais quem

queria a sua escola mais bonita‖.146 Havia uma certa competitividade entre as escolas que

participavam das festas cívicas. Isto motivava os alunos a se prepararem com afinco, tanto

para os desfiles quanto para os torneios esportivos e apresentações de performances de

ginástica, que também havia. Estas atividades ganhavam ressonância nas páginas do jornal

Amapá e nos relatórios de governo, através de fotografias como a que apresentamos abaixo,

extraída do Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944.147

145 ―Nos dias festivos da Pátria, o Governo promove festejos de caracter cívico, nos quais são ouvidos oradores que aproveitam a oportunidade e prodigalisam ao povo lições de história, civismo, moral, organização, fazendo, ao mesmo tempo, um estudo retrospectivo do que éramos nós e o que somos agora, porque da comparação nasce a situação atual, e desta, naturalmente, o desejo de caminhar sempre para frente‖ (A educação no Amapá – Divulgação do D. E. Amapá. N. 180, de 21/08/1948, p. 6). 146 Eulice de Souza Smith. Entrevista realizada no dia 30 de abril de 2008. 147 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946, p. 60b. Sobre este relatório, o Ministro da Justiça e dos Negócios Exteriores, Benedito Costa Neto, comentou: ―tenho a honra de agradecer a remessa das atividades do Govêrno dêsse Território [...]. Comunico a Vossa Excelência que pela Comissão de Estudos dos Negócios Estaduais foi elogiado o esfôrço dispendido e ressaltado o programa das realizações futuras‖ (O relatório do governo do Amapá. Amapá. N. 98, de 01/02/1947, p. 4).

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Observamos o destaque dado às professoras do curso primário — em 1944, não havia

curso secundário em Macapá — seguidas por suas alunas. Além do uniforme, usavam luvas,

adornos na cabeça e empunhavam bandeirinhas do Brasil. O enquadramento e a escolha dos

planos da fotografia sugerem que as alunas seguem o exemplo das professoras, bem como

destacam a figura da porta bandeira que trazia a bandeira nacional em tamanho normal. A

preparação para este desfile envolveu a intensificação do trabalho das alunas da Escola de

Prendas Domésticas de Macapá (criada com o objetivo de confeccionar uniformes para os

alunos do Grupo Escolar Barão do Rio Branco): ―o trabalho foi muito intenso e, aos poucos, era

forçoso produzir mais e mais uniformes, sobretudo depois que se marcou o dia 7 de setembro para a

uniformização completa‖, afirmou Otávio Mendonça (então Diretor da Divisão de Educação e

Cultura).148 Os longos preparativos para a realização dos festejos da semana da pátria, nos dão

uma noção da importância que a ela era atribuída. No Amapá, o fortalecimento do sentimento

de pertencimento à nação brasileira tinha também o interesse especial de minimizar as

influências da Guiana Francesa (sobremodo no norte do território). A fotografia abaixo

(também extraída do Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944 —

p. 58b) apresenta uma parada estudantil realizada durante a semana da pátria em Oiapoque149,

no extremo-norte do Amapá. Observa-se o destaque dado para ao trabalho de organização da

marcha dos alunos (em longa fila e dos maiores para os menores), realizado pelas professoras.

Inspirada nas paradas militares, a marcha dos estudantes denotava ordem, hierarquia e

disciplina.

148 Ibidem, p. 48. 149 Transformado em município em 01 de julho de 1945 (Excursionando o governador Janary Gentil Nunes instala o município do Oiapoque. Amapá. N. 16, de 07/07/1945, p. 1).

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As paradas estudantis (com todo o seu rico simbolismo) nos remetem à crescente

militarização do ensino brasileiro. A educação foi, durante os anos 30 e 40 do século XX,

freqüentemente subordinada ao imperativo da ―segurança nacional‖. O Exército, ao mesmo

tempo em que coordenava este processo, procurava evitar que a mobilização de crianças e

jovens escapasse ao seu controle.150 A interferência do Exército na política educacional ia

desde assuntos como a padronização dos uniformes escolares151 até a definição dos programas

de Educação Física e Educação Moral e Cívica. Esta interferência remonta à campanha de

Osvaldo Bilac (durante a Primeira Guerra Mundial) pelo serviço militar obrigatório e pela

educação nacionalizadora. Circe Maria Fernandes Bittencourt, citando Bilac, afirma que

―militares e professores eram educadores identificados na missão de defender e salvar a pátria: ‗a escola é o

primeiro reduto da defesa nacional; a menor falha do ensino, e o menor descuido do professor podem

comprometer sem remédio a segurança do destino do país‘‖.152 A consolidação da unidade nacional

estaria exigindo um espírito combativo não só dos militares, mas também dos professores.

Janary e os seus assessores também abusavam das imagens relativas à ação militar para

descrever o caráter das ações educacionais que o governo territorial estava empreendendo.

Imagens tais como: marcha, guerra, ataque, combate, etc...153 A guerra pela educação se

revestia de um caráter religioso, transformando-se numa cruzada, através da sua associação

com outras imagens: salvação, missão, redenção. Este tipo de discurso é uma estratégia

política que Bourdieu explicou da seguinte forma: ―o processo a que se chama ‗militarização‘ consiste

em basear a autoridade na situação de ‗guerra‘ com que se defronta a organização e que pode ser produzida por

um trabalho sobre a representação da situação, a fim de produzir e de reproduzir continuamente o medo

de ser contra, fundamento último de todas as disciplinas militantes ou militares‖.154 A escolha das

imagens oriundas do campo semântico militar visava criar uma inquestionável unidade, ou um

forte consenso, em torno dos objetivos e métodos propostos para a expansão escolar.

Outro aspecto da militarização do ensino era o apoio oficial dado ao escotismo como

uma atividade extra-escolar. No dia 13 de setembro de 1945, foi criada, na capital territorial, a

150 SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria Bousquet e COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Op. Cit. P. 139-148. 151 Ver a este respeito a seção Outros documentos da coletânea digital: Arquivo Escolar do Colégio Pedro II. Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática no Brasil, CNPq, 2005. 152 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. As ―tradições nacionais‖ e o ritual das festas cívicas. In: PINSKY, Jaime (org.). O ensino de história e a criação do fato. 10 ed. São Paulo: Contexto, 2002, p. 49. 153 O articulista do jornal Amapá, em artigo intitulado ―O Ensino Primário Fundamental Comum no Território do Amapá‖ (n. 381, de 05/07/1952, p. 5), enfatizou: ―O ensino no Território, felizmente não existe em função da política, mas com a superior e patriótica finalidade de fomentar a cultura, brechando as casamatas da ignorância como o bombardeio da educação que nada mais quer e almeja do que — já é ocioso repetir — transformar o homem do vale em valor social positivo‖. 154 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Op. Cit. P. 201-202. Grifos do autor.

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primeira tropa escoteira, denominada Associação Veiga Cabral. Depois, o movimento foi se

difundindo pelos demais municípios: em Mazagão foi criada a Associação Lobo d‘Almada e

em Oiapoque a Associação Joaquim Caetano. Os escoteiros participavam dos desfiles nas

festas cívicas e organizavam atividades como: torneios, peças teatrais e excursões. Estas

atividades contavam com o patrocínio governamental. Para as meninas (chamadas de

bandeirantes) foram criadas, em 23 de setembro de 1945, as companhias Ana Nery e Anita

Garibaldi. No ano de 1947, segundo o presidente da Federação Amapaense de Escoteiros (que

era também o Diretor da Divisão de Educação e Cultura), Marcílio Felgueiras Vianna, o

intuito destas entidades era: ―incentivar o preparo moral e cívico da juventude amapaense‖.155 Portanto,

o escotismo era visto como um tentáculo da política educacional amapaense que ligava

meninos e meninas aos valores necessários para o progresso dentro da ordem social

hierarquizada e disciplinada.

Criar uma idiossincrasia através do ensino da língua, da história, da disciplina e do

respeito aos símbolos da pátria era apenas uma parte do que se esperava da educação. Políticos

e intelectuais postulavam um ensino integral. Este caráter ―integral‖ pode ser entendido de duas

formas: a) todos os momentos e ambientes deveriam ter um sentido educacional; b) a

educação deveria extrapolar o mero letramento e dotar o aluno das habilidades e valores

necessários à vida. O primeiro significado da educação integral foi assim descrito no relatório

das ações do governo no campo educacional, apresentado no jornal Amapá, de 13 de setembro

de 1947: ―a escola no Amapá não é somente o ‗auditório onde se ministra a aula, mas é também o lar, a

igreja, o campo agrícola, a floresta, o posto médico, a praça de esportes, as vias de comunicação, os meios de

transporte, a oficina e a casa de comércio, rádio, o teatro, o cinema a biblioteca pública, as associações

profissionais e beneficentes, os clubes, enfim, se estende a todos os ambientes da vida regional‘‖.156 Todos os

ambientes deveriam apresentar formas de reforço dos valores e habilidades que a escola estava

cultivando. Mutatis mutandis, todos estavam sendo convocados a colaborar na cruzada

educacional capitaneada pelo governo.

O teatro, o canto orfeônico, as associações profissionais (cooperativas de escolares) e

cinema ocupavam parte significativa da vida dos escolares. Segundo o articulista do jornal

Amapá, o Cine Territorial de Macapá (que contava com 280 lugares) deveria propiciar não

apenas o entretenimento: ―é com alegria que observamos o operário, o agricultor, o criador, o comerciante, o

escriturário, etc... nos seus ‗bate-papos‘ cotidianos, aludindo ao filme e ao seu fundo moral ou social, elogiarem

155 Concedida a filiação e aprovados os estatutos da Federação Amapaense de Escoteiros — um voto de louvor. Amapá. N. 138, de 01/11/1947, p. 2. 156 A educação no Território. Amapá. N. 131, de 13/09/1947, p. 4.

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mais essa iniciativa que diverte e educa‖.157 Em 1946, o contrato assinado com a Twenty Century

Fox garantiu a apresentação de filmes longas metragens em Macapá. Nas quintas-feiras

ocorriam sessões populares com ingressos custando Cr$ 3,00. As crianças tinham uma

vesperal especial, desde que o filme não fosse considerado ―impróprio e prejudicial aos bons

costumes que, diariamente, vem aprendendo nas escolas‖.158 Os outros municípios também contavam

com projetores de filmes (em 1949, havia cinco no Território).159

O segundo significado do ensino integral tem relação direta com as inovações

propostas pelo movimento escolanovista para o processo de aprendizagem. De modo geral,

pode-se dizer que o movimento escolanovista no Brasil postulava que a modernização da

sociedade reclamava uma educação não mais entendida como mera instrução — ―o fetichismo da

alfabetização intensiva‖. Inspirados nas teses de John Dewey, Ovide Decroly e Célestin Frenet, os

intelectuais brasileiros ligados ao movimento da Escola Nova defendiam a importância da

educação integral: a formação nos alunos de habilidades e valores necessários ao

enfrentamento das situações-problema apresentadas pelo mundo em que viviam. À instrução

se somava, assim, um projeto educacional de formação integral do homem.160 Em 1933,

Getúlio Vargas asseverou: ―devemos repetir que educar não consiste somente em ensinar a ler‖ — e

acrescentou — ―o analfabetismo é estigma de ignorância, mas a simples aprendizagem do alfabeto não basta

para destruir a ignorância‖.161 Membro da ABE — principal instituição brasileira de articulação e

propaganda do escolanovismo — Heitor Lyra da Silva pronunciou as seguintes palavras:

creio interpretar a maioria senão a totalidade dizendo que não temos o fetichismo da alfabetização intensiva e que estamos convictos, salvo pequenas divergências secundárias, de que o levantamento do nível popular tem que repousar sobre tríplice base: moral, higiênica e econômica, o que significa que sem a cultura das qualidades do caráter, sem a melhoria das condições de saúde da massa da população e sem uma racional organização do trabalho é utopia esperar que a alfabetização rápida e quase instantânea, se possível, viesse transformar para o bem as atuais condições de nosso país.162

157 Comentário da Semana [seção]. Amapá. N. 55, de 06/04/1946, p. 2. 158 Ibidem, p. 2. 159 Panorama educacional do Território. Amapá. N. 235, de 13/09/1949, p. 1. 160 O relatório da Divisão de Educação do Território, relativo ao ano de 1951, afirmava que ―a simples instrução é aplicada às coletividades que possuem já uma tradição cultural. A educação, mais global, fornece a unidade de medida no que diz respeito a costumes, saúde, alimentação, higiene, organização da família, do lar, da vida, em sociedade, que, influindo nos indivíduos, criar-lhes-á a necessidade de se instruírem. Mais tarde, com o passar do tempo, essa unidade de medida se transformará em tradição cultural mínima do povo. É hora, então, de se modificar o programa, dando-lhe um sentido mais acadêmico que domestico. Esse o sentido da educação territorial junto aos nossos núcleos humanos que esparsamente, como ilhas humanas, pontilham o território‖ (O ensino primário fundamental comum no Território do Amapá [Do relatório da Divisão de Educação — exercício de 1951]. Amapá. N. 382, de 19/07/1952, p. 3). 161 VARGAS, Getúlio. Educação. Op. Cit. P. 826. 162 SILVA, Heitor Lira da apud CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Educação e política nos anos 20: a desilusão com a República e o entusiasmo pela educação. Op. Cit. P. 129.

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Os três quesitos educacionais apontados por Heitor Lyra da Silva podem ser achados

na educação escolar amapaense que analisamos. No plano da formação moral, já destacamos a

importância dada aos princípios marciais e a centralidade da formação dos valores

nacionalistas. Ademais, merece destaque a preocupação com o fortalecimento do modelo

patriarcal de família, através do investimento na formação das meninas para o aprendizado das

prendas domésticas. Seguindo uma tendência nacional, no ensino regular predominou a escola

mista; mas, no ensino profissionalizante, a distinção de áreas de aprendizagem correspondeu à

separação por sexo: as meninas deviam aprender trabalhos ligados ao ambiente doméstico e

aos meninos aqueles ligados ao espaço público.163

A higiene tinha lugar próprio (como matéria escolar) dentro do programa de ensino

primário territorial. Os princípios da higiene corporal eram tema constante nas capacitações

dos professores. Havia também uma preocupação de que a escola não se transformasse num

foco de proliferação de doenças contagiosas.164 Maria Stephanou afirma que ―à escola, inserida

numa rede instituições, estava reservado o papel de formar crianças e jovens, futuros cidadãos, produzindo

práticas individuais e coletivas, associadas aos propósitos de constituição de sujeitos ocupados com a sua higiene

e sua saúde [...]‖.165 No Amapá, além do ensino da higiene nas escolas, havia o Posto de

Puericultura Iracema Carvão Nunes (inaugurado em janeiro de 1946, em Macapá), que

orientava as mães no relativo ao modo de cuidar das crianças para a prevenção de doenças. O

corpo saudável e vigoroso também era buscado através da Educação Física, regularmente

ministrada nas escolas do território. Além disso, os alunos participavam de campeonatos

esportivos — futebol, voleibol, natação, entre outros — patrocinados pelo governo. A

participação em campeonatos regionais e nacionais merecia destaque nas páginas do jornal

Amapá.

163 Janary Nunes criou duas escolas de prendas domésticas, uma em Macapá e outra em Mazagão Velho (trataremos este tema de forma mais minuciosa no Capítulo 3). 164 Os processos de admissão no ginasial, no colegial e cursos profissionalizantes exigiam que o candidato fosse vacinado e não fosse portador de doença contagiosa. Eulice de Souza Smith nos relatou o seguinte fato a respeito da preocupação das professoras com a higiene dos alunos: ―uma vez, uma professora mandou um garotinho ir lá com o servente para dar um banho nele, porque ele não tinha condições de assistir aula. Eu estava lá, fui fazer um trabalho, nesta escola. O Grupo Escolar Barão do Rio Branco, era o grupo mais importante. E eu vi. A professora disse: ‗e você, vai pra aula desse jeito? Não, não‘. Tocou a campainha e chegou a professora e [ela] disse: ‗professora, chame o servente para pegar este mocinho e dar um banho nele, que ele não pode freqüentar aula‘. [Virando-se para o aluno] ‗meu filho você não pode freqüentar aula desse jeito‘. Achei tão engraçado... ‗E qualquer um que chegue aqui vai tomar banho‘. Havia muito cuidado‖. Sobre este tipo de ação dos professores comentava Otávio Mendonça: ―Em Macapá, desde junho [de 1944], ficou estabelecido um prêmio de higiene ao aluno que melhor se apresentasse. Foi uma campanha fatigante. Em agosto determinei aos professôres que devolvessem ao lar os meninos demasiado sujos com uma nota para os responsáveis. A vários deles, sobretudo meninas, foram ensinados os cuidados corporais cotidianos. Afinal o padrão melhorou um pouco‖ (NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 47). 165 STEPHANOU, Maria. Discursos médicos e a educação sanitária na escola brasileira. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Op. Cit. P. 150.

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A terceira base do ensino de que tratava Heitor Lyra da Silva — a organização do

trabalho — era percebida como elemento fundamental para o processo de modernização

sócio-econômica do Território Federal do Amapá. Neste ponto — como nos outros dois —

as proposições dos membros da ABE coincidiam com as do Estado Novo. Como afirma

Angela de Castro Gomes: ―a invenção do Estado Novo, fixando os postulados pedagógicos fundamentais à

educação dos brasileiros, tinha em vista uma série de valores dentre os quais o culto à nacionalidade, à

disciplina, à moral e também ao trabalho‖.166 A classe dirigente de modo geral atribuía ao ensino a

tarefa de dotar o capital humano nacional das habilidades necessárias à modernização

econômica do país. Por meio do trabalho, o homem teria amplo acesso aos bens de consumo

e colaboraria para o enriquecimento da nação. Como preparação para o mundo do trabalho, o

ensino não poderia ser homogêneo, uma vez que o projeto de constituição de uma relativa

autonomia econômica nacional pressupunha a formação de um amplo mercado interno,

baseado na interação entre áreas colonizadas e industrializadas — ou seja, uma divisão

regional do trabalho. Neste sentido, Vargas argumentava:

é óbvio que, para instruir, é preciso criar escolas. Não as criar, porém, segundo modêlo rígido, aplicável ao país inteiro. De acôrdo com as tendências de cada região e o regime de trabalho de seus habitantes, devemos adotar os tipos de ensino que lhes convêm: nos centros urbanos, populosos e industriais — o técnico-profissional, em forma de institutos especializados e liceus de artes e ofícios; no interior — o rural e agrícola, em forma de escolas, patronatos, internatos. Em tudo, com o caráter prático e educativo, dotando cada cidadão de um ofício que o habilite a ganhar, com independência, a vida, ou transformando-o em um produtor inteligente de riqueza, com hábitos de higiene e de trabalho, consciente do seu valor.167

Como homo politicus que propõe a ordenação do todo, Getúlio Vargas chamava também

a atenção para a necessidade de se fixar o homem no campo e, assim, barrar o êxodo rural que

aumentava os conglomerados humanos miseráveis das cidades. A educação rural fazia parte

das estratégias governamentais adotadas para se atingir este objetivo. No campo,

diferentemente do que o governo Vargas prescrevia para a cidade, a preparação para o

trabalho operada na escola deveria ter como foco prioritário a aprendizagem das técnicas

aplicadas ao cultivo e à pecuária. As particularidades da vida no campo também eram tema

presente nas conferências que tratavam das questões educacionais do Brasil. O professor

Horácio A. da Silveira, em uma contribuição à 3ª Conferência da Educação (no Rio de Janeiro,

166 GOMES, Angela de Castro. A construção do homem novo: o trabalhador brasileiro. Op. Cit. P. 158. 167 VARGAS, Getúlio. Educação. Op. Cit. P. 825. Apesar da sensível expansão do ensino em geral durante o primeiro governo de Vargas, o ensino primário (inclusive o rural) não atestou grande crescimento, em benefício da maior ampliação da rede de ensino secundário. Mas, como demonstraremos no segundo capítulo, já no final do Estado Novo se estabeleceram as bases para a expansão do ensino primário no Brasil.

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em novembro de 1941) afirmou que era fácil vencer a aspereza da vida no campo e que para

isso bastava que o homem soubesse trabalhar o solo, pois ―o trabalhador bem orientado, que aufere

lucros compensadores, radica-se à terra‖.168 A política de colonização, baseada na pequena

propriedade rural, deveria ser efetivada sob a orientação das modernas técnicas de cultivo,

contando para isso com o ensino rural. Teixeira de Freitas defendia como método para a

formação, nos sertões brasileiros, de uma autêntica ―civilização agrária‖ a fórmula de ―povoar

educando‖, ou ―educar colonizando‖.169 Através do ensino rural, o homem se educaria trabalhando

e, melhorando a terra, aprimoraria a si próprio.170

Segundo Lourenço Filho, em 1932, o Ministério da Agricultura estabeleceu acordos de

cooperação entre os inspetores agrícolas regionais e os grupos escolares de vários estados para

preparar os professores primários para o ensino das técnicas agrícolas.171 A formação dos

professores primários para o domínio dessas técnicas viera se juntar àquela voltada para o

ensino de noções de higiene e profilaxia, que o governo federal já vinha implantando desde

1922. Não obstante, a proposição da ruralização do ensino remontava às idéias reformistas

formuladas por Alberto Torres no início do século XX.172 Influenciado por Torres, Oliveira

Vianna via no ruralismo uma propícia estratégia de desproletarização das classes trabalhadoras.

Vianna postulava a formação de uma grande classe de pequenos proprietários rurais, como

meio de prevenir o êxodo rural, as tensões urbanas e o desenvolvimento dos movimentos de

cunho socialista.173 O estatístico Teixeira de Freitas — ao lado de outros intelectuais (como o

sanitarista Belizário Pena, o educador Sud Menuci e o professor Horácio Silveira) — deu eco a

estas idéias.

Mas, havia um outro grupo de intelectuais (em geral professores universitários) que

discordava da capacidade da escola de ―fixar o homem no campo‖ meramente pelo ensino de

técnicas agrícolas e de defesa da saúde. Intelectuais como Lourenço Filho, Fernando Azevedo,

168 SILVEIRA, Horácio A. da. O ensino profissional agrícola industrial. São Paulo, 1941, p.18 (Cpdoc: GC, 802f). 169 FREITAS, M. A. Teixeira de. Educação rural. Separata da Revista Nacional de Educação. Nº 18-19, março-abril, 1934, p. 67 (Cpdoc: GV, 1140f). 170 Nas palavras de Oscar Clark (correspondente do jornal Correio da Manhã): ―a terra melhora o homem que a cultiva. É essa a pedagogia de que necessitamos – não tanto pelo valor econômico da produção, mas pela significação moral e educativa da cultura da terra e do contato com a natureza. Criando-se semelhante mentalidade desde a idade escolar, regeneraremos o nosso povo pelo trabalho e daremos à nação brasileira uma base sólida de fartura, riqueza e felicidade. Assim praticando, evocamos o velho exemplo dos jesuítas, educadores magistrais cuja principal preocupação consistia em fazer a união do solo com o homem, em civilizá-lo pelo cultivo da terra e em aperfeiçoá-lo pela prática do trabalho‖ (CLARK, Oscar. O papel da escola primária. Amapá. N. 135, de 11/10/1947, p. 3. Grifo do autor). 171 LOURENÇO FILHO, M. B. Preparação de pessoal docente para escolas primárias rurais no Brasil. Mimeo, 1952, p. 5 (Cpdoc: LF, 12.00/1). 172 FREITAS, Marcos Cezar de. O moderno, o democrático e o pedagógico segundo o pensamento autoritário brasileiro: Alberto Torres, Oliveira Vianna e Azevedo Amaral. In: Da micro-história à história das idéias. São Paulo: Cortez e USF-IFAN, 1999, p. 79-80, 93-95. 173 Ibidem, p. 86.

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Abgar Renault e A. Carneiro Leão, criticavam a idéia dar ao ensino primário um caráter

profissionalizante. Estes propunham como solução para o problema do êxodo rural medidas

de maior envergadura (fomento à produção e à comercialização dos gêneros produzidos).174

Portanto, não podemos imaginar que houvesse entre os intelectuais brasileiros um absoluto

consenso em torno dos objetivos educacionais e do lugar da educação no projeto político

delineado no pós-30. Entre os representantes do escolanovismo e os elaboradores de

diretrizes para as políticas públicas voltadas para a expansão do ensino, havia: um grupo

bastante otimista quanto à eficácia da educação enquanto um mecanismo de reorganização

social; e outro que atribuía à escola finalidades mais próximas da concepção de ―educação

fundamental‖ proposta pela UNESCO — uma educação que, por meio de conteúdos amplos e

flexíveis, fosse integradora de toda a humanidade. Apesar das réplicas deste segundo grupo, a

Lei Orgânica do Ensino Primário, de 1946 (Decreto n. 8.529), estabeleceu, no seu artigo

número 7, o ensino de ―conhecimentos gerais aplicados à vida social, à educação para a saúde e ao

trabalho‖ como componente obrigatório do currículo escolar.

Dentro da política educacional implantada no Território do Amapá nas décadas de

1940 e 50, a proposição da ruralização do ensino (primário) foi o elemento norteador.

Segundo a classe dirigente territorial, as crianças deveriam ser preparadas para integrarem o

mundo da produção, através do qual se integrariam à própria sociedade.175 Esperava-se que o

professor exercesse forte influência sobre cada aluno, ―transformando e orientando seus métodos de

vida‖.176 A política educacional janarista objetivava revigorar o homem regional para que ele

pudesse ajudar a alavancar o desenvolvimento do país. O amor ao trabalho e a melhoria das

condições gerais de vida se refletiriam no aprimoramento do corpo, da família e da nação.

Portanto, o ensino rural, sem prejuízo de suas especificidades, fazia parte de um amplo

planejamento cujo objetivo era a formação de um novo homem, plenamente adequado às

exigências da modernização econômica, da consolidação do capitalismo nacional. A produção

rural ultrapassaria os limites da subsistência, gerando um excedente regional que abasteceria os

centros urbanos do Brasil. A integração nacional seria resultado do trabalho de fazer coincidir

a fronteira econômica com a fronteira política.

174 LOURENÇO FILHO, M. B. Preparação de pessoal docente para escolas primárias rurais no Brasil.Op. Cit. P. 5-6. Como demonstraremos adiante (no Capítulo 3), Lourenço Filho defendia que o caráter profissionalizante deveria ser peculiar ao ensino secundário — que possuía um conteúdo excessivamente humanístico. 175 Em 1947, afirmou o então diretor da Divisão de Educação, Marcílio Vianna: ―A escola rural, antes de mais nada, precisa ser um aparelho educativo organizado em função da produção. E, logicamente, organizada em função da produção do meio a que serve. Impossível separar a educação da produção‖ (VIANA, Marcílio. O ensino rural como fator de recuperação do nosso caboclo — Palestra proferida no recinto da 1º Exposição de Animais do Território. Amapá. N. 138, de 01/11/1947, p. 3). 176 O professor rural. Amapá. N. 377, de 07/06/1952, p. 5.

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Em 1944, Janary Nunes instituiu o Departamento de Educação e Cultura — órgão

governamental responsável por promover, orientar, fiscalizar e controlar os ensinos primário,

secundário e profissional — criou novas escolas na capital e nos interiores, promoveu a

contratação de novos professores e investiu na sua formação. O programa escolar incluía

Linguagem, Geografia, Lições de Coisas e História.177 Mas, acrescentou-se a estas disciplinas

―conhecimentos que a realidade e o tempo disponível aconselharam‖, como: Trabalhos Manuais,

Economia Doméstica, e Noções de Higiene.178 O ensino rural também tinha sua parte neste

programa.179 Parte que não era pequena: ―[o ensino rural] foi estabelecido a 22 de maio [de 1944],

obrigatório para crianças de ambos os sexos com idade superior a 10 anos. Nessa ocasião havia 3 professôras,

a cada qual foi determinado levar uma vez por semana seus alunos ao campo, onde, durante tôda a manhã,

funcionários do D.P.P. davam-lhes lições rudimentares de agricultura‖.180 Este campo ficava numa das

extremidades da capital — próximo da lagoa de Nazaré e do Igarapé das Mulheres (onde fica

o poço do mato)181 — e era administrado pela Divisão de Produção e Pesquisa (D.P.P.) do

governo territorial, cuja finalidade era organizar e fomentar a produção nos seus vários ramos

e realizar pesquisas relativas aos recursos naturais do Amapá. A foto abaixo, separada do

Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944 (p. 32a), apresenta

elementos do ensino rural macapaense.

177 Este programa era declaradamente baseado no do Distrito Federal. 178 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 47. 179 Pelo memorando circular nº 28, o diretor da Divisão de Educação e Cultura estabeleceu o ensino rural nas escolas públicas de Macapá. 180 Ibidem, p. 49. 181 Área afastada do centro urbanizado, mas de acesso não tão difícil.

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Os técnicos do D.P.P. orientavam as crianças a partir dos conhecimentos das técnicas

agrícolas a fim de transformá-las em ―operários agrícolas‖, vinculados a cooperativas agrícolas. O

conhecimento científico era posto a serviço da exploração mais eficiente dos recursos naturais

e para o aumento da produtividade agrícola. Retirada a cobertura natural, o solo deveria agora

fazer brotar aquilo que o homem semeou. A produção agrícola, não deveria mais ser de

pequena escala. Até então, o agricultor local cultivara a terra com o objetivo principal de

contribuir para o sustento de sua família e da comunidade de vizinhança. Os imperativos

governamentais tinham em vista as necessidades da comunidade nacional. Esta comunidade,

sendo muito mais ampla, requeria do produtor um maior esforço de produção e o uso das

modernas técnicas de cultivo. Disto derivava a importância estratégica do ensino rural.

Por outro lado, o predomínio do extrativismo, percebido como um dos signos do

homem que se rende aos caprichos do meio, deveria ficar para trás. Desde o século XIX, o

extrativismo era caracterizado por alguns setores das classes dirigentes regionais como uma

atividade que produz uma riqueza não duradoura e que não pode assegurar uma verdadeira

prosperidade.182 A volatilidade dos ganhos obtidos por meio do extrativismo era posta em

contraste com a atividade agrícola, fonte de riqueza e de civilização. Na Amazônia, as classes

dirigentes se ressentiam de depender de uma atividade econômica que, em grande medida,

escapava do seu controle.183 A agricultura, enquanto atividade disciplinável e regulável em todo

o seu processo de efetivação, era percebida como fonte de segura prosperidade.184 No discurso

governamental não era incomum o extrativismo aparecer no campo semântico do ―antes‖ de

25 de janeiro de 1944, no qual se ressaltava a pobreza e o atraso. Em 1944, Janary afirmava

que, disperso pelo interior, o homem local vivia ―isolado em casas miseráveis, na zona de influência

dos ‗barracões‘ ou casas de comércio que transacionam as matérias primas que aquêle extrái da natureza‖.185

Quando, no início da década de 1950, se planejava uma grande produção de borracha no

Amapá a fim de abastecer a nascente indústria automobilística que se instalava no Sudeste, o

182 QUEIROZ, Jonas Marçal. Trabalho escravo, imigração e colonização no Grão-Pará (1877-1888). In QUEIROZ, Jonas Marçal e COELHO, Mauro Cezar. Amazônia: modernização e conflito. Belém: UFPA/ NAEA; Macapá: UNIFAP, 2001, p. 102-106. 183 No que concerne ao caráter indisciplinável desta atividade econômica, já observou Bárbara Weinstein: "a coleta exige uma população de produtores altamente dispersa e móvel, cujas rotinas de trabalho não podem ser submetidas às formas comuns de organização. Por isso, os coletores amazônicos conservavam geralmente certo grau de controle sobre suas próprias condições de trabalho, e sua mobilidade freqüentemente lhes permitia livrar-se de exigências intoleráveis" (WEINSTEIN, Bárbara. Op. Cit. P. 29). 184 No ano de 1951, técnicos do Ministério da Agricultura visitaram Amapá e dentre suas impressões, publicadas em 1955 (no livro Os solos do Território Federal do Amapá), encontramos a seguinte: ―nos quatro municípios, que hoje compõem o Território do Amapá, a agricultura era quase que exclusivamente extrativa. Ainda hoje, o aproveitamento das matérias extrativas vegetais e minerais é intenso. A secretaria de agricultura desenvolve, entretanto, grandes esforços para fazer ver aos agricultores que é mais econômica uma agricultura racional‖ (CARNEIRO, Luis Rainho da Silva. Os solos do Território Federal do Amapá (contribuição ao seu estudo). Belém: SPVEA, 1955, p. 35). 185 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 7.

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método pensado por Janary não era o extrativismo: ―no limiar de 1953, peço a atenção dos nossos

agricultores para o plano elaborado pela Divisão de Produção do Território, destinado a fomentar o plantio de

seringueiras e a produzir gêneros alimentícios‖.186

Além de preparar os amapaenses para o cultivo segundo as técnicas agronômicas, era

necessário orientar a divisão fundiária para evitar a formação de novos latifúndios e, assim,

garantir que o homem comum pudesse ter acesso a terra. Neste sentido, Alcir Lenharo afirma

que, em face da preocupante existência de grandes propriedades nas regiões de fronteira, ―o

governo federal passou a negar, sistematicamente, a concessão de terras devolutas a requerentes que já fossem

proprietários e a favorecer a instalação de pequenas propriedades na faixa fronteiriça de 150 quilômetros‖.187

No Amapá, algumas iniciativas governamentais também visavam prevenir à formação de

novos latifúndios.188 No tocante ao combate aos latifúndios improdutivos, tanto em âmbito

nacional quanto local, predominou a tergiversação e a timidez. Vargas e Janary não poderiam

ignorar o poder político e econômico dos latifundiários e nem desejavam atacar um dos pilares

da sociedade capitalista: a propriedade privada.

No Território Federal do Amapá, o projeto de reorganização da economia rural

também propunha a fórmula das cooperativas rurais. Cooperativas agrícolas de escolares

foram criadas. Em Macapá, a cooperativa foi criada em outubro de 1944. Para tanto, o então

Diretor da Divisão de Educação e Cultura, Otávio Mendonça, baseou-se nas instruções do

Ministério da Agricultura e nas congêneres já existentes em âmbito nacional. Ao entusiasmo

do início dos trabalhos, seguiu-se a freqüência vacilante dos cooperados. Isto ocorreu,

segundo Otávio Mendonça, por causa da falta de estímulo e da atração exercida por outras

atividades — tanto escolares (provas e teatro), quanto extra-escolares (em dezembro e janeiro

―numerosos sócios aproveitaram as férias para trabalharem em funções relativamente bem remuneradas‖).189

No dia 25 de agosto de 1945, foi inaugurada a primeira feira livre da Cooperativa Escolar de

Macapá. Nesta ocasião, os alunos venderam: hortaliças, frutas e um lote de frangos da raça

rhode, para reprodução.190 Em 1946, já havia, além da de Macapá, a cooperativa escolar

186 NUNES, Janary Gentil. Cultura de seringueiras no Amapá. Op. Cit. P. 4. 187 LENHARO, Alcir. Colonização e trabalho no Brasil. Op. Cit. P. 49-50. 188 O articulista do jornal Amapá comentou em 1945: ―uma das tarefas mais importantes do seu govêrno é, justamente, povoar e fixar o homem à terra. Dentro desse plano de distribuição de lugares para quem desejar viver e produzir no campo, o prefeito de Oiapoque acaba de lotear e demarcar um grande trecho naquela região fronteiriça, destinando-o gratuitamente aos colonos agrícolas que queiram ali se fixar‖ — e continua — ―estimulando assim a criação de pequenas propriedades, o Govêrno combate a formação dos latifúndios prejudiciais e procura fomentar e facilitar o trabalho do nosso lavrador pobre‖ (Terras para os agricultores no rio Oiapoque. Amapá. N. 23, de 25/08/1945, p. 1, 6). 189 Estava se referindo, principalmente, a extração do látex (NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 48). 190 Cooperativa Escolar de Macapá — serão inauguradas hoje as feiras-livres da garotada, na qual haverá hortaliças, frutas e aves. Amapá. N. 23, de 15/08/1945, p. 4).

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agrícola de Mazagão. Saudando a notícia do reconhecimento das cooperativas destes dois

municípios pelo Serviço de Economia Rural, do Ministério da Agricultura, o articulista do

jornal Amapá enfatizou: ―o Cooperativismo Escolar ensina aos estudantes fazerem o que fazemos na vida

prática, não de maneira egoísta e personalista, mas dentro do espírito associativo, dando justo valor ao

consumidor e ao produtor‖.191

Com os mesmos objetivos das cooperativas de Macapá e Mazagão, foi criado, em

junho de 1950, o Agro Clube da Escola de Iniciação Agrícola do município de Amapá. Além

das atividades de cultivo e criação de animais, estas associações estudantis organizavam

atividades esportivas, peças teatrais e festas. Referindo-se a uma destas festas organizadas

pelos alunos, a de 15 de novembro de 1944, Otávio Mendonça afirmou que este evento

exprimia o sentido que ele gostaria de imprimir à educação no Amapá, pois, na ocasião, os

alunos ―se sentiam donos do movimento‖.192 A fotografia abaixo, extraída do Relatório das atividades do

Governo do Território Federal do Amapá em 1944 (p. 130a), representa o esforço sistemático do

governo de, com recursos materiais e orientação técnica, dotar os alunos das habilidades

necessárias para a criação de uma civilização agrícola no Amapá.

O ideal escolanovista defendia o protagonismo do aluno no processo de aprendizagem

escolar e condenava os métodos escolásticos da ―escola tradicional‖.193 Na educação pública dos

primeiros anos de existência do Território Federal do Amapá, percebemos a convivência

contraditória destes dois modelos educacionais. Um valorizava a iniciativa, a cooperação, a

criatividade e o preparo para soluções de problemas percebidos na vida cotidiana; o outro

191 Cooperativas escolares de Macapá e de Mazagão. Amapá. N. 53, de 23/03/1946, p. 3. 192 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 48. 193 NAGLE, Jorge. Op. Cit. P. 265.

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valorizava a obediência, a performance individual, a memorização de fórmulas e o

conhecimento abstrato. O ideal de uma escola nova defendia a formação da autonomia; a

escola tradicional e a militarização do ensino reforçavam a heteronomia do educando. Esta

segunda tendência educacional foi predominante nas escolas do Amapá. Por outro lado, a

divisão do tempo de aprendizagem (dentro e fora da sala de aula) em atividades de reprodução

conteudista e de caráter lúdico (aulas, teatro, paradas estudantis, festas, torneios esportivos,

trabalhos manuais, etc.) preparava o alunado para uma das características mais marcantes da

vida moderna: a fragmentação da vida no tempo e no espaço — tempo livre e tempo de

trabalho; espaço público e espaço privado; atividades políticas, profissionais, religiosas, etc.

O homem novo, através do preparo técnico, com um corpo vigoroso e disciplinado,

seria capaz de artificializar o ambiente a sua volta para alavancar o progresso territorial e

nacional. A emergência das grandes potencialidades mineralógicas do Amapá ainda na década

de 1940 (especialmente do manganês) não significou uma guinada no campo da política

educacional. Neste capítulo, esquadrinhamos as diretrizes políticas das ações do governo de

Janary Nunes no campo educacional. Nosso contato com as fontes nos sugere que as

diretrizes aqui apresentadas se mantiveram como norteadoras da política educacional no

Território Federal do Amapá durante todo o período de 1944 até 1956. O que não significa

dizer que o governo territorial foi plenamente vitorioso em seus intentos. As adversidades que

se levantavam no momento da execução desta política não foram pequenas. No próximo

capítulo, passamos a analisar esta execução entre os anos de 1944 até o final de 1946, quando

o governo de Janary tentou estabelecer as bases do novo panorama educacional projetado para

a sociedade amapaense.

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CAPÍTULO 2

Mãos à obra: a expansão da oferta do ensino primário (1944-1946)

Almeida Júnior, em um artigo intitulado ―Os sete pecados capitais da escola rural‖ —

originalmente publicado no Anuário do Ensino do Estado de São Paulo (1935-1936) — apresentou

o seguinte paradoxo: ―a civilização faz a escola, ou a escola faz a civilização? É a velha história do ovo e

da galinha‖. Em seguida, o autor complementou: ―eu gostaria que a escola viesse sempre primeiro, como

um bandeirante desbravador‖.194 No momento histórico em que Almeida Júnior escrevia isto,

muito se esperava da escola: não apenas a reprodução dos valores sociais e das forças de

produção, mas sim a formação de uma nova mentalidade e a geração de meios para a

modernização da sociedade. No entanto, a escola era transpassada pelas características do

espaço social no qual ela aparecia. Este dilema marcou todo o empreendimento janarista no

campo educacional. A realidade que se pretendia transformar através da educação resistia e

não se amoldava facilmente às investidas governamentais. Ademais, os recursos financeiros

disponíveis para a administração do Território Federal do Amapá, via de regra, não

possibilitavam ações muito arrojadas. Nosso objetivo neste capítulo é analisar o

estabelecimento das bases de um sistema educacional territorial de nível primário entre os

anos de 1944 e 1946, evidenciando seus avanços e impasses. Para tanto, enfocaremos os

enfrentamentos dos problemas que pareciam ao governo mais cruciais e urgentes: a ampliação

da rede escolar, a formação dos professores e a disseminação de uma mentalidade simpática

ao trabalho disciplinado.

Em janeiro de 1944, Janary podia perceber, sem grandes dificuldades, os inúmeros

obstáculos que teria que enfrentar para efetivar suas intenções. Logo que chegou, procurou

tomar conhecimento das condições de vida dos amapaenses. Pouco depois, ele relataria: ―foram

meses de pesquisa e de consulta, em que um reduzido número de auxiliares labutou comigo da manhã à noite

[...]‖.195 Esta equipe de auxiliares estava assim composta: Raul Montero Valdez (Secretário

Geral196); Pedro Borges (Diretor da Divisão de Saúde); Arthur Miranda Bastos (Diretor da

Divisão de Produção); Hildegardo Nunes (Diretor da Divisão de Obras); Otávio Mendonça

194 Consultamos uma transcrição publicada na Revista Brasileira de Estatística (ALMEIDA JÚNIOR, A. Os sete pecados capitais da escola rural. Revista Brasileira de Estatística. Ano II, n. 3, out-dez, Rio de Janeiro: IBGE, 1941, p. 1.219). A versão original foi publicada no Anuário de Ensino do Estado de São Paulo de 1935-1936. 195 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 5. 196 Era uma espécie de vice-governador.

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(Diretor da Divisão de Educação e Cultura197); e Humberto Pinheiro de Vasconcelos (Diretor

da Divisão de Segurança e Guarda). Compunham também esta equipe, os chefes de serviços

diversos198 e os prefeitos dos municípios do Território. Na escolha de seus assessores e demais

funcionários, era comum Janary privilegiar a familiaridade, a orientação política e a

competência técnica. A esse respeito, comentou Amaury Guimarães Farias: ―ele [Janary] tinha o

poder de nomear, de exonerar, e até de mandar embora quem ele não gostasse‖. O governador convidara

para trabalhar no Amapá, entre outros, aqueles que ele conhecera no Exército199 ou que faziam

parte de suas relações pessoais.

Janary procurou atrair profissionais graduados do Pará e de outros Estados através de

bons salários e outras vantagens. Para os altos e médios funcionários, o governador mandou

construir casas, pois percebera que era rara ―a residência no Território [que] poderia ser escolhida para

habitação de famílias acostumadas a relativo conforto‖. A construção das residências para o staff do

governo provocou a retirada dos negros da área de Macapá que estava sendo urbanizada e a

sua fixação no Laguinho e na Favela (áreas suburbanas). Isto motivou a composição de uma

famosa canção de Marabaixo (festa tradicional das comunidades negras de Macapá e

Mazagão), chamada ―Aonde tu vai rapaz‖. Abaixo transcrevemos o refrão e um dos seus

versos:

Aonde tu vai rapais Por esses campos sosinho Vou construir minha morada Lá nos campo do Laguinho [...] A Avenida Getúlio Vargas Tá ficando que é um primor Essas casas foram feitas Pra só morá os doutô200

197 Nomeado no dia 26 de abril de 1944. 198 Eram os seguintes serviços: Administração Geral, Informações, Industriais e Comissão de Abastecimento. 199 Eulice de Souza Smith nos relatou o seguinte: ―meu marido era reservista de primeira categoria do Exército e, naquele ano, estavam convocando os reservistas de primeira categoria que quisessem ir para o Oiapoque fundar neste lugar um novo pelotão — o Pelotão Independente do Oiapoque — cujo comandante era o então Major Janary Gentil Nunes. Meu marido era um pouco aventureiro e resolveu aceitar o convite e ir para o Oiapoque. Eu perguntei ‗você vai?‘, ele respondeu ‗eu pretendo ir‘ e eu disse ‗então vamos‘. E fomos. Passados dois anos, nós regressamos a Belém. Após algum tempo (salvo engano, em 1949), meu marido recebeu uma carta do Major Janary (que havia sido nomeado governador do Território Federal do Amapá) convidando-o para trabalhar com ele em Macapá‖. Podemos citar outros ex-militares (que, em geral, estavam dando baixa no final da Segunda Guerra Mundial) convidados por Janary para trabalhar no Amapá: João Wilson dos Santos Carvalho e José Alves Pessoa. 200 PEREIRA, Nunes. O sahiré e o marabaixo: tradições da Amazônia. Recife: Editora Massangana, 1989, p. 141. Segundo nos relatou em entrevista a senhora Benedita Guilherma Ramos (conhecida no bairro do Laguinho como ―Tia Biló‖), o autor deste ladrão foi Raimundo Ladislau, que era admirado por sua capacidade de compor belos versos (Entrevista ocorrida no dia 06 de maio de 2008).

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A área onde as novas casas estavam sendo construídas passou a funcionar como uma

vitrine do progresso do novo território. E esta vitrine tinha dois alvos: a sociedade amapaense

(de quem se esperava apoio) e os membros do Executivo Federal (que a viam por meio das

fotografias que Janary lhes apresentava em álbuns e relatórios). A imagem abaixo faz parte de

uma série apresentada no livro Território do Amapá (p. 128e), de Arthur Cézar Ferreira Reis. O

foco desta fotografia é um dos lugares do centro urbano de Macapá onde várias casas para os

técnicos das divisões da administração pública foram construídas.

Como afirmamos anteriormente, Macapá, no início de 1944, recebera o status de capital

do Território Federal do Amapá, em detrimento da escolha inicial, que recaíra sobre o

município de Amapá. Neste momento, no entanto, Macapá era uma vila de algumas centenas

de habitantes, abalada pela crise da borracha do início do século XX.201 As construções

realizadas pelo governo territorial trouxeram novo fôlego para a combalida economia

macapaense e regional. Arthur Miranda Bastos, que fora Diretor da Divisão de Produção, no

livro Uma excursão ao Amapá (de 1947), afirmou que o governo do Amapá tentou, logo que

instalado, remover os sinais de decadência de Macapá, ―construindo prédios novos para abrigar os

funcionários da nova administração, limpando o mato das ruas e praças, comprando toneladas e mais toneladas

de cimento, tijolos, telhas, madeiras, ferramentas, máquinas e tudo mais que seria preciso para transformar

numa capital apresentável uma velha e atrasada cidade‖.202 Nas sedes dos quatro municípios —

201 LOMBAERDE, Padre Júlio Maria. Macapá: sua história desde a fundação até hoje. (Mimeo), Macapá, 1987, p. 8. 202 BASTOS, A. de Miranda. Uma excursão ao Amapá. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1947, p. 6-7. Numa carta de agosto de 1946, Miranda Bastos apresentava a Janary Nunes um esboço deste livro com as seguintes palavras:

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Macapá, Amapá, Mazagão e Oiapoque — e nas vilas de Clevelândia do Norte e Calçoene (ver

anexo 2) foram instalados motores para o fornecimento de energia elétrica. Foram também

instalados postos de saúde e grupos escolares nos lugares mais povoados.203

A atuação dos administradores locais de antes da criação do Território do Amapá foi

mínima no campo educacional — assim como no relativo aos demais setores da vida social

moderna. Sobre este pano de fundo (o do imobilismo administrativo daqueles que ocupavam

os cargos públicos na região — prepostos do governador paraense e coronéis) destacava-se a

atuação da Igreja — principalmente dos religiosos da congregação da Sagrada Família

(masculina) e da Comunidade das Filhas do Coração Imaculado de Maria (feminina).

Missionário da Sagrada Família, padre Júlio Maria Lombaerde, chegou em Macapá no início de

1913, onde deu assistência aos doentes e educação às crianças.204 Segundo registrou este

religioso em seu diário: ―faltava um ponto importante para instruir e atingir a juventude — as escolas‖.

Ele criou, então, uma escola para meninos, que contava com uma freqüência de 60 a 70

alunos.205 Nesta escola, além do letramento e da catequese, os alunos participavam de

atividades como teatro e aprendiam a tocar instrumentos musicais. Ainda em 1913, padre Júlio

foi nomeado o diretor das escolas reunidas de Macapá.206 No natal de 1916, inaugurou o Cine

Olímpia Macapaense (uma sala com cinqüenta cadeiras), onde eram passados, aos domingos,

filmes educativos e de entretenimento.

Em 1916, padre Júlio fundou, em Belém, a Congregação das Filhas do Coração

Imaculado de Maria. Em dezembro deste mesmo ano, esta congregação se transferiu para

Macapá e aí criou o Colégio-Orfanato Santa Maria, para meninas. Nesta escola havia alunas

internas e externas.207 No ano de 1918, esta congregação criou, em Mazagão, o Colégio

Coração de Maria. Contudo, devido a dificuldades financeiras, padre Júlio fechou este colégio

em 1920, trazendo as irmãs que aí atuavam para Macapá. Em 1923, padre Júlio transferiu-se

para Icoaraci (localidade do Pará, próxima de Belém) e, com ele, transferiu-se também a

―reuni aí os conhecimentos mais gerais a respeito da região que lhe coube organizar como unidade independente da comunhão brasileira e na qual você vem realizando um esfôrço muitas vezes maior que o melhor que se tem dito, e muito satisfeito ficarei se esta minha contribuição puder ser aproveitada pela Divisão de Educação para transmitir aos outros e em especial aos escolares amapaenses as informações coletadas durante o tempo em que tive a honra de participar de seu secretariado‖ (Um livro útil para a Divisão de Educação. Amapá. N. 88, de 23/08/1946, p. 1). 203 Ibidem, p. 72. 204 CAVALIERE, Ivan Fornazier. Padre Júlio Maria Lombaerde na memória do povo de Macapá. Juiz de Fora-MG: Gráfica Floresta Ltda, 1981, p. 12-17. 205 LOMBAERDE, Padre Júlio Maria. Diário missionário do Pe. Júlio Maria. Belo Horizonte: O lutador, 1991, p. 287. 206 CAVALIERE, Ivan Fornazier. Padre Júlio Maria: sua vida e sua missão. Juiz de Fora-MG, p. 174. 207 BUBANI, Pe. Ângelo. Diocese de Macapá. 2 ed. Macapá: Diocese de Macapá, 1983, p. 20.

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Congregação das Filhas do Coração Imaculado de Maria. As últimas irmãs transferiram-se

para Icoaraci em 1926. Na ocasião, venderam o Colégio-Orfanato Santa Maria. 208

Após este tímido e restrito ensaio de melhoramento no campo da escolarização dos

amapaenses, voltou-se à estagnação. Transcorridos 20 anos, quando Janary Gentil Nunes

assumiu o governo do Amapá, a quase totalidade dos amapaenses era analfabeta. Segundo o

Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944, ―nas fôlhas de pagamento de

trabalhadores a assinatura geral é a datiloscópica do dedo polegar‖.209 Marijeso de Alencar Benevides, no

livro Os novos territórios federais, publicado em 1946, descreveu a situação do ensino encontrada

por Janary, no início de 1944, desta forma: ―para uma população de 26.000 habitantes existem no

Território sòmente sete escolas. Além de absolutamente desprovidas do mais indispensável material escolar,

essas escolas funcionavam em casebres sujos e mal arejados‖.210 Tais escolas estavam distribuídas da

seguinte forma: 2 na cidade de Macapá, 1 na cidade de Amapá, 1 na vila de Mazagão Velho, 1

no rio Pedreira, outra no de São Miguel, 1 no povoado de Tucumã (ver anexo 2). Havia

apenas escolas guianenses no Oiapoque. As sete escolas citadas eram públicas. Um

levantamento do IBGE, de 1947, confirmava a inexistência de escolas particulares no

Território do Amapá.211

Considerando a importância estratégica que a educação tinha para os ambiciosos

intentos do governo, as condições de ensino existentes eram, no mínimo, muito adversas. Não

há dúvida de que os baixos níveis de alfabetização ainda eram uma característica do Brasil

como um todo, pois, em 1940, apenas 44% da população brasileira com mais de 15 anos sabia

ler.212 Mas, nas áreas mais urbanizadas, a mediação mais intensa da escrita nas relações sociais

impelia ao letramento. Nas áreas rurais, a realidade era outra. Em 1940, no Território Federal

do Amapá (em dados parcialmente estimados), 91,16% da população era rural — contra

6,40% de população urbana e 2,44% de suburbana.213 Ademais, os núcleos urbanos

amapaenses mantiveram por muito tempo o aspecto de pequenas vilas de agricultores.

Portanto, além de enfrentar as questões estruturais que o novo projeto educacional impunha

(falta de recursos materiais e de professores qualificados), Janary era obrigado a atacar uma

mentalidade que ele reputava de resistente à melhoria de vida, pois ―o espírito conservador

208 Ibidem, p. 21-22. 209 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 6. 210 BENEVIDES, Marijeso de Alencar. Op. Cit. P. 58. 211 FERREIRA, Norma Iracema de Barros. Política e educação no Amapá: de território a Estado. Tese de doutorado defendida na UNESP (Campus Araraquara), 2005, p. 103-104. 212 Informações Gerais [seção]. Revista Brasileira de Estatística. Ano VI, Ns. 21-24, Rio de Janeiro: IBGE, 1945, p. 93. 213 MORTARA, Giorgio. A população de fato do Território Federal do Amapá nas suas novas fronteiras. Op. Cit. P. 2.

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arraigado despresa [sic] a inovação como luxo de gente rica‖.214 O primeiro governador do Amapá

reprovava o modus vivendi das comunidades locais que, por exemplo, produziam apenas o

suficiente para a própria subsistência e que, portanto, não consideravam necessário o

melhoramento técnico de seu trabalho para a produção em escala de mercado. Por isso, a

escola deveria não apenas ensinar, mas convencer os alunos da necessidade daquilo que era

ensinado.

Por outro lado, para delinear com segurança um plano de expansão da rede escolar,

Janary precisava de um mínimo de certeza acerca das dotações orçamentárias para o Território

Federal do Amapá nos anos seguintes. No entanto, isto não ocorria. O que prevalecia era a

constante incerteza em relação à disponibilidade de recursos e a permanente ameaça de

redução orçamentária para os anos seguintes. Em 1944, o Fundo Nacional do Ensino

Primário215 (criado em novembro 1942 pelo Ministro da Educação e Saúde Gustavo

Capanema) ainda não havia sido regulamentado — isto só ocorreu em agosto de 1945. Enfim,

no início de 1944, concretamente, Janary dispunha apenas das verbas dadas pela União para a

instalação do governo territorial. Este governador enviou a Vargas, ainda em 1944, um plano

de ampliação da rede escolar pública, pedindo recursos para a sua execução. Nele estavam

previstas as seguintes construções: 4 grupos escolares (nos municípios de Amapá, Mazagão e

Oiapoque e no distrito de Calçoene); 8 escolas de madeira (em Porto Grande, Ferreira Gomes,

Base Aérea do Amapá, Vila Velha do Cassiporé, Boca do Jarí, Porto do Céu, Tucumã e em

São Miguel); e 1 escola profissional (em Macapá). Os recursos solicitados foram gradualmente

disponibilizados (grande parte já durante o governo Dutra).

De imediato, várias casas foram alugadas e outras foram simplesmente cedidas para o

funcionamento provisório de escolas.216 Além disso, iniciou-se a construção do Grupo Escolar

de Macapá, que se chamaria Barão do Rio Branco. O modelo denominado de grupo escolar

(que reunia diversas salas, cada uma com um nível ou série diferente de ensino) foi implantado

pela primeira vez no Brasil em 1893, no Estado de São Paulo — onde aparecia como símbolo

da educação inovadora que se queria implantar junto com a República. Marcus Levy

Bencostta, comentando os significados políticos dos grupos escolares no início da fase

republicana brasileira, afirma que ―a localização dos edifícios escolares deveria funcionar como ponto de

214 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 34. 215 Ibidem, p. 7-8. 216 Foram criadas as escolas isoladas e mistas de: Santana, Porto do Céu, Igarapé do Lago e Itaubal, Ilha Redonda, Campina Grande e Porto Grande e Curiaú, no município de Macapá; Santa Maria, Camaipi e Maracamirim, em Mazagão — Efemérides do Amapá (Fatos e acontecimentos ligados à existência do Território Federal do Amapá). Amapá. N. 13, de 16/06/1945, p. 3; e Súmula dos atos e fatos de maior importância ocorridos no D.E.C. – T.F.A. – 1944. Amapá. N. 14, de 23/06/1945, p. 4.

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destaque na cena urbana, de modo que se tornassem visíveis, enquanto signos de um ideal republicano, uma

gramática discursiva arquitetônica que enaltecia o novo regime‖. 217 Junto com a nova experiência dos

grupos escolares surgiu a figura do diretor escolar, bem como a maior preocupação com os

recursos de aprendizagem e com a sistematização dos conteúdos através da seriação e da ―lição

das coisas‖ (o que motivou o uso do livro didático).218

Em Macapá — e mais tarde nos demais municípios — o grupo escolar também seria o

símbolo de uma inovação social, assim como da modernização dos métodos de ensino. Junto

com outras construções (como as casas dos assessores diretos do governador e a residência

deste), o prédio do grupo escolar de Macapá formava o núcleo político e social da nova

capital. O Grupo Escolar Barão do Rio Branco foi construído em um ponto de destaque do

novo centro urbano macapaense, como um monumento das mudanças pretendidas pela

administração territorial. Este caráter simbólico do novo grupo escolar se ampliava através das

várias fotografias que o jornal Amapá oferecia com a legenda ―Macapá moderna‖. A fotografia

abaixo, retirada do livro Território do Amapá (p. 120a), de Arthur Cézar Ferreira Reis, é apenas

um exemplar da série que pudemos compor.

No encerramento do ano de 1944, havia no Amapá 23 prédios escolares. Dentre estes,

quatro grupos escolares (2 no município de Amapá, 1 em Macapá e 1 em Mazagão). O grupo

escolar de Macapá ainda não funcionava no prédio novo, pois este estava em fase conclusão

217 BENCOSTTA, Marcus Levy. Grupos escolares no Brasil: um novo modelo de escola primária. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Op. Cit. P. 70. 218 Bencostta lembra que era muito comum, no século XIX, o uso do método Lancaster, que reunia numa mesma sala alunos com idades e níveis diferentes (ibidem, p. 72).

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de construção. Apenas os grupos escolares de Espírito Santo do Amapá e da cidade de

Mazagão possuíam prédios próprios. Os prédios onde funcionavam as aulas eram, na maioria

das vezes, cedidos. O próprio governo reconhecia que eram espaços inadequados à formação

dos valores que ele pretendia difundir — como higiene e ambição pela prosperidade individual

e coletiva. No geral se observava que as salas de aula eram pequenas e rústicas. Priorizou-se,

neste momento, os lugares de maior densidade demográfica.219 Em junho de 1945, o

Ministério da Fazenda autorizou o crédito de Cr$ 1.704.145 ao Ministério da Justiça para a

construção de escolas isoladas e outras obras no Amapá.220 Novas escolas foram inauguradas

em agosto de 1945 — porém, a maioria sem prédio próprio.221 Um ano depois, o governo

territorial assinou um acôrdo com o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) —

órgão do Ministério da Educação e Saúde — para a concessão de um auxílio destinado à

ampliação e melhoria do sistema escolar primário do Território do Amapá.222

Segundo o levantamento feito pelo INEP, em meados de 1945, a população

amapaense em idade de cursar o ensino primário (de 7 a 11 anos) totalizava 2.930 crianças.

Deste total, 1.252 estavam fora da escola.223 Este Instituto, a partir do início de 1946, pôs em

execução um plano de assistência aos Estados e territórios federais para a ampliação da rede

de ensino primário. De acordo com a legislação vigente, cabia aos Estados a implementação

do ensino primário e era de competência da União a administração dos ensinos secundário e

superior. O INEP, na elaboração do plano de ampliação do ensino primário, considerava ―a

insuficiência das rendas tributárias dos Estados para tão onerosa tarefa‖.224 Este plano (que começou a

ser elaborado no final do Estado Novo, quando o Fundo Nacional do Ensino Primário foi

regulamentado) dava ênfase à criação de mais escolas na zona rural brasileira, reconhecendo

que aí o déficit educacional era maior. Murilo Braga (Diretor do INEP) afirmou em 1949 que:

―teve início, a partir de 1946, a construção de unidades escolares nas zonas rurais, de fronteira e de

colonização‖.225 As unidades da federação deveriam apresentar, além de suas necessidades, as

plantas dos prédios escolares que desejavam construir, para a avaliação técnica daquele

219 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 56. 220 Crédito para diversas obras em Macapá (Correspondente do Rio de Janeiro). Amapá. N. 12, de 09/06/1945, p. 4. 221 Foram inauguradas as escolas isoladas mistas dos seguintes lugares: Franquinho, no arquipélago de Bailique; Lourenço, no rio Calçoene; Abacate, no rio Pedreira. Também foram reinauguradas as aulas da escola isolada mista do lugar Camaipí, no município de Mazagão (Novas escolas para educar a infância. Amapá. N. 20, de 04/08/1945, p. 3. 222 Ampliação e Melhoria do sistema escolar no – Território. Amapá. N. 67, de 29/06/1946, p. 03. 223 INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS (Ministério da Educação e Saúde). Brasil. Ensino primário no Brasil: ação supletiva do Ministério da Educação e Saúde, planejada e executada pelo INEP. Rio de Janeiro: Indústrias Gráficas Santa Terezinha, 1949, p. 19 (Cpdoc: GC, 1341f). 224 Ibidem, p. 13. 225 Ibidem, p. 13.

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Instituto. Em fins 1948, o INEP já havia financiado a construção de 39 novas escolas de

ensino primário no Território do Amapá.226

O estabelecimento de novas escolas de ensino primário no Amapá seguiu o seguinte

critério: ―estabelecimento de escolas rurais, dispersadas nos conglomerados em que tivessem, no mínimo, 15

crianças; escolas isoladas e reunidas; Grupos Escolares que ministrassem todo curso primário, nas sedes dos

municípios, funcionando anexo jardins de infância; escolas noturnas destinadas aos adultos analfabetos;

distribuição gratuita de merenda escolar; educação física [...]‖.227 Assim, além do ensino primário, as

novas escolas deveriam ofertar o ensino pré-primário e aulas noturnas para a alfabetização de

adultos. Entretanto, estas duas modalidades de ensino funcionaram quase exclusivamente nas

sedes municipais. O ensino secundário (que será analisado próximo capítulo) seria instalado

apenas em 1947, pois, conforme os planos da Divisão de Educação e Cultura do Território do

Amapá, este nível de ensino ―deveria funcionar quando as escolas primárias oferecessem os primeiros

alunos para lutas escolares de maiores proporções‖.228

A expansão do ensino primário, além do crescimento de sua base física (novas

escolas), dependeria de um quadro de professores capacitados para os novos desígnios

governamentais no campo educacional. Aliás, a formação de um conjunto de professores

preparados para o ensinamento dos conteúdos, valores e habilidades era vista como uma

prioridade na política educacional do governo de Janary. No primeiro ano de sua gestão,

Janary asseverou: ―considero como o maior problema a resolver, para a maior eficiência da educação, a

formação do professorado‖.229 Segundo o levantamento da Divisão de Educação e Cultura, no ano

de 1943, havia no território 10 professores ativos — dos quais 5 eram leigos e 5 eram

normalistas. Em janeiro de 1944, oito novos professores vindos do Pará se juntaram a estes (4

eram normalistas e 4 leigos). No final de deste ano, o governo já contava com 33 professores

(21 leigos e 12 normalistas).230 Diante da falta de professores normalistas no Amapá, o

governo se viu obrigado a tergiversar quanto ao grau de exigência em relação ao preparo de

seus docentes, conforme relatou o diretor da Divisão de Educação e Cultura, Otávio

Mendonça:

não seria difícil ter aumentado de muito o número, pelo menos leigos, se o Departamento não exigisse um mínimo, aquém do qual seria impossível qualquer tentativa do ensino. Antes de adotado êsse critério vários candidatos foram aproveitados em condições que, mais tarde,

226 Ibidem, p. 16. 227 Educação no Território. Amapá. N. 131, de 13/09/1947, p. 4. 228 Ibidem, p. 4. 229 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 36. 230 Ibidem, p. 51.

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obrigaram ou obrigarão a dispensá-los, prejuízo reduzido depois que se fixou não admitir sem exame. Neste, o julgamento teve de ser heterogêneo. Ao lado de certos conhecimentos básicos levou-se em conta a aptidão para lidar com crianças, mocidade, experiência do ambiente, ânimo de lutar e vencer.231

No mês de junho de 1944, diretores e técnicos de divisões (também chamadas de

departamentos) da administração territorial avaliaram 18 professores contratados pelo

governo. O resultado foi expresso através de conceitos: 3 bons (normalistas); 10 regulares (2

normalistas e 8 leigos); 4 maus (leigos); e 1 péssimo (leigo). A dificuldade de dispensar os

professores considerados maus e péssimos advinha da falta de possíveis substitutos. Através

de salários superiores aos pagos no Pará, Janary esperava atrair professores normalistas para o

novo território. Jovens normalistas recém-formadas e homens graduados ou com o secundário

completo efetivamente vieram compor o grupo de professores, que, ano a ano, crescia.

Na perspectiva do governo territorial, era preciso incutir nestes professores os

ambiciosos objetivos que animavam a sua política educacional, bem como aprimorar suas

práticas pedagógicas e dar homogeneidade ao ensino primário. Para tanto, foram instituídos

pela Divisão de Educação e Cultura os Cursos de Férias.232 Estes cursos versavam sobre temas

considerados relevantes para o bom andamento da difusão dos valores que se queria infundir

na população amapaense: ensino rural, higiene, metodologias de ensino, escotismo e

bandeirantismo, trabalhos manuais, etc... Para ajudar a garantir que o trabalho dos professores

concorreria para a realização dos objetivos governamentais, o próprio governador,

comumente, proferia palestras durante estes cursos.

A palestra proferida pelo governador durante o primeiro Curso de Férias, realizado em

junho de 1944 (visando a preparação para o segundo semestre letivo deste ano), foi publicada

num folheto de divulgação — do Serviço de Informações (SIP) do governo — intitulado

Novos rumos da educação no Amapá. Nesta palestra, Janary procurava evidenciar o tipo de

educação que esperava que os professores efetivassem em suas aulas diárias. Entre palavras de

encorajamento e sugestões de procedimentos de ensino, o governador evidenciava o objetivo

daquele primeiro curso:

percebeste perfeitamente que nosso Curso Rápido constou muito menos da revisão da matéria que diz respeito às noções preliminares das letras e dos números, da história e da corografia do Brasil, com que lidais diàriamente, do que, sobretudo, das lições e da prática da Higiene, das lições e da prática do Ensino Rural. Essa orientação resultou da convicção geral que alimentamos de que nosso trabalho será inútil na alfabetização do povo, se não lhe dermos ao

231 Ibidem, p. 51. 232 Os professores recebiam diárias referentes aos dias de curso (para se manterem neste período e como incentivo à participação).

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mesmo tempo a idéia do valor da sua saúde e de seu soerguimento econômico, na existência da Pátria.

Entregamos às vossas inteligências — na certeza de que contamos com a fidelidade de vossa colaboração cívica, a propaganda da extinção da malária e da verminose, da casa melhor, da privada higiênica, do cuidado com as crianças subnutridas e maltratadas, da transformação da alimentação do povo, do aumento da produção de gêneros de primeira necessidade, do hábito da economia e da cooperação.233

Como afirmamos no capítulo anterior, higiene e ensino rural eram temas intimamente

ligados ao objetivo do governo territorial de formar uma sociedade local baseada nas

modernas técnicas de organização e produção. O governador do Amapá desejava que os

professores ensinassem aos seus alunos as práticas e valores constituintes de corpos vigorosos,

disciplinados e aptos a desenvolver a modernização da produção — com a máxima

racionalização do uso dos meios de produção (tempo, terra, técnicas, ferramentas, etc.). Mais

do que um mero alfabetizador, cada professor deveria ser um multiplicador da mentalidade

que forjaria o homem novo. Este homem, através dos resultados de seu trabalho tecnicamente

orientado, ampliaria seu acesso aos bens de consumo, concorrendo, assim, para a ampliação

do mercado interno nacional. A sedentarização e a concentração das populações amapaenses

em núcleos saudáveis e estáveis, por meio da propagação da higiene e da agricultura intensiva,

tinha relação direta com o objetivo de povoar as áreas fronteiriças e os sertões do Brasil.234

Janary esperava que assim como os professores, os alunos também se transformassem

em veículos da nova mentalidade, que implicava no cuidado com a higiene e no empenho pela

produção tecnicamente orientada. Isto ocorreria quando se pudesse ―reeducar os pais por

intermédio dos filhos‖.235 Percebe-se neste preceito uma concepção idealizada da criança, como

ser ainda preservado dos males infligidos pela vida social — uma adequação do pensamento

romântico de Rousseau.236 No caso da pedagogia que se queria imprimir no cotidiano escolar

amapaense, a criança deveria ser protegida dos ―males‖ da falta de previdência e ambição, da

falta de vigor e prontidão, enfim, da indisciplina e da preguiça. Todavia, mais do que proteger

233 NUNES, Janary. Novos rumos da educação no Amapá. Macapá: Imprensa Oficial, 1944, p. 6. 234 Segundo o relatório da Divisão de Educação do Território, publicado no jornal Amapá, em 1947: ―considerando a alta percentagem de analfabetos, a baixa produção per capita; as condições de região limítrofe; as possibilidades de rápida evolução social em face da pequena população existente para ser cultivada; a dispersão do homem no solo; o nomadismo, oriundo da falta de especialização profissional e da instabilidade dos preços das indústrias extrativas; levantando a situação dos núcleos fixados na gleba; pesando as dificuldades financeiras de obter imediatamente, ou os próximos anos, instalações condignas, em todas as regiões necessitadas de escolas, e, conseqüentemente, de possuir professores formados, foram fixadas as diretrizes da Divisão de Educação, abrangendo as seguintes modalidades de ensino: primário, profissional, secundário e, paralelamente, as cooperativas, o escotismo e o bandeirantismo, o cinema e as bibliotecas‖ (A Educação no Território. Amapá. N. 131, de 13/09/1947, p. 4). 235 NUNES, Janary. Novos rumos da educação no Amapá . Op. Cit. P. 7. 236 Conforme comenta Marilena Chauí, a pedagogia do Emílio (de Rousseau) objetivava libertar a criança da tirania das opiniões humanas, para mantê-la ―livre de toda ansiedade com relação ao futuro e não atormentada pelas preocupações que fazem o homem adulto civilizado viver fora de si‖ (CHAUÍ, Marilena. Vida e obra. In: Rousseau (Os Pensadores). São Paulo: Nova Cultural Ltda, 2005, p. 16).

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a criança de vícios, era necessário e desejável — segundo a pedagogia pretendida — colocá-la

sob a influência dos valores tidos como corretos. Por isso a criança deveria permanecer o

maior tempo possível na escola, como afirmava o diretor da Divisão de Educação do

Território, em 1944:

o horário não foi, nem poderá ser uniforme no Território. A intenção inicial e preponderante foi o regime de dois turnos, para deixar o aluno permanecer na escola a maior parte do seu dia, já que o lar e a sociedade pouco pediam dêle e menos ainda lhe davam de preceito educativo. Em várias escolas, entretanto, o regime das marés, a chuva, a falta de alimentação, pedem soluções desiguais.237

Separada da sociedade e da família (consideradas incapazes de educá-la), a criança

poderia ser orientada a partir de práticas que possibilitassem seu protagonismo na construção

de novos modos de convivência — seja através de sua atuação direta na vida social e

produtiva, seja através de sua influência sobre os pais. O governador conclamava os

professores a formarem na criança o hábito de trabalhar não apenas para comer e vestir-se —

ele pedia aos docentes que criassem nela a ambição que leva à constância no trabalho.238 Na

palestra ministrada por Janary no primeiro Curso de Férias dos professores do Território do

Amapá transparece todo o papel estratégico e fundamental da escola na formação de uma

nova cultura local, no forjamento de um homem novo. Não caberia à escola reproduzir a vida

que a circundava, mas ser ela mesma uma forma mais elevada e mais perfeita de vida. A escola

deveria ser um centro difusor do ideal de modernização da sociedade, por meio do uso da

técnica e da racionalização dos recursos de produção, sobretudo daquele que era considerado

o principal: o homem. Enfim, esperava-se da escola mais do que a mera alfabetização ou

repasse de conteúdos.

No entanto, Janary observava que a maioria dos professores não apreciava o trabalho

agrícola e que a escola rural era uma triste reprodução da escola da cidade, restringindo-se ao

ensino das letras, dos cálculos, das ciências e humanidades.239 Muitos professores recusavam a

vida no ―mato‖ e os motivos eram diversos: tratava-se de um lugar de proliferação de doenças;

237 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 47. Grifo nosso. 238 NUNES, Janary. Novos rumos da educação no Amapá. Op. Cit. P. 7-8. 239 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 37. Sobre isto comentou Marcílio Felgueiras Vianna: ―nossas escolas rurais ainda não passaram de legítimas escolas urbanas transportadas para os povoados e fazendas. E os professores que as dirigem, imbuídos geralmente de convição urbanista; têm sido professores habituados à vida citadina e deslocados para um ambiente a que dificilmente se ajustam, pois que lhes falta é a mentalidade rural, que nada mais é senão o entranhado amor pelo campo, a par de uma nítida visão do problema agrário em seus mínimos aspectos‖ (O ensino rural como fator de recuperação do nosso caboclo. Amapá. N. 138, de 01/11/1947, p. 03).

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não tinha as atrações da cidade; não oferecia o conforto da vida urbana; os alunos eram

miseráveis; etc... Este rosário de argumentos contrastava com as pretensões governamentais

de valorização do trabalho agrícola, a fim de torná-lo rendoso ―pela adoção de processos

modernos‖.240 Analisando a situação do ensino rural no Brasil, assim como os entraves existentes

ao seu desenvolvimento, Almeida Júnior apontava, em meados da década de 1930, ―os sete

pecados capitais da escola rural‖: 1) dificuldade de acesso que gera no professor a sensação de

segregação; 2) a situação dependência do professor em relação aos grandes proprietários

rurais; 3) a falta de conforto; 3) o isolamento causado pelo contraste entre a cultura do

professor e a do roceiro; 4) falta de estímulo do professor; 5) falta de oportunidades para o

professor cultivar-se; 6) falta de recursos para o ensino; 7) e a falta de estímulos extra-escolares

para o melhoramento da produção — o que favoreceria o trabalho dos professores.241 Não há

dúvida de que a escola rural no Território do Amapá padecia de todos estes pecados capitais.

É fato, porém, que o governo procurava atacar cada um deles.

Para dotar os alunos mais pobres de uniforme e do mínimo material escolar

necessário, Janary criou os Postos Escolares de Macapá, Mazagão, Amapá e vila do Espírito

Santo (Decreto nº 14, de 29 de maio de 1945).242 A ação da Divisão de Educação era

combinada com a atuação do Departamento de Produção e Pesquisa. Este Departamento

distribuía aos lavradores do Território impressos mimeografados com conselhos técnicos e

―todas as instruções mais necessárias ao êxito dos seus trabalhos‖.243 O Departamento de Produção e

Pesquisa disponibilizava para os produtores rurais: assistência técnica, sementes, estacas ou

mudas de feijão, milho, arroz, cana, banana e outras espécies vegetais. Também emprestava ou

vendia pelo preço de custo: machados, enxadas, foices, ancinhos, extintores de saúva,

debulhadores e outras ferramentas ou máquinas agrícolas.244 No entanto, os resultados

colhidos destas ações de fomento à produção, freqüentemente, eram desalentadores. No final

de 1945, o Departamento de Produção e Pesquisa divulgava que ―a produção obtida em todo o

Território em couve, alface, tomates, e outros produtos hortícolas foi insignificante, comparada com a que podia

ser‖ e que ―muitos dos que receberam sementes não as aproveitaram‖.245 A contrapartida esperada não

ocorrera.

Disto decorre um dos importantes aspectos da relação entre governo e sociedade no

Território Federal do Amapá: a população usufruía as novas oportunidades que a política

240 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 37. 241 ALMEIDA JÚNIOR, A. Os sete pecados capitais da escola rural. Op. Cit. P. 1.215-1.219. 242 Atos do Governo do Território Federal do Amapá [seção]. Amapá. N. 07, de 05/05/1945, p. 4. 243 Auxílio aos lavradores. Amapá. N. 08, de 12/05/1945, p. 1. 244 Ibidem, p. 1. 245 Plantar hortaliças. Amapá. N. 2, de 29/12/1945, p. 2.

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governamental lhe abria de forma seletiva. A incongruência entre as expectativas do governo e

o comportamento da população amapaense aparece em vários momentos e de diversas

formas. Uma das primeiras explicações desta incongruência está implícita na forma como

Janary procurava formar a consciência da necessidade da mudança de hábitos nos amapaenses.

No final da palestra que este governador proferiu aos professores no primeiro Curso de

Férias, ele fez o seguinte apelo: ―voltai ao convívio da mocidade! E gravai-lhe na alma com ferrete de fogo

que nem a morte retire — essa ânsia atávica que recebemos de nossos avós e deve ser o maior sonho de nossos

netos — guiar os nossos passos e a congregar-nos sempre — o ideal do BRASIL — PRIMEIRA

POTÊNCIA DO MUNDO‖.246 Em suas vidas cotidianas, as pessoas não estavam muito

preocupadas com a redenção futura que arrebataria todos ao paraíso do capitalismo nacional

plenamente desenvolvido. Em detrimento de sacrifícios sistemáticos para a obtenção de

ganhos futuros, os amapaenses inventavam seu cotidiano através de práticas improvisadas que

levavam a um trânsito por dentro e por fora das expectativas governamentais.

O Editorial do jornal Amapá, de 23 de fevereiro de 1946, diante da iminência do início

do ano letivo, comentava o esforço de Janary Nunes no sentido de ―inculcar no cérebro de muitos

pais, aparentemente descuidosos, a noção da exata responsabilidade que lhes compete no futuro da prole,

apontando-lhes o caminho mais prático e seguro para atingir a meta do aperfeiçoamento‖. A escola fora

apontada, em seguida, como sendo este caminho. Entretanto, por diversos motivos, muitas

crianças não iniciavam o ano letivo no período normal. Durante o ano inteiro havia matrículas

e evasões, o que tornava os números relativos à freqüência escolar flutuantes e,

principalmente, enganadores (por darem a ilusão da continuidade do mesmo aluno na

escola).247 O resultado desta prática eram os altos índices de evasão e repetência. Diante da

relutância dos adultos analfabetos em não se matricularem nas escolas noturnas, o governo

resolveu usar de meios coercitivos para com aqueles que eram funcionários públicos: ―todos

aqueles que [...] revelarem negligência ou descuido em seu preparo intelectual e não se matricularem nas escolas

noturnas até a primeira quinzena de junho próximo, sofrerão, automaticamente, a redução de 30% em seus

246 NUNES, Janary. Novos rumos da educação no Amapá. Op. Cit. P. 11. 247 O relatório da Divisão de Educação do exercício de 1951 afirma que ―a matrícula permaneceu aberta de fevereiro a novembro, causando uma maior percentagem de reprovações. Mês a mês ela cresceu de 854, 283, 237, 66, 357, 124, 63 e 10 alunos. O ensino territorial está sujeito [desde 1947] a um programa pré-estabelecido, no qual a dosagem do currículo está dividida em quadros semanis [sic] de trabalho. Qualquer aluno com matrícula atrazada, — suponhamo-la partir de maio — não poderá, a não ser que faça um grande esfôrço, conseguir igualar-se aos matriculados aos matriculados nos primeiros dias. Há, é bem verdade, o período de recapitulação antes das parciais, mas, devido a sua exigüidade, só aproveitará aos alunos que receberam aula desde março. A mesma justificativa com menores possibilidades de aproveitamento, aos que se matricularam após o mês de julho, num total de 625. O ideal seria o de recebê-los e colocá-los em classes especiais mas, a falta de pessoal docente, aliada a de aulas, impedem-nos de assim proceder‖ (O Ensino Primário Fundamental Comum no Território do Amapá [Do relatório da Divisão de Educação — exercício de 1951]. Amapá. N. 383, de 19/07/1952, p. 3).

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salários, e se persistirem nessa atitude, serão dispensados, visto não interessarem mais seus serviços ao

Território‖.248

Em uma entrevista dada ao jornal Amapá, no início de 1947, a professora Latyr Morais

Costa afirmava que, enquanto a matrícula no Grupo Escolar Barão do Rio Branco estava

orçada em 735 alunos, a freqüência média era de 300 a 400 alunos. E acrescentava que este ―é

um fenômeno comumente observado nas localidades do interior‖. Quando a reportagem inquiriu quais

eram as causas de tamanha falta de assiduidade, a normalista explicou que ainda não tinha

observado detidamente o caso, mas atribuía isto ―a múltiplos fatores, como sejam o econômico,

resultante do auxílio à manutenção da família, geralmente pobre; as influências mesológicas, inclusive o rigor da

quadra invernosa, do que resulta ficarem intransitáveis os caminhos e principalmente o fator distância [...]‖.249

A distância entre o local de moradia do aluno e a escola é algo que se pode perceber ainda

hoje em algumas regiões do Amapá e da Amazônia. Esta distância se torna mais adversa

quando imaginamos que muitos alunos dos interiores do Amapá tinham que se deslocar de

barco ou canoa.

O principal meio de transporte no Amapá de meados do século XX era a canoa ou

montaria. Após visita à região da foz do Amazonas, em 1947, o técnico do IBGE Jorge

Pereira de La Roque destacou a importância das hidrovias na vida do ―caboclo‖ e esclareceu que

a palavra ―igarapé‖ (que designa ―um rio em miniatura‖) é um nome tupi que significa ―caminho de

canoa‖.250 Os rios eram os principais caminhos utilizados pelos amapaenses interioranos. Era

também através dos rios que os regatões transportavam vários tipos de mercadorias para

vendê-las aos ribeirinhos. Este aspecto da vida da maioria dos amapaenses era muito criticado

pela classe dirigente territorial. Para esta classe, a modernização da sociedade local dependia da

construção de uma rede rodoviária que tornasse mais rápido o deslocamento de pessoas e

mercadorias e que funcionasse como meio de integração sócio-econômica.251 Através das

hidrovias, a viagem de uma localidade a outra do Território poderia demorar dias e uma

simples ida à escola poderia durar horas. Os movimentos da maré (lançante e vazante), as

maresias e as fortes chuvas da região podiam tornar as viagens muito mais difíceis. A

248 Alfabetizem-se, operários! Amapá. N. 62, de 25/04/1946, p. 4. 249 E a professora Latyr acrescentou: ―muitos menores, porém, são descuidosos e, ao invés de se dirigirem às aulas, deixam-se ficar nas vias públicas, perambulando ou jogando futebol‖ (O problema da freqüência às escolas e a finalidade do Círculo de Pais e Mestres — professora Latyr Morais Costa entrevistada pela nossa reportagem. Amapá. N. 107, de 05/04/1947, p. 02). 250 LA ROQUE, Jorge Pereira de. Viagem ao Amapá — separata da Revista Brasileira de Geografia [n. 2 — ano XII]. Rio de Janeiro: IBGE e Conselho Nacional de Geografia, 1950, p. 299. 251 COSTA, Paulo Marcelo Cambraia da. Na ilharga da Fortaleza, logo ali na Beira, lá tem o regatão: os significados dos regatões na vida do Amapá — 1945 a 1970. Belém: Açaí, 2008, p. 56.

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fotografia abaixo — extraída do estudo de Jorge Pereira de La Roque252 — apresenta um

estudante indo de canoa para a escola.

No tocante ao primeiro fator citado pela professora Latyr Morais Costa — ―o econômico,

resultante do auxílio à manutenção da família‖ — destacamos que a maioria dos alunos do Grupo

Escolar Barão do Rio Branco (onde Latir lecionava) era formada por filhos de lavradores.253

Mas, era comum o lavrador também se dedicar à extração do látex nos seringais, o que

ocasionava o seu deslocamento temporário na época da coleta.254 Com ele, ia sua família — ou

parte dela. No mês de novembro, o Departamento de Educação e Cultura observava uma

queda na freqüência e na matrícula dos alunos e isto tinha causa notória: ―o motivo essencial é o

fim do verão, que marca época para a exploração de certos produtos, da borracha principalmente‖.255 A

prioridade dada pela população ao trabalho nos seringais indica que os valores esposados pelo

governo nem sempre eram assumidos pelos habitantes do Território. Isso também fica

evidente no quadro de ―Movimento de matrícula, freqüência e exame no segundo semestre de

1944‖, do Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944 (anexo nº 3).

252 LA ROQUE, Jorge Pereira de. Op. Cit. P. 308. 253 Otávio Mendonça afirmava em 1944, que ―44,36% dos alunos de Macapá são filhos de lavradores e 25% de operários‖ (NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 47). 254 Joaquim Theófilo de Souza (morador do bairro do Laguinho, de 90 anos de idade), falando sobre sua juventude e comentando sobre as atividades que garantiram a sobrevivência de sua família, afirmou o seguinte : ―muita gente pergunta como era, se tinha emprego, mas, emprego não tinha. Trabalho aqui era a agricultura. Farinha que se fazia pra vender pra poder sobreviver. Emprego não, era só farinha. Todo mundo trabalhava em roça. Quando chegava o verão, meu avô tinha um terreno na ilha do Pará (aqui em frete) e nós íamos, no mês de agosto, cortar borracha lá. Ele tinha um terreno grande. Ajudava muito, justamente devido aos aluguéis das estradas e dava pra gente sobreviver. Meu avô, minha avó, meus tios, trabalhando, pescando aí nesta baía — pegando filhote, dourada, vendia e tudo isso ajudava‖ (Joaquim Theófilo de Souza. Entrevista realizada no dia 08 de maio de 2008). 255 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 50.

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O tempo rígido e o espaço fixo do ambiente escolar se chocavam com o tempo

heterogêneo (tempo das marés, tempo de plantar, tempo de esperar, tempo de colher ou de

coletar) e com o caráter nômade ou seminômade das atividades ligadas à natureza. Pescador, o

ribeirinho pacientemente espera de pé ou de cócoras, à proa de sua montaria, horas a fio, até o

empolgante momento da fisgada. Este tempo cambiante — ora tensional, ora distendido —

era menos rotineiro do que a princípio aparentava. Via de regra, o ―caboclo‖ exercia duas ou três

atividades econômicas durante o ano — conforme a estação climática. Por exemplo, no sul do

Amapá, no período de intensas chuvas, os extrativistas moravam próximo dos castanhais (nos

altos e médios cursos dos rios) e durante os meses do verão (de agosto até novembro) se

instalavam próximo dos seringais, nos baixos cursos.256 Quando eram lavradores, os

amapaenses, na época da entressafra, se dedicavam também à caça de animais silvestres, à

pesca, à coleta de sementes oleaginosas e à extração de látex — se existissem héveas não

muito distantes da área em que habitavam.257

A cultura predominante em todo o Território era a da mandioca (utilizada,

principalmente, na produção da farinha). A farinha, além de uma das bases alimentares do

lavrador, era comercializada. Mas, a principal finalidade da produção agrícola (assim como da

caça e da pesca) era o consumo. Este consumo tanto podia se restringir à família, quanto

poderia se estender a uma comunidade de vizinhança, caso houvesse.258 Uma característica

fundamental do trabalho agrícola dos roceiros amapaenses era o uso de técnicas tradicionais

de cultivo e de poucas ferramentas. O pesquisador do IBGE, Antonio Teixeira Guerra,

ressaltou a este respeito que: ―o fogo, o machado e a enxada são instrumentos mais importantes nas

pequenas lavouras de ‗terra firme‘ dos nossos caboclos‖.259 O grande volume de trabalho exigido para a

abertura de uma clareira na mata sempre excedia a capacidade de uma família. Era neste

momento que os laços comunitários mais se evidenciavam. Dava-se o nome de pixurum260 (ou

putirum) para uma espécie de mutirão do qual participavam parentes e amigos (próximos e

distantes) de uma família que necessitava realizar a limpeza de um terreno ou uma colheita. O

256 GUERRA, Antonio Teixeira. Estudo Geográfico do Território do Amapá. Rio de Janeiro: IBGE, 1954, p. 226-227. 257 Ibidem, p. 194. 258 Joaquim Ramos da Silva (membro da comunidade negra do bairro do Laguinho), em entrevista, fez o seguinte comentário sobre seu tio Joaquim Ramos: ―ele praticamente fazia a farinha e dividia tudo entre a família: a mãe, o tio Martins, a mãe Felícia e os pais dele. Era praticamente fazer farinha e distribuir pra família‖ (Entrevista realizada no dia 23 de maio de 2008). Segundo Raimundo Lino Ramos; ―se ia fazer uma farinha, ou pegar um peixe, ou apanhar um açaí, a gente não entregava aquilo, não vendia; tinha o meu vizinho que quando ele dizia: ‗vizinho o senhor foi pegar peixe hoje‘, [e ele:] ‗não‘. ‗Pegue aqui‘, e a gente dava aquele peixe, dava o açaí, farinha, e quando o vizinho ia fazer ele devolvia do mesmo jeito que você deu pra ele. Então, era uma comunidade dentro uma da outra‖ (Entrevista realizada no dia 25 de março de 2008). 259 GUERRA, Antonio Teixeira. Op. Cit. P. 195. 260 Josefa Lina da Silva nos explicou: ―a gente quando quer terminar a roça só num dia, chama pixurum — aí convida uns quatro ou cinco homens, umas quatro ou cinco mulheres, pra terminar. Os homens cavando e as mulheres plantando, faz aquele pixurum, faz aquela comida, pra dar pra quem tá trabalhando‖ (Entrevista. Op. Cit).

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pixurum terminava sempre num momento festivo, com comidas e bebidas oferecidas pelos

donos da área de cultivo. Outro aspecto importante da produção agrícola praticada no Amapá

era, como ressaltamos noutro momento, o deslocamento constante para novas áreas de

cultivo. Segundo Teixeira Guerra: ―a procura constante de terras novas ocasiona uma mudança na

quadra cultivada, motivando uma ‗cultura itinerante‘ na qual o caboclo é obrigado a fazer quase anualmente

novas devastações‖.261

Portanto, o regime de trabalho das populações rurais amapaenses (e mesmo

amazônidas) ensejava um modo de vida temporário e provisório que contrastava com a

regularidade e fixidez do regime escolar. Os deslocamentos sazonais para a extração de

borracha, da castanha, das sementes oleaginosas e de outros produtos se combinavam com

migrações, menos freqüentes, decorrentes da abertura de novos roçados. A relação interina

com os recursos e com os lugares diz respeito a um modus vivendi amazônida muito antigo.262

Tornar moderna a vida nos sertões do Brasil assumia, nos anos 40 do século XX, o sentido de

fazer do caboclo um sedentário e, ao tempo da natureza, sobrepor o tempo do relógio — o

tempo da produção constante, enfim, o tempo transformado em valor, em dado absoluto e

não relativo.263 Na perspectiva governamental era imprescindível fixar o homem, ou seja,

através do emprego de modernas técnicas, liberá-lo do influxo das cambiantes forças naturais

e torná-lo sedentário.

O caráter provisório do modo de vida do ribeirinho era combatido até mesmo no seu

aspecto material mais evidente: a casa. No artigo ―Lar para o cabôclo‖ — publicado na Revista

do Amapá de maio de 1947 — Janary Nunes afirmou: ―se ao invés duma sórdida barraca de palha,

com piso de paxiúba, o homem do interior trabalhar durante mêses seguidos, na edificação de uma casa digna,

coberta de telha ou de cavaco, assoalhada de madeira de lei, arejada e sólida, ficará prêso à sua obra e ao suor

que gastou para erguê-la‖.264 E, referindo-se ao cabôclo, completou: ―convencê-lo e levá-lo para a

construção da casa digna e da prática dos hábitos sadios, criar a tradição do lar, é a missão que incumbe à

escola, às elites, ao Govêrno e a todos os que sonham com dias mais felizes para a Amazônia‖.265 Portanto,

a edificação de um tipo de casa com maior volume de trabalho agregado era percebida por

Janary como um avanço importante no processo de sedentarização das populações

261 GUERRA, Antonio Teixeira. Op. Cit. P. 196. 262 MARTINS, José de Souza. Vida privada nas áreas de expansão da sociedade brasileira. In: SCHWARCZ, Lilia M. (org.). História da vida privada no Brasil. Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 664. 263 No relativo aos conflitos (gerados pelo advento do capitalismo) em torno de diferentes concepções de tempo, consideramos fundamental o seguinte estudo de E. P. Thompson: THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: Costumes em comum. São Paulo: Companhia das letras, 1998, p. 267-304. 264 NUNES, Janary Gentil. Lar para o cabôclo. Revista do Amapá. Macapá, maio — 1947, ano 2, n. 3, p. 5. 265 Ibidem, p. 6.

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amapaenses. A fotografia abaixo — extraída do Estudo Geográfico do Território do Amapá, de

Teixeira Guerra — apresenta o tipo de casa criticada pelo governador do Amapá.

Excetuando a capital e as sedes municipais — onde predominavam casas de madeira

trabalhada — em todas as localidades se construíam, sobretudo, casas de materiais toscos:

bambu trançado, troncos finos, varas, palmeiras, entre outros. Aproveitavam-se os materiais

que a natureza oferecia e a estes se associava um conhecimento autóctone, com soluções

muito originais. As casas eram comumente do tipo palafita (construções sobre estacas cujo

assoalho ficava acima do solo de um a dois metros, para evitar o alagamento ou a umidade).

Mesmo nas áreas não alagadiças eram comuns as palafitas — o que demonstra que eram

edificadas também por força de uma tradição.266 As casas em geral possuíam poucas

dependências (um quarto). Poucas também eras as mobílias, havendo, mais freqüentemente,

alguns bancos, redes de dormir e um baú ou canastra para guardar as roupas.267 Faiscadores e

extrativistas construíam um tipo de moradia chamada de carbé — uma barraca de quatro ou

seis moirões, coberta de palha e totalmente aberta nos lados.

As casas interioranas do Amapá eram geralmente construídas em pontos distantes

umas das outras. Construídas ao longo ou próximas dos rios e igarapés, estas casas faziam

parte daquilo que Teixeira Guerra denominou de ―habitat disperso longitudinal‖. Esta dispersão

266 GUERRA, Antonio Teixeira. Op. Cit. P. 223. 267 Ibidem, p. 226.

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tinha relação direta com a descontinuidade dos recursos naturais aproveitáveis na floresta.268 A

dispersão populacional era reconhecidamente um obstáculo para a execução do projeto de

ampla escolarização. Lourenço Filho chegou a definir as áreas brasileiras caracterizadas pela

dispersão demográfica como ―grandes espaços não escolarizáveis‖.269 Este escritor e destacado

reformador do sistema educacional brasileiro justificou esta definição da seguinte forma: ―uma

escola é um centro de comunidade, e um sistema escolar só bem se estabelece quando represente um laço

funcional entre as escolas de várias comunidades‖.270 A lógica que presidia o estabelecimento do

sistema escolar era discrepante em relação a uma população dispersa e de laços provisórios

com seu habitat.

Além disso, no Amapá também muito se lamentou acerca da existência de uma

mentalidade que dava pouca importância aos estudos escolares. Esta mentalidade contrastava

com o otimismo da classe dirigente territorial em torno da educação. A freqüência oscilante, a

numerosa evasão escolar, as constantes queixas do governo em relação aos pais são indícios de

que a educação escolar não representava para muitos dos amapaenses algo prioritário. Ao

aferir os ganhos que teria com a educação e os que poderia obter por meio de trabalhos que

não exigiam aperfeiçoamento técnico e nem letramento, esta segunda opção sempre parecia

estar mais próxima e ser mais factível para o homem local. A incompatibilidade entre os ideais

defendidos pelo governo e os valores e práticas de parte significativa da sociedade amapaense

não escapava à percepção da classe dirigente local. Além das prédicas que Janary Nunes fazia

em diversas ocasiões para persuadir os pais acerca de suas responsabilidades sobre a

escolarização dos filhos, outras iniciativas foram realizadas.

Em 1947, foi criado o Círculo de Pais e Mestres do grupo escolar de Macapá. Este

Círculo, segundo a professora Latyr Morais Costa, serviria, entre outras coisas, ―para inculcar na

mentalidade dos páis a nítida compreensão dos deveres concernentes à instrução de seus filhos‖.271 Foram

também criados prêmios em dinheiro para os alunos mais assíduos.272 Porém, essas medidas

tinham apenas um caráter paliativo. Problemas como os baixos índices de freqüência e a

numerosa evasão escolar seriam constantes na educação territorial durante todo o governo de

Janary Gentil Nunes, porque os fatores que os geravam não foram consistentemente

ponderados e atacados. Os índices de reprovação também eram muito altos. O índice de

268 Teixeira Guerra afirmou que ―a não existência de uma floresta de espécies homogêneas e na qual, por exemplo a Hevea e a Bertholetia formassem núcleos, é uma das condições importantes da natureza imposta ao tipo de economia primitiva de exploração extrativa da floresta, obrigando a dispersão‖ (ibidem, p. 187). 269 LOURENÇO FILHO, M. B. Preparação de pessoal docente para escolas primárias rurais no Brasil. Op. Cit. P. 2-3. 270 Ibidem, p. 3. 271 O problema da freqüência às escolas e a finalidade do Círculo de Pais e Mestres — professora Latyr Morais Costa entrevistada pela nossa reportagem. Amapá. Op. Cit. P. 02. 272 Prêmios de estímulo aos escolares. Amapá. N. 116, de 07/06/1947, p. 02.

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reprovação do primeiro ano de governo de Janary chegou a quase 75%, conforme o quadro

abaixo, separado do Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944 (p.

62b).

O contraste entre o modo de vida de muitas famílias do território e a lógica do regime

escolar pode ser indicada como um dos principais fatores dos altos índices de reprovação no

ensino primário. Outro fator que podemos apresentar para explicar as muitas reprovações é o

baixo grau de escolarização dos pais dos alunos (em geral analfabetos). Desprovidos do capital

cultural exigido pela escola — aqueles que os filhos de pais altamente escolarizados possuem

(conhecimentos sobre história, literatura, arte, leituras diversas, etc...) — os filhos de

lavradores tinham maior dificuldade de adaptação às exigências do ensino primário. O

ambiente social em que a maioria dos alunos vivia era marcado pelo predomínio da oralidade.

Não havia no convívio familiar mecanismos de reforço da aprendizagem escolar. A distância

entre a cultura ensinada e valorizada pela escola e aquela vivenciada pelo aluno no seu

cotidiano era imensa.273

No período que vai do início de 1944 até fins de 1946, a política educacional foi

norteada pelo objetivo de expandir o ensino primário no Território Federal do Amapá, através

da ampliação de sua base física (prédios escolares) e da formação de um corpo docente

273 Sobre a questão da constituição de um capital cultural, Pierre Bourdieu afirmou: ―as crianças oriundas dos meios mais favorecidos [social e culturalmente] não devem ao seu meio somente os hábitos e treinamento diretamente utilizáveis nas tarefas escolares, e a vantagem mais importante não é aquela que retiram da ajuda direta que seus pais lhes possam dar. Elas herdam também saberes (e um ‗savoir-faire‘), gostos e um ‗bom gosto‘‖ (BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: Escritos de educação. Petrópolis-RJ: Vozes, 1998, p. 45).

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imbuído dos ideais modernizadores do governo. Procuramos evidenciar até aqui os avanços

em relação a esta meta, bem como analisamos os fatores que minimizaram o sucesso

governamental (poucos e incertos recursos orçamentários, inaptidão dos professores para as

atividades propostas pelo governo, condições adversas ao ensino rural e os hábitos do homem

local). Concomitantemente ao enfrentamento de tão grandes dificuldades, alguns

acontecimentos puseram sob ameaça, não apenas a política educacional janarista, mas a

existência do próprio Território Federal do Amapá. Por causa da importância do debate acerca

da extinção dos novos territórios para a construção da atmosfera política local, em meados da

década de 1940, concluiremos este capítulo apresentando alguns de seus aspectos.

No final de 1945, a crise política que levou à renúncia do presidente Getúlio Vargas

(sob pressão da cúpula do Exército) e a campanha eleitoral para eleger seu substituto — bem

como os membros da Câmara dos Deputados Federais e do Senado — criaram um clima de

incertezas em torno da continuidade da existência dos novos territórios federais. A extinção

destes territórios muito provavelmente significaria a interrupção das políticas que estavam

sendo implementadas no Amapá. Os últimos meses de 1945 foram de intensa mobilização

política em todo país. O candidato da UDN a presidência, o Brigadeiro Eduardo Gomes,

incluiu no seu programa de governo a reintegração dos territórios federais aos Estados dos

quais foram separados. A crítica do governo do Amapá a esta proposta foi apresentada no

artigo ―Discordamos‖, do jornal Amapá do dia 30 de junho de 1945.274 O candidato da UND

foi derrotado pelo General Dutra, que obteve 55% da votação nacional. Dutra era favorável à

permanência dos novos territórios.

Thomas Skidmore divide a história econômica do governo Dutra em duas fases: a

primeira, entre início de 1946 e meados de 1947, marcada pelo predomínio do não

intervencionismo estatal na economia; e a segunda, de junho de 1947 até o final de 1950,

caracterizada pela tentativa de controlar o déficit da balança comercial por meio da introdução

de medidas de controle cambial. Também como sinal de uma mudança de orientação,

Skidmore cita a criação: do Plano SALTE (nome derivado das letras iniciais das áreas que

receberiam investimentos federais: saúde, alimentação, transporte e energia), da Comissão do

Vale do São Francisco (CVSF) e da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônia (SPVEA).275 Octávio Ianni questiona esta periodização e argumenta que não houve

uma mudança de orientação na política econômica de Dutra, mas medidas emergenciais que

274 Discordamos. Amapá. N. 15, de 30/06/1945, p. 1. 275 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930-1964). 7 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 96-99.

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visavam recuperar o equilíbrio imprescindível da balança de pagamentos. Ianni argumenta que

as condições de implementação do Plano SALTE foram cuidadosamente delimitadas. Sua

ação se restringiria a empreendimentos onde a atuação direta do Estado não fosse ―impraticável

ou inconveniente‖.276 Além disso, este sociólogo destaca que a CVSF e a SPVEA resultaram da

mobilização de grupos políticos regionais no interior do Congresso Nacional e só foram

ativadas no segundo governo de Vargas (1951-1954).277

No contexto internacional de bipolarização do mundo com o início da Guerra Fria

(1945), o Brasil se posicionou na órbita dos Estados Unidos. Isto representou, no plano

econômico, uma maior abertura ao capital estrangeiro, mormente o norte-americano. O

interesse norte-americano em explorar as jazidas de minérios (ferro e manganês) encontradas

no Amapá foi um fator de peso para o aval de Dutra à permanência deste Território. O

governo federal teria com esta permanência maior controle sobre o processo de negociação da

exploração destas jazidas. Os líderes políticos da UDN também defendiam que o Brasil

precisava abrir-se ao capital estrangeiro, mas, em nome do liberalismo, lutavam na Assembléia

Nacional Constituinte para eliminar da estrutura administrativa brasileira os órgãos criados por

Vargas, que constituíam uma herança do intervencionismo do Executivo Federal. A UDN

propugnava o abandono de práticas ligadas à política econômica nacionalista.278 Essa tentativa

de desmonte da tecno-estrutura estatal criada por Vargas incluía a extinção dos recém criados

territórios federais. Janary, que, no início de 1946, havia garantido sua permanência no

governo territorial por meio do reconhecimento do apoio à campanha de Dutra e dos

contatos que mantinha com a cúpula nacional do PSD, agora via ameaçadas a sua posição de

governador e a existência do Território do Amapá.

O jornal Amapá noticiava o andamento do debate sobre a redivisão territorial no

Brasil, que ocorria no Distrito Federal. No número do dia 18 de maio de 1946, este periódico

noticiou o apoio dos membros dos udenistas amapaenses à manutenção do território. O

documento do presidente do diretório da UND no Amapá foi transcrito e afirmava o

seguinte: ―o que nos contrista é a perspectiva de reintegração duma situação que, tudo nos indicava, jamais

nos ameaçaria, a qual, entretanto, ora se nos apresenta com aparências especiosas de grande causa nacional na

defesa de postulados já de si obsoletos, referentes a uma imaginosa soberania de Estados Federados‖.279 Era

forçoso aos udenistas locais destoar da orientação do diretório central do partido,

considerando o amplo apoio da população local à causa da manutenção do Território do

276 IANNI, Octavio. Estado e planejamento econômico no Brasil. 4 ed. Rio de Janeiro: 1986, p. 103. 277 Ibidem, p. 104. 278 Ibidem, p. 91-92. 279 Pela manutenção do Território. Amapá. N. 61, de 18/05/1946, p. 4.

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Amapá. A decisão final da Assembléia Nacional Constituinte seria a extinção dos territórios de

Iguaçu e Ponta Porã e a manutenção dos demais. Esta decisão resultava de uma combinação

de interesses regionais com o peso político da bancada do PSD e do PTB.

A Assembléia Constituinte foi de fato um campo de enfrentamentos entre as

tendências liberalista e intervencionista. Segundo Thomas Skidmore, a Constituição de 1946,

como a de 1934, ―englobava tanto esperanças dos constitucionalistas liberais quanto as dos que eram

favoráveis a um governo federal forte‖.280 No campo educacional este ecletismo também prevaleceu:

o ensino religioso foi mantido como disciplina optativa; a educação foi definida como direito

de todos e a ser dada na escola (art. 166); como na Constituição de 1934, a gratuidade do

ensino ficou restrita ao primário, mas com ―tendência à gratuidade do ensino educativo ulterior ao

primário‖ (art.150). Quanto ao financiamento da educação, a Constituição previa o seguinte:

―anualmente, a União aplicará nunca menos de dez por cento, e os Estados, Distrito Federal e os municípios

nunca menos de vinte por cento da renda resultante do impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino‖

(art. 169).281

Na conturbada transição política ocorrida entre 1945 e 1946, não foi apenas no tocante

ao ecletismo constitucional que pudemos perceber certas continuidades no campo das

políticas educacionais. As presenças de Lourenço Filho a frente do Departamento Nacional de

Educação (uma espécie de coordenação geral das políticas educacionais a nível nacional) e de

Murilo Braga — assumidamente, um discípulo de Lourenço Filho — na direção do INEP

bem denotam que a concepção da educação como um instrumento de modernização

(estandardizada no primeiro governo de Vargas) se manteria como diretriz no interior

Executivo Federal. Ambos (Lourenço e Murilo) foram grandes defensores do escolanovismo

no Brasil. Lourenço Filho já vinha atuando no Ministério da Educação e Saúde durante o

primeiro governo Vargas: foi chefe de gabinete de Francisco Campos e foi nomeado diretor

do INEP por Gustavo Capanema — posição que ocupou de 1938 até 1946. Se a nova gestão

do Ministério da Educação — de Clemente Mariani — investiu mais ostensivamente

ampliação do ensino primário, devemos considerar que isto só foi possível graças à criação (e

regulamentação) do Fundo Nacional do Ensino Primário, que ocorreu ainda durante o

governo Vargas.

No Amapá, durante o ano de 1947, além da continuidade da expansão da rede escolar,

ocorreu o esforço de: cumprir as exigências da nova Lei Orgânica do Ensino Primário (de

280 SKIDMORE, Thomas. Op. Cit. P. 91. 281 OLIVEIRA, Romualdo Portela. A educação na Assembléia Constituinte de 1946. In: FÁVERO, Osmar (org.). A educação nas constituintes brasileiras, 1823-1988. 3 ed. Campinas: Autores Associados, 2005, p. 154-189.

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1946)282, garantir melhores resultados e dar homogeneidade ao ensino primário territorial. A

Divisão de Educação organizou, então, um programa de ensino comum para todas as escolas

do Amapá. Este programa fora subdividido em quadros com ―dosagens‖ semanais de

conteúdos. Segundo Marcílio Vianna: ―em função da realidade ambiente estampada numa grande

maioria de professores leigos, na falta de verdadeiro preparo de inúmeras normalistas e na diversidade múltipla

da utilização do tempo no ministrar os assuntos das mesmas aulas, organizamos o calendário e distribuímos o

programa em quadros, estabelecendo a dosagem mínima que as diversas séries deveriam aprender por semana e,

conseqüentemente no ano letivo‖. A produção destes quadros também objetivava minimizar as

dificuldades criadas pela falta de livros didáticos e de outros recursos de ensino.283

Em 1947, foi implantado o ensino secundário no Amapá. Este completava o projeto

educacional do governo de Janary, possibilitando a formação de uma camada secundarista,

apta a colaborar na condução dos populares. Como evidenciaremos no próximo capítulo, este

projeto comportava um sentido dualista, que consistiu na distinção da educação voltada para a

formação de trabalhadores braçais de uma outra voltada para a formação de trabalhadores

intelectuais. A preparação para os ofícios ocorreria durante o primário e nos cursos

profissionalizantes (que também foram objeto de maiores investimentos governamentais a

partir de 1947).284 Analisaremos no próximo capítulo como estas novas ações governamentais

se efetivaram no Amapá e procuraremos evidenciar de que forma elas se articulavam com as

diretrizes educacionais traçadas pelo governo territorial.

282 A Lei Orgânica do Ensino Primário (no Art. 12) determinava: ―o ensino primário obedecerá a programas mínimos e a diretrizes essenciais fundamentais em estudos de caráter objetivo, que realizem os órgãos técnicos do Ministério da Educação e Saúde, com a cooperação dos estados‖. 283 Educação no Amapá em sete anos de administração territorial. Amapá. N. 310, de 17/02/1951, p. 1. Esta Divisão também passou a produzir provas padronizadas, mimeografadas e distribuídas para as escolas. 284 No ano de 1947 também iniciou a Campanha de Educação de Adultos, que, combinada à ampliação do ensino primário regular, objetivava reduzir significativamente o número de analfabetos no Brasil.

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CAPÍTULO 3

Educação e divisão social do trabalho (1947-1953)

No dia 05 de novembro de 1952, o poeta (e assessor do governo territorial) Álvaro da

Cunha publicou no jornal Castelo — produzido pelo grêmio estudantil Rui Barbosa, do Colégio

Amapaense — o artigo intitulado ―A educação no Brasil e o problema territorial‖. Neste texto,

o literato propunha um curso de aperfeiçoamento para os professores do secundário, cujo

temário incidiria sobre a história e os desafios da realidade regional. Álvaro da Cunha elaborou

este artigo a partir da inquietante constatação da distância entre os conteúdos que eram

ensinados por estes professores e a experiência de vida dos alunos fora da escola. Este escritor

afirmou que, embora imperfeito, seu texto ―tinha pelo menos o mérito de ser, entre nós, a primeira

sugestão desse caráter, a primeira tentativa de regionalização do ensino secundário, visando adaptá-lo à

urgências dos interesses da gleba, que são, em ultima análise, os interesses de todos e, principalmente, da

juventude territorial‖.285 Inquieto, Cunha denunciava a falta de um ensino verdadeiramente

focado nos problemas que a realidade local levantava. Problemas que impediam a rápida

execução do projeto modernizador do governo. Enquanto o aluno secundarista ficava

―aprendendo as travessuras de Nabucodonossor‖, aspectos importantes da vida territorial

continuavam orbitando fora da escola.

As aulas do curso proposto seriam ministradas por médicos, engenheiros e técnicos,

cujo conhecimento e experiência os facultassem ajudar os docentes ―a transmitir aos alunos, além

da ilustração didática, o conhecimento do meio, a exegese dos fenômenos e peculiaridades da terra onde iram

aplicar no futuro suas energias e capacidade‖.286 A crítica de Álvaro da Cunha ao ensino secundário

amapaense era explícita e, por isso, provocou diversas réplicas. Houve uma acirrada polêmica,

que foi classificada pelo jornalista João Neves como ―um rico e sugestivo episódio‖. Neves resumiu

a contenda com as seguintes palavras: ―um dia, o irrequieto boêmio Álvaro da Cunha, insatisfeito com o

seu furioso e desordenado auto-didatismo, com um lastro ideológico dos mais puros, escreveu algumas sugestões,

onde, à guiza de grito incentivador, pôs em conflito a inteligência da terra, toda ela sedenta de uma polemica

capaz de agitar os espíritos que habitam as plagas do manganês‖.287 Os professores do Colégio

Amapaense sentiram seu orgulho ferido pela proposta do poeta Álvaro da Cunha. Tratava-se

285 CUNHA, Álvaro da. A educação no Brasil e o problema territorial. Amapá. N. 402, de 20/11/1952, p. 3. Este texto é já uma tréplica, onde o escritor tenta responder às críticas feitas ao seu artigo publicado no Castelo. 286 Ibidem, p. 3. 287 NEVES, João. À margem de uma polêmica. Amapá. N. 402, de 20/11/1952, p. 3.

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de um escol intelectual, formado por homens288 que haviam estudado nos liceus de Belém e

Fortaleza. O prestígio e todo o poder simbólico destes mestres (o poder de dizer o que é

correto e superior) estavam postos em xeque nas proposições de ―A educação no Brasil e o

problema territorial‖. Três professores do ensino secundário escreveram artigos no jornal

Amapá com o objetivo de manifestar suas discordâncias em relação às proposições de Cunha.

Foram eles: Lauro Chaves (lecionava Francês), José Benevides (Português, Latim, História e

Geografia) e Gabriel de Almeida Café (Matemática e Desenho).

O artigo do professor Lauro Chaves era intitulado ―Comentários à margem de um

artigo‖ e tinha como objetivo demonstrar que os professores do Colégio Amapaense foram

vítimas de um julgamento absolutamente injusto, e que este julgamento fora feito por pessoa

que não tinha competência para tanto. Segundo o professor Chaves, o texto de Álvaro da

Cunha sugere que ―somente o magistério secundário territorial tem necessidade de que lhes sejam ‗ensinados‘

os problemas que interessam ao Território, uma vez que é esse magistério incompetente para guiar os jovens no

conhecimento de sua terra e das necessidades dela‖. E em seguida, o professor de Francês assevera: ―é

preciso que o Sr. Álvaro da Cunha se convença de que trilha caminho errado querendo ‗meter foice em seara

alheia‘‖.289 O texto de José Benevides (que foi seminarista e cursou Filosofia no Seminário

Arquidiocesano de Fortaleza) foi escrito com um tom muito mais sarcástico do que o de

Chaves. O intento de Benevides foi desmoralizar Cunha, evidenciando seu suposto

despreparo para propor mudanças no sistema educacional amapaense. O título do artigo já era

um acinte: ―Gratidão a um ‗pedagogo‘‖. Ao colocar o título de pedagogo entre aspas,

Benevides objetivava pôr em destaque a temeridade que era um poeta autodidata querer traçar

planos de melhoramento do campo educacional.290

Álvaro da Cunha se defendeu afirmando que era mesmo autodidata e que fora atacado

porque teve ―o atrevimento de penetrar na ‗seara‘ da educação‖ e porque, ―sem haver cursado Faculdade

de Filosofia, sem haver pronunciado conferências em Institutos de Educação‖, ele teve a ousadia de fazer

apelo em prol da ampliação da cultura da mocidade amapaense.291 Este poeta também

comentou: ―o professor Café é o mais atirado na arte de escrever‖. Gabriel de Almeida Café abusou da

linguagem matemática durante a redação de sua réplica. Tanto, que levou Álvaro da Cunha a

retrucar: ―perdi-me nas suas fórmulas algébricas e não compreendi como possam estas ser aplicadas a interêsse

288 Diferentemente do ocorria no ensino primário, no secundário a maioria dos professores era do sexo masculino. 289 CHAVES, Lauro. Comentários à margem de um artigo. Amapá. N. 401, de 22/11/1952, p. 3. 290 Ironicamente, Benevides afirma que, Álvaro da Cunha, ―o mestre ilustre êmulo de Pestalozzi abre novos rumos para a pedagogia em nossa pátria. Já não podemos, pois, afirmar com os derrotistas que tudo nestes Brasis está perdido, pelo menos no terreno educacional. Temos, na latitude zero, um sublime pedagogo, que está disposto a gastar, entre nós, a sua pedagogia como um meteoro gasta o seu clarão‖ (BENEVIDES, José. Gratidão a um ―pedagogo‖. Amapá. N. 401, de 22/11/1952, p. 3). 291 CUNHA, Álvaro da. A educação no Brasil e o problema territorial. Op. Cit. P. 3

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do nosso Território‖. O artigo do professor Café seguiu uma linha argumentativa diferente

daquela dos demais professores (que objetivavam a desmoralização do literato que ousou

imiscuir-se nos temas educacionais). Café argumentou que o professor do ensino secundário

era capaz de produzir um conhecimento mais elaborado e válido do que aquele do senso

comum: ―ao professor cabe ministrar aulas, transmitir conhecimentos, porque é e é o técnico que tem o poder

de penetrar em todos os assuntos, para robustecer a sua cultura e aumentar o estoque dos seus conhecimentos‖, e

mais adiante, ―o mestre que fala da cátedra e que reúne uma soma de conhecimentos acima do mundo leigo

que o cerca, não pode ser levado a um estudo comparativo com esse mesmo mundo, posto que, esse mundo não

lhe pode ser equivalente, nem em cultura especializada e muito menos em soma de conhecimentos gerais‖.292

Como bem notou o polêmico poeta, Gabriel de Almeida Café ―tomou a defesa do professor

secundário‖ e elevou-lhe a moral a ponto de fazer parecer absurda a proposta de transformá-lo

em aluno num curso sobre questões sublunares e locais: ―um plano que objetive transformar o

professor num ouvinte de explanações sôbre as quais ele possue superiores conhecimentos, será o mesmo que se

proclamar ter sido Nero tão bom poeta quanto Vergílio e Calígula tão bom administrador quanto Otávio‖.293

Dois aspectos desta polêmica nos parecem mais proeminentes. Primeiramente, a

existência no Amapá de um grupo de especialistas do campo educacional (os professores do

ensino secundário) que se autoproclamavam os únicos sujeitos autorizados a opinar sobre

questões relativas ao ensino. Disto decorre a constatação de que havia grupos concorrentes no

interior do campo intelectual amapaense (fruto da especialização do trabalho intelectual). Ao

reclamar sua autonomia, os educadores locais demarcavam um espaço próprio de atuação e de

exercício de autoridade vedado aos outros.294 O sentimento de pertencimento a este espaço

social era reforçado pelo convívio durante o exercício da profissão (na escola) e de outras

atividades — na produção de programas de rádio, na Associação dos Professores do Amapá

(criada em fevereiro de 1952)295 e na imprensa escrita.

Um segundo aspecto revelado pela polêmica ocorrida em novembro de 1952 é a

aceitação tácita da crítica de Álvaro da Cunha, que, fundamentalmente, denunciava a distância

292 CAFÉ, Gabriel de Almeida. O valor exponencial do professor secundário. Amapá. N. 401, de 22/11/1952, p. 3. 293 Ibidem, p. 3. 294 Sobre o trabalho de delimitação do campo afirmou Pierre Bourdieu: ―a fim de encontrar as razões capazes de explicar esta espécie de harmonia preestabelecida entre as posições oferecidas pelo campo e os que assumiram tais posições, não é preciso invocar o trabalho da consciência ou a iluminação da intuição comumente designada pelo termo de ‗vocação‘, mera transfiguração ideológica da relação que se estabelece objetivamente entre uma categoria de agentes e um estado da demanda objetiva, ou melhor, do mercado do trabalho, e que se caracteriza através de uma carreira por intermédio do sistema de disposições produzidas pela interiorização de um tipo determinado de oportunidades objetivas‖ (BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Op. Cit. P. 201). 295 Os professores do Território fundaram a sua Associação. Amapá. N. 362, de 23/02/52, p. 2.

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entre o que era ensinado na escola e os desafios cotidianamente enfrentados pelos alunos.296

Aliás, mais do uma aceitação, ocorreu uma tentativa de justificar esta distância. O professor

Café enfatizou que ensinava um conhecimento muito mais elaborado e superior do que aquele

adquirido pelos alunos através da percepção direta ou do envolvimento sensório-afetivo. Não

era o professor que deveria se curvar às lições do senso comum. O aluno sim deveria, pelo

esforço ou ascese, alcançar este alto conhecimento acadêmico. Desta forma, se conservava e

se consagrava um tipo de ensino secundário indiferente à realidade local. Um ensino cujos

conhecimentos abstratos figuravam como um dos símbolos de sua superioridade. Nos anos

50, cursar os estudos secundários (sobretudo o colegial) era, ainda, um privilégio de poucos.

Ou seja, o curso secundário ainda não era um direito de todos e sua lógica, neste momento,

era a da meritocracia.297

A partir de 1930, ocorreu um processo de democratização do ensino — sobretudo do

nível primário. O executivo federal enxergava nisto um poderoso mecanismo de aceleração da

modernização econômica em curso e de redução das desigualdades sociais. Malgrado estas

intenções, o modelo de ensino que se expandia era pouco flexível e sensível às diferenças

sociais e regionais dos alunos, como observamos no capítulo anterior. Disto decorriam altos

índices de evasão e de reprovação que sabotavam por dentro o projeto de redução das

diferenças sócio-culturais. No plano da mudança dos modos de vida estranhos à modernidade,

isto significava o fracasso do Estado em sua maior ambição: a formação de um homem novo

que, com sua prosperidade pessoal, concorreria para a integração das economias locais e

regionais, num mercado comum nacional. No plano das diferenças de classe, a seletividade

escolar significava a reprodução das desigualdades sociais. Como observou Celso Beisiegel, a

partir de 1930, desenvolveu-se uma tendência de democratização do ensino que empurrava as

barreiras seletivas, pouco a pouco, para os degraus mais altos da pirâmide escolar.298 Ainda

segundo Beisiegel, nos anos 40 e 50, os alunos brasileiros encontravam sua maior barreira na

passagem do ensino primário para o secundário.299

296 Álvaro da Cunha, avaliando os artigos de seus antagonistas, ressaltou: ―as deficiências que eu apontava como existem na educação brasileira não foram negadas. De sorte que a questão permanece de pé‖ (CUNHA, Álvaro da. Op. Cit. P. 3). Cunha, contudo, não via no modo de vida local um valor em si, mas algo que deveria ser conhecido para então ser transformado ou modernizado. 297 Como já afirmamos, a Constituição de 1946 estendia a gratuidade de ensino apenas ao nível primário. Para atingir o secundário, o estudante deveria superar a alta seletividade do ensino primário e ser aprovado no exame de admissão. 298 BEISIEGEL, Celso de Rui. Educação e sociedade no Brasil após 1930. In: FAUSTO, Boris (dir.). História geral da civilização brasileira. Tomo 3 (O Brasil Republicano), vol. 4. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1984, p. 389. 299 Ibidem, p. 393.

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A legislação e a estrutura de ensino do pós-30 ajudaram a manter a antiga organização

dualista do sistema educacional brasileiro. Esta organização estabelecia um caminho que

conduzia a maioria a um ingresso prematuro no mercado de trabalho (após o término dos

quatro anos do primário ou dos cursos profissionalizantes). Uma minoria trilhava outro

caminho: o curso secundário e, em seguida, o ensino superior.300 Enquanto o ensino

secundário visava preparar o aluno para os exames vestibulares e facultava o ingresso em

qualquer curso superior; os cursos profissionalizantes visavam à entrada imediata no mundo

do trabalho e possibilitavam apenas o acesso aos cursos superiores que lhes fossem afins.

Neste capítulo, nosso objetivo é analisar com esta organização dualista do ensino foi efetivada

no Território Federal do Amapá, a partir de 1947. Enfocaremos as ações do governo de Janary

Nunes no relativo à instalação do ensino secundário e à ampliação do ensino

profissionalizante. Analisaremos também as ações governamentais que tentaram efetivar no

Amapá os desígnios da Campanha Nacional de Educação de Adultos.

O dualismo do sistema educacional brasileiro tinha suas raízes na forma como o

governo imperial (fase regencial) dividiu as responsabilidades sobre os níveis de ensino. O Ato

Adicional de 1834 deixou os níveis primário e secundário a cargo das províncias. Apenas o

nível superior ficou sob a responsabilidade do poder central. Na segunda metade do século

XIX, poucas províncias conseguiam gerar algum progresso na rede escolar. Este progresso

ocorria, sobretudo, nos centros urbanos que cresciam graças a suas atividades portuárias e a

suas funções administrativas (Rio de Janeiro, Salvador, Recife, São Paulo, Belém, Porto Alegre,

entre outras cidades).301 Na maioria das províncias, o ensino primário minguava e o restrito

ensino secundário era oferecido por escolas particulares ou confessionais (para aqueles que

podiam pagar). A primeira Constituição republicana (de 1891) manteve a descentralização

administrativa do ensino primário (incumbência dos Estados), mas deslocou o secundário para

o controle do governo central. A preocupação dos grupos dirigentes de âmbito federal com os

níveis mais elevados de ensino pode ser explicada pela intenção governamental de formar

―elites condutoras‖ da nação.302

300 O articulista Ranulpho Flexa de Miranda afirmou: ―pequena diferença existe, do ponto de vista econômico, entre os cíclos universitário e fundamental. Este, com efeito, é menos dispendioso, porém, geralmente o estudante plebeu, dada a sua origem, vê surgir, a cada passo, novos tropeços, que o impedem de concluí-lo, obrigando-o, não raro, a optar por uma carreira técnica ou profissional, mais lucrativa, ao invés de enveredar pelas profissões liberais‖ (MIRANDA, Ranulpho Flexa. Possibilidade de educação a toda a juventude. Amapá. N. 106, de 29/03/1947, p. 4). 301 SCHUELER, Alessandra F. Martinez de. Crianças e escolas na passagem do Império para a República. Revista brasileira de história. São Paulo: ANPUH/ Humanitas, vol. 19, n. 37, 1999, p. 61. 302 Como indicamos anteriormente, a apologética do Estado forte (interventor e educador de uma nação imatura ou defeituosa) foi ardorosamente apresentada por Alberto Torres em textos muito celebrados nas décadas de 1930 e 1940. Este escritor afirmava ―que aos intelectuais caberia forjar tanto uma ‗consciência nacional‘ quanto os ‗rumos‘ da política brasileira‖. Torres preconizava a necessidade de se formar uma elite intelectual. Esta teria uma missão de

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No pós-30, a reforma educacional promovida pelo Ministro da Educação e Saúde

Gustavo Capanema contribuiu para a permanência do dualismo educacional brasileiro.303 A

Nova Lei Orgânica do Ensino Secundário (Decreto-lei n. 4.245), de 1942, estabeleceu como

objetivo deste ensino ―formar as individualidades condutoras, pelo que força é desenvolver nos alunos a

capacidade de iniciativa e de decisão e todos os atributos fortes da vontade‖.304 Segundo Simon

Schwartzman et all, os princípios mais gerais da concepção do ministério Capanema

estabeleciam como diretriz que ―a educação deveria corresponder à divisão econômico-social do trabalho‖,

ou seja, teríamos ―uma educação destinada à elite da elite, outra educação para a elite urbana, uma outra

para os jovens que [nas palavras de Capanema] comporiam o grande ‗exército de trabalhadores necessários

à utilização da riqueza potencial da nação‘ e outra ainda para as mulheres‖.305 Queremos destacar aqui

que, além formar cidadãos-trabalhadores (com a expansão do ensino primário e

profissionalizante), o processo de escolarização realizado pelo Estado no pós-30 objetivava

gerar ―elites condutoras‖.306 Ambos — trabalhadores e elites — deveriam ser ligados por uma

solidariedade orgânica animada pelo espírito de nacionalidade.

O curso ginasial, segundo a Nova Lei Orgânica do Ensino Secundário, deveria ser

composto por três áreas disciplinares: Língua (Português, Latim, Francês, Inglês); Ciências

(Matemática, Ciências naturais, História geral, História do Brasil, Geografia geral e Geografia

do Brasil); e Artes (Trabalhos manuais, Desenho e Canto orfeônico). O curso colegial (que se

subdividia em clássico e científico) possuía uma grade curricular parecida com a do ginásio:

Línguas (Português, Latim, Grego, Francês, Inglês e Espanhol); Ciências e filosofia

(Matemática, Física, Química, Biologia, História geral, História do Brasil, Geografia geral,

Geografia do Brasil e Filosofia); e Artes (Desenho). O Latim e o Grego eram ministrados

apenas no clássico e o Desenho era ensinado somente no científico.307 No ensino colegial,

apenas na última série eram ensinadas História e Geografia do Brasil. Este modelo de

salvação nacional, que implicava na sua participação direta na política do Estado (ver: BEIRED, José Luís Bendicho. Intelectuais e autoritarismo no Brasil e na Argentina. In: NODARI, Eunice, PEDRO, Joana Maria e IOKOI, Zilda M. Gricoli (orgs.). Anais do XX Simpósio da Associação Nacional de História, realizado em Florianópolis em julho de 1999. São Paulo: Humanitas/ FFLCH/USP:ANPUH, 1999, p. 534). 303 RAMOS, Marise Nogueira. O ensino médio ao longo do século XX: um projeto inacabado. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Op. Cit. P. 230. 304 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Brasil. Nova Lei Orgânica do Ensino Secundário. Rio de Janeiro: Delatre e Filho, 1942, p. 6 (Cpdoc: GC-700). 305 SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria Bousquet e COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Op. Cit. P. 205. 306 Segundo Demerval Saviani: ―na reforma do ensino secundário estabeleceu-se que seu objetivo era a formação das elites condutoras. Ora, daí se infere que o objetivo do ensino técnico seria a formação do povo conduzido. E, de fato, esse dualismo se expressou de forma rígida, pois apenas o ensino secundário dava acesso, mediante vestibular, a todas as carreiras do ensino superior‖ (SAVIANI, Demerval. A política educacional no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Op. Cit. P. 33). 307 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Brasil. Nova Lei Orgânica do Ensino Secundário. Op. Cit. P. 3-5.

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secundário supervalorizava o ensino das letras e das chamadas humanidades. Nele, pouco

tempo sobrava para se discutir a realidade local. O universalismo enciclopédico deste ensino

não poderia deixar de contrastar com as diversidades e complexidades regionais e locais. Isto

ficou demonstrado na polêmica entre Álvaro da Cunha e os professores do Colégio

Amapaense. Os estudantes secundaristas amapaenses compartilhavam da opinião do poeta

autodidata. Durante o I Congresso de Estudantes Secundários da Amazônia, ocorrido em

janeiro de 1953 (em Macapá), a ―bancada‖ amapaense apresentou uma proposta de modificação

do programa do secundário nos Estados e Territórios Federais da Amazônia. Segundo o

articulista do jornal Amapá:

no expediente original, de apresentação da proposta, a bancada amapaense autora da mesma, mostra que o curso ginasial é o único que não confere ao diplomando uma especialização técnica, deixando-o assim sem qualquer garantia de trabalho profissional. Mas adiante, realça que sendo o curso secundário, por isso mesmo, apenas o currículo que dá ao estudante a noção dos seus deveres na sociedade torna-se necessário que o mesmo seja adaptado às necessidades da região, e forme elementos capazes de discutir os seus problemas. Conclui, então, propondo que o programa de ensino seja modificado com a abolição de diversas matérias, em lugar das quais seriam ministradas lições acerca da própria Amazônia e dos seus problemas fundamentais, iniciando, assim o estudante, nas profissões mais necessárias à região, como agronomia e veterinária.308

A proposta dos colegiais demonstrava uma clara insatisfação em relação a um currículo

indiferente à realidade local e sem fins práticos. Mas, a mera enunciação de uma proposta

estudantil de alteração curricular era algo revolucionário: rompia (ainda que por um efêmero

momento) a estrutural distinção entre os que sabem e os ignorantes. As aulas do ensino

secundário, muito comumente, obedeciam a um ritual onde o imponente e abstrato saber do

professor não era inteligível para os alunos. Lourenço Filho, em um texto intitulado

―Problemas da educação secundária‖ (de 1954), comentou: ―nossos ginásios, em grande parte

apresentam o velho tipo das aulas de conferências‖. E, em seguida, ele detalhou: ―de 50 em 50 minutos,

um especialista se apresenta no estrado da sala de aulas para monólogo irrepreensível, que nada tem a ver, no

entanto, com a capacidade de assimilação dos alunos, ali, postos à frente, para ouvir o que não entendem...‖309

Lourenço Filho também criticava o caráter meramente humanístico do secundário — o

caráter de propedêutica do ensino superior, cuja destinação seria a formação de uma elite

pensante. Este reformador do sistema educacional brasileiro pretendia que o ensino

secundário correspondesse mais diretamente às exigências da modernização do país e que, ao

308 Modificações radicais no programa de ensino adotado para o vale amazônico: continua repercutindo o I Congresso da Amazônia, realizado em Macapá em 1953. Amapá. N. 502, de 14/01/1954, p. 1-4. 309 LOURENÇO FILHO, M. B. Problemas da educação secundária. Mimeo, 1954, p. 8 (Cpdoc: LF, 01.21).

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concluí-lo, a maioria dos alunos colocasse seu aprendizado à disposição do mercado de

trabalho. Para tanto, propunha que ao aprendizado humanístico se acrescentasse o técnico.310

Portanto, enquanto o ensino primário procurava formar o cidadão-trabalhador, o

secundário priorizava a formação de uma intelligentsia brasileira. O ensino primário amapaense

voltava-se para a transformação do modo de vida local, que era reprovado nas lições sobre a

higiene corporal, a formação da família e as técnicas de criação e cultivo. O ensino secundário

local (como o do restante do país) era abstrato e exaltava o pretenso universalismo dos valores

e dos conceitos clássicos. Ou seja, enquanto o ensino primário era pensado como um

instrumento de transformação dos hábitos da população territorial e de formação de um novo

tipo de trabalhador, o ensino secundário (pressupondo ter um alunado já imbuído dos valores

modernos, bem como aspirante do ensino superior) pretendia preparar homens aptos ao

trabalho intelectual, formadores da consciência nacional e gestores da coisa pública. Deste

modo, a política educacional amapaense concorria para a divisão social entre trabalhadores

manuais e intelectuais.

O ensino secundário foi instalado no Amapá em 1947 (Decreto do governo territorial

n. 49, de 25 de fevereiro), com a criação do então Ginásio Amapaense.311 O curso ginasial foi

colocado em funcionamento sem um prédio específico. Foram utilizadas as salas do Grupo

Escolar Barão do Rio Branco, no turno da noite.312 O Ginásio Amapaense iniciou suas

atividades abrindo duas turmas em regime de externato misto: uma da primeira e outra da

segunda série ginasial (nesta, apenas um aluno, vindo de Belém, se matriculou). Os alunos não

pagavam nada e muitos foram convidados a compor os quadros do serviço público territorial

— que tinha carência de servidores com razoável escolaridade. Dar oportunidade para o aluno

obter um emprego também fazia parte de uma estratégia do governo territorial para assistir

aqueles que, por dificuldades materiais, poderiam abandonar os estudos. Sobre isto, o

jornalista Rosalvo Florentino escreveu:

310 Lourenço Filho afirmou que: ―o que chamamos ‗humanidades‘ é a tradução da velha expressão grega ‗educação liberal‘, isto é, a dos homens livres, dos que não se destinassem ao trabalho, relegado que era, a escravos‖. E completou: ―o que há de dramaticamente belo no mundo de hoje é que concebemos, como ideal, a formação, a um tempo, de trabalhadores e de homens livres [...]. Será preciso criar o produtor, mas, ao mesmo tempo, o homem capaz de manter e salvaguardar os mais elevados valores cívicos e morais‖ (Ibidem, p. 11-12). 311 De acordo com o articulista do jornal Amapá, graças ao esforço do professor Carlos Salignac de Souza, o Ginásio pôde começar suas atividades no dia 27 de março de 1947 (Empolgante noitada educativa. Amapá. N. 106, de 29/03/1947, p. 1). Salignac se tornou o primeiro diretor deste estabelecimento. 312 O Ginásio Amapaense foi posto sob inspeção preliminar (autorização de funcionamento) ainda em 1947. Em 1950, este Ginásio foi equiparado, o que significa que seu diploma passou a ser válido em todo país (Concedida a equiparação ao Ginásio Amapaense. Amapá. N. 283, de 12/08/1950, p. 3). Também em 1950, foi criada uma turma suplementar diurna — das 7:30 às 10:45 h. (Ginásio Amapaense. Amapá [3ª seção]. N. 286, de 13/09/1950, p. 8).

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foi fundado, na Capital do Território, em Macapá, um ginásio e escola normal onde o ensino não é apenas gratúito. O govêrno vai mais longe: ―paga‖ o aluno para estudar! Caso único no Brasil. Como assim? Explicou-nos o sr. José Raymundo Barata, representante daquele Território: ―Existem muitas crianças que desejam estudar, ou continuar os seus estudos após o curso primário, e não possuem recursos para isso, pois precisam trabalhar para ―ajudar‖ em casa, ficando, assim impossibilitados de matricular-se no curso secundário. Êsses estudantes são encaminhados pela administração, para os serviços remunerados, em horário conveniente, sem prejuízo para as aulas, e executam trabalho compatível com a idade dos estudantes, principalmente jardinagem e horticultura, constituindo, as duas atividades, parte mesmo do programa de ensino!‖.

Daí estar sendo a Capital do Território dotada de bonitos jardins públicos, e possuir nos arredores campos de horticultura de propriedade do governo e que servem de abastecimento da população a preços mínimos.313

Esta citação bem evidencia que não eram apenas os alunos mais abastados que

chegavam ao nível secundário. Não devemos imaginar que as classes dirigentes de âmbito

nacional e territorial pensavam na formação de uma elite intelectual exclusivamente oriunda de

famílias ricas.314 Concluindo sua palestra aos professores do Amapá, no 11º Curso de Férias,

Janary Nunes ―fez oportunas e esclarecedoras considerações sobre a formação de líderes cabendo ao professor,

na sua opinião, a missão de estimular vocações de condutores, [...] indivíduos capazes de influenciar,

beneficamente, as coletividades‖.315 Ainda que em número exíguo, os ginásios e colégios públicos (e

os exames de admissão) abriam um certo espaço para a lógica meritocrática: os melhores, os

mais inteligentes e empenhados é que deveriam compor o escol. Mas, não podemos esquecer

que, via de regra, as famílias economicamente privilegiadas dão aos seus filhos mais condições

de sobreviver à seletividade do sistema escolar, pois elas associam aos seus bens materiais o

capital cultural valorizado pela escola.316 Por outro lado, a iniciativa de Janary demonstra que

havia mesmo um esforço governamental no sentido de minimizar a influência (estrutural) de

fatores econômicos no sucesso ou insucesso escolar.

313 FLORENTINO, Rosalvo. Educação e cultura; ensino secundário no Território do Amapá. Amapá. N. 299, de 02/12/1950, p. 2. Sobre o trabalho de jardinagem dos secundaristas, nos disse o senhor Arlindo Oliveira: ―os alunos do Colégio Amapaense, os alunos carentes, orientados por um técnico, ele [Janary] fazia arborizar a cidade. Algumas coisas foram até mal feitas, aquelas árvores ali na frente do Colégio Amapaense, aquilo foi muito mal feito. Se eu fosse o governo ou prefeitura (sei lá), mandava tirar aquelas árvores terríveis — aquela raiz dela quebra a casa. Aquilo foi feito por aluno sem a orientação exata, por que aquilo ali tem que ser muito profundo. E a turma, moleque né, cavava um pouquinho ali e hoje em dia tem um bocado de árvore com raiz acima do buraco. Mas aquilo ali foi criação dele, ele tinha essas idéias. Ele era muito idealista‖ (Entrevista realizada no dia 13 de outubro de 2006). 314 Simon Schwartzman et all, citando palavras do ministro Capanema: ―idealmente, a seleção de pessoas a ser feita pelo curso secundário deveria obedecer a critérios de estrita competência e vocação: ‗Não se trata de embaraçar a ascensão dos alunos pela eliminatória das taxas altas, com o encarecimento do ensino transformando em mais um privilégio odioso, antidemocrático e anti-social dos ricos. Ao contrário, devemos preparar de tal modo o curso secundário que até mesmo os milionários incapazes encontrem nele barreira intransponível, enquanto que os pobres que tenham bom merecimento possam concluí-lo sem dificuldades‘‖ (SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria Bousquet e COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Op. Cit. P. 222). 315 Instalado solenemente o XI Curso de Férias. Amapá. N. 502, de 14/01/1954, p. 4. 316 BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: Escritos de educação. Op. Cit. P. 45.

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Como destacamos no capítulo anterior, as dificuldades impostas pelo meio natural e

social e o choque entre os valores do universo escolar e os da cultura local propiciavam um

baixo índice rendimento escolar no Território do Amapá. A maior parte da população

territorial não dispunha de mecanismos de geração ou reforço do capital cultural exigido pela

escola. O modo de vida das famílias amapaenses negava (em muitos aspectos) o conjunto de

valores que justificava a existência de uma política educacional modernizadora. Disto resultava

o fato de que pouquíssimas crianças concluíam o ensino primário, ficando aptas a pleitear o

ingresso no secundário. Em 1952 — ano em que o Ginásio Amapaense foi transformado em

Colégio317 — a Divisão de Educação e Cultura do Território informou que, no ano anterior,

nos dois grupos escolares de Macapá (Barão do Rio Branco e Alexandre Vaz Tavares318), o

índice de aprovados na primeira série foi de 55% sobre a matricula geral, 67% sobre a efetiva.

Nas classes de alfabetização — preparatórias para o ingresso no ensino primário — se atestava

um rendimento ainda mais baixo. Este fenômeno era explicado pelos representantes da

Divisão de Educação da seguinte forma: ―a explicação desse fato está na situação de vida dos nossos

núcleos humanos, faltos de tudo, física, moral e intelectualmente [...]‖.319 Os contrastes existentes entre

escola e realidade local provocavam altos índices de reprovação. Mesmo diante do grande

fracasso escolar, o governo territorial esperava que a escola conseguisse gerar uma outra

mentalidade, com novos valores e práticas.320

Logo no início do primário, a grande defasagem entre o número de matriculados e o

de aprovados escolar já se fazia sentir. Nas séries seguintes, ela se mantinha. Ainda tratando do

ano de 1951, o relatório da Divisão de Educação expunha que nos dois grupos escolares da

capital do Amapá: a segunda série primária apresentou o rendimento de 51% sobre a matrícula

[efetiva?] e de 62 % sobre a presença nos exames; a terceira série teve o índice de aprovação

de 52% sobre a matrícula e de 52% sobre a presença nos exames; e na quarta série

percentagens de aproveitamento foram, respectivamente, sobre a matrícula geral, efetiva e

presença nos exames: 52%, 66% e 72%. O rendimento geral de 1951 (resultado do cômputo

317 Concedida a licença para funcionar o Colégio Amapaense. Amapá. N. 364, de 08/03/52, p. 1. 318 O Grupo Escolar Alexandre Vaz Tavares foi inaugurado em fevereiro de 1950, no bairro do Trem, com o objetivo de atender à crescente demanda desta área de expansão de Macapá. Como índices desta expansão, podemos apresentar, além da criação deste Grupo: a criação da paróquia de Nossa Senhora da Conceição; o lançamento da pedra fundamental da igreja homônima, em maio de 1950; e a instalação da Escola Doméstica, em 1951. 319 O ensino primário fundamental comum no Território do Amapá (Do relatório da Divisão de Educação — exercício de 1951). Amapá. N. 382, de 12/07/52, p. 3. 320 Segundo os responsáveis pela Divisão de Educação em 1953: ―as escolas territoriais não limitam seu trabalho em instruir simplesmente mas, como verdadeiras agências de civilização que são, penetram os lares, modificam os costumes, combatem as abusões, transformam a face social local, imprimindo novos hábitos de higiene, de trabalho, de saneamento, etc., quebrando a apatia geral e cooperando para o aparecimento da ambição, do desejo de melhora e concorrendo para que as povoações ressurjam social e economicamente valorizadas‖ (Divisão de Educação. Amapá [2ª caderno]. N. 468, de 13/09/1953, p. 1).

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de aprovações de todas as séries) dos grupos escolares do Território do Amapá — situados

nas sedes municipais — também eram baixos: ―Entre os Grupos Escolares o aproveitamento assim se

apresenta: Barão do Rio Branco, 55%; Alexandre Vaz Tavares, 45%; Grupo Escolar de Mazagão, 35%;

Grupo Escolar de Oiapoque, 78%; Grupo Escolar de Amapá, 66%; Grupo Escolar de Calçoene, 50%;

Base Aérea, 58%‖. Neste mesmo ano, a maioria das escolas interioranas apresentava índices

muito baixos de aprovação:

por terem tido aproveitamento inferior a 30%, solicitamos a dispensa das regentes das seguintes escolas: Ambé, 9%; Porto do Céu, 20 %; Itaubal, 5%; Rio Macacoari, 20%; Igarapé Grande, 23%; Abacate, 18%; Alto Piririm, 16%; Colônia do Matapi, 18%; Bonito, 6%; São Tomé, 9%; Lourenço, 25%; Água Doce, 20%; Bela Vista, 25%; Lago Novo, 16%; Pracuúba, 17%; Duas Bocas, 14%; Cachoeira Grande, 29%; Matapi, 30%; Foz do Mazagão, 24%; Aruans, 30%; Dulce Carmo Tavares, 30%; Igarapé do Lago do Maracá, 21%; Lago do Ajuruxi, 25%; Vila Velha, 10%; Taperebá, 28%.

Entre as escolas, sobressaem as seguintes, com aproveitamento acima de 50%. Santana, 75%; Curiau, 56%; Franquinho, 97%; Maria Iraci, 77%; Buritizal, 66%;

Fazendinha 1, 81%; São Luiz do Araguari, 52%; Rio Gurijuba, 73%; Boca do Macoari,68%; Maruanum, 91%; Lagôa, 100%; Terra Grande 61%; Fazendinha II, 61%; Rio Pacuí, 89%; Orfanato São José, 96%; Escola Doméstica, 91%; São Miguel do Flexal, 86%; Tucuman, 60%; Cunani, 78%; Tucunaré, 51%; Sucurijú, 70%; Vila de Cunani, 56%; Queimadas, 67%; Redenção, 54%; Amapá Grande, 99%; Raza, 65%; Espírito Santo, 53%; Cruzeiro, 92%; Limão, 53%; Maracá, 55%; Camaipi, 62%; Foz do Jarí, 61%; Areião, 63%; Ponta dos Índios, 57%; Clevelândia, 56%.

As demais escolas, a seguir, em número de 22, tiveram o seu aproveitamento acima de 30% e abaixo de 50%.

Igarapé do Lago, 38%; Carombert Pereira da Costa, 50%; Campina Grande, 33%; Porto Grande, 47%; São Miguel do Araguari, 49%; Matapi, 38%; Bois, 48%; Lagoa dos Índios, 50%; Serra do Navio, 50%; Livramento do Pacuí, 38%; Foz do Rio Pedreira, 43%; Aporema, 34%; Livramento, 42%; Terra Firme, 42%; Minerva, 41%; Mazagão Velho, 37; Rio Preto, 46%; Central do Maracá, 47%; Paga Dívidas, 42%; Foz do Cajari, 45%; Maracá Mirim, 39%; Mulato, 36%.321

Os docentes foram responsabilizados pelo insucesso dos alunos reprovados e, por

isso, às escolas com mais baixos rendimentos exigia-se a dispensa do regente. Apenas 26

escolas amapaenses atingiram índices de aprovação igual ou superior a 60% do alunado em

1951. Como afirmamos anteriormente, os fatores do grande número de fracassos escolares

residiam, sobretudo, nas diversas incongruências entre o regime escolar e o modo de vida das

populações amapaenses.322 Na perspectiva do governo, os amapaenses aos poucos iriam

reconhecer a superioridade dos ideais modernizadores que lhes eram apresentados.

Gradualmente, as escolas também apresentariam melhores resultados. Mas, ano a ano, os

321 O ensino primário fundamental comum no Território do Amapá (Do relatório da Divisão de Educação — exercício de 1951) [continuação]. Amapá. N. 384, de 25/07/52, p. 2. 322 Como podemos ver no quadro apresentado no Anexo n. 4, os índices de reprovação eram altos em todos os Territórios Federais.

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índices de evasão e reprovação se mantinham altos, comprometendo a suposta eficácia

modernizadora da escola. Poucos conseguiam concluir o primário. O ensino secundário, único

caminho de amplo acesso aos vários cursos do ensino superior323, permaneceria fora do

horizonte de futuro da grande maioria das crianças e jovens amapaenses, durante todo o

período aqui analisado.

Portanto, a reduzida busca por vagas do ensino médio (que incluía os ensinos

secundário e técnico-profissionalizante) era provocada principalmente pelos baixos índices de

aproveitamento do ensino primário. Apesar disto, a oferta era tão pequena que não conseguia

absorver todos os que a procuravam. De acordo com o relatório de 1953, da Divisão de

Educação: ―apesar da pouca matricula nas séries finais do currículo primário esses estabelecimentos de ensino

[médio] estão em pleno funcionamento, mas temerosos de um ‗rush‘ na matricula do que um ‗déficit‘‖.324 Os

poucos concluintes do primário poderiam optar entre fazer o exame de admissão no Colégio

Amapaense ou o das escolas de ensino especializado (o candidato não poderia se inscrever

concomitantemente nos dois tipos de exame). O ensino técnico-profissionalizante amapaense,

assim como o secundário, ganhou maior desenvolvimento a partir de 1947. O plano traçado

pela Divisão de Educação do Território, em 1944, previa a criação de uma escola doméstica

feminina e uma profissional masculina em Macapá, e mais cinco escolas profissionalizantes

(com internato) nos demais municípios.325

Conforme afirmamos no primeiro capítulo, ainda em 1944, foi criada uma Escola de

Prendas Domésticas em Macapá, cujo objetivo imediato era fazer cozer uniformes para os

estudantes amapaenses. Em agosto de 1951, foi instalada a Escola Doméstica de Macapá, no

bairro do Trem.326 Esta escola não possuía o status de estabelecimento de ensino médio

(apenas em 1964 torna-se Ginásio Feminino). Por outro lado, não podemos considerá-la

meramente um local de ensinos primário e profissionalizante. Desde a sua instalação, a Escola

Doméstica de Macapá foi dirigida pelas freiras da Ordem das Irmãs da Caridade das Santas

Capitânea e Gerosa, de Milão — Ordem que também era conhecida pelo nome de Irmãs de

Nossa Senhora Menina.327 O jornal Amapá, no número especial de comemoração dos oito

323 Em 1953, foram definidos os cursos superiores nos quais os alunos formados no ensino técnico industrial poderiam se candidatar. A equivalência entre ensino técnico e secundário foi estabelecida pela Lei n. 4025/61 — o que significou maior homogeneidade no sistema de ensino brasileiro (RAMOS, Marise Nogueira. Op. Cit. P. 232-233). 324 Divisão de Educação [2ª caderno]. Amapá. N. 468, de 13/09/1953, p. 1. 325 A Educação no Território. Amapá. N. 131, de 13/09/1947, p. 4. 326 Havia, também, uma escola de prendas no município de Mazagão. 327 Estas irmãs (Celina Guterini, Santina Rioli, Elvira Buyatti, Francisca Viola, Maria Rosa Agostini e Balestina Gretti) foram convidadas a trabalhar no Amapá pelo (então) padre Aristides Piróvano (superior local do Pontifício Instituto das Missões Estrangeiras — PIME), em 1950 (NEGRI, Teodoro. Dom Aristides: uma aventura humana e missionária. São Paulo: Mundo e Missão, s/d, p. 35).

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anos de instalação do governo territorial, trouxe um artigo cujo título evidencia o objetivo

deste educandário: ―Escola Doméstica de Macapá: aprimorando a mulher amapaense para a

nobre direção do lar‖. Definindo o espaço doméstico como aquele onde a mulher deveria

(saber) atuar, o governo, através desta instituição, fortalecia uma divisão sexual do trabalho.

Para tanto, as alunas aprendiam: corte-costura, tricô, bordados, crochês e culinária.328 A Escola

Doméstica atendia alunas em regime de internato (sobretudo ―órfãos desamparadas‖ do interior

do Território) e de externato (―quantas senhoras e senhoritas que desejam aprender um curso

doméstico‖).329 O caráter assistencial desta escola fica evidente no acolhimento de meninas órfãs

e pobres. Neste atinente, podemos identificar a relação direta deste educandário com a

tradição da filantropia confessional.330

A Escola Doméstica era percebida como uma ―trincheira moral e espiritual‖331 no combate

em prol de um ideal de família no qual o marido trabalharia fora de casa e seria o ―chefe‖, a mãe

cuidaria do lar e dos filhos e estes permaneceriam na escola se preparando para o trabalho

futuro.332 Na Escola Doméstica, as alunas eram preparadas para serem ―exímias donas de casa,

conhecendo todos os segredos que fazem do lar a pedra de toque da organização da família e da sociedade‖.333 A

união de esforços do governo janarista e da Igreja pelo bom funcionamento desta instituição

derivava, entre outros fatores, do ideal comum de moral familiar. Além disto, na década de

1950, apesar do espaço crescente que as mulheres brasileiras ocupavam no mercado de

trabalho, de modo geral, a sociedade brasileira era regida por concepções androcêntricas e

patriarcais. Não obstante, mesmo sendo exercidos fora do universo doméstico, alguns tipos de

trabalho não estigmatizavam tanto as mulheres, pois não se chocavam totalmente com estas

concepções. Era o caso do trabalho como professora do ensino primário.334

328 Escola Doméstica de Macapá: aprimorando a mulher amapaense para a nobre direção do lar. Amapá [2ª seção]. N. 358, de 25/01/1952, p. 4. 329 Idem, p. 4. 330 MARCÍLIO, Maria Luiza. História social da criança abandonada. São Paulo: Hucitec, 1998, p. 134-223. 331 O lar é o alicerce da família: a Escola Doméstica de Macapá cumpre e amplia suas nobres finalidades. Amapá. N. 391, de 13/09/1952, p. 4.. 332 PEREIRA, André Ricardo. A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração. Revista brasileira de história. São Paulo: ANPUH/ Humanitas, vol. 19, 38, 1999, p. 108. A Nova Lei Orgânica do Ensino Secundário (de 1942) afirmava: ‗é recomendável que a educação secundária das mulheres se faça em estabelecimentos de ensino de exclusiva freqüência feminina[...]; a orientação metodológica dos programas terá em mira a natureza da personalidade feminina e bem assim a missão da mulher dentro do lar‖ (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Brasil. Nova Lei Orgânica do Ensino Secundário. Op. Cit. P. 7). O trabalho feminino (cada vez mais absorvido pela indústria do Sudeste) era condenado e apontado como um dos principais fatores da presença de crianças nas ruas. Na Amazônia, a mulher desempenhava tarefas importantes tanto na pequena agricultura quanto no extrativismo. 333 Escola Doméstica [seção ―Bazar‖]. Amapá. N. 435, de 26/04/1953, p. 2. 334 A este respeito, a senhora Eulice de Souza Smith nos falou: ―de um modo geral, a mulher começou a trabalhar, mais ou menos, naquele tempo [meados do século XX]. Não se via muito mesmo. Só gente que trabalhava em colégio: faziam o curso e queriam trabalhar. Era o meu caso. Mas, não se via muita mulher trabalhando. O homem é muito egoísta, queria tudo só pra ele‖ (Entrevista. Op. Cit.).

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Durante o governo de Janary, a maioria dos alunos do Curso Normal Regional335 de

Macapá (instalado em 1949) era do sexo feminino. Com a suposta vocação para ser mãe e

educadora, a mulher poderia, sem muito desprestígio, assumir o papel de professora primária.

A criação do Curso Normal Regional de Macapá fazia parte do programa nacional de

expansão do ensino primário, instituído com a regulamentação do Fundo Nacional do Ensino

Primário. Desse Fundo, 70% deveria ser destinado a construções de escolas primárias nas

zonas rurais e de escolas normais regionais.336 No entanto, como o Ginásio Amapaense, o

Curso Normal Regional iniciou suas atividades sem prédio próprio.337 Provisoriamente, foi

instalado no prédio da Escola Industrial de Macapá. Seu objetivo era promover ―a formação de

regentes de ensino primário para atender as necessidades, ora com a substituição do professorado leigo por

elementos legalmente habilitados, ora dando às novas escolas êsses mesmos elementos, já adaptados ao meio e às

necessidades e condições de vida do Território‖.338 Muitos professores leigos atuantes nas escolas do

Território do Amapá ficaram impedidos de ingressar no Curso Normal Regional por que

excediam a idade máxima permitida pela Lei Orgânica do Ensino Normal: 25 anos. Já durante

o Curso, os alunos faziam estágios nas escolas da capital territorial e, no último ano,

começavam a receber pagamento pelas aulas dadas.339

Como a formação de novos professores era um elemento fundamental para a

realização do projeto governamental de modernização da sociedade amapaense, houve uma

grande expectativa em torno da criação deste Curso. Esperava-se que o professor não apenas

fosse um bom profissional, mas também fosse um cidadão exemplar. Na visão da classe

dirigente territorial, o professor deveria ―manter muito alto seu hábito e costumes de vida; um pouco

mais alto, talvez, daquele em que se mantém os seus vizinhos‖. E ―se os membros da coletividade não têm

ambições de chegar a ser alguma coisa na vida, o professor é chamado a ensiná-los a ter e a provocá-las, e, de

certa forma, obrigado a ajudá-los a alcançar os propósitos que formaram de melhorar suas condições de vida e

serem mais úteis à sociedade em que vivem‖.340 As normalistas deveriam apresentar conduta

335 O Curso Normal Regional, segundo a Lei Orgânica do Ensino Normal (de 1946), era o estabelecimento onde se ministraria somente o primeiro ciclo do ensino normal (de duração de quatro anos e correspondente ao ginasial) que formaria o regente (professor interino ou auxiliar do primário). O segundo ciclo seria ministrado na escola normal, teria duração de três anos (correspondente ao colegial) e formaria os professores primários (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Brasil. Lei Orgânica do Ensino Normal. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, (Cpdoc: GC, 511), p. 6). 336 LOURENÇO FILHO, M. B. Preparação de pessoal docente para escolas primárias rurais no Brasil. Op. Cit. P. 7. 337 Em 1952, Lourenço Filho comentou que já em 1951 funcionavam 121 cursos normais regionais no Brasil e destacou que ―a maioria desses cursos regionais ainda não apresenta perfeitas condições de organização e funcionamento‖ (Ibidem, p. 1). 338 Curso Normal Regional. Amapá [2ª seção]. N. 286, de 13/09/1950, p. 3. O autor deste artigo afirma também que ―o período letivo foi iniciado com a matrícula de 62 alunos, dos quais 6 rapazes‖. 339 FLORENTINO, Rosalvo. Educação e cultura; ensino secundário no Território do Amapá. Op. Cit. P. 2. 340 O professor rural na comunidade. Amapá. N. 378, de 14/06/1952, p. 5.

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socialmente irrepreensível e, por isso, sua formação não era meramente conteudista e nem se

restringia ao espaço escolar, conforme ressaltou Eulice de Souza Smith:

a primeira diretora da Escola Normal — professora Predicanda Lopes — tinha as meninas, assim, como se fossem todas filhas dela. Fosse da Escola Normal, ela chegava: ―o que você está fazendo aí?‖. Se era de noite ou era de tarde [a normalista respondia]: ―professora eu estou fazendo isto, isto, isto...‖ [E Predicanda:] ―vá pra casa, não fique na rua‖. Ela tinha um cuidado com as normalistas, que parece que eram todas filhas dela. Ela tinha muito cuidado.341

A jovem deveria se resguardar moral e fisicamente para o casamento. Como observou

José de Souza Martins, ainda hoje, em muitos lugares da Amazônia, o modo de vida está

organizado com base na divisão entre o ―íntimo‖ e o ―comunitário‖. O corpo feminino é o

principal demarcador do espaço íntimo: ―os líquidos femininos que fluem pela vagina, como o sangue

menstrual e o sangue do defloramento, são considerados mágicos em muitas regiões do país, e sua posse ou visão

por estranhos podem trazer benefícios a quem o possui e danos à mulher e, por meio dela, a seus parentes‖.

Também em muitos lugares da Amazônia, a expressão ―fulana não presta mais‖ serve para

designar que a moça não mais pode participar das primícias do ritual de oferenda da

virgindade ao esposo.342 A jovem solteira era objeto da permanente vigilância de pais e irmãos,

cujo objetivo era a manutenção de seu recato e virgindade. Se trabalhasse na agricultura ou em

outras ocupações, o fazia sob o olhar atento dos familiares. Após o casamento, essa vigilância

poderia até se atenuar, pois passava a ser exercida pelo marido, que nem sempre estava

presente.343 Aos olhos da comunidade de vizinhança (também vigilante), a mulher casada

deveria continuar mantendo o recato de antes, para o honrar o casamento e a educação dos

filhos. Assim, podemos deduzir que havia uma certa congruência entre a moral familiar

estandardizada pelos governos territorial e federal e as tradições amazônicas em torno do

corpo feminino. Nesta intersecção entre duas redes geradoras de significados acerca da

341 Eulice de Souza Smith. Entrevista. Op. Cit. 342 MARTINS, José de Souza. Vida privada nas áreas de expansão da sociedade brasileira. Op. Cit. P. 697-701. 343 Consideramos representativas destas concepções as reminiscências pessoais reunidas no livro Mulheres do Benguí (LAMARÃO, Maria Luiza Nobre e MACIEL, Carlos Alberto Batista (orgs.). Mulheres do Benguí: contando histórias de trabalho infantil doméstico. Belém: Gráfica Alves, 2006). São histórias de vidas de senhoras que, em geral, viveram sua infância e juventude nos interiores do Pará e do Maranhão. Suas experiências indicam que o controle exercido pelos pais era, à vezes, mais severo do que o dos maridos (ibidem, p. 110). No caso de Maria Antonia Oliveira (que achava que tinha 61 anos em 2005, quando foi entrevistada), o casamento chegou mesmo a se configurar numa estratégia de ampliação do direito de fazer escolhas, pois ela afirma o seguinte: ―o meu pai foi muito diferente do que é hoje em dia. Quando apareceu um rapaz que quis casar comigo, ele conversava mais com o meu pai do que comigo. Meu namorado chegava em casa, sentava no pátio e conversava com o papai — isso era o namoro! As vezes eu escapolia e ia me encontrar com ele, então conversávamos sobre tudo. Mas com meu pai a conversa era: ‗Se quiser casar é pra casar, se não for, não quero chamego com aquele cara, de jeito nenhum‘. Era assim e eu dizia pra mim mesma: ‗Eu vou me casar meu Deus do céu. Deus me perdoe, mas o pai pega muito no pé da gente. Eu vou ficar todo tempo dentro de casa. Meu Deus!‘ [...]. Depois que eu me casei passei a ter mais liberdade do que eu tinha na casa do meu pai‖ (ibidem, p. 50-51).

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condição feminina (o discurso oficial e as tradições populares), a normalista deveria ser o ―bom

exemplo‖ para as demais, dada a sua função de formadora das gerações futuras.

No projeto educacional janarista, o espaço público era concebido quase que

exclusivamente como um apanágio masculino. Nas diretrizes deste projeto — apresentadas no

Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944 — estava prevista a

construção de internatos femininos e masculinos. Nos internatos femininos as crianças

deveriam aprender trabalhos domésticos e noções de enfermagem. De acordo com aquele

Relatório, nos internatos masculinos, os jovens deveriam aprender ―as profissões essenciais ao

futuro da região, especializando-se como horticultores, carpinteiros, alfaiates, sapateiros, pedreiros e oleiros‖.344

Assim como a preparação das meninas para o trabalho doméstico, a formação dos meninos

para o trabalho fora de casa também fazia parte da tradição do sistema educacional brasileiro,

cujo objetivo era reproduzir e fortalecer um ideal de família.345

No Brasil do início do século XX, a educação que preparava para os diversos ofícios se

inscrevia na tradição de amparo e assistência aos órfãos e ―enjeitados‖ (abandonados). Mas, a

partir dos anos 20, e mais ainda dos anos 30, o ensino industrial passou a priorizar os

objetivos profissionais (em detrimento dos assistenciais), para atender a crescente demanda

industrial de uma produção mais racional. Era necessário preparar trabalhadores capazes de

produzir mais em menos tempo, evitando movimentos inúteis.346 O ensino industrial

amapaense também priorizou os objetivos profissionais. Para ingressar nos cursos deste tipo

de ensino, além de cumprir outras exigências, o aluno deveria ser aprovado no exame de

admissão.

Em 1950, 13 meninos compuseram a primeira turma da Escola Industrial de

Macapá.347 No Amapá de então, não havia grandes indústrias. Esta escola ensinava trabalhos

que não exigiam aprofundados conhecimentos técnicos e que atenderiam às demandas geradas

pela expansão dos serviços públicos (postos de saúde, escolas, etc.). Eram trabalhos de

serralheria, mecânica, marcenaria e o ofício de sapateiro-correeiro. A escola possuía alunos

internos e semi-internos (maioria). Em geral, os internos eram meninos oriundos de fora da

capital (dos demais municípios do Território do Amapá).348 No final do curso, alunos eram

diplomados artífices especializados e alguns de seus trabalhos em couro, madeira e metal eram

344 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 35. 345 SCHUELLER, Alessandra F. Martinez. Op. Cit. P. 69. 346 RIBEIRO, Maria Alice Rosa. O ensino industrial: memória e história. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Op. Cit. P. 217-218. 347 Em 1951, esta escola recebeu 44 alunos e, em 1952, 48 (A educação no Amapá. Amapá. N. 391, de 13/09/1952, p. 1). 348 Dados extraídos da entrevista com Eulice de Souza Smith.

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postos em exposição.349 O aluno da Escola Industrial de Macapá era preparado para dominar

todo o processo de produção. As oficinas da escola possuíam maquinários que imprimiam

maior ritmo e sofisticavam os trabalhos aprendidos. Os artífices formados seriam verdadeiros

mestres de seus ofícios e não apenas operários industriais.

O nome ―operário‖ era utilizado para se referir ao técnico agrícola formado pela Escola

de Iniciação Agrícola do Amapá (município). Neste caso, o significante não exprime bem o

que era concretamente o significado, pois o ―operário agrícola‖ também era preparado para

conduzir todo o processo produtivo. Ademais, este profissional era pensado como um

pequeno produtor autônomo ou membro de cooperativa. A Escola de Iniciação Agrícola foi

criada em 1947, no município de Amapá. Funcionava com regime de internato nas instalações

que haviam pertencido à U. S. Navy (Base Aérea do Amapá) — e que foram cedidas para o

governo territorial, pelo Ministério da Aeronáutica.350 Sem prejuízo para o seu caráter mais

especializado, podemos afirmar que o ensino oferecido nesta escola tinha o mesmo objetivo

daquele ensino rural ministrado durante o primário. Nas palavras do articulista do jornal

Amapá: ―escola que vem, de ano para ano, se integrando nos programas oficiais de Ensino Agrícola, tem por

finalidade principal possibilitar aos filhos dos nossos homens do campo ensinamentos técnicos que alarguem a

sua visão, despertando novas iniciativas e conduzindo-os a solução de um dos maiores problemas da Amazônia,

qual seja o da produção em bases econômicas de culturas associadas‖. E o mesmo jornalista completou:

―é, portanto, uma Escola, essencialmente de trabalho rural, com enxada e com máquinas, a fim de que possam

os seus alunos adquirir uma concepção diferente sobre os plantios, daquela que herdamos do índio e dos nossos

avós‖.351

Transformar os método de cultivos através do ensino das modernas técnicas de

produção era um dos objetivos fundamentais das políticas implementadas na fronteira da

modernização, em meados do século XX. Apto a ser um auxiliar de agrônomo nos postos

agropecuários criados pelo governo, o egresso da Escola de Iniciação Agrícola — de acordo

com os objetivos governamentais — também deveria ser capaz de transformar o sítio de seus

pais numa pequena granja organizada, ou numa fazenda pecuária ou agrícola. Ajudando a criar

uma base agrícola local moderna, ele também estaria ajudando a alavancar a produção regional

e a fomentar a ampliação do mercado interno brasileiro.352 Não obstante seus arrojados

objetivos, a Escola de Iniciação Agrícola do Amapá tinha que enfrentar dificuldades como a

349 Escola Industrial de Macapá. Amapá. N. 625, de 14/04/1955, p. 4. 350 Em 1947, o governo territorial solicitou do governo federal Cr$ 800.000,00 para a construção do prédio definitivo da Escola de Iniciação Agrícola (A Educação no Território. Amapá. N. 131, de 13/09/1947, p. 4). 351 A verdadeira finalidade da Escola de Iniciação Agrícola do Amapá. Amapá. N. 310, de 17/02/1951, p. 6. 352 Neste sentido, afirmou o articulista do jornal Amapá: ―somos muitos para consumir, para comer, mas bem poucos temos sido até agora para plantar‖ (ibidem, p. 6).

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falta de materiais e de professores especializados. Professor de Moto-mecanização nesta

escola, no início da década de 1950, Renato Felgueiras Viana nos disse que ―era uma escola

agrícola que tinha um agrônomo, um veterinário e um técnico agrícola. Maquinário que era bom não tinha.

Tinha um trator desses que tem as duas rodas atrás e duas na frente, juntas‖.

Escola Doméstica de Macapá, Curso Normal Regional, Escola Industrial de Macapá e

Escola de Iniciação Agrícola do Amapá são exemplos do esforço do governo territorial de

formar especialistas em diversos ramos.353 No período que aqui enfocamos (1947-1953), além

destas escolas, foi criada, por iniciativa particular, uma outra instituição de ensino

profissionalizante: a Escola de Comércio do Amapá. Esta escola foi criada em setembro de

1949354, por contadores da Associação Comercial Agrícola e Industrial do Território do

Amapá, e seu objetivo era a formação de técnicos em contabilidade.355 Para o funcionamento

inicial das aulas de Mecanografia e Datilografia, o governo territorial doou 4 máquinas de

escrever para esta escola. Além disto, este estabelecimento recebeu do governo territorial Cr$

12.000,00.356 A Escola de Comércio do Amapá, devido a suas dificuldades financeiras não

possuía um quadro de professores permanentes e efetivos. Os professores desta escola eram

aqueles mesmos que ministravam aulas no ensino médio das escolas públicas de Macapá: José

Barroso Tostes (Português e Geografia), Gabriel de Almeida Café (Matemática, Desenho e

História Economia), Nelson Geraldo Sofiatti (Física e Química), James Lionel Burnett

(Inglês), Lauro Carvalho Chaves (Francês), Paulo Remy Gillet (Contabilidade, Mecanografia e

Datilografia).357

Em 1951, o deputado Coaracy Nunes (irmão de Janary Nunes) conseguiu um auxílio

de Cr$ 100.000,00 na dotação orçamentária da União, para a construção do prédio da Escola

de Comércio. O fato de a ajuda estatal ter sido conditio sine qua non para a sobrevivência da

Escola de Comércio evidencia o quanto era difícil para uma escola particular se manter no

353 Em 1952, foi criado também o Conservatório Amapaense de Música. Não se tratava de uma escola técnico-profissionalizante (stricto senso). O objetivo deste Conservatório era formar ―um bom numero de jovens artistas que possam, no mais breve espaço de tempo possível, oferecer, cada vez mais, ao povo, a educação artística, que redunda, infalivelmente, no alevantamento cultural‖ (Programa de cunho pedagógico e da mais ampla visão social. Amapá. N. 504, de 25/01/1954, p. 2). 354 A primeira diretoria desta escola ficou assim composta: Diretor: Contador Paulo Renoy Gillet; Secretária: Contador Nazaira de Almeida Café; Orientador: Prof. Gabriel de Almeida Café; Tesoureiro: Contador Moisés Zagury. 355 Nesta escola foi criado também um curso anexo Esteno-Mecano Datilógrafo. 356 Segundo o relatório apresentado pela Escola de Comércio: ―a Escola como se depreende dêste relatório, vive pela boa vontade do Govêrno do Território, amparo da Associação Comercial e cooperação do corpo docente‖ (Em marcha a Escola de Comércio do Amapá. Amapá. N. 318, de 14/04/1951, p. 6). 357 Ibidem, p. 6.

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Amapá, em meados do século XX.358 Não circulava muito dinheiro no Território e

pouquíssimos moradores da capital podiam pagar pela educação dos filhos. Com exceção da

Escola de Iniciação Agrícola do Amapá, as escolas de ensino médio (secundário e

profissionalizante) ficavam em Macapá. Isto reduzia a possibilidade de alunos de outros

municípios avançarem nos estudos após o fim do primário — caso quisessem. Chegando na

capital, estes candidatos ao ensino médio deviam concorrer nos exames de admissão com os

egressos do primário macapaense. Como já afirmamos anteriormente, as vagas oferecidas no

ensino secundário e profissionalizante não eram sequer suficientes para os poucos amapaenses

concluintes do primário. A tabela apresentada abaixo demonstra o número de alunos

matriculados nas escolas de ensino médio, no Território Federal no Amapá, entre 1947 e 1952.

Tabela 1: Número de matrículas nas escolas de ensino médio do Amapá (1947-1952)

Discriminação 1947 1948 1949 1950 1951 1952

Colégio Amapaense 35 68 114 123 140 185

Curso Normal Regional 29 72 106 140

Escola de Iniciação Agrícola 172 158 136 134

Escola Industrial 13 44 48

Escola de Comércio do Amapá 18 30 53

Total 35 68 315 384 456 560

Fonte: jornal Amapá (N. 391, de 13/09/1952, p. 1; e n. 391, de 13/09/1952/ p. 4).

Nesta tabela podemos observar a insuficiência do número de vagas no ensino médio

amapaense (no período estudado). Mas, podemos observar também o crescimento deste

mesmo número. A criação de escolas públicas de ensino secundário e profissionalizante e a

ajuda financeira que o governo territorial deu à Escola de Comércio do Amapá indicam a

decisão governamental de diversificar e ampliar ao máximo o ensino médio amapaense. A

ampliação do acesso ao ensino médio fazia parte de uma estratégia do governo federal e

358 Segundo relatório escolar divulgado no jornal Amapá: ―os primeiros dias de vida da Escola Técnica do Comércio do Amapá, foram incertos e até certo ponto, se constituíram em movimento sôbre a areia movediça. Havia, entretanto, o ceticismo de uns contra o ceticismo de outros. Era o início de uma jornada sem armas agudas para rasgar o véu da adversidade e os empecilhos do caminhar futuro [...]. Esses fatores internos foram representados pela falta de uma receita relativa, a condição de alguns acharem prematura a existência de um estabelecimento nos molde da Escola Técnica do Comércio do Amapá, e o desejo de outros de uma remuneração justa, é bem certo, porém que levaria o estabelecimento a falência e seus idealizadores ao ostracismo [...].Veio então o esteio que equilibrou a vida da Escola, o amparo amigo do Governo e o esforço louvável do Deputado Coaracy Nunes. O primeiro concorreu com o material didático e um auxílio anual de Cr$ 25.000,00 O segundo, por intermédio de uma ação na organização do orçamento da República, fez consignar uma verba inicial de Cr$ 100.000.00 ao exercício de 1951, para aumentá-la em 1952 para Cr$ 150.000.00, e no vindouro exercício de 1953 esse auxílio será de 250.000.00, conforme proposta feita‖ (A Escola Técnica de Comércio do Amapá: Suas crescentes atividades — Um curso anexo — Escritório modelo e gabinete de física. Amapá. N. 391, de 13/09/1952/ p. 4).

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territorial para criar uma divisão social do trabalho, ou uma crescente especialização na esfera

da produção econômica. Uma vez mais, enfatizamos que não era intenção desta política

educacional reforçar as desigualdades sociais através da criação de escolas para ricos e de

(outras) escolas para pobres. Esta distinção (social dentro do sistema escolar brasileiro) acabou

ocorrendo como um efeito perverso das diferenças sociais preexistentes. A educação, tal como

era efetivada, (diferentemente do que pensavam os mais otimistas) não poderia ficar incólume

e nem mesmo reverter plenamente as diferenças sociais e culturais existentes no Brasil e no

Amapá. Diversas medidas foram tomadas pelos poderes públicos para minimizar o fracasso

escolar que atingia, sobremodo, o ensino primário. Contudo, em geral, estas medidas tinham

somente caráter paliativo.

Desde o ensino primário, os alunos deveriam ser orientados para a escolha de uma

profissão, através da qual concorreriam para a prosperidade de sua família e de sua nação. Esta

orientação estava baseada nas idéias de talento, inteligência e vocação. Na perspectiva

governamental, estas variáveis, e não as sócio-econômicas (numa concepção restrita), é que

deveriam nortear o processo de escolarização. Chegar ou não no ensino superior, ingressar no

ensino secundário ou profissionalizante, são questões que deveriam ter como fator

determinante os graus de inteligência e as aptidões individuais. A estrutura do ensino primário

do Distrito Federal (na qual, declaradamente, se baseou a organização do ensino amapaense)

contemplava a educação pré-vocacional, cuja finalidade era orientar os alunos ―na escolha de

ramo de atividade para o qual tenham revelado aptidão especial‖.359 Mas, como observou Bourdieu, o

horizonte de escolhas da criança é diretamente demarcado pelas suas condições objetivas de

existências. Nas palavras deste autor: ―se os membros das classes populares e médias tomam a realidade

por seus desejos, é que, nesse terreno como em outros, as aspirações e as exigências são definidas em sua forma e

conteúdo, pelas condições objetivas, que excluem a possibilidade de desejar o impossível‖.360 Uma vez que a

cultura escolar é muito próxima da cultura erudita, parecerá mais atrativa e promissora às

crianças oriundas da classe dominante e de famílias letradas. Às crianças de famílias

analfabetas, as carreiras que exigiam um grau mais alto de escolaridade parecerão mais

distantes e inacessíveis.

A partir de 1947, concomitantemente à expansão do ensino médio, ocorreu a

implementação da Campanha de Educação de Adultos no Território Federal do Amapá. Esta

Campanha (que foi encerrada em 1963) proporcionou uma rápida ampliação do número de

359 PREFEITURA DO DISTRITO FEDERAL. Brasil. Reorganização do ensino primário. Rio de Janeiro: Diário Oficial de 09 de fevereiro de 1944 — Seção II, p. 5 (Cpdoc: GC — 494). 360 BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: Escritos de educação.Op. Cit. P. 47.

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matrículas na educação de adultos, que até então havia evoluído muito lentamente no Brasil.

Segundos dados do Ministério da Educação e Saúde, no final do Período Imperial, para cada

grupo de mil habitantes, havia 18 alunos matriculados. Em 1907, havia 29. Em 1920, 41. Em

1930, 52. E, em 1940, pouco mais de 70.361 O Recenseamento de 1940 revelou que 55% da

população brasileira acima de 18 anos era analfabeta.362 No início de 1947, para tentar reverter

este panorama, o governo criou, no interior do Departamento Nacional de Educação, o

Serviço de Educação de Adultos. Este Serviço iniciou imediatamente um processo de

ampliação do número de cursos de alfabetização de adultos, contando para isso com a cota-

parte de 25% do Fundo Nacional do Ensino Primário. Iniciou-se, assim, a Campanha de

Educação de Adultos. A tabela abaixo nos possibilita perceber o grande salto nos índices da

educação de adultos em 1947:

Tabela 2: Índices da educação de adultos no Brasil (1944-1947)

Discriminação 1944 1945 1946 1947

Unidades Escolares 1.777 1.810 2.077 11.945

Matrícula geral 130.123 138.546 164.487 609.996

Matrícula efetiva 95.119 101.025 120.165 473.477

Fonte: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Brasil. Histórico da educação de adultos no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento Nacional de Educação, 1949, p. 14-16.

O abrupto crescimento dos números da educação de adultos no Brasil permitiu aos

avaliadores do Ministério da Educação e Saúde afirmarem sem exageros, em 1949, que ―em

dois anos, a Campanha de Educação de Adultos realizou uma obra que, no ritmo anterior do ensino

supletivo, só teria sido feita em dez anos‖.363 O aparecimento desta Campanha estava diretamente

ligado à reorganização dos investimentos públicos no campo educacional, sobretudo a partir

da criação do Fundo Nacional do Ensino Primário. Esta reorganização significou a tentativa

de extensão do serviço de alfabetização a todos os habitantes adultos — em detrimento das

experiências anteriores, que foram regionais, fragmentárias e concentradas nas cidades.

361 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Brasil. Histórico da educação de adultos no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento Nacional de Educação, 1949, p. 9 (Cpdoc: LF — 85f). 362 Ibidem, p. 15. Em fevereiro de 1947, o presidente Dutra enviou um despacho telegráfico ao governador do Amapá com as seguintes palavras: ―os elevados índices de analfabetismo nos grupos de população adolescente e adulta de todo o país, revelado no último recenseamento nacional, traduzem a grave situação que tem de ser firmemente enfrentada, pois sem isso não se obterão condições favoráveis para a organização material e espiritual da vida brasileira, nem será atendido o princípio constitucional de que a Educação é direito de todos‖ (Louvável Campanha de Alfabetização Nacional. Amapá. N. 99, de 08/02/1947, p. 2). 363 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Brasil. Histórico da educação de adultos no Brasil. Op. Cit. P. 17. Grifo do original.

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Segundo Celso de Rui Beisiegel, as mudanças no campo da educação comum, ocorridas a

partir da Revolução de 1930 e, ―particularmente, a inauguração de uma política oficial de extensão dos

serviços educacionais a todos os adolescentes e adultos analfabetos se explicam, por isso mesmo, basicamente, a

partir da emergência das denominadas ‗massas populares urbanas‘ como um dos elementos que passam a

informar a atuação do Estado brasileiro neste período‖.364 Para Beisiegel, as demandas sociais

resultantes da crescente urbanização eram os fatores determinantes da mudança na

organização do ensino dos adultos.

Beisiegel ressalta que, a partir de 1930, ―a diversificação da economia, o impulso que viria a ser

dado pelo Governo Federal à industrialização e à inauguração de uma ‗política de massas‘, nestas

circunstâncias seriam a decorrência não do cumprimento de um programa global preestabelecido mas, sim, da

evolução das respostas possíveis às situações problemáticas que se apresentam‖.365 Já problematizamos este

modelo explicativo anteriormente. Ele se assenta na caracterização do regime político do pós-

30 como um momento marcado por um Estado passivo ou reativo na sua relação com as

mudanças estruturais da sociedade brasileira. Se o governo Vargas não havia elaborado um

programa sistematizado de modernização nacional, não se pode negar a existência de diretrizes

governamentais macroeconômicas, como a de organização de um mercado nacional a partir da

constituição da combinação agro-industrial.366 A função ativa do Estado no processo de

modernização da sociedade brasileira se manifestava de forma mais clara na criação de

políticas para além das áreas onde a vida moderna era mais pulsante.367 A educação de todos

os brasileiros era percebida como um requisito para o desenvolvimento nacional.368 Lourenço

Filho insistiu que a extensão do processo educativo aos adultos era condição necessária para a

modernização do modo de vida das comunidades rurais brasileiras. Assim, ao lado de um

movimento extensivo da educação básica, Lourenço Filho propugnava uma ―ação de sentido mais

profundo, embora limitada a certas áreas, dela mais necessitadas‖.369 Neste atinente é que foram

concebidas as Missões Rurais, que resultariam da coligação de recursos dos Ministérios da

364 BEISIEGEL, Celso de Rui. Estado e educação popular: um estudo sobre a educação de adultos. Brasília: Líber Livro, 2004, p. 79. 365 Ibidem, p. 86. 366 O próprio Celso de Rui Beisiegel admite que ―é certo que as medidas postas em prática pelo governo da União, no período de 1930 a 1945, ainda que dispersas, fragmentárias e instáveis, em conjunto configuram nitidamente uma atuação centralizadora, orientada com vistas à diversificação da economia‖ (Ibidem, p. 87-88). 367 É preciso notar que se preferiu o nome Campanha de Educação a Campanha de Alfabetização. O primeiro nome evidenciaria melhor o mais amplo objetivo da Campanha. 368 O jornal Amapá apresentou, em 1951, o seguinte comentário: ―os dispêndios com essa campanha serão largamente compensados, pelo enriquecimento que a instrução proporciona à alma humana. De fato, o homem que sabe ler, aprende a defender melhor sua saúde, pela prática da higiêne; aumenta sua produtividade, pelos conhecimentos técnicos que adquire; seu sentimento de responsabilidade se acresce, o cumprimento do dever passa a guiar o seu procedimento. E de tudo isso só pode resultar, para a Nação, em seu conjunto, prosperidade e engrandecimento‖ (Campanha de Educação de Adultos. Amapá. N. 336, de 18/08/1951, p. 2). 369 LOURENÇO FILHO, M. B. Apud BEISIEGEL, Celso de Rui. Estado e educação popular. Op. Cit. P. 109.

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Educação e Saúde e da Agricultura e que objetivavam promover o desenvolvimento

socioeconômico de comunidades rurais, por meio de orientações técnicas sobre saúde e

produção.

A idéia de se criar as Missões Rurais surgiu em julho de 1949, durante o Seminário

Inter-Americano de Alfabetização e Educação de Adultos, promovido pela UNESCO. Estas

Missões deveriam ser um novo sistema de assistência às populações rurais brasileiras. Técnicos

dos Ministérios da Educação e Saúde e da Agricultura (veterinários, médicos, assistentes

sociais e professoras de economia doméstica) comporiam a equipe missionária. Filmes,

publicações, alto-falantes foram os principais recursos utilizados. Segundo Mário Vilhena,

técnico do Serviço de Informações Agrícolas (do Ministério da Agricultura), o principal

objetivo das Missões Rurais era ―o de fazer um verdadeiro levantamento das necessidades educacionais,

agrícolas e sanitárias das populações do meio rural, influindo, assim, decisivamente para uma ação mais

fecunda dos Ministérios da Educação e Saúde e da Agricultura em benefício do povo brasileiro‖.370 Este

trabalho era visto como um complemento imprescindível ao sucesso da Campanha de

Educação de Adultos no meio rural, pois daria aprofundamento técnico aos conhecimentos

ensinados de modo introdutório pelo ensino supletivo.371

Como no ensino primário fundamental, não se admitia que o ensino supletivo se

limitasse a fazer o aluno ler e escrever. Juntamente com a boa leitura, o aluno deveria aprender

noções de higiene, trabalho e valores sociais e cívicos.372 Este aspecto, como ressaltou

Beisiegel, é facilmente percebido na análise do material didático utilizado na Campanha de

Educação de Adultos. Cartilhas, jornais, folhetos e textos diversos eram elaborados e

distribuídos pelo Setor de Orientação Pedagógica do Serviço de Educação de Adultos. O

principal material didático era o Primeiro Guia de Leitura (uma espécie de cartilha oficial da

Campanha), que atingiu tiragem de 2.550.000 exemplares, entre 1947 e 1950.373 Este Guia

adotava o método de composição silábica e ia da formação de palavras-chaves até a elaboração

de pequenas frases e textos com lições sobre saúde, trabalho, família, nação.374 Estes temas

370 Verdadeiro levantamento das necessidades das populações rurais. Amapá. N. 263, de 25/03/1950, p. 3. 371 No segundo governo Vargas, as Missões, assim como a Campanha de Educação de Adultos, continuaram sendo efetivadas (ver: Educação das massas rurais. Amapá. N. 327, de 16/06/1951, p. 6). 372 Álvaro Penafiel, diretor do jornal Vanguarda (do Rio de Janeiro) escreveu artigo — transcrito no jornal Amapá — com as seguintes palavras: ―não valeria a pena alfabetizar brasileiros dando-lhes um grau de instrução reduzido, que tanto pode ser útil como perigoso, pois o mau letrado torna-se muito influenciável pelas matérias que lhes dão a ler, das quais a mais acessível é a do jornal, se não cuidássemos, principalmente nós da imprensa, de oferecer leitura adequada ao aperfeiçoamento moral do alfabetizado‖ (PENAFIEL, Álvaro. A Educação de Adultos e a responsabilidade da Imprensa. Amapá. N. 201, de 15/01/1949, p. 4). 373 BEISIEGEL, Celso de Rui. Estado e educação popular. Op. Cit. P. 104. 374 GALVÃO, Ana Maria de Oliveira e SOARES, Leôncio. Uma história da alfabetização de adultos no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Op. Cit. P. 266-267.

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reapareciam no Segundo Guia de Leitura. A fotografia abaixo — extraída de um folheto de

divulgação da Campanha Nacional de Educação de Adolescentes e Adultos Analfabetos

(provavelmente produzido em 1948)375 — apresenta as capas de alguns dos principais

materiais didáticos utilizados na educação dos analfabetos.

Conforme já destacamos, os índices do analfabetismo eram muito altos na década de

1940. E como o próprio Executivo Federal admitia, os recursos disponíveis não eram

suficientes para se atingir as metas estabelecidas. Procurando provocar a adesão de

empresários e voluntários para os propósitos de erradicação do analfabetismo e de mudança

do modo de vida dos populares, o Departamento Nacional de Educação executou uma ampla

campanha publicitária.376 A convocação do voluntariado era veemente: ―Que está esperando?...

Comece já! Esta Campanha não é apenas um empreendimento do Governo: É uma causa do povo e carece da

compreensão de todos‖.377 A imprensa (periódicos e emissoras de rádio) tornou-se, assim, uma

importante aliada na divulgação dos objetivos da Campanha de Educação de Adultos.378 O

375 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Brasil. Campanha de Educação de Adultos (Cpdoc: LF — 89). 376 Um artigo intitulado ―Dados completos sobre a Campanha‖, transcrito do periódico O jornal (de 02/02/1947), afirmava que, tendo em vista os objetivos da Campanha de Educação de Adultos, ―apelar-se-á também para o serviço de voluntariado, de todos quanto se queiram associar ao movimento, ensinando a empregados, vizinhos, ou parentes analfabetos, ou mesmo a grupos maiores‖ (Dados completos sobre a Campanha. Amapá. N. 105, de 22/03/1947, p. 2). 377 Que pode fazer o voluntário na ―Campanha de Educação de Adultos‖? Amapá. N. 116, de 07/06/1947, p. 4. 378 Segundo o articulista do jornal Amapá: ―toda imprensa do país vem colaborando, de forma patriótica, na Campanha de Educação de Adultos. Numerosos jornais e revistas do Território Nacional reservam espaço, em suas colunas, para divulgar

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jornal Amapá apresentou muitos artigos transcritos de outros periódicos com o objetivo de

persuadir seus leitores acerca da importância desta Campanha. Além da colaboração do

empresariado e do voluntariado, os artigos visavam rebater as críticas que surgiam contra a

Campanha e, assim, fortalecer sua aceitação. Foi este o objetivo da professora Ana Uzeda

Luna, ao escrever o artigo ―Salvemos as crianças‖, transcrito no jornal Amapá de 22 de maio

de 1948:

Quando o Governo Federal criou o Ensino supletivo, muitas foram as vozes que se ergueram para criticá-lo, achando desarrazoada a idéia. Não vejo, porém, campanha que mereça mais atenção e interesse e necessite de uma maior colaboração de todos os brasileiros, que a do Ensino Supletivo.

A primeira vista parece até paradoxal criarem-se escolas para adultos ao invés de escolas para crianças.

Eu direi, no entanto, que foi uma medida acertada, e que, se continuada com elevação e patriotismo nenhuma lhe levará palma em vantagens para o soerguimento educacional do Brasil.

Que adianta o professor aconselhar o uso da escova de dentes, se a criança em casa não observa esse hábito? Como inculcar nas boas maneiras se ela em casa é tratada grosseiramente pelos pais inconscientes de sua maldade, pela ignorância que lhe tolhe os passos?

Como pode o Brasil escapar dessa onda de maus princípios pela falta de educação? Muito simplesmente: educando os pais, através do Ensino Supletivo. A experiência nos autoriza a dizer que os filhos de pais alfabetizados, dificilmente ficam

analfabetos, por que todo aquele que recebe conhecimento, mesmo rudimentar, compreende perfeitamente a grande alavanca que possui e aquilata facilmente o quanto de deprimente e humilhante acarreta aquele que tem a infelicidade de confessar ser analfabeto.379

Este e outros artigos são respostas às críticas feitas ao governo, por este investir soma

considerável de recursos na educação de adultos, enquanto o número de vagas para as crianças

nas escolas primárias ainda era insuficiente. Apontava-se então para a necessidade de, através

da educação de adultos, reduzir a distância entre aquilo que o aluno aprendia na escola e o que

vivenciava junto a sua família. Portanto, a Campanha era entendida por seus defensores como

um fator de otimização da educação das crianças. A Campanha de Educação de Adultos pode

ser entendida, assim, como uma ampliação do escopo da política de modernização do modo

de vida dos diversos grupos populacionais brasileiros por meio da escolarização. Para o

comentários e notícias sobre o movimento‖ (A imprensa e a Campanha de Educação de Adultos. Amapá. N. 149, de 17/01/1948). 379 LUNA, Ana Uzeda. Salvemos as crianças. Amapá. N. 167, de 22/05/1948, p. 2. Em um artigo intitulado ―Crítica infundada‖ afirmava-se o seguinte: ―às vezes, ouvem-se críticas à Campanha de Educação de Adultos que vem sendo desenvolvida em todo o país com todo o empenho. Não seria melhor educar as crianças? — pergunta-se. Evidentemente, não se trata de abandonar a instrução das crianças, pois que seria uma insensatez [...]. Realmente, num país como o nosso, de índice de analfabetismo muito elevado, é preciso ensinar a ler aos pais a fim de que êles compreendam seus deveres elementares, entre os quais se coloca o de mandar os filhos à escola [...]. Educando os adultos, estamos, pois, educando as crianças, porque, a par de lhe abrir possibilidades para fugir ao pauperismo em que se arrastam, a instrução, ainda que rudimentar, desperta-lhe o interêsse e o gosto pela alfabetização dos filhos‖ (Crítica infundada. Amapá. N. 220, de 28/05/1949, p. 2).

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governo federal, se pais e filhos tomassem lições similares poderia ocorrer o fim do hiato

existente entre a aprendizagem escolar e os hábitos das comunidades rurais. Reencontramos,

enfim, o otimismo pela educação — talvez mais fortalecido e ambicioso. Este otimismo para

com a educação de adultos — assim como aquele que surgiu, no início da Fase Republicana,

em torno da educação de modo geral — levou a uma visão que inferiorizava aqueles que

deveriam recebê-la.

Desde 1881, quando a Lei Saraiva instituiu a proibição do voto de homens analfabetos,

a imagem inferiorizada dos que não sabiam ler e escrever ganhou força. Até o final do Império

não se havia posto em xeque a capacidade do analfabeto, pois a maioria dos brasileiros não

sabia ler, inclusive os oligarcas rurais. A partir da Lei Saraiva, os analfabetos foram cada vez

mais vistos como crianças incapazes de pensar por si só.380 Segundo Ana Maria Galvão e

Leôncio Soares, durante a Primeira República, o analfabeto continuou a ser visto como

improdutivo, degenerado, viciado, servil e incapaz. Necessitava, ainda segundo estes autores,

da ―ajuda das elites intelectuais‖ e, além da alfabetização, precisava de uma formação moral que o

transformasse em alguém produtivo e livre dos vícios.381

Os divulgadores da Campanha de Educação de Adultos mantiveram este tom

salvacionista.382 Os artigos divulgados no jornal Amapá reforçam a representação do analfabeto

como incapaz e desnorteado. O articulista Pedro Calheiros Bonfim afirmou que o Ministro da

Educação Clemente Mariani foi justo ao caracterizar a Campanha de Educação de Adultos

como uma ―nova abolição‖. Segundo Bonfim, os milhões de analfabetos existentes no Brasil

―não falam, não pedem, não opinam, não sentem‖.383 A dependência e a ignorância do analfabeto

aparecem como grilhões a serem rompidos ou como um nada a ser preenchido. No final dos

anos 50, a Campanha começou a sofrer críticas de alguns de seus participantes engajados. As

críticas mais contundentes partiram de um grupo de professores de Pernambuco, liderado por

Paulo Freire. Este grupo reivindicava uma reorganização dos cursos supletivos, de modo que

estes passassem a ter por base a própria realidade do aluno. A educação deveria ser feita ―com‖

o homem e não ―para‖ o homem. O analfabeto deveria deixar de ser visto como alguém

ignorante e imaturo, para ser percebido como produtor de cultura e de saberes diversos.384

380 GALVÃO, Ana Maria de Oliveira e SOARES, Leôncio. Op. Cit. P. 261-262. 381 Ibidem, p. 264. 382 Mário Pinto Serva, autor de vários artigos sobre a Campanha de Educação de Adultos afirmou que ―a ‗Campanha de Educação dos Adultos‘ representa verdadeiramente o início da nova história nacional, pelos horizontes infindos que abrem a todo o povo brasileiro, até agora mantido em ignorância quase completa‖ (SERVA, Mário Pinto. Campanha de Educação dos Adultos. Amapá. N. 198, de 25/12/1948, p. 4). 383 BONFIM, Pedro Calheiros. Educar é libertar. Amapá. N. 233, de 27/08/1949, p. 5. 384 GALVÃO, Ana Maria de Oliveira e SOARES, Leôncio. Op. Cit. P. 267-268.

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Discorrendo sobre o ensino supletivo amapaense em 1944, Otavio Mendonça afirmou

que ―as crianças precisam apoio [sic] dos pais ou pelo menos dos irmãos e amigos mais velhos para difundirem

a lição educativa que trazem da escola e não se constituírem, ao invés disso, em problemas de desajuste para a

harmonia ignorante de seus lares‖.385 A complementaridade entre educação doméstica e escolar só

ocorreria se os discursos, conhecimentos e valores ensinados nestes dois ambientes fossem

semelhantes. A ―harmonia ignorante‖ dos lares era um dos principais alvos da educação de

adultos promovida pela Divisão de Educação e Cultura do Amapá, desde início de 1944. O

entusiasmo pelos progressos científicos e o raciocínio etnocêntrico dos diretores e técnicos do

governo territorial geravam uma percepção onde a cultura e os conhecimentos produzidos

pelos ribeirinhos, extrativistas e roceiros amapaenses eram completamente menosprezados. A

instalação do ensino supletivo era percebida como parte importante do processo de

transformação do modo de vida das populações amapaenses, engendrado pelo governo.

Em janeiro de 1945, ministrando o ensino supletivo no Território Federal do Amapá

havia: as escolas noturnas dos municípios de Macapá e Amapá; e a escola noturna e diurna em

Clevelândia. A Campanha de Educação de Adultos provocou o crescimento do número de

escolas com o ensino primário supletivo no Amapá.386 Este crescimento também foi

beneficiado pela edificação de novas escolas rurais, financiada pelo Fundo Nacional do Ensino

Primário. Em maio de 1948, o Território Federal do Amapá recebeu Cr$ 48.000,00 de auxílio

federal para a manutenção de classes do ensino supletivo.387 As verbas específicas do ensino

supletivo eram repassadas através dos acordos especiais. Os acordos especiais celebrados em

1947 e 1948, entre o Ministério da Educação e Saúde e as unidades federativas, estabeleceram

que à União cabia — além do planejamento, orientação e controle geral dos serviços — a

prestação de auxílio financeiro e fornecimento de textos para a leitura.388 Em julho de 1947, o

diretor da Divisão de Educação do Amapá, Marcílio Vianna, recebeu um ofício do diretor

geral do Departamento Nacional de Educação, Lourenço Filho, com as seguintes palavras:

―desejo, outrossim, louvar a exatidão, cuidado e critério com que os serviços em relação à Campanha de

Educação de Adultos vem sendo executados, sob a orientação de Vossa Senhoria, o que, por certo, vai

assegurar o completo êxito desse grande movimento no Território do Amapá‖.389

385 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 49. 386 Segundo articulista do jornal Amapá, a instituição desta Campanha alavancou a educação de adultos nas terras amapaenses, pois ―o Território se viu contemplado com 20 déssas classes supletivas, auxiliadas cada uma com uma gratificação pró-labore de Cr$ 300,00 mensais. A iniciativa que o Ministério da Educação empreendeu nêsse sentido, auxiliou bastante o incremento dessa Campanha entre nós, pois tornou possível atender a todos aqueles que no mais longínquo ―hinterland‖, necessitavam de uma educação supletiva‖ (A realidade educacional do Amapá. Amapá [3ª seção]. N. 286, de 13/09/1950, p. 1). 387 Ensino supletivo no Amapá. Amapá. N. 115, de 31/05/1947, p. 1. 388 BEISIEGEL, Celso de Rui. Estado e educação popular. Op. Cit. P. 117-118. 389 Louvores à Campanha do Ensino Supletivo no Amapá. Amapá. N. 124, de 26/07/1947, p. 1.

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No final de 1948, a reportagem do jornal Amapá visitou as (oito) turmas noturnas do

ensino supletivo do Grupo Escolar Barão do Rio Branco e atestou um total de 427 alunos

matriculados (a maioria do sexo masculino: 382). Segundo esta reportagem, aquelas turmas

congregavam ―em sua quase totalidade os adultos e adolescentes das classes proletárias e trabalhadoras‖.390

Havia, neste ano, 40 turmas de ensino supletivo em todo o Território do Amapá, com um

total de 1.008 alunos (841 masculinos e 167 femininos). Este número representa um salto de

quase 100% de matrículas em relação ao ano anterior (que contara com um total de 526

alunos). Este rápido crescimento era fruto da criação de muitas novas turmas nos interiores

amapaenses.391. Em 1949, através da assinatura de um acordo especial, a União fixou o repasse

de Cr$ 116.550,00 para a implementação do ensino supletivo no Amapá.392 No dia 11 de julho

de 1950, outro acordo foi assinado. Neste, o valor cedido pela União era Cr$ 154.000,00. Por

outro lado, o governo territorial se comprometia em manter 55 cursos de educação de adultos

— com uma gratificação pró-labore de Cr$ 350,00 para os professores — durante oito

meses.393 No entanto, esta quantidade de cursos já havia sido superada: no início de 1950

existiam no Território 68 cursos de ensino supletivo (43 em Macapá, 11 em Mazagão, 10 em

Amapá e 4 no Oiapoque).394

Marcílio Vianna, analisando os sete anos de política educacional janarista, afirmou que

a educação para adolescentes e adultos havia sido tão importante quanto aquela dada às

crianças. Afirmou, também, que ―nos primeiros anos os resultados fôram bastante desanimadores‖, mas,

depois, se tornaram uma ―realidade grandiosa‖. E concluiu: ―isso para nós tem um grande significado, o

da quebra do marasmo e o aparecimento da ambição através da necessidade do aprimoramento intelectual para

enfrentar com vantagens a nova época que vivemos‖.395 Marcílio Vianna argumentava que se estava

diante de uma nova realidade local, caracterizada pelo aparecimento da necessidade de educar-

se. A escolarização seria, desde então, uma resposta à demanda da própria sociedade

amapaense, que agora começava a se mover pelo espírito do mundo moderno: a ambição que

vencia o marasmo. É certo que Macapá crescia rapidamente no início dos anos 50 — quando

este diretor da Divisão de Educação emitiu este juízo. É certo que, neste momento, novas

390 O ensino supletivo em Macapá. Amapá. N. 192, de 13/11/1948, p. 3. Muitos adolescentes (pessoas com mais de 12 anos) se inscreviam nestas turmas noturnas por causa dos trabalhos que executavam durante o dia. 391 Panorama educacional do Território. Amapá. N. 235, de 13/09/1949, p. 1. 392 Ibidem, p. 1. 393 A Campanha de Educação de Adultos no Território. Amapá. N. 281, de 29/07/1950, p. 6. 394 Segundo o articulista do jornal Amapá, ―um dos detalhes mais importantes do empenho do governo sobre o problema educacional, é aquele que se relaciona com os condenados pela Justiça Pública. O governo fez funcionar, este ano, um curso na cadeia pública de Macapá [...]. As aulas desse curso foram divididas da seguinte maneira: três dias para os condenados e três para os moradores circunvizinhos. Tanto o professor como a escola foram muito bem acolhidos‖ (6 Grupos escolares e 77 escolas isoladas. Amapá. N. 334, de 04/08/1951, p. 3). 395 A educação no Amapá em sete anos de administração territorial. Amapá. N. 310, de 17/01/1951, p. 1 e 6.

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demandas sociais lentamente iam aparecendo nesta capital — aquelas oriundas de relações

baseadas no letramento (como o comércio e a administração pública). Mas, também é certo

que os fatores da evasão e do fracasso escolar ainda eram muito poderosos. Eram poderosos a

ponto de fazerem as palavras de Vianna parecerem demasiadamente entusiásticas. Vejamos,

neste sentido, a tabela abaixo:

Tabela 3: Números da Campanha de Educação de Adultos no Amapá (1947-1951)

Discriminação 1947 1948 1949 1950 1951

Matrícula geral 782 1.253 1.363 2.141 2.138

Matrícula efetiva 572 883 1.046 1.786 1.326

Freqüência média 395 689 719 793 965

Número de escolas 20 41 52 55 70

Fonte: A educação no Amapá. Amapá. N. 391, de 13/09/1952, p. 1.

Os dados da tabela acima evidenciam que a expansão do número de alunos da

educação de adultos acompanhou o crescimento do número de escolas de ensino supletivo.

Por outro lado, observamos que a freqüência média percentual (em relação à matrícula geral)

manteve-se próxima ou abaixo de 50%. Os fatores desta grande inassiduidade escolar eram os

mesmos encontrados nas turmas do ensino primário fundamental: mobilidade populacional

devido o extrativismo, dificuldades de deslocamento até a escola e vida cotidiana baseada em

conhecimentos e valores estranhos à aprendizagem escolar. Nos anos anteriores à Campanha,

a situação não era discrepante. A escola noturna masculina criada em Macapá no ano de 1944

iniciou com 23 alunos (em abril) e terminou com 5.396 Como podemos observar, não havia

motivo para grandes entusiasmos. A classe dirigente territorial não ponderou suficientemente

sobre os fatores de evasão e fracasso escolar. Reprovou duramente a falta de um maior

interesse da população amapaense pela educação e criou apenas medidas paliativas para tentar

reverter os baixos índices de freqüência e aprovação.

O potencial transformador que se acreditava que a educação tinha soçobrava diante

dos altos índices de evasão e reprovação. Durante o primeiro governo territorial, a significativa

expansão do ensino primário (fundamental e supletivo) tinha por meta a transformação dos

hábitos dos amapaenses. Objetivava a formação do trabalhador comum (no caso das zonas

rurais em geral e da Amazônia, em especial, a formação do trabalhador agrícola). O ensino

médio — destinado à formação de profissionais especializados ou de quadros para a

396 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 49.

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composição da classe dirigente — efetivamente era uma possibilidade para os poucos que

conseguiam se adaptar ao regime escolar, apesar das incongruências entre este e o modo de

vida local. Os membros do governo territorial teimosamente esperavam que o aluno se

ajustasse às exigências escolares. Isto derivava da idéia de que a escola era a materialização da

possibilidade de uma organização social superior, racionalmente regulada e integrada (o

patamar de plena civilização). A percepção da cultura local como algo inferior em relação àquilo

que a educação tinha como meta, engendrava um ensino primário e técnico-profissionalizante

cuja finalidade era a formação de outras práticas e valores, bem como um ensino secundário

indiferente ao conhecimento da realidade cotidiana dos alunos.

Em síntese, o ensino médio se expandiu no Amapá, desde 1947. Como

demonstramos, a cada ano novas vagas eram oferecidas para aqueles que haviam concluído o

ensino primário. Isto era resultado de um esforço sistemático do governo territorial, que para

tanto tinha que enfrentar grandes dificuldades — principalmente a falta de professores

habilitados. Apesar de crescente, o número de vagas abertas sempre ficava muito aquém do

número de aspirantes do ensino médio. Estes tinham que passar pela seleção dos exames de

admissão. Ademais, os moradores dos municípios interioranos tinham seu acesso a estas vagas

dificultado pelo fato de que quase todas as escolas de ensino médio se localizavam em

Macapá. O ensino secundário (ginasial e colegial) — que dava acesso ao nível superior

(inexistente no Amapá) — era ofertado somente no Colégio Amapaense. Com um ensino

devotado à cultura clássica, este Colégio seguia as diretrizes tradicionalmente estabelecidas

para o secundário: oferecer uma formação propedêutica ou preparatória para o ingresso no

ensino superior e contribuir para a formação de uma ―elite pensante‖. Deste modo, se

reproduzia o também tradicional dualismo da educação escolar no Brasil: ensino primário e

técnico-profissionalizante para a formação de uma maioria de cidadãos-trabalhadores e

ensinos secundário e superior para uma minoria destinada à ocupar os cargos de direção na

administração pública ou privada.

De modo geral, tanto o ensino primário quanto o secundário cresceram no período

analisado neste capítulo — entre 1947 e 1953. No ano de 1954, no qual se comemorou dez

anos do governo de Janary Nunes no Amapá, se iniciou um momento de frenagem desta

expansão. Vivia-se no Brasil uma intensa crise política, em meio ao acirramento da recessão

econômica. Esta crise culminou, como sabemos, no suicídio de Vargas. A recessão econômica

fez o governo federal conter gastos, o que, conseqüentemente, levou a uma drástica redução

dos recursos destinados ao Território do Amapá. Isto causou a estagnação do processo de

ampliação da oferta de vagas no ensino amapaense. Por outro lado, o desaparecimento de

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Vargas da cena política gerou uma nova ameaça à permanência de Janary à frente do governo

territorial. A crise terminou apenas em 1956 (obviamente sem a resolução de todos os

impasses políticos), com a posse de Juscelino Kubitschek — que convidou Janary para presidir

a Petrobrás, provocando, assim, seu afastamento do Amapá. No próximo capítulo

analisaremos estes momentos finais do governo janarista no Amapá.

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CAPÍTULO 4

Adeus, senhor governador (1954-1956)

A propósito do modo como intitulamos este capítulo — que analisa o período final do

governo de Janary Nunes (1954-1956) — foi inspirado no título de um livro de Carlos Matus:

Adeus, senhor presidente. Um ensaio seminal para os que se ocupam do estudo da política na

contemporaneidade. Matus critica o ―modelo normativo de planejamento‖, que tem como

pressuposto fundamental o seguinte: ―o ator que planeja [o Estado] está fora ou sobre a realidade

planejada e, conseqüentemente, não coexiste, nesta realidade, com outros atores que também planejam‖.397 Este

tipo de planejamento ignora a existência de forças sociais que também planejam. Neste caso, o

Estado-planejador programa as suas ações segundo a lógica de causa-efeito, própria dos sistemas

naturais.398 Estas assertivas podem nos ajudar a caracterizar o projeto de modernização e

integração que o Estado brasileiro esboçara para a Amazônia a partir de 1930 e que fora

levado a efeito no Amapá por Janary Nunes. Não podemos sugerir que a sociedade amapaense

sistematizara planos antagônicos em relação às diretrizes governamentais, mas (com base no

que apresentamos nos capítulos anteriores) podemos inferir que o modo de vida e as

prioridades de grande parte da população territorial, amiúde, se chocavam com os ideais de

Janary e seus assessores.

A planificação tecnicamente orientada da atuação do Estado era um significativo

progresso dentro da esfera das políticas públicas. Mas, a lógica etnocêntrica (além de

autoritária e tecnicista) reinante impedira o aparecimento de um planejamento mais interativo

e situacional, no qual a sociedade não aparecesse como mero objeto da ação planejada, e sim

como sujeito na definição das metas prioritárias e dos modos de implementação das ações. Na

perspectiva governamental, a população rural amapaense era muito atrasada para ser

contabilizada como elemento ativo na elaboração do planejamento estatal. Quando as

incongruências entre o regime escolar e a cultura local apareceram — gerando crescentes

índices de fracasso escolar — o planejamento governamental manteve seu enrijecimento

dogmático. A sociedade deveria se amoldar ao plano e não o contrário. A força dos ideais

governamentais não distendia diante das adversidades. A chegada do aniversário de uma

década da criação do Território Federal do Amapá — e da posse do governador Janary —

397 MATUS, Carlos. Adeus, senhor presidente: planejamento, antiplanejamento e governo. Recife: Litteris, 1989, p. 51. 398 Ibidem, p. 42-43.

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bem como as expectativas em relação ao início da exploração do manganês amapaense viriam

oxigenar ainda mais estes ideais. O otimismo em torno da modernização do Amapá vivificou-

se.

Em meados da década de 1950, o entusiasmo da classe dirigente amapaense ocorria ao

lado de uma aguda crise política nacional. Objetivamos, neste capítulo, analisar como esta crise

afetou o projeto de expansão do sistema educacional do Amapá. Analisamos, também, o

processo de estabilização política, cujo marco maior foi a posse Juscelino Kubitschek (em

1956). Logo no início de seu mandato, Kubitschek convidou Janary Nunes para presidir a

Petrobrás, ocasionando, assim, o seu afastamento do cargo de governador do Território

Federal do Amapá. Enfim, neste capítulo enfocaremos o período final do governo de Janary

no Amapá (1954-1956), no qual iniciou-se uma fase estacionária da política educacional. Os

pesquisadores que analisaram a crise de 1954 afirmam ser necessário, para entendê-la,

perscrutar as tensões que marcaram todo o segundo governo Vargas. Seguindo neste sentido,

faremos, também, uma pequena digressão ou um retorno a 1951.

Na medida em que ia se aproximando o aniversário de dez anos de instalação do

governo territorial, intensificava-se, na imprensa local, o esforço de compor e difundir uma

narrativa acerca da experiência histórica dos amapaenses. Em fins de 1953, comparando o

período anterior à criação do Território Federal do Amapá com uma ―longa noite caliginosa‖, o

articulista do jornal Amapá afirmou: ―não exageramos nem nos tornamos suspeitos, só classificamos de

heróicas as energias despendidas nestes velozes dez anos de batalha no campo raso do civismo, empenhando, não

armas destrutivas, mas, todo um arsenal de apetrechos recuperadores‖. Em seguida, completou: ―pelas

clareiras abertas na floresta, a golpes de audácia e tenacidade, penetrou a luz espantando as trevas‖.399 Esta

guerra entre as forças das trevas e as forças luzidias era traduzida como o confronto entre:

homem (munido de conhecimentos, técnicas e máquinas) e domínio natural; atraso (ou

―primitivismo indígena‖) e progresso; enfermidade e saúde. Em dez anos — ―um nada na ampulheta

do tempo‖ — e por meio de um árduo trabalho se teria afastado o Amapá daquele quadro em

que ―só existiam destroços sombreado pelo desanimo‖.400

De fato, nos dez primeiros anos de governo territorial muito se construiu, muito se fez

para modernizar a vida dos amapaenses. Isto exigiu um imenso esforço e a efetiva aplicação de

muitos recursos. Todo o trabalho de Janary Nunes e de seus assessores, é forçoso admitir, foi

animado por um impressionante zelo patriótico e por uma entrega ascética e apaixonada — e,

talvez por isso mesmo, politicamente intransigente. Era dentro deste mesmo zelo que se

399 O passado e o presente [Comentário da Semana]. Amapá. N. 485, de 15/11/1953, p. 4. 400 Ibidem, p. 4.

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formulava uma visão inferiorizante do outro (das culturas caboclas), ou seja, uma percepção

etnocêntrica prenhe de uma ordem de valores que se chocava com a prática e com os hábitos

dos amapaenses. Para entendermos a narrativa que a avaliação dos dez primeiros anos do

governo de Janary engendrou, devemos atentar para a figura discursivamente estruturante

(arquétipo) que foi o bandeirantismo. O otimismo nacionalista — inspirado nesta figura mítica

— teria impelido militares, políticos e intelectuais à peleja de levar a seiva da ―civilização‖ dos

centros mais modernos do Brasil para os sertões mais afastados e ―atrasados‖.

Tímida e insuficiente, a ―marcha para o norte‖ teria iniciado já no período colonial,

quando missionários, soldados e mascates partiram da ―civilização litorânea‖ rumo às áreas

remotas da América Portuguesa.401 Percalços e efêmeros surtos de progresso (como na época

de grande exportação da borracha) teriam se seguido. Por fim, teria vindo o definhamento

regional. Para o articulista José Cavalcante, o novo bandeirante deveria ser, principalmente, o

agrônomo, pois urgia ―mudar-se a mentalidade, impedir o êxodo e inverter os papeis promovendo a

imigração, fazer do homem regional não um futuro parasita citadino, materialista e ôco, não o mestiço raquítico

do litoral, de Euclides, mas o sertanejo forte, o intemerato lavrador, cheio de fé, de confiança em Deus‖. E

Cavalcante complementava: ―à nobre classe dos agrônomos, a meu ver, está reservada esta missão

especifica, seja ou não em razão da essencialidade agrícola‖. O agrônomo representa a ciência e a

técnica que deveriam reorientar as práticas de cultivo e criação na Amazônia. Deste modo,

esta região despontaria como produtora de gêneros para o abastecimento do crescente

mercado nacional. Interrompido ou fracassado no passado, este projeto estaria ressurgindo

como um ideal de futuro que a obra modernizadora do governo territorial estaria tornando

cada vez mais palpável.

Ao lado do agrônomo, o professor também seria este novo bandeirante. No início de

1954, Álvaro da Cunha, palestrando aos professores do ensino primário, asseverava que ―a

sociedade pode ser boa ou má, atrasada ou progressista, na medida em que é alto ou baixo o nível de

capacidade dos seus membros‖, e que ―a elevação desse nível só pode ser obtida através da educação‖.

Segundo este poeta, para agir como um eficaz agente de relações públicas do governo, o

professor deveria demonstrar uma ―crença sincera na possibilidade elevar os padrões de vida da

coletividade‖.402 Esta crença era efetivamente comungada por muitos servidores públicos do

território (como um habitus). Era um otimismo que se difundia através de vários meios (festas,

reuniões, imprensa, paradas, obras, etc...) e que compunha o élan da ação governamental do

Amapá. Um otimismo que, como várias vezes já afirmamos, tinha como pressuposto

401 Marcha para o Norte. Amapá. N. 504, de 25/01/1954, p. 5. 402 CUNHA, Álvaro. Professor rural do Território. Amapá. N. 504, de 25/01/1954, p. 5.

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fundamental a visão de que o modo de vida local representava um estágio rudimentar da

história amapaense — uma fase que deveria ser superada o mais rapidamente possível. Morel

Reis (jornalista da cidade de São Paulo), que viera para levantar informações acerca do que a

Indústria, Comércio e Mineração ltda (ICOMI) — em associação com a multinacional

Bethlehem Steel — estava realizando no Amapá para a exploração do manganês, após

conversar com chefes de serviço e funcionários do governo territorial, afirmou que ―todo mundo

é otimista e tem confiança no futuro, um futuro próximo para esta geração mesmo‖ e que ―‗a mística do

Amapá‘ é um fato‖.403 Ao se referir à mística do Amapá, Morel Reis retomava uma das imagens

mais caras ao governador Janary Nunes. Em que consistia, afinal, esta mística? Em 1956,

Janary esclareceu:

a Mística do Amapá é o ideal de tornar o Território uma das regiões mais ricas e felizes do Brasil. Ela não dono, nem autor. Não pertence a um grupo, a uma seita, a um partido. Existe na alma do povo, palpita no coração de todos os que crêem na beleza do seu futuro [...].

A mística do Amapá é eterna. Foi acalantada no passado, quando as esperanças pareciam fadadas a morrer, à mingua de recursos. Assim mesmo, nunca sucumbiu, animando nossos antepassados na marcha para a vitória. Vibra no presente, através da vontade criadora de explorar as matérias primas e de eliminar duma vez os conceitos de insalubridade e de impotência que lhe assacaram injustamente, lançando também os alicerces indestrutíveis do seu progresso. Há de figurar ainda mais no porvir, como o brilho do sol, pela atividade viril das gerações novas, que se preparam adequadamente para transformar o meio, garantir a permanência dos esforços atuais e promover a felicidade geral [...].404

Esta crença ou confiança na exeqüibilidade de um projeto de modernização da

sociedade amapaense já havia sido professada por Janary em 1944: ―firmamos, como premissa

fundamental de nosso trabalho, a crença no futuro do Amapá [...]‖.405 Morel Reis constatou a atmosfera

na qual se comemorava os dez anos de criação do Território e na qual também se

comemoraria uma década de instalação do primeiro governo territorial. Diversos artigos do

jornal Amapá, publicados entre fins de 1953 e início de 1954, deram ênfase à temática da

confiança no progresso do Amapá. Havia, além destas efemérides, uma outra razão para tal

ênfase. Estamos nos referindo ao entusiasmo dos governos federal e territorial em relação aos

preparativos para a exploração das imensas jazidas de manganês existentes em Serra do Navio.

O enorme potencial econômico dessas jazidas fomentou o otimismo governamental.406 Como

403 REIS, Morel. A mística do Amapá vai operar milagres. Amapá. N. 497, de 27/12/1953, p. 4. 404 NUNES, Janary. A mística do Amapá. Amapá. N. 740, de 01/06/1956, p. 1. 405 NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Op. Cit. P. 5. 406 De meados da década de 1950 até 1997, a exploração do manganês do Amapá foi efetivada pela empresa ICOMI. A ICOMI precisou construir uma ampla infra-estrutura para tornar possível a exploração e escoamento do manganês do Amapá. Esta infra-estrutura estava dividida em três seções: a) área de mineração (vila de Serra do Navio e área de extração); b) a ferrovia (que transportava o minério); c) e o porto de Santana, onde terminava a ferrovia e de onde o minério saía em navios para o exterior (DRUMMOND, José Augusto e PEREIRA,

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notou Morel Reis, este exacerbado otimismo contrastava com o que acontecia no restante do

Brasil (um ―país minado pela descrença e pelo pessimismo‖).407

Na passagem de 1953 para 1954, o Brasil estava enfrentando uma grave crise

econômica que gradualmente alimentava a instabilidade política. Instabilidade que Vargas

tentou minorar desde o início do seu segundo governo. Na campanha presidencial de 1950, a

candidatura de Vargas trazia a chancela do PTB e do Partido Social Progressista (PSP). No

resultado eleitoral, ele obteve 48,7% dos votos, seguido por Eduardo Gomes da UDN

(29,7%) e por Cristiano Machado da coligação PSD e Partido Republicano ou PR (24,5%). A

candidatura de Vargas foi vitoriosa em 18 unidades da federação, perdendo somente no Pará,

Maranhão, Ceará, Minas Gerais e nos Territórios do Acre e do Amapá.408 No Território do

Amapá Cristiano Machado obteve maior votação. Nisto contou com apoio de seu

correligionário Janary Nunes. Vendo seu candidato derrotado, Janary tentou obter a

indulgência de Vargas. Para tanto, contou com a ajuda da professora e poetisa Aracy

Mont‘Alverne, que, em mensagem radiofônica, lembrou ao novo presidente que o governador

do Amapá não o apoiara por causa do compromisso partidário. A professora Mont‘Alverne

exaltou a fidelidade política de Janary em relação a Cristiano Machado. Fidelidade que, ainda

segundo Mont‘Alverne, agora este governador queria devotar a Vargas.409 E o governador do

Amapá recebera a indulgência desejada. Isto não causa estranheza, pois, no início do seu

mandato, o novo presidente tentara formar uma ampla e heterogênea base de sustentação

política — solicitando, inclusive, o apoio dos membros da UDN, sua tradicional adversária.

Os movimentos conciliatórios de Vargas na direção da UDN fracassaram e trouxeram-

lhe a desconfiança de sua base aliada (o PTB) e o repúdio do PSD, que temia perder espaço

político. Vargas também não conseguira o apoio da imprensa e nem da maioria dos membros

Mariângela de Araújo Póvoas. O Amapá nos tempos do manganês: um estudo sobre o desenvolvimento de um estado amazônico — 1943-200. Rio de Janeiro: Garamond Universitária, 2007, p. 148). 407 REIS, Morel. Op. Cit. P. 4. 408 D‘ARAÚJO, Maria Celina. O segundo governo Vargas — 1951-1954: democracia, partidos e crise política. 2 ed. São Paulo: Ática, 1992, p. 78. 409 Dirigindo-se ao presidente Vargas, Aracy Mont‘Alverne asseverou: ―não pode ser classificado de ingratidão o fato de, nas eleições de 3 de outubro, Vossa Excelência não haver conquistado unanimidade de votos no Território Federal do Amapá. Forçoso é considerar que o Govêrno do Território é um delegado do Govêrno Federal. E Vossa Excelência, melhor do que ninguém, sabe apreciar e julgar o valor da lealdade, o penhor do compromisso moral em face das circunstâncias que encontram os homens em determinados postos. As suas atitudes, então, é que os elevam no conceito da coletividade‖ (Quem conhece a alma do povo é o próprio povo. Amapá. N. 309, de 10/02/1951, p. 01). Aracy era amiga de Janary, que admirava a oratória dela, como nos relatou seu filho, José Sebastião Mont‘Alverne: ―o Coronel Janary Nunes era um amigo pessoal e admirador da minha mãe. Ela quase diariamente era convidada a participar de eventos e fazia parte de uma comitiva que ele levava para todo lugar. E ela era uma espécie de orientadora sobre discursos, sobre eventos. Da parte cultural do ex-Território ela era uma coordenadora. Ele tinha uma admiração por ela. E logo depois que ela veio para cá [para Macapá], foi convidada a ser Secretária de Educação (por sinal, foi a primeira mulher a comandar a Secretaria de Educação). E era uma amiga pessoal do Janary. Ele não largava minha mãe para coisa nenhuma, qualquer evento, qualquer inauguração...‖ (José Sebastião Mont‘Alverne. Entrevista realizada no dia 18 de julho de 2007).

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do Exército.410 Thomas Skidmore afirma que, em meados de 1953, objetivando a estabilização

política, Vargas substituiu seus ministros mais importantes e, para cortejar o eleitorado

operário, nomeou João Goulart (do PTB do Rio Grande do Sul) para a pasta do Trabalho.

Segundo Skidmore: ―a nomeação de João Goulart mostrava que Vargas abandonava a sua cautelosa

atuação e estava em condições de delegar poderes a um político que tinha a reputação de colaborar com os

comunistas e outros líderes operários militantes‖.411 Maria Celina D‘Araújo discorda que a reforma

ministerial de meados de 1953 represente um reforço da orientação trabalhista do governo, em

detrimento da política de conciliação com os conservadores. Esta historiadora afirma que o

segundo governo Vargas suportou tendências opostas no seu interior durante toda a sua

duração.412 As greves de trabalhadores, ocorridas no primeiro semestre de 1953, aceleraram a

reforma do Ministério e a ida de João Goulart para a pasta do Trabalho significou uma

tentativa de conseguir reaproximar os trabalhadores do governo, sem que este hostilizasse as

forças patronais.413 Esta interpretação é também defendida por Maria Antonieta P. Leopoldi,

que argumenta que Vargas, colocando-se acima dos partidos e buscando promover a

conciliação político-partidária, ―buscava o difícil caminho do meio evitando radicalizar uma conjuntura

por si só fragmentária‖.414

A política externa adotada por Dutra — de caráter francamente liberal — facilitou

excessivamente as importações. Isto ocasionou o esgotamento das reservas de capital que o

Estado detinha para o movimento comercial externo. Este esgotamento nos ajuda a entender

porque o início do segundo governo de Vargas foi marcado por déficits na balança comercial

e, conseqüentemente, por uma crise cambial.415 No plano interno isto se refletiu no aumento

da inflação. Vendo seu poder de compra bastante diminuído, muitos trabalhadores

organizaram greves para reivindicar reajustes salariais. Em janeiro de 1953, Vargas adotou uma

política de câmbio mais flexível — um sistema de taxas de câmbio diferenciadas, que favorecia

as importações consideradas essenciais (bens de capital e outros insumos para a

industrialização). Nomeado ministro da Fazenda em junho de 1953, Oswaldo Aranha propôs

a redução do ritmo da industrialização brasileira. Por outro lado, no início de 1954, João

410 SKIDMORE, Thomas. Op. Cit. P. 134-135. 411 Ibidem, p. 148. 412 D‘Araújo argumenta que a reforma ministerial de junho de 1953 fortaleceu a presença da UDN no poder e reconduziu ao governo elementos que haviam combatido Vargas em 1945. No entanto, esta busca de uma colaboração intrapartidária sem conteúdo ideológico não conseguiu reter a oposição udenista (D‘ARAÚJO, Maria Celina. O segundo governo Vargas — 1951-1954. Op. Cit. P. 39, 128-129). 413 Ibidem, p. 129. 414 LEOPOLDI, Maria Antonieta P. O difícil caminho do meio: Estado, burguesia e industrialização no segundo governo Vargas. In: GOMES, Angela de Castro (org.). Vargas e a crise dos anos 50. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994, p. 198. 415 Ibidem, p. 190.

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Goulart apresentou uma proposta de aumento de 100% do salário mínimo. Aranha reprovou

tal proposta. Sob forte pressão da oposição, Vargas imediatamente substitui o ministro do

Trabalho. Todavia, de fora, Jango continuaria influindo nos rumos deste ministério.416 No dia

1º de maio de 1954, o novo ministro do Trabalho, Hugo Faria, com o aval de Vargas,

duplicou o salário mínimo.

A UDN, após a saída de Jango do ministério do Trabalho, passou a concentrar suas

críticas no presidente. Para tanto, os membros deste partido, principalmente Carlos Lacerda,

contavam com a maioria dos jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Jornais como O Globo,

Diários Associados e O Estado de São Paulo eram os pilares da imprensa antigetulista.417 No início

de fevereiro de 1954, os coronéis do Exército apresentaram um memorial ao ministro da

Guerra reivindicando equipamentos e melhores salários. Os coronéis afirmavam que o salário

mínimo aumentado em 100% atingiria os vencimentos máximos de um militar graduado,

fazendo estancar o recrutamento para os quadros inferiores do Exército.418 Os jovens oficiais

manifestavam, assim, seu descontentamento para com o governo federal. A crise política se

tornou mais aguda após o incidente da rua Toneleros: no dia 5 de agosto, um major da

Aeronáutica foi morto durante a tentativa de assassinato contra Lacerda. Capturado, o

assassino revelou sua ligação com membros da guarda presidencial. Os oficiais das Forças

Armadas pediram a renúncia de Vargas. Mas, o presidente optou pelo suicídio e, deste modo,

segundo Skidmore, ele ―neutralizou as vantagens políticas e psicológicas que seus oponentes haviam

acumulado‖.419

Mesmo diante das dificuldades econômicas do Brasil, Getúlio Vargas manteve durante

seu segundo governo um programa de rápido crescimento industrial e de maior socialização

da riqueza nacional. As proposições liberais ortodoxas foram abandonadas, a opção pelo

planejamento estatal foi fortalecida e o governo (com o auxílio da CEPAL) passou a

estabelecer as estratégias para o desenvolvimento econômico.420 Entre 1952 e 1953, foram

criados: o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o Banco Nacional do Desenvolvimento

Econômico (BNDE), a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás) e a Superintendência do Plano de

Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA). Esta Superintendência deveria efetivar o

objetivo governamental de ―valorização‖ da Amazônia, fixado na Constituição de 1946.

Valorizar significava gerar uma ampla produção agropecuária, por meio da colonização das

416 FERREIRA, Jorge. O imaginário trabalhista. Op. Cit. P. 103, 156. 417 SKIDMORE, Thomas. Op. Cit. P. 161. 418 D‘ARAÚJO, Maria Celina. O segundo governo Vargas — 1951-1954. Op. Cit. P. 178. 419 SKIDMORE, Thomas. Op. Cit. P. 180. 420 IANNI, Octavio. Estado e planejamento econômico no Brasil. Op. Cit. P. 124-127.

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terras aproveitáveis.421 A SPVEA foi criada em janeiro de 1953 e seu primeiro presidente foi o

historiador Arthur Cézar Ferreira Reis. Entre os setores básicos contemplados no Primeiro

Plano Qüinqüenal desta Superintendência encontramos a educação — considerado ―o problema

básico da Amazônia‖.422 Mas, neste, como no demais setores, a SPVEA não atingiria suas metas,

devido, sobretudo, a controvérsias políticas que levavam a constantes modificações

orçamentárias, além de irregularidades e atrasos no repasse dos recursos.423

No ano de 1954, foram criadas 10 escolas no Território Federal do Amapá. Isto

significa que, apesar da instabilidade econômica e política, a expansão da rede de escolas

públicas mantinha o seu ritmo.424 No entanto, Café Filho (líder do PSP que assumiu a

presidência após a morte de Vargas) instituiu uma política econômica com drásticos cortes

orçamentários, cujo objetivo era conter a pressão orçamentária.425 Isto se tornou um entrave

para a continuidade dos investimentos do governo territorial no setor educacional, bem como

nos demais setores. Foi neste contexto que o então assessor técnico do Gabinete do governo

territorial, Amaury Farias, informou aos amapaenses das dificuldades financeiras que levaram

Janary Nunes a dispensar vários trabalhadores, sobretudo da categoria ―braçais‖ (que

executavam diversos tipos de trabalhos manuais). No texto ―Informações ao público‖,

publicado no jornal Amapá de 05 de março de 1955, Amaury Farias afirmava:

por determinação do Excelentíssimo Senhor Governador do Território, aqui estamos para prestar informações ao publico sobre o resultado da ultima dispensa havida de operários dos serviços do governo, em virtude da política nacional de compressão de despesas e restrição de verbas destinadas a vários setores administrativos.

Não era pensamento do Governo criar essa situação embaraçosa aos trabalhadores da região empregados nos serviços territoriais. Porém, num grado esforço empregado pela administração, a fim de constituir maior numero para as relações mediáveis, não pôde, de maneira alguma, se livrar da redução de suas verbas.

Em conseqüência da redução, que foi de 50% das verbas do Governo do Território programou a dispensa mínima no quadro geral de suas obras. Adotamos o critério de rigorosa justiça, medindo o censo de colaboração já existente nas classes trabalhadoras, a eficiência que cada elemento demonstra no serviço e a necessidade intransigente da visão de obra.

Foram dispensados apenas aqueles que estavam sendo menos úteis ao serviço.426

Estas dificuldades financeiras geraram bloqueios também para a política educacional.

Os anos de 1955 e 1956 foram marcados por uma redução significativa no ritmo de expansão

421 D‘ARAÚJO, Maria Celina. Amazônia e desenvolvimento à luz das políticas governamentais: a experiência dos anos 50. Revista Brasileira de Ciências Sociais. N. 19, ano 07, jun. de 1992, p. 43. 422 Ibidem, p. 48. 423 Ibidem, p. 52-53. 424 Uma escola em cada quarenta dias. Amapá. N. 603, de 25/01/1955, p. 3. 425 SKIDMORE, Thomas. Op. Cit. P. 201-202. 426 Farias informou, também, que muitos dos trabalhadores dispensados estavam sendo absorvidos pela ICOMI (FARIAS, Amaury. Informações ao público. Amapá. N. 631, de 05/05/1955, p. 4).

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do sistema escolar público territorial. Neste momento, portanto, a política educacional

amapaense entrou numa fase estacionária, na qual o governo pôde quase exclusivamente

manter as escolas criadas nos anos anteriores. Este quadro de adversidades contrastava com o

entusiasmo que fora gerado em torno do décimo aniversário de criação do Território e do

início da exploração das grandes jazidas de manganês encontradas no interior do Amapá.

Havia também um entusiasmo em torno do projeto de construção da hidrelétrica do Paredão

com verbas oriundas do contrato de exploração manganesífera. O governo territorial

apresentava a ICOMI como um importante instrumento no processo de modernização da

sociedade local. O contrato entre governo e empresa estipulou 50 anos de exploração mineral.

A frenagem no movimento de expansão da rede pública de ensino também

contrastava com o rápido crescimento populacional no Território Federal do Amapá. Este

crescimento vinha ocorrendo desde de meados dos anos 40 do século XX. O surto

demográfico ocorreu, principalmente, em Macapá. Antonio Teixeira Guerra destacou que em

1950 a população macapaense já havia aumentado nove vezes em relação aos dados de

1940.427 Este vertiginoso crescimento decorreu do intenso movimento imigratório, cuja

origem era principalmente os interiores do Amapá e do Pará, assim como a capital paraense

(Belém). Os imigrantes buscavam os empregos oferecidos pelo governo territorial e,

posteriormente, pela ICOMI. Muitos eram seringueiros nordestinos a procura de uma

alternativa ao trabalho nos seringais — que fora atingido duplamente: pelo esgotamento do

potencial extrativo das estradas (como eram chamados os caminhos abertos na floresta para a

coleta do látex) e pela decadência da economia da borracha. No ano de 1949, por exemplo, no

crescimento populacional de Macapá, os imigrantes tinham uma participação de 57,9%.428 A

tabela abaixo apresenta a população dos quatro municípios do Território, de acordo com o

recenseamento de 1955:

Tabela 4: População dos municípios do Território Federal do Amapá (1955)

Municípios População (núm. de hab.)

Macapá 17.830

Amapá 1.266

Mazagão 1.129

Oiapoque 690

Fonte: IBGE. Brasil. Território do Amapá. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1955, p. 10.

427 GUERRA, Antonio Teixeira. Op. Cit. P. 182. 428 Ibidem, p. 184.

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Além da grande concentração da população territorial em Macapá, o censo de 1955

indicou que uma importante transformação demográfica estava ocorrendo no Amapá: o

número de habitantes de cidades e vilas estava quase se equiparando ao de moradores do

quadro rural. Neste momento, a população urbana estava estimada em 23.326 habitantes, e a

rural em 24.943.429 No final de 1955, o deputado federal Coaracy Nunes indicava que havia um

notório déficit de vagas nas escolas da capital do Amapá. Em setembro de 1955, este deputado

afirmou: ―o ensino pré-primário infantil registrou, ano passado, a matrícula de 644 escolares, ultrapassando,

em muito as possibilidades das instalações existentes‖.430 Referindo-se ao rápido crescimento do

número de moradores do bairro do Laguinho, Coaracy afirma existir aí ―um grande número de

crianças em idade escolar, que vem agravando o problema da saturação dos nossos estabelecimentos de ensino

primário [...]‖.431 Este parlamentar apresentava tais informações para justificar a solicitação de

verbas para a construção e ampliação de escolas em Macapá — objetivava, inclusive, a

construção de um grupo escolar no Laguinho. Estas obras poderiam reduzir o contraste entre

rápido crescimento populacional e a frenagem da expansão da rede pública de ensino.432 Este

contraste caracterizou os últimos meses da administração janarista no Amapá.

Em 1955, Juscelino Kubitschek foi eleito presidente da República. Janary, que havia

apoiado Kubitschek durante a campanha eleitoral, foi nomeado, no início de 1956, presidente

da Petrobrás. Mas, não se tratava de mera paga por apoio político. O presidente Kubitschek

vinha observando, havia algum tempo, as realizações de Janary no Amapá. O novo presidente

tivera oportunidade de visitar o Amapá quando era deputado. Esta visita ocorreu em julho de

1947.433 Na oportunidade, o deputado Kubitschek discursou no Cine-teatro Territorial, onde

afirmou que ―o Governador Janary Nunes atinge altitude que poucos homens públicos no Brasil lograram

conquistar‖. E em seguida complementou: ―circulam no seu sangue os glóbulos dos bandeirantes que em

épocas de outrora penetraram o interior de nossa Pátria e arrancando-a ao sono milenário procuraram integrá-

la na comunhão humana da civilização‖.434 Quase nove anos depois, Janary ganhava projeção

nacional através do convite de um velho admirador.

429 IBGE. Brasil. Território do Amapá. Rio de Janeiro: Serviço Gráfico do IBGE, 1955, p. 10. 430 O Deputado Coaracy Nunes pede e justifica dotações para o Território em emendas apresentadas ao orçamento da União. Amapá. N. 671, de 29/09/1955, p. 4. 431 O Deputado Coaracy Nunes pede e justifica dotações para o Território em emendas apresentadas ao orçamento da União [continuação do número anterior]. Amapá. N. 672, de 02/10/1955, p. 4. 432 Dotações concedidas para o Território Federal do Amapá no anexo do orçamento da União para 1956 — Valorização Econômica da Amazônia. Amapá. N. 688, de 27/11/1955, p. 4. 433 Brilhante comitiva de deputados federais e jornalistas excursiona pelo Amapá [Editorial]. Amapá. N. 124, de 26/07/1956, p. 1. 434 KUBITSCHEK, Juscelino. Há um sentido profundo de brasilidade na obra que aqui se realiza. In: NUNES, Janary (org.). Confiança no Amapá. Op. Cit. P. 20.

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Às 12 horas do dia 2 de fevereiro de 1956, Amílcar da Silva Pereira (Secretário Geral),

em reunião extraordinária na sala de despachos no Palácio do Governo, informou aos

diretores, chefes de serviço e a grande número de funcionários da administração territorial, a

nomeação de Janary para a presidência da Petrobrás. O número do jornal Amapá que noticiou

este fato também informou que ―em substituição ao Tenente-Coronel Janary Gentil Nunes, que vem de

ser investido no elevado cargo de presidente da Petrobrás, o Excelentíssimo senhor Presidente da Republica, dr.

Juscelino Kubitschek, em ato baixado no dia 2 do corrente, nomeou para desempenhar as funções de

Governador do Território o dr. Amílcar da Silva Pereira, que, a mais de um ano, vinha servindo como

secretário geral‖.435 Mesmo afastado do governo, Janary Nunes continuaria influenciando

fortemente na vida política amapaense, inclusive na escolha dos governadores. No imaginário

político, porém, sua influência seria muito mais duradoura.

435 Nomeado governador do Território o Dr. Amílcar da Silva Pereira. Amapá. N. 707, de 05/02/1956, p. 1.

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PALAVRAS FINAIS

Políticos e intelectuais brasileiros, desde meados do século XIX, realizaram um amplo

debate em torno da racionalização do epaço-tempo urbano. A ordem, o progresso e a

República eram apresentados como signos de um novo momento histórico, cheio de

promessas.436 A medicina social e a educação eram apontadas como ações importantes para

modernizar os hábitos e costumes das populações urbanas do país.437 Freqüentemente, tais

propostas também eram estendidas ao homem rural. Após a Proclamação da República,

influenciados por um forte otimismo em relação ao poder transformador da educação,

diversos grupos dirigentes realizaram, em seus Estados, reformas educacionais cujo objetivo

era modernizar o ensino segundo os ideais escolanovistas. Estas iniciativas ocorreram nos

Estados de maior densidade demográfica, onde o processo de urbanização estava mais

avançado. Foi a partir de 1930, quando se abriu espaço no interior do poder federal para a

partipação de um número maior de setores sociais e de forças políticas regionais, que começou

a se esboçar um arrojado projeto de ampliação e modernização do sistema educacional

nacional. O otimismo em relação à educação ganhava então proporções inéditas: acreditava-se

que a escola produziria o cidadão-trabalhador, construtor da nação moderna.

Os valores do homem moderno eram projetados como superiores e universalmente

válidos. O choque destes valores com os hábitos das culturas populares parecia inevitável. Em

um país de tamanho continental e de impressionantes diversidades regionais e locais como o

Brasil, este choque se manifestava num caleidoscópio de práticas cotidianas motivadas por

valores muito distintos. No Amapá, de acordo com o que apresentamos nos capítulos deste

estudo, as incongruências entre a educação moderna e o modo de vida dos populares gerou

incompreensões e altos índices de fracasso escolar. Um conjunto muito grande de obras e

ações foi implementado durante os vários anos do primeiro governo territorial. Mas, a

principal ―escola‖ continuou sendo a família, o rio e a floresta — com seus ritmos e

temperamentos próprios. As errâncias do cotidiano amapaense (o estilo de vida marcado pelo

provisório, pelo improvisado, pelos fluxos e refluxos da natureza) inviabilizavam o sucesso

pleno do regime escolar (sedentário e cronologicamente regulado). Por outro lado, o otimismo

em relação ao projeto de modernizar a vida dos amapaenses através da educação gerou uma

436 CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 27. 437 SHUELER, Alessandra f. Martinez de. Op. Cit. P. 63

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visão pessimista em relação às práticas populares em geral. Ao desdenhar estas práticas, os

otimistas tornavam impensável um regime escolar sensível às necessidades e valores locais, ou

seja, um regime mais interativo e flexível.

Com base nos instrumentos intelectuais (teorias, conceitos e métodos) disponíveis

hoje, podemos pensar num outro modelo educacional. Atentos a estes instrumentos,

queremos nestes últimos parágrafos problematizar a educação como política pública na

atualidade e, quem sabe, ensejar um debate mais amplo. Já no século XIX — quando em

vários países europeus, nos Estados Unidos e no Brasil se criaram leis que tornavam

obrigatória a escolarização — o debate acerca da competência do Estado no processo de

expansão do ensino se acirrava. No ensaio Sobre a liberdade (lançado em 1859), John Stuart Mill

postulava que o indivíduo tem direito à liberdade de desenvolver opiniões, de direcionar a sua

vida, baseado nestas suas opiniões, e de aderir ou não a propósitos coletivos.438 Contra todo

esforço de padronização e conservação de pensamentos e modos de ação, o pensador inglês

advogava a renovação (ou evolução) social. Segundo Mill, para que houvesse tal renovação era

preciso criar o respeito pelo exercício da genialidade, da originalidade e da extravagância

individuais, pois os comportamentos e pensamentos incomuns expõem os limites e erros das

convenções e indicam novas alternativas para a sociedade.

Em suas elucubrações, Stuart Mill retomou a idéia liberal e essencialista de natureza

humana: ―a natureza humana não é uma máquina para ser construída segundo um modelo, e para se pôr a

fazer o trabalho que lhe é estabelecido, mas sim uma árvore que precisa de crescer e de se desenvolver em todos

os aspectos, de acordo com a tendência das forças internas que fazem dela um ser vivo‖.439 Mill fora

categórico quanto à questão da responsabilidade do Estado sobre a educação dos indivíduos:

―ninguém se opõe mais do que eu a que toda a educação das pessoas, ou grande parte da educação, esteja nas

mãos do Estado‖.440 Defensor do liberalismo político, este escritor afirmava que a educação

estatal era uma forma de padronizar os comportamentos. Mill propusera uma livre

concorrência entre sistemas educacionais particulares e estatal. Ressaltou, no entanto, que uma

educação completamente estatal só seria justificável quando ―a sociedade em geral esteja num estado

tão retrógrado que não quereria ou não poderia providenciar para si quaisquer instituições adequadas de

educação‖.

A crítica mais direta às idéias elaboradas pelos intelectuais liberais (como Mill) acerca

da educação foi realizada por Émile Durkheim. Nas palavras deste sociólogo, tais intelectuais

438 MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Lisboa: Edições 70, 2006, p. 43-44. 439 Ibidem, p. 110. 440 Ibidem, p. 176.

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advogavam uma educação que ―teria antes de mais por objecto realizar, em cada indivíduo, mas elevando-

o ao máximo da perfeição, os atributos constitutivos da espécie humana em geral‖. Durkheim argumentava

que não existe uma natureza humana universal e indiferente à história, pois é através de uma

sociedade historicamente constituída que herdamos tudo aquilo que nos eleva da animalidade

ao humano.441 Cada sociedade possui valores e necessidades próprias, a partir das quais educa

seus membros. É a educação, enquanto socialização metódica da geração mais velha sobre a

mais jovem, que garante e perpertua a homogeneidade sem a qual qualquer sociedade não

poderia subsistir.442 Quanto à competência do Estado no âmbito da promoção educacional,

Durkheim afirmava: ―uma vez que a educação é uma função essencialmente social, o Estado não pode

desinteressar-se dela‖. Assim, mesmo quando não fosse ministrada diretamente pelo Estado, a

educação deveria ser submetida ao seu controle. Caberia ao Estado garantir, através da

educação, a difusão dos conhecimentos e valores necessários à boa convivência social.443

Acrescentando a estes postulados durkheimianos a crítica marxista à sociedade de

classes, Louis Althusser conseguiu oferecer contribuições originais ao debate teórico sobre a

relação entre Estado e educação. Em maio de 1968, uma série de manifestações estudantis

iniciou na Europa. O foco dos protestos era o controle burocrático sobre a sociedade civil.

Neste contexto, Louis Althusser pôde elaborar uma teoria cujo objetivo era explicar de que

forma várias instituições contribuem para a reprodução das relações de produção. Segundo

Althusser, o processo de reprodução da força de trabalho (e, portanto, das relações de

produção) conta com fatores econômicos e ideológicos. Dentre os fatores econômicos,

destaca-se o salário, pois ele possibilita a aquisição do que é ―indispensável para a reconstituição da

força de trabalho do assalariado‖.444 Além disso, segundo o autor, é necessário qualificar novos

trabalhadores ―conforme às exigências da divisão social-técnica do trabalho, nos seus diferentes ‗cargos‘ e

‗empregos‘‖.445 Este papel de qualificação profissional, nas sociedades capitalistas, ocorre fora do

local de trabalho: é realizado pelo sistema escolar e por outras instituições. Mas, isto não é o

bastante para uma eficaz reprodução social, pois, além da qualificação profissional, a

reprodução da força de trabalho exige ―uma reprodução de sua submissão às normas da ordem

vigente‖.446 Ou seja:

441 DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. Lisboa: Edições 70, 2007, p. 95-99. 442 Para Durkheim: ―a sociedade só pode subsistir se existir entre os seus membros uma homogeneidade suficiente‖ (ibidem, p. 52). 443 Ibidem, p. 61-62. 444 ALTHUSSER, Luis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, 1985, p. 56. 445 Ibidem, p. 57. 446 Ibidem, p. 58.

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a escola (mas também outras instituições do Estado, como a Igreja e outros aparelhos como o Exército) ensina o ―know-how‖ mas sob formas que asseguram a submissão à ideologia dominante ou o domínio de sua ―prática‖. Todos os agentes da produção, da exploração e da repressão, sem falar dos ―profissionais da ideologia‖ (Marx) devem de uma forma ou de outra estar ‗imbuídos‘ desta ideologia para desempenhar ―conscientemente‖ suas tarefas, seja a de explorados (os operários) seja a de exploradores (capitalistas), seja a de auxiliares na exploração (os quadros), seja a de grandes sacerdotes da ideologia dominante (seus ―funcionários‖) etc...

Althusser tentou apresentar de modo sistematizado e claro, aquilo que Gramsci tratou

de forma esparsa e alusiva na sua teorização da concepção ampliada de Estado. Althusser,

entretanto, construiu uma teoria que rechaçava o humanismo próprio do pensamento

gramsciano. Ele realizou uma crítica fundamental à categoria de sujeito forjada pelo

humanismo. Para este pensador francês, o sujeito não existe por si e para si, pois ele é um

mero reflexo da imagem do Sujeito (o paradigma ideológico). E isto desde o início da história

humana, pois, segundo Althusser, ―o homem é por natureza um animal ideológico‖. A ideologia é

considerada uma necessidade histórica, algo imante à natureza humana. Naturalizada, a

ideologia (enquanto componente genérico e essencial da vida dos homens) não tem história —

é transhistórica e omnipresente.447 O permanente direcionamento do homem pela ideologia

não deixa entrever qualquer espaço para a atuação livre da consciência. Segundo François

Dosse, Althusser transforma os homens em fantoches da ideologia.448

Althusser pretendia explicitar o lugar dos aparelhos ideológicos de Estado (AIE) na

reprodução social. Igrejas, sistema escolar, famílias, sistema jurídico e políticos, sindicatos,

imprensa e organizações culturais, foram apontados como exemplos destes aparelhos.

Enquanto o aparelho (repressivo) de Estado é unitário e coeso, os aparelhos ideológicos de

Estados são diversos e dispersos no conjunto da sociedade. Enquanto o aparelho (repressivo)

de Estado é de estatuto público (Exército ou polícia), os AIE são, em sua maioria, privados.

Contudo, segundo Althusser, a diferença fundamental entre estes dois tipos de aparelhos de

Estado é a seguinte: ―o Aparelho repressivo do estado ‗funciona através da violência‘ ao passo que os

Aparelhos Ideológicos do Estado ‗funcionam através da ideologia‘‖.449 Por outro lado, cada formação

social parece ter seu AIE dominante. No período pré-capitalista a Igreja era o aparelho

ideológico dominante. Logo após as revoluções burguesas, as funções outrora exercidas pela

Igreja passaram a serem realizadas pela escola. Assim, ―o aparelho ideológico de Estado que assumiu

a posição dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classe política e ideológica

447 VAISMAN, Ester. Althusser: ideologia e aparelhos de Estado — velhas e novas questões. Projeto História. N. 33, p. 248-250; e ALTHUSSER, Luis. Op. Cit. P. 85-94. 448 DOSSE, François. História do estruturalismo. São Paulo: Ensaio, 1993, p. 344. 449 ALTHUSSER, Luis. Op. Cit. P. 69.

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contra o antigo aparelho ideológico do Estado dominante, é o aparelho ideológico escolar‖.450 Para

Althusser, as idéias e valores da ideologia (da classe) dominante chegam a cada homem por

meio de vários veículos. No entanto, ―nenhum aparelho ideológico do Estado dispõe durante tantos anos

da audiência obrigatória (e por menos que isso signifique, gratuita...), 5 a 6 dias num total de 7, numa média

de 8 horas por dia, da totalidade das crianças da formação social capitalista‖.451 Deste modo, a

aprendizagem escolar garante a inculcação maciça da ideologia da classe dominante. E o faz,

afirma Althusser, revestindo a escola de um aspecto neutro e sem ideologia.

Porém, a escola possui formas mais sutis de viabilizar a reprodução da sociedade de

classes. Pierre Bourdieu evidenciou que a iniciativa estatal de democratizar o ensino era

insuficiente para a redução das desigualdades, pois, no cotidiano da escola, os desníveis

culturais se acentuavam. Ao analisar os mecanismos que, no contexto escolar, determinam a

eliminação contínua das crianças desfavorecidas, Bourdieu rejeitou as explicações que

atribuem o maior ou menor êxito à diferença de dons. Para este sociólogo, o fracasso escolar é

determinado por dois fatores: a) falta de certos conhecimentos e competências pré-escolares

— chamados de capital cultural (saberes, gostos, hábitos, linguagem, postura) — que são

valorizados pela escola452; b) a pouca importância atribuída à educação escolar pelas famílias

das classes populares, sobretudo aquelas com baixo índice de escolarização — pois os

horizontes de projeções de futuro são constituídos a partir das condições objetivas vividas no

presente.453

A escola, ainda segundo Bourdieu, ao não reconhecer estes fatores que distinguem as

classes baixas das altas, desempenha a função de instituição conservadora das desigualdades

sociais: ―tratando todos os educandos, por mais desiguais que sejam eles de fato, como iguais em direitos e

deveres, o sistema escolar é levado a dar sanção às desigualdades iniciais diante da cultura‖.454 Para este

sociólogo, a escola conservadora produz a legitimação das desigualdades, pois a

democratização do ensino é apresentada como ―igualdade de oportunidades‖. Contudo, os alunos

chegam à escola com condições diferentes de se apropriarem dos bens culturais que ela

oferece. Uma vez que a cultura escolar é muito próxima da cultura da elite, as crianças

oriundas da classe dominante terão grandes chances de sucesso escolar. Mas, diante do

discurso da ―igualdade de oportunidades‖, o fracasso dos desfavorecidos passa a ser explicado

como resultado de diferenças naturais (diferentes dons ou níveis de inteligência).

450 Ibidem, p. 77. 451 Ibidem, p. 80. 452 BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. Op. Cit. P. 45. 453 Ibidem, p. 47-48. 454 Ibidem, p. 53.

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Estes postulados de Pierre Bourdieu nos ajudaram a perceber algumas das razões dos

altos índices de fracasso escolar no interior do sistema educacional amapaense, entre 1944 e

1956. Mas, é forçoso admitir que Bourdieu não conseguiu propor, consistentemente, uma

saída para o dilema dos alunos oriundos de famílias populares. Como ultrapassar a mera

denúncia da violência simbólica que a escola exerce (a consagração da superioridade dos

cultivados em detrimento dos classificados como incultos e vulgares) e criar um círculo

virtuoso? Bourdieu foi imobilizado por um grande pessimismo: ―não se pode desconhecer o fato de

que a cultura popular define-se, em sua essência, como se estivesse privada da objetivação e até mesmo da

intenção de objetivação que define a cultura erudita‖. Para se objetivar em forma de obras ―populares‖ a

cultura popular deveria tomar de empréstimo a intenção e os meios de expressão da cultura

erudita (o que significaria a perda do seu élan).455 Ou seja, para Bourdieu a cultura popular não

é transmissível pelos meios de aprendizagem acadêmicos e escolares. Se a única cultura que a

escola pode transmitir é a erudita, resta aos populares se adaptarem a esta. Para tanto,

Bourdieu propõe: ―o sistema escolar deveria dotar-se dos meios para realizar um empreendimento

sistemático e generalizado de aculturação do qual ele pode prescindir quando se dirige às classes mais

favorecidas‖.456

As propostas que Pierre Bourdieu formulou para remediar os problemas que ele bem

identificara dentro do processo de democratização do ensino foram alvo de duras críticas.

Apresentaremos as percucientes objeções de Georges Snyders (que ensejou um retorno às

proposições de Antonio Gramsci) e de Jacques Rancière. Snyders argumenta que o

pessimismo de Bourdieu tem sua origem em uma percepção limitada do conhecimento

ensinado na escola. Segundo Snyders, a cultura oferecida pelo ensino escolar não teria para

Bourdieu qualquer contato efetivo com a realidade — seria meramente um mise-en-scène, uma

comédia, cuja finalidade era a distinção entre pessoas cultivadas e pessoas vulgares. Disto

derivava uma contradição: ―se a cultura tem por função excluir o vulgar, criar uma zona interdita ao

vulgar, se a regra das regras é não fazer como os outros, os incultos, e, sobretudo, não ser tomado por um

inculto, então, é evidentemente absurdo fazer dela participar o povo, a idéia de democratizar a cultura é, nesse

caso, precisamente contraditória‖.457 Snyders considera que a cultura transmitida na escola em

muitos aspectos corresponde à experiência real das pessoas no mundo. Este autor tem por

objetivo chamar a atenção para a existência de diversas possibilidades de apropriação desta

455 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Op. Cit. P. 219-220. 456 BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. Op. Cit. P. 58. 457 SNYDERS, Georges. Escola, classe e luta de classes. São Paulo: Centauro, 2005, p. 282-283.

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cultura — inclusive a possibilidade de seu uso ―para sacudir o jugo da exploração‖.458 Como na

teoria de Bourdieu estas virtuais distorções e resistências são ignoradas, também ―nunca há

forças de oposição‖ em suas formulações — ―a luta de classes está ausente‖.459 Snyders não apenas

argumenta que os populares podem se apropriar (em benefício próprio) dos conhecimentos

gerados através de meios eruditos, como também postula que os saberes e sentidos gerados no

interior da cultura popular são sistematizáveis. Para tanto, ele faz um retorno a Gramsci.

Segundo Snyders, a teoria de Gramsci ―auxilia-nos a basear a escola na continuidade entre

cultura popular e cultura elaborada, no enriquecimento recíproco de uma pela outra‖.460 Ou seja, onde

Bourdieu vê uma descontinuidade absoluta, Gramsci e Snyders vêem uma continuidade

possível. Gramsci é um bom antídoto para o pessimismo de Bourdieu. Gramsci chama a

atenção para a incapacidade dos intelectuais de criarem uma unidade ideológica entre eles e os

―simplórios‖. Isto seria derivado da falta de organicidade (compromisso com um projeto

coletivamente construído e implementado) entre intelectual e massa. Segundo o filósofo

italiano, ―a organicidade de pensamento e a solidez cultural só poderiam ocorrer se entre os intelectuais e os

simplórios se verificasse a mesma unidade que deve existir entre teoria e prática, isto é, se os intelectuais fossem,

organicamente, os intelectuais daquela massa, se tivessem elaborado e tornado coerentes os princípios que

aquelas massas colocavam com a sua atividade prática, constituindo assim um bloco cultural e social‖.461 A

teorização realizada pelo intelectual orgânico tornaria crítica uma atividade já existente. Isto se

efetivaria quando fosse posta em evidência a lógica interna da prática da massa. A produção

intelectual de forma alguma pareceria estranha à massa, uma vez que derivasse da vivência

desta. Podemos dizer que a vivência da massa (e a visão de mundo que a impregna) seria

traduzida para uma linguagem científica (sistematizada, analítica e lógica) pelo intelectual

orgânico.

Gramsci aposta, portanto, na traduzibilidade da cultura popular para a linguagem

conceitual e filosófica. Operando esta tradução, os intelectuais se tornariam elementos da

autoconsciência crítica dos populares, bem como organizadores e dirigentes da sua práxis

social. Prenhe de um forte humanismo, a teoria gramsciana apresenta como vital a

participação dos intelectuais na assunção crítica da responsabilidade pela mudança social.462

Gramsci critica a fé em qualquer força ou racionalidade imanente à história (substitutiva da

458 Ibidem, p. 284. 459 Ibidem, p. 287. 460 A alusão a teoria de Gramsci é feita por Snyders para criticar mais diretamente algumas proposições de Ivan Illich, que não pretendemos retomar aqui. Objetivamos apenas explicitar os pressupostos gramscianos que também estão presentes nas críticas de Snyders a Bourdieu (Ibidem, p. 267). 461 GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986, p. 18. 462 Ibidem, p. 23.

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função da providência divina na condução da humanidade até a salvação). Para este teórico, ao

fomentar este tipo de crença, o intelectual e sua filosofia tornam-se causa de passividade:

reduz-se o protagonismo histórico da pessoa à irresponsabilidade da ―coisa‖.463 Neste atinente,

é importante considerar que, ao reafirmar o caráter humanista do materialismo histórico,

Gramsci se contrapunha às teses contidas no livro Tratado de materialismo histórico, de Nicolai

Bukharin. Publicado em 1924, este livro manteria até o final da década de 1930 o status de

principal manual de introdução ao marxismo. Gramsci criticava no pensamento de Bukharin

principalmente a insistência excessiva no peso das estruturas, em detrimento da participação

ativa dos sujeitos nas transformações históricas. 464

O intelectual orgânico, segundo Gramsci, ainda não era uma realidade comum.

Predominava a existência de elites intelectuais cuja produção era estranha às práticas e

sentimentos das massas. Nas palavras deste filósofo: ―em todos os países, ainda que em grau diversos,

existe uma grande cisão entre as massas populares e os grupos intelectuais, inclusive os mais numerosos e mais

próximos à periferia nacional, como os professores e os padres‖.465 Por isso, Gramsci apontara a

necessidade de se trabalhar pela criação de um novo tipo de intelectual — que surgisse da

massa e permanecesse em contato com ela, tornando-se seu sustentáculo.466 Enquanto

continuar carecendo deste novo tipo de intelectual, a massa, apesar de ter uma concepção

própria do mundo, tomará ocasionalmente emprestado — ―por razões de submissão e subordinação

intelectual‖ — uma concepção que lhe é estranha. A cisão entre intelectuais e massas populares

pode ser representada pela figura do intelectual tradicional, que, segundo o pensamento

gramsciano, não estaria ligado às classes sociais fundamentais. O intelectual tradicional

vincula-se aos aparelhos de hegemonia (como universidades e igrejas). Estes aparelhos podem

suportar no seu interior diferentes interesses e projetos sociais.

Ao valorizar dentro de sua teoria a possibilidade de uma unidade orgânica entre

intelectuais e massas populares, Gramsci pretende demonstrar que a organização sócio-

cultural dos chamados ―simplórios‖ é o primeiro passo da luta pelo desequilíbrio de uma certa

hegemonia. Essa unidade tem como pressuposto a traduzibilidade da cultura popular para

linguagem cientifica. Esta tradução, por sua vez, se baseia no fato de que modo de vida dos

populares possui uma lógica interna (que é reproduzida inconscientemente), pois ―‗todos‘ são

filósofos‖ — conscientes ou não, todos nós seguimos uma visão de mundo, uma filosofia de

463 GRAMSCI, Antonio. Op. Cit. P. 24. 464 COUTINHO, Carlos Nelson. Marxismo e política: a dualidade de poderes e outros ensaios. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1996, p. 104. 465 GRAMSCI, Antonio. Op. Cit. P. 29. 466 Ibidem, p. 27.

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vida.467 Ao teorizar sobre a prática dos populares (tornando evidente suas conexões internas e

externas, suas tensões e pulsões) o intelectual ajudaria no estabelecimento de diretrizes para a

ação, na organização de um projeto de hegemonia oriundo da massa (agora organizada). Por

outro lado, os novos arranjos (ou reposicionamentos) dos poderes — que demarcam o espaço

da luta pela hegemonia — poderiam exigir que as teorizações e diretrizes fossem revistas.

Teoria e prática, de forma dialógica, se complementariam e corrigiriam reciprocamente, num

movimento permanente que Gramsci chama de práxis.

Bourdieu vê com pessimismo a possibilidade da valorização da cultura popular nos

meios dominados pelos rigores de ciência. Esse pessimismo o leva a esboçar uma proposta de

criação de estratégias adaptativas para os populares. Ou seja, Bourdieu se rende ao fatalismo

estruturalista que leva a arranjos paliativos. Diferentemente, Gramsci ergue seu edifício teórico

inspirado por um vigoroso humanismo: a práxis proposta organizaria estratégias para

desestabilizar o arranjo e o posicionamento dos poderes hegemônicos. Ao classificar a escola

como um espaço irredutivelmente devotado ao capital cultural dos eruditos, Bourdieu projeta

sobre os alunos das classes populares o estigma da falta, da carência cultural. Diferentemente,

Gramsci reconhece nos populares um conhecimento sistematizável, desde que um novo tipo

de intelectual (orgânico) dê à curiosidade ingênua dos ―simplórios‖ os instrumentos

epistemológicos necessários à identificação e análise da estrutura e dinâmica do seu modo de

vida.

Assim como Georges Snyders, Jacques Rancière reconhece a relevância dos postulados

de Bourdieu para o diagnóstico da violência simbólica no âmago da desigualdade escolar. Mas,

Rancière afirma que Bourdieu retira duas conseqüências contraditórias deste diagnóstico: a)

―propõe a redução da desigualdade pela explicitação das regras do jogo e pela racionalização da formas de

aprendizagem‖; b) ―enuncia implicitamente a vanidade de qualquer reforma, fazendo dessa violência simbólica

um processo que reproduz indefinidamente suas próprias condições de existência‖.468 No livro O mestre

ignorante, Rancière denuncia o mito pedagógico que ainda sobrevive nas proposições de

Bourdieu. Este mito consiste na crença de que existem dois tipos de inteligência: uma inferior

(da criancinha e do homem do povo) e outra superior. O processo de aprendizagem tem aí,

portanto, a desigualdade como ponto de partida. Assim, o ato pedagógico contradiz a sua

finalidade de gerar a igualdade social. Segundo Jacques Rancière, este tipo de aprendizagem

467 Ibidem, p. 24. 468 RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre emancipação intelectual. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007, p. 13.

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gera o ―embrutecimento‖.469 Diferentemente do mestre explicador, o mestre emancipador conduz

o aprendizado reconhecendo no aluno a mesma inteligência e capacidade que possui. O

mestre emancipador, afirma Rancière, rege o aluno pela vontade e, deste modo, o impele a

descortinar a inteligência (lógica, fundamentos, valores, significados...) do mundo que o cerca.

A experiência do professor Joseph Jacotot (professor da Universidade de Louvain, na

primeira metade do XIX) é caracterizada no livro O mestre ignorante como um exemplo bem

sucedido de emancipação intelectual, pois nela se rompeu a oposição entre ciência e

ignorância. Após dar uma tarefa desafiadora aos seus alunos holandeses — ler Telêmaco em

francês (língua que desconheciam) — Jacotot percebeu que eles conseguiram aprender e

realizar a lição sem a ajuda de um mestre explicador. A partir desta experiência, o professor

Jacotot desenvolveu um método chamado de Ensino Universal, cujo princípio era a convicção

de que todos os homens possuem a capacidade de aprender, de interpretar e de criar —

invertia-se o princípio cartesiano num ―existo, logo penso‖.

As objeções de Snyders e Rancière às proposições de Bourdieu nos levam a perceber

que não basta democratizar o acesso ao ensino. É imprescindível fundamentar o modo de

ensinar em princípios verdadeiramente democráticos. Para tanto, é necessário reconhecer no

aluno um portador de cultura, de conhecimentos e de uma visão de mundo. Problematizada,

esta visão de mundo passará a ser vivida como escolha consciente e reformulada por uma

práxis permanente. O esforço do governo territorial do Amapá de democratizar a escola

tropeçou num modo de vida local marcado por conhecimentos, valores e práticas não

condizentes com a lógica do regime escolar. A educação modernizadora estandardizada pelo

governo amapaense simbolizava toda a política que se estava engendrando com o objetivo de

fazer desaparecer a cultura local — que era percebida como atrasada e inferior.

Ao serem vistos como ignorantes, os ribeirinhos, os extrativistas e lavradores

amapaenses eram também expropriados do poder de dizer o que era melhor para si, de

participar ativamente do planejamento estatal. Assim, a voz do povo simples não era ouvida

como palavra (na qual se reconhece uma inteligência, uma lógica ou um sentido), mas como

barulho. Afinal, como nos lembra Rancière: ―há política porque o logos nunca é apenas a palavra,

porque ele é sempre indissoluvelmente a contagem que é feita dessa palavra: a contagem pela qual uma

emissão sonora é ouvida como palavra, apta a enunciar o justo, enquanto uma outra é apenas percebida como

barulho que designa prazer ou dor, consentimento ou revolta‖.470 Mas, as vibrações do barulho dos

469 Ibidem, p. 30-32. 470 RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Ed. 34, 1996, p. 36. Grifos do autor.

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populares podiam gerar embaraços às metas estatais — como no caso dos altos índices de

evasão escolar.

Uma perspectiva dialógica de educação e de política (educacional ou não) se impõe

hoje. Para tanto, é preciso contabilizar os alunos e os populares como portadores de uma

palavra plena de sentido. Esta perspectiva foi enfaticamente defendida por Paulo Freire, que

afirmara: ―o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o

educando que, ao ser educado, também educa‖. E, em seguida, ele complementara: ―ambos, assim, se

tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‗argumentos de autoridade‘ já não valem‖.471

Hoje, os motivos e os princípios que inspiram o processo educativo já não mais deveriam ser

gerados no bojo de um culto à modernidade, mas sim na insatisfação profunda e inquietante

em relação ao status quo e a todas as desigualdades instituídas pelo mundo moderno —

inclusive aquela desigualdade de inteligências, entre cultos e ignorantes.472 A borda do mundo

modernizado é o lugar onde estas desigualdades não foram plenamente naturalizadas.

Portanto, o estudo da educação na fronteira da modernização pode conter fecundas lições.

471 FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 47 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005, p. 79. 472 Segundo Philippe Áries, ―uma nova moral deveria distinguir a criança escolar, e separá-la: a noção da criança bem educada. Essa noção praticamente não existia no século XVI, e formou-se no século XVII. Sabemos que se originou das visões reformadoras de uma elite de pensadores e moralistas que ocupavam funções eclesiásticas ou governamentais. A criança bem educada seria preservada das rudezas e da imoralidade, que se tornariam traços específicos das camadas populares e dos moleques‖ (ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2006, p. 121).

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José Sebastião de Mont‘Alverne (1945). Entrevistado no dia 18 de julho de 2007. É filho e ex-aluno da professora e poetisa Aracy Mont‘Alverne, que atuou como docente durante o governo de Janary Nunes. Josefa Lina da Silva (1916). Entrevistada no dia 13 de fevereiro de 2008. Faz parte da comunidade negra que residia próximo do centro histórico de Macapá e que, com as reformas aí promovidas por Janary, foi transferida para o Laguinho. Raimundo Lino Ramos, ou ―Pavão‖ (1936). Entrevistado no dia 25 de março de 2008. Também faz parte da comunidade negra que residia próximo do centro histórico de Macapá. Foi aluno das primeiras escolas criadas pelo governo de Janary Nunes. Eulice de Souza Smith (1912). Entrevistada no dia 30 de abril de 2008. Nos anos 50, foi secretária escolar na Escola Industrial de Macapá e na Escola Normal de Macapá. Benedita Guilherma Ramos, ou ―Tia Biló‖ (1925). Entrevistada no dia 06 de maio de 2008. É filha do muito conhecido organizador da festa do Marabaixo ―mestre‖ Julião Ramos (já falecido). Como o pai, foi morar no Laguinho em meado da década de 1940. Hoje ela é reconhecida no Amapá como uma das mais importantes lideranças da festa do Marabaixo do Laguinho. Joaquim Theófilo de Souza (1919). Entrevistado no dia 8 de maio de 2008. Faz parte da comunidade negra do Laguinho. Trabalhou na agricultura, no extrativismo e na construção civil em Macapá. É hábil artesão (fabricador de caixas de Marabaixo). Joaquim Ramos da Silva, ou ―Munjoca‖ (1953). Entrevistado no dia 23 de maio de 2008. É filho da ―Tia Biló‖ e foi criado por Julião Ramos. Hoje é um dos mais ativos organizadores do Marabaixo do Laguinho.

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QUEIROZ, Jonas Marçal. Trabalho escravo, imigração e colonização no Grão-Pará (1877-1888). In: QUEIROZ, Jonas Marçal e COELHO, Mauro Cezar. Amazônia: modernização e conflito. Belém: UFPA/ NAEA; Macapá: UNIFAP, 2001, 81-116. RAIOL, Osvaldino. A utopia da terra na fronteira da Amazônia: geopolítica e o conflito pela terra no Amapá. Macapá: O Dia, 1992. RAMOS, Marise Nogueira. O ensino médio ao longo do século XX: um projeto inacabado. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 229-242. RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre emancipação intelectual. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. —————, O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Ed. 34, 1996. REIS, Elisa P. O Estado Nacional como ideologia: o caso brasileiro. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 1 a 2, 1998. RIBEIRO, Maria Alice Rosa. O ensino industrial: memória e história. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 209-228. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil (1930-1973). 30 ed. Petrópolis: Vozes, 2006. ROVAI, Martha Gouveia de Oliveira. A manipulação dos desejos pela construção de imagens. Projeto história. N. 14, fev. 1997. SANTOS, Carlos José Ferreira dos. Nem tudo era italiano. São Paulo e pobreza (1890-1915). São Paulo: Annablume, 1998. SANTOS, Fernando Rodrigues. História do Amapá: da autonomia territorial ao fim do janarismo (1943-1970). 2 ed. Belém: GrafiNorte, 2006. SARTRE, Jean Paul. O ser e o nada: ensaios de ontologia fenomenológica. 15 ed. Petrópolis: Vozes, 2007. SAVIANI, Demerval. A política educacional no Brasil. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis-RJ: Vozes, 2005, p. 29-38. SCHUELER, Alessandra F. Martinez de. Crianças e escolas na passagem do Império para a República. Revista brasileira de história. São Paulo: ANPUH/ Humanitas, vol. 19, n. 37, 1999. SCHWARTZMAN, Simon, BOMENY, Helena Maria Bousquet e COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, 2000. SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In: PANDOLFI, Dulce (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 199-228.

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151

SILVA, Maura Leal. A (onto)gênese da nação nas margens do território nacional: o projeto janarista territorial para o Amapá (1944-1956). Dissertação de mestrado, PUC-SP, 2007. SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930-1964). 7 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. SLOTERDIJK, Peter. No mesmo barco: ensaio sobre a hiperpolítica. São Paulo: Estação Liberdade, 1999. SNYDERS, Georges. Escola, classe e luta de classes. São Paulo: Centauro, 2005. SOUZA, Cynthia Pereira. A criança-aluno transformada em números (1890-1960). In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 195-208. SOUZA, Maria do Carmo Campelo de. O processo político partidário na Primeira República. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em perspectiva. 21 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. STEPHANOU, Maria. Discursos médicos e a educação sanitária na escola brasileira. In: STEPHANOU, Maria e BASTOS, Maria Helena Câmara (orgs.). Histórias e memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 142-164. THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: Costumes em comum. São Paulo: Companhia das letras, 1998, p. 267-304. THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. TOTA, Antonio Pedro. Cultura, política e modernidade em Noel Rosa. São Paulo em Perspectiva. Vol. 15, n. 3, jul-set/ 2001, p. 45-49. VAISMAN, Ester. Althusser: ideologia e aparelhos de Estado — velhas e novas questões. Projeto História. São Paulo, jul-dez de 2006, n. 33, p. 247-269. VASCONCELLOS, Gilberto e SUZUKI JÚNIOR, Matinas. A malandragem e a formação da música popular brasileira. In: FAUSTO, Boris (dir.). História geral da civilização brasileira. Tomo III (O Brasil Republicano), vol. 4, São Paulo: DIFEL, 1984, p. 501-523. WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. WEGNER, Robert. A conquista do oeste: a fronteira na obra de Sérgio Buarque de Holanda. Belo Horizonte: UFMG, 2000. WEINSTEIN, Barbara. A Borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: Hucitec/EDUSP, 1993.

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ANEXOS

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Anexo nº 1

Fonte: BENEVIDES, Marijeso de Alencar. Os novos territórios federais. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946, p. 72b.

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Anexo nº 2

CIRCUNSCRIÇÕES EXCLU- SIVAMENTE JUDICIÁRIAS

CIRCUNSCRIÇÕES EXCLUSIVAMENTE ADMINISTRATIVAS

CIRCUNSCRIÇÕES SIMULTANEAMENTE ADMINISTRATIVAS E JUJUDICIÁRIAS

SEDES DAS CIRCUNSCRI- ÇÕES E SUBDISTRITOS

COMARCAS MUNICÍPIO DISTRITOS SUB-DISTRITOS

N.º NOMES N.º NOME N.º NOME N.º NOME N.º NOME CATEGORIA

1 Amapá 2 Macapá 3 Mazagão

1 Amapá 2 Oiapoque 3 Macapá 4 Mazagão

1 Amapá 2 Aporema (ex-Araguari) 3 Calçoene 4 Oiapoque 5 Ponta dos Indios 6 Macapá 7 Bailique 8. Ferreira Gomes (ex-Amapar´) 9 Mazagão 10 Mazagão Velho 11 Boca do Jari

1 Amapá 2. Araguari 3 Frechal 4 Aporema 5 Lago Novo 6 Calçoene 7 Counani 8 Oiapoque 9 Marupí 10 Ponta dos Indios 11 Cassiporé 12 Macapá 13 Macoari 14 Pedreira 15 Igarapé do Lago 16 Bailique 17 Curuá 18 Boca do Araguarí 19 Gurijuba 20 Ferreira Gomes 21 Amaparí 22 Mazagão 23 Santa Maria 24 Mazagão Velho 25 Maracá 26 Ajuruxí 27 Cajari 28 Boca do Jari 29 Santo Antonio da Cachoeira

1 Amapá 2. Araguari (Fronteiro a Porto Grande) 3 São Miguel do Frechal 4 Aporema 5 Lago Novo 6 Calçoene 7 Counani 8 Oiapoque 9 Boca do Marupi 10 Ponta dos Indios 11 Vila Velha 12 Macapá 13 Três Vistas 14 Santo Antonio 15 Igarapé do Lago 16 Bailique 17 Limão do Curuá 18 São Miguel do Araguarí 19 Gurijuba 20 Ferreira Gomes 21 Porto Grande 22 Mazagão 23 Santa Maria do Vila Nova 24 Mazagão Velho 25 Central do Maracá 26 Boca do Ajuruxí 27 Central do Cajarí 28 Boca do Jari 29 Santo Antonio da Cachoeira

Cidade Povoado Povoado Vila Povoado Vila Povoado Cidade Povoado Vila Povoado Capital Povoado Povoado Povoado Vila Povoado Povoado Povoado Vila Povoado Cidade Povoado Vila Povoado Povoado Povoado Vila Povoado

Fonte: anexo nº 1 do Decreto nº 29 de 10 de agosto de 1945.

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Anexo nº 3 DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO E CULTURA

SITUAÇÃO DO ENSINO POSTERIOR À CRIAÇÃO DO TERRITÓRIO.

Movimento de matricula, freqüência e exame no segundo semestre letivo de 1944.

ESCOLAS

MATRICULA Examinados em

15 – XI - 44 Aprovados

CONCLUSÃO DE CURSO OBSERVAÇÕES

Causas de baixa na matricula Geral Efetiva Pré-primário

infantil Primário

Fundamental

Grupo Escolar de Macapá Noturna masculina de Macapá Noturna Feminina de Macapá Prendas Domesticas de Macapá Isolada Mista do Rio Pedreira Isolada Mista do Igarapé do Lago Isolada Mista de Santana Isolada mista de Porto do Céu Isolada Mista de Ilha Redonda Isolada Mista de Campina Grande Isolada Mista de Porto Grande Isolada Mista do Igarapé Fortaleza Isolada Mista de Itaubal TOTAL DE MACAPÁ Grupo Escolar de Amapá Isolada Mista de São Miguel Isolada Mista de Tucumã Isolada Mista de Ponta dos Índios

306

24

32

43

48

61

39

32

17

24

24

28

91

769 74

35 28 36

219 5

19 4

48

59

38

27

17

24

24

28

91

603 74

35 24 29

219 3

11 — —

39

37

27

17

24

12

10

62

460 66

24 18 29

118

118

11 —

10 —

144 21 8 6 —

30 — — — — — — — — — — — —

30 — — — —

— — — — — — — — — — — — — — 1 — — —

76 eliminados por falta de freqüência, 11 pediram baixa. Depois de Outubro houve uma grande retirada para o interior. Funcionamento muito irregular devido a falta de professor 10 alunas retiraram-se de Macapá para o interior no mês de novembro. Pela necessidade de reduzir uniformes a Escola foi transformada numa pequena oficina de alunas adiantadas. as meninas do Grupo não puderam freqüentar. Dados muito incertos, o professor não sabia fazer os mapas. Não houve exames. Dados incertos, o professor não sabia fazer mapas. No fim de outubro grande retirada de famílias para a extração de borracha. No fim de outubro a queda da freqüência tem a mesma explicação (borracha). Escola aberta em agosto. Dados incertos pela incapacidade do professor. Aberta em agosto. Nesta região (campos) é menor a influencia da borracha. Aberta em agosto. Dados incertos. O professor não sabia fazer os mapas. Todas as faltas ao exame devidas a safra da borracha. Pelo numero dos que foram a exame a matricula deve ter caído muito em novembro (borracha). 3 alunos mudaram de residência, os outros adoeceram. 4 mudaram de residência. Outros, motivo ignorado. 9 alunos mudaram de residência. Muitos alunos mudaram-se para Espírito Santo.

Fonte: NUNES, Janary. Relatório das atividades do Governo do Território Federal do Amapá em 1944. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1946, p. 62.

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Continuação do Anexo nº 3

CONCLUSÃO

ESCOLAS

MATRICULA ESAMINADOS EM

15 – XI - 44 Aprovados

CONCLUSÃO DE CURSOS OBSERVAÇÕES

Causas de baixa na matricula Geral Efetiva Primário Infantil

Primário Fundamental

Diurna e Noturna de Clevelândia Grupo Escolar do Espírito Santo TOTAL DE AMAPÁ Grupo Escolar de Mazagão Isolada Mista de Mazagão Velho Prendas Domésticas de Mazagão Velho Isolada Mista de Maracá-Mirim Isolada Mista de Santa Maria ]TOTAL DE MAZAGÃO TOTAL DO TERRITÓRIO

28

72

273

73

57

32

44

30

236

1278

28

72

262

73

57

32

44 6

212

1077

24

68

229

51

23 —

43 6

123

812

14

49

17 5 — — —

22

215

— —

30

— —

1 —

1

Dados incertos. A escola foi prejudicada pela instabilidade de professor. A matricula e freqüência subiram com a transformação em Grupo Escolar e chegada de um normalista. As ausências e as reprovações do exame foram muito motivadas pela instabilidade dos professores. 28 alunos ausentaram-se antes dos exames para a safra da borracha. Como a anterior, sofre grande influência da borracha. Oscilação muito pequena. População aventureira (minas). Muda-se assim que o filão diminui ou outro é descoberto.

a) Mobilidade conforme a época e o lugar próprios à extração de certos produtos (borracha, ouro, farinha

b) Doença. c) Desvio de menores para o

trabalho de renda imediata (miséria).

d) Ignorância de famílias e indiferença pela escola.

e) Mudança de residência para outro município ou Estado(sobretudo do interior para as sedes municipais).

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Anexo nº 4

ENSINO FUNDAMENTAL COMUM (1950)

TERRITÓRIOS E CAPITAIS

Unida- des es- colares

Corpo docen- te

Matrícula

Frequên- cia

Apro- vações em ge- ral

Conclu- sões de Curso Geral Efetiva média

GUAPORÉ Porto Velho ACRE Rio Branco RIO BRANCO Boa Vista AMAPÁ Macapá

28 25

136 29

20 20

213 119

99 75

268 78

44 44

213 119

2.675 2.100

8.673 2.671

1.391 1.391

6.114 3.446

2.515 1.989

7.605 2.189

1.090 1.090

5.257 2.973

2.345 1.920

5.814 1.747

723 723

3.952 2.231

1.850 1.400

3.063 865

603 603

2.071 1.120

108 80

218 84

29 29

90 54

FONTE — Serviço de Estatística de Educação e Saúde (Ensino Primário Geral. Amapá. N. 373, de 10/05/1952, p. 3).

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