educaÇÃo infantil na dÉcada de 1990: intelectuais e … · foi a partir das deliberações...

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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011 1 EDUCAÇÃO INFANTIL NA DÉCADA DE 1990: INTELECTUAIS E SEUS DIAGNÓSTICOS MOLETTA, Ana Keli (UEPG) CAMPOS, Névio de (Orientador/UEPG) O trabalho ora apresentado divide-se em três momentos que no decorrer da história da Educação Infantil 1 , acabam se interpolando. O primeiro momento tem como objetivo problematizar as concepções de E.I formuladas pelo grupo 2 que se fez presente na Coordenação de Educação Infantil do Ministério da Educação 3 , nos anos de 1994 a 1996; O segundo debater sobre as concepções de E.I articuladas pelo grupo 4 que esteve na Coedi/MEC, nos anos 1997 a 1998, o qual foi responsável pela elaboração do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil 5 ; O terceiro analisar o debate a respeito desses dois momentos acima expostos, em especial o período de concretização do Rcnei, tendo como principal protagonista a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação 6 (Anped). Partimos da hipótese de que as proposições do primeiro e do segundo grupo são divergentes, visto que constituem personalidades distintas, com visões e trajetórias diferentes. Nas fontes consultadas para o estudo, fica visível esse aspecto. Além disso, conforme Ana Beatriz Cerisara 7 , [...] a produção na área, no período de 1993-1998, coordenada pela COEDI, atendia perfeitamente aos anseios das pessoas que atuam nas instituições e era o que havia de melhor em termos de definição para a área neste momento histórico. Por isso, mesmo que o RCNEI tenha sido aperfeiçoado, melhorado, adaptado, ele continua significando 1 Doravante também usaremos a expressão E.I quando nos referirmos a Educação Infantil. 2 Primeiro grupo analisado nessa pesquisa - Coedi/MEC 1994-1996. 3 Doravante também usaremos a expressão Coedi/MEC quando nos referirmos a Coordenação de Educação Infantil do Ministério da Educação. 4 Segundo grupo analisado nessa pesquisa - Coedi/MEC 1997-1998. 5 Doravante também usaremos a expressão Rcnei quando nos referirmos ao Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. 6 Terceiro grupo analisado nessa pesquisa - Anped 1998. 7 Ana Beatriz Cerisara estava vinculada ao grupo da Anped.

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Universidade Estadual de Maringá 26 e 27/05/2011

1

EDUCAÇÃO INFANTIL NA DÉCADA DE 1990: INTELECTUAIS E

SEUS DIAGNÓSTICOS

MOLETTA, Ana Keli (UEPG)

CAMPOS, Névio de (Orientador/UEPG)

O trabalho ora apresentado divide-se em três momentos que no decorrer da

história da Educação Infantil1, acabam se interpolando. O primeiro momento tem como

objetivo problematizar as concepções de E.I formuladas pelo grupo2 que se fez presente

na Coordenação de Educação Infantil do Ministério da Educação3, nos anos de 1994 a

1996; O segundo debater sobre as concepções de E.I articuladas pelo grupo4 que esteve

na Coedi/MEC, nos anos 1997 a 1998, o qual foi responsável pela elaboração do

Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil5; O terceiro analisar o debate a

respeito desses dois momentos acima expostos, em especial o período de concretização

do Rcnei, tendo como principal protagonista a Associação Nacional de Pós-Graduação e

Pesquisa em Educação6 (Anped).

Partimos da hipótese de que as proposições do primeiro e do segundo grupo são

divergentes, visto que constituem personalidades distintas, com visões e trajetórias

diferentes. Nas fontes consultadas para o estudo, fica visível esse aspecto. Além disso,

conforme Ana Beatriz Cerisara7,

[...] a produção na área, no período de 1993-1998, coordenada pela COEDI, atendia perfeitamente aos anseios das pessoas que atuam nas instituições e era o que havia de melhor em termos de definição para a área neste momento histórico. Por isso, mesmo que o RCNEI tenha sido aperfeiçoado, melhorado, adaptado, ele continua significando

1 Doravante também usaremos a expressão E.I quando nos referirmos a Educação Infantil. 2 Primeiro grupo analisado nessa pesquisa - Coedi/MEC 1994-1996. 3Doravante também usaremos a expressão Coedi/MEC quando nos referirmos a Coordenação de Educação Infantil do Ministério da Educação. 4 Segundo grupo analisado nessa pesquisa - Coedi/MEC 1997-1998. 5 Doravante também usaremos a expressão Rcnei quando nos referirmos ao Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. 6 Terceiro grupo analisado nessa pesquisa - Anped 1998. 7 Ana Beatriz Cerisara estava vinculada ao grupo da Anped.

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uma ruptura com o que vinha sendo produzido e com o que vinha sendo defendido como a especificidade da educação infantil. (CERISARA, 2007, p. 44).

As ações dos grupos analisados nessa pesquisa são compreendidas no

movimento intelectual de debate sobre Educação e Educação Infantil, bem como das

políticas públicas que promoveram reformas na Educação ao longo das décadas de 1980

e 1990. Tais discussões se intensificaram a partir da Constituição Federal de 1988, onde

se explicitou sobre a declaração dos direitos sociais e coletivos. A respeito desse

assunto, Esméria de Lourdes Saveli afirma que:

A Constituição Federal de 1988, marcada pela presença de um clima de democracia, apresenta, de modo intenso em seu texto, os direitos sociais e coletivos, e o propósito de transformar cada indivíduo em cidadão. A referida constituição também enfatiza a relação do dever do Estado e os direitos do cidadão. (SAVELI, 2010, p.138).

Tal assertiva está no Art. 205 da CF/88: “A educação, direito de todos e dever do

Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,

visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania

e sua qualificação para o trabalho”. (BRASIL, 1988). No que se refere à E.I, o texto

constitucional, em seu Art. 208, institui a garantia de atendimento em creches e pré-

escolas às crianças de zero a seis anos de idade. (BRASIL, 1988).

Outro documento que reafirmou os direitos explicitados pela Constituição

Federal, foi o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069 de 13 de julho de

1990, que dispõe no Art. 54 Par. IV a respeito do dever do Estado de assegurar “[...]

atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade”. (BRASIL,

1990).

Na mesma direção, em 20 de dezembro de 1996, fomos contemplados com a Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), n. 9.394 que foi construída tendo

por base a Constituição Federal de 1988. Essa nova lei ratifica o contido na CF e no

ECA, quanto à obrigatoriedade de oferta da E.I em creches e pré-escolas por parte do

Estado. Em seu Art. 29, define como finalidade da Educação Infantil “[...] o

desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,

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psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”.

(BRASIL, 1996).

Essa nova lei colocou a E.I como parte integrante da educação básica,

significando que esse nível da educação, deixou ao menos na letra da lei, de fazer parte

das fileiras políticas assistenciais e passou a constar nos sistemas de educação,

coordenados pelas Secretarias Municipais de Educação.

As referências às alterações no ordenamento jurídico se justificam na presente

pesquisa, pois conforme Cerisara:

Atualmente, falar em educação infantil no Brasil implica fazer uma retrospectiva desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9394/1996. Isso porque foi a partir das deliberações encaminhadas nessas duas leis e das suas conseqüências para a área que os desafios e as perspectivas têm sido colocados. (CERISARA, 2002, p. 327).

No contexto de debate sobre Educação Infantil insere-se a intervenção da

Coedi/MEC, sob orientação de Ângela Maria Rabelo Ferreira Barreto8 e demais

pesquisadores, que a partir do ano de 1994, organizaram uma política ampla para a área,

com elaboração de documentos, participações em palestras, eventos, debates, visando

formular diretrizes para a E.I em nosso país. Um exemplo são os “cadernos”9

elaborados pela Coedi/MEC no período de 1993 a 1998.

Esse amplo trabalho que estava sendo realizado foi interrompido em 1996,

quando a então coordenadora da Coedi/MEC Ângela Maria Rabelo Ferreira Barreto, foi

destituída do cargo. Faria e Palhares sobre o assunto comentam: “De repente fomos

atropelados [...] com a troca da coordenação da COEDI”. (FARIA; PALHARES, 2007

p. 2). Nessa mesma direção Kramer afirma: 8 Coordenadora geral de Educação Infantil de 1994 a 1996, designada pela portaria n ° 1.526 de 21 de outubro de 1993. 9 Nossa justificativa por utilizar a expressão “caderno” entre aspas é a de que esses documentos ficaram conhecidos nacionalmente por esse sinônimo por apresentarem o formato de um caderno. Os cadernos da Coedi são: Subsídios para elaboração de diretrizes e normas para educação infantil (1998); Proposta pedagógica e currículo para educação infantil: um diagnóstico e a construção de uma metodologia de análise (1998); Critérios para um atendimento em creches e pré-escolas que respeite os direitos fundamentais das crianças (1995); Bibliografia anotada (1995); Educação infantil no Brasil: Situação atual (1994); Por uma política de formação do profissional de educação infantil (1994); Política nacional de educação infantil (1994).

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Em primeiro lugar, vale destacar que o enfoque teórico-metodológico sobre currículo ou proposta curricular, a visão sobre política pública e o papel do Ministério que tinham integrantes da equipe da COEDI e consultores situava-se na direção oposta à do próprio MEC, comprometido com a definição de parâmetros curriculares para todos os níveis de ensino da educação básica. Esta divergência acarretou, entre outros problemas, a suspensão do material (as “carinhas”), a mais importante contribuição do MEC à educação infantil. (KRAMER, 2002 p.5 grifo da autora).

Em seguida ao afastamento de Ângela Maria Rabelo Ferreira Barreto, o MEC

nomeou outra equipe10 para compor o quadro da Coordenação de Educação Infantil. O

novo grupo foi coordenado por Gisela Wajskop11 com a colaboração de intelectuais da

área, inclusive técnicos internacionais. No mês de janeiro de 1998 a nova equipe

disponibilizou o texto preliminar do Referencial Curricular Nacional para Educação

Infantil. Ao propor esse novo documento o MEC almejava,

[...] socializar a discussão sobre as práticas pedagógicas nesse nível de ensino, sugerindo formas de ações adequadas às necessidades educativas e de cuidados específicos, próprias da faixa etária de zero e seis anos. Este Referencial pretende propiciar, ainda, o desenvolvimento de práticas de qualidade que permitam a inserção eqüitativa e participativa dessas crianças no universo social, cultural, econômico e político da realidade brasileira. (BRASIL, 1998a, vol. I).

Como forma de avaliação da qualidade desse novo documento, vários

profissionais ligados a E.I, receberam sua versão preliminar e foram chamados a emitir

pareceres, individual ou institucional, acerca dessa proposição do MEC. Mais

precisamente 700 pareceristas, entre profissionais de Educação Infantil, administradores

e pesquisadores receberem a versão para emitir parecer. O tempo disponibilizado pelo

MEC, para análise da versão e entrega dos pareceres foi de apenas um mês. Sabendo do

pouco tempo disponibilizado e da amplitude da tarefa que tinham em mãos,

10Gisela Wajskop, Ana Amélia Inoue, Silvia Pereira de Carvalho, Anamélia Bueno Buoro, Cisele Ortiz, Damares Gomes Maranhão, Edna Thomazella Cartaxo, Fátima Camargo, Maria Alice Junqueira de Almeida, Maria Clotilde Rossetti-Ferreira, Maria Paula Vignola Zurawisky, Maria Priscila Bacellar Monteiro, Maria Tereza Alencar de Brito, Maria Virgínia Gastaldi Perassollo, Regina Lúcia Scarpa Leite, Vinicio Macedo Santos, Ana Teberosky, Cecília Parra, Gilles Brougère, Claudia Lemos, Délia Lerner de Zunino,Izabel Galvão, Jean Hébrard, Maria Clotilde Rossetti-Ferreira, Marisa Pelella Mélega, Paulo Portella Filho, Ricardo Brein, Telma Weisz. 11 Coordenadora Geral de Educação Infantil da Secretaria de Ensino Fundamental 1997 - 1998

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[...] não só porque o RCNEI é um documento de mais ou menos 400 páginas, mas principalmente pela clara visão de que qualquer proposta de direcionamento único para os sistemas educacionais de todo país é tarefa polêmica e difícil – os pareceres foram sendo redigidos e socializados entre as pessoas. (CERISARA, 2007, p. 21).

Preocupados com o rumo que tal documento traria à E.I, um grupo de

pesquisadores da área, pareceristas e pertencentes ao GT Educação da Criança de 0 a 6

anos da Anped, começaram a discutir o documento e as concepções nele defendidas.

Segundo Faria e Palhares, a curta trajetória do direito conquistado pelas crianças “[...]

impõe procedimentos criteriosos para a sua inclusão numa política integrada e coerente

para a infância no Brasil, apontando para a superação de incongruências que políticas (e

“não-políticas”) isoladas foram desenhando”. (FARIA; PALHARES, 2007 p. 2 grifo

das autoras).

Durante o período de discussões e reflexões sobre essa nova proposição, foi-se

percebendo a necessidade de contribuir para que o documento fosse:

[...] representativo das concepções mais recentes na área e que viesse a significar um avanço e não um retrocesso para a qualidade do trabalho a ser realizado com meninos e meninas menores de 7 anos em creches e pré-escolas. (CERISARA, 2007, p. 20).

Dessa forma, o GT712 da Anped decidiu por fazer um parecer único,13 baseado

no conteúdo dos pareceres em que tinham em mãos. A intenção desse, além da

possibilidade de reflexão sobre um documento tão importante para a área era a de “[...]

perceber até que ponto o resultado dos pareceres seria ou não incorporados pelo

Ministério da Educação (MEC) na versão final do RCNEI” (CERISARA, 2007, p. 21).

Nesse trabalho, a Anped reconheceu a importância da iniciativa do MEC, elucidando

que: Um dos méritos da proposta é justamente ter provocado uma ampla mobilização para a reflexão e o debate sobre os objetivos e as características da educação infantil, no contexto das grandes mudanças introduzidas na legislação a partir da Constituição de 1988. (ANPED, 1998, p. 89).

12 Educação de crianças de 0 a 6 anos 13 Parecer da ANPED sobre o documento Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Disponível na Revista Brasileira de Educação n° 07, 1998.

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As avaliações dos pareces analisados acerca do novo documento foram diversas,

“[...] muitos comentaristas sugeriram a retirada do documento, outros fizeram sugestões

de modificações substanciais, o que levaria a um trabalho longo de reconstrução da

proposta”. (ANPED, 1998, p. 96). Porém foi decidido por uma reformulação não muito

profunda, levando em consideração os aspectos prioritários, para que dessa forma o

MEC fosse “[...] receptivo em relação às críticas e sugestões apresentadas”. (ANPED,

1998, p. 96). Em outubro de 1998, a versão final do Rcnei foi divulgada. De acordo com

Palhares e Martinez,

O RCNEI representa um ponto de inflexão na trajetória que vinha sendo gestada anteriormente pela Coordenadoria de Educação Infantil. Entretanto, o documento apresenta os tópicos fundamentais para a composição de um referencial para a educação: elaborado por especialistas de renome nacional e internacional; incorporando propostas nacionais e de outros países; e ainda oferecendo idéias que visam contribuir para o surgimento de uma nova proposta para o cotidiano da educação infantil. (PALHARES; MARTINEZ, 2007, p.8).

Partindo do problema dessa pesquisa que é o de analisar as ações dos intelectuais

que discutiram sobre E.I entre 1994 e 1998, podemos considerar que a presente pesquisa

se insere na História Intelectual e, particularmente na História Intelectual da Educação.

Dessa forma, dois aspectos nos apresentam de imediato para sua compreensão: O

primeiro é entendimento do “funcionamento de uma sociedade intelectual” e o segundo

“as características de um momento histórico e conjuntural”. (SILVA, H. 2002, p.12).

Helenice Rodrigues da Silva em seus textos: História Intelectual: Condições de

possibilidades e espaços possíveis e A História Intelectual em questão esclarece sobre

essa nova área de pesquisa, que nos dias atuais ainda se constitui como complexa e

inexata: “[...] o que seria uma história intelectual? A essa pergunta, as respostas

continuam imprecisas e insuficientes” (SILVA, H. 2002, p. 11). E ainda “[...] campo de

estudo ainda indeterminado”. (SILVA, H. 2003, p. 15).

Segundo a autora, a História Intelectual tem caráter pluridisciplinar, ou seja,

oscila entre a sociologia, a história, a biografia dos intelectuais como também entre a

análise das obras e das ideias. “[...] a história intelectual deve levar em conta a dimensão

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sociológica, histórica e filosófica capaz de explicar a produção intelectual com base nos

espaços socioprofissionais e nos contextos históricos”. (SILVA, H. 2002, p. 12).

A história intelectual parece visar dois pólos de análise “[...] de um lado, o

conjunto de funcionamento de uma sociedade intelectual (o campo na versão de Pierre

Bourdieu)” (SILVA, H. 2003, p. 16), ou seja, práticas, regras de legitimação,

estratégias, habitus, e de outro “[...] as características de um momento histórico e

conjuntural que impõe formas de percepção e de apreciação” (SILVA, H. 2003, p. 16),

formas específicas de agir e pensar de uma determinada comunidade.

Para compreendermos o funcionamento de uma sociedade intelectual

necessitamos discutir o próprio problema dessa terminologia. Para Norberto Bobbio, o

que chamamos hoje de intelectual, foi outrora os chamados “[...] sábios, doutos,

philosophes, lieteratos, gens de lettre, ou mais simplesmente escritores” (BOBBIO,

1997, p.11 grifo do autor). Compartilhando desse pensamento, Gérard Leclerc (2004)

sustenta:

Cada sociedade (tribo, cidade, Estado-nação, império, civilização) tem seus profissionais do pensamento, da cultura, da escrita – ou, pelo menos, da palavra cultural, mítica e sagrada -, cuja função é produzir e transmitir no espaço e no tempo os discursos que garantem a identidade do grupo, os valores centrais da coletividade. (LECLERC 2004 p. 15).

Embora sob diversas designações, os intelectuais sempre se fizeram presentes,

pois “[...] toda sociedade tem seus detentores de poder ideológico, cuja função muda de

sociedade para sociedade, de época para época”. (BOBBIO, 1997, p.11). “De fato, cada

época histórica vê surgir tipos sociais que a simbolizam de uma certa maneira.”

(LECLERC, 2004, p. 9 grifo do autor).

Na tarefa de compreender as ações e proposições dos intelectuais que debateram

a respeito da E.I no período de 1994 a 1996, recorremos a Pierre Bourdieu e seu

conceito de intelectual bidimensional, pois o intelectual proposto pelo autor mostra-se

útil para problematizar as ações do primeiro grupo analisado.

Para Bourdieu, o intelectual “[...] é um ser paradoxal, que não podemos pensar

como tal enquanto não o apreendermos através da alternativa obrigatória da autonomia e

do engajamento, da cultura pura e da política”. (BOURDIEU, 1996a p. 370). O autor

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compreende o intelectual como um ser bidimensional, que pertence a um campo

intelectual autônomo e que também manifesta sua autoridade em campo exterior ao

espaço de sua atividade intelectual.

O intelectual é uma personagem bidimensional que só existe e subsiste como tal se (e apenas se) for investido de uma autoridade específica, conferida por um mundo intelectual autônomo (quer dizer, independente dos poderes religiosos, políticos, econômicos) cujas leis específicas respeita, e se (e apenas se) cometer essa autoridade específica em luta políticas. Longe de existir, como correntemente se pensa, uma antinomia entre a busca de autonomia (que caracteriza a arte, a ciência ou a literatura ditas “puras”) e a busca da eficácia política, é aumentando a sua autonomia (e, por isso, entre outras coisas, a sua liberdade crítica perante os poderes) que os intelectuais podem aumentar a eficácia de uma acção política cujos fins e os meios encontram o seu princípio na lógica específica dos campos de produção cultura. (BOURDIEU, 1996a p. 370, grifo do autor).

Para Bourdieu o intelectual se constitui como tal, intervindo no campo político

em nome da autonomia e dos valores do campo de produção cultural. (BOURDIEU,

1996a). Ele intervém no campo político com armas que não são propriamente políticas.

Nesse sentido, também importa para o direcionamento dessa pesquisa

considerarmos as categorias bourdianas de campo político, campo científico/acadêmico,

campos de poder, para que possamos analisar a trajetória percorrida pelos intelectuais

que discutiram a E.I no período analisado.

O conceito de campo é um dos conceitos centrais na obra do autor. Ele pode ser

considerado tanto um campo de forças, pois constrange os agentes nele envolvidos

quanto um campo de lutas, no qual os agentes atuam conforme sua posição, mantendo

ou modificando sua estrutura.

Essa estrutura não é imutável e a topologia que descreve um estado de posições sociais permite fundar uma análise dinâmica da conservação e da transformação da estrutura da distribuição das propriedades ativas e, assim do espaço social. (BOURDIEU, 1996b, p.50).

Por ser um espaço dinâmico, o campo está em constante transformação, e nesse

palco de disputas, o grande interesse entre os envolvidos é defender a lógica do seu

campo.

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[...] a análise das estruturas objetivas – as estruturas dos diferentes campos – é inseparável da análise da gênese, nos indivíduos biológicos, das estruturas mentais (que são em parte produto da incorporação das estruturas sociais) e da análise da gênese das próprias estruturas sociais: o espaço social, bem como os grupos que nele se distribuem, são produto de lutas históricas (nas quais os agentes se comprometem em função de sua posição no espaço social e das estruturas mentais através das quais eles apreendem esse espaço. (BOURDIEU, 2004, p. 26).

As lutas internas de um determinado campo envolvem sempre a posse de um

capital específico. Esse acúmulo prévio do capital lhe permite o reconhecimento, como

um integrante daquela comunidade.

Algo como uma classe ou, de modo mais geral, um grupo mobilizado para e pela defesa de seus interesses, não pode existir senão ao preço e ao termo de um trabalho coletivo de construção inseparavelmente teórico e prático; mais nem todos os agrupamentos sociais são igualmente prováveis e esse artefato social que é sempre um grupo social tem tanto mais oportunidade de existir e subsistir de maneira durável quanto mais os agentes que se agrupam para construí-lo já estejam mais próximos no espaço social. (BOURDIEU, 1996b, p.50).

O campo acadêmico ou científico14, ou seja, “[...] lócus de práticas sociais

distintas, relacionadas basicamente a produção e a circulação de bens acadêmicos”

(HEY, 2008, p. 217), é o lugar onde os agentes têm por função produzir conhecimento

acadêmico, isto é uma prática social legitimada e reconhecida como tal. “O campo

acadêmico é entendido como o lócus em que ocorrem práticas institucionalizadas de

produção do conhecimento o que envolve, sobretudo a idéia de universidade”. (HEY,

2008, p. 220-221).

O campo acadêmico a exemplo dos outros campos é o lugar de forças e de lutas,

que visa transformar ou conservar a relação de força estabelecida. Os agentes nele

envolvidos investem o capital que adquiriram em lutas anteriores, mas essas lutas

possuem alvos específicos, que é próprio do campo, e o poder e o prestígio que elas

perseguem é de um tipo particular,

14 Nessa pesquisa utilizaremos a expressão científico e acadêmico como sinônimos.

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[...] trata-se de uma questão de poder – o poder de publicar ou de recusar a publicação, por exemplo -, de capital – o do autor consagrado que poder ser parcialmente transferido para a conta de um jovem escritor ainda desconhecido, por meio de um comentário elogioso ou de um prefácio; - aqui como em outros lugares observam-se relações de força, estratégias, interesses, etc. (BOURDIEU, 2004, p. 170).

Já o campo político proposto por Bourdieu, é definido em relação aos

acontecimentos que ocorrem no interior do campo dos profissionais chamados de

políticos. Ou seja:

Existe um campo político (assim como existe um espaço religioso, artístico, etc), isto é, um universo autônomo, um espaço de jogos onde se joga um jogo que possui regras próprias; e as pessoas envolvidas nesse jogo possuem, por esse motivo, interesses específicos, interesses que são definidos pela lógica do jogo e não pelos mandantes. (BOURDIEU, 2004, p. 200).

Assim, como há um universo científico, um universo da arte, existe o universo

político, que tem suas regras e suas lógicas próprias. O que o diferencia dos demais é

um habitus particular e um capital específico.

Para adentrar neste campo é necessário conhecer suas regras, dispor de uma

certa linguagem, de uma certa cultura própria do campo e acima de tudo estar disposto a

jogar nesse campo. “No microcosmos formado por aqueles que se entregam à política,

se joga um jogo que envolve interesses particulares. Esses interesses são diferentes das

vontades”. (FERNANDES, 2006, p. 78). Segundo Bourdieu,

Nada há que seja exigido de modo mais absoluto pelo jogo político do que esta adesão fundamental ao próprio jogo, illusio, involvement, commitment, investimento no jogo que é produto do jogo ao mesmo tempo que é a condição do funcionamento do jogo: todos os que têm o privilégio de investir no jogo (em vez de serem reduzidos à indiferença e à apatia do apolitismo), para não correrem o risco de se verem excluídos do jogo e dos ganhos que nele se adquirem, quer se trate do simples prazer de jogar, quer se trate de todas as vantagens materiais ou simbólicas associadas à posse de um capital simbólico, aceitam o contrato tácito que está implicado no facto de participar no jogo, de o reconhecer deste modo como valendo a pena ser jogado, e que os une a todos os outros participantes por uma espécie de conluio

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originário bem mais poderoso do que todos os acordos abertos ou secretos. (BOURDIEU, 2010 p. 172 - 173).

Segundo Bourdieu, illusio são os interesses dos agentes nas disputas internas a

um determinado campo. Ou seja, illusio é o conhecimento prático que permite ao sujeito

mobilizar suas ações. “[...] Illusio é estar preso ao jogo, preso pelo jogo.” (BOURDIEU,

1996b p.139, grifo do autor).

Dentro de um determinado campo “[...] espaço social de relações objetivas”

(BOURDIEU, 2010, p. 64), existem alvos, posições, lutas e ganhos que orientam as

ações dos sujeitos envolvidos. As correlações entre probabilidade objetiva e esperanças

subjetivas, não significa que os agentes ajustem conscientemente suas aspirações as

chances de êxito, mas,

[...] pelo fato de que as disposições duráveis inculcadas pelas possibilidades e impossibilidades, liberdades e necessidades, facilidades e impedimentos que estão inscritos nas condições objetivas [...] engendram disposições objetivamente compatíveis com essas condições e de alguma forma pré-adaptadas à suas exigências. (BOURDIEU, 2009, p. 89).

Podemos a partir do conceito de habitus “[...] lei imanente, lex ínsita inscrita nos

corpos por histórias idênticas”. (BOURDIEU, 2009, p. 98, grifo do autor), compreender

as altercações entre os dois primeiros grupos analisados. Segundo Bourdieu, o princípio

das diferenças entre os habitus reside na:

[...] singularidade das trajetórias sociais, às quais correspondem séries de determinações cronologicamente ordenadas e irredutíveis umas às outras: o habitus que, a todo momento, estrutura em função das estruturas produzidas pelas experiências anteriores as experiências novas que afetam essas estruturas nos limites definidos pelo seu poder de seleção, realiza uma integração única, dominada pelas primeiras experiências. (BOURDIEU, 2009, p. 100, grifo do autor).

Trajetórias são as posições ocupadas por um agente ou instituição em “espaços

sucessivos” (BOURDIEU, 1996a, p. 292). Para Bourdieu toda trajetória individual ou

coletiva deve ser entendida como,

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[...] uma maneira singular de percorrer o espaço social, onde se exprimem as disposições do habitus; cada deslocamento para uma nova posição, enquanto implica a exclusão de um conjunto mais ou menos vasto de posições substituíveis e, com isso, um fechamento irreversível do leque dos possíveis inicialmente compatíveis. (BOURDIEU, 1996a, p. 292, grifo do autor).

Na tarefa de compreender as ações dos intelectuais envolvidos com a E.I no

período de 1997 a 1998, é mister buscarmos o conceito de intelectual proposto por

Norberto Bobbio. Para o autor, “[...] falar dos intelectuais como se eles pertencessem a

uma categoria homogênea e constituíssem uma massa indistinta é uma insensatez”

(BOBBIO, 1997, p. 9). Dessa forma, não há como alcançarmos uma definição exata do

papel ou função do intelectual na sociedade atual, haja vista que vivemos em um

momento histórico, onde o espaço atribuído aos intelectuais aumentou

significativamente. Isso não quer dizer que o poder desse intelectual ascendeu, mas que

seu espaço de atuação está maior. “Ao lado daqueles que chamei de “intelectuais

ideólogos”, crescem em número e peso os intelectuais que chamei de “expertos”, os

“técnicos do saber humano”, para usar uma expressão de Sartre. (BOBBIO, 1997, p. 13,

grifo do autor).

Bobbio compreende por ideólogo “[...] aqueles que fornecem princípios-guia”,

ou seja, elaboram princípios justificáveis e aceitos. Expertos são aqueles que “[...]

fornecem conhecimentos-meio”, ou seja, indicam os conhecimentos adequados para

alcançar um determinado fim, uma ação racional segundo um objetivo. Toda ação

política “[...] tem necessidade, de um lado, de idéias gerais sobre os objetivos a

perseguir”, ou seja, idéias valores, princípios, e de outro “[...] de conhecimentos

técnicos que são absolutamente indispensáveis para resolver problemas para cuja

solução não basta a intuição do político puro, mas se fazem necessários conhecimentos

específicos” (BOBBIO, 1997, p. 73).

O que distingue o ideólogo do experto é “[...] a diversa tarefa que desempenham

como criadores ou transmissores de idéias ou conhecimentos politicamente relevantes, é

a diversa função que eles são chamados a desempenhar no contexto político” (BOBBIO,

1997, p. 72).

Compreendemos que o segundo grupo analisado nessa pesquisa (1997-1998),

constitui-se como um grupo de intelectuais expertos, ou seja, indivíduos com

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competência para agir em um determinado campo, em busca de um determinado fim.

Segundo Bobbio, a necessidade dessa figura técnica aumentou consideravelmente na

sociedade moderna, especialmente depois que o Estado passou a intervir nas diversas

esferas da sociedade. “[...] é evidente que um Estado não pode tomar providências

contra a inflação sem o parecer de economistas ou realizar uma reforma sanitária sem o

parecer dos médicos”. (BOBBIO, 1997, p. 73). Da mesma forma tornou-se necessário a

figura do técnico em Educação, para guiar o Estado nas suas políticas educacionais.

Para Claudio Suasnábar, as transformações ocorridas no campo intelectual nas

últimas décadas, constituem uma dimensão central para compreender as [...] nuevas

formas que assumem los processos de producción de las políticas educativas” como

também as [...] regulacións y legitimación que conlleva este saber experto y su papel

cada vez más importante de la formulación y diseño de políticas educativas”

(SUASNÁBAR, 2010, p. 1).

Para problematizarmos o terceiro momento dessa pesquisa que é o debate da

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), a respeito da

E.I no período analisado, o conceito de intelectual crítico de Michel Foucault mostra-se

mais fecundo. Cabe destacar que nessa pesquisa nos interessa particularmente o GT7

que é o da Educação de crianças de 0 a 6 anos. A respeito do GT7, Eloisa Acires Candal

Rocha sinaliza:

[...] a origem da constituição deste grupo, assim como a da própria Anped, vincula-se a um caráter político que afirma e consolida o compromisso da associação e de seus membros com uma luta pela conquista do direito à educação pública, gratuita e de qualidade para a população brasileira. (ROCHA, 2008 p. 53).

A ação intelectual que observamos na Anped, se aproxima do conceito de

intelectual crítico postulado por Foucault, ou seja, o intelectual diagnosticador, o

intelectual que é capaz de tornar visível o que se encontra visível. (ARTIÈRES, 2004).

Podemos dizer que em Foucault não temos mais o intelectual enquanto consciência

global e coletiva, aquele intelectual que cultivava sua figura histórica de homem da

justiça e das verdades.

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O intelectual que dizia a verdade para aqueles que não a viam, em nome

daqueles que não podiam, começa a perceber que as massas não precisam dele para

saber, pois sabem melhor que ele, tendo em vista que vivem aquilo que ele discursa. “O

que os intelectuais descobriram recentemente é que as massas não necessitam dele para

saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem

muito bem”. (FOUCAULT, 2003, p.71).

O intelectual defendido por Foucault é um intelectual específico, que atua em

pontos específicos da sociedade, como por exemplo, o grupo que avaliou o Rcnei.

Temos em Foucault um intelectual cuja teoria está acoplada a prática.

Um intelectual destruidor das evidências e das universalidades, aquele que localiza e indica nas inércias e restrições do presente os pontos frágeis, as aberturas, as linhas de força, aquele que, incessantemente, se desloca, não sabendo mais ao certo onde estará nem o que pensará amanhã, por estar completamente atento ao presente. (ARTIÈRES, 2004, p. 16).

Para Foucault o papel do intelectual hoje não consiste mais em “se colocar “um

pouco na frente ou um pouco de lado” para dizer a muda verdade de todos; é antes o de

lutar contra as formas de poder exatamente onde ele é, ao mesmo tempo, o objeto e o

instrumento” (FOUCAULT, 2003, p. 71). O papel desse intelectual é o de fazer

aparecer o que está tão próximo e imediato a nós que por esse mesmo motivo não

conseguimos ver. “Talvez o diagnosticador do presente [...] possa tentar fazer as pessoas

perceberem o que está para acontecer, exatamente nos campos em que o intelectual

talvez seja competente”. (ARTIÈRES, 2004 p. 22).

Em síntese, o intelectual que observamos no primeiro grupo (1994-1996), é a

figura do intelectual bidimensional proposto por Pierre Bourdieu. Um agente, que

investido de uma autoridade científica, age em espaço exterior a sua atividade

intelectual. Tanto no primeiro, quanto no segundo grupo, vislumbramos um intelectual

ideólogo, conceito que buscamos em Norberto Bobbio. “[...] ideólogos são aqueles que

elaboram os princípios com base nos quais uma ação é justificada e, portanto, aceita.”

(BOBBIO, 1997 p. 73). O que diferencia o primeiro do segundo grupo, é que o segundo,

além de ideólogo, é também experto, conceito que também trazemos de Bobbio. “[...]

expertos são aqueles que, indicando os conhecimentos mais adequados para o alcance

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de um determinado fim, fazem que a ação que a ele se conforma possa ser chamada de

racional segundo o objetivo” (BOBBIO, 1997 p. 74). Ou seja, agem segundo um

determinado valor e um determinado fim.

Já no terceiro momento não vemos mais essas figuras. O que observamos é uma

força crítica, um grupo intelectual que luta contra as formas de poder “[...] exatamente

onde ela é, ao mesmo tempo, o objeto e o instrumento” (FOUCAULT, 2003 p. 71). A

Anped pode ser descrita utilizando uma expressão de Foucault em Artières “[...] um

diagnosticador do presente” (ARTIÉRES, 2004 P. 22), quem fornece elementos para

que as pessoas identifiquem o que está para acontecer, ou o que está acontecendo, no

campo, em que o agente ou instituição é competente.

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