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Educação, Estado e Mercado no século XX
Apontamentos sobre o caso português numa perspectiva comparada
António Candeias
Educação, Estado e Mercado no século XX
Apontamentos sobre o caso português numa perspectiva comparada
António Candeias
1
,
Indice
• A génese e as origens dos Sistemas Educativos contemporâneos:
Educação e Modernidade. p.5
-Sistema Educativo. p.6
-Socialização e Sistema Educativo . p. 9
-Modernidade e Educação I: a nova economia. p. 13
-Modernidade e Educação II: o Estado - nação. p. 17
-Modernidade e Educação III: disciplina e liberdade . p. 25
-Concluindo: a génese e as origens dos Sistemas Educativos
contemporâneos - Educação e Modernidade. p.32
• Estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas
Educativos contemporâneos: do pós segunda Guerra Mundial ao
princípio dos anos setenta do século XX, o modelo no seu auge. p. 37
- Modos de regulação, ciclos e crescimento económico nas
décadas de cinquenta, sessenta e setenta do século XX. p. 39
- O Estado - Providência. p. 48
-A Educação I: a expansão do pós guerra. p. 57
- A Educação II: o Capital Humano. p. 67
- A Educação III: igualdade e mobilidade social - expectativas e
desilusões. p. 74
- Concluindo. p. 85
• Estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas
Educativos contemporâneos: dos anos oitenta do século XX aos
nossos dias, o modelo em crise. p. 91
- As grandes mudanças I: a esquerda em crise e o fim do "Modo de
Produção Socialista". p. 93
- As grandes mudanças II: alterações nos modos de regulação
dominantes - economia, neoliberalismo e globalização. p. 99
- Algumas consequências I: o debate em torno do Estado -
Providência para o século XXI. p.112
2
- Algumas consequências II: as mudanças nas relações entre o
Estado e a Educação - O impacto na educação das mudanças nos
modos de regulação dominantes; os impasses gerados pela lógica
da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos
espaços educativos num contexto de autoridade contratualizada.
p.134.
- Concluindo. p. 154
• Apontamentos sobre o caso português numa perspectiva comparada.
p.163
- O tipo de dados empíricos recolhidos e a sua articulação com o
processo de investigação. p. 163
- A História política e económica que amparou este estudo. p. 169
- Alguns dados sobre o lugar de Portugal nos processos de
alfabetização e escolarização ocidentais nos séculos XIX e XX.
p.173.
- Alguns dados sobre o crescimento económico em Portugal
durante os séculos XIX e XX, numa perspectiva comparada. p. 181.
- Alguns dados sobre o desenvolvimento das formas modernas de
legitimação política em Portugal, durante os séculos XIX e XX,
numa perspectiva comparada. p. 189.
-Alguns dados sobre o desenvolvimento do Estado - Providência
em Portugal durante o século XX. p. 202.
- Os ritmos e as formas de alfabetização e de escolarização em
Portugal durante os séculos XIX e XX. p.211.
- Conclusão: apontamentos sobre o caso português numa
perspectiva comparada - uma interpretação. p.239.
3
Bibliografia Geral
p.248
índice dos Quadros. p. 276
índice dos Gráficos. p. 281
4
• Introdução: A génese e as origens dos Sistemas Educativos
contemporâneos
Este livro resulta de um esforço de exposição coerente sobre as formas como, durante
um espaço de tempo longo, se articulam três das entidades fundamentais da
Modernidade: o Estado nação contemporâneo, o novo tipo de mercado nascido do parto
industrialista e os S istemas Educativos actuais, um dos vários produtos oriundos da
necessidade de ambas as instâncias primeiramente nomeadas conferirem estabil idade à
nova ordem social em que se moviam e ainda movem.
Como um apêndice a esta reflexão, e trata-se de um apêndice relativamente longo,
acrescenta-se um estudo critico e sempre que possível comparativo, sobre a forma
como a sociedade portuguesa se foi dotando, sobretudo durante o século XX, dos
mecanismos de governo modernos, nestes se incluindo os Sistemas Educativos actuais ,
as formas de legitimação política baseadas na pluralidade partidária e no sufrágio
univer aI e as bases do que ainda chamamos de "E tado providência", tendo como pano
de fundo alguns dados sobre o desenvolvimento económico português dos séculos XIX
e XX.
Como muita da produção científica actual , este trabalho resulta de anos de leccionação
sobre este assunto, e baseia-se num relatório sobre a discipl ina de Politicas Educativas
com vista à obtenção da Agregação em Ciências da Educação na Universidade Nova de
Lisboa
o l ivro pode ser arrumado em quatro grandes questões que merecerão um tratamento
autónomo, tendo cada uma delas a seguinte designação: "Introdução: A génese e as
origens dos S istemas Educativos contemporâneos"; "Estabilização e crise dos modos de
regulação dos Sistemas Educativos Contemporâneos: do pós Segunda Guerra Mundial
ao princípio dos anos setenta do século XX, o modelo no seu auge, ou a fase criativa do
ciclo de Kondatriev"; "Estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas
Educativos Contemporâneos: dos anos setenta do século XX aos nossos dias, o modelo
em crise, ou a fase destrutiva do 4° Ciclo de Kondatriev"e "Apontamentos sobre o
caso português numa perspectiva comparada".
Comecemos então pela primeira destas questões.
O ponto de onde partimos conduz-nos a uma arrumação crítica da informação de
origem histórica, sociológica e política que em conjunto nos apresenta uma imagem
coerente sobre a maneira como se desenvolve e se estabiliza, durante os séculos XVlll,
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XIX e XX, o mundo educativo em que vivemos. Para tal , cremos que é fundamental
avançar por uma explicação que passe pela definição do termo "Sistema Educativo" e
dos conceitos utilizados na sua descrição, assim como a sua articulação com os
elementos fundamentais que marcam a História contemporânea da Humanidade.
Sistema Educativo
Começando pela definição do termo "Sistema Educativo" pensamos poder defini-lo, de
forma lata, como um dos processos fundamentais de socialização da Modernidade.
Trata-se de um processo inédito nas civil izações humanas devido à sua exten ão e
sistematização, resultando de um labor filosófico e teórico que remonta ao par
Renascimento - Reforma e que segue um longo caminho de estruturação social,
político, organizativo e pedagógico muito marcado pelo lluminismo, começando a
tomar formas reconhecíveis aos nossos olhos a partir da segunda metade do século
XVIII com a diversidade de leis régias que de Lisboa a Sampetersburgo começam a
"regular", articular e sistematizar a educação (Nóvoa, 1998).
Trata-se, como à frente veremos, de um sistema de socialização que se tornará
obrigatório e que utiliza a escrita como um utensílio, distinguindo-se ass im das vagas
de alfabetização, ou seja, da procura voluntária de leitura e escrita por parte de sectores
cada vez mais numerosos das populações ocidentais a partir do século XVI , à medida
em que, religião, desenvolvimento económico e político se conjugam no sentido da
ascensão da Europa e do Ocidente em direcção ao domínio do mundo.
Sociedades que se complexificam, como se dá com as sociedades europeias a partir
desta altura, realçam de forma premente a necessidade de uti lização de instrumentos
conceptuais sofisticados na sua governação, o caso da escrita e dos números, mas será,
por um lado, a necessidade de integração orgânica dos povos vista como necessária à
estabilidade política pelos Estados e pelas Igrejas, e, por outro, o desejo de mobilidade,
que partindo dos de baixo, parece abrir o caminho a outros horizontes de vida, que
acaba por tornar possível , de forma lenta no tempo, uma ideia de escola prolongada e
crescentemente universal que irá estar na base de um novo modelo de socialização que
se arrasta até aos nosso dias.
Assim, em finais do século XVII , de forma desigual conforme a penetração dos factores
de desenvolvimento antes citados, proliferam, na Europa e no mundo de influência
europeia, a par de formas não institucionalizadas de ensino, alguns dos formatos
educativos que conhecemos, tais como as Universidades, os Colégios e as Escolas de
Primeiras Letras. Trata-se, no entanto, de um mundo relativamente escasso embora em
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ascensão, com formas confusas, vagas e diversificadas de legitimação, com graus de
coordenação fracos, e isto quer nos refiramos à coordenação de tipo horizontal que se
preocupa com a homogeneidade de conteúdos e de regras dentro das mesmas classes de
idade, quer nos refiramos a uma coordenação de tipo vertical, que se preocupa com a
coerência na progressão dos conhecimentos.
De forma sintética, a noção de Sistema Educativo poderá ser compreendida como
resultando de um processo em que os vários subsistemas escolares existentes no século
XVIII, Colégios, Universidades e Escolas de Primeira Letras, institucionalizadas ou
não, passam de uma legitimação difusa em que predomina o elemento rel igioso, para
uma forma de ordenamento mais ou menos coordenado, em cuja base se encontrará o
Estado, mais tarde, o Estado-nação, a chamada "célula política" fundamental da
Modernidade. Deste ordenamento e centralização, mais acentuado em umas do que em
outras sociedades, resultará uma coordenação unificada de recursos e a capacidade de
disponibilização de meios que, em conjunto, homogeneízam métodos e conteúdos,
dando-se assim a emergência de estruturas curriculares mais ou menos coerentes,
dentro de um sistema de regras e de leis cuja fonte se unifica por obra dos Estados
Modernos.
Significa também esta mudança, que, progressivamente, do século XVII I em diante, a
educação transita de "um bem privado" do qual os indivíduos e as famílias podem fazer
o uso que querem, para um "bem público" condicionada pela noção de "bem comum",
ou seja, será em nome do desenvolvimento da "nação" que a educação passa da tutela
da Igreja, das Comunidades e dos privados, para a tutela do Estado, e essa é uma das
mudanças em que mais se reflectirá o carácter inovador desta forma de conceber a
educação.
Para que a expansão educativa se dê e alcance a profundidade suficiente para se tornar
um factor de mudança social irreversível, são necessárias leis que instituam a
obrigatoriedade de todas as crianças de uma determinada faixa etária a frequentarem tal
escola, independentemente do sexo, da região em que habitam, da etnia ou do estatuto
social de pertença, mas também serão necessárias grandes modificações sociais que
levem as sociedades a passar de uma relação com a escola em que esta é percepcionada
como um bem raro, escasso e val ioso, para uma rel ação em que esta aparece a todos
como um bem sem o qual não se conseguem imaginar.
A "escolarização das sociedades" é, pois, uma tarefa árdua, lenta e extremamente cara,
como se pode ver pela justaposição entre os mapas da escolarização e da
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industrial ização no mundo, e resulta de, e simultaneamente al imenta, uma profunda
mutação civil izacional que a torna alvo das mais variadas resistências dos grupos que
têm dificuldade em ver o seu futuro nas práticas que progressivamente são pressionados
a aceitar. A universalidade da frequência escolar resultará assim da capacidade de
exercer pressão e de gerar riqueza por parte dos Estados, assim como dos cálculos que
as familias fazem, entre o investimento com retorno imediato constituído pelo trabalho
infantil que de forma directa ali menta as receitas famil iares, e o investimento a prazo,
no que se veio a chamar de "capital humano", com resultados diferidos que só mais
tarde se tornarão visíveis . Assim, percebe-se que, para que a escolaridade se torne
efectiva, é necessária a u ltrapassagem das situações de economia de subsistência de
crescimento lento ou mesmo estagnado, assentes no que Robert Lucas Ir. chama de
"familias alargadas com baixo capital humano"( ln Nufíez, 2003 , 549) , para uma
situação em que a riqueza social gerada seja suficiente para tornar desnecessário o
trabalho infantil nos campos, pagar o novo sistema e assegurar que a mobil idade social
através da escola se torne numa possibilidade realista. Sem riqueza, pressão social e
política por parte das diversas el ites e capacidade de organização e gestão por parte da
sociedade política, não se consegue escolarizar um povo tornando-o em nação, mas sem
que este aquiesça, pouco poderá ser feito, pelo que nos encontramos perante um dos
contratos sociais mais importantes da Humanidade recente.
Consideramos este "contrato", que leva o mundo dos séculos XIX e XX a aderir a um
modelo curricular e organizacional mais ou menos igual para todos, algo de
extremamente singular na civi l ização humana e é esta singularidade que nos faz realçar
a proposta de considerar os Sistemas Educativos contemporâneos corno os processos de
Socialização Humana dominantes da Modernidade. Porque se trata de uma
singularidade difícil de discernir, de tão mergulhados na sua lógica que estamos,
cremos que o estudo dos Sistemas Educativos contemporâneos é, em parte, o estudo de
como nos construímos a nós mesmos nos últimos séculos, urna espécie de
"introspecção" de espécie, o que nos leva em linha recta à maneira como relacionamos
o termo "Socialização" com o termo "Educação".
Assim, associados ao termo "Sistema Educativo", ternos utilizado dois conceitos que
importa descrever, de maneira a que se entenda melhor a parte que desempenham nesta
definição, e que são os conceitos de "Socialização" e de "Modernidade".
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Socialização e Sistema Educativo
O conceito de "social ização", é um conceito tão fundamental nas Ciências Sociais e
Humanas modernas, que, na opinião de Claude Dubar, se torna difíci l distinguir as
grandes teorizações sobre a socialização das grandes teorizações sobre as Ciências
Sociais em si (Dubar, 2002, 7). Socialização poderá ser definida, de forma abrangente,
corno sendo a junção dos " . . . social processes through which chi ldren develop an
awereness of social norms and values , and achieve a distinct sense of self. . . . (Giddens,
1997, 585). Descrito desta maneira vasta, o conceito de socialização refere-se a um
processo de "humanização" decorrente da acção cultural e institucional do ser humano,
mas também a um processo de interacção no decorrer do qual se vai construindo o que
hoje chamamos de "self', ou a noção que ternos de nós próprios, urna das componentes
fundamentais das Identidades Modernas. Assim, não será errado atribuir a paternidade
da noção contemporânea de socialização quer à Sociologia, quer à Antropologia, quer à
Psicologia, e dentro desta, à Psicanál ise em particular.
Na verdade todo o edifício da Psicanál ise, tal corno foi sendo construído durante a vida
de Freud, assenta no pressuposto de que o sistema de relações que o ser humano
constrói enquanto vive e que lhe permite urna regulação da sua vida, assenta
essencialmente na maneira corno se desenvolve a relação entre a criança e as figuras,
que, desde que nasce, lhe servem de referência, ou, seja, as figuras adultas que lhe estão
próximas, e de forma especial, a figura materna (Freud, 196 1, 1975). Este tipo de
relação que Freud postula corno primordial para o desenvolvimento afectivo do ser
humano, veio a ser mais tarde, na segunda metade do século XX, aprofundado com
particular atenção por psicanalistas corno René Spitz, John Bowlby ( 1976), Harry
Harlow ( 1976) ou Mary Ainsworth ( 1976) e por etologistas corno Konrad Lorenz
( 1975) que, estudando crianças abandonadas ou hospitalizada , no caso dos primeiros, e
situações de carência de estímulos à nascença, no caso dos segundos, conseguem
mostrar corno este tipo de relação de vinculação é fundamental não só para a
construção das regras básicas de vida dos indivíduos, corno para o seu desenvolvimento
cognitivo, afectivo e físico, constituindo assim a ba e da "socialização primária
endógena" . É através deste tipo de relação de vinculação ou de "imprinting", que
etologistas corno Konrad Lorenz mostram ser capital na inserção do indiv íduo na sua
própria espécie, que se constituirá um sistema de "aculturação" ainda que processado a
nível inconsciente, ou no caso dos animais, "instintivo", que terá lugar a partir do
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próprio acto de nascimento e que só mudará qualitativamente a partir da altura em que,
a partir de interacções complexas, as estruturas fundamentais da personalidade se
sedimentem, levando à autonomia relativa que permite a sobrevivência.
Portanto, quando falamos de "socialização primária endógena" referimo-nos a um
sistema de aculturação de espécie, básico, mas sem o qual nada mais funcionará, como
os inúmeros estudos sobre crianças abandonadas precocemente, ou animais privados da
estimulação sensorial normal da sua espécie nos mostram.
Admite-se, e sem ser necessário recorrer à Psicanál ise ou à Etologia, que as primeiras
etapas da socialização infantil se desenrolam num contexto de "fanúlia próxima" e
podem ser designados como "primários e endógenos", mas à medida que se vai dando
o seu desenvolvimento físico e cognitivo se vão multiplicando as interacções com um
meio mais vasto e diversificado e a própria complexidade crescente das sociedades
contemporâneas parece, progressivamente desde pelo menos o século xvm, exigir a
todos o que antes se exigia apenas às elites, ou sej a, formas de socialização
progressivamente institucionalizadas e cognitivamente muito complexas, as quais, em
conjunto, resvalam para o que poderemos designar de um processo de "socialização
exógeno e secundário".
Desta forma, o que parece fundamental na relação que estabelecemos entre o conceito
de socialização e o termo "Sistema Educativo", é o facto de, pelo menos desde o século
XVI para alguns, e a partir do século XX para quase todos , as crianças se tornarem
adultas num contexto delimitado pela escola, o que, para um historiador como Philippe
Aries, se torna numa das marcas que definem o moderno conceito de "infância" .
Por outras palavras, admite-se que as mudanças tecnológicas, políticas, sociais e
económicas que têm lugar de forma acelerada desde o século XVI, e que a partir de
meados do século xvm i ntensificam a ruptura com as formas de vida anteriores, fazem
com que, para que os indivíduos se adaptem e respondam ao que deles a sociedade
exige, se assista a mudanças, a principio lentas, mas muito rápidas a partir de finais do
século X IX, nas formas de socialização predominantes do ser humano, que sendo antes
assentes em processo de socialização familiares, profissionais e comunitários com
poucas rupturas entre SI, passa a ser tendencialmente completada por um tipo de
social ização a que chamamos de " socialização secundária exógena". O antropólogo
Ernest Gel lner retrata esta mudança da seguinte forma: " . . . Houve um tempo em que a
educação era uma industria doméstica, quando os homens podiam ser feitos por uma
aldeia ou por um clã. Esse tempo foi-se para sempre ( . . . ). A exosocialização, produção
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e reprodução dos homens fora da unidade familiar local, constitui agora a norma e
assim tem de ser. O imperativo da exosocial ização é a principal pista para perceber por
que é que o Estado e a cultura têm agora de estar relacionados, enquanto no passado a
l igação era fraca, acidental . . . " (Gellner, 1993, 64).
Ao escrever sobre educação, no principio do século XX, Durkheim definia-a em geral
como tratando-se de uma forma de "socialização metódica" das gerações mais jovens e
estendia a sua definição da seguinte maneira: " . . . réducation c'est l ' action exercée par
les générations adultes sur celles qui ne sont pas encore mures pour la vie sociale. Elle a
pour objet de susciter et de développer chez l ' enfant un certain nombre d'états
physiques, intellectuels et moraux que réclament de lui et la société politique dans son
ensemble, et le milieu spécial auquel iI est particulierement destiné . . . " (Durkheim,
1980, 5 1).
E o que parece ter dado origem ao que hoje chamamos de "Sistemas Educativos" é o
facto de que a "sociedade política no seu todo" e "o meio especifico ao qual o jovem se
destina", terem mudado de natureza no decurso do tempo e passarem a exigir do jovem
um determinado tipo de qualidades que não eram possíveis de ser obtidas através de
outros processos de socialização que não a escola que hoje conhecemos.
Neste sentido, admitimos que do século XVI em diante, se nota a emergência e
generalização de uma forma diferente de "construção de seres humanos", que faz
resvalar da famíl ia, da Igreja e da Comunidade para a escola do Estado, a função de
"metodicamente socializar" as jovens gerações.
Mais uma vez Ernest Gel lner coloca a questão de uma forma muito clara: " . . . O método
de reprodução centralizado é aquele em que urna agência educativa ou de formação,
que difere da comunidade local , complementa significativamente (ou em alguns casos
extremos substitui por completo) o método dessa comunidade, responsabi lizando-se
pela preparação dos jovens em causa e entregando-os por fim à sociedade mais vasta
para que desempenhem aí as uas funções um vez terminado o processo de treino . . . "
(Gellner, 1993, 52).
Na transição de um para o outro sistema de socialização há que ter em conta algumas
questões .
A primeira, corno a citação que fizemos das palavras de Ernest Gellner indica, é a de
que não tem sentido dizer que a "socialização secundária exógena" substituiu o que
chamámos de "socialização primária endógena". Corno é óbvio, e apesar de serem
"experiências qualitativamente diferentes" elas articulam-se e frequentemente
1 1
sobrepõem-se, como nos mostra uma parte da Sociologia da Educação da segunda
metade do século XX, em particular as obras de Basil Bernstein e de Pierre Bourdieu,
que sublinham a maneira como formas diferentes de socialização primária têm
incidências por vezes dramáticas na maneira como a escolarização decorre, o que
parece significar que, desde muito cedo na vida do ser humano, é impossível separar
cultura, desenvolvimento e "natureza"".
A segunda questão que gostaríamos de sublinhar é que um sistema de socialização só
pode ser devidamente chamado desta forma quando é aplicado massivamente a uma
dada população. Assim, a razão porque ao falarmos de "social ização primária" a
definirmos como uma "socialização de espécie" é porque só excepcionalmente
indivíduos de determinada espécie não lhe são sujeitos. Assim, se definirmos a
"Educação Moderna", ou melhor ainda, os Sistemas Educativos, como "os sistemas de
socialização da modernidade", é porque durante "a Modernidade", todos, ou pelo
meno , tendencialmente todos os seres humanos foram, estão em vias de ser ou aspiram
a ser socializados através de uma escola articulada em rede com outras unidades
educativas e coordenada centralmente por uma instância legitimadora a que chamamos
Estado. O facto de esse "sistema" ter vindo a ser definido, quer a nível organizacional
quer a nível dos conteúdos que transmite, mais ou mesmo da mesma maneira um pouco
por todo o mundo, contribui assim, para reforçar a sua faceta de mecanismo de
"socialização de espécie", como antes tínhamos referido.
A terceira questão que nos interessa perceber é por que razões se deu esta transição, ou
seja, o que fez com que a partir de meados do século XIX, no Ocidente, e a partir do
século XX, pelo mundo, se tornasse impossível conceber a educação das crianças sem o
recurso à escola, uma instituição definida no seu modelo actual desde o século XVI,
mas que era até aí reservado a muito poucos dos meninos a ainda menos das meninas
que viviam na Europa e Américas de cultura europeia. Como antes dissemos, a questão
poderá ser melhor compreendida através do conceito de Modernidade.
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Modernidade e Educacão I: a Nova Economia
De uma forma abrangente, Anthony Giddens define o termo "Modernidade" como
tratando-se dos " . . . modos de vida e de organização social que emergi ram na Europa
cerca do século XVII e que adquiriram subsequentemente uma influência mais ou
menos universal . . . "(Giddens, 1995, 1), ou seja, uma definição minimalista, mas que
cobre o essencial da vida politica, social, económica e cultural dos últimos quatro
séculos da Humanidade. Na continuação desta definição, Giddens refere-nos três
questões que nos parecem capitais para o entendimento que temos deste termo: rupturas
qualitativas e quantitativas nos factores de desenvolvimento face ao passado, alcance da
mudança, num processo de mundialização que precede o actual e a emergência durante
este processo, de instituições políticas, formas de economia, relações sociais e de
construção identi tária, totalmente novas por comparação com o passado.
Na verdade, a palavra "de continuidade" parece definir melhor do que qualquer outra
este momento da história humana e, segundo este autor, ela é particularmente visível em
três tópicos principais: no aumento exponencial do ritmo das mudanças, que, sendo
" . . . mais evidente na tecnologia, abrange todavia todas as outras esferas . . . " (Idem, 5);
no alcance da mudança, em que" . . . à medida que diferentes regiões do globo são postas
em interligação umas com as outras, vagas de transformação social varrem virtualmente
a totalidade da superfície da Terra . . . " (Ibidem); e, finalmente, a natureza das
instituições modernas: " . . . Algumas formas sociais modernas não se encontram, pura e
simplesmente, nos períodos históricos anteriores - tais como o sistema político do
Estado - nação, a dependência generalizada da produção do recurso a fontes de energia
inanimadas ou a completa transformação dos produtos e do trabalho a salariado em
mercadoria . . . " (Ibidem).
Giddens realça, desta forma, como marcas essenciais do conceito de "Modernidade", as
descontinuidades que uma "aceleração do tempo" irão provocar nos modos de vida dos
seres humanos por comparação com a relativa estabilidade dos tempos anteriores; a
extensão geográfica das mudanças que se dão em tal período de tempo e que irão criar
uma ideia nova de mundo mais integrado e interligado do que antes ; e também o
surgimento de formas de organização social e políticas inteiramente novas em relação
ao passado, com destaque para a noção de Estado - nação, tudo isto tendo como
contexto de fundo a irrupção no Ocidente, a partir dos finai do século XVII , dos
1 3
processos de urbanização, de industrialização, de democratização e da estabilização de
uma concepção empírico - analítica do conhecimento.
Ao relacionar o termo "aceleração" com o termo "Revolução Industrial", o economista
Robert Lucas Jr. propõe-nos o seguinte gráfico baseado numa estimativa sobre as
relações entre variáveis demográficas e económicas, do ano 1000 d. C. ao ano de 1995
da mesma era, que, devendo ser lida com algum cuidado, como o próprio autor
sublinha, nos deixa uma imagem bastante interessante do que Giddens e outros autores
chamam de "Modernidade" .
10000
9000 8000 7000
6000 5000 4000
3000 2000
1000
O
Gráfico 1 - Estimativa da relação entre a população humana (em milhões) e a produção económica (média simplificada de PIB per
eapita de todas regiões do mundo, em US $ 1985) entre 1000 d.e. e 1995
,
I I
I •
I I II
" /1 f'
... �" �População
------ Produção 1000 1200 1400 1600 1800 199:>
Fonte: adaptado de Lucas Jr., 2002, 113, e 175-188
Várias coisas nos parecem interessantes de sublinhar neste gráfico e a primeira é que,
quando analisamos durante espaços de tempo longos a evolução de variáveis sociais;
económicas, demográficas ou de qualquer outro tipo susceptíveis de serem
quantificadas, este é o desenho típico de um gráfico da "Modernidade". Quer nos
refiramos às variáveis expostas no gráfico 1, ou a qualquer outro tipo de indicadores,
como por exemplo a alteração da idade de vida média do ser humano, do números de
filhos por casal, de taxas de mortalidade infantil, do número de alfabetizados, de
relações entre populações rurais e populações urbanas, de empregos na agricultura ou
14
nas indústrias , da percentagem que a carne ocupava nas refeições das pessoas, entre
muitas outras variáveis, encontraremos sempre quadros deste tipo, que mostram que,
entre meados do século XVII e meados do século XX, as mudanças que ocorreram no
Mundo foram extraordinárias.
Mas se fixarmos o olhar apenas nestas l inhas e na maneira brusca como inflectem,
poderemos ser atraiçoados pelo que de "quantitativo" este gráfico tem. Assim, uma
outra leitura sugere-nos que algo de profundamente "qualitativo" mudou de meados do
século XVI a meados do século X IX, com continuidade até aos nossos dias, e
percebemos que a "qualidade" do trabalho das pessoas foi uma de tais coisas. Na
verdade, de acordo com as estimativas possíveis, (Lucas Jr . , 2002), e como aparece de
forma clara no gráfico 1, a razão entre a população e a sua capacidade de produção
mantém-se mais ou menos inalterável durante vários séculos o que se reflecte numa
constante entre o crescimento da população e o crescimento da produção económica. A
partir de meados do século X IX esta constante desaparece e as capacidades de produção
dos seres humanos aumentam exponencialmente. Quais são a causa de tais mudanças?
São muitas como sabemos, e se a aplicação de máquinas que se alimentam de " fontes
de energia inanimadas" à produção industrial podem explicar uma parte do rompimento
desta secular constância entre crescimento demográfico e crescimento da "produção",
seria preciso muita credulidade para aceitar que uma ruptura com tais dimensões se
apoiava apenas em e lementos "tecnológicos" sem que houvesse mudanças a nível da
formação dos indivíduos que se moviam nesse novo ambiente de trabalho.
Desconfiando de explicações baseadas em relações de causa - efeito simples,
poderíamos dizer que as pessoas e as maneiras como são formadas, mudam para se
adaptar a novas tecnologias que transforma o mundo, mas porque as pessoas mudam, as
tecnologias e o seu impacto social , cultural e económico, também mudam o mundo em
que existem.
Assim, tudo indica que, em sociedades como as que emergem do parto industrial ista do
século xvm e XIX, que autores como Ernest Gellner apelidam de "sociedades
baseadas na ideia de crescimento económico perpétuo" e que assentam em ritmos de
inovação exponenciais e graus de mobilidade laboral e social acrescidas face ao
passado, parece aumentar a necessidade de um tipo de socialização prolongada mais
genérica e comum a todos , que pode ou não preceder uma formação mais específica. Tal
socialização parece assentar por um lado, na aprendizagem e imposição das regras de
funcionamento social que constituem o caldo da nova cultura e por outro, na
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massificação de categorias cognitivas complexas até aí treinadas sobretudo nas
instituições de ensino destinadas às el ites. A nova escola, que progressivamente se
destina a todos, parece, por um lado, resultar de necessidades económicas, sociais e
políticas antes sugeridas, e por outro, potenciar tais necessidades suportando uma
espiral de crescimento económico que visualizámos no gráfico anterior, e que
intitulámos de "gráfico da Modernidade".
O objectivo a partir de meados do século XIX é o de educar todos numa instituição
exterior à familia e à Igreja criada para o efeito, o que, em si , é inédito nas sociedades
humanas, mas o que se quer ensinar e a maneira como se pretende fazê-lo é também
uma novidade profunda. Ao definir a escola contemporânea, Jerome Bruner, sublinha a
ruptura que ela simboliza face às formas de aprendizagem e educação pré-modernas :
" ... 0 que é importante na escola contemporânea, é que esta se encontra apartada do
contexto imediato da acção socialmente relevante. Esta autêntica ruptura converte a
aprendizagem num acto em si mesmo e possibil i ta a sua inserção num contexto de
l inguagem e actividade simbólica. As palavras e não a acção, são os suportes
fundamentais para a formação de conceitos . . . "(Brunner, citado por Scribner e Cole,
1982, 12 ).
Os sistemas educativos que nascem na Modernidade parecem, aSSIm, constituir uma
proposta de socialização adaptada à extraordinária componente de inovação produtiva
de sociedades em que, na opinião excessivamente optimista de Gellner, " ... 0 trabalho já
não representa a manipulação dos objectos, mas dos significados . . . " (Gellner, 1993,56),
e que assentam numa ideia de crescimento constante que " . . . depende do
desenvolvimento cognitivo . . . " (Idem, 119). Desta forma, o que parece expl icar o
desaparecimento da constante fixa entre crescimento populacional e crescimento
produtivo, não são apenas as alterações tecnológicas que se dão nas sociedades
ocidentais, num período de tempo extraordinariamente "comprimido", mas também as
alterações na socialização humana que, de forma mais ou menos intencional resultam na
construção de pessoas que do ponto de vista comportamental , social e cognitivo se
encaixam no que as novas formas de vida e de trabalho características das sociedades
industrializadas delas exigem (Luria, 1976; Scribner e Cole, M . , 1981,1982). A
tecnologia e o impacto que ela tem na sociedade exige pessoas novas e estas novas
pessoas potenciam os resultados económicos de tal tecnologia, num processo de
interacção que parece explicar as inflexões súbitas que se dão no crescimento das
16
variáveis económicas sociais e demográficas quantificáveis a partir de meados do século
XIX, de que os valores patentes no gráfico antes referido são um exemplo.
Aqui chegados, importa introduzir dois reparos: o primeiro deles tem a ver com o tipo
de mudanças que num espaço de tempo relativamente curto, de dois a três séculos, se
dão nas formas de socialização primordiais dos seres humanos, que pressupõem
transformações políticas absolutas, uma vez que é impossível imaginar que tais
mudanças se processam de forma espontânea; a segunda questão destina-se a corrigir
uma perspectiva que pode ter sido enfatizada nos parágrafos anteriores , e que seria a de
que os aspectos "tecnológicos" e "económicos" que se associam usualmente ao termo
"Revolução Industrial" explicariam por si só as mudanças nos processos de socialização
humanos.
Na verdade, o conceito de "Modernidade", cuja discussão se arrasta de forma cada vez
mais tensa, ultrapassa em larga escala o de "Revolução Industrial", e aparece-no muito
marcado por um processo de interacção dinâmica entre aspectos culturais, políticos e
económicos, pelo que não tem sentido para nós que algo de tão profundo no ethos de
uma espécie sofisticada como o processo de socialização humano, sofra transformações
radicais por acção de apenas um elemento, por mais importante que ele se venha a
revelar.
Nesta altura, parece-nos importante relacionar as mudanças que VImos referindo no
capítulo económico e educativo com as mudanças institucionais referidas antes por
Anthony Giddens, realçando o papel que a instituição chave da Modernidade, o Estado -
nação, tem em todo este processo de mudanças qualitativas e quantitativas dos últimos
três séculos.
Modernidade e Educação II: o Estado - nação
A ideia de "Estado - nação" como uma junção de dois termos que, referindo-se ao
mesmo processo, designavam realidades diferentes tem, nas últimas décadas, sido
arduamente discutido, numa premonição de que se trata de uma unidade política sobre a
qual, o mínimo que se pode dizer, é que se encontra, senão em crise, pelo menos em
redefinição.
O primeiro de tais termos é alvo de uma curiosa e sagaz definição de origem weberiana,
que, simplificando, o define como a entidade monopolizadora da violência legítima
numa sociedade por ele circunscrita. Reflectindo sobre as sociedades feudais em que
havia formas de violência legítima não monopolizadas pela Coroa, o já familiar Ernest
Gellner, define Estado como " . . . aquela inslituição ou conjunto de instituições
17
especialmente consagradas à manutenção da ordem, quaisquer que ejam as suas outras
funções . . . " (Gellner, 1993, 15).
Mas pensamos que vale a pena aprofundar um pouco mais estas definições, sobretudo
quando entramos num campo tão investido pelas Ciências Políticas nas últimas décadas.
J. P. Nettl define os parâmetros que possibilitam o entendimento da ideia de "Estado"
como o resultado de um caminho cultural e político percorrido por colectividades que
identificam um conjunto de funções e de estruturas que consideram essenciais para a
vida em grupo e que as organizam de forma a tornar a sua replicação generalizável .
Trata-se, também, de grupos que se vêm a si próprios como distintos dos "outros",
entrosando-se de maneira a conseguirem, com algum sucesso, constituir uma unidade
face ao que consideram "exterior", assumindo que a forma de organização e
racionalização da vida do grupo pode dar lugar a uma estrutura que goza de alguma
autonomia face à colectividade.
É assim a emergência da ideia de soberania e da sua sedimentação através da construção
dos processos administrativos e de aplicação das leis que dão corpo a tal soberania,
juntamente com o processo de construção e de "institucional ização" de um organismo
autónomo face à colectividade de onde "emana", que definem a ideia e a prática de um
Estado como organismo simultaneamente dotado de um poder simbólico e de um poder
real que lhe permite a coordenação e implementação das acções que circunscrevem a
vida de uma comunidade (Nettl , 1999, 9-36).
Estas são as funções minimas a partir das quais se pode falar de "Estado", ou seja trata
se do cerne da noção de "Estado", o que indica que se trata de uma realidade
reconhecível num período de tempo histórico alargado, e que portanto pode ter tido,
como efectivamente teve e tem, origens, formas de legitimação, funções e dimensões
adequadas a épocas e contextos diferenciados.
Quanto ao conceito de nação, ele é mais vasto, mas uma primeira definição fornecida
por Anthony Smith pode-nos dar uma imagem estabil izadora do conceito: " . . . uma
nação pode ( . . . ) ser definida como uma determinada população humana que partilha um
território histórico, mitos, memórias comuns, uma cultura pública de massas, uma
economia comum e direitos e deveres legais comuns a todos os seus
membros . . . "(Smith, 1997, 28). No entanto, como próprio autor sublinha, esta é uma
descrição ideal e muito "nacionalizada", visto que existem grupos que se definem
sobretudo em termos étnicos, um termo al iás extremamente ambíguo, ou outros que
tendo perdido as suas referências territoriais e económicas comuns baseiam a sua ideia
18
de identidade em histórias, mitos e por vezes l ínguas comuns, aproximando-se do que
muitos antropólogos apelidam de "nações de diáspora".
Como todos os historiadores, cientistas políticos e antropólogos reconhecem, são, até
aos séculos XVII I e XIX, sobretudo nas sociedades com que os europeus deparam no
processo de expansão, numerosas as nações sem Estado, ou seja, grupos étnico dotados
de organizações flexíveis a que dificilmente se pode chamar de Estado, mas a partir
desta altura a tendência é a de que, nas palavras de Eric Hobsbawm, deixem de existir
nações que não sejam "cobertas por Estados" (Hobsbawm, 1990). Assim, assistimos na
Europa e no mundo, até aos princípios do século XX, a uma enorme variedade de
configurações e de articulações entre nações e Estados, desde a pulverização de nações
por vários Estados, até à coexistência entre nações distintas, "numa articulação
vertical", no contexto de Estados plurinacionais, cuja coesão é assegurada por
complexas relações de poder entre farrulias dinásticas. Desta forma, acabará por ser
relativamente raro até meados do século X IX a existência de situações de coincidência
total entre as origem étnicas, rel igiosas e l inguísticas das estruturas burocráticas e de
poder dos Estados e a dos povos por eles tutelados.
O processo de "nacionalização" ou seja, a tentativa de construção de Estados - nação
homogéneos, tem o seu começo na transição do século XVIII para o século XIX, em
que o sentido da palavra "l iberdade" herdada da Revolução Francesa, mais do que da
Revolução Americana, significaria, em conjunto com a mudança das formas de
legitimação do poder, a possibi l idade de os "povos" se tornarem livres da tutela de
famíl ias e de dinastias associadas a etnias "estrangeiras". Esta "libertação nacionalista",
que é brilhantemente sintetizada de novo por Ernest Gellner ao afirmar que nas suas
bases constitutivas se encontravam, por um lado, a vontade e os sentimentos de pertença
e de lealdade, e por outro, o medo a coerção e o constrangimento, insere-se num longo
processo que teve um pico dramático entre 1939 e 1945 e que se arrasta até aos nossos
dias com a decadência e queda dos grandes impérios Europeus, o Turco, e mais
recentemente, o Soviético. Quando deixaram de conseguir segregar uma "argamassa
unificadora, dinástica, rel igiosa ou ideológica", estes impérios viram o nacionalismo
emergir como uma força, que, consoante a perspectiva de onde a observamos,
poderemos c lassificar como centrífuga e destrutiva, ou centrípeta e unificadora, e cujo
resultado é a proliferação de "Estados - nação" etnicamente mais "puros".
Assim, podemos afirmar, sem grande receio de errar, que o nacionalismo, juntamente
com o liberalismo e com o marxismo, é uma das grandes forças e correntes de acção
19
política da Modernidade e, entre muitos outros exemplos, quer a situação das
sociedades africanas, onde a coabitação de uma enorme diversidades de grupos étnicos
no contexto do mesmo Estado continua a ser extremamente tensa e por vezes violenta,
quer a tenaz resistência às tentativas de construção de sociedades cosmopolitas pós -
nacionais, de que a União Europeia poderá vir a ser um exemplo, mostram-nos que o
"nacionalismo" não é um vestígio do passado, e que a tentação da "eternização do
Estado e da nação" persiste nos nossos dias, de forma aguda nuns casos, larvar nos
outros.
Mas a construção do Estado - nação ultrapassa em muito a tentativa de expulsão ou
erradicação dos que são "diferentes" e , ou, falam outras l ínguas e têm outras religiões, e
que, no cl ima nacionalista dos séculos X IX e XX, são definidos, ou auto definem-se
como "estrangeiros". De facto, o tornar todos iguais, inclui aqueles que poderíamos
dizer à partida que já são muito "parecidos", mas sobretudo, o Estado - nação vai sendo
construído através de mudanças profundas nas formas de legitimação do poder, assim
como da evolução dos processos de interligação e de integração de territórios, gentes e
culturas que a centralização administrativa das casas reais europeias tinha lançado a
partir de finais do século XVII .
De uma forma mais clássica, e resumindo o essencial do que muitos dos autores actuais
têm dito sobre o assunto, Ernesto Castro Leal , ao i lustrar a passagem da noção de
Estado Absoluto para o de Estado - nação moderno, refere " . . . u ma mudança
fundamental no principio da legitimidade política que passou ( . . . ) do fundamento da
soberania dinástica, da ordenação divina, do direito histórico ou da coesão rel igiosa,
para um fundamento de soberania popular electiva, laicismo, sistema de separação dos
poderes, patriotismo . . . " (Leal , 1 999, 2 1 ) .
Assim, a ideia de legitimação popular acompanhada pela ideia de construção d e uma
entidade política separada da Igrej a constitui a chave fundamental para entender a
Modernidade do ponto de vista político, estando na origem do "Estado de Direito",
progressivamente transformado em "Democracia Parlamentar", a forma de governo que
se veio a revelar hegemónica nos finais do século XX, senão nas práticas efectivas, ao
menos a nível das representações relativas à forma ideal de gestão política.
Historicamente, tal caminho foi muito pouco l inear, tendo sofrido a concorrência de
outras maneiras de encarar a relação entre povo e Estado, mas o facto é que raros terão
sido os regimes e os governos na Europa e no Ocidente, que, sobretudo durante o século
20
XX, tenham dispensado "a consulta ao povo" como forma de legitimarem o seu próprio
poder.
O que seria extremamente bizarro no século XVII ou mesmo na maioria das sociedades
europeias e ocidentais no século XVIII , começou a fazer o seu caminho das formas mais
lentas e tortuosas durante o século XIX e foi quase sempre utilizado como forma de
legitimação política durante o século XX, mesmo pelos governos e regImes que se
opunham a elas, e estamos, claro está, a referirmo-nos a eleições.
Mencionar eleições é, pois, referir uma linha de tempo que se estende por um longo e
acidentado pro ces o que, na fel iz expressão de Eric Hobsbawm, terá como tendência a
transformação de "súbditos" em "cidadãos" (Hosbsbawm, 1 990) e que passará pelo
reconhecimento de Direitos Civis relacionados com a propriedade e o mercado, de
Direitos Sociais relacionados com a l iberdade religiosa, de discurso, de reunião e de
associação e pela outorga ou conquista de Direitos Políticos que contemplarão, na sua
fase última, o Sufrágio Universal apenas condicionado pela idade (Rose, 2000a) . Trata
se de um processo que leva tempo a afirmar-se, que está na origem de numerosos
confl itos sociais e políticos, mas que se tornou, pelo menos no que diz respeito às
sociedades ocidentais ou às que as escolheram como matriz de desenvolvimento, num
ponto de chegada, numa espécie de "júbilo" da Modernidade.
Passou este processo por várias etapas até ao Sufrágio Universal , desde o
reconhecimento do voto mascul ino condicionado pela riqueza ou pela instrução ou por
ambas, que perdurou em muitos países a partir do primeiro terço do século X IX,
passando de seguida pelo voto masculino universal , pelo voto mascu lino universal
associado ao voto feminino condicionado pela idade ou pela posição patrimonial da
mulher, pelo voto masculino e feminino condicionados pela instrução, pela riqueza ou
por condicionantes políticos, chegando-se finalmente ao Sufrágio Universal ,
condicionado apenas pela idade. No que a esta última diz respeito, a "maioridade" a
partir da qual se foi concedendo o voto, também foi evoluindo durante o século XX, dos
vinte e um anos para os dezoito, insinuando-se agora os dezasseis anos como suficientes
para a maioridade política do e leitor (Bertolini , 2000).
A modificação profunda das formas de legitimação modernas que acompanham o
caminho da Modernidade, tem lugar numa altura de progressiva transição da ideia de
"Reino" para a ideia de "Nação", que implica segundo Leal , a construção de uma nova
configuração de "espaços" a qual reflectirá e será reflexo desta transição. Tal
configuração será composta peja articulação numa base territorial bem de finida, do que
2 1
o autor designa de "novos espaços estruturantes" e que serão sobretudo os seguintes:
" . . . espaço económico (mercado nacional) ; espaço social (sociedade burguesa) ; espaço
político (unidade do poder, unidade administrativa, secularização) e espaço cultural
mental (identidade nacional com símbolos unificadores: hino, bandeira ou panteão)
. . . "(Leal, 1 999, 2 1 ) .
Assim, a ideia de Estado - nação moderno, pressupõe não só profundas mudanças a
nível das funções tradicionais do Estado e das suas formas de legitimação, mas
sobretudo enceta um movimento de construção de uma totalidade nova, que tenta levar
ao l imite as formas de integração e de potencialização das populações e dos territórios
delimitados pelo Estado. A potenciação da economia que as novas tecnologias
permitiam eram ampliadas por conceitos políticos inovadores e mudanças nas formas de
administração e enquadramento das pessoas, tornando as formas de legitimação do
poder progressivamente mais alargadas a todos, dessacralizadas e laicizadas, definindo
aquilo que se constituía como a noção de cidadania moderna, porque potencialmente
universal, baseada no voto cada vez mais l ivre e alargado.
Mudanças desta magnitude não podem ser feitas sem o amparo de uma base cultural que
legitime a ideia de soberania parti lhada e este desenho cultural , existindo de forma
potencial na filosofia europeia dos séculos XVI em diante, só bem mais tarde virá a
dispor do suporte de formas de economia que permitiram gerar riqueza numa escala sem
precedentes, tornando possível a construção das instituições que suportaram estas
mudanças . Se à economia já nos referimos, o mesmo acontece a uma das instituições
fundadoras deste Estado - nação, e referimo-nos à escola, articulada em Sistema
Educativo, da maneira antes descrita, neste texto.
Por um lado, seria impensável a ideia de Estado Moderno sem a existência de uma
instituição socializadora como os modernos S istemas Educativos, por outro seria
impensável a existência dos Sistemas Educativos contemporâneos sem a existência do
Estado - nação da Modernidade, num processo de interacções múltiplas e difíceis, que
levaram o seu tempo a estabilizar-se nas articulações que conhecemos.
A melhor ideia do que representou a relação entre Estado e educação a partir de
meados do século XIX pode ser dada por uma citação extraída de um belo l ivro de Ben
Eklof, que tem como objecto o estudo das escolas camponesas da Rússia no século XIX
e princípios do século XX. Em determinado passo, o autor transcreve as palavras
escritas em 1 4 de Abri l de 1 800 no l ivro de actas da Comissão para o Estabelecimento
de Escolas, comissão essa que tinha sido instituída pelo Czar Alexandre I na esteira das
22
reformas educativas que a partir de meados do século XVII I tinham varrido a Europa,
de Lisboa a São Petersburgo:
" . . . AlI schools are in complete uniformity: no matter what school the child may enter,
he wil l read the sarne textbooks, the teacher wil l employ the sarne methods of
instruction and fol low the sarne schedule . . . since in the most distant corners of the
Empire learning is organized in the sarne manner and according to the ame timetable
as it is in the capital itself . . . " (ln Eklof, 1 990, 37)
Apesar de estas palavras mais não reflectirem do que um desejo que na época era
totalmente desencontrado da realidade, elas desenham bem o ideal de escola que
progressivamente durante os séculos XIX e XX, um pouco por todo o mundo, irá sendo
construído, ou em grande parte dos casos, apenas ideal izado: uma escola igual para
todos, independentemente do contexto social , geográfico, l inguístico ou étnico, tendo
como base um modelo de nação e de cidadão idealizado e construído nos gabinetes do
poder.
Como se escreveu, a realidade foi , durante muito tempo, diferente da transcrição
anterior e estaria bem mais perto do relatório que o administrador da localidade de
Berdiansk apresentou em 1 860, referindo-se à forma como viviam as escolas da sua
região:
" . . . There is no set program, there are no textbooks, and the pupil s have to make do
with whatever comes their way. There is no set time to begin 01' to finish learning how
to read, there is absolutely no supervision over the schools ; discipline is applied by the
teachers as each sees fit, and in many schools is very severe . . . " (Idem, 39).
Mas, se esta era a realidade da Rússia de meados do século XIX, como a seria em
muitas sociedades de todo o mundo, cem anos depois tudo seria diferente, quer na
Rússia, quer em Portugal , quer na maioria das sociedades ocidentais ou oc idental izadas .
A distância que vai entre as duas citações que usámos e as alturas em que estimamos
que os processos escolares estavam bem assentes, ou seja, no final da primeira metade
do século XX, mostra de facto o arco de tempo necessário para tornar a prática
compatível com o modelo, no caso russo ou no português bem mais de um século, mas
também dá uma medida da persistência em torno deste modelo de socialização que é
inces antemente perseguido durante todo este tempo, como ainda hoje acontece em
grande parte do mundo onde ainda não foi possível colocá-lo em prática.
Porquê? A resposta parece simples: a difusão de uma narrativa única, de uma história
pátria para todos, n uma mesma l íng ua, o ensino de uma geografia em que o "pais"
23
ganha urna forma colorida, com rios, montanhas e cidades delimitada por fronteiras que,
por um lado, dão urna forma real a um sentimento "abstracto" e que, por outro, definem
o "nós" e os "outros" através de urna l inha que nos separa, tudo isto suportado por
métodos pedagógicos ensaiados pelos Jesuítas, parece um instrumento muito poderoso
nas mão dos "construtores de nações" do século XIX e XX, e irá mostrar-se urna
obsessão dos Estados Modernos, dos mais ricos aos mais pobres, que não se concebem
sem um exército e sem urna escola. Nesta se construirá a base cultural fundadora, ou
pelo menos, estabil izadora de urna ideia de pertença e de soberania partil hada entre os
que, independentemente do que na realidade foram no passado, convivem no mesmo
espaço sob a mesma tutela, trabalham num mercado nacional "protegido" face aos
"estrangeiros", comunicam na mesma l íngua e, progressivamente fazem parte da
colectividade que legitima com os seus votos esse órgão autónomo de poder que é o
Estado, e que se espera que eles sintam corno urna emanação da sua vontade.
Sem escola, urna escola obrigatória, laica e gratuita não haveria Estado - nação, pelo
menos este Estado - nação que ainda ternos e que Nikolas Rose sintetiza de forma
brilhante da seguinte maneira:
" . . . a central ized body within any nation, a collective actor with a monoply of the
legitimate use of force in a demarcated territory. This apparent monopoly of force was
presumed to underpin the unique capacity of the state to make general and binding laws
and rule across its territory. I t also seemed to imply that alI other legitimate authority
was implicitl y or expl icitl y authorized by the power of the state . . . " (Rose, 1999, 1)
Trata-se de um projecto geral de mudança, em que escola e Estado - nação se interligam
umbilicalmente: sem a visão global e a mobil ização de recursos que o Estado - nação da
Modernidade permite, não é possível a construção de algo de tão radical mente diferente,
extenso e coordenado corno os modernos S istemas Educativos; sem estes S istemas
Educativos não é possível a construção da "argamassa" linguística e cu ltural que irá
faci litar a tarefa de "nacionalizar as massas" e legitimar a arquitectura política que se
revela dominante a partir dos séculos xvrn e XIX.
24
Modernidade e Educação I I I : Disciplina e Liberdade
Mas se a integração através de padrões culturais, l inguísticos e cognitivos adequados à
nova ociedade são projecto propostos pelas elites ocidentais que encaixam bem na
escola do Estado Moderno, também as formas de modelagem e administração dos
comportamentos das pessoas se tornam fundamentais num projecto político que
promove a integração de todos, ainda que de forma organizada e hierarquizada (Bouillé,
1 988), e que tem na sua perspectiva de futuro, a legitimação do poder político através
do sufrágio, que nascendo restrito, se irá alargando durante o século XIX e XX até se
tornar universal.
Governar, como salienta Nikolas Rose, torna-se diferente de "dominar" e o projecto
político da Modernidade vai sedimentando progressivamente, com recuos e
incongruências, formas de relação entre governantes e governados diferentes do que até
aí era comum:
" . . . To dominate IS to Ignore or to attempt to crush the capacity for action of the
dominated. But to govern is to recognize that capacity for action and to adjust oneself to
it . . . Hence when it comes to governing human beings, to govern is to presuppose the
freedom of the governed. To govern Humans is not to crush their capacity to act, but to
acknowledge it and to utilize it for your own objectives . . . " (Rose, 1 999, 4).
A escola contemporânea, onde progressivamente se substitui a necessidade da gestão
social e física violenta e imediata, pela possibilidade de "conversão" das almas no
tempo mais largo, aparece-nos assim como um instrumento fundamental do equilíbrio
entre os que defendem que é preciso educar para civil izar, e os que defendem que a
busca da civil ização se encontra na educação.
Podemos assim dizer que a Modernidade é um exercício perigoso, que oscila entre a
promessa da autodeterminação colectiva dos povos e individual das pessoas a quem são
reconhecidos os direitos fundamentais, e o caos social e político que ameaça todas as
grandes mudanças que não se dão de forma controlada e gradual , ou seja,
"disciplinadas" . Portanto, a resolução da aparente contradição existente entre a
"liberdade" e a sua negação, a tirania a que o "caos" abre caminho, parece ser a chave
para uma Modernidade bem sucedida, e a escola uma boa oficina onde esta contradição
pode ser, senão resolvida, pelo menos "trabalhada".
Dois famosos exemplos citados por Michel Foucault em Surveiller et punir: naissance
de la prison, são paradigmáticos desta questão: o primeiro, baseado nos regulamentos
das escolas catól ic as de La Salle datados de 1 828, ilustra-nos o papel do "sinal", uma
25
espécie de régua de madeira maCIça, na regulação absoluta dos comportamentos ; o
segundo, um outro regulamento, mas desta vez das "escolas mútuas", datado de 1 8 1 6 ,
mostra-nos como se tentou fazer a transposição da pedagogia jesuíta do século XVI
para uma sociedade que vivia os primeiros passos da Industrialização
O trecho dos regulamento das escolas de La Salle escolhido por Foucault diz o
seguinte : " . . . La priere entant faite, le maitre frappera un coup de signal , et regardant l '
enfant qu ' i l veut faire l ire, i l lui fera signe de commencer. Pour faire arrêter celui qui lit,
il frappera un coup de signal . . . Pour faire signe à celui qui l i t de se reprendre quand il a
mal prononcé une lettre, une syl labe ou un mot, i l frappera deu x coups successivement
et coup sur coup. Si apres avoir repris i I ne recommence pas le mot qu ' il a mal prononcé
( . . . ) le maitre frappera trois coups successivement 1 'un sur l ' autre pour lui faire signe de
rétrograder de quelques mots et continuera de faire signe jusqu ' à ce que l ' écolier arrive
à la syllabe ou au mot qu ' il a mal dit . . . " (In Foucault, 1 975 , 1 69) . Mais à frente, M ichel
Foucault transcreve uma parte do regulamento das escolas mútuas onde se descrevia a
forma como a entrada das crianças nas salas de aula de tais escolas se devia fazer:
" . . . Entrez dans vos bancs. Au mot Entrez, les enfants posent avec bruit la main sur la
table et en même temps passent la jambe dans le banc; aux mots Dans vos banes, i l s
passent 1 ' autre jambe et s ' asseyent face à leurs ardoises . . . Prenez-ardoises, au mot
prenez, les enfants portent la main droite à la ficelle qui sert à suspendre l ' ardoise au
clou qui est devant eux , et par l a gauche, i l s saisissent l ' ardoise par le milieu ; au mot
ardoises, i ls la détachent et la posent sur la table . . . " (Ibidem).
Nestes dois trechos podemos perceber como os seus autores, os precursores do "ensino
massificado", consideram que a chave do "ensino para todos" passa pela mais fria
distância entre o mestre e os alunos, sendo qualquer sinal de "envolvimento pessoal"
substituído por um "código de comunicação" estudado de antemão. Esta distância, que
buscando a eficácia trata o ensino como uma coisa "objectiva" e os alunos como
"factos sociais", procura controlar o afecto presente nas relações humanas, tornando-se
assim num exercício de controlo sobre os outros, mas também de auto controlo de si
mesmo de forma a refrear as pulsões de Eros e Thanatos, revelando a ambiguidade de
todas as profissões que Freud declarava como "impossíveis" porque baseadas na
relação.
Mas mostra também todo este "dispositivo" altamente regulamentado, o medo de que a
integração daquelas "classes labourieuses, c lasses dangereuses" tão bem retratada por
Louis Chevalier ( 1 978) , corresse mal e que a "populaça", sem controlo, i n v adisse o
26
palco do poder, saqueando, destruindo e matando como o fez várias vezes na história.
Para que tal não acontecesse era necessário que as "classes laborieuses" deixassem de
ser "dangereuses", e a forma de o fazer era integrá-las ordeiramente através de
mecanismos de socialização que promovessem a interiorização da ordem, da disciplina
e do autocontrolo, mantendo no entanto um mecanismo de repressão autoritário e
físico, enquanto o processo "civil izacional" não estivesse terminado.
E enquanto o processo não "chegasse ao fim", apesar do discurso, as práticas diferiam
do modelo, coisa comum e humana na transposição da teoria para a realidade. Um
operário metalúrgico do princípio do século XX, em Lisboa, à semelhança do
administrador da localidade de Berdiansk, na Rússia de meados do século XIX, fazia-se
eco de um tipo de vivência muito diferente e muito mais "humana" da que se procurava
definir nos regulamentos citados por Foucault :
" . . . A escola de hoje mais se assemelha a uma caserna do que a uma instituição
encarregada de fornecer à sociedade homens l ivres e úteis ( . . . ). O professor, salvo
honrosas excepções é o carrasco e o verdugo da criança quando devia ser o seu pai
espiritual . É verdade que a instrução, tal como está preparada, tem por fim, não fazer
homens compreendedores dos seus direitos dentro da sociedade, mas autómatos que se
prestem a soldados para defesa da sociedade, bolsas para o pagamento de impostos . . . .
Há portanto, a conveniência da parte de quem dirige a educação que ela se mantenha na
mesma. ( . . . ) a nós cérebros l ibertos da instrução dogmática cabe-nos o dever não de
pedir ao Estado que remodele a instrução, o que ele nunca fará, mas de criarmos escolas
( . . . ) fundadas na moderna pedagogia . . . Um esforço pois, que o interesse é nosso e dos
nossos filhos . . . "(In O Metalúrgico, n° 25, 1 904, citado por Candeias, 1 994, 1 34- 1 35) .
Neste trecho, vemos como os tempos de passagem dos modelos teóricos à realidade
estão mais conformes ao tempo histórico do que ao tempo humano, e os homens,
porque querem ver os frutos do seu trabalho, propõem e implementam mudanças que as
práticas acabam por assimilar, mas apenas depois de devidan1ente depuradas e
temperadas pela vida. O que o militante sindical metalúrgico propõe no âmbito de uma
análise crítica à educação do seu tempo, baseada na denúncia da violência física e da
"violência" ideológica, um tipo de crítica que se manterá corrente bem além da segunda
metade do século XX, é uma versão politizada da "Educação Nova", a qual preconizava
duas direcções principais: a educação da criança teria de ser baseada no estudo
científico do seu desenvolvimento e teria de assentar numa relação pedagógica baseada
n a liberdade e no afecto (Candeias, 1 99 5 , 1 3 -24; 1 99 8 , 1 3 1 - 1 4 1 ; Nóvoa, 1 99 5 , 25-4 1 ) .
27
Estas duas questões exprimem as reacções por parte do positivismo que dominava as
ideologias políticas mais activas da transição do século XIX para o século XX, contra,
por um lado, o "obscurantismo religioso" que, para eles, dominava o ensino dos séculos
X IX e XX e por outro, simultaneamente, contra a "brutalidade" com que as crianças
eram supostamente tratadas na escola e contra a despersonalização, a "redução de gente
a números", que a escola da Modernidade parecia promover.
A primeira destas questões, a educação baseada numa aproximação científica da
criança, foi sendo aplicada de forma disciplinada e disciplinadora pelo discurso e pelas
práticas organizacionais institucional izadas na educação do século XX, e a segunda
constitui um dos pontos fulcrais da discussão pedagógica até aos nossos dias. Ambas
foram assimiladas, a primeira em primeiro lugar e com menos problemas do que a
segunda, mas só o tempo as conseguiu acomodar, antes de, novamente, nos finais do
século XX, entrarem em crise.
Podíamos assim dizer que os dilema retratados num arco de tempo de cerca de um
século pelos regulamentos das escolas cristãs de La Salle e das escolas de ensino mútuo
da primeira fase da industrialização, pelo relatório da Comissão para o Estabelecimento
de Escolas instituída pelo Czar Alexandre I, assim como pela desiludida constatação do
administrador da localidade de Berdiansk e do protesto radical do operário metalúrgico
do início do século XX em Lisboa, enunciam uma das contradições principais da
Modernidade - a que se estabelece entre os direitos criados que outorgam a l iberdade
aos humanos, e a necessidade de regular, controlar e "disciplinar" tal l iberdade a fim
de a tornar possível .
Peter Wagner fixa a origem desta contradição entre "liberdade" e "disciplina" , que ele
considera como a contradição "fundadora" da Modernidade, nas correntes de
pensamento que no contexto do iluminismo defendem, de forma conflitual, os
princípios da "regulação" ou da "autodeterminação": " . . . A corrente da "regulação"
reprime o direito à autodeterminação individual daqueles tidos como inaptos para a
Modernidade. A corrente da "autodeterminação" acentua a autonomia dos indivíduos,
mas não se interroga sobre os aspectos mais essenciais da vida humana, da génese de
tais aspectos e dos caminhos para a sua realização . . . " (Wagner, 1996, 32-33, tradução
l ivre) .
Sendo a "autonomia" irrestrita, por um lado, e a "regulação" de tal autonomia em nome
da razão, da tradição e do bem comum, por outro, dois dos princípios fundadores da
Modernidade, a questão principal que daqui decorre será a acomodação desta tensão a
28
nível das condutas humanas, pelo que a solução para os que não conseguirem conci liar
estas duas "pulsões" aparentemente contraditórias, parece ser clara: ou a modelação
cognitiva e comportamental através da educação, ou a exclusão através, quer da
repressão e do confinamento, quer da "não inclusão" nos direito de cidadania. Vital em
todo este aparato é a manutenção e aperfeiçoamento de um Estado que organize, tutele e
legitime barreiras que se oponham eficazmente ao que o autor designa como uma
" . . . profusão virtualmente i l imitada de praticas sociais autónomas . . . " (Idem, 29) que a
Modernidade potencializa. Mas, sinal dos tempos, o fundamental nestas barreiras é não
só a sua eficácia como sobretudo a sua legitimidade, uma legitimidade diferente das
legitimidades de origem dinástica e divina que a "Modernidade" enfraqueceu.
Esta maneira de integrar condutas e comportamentos é, segundo o autor, a condição
fundamental de um projecto que, a prazo, terá de contar com a legitimação de todos os
seres humanos adultos que habitam as fronteiras dos Estados que se constituem
lentamente em Estados - nação modernos. Para que todos neles caibam, é preciso que a
integração seja lenta, ordenada, hierarquizada e controlada, de maneira a ser possível a
criação de um espaço político gerador de um grau suficiente de consenso e de
prosperidade que permita que o conceito de "governo" como forma de gestão política e
social se sobreponha ao conceito de "dominação".
Este "movimento", que promove a sedimentação de formas de gestão social e políticas
sofisticadas, que salienta a correspondência entre as mudanças nas "grandes políticas" e
as mudanças nos comportamentos individuais, leva o autor a uma sistematização das
várias fases do projecto modernista, que nos parece de referência pertinente, uma vez
que possibil itam a organização conceptual de processos de desenvolvimento da
Modernidade, quer os vejamos do ponto de vista político, económico ou educativo.
Assim, para Wagner, no espaço liberal da primeira metade do século XIX ocidental ,
enquanto que as tensões dos novos tempos se fundem em projectos habitados por um
núcleo burguês em constituição, que não tolera as incertezas trazidas por um mundo
visto como caótico e impossível de integrar, constitui-se o que o autor designa de
"Modernidade Liberal Restrita" , Trata-se de um espaço em que, simultaneamente, há
que manter a ordem e depurar e organizar as componentes culturais e políticas das
novas configurações de poder, excluindo assim os que "não estão preparados para a
Modernidade". A tensão entre as possibil idades que os novos discur os abrem e a
dificuldade de transformar tais discursos em práticas, tensão essa que leva à exclusão de
" . . . tantas pessoas desenraizadas dos seus comextos sociais culturais e económicos,
29
frequentemente de forma traumática . . . " (Idem, 42), vaI dar ongem ao que o autor
chama de a primeira crise da Modernidade .
Esta crise irá abrir caminho à segunda fase da Modernidade, que Wagner denomina de
"Modernidade Organizada", e que se caracteriza pelo longo período de integração das
novas classes e estratos sociais que resultam do industrialismo, uma integração levada a
efeito de forma frequentemente autoritária, mas com o recurso a um arsenal de ideais
emancipalistas e de legitimação universal que, mesmo quando não cumpridos, se
colocaram na ordem do possível, constituindo-se como uma ameaça aos que, em nome
da "regulação", os b loqueiam. Esta fase, que se desenrolou durante uma parte
importante do século XX, assistiu a uma locação de recursos tornados disponíveis quer
pelo progresso económico, quer pela ameaça de insurreição social, que permitiu , nuns
casos de maneira mais extensa e profunda do que noutros, o que o autor chamou de
"convencionalização" do trabalho e estandardização do consumo, que fazem parte de
uma constelação de práticas que estará na base da noção de Estado - Providência, mas
que, como o autor assinala, termina por "fazer entrar a disciplina e a homogeneidade das
práticas de autoridade no domínio da vida familiar" . É durante este período que se dá o
enraizamento e massificação das instituições que caracterizam o "Mundo Moderno", e
aqui , de forma específica, os S istemas Educativos contemporâneos , laicos, gratuitos e
obrigatórios.
Termina este período com um triunfo dos Direitos herdeiros do l iberal ismo dos séculos
xvrn e XIX, ou seja, os Direitos Civis relacionados com a propriedade e o mercado, os
Direitos Sociais relacionados com a l iberdade religiosa, de discurso, de reunião e de
associação e os Direitos Políticos consubstanciados no Sufrágio Universal , que se
instalam, nos finais do século XX, como uma aquisição segura do conjunto de
sociedades que se agruparam em torno da Europa Ocidental e dos Estados Unidos da
América, e que se constituem como objectivos para uma parte importante do mundo.
Tratou-se pois, de um longo processo que passou primeiro pela exclusão dos que não
estão preparados para "serem l ivres", e, de seguida, por uma inclusão ordenada e
sistematizada de todos, o que imporá a interiorização de uma racionalidade que se
transformará tendencialmente em "senso comum", até todos poderem ser virtualmente
l ivres sem que o "bem comum" disso se ressinta. E serão os l imites óbvios desta
proposta, mais a decepção provocada pelo falhanço histórico das alternativas ao
capital ismo moderno, que explicarão o que o autor designa de segunda crise da
Modernidade e que estará na origem do que Wagner designa por "Modernidade Liberal
30
Alargada". Esta é por ele caracterizada como potencializando a emergência de valores
como a diferença, a pluralidade, a sociabilidade e a sol idariedade, que o
desmembramento das instituições organizadores e disciplinadoras da "Modernidade
Organizada" tornam possíveis.
Porquê esta incursão na teorização dos princípios e etapas principais da Modernidade na
versão de Peter Wagner? Porque nos parece óbvia a sua adequação à explicação quer
das funções políticas e comportamentais dos S istemas Educativos contemporâneos, quer
das etapas da sua consolidação, pelo menos no mundo Ocidental . De facto, para os que
não conseguem conci l iar "liberdade" com "disciplina", e que, portanto não estão
preparados para usufruir do seu papel de "cidadãos" a escola será um dos instrumentos
de socialização cujo papel será o de preparar esta acomodação. Esse modo de
socialização será ensaiada de forma "quase experimental" na primeira metade do século
XIX, no período que o Peter Wagner designa por "Modernidade Liberal Restrita",
massificada durante a "Modernidade Organizada", período que se caracteriza pela
integração das novas classes e estratos sociais que resultam do industrial ismo, e entra
em crise nos finais do século XX, com que o autor chama de "Modernidade Liberal
alargada", tornada possível pela desorganização das instituições disciplinadoras da
"Modernidade Organizada".
O que significa este paralelismo? Que atingimos um patamar em que uma parte do
mundo, Ocidental ou baseado na cultura Ocidental dispensa os mecanismos de
conciliação entre a regra e a liberdade, a regulação e a autodeterminação, e que estamos,
de novo, perante uma mudança dos mecanismos de socialização primordiais da
humanidade? Que finalmente interiorizamos os mecanismos de gestão comportamental
e que deixamos de ter necessidade de instrumentos de regulamentação exteriores, como
a escola? Que, tal como tem acontecido progressivamente desde os finai do século XX
com três das cinco formas institucionais que, segundo Robert Boyer (2002) compõem o
Estado - nação "fordista" Moderno, ou seja, o regime monetário, as relações Estado -
Economia e as regras da concorrência, também a educação será mais uma das funções
que deixará de ser regulamentada pelo Estado ?
3 1
Concluindo: a génese e as origens dos Sistemas Educativos contemporâneos
Educação e Modernidade
As sociedades ocidentais, primeiro, e mundiais de seguida, tendem desde pelo menos o
século X V I a transitar de uma forma de funcionamento baseado essencialmente na
oralidade, para uma forma de funcionamento assente na escrita.
Duas etapas são de ter em conta neste processo: o que chamamos de "alfabetização" e o
que designámos por "escolarização" (Candeias, 2000, 200 1 , 2004a. , Candeias et aI. ,
2004b. ) .
A alfabetização no seu sentido social, ou seja, enquanto processo, pode ser caracterizada
como sendo um movimento no sentido da obtenção de uma cultura letrada, dependendo
essencialmente de estratégias internas a grupos familiares ou mesmo a indivíduos,
encontrando-se directamente relacionadas com percursos de mobil idade ascendente ou
de adaptação a mudanças de contexto laboral ou social em geral .
Os ciclos de alfabetização têm tendência a intensificar-se quando as sociedades,
encontrando-se em fases de mudança intensa mas ainda não dispondo de instituições
capazes de ampararem e ordenarem tal mudança, continuam a tolerar espaços alargados
de autonomia em que a educação permanece como um bem essencialmente privado. Os
processos de alfabetização são, assim, processos muito dependentes dos contextos em
que se movem. Assim, variáveis como o género, a pertença social e étnica, as dinâmicas
políticas, económicas ou rel igiosas, ou a localidade onde se vive, são, no contexto dos
processos de alfabetização, fundamentais na densidade das relações que se conseguem
estabelecer entre as pessoas e a cultura escrita. Podendo ter lugar através de processos
não institucional izados, como o tutor, ou "mestre privado de ensinara a ler" (Furet e
Ozouf, 1 977) , não dependem das regras de utilização pressupostas pela
institucionalização da escola contemporânea, mas sim da forma relativamente autónoma
como tais instituições são util izadas, cabendo a definição do "currículo útil" ao
utilizador e a mais ninguém.
Trata-se de formas de relação entre os povos e as letras típicas do que podemos chamar
de sociedades pré - modernas, e os seus resultados, em termos de aquisição individual e
de mudanças efectivas na forma de funcionamento social , são pouco consistentes, muito
diversificadas e de difíci l avaliação (Magalhães, 1 994, 1 996).
32
De meados do séculos XVI a meados do século X IX, com incursões bem dentro do
século XX na Europa, admite-se que esta foi a forma predominante no processo de
aquisição de uma cultura letrada, continuando a sê-lo neste começo do século XXI em
muitos lugares do mundo em que não se conseguiram ainda as condições para a
construção de Estados - nação "completos", sendo, em tais contextos, a realidade de
muitos S istemas Educativos caracterizada por um quotidiano frági l e intermitente.
Quanto ao processo de escolarização, que progressivamente desde finais do século
XVI I I vai cobrindo o processo anterior, poderá ser definido na antítese do processo de
alfabetização, tendo a l igá-los, no entanto, o facto de ambos fazerem parte de modos de
transição cultural baseados na escrita.
A primeira das diferenças entre os dois processos reside na maneira como ambos se
definem em função da escrita: enquanto que no processo de alfabetização a aquisição
dos instrumentos de leitura e escrita é um fim em si, seguindo-se a utilização que o
util izador lhe quiser dar, no processo de escolarização que leva à construção dos
Sistemas Educativos actuais, a aquisição da escrita é um meio de atingir um fim, o qual
é determinado exteriormente ao "utente".
Esta "exterioridade" é a segunda e uma das mais importantes características separadoras
dos dois processos. A escolarização é um processo que, uma vez implementado e
estabil izado, tem dificuldade em tolerar aproximações, é rigidamente definido e
aplicado de forma compulsória pelo Estado moderno, sendo concebido como parte de
uma estratégia mais vasta que integra o indivíduo e a família num corpo mais amplo, a
nação, pelo que as estratégias individuais ou de "grupo restrito" são subordinadas a
estratégias que visam o "bem comum".
São formas de ligação ao mundo das letras típicas de sociedades com graus fortes de
institucionalização e, sendo assim, são pouco dependentes dos contextos sociais,
étnicos, de género ou geográficos, sobretudo a partir da altura em que se estabil izam, o
que, como vimos, ainda não aconteceu em todo o mundo por igual .
Necessitando da aquiescência dos povos para poderem ser de facto efectivos, não se
compreende a sua existência sem a pressão contínua dos grupos sociais e políticos que
constituem a espinha dorsal do Estado - nação moderno. São estas formas de l igação ao
mundo da e crita, através da escola moderna articulada pelo Estado em sistema, que
promovem de facto a transição definitiva de sociedades baseadas na oralidade para
sociedades baseadas na escrita
33
As razões para que tal transição se dê têm sido amplamente discutida , mas assentam
sobretudo em três ou quatro questões, que em conj unto constituem as grandes categorias
que enquadram o que autores como Anthony Giddens e Peter Wagner chamam de
"Modernidade" e que de seguida resumiremos:
- Os ciclos económicos que acompanharam a expansão europeia a partir do século XVI
e , de seguida, a partir do século x v rn , na sequência da "Revolução Industrial": ambos
estes ciclos estão na origem de profundas mutações nos tecidos económicos, políticos e
sociais, dando origem a sociedades mais complexas, com necessidades de administração
que acabam por potenciar a utilização crescente de formas progressivamente sofisticadas
de gestão política, económica e social, o que veio a generalizar, ainda que de forma
desigual conforme os contextos, a utilização de "instrumentos conceptuais" poderosos,
como a escrita e os números.
Nestas sociedades admite-se que as formas de socialização até aí dominantes, baseadas
na proximidade e na continuidade face aos valores tradicionais, teriam de passar por
mudanças que enfatizassem a generalização progressiva de categorias cognitivas mais
complexas, até aí restritas às el ites, que, por um lado permitissem a adaptação das
pe soas ao incremento do ritmo das mudanças a nível económico, tecnológico e também
das formas de v ida que fazem parte do que chamamos de Modernidade, e que por outro,
estimulassem a potenciação de tais mudanças por parte das pessoas que nelas estão
submersas . Não se trata apenas de "aculturar" através de um novo sistema de
socialização, mas também de dotar o ser humano das condições para viver como actor de
um contexto civilizacional muito dinâmico e exigente.
- O entrelaçar entre a Reforma Protestante e a Cultura das Luzes, que de maneiras
diferentes se traduziram por uma racionalização e laicização das sociedades, que além
de terem potenciado a economia, foram criando uma ideia pertinaz de responsabilidade
e protagonismo individual, a base da "cultura do cidadão", numa altura em que a
"ordem" estratificada do Antigo Regime se esboroava, abrindo-se o caminho ao
acréscimo de vias ascendentes de mobil idade social . A util ização da palavra escrita
aparece, pois, como um instrumento crucial na disseminação e consol idação dos
processos sócio-político modernos, quer nos refiramos ao incremento da mobil idade
social que acompanha o desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, ou aos
34
processos de integração que ustentaram a "cultura do cidadão", que está na base dos
regimes l iberais do século XIX.
Neste contexto, entende-se que mudanças das formas de poder político dominantes dos
século XVI I I em diante, dos Estados Absolutos legitimados dinástica e rel igiosamente e
com funções circunscritas à administração da ordem e da justiça, para os Estados
Modernos fundados no patriotismo e na laicidade, legitimados por sufrágios
tendencialmente universais, e com vastas funções de integração do "social", suscitem
formas de socialização, que além de serem cognitivamente mais complexas, se
debrucem sobre os comportamentos e as atitudes, fazendo a síntese possível entre a
"l iberdade" contida nas propostas sociais e políticas "Modernas", e a "discipl ina", vista
como fundamental para o desenvolvimento equil ibrado de tais propostas .
- A consolidação do conceito de Estado - Nação nos séculos xvrn e XIX, que resultou
na criação e aperfeiçoamento de aparelhos estatais com a função de, por um lado,
inculcar uma base cultural unificadora e geradora de consensos, numa tentativa de criar
homogeneidade, identidade nacional e legitimação política nos segmentos sociais,
étnica e religiosamente diferenciados que coexistiam nos mesmos territórios, e , por
outro, instituir a ordem e a eficiência necessárias para ocupar e manter um "lugar" num
contexto extremamente competitivo e tenso como o foi a Europa e depois o Mundo,
entre os séculos XVI e XX. Esta "nacional ização das massas", que é simultânea a uma
"disciplinarização" das mesmas, só se consegue com um alto grau de institucional ização
das sociedades, em que a escola laica, gratuita e obrigatória, que funciona da mesma
maneira para todos, disseminando, de forma "discipl inada" e "disciplinadora" um novo
modelo de vida em que os grupos étnicos e sociais são incluídos num grupo nacional ,
constitui a base dessas instituições.
Assim, sem uma instituição capaz de ordenar, sintetizar e coordenadamente propagar
um l íngua e uma narrativa histórica comum, difici lmente se consegu iriam criar e
sobretudo, fazer funcionar de forma eficiente as outras instituições constitutivas das
modernas nacionalidades, tais como o exército de con critos, os partidos políticos de
massas, a imprensa de circulação nacional e muitas outras que compõem o que Ernesto
Leal chama os novos espaços de articulação do Estado - nação, ou seja, os espaços de
integração económica que dão origem à ideia de "mercado nacional", os espaços de
integração políticos que dão origem à unificação do poder político e administrativos
35
modernos e os espaços de unificação cultural que promovem as novas identidades
nacionais, multipl icando os eus símbolos.
Acreditamos ter conseguido fazer passar uma imagem fundamentada e coerente que
ajude a expl icar as razões porque os processo de socialização humanos da
Modernidade foram mudando nos ú ltimos quatro séculos e se constituíram da forma
como os conhecemos actualmente.
Interessa-nos, a partir deste momento, tentar perceberam como funcionaram num
passado recente em que o modelo esteve no seu auge, e como poderão vir a funcionar
numa altura que se pressente como sendo de profunda mudança.
36
• Estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas
Educativos contemporâneos: do pós segunda Guerra Mundial ao
princípio dos anos setenta do século XX, o modelo no seu auge.
Na introdução a "Education, Culture, Economy, Society", uma das melhores súmulas
de textos sobre políticas educativa reunidas num livro, os coordenadores de tal obra,
Phillip Brown, A .H . Halsey, Hugh Lauder e Amy Stuart Wells, escrevem que
" . . . between 1 945 and 1 973 Western Societies experienced a period of rapid economic
growth and educational expansion against what appeared to be a background of social
harmony . . . " (Brown et aI., 1 999, 1 ) . Seria este tempo, na sua opinião, um período de
expansão e consolidação de um legado presente desde meados do século XVII I , que
levou a que os Estados - nação ocidentais interviessem directamente em áreas que eram
antes l ivres da acção sistematizada dos poderes públicos. Assim, como foi salientado no
capítulo anterior, assistimos a partir de meados do século XVIII a um envolvimento
crescente do Estado no domínio da educação (Nóvoa, 1 998) , a partir das últimas
décadas do século seguinte, as leis Bismarckianas de protecção ao trabalho no Reich
Alemão constituem o começo da intervenção "moderna" do Estado na área social
(Diebolt, 1 995) , e finalmente, a partir dos finais da primeira Guerra Mundial , mas
sobretudo a partir dos finais da segunda, o Estado torna-se um dos principais
protagonistas na área da economia.
Na verdade, sob a influência conj ugada de uma crise económica global gravíssima e da
obra de John Maynard Keynes que salientava a necessidade de intervenção do Estado
nos mercados a fim de corrigir efeitos política e socialmente destrutivos de uma
regulação exclusivamente económica ( Bernard e Colli , 1 997, 10 VoI . , 365- 366; Denis,
1 987, 694-709), as políticas de combate activo ao desemprego por meio da intervenção
do Estado no tecido económico com o fim de o revitalizar, acabam por se tornar
hegemónicas a partir da década de trinta do século XX e só são serianlente contestadas
quarenta anos depois, através de um retumbante retorno do Neoclassici mo económico
sob a designação de "neol iberalismo". Por outro lado, é na segunda década do século
XX que as teorias económicas de origem marxista que reivindicam para o Estado um
37
lugar central na economia das sociedades, encontram, atravé da fundação da União
Soviética em 1 9 1 7 , um campo de aplicação que irá durar cerca de sete décadas,
atravessando assim uma parte substancial do século XX.
Por outras palavras, de uma forma mais ou menos contextuaI, no mundo capitalista que
acredita que a eficiência económica se baseia num mercado pouco ou nada
regulamentado pelas instâncias políticas, e de uma forma estrutural no mundo socialista
de então, que acredita no principio da planificação e da regulamentação da economia
como a principal forma de satisfazer as necessidades dos seres humanos, as relações
entre o mundo económico e o mundo político densificam-se.
Assim, com esta entrada do Estado no mundo da economia, o Estado Moderno, cuj a
génese retratámos e m capítulos anteriores, torna-se em u m dos principais "reguladores"
das sociedades contemporâneas por um período de tempo longo, da segunda década do
século XX aos nossos dias, com uma "época de glória" constituída pelo espaço de
tempo compreendido entre os finais da década de quarenta do século XX e meados da
década de setenta do mesmo século.
Desta forma, no contexto de sociedades cuja econonua assenta no principio da
existência de mercados autónomos, verificou-se durante este período uma tendência
para a implementação do que poderíamos chamar de um "modelo integrado de gestão",
cujo objectivo parece ter sido a articulação, dentro do espaço de influência governativa,
de questões que relevam do campo da economia, do campo do social e , dentro deste, do
campo educativo, com resultados espectaculares em termos de progressos humanos em
geral . Esta segunda grande parte do texto ocupar-se-á de retratar de forma
problematizada este período, com destaque para o papel que nele teve a educação.
Assim sendo, preocupa-nos em primeiro lugar fornecer os contornos de uma linha de
pensamento que nos permita produzir uma interpretação flexível da época em questão,
escapando às l inhas ideológicas rígidas que a marcaram.
Na verdade, as tensões que coexistiram neste "modelo integrado de gestão" foram
sendo teorizados durante todo o século XX, de formas muito diferentes conforme o
escopo ideológico util izado, mas acreditamos que o conjunto de reflexões produzidas
desde meados dos anos setenta e oitenta do século XX por autores como Michel
Aglietta ( 1 976) mas sobretudo por Robert Boyer ( 1 986, 2002), nos permitem
ultrapassar uma querela histórica e ideológica muito presa ao que Peter Wagner
descreve como sendo a crise das " . . . teorias gémeas das constelações societais do século
38
XX, a teoria da modernização funcionalista e as teorias neo-marxistas do capitalismo
tardio . . . "(Wagner, 2002, 4 1 ) .
Não se estando no tempo das grandes explicações totalizantes sobre o mundo, estas
teorias baseadas na ciência económica, mas com a busca de modelos de acção oriundos
das teorias da epistemologia genética de inspiração piagetiana, propõem-nos um campo
expl icativo assente no termo "regulação", que procura conciliar a acção intencional dos
actores económicos sociais e políticos, com respostas sistémicas a vários níveis,
proporcionado um quadro explicativo da acção social, política e económica, aberto,
flexível e tanto quanto é possível , integrado. Não constituindo um traço imprescindível
na economia deste texto, pensamos no entanto que vale a pena prestar alguma atenção
aos autores que estiveram na base destas teoria .
Modos de regulação, ciclos e crescimento económico nas décadas de cinquenta,
sessenta e setenta da segunda metade do século XX
Robert Boyer, um dos fundadores do que podemos hoje chamar de "teoria da
regulação", postula que os seus objectivos se poderão encontrar na tentativa de
" . . . compreender porque e como se transformam as regularidades económicas sob o
efeito dos desequilíbrios, dos confl itos sociais e políticos e das grandes cnses
financeiras, e como se passa de um quadro de crise geral para um quadro de
transformação das instituições que enquadram os processos de acumulação
característicos das economias desenvolvidas . . . " (Boyer, 2002, 5 ) . Desta forma e por
outras palavras, na origem das teorias da regulação encontra-se a tentativa de
compreender em primeiro lugar, o modo como as transformações das relações sociais
criam novas formas, quer se tratem de novas "formas" no dOIlÚnio económico, quer em
outros dOIlÚnios; de seguida, procurou-se entender a maneira como tais formas
interagem entre si , e o modelo sugerido é o do desenvolvimento genético concebido por
Jean Piaget que assenta na interacção entre factores internos e externos através de um
processo dinârillco de assirill lações e acomodações.
A dinâmica entre estas assirilllações de elementos novos, "exteriores" ao que existe, e
as acomodações que terão de ter lugar por parte do "que existe", provocarão
desequi l íbrios sucessivos e acabarão por dar origem a novas estruturas capazes de
acomodar novas a similaçõe , estruturas essas que estarão na base de formas de
funcionamento que se tornam dominantes durante um espaço de tempo variável , e aqui
podemos falar de funcionamento cognitivo ou de funcionamento social , constituindo
assim, o que o autor designa como "modos de produção"(ldem, 2 1 -29) . Estes "modos
39
de produção", termo que evoca a teoria económica de origem marxista, são definidos de
forma geral , como tratando-se de conjuntos coerentes de relações sociais que regem a
produção e reprodução das condições materiais necessárias à vida humana (Idem, 6) .
Na sequência desta agenda de investigação, os teóricos da regulação preocupam-se de
seguida com as formas de "gestão" dos "modos de produção" dominantes , chegando
assim ao conceito de "regulação" que é por eles definido como estando assente em três
características : trata-se de agrupamentos de procedimentos e de comportamentos,
individuais e colectivos, que asseguram a reprodução das relações sociais fundamentais
de um "modo de produção" particular; sustentam e "pi lotam" o regime de acumulação
dominante, e funcionam de maneira a assegurarem a compatibi l idade de um conjunto
de decisões descentral izadas, sem que seja necessária a interiorização, por parte dos
actores económicos, dos princípios que regem a totalidade do sistema (Boyer e Salard,
2002b, 565) .
Esta forma de ge tão que os autores designam como "regulação" pressupõe, segundo
Claude Diebolt, dois princípios fundamentais : a existência de um órgão regulador e o
principio da retroacção (Diebolt, 1 995, 1 1 ) . Quanto ao órgão regulador, as suas funções
são as de aperceber-se das perturbações que afectam o sistema, anal isar as causas de tal
perturbação e, finalmente, transmitir uma série de ordens coerentes a um ou vários
órgãos, os quais agirão de forma a restabelecer o equi l íbrio do sistema (Idem, 1 1 - 1 2) .
Para estes autores, são vários os níveis de regulação possíveis, e a prevalência destes
níveis pode acentuar diferentes modos de regulação, ou seja, diferentes formas de
intervenção do órgão regulador sobre as perturbações correntes do si stema. Uma
intervenção "automática", traduzida por simples compensações, conscientemente
automática no sentido em que e acredita na possibil idade de auto regulação do sistema,
implica, em Ciências Económicas, a ideia de que a forma de gestão do sistema repousa
num equilíbrio que se corrige automaticamente por cada perturbação que se dê, e é
característica do que Diebolt chama de teorias económicas Neo-clássicas (Idem, 1 3) ,
que poderão ser chamadas de Neo-l iberais ou Neo-fordistas (Brown e Lauder, 1 999,
1 75) . A um nível mais elevado de regulação, o próprio sistema reflecte a capacidades
de aprendizagem social dos que dele fazem parte e, em matéria económica, os
reguladores, ou seja, os políticos e o Estado, devem reflectir tal experiência e
aprendizagem, sem o que os desequilíbrios aumentarão, assim como as perturbações.
Na opinião do autor, é este tipo de modo de regulação que caracteriza as políticas
keynesi anas ou fordistas : " . . . Os keynesianos não parti lham a confiança i l imi tada dos
40
neo-clássicos nos mecanismos auto-reguladores susceptíveis de restabelecer o
equilíbrio e o pleno emprego. Para eles, a iniciativa privada não leva espontaneamente a
um equi l íbrio ( ... ) É assim que para os economistas Neo-keynesianos a política de
regulação do crescimento que se impõe aos poderes públicos deve ser consciente e
voluntária, porque o mecanismo dos mercados e dos preços, deixado a si mesmo, não é
capaz de levar a economia por um caminho de equi l íbrio e de equidade . . . " (Idem, 1 6) .
Quer a natureza dos reguladores, quer o nível a que se processam tais regulações têm
conhecido no último século, predominâncias que, numa anál ise do caso francês durante
os século XIX e XX, fazem com que Christine André nos fale da existência de dois
tipos de Estado: ". . . A análi se das intervenções públicas em França, permite-nos
conceber, desde o começo do século XIX até aos nossos dias, duas configurações
características da relação entre o Estado e a Economia: a primeira desenvolve-se, sob a
influência da Revolução e durará até à primeira Guerra Mundial . Prevalece até aí a
ideia de um "Estado circunscrito" em relação a uma economia considerada como um
espaço autónomo. A segunda Guerra Mundial marca a passagem para um "Estado
inserido" na esfera económica, caracterizada, em França, pela institucionalização do
salário indirecto e a concepção de uma coordenação entre gestão monetária e política
económica de conjunto, sob a égide das autoridades públicas. É a esta segunda
configuração que aparece associado o conceito de Estado - Providência . . . "( André,
2002, 1 45) . E será a ideia de "Estado - Providência" que irá marcar de forma decisiva o
combate político e económico da segunda metade do século XX, assumindo em tal
combate uma central idade ainda maior à medida que se torna evidente, por um lado, o
falhanço político, económico e humano das sociedades socialistas, e por outro, o
advento das teorias neo-classicistas que, util izando o mercado como metáfora, querem
reduzir drasticamente o papel do Estado na economia e na sociedade "tout court".
Entretanto, a diversidade de modos de regulação que enquadram os modos de produção
tornados dominantes na Modernidade, leva a um longo processo de desenvolvimento
em cuja origem estariam não só os factores de inovação tecnológica e de socialização
humana referidos nos capítulos anteriores, mas também a capacidade de controlo
demográfico das populações, sobretudo ocidentais, que rompem radical mente com a
relação quase constante entre cresci mento económico e crescimento populacional:
" . . . what occurred around 1 800 that is new - that differentiates the modem ages from
all previous periods - is not technological change by itself but the fact that fertility
4 1
lOcreases ceased to translate improvements 10 technology into lOcreases 10
population . . . " (Lucas Jr . , 2002, 120) .
Tal crescimento, e neste caso referimo-nos explicitamente a "crescimento económico",
tem, historicamente, vários tipos de regularidade, que segundo Claude Diebolt
correspondem ao predoJ1Únio de diversos modos de regulação, levando a que muitos
historiadores da economia aceitem como plausível a proposta de um processo de
cresci mento económico assente em ciclos, apresentada nos anos vinte do século XX
pelo académico russo Nikolai Kondratiev. Fornecendo-nos uma interpretação neo
schumpeteriana de tais c ic los (Denis, 1 987, 55-559, 734-737 ; Freeman e Louçã, 2004,
55-77), Ana Bela Nunes define-os da seguinte forma: " . . . Cada ciclo de crescimento
económico é conduzido pela difusão de um grupo de inovações que induz um ciclo de
investimento, cria novas estruturas e gera grande dinamismo: no entanto, a partir de
determinada altura, o i mpacto positivo da inovação esbate-se, e segue-se um período de
depressão e de "destruição criativa", deixando o caminho aberto para uma nova vaga de
inovações e de investimento . . . "(Nunes, 2003, 563 ) .
Por outro lado, a periodização d e tais ciclos é também ela alvo d e algum consenso entre
historiadores da economia, e, quer Claude Diebolt de novo ( 1 995, 28-3 2) , quer Ana
Bela Nunes ( 2003 , 262-263) , quer Chris Freeman e Francisco Louçã, concordam com
uma periodização de tais ciclos, que embora apresentando diferenças entre s i , poderá ser
resumida por este quadro adaptado a partir de Freeman e Louçã (2004, 1 5 1 ) .
42
Quadro 1 - Resumo condensado das ondas de Kondratiev
Inovações Ramo condutor e Input Infra-estrutura Alterações de Período de técn icas e outros ramos fundamental e de transportes e gestão e expansão-
organizativas i mportantes outros inputs- comunicações orga n ização Período chave descendente
(ajustamento) 1 a_ Mecanização Fiações de Ferro; algodão Canais; Sistemas Fabris; 1780- 1815
da Indústria; algodão; produtos em rama; Estradas com Empresários; recurso a energia de ferro; Carvão; portagens; sociedades
hídrica Rodas hidráulicas; Velei ros; comerciais; 1815-1848 branqueamento;
2a_ Mecanização Caminhos-de- Ferro; Caminhos-de- Sociedades 1848-1873 da I ndústria e ferro; Carvão; ferro; Anónimas; transporte a Máqui nas a vapor; Telégrafo; Subcontratação
vapor Ferramentas Navios a vapor; de operários 1873-1895 mecân icas; qual ificados;
3a_ Electrificação Equipamento Aço, Caminhos-de- Sistemas 1895-1918 da Indústria, do eléctrico; Cobre; ferro de aço; especializados de
transporte e dos Engenharia Navios de aço; gestão lares pesada; Telefone; profissional;
Químicas "Taylo rismo"; pesadas; Empresas 1918-1940
Produtos de aço; qiqantes; 4a_ Motorização Automóveis; Petróleo; Gás; Rádio; Auto- Produção e 1941-1973
do transporte; Camiões; Tecidos estradas; consumo em Economia civil e Tractores, s intéticos; Aeroportos; série;
guerra; tanques; Companhias "Fordismo"; Motores a aéreas; Hiera rquias;
gasóleo; Aviação; 1973-? Refinarias;
5a-Computorizaçãc Computadores; C i rcuitos "Auto-estradas da Redes internas, ? de toda a Software; i ntegrados informação" locais, mundiais;
economia; Equipamento de ("chips"); ( I nternet); telecomunicações
, Biotecnoloqia; -
Fonte: Freeman e Louça, 2004, 151.
De notar que a di córdia exi tente entre vários autores sobre esta periodização refere-se
ao fim do período depressivo do 4° ciclo e à hipótese de existência de u m 5 ° ciclo, o
que, por um lado, mostra como é mais fáci l trabalhar com facto históricos do que
interpretar o presente e, por outro, levanta duas questões que têm percorrido as Ciências
Sociais dos ú ltimos anos: estaremos ainda numa fase de continuidade do "Fordismo",
ou seja, no que Giddens define como um período de "Modernidade Radicalizada", ou, a
combinação entre o fim de um dos "modos de produção" dominantes do século XX, o
Socialismo, as mudanças na predominância dos modos de regulação do capital ismo,
que passam tendencialmente de regulações do tipo "Keynesiano" para regulações do
tipo neo-classicista ou neo-l iberal , em conjunto com o arranque e estabil ização da
computorização da sociedade e da comunicação em rede possibi l i tada pela Internet nos
43
coloca já na fase criativa do 5° ciclo? Estas são algumas das questões que deixaremos
para outra parte deste texto.
É a partir da fase descendente do 3° ciclo de Kondatriev e ascendente do 4°, ou seja, de
forma aproximada, entre o final da primeira Guerra Mundial e meados da década de
setenta do século XX, que o regulador fundamental das sociedades ocidentais, e devido
à enorme influência que estas têm no planeta, do mundo, se centra em torno do Estado -
nação contemporâneo. Como foi escrito em capítulos anteriores, às tarefas de
coordenação e gestão cada vez mais complexas que visam integrar e reconfigurar as
sociedades com formas ténues de articulação como são as sociedades pré modernas,
juntam-se duas guerras com repercussões no mundo inteiro, fazendo com que, quer por
convicção, quer por necessidade, os Estados tenham de agir de forma autoritária sobre
tecidos sociais e económicos exangues e empobrecidos. Fazem-no directamente, e irão
dar origem a um ciclo de crescimento económico ímpar, que vai de finais dos anos
quarenta a meados dos anos setenta do século XX.
Trata-se de um crescimento baseado na revitalização do sector secundário, apoiado na
enorme capacidade financeira dos Estados Unidos da América do pós segunda Guerra
Mundial, manifesta através da política de créditos do Plano Marshal l . Este crescimento
foi suportado pela necessidade de reconstrução da devastação do pós - guerra, foi
sustentado numa forte economia civi l que "motoriza o mundo" e que al i menta e se
alimenta da chamada "sociedade de consumo", cuj a ascensão tinha sido bruscamente
interrompida pela violenta crise bolsista de finais dos anos v inte, assim como numa
forte produção bélica que joga com a necessidade de equi l íbrio armamentista entres os
dois b locos políticos rivais que emergem da segunda Guerra Mundial .
É um crescimento cujo epicentro se encontra nos lugares em que tradicionalmente se
deu a chamada "Revolução Industrial", ou seja, o norte e centro da Europa Ocidental e
a costa leste dos Estados Unidos da América, a que se junta em breve o Japão e
beneficia de uma mão-de-obra treinada e educada nas tradições industriali stas, de um
pico demográfico que não se repetirá e de uma forma de energia extremamente barata
até à década de setenta, ou seja, o petróleo e os seus derivados. Apesar do epicentro
deste formidável ciclo de expansão se situar claramente no mundo tradicionalmente
industrializado, ele "arrasta" o resto do mundo, quanto mais não sej a através da
absorção da mão-de-obra necessária à expansão, que tem de vir das periferias, assim
como da capacidade de investimento das economias desenvolvidas em extracção e
exploração de matérias-primas e produtos bá icos, que, situando-se um pouco por todo
44
o mundo, alimentam a "fornalha" industrialista do "centro". O gráfico que de seguida
apresentamos relata de forma clara um pouco da história deste período.
12
10
8
6
4
2
O
Gráfico 2- Taxa de crescimento anual médio do Produto Interno Bruto de França, Alemanha Federal, Itália, Japão,
Reino Unido e Estados Unidos da América entre os períodos de 1 870-1 913 e 1973-1 980
-+-França --Alem.
Itália �Japão �R.Unido -+-E.U.A.
1870-1913 1913-1950 1950-1960 1960-1970 1973-1980
Fonte: Freeman e Louçã, 2004, 306
O eztraordinário aumento das taxas de crescimento económico que se dá entre 1950 e
1970, embora desigual, mostrando bem a reconstrução da Alemanha, Japão, Itália e
França, reflecte tudo o que foi dito sobre os "gloriosos trinta anos de ouro" dos
principais motores da economia mundial, assim como do período de recessão que se
segue ao primeiro "choque petrolífero". Este período de crescimento sustentado das
maiores economias do mundo tem consequências espectaculares nos seus mercados de
emprego, levando a um período de pleno emprego, e mesmo a uma falta de mão-de
obra, o que irá abrir caminho a uma vaga de emigração do sul para o norte, e isto quer
nos refiramos ao caso europeu ou ao caso Norte Americano. O gráfico seguinte, que
mostra a variação da percentagem de desempregados em função da população activa de
uma série de países, num período longo, parece elucidativo.
45
Gráfico 3- O desemprego em vários países entre 1 933 e 1 993
(percentagem da força de trabalho)
30 �--------------------------------------------�
25 +---��----------------------------------�
20 +-------�------------------��------------�
15 +---------��------------���------�------�
1933 1959-1967 (média)
1982-1992 (média)
1993
Fonte: Freeman e Louçã, 2004, 309
�França -Alem.
Itália -*-Japão �R.U. ---E.U.A. -+-Irlanda --Espanha - Finlândia
Contudo, e como antes foi dito, o crescimento económico que acompanha estas
variações de desemprego, tendo sede nas maiores economias do mundo, influencia, de
forma geral, o crescimento da economia mundial como um todo, tal como parece claro
do gráfico apresentado por Robert Lucas Jr. (2002, 119). Uma versão simplificada desse
gráfico, a partir dos dados fornecidos para o crescimento económico mundial entre 1750
e 1990 para todas as regiões do mundo dá-nos o seguinte desenho:
46
Gráfico 4- Estimativa da evolução do PIB per capita de
diversas partes do Mundo entre 1750 e 1990, em dólares Norte
Americanos de 1985 -+-E.U.A.
20000 �--====�-----=====��----�
18000+---------------------��--�
16000+----------------------+----�
14000+-------------------�-J�--�
12000+-------------------��j�--�
1 0000 +----------------I---�/II-+--------:j
8000+---------------��,���--�
6000+--------------+�����.---�
4000+------------4�� ���--�--�
1750 1800 1850 1900 1950 1970 1990
Fonte: Lucas Jr., 2002, 178-179
_R.U.
França
-*- Africa (sub- Saara)
--'-Japão
--+-- México
� Resto Europa Ocidental (excepto Ale., Escand., e Holanda)
- Antiga U.R.S.S.
-Sub Continente Indiano
Sudeste Asiático
Resto da América Latina (excepto Cone Sul)
Embora, e tal como já era patente no gráfico anterior, as regiões não tenham todas as
mesmas tipologias de crescimento, o período que se segue a 1950 aparece como um
ponto de arranque ou de intensificação para a maioria das economias aqui retratadas,
excepção feita para os Estados Unidos da América e Reino Unido que têm os seus
arranques de crescimento económico durante o século XIX.
Ligado a este surto de desenvolvimento, assim como ao fim do colonialismo a quem
Robert Lucas Jr. Atribui uma forte responsabilidade nas baixíssimas taxas de
crescimento de uma parte da África subsaariana e da Ásia antes de 1950 (2002, 120), as
condições de vida no mundo melhoram de forma acentuada, embora, e de novo se deva
fazer a ressalva, tal melhoria não se tenha dado uniformemente. De qualquer das
formas, entre muitos outros indicadores, note-se que, entre 1960 e 1992 a população
mundial a viver em países de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), passou
de 73% para 31% (PNUD, 1995, 19), e na mesma altura a taxa de mortalidade de
menores de 5 anos por cada 1.000 nados vivos descia espectacularmente no mundo,
47
embora tal descida, no caso da África subsaariana, seja bem menos espectacular
(PNUD, 2005 , 1 9) .
De salientar que este período de enorme crescimento económico e de melhoria
generalizada das condições de vida da maioria dos povos do mundo se dá num contexto
de confrontação ideológica entre dois blocos económico - políticos que disputam a
hegemonia no globo, evitando o confronto militar directo, ma apoiando e enquadrando
militarmente as diferentes facções que emergem dos processos de descolonização da
segunda metade do século XX, contribuindo assim para um estado de guerra de baixa
intensidade que apenas poupa a Europa, a América do Norte e a Oceânia.
Partilhando mais concepções do que parecia ser possível, o socialismo da segunda
metade do século XX e, à falta de melhor designação, o capitalismo da mesma época,
acreditavam seriamente na modernização tecnológica acelerada como forma de escapar
à pobreza, e mesmo divergindo sobre o papel do Estado e do mercado na
implementação de tal modernização, dificilmente os omitiam de uma equação que
passava pela riqueza melhor distribuída, pela crença na ciência como motor do
desenvolvimento e pela interiorização de uma série de atitudes "positivas" que
eliminassem o "fatalismo e a passividade" (Adas, 2003, 38) . Acreditavam também, por
convicção ou conveniência, e em graus diferentes, que a melhoria das condições de vida
dos seus povos já não era apenas uma consequência do diferente empenho que cada
pessoa colocava na sua profissão, mas era também uma responsabilidade do Estado em
que viviam as pessoas. Estas, por sua vez, tinham vindo a percorrer um longo caminho
desde princípios do século anterior, caminho esse que as levava, em ritmos diferentes,
da condição de súbditos à condição de cidadãos, primeiro através da integração social e
de seguida através de um caminho de inclusão política que iria, na egunda metade do
século XX culminar na generalização do sufrágio universal nas sociedades
"ocidentalizadas", a que se acrescentava a emergência de um novo tipo de cidadania
assente em direitos sociais e económicos que iria dar lugar à ideia de Welfare State ou
de Estado-Providência (Esping-Andersen, 1 999, 34).
48
o Estado - Providência
A noção de "Estado - Providência" está intimamente l igada à emergência da
"Modernidade", no sentido em que, por um lado, aparece associada a mudanças sociais
que se dão por efeito do que chamamos de "Revolução Industrial", e por outro,
relaciona-se com a construção do Estado Nação moderno dos séculos XIX e XX.
Na verdade, para Gosta Esping-Andersen , um dos autores de referência que iremos
seguir, " . . . A industrialização torna as políticas sociais possíveis e neces árias -
necessárias porque os modos de reprodução social pré-industriais, como a família, a
Igreja ( . . . ) ou as associações de solidariedade, são destruídas pelas forças l igadas à
modernidade, tais como a mobil idade social, a urbanização, o individualismo e a
dependência face ao mercado. ( . . . ) O mercado não constitui um substituto adequado,
porque não cuida senão dos que são capazes de nele sobreviverem, ( . . . ) pelo que o
Estado - nação se apropria das "funções de proporcionar o bem-estar" . . . " (Esping
Andersen, 1 999, 25-26).
Peter Wagner, tal como neste texto foi anotado, coloca a emergência dos Estados
Providência na transição entre os períodos por ele denominados de "Modernidade
Liberal Restrita" e de "Modernidade Organizada", transição essa que é precipitada pela
tensão entre o discurso l iberal que marca o espaço das elites ocidentais da primeira
metade do século X IX, e as práticas de exclu ão da maioria dos populações que a esse
discurso têm acesso. Nesse lento e conturbado processo de transição entre um e outro
espaço, tomariam forma as instituições de integração que ainda hoje se reconhecem,
entre elas algumas das que constituem o "Estado - Providência", que Wagner, na esteira
de outros autores como Luc Boltanski ( 19 77) e Jacques Donzelot ( 1 980), caracteriza
como sendo peças de um processo de troca política entre, por um lado, melhores
condições de vida, e, por outro, a i nteriorização da discipl ina e da "auto - regulação"
"necessárias" à integração "ordeira" dos estratos sociais subalternos na "cidade
moderna" em construção (Wagner, 1 996, 42-46) .
Para especial istas como Esping - Andersen, apesar de se poder admitir que existe uma
continuidade entre as leis "sociais" dos finais do século X IX, que i rrompem primeiro na
Alemanha bismarckiana para se espalharem de forma desigual e descontínua por alguns
dos países europeus mais desenvolvidos , e a as leis de Beveridge do pós - segunda
Guerra Mundial , as primeiras podem ser claramente circunscritas ao que muitos autores
49
chamam de "nation bui lding", as segundas fazendo já parte da construção do Estado -
providência contemporâneo (Esping- Andersen, 2003a, 1 -2),
Assim, para este autor, várias são as diferenças entre estas duas "vagas sociais", a
primeira de tais diferenças sendo a origem política das leis de protecção do trabalho que
surgem na Prússia, Inglaterra e Itál ia dos finais do século XIX, face às leis que durante a
década de trinta e sobretudo quarenta do século XX enquadram o nascimento do Estado
- Providência, De facto, enquanto que as primeiras leis de protecção social europeias
são protagonizadas por segmentos políticos conservadores e autoritários, inseridos
frequentemente numa lógica anti - socialista e anti - sindical , tentando construir um
espaço de protecção e integração hierarquizado, tutelado por um Estado paternal ista, as
leis dos anos trinta e quarenta irão ser protagonizadas pelo reformismo europeu, do
l iberalismo ao catolicismo social, com um grande ênfase na social -democracia e no
trabalhismo do pós - guerra (lbidem) e, apesar das diferenças que a plural idade das suas
origens deixam adivinhar, existe nelas aquilo que para Esping-Andersen é decisivo e
comum a este movimento, e que é tentativa de fazer face de uma forma frontal e
decisiva à "questão social" (lbidem),
Neste sentido, no pós - segunda Guerra Mundial , na Europa, no Ocidente, e de formas
diferentes, também em partes cada vez mais alargadas do mundo, colocam-se duas
questões de ordem social e política que irão marcar a época e que ainda se arrastam até
aos nossos dias, e que são, por um lado, a expansão dos sistemas educativos, e, por
outro, a construção de redes estatais permanentes de apoio social e/ou económico cujo
objectivo é o de eliminar ou diminuir o risco da pobreza durante o ciclo de vida das
populações abrangidas por este processo, Como veremos à frente, os critérios de
inclusão dos que têm direito a este apoio institucional izado serão relativamente
variados, num contínuo que irá tendencialmente dos "pobres" a "toda a gente", o que irá
marcar os tipos de "Estado - Providência" que conhecemos, mas, como nos salienta de
novo o autor, os objectivos são suficientemente similares para, na maioria dos casos, a
partir dos finais da década de c inquenta, podermos falar do triunfo no Ocidente, mas
sobretudo na Europa, da ideia de "Estado - Providência": " . . ,In each and every case
these were not simply technical solutions to social security but also a promise to resolve
the «social question» and put an end to class inequalities, To this end, the policy
repertoire, albeit not his ambitions, contents, or design, appeared quite similar
everywhere: the expansion of mass education as the vehicle for equal opportunities and
50
an end to inherited privi lege; income maintenance as a mean to equalize l iving
conditions and el iminate social risks across the l ife cycle . . . " (lbidem.).
Mas porque se evoluiu neste sentido? Várias são as questões que terão de ser
ponderadas para que se entenda as razões por que se seguiu este caminho, entre elas a
forma que o desenvolvimento económico dos séculos XIX e XX tomou, assim como as
práticas políticas e sindicais que a ele se opuseram, mas cremos que o contexto político
e económico dos pós segunda Guerra Mundial const ituiu uma soberana ocasião que
veio a faci l itar de forma extrema a interiorização muito generalizada da ideia de "Estado
- Providência".
De facto, e apesar de uma parte substancÁal dos especial istas minimizarem o papel da
tensão político do pós guerra na construção desta "ideia de Estado - Providência", ela
não pode, na nossa opinião, ser menosprezada. Esta "ideia", que em muitos casos tem
raízes na esquerda das décadas de entre as duas Grandes Guerras, toma forma numa
época de extrema tensão internacional protagonizada por duas "ideologias"
incompatíveis que se projectam num duro período de disputa sócio-política que, com
algumas intermitências, dura de 1 9 1 7 até aos princípios da década de noventa do século
XX, quando um pouco por todo o mundo a ideia e as práticas do socialismo de Estado
ou "Comunismo" caem estrepitosamente deixando atrás de si um vasto mar de ruínas.
O "Estado - Providência" nasce, e é também resultado destes tempos de aguda luta
política externa e interna, da euforia do "fim do fascismo" e de uma segunda vaga de
entusiasmo pelas ideias socialistas que se segue ao final da segunda Guerra Mundial em
todo o mundo, e estará na origem, em muitos do países capital istas do Ocidente, de
práticas que só mais de quarenta anos depois serão efectivamente apagadas das suas
legislações económicas, tais como as leis de controlo part i lhado da produção i ndustrial
entre sindicatos e patrões, as nacionalizações selectivas de algumas das grandes
industrias consideradas de "interesse públ ico", e, entre outras, o reforço da "planificação
ou do fomento planificado da economia ", que tendo raízes nos postulados Keynesianos
do período anterior, terá um enorme desenvolvimento nesta altura. Se a isto
acrescentarmos, em especial na Europa Ocidental, o espectro da desmobi l ização de
milhões de homens em cujo quotidiano a violência assumiu um papel relevante e que
em casa iriam encontrar sociedades economicamente destruídas e desemprego
assegurado, um cenário que avivava a memória ainda fresca das consequências da
primeira Guerra Mundial , a vizinhança do exército soviético estacionado em Viena e em
Berl i m e a força dos s indicatos e dos Partidos Comunistas nos Es[ados do continente
5 1
europeu, entende- e como a conjuntura da chamada "Guerra Fria" favoreceu a
institucional ização do "Estado - Providência".
Assim, não parece difíc i l de ver o "Estado - Providência" como resultante, não só de um
longo período de crise económica e de confl ito político com picos de grande violência
militar durante o qual se conjugaram uma enorme amálgama de elementos
desagregadores que levaram os Estados a intervir mais do que seria normal noutras
condições, mas também como resultante das cedências das el i tes políticas e económicas
do Ocidente, e sobretudo da Europa, que, emparedadas entre a pressão sindical e
política a que internamente estavam sujeitas e a sombra das tropas soviéticas
estacionadas não muito longe das suas fronteiras, preferiram ceder no que era possível
de maneira a manterem o essencial .
No entanto e como salienta Shei la Fitzpatrick ( 1 998, 2 1 8), no Ocidente, e em especial
na Europa, a "despol itização" do "Estado - Providência" é relativamente rápida e para
isso contribuem o facto de os seus princípios de base terem sido adoptados com relativa
facilidade pela várias famíl ias politicas europeias, o que levaria a um rápida
diversificação dos sistemas, os quais só virão a ser verdadeiramente postos em causa na
década de oitenta do século XX, por via do estertor do "fordismo" e do mi l i tantismo do
"neol iberal ismo". Note-se, al iás, que a questão da diversidade das origens políticas do
"Estado - Providência", que na opinião de Esping-Anderson terá sido o reflexo de
coligações de interesses mais ou menos alargados, irá ser, como à frente veremos, uma
questão determinante não só na diversidade de configurações que ainda hoje podemos
encontrar, como da maior ou menor profundidade com que a ideia foi interiorizada pelas
diferentes sociedades.
E no entanto, como podemos definir "Estado - Providência"? Ou seja, o que diferencia a
ideia, assente na história política dos séculos X IX e XX, de que os Estados - nação são
entidades que para o serem têm de construir um tipo de integração e articulação mais
densos e variados do que as entidades estatais anteriores, tornando-se portanto em
"Estados providênci a naturais", de uma ideia e uma prática que autores como Manuel
Castel ls (2000, 1 85 ) e Anton Hemerijck (2003) definem como constituindo um dos
traços de uma hipotética identidade europeia e clamam como estando na origem do
"Modelo Social europeu" ?
Numa tentativa de real inhar as possíveis definições de "Estado - Providência", Esping
Andersen ( 1 994) analisa três l inhas principais de argumentação que passaremos a expor
de forma breve.
52
A primeira, avançada por G. Therborn em 1 983, define "Estado - Providência" como
um Estado em que a maioria das suas rotinas diárias seja ocupada com o serviço de
ajuda e apoio à pessoas e às farrúlias (Thernborn, c itado por Esping-Andersen, 1 994,
424). São várias as objecções a este tipo de definição, a primeira sendo que se tornam
necessários critérios de medição sobre "rotinas diárias", e se estas forem constituídas
por investimento financeiro e humano, então só e poderá falar de "Estados -
Providência" a partir da década de setenta do século XX, e num número muito reduzido
de países, o que contrasta com a realidade percebida, devendo, quando muito, contribuir
para separar estados com "programas sociais", de "verdadeiros E tados - Providência"
(Esping-Andersen, 1994, 424).
Estas objecçõe levam a uma segunda defi nição, que endo abrangente, aponta para a
emergência de dois tipos de "Estado - Providência", os "Estado - Providência residual"
e o "Estado - Providência institucional". O primeiro, que serve ainda de base para a
definição do modelo l iberal ou "anglo-saxónico" de "Estado - Providência", define-se,
de forma muito breve, pelo facto de assumir que o E tado só deve avançar no seu papel
de assistência económica e social quando as farrúlias e os mercados se mostrarem de
todo incapazes de cumprir esse papel . Os objectivos deste tipo de sistema social são o
de promover a reinserção dos indivíduos no mercado de trabalho a quem reconhecem
um papel central na regulação económica da vida das sociedades. O segundo define-se
por estender o grau de protecção a toda a população, através da extensão às c lasses
médias das medidas de protecção social e económica que historicamente surgem para
amparar os "mais pobres", colocando assim o indivíduo no centro das preocupações
ociais, ou, numa expressão mais pol itizada, subordinando o campo económico à
sati fação de um número alargado de necessidades humanas, num processo que leva o
indivíduo a poder l ibertar-se da "tirania do mercado".
O autor prefere avançar uma terceira l inha de anál ise, que parte do princípio de que os
Estados - nação ocidentais contemporâneos se tornaram em "Estados -Providência
naturais" como antes assinalámos, existindo no entanto, diferenças entre eles, as quais
podem ser anal i adas à luz de alguns conceitos que o autor considera como "conceitos -
chave". Assim e partindo da definição de "Estado - Providência" da autoria de T .H .
Marsahal (Idem, 425), que postula que no âmago da noção de "Estado - Providência"
está a ideia fundamental de que existe, para além de uma cidadania política, uma
"cidadania social", o autor avança a hipótese de que esta últ ima poderá ser analisada à
53
luz do peso que a noções de "desmercadorização do trabalho" e "estrati ficação social"
assumem em cada sistema (Ibidem).
No que diz respeito à primeira noção, a de "desmercadorização", tradução l ivre da
palavra inglesa "De-Cornrnodification", Esping-Andersen define-a como a capacidade
de um sistema social garantir a um trabalhador uma forma de rendimentos alternativa à
que o mercado oferece. Por outras palavras, e segundo este autor, assi m se define a
capacidade de um sistema de segurança garantir a um indivíduo a emancipação face à
dependência do mercado (Ibidem): " . . . a introdução dos direitos sociais modernos
implica a concepção do indivíduo desligada do estatuto de "produto". A
desmercadorização tem lugar quando um serviço é obtido como um direito e quando
uma pessoa pode conservar os seus meios de existência sem depender do mercado . . . "
(Esping-Andersen, 1 999, 35) .
Esta tem sido a base da maioria dos Estados - Providência ocidentais, embora de formas
diferentes : se as prestações sociais de assistência no desemprego ou na doença são
significativamente mais baixas do que os salários recebidos, então estamos perante
sistemas cujo objectivo é o de reforçar o mercado, desincentivando os utentes a usarem
os apoios estatais, podendo-se chegar ao extremo de construir uma imagem de estigma
para os que deles beneficiam apressando assi m o seu retorno ao mercado de emprego.
Se, no entanto, o Estado reconhece ao indivíduo o direito de em determinada altura
poder optar pelo "não-trabalho", sem perda potencial de emprego, de rendimentos ou de
bem-estar geral , estaremos de igual modo num "Estado - Providência", embora
substancialmente diferente do primeiro. De facto, no primeiro, a "desmercadorização"
do trabalho é núnima, mas existe, visto que o indivíduo não está totalmente dependente
do mercado, enquanto que na segunda versão a desmercadorização do trabalho é total ,
visto que define uma situação de real emancipação por parte do indivíduo face ao
mercado. Embora alguns Estados europeus da transição da década de sessenta para a
década de setenta se tenham aproximado deste últ imo modelo (Idem, 37), estes dois
exemplos servem sobretudo para demonstrar como a uti l ização de um conceito como o
de "desmercadorização do trabalho" nos pode ajudar a definir os vários tipos de "Estado
- Providência".
A segunda questão crucial na definição de um "Estado - Providência", é para Gosta
Esping-Andersen, a questão do papel que o Estado e os sistemas sociais a ele
assimilados assumem no fomento, ou, pelo contrário, no desencoraj amento da
estratificação social das sociedades em que se inserem.
54
Assim sendo, a práticas sociais dos diferentes "Estados - Providência - tipo" variam
entre formas de ajuda destinadas apenas aos mais pobres, encorajando as classes médias
a recorrerem ao mercado privado de assi tência, o que é próprio de regime com um
sistema de universal ismo relativamente restrito, reflectindo e acentuando uma
estratificação social clássica; práticas de assistência variada consoante os regimes de
contribuição de cada um, os quais, por sua vez se encontram estratificados por
profissões, em sistemas que, mesmo no contexto de práticas assistêncialistas universais,
tendem a manter a estratificação social tradicional ; e práticas de assi tência igual itária,
baseada em indexações que implementam a igualdade de estatuto entre todos os
cidadãos, independentemente da classe social de origem e da posição que ocupam no
mercado de emprego.
A primeira destas alternativas promove e intensifica a estratificação social , a segunda é
suposto mantê-la, a terceira é suposto desencorajá-la, mas, se nenhum sistema se pode
definir da forma simples como o fizemos, visto que os "Estados - Providência"
existentes contêm normalmente elementos de todas as configurações que referimos, elas
ajudam-nos a al inhar os tradicionais tipos de "Estado - Providência" referenciados por
Esping Andersen ( 1994, 427-429 ; 1 999,37-4 1 ) .
Assim, recorrendo aos conceito de "desemercadorização" e de "estratificação", podem
ser desenhados os três modelos clássicos de "Estado - Providência", ou poderíamos
mesmo dizer, os três tipos de Estados modernos hoje existentes no mundo : O "Estado -
Providência" l iberal , com um grau mínimo de "desmercadorização do trabalho", com
uma forte componente estratificadora em termos sociais, com um grau de universalismo
restrito e essencialmente financiado por i mpostos, de que um exemplo típico parecem
ser os Estados Unidos da América; os "Estado - Providência" corporativistas, com um
grau elevado de "desmercadorização do trabalho", manutenção da estratificação social ,
no contexto de um universalismo alargado, financiado por impostos e por cotizações
sociais, característica da maioria dos países da Europa continental, com uma versão
característica dos países do Sul , de influência catól ica e que enfatiza o papel da farru1ia
tradicional ( 1 994, 430; 1 999, 42); e o "Estado - Providência" de inspiração social
democrata, universalista, com um grau elevado de desmercadorização do trabalho,
desencorajando a estratificação social através de uma igualdade de direitos e benefícios
independente das origens sociais e de classe e quase que exclusivamente financiado por
i mpostos, como é característico das sociedades escandinavas e de algumas outras
europeias como é o caso da Holanda.
55
As razões para tal diversidade têm vindo a ser expostas de forma esparsa, mas Esping -
Andersen, de novo, atribui-as quer a factores político-sociais, como as estruturas de
classe e as suas respectivas al ianças, quer a factores históricos como as uas tradições de
in t itucional ização: " . . . H istoricamente a criação de um "Estado - Providência" depende
sempre de uma forma de col igação política. A estrutura da coligação de classes é
sempre mais decisiva que os recursos e o poder de uma só classe social . . . "( Esping
Andersen, 1 999, 45).
Desta forma, em sociedades de baixa estratificação e alta mobilidade social , em que foi
fácil a construção de alianças interclassistas que conseguiram mobi lizar fortemente as
classes médias, a universalização e desmercadorização do trabalho foram mais
faci lmente implementadas, embora sustentadas em custos fiscais enormes, cujo reverso
só poderia ser uma qualidade de serviços que mantivesse a classe média afastada da
assistência privada; em sociedades com graus de estratificação altos e mobi l idade social
baixa, com tradições fortes de conflito social e político, os consensos in terclassistas
estabeleceram-se em torno de um certo grau de desmercadorização do trabalho e da
universal ização do sistema, com uma forte mediação do Estado, necessária para manter
o consenso e gerir a diversidade de estatutos preexistentes; em sociedades que partem
de graus de estratificação e também de mobil idade social mais altos e em que as
al ianças interclassistas foram mais difíceis de constituir e sobretudo de manter, a
tendência foi para a universal ização minimalista do sistema com a manutenção do
mercado como regulador fundamental, quer no que diz respeito ao regime de trabalho,
com uma desmercadorização restrita, quer no que respeita à própria fonte da segurança
social, constituída em grande parte pela assistência privada.
Como antes foi escrito, nenhum destes sistemas, assim como as causas que
supostamente lhes deram origem, é "puro", e todos têm sofrido mudanças importantes,
obretudo devido ao seu enorme custo financeiro em economias com taxas de
crescimento mais baixas do que as dos "trinta anos de ouro", e em sociedades com
estruturas demográficas muito diferentes das de então. No entanto, independentemente
das tipologias e das configurações possíveis que se organizam em torno do conceito de
"Estado - Providência", no que não parece haver dúvidas é no extraordinário aumento
de prestações sociais que lhe foram dando corpo: uma estimativa do investimento em
segurança e protecção social das economias mais desenvolvidas do planeta calculava
que de 1 952 para 1 973 , tal investimento tenha tido um crescimento de entre quinze a
vinte e quatro por cento, tendo como efeito directo a drástica redução de taxas de
56
pobreza, que, por exemplo, nos Estados Unidos passam, no mesmo período de tempo,
de 22,4% para 1 2 , 1 %, sensivelmente a mesma proporção de pobres existentes em
França, ainda assim muito acima dos 7,5% de pobres que na mesma altura viveriam na
Grã-Bretanha e dos 3% que tinham tal sorte na Alemanha ((Brown et aI. , 1 999, 3 ) . E
mesmo sabendo-se que, de novo, os números não poderiam ser iguais para todos, os
dados apresentados no capítulo anterior mostram como o desenvolvimento económico
que teve lugar nestes tempos foi acompanhado por uma melhoria geral das condições de
vida no mundo, uma parte dela, sem dúvida que alimentada por uma concepção de
Estado que, independentemente dos desenhos que teve, poderemos i ntitular como
pertencendo à famíl ia do "Estado - Providência". Tratou-se, assim, de uma época em
que, nas palavras de Ramesh Mishra, um do especiali tas sobre as questões do "Estado
- providência", as concepções derivadas das ideias Keynesianas permitiram um período
de consenso longo e alargado que se traduziram por uma notável síntese entre
capitalismo e democracia e entre crescimento económico e justiça social (Mishra, 1 995,
xi i ) .
Como suporte e parte integrante deste "Estado social", teremos pOIS, o caso da
educação.
A Educação I: a expansão do pós guerra
É impossível , como pensamos ser claro a partir do que já está escrito neste texto,
referirmo-nos à educação no sentido sistémico, sem a apresentar como algo de
e truturalmente l igado às componentes sociais e económicas que temos v indo a expor.
A educação na segunda metade do século XX, descrita nas componentes que nos
parecem fundamentais, e circunscrita à esfera do mundo dominada pela supremacia da
ideia de economia de mercado, insere-se, recorrendo de novo aos conceitos, se não
criados, pelo menos adaptados por Robert Boyer, num "modo de produção capital ista",
(Boyer, 2002, 6 ; Boyer e Salard, 2002b, 565) gerido no âmbito de um "modo de
regulação" marcado pelo Keynesiani mo, e pilotado por um órgão a que Christine
André (2002, 45) chama de "Estado inserido", que está na origem da enorme expansão
de funções sociais que caracterizam o "Estado - Providência" do pós segunda Guerra
Mundial.
De forma mais simples, poderíamos dizer que a educação aparece aos olhos de muitos
autores do pós segunda Guerra Mundial , como uma das peças - base do binómio
"expansão económica - j ustiça social", possibil itado pela prática do "Estado -
Providência" dominante no Ocidente (Mishra, 1995, x i i).
57
Escrevendo a respeito do desenvolvimento e expansão da educação na Europa Ocidental
durante o mesmo período, o sociólogo Hartmut Kaelble ( 1 985) salienta que ela se
regista sobretudo a nível dos sectores secundário e terciário, e acentua o facto de que,
pela primeira vez durante os séculos XIX e XX, este desenvolvimento se dá de forma
similar na região, contribuindo para a sua homogeneização e reforçando os l aços
identitários anteriores. Para este autor, as causas de tal desenvolvimento são, em
primeiro lugar, a ampliação em dimensão e em funções dos "Estado - Providência" que
necessitarão de um número progressivamente maior de quadros dotados de uma
formação avançada para o gerirem; em segundo lugar, a consolidação de uma indústria
sofisticada, que procura responder a uma sociedade de consumo através da inovação e
da venda massificada, o que irá desenvolver a necessidade de maior quantidade de mão
de-obra qual ificada do que em períodos anteriores; finalmente, a própria expansão do
s istema educativo, que se reproduz, necessitando de cada vez mais professores para se
manter e ampliar ( Idem, 77) .
Assim sendo, os diversos autores que se debruçam sobre a expansão da educação formal
no período do pós guerra, apresentam como razões para que isso suceda questões
relacionadas com o período de rápido e sustentado desenvolvimento económico assim
como o alargamento das práticas sociais relacionadas com a ideia de "Estado -
Providência". Mas seria este modelo de Estado e o que ele pressupunha característico
apenas das democracias ocidentais?
De facto, embora a designação de "Estado - Providência" também possa ser apl icada ás
sociedades socialistas que se foram implantando no pós guerra, sobretudo na Europa e
na Ásia, ou, embora em menor grau, às sociedades "capitalistas" autoritárias e
ditatoriais que, no contexto da Guerra-Fria, persistiam na Europa do Sul, na Ásia, na
América Latina e em África, a generalização desta designação terá de ser cuidadosa,
uma vez que a ideia de "Estado - Providência" aparece normalmente associada a
sociedades em que se respeitam os Direitos Civis relacionados com a propriedade e o
mercado, os Direitos Sociais relacionados com a l iberdade rel igiosa, de d iscurso, de
reunião e de associação e os Direitos Políticos que contemplarão, na sua fase última, o
Sufrágio Universal (Rose, 2000a), o que estava longe de ser o caso das sociedades antes
mencionadas.
Como antes sublinhámos, o que marcava a maioria dos desenhos societários saídos do
pós segunda Guerra Mundial, ou pelo menos aquilo que os legitimava, criando assim
algumas pontes inesperadas (Latham, 2003, 1 -22), seria a ideia de "modernização"
58
como uma forma de aceleração económica e social em direcção ao "progresso", num
ritmo que pudesse "queimar" as etapas do desenvolvimento económico tal como ele se
deu nos países pioneiros da Revolução Industrial - não havia tempo para isso !
Comparando as ideias "ocidentais" e socialistas de "modernização", Michael Latham,
escreve o seguinte: " . . . both models stres ed the abi l ity of enl ightened elites to
accelerate an inevitable, universal movement through historical stages and posited that
technological diffusion would engender a new consciousness as well as a new
society . . . " ( Idem, 9).
Portanto, independentemente da observância em maIOr ou menor grau dos Direito
Civis, Sociais e Políticos dos indivíduos por parte dos Estados que os tutelam, a ideia de
progresso e, por essa via, de inclusão social progressiva, como característica da
transição do que Peter Wagner designava por "Modernidade Liberal Restrita" para a
"Modernidade Organizada", marcou o tom político do pós - guerra e nesse sentido a
educação era vista por todos como um factor fundamental em tal transição. De facto, e
tal como verificámos para o caso da economia e das prestações sociais que marcam o
crescimento da ideia de "Estado - Providência", ou se quisermos, e de forma mais
abrangente, de "Estado social" ou ainda de forma mais lata, de "Estados com crescentes
preocupações sociais", os progressos da educação dar-se-ão por todo o mundo, e nas
palavras de Phillip Brown, A. Hasley, H . Lauder e A. Stuart Wells , " . . . for the first time,
in the post war period, education took a central position in the functioning of the
advanced industrial societies because it was seen as a key investment in the promotion
of economic growth as well as a means of promoting social justice . . . " (Brown et aI. ,
1 999, 4) .
Antes de analisarmos os sentidos políticos e sociais desta expansão, convêm no entanto,
fixar-lhe os l imites. Como veremos nos quadros que de seguida apresentamos, os
progressos educativos no mundo estão longe de se cingirem apenas à Europa Ocidental
ou às "sociedades industriais avançadas", como sugerem H artmut Kaelble por um lado,
e Brown, H asley, Lauder e Wells , por outro, no trecho que antes transcrevemos.
S9
Quadro 2 - Percentagem de crescimento do número de al u nos inscritos nos três
graus de ensino nas várias partes do m u ndo entre 1 950 e 1 960
Crescimento 1 950- Crescimento 1 950- Crescimento 1 950-1 960 no Primário 1 960 no Secu ndário 1 960 no Terciário
No Mundo 60,3% 86,5% 84,1% Em Africa 97,1% 171,5% 254,5%
Nas Américas 53,2% 62,6% 49,9% Na Asia 111,1% 105,4% 156,3%
Na Europa 8,8% 68,8% 61, 6% Na Oceânia 51,4% 91,1% 118,1%
Na U RSS - 5,3% 91,8% 92,2% "
Fonte: Le Than Khol, 1 970, 15, baseado em dados da U N ESCO.
Como se pode verificar nos quadros 2 e 3 a percentagem do número de aluno inscritos
no mundo aumenta de forma extraordinária entre 1 950 e 1 980, embora tal aumento se
registe de forma desigual entre regiões, sendo que a principal discrepânci a se encontrará
nas taxas de crescimento da escolarização entre regiões em desenvolvimento e regiões
desenvolvidas, com largas vantagens para as primeiras, por razões que iremos anal isar
mas que parecem óbvias, visto que, ao partirem de patamares muito mais baixos, têm
um maior potencial de progressão.
Quadro 3 - Percentagem de cresci mento do n úmero de al u nos i nscritos em
várias partes do m u ndo, por grau de ensino, região e grau de desenvolvi mento
dos países entre 1 960 e 1 980.
Crescimento entre Crescimento entre Cresci mento entre 1 960 e 1 980 no 1 960 e 1 980 no 1 960 e 1 980 no
Pri mário Secundário Terciário Países Desenvolvidos 1% 72% 214%
Países em 142% 358% 523% Desenvolvimento
Fonte: Coombs, 1985, 99, baseado em dados da U N ESCO.
As razões para as diferenças entre estas taxas de crescimento estão patentes no quadro
4, que retrata a percentagem de crianças, adolescentes e jovens adultos que frequentam
a escola por grupos de idade entre os 6 e os 23 anos, em várias regiões do mundo, entre
1 960 e 1 980.
60
Quadro 4 - Percentagem de crianças, adolescentes e jovens adu ltos que
frequentam a escola, por grupo de idade, em 1 960, 1 970 e 1 980 em várias regiões
do m u ndo
Grupo de idade 1 960 1 970 1 980 América do Norte 6- 1 1 1 00 % 1 00 % 1 00 %
1 2- 1 7 92 % 95 % 96 % 1 8-23 29 % 46 % 51 %
Europa 6- 1 1 89 % 93 % 94 % 1 2- 1 7 59 % 70 % 79 % 1 8-23 1 2 % 2 1 % 29 %
Africa 6- 1 1 34 % 43 % 63 % 1 2- 1 7 1 6 % 26 % 37 % 1 8-23 2 % 4 % 8 %
Sul da Asia 6-1 1 48 % 58 % 66 % 1 2- 1 7 1 9 % 28 % 32 % 1 8-23 3.4 % 7 % 9 %
América Latina e 6-1 1 58 % 72 % 81 % Caraíbas
1 2- 1 7 37 % 5 1 % 64 % 1 8-23 6 % 1 1 % 22 %
Fonte. Coombs, 1 985, 100, baseado em dados da U N ESCO
Assim, em 1 960, enquanto que a percentagem de crianças e adolescentes com idades
compreendidas entre os 6 e os 1 7 anos que, na América do Norte, ou seja, nos Estados
Unidos da América e no Canadá, estão a estudar, se aproxima dos 1 00%, deixando
pouca margem de evolução para o seu crescimento, ela é mais baixa na Europa, e
bastante mais baixa no resto do mundo. Desta forma, este quadro mostra-no que a
margem de crescimento da relação entre crianças, adolescentes e jovens adultos, por um
lado, e potenciai s alunos, por outro, é, em 1 960, na América do Norte, forte apenas para
o sector universitário; na Europa, na mesma altura, ela é tendencialmente forte para os
sectores Secundários e Universitários, e, no resto do mundo, este potencial de
crescimento é enorme para todos os sectores de ensino, expl icando assim, e como antes
foi mencionado, parte das desigualdades no crescimento da frequência escolar que se
regista em diferentes partes do mundo. Tratando-se de um desenvolvimento a todos os
níveis notável, ele começa, no entanto, a abrandar a partir da década de setenta como o
nota Phi l l ip Coombs, devido, no entanto, a razões diferentes conforme se trate dos
países Desenvolvidos ou dos países em Desenvolvimento. Referindo-se aos primeiros,
afirma este autor o seguinte: " . . . The outlook for industrial countries is ( . . . ) c lear. Their
great educational expansion that began in the 1 950s reached its greatest momentum in
the 1 960s, then slowed down sharply in the 1 970s and carne to a virtual halt in the
1 980s. There is l i ttle reason to expect any major revival in the developed world during
6 1
the next two decades ( . . . ) there is a strong l ikel ihood however of a steady increase of
enrolments ( . . . ) on the part of older youth and adults ( . . . ) special l y at the post
secondary leveI . Most of these ( . . . ) can be accommodated in existing faci l ities ( . . . ) by
existing staff . . . " (Coombs, 1 985, 96).
Ou seja, no caso dos países Desenvolvidos, a estagnação das taxas de crescimento do
número de alunos a partir da década de 70 deve ser atribuída a um quase esgotamento
do potencial educativo dos grupos etários tradicionalmente "educáveis", que parecem
ter atingido valores de frequência escolar muito próximos do seu tecto máximo, e na
ausência de mudanças drásticas no campo demográfico, o aumento virá apenas, ou de
uma extensão etária da obrigatoriedade de frequência escolar, ou de um relançamento
da educação e da formação ao longo da vida que abrangerá directamente os públicos de
adul tos e de jovens adultos.
Já no que diz respeito aos países em Desenvolvimento o autor realça o seguinte : "
The pace for educational growth ( . . . ) slowed substantiall y in most developing countries
by the late 1 970s ( . . . ) Because of their continuing population growth ( . . . ) and their sti l l
relatively low educational participation rates ( . . . ) these countries will be under ( . . . )
pressure to continue their educational expansion ( . . . ) but their ( . . . ) abi l ity to do so is in
serious doubt, except for the ( . . . ) few in an unusual ly favourable economic position and
a number of others with an especial ly strong politicaI commitment to educational
expansion at the sacrifices of other publ ic services . . . " (Idem, 97). Ou seja, um
desenvolvimento demográfico inverso do que na mesma altura se regista nos países
Desenvolvidos, exerce uma enorme tensão sobre sistemas educativos pós-coloniais que
necessitam de grandes investimentos para se expandirem e assim responderem às
expectativas entretanto criadas, numa altura, durante a segunda metade da década de
setenta, em que tais investimentos começam a ser mais difíceis de obter devido ao
abrandamento do crescimento económico mundial que se verifica na altura.
Por outras palavras, o enorme relançamento do pós - guerra, que fez o mundo crescer do
ponto de vista económico e social, de forma desigual, mas ainda assim crescer, estava a
chegar ao fim, ou, recorrendo aos autores que perfi lham a hipótese de que o
desenvolvimento económico da Modernidade se fez por ciclos, o pico de crescimento da
quarta vaga de Kondratiev estava atingida, os primeiros efeito da fase de "destruição
criativa" que antecedia o próximo ciclo (Nunes, 2003, 563), começando a mostrar as
suas con equências.
62
Tais consequências parecem reflectir-se na estagnação das disponibilidades orçamentais
para a educação que poderão ter implicado um abrandamento das taxas de crescimento
de alunos nos Sistemas Educativos um pouco por todo o mundo, embora a relação entre
crescimento da economia, investimento público na educação e taxas de frequência
escolar não seja um assunto totalmente pacífico e esclarecido entre os economistas,
como mais à frente teremos ocasião de verificar (entre outros, Chabbot e RaITÚrez,
2000 ; Diebolt, 1995; Nunes, 2003) .
o gráfico que se segue mostra a variação dos gastos públicos com a educação em
percentagem dos Produtos Nacionais Brutos, entre 1960 e 1979, em países
Desenvolvidos e em países em Desenvolvimento e apesar de Coombs avançar razões
diferentes para o abrandamento do crescimento da educação em cada um dos dois
grupos de países, as curvas relativas às disponibilidades financeiras públicas para o
sector educativo, mostrando quantidades de investimento muito diferentes, salientam no
entanto, tipologias muito semelhantes.
7
6
5
4
3
2
o
Grafico 5- Gastos públicos em educação,entre 1960 e 1979, em percentagem do PNB: países
Desenvolvidos e países em Desenvolvimento
1960 1965 1970 1975 1979
-+-Países Desenvolvidos
-Países em Desenvolvimento
Fonte: Coombs, 1985, 141.
Como se vê por este gráfico, o aumento do investimento em educação entre 1960 e
1975 é enorme, entrando depois numa fase de estagnação ou de recessão que, no
entanto, só poderá ser confirmada com dados de mais longo prazo, mas que se cruza
muito bem com o que se passa com as taxas de crescimento económico mundial da
mesma altura.
63
Assim, e como salienta Clara Nufíez, apesar de a ideia segundo a qual "muito
investimento na educação representa melhor educação" se revelar ambígua e nem
sempre real, a dimensão de tal investimento e o seu grau de sustentação, que se mede na
permanência durante períodos longos de patamares de financiamento altos, constitui, em
geral, um forte indicador da vontade pol ítica dos Estados em se desenvolverem e
desenvolverem as populações que tutelam: " . . . expenditures are a poor indicator of
human costs i f not expl icitly related to unit costs . Increasing expenditures might
indicate increasing costs ( . . . ) due to higher teacher' s wages, rather than larger
enrolment rates. Expenditures should, therefore, be used with caution as an indicator of
human capital, especial ly if not accompanjed by other estimates based upon enrol lment
or degrees attained. They do provide, however, a useful approach to each society' s
commüment to guaranteeing schooling for aI ! . . . " (Nufíez, 2003, 54 1 ).
O esforço dos países em Desenvolvimento referenciados neste quadro é notável , uma
vez que em duas décadas assistimos à duplicação do esforço financeiro investido na
educação, que passa, segundo o autor, de uma média um pouco superior a 2% do seu
PIB em 1 960, para uma média aproximada de 4% dos seus Produtos Nac ionais, mas o
esforço dos países Desenvolvidos, partindo de patamares diferentes, tem também de ser
referido uma vez que envolvem, em termos quantitativos, dimensões muito distintas .
Assim, de 1 970 a 1 979, os países Desenvolvidos multiplicaram as suas despesas em
educação por aproximadamente um factor de 3 , 1 e os países em Desenvolvimento
multiplicaram o mesmo investimento por aproximadamente um factor de 5, mas os
quantitativo em causa são desproporcionado : enquanto que os primeiros passam de
um investimento de 1 46 para 464 bi l iões de dólares, os Países em Desenvolvimento
passam de um investimento de 1 2,4 para 65,6 bi l iões de dólares (Coombs, 1 66) . O facto
de este total não englobar a China nem os Estados Social istas Asiáticos da altura
distorce os verdadeiros valores, mas as diferentes dimensões dos gastos em educação
são bem c laras quando se compara o que se despende por aluno em 1 970 e em 1 979,
nos países Desenvolvidos, e, por exemplo, em África ou na América Latina: nos
primeiros, passa-se de uma despesa de 1 36 dólares americanos por aluno em 1 970, para
uma despesa equivalente a 403 dólares em 1 979; em África tais despesas passam de 8
para 30 dólares norte americanos e na América Latina e Caraíbas passam de 20 para 73
dólares norte americanos durante o mesmo período de tempo (Idem, 1 68) .
Trata-se, no entanto, e para todos, de um investimento caro que, à medida que se vai
avançando no tempo, se torna ainda mais avultado, o que pode supor mais qualidade
64
através da quantidade e qualidade do material didáctico e do conforto da escola, ou,
apenas, e como já vimos através das palavra de Clara Nufíez, sobretudo melhores
ordenados para os professores e auxi l iares de educação assim como equipamentos mais
caros para funções didácticas equivalente . De qualquer das formas o números são
claros : de 1 963 a 1 975, o custo de um aluno sueco de uma escola básica de Estocol mo
passa de 3 .793 coroas suecas cotadas em 1 968, para 5 .904 coroas à mesma cotação
(Idem, 1 69); ou, aumentando o espaço de tempo de maneira a termos uma perspectiva
histórica, o custo estimado de um aluno americano em 1 929 é de 490 dólares com a
cotação retida para o ano de 1 979-80, pa sando tal custo em 1 980, ou seja, cerca de
meio século depois, para 2.494 dólares à mesma cotação (Idem, 1 70).
Assim sendo, compreende-se o quadro seguinte, que demonstra bem o abrandamento do
crescimento do públ ico educativo entre 1 960 e 1 980.
Quadro 5 - Variação anual da percentagem de alu nos insc ritos por grau de
ensino e por região, entre 1 960 e 1 980
G rau de 1 960-65 1 965-70 1 970-75 1 975-80 Ensino
Países Primário 1 , 5 % 0 ,6 % - 1 ,0 % - 0, 9 % Desenvolvidos
Secundário 6,3 % 2,3 % 2,4 % 0 , 3 % Terciário 9,2 % 7,2 % 5,2 % 1 ,8 %
Total 3,3 % 1 ,6 % 0,7 % - 0,2 %
Países em Primário 6,4 % 4,2 % 3,9 % 3,4% Desenvolvi mento
Secundário 1 0,6% 7,6% 6,7% 6,0% Terciário 1 1 ,9% 8,9 % 1 0,9 % 7,2 %
Total 7,2 % 4,9 % 4,7 % 4,0 %
Fonte: Coombs, 1 985, 1 0 1 , baseado em dados da U N ESCO.
Este quadro, testemunhando um certo "arrefecimento" da expansão educativa entre
1 960 e 1 980, realça, ainda assim, uma tenaz per istência na ideia de que mais educação
é necessária. Na verdade, o crescimento do número de alunos, excepção feita ao sector
de Ensino Primário dos paises Desenvolvidos e por razões que antes expusemos,
continua a dar-se, ainda que de forma menos vigorosa, num ciclo económico que, de
1 973 até pelo menos meados da década de oitenta, é, senão recessivo, pelo menos de
estagnação.
Ou seja, parecia conquistada a ideia exposta por Claude Diebolt, apl icável sobretudo às
principais formações económico-sociais da Modernidade, de que " . . . depuis 1 945 le
mode de régulation fondée sur le profit et I ' accumulation matérielle semble reculer en
65
faveur d ' un mode de régulation fondée sur le développement des hommes . . . " (Diebolt,
1 58) . Por outras palavras, e segundo este e outros autores, assistimos no período do pós
segunda Guerra Mundial a uma profunda mudança nas relações até aí dominantes entre
a noção de "crescimento económico" e o esforço de "investimento na educação". Mas
que significa isto?
De forma explícita, Ana Bela Nunes (2003, 563-564) expõe, baseada em trabalhos
desenvolvidos por Claude Diebolt e Sandrine Michel, um esboço das relações entre
desenvolvimento económico e investimento na educação durante o século XX. Assim
para esta autora, que se baseia em trabalhos que incluem o tratamento s istemático de
longas séries estatísticas dos séculos X IX e XX de alguns dos principais países da
Europa, os momentos de maior investimento na educação por parte destas sociedades,
antes da segunda Guerra Mundial, coincidem com fases de depressão na economia e são
levadas a cabo com o fim de "requal ificar" o "capital humano" envolvido no ciclo
produtivo, como parte de uma tentativa de o reanimar, ou seja, trata-se de uma relação
em "contra - ciclo". Pelo contrário, nas fases de crescimento económico que se seguem,
os principais investimentos relacionam-se com o chamado "capital físico" como forma
de potenciar o retorno de capital antes investido, tornando assim o investimento em
educação estreitamente l igado à esfera da produção económica. Depois de 1 945, a
relação entre investimento na educação e crescimento económico parece inverter-se,
sendo o principal esforço realizado em períodos de expansão económica e decrescendo
o investimento em períodos de recessão, o que se traduz numa coincidência de ciclos
entre expansão da economia e investimento na educação.
Por outras palavras, e segundo estes autores, a partir de 1 945, uma parte significativa
das disponibil idades financeiras resultantes dos ciclos de expansão da economia é
apl icada em factores de desenvolvimento humano, alguns de tais factores tendo
certamente raízes numa visão l igada à "eficiência económica", nomeadamente os que se
encontram associados ao incremento de "capital humano", outros encontrando-se, no
entanto, relac ionados com uma visão política e social da pessoa, l igando a educação
directamente à democracia e à mobi lidade social, e autonomizando, em parte, o
investimento em educação das políticas activas de promoção do crescimento
económico. Se este é um dos pontos como historicamente a "esquerda" dos séculos X IX
e XX encara as relações entre educação e sociedade, o que é novo é que esta associação,
e portanto, esta política, se torna hegemónica durante um período largo de tempo,
precisamente o período de que nos ocupamos nesta parte do texto.
66
Assim, por um lado, o investimento em educação aparece mais e treitamente l igado às
disponibil idade financeiras próprias a cada ciclo económico, por outro, a educação
deixa de ser vista como um mera "alavanca" na expan ão da economia reflectindo assim
a consagração de uma ideia de educação mais l igada às valências humanistas e políticas
em detrimento das valências economicistas, o que parece tomar-se numa das
características da segunda metade do século XX, pelo que iremos de seguida tentar
apurar alguns dos conceitos chave que parecem "reorganizar" esta relação. Um destes
conceitos é certamente o de "Capital Humano".
A Educação II: o Capital Humano
No início do ponto anterior, tínhamos avançado as duas "crenças" que se solidificaram
durante o século XX sobre a educação: a crença de que o investimento em educação se
traduzia em crescimento económico e a crença de que mais educação significava mais
democracia, mais mobi l idade social, mais igualdade.
Tentaremos de seguida recensear e apresentar a maneIra como essas crenças se
organizaram nesta altura, começando pela primeira, segundo a qual , através do
investimento em educação e promove o desenvolvimento da economia.
A sim, apesar de a ideia de que a educação é um sustentáculo primordial ao
desenvolvimento económico ser um dos traços constituintes da "Modernidade" com
raízes bem sól idas no lluminismo, não existem muitos estudos que consigam relacionar
de forma explícita e causal a l igação entre desenvolvimento de uma economia e o grau
de educação da população que sustenta tal economia (Justino, 2005 , 1 5) . Nas palavras
de H arvey Graff, terá sido mesmo o contrário que sucedeu : " . . . Developments in l iteracy
and school ing tend to fol low, rather than precede or cause, economic and social
development . . . " (Graff, 1 99 1 , 378) .
Desta forma, saber se a alfabetização precede a industrialização, se o analfabetismo
funciona como um travão ao progresso económico, se é a democracia que j ustifica a
escolarização, ou se as altas taxas de analfabetismo explicam o falhanço de algumas
democracias da primeira metade do século XX, é algo que muitos investigadores
procuram compreender, e do que foi até hoje escrito podemos perceber a dificuldade
que existe em e tabelecer relações de causa - efeito entre questões que percebemos
fazerem parte do mesmo universo, por vezes de forma tão estreitamente intricada que se
toma difíc i l diferenciá-las. Percebemos que democracia, riqueza, alfabetização e
Direitos Políticos, agregados entre si, fazem parte do "progresso" que se encontra
associado à ideia de "Modernidade", pelo que, durante a segunda metade do século XIX
67
e todo o século XX, sociedades com altos índices de alfabetização tendem normalmente
a ser apresentadas como ricas, democráticas, com taxas de crescimento demográficas
próprias, essencialmente urbanas, em que os cidadãos se podem associar l ivremente e o
voto tende a tornar-se universal , mas há sempre casos que nos fazem pensar, corno a
Alemanha da década de trinta, em que alfabetização plena e direitos de voto universais
não impediram um dos grandes pesadelos da humanidade.
No entanto, durante a segunda metade do século XX, vários autores tentaram dar uma
consistência c ientífica a esta "crença", e nesta parte do texto referiremos sobretudo os
que tentaram relacionar desenvolvimento educativo com desenvolvimento económico,
dando assim origem à noção de "Capital Humano".
A noção de "Capital Humano" foi sendo teorizada a partir de finais da década de trinta
do século XX, mas encontrou o seu pico precisamente depois da segunda Guerra
Mundial , tendo-se tornado um conceito indissociável na relação entre desenvolvimento
económico e educação. Na verdade, os primeiros estudos, da autoria de Jacob Mincer,
tentavam entender as relações entre o grau de instrução de trabalhadores fabris e os seus
salários, no contexto da Revolução Industrial , tendo esses estudos levado à conclusão de
que existia uma correlação significativa entre essas duas variáveis (Nufiez, 2003, 545-
546). O seu trabalho foi sendo continuado por outros economistas como Theodore W.
Schultz, Robert Solow e Gary S . Becker entre outros, que tentaram também medir de
forma mais preci a possível os ganhos sociais da educação ou da formação da mão-de
obra de uma determinada sociedade, ou seja, o que teria uma economia ou uma
sociedade a ganhar com a educação dos seus trabalhadores.
Desta forma, baseados nas teorias económicas tradicionais que sustentavam que o
crescimento económico era uma função constante do investimento em determinado
número de factores de produção como a Terra (L), o Trabalho (W) e o Capital (K), uma
série de estudos tentou avaliar esta teoria, chegando à conclusão que, pelo menos
durante o século XX, tal não se verificava, uma vez que, por um Jado, urna parte
importante dos retornos de capital não podia ser explicada pelo investimento feito nos
factores de produção tradicionais, constituindo um "resíduo" não expl icável, e que, por
outro lado, os mesmos investimentos em factores de produção iguais, em localizações
ou países diferentes, davam origem a retornos diferentes (Idem, 55 1 ) .
Assim, parecia haver no processo de crescimento económico, variáveis até aí não tidas
em conta, que eram responsáveis pelas diferenças inesperadas entre o "Capital Físico" e
financeiro investido e a mais-val ia auferida, e a essa variação positiva entre expectativas
68
e resultados chamou-se "ganhos de produtividade" (Ibidem) . Restava agora determinar
de forma mais exacta possível quais seriam essas variáveis e qual a sua i nfluência nos
inesperados "ganhos de produtividade".
Assim, o estudo sobre tais variáveis acabou por destacar duas "zonas" pnnclprus :
vru'iáveis Estruturais, e variáveis relativas ao Capital Humano. As primeiras
relacionavam-se com a qualidade do enquadramento político - económico das
sociedades em que o investimento tinha lugar, e ocupava-se de questões como o
enquadramento jurídico de uma determinada sociedade, a sua estrutura de transportes e
comunicações, a sua estabi lidade política e eficiência administrativa, entre muitos
outros factores; o segundo tipo de variáveis, ou seja, que se relaciona com a noção de
"Capital Humano", é definido de uma forma extremamente ampla por Clara Nufiez, que
nos vem orientando nesta parte do texto: " . . . A recent publication on the role of human
and social capital in the well being of nations defines human capital as the knowledge,
skills, competencies and attributes embodied in individuals that faci l i tates the creation
of personal , social and economic well being. Among other l isted ski l ls ( . . . ) the study
emphasizes, we find the most often mentioned in the l iterature : Communication ski l ls ,
including reading and writing; numeracy; intrapersonal ski l ls such as motivation and
perseverance, learning to learn and capacity to make j udgments ; and interpersonal ones
l ike teamwork and leadership . . . " (Idem, 536). Ou seja, nesta definição encontram-se
contidas variáveis tão dispersas como as que relevam efectivamente da formação
académica e profissional do cidadão ou, de uma maneira mais restrita, da formação da
mão-de-obra de uma determinada sociedade, mas também um tipo de variáveis que
incluem um conjunto de ati tudes, conhecimentos, hábitos e tradições que estariam mais
relacionadas com a consistência de uma cultura de comércio e gestão de uma
determinada formação social do que com formação da sua mão-de-obra propriamente
dita.
Tratando-se de uma definição tão ampla como escorregadia, os "stocks" de capital
humano de uma determinada sociedade ou de uma determinada pessoa têm sido
avaliados, sobretudo, através da quantificação das habil itações que se adquirem nos
sistemas educat ivos contemporâneos, as quais, à falta de melhor instrumento, permitem
estimar uma correspondência que até aqui se tem revelado razoavelmente positiva, entre
formação educativa e "produtividade económica", quer tal produtividade se revele em
ganhos individuais, quer ela se revele em ganhos sociais traduzidos por maior valor
acrescentado por hora de trabalho (lbidem) .
69
Neste contexto, como antes ficara afirmado, diversos estudos foram sendo efectuados,
sobretudo a partir das década de sessenta e setenta com a tentativa de medir de forma
mais exacta a "taxa de retorno" do investimento em capital humano, essa taxa sendo
definida como " . . . a medida do lucro expectável face ao i nvestimento, em termos dos
benefícios futuros gerados pelo capital , comparado com os custos de capital de
determinado bem . . . "(Woodhal, 1 999, 220). Maureen Woodhal reproduz um estudo que
tenta comparar as taxas de retorno do investimento em Capital Humano, quer a nível
privado, ou seja, quer como benefício próprio para quem o adquire, quer a nível social ,
ou seja, como benefício para a sociedade em que o "beneficiário directo" se insere, por
grau de escolaridade e por grau de desenvolvimento do país em que o investimento se
deu, chegando ao seguinte quadro:
Quadro 6 - Cálculo das taxas de retorno do i nvesti mento em educação
(percentagem) segundo o t ipo de desenvolvi mento do país e o grau de ensino
Região ou tipo d e Número de Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de
país países retorno retorno retorno retorno retorno retorno
analisados privada privada privada social social social
P rimo Secundo Sup. P rimo Secundo Sup.
Países de 22 29 19 24 27 16 1 3
Desenvolvimento
Baixo
Países de 8 20 17 17 1 6 14 10
Desenvolvimento
Médio
Países de 14 - 1 4 12 - 10 9
Desenvolvimento
Alto
Fonte: Psacharopoulos Citado por Woodhal , 1 999, 221 .
As conclusões, que são aliás sujeitas a alguma discussão e controvérsia, como o faz
notar a autora, apontam para o facto de os ganhos com o investimento em educação,
quer em termos sociais quer em termos privados, serem altos para todos os tipos de
sociedade, mas, como seria de esperar, a taxa de retorno do investimento é maior em
sociedades mais pobres, em que o aumento da média de escolaridade se faz notar de
forma mais evidente, do que em países economicamente mais desenvolvidos, com
médias de escolaridade mais altas, o potencial de crescimento educativo sendo mais
reduzido e portanto, mais relativizado. Ao contrário do que seria de esperar, é também
70
nos níveis mais baixos de escolaridade que as taxas de retorno do investimento são mais
altas, quer se trate de retorno privado ou social , isto em ambos os tipos de países, o que
deixa uma série de interpretações por desl indar. De seguida, o dados disponíveis
apontam para uma evidência, a de que em ambos os tipos de sociedade, os ganhos
privados com a educação são sempre l igeiramente superiores aos ganhos públicos.
Finalmente, note-se, uma possível confirmação do tipo de relação entre investimento
educativo e crescimento económico que tinha sido avançado por Claude Diebolt e Ana
Beja Nunes ao perceber- e como em sociedades desenvolvidas se passa de um
investimento contracíc l ico para um investimento cíc l ico: apesar de ser evidente que os
ganhos sociais e mesmo privados, em sociedades onde os níveis de educação já são
altos, têm menos compensações em termos de retorno económico, o grau de
investimento em educação das sociedades desenvolvidas, como vimos em partes
anteriores deste trabalho, tem tendência a manter-se elevado, e é quase sempre superior,
em termos de percentagem do PIB, ao investimento que se dá em paí e menos
desenvolvidos.
Desta forma, estes dados parecem apontar em duas direcções principais : por um lado,
apesar de as taxas de retorno serem sempre positivas nos dois casos, estas, tanto a nível
pessoal como social , sendo maiores em países mais pobres e menores em países mais
ricos, parecem indicar que o investimento em educação faz mais sentido do ponto de
vista económico e é mais pertinente nos primeiros do que nos segundos, o que sendo
uma evidência económica, não será uma evidência pol ítica, como os dados al i ' s
demonstram; por outro lado, tudo indica também que, a partir de certo grau de riqueza
económica, existem "folgas" suficientes para que a educação, nunca deixando de ter
uma componente económica "colectiva" relativamente importante, passe sobretudo a
constituir um bem social e político, um bem incorporado pelos cidadãos como fazendo
parte de um leque de benefícios que se assume que o Estado deve disponibil izar com o
fim de promover activamente melhores condições de vida, não só, mas também, através
da manutenção ou mesmo do alargamento dos canais de mobilidade social ascendente.
Tal "crença" que constitui um dos traços do conceito de "cidadania alargada" típica das
sociedades que desenvolveram a noção e as práticas de "Estado - Providência" estará na
origem de uma pressão constante para o investimento estatal em educação, mesmo em
sociedades que, do ponto de vista colectivo e social pouco mais podem obter de tal
investimento, uma vez que os benefícios daí advindos se projectam sobretudo em
7 1
vantagens "privadas" que se traduzem em acrésc imos de rendimentos e de mobi l idade
social para os que deles beneficiam.
Assim sendo, uma l igeira mudança de perspectiva nesta anál i se, pode levar a conclusões
bem diferentes, como o fizeram os chamados "Neo-l iberais" das décadas de setenta e de
oitenta da segunda metade do século XX: os mesmos dados parecem mostrar que,
depois de atingidos determinados patamares de i nvestimento e alcançado um nível de
qualificação aceitável da população, deixam de fazer sentido grandes acréscimos de
investimento estatal em educação, visto que os ganhos económicos públ icos de tais
i nvest imentos são bem menores do que os privados, pelo que devem ser estes a investi r
num "bem" que beneficia indivíduos e não a "sociedade", significando isto que a
educação deve, em parte, regressar à categoria de "bem privado".
Trata-se, como é óbvio, de matéria muito del icada e confi rma à saciedade o facto que
temos vindo a salientar desde o final do capítulo anterior, ou seja, que a partir da
segunda metade do século XX, além de um bem cuja potencialização em termos
económicos pode sempre ser discutível , a educação inscreveu-se firmemente num
campo muito pol itizado, e que, subl inhe-se, a objectividade dos números não diminui tal
pol i tização.
No entanto, por muito que possa ser discutida a relação entre desenvolvimento
económico e investimento em capital humano medido em investimento em educação e
formação, as sociedades do século XX parecem ter acreditado resolutamente ne ta
relação, como nos mostra o quadro seguinte em que se compara o crescimento do
Rendimento Nacional, da dimensão da mão de obra, do investimento em "Capital
Físico", defin ido como o i nvesti mento em " . . . maquinaria, equipamento ou edifícios que
tendem a max imizar a produção de retornos no futuro através da criação de novas
capacidades de produção . . . "( Idem, 2 1 9), e do investimento em "Capital H u mano", no
Japão, entre 1 905 e 1 960.
72
Q uadro 7 - Evolução do Rendi mento Nacional, da mão-de-obra, e dos
investi mentos em Capital Físico e em Capital H u mano no Japão, entre 1 905 e
1 960
Ano Rendimento I ndice Mão de Indice Capital Indice Capital Indice Nacional Obra Físico H u mano (Mi lhares (Mi lhões) (Bi l iões (Mi lhares
de mi lhões de de de I enes) I enes) mi lhões
d e I enes)
1 905 1 .2 1 0 1 00 25,6 1 00 5,8 1 00 31 0,9 1 00
1 9 1 9 2 .761 228 26,6 1 04 1 0, 1 1 74 808 , 1 260
1 935 5.234 433 3 1 ,4 1 23 25,9 447 2 .563,9 831
1 955 7 . 1 89 294 39,2 1 53 2 1 ,7 374 5.380 1 731
1 960 1 1 .822 979 43,7 1 7 1 39,8 686 7 . 1 06,6 2 .286 "
Fonte: Le Than Khol , 1970, 77.
Assim e como salienta o Lê Than Khoi , apesar do valor dos "stocks" da in trução, ou
seja, de "Capital H umano", representar em 1 960 apenas 1 8% do valor do "Capital
Físico", é o tremendo cresci mento do valor i nvestido em educação durante o século XX
que este como outros autores interpretam como responsável pelo enorme aumento do
rendimento nacional japonês, um fenómeno " . . . não privativo do Japão, pois se verifica
em todos os países industrial izados . . . " (Khôi , 1 970, 79). De facto, enquanto que o
cresci mento do Capital Físico pode ser medido, entre 1 905 e 1 960, pelo diferencial
entre 1 00 e 686, o Capital H umano, no mesmo período, aumentou do mesmo índice de
1 00 para 2 .286, endo de longe o factor de produção que mais cresceu neste longo
período do século XX. Mas o crescimento é ainda mais espectacular nos c inco anos que
vão de 1 955 a 1 960, no pós - guerra, seguindo a tendência mundial antes assinalada, e
quando o chamado "milagre económico japonês" se firma, levando o Japão em poucos
anos a constituir-se como a segunda economia do mundo. Se foi o investimento em
"Capital Humano" o principal respon ável por este como por outros extraordinários
períodos de expansão da economia, ou se foi , pelo contrário, um produto dele, o que
parece fundamental nestes números é que eles traduzem uma das grandes crenças do
papel da educação na sociedade, uma crença profundamente enraizada no pensamento
do fundador da economia moderna, Adam Smith (Woodhall , 1 999, 2 1 9) , e que
relacionam o investimento na educação com uma procura activa do que podemos
chamar de "progresso". Pode tratar-se de "progresso" medido em eficiência mil i tar, se
73
se tratar de uma ditadura belicosa como o foi o Japão dos anos trinta, ou de "progresso"
medido em qual idade de v ida, numa democracia pacífica como foi o mesmo Japão
depois de 1 945, mas acredita-se sempre que na base deste "progresso" se encontra o
desenvolvimento da economia, que se upõe ser potencial izado pelo desenvolvimento
da educação, sendo, no entanto, no fim de todo este processo, o político a dar sentido ao
progresso, ao canalizá-lo pelas muitas vias que a natureza humana mantém como
possíveis . Que a educação é uma parte de um processo pol ítico geral , eis algo que
parece evidente, mesmo quando falamos de números.
A Educação III: igualdade e mobilidade social - expectativas e desi lusões
H artmut Kaeble, o autor de um dos grandes estudos de referência sobre a mobi l idade
social nos século XIX e XX, não tem dúvidas em concluir que " . . . it is the po twar
period rather than the Industrial Revolution that has emerged as the decisive watershed
for social mobi l i ty. Studies of the most important Atlantic countries show that there is
an unquestionable increase in the in the rates of social mobil i ty fol lowing the Second
World War. ( . . . ) What it is sti l l unc lear are the reasons . . . " (Kaelble, 1 985, 1 38) . De
todos os elementos analisados, entre os quais se encontram factores como a
estratificação social, fanulia, atitudes, emigração, demografia, desenvolvimento
económico e mudanças na força de trabalho, são as duas últ imas que são retidas como
fundamentais para explicar as intensas modificações sociais que se deram nas
sociedades ocidentais no período dos pós Segunda Guerra Mundial . Na base das
mudanças bruscas que se dão na força de trabalho, encontram-se, segundo o autor,
embora seja claro que não é muito fáci l de o provar, as mudanças educativas e a
generalização da educação, sobretudo da educação superior, primeiro nos Estados
Unidos da América, mas de seguida, também na general idade da Europa Ocidental :
" . . . The study of educational opportunities in higher learning demonstrates that from the
late nineteenth century on many more americans attended universities than did
europeans ( . . . ) . This aspect of social mobil i ty is the more important since higher
education during the twentieth century became more and more the major switchboard of
mobi l i ty chances in America as well as in Europe . . . " (Idem, 1 39).
As razões avançadas pelo autor para as mudanças que se registam na educação e
consequentemente na mobi lidade social no período do pós segunda Guerra Mundial ,
relacionam-se com as modificações da composição social das e truturas de poder na
época: " . . . The most important characteristic of the era of welfare opportunities is the
change in pol itical structure and in education policy goals . Pol i ticaI systems emerged
74
from a long and contradictory period of transition with decision making processes
dominated by three groups : the bureaucracy, organised labour and organised big
business. ln contrast to formeI' eras, some political ly influenced groups were composed
of members who where not highly educated . . . " (Idem, 37) . Segundo o autor, a entrada
do sindicalismo e portanto, de novos estratos sociais nas estruturas pol iticas que
caracterizam o arranque do Estado - Providência na Europa, vai estar na origem de
grandes mudanças na educação, as quais tomam a forma de três traços que se
complementam: o incremento na massificação da educação através da locação de meios
financeiros que sustentem a expansão das instalações educativas e da formação de
professores; a extensão da educação básica, ou seja, da educação comum a todas as
crianças, por um espaço de tempo mais alargado, e, finalmente, uma política de
implementação da frequência dos subsistemas secundário e superior dos Sistemas
Educativos, por parte de crianças e adolescentes oriundos de estratos ociais baixos
(Ibidem) .
Ou seja, e por outras palavras, massificação da educação, mudanças nas estruturas
educacionais de base, sobretudo através do aumento da sua duração e pressão política
no sentido de incrementar a porosidade social do sistema, quer através de uma mudança
nas regras de acesso aos estratos intermédios e superiores de tal sistema, quer através de
uma política activa de bolsas de estudo que teriam em conta o mérito académico e a
origem social .
Estas três questões, que marcarão a educação até aos nossos dias, merecem algum
desenvolvimento da nossa parte, uma vez que, se na verdade elas estabelecem uma l inha
divi ória entre s istemas educativos muito socialmente marcados, como o eram os
Sistemas Educativos ocidentais e sobretudo europeus da primeira metade do século XX,
e os Sistemas Educativos actuais, elas também estão na origem de uma série de
lmpasses que nos mostram, sobretudo, os seus l imites no que diz respeito às
expectativas de mudança que geraram durante um largo período de tempo.
Na verdade, as três linhas de desenvolvimento detectadas por, entre outros, Hartmut
Kaelble, têm um duplo sentido social : o de apoiar e sustentar o desenvolvimento
económico do pós-guerra através da formação escolar intensiva e generalizada que
"construísse" uma mão-de-obra qual ificada, tal como foi analisado com algum
pormenor no ponto anterior, e incrementar a mobi l idade social através da
i mplementação da igualdade de oportunidades no campo educativo, salientando-se
75
as 1m os aspectos igual itaristas potencialmente contidos na ideia de "educação para
todos", tal como verificámos na primeira parte deste trabalho.
O trabalho político levado a efeito nas estruturas dos sistemas educativos tradicionais
com o objectivo de implementar a "Escola Única", ou a sua sinónima "Comprehensive
School", correspondia a uma tentativa de mudar o "desenho" dos S istemas Educativos
europeus dos finais do século X IX que se arrastaram sem grandes mudanças durante a
primeira metade do século XX. Essencialmente compostos por partes elementares curtas
e util i tárias, "primárias", que levavam as crianças até um diploma descrito por Correia
como constituindo durante muito tempo o " . . . culmi nar da socialização escolar das
crianças das camadas populares . . . " e o inicio da social ização escolar das e l ites (Correia,
2005 , 1 97) , era este diploma seguido por "opções" constituídas, por um lado, pelas vias
de ensino profissional que se esperava que fossem seguidos pelos fi lhos mais brilhantes
das classes populares e, por outro, por vias l iceais que iriam construir, ou nas palavras
de alguns sociólogos da educação dos anos sessenta e setenta do século XX,
"reproduzir", as eli tes de uma nação.
Tal estrutura educativa era vista pel a "esquerda", desde pelo menos os princípios do
século XX, como, por um lado, reflectindo o carácter de "classe" das sociedades
capital istas da altura, e, por outro, como sendo um instrumento dec isivo na sua
manutenção e aprofundamento. Assim, as propostas principais da "esquerda" europeia e
americanas, quer se tratasse de l ibertários, socialistas e social-democratas, radicai
republicanos ou mesmo comunistas, era a da substituição das estruturas educativas
clássicas por uma "Escola Única" pol itécnica, ou seja, uma escola que levasse as
crianças, independentemente da sua origem social , a percorrer durante o maior espaço
de tempo possível , uma via de ensino unificada composta por uma articulação
ponderada entre os aspectos técnicos, artísticos, morais e científicos, que se considerava
serem a base de formação de "cidadãos completos" (Dietriech, 1 973) . Toda a obra de
Adolfo Lima, um pedagogo l ibertário do primeiro quarto do século XX em Portugal é
i lustrativa desta posição que melhor se compreende numa citação sua bastas vezes
util izada:
" . . . 0 ensino c lássico e o ensino profissional reflectem bem o conflito social em que as
sociedades se debatem e se dividem em dois campos e classe. O ensino clássico é para
ricos e o profissional é para pobres, dizem. ( . . . ) Esta dualidade mantém, como causa, a
76
organização social de castas económicas e mantêm-se como efeito dessa organização.
A complexidade do problema faz parecer que estamos dentro de um círculo vicioso.
Por um lado a divisão do ensino em clássico ou geral e profissional ou manual , é efeito
da divisão das classes ou castas sociais; por outro, essa divisão bipartida é causa de que
essa separação se intensifique. C .. ) Tanto uma como outra são a nosso ver educações
incompletas que produzem abortos sociais , indivíduos muti lados, incapazes de
exercerem todos os seus direitos, e de cumprirem todas as suas obrigações . . . " (Lima,
1 9 1 6, 47, destaques no original) .
No corolário destas posições, Lima, tal como outros dos seus corre l igionários ou
"compagnons de route", irão pugnar pela "Escola Única", definida como " . . . a escola
prolongada ou de continuação para todas as crianças até aos 1 5 anos, idade em que
conforme as aptidões ( . . . ) seguem para diversas carreiras , ingressando nas escolas
preparatórias de tipo humanista ou de tipo c ientista que lhes abrirão as portas das
Escolas Técnicas Superiores . . . "(ln Oliveira, 1 933 , 9). Esta versão benigna do que é
hoje o "design" dos sistemas educativos contemporâneos, preenchia, como antes
dissemos, os sonhos da esquerda mundial , que conseguiu impor algo de semelhante no
período do pós segunda Guerra Mundial ao estender progressivamente a duração da
parte comum da escolaridade aumentando a duração da obrigatoriedade escolar e
tornando de frequência obrigatória uma parte cada vez mais importante do que
tradicionalmente se designava por "Ensino Secundário". Tais avanços são
perfeitamente legíveis nos números a que nos referimos antes, que nos mostram que, de
1 950 a 1 960, o essenci al do crescimento no número de alunos no Mundo, e em
particular na Europa e América do Norte, se dá nos subsistemas do Ensino Secundário e
Superior ( Khoi, 1 970, 1 5) tendência que segundo Coombs ( 1 985, 1 00) se estende até
pelo menos aos anos oitenta do século xx.
Assim, estes dois autores confirmam a constatação de Kaelble de que o mundo em
geral , mas de forma mais vi sível, a Europa e a América do Norte, i ncrementa de forma
espectacular, a partir da segunda metade do século XX, as taxas de frequência dos
Ensinos Secundários e Superiores, dando origem a mudanças muito i mportantes na
composição e formação da força de trabalho e, consequentemente, das taxas de
mobil idade ascendente no mesmo período.
No entanto, e independentemente da veracidade de tais dados, e nem todos os estudos
sobre a relação entre a i mplementação da igualdade de oportunidades no campo
77
educativo e o acréscimo de oportunidades de mobil idade social são tão optimistas
quanto o de Kaelble (entre outros, Boudon, 1 977; Girod, 1 98 1 ; Mónica, 1 98 1 ;
Raynaud, 2003), o que parece evidente a partir de finai da década de sessenta do
século XX, é que as coisas não tinham mudado tanto quanto alguns grupos políticos e
soclaIs esperavam.
Na verdade, a crença da parte optimista da Modernidade, de que a partir do S istema
Educativo, se poderiam apagar as marcas originais dos processos de socialização de
proximidade, endógenos e primários, veio a tropeçar em estudos sociológicos menos
optimistas que mostravam que a igualdade "tout court", e mesmo a "igualdade de
oportunidades no campo educativo" que constituía uma das bases das políticas de
expansão educativa do pós Segunda Guerra Mundial , se revelava um processo mais
lento, difíc i l e contraditório do que o que era esperado.
Assim sendo, muitos estudos mostravam que uma parte substancial das desigualdades
de origem entre as crianças que entravam no mesmo Sistema Educativo se
reproduziam, já não através da dicotomia "frequência - ausência", herança extinta de
um tempo em que os mais pobres simplesmente não frequentavam a escola, mas por
toda uma série de outros sintomas e indicadores.
Alguns desses indicadores, como a frequência socialmente contrastada de opções
educativas clássicas ou profiss ionais, mais não faziam do que prolongar características
dos "antigos" Sistemas Educativos, contrariando assim políticas voluntaristas cujo
objectivo era o de substituir a lógica social dominante nas opções, por uma lógica
"vocacional" que tivesse em conta quer os interesses do aluno, quer as necessidades de
mão-de-obra por parte do mercado; outros, como a massificação e distribuição
socialmente desigual do insucesso escolar erigiam-se como " . . . repercussões sociais não
intencionais das acções humanas intencionais . . . " que é a forma como Karl Popper,
c itado por Raymond Boudon (Boudon, 1 977, 6), define "efeito perverso" , neste caso,
relativamente às "boas" intenções expressas pela massificação da e colaridade nos
séculos X IX e XX no Ocidente e no mundo.
O facto de o período em causa ter contado com uma forte predominância,
nomeadamente nos meios académicos, de uma versão radical izada do que Peter
Wagner denomina de "teorias neo-marxistas do capital ismo tardio" (Wagner, 2002, 4 1 ) ,
veio, por um lado, enriquecer de forma extrema o grande debate sobre educação que
atravessou os flamej antes anos sessenta e setenta do século XX, mas, por outro, reflexo
da i mpaciência e imaturidade que se exprimiu no radicalismo da discussão, a
78
obscurecer os resultados soc iais das políticas educativas que se segUIram ao pós
segunda Guerra Mundial .
Numa das obras mais radicais sobre o assunto, da transição entre os anos ses enta e
setenta do século XX, com o sugestivo titulo de "l 'école capitaliste en France",
Christian Baudelot e Roger Establet reproduzem um quadro referente ao ano de 1 962
sobre o insucesso escolar em França, que i lustra o que antes dissemos.
Q uadro 8 - Atraso escolar na q u i nta classe (CM .2) segundo a categoria
profissional do pai, em França, para o ano de 1 962
P rofissão do pai % de c rianças em situação de % de crianças e m situação de
sucesso insucesso (pelo m enos um ano
de atraso)
Total 45% 55%
Quadros superiores 76% 24%
I ndustriais, profissões liberais 69% 3 1 %
Quadros médios 7 1 % 29%
E mpregados 48% 51 %
Comerciantes e artesãos 5 1 % 49%
Operários 36% 64%
Agricultores 41 % 59%
Operários agrícolas 27% 73%
Fonte: Baudelot e Establet, 1 976, 196.
Este tipo de números, cerca de cem anos depois dos decretos de Jules Ferry sobre a
obrigatoriedade, gratuidade e laicidade da escolarização primária das crianças francesas
(Chevall ier, 1 98 1 ) , e pouco mais de quinze sobre o final da segunda Guerra Mundial e
da rápida construção do Estado - Providência francês, causaram um ampl o mal-estar e
espanto, sobretudo devido a duas razões: a massividade do insucesso na escola por
parte de crianças tão novas, e a profunda desigualdade social patente em tal insucesso.
Mas a questão estava longe de ser exclusivamente francesa, e numa obra da mesma
altura e da mesma orientação, mas publ icada nos Estados Unidos da América com o
título de "Schooling in capitalist America", Samuel Bowles e Herbert Gintis, i lustravam
uma situação semelhante que se estendia também ao Ensino Superior.
79
Quadro 9 - Percentagem de a l u nos em cada tipo de estabeleci mento de Ensino
Superior dos Estados U n idos da América, segundo os rendimentos fami l iares,
em 1 971
"College" Público "College" Público Universidade Universidade
com Diplomas de com Diplomas de Públ ica Privada
2 anos 4 anos
Alunos com 27,2% 25,4% 1 5, 1 % 1 0,6%
rendimentos
familiares
inferiores a 8.000
dólares
Alunos com 34,8% 3 1 ,7% 29,7% 20,4%
rendimentos
familiares entre
8.000 e 1 2.500
dólares
Alunos com 26,4% 28,3% 32,8% 27,3%
rendimentos
famil iares entre
1 2.500 e 20.000
dólares
Alunos com 1 1 , 5% 1 4,7% 22,3% 41 ,8%
rendimentos
famil iares
superiores a
20.000 dólares
Fonte: Karabel , ln Bowles e G lntlS, 1 985, 274.
Se as dúvidas expressas por Raymond Boudon se centravam sobre a veracidade da
relação entre, por um lado, o considerável aumento da procura educativa típico das
sociedades industriais que levaram a " . . . uma incontestável redução das desigualdade de
oportunidades face à educação . . . ", e, por outro, a mobi l idade social como um todo
(Idem, 36-37), o que estes números pareciam demonstrar era a fragi lidade da primeira
parte da equação de Boudon: apesar de se ter assistido a um incontestável aumento da
procura educativa, não era muito claro, através dos mi lhares de quadros e tabelas que se
espalharam pelo mundo da altura, que esta procura tivesse dado origem a uma
significativa redução da "desigualdade de oportunidades face à educação".
Na verdade, este tipo de dados, que foram de difíc i l interiorização, obrigaram a
repensar as relações entre a educação e a sociedade, salientando a existência de uma
80
ligação evidente entre a pertença social de origem e as probabil idades de sucesso na
e cola, quer tal sucesso se medisse através de classificações académicas ou através da
possibil idade de chegar onde se quisesse no S istema Educativo.
Centrais numa primeira aproximação ao problema, embora com um peso ideológico
que hoje pareceria excessivo, foram as teses marxistas, nomeadamente as de origem
althusserians (Althusser, 1 974), segundo as quais a escola seria um dos principais
Aparelhos Ideológicos de Estado do Capitalismo Industrial, tendo parcialmente
substituído a Igreja, e em conjunto com a família "regulada pelo Estado" , ocupado um
lugar predominante na "reprodução das relações de produção" das sociedades
capital istas avançadas. Tal "reprodução das relações de produção" tinha lugar não
apenas através da reprodução da qual ificação e estratificação da força de trabalho
adequada às sociedades capital istas, em que a relação com as forças de produção era
mediada pela pertença de c lasse, mas sobretudo, através da reprodução das atitudes
sociais fundamentais à estabi l ização da ordem dominante . Assim, a escola funcionaria
como um elemento primordial de legitimação social e política, operando na base de um
processo de "violência simból ica", que não só organizava a força de trabalho,
disfarçando a origem social de tal organização com a noção de mérito escolar, como
socializava para o capitalismo através da pressão para a interiorização de noções
fundamentais para a manutenção da ordem estabelecida, tais como a noção de
hierarquia, propriedade privada, e outra .
Tratava-se de uma articulação teórica sofist icada, que ia buscar muito a Marx, mas
sobretudo a António Gramsci ( 1 974) que havia, na primeira metade do século XX
de envolvido as noções de "Hegemonia", "Sociedade Política" e de "Soc iedade Civi l"
como forma de explicar o insucesso das revoluções socialistas nas sociedades mais
desenvolvidas da Europa Ocidental . Além do mais a obra de Althusser existia num
caldo cultural complexo e rico, que se cruzava, embora por vezes de forma
tempestuosa, com pensadores fora da órbita do marxismo como Michel Foucault e,
entre outros, Pierre Bourdieu. O que parecia interessante nestes novos autores era uma
sofisticação teórica em que Marx, Freud, Durkheim e Max Weber, entre muitos outros,
eram mobil izados com enorme agil idade numa análise mais complexa e subtil das
relações de poder e da sua reprodução, que deixavam de poder ser explicadas
recorrendo apenas às "relações de força" e à "repressão", procurando-se entender o
papel de outros traços, como por exemplo, o sexo, os afectos, a cultura, e , neste caso, a
escola, num jogo de trocas desiguais entre os valores dominantes carreados pelas elites
8 1
e os subtis mecanismos de interiorização, mas também de resistência, que surgiam por
parte dos extractos sociais subalternos.
Porém, obviamente que uma polémica conduzida exclusivamente no campo político e
com uma radicalidade que não admitia como solução senão a "grande revolução
socialista", que era, al iás, vista de formas muito diferentes conforme o grupo politico de
pertença, estaria condenada a um fim inglório se não fosse capaz de canalizar o seu
ímpeto inicial para atitudes de investigação dentro do campo da sociologia e das
Ciências da Educação. Tratava-se, assim, e uma vez admitida que a pertença social era
a verdadeira variável independente que explicava o de empenho escolar das crianças,
tentar perceber o que, dentro de universos tão vastos, e até aí tão conceptuais, como os
de "classe social", "estrato sócio-económico" e dezenas de outras designações que
procuravam captar o lugar das pessoas numa escala social e económica, podia ter uma
conexão directa com o desempenho escolar diferenciado das diferentes crianças de
diferentes meios sociais .
Algumas destas investigações, como as conduzidas por Pierre Bourdieu e Jean-Claude
Passeron, centraram-se numa tentativa de compreensão e análise da forma como os
vários traços que em conjunto formavanl a noção de "clas e social", se combinavam e
reproduziam através do S istema Educativo, fazendo com que as variações em termos de
estatuto social entre a "classe de origem" e a "pertença de classe final" fossem muito
poucas. De particular interesse nesta teorização de Pierre Bourdieu e de Jean-Claude
Passeron, é o papel por eles atribuído nesta "reprodução social" através do Sistema
Educativo, às noções de "Ethos", definida como " . . . Disposições em relação à escola e à
cultura ( i .e . aprendizagem, autoridade, valores e colares, etc . ) ; esperança subjectiva (de
acesso à escola, de êxito e ascensão pela escola); relação com a cultura e com a
linguagem (maneiras) . . . " (Bourdieu, e Passeron"
s .d . , 1 22- 1 23) ; e de "Capital
Cultural", definido como " . . . capital l inguístico; presciência; capital das relações sociais
e de prestígio (recomendações); informações sobre o sistema escolar, etc . . . . " (Ibidem) :
" . . . pelo facto de que elas correspondem aos interesses materiais e simbólicos de grupos
ou c lasses diferentemente situadas nas relações de força, estas A.P. (Acções
Pedagógicas) tendem sempre a reproduzir a estrutura da distribuição do capital cultural
entre esses grupos ou c lasses, contribuindo ao mesmo tempo para a reprodução da
estrutura social ( . . . ) definida como reprodução da estrutura da relação de forças entre as
c lasses . . . " (Idem, 3 1 ) .
82
Outros trabalhos, como a monumental obra de Basil Bernstein, tentaram perceber como
as formas de socialização infantis precoces contribuíam para "moldar" a estrutura de
comportamentos e de relações sociais e sobretudo l inguísticas, desde muito cedo na
vida das crianças, e como tais formas de socialização diferiam entre c lasses sociais,
posicionando-se de forma bastante diferente em relação a uma escola que tendia a
reproduzir e a aceitar como boas, formas de socialização típicas da classe média
(Bernstein, 1 97 1 ; Domingos et a!. , 1 986; Keddie (editor), 1 973 ; Marcel lesi e Gardin,
1 975) . Outros ainda, como o de Jacques Lautrey ( 1 980) tentaram mostrar que a maneira
como as famíl ias se organizavam, que na opinião do autor, dependia das condições
objectivas e subjectivas que compunham a noção de "classe ocial", dava origem a
formas de gestão de espaços e de regulação de comportamentos que tinham implicações
no tipo de desenvolvimento cognitivo das crianças, e, ainda, e de novo, como
determinados estilos cognitivos se adaptavam mais à "cultura escolar" do que outros.
Ainda outras investigações, como as levadas a cabo por Robert Rosenthal e Lenore
Jacobson (Rosenthal e Jacobson, 1 97 1 ) , procuravam mostrar através de uma série de
engenhosos estudos, como as origens sociais dos alunos influenciavam as expectativas
dos seus professores sobre o seu sucesso escolar, como tais expectativas modulavam a
relação pedagógica e acabavam por ter grandes probabi l idades de serem cumpridas, no
que ficou conhecido como o "efeito de pigmaleão".
O que parecia comum a todos estes e a muitos outros autores que tentavam perceber as
variáveis que mediavam a relação entre "pertença social" e "escola", era o facto de, por
um lado, se recusarem a fornecer uma definição "ideológica" de "classe social",
optando por estudar os factores específicos que pareciam responsáveis pelas situações
de falhanço escolar das crianças das várias origens sociais e culturais ; por outro, quase
todos concluíam que a escola de massas, que constituía o esqueleto dos Sistemas
Educativos contemporâneos, tinha um forte "carácter de c lasse", no sentido em que
parecia reflectir e reproduzir normas e valores considerados como fazendo parte do
"caldo cultural" da classe média, mas que, mais do que tudo, v isto que as discussões
sobre o que seriam as normas e valores da classe média deram origem a mais uma
deriva ideológica interessante mas relativamente improdutiva do ponto de vista
educativo (entre outros, Kaes, 1 968; Labov, 1 973, 2 1 -66 ; Hoggart, 1 973), eram
institu ições extremamente rígidas no seu funcionamento, revelando grandes
83
dificuldades em l idar com a diversidade de origens culturais e sociais do "públ ico" que
as frequentavam.
Lentamente, as atribuições causais relativas ao insucesso escolar mudavam, tal como
mudava a perspectiva dominante de procurar reparar os "efeitos perversos" da
massificação da escola: da atribuição causal individual , segundo a qual o insuces o se
devia às capacidades cognitivas das crianças e que deu origem a uma estratégia de
intervenção baseada no "ensino especial" para os "menos intel igentes", numa espécie
de "psiquiatrização" do "mau aluno", que predominou até à primeira metade do século
xx: (Perron, 1 975, 5 1 -89), passou-se para atribuições causais de ordem social , os
chamados "handicaps sócio-culturais" ou "sócio-linguísticos", que imputavam as
dificuldades escolares sentidas por crianças de origem popular a situações de
"privação" em termos culturais por parte das suas famíl ias, tendo-se centrado as
perspectivas de intervenção em formas de compensação educativa que pudes em
colmatar as falhas ou omissões culturais de origem, daqui se passando, por fim, para
uma atribuição causal externa à criança e à sua farrúlia, centrando-se a intervenção nas
políticas educativas e na escola (Candeias, 1 993a; Nóvoa, 1 992), perspectiva que
domina até aos nosso dias.
Neste percurso, assi tiu-se ao rev ivescer das pedagogias da "Educação Nova" dos finais
do século XIX, numa tentativa de fazer face à desilusão causada pela persistência das
conclusões que apontavam como a escola "reproduzia" a estrutura social sem a pôr em
causa, e como as noções de "capital cultural" e de "ethos" pareciam imunes às
tentativas de democratização da sociedade através da escola, resistindo inclusivamente
às mudanças de regime, como o mostravam os estudos feitos em países socialistas de
então ( Khoi, 1 970, 1 1 0- 1 1 1 ; Markievicz- Lagneau, 1 974) . Esta desi lusão relativa ao
papel da escola na mudança social autorizava a escrita amarga de Raymond Boudon,
um sociólogo atento mas desal inhado das tendências hegemónicas do tempo, que, em
meados da década de setenta do século XX, e crevia o seguinte: " . . . peut-être ( . . . ) ces
effets à la fois inattendus et pervers sont- i ls la cause profonde de la crise des systemes
d'éducation dans les sociétés industrielles. Parce qu' inattendus, i l s ont provoqué un
immense désenchantement sur les vertus sociales et politiques de l ' éducation . Parce que
pervers ils ont provoqué un sentiment de dou te sur les finali tés des systemes
d'éducation et d ' impuissance sur la maniere de les gérer . . . " (Boudon, 1 977, 38) .
Porque, em determinada altura da história do mundo, se pensou nos S istemas
Educativos como sistemas de engenharia social poderosos que conseguiriam substituir
84
o leite materno pela razão apoiada na ciência, e que, como Vimos na primeira parte
deste trabalho, serviram todas as causas, mesmo as mais opostas, encontram- e estes
"Sistemas Educativo" entre os "Aparelhos Sociais" da Modernidade que mais
expectativas criaram, e as reacções de desalento e desencanto pelo não cumprimento de
tais expectativas parecem resultar numa enorme desi lusão face ao paraíso que não
chegou. Reflexo de uma crise de adolescência que marcou a entrada na maturidade da
relação entre a "sociedade" e a "educação", de tal relação, sabemos agora que não virá
a felicidade eterna, mas, também, que sem ela não saberemos o que fazer, e no seu dia
a-dia parecem coexistir o afecto que nos encoraja a viver e as tensões que nos levam a
temer o futuro.
Entretanto, em 1 973, na sequência da 3a guerra israelo-árabe, chamada do Yom
Kippour, que contribuiu para mostrar como para além da tradicional divisão geopolítica
entre o mundo "Ocidental" e o mundo "Social ista", se acrescentava uma outra entre o
Sul e o Norte, os países produtores de petróleo tomaram o controle do mercado mundial
petrolífero através da O.P.E.P . , o que levou a uma quadruplicação, em pouco tempo, do
preço do crude, pondo fim ao mais longo período de crescimento económico do
Ocidente, e em breve, da maioria do mundo ( Hobsbawm, 2002, 244; Mayall , 1 998,
1 9 1 - 1 92 ; ) , terminando assim a fase de expansão da quarta vaga de Kondatriev. Pelo
caminho, os Beatles desfizeram-se, Bob Dylan refugiou-se durante anos numa quinta,
Maio acabou, e Janis Jopl in, J imi Hendrix e J im Morrison caíram num fogo de artifício
. mortal que parecia ter enterrado uma fase da história do mundo.
Concluindo: estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas Educativos
contemporâneos - do pós segunda Guerra Mundial ao fim dos anos setenta do
século XX, o modelo no seu auge, ou a fase criativa do ciclo de Kondratiev
Tentar compreender a educação nos nossos dias sem ter realizado um esforço para
entender o que a este nível se passou na segunda metade do século XX, parece-nos uma
tarefa inúti l , sobretudo porque é a partir desta altura que a ideia de educação gerida pelo
Estado - nação moderno com estruturas curriculares semelhantes em todo o mundo
(Meyer et al. , 1 992), se torna uma realidade ou uma aspiração com base em projectos
sólidos e coerentes . Isto ignifica que, a partir desta altura, embora a célula politica
fundamental continue a ser o "Estado - nação", caminha-se para a implementação de
um verdadeiro sistema de socialização de espécie, complementar às formas de
85
socialização endógenas locais, tornando-se assim o mundo num lugar cada vez mais
uno e "íntimo", o que não significa necessariamente, e infelizmente, mais "pacífico" ou
"amigável" .
Na verdade, o que se desenha de forma hesitante e muito discutida pelas elites
Ocidentais da segunda metade do século xvrn até ao final da primeira Guerra
Mundial , e que se ensaia entre as duas guerras (Kaelble, 1 985, 69-76), só conhecerá
uma estabi l ização a nível mundial na segunda metade do século XX. O que se discute,
em primeiro lugar, é se todos devem ser educados, algo que só é resolvido, pelo menos,
no domínio dos princípios, nos finais do século XIX; de seguida, discute-se se todos
devem ser educados da mesma maneira, por um período de tempo mais ou menos
longo, uma discussão que ocupa a primeira metade do século XX; finalmente discute-se
se a divisão técnica do trabalho que legitima as diferentes opções educativas não é uma
forma de manter a educação como um elemento de legitimação e de reprodução de
sociedades e tratificadas, uma discussão que ocupa uma parte significativa da segunda
metade do século XX. Este últ imo debate só é possível , porque os dois princípios
anteriores, que em meados do século X IX só seriam concebívei s nas várias utopias
socialistas da altura, tinham sido plenamente alcançados, pelo menos no domínio dos
princípios, durante a segunda metade do século Xx.
A expansão educativa do pós segunda Guerra Mundial no mundo, mas em especial na
generalidade do Ocidente, resultou de uma composição social mais alargada do Estado
e da predominância de uma forma de regulação Neo - keynesiana, caracterizada por
Rober Boyer como " . . . uma política de regulação do crescimento ( . . . ) consciente e
voluntária, porque o mecanismo dos mercados e dos preços, deixado a si mesmo, não é
capaz de levar a economia por um caminho de equi l íbrio e de equidade . . . " (Boyer,
2002, 1 6). Esta visão do Estado "inserido" no campo da economia, cruza-se com uma
concepção de cidadania que acrescenta à componente política definida pelo l iberal ismo
dos século XIX e XX, uma componente "social" e "económica" defi nida pela social
democracia do século XX, dando assim origem ao "Estado - Providência". Assim, a
noção de "Estado - Providência", ou "Estado Inserido", com todas as suas matizes, e a
noção de "regulação Keynesiana" do "modo de produção capitalista" são fundamentais
para caracterizar o coração deste processo de expansão da educação e dos sentidos que
ela vem a tomar.
A educação expande-se neste período como forma de realização colectiva, o
"progresso", mas também, como forma de tornar possíveis, ou pelo menos mais fáceis a
86
emergência de sociedades menos estratificadas, ou pelo meno , mal "porosas",
sociedades em que a mobilidade social se a ocie ao mérito e não à a cendência social .
Este é, na verdade, um dos grandes sonhos da Modernidade, e toma vários caminhos,
de entre os quais dois se destacam: por um lado, a emigração para "as Américas", onde
o espaço disponível permite o sonho da liberdade pessoal baseada na independência
económica; por outro lado, a luta política, e dentro desta, a luta por uma educação igual
para todos, de forma a que, desde o início, através do mérito reconhecido por uma
instituição que deverá ser neutra e independente de qualquer partido ou classe social,
todos se possam afirmar, "apesar" do sítio de onde vêm, dos pais que lhes deram a vida
ou do grau de riqueza ou estatuto de que gozaram os seus ascendentes.
Neste sentido, como intuíram Claude Diebolt, Sandrine Michel e Ana Bela Nunes, a
segunda metade do século XX parece aproximar-se destas ideias, ao recusar para a
educação um papel de simples "ferramenta" económica e política que parecia ser
característica das sociedades anteriores. Segundo eles, ter-se-á assistido a partir da
década de cinquenta do século XX a uma mudança fundamental nas relações entre a
economia e a educação, que passam de predominantemente "contra - cíclicas",
espelhando uma relação dominada por uma lógica da ordem do capital i smo privado,
para uma relação "cíc l ica", que se subordina a uma lógica de progresso económico
colectivo por um lado, e da afirmação de percursos de v ida pessoais, por outro.
O que é novo nesta mudança de relação, é que ela se estende potencialmente a todos os
indivíduos e não apena a uma elite, e neste esforço de mudança, vemos esboçar-se um
começo de transição, do que Peter Wagner define como "Modernidade Organizada",
para a "Modernidade Liberal Alargada" dos nosso dias, que ele crê ser caracterizada
pela desconvencional ização e pluralização das práticas que levam à emergência de
categorias como a "diferença", a "plural idade" a "sociabi lidade" e a "solidariedade",
entre outras (Wagner, 1 996, 45).
A partir de finais do século XVllI, o Estado ocupa um lugar central em toda esta trama,
o Estado absoluto primeiro, mas sobretudo o Estado - nação, e é esta entidade política
que de facto define a ossatura principal dos Sistemas Educativos moderno .
No entanto, a ideia dominante que prevalece até à primeira metade do século XX é a de
que a escola deve ser uma parte da construção pol ítica e administrativa de um sistema
de legitimação e de integração necessário à afirmação da célula política central da
Modernidade, o Estado - nação, assi m como uma forma de socialização para a
eficiência de tal célula, quer se trate de uma eficiência económica, quer se trate de uma
87
eficiência mil itar, quer se trate de uma eficiência administrativa, tudo fazendo parte do
mesmo.
O lugar das pe soas e das suas aspirações até à segunda metade do século XX parece ser
relativamente secundário num caminho traçado por elites que governam em nome do
"povo" e sobretudo, do "bem comum", continuando a dar algum conteúdo à célebre
"Raison d'État" característica dos Estados Absolutos, mas tal começa inevitavel mente a
mudar à medida que as formas de legitimação política modernas evoluem do Sufrágio
Restrito, dominante até finais de 1 9 1 8 , para o Sufrágio Eleitoral Universal que se
espalha, no Ocidente e no mundo, após a segunda Guerra Mundial (Beltolini , 2000,
1 l 7- 1 30).
O alargamento generalizado do sufrágio possibi lita uma partilha do Estado maIS
equitativa entre as diversas c lasses e interesses das sociedades da segunda metade do
século XX, e o Estado torna-se cada vez mais um instrumento de políticas sufragadas
por maiorias demográficas, o que expl ica que, em parte, estas maiorias o
instrumental izem na prossecução dos seus objectivos, e a expan ão da educação na
segunda metade do século XX é um dos resultados desta nova relação entre povos e
Estado.
Não significa isto que a instrumentalização do Estado não seja palco de uma luta intensa
entre projectos diferentes, pelo contrário, visto que os interessados são mais numerosos,
representam mais interesses e interesses mais dispersos que os presentes nos conflitos
anteriores. Em determinada altura, dir-se-ia que os interesses representados nesta luta
pelo controlo do Estado reflectem ideologias que exprimem visões do mundo
globalmente alternativas, mas, essencialmente os confl itos fundamentais concentram-se
em torno de duas l inhas de tensão que atravessam a Modernidade: uma, que se joga
entre as el ites que estão no topo do poder político e económico, e as " massas" que
dotadas de partidos, sindicatos e votos procuram um lugar na "nova cidade" ; outra, que
atravessa com a mesma intensidade os confl itos anteriores, que se joga entre a ideia de
autonomia, " . . . ou seja, a revogação de toda a substância ou princípio exterior, superior,
que é suposto fornecer aos seres humanos máximas que ditem a sua conduta . . . "
(Wagner, 1 996, 32) e a ideia de regulação, que reprime e l imita o " . . . direito à
autodeterminação individual daqueles tidos como inaptos para a modernidade . . . " e
reconhece " . . . valores e regras seculares existindo previamente aos indivíduos e acima
deles . . . "(Ibidem) .
88
Se Marx se ocupa da primeira l inha de confl ito, Freud inaugura a segunda, mas ambas
se jogam em todos os palcos da Modernidade, inclusive na educação. Se as "massas"
entram no poder e de lá imprimem mudanças, nomeadamente na educação, com o fim
de ocuparem um espaço mais vasto e confortável na cidade, pedagogos tentam, desde o
começo do século XX, i mpor o princípio da "autonomia" ao princípio da "regulação", e
o resultado parece ter s ido um empate confuso: por um lado, em vinte anos, dos anos
cinquenta aos anos setenta do século XX, a percentagem de estudantes universitários
com origens operárias na Europa, passa de 1 0 para 1 5% (Kaelble, 1 985, 79) , embora a
proporção de jovens oriundos da classe operária com idades compreendidas entre os 20
e os 24 anos que se encontram a estudar em 1 970 varie, nos paises escrutinados por
Hartmut Kaelble, entre 7,3% e 1 ,6%, o que é manifestamente decepcionante (Idem, 83) ;
por outro lado tudo parece indicar que a manei ra como se ensina e se "governa" os
alunos, varia nesta altura, de uma concepção maioritariamente reguladora que os
encarava como inaptos para a Modernidade, para uma gestão pedagógica mais próxima
de uma concepção autonómica que advoga a revogação de todo "o princípio exterior
que é suposto fornecer aos seres humanos máximas que ditem a sua conduta".
Ninguém consegue gritar vitória: a mudança não foi tão grande como os de baixo
gostariam que tivesse sido, e a autonomia não desembocou na fel icidade final , antes
criando uma série de outros problemas que estão longe de estar resolvidos, mas cremos
que há duas l ições importantes que uma visão à distância deste período nos pode
fornecer.
A primeira dessas l ições é a de que as verdadeiras mudanças sociais são lentas e nunca
e devem a um único instrumento de mudança. Tal lentidão, que exasperou os
"reformistas" e os "revolucionários" dos anos sessenta e setenta que, sem o
confessarem, exigiam ao "capitalismo" que levasse a efeito as mudanças que as suas
"reformas" e a "revoluções" tinham na agenda, levou-os a serem demasiado
precipitados, confundindo o tempo humano que dura uma vida biológica, com o tempo
histórico em que se jogam as verdadeiras mudanças sociais . Um corte transversal entre
o mundo do princípio do século XX e o mundo do princípio do século XXI mostraria
mudanças consideráveis, entre elas na educação, apesar do julgamento efectuado sobre
tais mudanças estar sempre dependente da óptica que se adopte. Em termos gerais, no
entanto, os indicadores tradicionais de progresso, tais como a riqueza e a sua
distribuição, a esperança de vida, a mortalidade infanti l , os anos de educação, as
diferenças de estatuto entre homens e mulheres, e as formas de governo, entre muitos
89
outros, parecem indicar que o mundo de hoje é um mundo melhor do que o de há um
século atrás, e cremos que a educação como forma de integração das "massas" na
"cidade", jogou um papel crucial em tais mudanças.
A segunda de tais l ições é a de que não se pode nem deve analisar a educação como um
facto i olado, e sobretudo, não se deve reduzir a educação ao que é produzido nos
Sistemas Educativos. Fel izmente que a ideia de que se pode "fazer uma pessoa" através
da sua exposição a um sem número de horas de lição durante uma parte da sua vida, é
cada vez mais uma ideia sem sentido, porque se reconhece que as pessoas são bem mais
l ivres do que se esperava, con eguindo usar um mundo inteiro para conferir sentido aos
estímulos que, em grande parte, seleccionam de acordo com o seu passado, mas
também, com os seus interesses.
O positivismo optimista mas algo arrogante dos séculos XIX e XX, que através de
"Aparelhos Institucionais" quis mudar o mundo, e que através dos Sistemas Educativos,
quis substituir a rua, o padre, a vadiagem e a farrulia, pela escola, teve que recuar,
procurando formas de articulação entre os tipos de socialização pré modernas, de índole
familiar, próxima e endógena, e as estruturas de socialização Modernas, exógenas e
descontextual izadas da vida do dia-a-dia. Que fossem alguns dos seus melhores alunos,
os neo-marxistas da segunda metade do século XX a descobrirem os l imites dos seus
"Aparelhos Institucionais" e a apontarem a inevitabil idade de tal articulação, é por um
lado uma ironia, e por outro um tributo à ciência que triunfou sobre a ideologia. A
segunda metade do século XX foi também i sto.
90
• Estabi l ização e crise dos modos de regulação dos Sistemas
Educativos contemporâneos: dos anos oitenta do século XX aos
nossos d ias, o modelo em crise.
A época que nos propomos nesta altura analisar é de "arrumação" bem mais difíci l que
a anterior, a qual, fazendo parte do passado, reúne um razoável consenso por parte dos
cientistas sociais do presente, o que contra ta fortemente com a tensão ex istente no que
respeita à anál ise das li nhas de rumo dos nosso dias .
Na verdade, se parece haver alguma e tabil idade na aval iação hoje real izada sobre o
período que vai do pós segunda Guerra Mundial ao princípio dos anos setenta do século
XX, o escrutínio sobre o que daí para a frente ucede é bastante mais confuso por várias
razões, na base das quais se encontra, provavelmente, o facto de se tratar de um período
em gestação, em relação ao qual ainda não decorreu o tempo e a distância para
estabil izar e organizar a informação que, al iás, continua a correr célere, por vezes em
sentidos diferente , de conexos e divergentes.
Alguns factos que permitem perceber que há rupturas com o período anterior são fáceis
de estabelecer, mas, se por um lado, ainda há continuidades com tal período, e veja-se
por exemplo a dependência do petróleo em que o mundo ainda se encontra mais de
trinta anos depois do primeiro "choque petrolífero", por outro, não temos uma visão de
conjunto que permita englobar as descontinuidades mencionadas numa totalidade que
faça sentido e nos permita afirmar que estamos perante uma "Pós - Modernidade", um
paradigma novo face ao período anterior, ou e quisermos, não há ainda a certeza de que
e tamos a viver "o quinto ciclo de Kondratiev" .
No entanto, e à medida que o tempo passa, esta mudança de paradigma parece cada vez
mais plausível . Assim, a provável consol idação de uma ideia de mudança global parece
ter vindo a ganhar peso na prosa científica sobre o assunto, o que se nota na maneira
como ela é tratada pelos autores de referência desde a década de noventa do século XX
aos nossos dias. Aludindo ao que se estava a passar no mundo nos finais do século
passado, Anthony Giddens preferia util izar a designação de "Modernidade radical izada"
ou "reflexiva" (Giddens, 1 995) em detrimento do conceito de "Pós -Modernidade"
salientando assim as continuidades em detrimento das rupturas, enquanto Claude
Diebolt, na descrição do "quarto ciclo de Kondatriev" coloca como data de começo de
tal ciclo o ano de 1 947, e como término um ponto de interrogação (Diebolt, 1995, 3 1 ), o
9 1
que significará que, para o autor, na altura da publ icação da obra a que nos referimos,
ainda estávamos no ciclo começado no pós segunda Guerra Mundial . Já autores como
Chris Freeman e Francisco Louçã, entre outros, colocam o quarto ciclo de Kondatriev
como tendo um começo em 1 94 1 e como término um ponto de interrogação, mas
conseguem defin ir de uma forma muito clara as componentes principais de um quinto
ciclo, o que mostra que para estes autores, embora ainda seja impossível marcar de
forma estrita o fim do ciclo anterior, é já possível, de forma muito nítida, desenhar com
alguma precisão as componentes fundamentais de um novo ciclo paradigmático em que
o mundo se encontraria i merso. O que parece mudar de um para outro destes autores,
além da natural diferença de opiniões característica das C iências Sociais, poderá
também ser a data de publicação das obras que referimos: 1 990 para a edição original
do trabalho de Anthony Giddens, 1 995 para a edição do trabalho de Claude Diebolt e
200 1 para a edição original do trabalho de Freeman e Louçã.
Na verdade, à medida que avançamos no tempo, percebemos que se coloca como
razoável uma hipótese que postule que este período que nos propomo analisar neste
capítulo poderá ser dividido em duas grandes etapas : a primeira, que vai de 1 973 a
meados da década de noventa do século XX, que em termos schumpeterianos
corresponderá a um "período de depressão e de criação destrutiva ", ainda parte do
famoso 4° ciclo, e a segunda, que marcaria a entrada no ciclo seguinte, que se torna
mais nítido a partir dos anos noventa do século passado, inserindo-se na fase
ascensional de um hipotético 5° ciclo de Kondatriev, expresso por " . . . a new wave of
innovations and investment . . . "(ln Nunes, 2003, 563) .
Assim, e recorrendo à terminologia dos teóricos da regulação, a partir dos anos setenta
do século XX, passamos de um mundo que se expressava através de dois "Modos de
Produção" diferentes e alternativos, para um novo cenário em que, paralelamente às
mudanças tecnológicas formidáveis que então despontam e se sedimentam nos tecidos
sociais e económicos, desaparece um dos dois "Modos de produção", o "socialista",
deixando no terreno, a partir dos anos noventa, como único paradigma político e
económico viável, o "Modo de Produção" assente na primazia do capitalismo de
mercado. E, como prova de que a mudança foi mesmo profunda, não se assiste "apenas"
a uma vitória de um "Modo de Produção" sobre outro, mas s im à evidência de como as
formas de regulação dominantes de tais modos de produção os tinham aproximado: a
queda de um deles i mplicou mudanças fundamentais no "Modo de Regulação" do outro,
que passa de uma regulação keynesiana baseada na ideia de um Estado inserido na
92
economia, para um modo de gestão em que as relações entre o Estado, a economia e o
"social" e portanto, a educação, são reaval iados e reorganizados face ao keynesianismo.
Cremos, assim, que a fase que vai de final dos anos setenta ao começo dos anos noventa
do século XX, nos países centrais do "bloco Ocidental", assim como nos que, órfãos do
"socialismo", se "ocidental izam", é profundamente marcada pela luta política que cria
as condições para a implementação de um novo ciclo. Tal luta expressa-se por um
discurso ideológico e mi litante "destrutivo", que agirá como uma força de choque na
tentativa de subverter a hegemonia ideológica assente na social-democracia por um lado
e no social ismo de Estado por outro, preparando a sua substituição por outra hegemonia,
a de "mercado", o que dará origem a mudanças drásticas nos modos de regulação do
capitalismo, que nuns casos foi mais conseguido do que em outros, numa batalha que
ainda hoje se desenrola.
No entanto, nem tudo é claro, uma vez que muita da retórica do tempo, quer por parte
dos partidários dos novos "modos de regulação", quer por parte dos que a eles se
opunham, escondia os constrangimentos inerentes a gestões muito "apertadas" de crises
orçamentais que se desenrolavam em cenários macroeconómicos extremamente
deprimidos e pol iticamente tensos, com consequências sociais por vezes dramáticas,
cuja culpa não é de fáci l atribuição, se à gestão dos novos políticos emergentes da
altura, se às condições por eles herdadas do período anterior.
Assim, na análise que levaremos a cabo, que, pelas razões antes expl icadas, será bem
menos segura do que a referente ao período anterior, tentaremos ser cuidadosos em
relação às i mpregnações oriundas de um jargão do dia-a-dia, onde a batalha continua,
por vezes sem precisão nos termos que usa, mas com um vigor notável na forma como
se trava.
Como chegámos aqui , e o que significa este caminho?
As grandes mudanças I : a esquerda em crise e o fim do "Modo de Produção
Socialista"
Quando os preços da principal fonte de energia de um mundo em que a produção e o
consumo se tendem a massificar crescem abruptamente, existem muitas razões para que
se receie uma alteração brusca dos modos de vida predominantes. Em 1 973, a reacção
ao brusco aumento do preço do barril de petróleo pelos países Árabes exportadores
reunidos na OPEP (Mayall , 1 998), foram de dois tipos: uma eufórica por parte do
chamado "terceiro mundo", que entreviu no acto uma direcção na tomada em mãos das
matérias-primas dos seus territórios, cujo controlo por parte do Ocidente era por eles
93
sentido como uma continuação do colonialismo (Ibidem) ; e outra por parte dos países
mais ricos e desenvolvidos, cautelosa e apreensiva, mas que tendo resistido à tentação
de voltarem ao que alguns autores chamam de "Nacionalismo Económico" (Brown et
aI. , 1 999, 4-5 ), optaram por estratégias de coordenação que deram origem ao chamado
G-7, hoje, com a entrada da Rússia pós - soviética, G-8 ( Iryie, 1 998, 244) . Os primeiros,
cedo viram que eram os menos preparados para enfrentarem os novos tempos
(Mayal l , 1 998) e os segundos, rapidamente se deram conta que a estagnação, a
"estagnaflação" que ensombrou as economias dos anos setenta e oitenta do século XX,
tendo como desencadeador próximo as subidas bruscas dos preços do petróleo, t inha
causas mais profundas, que levaram os economistas da OCDE a falarem em uma crise
de "ajustamento estrutural" (Freeman e Louçã, 2004, 308). Os fenómenos de
crescimento lento ou mesmo de estagnação do crescimento, combinados com uma
persistente inflação e com um desemprego maciço de longa duração que se transformou
em "desemprego estrutural", coexistiam com a aceleração do desenvolvimento técnico e
científico, o que parecia constituir um paradoxo, pelo que lentamente a princípio, mas
de forma rápida de seguida, se começou a tornar claro que " . . . os l imites i mpostos ao
crescimento eram os l imites de um conjunto particular de tecnologias e de um regime
particular de gestão ( . . . ) , e não os l imites da tecnologia em geral nem, seguramente, das
novas tecnologias que se impunham por toda a parte . . . " (Ibidem) .
No entanto, se parecia claro, cerca de trinta anos depois, que os grandes problemas da
economia mundial durante as décadas de setenta e oitenta se encontravam na
inadequação de um grupo de tecnologias e de formas de gestão que caracterizavam o
"Fordismo", havia questões de ordem social e política que se entrelaçavam de forma
simbiótica com as suas componentes económicas, de tal forma que as mudanças que se
davam num sector arrastavam mudanças no outro, sem que se pudesse estabelecer de
forma clara as diferenças entre política e economia.
O mundo parecia estar a mudar de forma radical , e se em relação a uns, no Ocidente, se
tratava de uma crise do Modo de Regulação, definida por Robert Boyer como
constituída por uma situação em que " . . . les mécanismes associés au mode de régulation
en vigueur se révelent incapables de renverser les enchalnements conjoncturels
défavorables, alors même que ( . . . ) le régime d' accumulation est viable . . . " (Boyer e
Sail lard, 2002b, 559), em relação a outros, os que desde meados do éculo X IX se
tinham erigido em alternativa aos contornos dominantes da Modernidade, tratava-se
mesmo de uma crise do seu Modo de Produção, ou seja, e nas palavras de Robert Boyer
94
e Yves Saillard, o afundamento de uma forma específica de " . . . re lations sociales
régissant la production et la reproduction des conditions matérielles requises pour la vie
des hommes en société . . . " (Idem, 565) .
No entanto, no começo da década de setenta, não era evidente, mesmo depois do
chamado "choque petrolífero", que o mundo iria passar por mudanças políticas, sociais
e económicas importantes nas décadas que se seguiriam.
Na verdade, em 1 973, o mundo continuava firmemente dividido em esferas de
influência ideológicas e mil itares, e o "social ismo de Estado", embora profundamente
dividido a partir de finais da década de cinquenta pela querela sino-soviética, parecia
ainda suficientemente forte para ajudar os movimentos independentistas da Ásia e da
África a derrotarem as potências coloniais ou neo-coloniais do Ocidente, e, ao mesmo
tempo, assegurar uma trégua com o mesmo Ocidente, que se traduziu numa série de
tratados de cooperação que exprimiam uma situação de "empate militar", assegurando
se assim uma "coexistência pacífica" entre os dois mundos que duraria até quase aos
finais da década (Gaddis, 2005 , Hobsbawm , 2002; Judt, 2006) .
Porém, a s tensões estavam latentes: dentro das economias d e mercado, a longa
estagnação dos ano setenta levou ao poder, em alguns dos países -chave do Ocidente,
uma "Nova Direita" que adoptava como bandeira uma versão politizada do
neoclassicismo dos anos vinte, que colocava em cheque o papel do Estado na economia
e na sociedade, contribuindo para o fim da longa "hegemonia" social-democrata no
Ocidente e via o socialismo, quer o "externo", quer o "interno" como uma parte do "
Império do Mal" ; no mundo socialista e em especial na União das Repúbli cas Soviéticas
Socialistas (URSS) e nos Estados dela dependentes, atravessava-se u m período de
"estagnação" económica e de "paralisação política" (Gaddis, 2005, 1 56- 1 94;
Hobsbawm, 2002, 243 ; Judt, 2006, 5 1 7-7 1 7) , momentaneamente ultrapassado pelo
facto de a URSS ser um dos grandes produtores de petróleo do mundo. Tal
"estagnação" levava a que, no final da mesma década, a União Soviética se revelasse
incapaz, por um lado, de competir quer em armamento, quer em produtos vitais e de
consumo com as economias de mercado capital istas, e por outro, visse o nível de vida
da sua população diminuir drasticamente em relação ao Ocidente, assistindo-se à
estagnação do crescimento de alguns indicadores fundamentais como o PIB per capita e
a esperança de vida, o que, todos os factores combinados, corroeu fortemente uma parte
fundamental da legitimidade política de que o regime comunista gozou durante um
largo período da sua existência (Gaddis, 2005 ;Hobsbawm, 3 9 5 - 422; J udt, 2006)) .
95
Na verdade, a fase final da década de setenta e toda a década de oitenta revelaram-se
absolutamente fatais para uma das práticas políticas da Modernidade, que, alicerçada
numa l inha teórica coerente e estruturada, se esboçava desde os princípios do éculo XX
como uma alternativa civil izacional ao capital ismo industrial que e afi rmava como o
Modo de Produção hegemónico desde meados do século XVIII . A forma estrondosa
como o socialismo de Estado ou o "Comunismo" se despenhou em pouco tempo,
surpreendendo a maioria das opiniões públicas, os Serviços de Informação ocidentais e
os próprios l ideres do mundo socialista (Dobrynin, in Gaddis, 2005, 1 56; Hobsbawm,
248), constitui uma das grandes rupturas com o período anterior e parece ter deixado a
Modernidade mais pobre ao erradicar uma das poucas práticas políticas que, sob várias
formas, desde pelo menos a Revolução Francesa, contestava a hegemonia do
"capitalismo de mercado" baseado numa visão liberal da sociedade.
Particularmente funestos para o socialismo, mas, certamente, mais não fazendo do que
agudizar as contradições internas que estavam à beira da ruptura dentro da sua própria
esfera ideológica e económica, foram os acontecimentos que, na transição da década de
setenta para a de oitenta, se sucedem numa catadupa infernal e que acabaram por
destruir o berço do socialismo de Estado mundial, a União das Repúbl icas Socialistas
Soviéticas : à eleição em 1 978 de um Papa polaco, João Paulo II, que se dá ao mesmo
tempo em que na Polónia uma oposição católico-sindicalista colocava, pela primeira
vez, verdadeiramente em cheque um Estado socialista, segue-se no ano seguinte, a
desastrosa invasão soviética do Afeganistão e a emergência dos movimentos
nacionalistas das várias repúbl icas da URSS, que, sentindo a fraqueza e a decadência do
núcleo histórico comunista e o al iviar da pressão por parte do "centro", rebelam-se,
tornando uma parte substancial da antiga União das Repúbl icas Socialistas Soviéticas
virtualmente i ngovernável . Subitamente, também, os interlocutores Ocidentais deixaram
de ser os complacentes sociais-democratas ou os pacíficos conservadores que
procuravam sobretudo conter "a ameaça soviética", mas políticos visceralmente anti
socialistas e anti soviéticos como Margaret Thatcher, eleita Primeiro-ministro B ri tânico
em 1 979, e Ronald Reagan eleito, no ano seguinte Presidente dos Estados Unidos da
América.
Assim, a pressão política posta sobre o mundo socialista, o retomar no Ocidente de uma
retórica armamentista destinada a provocar, conforme a origem dos discursos, ou uma
nova si tuação de paridade, ou um novo desequil íbrio de forças entre o "Ocidente" e o
" Império do Mal", um notório atraso tecnológico e de gestão da economia sovjética, O
96
mmar de uma relação entre o Estado e os cidadãos, que a troco da supre ão das
liberdades individuais assegurava um certo grau de prosperidade interna, a violenta
eclo ão dos nacionalismos que o comunismo, à força, pela persuasão, ou através de uma
mistura entre ambas tinha conseguido acomodar num só Estado, e uma guerra
"colonial" que terminou como todas terminam, revelaram-se problemas de uma
amplitude insuperável que levaram a que, a partir do começo da década de noventa do
século XX, o socialismo como prática política com relevância territorial, tenha de facto
desaparecido do mundo.
Sem entrarmos em discussões sobre o significado pol ítico actual da República Popular
da Chjna que consideramos fazer parte de uma outra realidade, de restos de um arcaico
social ismo caudilhista como o que verifica em Cuba, ou de derivas patológicas como
parece ser o caso do regime que domina a Coreia do Norte, o fim do "soc ialismo de
Estado" ou do "comunismo enquanto regime" parece ser um facto assente e constituiu
uma das marcas dos finais do século XX que, em conjunto com a mudanças
tecnológicas que emergiam por todo o mundo, imprimiram um novo rumo aos tempos
em que nos encontramos.
Com o fim do "socialismo de Estado"parece ter também terminado uma das duas l inhas
de tensão "ideológica" e identitária que, atravessando a Modernidade, lutaram para
impor a hegemonia no Ocidente e no mundo. Na verdade, se o nacionalismo foi uma
das forças hegemónicas em torno da qual a rustória gira, da segunda metade do século
XIX até ao final da segunda Guerra Mundial, a contradição entre o Modo de Produção
capital ista e o Modo de Produção social ista, intromete-se na arena dos grandes confl itos
mundiais entre 1 9 1 8 e 1 945 e ocupa o centro de tal arena de 1 945 até meados da década
de oitenta do éculo XX.
A emergência no "pós Guerra-Fria" de uma só potência e de uma só "ideologia", que
parecia cumprir, de forma invertida a profecia de origem marxista do fim da história
(Fukuyama, 1 992), revelou-se, em termos de ordem, quer interna, quer internacional ,
uma amarga desi lusão. Nem a democracia l iberal apoiada no capitalismo de mercado foi
aceite por todo o mundo como "a solução", nem a "super potência" vencedora dispunha
do poder suficiente para ser o "efectivo" políc ia global, o que, conjugado com os
acontecimentos do princípio século XXI, prefigura uma nova l inha de tensão, de ordem
rel igiosa e cultural, que parece mostrar como a Modernidade se não parece já aplicar
senão ao Ocidente, deixando assim de ter o alcance universal que, através das teorias da
Modernização, já chegou a ter (Huntington, 1 999; Latham, 2003).
97
Mas quais as consequências da "queda do comunismo" no "Ocidente" e no mundo?
Como antes foi expresso, as mudanças que se dão nas décadas de setenta e de oitenta do
século XX, mostram como, sobretudo após 1 945 , as ideologias em confronto se tinham
também moldado uma à outra, sendo a questão particularmente evidente na Europa,
onde as realidades militares l igadas a cada ideologia coexistiram mais de perto. Como
se sabe, o socialismo de cariz comunista e a social-democracia tiveram raízes
ideológicas e históricas comuns, e embora se tenham afastado decisivamente durante a
primeira metade do século XX, com a democracia l iberal como pomo de discórdia
absoluta, voltarão a encontrar-se no final da segunda Guerra Mundial, com o
sindicalismo e a social-democracia europeia a usarem a ameaça do "comuni mo" como
forma de pressão sobre as el ites económicas e políticas ocidentais na obtenção do
"Estado - Providência".
De certa forma, e como vimos numa parte anterior deste l ivro, a destruição dos tecidos
socas e económicos europeus e asiáticos, assim como a presença de um modo de
produção emergente e em expansão como parecia ser o Modo de Produção Social ista,
ambas estas questões tendo como causa directa a segunda Guerra Mundial, obrigou as
elites europeias a transigirem sobre o modo de regulação predominante do capitalismo,
facil itando assim a emergência, como paradigma dominante, de um modo de regulação
keynesiano, caracterizado pela acção directa do Estado na regulamentação económica,
na redistribuição de riqueza, e nas políticas de promoção da igualdade e da mobil idade
social através da educação.
Políticos que encabeçaram a "revolução Neo-l iberal" como Margaret Tatcher e Ronald
Reagan tinham uma agenda que fazia uma leitura acertada destas l igações, e tal como
nos lembra Eric Hobsbawm, " . . . a Guerra-Fria reaganista era dirigida não só contra o
" Império do Mal" no exterior, mas contra a lembrança de F. D. Roosevel t dentro do
país ; contra o Estado do Bem-estar Social, e contra qualquer outro Estado intruso: o seu
inimigo era tanto o l iberalismo (na acepção americana do termo) como o comunismo . . . "
(Hobsbawm, 248) . S ignificou i sso, que a queda do Comunismo arrastou consigo a
queda do Estado - Providência?
Tal como nos lembra Gosta Esping-Andersen ( 1 994, 1 999, 2003 a), o Estado _
Providência tem origens históricas no século X IX europeu e resultou de vários factores,
nomeadamente dos que se relacionavam com o vigor dos movimentos operários dos
séculos X IX e XX, do contexto político internacional, do crescimento económico do
pós - guerra, de uma demografia favorável, de si tuações de pleno emprego e, muito em
98
especial, de políticas de alianças de classe que se reportavam à mobilidade social e ao
nível de estratificação de cada uma das sociedades em que se implantou . Desta forma, e
consoante a forma como estes elementos se conj ugaram, mais fortes ou mais fracos
foram os seus al icerces, e portanto, o seu desempenho em si tuações de pressão como o
foi o período de estagnação económica e de irrupção dos Neo-liberais das décadas de
setenta e de oitenta do século XX.
Além do mais, e como nos lembra Sheila Fitzpatrick ( 1 998), a forma como o Estado -
Providência foi aceite pela maioria das sensibil idades políticas, sobretudo na Europa,
contribuiu para, até certo ponto, o despolitizar, ou , mais correctamente, o
despartidarizar. Assim, apesar de as hegemonias ideológicas e económicas terem de
facto mudado, as tentativas reais de mudança no funcionamento e na lógica
predominante de cada Estado - Providência depararam-se com enormes resistências por
parte dos políticos e sindicalistas da área da soc ial-democracia e do trabalhismo e das
populações em geral , que tinham em boa parte interiorizado um modelo social que ainda
hoje se denomina por "Modelo Social Europeu", pelo que o regresso a antes de 1 945
não se afigura real ista.
No entanto, parece claro que a maioria dos factores que faci litaram a implementação do
Estado - providência do pós - guerra deixaram de estar presentes progressivamente a
partir de meados da década de setenta, e que as discussões actuais em torno deste
modelo de sociedade resvalam frequentemente, das diferentes configurações possíveis,
para a possibi l idade da sua manutenção. Na base destas dúvidas, uma série de factores
estruturais e ideológicos que assentam, em parte, em economias que, de aj ustamento em
ajustamento, parecem ter-se modificado profundamente, dos anos setenta do século XX
à primeira década do século XXI.
As grandes mudanças II: alterações nos modos de regulação domi nantes -
economia, neoliberalismo e globalização.
Da mesma maneira como parecia i mpensável a gestão das economias do pós - guerra,
sem se recorrer ao paradigma keynesiano de um "Estado inserido" na economia, no
contexto de Estados Providência de inspiração social-democrata, e isto
independentemente dos partidos ou classes políticas que ocupavam o Estado, o mesmo
se diz do papel que a ideia de mercado ocupa na metáfora política e económica das
décadas que se seguem.
Poder-se-á afirmar de forma algo coloquial que, de 1 945 aos finais da década de setenta
do século XX, o Estado é o regulador político, económico e social predominante, num
99
caminho já descrito antes neste texto, e que dos anos oitenta em diante, este papel é
ocupado pelo mercado, dando-se mesmo o que alguns autores denominam de
"mercadorização" das funções sociais e económicas que antes eram alvo de regulação
estatal . Por outras palavras, as imagens produzidas referem frequentemente, e por vezes
de forma algo apressada, que transitámos de um "Estado inserido na economia" para um
" . . . Estado circunscrito em relação a uma economia considerada como um espaço
autónomo . . . ", que Christine André caracteriza como sendo a configuração entre Estado
e economia que prevalece até à primeira Guerra Mundial (André, 2002, 1 45) .
Será isto possível , ou fará mesmo sentido?
De modo a articular as relações entre o mundo da economia e o mundo social e político,
temos uti l izado de forma algo l ivre os conceitos que consideramos centrais dos teóricos
da regulação, pelo que aqui chegados, parece-nos particularmente úti l relembrar alguns
de entre estes conceitos. Assim sendo, atentemos a que a ideia de "regulação" supõe a
existência de agrupamentos de procedimentos e de comportamentos que asseguram a
reprodução das relações sociais fundamentais de um "Modo de Produção" e que tais
procedimentos e comportamentos "pilotam" o regime de acumulação dominante e
funcionam de maneira a assegurar a compatibil idade de um conjunto de decisões sem
que seja necessária a interiorização por parte dos actores económicos dos princ ípios que
regem a totalidade do sistema (Boyer e Sail lard, 2002b, 565). Tudo i sto supõe, segundo
Claude Diebolt, a exi tência de um órgão regulador cujas funções são as de aperceber-se
das perturbações que afectam o sistema, anal isar as causas de tais perturbações e,
finalmente, transmitir uma série de ordens coerentes a um ou vários órgãos, os quais
agirão de forma a restabelecer o equi l íbrio do sistema (Diebolt, 1 995, 1 1 - 1 2) .
A premissa de que a ideia de mercado, o u " o mercado" definido d e forma autónoma e
abstracta, é capaz de proceder a uma regulação do "social" em sociedades tão
complexas como as sociedades humanas, parece assim provir de uma táctica política
que se apoia numa versão fundamental ista do "neoclassicismo", definida por Robert
Boyer e Yves Sail lard como " . . . une variante plus idéologique pour laquelle l ' économie
de marché est partout et toujours le eul systeme économique efficace et viable . . . "
(Boyer e Saillard, 2002b, 566), e não de um procedimento político e administrativo
responsável , coerente com as pessoas e os partidos que ocupam os lugares de Estado em
sociedades democráticas evoluídas. Assim sendo, se não tem sentido, do lado das
teorias da regulação, postular que o "mercado" em si , possa regular o que quer que seja,
e muito menos a s i mesmo, o que significa a afirmação reiterada de que o
1 00
"neoliberal ismo" substitui o Estado pelo mercado, no papel de órgão regulador principal
dos campos social , económico e político?
Tudo indica que a conjugação de um período de estagnação económica longo, que
provocou desemprego e recessão, com um modelo político social-democrata que nos
anos sessenta e setenta era alvo de um duplo ataque ideológico vindo da direita
conservadora e da extrema-esquerda comunista e l ibeltária nas suas diversa variantes
(Le Goff, 2002), em sociedades em que o grau de institucional ização do sindicalismo
era extremamente forte, o que se reflectia numa mão-de-obra condicionada e cara, numa
fraca capacidade de implementação de decisões do foro político e num grau de despesas
públicas cada vez mais altas, tendo como cenário uma demografia progressivamente
de favorável , acabou por levar uma parte do mundo económico e político a concluir que
seriam necessários "ajustes estruturais" de forma a erradicar a malha restritiva composta
por esta forma, então desgastada, de gestão económica, social e política.
Se este era, desde os anos trinta do século XX, o objectivo de grupos políticos que não
se reviam nas ideias e práticas intervencionistas proporcionadas pela confluência entre
as teorias políticas sociais-democratas e a influência keynesiana na economia, foi
preciso esperar, por um lado, pela degradação do si terna de regulação que esteve na
origem do Estado - Providência e por outro, pela recomposição política de tais grupos,
para que as propostas que desde sempre apresentavam, se tornassem aceitáveis para
sectores cada vez mais importantes da população .
Tendo conseguido conci l iar o "l iberal ismo económico" dos princípio do século XX, o
conservadorismo tradicional , e um populismo mil i tante no âmbito de democracias
l iberais legitimadas pelo Sufrágio Universal, o "neoliberali smo" surge, ass im, como um
discurso polít ico que l idera urna " l impeza" ideológica face ao que existia, e aponta um
caminho que, nas perspectivas de Milton Friedman ( 1 962) e de Frederic H ayeck ( 1 977) ,
v isa harmonizar a l iberdade de acção das forças de mercado, num contexto de
regulações l ivres da interferência dos campos exteriores à economia, com um grau
" eleccionado" de intervenção por parte de um Estado, que, por um lado, se deveria
voltar para as suas funções originais de assegurar a segurança, a defesa e a justiça, e por
outro, assumir o papel de l iderar o "desmantelamento" da hegemoni a anterior.
Estas serão, segundo as políticas que se tornaram hegemónicas a partir da década de
oitenta do século XX, as condições para que a economia, l ivre das interferências "não
económicas", possa voltar a tornar-se eficiente através da sua famosa "mão invisível" e
assim , tenha condições para devolver a prosperidade aos indivíduos, ou pelo menos
1 0 1
àqueles que no seu selO revelem ter as capacidades, a intel igência e a as atitudes
próprias para prosperarem neste novo mundo.
O "neoliberal ismo", tal como despontou nas década s de setenta e oitenta do século XX,
parece ter-se constituído sobretudo numa táctica política "de choque",enquadrada numa
estratégia de mudança nas regulações sócio económicas dominantes até aí, tendo
conquistado progressivamente partes cada vez mais importantes das elites políticas e
económicas do Ocidente, cujos objectivos passavam pela reestruturação das relações
entre as esferas do político, do económico e do social que resultaram do pós segunda
Guerra Mundial . Os resultados que obtém têm origem na capacidade dos seus
part idários em tornarem o discurso do "capital ismo popular" aceitável em democracias
l iberais, na crise evidente do modelo económico-social "fordista" que, em conj unto com
os choques petrolíferos dos anos setenta, são responsabi lizados pela estagnação das
economias do Ocidente e em certa medida, do mundo, a qual ressuscita uma realidade
traumática para qualquer sociedade, ou sej a, o desemprego.
O seu "núcleo ideológico duro", resulta de uma "liberalização" em termos económicos
do discurso e das práticas conservadoras da primeira metade do século XX, que,
herdeiras do conservadorismo tradicional , reagem durante toda a Modernidade contra o
"progressismo" (Mannheim, 1 986, 84) encarnado pela laicização das sociedades e
acima de tudo pela transformação do Estado tradic ional em "Estado Social" como o
tendem a ser os Estados - nação modernos . Partindo das mesmas premissas dos seus
antecessores dos séculos anteriores, que se opõem a um Estado abrangente e adoptam
um "individualismo metodológico" que recusa as noções de "classe social" e de
"sociedade", este núcleo ideológico vive e adapta-se bem a um novo contexto marcado
por democraci as baseadas no Sufrágio Universal e assentes numa sociedade de consumo
tutelada por Estados colossais i mpregnados de uma "ideologia de esquerda". Trata-se de
um "espaço" totalmente diferente do que viu nascer e sedimentar-se quer o
conservadorismo, quer o l iberal ismo burguês e aristocrata dos séculos xvm, XIX e
princípios do século XX (Bernard e Coll i , 1 997,1 5- 1 6) , e, se o "neol iberal ismo" reflecte
uma adaptação conservadora a este contexto, por outro lado, ele é o reflexo de uma
recusa profunda dos valores que tutelam as sociedades em que medram os "Estado -
Providência" .
Mark Olsen, John Codd e Anne Marie O' NeiU, traçam-nos um quadro que nos permite
resumir com alguma verosimilhança as grandes diferenças e similitudes com que o
Liberalismo "clássico", as concepções sociais-democratas associadas ao Estado
1 02
providência e as l inhas mestras do chamado "neoliberal ismo" encaram duas das
questões que estão na base das grandes teorias sociais : o papel do Estado e a ideia de
"natureza humana". Adaptamos e apresentamos tal quadro de seguida.
Quadro 10 - O Estado e a "natu reza h u mana" no Li beral ismo Clássico, na social
democracia keynesiana e no "neol i beral ismo"
liberalismo Clássico Social-democracia "Neoliberalismo"
Keynesiana
O Estado
Modos de Concepção negativa do Keynesiana; Estado inserido na Concepção positiva do
regulação poder de Estado; contrato economia; separação de funções Estado; mercadorização do
social, "Iaissez-faire". entre Estado e economia. Estado.
Princípios Liberdade do indivíduo e Igualitarismo com o objectivo de Economia de empresa, ênfase
filosóficos direitos individuais à "vida", à minimizar diferenças de classe; no espírito de
principais liberdade e à propriedade. novos direitos ao bem-estar e à empreendimento, tanto a nível
educação. do sector público como do
privado.
O Estado e Encoraja a auto-ajuda; a Apoio à mudança social através Apoio limitado - assistência a
a assistência deve ser de um Estado organizado em um público seleccionado;
assistência assegurada pela "caridade" e programas de ajuda; "Estado - desmantelamento das bases
social por associações voluntárias. Providência". económicas da assistência
social dos Estado -
Providência
Formas de Concepção negativa do Intervencionista; provedor de Estado politicamente forte/
poder de poder de Estado, limitado à serviços sociais tendencialmente redução dos serviços de
Estado defesa, à lei e à criação de universalistas; educação "livre" e assistência; formas de acção
um mínimo de infra- obrigatória; de Estado indirectas em vez
estruturas. de directas.
A
"Natureza"
Humana"
Princípios Enfatiza as capacidades Enfatiza as necessidades Enfatiza os desejos e
básicos individuais e os direitos humanas e as obrigações mútuas. vontades individuais e o direito
naturais. à escolha autónoma.
Motivação Largamente centrada nos Equilíbrio entre altruísmo, Centrada em interesses
interesses próprios mas interesses próprios, compaixão; económicos e em interesses
capazes de altruísmo e cooperação e interdependência; próprios. Enfatiza a
compaixão. sentido natural da justiça competição como motor de
progresso.
Bases da Enfase na natureza em vez Enfase na educação e no meio Enfase na natureza e na
"Natureza de na educação. ambiente em articulação com a estrutura genética; auto
Humana" natureza; autonomia humana construção baseada em
limitada. escolhas; cada indivíduo deve
responsabilizar-se por si
próprio.
ln Olssen et aI., 2004, 180-181.
1 03
As semelhanças e diferenças aqui apresentada parecem salientar como foi fundamental
para a definição do "neoliberalismo" a confluência entre o conservadorismo político e o
liberalismo económico, uma confluência que se nota através nomeadamente da ênfase
colocada na necessidade de uma pauta ideológica conservadora, suportada por um
Estado forte, ainda que temporariamente, em contradição com a ideia libera l do "Estado
negativo".
Dotado desta armadura conceptual e de práticas políticas modernas, o "neoliberalismo"
deu de si uma imagem de dinamismo, inconformismo e rebeldia, que se traduziu nos
ataques aos "interesses instalados", explorando de forma magistral alguns dos impasses
do Estado - Providência (Candeias, 1 993a), e conseguindo integrar tradicional ismo e
"movimento" num projecto político "popular", ou, na visão dos seus detractores,
"populista" .
Nas sociedades em que foi levado aos limites, e são os exemplos americano e sobretudo
britânico que nos vêm à mente, provocaram, segundo o discurso que queiramos ouvir,
ou uma tremenda tensão social e política que estiveram na origem de rupturas sociais e
económicas cuja memória e efeitos ainda perduram, ou sociedades economicamente
pujantes que minimizaram o desemprego, ambas as afirmações sendo comprovadas por
factos que as tornam verdadeiras.
Cumpriu assim, o "neoliberalismo" por vezes de forma "terrorista", a função de
desequi l ibrar as hegemonias, convencendo uma quantidade cada vez maior de eleitores
de que era necessário sanear e aligeirar estruturas legislativas e de Estado que
condicionavam "o mercado", de flexibil izar, mais ou menos, conforme os casos, a força
de trabalho e, entre outros aspectos, fazer recuar um sindicalismo em défice de
legitimidade para o grau de politização que punha na sua acção.
Tal função desequilibradora por parte do militantismo "Neo-liberal", tornava-se mais
fácil à medida em que, por um lado, o paradigma de Estado regulador, o Estado
Comunista se ia desfazendo, e por outro, o de envolvimento tecnológico, aliado à
pressão política dos "grandes países" na abertura dos mercados mundiais, ia criando um
novo ciclo de expansão económico em parte assente num "leilão global" que permitiu às
grandes empresas mundiais seleccionarem as melhores condições de produção, quer a
nivel da mão de obra, do seu preço, da sua formação e da sua regulação, quer a nível
dos incentivos avançados pelos diversos Estados envolvidos na disputa pela captação
dos investimentos necessários ao desenvolvimento (Brown e Lauder, 1 999, 173) .
1 04
Esta resposta à crise do modo de regulação keynesiano, que se traduziu num combate de
valores e de ideologias, pelo estímulo ao de envolvimento tecnológico, pela
modificação das técnicas de gestão, pela mudança das políticas sociais e pelo
alargamento da escala dos mercados, que repete as estratégias de expansão de ciclos
económicos anteriores, veio, por um lado, beneficiar os consumidores ao fazer baixar os
preços de muitos produtos, mas, por outro, destruiu a coesão de regiões inteiras que não
conseguiam organizar a distribu ição mundial dos bens que tradicionalmente produziam;
por um lado, beneficiou alguns dos países mais pobres do Terceiro Mundo,
nomeadamente na Ásia, criando emprego onde ele não existia, mas por outro, l ançou
uma concorrência feroz com as estruturas produtivas e de mão-de-obra do Ocidente,
sobretudo da Europa, dando a machadada final num fordismo j á muito debi l i tado depois
das crises petrolíferas de 1 973 e 1979.
No entanto, se "neoliberalismo" e "global ização", em conj unto, foram eficazes na
"desinstalação" da hegemoni a social-democrata do pós-guerra, foi uma versão mais
branda e pragmática do l iberal i smo que de facto se instalou nos tecidos sociais ,
políticos, económicos e mesmo mentais das sociedades Ocidentais e por s i influenciadas
(Esping- Andersen, 2003a, 4). Esta versão, que Robert Boyer e Yves Sai l lard chamam
de "neoclassicismo metodológico" (Boyer e Sail lard, 2002b, 566), que mais do que
fazer do mercado o centro de todas as regulações, o util iza como metáfora de
funcionamento eficaz, é também o reflexo de um compromisso com as hegemonias
anteriores revelando transigênci as com um passado longo de lutas soc iais , sobretudo
nos lugares onde tal história existe, ou seja, na maioria das sociedades ocidentais . Uma
"versão de esquerda" de tal "modo de regulação" (Giddens, 1 997), a chamada "terceira
via", ou o que autores como Phil l ip Brown e Hugh Lauder chamam de pós-Fordismo,
atribuível na sua opinião aos chamados "Modernizadores de esquerda" (Brown e
Lauder, 1 999, 1 79) , bate-se politicamente contra o que resta do neol iberal ismo
mil itante, numa disputa ideológica que assume, no entanto, de vez, e de forma clara, que
o que está em causa são mudanças nos modo de regulação dominantes e já não no modo
de produção capitali sta.
Por outras palavras, a esquerda organizada contemporânea parece ter enterrado uma
parte do seu passado, e sem desistir de uma "agenda social" l igada ao Estado, parece ter
aceite como bom o modo de produção cap itali sta assim como a autonomia da esfera
económica face às esferas políticas e sociais , apostando numa política distributiva, a
1 05
qual só pode ser suportada por uma economia produtiva e eficaz em termos de criação
de mais val ia .
O quadro que Phill ip Brown e Hugh Lauder nos fornecem, e onde comparam os
modelos de desenvolvimento próprios do chamado "Fordismo", que predomina da
década de trinta do século XX até aos anos setenta, do "neo-Fordismo" ou
neol iberalismo da década de oitenta, e do pós-Fordismo de esquerda ou "terceira via",
mostra como neste debate se perdeu a ideia de um "Modo de Produção Alternativo" ao
capital ismo e como as diferenças se jogam em torno de modos de regulação que, e
sobretudo no que concerne ao "pós-Fordismo" ou "terceira via", mais do que realidades,
marcam metas e objectivos que por enquanto, não têm, na maior parte do mundo,
grandes âncoras na real idade.
1 06
Q uadro 11- Modelos alternativos de desenvolvimento: Fordismo, neo-Fordismo e
pós - Fordismo
Fordismo Neo-Fordismo Pós- Fordismo
Mercados nacionais protegidos Competição global através de Competição global através da
ganhos de produtividade através inovação, qualidade e produtos e
de cortes nos custos. serviços com valor
acrescentado.
Investimento externo atraído Investimento externo atraído por
pela "flexibilidade do mercado" uma força de trabalho com boa
através de cortes nos salários e formação envolvida na produção
nas regalias sociais e políticas de produtos e serviços com valor
da força de trabalho. acrescentado.
Remoção de impedimentos à Objectivos baseados na criação
competitividade do mercado: do consenso; cooperação entre
criação de "cultura de empresa", governo, empregadores e força
privatização do Estado - de trabalho.
Providência.
Produção em massa de produtos Produção em massa de produtos Sistemas de produção flexíveis,
estandardizados/ baixa estandardizados/ baixa nichos de mercado, trabalhos
formação, ordenados altos. formação, ordenados baixos, que exigem mão-de-obra com
desregulamentação do mercado formação.
laboral.
Organizações burocratizadas e Organizações "leves", com Organizações "leves", com
hierarquizadas ênfase na flexibilidade numérica. ênfase na flexibilidade funcional.
Emprego massificado e Fragmentação / polarização da Manutenção de boas condições
estandardizado fora de trabalho: base fixa de para todos os trabalhadores.
trabalhadores, complementada
por trabalho temporário.
Separação entre gestores e Enfase no direito do gestor em Relações laborais baseadas na
trabalhadores; relações laborais "gerir"; relações laborais confiança e na participação
distantes; negociações salariais baseadas na distância e na colectiva.
colectivas. desconfiança.
Pouca formação em exercício Pouca utilização das políticas de Formação vista como um
para a maioria dos trabalhadores formação. investimento nacional; o Estado
visto como um "formador
estratégico" .
ln Brown e Lauder, 1999, 179.
Assim, e como temos vindo a escrever neste texto, a transição dos anos oitenta para os
anos noventa, onde provavelmente poderemos situar o começo do 5° ciclo de
Kondatriev, assiste a várias mudanças de grau, simultâneas e de tipo diferenciado, que
1 07
envolvem o campo da tecnologia, da economia e da política, e que reestruturam as
dimensões de espaço e de tempo em que se reflectem as decisões políticas e económicas
do mundo, dando origem à noção de "global ização", uma noção que ainda faz "ranger
os dentes" de muitos cientistas sociais, que, por defeito profissional , são exigentes com
a defin ição de conceitos.
Em 1 998, o termo "global ização" embora omnipresente nos "media" e no senso
comum, não era aceite de forma pacífica por, entre outros, Robert Boyer, que salientava
que a grande "global ização" se passava sobretudo a dois níveis : por um lado, ao nível da
internacionalização dos mercados financeiros, que desde a década de oitenta se
organizavam em rede apoiados em novas tecnologias da informação e da comunicação,
escapando às leis nacionais; por outro, ao nível da procura por parte das grandes
empresas mundiais das melhores condições de produção, uma busca que se dava
independentemente das frontei ras nacionais. Entretanto, enquanto alguns "sintomas"
pareciam apontar para uma "maior interdependência" no mundo, o centro das deci sões
continuaria a ter como referênci a símbolos e peças centrais da Modernidade como a
nacionalidade e o Estado - nação (Boyer, 1 998, 1 9-70).
Dois aspectos pareciam fulcrais nesta análise que Boyer intitulou simbolicamente de As
palavras e a realidade: o primeiro relacionava-se com a "nacionalidade" das empresas
"multinacionais", que mostrava que, excepção feita às que tinham a sua origem em
países de pequena dimensões como a S uíça ou a Holanda, elas só eram globais por se
encontrarem em todo o mundo, em tudo o resto mantendo-se extremamente "nac ionais",
casos da origem da maioria dos seus quadros principais, das l ínguas de trabalho
dominantes e da localização das suas sedes sociais; a segunda era a constatação de que
se, por um lado, o capital financeiro gozava de uma assinalável l iberdade, o mesmo não
sucedia com a mão-de-obra, cuj a mobi l idade era muito pouco encorajada, muito
condicionada e muito regrada, o que, apesar da pressão constante das populações que
emigram do terceiro mundo, são constatações que parecem continuar válidas no
primeiro decénio do século XXI .
Não negando as mudanças que se estavam a passar no mundo a partir de meados dos
anos oitenta do século XX, assim como as reconfigurações e dificuldades de Estados -
nação que viam esboroar-se o "espaço" fundamental que lhes davam corpo, o "espaço
económico" constituído pelos "mercados nacionais", Boyer sal ienta no entanto, que
antes de a noção de "global ização" fazer sequer sentido, os Estados que em
determinadas épocas históricas foram polít ica e economicamente hegemónicos
1 08
conseguiram impor a abertura dos mercados das nações menos poderosas, mantendo,
em contrapartida, os seus próprios mercados internos, fechados e protegidos. Se as
analogias são perigosas, elas existem e fazem-nos portanto er cautelosos com
definições entusiastas sobre a globalização, que partem do princípio que vivemos num
mundo politicamente regulado pela Organização das Nações Unida .
Definições de "globalização" como a que foi avançada em 200 1 por Boaventura Sousa
S antos, mostram-nos como o termo parece incontornável , mas, também, como as l inhas
fundamentais da sua definição podem mudar conforme acontecimentos políticos
específicos. Sousa Santos define global ização desta forma:
" . . . Intensificação de relações sociais mundiais que unem local idades distantes, de tal
modo que os acontecimentos locais são condicionados por eventos que acontecem a
muitas milhas de distância e vice versa ( . . . ) a globalização é uma fase posterior à
internacional ização e à multinacional ização porque ao contrário destas, anuncia o fim
do sistema nacional enquanto núcleo central das actividades e estratégias humanas
organizadas . . . " (Santos, 200 1 , 3 1 -32) .
Por um lado, quer a l iberdade do capital financeiro, quer a mundialização e o
imediatismo dos média, tornam o mundo um lugar mais "pequeno" e sobretudo, mais
"co mopol ita" (Cohen, 2005, 25-43), mas por outro, o ressurgimento do
conservadorismo Norte Americano dos começos do século XXI, ou o impasse político e
em que, na me ma altura, se encontra uma das experiências mais intere antes dos
últimos séculos, a União Europeia, parecem indicar o forte papel que a "célula política"
central da Modernidade, o Estado - nação, ainda ocupa, fazendo do conceito de "pós -
nac ionali smo", um desejo de alguns, mais do que uma real idade próxima. Na verdade,
os acordos do pós Segunda Guerra que deram origem às grandes organizações
internacionais actuais, não substituíram os papéis dos Estados, continuando estes a
constituir a sua principal referência, e com poderes diferenciados conforme o peso
político económico e militar de que cada um dispõe. O multi lateral ismo optimista dos
finais do século XX, que pressupunha o consenso alargado como base p ara a tomada
das "grandes deci sões a nível mundial", quer se tratasse da ecologia, da economia, das
migrações, do dire ito ou da guerra (Habermas, 2000; Pureza, 1 998), resistiu mal ao
terrorismo de massa e à resposta uni lateral da potência hegemónica, mostrando o
impasse em que, nos começos do século XXI, se encontra a Ordem Internac ional , um
impasse que se reflecte na própria indefinição do conceito de "global ização".
1 09
De qualquer das formas, visto dos anos 60 do século XX, o mundo dos princípios do
século XXI seria improvável : desde um tempo em que o "ramo condutor da economia"
era baseado na produção de automóveis, camiões, motores e refinarias, para um tempo
em que a construção de computadores, de software, de telecomunicações e de
biotecnologias parecem ter as condições de predominarem; em que os circuitos
integrados disputam com o petróleo e o gás o papel de "input fundamental da
economia", e em que as formas predominantes de gestão e de organização da economia
passam da produção e con umo em série assente em estruturas hierarquizadas, para
formas de funcionamento em rede, tudo parece estar em mudança rápida, uma mudança
que acrescenta qualidades novas, e que parece indicar que estamos perante, pelo menos,
uma mudança de ciclo económico face ao famoso 4° ciclo de Kondatriev (Freeman e
Louça, 2004, 1 5 1 ) .
Em termos de prosperidade geral , que balanço é possível de ser feito deste começo de
mudança? Quais os resultados em termos de melhorias de vida que se possam atribuir
ao desenvolvimento económico e a políticas distributivas desde então?
Num "Destaque estatístico" inserido no Relatório do Desenvolvimento Humano
publicado em 2004 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD), podia-se ler o seguinte : " ... 0 progresso dos países e das regiões nos
Objectivos de De envolvimento do Milénio, desde 1 990, realça um aspecto
fundamental do desenvolvimento na última década: progresso rápido para alguns, mas
reversões para um número de países sem precedentes . . . " ( In PNUD, 2004, 132).
Ou seja, e como em qualquer mudança brusca de paradigma técnico-económico, a
tendência inicial, tal como se passou dois séculos antes com a chamada "Revolução
Industrial", parece ser a de um aumento rápido da "divergência", com os melhor
preparados, em termos "culturais" e de estruturas físicas, legislativas, e humanas a
descolarem dos que são periféricos ao coração das mudanças, seguindo-se , se a história
se repetir, um período de convergência entre os dois grupos. E isto parece acontecer não
só em termos de estruturas políticas, ou sej a, entre países e regiões diferentes, mas
também no seio de cada região ou país, onde os grupos sociais mais preparados tiram
mais proveito da inovação do que os outros.
Em geral, através da análise da progressão das taxas de pobreza absoluta entre 1 98 1 e
200 1 , ou seja, da variação, durante este lap o de tempo de vinte anos, da percentagem
de pessoas que vivem com menos de um Dólar por dia, de 1 98 1 a 200 1 , podemos ter
1 10
uma análise aproximada da forma como se tem processado o desenvolvimento
económico nas diversas partes do mundo.
Quadro 12 - Variação das taxas de pobreza absol uta no mundo, entre 1981 e
2001: percentagem do nú mero de pessoas que vive com menos de u m dólar por
dia
Região 1981 1987 1990 1996 2001
Asia Oriental e 56,7% 28,0% 29,5% 15,9% 14,3%
Pacífico
Europa e Asia 0,8% 0,4% 0,5% 4,4% 3,5%
Central
América Latina 10,1% 11,3% 11,6% 9,4% 9,9%
e Caraíbas
Médio Oriente 5,1% 3,2% 2,3% 2,0% 2,4%
e África do
Norte
Asia do Sul 51,5% 45,0% 41,3% 36,7% 31,9%
Africa 41,6% 46,9% 44,5% 46,1% 46,4%
subsaariana
Mundo 40,4% 28,5% 27,9% 22,3% 20,7%
Fonte: PNUD, 2005, 34.
Daqui se percebe que, no contexto de uma mudança global positiva no mundo, se tido
como um todo, as suas partes têm comportamentos relativamente diferentes : a Ásia, em
geral , parece claramente progredir relativamente aos seus níveis de pobreza, no resto do
mundo as condições de vida das pessoas, medidas pelo parâmetro enunci ado, mantêm
se estáveis, e na África subsaariana, assiste-se a um l igeiro agravamento do nível de
pobreza das suas populações, reforçando assim a situação de região pária do
desenvolvimento global do planeta.
Se isto parece claro no mundo como uma região única, o que se passa nas sociedades
que primeiro "arrancaram" na mudança dos anos setenta do século XX para os anos
oitenta? Um quadro interessante sobre a evolução do índice de pobreza infantil na Grã
Bretanha entre 1 980 e 2000, dá-nos uma ideia aproximada do quão duro este período de
"ajustamento" foi , também para estes países, e de como o que se passou no mundo, em
geral , se passou também no seio das unidades nacionais mais restritas.
1 1 1
30
25
20
15
10
5
O
1980
Gráfico 6 - Percentagem aproximada de crianças a viverem
abaixo do limiar de pobreza na Grã-Bretanha, entre 1980 e
2000
1985 1990 1995 2000
Fonte: PNUD, 2005, 69.
Trata-se de um mundo que viveu nos últimos trinta anos, e que vive ainda, um enorme
"esticão" tecnológico, científico e económico mas para o qual ainda não se encontraram
formas de regulação política estáveis, ou será que a estabilidade só existe quando se
olha para trás, para o que já morreu?
Nestes tempos, o que aconteceu ao Estado - Providência, a base dos sistemas
educativos do último meio século, e quais são os debates em seu torno?
Algumas consequências I: o debate em torno do Estado - Providência para o século XXI
Entre 1960 e o ano 2000, as despesas sociais dos Estados europeus passam de
aproximadamente 6% para um valor que varia, de acordo com as várias fontes
consultadas, de entre 24% a 30% dos seus Produto Interno Bruto (Fournier, 2002, 32;
Gilbert, 2002, 24; Hemericjck, 2003, 182; OECD, 2006b), enquanto os impostos e taxas
cobradas sobre o trabalho dos cidadãos e das empresas dos países da O.C.D.E.,
cresceram, entre 1965 e 1997, de uma média de aproximadamente 26 % dos seus
Produto Interno Bruto, para 37% do mesmo produto, um valor ainda assim mais baixo
do que as taxas cobradas nos quinze países que constituíam a União Europeia no mesmo
ano, que representavam cerca de 40 % do Produto Interno Bruto europeu (Gilbert, 2002,
35; Hemerijck, 2003, 182 ; OECD, 2006b). Tais valores, representando o total do IV A
do IRS do IRC e das cotizações sociais, eram apresentados por Emmanuel Fournier para
112
a Suécia, a França e os Estados Unidos da América no ano 2000, como sendo os
seguintes:
Quadro 13 - Verbas descontadas nos Estados Unidos da América, França e
Suécia em Impostos e Cotizações Sociais, em percentagem do respectivo PIB,
no ano 2000
País Total de descontos Impostos em Cotizações sociais
em percentagem do percentagem do PIB em percentagem do
PIB PIB
Estados Unidos da 29% 22% 7%
América
França 46% 29% 17%
Suécia 52% 39% 13%
Fonte: Fournler, 2002, 32
Entre 1970 e 1998, um país como a França, que serve de exemplo para as tendências
dos países europeus do Continente, aumentava o número de funcionários públ icos quase
para o dobro, de aproximadamente 3 milhões de funcionários públicos para mais de 5
milhões (Rouban, 2002, 36) . O curioso aqui é que os aumentos dando-se em todos os
três sectores do Estado francês, ou seja, na chamada "Função Pública de Estado" que
cresci a 44%, na Função Públ ica l igada à aúde, que crescia 138 % e na Função Pública
territorial, era nesta última, a qual tinha como função amparar a rac ionalização do
Estado através da descentral ização, que o aumento era mais pronunciado, havendo neste
sector do Estado, em 1998, mais 1 44% de funcionários do que no ano de 1970.
Cifras deste t ipo faziam pensar sobre a eficácia real da hegemonia "Neo-l iberal" que
desde os finais da década de setenta não se cansava de pregar a redução de gastos do
Estado em funções sociais cujo destino seria, segundo a nova pauta l iberal , o de serem
entregues à "sociedade c ivi l", ao sector privado ou a uma associação entre "sociedade
civil", interesses privados e Estado, numa tentativa de combater a "preguiça" e o
desperdício através da implementação de critérios de gestão eficientes das pessoas e dos
números, critérios esses que teriam por base a "metáfora do mercado".
Na verdade, as despesas em i mpostos e em gastos dos Estados nos seus "Aparelhos
Sociais", não só não de ceram entre a década de setenta e o final do século, mas, ao
contrário, e como todas as c ifras nos mostram, subiram. As tentativas de reformar este
"Estado - Providência" durante as décadas de oitenta e de noventa do século XX,
1 1 3
esbateram frequentemente em níveis de resistência tão fortes por parte dos Aparelhos
S indicais, e também em muitos casos, por parte das opiniões públicas, que levaram
frequentemente à demissão dos seus proponentes: entre 1 995 e 2000, de novo em
França, um Primeiro-Ministro, um Ministro da Educação e um Secretário de Estado do
Orçamento são compelidos a demitirem-se depois de terem apresentado projectos de
reforma implicando vários aspectos do "Estado - Providência"(Idem, 37) , o que torna
oportuna a frase de Esping-Andersen, segundo a qual " . . . the Welfare state ( . . . ) has been
one of the chief organizing principIes of the li ves of several generations, and ( . . . )
represents a deeply institutionalized contract. I ndeed, herein, lays an obstac1e to
possibly any reformo As ( . . . ) research has shown, the welfare status quo remains very
popular . . . " (Esping -Andersen, 2003 a, 7) .
E no entanto, como todos os números relativos a impostos, cotizações SOCIaIS ,
patamares de financiamento sustentado do Estado e capacidade de criar nqueza,
parecem demonstrar, a persistência em não mudar poderá vir a ser fatal para a própria
ideia de "Estado - Providência", a qual representa, na nossa opin ião, um grau de
consciência sobre o bem comum nunca antes atingido nas sociedades e civi l izações
humanas.
Costumam ser quatro as questões que se levantam para enfatizar a necessidade de
reformas urgentes na forma de organizar e financi ar os "Estados - providência": as
mudanças na estrutura familiar que se começaram a notar a partir da década de sessenta
do século XX nos países mais desenvolvidos do Ocidente; as mudanças demográficas
que, na mesma altura se produzem em tais sociedades; a global ização da economia e a
emergência de um "lei lão global" que, na busca de melhores condições de i nvestimento,
ultrapassa os "mercados nacionais protegidos"; e, finalmente, as mudanças políticas que
se dão nas duas décadas finais do século XX, com o desaparecimento do paradigma do
Estado regulador, os Estados socialistas.
Se as duas últimas questões foram já alvo da nossa atenção neste texto, as duas
primeiras merecem algum reparo.
Na verdade, a força de trabalho das sociedades ocidentais do pós - guerra, e não só no
sector industrial, é essencialmente constituída por homens, ou por "chefes de famil ia" a
quem cabe o sustento do agregado famil iar, e quando se fala no pleno emprego que
constitui uma das características dessa altura, trata-se de um pleno emprego
essencialmente masculino, uma vez que o trabalho feminino é, até à década de setenta
do século XX, ainda relativamente raI·o.
1 1 4
Reflexo de uma estrutura famil iar claramente patriarcal , esta situação denotava também
uma enorme melhoria das condições de vida nos países industrializados da Europa, que
desde os começos do século XX tinham, com algum sucesso, conseguido retirar " as
mulheres das minas e as crianças das chaminés" (Brown et ai., 1999, 2) e , no final da
década de quarenta do mesmo século, só cerca de um quinto das mulheres casadas
americanas e um número pouco superior de mulheres casadas britânicas é que
trabalhavam no mercado de emprego, ou seja, "fora de casa" (Ibidem) .
A famíl i a era também essencialmente o que chamamos hoje de "famíl ia tradicional": no
pós-guerra, noventa e quatro em cada cem americanos viviam em famílias, e destes,
80% viviam em famílias compostas por marido e mulher com idades abaixo dos 65 anos
(Idem, 3 ) . Tratava-se também de famíl ias estáveis , como mostra o número de divórcios
na Grã-Bretanha, que subindo de 1 ,9 por cada cem casamentos antes da segunda Guerra
Mundial , para 7,9 em cada cem no final dos anos quarenta, só veio a descolar
significat ivamente em relação a esta percentagem, a partir de finai da década de
sessenta (Ibidem) .
Uma organização soci al baseada em agregados famil iares estáveis e patriarcais, o u sej a,
em que o homem tinha a função de "ganha-pão" e a mulher se ocupava de educar os
fi lhos pequenos, da chamada "l ida doméstica" e do amparo aos mais velhos, foi
também, juntamente com a expansão do "mercado" e com a acção política dos governos
(Esping-Andersen, 2003a, 11) , um dos suportes do Estado - Providência do pós segunda
Guerra Mundial .
Da década de setenta para cá, a princípio de forma lenta, mas de seguida de forma
crescentemente mais rápida, este cenário muda, e no começo da década de noventa do
século XX o aumento do número de famíli as monoparentais nos países da OCDE tinha
sido de 25 % em uma década (Gilbert, 2002, 34-35) .
Estas mudanças que se davam na estrutura tradicional da famíl ia, juntamente com as
possibi l idades químicas de controlo de natalidade e com uma entrada massiva das
mulheres no mercado de trabalho, vieram, por um lado, sobrecarregar o Estado com
funções que tradicionalmente eram apanágio das famíl ias relativamente extensas do
século anterior, e por outro, acentuar uma quebra no número de crianças nascidas, como
resultado das dificuldades das mulheres em conci l iar a maternidade com profissões
exercidas em mercados de trabalho progressivamente mais exigentes: " . . . O
«capitali smo providênci a» do pós-guerra funcionou bem porque os mercados de
trabalho e as próprias fanú l ias constituíam a princi paI fonte de protecção social para a
115
maioria dos cidadãos ( . . . ) . No momento actual , quer os mercados de trabalho, quer as
famil ias são de forma generalizada, fontes geradoras de insegurança, de precariedade e,
muitas vezes, de exclusão social : esta situação sobrecarrega, evidentemente, os sistemas
públicos de protecção social. . . " (Esping - Andersen, 2000, 8 1 ) .
Tratando-se de um dado fundamental na construção das sociedades do 5° c ic lo de
Kondatriev, e uma ruptura tremenda com as sociedades fordistas , a relativa
emancipação da mulher ocidental face às sociedades patriarcais tradicionai , veio assim,
por um lado, acrescentar um maior dimensão, dinamismo e qual idade à chamada
"população activa" das sociedades em que tais rupturas se deram, e por outro, minar
duas das bases em que historicamente assentava a sustentabi l idade do Estado -
Providência, ou seja, a do papel da mulher "não trabalhadora" no amparo aos estratos
mais fragi l izados da sociedade, sobretudo aos mais novos e aos mais velhos, e o papel
da mulher como progenitora, o que era fundamental para assegurar uma demografia
com saldos largamente positivos, em que o número de nascimentos e imigrantes
superava largamente o número de falecidos e de emigrantes.
Se a i sto acrescentarmos uma generalizada subida da esperança de vida das populações
ocidentais, a manutenção de altas taxas de desemprego "estrutural" típico de sociedades
com regulações estatais e sindicais fortes no campo social e económico, ou a
precariedade do emprego própria das sociedades com pouca regulação, assim como a
manutenção ou mesmo a progressiva descida das idades de reforma, faci lmente se
compreende a repetida afirmação segundo a qual , e de acordo com os dados que
actualmente existem, a manutenção dos S istemas de Segurança Social que
caracterizaram os "Estado - Providência" mais generosos será virtualmente impossível
num futuro mais ou menos próximo.
Tais preocupações não são recentes, como pode ser compreendido através de um quadro
sobre as relações entre a esperança de v ida, entrada no ciclo do trabalho e idade de
reforma, em França, publicado nos finais da década de oitenta do século XX por
Jacques Lesourne e que de seguida apresentamos.
1 1 6
Quadro 14 - Duração dos ciclos médios de vida e de trabal ho em França,
de 1920 a 1980, e projecções para o ano de 2010
Homens Esperança Idade de Idade de Duração da Duração da de vida entrada na entrada reforma vida activa
vida activa reforma
1920 62 14 --------- O 48
1950 70 15 65 5 50
1980 73 17 60 13 43
2010 76 20 60 16 40
Mulheres Esperança Idade de Idade de Duração da Duração da de vida entrada na entrada reforma vida activa
vida activa reforma 1950 75 14 65 10 51
1980 80 18 60 20 42
2010 83 20 60 23 40
Fonte: Lesourne, 1988, 183.
Duração de vida "não
activa" 14
20
30
36
Duração de vida "não
activa" 24
38
43
Este quadro mostra como, de 1 920 para a projecção que em 1 988 se fazia sobre 20 1 0, a
esperança de vida subia, a idade de entrada no mercado trabalho ia também subindo, a
idade de entrada na reforma ia baixando ou mantendo-se, a duração de vida activa, ou
seja, do lapso de tempo em que se descontava para a Segurança Social e Fundo de
Pensões de Reforma ia baixando, e o lapso de tempo em que se era beneficiário dos
Fundos de Reforma ia aumentando. Se a i sto acrescentarmos taxas de natal idade
largamente abaixo da reposição, ou sej a, inferior a um pouco mais de dois fi lhos por
mulher, i sto coloca uma enorme e insuportável carga sobre o futuro dos que hoje
contribuem para as reformas dos mais velhos.
Em 1 995 , em França, cada reformado era "sustentado" por cerca de três trabalhadores,
prevendo-se que em 2030, e devido à falta de capacidade reprodutiva da população
francesa, existam apenas 1 ,6 trabalhadores a contribuir para cada reformado, o que, para
manter o nível de reformas de 1 995, tornará a taxa de impostos e cotizações sociais
sobre os trabalhadores activos e as empresas virtualmente impossível de sustentação
(Gi lbert, 2002, 33 ) . Acrescente-se que, em relação a esta questão, o comportamento da
população francesa está, em termos ocidentais, longe de ser o mais penalizante para a
demografia (OECD, 2005) .
Todavia, e como antes sugerimos, o problema não é só francês, como se pode perceber
pelo gráfico seguinte, que se baseia em dados recolhidos em 1 998 nos paises da OCDE,
e que nos dá uma imagem clara do problema do envelhecimento acelerado de uma parte
do mundo:
1 1 7
70
60
50
40
30
20
1 0
O
1 940
G ráfico 7- E nvelheci mento da popu lação nos países da OCDE:
dados até 1 995, previsões até 2030
/ /
- � / .---- /
.....
1 960 1 980 2000 2020
Fonte: G ilbert, 2002, 34.
204C
-+-- % da população acima dos 65 anos sobre população 1 5-64 anos
- % da população acima dos 65 anos sobre população empregada
L-______________ �
Assim, e de acordo com este gráfico, se em 1 960 para cada cem habitantes com idades
compreendidas entre os 1 5 e os 64 anos, ou sej a, aquilo a que se costuma chamar de
"intervalo etário de vida activa", haveria apenas cerca de 1 5 habitantes com idades
superiores a 65 anos, e em cada cem habitantes no intervalo etário de vida activa
efectivamente empregados, havia 20 habitantes com mais de 65 anos, tais percentagens
sobem, no ano 20 1 0 para 20 idosos para cada cem habitantes do grupo etário
considerado activo e 30 para os que estão efectivamente empregados, subindo tal
relação em 2030, para cerca de 40 idosos para cada 1 00 habitantes de i dade activa e
cerca de 60 idosos para cada 1 00 habitantes empregados, o que, a verificar-se, tornará
insustentável o nível de impostos que teriam de ser pagos pelos activos, de forma a
assegurar condições de vida razoáveis aos não-activos.
Se, no caso da Europa e dos Estados Unidos, a imigração é sempre encarada como uma
das soluções para a sustentabil idade do "Estado - Providência", os cálculos realizados
pela divisão de população da Organização das Nações Unidas, publ icados em 2000 e
citados por Neil Gilbert dois anos depois, mostram-nos como, tratando-se de uma das
partes da resolução de um problema desta dimensão, a imigração não poderá ser a única
solução: para manter a população europeia ao nível de 1 995, a Europa teria de receber
aproximadamente 2 mi lhões de emigrantes por ano, ou 96 milhões de emigrantes nos
próximos cinquenta anos, o que faria com que em 2050, 1 8% da população europeia
1 1 8
fosse originária da população emigrante pós 1 995 (ln Gilbert, 2002, 34-35) . Mas mesmo
assim, a população europeia continuaria a envelhecer, e se na Europa se pretendesse
manter a percentagem de reformados em relação aos activos de 1 995, quando 3
trabalhadores activos contribuíam para cada reformado, então teriam de dar entrada no
espaço europeu, entre 1 995 e 2050, o incrível número de 1 ,6 mil milhões de imigrantes,
o que faria com que em meados do século XXI, três quartos dos habitantes europeus
fossem descendentes dos emigrantes entrados depois de 1 995 (lbidem) . Além de se
duvidar da capacidade de a Europa e dos Estados Unidos conseguirem atrair tais
dimensões de população, tal fluxo seria cultural e pol i ticamente insustentável e levaria
ao máximo as tensões xenófobas tão bem exploradas pelos traços pol íticos populistas
em todo o mundo.
Por outro l ado ainda, e relembrando o terceiro factor a ter em conta ne ta anál ise dos
reptos actuais ao Estado - Providência, ou seja, a chamada "global ização", percebemos
como a facil idade de deslocação de capital e a construção de uma mão-de-obra ao nível
mundial , associadas ao enfraquecimento das taxas aduaneiras que passam a ter
regulação exteriores aos centros políticos nacionais, enfraquecem ou destroem a
autonomia dos "mercados nac ionais", uma das componentes estruturais dos Estados -
nação modernos, e i sto mesmo se tivermos em conta que o problema não se coloca da
mesma forma para todos estes Estado.
Tal facto, vem, nos últimos anos, enfraquecendo a capacidade de reivindicação dos
trabalhadores por conta de outrem e aumentando o peso pol ítico dos que defendem
como principal solução para o problema da competitividade económica, a
"flexibil ização" da força de trabalho através do enfraquecimento dos laços entre o
emprego e o empregado, o reescalonamento das pautas salariais aval iadas a uma escal a
mundial e o reescalonamento d o custo social d o trabalhador pago pelas empresas de
forma a que os custos de produção se possam comparar a nível global e já não
"nacional" .
Assim, uma "global ização de sentido único", em que a estrutura económica parece mais
cosmopolita e internacional izada do que a capacidade de entendimento dos movimentos
sindicais , tem tendência a criar um mercado mundial em que os incentivos à produção
se jogam, como antes deixámos expresso, num autêntico "le il ão global", em que a mão
de-obra, juntamente com o nível de impostos sobre os lucros, con titui um dos factores
fundamentais . Espaços sociais com mão-de-obra cara e condicionada por malhas
cerradas de leis de protecção ao trabalho e em que é importante a cobrança de i mpostos
1 1 9
elevados sobre a produção como forma de manter um nivel de desenvolvimento e de
conforto das populações, ou seja, Estados - Providência desenvolvidos, encontram-se
assim em clara desvantagem face a uma parte do mundo em que a mão-de-obra é barata,
pouco protegida ou mesmo contida por Estados mais ou menos autoritários, quando não
ditatoriais, que condicionam ou controlam o sindical ismo e que não têm de sustentar
com impostos estruturas de protecção social significativas.
Sendo redutora a forma como a questão é apresentada, uma vez que se trata, no fundo,
de aproveitar o que até determinada altura eram essenci al mente desvantagens que a
desregul ação aduaneira e financei ra dos anos noventa transformou em vantagens, uma
parte destes novos parceiros económicos do mundo moderno, necessitando de promover
formas de coesão social em sociedades ameaçadas pelo rápido desenvolvimento
económico, tem evoluído em direcção à construção de configurações assistencial i stas
que apontam para uma óbvia preferênci a por formas de Estado - Providênci a muito
restritos e tendenci al mente "liberais".
Desta forma, quais são as opções dos Estados - Providênci a do Ocidente, e sobretudo da
Europa, e dentro desta, principalmente da Europa Ocidental , isto partindo do principio
que se desej am manter como "Estados - Providênci a"? Caracterizadas, usual mente e
com algum fundamento, como sociedades envelhecidas , razoavelmente xenófobas e
pouco permeáveis à i migração, que se reproduzem pouco, que começam a trabal har
tarde e se retiram cedo, que têm fortes níveis de protecção social e laboral , que
conseguiram teimosamente e com algum grau de sucesso resi stir e derrotar a maioria
das as propostas de renovação do Estado - Providência, desde as mais radicais oriundas
do "neol iberal ismo" das décadas de setenta e de oitenta, até às mais moderadas da
década de noventa, quai s podem ser as suas respostas face à emergênci a dos novos
parcei ros do comércio e da indústria mundial ?
Várias têm sido as tentativas de responder a esta questão, desde as que se propõem
"combater" a global ização tentando fazer com que o problema não exista, até às
propostas mais consistentes que vão sobretudo em duas direcções principais .
A primeira destas direcções baseia-se num conceito pouco preciso e certamente pouco
científico, que é o de "nivelamento", ou seja, o exercício de uma pressão pol ítica
gradual mas constante no sentido de se proceder a uma "nivelamento" global das formas
de protecção do trabalho e de segurança social como forma de repor os níveis de
competit ividade das diversas economias do mundo. Raramente se apresentando desta
maneira simples, estas propostas de "nivelamento" traduzem-se normalmente em fones
1 20
pressões no sentido da revisão dos conceitos fundamentais da própria essência do
"Estado - Providência", o que além de outros aspectos relativamente inovadores, acaba
por tentar empurrar os generosos "Estados - providência" de origem social democrata
ou continentais, para modelos l iberais e restritos em que se reconhecem a sombra dos
modelos americanos .
Neil Gilbert, um especial ista sobre o assunto que temos vi do a seguir neste texto faz-se
eco desta tendência, ao propor a subst ituição do "Estado - Providência de inspiração
social-democrata", que constitui o paradigma do chamado "Modelo Social europeu",
pelo que ele chama de "Enabling State" que traduzimos de forma quase l i teral como
"Estado Capacitador". Comparando as bases sobre que assentam os dois modelos, diz o
autor o seguinte :
" . . . The most prominent characteristics of the social democratic ( . . . ) model can be
summed up as an emphasis on universal access to publicly provided benefits that offer
strong protection of labor as social rights of cit izenship ( . . . ) As an alternative paradigm,
the enabling state emphasizes a market oriented approach that targets benefits that
pro motes labor force participation and i ndividual responsibi l i ty . . . "(Gilbert, 2002, 44).
Como exemplo das diferenças principais entre os dois modelos o autor propõe um
quadro que adaptámos e resumimos da seguinte forma:
1 2 1
Quadro 15 - As principais m udanças na transição do Estado - Providência para
o Estado Capacitador
Estado - Providência de origem social- Estado Capacitado r
democrata
Benefícios públicos geridos pelo Estado Benefícios públicos geridos por privados
Entreg ues p or agências púb l icas Entreg ues p or agências privadas
Transferência de meios através de serviços e Transferência de meios através de dinheiro
benef ícios ou de cupões ("vou ch ers")
Implementaçã o de gastos indirectos como
f orma de encoraj ar o retorno ao mercado
Protecção ao trabalhador Promoção do trabalho
Implementação do apoio social Implementaçã o da incl u sã o social
Des - mercadorização do trabal h o R e - mercadorização do trabal h o
Benefícios sem condições I ncentivos e sanções como f orma de reg u lar o
acesso aos benef ícios
Acesso universal Acesso selectivo
Objectivo de evitar o estigma social Objectivo de restau rar a eq u i dade social
baseada na p romoçã o da ig ualdade de
oportuni dades
Promoção da solidariedade baseada na Promoção da solidariedade baseada na
cidadania. pertença comunitária
C oesão com base nos direitos part i lh ados C oesão com base nos val ores e deveres
cívicos p artil h ados
l n G ilbert 2002, 44.
Neste quadro são visívei s as diferenças entre os dois modelos presentes , ou seja, o
"Estado- providência" de origem social democrata, que constitui o esqueleto do
chamado "modelo Social europeu" e o que Gilbert propõe e que traduzimos por "Estado
Capaci tador" ; também se percebe pelo quadro exposto as semelhanças, mas também
algumas discrepânci as entre este últ imo e o chamado "Estado - Provi dência l iberal". Se
a primeira constatação nos parece evidente, pensamos que merece a pena debruçarmo
nos um pouco sobre as semelhanças e diferenças entre o "Estado Capacitador" e o
tradicional modelo de "Estado providênci a" l iberal.
Relembrando as principais características deste últ imo modelo, elas assentavam na
promoção de um grau mínimo de des-mercadorização do trabalho, na aceitação da
estrat ificação social e no grau de universalismo restrito, que fazi a com que só os
1 22
declarados "pobres" a ele tivessem acesso, algo que do "outro lado" era sempre visto
como uma forma de "estigmatizar" a pobreza, enfatizando a dependência dos que nela
caiam em relação ao S istema, numa operação que tinha muito de "cari tat ivo"(Esping
Andersen, 1 994, 427-429 ; 1 999, 37-4 1 ) .
Se na proposta de Gilbert existem ecos desta linha de pensamento, outras questões
avançadas pelo autor, são, na verdade, novas questões face aos dois s istemas originais, o
"l iberal" e o "social-democrata", aproximando-se das formulações pós-fordistas da
"terceira via".
Em primeiro lugar, a ideia de uma gestão privada de fundos públicos, que nunca esteve
no centro de nenhum dos dois sistemas, embora, evidentemente se aproxime mais do
"l iberal" do que do "social-democrata". Trata-se, segundo o autor, de i mplementar a
eficiênci a, ma também de al iviar o "Estado" do máximo de burocracia possível e de
criar um novo mercado de actividades geradora de emprego e de lucros ; de seguida a
ideia da transferência de meios directamente, em forma de dinheiro ou de subsídios,
associada à frequência obrigatória de programas de requal ificação profissional a que são
obrigados os que têm direito aos subsídios de reinserção social hoje tão comuns nos
"Estado - Providência" social-democrata e continentais, e que traduzem uma tentativa
de "re - mercadorização" do trabal ho através da pressão para o retorno ao mercado de
famíl ias ou de indivíduos que dele se viram expulsos.
Trata-se de prát icas que estão longe dos antigos usos do "liberal ismo" que preferia
entregar cupões transaccionáveis em bens de consumo directo, de forma a evitar que os
"pobres" "gastassem o dinheiro, em álcool ou drogas", e longe também das práticas
social -democratas que transferiam meios sem condições nem inquirições, parecendo
também, tratar-se de ideias e de práticas que transitam entre os diversos tipos de
"Estado - Providência" que, são hoje, apesar das afirmações contrárias do seus
ideólogos, um pouco mais próximos do que eram há cerca de c inquenta anos.
A barreira, ainda que cada vez mais ténue, parece erguer-se em torno de uma ruptura
histórica sobre a definição de cidadania : para o pensamento l iberal , trata-se de uma
definição que engloba sobretudo os Direitos Pol íticos, de propriedade e de l iberdade de
consciência e de associação, a que a esquerda vem acrescentando, durante os séculos
XIX e XX Direitos Sociais e Económicos que passam pela universal idade de acesso a
sistemas de apoio que, promovendo a coesão social , evitem a pobreza, uma situação que
para muitos dos que estão "do outro lado" fará parte da "ordem natural das coisas", mas
que uma vez instalada é de muito difíc i l "remediação" (Esping-Andersen, 2003a, S) .
1 23
Assim, e abstraindo-nos daqueles que fechando os olhos tentam que a magia triunfe
sobre a realidade, é nos herdeiros da Social-democrac ia histórica que podemos detectar
a segunda l inha de evolução das propostas de renovação do Estado - Providência, que
no j argão político recente tem sido conhecido com a designação de "flexi-segurança".
Têm esta l inha, uma clara origem na social-democracia nórdica, de novo, e representa
um pragmatismo curioso, uma vez que tenta conci l iar uma forma de regulação
económica neoclassicista, com um sistema de "Estado - Providência" social-democrata,
ou seja, universal , não promotor da estrat ificação social e, tanto quanto possível , embora
e trate do aspecto mais frági l , porque também, originalmente, o mais ideológico, com
um grau possível de des-mercadorização do trabalho CCastel ls e Himanen, 2002;
Falkehed, 2003) .
Um dos casos em que este tipo de tendência foi mais estudado, o finlandês, apresenta
resultados surpreendentes ao combinar sucesso económico, informatização da
sociedade, "flexibil idade" da mão-de-obra, coesão social e um alto grau de protecção
ocial : " . . . The most dist inctive feature of Finland i i ts combination of an information
society and the welfare state . The finish welfare state includes total ly free, high quality,
public education from the kindergarten to the university, universal public health
coverage, and a generous social system with universal retirement and unemployment
insurance C . . . ) financed by high taxes, but high taxation proceeds with strong public
support on the ba i s of the benefits most people receive from the wel fare state . . . "
CCastel ls e H imanen, 2002, 1 2) .
Na verdade, depois d a crise d o pnnclplO d a década d e noventa que colocou em
evidência a inadequação do modo de regulação keynesiano num Estado periférico com
um fortíssimo, mas ultra deficitário S istema de Segurança Social que, com o
desmoronamento da URSS, acabava de perder um dos seus principais mercados, a
sociedade fin landesa, dotada de um alto nível de hab i l itações e com um processo de
modernização económica que vinha j á dos anos setenta CCastells e H imanen, , 1 3 ) , à
semelhança do que se passou nos outros países nórdicos, operou um esvaziamento das
funções de controlo e regulação directa da economia por parte do Estado, "alugando" ou
vendendo o seu património produtivo e de serviços, e apostou num tipo de i ntervenção
que se pautou pela mais estrita ortodoxia pós - fordista, tal como foi descrita por Phil l ip
Brown e Hugh Lauder: manteve e i ntensificou o seu investimento na educação e na
formação, lançando-se na criação de infra-estruturas jurídicas e físicas de forma a criar
um ambiente amigo do investimento; favoreceu o investimento privado em s istemas de
1 24
produção flexíveis dotados de mão-de-obra instruída e com formação capazes de
competir globalmente através da criação de produtos e serviços inovadores e de
qualidade com alto valor acrescentado destinado a nichos de mercado exigentes e com
poder de compra; favoreceu a estabilização de um ambiente de consenso social e de
cooperação entre Governo, empregadores e s indicatos, tentando manter as melhores
condições de trabalho para o máximo de trabalhadores possível , no contexto de uma
flexibilização acentuada do mercado de trabalho, mas com a manutenção de um sistema
de apoio e enquadramento social digno do "Estado - Providência" social-democrata de
há quatro décadas .
No que diz respeito à "flexibil ização acentuada do mercado de trabalho", os dados são
muito claros:
Q uadro 16 - evol ução da percentagem do "trabalho flexível" (trabal ho a tempo
parcial , trabal ho temporário e "auto-emprego") da popu lação f inlandesa entre
1990 e 2000, por classes de idade.
1 990 1 993 1 995 1 997 2000
Total : 1 5-64 22,2% 24,4% 24,4% 38,9% 37,7%
anos
1 5-24 anos 23,5% 36, 1% 35,6% 86,5% 8 1,2%
25-39 anos 18,3% 20,3% 19,8% 36,3% 34,4%
40-64 anos 25,5% 25,5% 26,0% 31 , 7% 30,7%
Fonte: C astel ls e Hlmanen, 2002, tab le A 1.2 - Share of f lexlb le work (percent), Appendlx 1 -
Flexible work in Finland.
Parece claro o que aconteceu : uma crescente flexibilização da força de trabalho
finlandesa, sobretudo na segunda metade do decénio, com a tipologia que tal
flexibilização tomou no resto da Europa, ou seja, uma enorme subida da precarização do
emprego nos mais novos e uma relativa estabi lidade dos mais velhos. Repare-se como
este tipo de "estrutura de flexibilização", que penaliza gravemente os mais novos e é
responsável por graves distorções sociais, vai mudando no decorrer do último decénio
do século XX: de taxas de flexibil ização médias repartidas entre todo os grupos etários,
para uma subida grande de tais taxas e uma repartição progressivamente mais desigual
entre grupos etários, com nítido prejuízo dos mais novos a partir da segunda metade do
decénio.
1 25
No entanto, e apesar de nem na Finlândia se poder encontrar o paraíso, não restam
dúvidas de que o modelo parece ter resultado, e não só as performances económicas
foram espectaculares, como, e ao contrário do que os críticos do l iberal ismo e do
neoliberali smo vaticinavam, não houve, do ponto de vista da coesão soc ial, um preço
demasiado alto a pagar pelo sucesso económico, provando que era possível , em algumas
circunstâncias, e até certo ponto, conci l iar o até aí historicamente inconci l iável : um
mercado livre de regulações não económicas e um tecido social solidário e baseado num
sistema de apoio universal e eficiente que prevenia a pobreza e aumentava o nível de
coesão social do país .
Uma comparação interessante dos níveis de coesão social entre a Finlândia e os Estados
Unidos da América entre 1 960 e 2000, medidos pelos número de pessoas a cumprirem
penas por 1 00.000 habitantes e pelo índice GINI , em que o valor 1 significa o grau de
coesão mínima e o valor O significa o grau de coesão máximo (Idem, 9) dá-nos os
valores seguintes:
0,5
0,4
0,3
0,2
0,1
O
1 940
G ráfico 8 - Coesão social na F inlândia e
Estados U nidos da América (1950-1998)
baseada no indíce GINI
... ..... ..---...-
-oor
� � -+-- U.S.A. - Finlândia
1 960 1 980 2000 2020
Fonte: C astel ls e Himanen, 2002, 9, 85
126
600
500
400
300
200
100
o
Gráfico 9 - Evolução do número de prisioneiros por
100.000 habitantes nos Estados Unidos da América
e na Finlândia, de 1950 a 2000
�U.S.A. -Finlândia
1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010
Fonte: Castells e Himanen, 2002, 9, 79.
Os dados que apresentamos mostram-nos que, tendo em conta os valores apresentados
no Gráfico 8, o grau de coesão social medido pelo índice GINI evolui da mesma forma,
mas com intensidades diferentes e com inflexões desfasadas no tempo em cada um dos
países que mencionamos. Partindo de um valor alto nos Estados Unidos da América em
1950, ele vai baixando até atingir o seu valor mais baixo em 1970, e de seguida, sobe
abruptamente até atingir o valor de 0,419, superior ao valor de 0,360 de onde se partiu
em 1950, o que sugere que a modernização que teve lugar nos Estados Unidos após os
anos setenta do século XX deu origem a uma sociedade que, nos finais do mesmo
século, era menos coesa socialmente do que meio século antes. Quanto à Finlândia,
partindo de um valor relativamente baixo de 0,270 em 1970, o ano em que pela primeira
vez temos acesso a estes dados, vai descendo até 1990 e de seguida sobe para o valor de
0,245, o que é ainda assim inferior ao valor com que se começou em 1970. De resto,
com valores absolutos diferentes, os dois países têm evoluções semelhantes, desfasadas
nas datas: os EUA descem até 1970 e sobem a partir dessa data, a Finlândia desce de
1970 até 1990 e começa a subir após essa data, o que mostra que, apesar de os factores
de coesão social se manterem muito bons na Finlândia, a crise económica de 1990, a
aplicação da "flexi - segurança" e a "informatização da sociedade" que em conjunto
varreram as estruturas sóciais e económicas "fordistas", também deixaram algumas
cicatrizes no tecido social finlandês, que era mais coeso em 1990 do que em 1998.
127
Quanto ao índice de pnslOnelros por 1 00.000 habitantes, os números são claros: a
Finlândia parte de um muito maior número de pessoas a cumprirem penas de prisão em
1 950 e vai descendo, sendo ultrapassada pelos Estados Unidos em 1 980, data a partir da
qual a deriva encarceradora norte-americana dispara, deixando de poder ser comparada
com qualquer dos países desenvolvidos da Europa.
Trata-se de dados que parecem mostrar duas sociedades que procederam ao
desenvolvimento das suas economias de forma a enquadrá-las num "ambiente" de
competição global digno do 5° ciclo de Kondatriev, mas com modelos sociai s
diferentes, embora com resultados como verificámos, comparáveis nas suas tendências.
Os Estados Unidos da América, bastião do liberal ismo económico e pol ítico viram o
modelo de coesão social herdado de Roosevelt e do "New Deal" dos anos trinta
prolongar-se, ainda que de forma muito meno intensa do que na Europa, até aos anos
setenta e, a partir daí, tomar um rumo totalmente diferente (Hacker, 2002) com os
índices de coesão social a tornarem-se mais fracos e a regrediram, em 1 998, para
valores anteriores a 1 950; a Finlândia teve a mesma evolução dos Estados Unidos, mas
a divergência em níveis de coesão social só começou a verificar-se a part ir de 1 990, não
dispondo nós de valores após 1 998, o que nos impede de tomar conclusões sobre a
confirmação ou negação do que parecia uma tendência de aumento de crescimento da
divergência social .
O número de encarcerados por 1 00.000 habitantes, outro índice de coesão social , parece
confirmar as diferenças entre um modelo de tentou concil iar de envolvimento
económico l iberal com inclusão social, no caso da Finlândia, e um modelo que cruzou
desenvolvimento económico, também l iberal , com exclusão social , algo de muito típico
das primeiras fases da Revolução Industrial .
Se o desenvolvimento do modelo americano parece conforme com sua l inha histórica de
l iberdade individual e pouca regulação estatal , o modelo finlandês também parece
seguir as pisadas do modelo social-democrata do pós-guerra, na sua vertente
escandinava. Serão estes dois modelos exportáveis, ou sej a, servirão de exemplos para
as outras sociedades?
Na verdade, são os único dois modelos que existem com algum vigor e algum sucesso,
se sucesso se pode chamar ao grau mínimo de "Estado - Providência" sugerido pelo
"modelo americano". Mostram, na verdade, duas formas de encarar o futuro do Estado -
providência, mas que partem de uma "filosofia económica" comum: aceitando ambos
um modo de produção capitalista com um modo de regulação da economia baseado no
1 28
neol iberalismo ou no "neoclassicismo", num dos casos há a tentativa de absolutizar o
mercado "l ivre" como a metáfora de efic iência para a sociedade, no outro separa-se as
metodologias aplicadas à economia, das metodologias aplicadas à sociedade. Num caso,
a adaptação aos novos paradigmas sociais que advêm da competição económica e da
debi l idade das regulações não económicas no campo da economia, traduz-se num modo
de vida competitivo, com pouco apoio social , relegando o lugar de cada um na vida à
sua capacidade individual ; no outro, l iberta-se da mesma maneira a economia de
regulações não económicas, mas mantêm-se e tratégias sociais coordenadas pelo
Estado, no contexto de sociedades que procuram amparar os incidentes que uma
economia l ivre provoca nas trajectórias de vida das pessoas, tentando salvaguardar a
coesão social como um bem em s i , mas também, como um bem económico.
Como dissemos, a tendência, sobretudo na Europa em que a ruína dos "Estados -
Providência" continentais parece inevitável , é a de uma confluência entre os dois
modelos, por mais que o coração e a tradição, mais do que a razão económica e
financeira, apontem para o modelo "escandinavo" em detrimento do "l iberalismo" puro
que ninguém parece querer.
Mas para prever o futuro é preciso auscultar o passado de cada um, e, como mais uma
vez o inevitável Esping-Andersen nos diz, ao tentar perceber-se o que se vai passar em
termos de "Estado - Providência", é necessário ter em conta fundamentalmente duas
ordens de questõe : a) por um lado, as tradições que as particularidades políticas e
sociais de cada sociedade foram capazes de criar, quer e las se refiram ao que Manuel
Castel ls e Pekka H imanen chamam de "o poder da identidade", quer se refiram aos
factores fundamentais que estiveram na origem de cada "Estado - Providência", ou seja,
e fundamentalmente, em termos h istóricos, à puj ança social da mobil ização de classes
que conseguiu impor o modelo, à durabi l idade da coligação de interesses que o manteve
e à profundidade do grau de institucionalização do sistema em cada sociedade (Esping
Andersen, 1 999, 44) ; b) por outro lado, é vital ter em conta o grau de modernização da
estrutura económica e do capital humano atingido por cada sociedade na altura em que
se dá a transição do modelo de regulação keynesiana apoiado em mercados nacionais
protegidos, para os modelos de regulação contemporâneos que competem a uma escala
económica mundial .
No que diz respeito ao primeiro aspecto, a h istória da social-democraci a escandinava
pode em parte ser apl icada ao caso finlandês do pós segunda Guerra Mundial, e no que
diz respeito ao segundo aspecto, tudo indica que a Finlândi a, " v i nda de trás" em índices
1 29
económicos e sociais por comparação com os seus vizinhos escandinavos, desde cedo
que se preparou para lhes seguir o caminho .
Assim, part indo de uma estrutura económica que em 1 960 fazia com que 70% das suas
exportações se baseassem em produtos da sua imensa floresta, tudo vai mudando e, a
partir de meados da década de setenta, mais de metade das suas exportações são j á
compostas por "outros produtos", entre o s quais e contam o s resultantes d a indústria
electrónica, os derivados da madei ra ocupando no ano 2000 uns meros 30% das
exportações (Castel ls e H i manen, 2002, 1 3) .
Por outro lado, do ponto de vista do capital humano, assinale-se a forma como se deu o
investimento em educação no pós - guerra, uma das chaves para o suce so da transição
finlandesa: em 1 950 a Finlândia está em terceiro lugar dos países europeus que mais
gastam na educação, com cerca de 3 , 1 % do seu rendimento nacional , em pé de
igualdade com a Dinamarca, e só superada pela Suécia e Noruega, e em 1 960, 1 96 1 e
1 962, é mesmo o país europeu que mais investe neste sector, com cerca de
aproximadamente 7% do seu rendimento nacional ( Khoi, 1 970, 5 1 ,4 1 1 ) . Apesar de, no
princípio da década de 60 do século XX cerca de 90% da sua população com idades
superiores a 25 anos, só ter entre 4 e 7 anos de estudos (Idem, 60), tudo indica que este
i nvestimento frutificou, e 40 anos depois, em 200 1 , a Finlândia, com 74% da sua
população activa com pelo menos o Ensino Secundário completo, encontrava-se entre
os países com mais habi l itações da OCDE (www.oecd .org/els/education/eag2002) .
Por outro lado ainda, a tradição, a identidade e provavel mente a boa governação do
Estado - Providência finlandês no passado como no presente, faz com que seja cada vez
maior o número de finlandeses que concorda com a afirmação segundo a qual , " ainda
que uma boa segurança social e outros serviços públ icos sej am caros, vale a pena
mantê-los" : eram 60 % a apoiar esta afirmação em 1 992, e subiram para quase 90% no
ano 2000 (Castel ls e Himanen, 2002, 89).
Assim, o "poder da identidade", mas sobretudo a preparação do capital humano e físico
que países como a Finlândia foram capazes de levar a efeito no pós segunda Guerra
Mundial , explica a sua capacidade de construir economias altamente sofisticadas, aptas
a concorrerem em mercados globais, economias de cujo sucesso depende a
possibi l idade de manutenção de um "Estado - Providência" com a extensão e dimensão
do antigo "Estado - Providência" social-democrata escandinavo.
Desta forma, e apesar de todas as aproximações que as configurações actuais dos
"Estado - Providência" permitem e de percebermos como são de difíci l "exponação"
1 30
casos como os da Finlândia, da Dinamarca, ou da Irlanda, para não mencionar senão os
três países europeus que no último decénio foram sendo apontados como exemplos a
seguir para os "continentais", continuamos a ter duas tendências possíveis na
"arrumação" das lógicas estruturais dos "Estados - providência" do futuro: a primeira
enfatiza, além de outras medidas, essencialmente, uma "racional ização" dos gastos
públicos na assistência social, uma "moderação" dos impostos e cotizações sociais que
sustentam a Assistência Pública, maior participação do cidadão nestes custos através de
seguros privados complementares, mantendo-se a gratuidade do S istema Público
essencialmente para os mais pobres; a segunda enfatiza a universalidade do Sistema
Público baseada numa taxa elevada de impostos e cotizações sociais, reduzindo ao
mínimo a participação privada no S istema.
A primeira opção é aparentemente mais fáci l de manter, visto que pressupõe uma
estrutura de gastos de Estado adaptada às circunstâncias, mas tem como resultado a
edificação de sociedades mais desiguais e menos coesas, e, sobretudo, conta com um
forte grau de oposição social e pol ítica, nomeadamente na Europa Ocidental ; a segunda
opção é muito mais difícil de manter, parte de taxas de modernização humanas e
estruturais muito elevadas, implica um Estado consensual com baixo nível de conflito
social capaz de criar um ambiente propício ao desenvolvimento de economias
extremamente competitivas, através de medidas compostas por uma mescla entre
investimento forte em educação e formação e políticas fiscais e de "flexibilização"
laboral que consigam atrair capital produtivo capaz de desempenhos extremos .
Mantendo os custos e alguns dos benefícios da mão-de-obra, que é uma das partes do
"contrato" que está na origem da coesão social , tudo tem de correr muito bem, a
margem de erro sendo mínima, o que faz com que um especial ista como Esping
Andersen receie pela precariedade desta via.
Com efeito, tendo em conta os dados relativos à demografia e às novas formas de
família que tornam a pobreza uma ameaça mais real, assim como à competição
económica que a mundialização de mercados e de mão-de-obra parece acentuar, o autor
sublinha a margem estreita que qualquer tipo de "Estado - Providência" terá no futuro, e
de uma forma por vezes um pouco desanimada e mesmo atormentada, acaba por apontar
quatro eixos em tornos dos quais a sustentabi l idade de qualquer tipo de sistema social
no Ocidente terá de passar senão quiser vir a ser no futuro pouco mais do que uma
curiosidade histórica (Esping-Andersen, 2003 a; 2003 b) :
1 3 1
- Uma nova política de apoio à famíl ia com ênfase no auxílio à criança, que as novas
formas de família monoparental colocam num crescente risco, o que constitui um
enorme obstáculo a uma das questões fundamentais do futuro, que é a importância que
uma boa educação terá nas sociedades vindouras . Para o autor, as condições educativas,
quer a nível escolar, quer a nível de um desenvolvimento emocional equilibrado de que
as crianças dos nossos dias venham a usufruir, serão absolutamente fundamentais para o
sucesso das sociedades e das economias do futuro, cada vez mais dependentes de um
sólido capital humano que permita adaptações sucessivas a mudanças rápidas nos
conhecimentos necessários ao desempenho profissional num ambiente de acentuado
stress profiss ional, que necessitará de um sólido "equipamento afectivo" capaz de o
suportar. Sem um investimento na "educação das crianças", perde-se um dos factores
mais importantes de criação de riqueza e, portanto, da manutenção de um caríssimo
sistema de bem-estar que os "Estado - Providência", mais ou menos universais
representam (Idem, a, 1 9-20 ; Idem, b) 26-67) ;
-Um novo tipo de "contrato com a mulher", esteio fundamental das famíl i as do futuro,
quer falemos do modelo de famíl ia monoparentaJ , quer do modelo famil iar tradicional .
Trata-se um tipo de "contrato" que compatibi lize a permanência da mulher no mercado
de trabalho, mesmo que de forma temporária e intermitente, com a função de educação
e orientação dos filhos, os quai s, segundo provam todos os estudos sérios que de há
mais de cinquenta anos têm vindo a ser elaborados, beneficiam de forma evidente, quer
no seu desenvolvimento físico, quer no seu desenvolvimento afectivo e cognitivo com a
intensificação das formas de socialização endógenas de proximidade, e nomeadamente
de uma relação estável e o mais prolongada possível com as figuras maternas. Assim, a
criação de riqueza através da recentração do papel da mulher na sociedade, reflectir-se-á
não só através da formação de futuros adultos mais "equipados psicologicamente",
como possivelmente, se as condições forem criadas, do aumento das taxas de
natalidade, e i sto sem que a erradicação do mercado de trabalho seja uma condição para
que a mãe possa existir e cumprir um papel que mais ninguém pode cumprir (Idem, a
20-2 1 ; Esping - Andersen, 2003c , 67-95) ;
- A terceira questão centra-se na promoção de políticas activas de inclusão social que
impeçam ou que tenham em conta os riscos colocados por um dos grandes problemas
criados pelas estruturas económicas actuais, ou seja, a desagregação do mercado de
emprego em duas vias distintas, uma minoritária, com recurso a uma mão-de-obra
altamente qual ificada e bem paga, e outra maioritária composta por trabalho não
1 32
quali ficado, mal pago e instável . Esta tendência produz de forma natural situações de
emprego polarizadas que arrastam para a pobreza, ou, pelo menos para a pobreza
relativa, estratos significativos da população. Segundo os autores que seguimos, a
maioria dos estudos mostra que as actuações "remediadoras" face à pobreza têm muito
menos possibi l idades de sucesso do que as estratégias preventivas : uma vez entrada em
situações de pobreza a tendência é a de nelas permanecer e reproduzi- las através da
educação fami l iar. Por outras palavras, criar "emprego protegido" pode ser socialmente
mais rentável , quer em termos estritamente económicos, quer em termos de coesão
social , do que atribuir subsídios de reinserção social ou cupões de alimentação e de
compra de l ivros escolares aos que caíram em situações de pobreza e aos seus fi lhos
(Gal l ie, 2003, 96- 1 29) .
- Finalmente, o autor, no que é secundado por John Myles, defende que a actual situação
só é possível de ser desbloqueada através de um "pacto de gerações", e m que quer os
recursos, quer os empregos, quer as idades de reforma, assim como as idades de entrada
na vida activa, sejam alvo de uma negociação permanente que levem à parti lha inter
geracional dos recursos hoje existentes . Na verdade, fruto da época e das condições em
que teve lugar a sua vida profi ss ional , as gerações urbanas compreendidas no intervalo
entre as que hoje se encontram na segunda metade da sua vida profissional e as que
estão já efectivamente reformadas, beneficiam de um contexto laboral e financeiro
favorável que, correspondendo quer ao esforço contributivo da sua vida activa, quer à
capacidade de negociação que a sua geração teve, conserva recursos, quer em dinheiro,
quer em empregos, que poderiam ser efectivamente parti lhados com os mais novos e
com aqueles da sua geração que chegaram mais tarde ao regime contributivo geral ,
como acontece em sociedades recém industrializadas em que uma parte significativa
dos pensionistas é de origem rural . Sem este pacto, que impõe uma renegociação global
das condições financeiras e de c iclos de trabalho adstritos quer à população activa quer
à população reformada, o bloqueio à entrada de novos pensionistas nas condições
"privilegiadas" do actuais, tenderá a manter-se e a envenenar-se com o tempo,
contribuindo para factores de desintegração social e de divisão profunda, originadas
pelo aumento da diferença no número dos que têm acesso a recursos sociais como o
trabalho e a possibil idade de reforma efectiva e os que não têm de tal mundo enão uma
imagem distante e frequentemente mistificada (Esping- Anderson, 2003a, 23-24; Myles,
2003 , 1 30- 1 72) .
1 33
Se, segundo Gosta Esping-Andersen, são estas as condições para uma efectiva reforma
do actual "Estado - Providência", as soluções políticas para que tais reformas sejam
postas em marcha não são concretizadas pelo autor, o que se compreende, dada a
grandeza e extensão do que terá de ser fei to para que estes objectivos sej am atingidos .
Será o tecido político Ocidental , e sobretudo europeu, capaz de levar a cabo reformas
deste tipo, que envolvem uma discussão generalizada sobre profundas mudanças no
trabalho e a abdicação por parte de algumas gerações do que eram as suas expectativas
de vida? A tremenda questão demográfica é resolúvel com um "pacto de género", que,
nos países, nomeadamente nos escandinavos, em que foi mais aprofundado, tendo feito
subir a natalidade, nunca no entanto conseguiu elevá-la pelo menos ao nível da chamada
"taxa de reposição", ou seja, a uma média superior a duas crianças por mulher (Rosa,
2000, 430; OECD, 2005)? Será o discurso sobre o reforço da educação, possível em
sociedades com níveis de gastos sociais a pisarem valores que variam entre os 20% e os
30% dos seus PIB e taxas de i mpostos e cotizações a ultrapassarem os 40% do Produto
(Hemerijck, 2003, 1 80; OECD b, 2006)?
Como peça fundamental do qualquer Estado contemporâneo, e sobretudo dos que a s i
próprios se atribuíram funções sociais relevantes, encontramos a educação. O que se
passou neste capítulo durante e depois das mudanças de regulação social e económica
que se foram dando na época que analisamos?
Algumas consequências II: as mudanças nas relações entre o Estado e a Educação
- O impacto na educação das mudanças nos modos de regulação dominantes; os
impasses gerados pela lógica da massificação, e as dificuldades da gestão social e
física dos espaços educativos num contexto de autoridade contratualizada.
Um belo trecho da autoria de Peter Wagner, que parece caracterizar o tempo que
vivemos, pode também servir como directriz dos percursos que os Sistemas Educativos
contemporâneos, que antes caracterizámos como um dos sistemas de social ização
primordiais da Modernidade, têm percorrido durante as últimas décadas do século XX e
neste começo do século XXI. Referindo-se de uma forma difusa ao que parece estar a
mudar, escreve o autor, num texto datado de 1 996, o seguinte : " . . . Nos últimos dois
decénios as imagens, positivas ou críticas, relativas a uma sociedade funcionalmente
ordenada perderam convicção. Do interior desta tradição intelectual , foi sendo
diagnosticada uma gradual dissolução desta ordem ; por outro lado. a investigação
1 34
empírica parece ter revelado uma pluralização e uma desintegração de arranjos
institucionais como os estilos de vida sociais, fenómenos difíceis de interpretar em
termos de funcional idade. Na fase actual , a tónica já não é sobre "a ordem", e o discurso
de "libertação" típico da Modernidade toma a forma de um elogio da
individualização . . . " (Wagner, 1 996, 28) .
Na verdade, se se compreende que não se sabe ainda como viver sem o amparo dos
S istemas Educativos definidos no século XIX, uma parte fundamental dos ideais que
nortearam a sua construção e a sua legitimação parecem ter perdido a força que j á
tiveram, transformaram-se, adaptaram-se a mudanças sociais, económicas e culturais
que foram fazendo o seu caminho, umas de forma vagarosa e subterrânea, outras de
forma rápida e aberta, mas parece haver um sentimento difuso de que as lógicas de
funcionamento e de legitimação da educação, nomeadamente na sua componente
escolar, não têm acompanhado, pelo menos de modo articulado, tais mudanças e
metamorfoses,
Estas alterações, ainda difusas e de difíci l compreensão, mas que começam a emergir
na segunda metade do século XX, parecem sublinhar uma lenta passagem do processo
educativo como um instrumento económico e político ao serviço de uma ideia de Estado
e de economia dirigida por uma el ite política e social que agia em nome da construção
de um "bem comum nacional", para um instrumento de mobil idade social, pessoal e
familiar, ou seja, parecem traduzir, entre outros possíveis significados, uma apropriação
da educação por parte do cidadão e de grupos de c idadãos que tentam manipular o
sistema em seu proveito, como grupo, como classe, como indivíduos. Por outras
palavras, a tensão sempre viva entre a ideia da educação como um bem público ao
serviço do desenvolvimento económico, social e político de um grupo alargado como o
Estado - nação, ou da educação como um bem privado ao serviço da mobil idade
individual ou famil iar, parece, nos últi mos decénios do século passado, desequil ibrar-se
em favor da segunda linha de rumo.
Nada que o anarquismo dos anos vinte ou o neo-marxismo dos anos sessenta do século
XX não percebessem e denunciassem, mas a verdade é que, pela primeira vez nos
tempos mais recentes, uma parte das políticas de Estado parece faci l itar esta tendência
sem que se manifeste uma oposição pol ítica forte e socialmente enraizada, como sempre
foi o caso no século passado, em que um vigoroso mundo sindical e político não perdia
uma ocasião de fazer da educação "uma frente de luta política", com o máximo da sua
força e com uma legitimidade de quem tinha ou parecia ter al ternati v as políticas
1 35
também em termos educativos, denunciando as reais ou i maginárias derivas l iberais e
"individual istas" promovidas pelos "Estados Capital i stas". Se o rápido esboroamento de
uma crítica social com bases no marxismo e no anarquismo pode expl icar uma parte
desta anuência silenciosa que nem o barulho criado pelas reivindicações corporativas
consegue disfarçar, teremos de ir um pouco mais além para explicar a totalidade deste
"mal estar" instalado no mundo educativo.
Na verdade, não foram anarqui stas, nem social istas, nem comunistas que inventaram ou
enraizaram os "Sistemas Educativos" nacionais , apesar de as suas críticas e realizações
terem dado um fundamental contributo para o seu desenho contemporâneo, pelo que
será provavelmente na erosão das bases constitutivas originais dos S istemas Educativos,
os quais, como deixámos escrito, estão intimamente relacionadas com a defin ição da
célula reguladora fundamental da Modernidade, o Estado - nação, que teremos de
procurar as razões para a compreensão de uma parte das l inhas de rumo da educação
actual .
Assim, na base das pressentidas mudanças nas relações contemporâneas entre o Estado -
nação e os S istemas Educativos, certamente se encontrarão a corrosão de algumas das
componentes que, para Francisco Rarnírez, são estruturantes do "modelo Ocidental de
sociedades nacionais" que marca os séculos X1X e XX, e que ele enumera da seguinte
forma: " . . . The myth of the individual ; the myth of the nation as an aggregation of
individuaIs ; the myth of childhood social ization and continuity over l i fe course; the
myth of progress; the myth of the State as the guardian of the Nation . . . " (Ramírez,
1 997, 49).
Se não se pode falar, nos tempos presentes, do esgotamento de todas estas componentes
do sistema de pensamento que legitimou ou ainda legitima uma parte da ordem interna e
externa nos dois últ imos séculos, também se percebe que algumas delas, de formas
desiguais conforme as sociedades ou os segmentos políticos em que se discutem, estão
j á bem perto de deixar de ser hegemónicas, difici lmente se encontrando no centro das
bases morais e filosóficas que legitimam a acção política e individual dos nossos dias.
Se, por outras palavras, e como temos vindo a sugerir em todo este texto, se está perante
um tempo de mudança global , difíc i l seria que não fossemos notando os pequenos sinais
de tal mudança, sintomas de desordem para uns, de recomposição para outros, em algo
que foi tão estrutural na defin ição do período em fase de descarte, como o foram os
S istemas Educativos contemporâneos.
1 36
De forma mais específica, três questões parecem agir de forma estruturada e articulada
para mostrar porque e corno mudaram as relações entre o Estado, a sociedade e a
educação nos últimos vinte anos : a) as mudanças que se deram nos últimos vinte anos
nos Modos de Produção principais do século XX, e as suas consequências nos modos de
regulação dominantes ; b) a progressiva massificação do mundo educativo e as
dificuldades de gestão de tal lógica; c) a dificuldade de articulação entre as novas
formas de socialização oriundas de espaços exteriores à escola, e a lógica disciplinar
essencial à manutenção do sistema escolar contemporâneo tal corno o conhecemos.
São três questões que se interl igam e que merecem um traço próprio para cada urna,
ainda que breve e sintético, urna vez que a realidade em que hoj e nos movemos não tem
causas separáveis , não sendo o todo compreensível apenas pela análise das suas partes .
a) Assim, e começando pela primeira questão, percebemos que, tal corno ternos vindo a
deixar escrito ao longo deste texto, assistimos, a partir do período final da segunda
metade do século XX, a urna mudança mais ou menos intensa conforme as sociedades,
mas que no seu conjunto aponta para um mesmo caminho, que passou pelo fim do
"Modo de Produção comunista", pelo enfraquecimento estrutural e ideológico do modo
de regulação keynesiano, e pelo ressurgimento de um modo de regulação liberal que
torna o mercado corno metáfora de funcionamento, tentando reduzir o papel do Estado
às suas funções mais antigas e tradicionais.
Isto significa que, depois de urna retórica radical em que se defende urna "lógica de
privatização" da maioria dos componentes dos S istemas Educativos, nomeadamente
através das propostas de Milton Friedman (Friedman, 1 962) de substituir o
financiamento da maioria das partes que compõem os S istemas Educativos pelo
financiamento dos alunos através do "cheque escolar", se assiste a urna recomposição
de tais propostas, com o emergir de situações mais estabil izadas, mas, em que,
lentamente, se vão institucionalizando modificações profundas das relações entre o
Estado e a educação.
Não tendo a mesma profundidade em todas as sociedades, nem mesmo nas sociedades
ocidentais onde as diversas tradições educativas facil itam ou dificultam o sentido
l iberalizador de tais modificações, assiste-se em geral a mudanças que são aSSIm
descritas de forma geral pelos sociólogos Yves Dutrecq e Agnés van Zanten : " " . L '
analyse des pol itiques publ iques a e u pour effet de « sociologiser » l ' analyse d e l ' action
étatique, en remplaçant l ' idée d'un État omnisciente et capable d ' imposer une ordre
global légitime, par une conception plus nuancée et plus complexe de l ' action publ ique,
1 37
mettant l ' accent sur les l imites du rôle de l ' État, sur la plural ité des acteurs et des l ieux
de décision, et sur la diversité des modalités d ' intervention . . . " (Dutrecq e van Zanten,
2002, 6) .
Estes "limites do papel do Estado", a transferência de tal papel para "uma pluralidade de
actores e lugares de decisão" assim como a substituição da sua acção directa na
planificação, gestão e avaliação do mundo educativo, por uma "diversidade de modos
de intervenção", vem introduzir lógicas múltiplas e difíceis de coordenar através de
relações de "comando" directas, pelo que o Estado tende a resvalar do seu antigo papel
de regulador único, para um papel de negociador, de elemento de l igação entre a
multiplicidade de interesses considerados legítimos no campo da educação, e de
financiador, sempre que possível , de um sistema que tende progressivamente a ser
avaliado por instituições externas, l igadas ou não directamente ao Estado, mas que têm
de por ele ser legitimadas .
Esta forma de encarar as relações entre o mundo da política e o mundo da educação, não
sendo diferentes das novas formas de relação entre o Estado e a sociedade em geral,
introduzem elementos de legitimação vindos de uma concepção l iberal em que o Estado
é visto como um organismo cuj a acção deve ser l imitada, no sentido de criar espaços
l ivres onde a acção cívica possa ter o lugar de "comando" senão directo, pelo menos
partilhado com os outros "actores da educação" ou seja, professores, comunidades,
empresas, alunos, Igrejas, etc.
Também sabemos que as formas de regulação destas relações, nomeadamente as formas
de avaliação que "medem" a justeza dos rumos públicos, neste caso educativos, tendem
a introduzir uma lógica de mercado através da "aval iação dos outputs" que resultam dos
inputs no sistema, ou seja, dos investimentos públicos, levados a efeito pelo Estado no
sector educativo. Se tal lógica se justifica quase sempre como uma maneira criteriosa de
gestão dos dinheiros públicos, também percebemos que ela age como "ponta de lança"
de uma forma de gestão privada, que não significando necessariamente que se caminha
para a privatização da educação, minimiza frequentemente, pela sua própria lógica
intrínseca, as funções de integração social , económica e política que à educação,
historicamente, têm sido cometidas.
Estas tendências que se inscrevem nas novas formas de articulação do papel do Estado
na educação, não podendo evidentemente fazer tábua rasa de dois séculos de aquisições
sociais, económicas, e neste caso, especificamente educativas, reflecte, no entanto, uma
posição pol ítica crítica face a muitas de tais aquisições, ao mesmo tempo que também
1 38
espelha as dificuldades reais de manutenção dos níveis de financiamento e de gestão dos
progressivamente mais massificados s istemas sociais de que a educação é uma parte .
Ao definir, em princípio, como base filosófica própria do l iberalismo, que a educação,
como a saúde ou as reformas, devem cada vez mais tornar-se preocupações dos
c idadãos e menos do Estado, nunca saberemos se este, ou quem em nome dele fala e
age, o faz em conformidade com os princípios pol ít icos que diz seguir, ou, e também,
por constatar as progressivas dificuldades em gerir e financiar o gigantismo de tal
"mundo" de que a educação faz parte.
b) O sucesso da massificação dos S istemas Educativos durante os séculos XIX e XX,
não só em termos da frequência universal da escola por parte de determinados grupos de
idade, mas também da contínua subida do número médio de anos de tal frequência, é
outro dos factores que, em articulação com as mudanças nos modos de regulação antes
descritas, parece levar à constatação de que, em muitas sociedades, por um lado, se
atingiram os níveis de l iteracia "suficientes" para fazer funcionar o sistema (Raynaud,
2003) , e por outro, a educação escolar está já suficientemente interiorizada como forma
de social ização (Candeias et aI. , 1 999; 200 1 ), o que, em conjunto com a enorme despesa
que representa a manutenção de um sistema com tal grau de massividade e as enormes
dificuldades de gestão que ele suscita, tende a faci l itar uma reaval iação do tradicional
papel de único ou principal "promotor" e "regulador" da educação que durante o século
XX tem sido remetido para o Estado.
Na verdade, como poderemos ver adiante, a util ização da escola, por todo o mundo,
continua a ser vista como uma forma de assegurar o futuro, e mesmo em sociedades em
que o crescimento populacional tende a ser negativo ou a estagnar, caso da maioria das
sociedades desenvolvidas ocidentais, ou que empobrecem, como é o caso de uma boa
parte das sociedades africanas subsaarianas, a tendência para a mas ificação acentua-se,
aumentando o número médio de anos de frequência de frequência escolar.
O quadro que de seguida apresentamos mostra como, independentemente do curso da
economia de cada região do mundo, ou de dados demográficos por vezes desfavoráveis,
o número de anos de escolaridade entre 1 990 e 200 1 , ou seja, a chamada "esperança de
vida escolar", aumentou neste mesmo mundo, embora não de forma igual, e, c laro, à
partida as diferenças entre sub-regiões sejam abissais .
1 39
Gráfico 10- Aumento do número médio de anos de escolaridade no mundo, por sub-regiões, entre 1990 e 2001
18.---------------------------------------------�
16 +-------------------------------��----------� 14 +-----------------------------�����--------� 12 t--------=���----���----���� 10+-----���----���--���----------���� 8+---���----------����------------------� 6+-��--------------------------------------� 4 +---------------------------------------------� 2 +---------------------------------�------------� O +----.----,,----�--�----�--�----,,----�--�
Afr. Subo Pa. Ás. Ás. Ás. Sul Am. Lat. Am. Nor. Eur. Mundo Árab. Centro Or.Pac. Oco Caro Eur. Oco Centro
Les.
Fonte: PNUD, 2005, 25.
-+--1990 -2001
Embora as diferenças entre estas "fatias" geográficas sejam enormes como antes se
disse, e no interior de cada uma de tais fatias persistam desequilíbrios variáveis mas
muito consideráveis, a expansão da educação escolar no mundo em geral, do século
XVI ao século XXI, com uma particular aceleração e tendência para a universalização a
partir de meados do século XX, é absolutamente assombrosa.
Assim, e embora as situações sejam diferentes de região para região, os dados relativos
ao aumento continuado da frequência escolar em todo o mundo, facilitam a suposição
de que, por um lado é impossível acompanhar financeiramente esta expansão contínua,
e por outro, que tal expansão, se não encarada de forma seleccionada de acordo com
necessidades específicas de desenvolvimento, deixa de ter sentido social, uma vez que
os níveis de literacia dos países mais desenvolvidos são frequentemente vistos, como se
afirmou, como sendo suficientes para o "funcionamento" do sistema, quer encaremos "o
sistema" na sua acepção económica, política ou social.
Por outro lado, ainda, tornam-se patentes as dificuldades de gestão directa de um sector
tão massificado como a educação e todas estas premissas em conjunto abrem o caminho
para o alinhamento de formas de relação entre o Estado e a educação, relativamente
novas se comparadas com as que predominaram no século XX.
140
A primeira e provavelmente a mais importante das componentes de tais novas formas de
relação entre o Estado e a Educação, implica uma mudança profunda nos paradigmas de
gestão por parte do Estado, tal como assinalámos na alínea anterior. Roger Dale resume
tal mudança ao salientar que, no espaço de duas décadas, a educação passou de um
sector "governado" pelo Estado, para um sector que é alvo uma "governância" por parte
de uma série de parceiros de que o Estado também faz parte :
" . . . The tendency in common usage i s to identify the term "government" with the
institutions of the state that control and regulate the l ife of a territorial community.
Governance - that is, the control of an activity by some means such that a range of
desired outcome is attained - is however, not just the province of the state. Rather, is a
function that can be performed by a wide variety of public and private, state, non -
state, national and international institutions and practices . . . " (Dale, 1 999, 274).
Na verdade, numa tendênci a que, na Europa, data de meados da década de oitenta do
século passado, tudo indica que, mantendo-se o Estado como um garante do
funcionamento e credibil idade das partes "básicas" dos Sistemas Educativos, a sua
acção terá evoluído em muitos aspectos, de uma atitude de gestão directa de um sistema
imerso num gigantesco e por vezes paral i sado sistema público, para uma locação ou
"aluguer" de partes desse sistema a parceiros comerciais ou sociais que se mostrem
interessados em o fazer.
As experiências de Margaret Tatcher na década de oitenta, permitindo que uma parte
das escolas britânicas "optassem", através do voto dos pais dos alunos, por sair do
controlo das Local Education Authorities, e mantendo-se públicas, pudessem funcionar
numa "lógica privada" com direcções inteiramente responsáveis e responsabi l izáveis ,
que poderiam escolher uma parte dos professores, implementar métodos pedagógicos
autónomos, e fatias curriculares inovadoras no contexto de uma rede escolar
"desregulada" onde o principio da "circunscrição escolar" cedia ao principio da
l iberdade de escolha da escola por parte dos pais dos alunos (Candei as, 1 993a;
Jonathan, 1 989), foi nalguns aspectós aprofundada com a "Education Bill" apresentada
por Tony B lair em Outubro de 2005, (Department for Education and Ski l ls , 2005) .
E não se trata apenas de experiências levada a cabo por temívei s "Neo-l iberais" ou
"terceiras vias": é esta a forma de funcionamento de uma parte fundamental do S istema
Educativo Holandês, ou do Pré - Primário português, com o Estado holandês a pagar a
cada escola os alunos que, por convicção reli giosa ou política a escolhem e o Estado
1 4 1
português a pagar às Instituições Privadas de Solidariedade Social as creches e j ardins
de infância das crianças, de acordo com as declarações de rendimentos dos seus pais .
A questão fundamental para que este tipo de política de "locação" funcione faz parte
integrante da segunda componente desta reestruturação das relações entre o Estado e a
educação, e que é constituída pela implementação de políticas de inspecção levadas a
cabo pelo Estado de maneira a assegurar que, por um lado, os programas e objectivos
cada vez mais decididos a nível de parceiros sociais e educativos locais e sancionados
de forma cada vez mais geral por Parlamentos nac ionais ou locais, são efectivamente
postos em marcha nas escolas "locadas", e por outro, que o S istema Educativo, ou as
escolas que o compõem têm a qualidade necessária para levar a termo os objectivos
"encomendados" pela sociedade.
Desta forma, as funções de inspecção das escolas, tenham ou não a sua sede no
"Estado", constituem-se em peças fundamentais desta segunda componente da novas
relações entre o Estado e a educação, cumprindo o objectivo de garantir a credib i l idade
do novo "mercado" educativo, informando o "Estado" da forma como dinheiro por ele
alocado está a ser bem ou mal gasto, os pais da eficiência das escolas em que os seus
filhos estudam e os c idadãos sobre a boa ou má gestão dos seus impostos.
As formas de regulação pós - nacionais exercidas por instituições de avali ação com
carácter "europeu" ou por organizações internac ionais como a OCDE e o Banco
Mundial , perfilam-se como sólidas hipóteses de substituição de funções até aqu i
desempenhadas por Estados nacionais, sobretudo no que d iz respeito à avaliação e
legitimação das políticas de investigação científica e universitária em cada país,
poupando o ónus político das decisões i ncómodas a Governos que tentam lutar pela
sobrevivência em ciclos eleitorais de quatro anos (Teodoro, 200 1 b ; Seixas, 200 1 ) .
A terceira componente deste novo tipo de relação é, apesar de tudo o mais tradicional e
é composta pela necessidade de manutenção de alguma capacidade por parte do Estado
em assegurar investimento, se necessário, directo, e gestão, também directa,
relativamente a situações ou instituições que se revelem ou estratégicas para a
implementação da competitividade do tecido social e económico de uma sociedade, ou
necessárias à manutenção da coesão interna da mesma sociedade. Laboratórios de
Estado que são dific ilmente privatizáveis , sectores fundamentais para a competitividade
económica de um país ou de uma região, assim como partes do tecido educativo que se
mostrem avessos ou pouco atractivos à intervenção "privada" e "cívica" , e em que a
desregulação tenha efeitos manifestamente negativos, têm de ter uma "almofada de
1 42
segurança" estável e credível que permita a continuidade e estabi l idade de trabalho de
utilidade científica e social, sendo que só o Estado pode assegurar uma "almofada"
deste tipo. Esta componente tradicional das relações entre o Estado e a educação,
mostra-se fundamental, nomeadamente nas funções de sustentação das componentes de
equidade e coesão social atribuídas à educação, sobretudo nos casos extremos de
escolas e de regiões educativas deprimidas, pelo que será cedo para lhe ditar a morte .
Ou sej a, as relações tradicionais de uma quase total interdependência entre o Estado e a
educação durante o século XX, em que o Estado assumia o papel de planificador, gestor
e avaliador dos S istemas Educativos, e em que a educação era vista "como um todo" na
promoção do progresso económico e da estabil idade política de uma sociedade,
resvalam para relações do tipo "complementarista", em que o Estado parece seleccionar
a sua intervenção em função de necessidades específicas, deixando "rolar" um sistema
que parece cada vez mais entregue a si mesmo e ao jogo de relações sociais e políticas
que dentro dele têm lugar.
Trata-se de novas componentes de uma relação que muda, mas que tem condicionantes
fundamentais na sua aplicação.
A primei ra dessas condicionantes depende do nível de desenvolvimento das sociedades
em que estas mudanças são implementadas, j á que estas transformações serão muito
pouco credíveis , e mesmo perigosas, em regiões ou em sociedades que não tenham j á
uma larga tradição de "boa educação" e de "boa administração", o u seja, sociedades e
regiões que, por um lado, tenham como adquirida por parte da esmagadora maioria da
população a interiorização da necessidade de uma educação de qualidade e, por outro,
tenham como adquirido um sentido crítico apurado e a maestria política e cívica para
transformar tal sentido crítico em capacidade de decisão e intervenção nas políticas
públicas de proximidade.
Na verdade, este recuo do Estado i mplica um certo vazio em sociedades que o devem
poder preencher através de articulações administrativas mais sofisticadas, mas também
de maior proximidade social , e neste aspecto nada parece poder substituir a acção
cívica. Implementar políticas deste tipo em sociedades frágeis, em desenvolvimento, em
que a dúvida entre os benefícios do trabalho infantil e da escolarização subsistem, ou
em sociedades que não adquiriram o grau de desenvolvimento económico e social que
permitam a interiorização estável de formas de socialização mais sofisticadas como a
educação escolar, representa certamente um desastre social e político de que
1 43
benefic iarão apenas os mais ricos e os locadores de serviços educativos. Aqui parece
nos que o "Estado antigo" é insubstituível .
A segunda condicionante que nos parece pertinente reside no facto de a transição de
uma política de "est i lo antigo" para políticas "de novo tipo", exigir competências que
põem à prova as capacidades de mudança por parte dos serviços públicos, os quais têm
de proceder a reformas complicadas, de manei ra a poderem substituir a gestão directa da
educação por formas de i ntervenção diferida, baseadas em articulações administrativas
complexas. O risco de estas articulações não funcionarem ou funcionarem mal , é
grande, e na ausência de um escrutínio cívico forte, que ampare e vá corrigindo as
falhas e deslizes das novas políticas, de novo, as funções de equidade social e de coesão
social que continuam a ser vistas como funções clássicas e repetidamente reafirmadas
dos S istemas Educativos, correm o risco de deixarem de ser exercidos de forma
correcta, ao permitirem, por exemplo, uma enorme diversidade na qualidade da
educação que se pratica, o que beneficiará uns em detrimento de outros.
As vantagens e os prejuízos deste novo tipo de articulações são discutidos há mais de
vinte anos, mas a forma como tal discussão se tem dado, imersa numa enorme nuvem
ideológica, tem dificultado uma apreciação equilibrada e racional baseada em estudos
empíricos de qualidade, tornando-se difíc i l de decidir acerca bondade deste tipo de
transição, que, no entanto, de forma mais ou menos veloz, mais ou menos profunda, vai
percorrendo o seu caminho.
Podemos admitir como correcto, independentemente do ponto de vista político, que
estas novas articulações, se bem concebidas e coordenadas, trarão vantagens inegáveis
do ponto de vista da racionalidade de gestão, ao constatar-se a incapacidade manifesta
por parte das formas tradicionais de poder político em gerirem com eficiência um sector
educativo massificado, com necessidades complexas e heterogéneas e expectativas
sociais e poder de reivindicação muito fortes e mediáticas.
No entanto e como antes deixámos escrito, não podemos menosprezar a dimensão
política deste realinhar de relações entre o Estado e a educação. Na verdade, estas
mudanças de regulação permitem sem dúvida uma maior capacidade de l idar com
fenómenos de grande dimensão em que as administrações centrali zadas se revelam
ineficientes, mas fazem-no sobretudo através da possibi l idade de, em maior ou menor
grau, tornear a situação de paralis ia imposta por um funcionalismo público defensivo,
condicionado, fortemente sindicalizado, com pouca flexibi l idade na adaptação a
mudanças rápidas e com uma l arga lista de "direitos adquiridos", que se revel a, em
1 44
muitos caso, totalmente insensível às razões da sua existência e que são as de "servir o
público".
Ante um sector público com graus de produtividade e de motivação heterogéneos e com
uma consciência corporativa fortemente arreigada, a estratégia seguida tem sido, sempre
que possível , "desfuncionalizar" uma parte de tal funcional ismo, passando-o para
situações laborais semi-privadas, o que, ao mesmo tempo, alivia Orçamentos de Estado
tradicionalmente apertados, e atenua a conflitualidade social tradicionalmente forte nos
sectores públicos.
Também noutro aspecto se nota a origem política desta recomposição das relações entre
Estado e educação, ou sej a, na crença de origem l iberal segundo a qual a "iniciativa
privada", interessada no lucro, o que neste caso significaria a manutenção dos acordos
de exploração de sectores educativos "alugados" ao Estado, ou da manutenção e
crescimento do número de alunos que preferem as escolas por si geridas, é mais
eficiente na prestação de serviços do que uma função pública em que a grelha salarial
está pouco relacionada com a obtenção de resultados medíveis de forma objectiva.
Havendo alguma razão para estes raciocínios, eles são, no entanto, frequentemente
primitivos na argumentação e, por vezes, totalmente inadequados a situações tão
complexas como o trabalho educativo, pelo que, se o controlo e avaliação por parte do
Estado não funcionarem efectivamente, as situações tendem a descontrolar-se e nesse
caso talvez nem valha a pena mudar de paradigma de gestão, tudo sendo de fazer para
melhorar o que existe, mesmo que nele pouco se acredite.
Finalmente, uma última vantagem que costuma ser apontada nesta recomposição das
formas de relação entre Estado e educação reside na "libertação" da sociedade civi l , no
sentido de lhe conferir o espaço para uma maior intervenção na educação e na assunção
de responsabi l idades na escolarização dos seus fi lhos, uma l inha de argumentação que
também deve muito ao vocabulário l iberal , e que não coloca todos em situação de
igualdade, não se percebendo, por exemplo, como se pode comparar a capacidade de
intervenção na educação dos respectivos filhos, entre famíl ias financeiramente robustas,
com maior capital escolar e em que um dos pais pode prescindir de trabalhar, e outros
tipos de famíl ia sem este tipo de competências e de folgas. Mais uma vez, trata-se de
situações que, ou se desenrolam em sociedades extremamente niveladas e igualitárias do
ponto de vista social , ou o desaparecimento do Estado e da sua acção "compensatória"
face às desigualdades existentes "à partida" podem revelar-se um autêntico pesadelo em
termos de coesão social e política.
1 45
A avaliação destas novas relações entre o mundo político e o da educação, tem sido
levada a cabo, como dissemos antes, de formas muito ténues e por vezes muito
infectadas ideologicamente, as quai s ou nos reportam experiências exemplares em que a
coordenação e a autonomia têm funcionado extremamente bem, ou experiências
tenebrosas em que os mais fracos são simplesmente deixados para trás , e na ausência de
mecanismos de compensação sérios por parte do Estado, esse atraso se acentua
relativamente ao tempo em predominanavam formas de gestão mais antigas e
"fordistas" (Ball , Bowe, e Gewritz, 1 999, 409-42 1 ; Fakehend, 2003 , 5 1 -73 ; Castells e
Himanen, 2002) .
As diferenças, apesar de na nossa opinião não haver ainda uma densidade de aval iação
que permita indicações seguras, parecem, no entanto, residir na qualidade das
articulações conseguidas, o que se relaciona evidentemente com a qual idade, à partida,
das administrações, com o grau de coesão soci al prévio às mudanças de paradigma,
entre outros aspectos, colocando algumas das "estrelas do costume", ou seja, os
escandinavos, como vencedores deste tipo de aposta e, no outro extremo, as sociedades
com "tradições l iberais" como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, ou com
administrações pesadas, i neficientes e por vezes corruptas, como as da Europa do Sul e
do Leste.
Mas esta "l ibertação da sociedade civil" no campo educativo, bem como o clima de
discussão que a envolve, têm criado o espaço para o surgimento de formas de
escolarização novas que frequentemente, não passando ainda de realizações com pouca
espessura, de mistura com muita retórica, são, ainda assim, cada vez mais discutidas e
sobretudo, estudadas.
Assim, podemos hoje encontrar referênci as a formas de viver a educação muito mais
diversificadas hoje do que há trinta anos.
Partindo das suas vertentes clássicas, ou seja, o envolvimento directo do Estado no
financiamento e gestão dos subsistemas de Educação Básica e Secundária, que ainda é
maioritária, mesmo na América do Norte ( Levin, 200 1 , 6), até ao envolvimento de
empresas profissionais de educação que, sendo pagas pelos Estados, nac ionais ou locai s,
se encarregam de gerir "regiões educativas" ou subsistemas do sistema educativo,
passando por "charter Schools" (Witte, 2002, 1 55- 1 7 1 ) , ou seja, propostas pedagógicas
e administrat ivas apresentadas por pais ou educadores que, segundo planos autorizados
pelas autoridades locai s se propõem a gerir durante um período de tempo escolas de
determinadas zonas, ou ainda, s istemas de "cheques educativos", com propósitos vários,
1 46
desde o permitir que cada familia escolha a escola do seu filho, até programas
seleccionados destinados a crianças pobres, que vivendo em zonas escolares degradadas
podem assim frequentar escolas que estariam fora do seu alcance, a paleta de soluções
parece enorme e é sobretudo muito dinâmica (Levin, 200 1 , 1 0) .
Ou sej a, em conj unto, l iberalismo, massificação e restrições orçamentais , têm vindo a
sugerir modificações nas formas de relação entre o Estado e a educação que, no seu
conjunto, parecem mais profundas do que a superfície por vezes mostra.
Na verdade, e apesar de ainda prevalecerem no terreno as formas tradicionais de
escolaridade e de relação entre a sociedade política e a educação desenhadas nos séculos
XVIII , XIX e XX, parece seguro que outras maneiras de encarar tal relação se infi l tram
por entre as frinchas de um edifício antigo, com todo o tipo de ideologias presentes nas
propostas que sugerem.
O Estado parece tomar um lugar cada vez menor nesta discussão, mas sem ele e sem a
sua função de coordenador e de articulador das diversas partes que compõem este todo
cada vez mais diversificado, a discussão não seria possível , e talvez comece a ser tempo
de, como afirma Henri Levin, um autor que há décadas estuda esta diversidade, tentar
analisar tais propostas tomando como critérios quatro das questões que h istoricamente
se encontram no cerne da construção do mundo educativo contemporâneo: a coesão
social; a equidade social ou promoção da igualdade de oportunidades; a eficácia e a
l iberdade de escolha.
Na verdade, algumas de tais propostas parecem espelhar sugestões de planos de
socialização mais diversificados do que os disponíveis até agora, o que pode ser uma
tentativa de resposta às tremendas dificuldades de gestão física e pedagógica de
instituições que se inspiram nas escolas dos Jesuítas do século XVI, que foram alvo da
incorporação pelo Estado a partir da segunda metade do século XVIII , que resistiram
mal à massi ficação do século XX e que são vividas e percorridas pelas crianças e
adolescentes do século XXI .
c) Finalmente, a terceira causa que, de forma articulada com as que foram antes
expostas, contribui para o "sentimento de mudança" que assalta os que trabalham e
vivem no âmbito dos S istemas Educativos contemporâneos, relaciona-se com o
surgimento de novos espaços de social ização que transferem do exterior para o interior
do espaço educativo uma normatividade diferente da que esteve presente na constelação
societária industrial que viu o nascimento do modelo escolar actual .
1 47
As dificuldades de coordenação entre os tipos de socializações próprios de cada um
destes espaços (Tedesco, 1 999), levam alguns autores a falar do desaparecimento da
noção de infânci a (Postman, 1 994), da transição de formas de "Modernidade
Organizada" para formas de "Modernidade Liberal alargada" que potencial izam a
emergência de valores como a diferença e a pluralidade (Wagner, 1 996, 45 ) , ou da crise
geral da noção de "autoridade" (Arendt, 2006, 1 05- 1 54; Renaut, 2005) , num quadro de
erosão dos valores legitimadores do modelo contemporâneo de escola que se traduzem
em dificuldades evidentes na gestão de expectativas e de comportamentos no seu
interior (Candeias, 2003) .
Assim, a emergência dos media como um dos factores fundamentais n a social ização dos
jovens, as crises que assaltam alguns dos pilares i nstitucionais fundamentais da
Modernidade, como sejam o Estado - nação, a famíl ia tradicional e as Igrej as, a
democratização das sociedades, sobretudo ocidentais, herdei ras da declaração dos
Direitos do Homem de finais do século XVIII, associadas ao longo historial de
expectativas de mudança colectiva e individual que a educação susci tou ao longo do
século XX e que, como vimos antes, não conseguiu nem podia satisfazer, são alguns dos
factores que, em conj unto, vieram enfraquecer a vontade e a capacidade de manter uma
forma de socialização que, como qualquer "sistema de social ização complexo" i mplica
"constrangimento" sobre o "social izado" e capacidade de "coerção" por parte dos
"socializadores" .
A implementação e massificação de uma forma de socialização definida por Jerome
Bruner como sendo assente no desenvolvimento de factores cognitivos com uma forte
componente s imbólica e desl igada do contexto de acção social imediata (Bruner, c itado
por Scribner e Cole, 1 982, 1 2) , i mplicou uma noção de tempo relativamente longo e
uma disciplina física e mental constrangedoras para crianças, quanto mais não seja pela
omissão de actividade fís ica que a concentração necessária ao treino mental requer.
Assim, a imposição de um sistema coordenado e legitimado de discipl inarização que
recorreu quer à interiorização dos valores da auto - regulação, quer à punição
sistemática dos prevaricadores que ainda não estavam preparados para "a
Modernidade", tornou-se, como muitos autores antes de nós referiram e como está
expresso noutra parte deste texto, em uma das condições centrais para a construção do
sistema de escolarização contemporâneo.
Não se trata de uma descoberta recente, como salienta Phil ippe Aries ao descrever num
delicioso trecho, a violência necessária para impor o conceito adulto de "infância" e de
1 48
"adolescência" às crianças e adolescentes de finais do século XVII que frequentavam
os Colégios : " . . . Les régents furent conduits à imposer à cette jeunesse sauvage une
discipline de plus en plus dure, au col lege et dans la ville ( . . . ) .La correction n' était
plus l imitée aux verges des petits enfants ou à la discipline des "moines". Elle était
donnée en public pour l ' exemple et l ' humiliation . ( . . . ) C ' est que ces écoliers , petits ou
grands, étaient toujours tentés de passeI' trop tôt et trop vite du côté des adultes, et iI
fallait leur imposer par la force le sentiment de leur dépendance . . . " (Aries, 1 98 1 , 240) .
Ora, só a fé que muitas sociedades colocaram na integração de todos através do Estado -
nação e na crença do progresso material i l imitado, quer colectivo, quer individual ,
através da educação, dois dos traços fundamentais da ideologia da Modernidade e da
modernização, pôde sustentar o enorme esforço financeiro e psicológico que
representou a imposição da escolarização de sucessivas gerações de crianças, durante
dois séculos, frequentemente contra a sua vontade.
Além do mais, tal imposição contou sempre com o apoio de pelos menos dois dos três
pilares fundamentais da ordem política Moderna, ou sej a, o Estado, a Família e a Igreja,
o que conferiu a legitimidade para que um sistema organizado de coerção dos jovens em
nome do seu bem estar futuro conseguisse ter a persistência que teve na afirmação do
projecto escolar.
Hoje, admite-se que, na situação presente, há dúvidas e questões que se levantam sobre
a capacidade de impor este projecto.
Em primeiro lugar, os três pilares que, de forma articulada, deram corpo à educação,
transformando-a de um privilégio de alguns numa rotina para todos, o Estado - nação, a
famíl ia e a Igreja, estão longe do apogeu que atingiram nos séculos anteriores e vêm o
seu poder de influenciar a realidade drasticamente diminuído.
Se se admite que o Estado, ao abandonar um tipo de regulação social directa de tipo
keynesiano, substituindo-o por formas de regulação diferidas, perde uma parte do poder
que teve na promoção da coesão social e política, abandonando este poder à sociedade
civil , esta, se no seu centro colocarmos a família, sai também enfraquecida pelo
abandono do apoio directo por parte do Estado a que teve acesso na segunda metade do
século XX e pelas enormes transformações que foi sofrendo durante este período.
Esta perda de apoio directo do Estado assim como as transformações que sofreu a
famíl ia acabaram por polarizar a sociedade civi l entre os que não necessitam de tal
apoio e se sentem mais l ivres para prosseguir os seus interesses de grupo e os que não
tendo espaço nem folga para o fazer, não conseguem fornecer o enquadramento
1 49
necessário a nível da socialização primária, que sustente o percurso escolar dos seus
fi lhos.
De facto, tão importante como as questões económicas que resultam do
enfraquecimento do Estado - providência durante o final do século XX, foram
sobretudo as transformações que se deram nas farru1ias tradicionais do pós - guerra.
Estas transformaçõe , colocaram de forma cada vez mais massificada as mulheres no
mercado de trabalho tornando mais difíci l o desempenho de algumas das funções sociais
que lhes eram atribuídas na estrutura famil iar tradicional , ou eJa, a funções de
retaguarda na educação dos fi lhos, a qual se mostrava fundamental para uma boa
socialização primária da criança, algo que, como todos os especialistas mostram é
difici lmente substituível pela institucionalização precoce das crianças, é de importância
vital no futuro afectivo e cognitivo da criança, (Esping - Ander on, 2003a, 20-2 1 ;
2003c, 67-95) , e portanto, também na ua adaptação a uma escolaridade de sucesso .
Escolas que têm de se substituir às farrúlias e que, como tal, não conseguem disciplinar
crianças com processos de social ização primários e de proximidade frágeis e
descontínuos, eis uma queixa cada vez mais frequente dos profissionais da educação, a
qual aponta para uma das causas principais da crise do actual modelo escolar, que é a
cada vez maior dificuldade em coordenar um tipo de socialização de proximidade,
historicamente levada cabo pela farrúlia, pelas comunidades e pelas Igrej as, com uma
exo - social ização historicamente desempenhada pelos mecanismos formais de
escolarização da Modernidade.
Por outro lado, o enorme poder que os media actuais têm na socialização precoce ou
primária (Pasquier, 2003, 1 67- 1 86), e a dificuldade que famíl ias com pouco tempo
disponível sentem em contrabalançar a influência mágica de tais media, dificulta as
funções de uma agência de social ização como a escola que para exercer cabalmente o
seu papel necessita de uma extensão de tempo progressivamente mais alargada.
As rapidíssimas ascensões sociais protagonizadas por desportistas, artistas e músicos
que se prestam à cultura dos media, sendo estatisticamente excepções, têm um poder
que lhes conferem uma enorme força de exemplo, ridicularizando um percurso escolar
cada vez mais longo, e de resultados que não garantem a prosperidade imediata, dentro
de um mercado de trabalho que se tende a polarizar e em que os "pequenos empregos"
u ltrapassam, de longe, em número, os "grandes empregos" (Lindley, 2000, 33-79),
enfraquecendo assim, cada vez mais, a relação histórica entre sucesso nos estudos e
sucesso i medi ato na obLenção de uma boa profi ssão.
1 50
Por outro lado ainda, a enormes expectativas criadas historicamente pelo papel de
"engenharia social" que a educação teria na mudança social positiva, foi , como vimos
antes, social, económica e politicamente relativizada, e numa sociedade que assenta
cada vez mms em imagens rápidas e frequentemente superficiais, torna-se
progressivamente mais difíci l convencer um jovem oriundo de um meio social
desfavorecido, de que através do seu esforço nos estudos poderá construir um futuro à
medida das suas expectativas : quer nos media a que ele tem um aces o constante, quer
na economia "marginal" que medra nos enormes subúrbios de todo o mundo, se
desenvolvem vias de mobil idade social alternativas, mais rápidas e mediatizadas do que
aquelas que são tradicionalmente apresentadas como exemplo pelos cânones da
Modernidade institucionalizada, mesmo que se trate frequentemente de histórias
parciais e curtas .
Finalmente, o modelo escolar é ainda minado pelo que Alain Renaut (Renaut, 2005)
apelida de sucesso das repercussões das declarações dos Direitos do Homem dos finai
do século xvrn, que vão a pouco e pouco enfraquecendo as forma de poder a ente
numa autoridade tradicional ou carismática, substituindo-as por formas de poder
progressivamente baseadas no contrato, com ou sem tradução jurídica.
Esta "dessacralização" da autoridade, que se reflecte por vezes de forma extremamente
áspera em todos os níveis das relações humanas, desde as relações familiares, passando
pela relaçõe de trabalho e pelas relações entre géneros, estende-se também às relações
entre grupos de idades diferentes, estas endo especificamente al imentadas por um
século de "Direitos da Criança" que tornam o que é tradicional, ou sej a, o poder dos
adultos sobre as crianças, em algo que deve ser jurídica e moralmente regulado, ou
contratualizado.
Como em tudo o que muda, existe uma parte boa e uma parte menos boa: se a violência
física, psicológica e sexual sobre as crianças deixa de ser calada e moralmente tolerada
nos finais do século XX, torna-se também mais difíci l aos adultos imporem às crianças
uma formação moral, social e académica que não seja negociada e contratualizada.
Desta forma, vários problemas se colocam neste desl izar das relações entre adultos e
crianças, do domínio da "autoridade tradicional" para o domínio da "contratualização".
O primeiro de entre eles reside no facto de se tratar de uma deslocação de duvidosa
legitimidade de um tipo de relação que só tem sentido entre iguais e que, portanto, não
tem possibilidades de ser aplicada de forma convicente entre indivíduos que têm entre s i
relações assi métricas e d e dependência física e psicológica. Assim, a noção de
1 5 1
"contrato" entre adultos e crianças e, sobretudo, entre professores e alunos, só poderá
funcionar como um treino da nova geração que se quer educar, pelo que terá de existir
sempre uma reserva de poder que deve ser exercida pelos adultos de forma a que se
torne visível que o contrato é um ensaio para o futuro e que no espaço escolar se
reconhece que os alunos não dispõem da maturidade e autonomia necessária à
autoregulação da sua educação. Será possível estatuir e exercer esta reserva de poder
nos espaços escolares actuais, sem agravar a confl i tual idade que os percorre?
O segundo problema reside no facto de este "treino" para o futuro, que foi desenvolvido
e experimentado em instituições escolares muito seleccionadas e controladas durante a
primeira metade do século XX, sendo inclusivamente suspenso quando os resultados
ameaçavam a harmonia do grupo (Candeias, 1 994) ter sido, rapidamente no pós guerra,
mas sobretudo a partir da década de sessenta do século XX, transposto para as
instituições educativas massificadas como reflexo do que se passava nas sociedades em
que a escola se inseria.
Tal transposição deu origem a uma "épica da libertação" que colocou as escolas em
paralelo com a "luta de classes" entre os opressores, ou seja, os professores como
representantes do "sistema", e os oprimidos, ou seja, os alunos que falavam pelo desejo
de l iberdade que era suposto que todos sentissem, e que eles , em nome de todos,
reivindicavam, dando origem a uma dinâmica que ninguém verdadeiramente conseguiu
deter.
O terceiro problema consistiu na maneIra como a partir dos finais do século XX se
tentou pôr um cobro à guerrilha anteriormente descrita, institucional izando nas escolas
formas de regulação dos deveres, responsabil idades e comportamentos dos professores e
dos alunos baseadas em muitas destas formas de relação jurídico - contratuais, o que
embaraça pela sua falsidade e hipocrisia, uma vez que se sabe que se trata de dois
grupos qual i tativa e civilmente diferenciados com funções e responsabil idades muito
diferentes, e que este embaraço potencia um espaço de instabil idade adicional .
A quarta questão, sendo o corolário das anteriores, não é muito mais animadora, no
sentido em que o tipo de relação contratualizada e mesmo judiciarizada, que predomina,
pelo menos formalmente, nas relações sociais do Ocidente, não se mostra de forma
alguma adequada a um tipo de socialização longa que implique papéis de autoridade
desigualmente repartidos, que impõem aos alunos um trabalho escolar que, por mais que
seja bem expl icado e baseado em aproximações cognitivamente estimulantes derivadas
dos "métodos activos", se caracteriza pelo esforço individual no domínio de matérias
1 52
parcelares, de difícil aprendizagem, com pouco significado no imediato e sujeito a uma
avaliação quantitativa com consequências no futuro do e tudante: a generalização destas
características, entre os séculos XVI e XX, está no próprio centro do processo de
escolarização moderno (entre outros, Arendt, 2006, 1 83-206) .
Todas estas questões evidenciam a dificuldade, senão mesmo a impossibil idade de
construção de uma malha discipl inar estável , política e socialmente legitimada, o que
acentua a enorme dificuldade em gerir instituições percorridas por milhões de jovens
durante cada vez mais tempo, os quais, cada vez mais l ivres das influências familiares,
trazem para um espaço originalmente concebido no século XVI, traços de socialização
dos media do século XXI, tudo isto se desenrolando no contexto de sociedades que
encontram dificuldades éticas e culturais em impor aos mais novos comportamentos por
eles indesejados.
Sem a possibi l idade de impor o contrato nem o poder de util izar a violência, como
"educar" os "recalcitrantes" que não estão preparados para a "Modernidade"? Como
impedir que estes destruam o edifício tão frágil e j á tão antigo, uma vez que a expulsão
dos "selvagens" dos únicos locais onde subsiste a esperança de os redimir pela educação
é mal compreendida por sociedades que exigem que o período de escolaridade
obrigatório seja cada vez mais alargado?
Sem soluções para estas questões que roem o âmago do modelo escolar da
Modernidade, as formas contemporâneas de socialização secundária parecem assistir a
uma progressiva suavização do papel de promotor e mediador educativo que o Estado
foi conquistando a partir da segunda metade do século XVIII, encontrando-se assim
mais dependente da capacidade de gestão disciplinar e investimento financeiro e
educativo das família , o que por um lado debil i ta uma das funções históricas da
educação, a de promover a coesão nacional e social, e por outro parece fazer deslocar o
lugar da educação da "esfera pública" em que se deparou a partir do século XIX, para o
domínio do privado em que se encontrava antes do século XVIII.
Esta "suavização" do poder do Estado resulta das mudanças de regulação que se deram
nos Modos de Produção dominantes do século XX? Esta "suavização" corresponde à
evidência da impossibi l idade da continuação da gestão directa por parte do "Centro", de
um sistema de proporções gigantescas, especiali sta na secreção de "efeitos perversos"
que deturpam as intenções por ele promovidas e implementadas? Esta "suavização"
reflecte uma tomada de consciência da impossibilidade de aumento contínuo do
financiamento de um si stema que, apesar da pobreza ou das alterações demográficas,
1 53
continua a crescer em número de "utentes"? Ou esta "suavização" reconhece o facto de
que na maioria das sociedades, e sobretudo nas mais desenvolvidas, a necessidade de
educação tem sido interiorizada com tal sucesso que permite a dispensa do antigo e cada
vez mais difíci l papel de regulador e promotor educativo ocupado pelo Estado? Ou
porque a "crise de legitimação" com que se debatem as formas de escolaridade
construídas a partir do século XVI, legisladas a partir do século XVI I I e massificadas
durante o século XX, só se pode resolver de formas novas e imaginativas que
promovam novos espaços de desmassificação, aproximem os "utentes" dos mecanismos
de decisão e de gestão económica e pedagógica das escolas, coordenem as formas de
socialização primárias que relevam da educação famil iar com as formas de socialização
secundárias mais formais e abstractas típicas da escolaridade, num contexto estável de
tutela diferida e seleccionada pelo Estado? Muito havendo a dizer, eis uma direcção
que, não escondendo que as relações entre o Estado e a educação mudaram e que, no
momento em que sobre elas nos debruçamos, pouco espaço dispomos para uma
avaliação séria da qualidade de tal mudança, evita no entanto, o pessimismo que
caracteriza quem acha que a história acabou .
Concluindo: estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas Educativos
contemporâneos - dos anos oitenta do século XX aos nossos dias, o modelo em
crise, ou a fase de "destruição criativa" do 4° ciclo de Kondatriev
Um olhar retrospectivo sobre a fase que procurámos analisar neste capítulo faz-nos crer
que nos encontramos num início de ruptura com o que chamamos, por vezes de forma
pouco precisa, de "Modernidade", no sentido em que, enquanto o período anterior se
parece assumir como uma continuação, levada ao seu máximo, dos processos
económicos, sociais, políticos, económicos e educativos com origem na civi l ização
nascida da combinação entre o iluminismo e a Revolução Industrial, as fases que
v ivemos hoje, mantendo muitas das continuidades com o que se passou antes, parecem
entreabrir as portas de verdadeiras mudanças face aos últimos três séculos .
Talvez seja este o sentimento de todas as gerações que comparam o presente com o
passado, mas cremos existirem uma série de dados concretos que fomos desfiando
durante este capítulo e que nos permitem avançar com a suposição de que as mudanças
que testemunhamos, muitas vezes sem podermos adivinhar as implicações que terão,
representam, em conjunto, mais do que um reflexo geracional de reacção à mudança,
inserindo-se assim num processo de mutações que, no entanto, só adquirem sentido à
luz do tempo histórico.
1 54
De uma forma maIS ordenada e esquemática, tentemos ver o que mudou ao nível
político e educativo:
a)Assim, do ponto de vista político, assistimos ao rápido esboroar, durante a década de
80 do século XX, do social i smo enquanto realidade política com tradução territorial , e
também enquanto ideologia alternativa ao capitalismo de mercado, sendo esta uma das
marcas mais evidentes do final do século XX, ou util izando o jargão científico das
teorias da regulação, dá-se o despenhar do Modo de Produção social ista, o que, como
antes vimos, terá alguma importância na alteração dos modos de regulação do próprio
capitalismo.
Por outras palavras, a ideia de sociedades geridas por sistemas económicos assentes no
capitalismo de mercado encontra-se, pela primeira vez nos últimos dois séculos, sozinha
na arena política, social e económica em que o mundo se discute, e as polít icas sociais
de contenção do socialismo no Ocidente deixaram de ter razão de existir, minando uma
das bases da hegemonia do modelo societal social-democrata que caracterizou o pós
segunda Guerra Mundial, no Ocidente sobretudo, mas que influenciou o mundo, como
vimos antes.
Assim, o cl ima de desanuviamento criado pelo fim da Guerra Fria pareceu enfraquecer,
pelo menos numa primeira fase, a necessidade da existência de Estados fortes, enquanto
que o chamado modelo fordista, de produção industrial intensivo, com sede nas
sociedades tradicionais onde se deu a Revolução Industrial , baseado numa demografia
favorável , numa estrutura tradicional de famíl ia, numa mão de obra treinada, su tentada
por mercados nacionais protegidos e por fontes de energia barata, entra em crise
acelerada quando os pi lares do seu sucesso se vão progressivanlente esboroando, a
partir da década de setenta do século XX.
Quer as tecnologias da época, quer as formas de gestão tradicionais do industrialismo,
quer mesmo as noções territoriais e nacionais dos mercados e mesmo da mão-de-obra se
começam a mostrar impedit ivos do progresso, aqui medido em termos de crescimento
económico e a reacção das sociedades e sobretudo das suas el i tes, passa por l inhas de
acção que se desenvolvem em três direcções fundamentais: modificações profunda nos
paradigmas de gestão político - económicos ; investimento em tecnologias inovadoras e
o alargamento, ou des-territorialização dos mercados e da mão-de-obra, que passam a
ter o mundo como l imite.
É o começo da hegemonia do "neoliberalismo", ou, "neoclassicismo" como é designado
por autores como Boyer (2002) e Diebolt (1995), tratando-se, pois, do fim do que uma
1 55
série de autores chamou de "a época dos grandes consensos", em que uma gestão
política e estatizante da economia levou a níveis de crescimento e de prosperidade sem
precedentes na história recente, os quais permitiram a folga económica e a estabil idade
social e política que estiveram na base da ideia e da prática contemporânea de Estado -
Providência.
Relacionando os aspectos políticos e económicos destas novas hegemonias
"neoliberais", elas traduzem-se pela crença de que, em Ciências Económicas, a forma
de gestão do sistema repousa num equi líbrio que se corrige automaticamente de cada
vez que se dá uma perturbação (Diebolt, 1 995, 1 3 ) o que, entre outras coisas, aponta
para uma forma de gestão predominantemente económica dos processos políticos, o
que, numa primeira fase pelo menos, visava sobretudo o enfraquecimento ou a mudança
de natureza do tipo de regulação até aí dominante, uma regulação dita "keynesiana", em
que as funções de coordenação política, económica e educacional eram exercidas
predominantemente através de políticas estatais.
Esta tendência para a mudança de regulador, do Estado para o "Mercado", depois de
uma fase militante dos anos setenta e oitenta, veio durante a década de noventa a
sedimentar-se e a evoluir, passando de uma ideia pura e dura que tendia a apresentar o
mercado como "regulador económico e político" praticamente exclusivo, para formas
mais consensuais que, não podendo apagar o passado, nuns casos, ou não podendo a ele
regressar, em outros, apresentavam o mercado como metáfora de funcionamento, dando
origem a mudanças profundas nas regulações sociais e económicas dominantes do pós -
guerra, mas mantendo, como é óbvio, a noção de Estado como um aparelho
fundamental nas sociedades contemporâneas. Quer conservadores, quer sociais
democratas se bateram no eio deste campo conceptual , tendo-se o consenso entretanto
estabelecido em torno da ideia de que não havia retrocesso no que dizia respeito ao fim
do Modo de Produção socialista, tudo o resto, com particular ênfase na gestão e
desenvolvimento da noção de "Estado - Providência", continuando a ser alvo de um
aceso debate.
No que diz respeito ao Estado - Providência, que nunca foi visto com os mesmo
atributos e funções segundo os projectos políticos dominantes e mesmo segundo as
tradições de sociedades com histórias sociais diferentes, em geral , sofrem com a crise
do "fordi smo", que tinha criado as condições de crescimento económico e estabi l idade
que possibi litaram a sua estabi l ização e enraizamento.
1 56
Assim, a crise em que durante anos os países-chave do Ocidente se encontraram, com
crescimentos dos seus Produtos Internos muito baixos ou negativos, o que impl icou
desemprego e inflação duráveis, a que se foram juntando mudanças de ordem
demográfica e fami l iar que sobrecarregaram os Estado de funções antes desempenhadas
pela famíl ia, o advento de processos de mundial ização da informação, da produção e da
respectiva mão-de-obra, dificultaram de sobremaneira a intervenção do Estado na
economia e na sociedade, criando uma conjuntura que colocou um seríssimo repto à
própria ideia de Estado - Providência.
Na verdade, as várias adaptações que esta "configuração societal" sofre, desde a
progressiva redução do alcance social da sua acção, típica dos Estados - Providência
chamados l iberais, até à tentativa de continuação da manutenção de sistemas universais
e igual itários que, para se manterem, exigem processos radicais de desregulação da
economia e altíssimas bases de tributação sobre os lucros, caso da versão actual dos
Estados - providência herdeiros da social - democracia nórdica, popularizados sob o
palavrão de "flexi-segurança", passando pelo impasse do "Modelo Social Europeu",
baseado nos chamados sistema continentais que tentam manter um grau de protecção
máximo e um grau de regulação económico e social elevado, mostra como se tornaram
difíceis os tempos para uma concepção de sociedade que, nas palavras de um dos
autores que mais a estudou, Gosta Esping-Andersen, tinha como objectivo, no pós
segunda Guerra, enfrentar de forma decisiva o problema da pobreza na Europa e
subsequentemente no Ocidente e no mundo.
Como parte de tal estratégia, sabemos que a educação, nas sociedades do pós - guerra,
teve um papel decisivo, deixando progressivamente de se ser encarada como um factor
de simples construção do Estado, da ordem social e pol ítica e de aperfeiçoamento do
capital humano estritamente l igado ao progresso da economia privada, para ser visto
como parte de uma estratégia compartilhada na democratização das sociedades, onde o
máximo de bem comum pudesse ser cruzado com o máximo de l iberdade individual ,
numa l i nha de porosidade social que implementasse vias de mobilidade ascendente .
O que aconteceu a partir da altura em que as formas de regulação social e políticas
keynesianas, que assumiram o Estado como o centro da educação, vieram a ser postas
em causa pelas novas hegemonias?
b) Desta forma, do ponto de vista da educação e da fi losofia dos S istemas Educativos,
as mudanças que se dão do período antes analisado para o que de momento nos ocupa
são ou parecem ser grandes.
1 57
Desde já, algo que parece ter mudado profundamente, ou encontrar-se em vias disso, é a
tradicional relação de intima l igação operativa entre o Estado e a educação, que se
começa a desenhar na segunda metade dos século XVII I , e que veio dar origem à noção
de Sistema Educativo, o qual, por sua vez, foi fundamental na construção do que
designamos por "Estado - nação".
A ideia que transparece das políticas educativas que se vão impondo na parte final do
século XX e que se reafirma neste começo do século XXI, é a de que partes
significativas dos S istemas Educativos devem ser devolvidas aos "utentes",
escorregando assim do controlo directo do Estado central . Os "utentes" são em primeiro
lugar os alunos e as farnilias, mas também as autarquias, as associações de escolas, as
associações de pais, regiões económicas e políticas, associações de professores,
empresas e associações empresariais, etc.
Por outras palavras, no que diz respeito ao papel que o Estado tradicionalmente exerce
nos S istemas Educativos, este parece vir a resvalar, progressivamente de um papel de
gestão directa do Sistema, para um papel de "monitorização", assumindo cada vez mais
as funções de mediador entre os vários interesses presentes no campo educativo, de
avaliador das performances das escolas e eventualmente dos professores, de garante da
existência de um "Sistema" e da sua qualidade, de financiador por inteiro das partes
básicas e estruturais da educação sem as quais não haverá nenhum "Sistema", e de
financiador selectivo das partes da educação que se revelem de interesse estratégico,
quer tal interesse estratégico seja visto em termos da competitividade social e
económica ou em termos de coesão social e política. Trata-se, pois, de um Estado que
em relação à educação, tende a fornecer o que é "básico", o que não é fáci l de
determinar, a garantir a existência e a credibi l ização de um "Sistema", complementando
a "sociedade civil", seja isso o que for, através da acção selectiva sobre partes do
S istema que estão fora do alcance da capacidade de acção dos cidadãos.
As razões para este "deslizar" do controlo directo dos Sistemas Educativos do Estado
para o que conforme as opiniões poderemos denominar de "sociedade civil" ou, de
forma mais crítica, de "periferias corporizantes" com uma forte componente social e de
"classe", é explicado através de uma série de argumentos que importa enumerar.
- O primeiro argumento é o que poderíamos chamar de "racional idade de gestão". Na
verdade, a dimensão que os S istemas Educativos dos nossos dias tomam, parece tornar
completamente impossível a ideia de que se pode gerir e controlar directamente uma
instituição que é uma das maiores e mais massificadas instituições das sociedades
1 58
modernas . Assim, a tendência para o crescimento do "público educativo" através do
progressivo aumento dos anos de obrigatoriedade escolar, da faci l itação no acesso ao
Ensino Superior e da ideia de "educação durante a vida" que leva cada vez mais adulto
às escolas e instituições de Ensino, apesar das quebras demográfica dos países
ocidentais e do empobrecimento de parte das sociedades africanas, fez com que o
número de pessoas envolvidas na educação, como "cl ientes" ou como "agentes", não
tenha até agora, parado de aumentar. Admite-se que um mundo com este tipo de
dimensão ponha problemas de gestão inexistente há duas ou três décadas atrás.
- O segundo argumento é o do progressivo aumento nas últimas três décadas, da despesa
do Estado com o "sector social" de que o S istema Educativo faz parte, um sector
massificado como vimos na alínea anterior, e util izando tecnologias progressivamente
mais sofisticadas e portanto encarecidas de ano para ano. A aparente impossibi l idade de
continuação do financiamento directo por parte do Estado de toda esta "máquina
educativa" leva a que se crie espaço para a entrada do financiamento privado, através de
propinas, da privatização de partes do S istema, ou mesmo do financiamento paraestatal
(autarquias, por exemplo) no S istema Educativo.
- O terceiro argumento releva da predominância política e ideológica das formas de
pensamento l iberais que defendem o aprofundamento da Democracia participada como
forma de limitar o papel do Estado a questões cada vez mais restritas, abrindo-se assim
o espaço para um progressivo desenvolvimento de uma "sociedade civil" com maior
poder sobre muitas das decisões que durante o século XX re valaram para o domínio
das políticas públicas, "reprivatizando-as" nomeadamente, através do controlo directo
ou partilhado sobre as instituições que paga por meio de impostos . Seria esta "sociedade
civil" composta por sectores diferenciados, mas com interesses directos ou indirectos
nos Sistemas Educativos, que se perfilaria cada vez mais como uma força de controlo da
Educação.
V árias consequências poderão er tiradas desta reestruturação das relações entre o
Estado e a educação:
-A primeira destas consequências, consiste no facto de se tornar progressivamente mais
difícil um esboço de planificação sustentada de um sistema cujo controlo é partilhado
ou disputado por parceiros tão diversi ficados e com interesses por vezes tão
contraditórios como, por exemplo, as Associações de Estudantes, as Associações de
Pais , os Sindicatos de Professores, as Autarquias, ou as Associações Empresariai . Na
ausência de um "regu lad or forte" que condi c i one estes i n teresses, o papel da educação
1 59
como factor determinante de uma estratégia de desenvolvimento nacional é
praticamente impossível , e esta é uma das rupturas principais com o papel que
tradicionalmente o Sistema Educativo toma durante o período anterior, dando origem a
desequilíbrios preocupantes no seio da tradicional tensão entre as lógicas colectivas ou
públ icas e as lógicas de desenvolvimento individual ou privadas, que desde sempre
caracterizaram a educação contemporânea. A ruptura deste equi l íbrio e a incapacidade
do Estado em agir como um regulador directo reflectem-se, por exemplo, na "lógica de
mercado" que caracteriza uma parte do sistema, onde a busca desesperada de "cl ientes"
leva à construção de cursos cuja projecção no futuro é no mínimo duvidosa. O problema
é patente numa parte do Ensino Superior, mas sê-Io-á também numa parte do Ensino
Profissional .
- Como segunda consequência desta reorganização das relações entre Estado e
educação, admite-se que a substituição de uma lógica estatal dominante na condução
das políticas educativas que predominou até aos finais do século XX, por lógicas plurais
e competitivas entre si que parecem estar a predominar no começo do século XXI,
acentue a heterogeneidade social dentro dos S istemas Educativos, com efeitos de
possível ampliação das diferenciações de ordem cultural , económica e social que estão
enraizados na sociedade.
Se se admite que a competição possa ser um factor importante de dinamismo e portanto
de progresso generalizado, é preciso não descurar a intervenção correctiva dentro de um
sistema cujo objectivo fundamental ainda aparece no imaginário público como sendo
decisivo na manutenção ou melhoria da coesão social . As políticas educativas actuais,
como referimos antes, parecem tender para uma dependência excessiva da coesão e grau
de desenvolvimento da chamada "sociedade civil" e têm frequentemente negligenciado
o papel que a maioria dos quadrantes ideológicos presentes no espectro da gestão
política corrente designam como sendo típico do Estado, ou seja o papel de interventor e
corrector dos desequilíbrios resultantes da processos rápidos de l iberal ização, na
economia, como na educação.
- Mas nem só a apreensão caracteriza a análi se do desenvolvimento pressentido das
relações que se têm estabelecido entre o campo da educação e o Estado.
Na verdade, as mudanças culturais que se foram dando de forma mais rápida umas que
outras, que criaram formas de socialização informal pouco consentâneas com o desenho
estrutural da instituição escolar, salientam a progressiva desarticulação entre as lógicas
de socialização primárias e endógenas características do meio próximo de onde vem a
1 60
criança e as formas de socialização exógenas e formais características da cultura
escolar. Tal desarticulação reflecte-se numa crescente dificuldade de gestão de
comportamentos e de expectativas do cada vez mais numeroso público juvenil que
percorre durante mais tempo as escolas massificadas dos S istemas Educativos
tradicionais . Admite-se que o afastamento das relações de exclusividade nas relações
entre o Estado e a escola, e a abertura de espaço para entrada nesta relação, de mais
parceiros com mais ideias, mais imaginação e mais flexibi l idade, permita um começo de
descongestionamento de um mundo que deveria desinstitucionalizar-se nos l imites do
possível , desde que as funções de coesão e credibilização pudessem ser as eguradas de
forma estável pelo Estado, mesmo que à distância.
Os percursos de vida actuais, que potencializam a emergência de valores como a
diferença e a pluralidade, ganhariam com processos de supervisão mais "holísticos" e
desmassificados, em que as funções endógenas da socialização de base tivessem mais
espaço para se entrelaçarem com as funções simbólicas e cognitivamente complexas da
cultura escolar, um sonho de muitos pedagogos da transição do século XIX para o
século XX, sonho esse que continua a ser perseguido por pensadores e políticos da
educação dos nossos dias, como o demonstram a variedade de propostas de
reestruturação das relações entre a sociedade e a escola a que se tem assistido nos
últimos vinte anos.
A ideia de que a acção do Estado na educação como no resto é discutível e deve ser
discutida é um legado fundamental dos ú ltimos anos, uma prenda inesperada por parte
do "neoliberalismo", que obrigou os que lhe eram estranhos a terem de pensar sobre os
fundamentos do que durante anos defenderam de forma quase mecânica, e como tal ,
revelou-se fundan1ental para o reavivar da discussão política em torno do único
mecanismo de socialização de "espécie" verdadeiramente característico da
Modernidade, ou seja, os Sistemas Educativos contemporâneos.
1 6 1
1 62
• Apontamentos sobre o caso português numa perspectiva
comparada
Tentamos nesta parte do texto, e partindo das bases trabalhadas nos capítulos anteriores,
fornecer uma informação sistematizada e crítica sobre a interligação entre os processos
educativos, económicos e políticos que se foram desenrolando em Portugal durante os
séculos XIX e XX e que constituíram as bases sobre as quais se constru iu o país actual .
O objectivo principal sendo a explicação da situação educativa, assumimos, tal como o
tínhamos feito na primeira parte, que, não havendo necessariamente relações de causa -
efeito entre os desenvolvimentos político e económicos, por um lado e o
desenvolvimento da educação, por outro, existem no entanto correlações evidentes,
estando-se como se está no domínio de fenómenos que, guardando especificidades
próprias a cada sector, fazem parte da mesma constelação "social"ou sej a, fazem parte
de uma perspectiva unificada de gestão e de governo do país por parte do Estado e das
correntes políticas dominantes neste período de tempo e de si mesmo por parte dos
cidadãos que viveram esta época.
Começaremos por um esboço sobre os dados empíricos sobre que baseamos esta
sistematização do caso português.
O tipo de dados empíricos recolhidos e a sua articulação com o processo de
investigação
Um dos aspectos decisivos no desenvolvimento das Ciências Sociai s no último século
foi constituído pela possibilidade de proporcionar às sociedades contemporânea um
olhar para dentro de si próprias através da comparação com o que se passava em outras
sociedades. Esta atitude, que é o apanágio da curiosidade metodologicamente
discipl inada que fundamenta a "ciência", foi- e tornando gradualmente mais verosímil
graças aos acordos de normalização das l inguagens de "medição" que, entre outros
aspectos, deu origem a uma "estatística normalizada" que permitiu os Censos
Populacionais modernos e parecia reflectir um ambiente que acelerou a construção de
um sistema político internacional, primeiro através da Sociedade das Nações, e de
seguida, através das instituições internacionais actuais que foram fundamentais na
travagem do belicismo latente da Guerra Fria. Em Portugal, a súbita queda de um
regime que cada vez tinha mais dificuldades em manter uma guerra colonial assente no
isolamento internacional , a que se segue o projecto de adesão à União Europeia vai
intensificar a inserção de Portugal num mundo cada vez mais cosmopolita, mas onde a
1 63
comparação é fundamental para o conheci mento próprio. A ideia de que o
conhecimento de si próprio se fazia baseada numa introspecção fechada sobre o "Estado
- nação", cedia à ideia de que são os múltiplos olhares, de dentro e de fora, que nos
podem aproximar do objecto que cientificamente se pretende construir.
Dados comparativos: a inserção do caso português num contexto mais geral
Assim, a primeira preocupação que tivemos, foi a de recolher dados uti lizados por
investigadores que, de fora, inserissem o caso português na i lustração dos processos de
alfabetização e de escolarização que tiveram lugar no Ocidente, do século XVI ao
século XX.
Duas questões aqu i e mostravam fundamentai s : a primeira era mostrar como as taxas
de alfabetização portuguesas eram anormalmente baixas numa óptica comparativa, o
que justificava a nossa opção de estudar o desenvolvimento educativo português; a
segunda consistia na tentativa de demonstrar como os números, provenientes de fontes
muito diversificadas, desde inquéritos à emigração para as Américas, passando por
inquéritos às habil itações da mão-de-obra estrangeira nos principais países de recepção
de imigrantes, ou por estimativas baseadas em Censos, eram consistentes nas dimensões
de i letrismo que sugeriam para Portugal , dimensões essas que se tornavam mais nítidas
por e tratar de estudos, em que, além do mais , Portugal não ocupava nenhum tipo de
relevo nas preocupações científicas dos autores que dirigiam ou mobil izavam os dados
para tais estudos.
Tratámos pois de reUOlr dados sobre alfabetização nos séculos X IX e XX que se
destinavam a mostrar a verosimilhança das hipóteses que íamos sugerindo à medida que
nos debruçávamos sobre o caso português e que afirmavam a ultra periferia portuguesa
no que diz respeito ao atraso na passagem de formas de funcionamento social , pol ítico e
económico imersos em culturas predominantemente orais, para formas de
funcionamento social, "modernas", baseadas na escrita.
Dados I nstitucionais - A Estatística e os Censos Populacionais dos séculos XIX e
XX
Mas este primeiro tipo de dados não podia senão começar por justificar a razão da nossa
opção de estudarmos os processos de alfabetização em Portugal e pouco mais, tratando
se de dados obtidos a partir de fontes a que não conseguíamos ter acesso directo. O que
nos parecia fundamental para aprofundarmos tal estudo era a criação de condições que
nos permitissem procedermos a uma anál ise organizada de dados e fontes originais que
no pudessem elucidar em relação às maneiras como se deu em Portugal a transição da
1 64
preponderância dos modos de vida baseados na cultura oral sobre os modos vida
a sentes na escrita. Um projecto acolhido pelo então Instituto Histórico da Educação
forneceu-nos os meios que nos permitiu constituir uma equipa de investigação que teve
como tarefa o estudo e organização das fontes estatísticas que durante o século XIX,
mas sobretudo durante o século XX, escrutinaram vários aspectos da vida demográfica,
social, económica e também educativa de Portugal .
Assim, além de organizarmos e tornarmos disponíveis os dados e informações sobre um
vasto acervo estatí tico que cobre o terceiro terço do século XIX e todo o século XX
português, concentrámo-nos sobretudo no estudo dos Censos Populacionais portugueses
que têm o seu primeiro exemplar "moderno" publicado em 1 868, tendo por alvo o ano
de 1 864, e tentámos perceber como, desde esse ano, até ao últ imo Censo do século XX,
o referente ao ano de 1 99 1 , foram sendo disponibil izados e organizados os dados
referentes às capacidades de leitura e escrita dos portugueses e das portuguesas.
Preocupámo-nos sobretudo, em analisar de forma crítica os processos de construção das
categorias classificativas que integravam ou excluíam um indivíduo da "classe dos
letrados", em estudar os Censos um por um, como produtos de determinadas
conjunturas específicas, em tentar determinar até que ponto tais conjunturas tinham
efe ito no produto final e em alinhar, por classe de idade e por género, os números e
percentagens que se referiam à "alfabetização" dos portugueses de finais do século XIX
a finais do século XX, disponibil izando-os de seguida, de forma a tornar a sua leitura
sequencial mais fáci l e cientificamente elucidativa (Candeias et aI. 2004 b) .
Ou seja, os números, dispostos em determinadas sequências e observados à luz de uma
grelha teórica desenhada na primeira parte deste l i vro, "falavam", dando assim origem à
profunda diferenciação que nos sentimos forçados a fazer entre os processos de
"alfabetização" e os processos de "escolarização", que antes desenvolvemos e que são,
na nossa opinião, uma das marcas das fronteiras que durante os século X IX e XX se
foram esbatendo e que separavam as sociedades antigas em desagregação e as
sociedades modernas em construção.
Dados de outra ordem: escola, trabalho e lazer, "avós" e "netos", homens e
mulheres em contextos rurais e urbanos durante o século X X - estudos de caso
Desde cedo no percurso deste processo sentimos ser necessário recorrer a outro t ipo de
estudos de forma a podermos recolher outro tipo de dados, pelo que, de meados da
década de noventa até aos primeiros anos deste século, desenvolvemos uma linha de
pesquisa que v i sava o estudo, em l oc ais escolhidos, de processos de alfabetização e de
1 65
escolarização e das suas relações com o trabalho e com os modos de vida, num período
de tempo relativamente longo, que no caso acabou por cobrir cerca de quatro gerações
de portugueses e de portuguesas.
Pretendíamos com estes estudos ter uma abordagem mais "global", mas ao mesmo
tempo mais "íntima", do que significava o termo "Modernidade" quando associado às
vidas das pessoas e o papel desempenhado por questões como a alfabetização, a escola,
o trabalho e o lazer nesse longo processo, uma abordagem que nos permitisse ampliar a
compreensão do que os Censos sugeriam, introduzindo de forma mais ou menos
ordenada, três variáveis que considerávamos fundamentais neste estudo sobre os
caminhos da alfabetização e da escolarização em Portugal, e que eram o tempo, em
termos de "tempo histórico", o género e o contexto geográfico.
Assim, seleccionámos, em quatro localidades portuguesas, amostras populacionais
compostas por vinte "avós", dez do sexo masculino e dez do sexo feminino, e por vinte
"netos", dez do sexo masculino e dez do sexo feminino, ou seja, pessoas que, no
primeiro caso, t ivessem nascido entre o princípio da década de vinte e meados da
década seguinte do século XX, e crianças que, no segundo caso, tivessem nascido em
meados da década de oitenta do mesmo século, e que, na altura em que os estudos foram
lançados, de 1 995 a 2000, teriam idades compreendidas entre os oito e os dez anos de
vida. Tratando-se de "pessoas do povo", o estatuto sacio-económico da amostra foi
controlado através das habil itações, no grupo dos "avós", e do tipo de escolas
frequentadas, no grupo dos "netos". Não se tratava de verdadeiros "avós" e "netos"
devido à dificuldade que houve em os juntar, mas sim de gerações que poderiam tê-lo
sido, e todos teriam de ter passado a infância, aqu i considerada até à idade teórica do
final da antiga escola primária, na localidade escolhida. Os estudos foram lançados na
freguesia do Beco, Concelho de Ferreira do Zêzere (Candeias, 200 1 ; S imões, 1 998;
Candeias e S imões, 1 999); na freguesia do Coimbrão, Concelho de Leiria (Vareiro,
2000); nas freguesias da Graça e Santa Engrácia, Concelho de Lisboa (Bom, 2000) e na
freguesia do Seixal, Concelho do Seixal (Valentim, 2002). A escolha é óbvia: dois
destes Concelhos mantiveram, durante todo o século XX, caracterí ticas marcadamente
rurais ao contrário dos outros dois, que, no mesmo espaço de tempo, se mantiveram
com características marcadamente urbanas.
Tentámos perceber várias coisas através deste processo. A pnmeIra de entre e las
centrava-se na compreensão das relações entre o trabalho, o lazer e a escola nas
gerações de "avós" e de "netos", para o que, no caso dos "avós", recorremos a
1 66
"reconstituições" de quotidianos através de entrevistas sobre "dias tipo", e nos casos dos
"netos", com a cumplicidade dos pais e dos professores, recorremos à elaboração de
"diários" e de "redacções" sobre o "dia-a-dia" por parte das crianças, a partir das quais
estas eram depois que tionadas, conseguindo assim, de forma aproximada, a
"reconstrução" de "quotidianos tipo" para as duas gerações. A hipótese confirmada era
que, no grupo dos "avós", a escola era apenas uma das actividades que preenchia o
quotidiano das crianças, sendo o trabalho produtivo encarado como "trabalho
sistemático", a actividade preponderante em relação à qual as outras actividades como a
escola e o "brincar", se subordinavam, havendo, nos dias "típicos" dos avós, muito
pouco de cada uma destas coisas que hoje achamos normal . Isto era mais verdade nos
casos rurais do que nos casos urbanos em que até à idade de obtenção da quarta classe
as crianças eram relativamente poupadas, mas poder-se-ia dizer que o "trabalho
si temático infantil", coexistindo j á com a escola, constituía, até perto da primeira
metade do século XX, o padrão de socialização infantil em relação ao qual os desvios
podiam ser medidos.
A segunda grande questão prendia-se em torno das diferenças de tipologias de vida e,
portanto, também de alfabetização e de escolaridade entre géneros, quer no que dizia
respeito às relações escola, lazer e trabalho, quer no que dizia respeito a algo que
esperávamos encontrar de forma veemente, ou seja, diferenças significativas nos
padrões de alfabetização entre "avós - homens" e "avós - mulheres". Na verdade, a
geração dos "avós", apesar de o "trabalho sistemático" ser algo de comum quer a
meninos quer a meninas, faz parte de uma geração com relativamente poucos
analfabetos, como os Censos o mostram. As grandes diferenças que encontraremos
entre os homens e as mulheres da geração dos "avós", e sobretudo no campo, centrar-se
ão nos percursos de vida "profissional", em que os homens desta geração começam a
deixar a terra emigrando para as cidades em busca de ofícios mais lucrativos, deixando
mulheres e filhos "para trás", encarregues da exploração agrícola que funcionará cada
vez mais como um melO complementar de subsistência familiar. Neste contexto, é
comum depararmos com "avós - homens" que compensam em adul tos a pouca
instrução que tiveram na infância, o que é muito raro nas "avós - mulheres", algumas
chegando mesmo a perder as competências de leitura e de escrita que adquiriram na
escola. Em meios urbanos a diferença de estatutos profi ssionais entre homens e
mulheres da geração dos "avós" é bastante atenuada em relação ao meio rural e os
percursos de aqui sição e de reforço de competências escolares durante a idade adulta
1 67
serão bastante mais general izados do que nos meios rurais e repartir-se-ão de forma
mais equi l ibrada entre os géneros.
Para encontramos verdadeiras diferenças nos padrões de alfabetização e de escolaridade
entre homens e mulheres, teremos de reconstituir os percursos de escola dos pais dos
"avós", ou seja, os "bisavós", pessoas nascidas entre a ú lt ima década do século XIX e a
primeira do século XX. Nesta geração encontraremos formas de l igação à "cultura
letrada" que, sem grande esforço, poderíamos classificar como "pré - modernos", ou
seja, uma alfabetização relativamente escassa se comparada com a geração posterior,
com fortes l inhas de ruptura segundo o sexo e segundo o contexto geográfico, assim
como o testemunho de urna larga paleta de formas de acesso às letras, em que a escola,
frequentada na infância aparecia em pé de igualdade com outras maneiras bastante
menos formais e codificadas de acesso à leitura e à escrita. No entanto, e tal como nos
casos anteriores, mais urna vez se devem notar as diferenças entre a cidade e o campo,
sobretudo no que diz respeito a Lisboa, onde o processo de escolarização estava mais
adiantado.
A terceira grande questão foi a constatação de como o mundo que acabámos de
descrever era desconhecido para as crianças que constituíam a amostra dos "netos", uma
geração em que a escola era algo de "normalizado" e que, mesmo nas bolsas rurais onde
nos finais do século XX ainda se trabalhava, era a escola e já não o trabalho, que era
encarada como a questão nuclear em torno do qual o quotidianos se organizavam.
Três gerações que i lustraram o que os Censos nos diziam, ou seja, que apesar de os
processos de passagem terem sido muito lentos, e como à frente veremos, extremamente
tardios em relação ao Ocidente, o arco percorrido por estas três gerações portuguesas,
cobre um tempo que vai da nítida "pré-modernidade" em termos pelo menos educativos,
i lustrada pela geração dos "bisavós", para uma época de fraca, titubeante mas j á
relativamente firme escolarização, na época dos "avós", até um tempo em que a infância
não parece ter sentido sem a escola, ou sej a, a geração dos "netos".
Estas foram as questões que, quer como pontos de partida, interrogações ou estratégias
de pesquisa, estiveram na base do nosso trabalho sobre os processos de passagem, em
Portugal, de uma sociedade baseada numa cultura oral, típica das estruturas sociais
tradicionais, para uma sociedade baseada numa cultura escrita associada à
"Modernidade". Relacionando-se frontalmente com questões de ordem "educativa",
evitou-se recorrer às narrativas "históricas", "políticas" e "económicas" que tanto
saturaram o tempo que viu nascer o começo deste processo de investigação, mas só até
1 68
determinado ponto: na verdade foi sempre claro para nós que a educação, como temos
amplamente demonstrado no decorrer deste texto, não constitui um factor autónomo nas
formações sociais e históricas humanas.
Assim, não pudemos evitar o trabalho sobre o contexto da época em que a nossa
narrativa se desenvolvia e mais do que estabelecer relações de causa e efe ito entre tal
contexto constituído pelo desenvolvimento económico, social e polít ico português e o
problema que nos tem mobil izado, interessava-nos sobretudo constru ir um espaço
aberto em que "educação" e "modernização" dialogassem.
Neste esforço de contextualização da época por nós estudada, ou seja, os séculos XIX e
XX, com preponderância para este último, estudámos algumas variáveis que achámos
pertinentes e acabámos por nos fixar sobretudo em duas delas : por um lado, no que
respeita às questões económicas, centrámo-nos em estudos sobre a evolução comparada
da riqueza medida por indicadores específicos em Portugal , na Europa e no Ocidente, e
por outro, no que respeita às questões de história política, centrámo-nos em estudos
sobre desenvolvimento comparado, entre Portugal e o Ocidente, das formas de
legitimação política modernas.
A história política e económica que amparou este estudo
Como dissemos antes, evitámos o tipo de enquadramento político e económico que
caracterizava os estudos que tinham por objecto o período contemporâneo em Portugal,
porque, com raras excepções, assumiam, até princípios da década de oitenta do século
passado, o país como algo de único na Europa e no mundo, o que, além de testemunhar
a fase inicial de elaboração em que se encontravam, ainda deixavam no eu rastro
alguns restos de mil itâncias partidárias que dificultavam a percepção do lugar ocupado
pela sociedade portuguesa no contexto da história da Europa, do Ocidente e do mundo.
No caso da economia, acrescentava-se um outro problema, constituído pelo
desequi líbrio latente entre uma história da economia tremendamente "econométrica" e
muito pouco acessível a quem não fo se do ramo, ou seja, estudos muito especial izados
difíceis de entender para quem não era especialista, e uma história económica muito
generalista e vaga, frequentemente e ivada de ideologia, recorrendo a muito poucos
dados e indicadores empíricos que hoje são de uso frequente e vulgarizado.
No que diz respeito à história política, se as queixas em relação às infi ltrações
ideológicas já estão registadas, falta-nos realçar a ausência, na altura, de estudos que
fossem capazes, também, de mobil izar dados empíricos que nos permitissem estudar
aspecto específicos mas signifi cati vos da história pol ítica contemporânea, como por
1 69
exemplo, e entre muitos outros casos do género, as flutuações do corpus de cidadãos a
quem a partir de meados do século X IX era permitido votar, constituindo-se assim no
corpo "regulador" e, sobretudo, legitimador do poder político, o que não era caso de
somenos importância.
Duas "Histórias de Portugal", a Nova História de Portugal coordenada e dirigida por
Joel Serrão e por A. H . Ol iveira Marques, lançada nos finais dos anos oitenta do século
XX e a História de Portugal dirigida por José Mattoso e lançada nos princípios da
década de noventa do mesmo século, ou ainda iniciativas como o Dicionário de
História do Estado Novo lançado em meados da década de noventa por José Maria
Brandão de Brito e por Fernando Rosas, assim como o notável trabalho de renovação e
actualização do Dicionário de História de Portugal coordenado por António Barreto e
Maria Fi lomena Mónica, entre outros trabalhos, começaram a sistematizar e a organizar
o muito que existia de novo na produção historiográfica e que se encontrava disperso
por artigos científicos e teses de mestrado e de doutoramento. Tal renovação da história
de Portugal na década de noventa permitiu a emersão de uma série de autores que, no
tocante ao período que nos interessava, o período contemporâneo, se situavam numa
fronteira pouco definida entre a História e a Ciência Política, casos de, entre outros,
Hermínio Martins, Pedro Tavares de Almeida, António Costa Pinto, Nuno Severiano
Teixeira, Rui Ramos e Fernando Farelo Lopes . Estes autores, inauguraram um tipo de
produção que poderíamos considerar como sendo mais influenciado por uma visão
aberta e "liberal" no sentido ideológico do termo. Trata-se de um tipo de trabalho mais
interpretativo que tem de recorrer a mais trabalho empírico, a mais comparação com
dados e fontes de outras origens, a estudo de séries relativamente longas, que
acrescentaram à história clássica, factual , baseada em documentos, temporalmente
ordenada e fundamental na estruturação de uma narrativa, uma história mais
problematizada, mais empírica, que frequentemente se constrói sobre "a outra" história,
mas que, pelo tipo de metodologia a que recorre, das fontes que util iza, dos dados
empíricos que mobiliza e até pelo período de que se ocupa, se mistura muito com a
Ciência Política e a Sociologia.
Foi com base nesta história, que, sem dispensarmos a outra, conseguimos construir um
enquadramento da evolução política portuguesa que funcionou como aconchego à
história da implementação dos mecanismos modernos de educação em Portugal.
O caminho percorrido pela hi tória económica, é similar, embora mais especial izado e
menos aberto do que o referente à história política, mas autores como Jaime Reis, David
1 70
Justino, Jorge Pedreira, Nuno Valério, Eugénia Mata, Álvaro Ferreira da Si lva, Luciano
Amaral, Ana Bela Nunes, Pedro Lains entre outros, têm constituído obras fundamentai ,
entre as quai s se deve destacar a História Económica de Portugal, 1 700-2000 editada
em três volumes a partir de 2004, que nos permitiram uma reconstrução detalhada de
alguns dos aspectos maIS importantes da história da economia portuguesa
contemporânea, numa óptica comparativa, que, tal como no que respeita aos aspectos
que seleccionámos da história política, nos permitiram uma aproximação que cremos
inovadora aos problemas do de envolvimento educativo português dos séculos X IX e
XX.
Não quisemos refazer a história política e económica portuguesa dos séculos X IX e XX,
embora, e como antes deixámos escrito, ela nos seja famil iar. O que nos interessou nesta
incursão pelo período contemporâneo português foi , em primeiro lugar, seleccionar
indicadores de ordem política e económica, consensualmente entendidos como
constitutivos do conceito de Modernidade, acerca dos quais tivéssemos informação para
um período de tempo relativamente longo, e estudar a ua evolução durante os séculos
X IX e sobretudo no século XX. Em segundo lugar, parecia-nos fundamental que tais
indicadores pudessem ser cotejados e comparados com os seus homólogos de países
europeus e ocidentais, de forma a podermos ter elementos de trabalho que apoiassem o
que estávamos a fazer no campo educativo.
Os índices que seleccionámos, foram, no campo da economia, os Produtos Nacionais
Brutos per capita, e os Produtos Internos Brutos per capita relativos aos séculos X IX e
XX portugueses, e no campo da história política, a evolução dos "corpos eleitorais"
portugueses dos finais do século XIX aos anos setenta do século XX, e de seguida
aferimos os caminhos perconidos pelos regimes políticos em Portugal durante os
séculos XIX e XX, às tipologias políticas dominantes no mesmo período de tempo, no
Ocidente.
As fontes de que nos servimos para estes estudos são indirectas, à excepção de alguns
cálculos que levámos a efeito com base nos Censos Populacionais. Para o PNB e PIB
pOltuguês durante os séculos XIX e XX, servimo-nos de um estudo de David Landes
publ icado em 200 1 , em que o autor apresenta estimativas da evolução do PNB per
capita de uma série de países, entre os quais Portugal , entre os anos de 1 830 e 1 970.
São estimativas baseadas em obras do historiador da economia Paul Bairoch, que não
sendo consensuais, são, de certa forma confirmadas nas suas tendências pelo menos, por
cálculos si milares apresentados por Dav i d Ju tino (Justino, 1 98 8 ; 1 989) O mesmo se
1 7 1
passando com as estimativas, que, baseadas em Angus Maddisson são avançados por
Luciano Amaral (2002, pp. 70-75) . Aval iações da evolução do PIB per capita português
durante o século XX, em comparação com a Europa, mais actualizadas que os estudos
que mencionámos, podem ser encontradas em Fernando Rosas (Rosas, 1 994, 473)
baseado em estudos de Ana Bela Nunes, Luciano Amaral , (Amaral 2002) e Pedro Lains
(Lains, 2005) , entre muitos outros autores que e ocuparam especificamente do assunto.
Outras fontes que considerámos interessantes e pertinentes sobre a evolução comparada
dos PNB e do PIB per capita numa óptica comparativa, são os estudos da OCDE, da
União Europeia, os relatórios que, sob o título de L 'état du monde, e ultimamente
coordenado por Béatrice Didiot e Serge Cordel l ier, são publ icados pela editora francesa
La Découverte há mais de vinte anos, assim como os dados apresentados pelos
relatórios do Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento, ambos tendo a
vantagem de serem anuais , e relat ivos a todos os paí e do mundo.
Gostaríamos também de acrescentar um outro campo que, a meio caminho entre a
lógica económica e a lógica política apenas entreabrimos neste trabalho, mas que à
semelhança do que se passa noutras sociedades, cremos que se tornará num campo
fundamental das ciências sociais em Portugal , e que diz respeito ao estudo sobre as
formas como se desenvolveu o "Estado - Providência" neste país .
Suspeitamos que se trata de um assunto ainda pouco trabalhado e para a pequena
entrada a que procedemos foram fundamentais, entre outros, os trabalhos de Juan
Mozzicafreddo (Mozzicafreddo, 1 992, 1 997), Henrique Medina Carreira (Carreira,
1 996), José Luís Cardoso e Maria Manuela Rocha (Cardoso e Rocha, 2003) e de Ana
Guillén, Santiago Álvarez e Pedro Adão e S i lva (Guil lén et. ai. , 2005)
No que diz respeito ao estudo sobre a evolução das formas de legitimação política
modernas em Portugal e a sua evolução em termos comparativos, foram fundamentais
os estudos de Pedro Tavares de Almeida sobre as eleições do final do século em
Portugal e sobre as l inhagens políticas do Portugal contemporâneo (Almeida, 1 99 1 ;
2003); de Fernando Farelo Lopes sobre as eleições na Primeira República (Lopes,
1 993), e para este período, as obras de A .H . Oliveira Marques e Vasco Pul ido Valente,
que partindo de perspectiva diferentes, nos fornecem, sobretudo o primeiro, não só
dados fiáveis sobre a época, como, sobretudo o segundo, um olhar moderno sobre este
regime, que muito contribuiu para que, posteriormente, lhe fosse retirado o manto que,
numa lógica de combate cultural e político ao Estado Novo, lhe foi colocado por quem
se opôs à ditadura salazarista. Para o período do Estado Novo foi fundamental a obra de
1 72
Fernando Rosas como um todo, e gostaríamos de destacar uma entrada no Dicionário
de História do Estado Novo da autoria de J .M.Quintas, sobre as eleições para a então
designada Assembleia Nacional (Quintas, 1 996). Para o período pós 25 de Abri l , os
dados referentes às eleiçõe portuguesas encontram-se acessíveis de uma forma bastante
completa e competente no sítio da Comissão Nacional de Eleições, disponível em
http://e leicoes.cne.ptl .
Finalmente, como fonte de informação sobre eleições nos países europeus e ocidentai ,
critérios de medida da "democraticidade" de tais eleições, relações entre tipos de eleição
e tipologias políticas durante os séculos X IX e XX, entre outros assuntos, socorremo
nos de duas excelente obras, o utilíssimo International Encyclopedia of Elections,
coordenado por Richard Rose (Rose, 2000a) e o enciclopédico Dictionnaire du Vote
organizado por Pascal Perrineau e Dominique Reynié, (Perrineau e Reynié, 200 1 ) .
Estas são algumas das referências que consideramos de enunciação primordial nesta
parte do trabalho, que além de procurar enquadrar, com índices económicos e políticos,
o desenvolvimento das formas de educação formal modernas e massificadas em
Portugal, procura mostrar como se trata aqui de indicadores interrelacionado , nem
sempre de forma óbvia e directa, mas realçando como são cada vez mais difíceis os
trabalhos sobre objectos científicos fechados.
De seguida, passaremos a enunciar, de forma breve e resumida, alguns dos re ultados do
trabalho que apresentámos nos capítulos anteriores.
Alguns dados sobre o lugar de Portugal nos processos de alfabetização e
escolarização Ocidentais nos séculos XIX e XX
Mesmo tendo em conta a fragil idade dos dados sobre a alfabetização, a escolarização e
o seu significado no século X IX e primeiro quarto do século XX, estes apontam, em
geral para as tendências seguintes :
a) As sociedades com uma influência forte do protestantismo são em geral , nos finais
do século X IX, mais alfabetizadas do que aquelas em que a rel igiões catól ica e/ou
ortodoxa predominam;
b) As sociedades mais dinâmicas do ponto de vista económico, com processos fortes de
industrialização, ou situadas em orlas próximas de tais processos, são em meados e
finais do século XIX, também elas mais alfabetizadas do que aquelas em que
predominam ainda as estruturas sociais, políticas e económicas tradicionais ;
1 73
c) Do ponto de vista geográfico, o "núcleo duro" da alfabetização europeia encontra-se
no Norte e Centro-Norte da Europa, sendo o Sul e os extremos Leste e Oeste europeus
menos alfabetizados do que este "núcleo duro";
d) Parece existir uma tendência que sobrepõe factores rel igiosos, económicos e
geográficos com alfabetização, o que, apesar de todos os cuidados a ter com
generalizações, sugere uma relação entre estes factores combinados e o crescimento da
alfabetização e da escolarização;
e) Havendo excepções, deve-se apontar, no entanto, que regra geral , sociedades com
graus de alfabetização mais intensos, tendem a escolarizar-se mais cedo do que aquelas
em que a penetração da cultura escrita é mais débi l , e isto independentemente das
legislações nacionais sobre educação;
1) Apesar de estas tendências se prolongarem no tempo, o século XX vai assistir a
casos de sucesso de alfabetização que quebram em parte estas tendências antes
assinaladas, e que se devem a factores políticos e económicos muito dependentes de
opções de Estado, caso entre outros de uma parte dos países dos Balcã , dos regimes
que em 1 9 1 8 e em 1 945 se tornam socialistas, e também de algumas sociedades do
Centro-Su l da Europa, como se poderá constatar, á frente neste texto, no quadro 1 7 ;
g) O caso português é, durante mais de um século, segundo todos os dados disponívei s
quer se tratem de dados de origem nacional ou externa, um caso singu lar de dupla
periferia no contexto europeu : periferia face ao "núcleo duro" da alfabetização, e no
decorrer do nosso século, periferia face aos l imites Sul , Leste e Oeste que
historicamente foram menos impregnados pela cultura escrita.
Mesmo realçando todos os cuidados com que estes dados devem ser tratado por via da
sua fragil idade, o quadro que se segue, publicado numa obra clássica referente aos
estudos sobre a alfabetização no Ocidente da autoria de H arvey Graff e baseado em
Johansson, i lustra com alguma exactidão a tendência que apontámos.
1 74
Quadro 1 7- Cálculo da alfabetização na Europa e ntre 1 850 e 1 950, a partir de
Censos, taxas de alfabetização de recrutas e condenados, e de assentos
matri monia is
1 850 1 900 1 950
Países Nórdicos, 95% aprox.98% aprox.98%
Alemanha, Escócia,
Holanda e S u íça
I nglaterra e País de 70% aprox.88% aprox.98%
Gales
França, Bélgica e I rlanda 55% 80% aprox.98%
Austria e Hungria 35% 70% aprox.98%
Espanha, Itália e Polónia 25% aproxAO% aprox.80%
Rússia, Balcãs e aprox. 1 5% aprox.25% URSS aprox.90%;
Portugal Bulgária e Roménia-
80%;
G récia e Yugoslávia
aprox.75%;
Portugal-
aprox.55%
Fonte: Johansson, citado por Graff, 1 991 , 375 .
Um exemplo interessante do papel de Portugal neste quadro encontra-se na própria
maneira como Harvey Graff organiza e comenta as taxas de alfabetização aqui
presentes. Assim, os seus resultados são agrupados por países de acordo com a sua
situação geográfica, religião e grau de alfabetização, sendo categorizados da seguinte
forma: "Europa do Norte Protestante", correspondendo aos "países nórdicos" do quadro
1 7 ; "Europa Ocidental", um grupo que junta a Inglaterra, País de Gales, França, Bélgica
e Irlanda; a "Europa Católica do Sul e Centro", englobando países como a Áustria
Hungria, a Áustria, a Hungria, a Espanha, a Itál ia e a Polónia, e finalmente a "Europa
Ortodoxa de Leste e Sudeste e Portugal", que agrupa a Rússia, os Estados Balcânicos e
Portugal . (Graff, 1 99 1 , 378) .
Esta categorização mostra que, no que respeita à implantação da forma de cultura
predominante da modernidade, a cultura escrita, Portugal é, desde meados do século
X IX, separado do espaço geográfico e cultural de que faz naturalmente parte, tornando
se numa periferia da periferia, e tal comportamento agrava-se durante o século XX,
quando o país se torna ele próprio numa tendência, ou seja, evidencia um atraso tal que
não é "agrupável" com outros países europeus .
Mas outros dados provenientes de fontes diferentes confirmam esta periferização
portuguesa.
1 75
Numa altura, na transição do século XIX para o século XX, em que os fluxos
migratórios para os Estados Unidos deixavam de ter a sua predominância nos países
anglo-saxónicos e protestantes da Europa, o sul católico e o leste j udeu e ortodoxo
encontrando-se cada vez mais representados nos imigrantes que aportavam a Nova
Iorque, surge um debate promovido por "cientistas" e por sectores da administração
norte americana sobre a "qualidade" da nova emigração (Cipolla, 1 969, 97- 1 0 1 ), com
ampla repercussão pública. No contexto desta discussão e de uma forma mais l ivre do
que nos dias de hoje, surgem um sem número de estudos que relacionam "raça" com
atraso social , cognitivo e também literácito. O quadro seguinte i lustra um exemplo dos
resultados de tais estudos :
1 76
Quadro 1 8 - Alfabetização dos adultos de sexo masc u l i no nascidos no
estrangeiro, trabalhando na Indústria e M i nas em 1 909 ( E U A)
Popu lação % de alfabetos
Grupo Étnico Recenseada
Arménios 594 92. 1
Boémios e Morávios 1 .353 96.8
Búlgaros 403 78.2
Canadianos francófonos 8. 1 64 84. 1
Canadianos outros 1 .323 99.0
Croatas 4.890 70.7
D inamarq ueses 377 99.2
Holandeses 1 .026 97.9
I n gleses 9.408 98.9
Fin landeses 3.334 99. 1
Flamengos 1 25 92. 1
Franceses 896 94. 3
Alemães 1 1 .380 98.0
G regos 4. 1 54 84.2
Hebreus, Rússia 3. 1 77 93.3
Hebreus outros 1 . 1 58 92.8
I rlandeses 7. 596 96.0
Italianos, Norte 5.343 85.0
Italianos, Sul 7.821 69.3
Lituanos 4.661 78.5
Macedónios 479 69.4
Magiares 5.331 90.9
Noruegueses 420 99.7
Polacos 24.223 80. 1
Portugueses 3.1 25 47.8
Romenos 1 . 026 83.3
Russos 3.31 1 74.6
R uténios 385 65.9
Escoceses 1 .7 1 1 99.6
Sérvios 1 .0 1 6 7 1 . 5
Eslovacos 1 0.775 84.5
Eslovenos 2.334 87.3
Suecos 3.984 99.8
S írios 8 1 2 75. 1
Turcos 240 56.5
Fonte: G raff, 1 991 , 367.
1 77
Dos perto de 1 32 .000 "trabalhadores estrangeiros" aqu i recenseados, os qUaiS se
distribuem por 35 grupos l inguísticos e/ou nacionais, podemos constatar, nesta altura j á
sem grande espanto que os portugueses, são os menos letrados, numa definição de
alfabetização bastante lata, que se traduzia pela capacidade de ler em qualquer idioma
(Graff, 1 99 1 , 367) .
Como nos mostra Carlo Cipolla, a relação entre as capacidades alfabéticas destes
grupos étnicos e as taxas de alfabetização dos seus respectivos países não era directa, o
que parece sugerir fluxos de emigração diferenciados quanto à sua origem social, de
país para país e segundo a época e a conjuntura específica que enquadrava cada surto de
emigração. No entanto, esta tendência, a de uma emigração portuguesa muito pouco
alfabetizada por comparação com os seus congéneres de outras paItes da Europa,
parece ter raízes fortes : nos números que este autor nos fornece, extraídos do rol de
inquéritos das autoridades alfandegárias dos EUA referentes aos anos de 1 895, 1 897 e
1 898, as percentagens de portugueses com mais de dez anos que não sabem ler nem
escrever são de longe as mais altas de entre todos os outros emigrantes, c ifrando-se nos
62%, 57% e 6 1 % para cada um dos respectivos anos (Cipol la, 1 969, 98) .
Como o próximo quadro nos mostra, as taxas de analfabetismo são acompanhadas de
perto, embora não se sobreponham, pelas taxas de escolarização das crianças em idades
escol ai·.
Yasemin Soysal e David Strang, num artigo publ icado em 1 989 em que procuram
analisar alguns aspectos da construção dos Sistemas Educativos na Europa do século
X IX, com especial incidência nas relações entre a imposição, por parte dos Estados, de
leis de obrigatoriedade escolar e o efectivo cumprimento de tais leis, chegam a estes
números:
1 7 8
Quadro 1 9 - Data de i ntrodução da escolaridade obri gatória e taxas de
escol arização em 1 870 para os segui ntes países europeus e EUA
Países Data de introdução da Taxa de
escolaridade obrigatória escolarização
em 1 870
P rússia 1 763 67%
Dinamarca 1 8 1 4 58%
G récia 1 834 20%
Espanha 1 838 42%
Suécia 1 842 7 1 %
Portugal 1 844 1 3%
N o ruega 1 848 6 1 %
Austria 1 864 40%
S u íça 1 874 74%
Itália 1 877 29%
França 1 882 75%
I rlanda 1 892 38%
Holanda 1 900 59%
Luxemburgo 1 9 1 2 - - - - -
Bélgica 1 9 1 4 62%
EUA - - -- - - 72%
Fonte: Soysal e Strang, 1 989, 278.
Estes resultados, que se referem à percentagem de crianças com idades compreendidas
entre os 9 e os 1 5 anos que frequentavam a escola, leva a que os autores coloquem os
casos de Portugal, Grécia e Espanha numa tipologia de Estados que procederam a uma
"construção retórica da escolaridade" (Soysal e Strang, 1 989, 285) , apesar de estes
dados nos sugerirem que em Portugal a retórica era mais desenvolvida do que nos
outros países colegas de infortúnio.
Na verdade, e como se vê pelo quadro antes exposto, Grécia, Espanha e Portugal
encontram-se entre os países europeus que mais cedo no século XIX decretaram leis
que impunham a obrigatoriedade escolar, e simultaneamente e a par de casos como a
Áustria, a I rlanda e a Itál ia, são dos países que em 1 870 têm taxas de cumprimento de
escolaridade mais baixas.
No entanto, fazendo-se aqui sentir cruelmente a ausência de um estudo comparativo
sobre os conteúdos das leis de obrigatoriedade escolar destes países, parece
inquestionável que Portugal se destaca negativamente, o problema acentuando-se até
1 79
pelo menos meados da década de trinta do século XX, como nos sugere a leitura do
quadro proposto por Aaron Benavot e por Phyl l is Riddle :
Quadro 20 - Evol ução comparada das taxas de escolarização entre 1 870 e 1 930,
para os países abaixo referidos
1 870 1 890 1 91 0 1 930
EUA 72% 97% 97% 93%
Austria 40% 63% 70% 70%
Dinamarca 58% 6 1 % 66% 67%
França 57% 83% 86% 80%
Alemanha 67% 74% 73% 79%
I rlanda 38% 50% 79% 87%
Holanda 60% 64% 70% 74%
Su íça 76% 76% 7 1 % 70%
Grécia 20% 3 1 % 40% 53%
Itália 30% 37% 45% 60%
Portugal 1 3% 22% 1 9% 27%
Espanha 42% 52% 35% 43%
Bulgária - - - - 1 9% 4 1 % 47%
Hungria 40% 52% 53% 67%
Roménia 7% 1 5% 34% 59%
Fonte: Benavot e R lddle, 1 988, 205.
Tratando-se de uma enorme extensão de dados que caso a caso seriam susceptívei s de
crítica e discussão, l imitemo-nos a apontar a coerência da maioria das cifras que
independentemente da sua origem viemos expondo. Na sua maioria elas tendem a
mostrar que ao atraso no processo de alfabetização português face aos países da Europa
e do Ocidente, corresponde um atraso na capacidade de construção da forma de
soci alização típica da Modernidade Ocidental , ou sej a, a e scola nacional, laica, gratuita
e obrigatória para leques de idades estabelecidos nas leis que tão precocemente se
inscreveram na legi lação do país .
Mas de que tipo eram as leis que em Portugal começaram por tentar impor a frequência
da escola por parte de todas as crianças de uma determinada faixa etária?
As leis de Costa Cabral de 1 844 decretavam a obrigatoriedade de frequência da escola
para todas as crianças que habitassem em povoações onde existissem escolas de
Instrução Primária, ou que v ivessem na proximidade " . . . de um quarto de légua em
circunferência . . . ", (citado por Carvalho, 1 986, 578), ou seja, uma obrigatoriedade que
1 80
além de se apl icar às crianças dos centros urbanos, se aplicaria apenas aquelas outras
que vivessem a apenas 1 ,250 metros dessas escolas.
,As penalidades para quem não cumprisse tal disposição, já de si l imitada num país que
em 1 840, entre escolas para rapazes e para raparigas contava com apenas 99 1 (Ibidem),
demonstravam os l imi tes da lei que fixava a obrigatoriedade de frequência universal da
escola primária. Assim, aqueles que v ivessem dentro do raio geográfico que
determinava a obrigatoriedade de frequentar uma escola e que a ela não enviassem os
seus " . . . filhos, pupilos ou outros ubordinados desde os 7 aos 1 5 anos . . . ", ficariam
sujeitos " . . . primeiro a aviso, depois a intimação, depois a repreensão e por fim a
multa . . . ". Além do mais , eram exemptos do cumprimento da lei todos aqueles que
" . . . provassem que os meninos já possuíam os conhecimentos daquele grau de ensino,
ou que poderiam obtê-los de outra forma sem recorrer ao ensino oficial , ou ainda que
por sua excessiva pobreza não os pudessem enviar à escola . . . " (Ibidem).
Estas leis que difici lmente poderiam mudar o que quer que fosse, e a que, durante todo
o século X IX e primeira metade do século XX, se foram sucedendo remendos que não
mudaram o seu essencial (Teodoro, 200 1 , 1 1 0), parecem mostrar que as el ites
portuguesas se dividiam entre o desinteresse a respeito da implementação de uma
escola verdadeiramente nacional e o realismo perante as condições gerais do país .
Como veremos no capítulo seguinte, o século X IX foi tremendamente cruel para
Portugal, uma sociedade que é descrita pelo sociólogo David Justino como sendo
" . . . para além de depauperada, uma nação pobre em que a esmagadora maioria da
população dispõe de um fraco poder de compra . . . "(Justino, 1 988, 1 4 1 ) , e sem dúvida
que esta pobreza ajuda a compreender as numerosas excepções consagradas nestas leis
assim como a brandura das punições propostas aos que não as cumpriam, num contexto
social e económico incompatível com uma escolaridade infantil generalizada.
Mas será a pobreza suficiente para explicar a situação de ultra periferia portuguesa em
termos literácitos, face à generalidade das sociedades ocidentais ?
Na verdade, se a pobreza portuguesa parece explicar alguma coisa, necessário se torna
dizer que a pobreza crescente face aos países mais desenvolvidos da Europa não seria
característica única de Portugal, sendo antes uma característica do próprio "arranque"
industrial, que no decurso do século XIX salientou e acelerou as diferenças entre um
"centro" que se destacou e uma periferia que se afastou . Tal "pobreza" ajudar-nos-ia a
explicar, quando muito, as diferenças entre as taxas educativas portuguesas e as
relativas aos países e regiões que constituem esse "centro" , restando por explicar as
1 8 1
discrepâncias referentes a países que, à semelhança de Portugal , viram a sua pobreza
acentuar-se face aos grandes motores do desenvolvimento industrial do século XIX.
Para melhor esclarecer esta questão pensamos ser de toda a uti l idade procedermos a um
esboço do desenvolvimento da economia portuguesa nos séculos X IX e XX, numa
óptica comparada.
Alguns dados sobre o crescimento económico em Portugal durante os séculos XIX e XX, numa perspectiva comparada
Na introdução a um estudo que tem como tema a construção do espaço económico
português "moderno" durante o século XIX e inícios do século XX, David Justino, a
quem de novo recorremos, afirma a dado passo que, " . . . no século passado, tal como nos
nossos dias, Portugal foi subitamente confrontado com um futuro que não soube
preparar ( . . . ). Frustrada a recuperação do Brasi l , Portugal virou-se, lento e hesitante,
para o seu espaço, cingido e esquartejado por estruturas económicas e sociais que se
haviam tornado obsoletas e bloqueadoras do seu redimensionamento . . . " (Justino, 1 988,
20) . A mesma opinião sobre a performance desempenhada pela sociedade portuguesa
como um todo, durante os séculos XIX e pelo menos, uma parte do século XX,
encontra-se expressa por muitos economistas ou historiadores da economia, portugueses
ou estrangeiros, como o exemplo que de seguida ci tamos exemplifica. Comparando o
percurso de Portugal e da Dinamarca durante os séculos XIX e XX, dois países
europeus de pequena-média dimensão, mas com identidades e histórias nacionais muito
fortes, diz-nos o economista inglês M .S .Anderson, o seguinte : " . . . Denmark in the first
years of the ninetheen century accounted for only about 0,4% of Europe' s Gross
National Product ; but by 1 9 1 3 , inte l ligent adaptation had more than doubled this to
0,9%. Portugal during the sarne period saw her contribution drop from about 2% to a
mere 0.7% ( . . . ). From being one of the richest countries of Western Europe, she had
become the poorest. In 1 800 she had been stiU the fifth or sixth most important trading
state in Europe; by 1 9 1 0 she had sunk to seventeenth . . . " (Anderson, 2000, 1 37) .
A maioria dos autores consultados referem-se desta forma a Portugal e alguns desfiam
números que se referem à evolução comparada dos dois indicadores económico mais
uti l izados neste tipo de trabalhos, ou seja o Produto Nacional Bruto Produto per capita,
e o Produto Interno Bruto per capita, de uma série de países, em que normalmente
Portugal está também incluído. David Landes, numa obra que tem como tema a
desigualdade económica entre nações, e na qual o caso português é objecto de atenta
análise, apresenta em determinado passo o seguinte quadro:
1 82
Quadro 2 1 - Estimativa da evol ução do PNB per capita para uma
selecção de países, entre 1 830 e 1 970, em dólares americanos com o
valor fixo de 1 960
Países/ Datas 1 830 1 860 1 91 3 1 929 1 950 1 960 1 970
Alemanha 240 345 775 900 950 1 790 2705
Ocidental
Bélgica 240 400 8 1 5 1 020 1 245 1 520 2385
Canadá 280 405 1 1 1 0 1 220 1 785 2205 3005
Checoslováquia - - 500 650 8 1 0 1 340 1 980
Dinamarca 1 25 320 885 955 1 320 1 7 1 0 2555
Espanha - 325 400 520 430 640 1 400
USA 240 550 1 350 1 775 241 5 2800 3605
Holanda 270 41 0 740 980 1 1 1 5 1 490 2385
França 275 380 670 890 1 055 1 500 2535
Itál ia 240 280 455 525 600 985 1 670
Japão 1 80 1 75 3 1 0 425 405 855 2 1 30
Noruega 225 325 6 1 5 845 1 225 1 640 2405
Portugal 250 290 335 380 440 550 985
Reino U nido 370 600 1 070 1 1 60 1 400 1 780 2225
R ússia (U RSS) 1 80 200 345 350 600 925 1 640
Suécia 235 300 705 875 1 640 2 1 55 2965
S u íça 240 41 5 895 1 1 50 1 590 2 1 35 2785
Fonte : Landes, 2001 , 258.
Este quadro apenas permite concluir do irremediável declínio económico português
durante os século XIX e XX, face a todos os 1 7 paí es aqui representados, uma vez que
começando com um quinto lugar no PNB per capita em 1 830, Portugal chega a 1 960 e
a 1 970, solidamente em último, seguido pela Espanha, Rússia, (ex- URSS) e Itália, três
dos países periféricos relativamente ao processo de "modernização" do século X IX , mas
mesmo assim a boa distância.
O efei to "separador" do processo de industrialização que amplia distâncias entre
economias que até aí eram relativamente próximas, mas que no século X IX ou se
adaptaram ao processo ou se periferizaram, é uma imagem perfeita para Portugal ,
i magem essa que pode ser melhor compreendida através da estimativa da evolução das
relações em termos percentuais do PNB per capita português em relação a outros países
europeus, seguindo sempre os valores fornecidos por Landes.
1 83
Quadro 22 - Esti mativa da percentagem do PNB per capita português em relação
a outros países europeus entre 1 830 e 1 970
País Reino Bélgica Dinamarca França Alemanha Espanha Itá l ia USSR e
Data Unido Rússia
1 830 62% 1 04% 200% 9 1 % 1 04% - 1 04% 1 39%
1 860 48% 73% 9 1 % 76% 84% 89% 1 04% 1 45%
1 9 1 3 3 1 % 41 % 38% 50% 43% 84% 74% 88%
1 950 3 1 % 35% 33% 42% 46% 1 02% 73% 73%
1 970 44% 4 1 % 39% 39% 36% 70% 59% 60%
Fontes: calculo com base nos valores fornecidos por Landes, 200 1 , 258.
Uma outra projecção fornecida por David Justino, embora situada num âmbito temporal
mais restrito, ou seja, entre os anos de 1 850 e 1 9 1 0, (Justino, 1 989, 1 04), e por Luciano
Amaral , baseado na obra do H istoriador económico Angus Maddison, esta tendo como
fundo um período de tempo que vai dos século XVI a finais do século XX (Amaral ,
2002, 70) dão-nos resultados, que embora apresentando algumas diferenças são
relativamente consistentes entre s i , dispensando-nos do os apresentar.
Assim, e como antes foi escrito neste texto, estas variações da percentagem do PNB per
capita português face ao conjunto de países que escolhemos, parecem reflectir
performances económicas diferenciadas, mas enquadradas por uma tipologia que se
caracteriza pela sua degradação brutal durante todo o século X IX e princíp ios do século
XX. Impressiona a evidência económica do falhanço português no que respeita ao
processo de modernização, e se alguns dos países que são também apresentados como
de desenvolvimento tardio ainda se comparam durante o século X IX a Portugal, casos
por exemplo da Itál ia da Espanha e da Rússia, eles afastam-se decisivamente no
princípio do século Xx. Esta enumeração de dados que cobre três regimes políticos, ou
seja, a Monarquia Constitucional até 1 9 1 0, a Primeira República até 1 926 e o Estado
Novo até 1 970, parece mostrar, através de uma a análise rápida e sem dúvida
superficial, como à frente teremos ocasião de verificar, a pouca relevância em termos
económicos da mudança política e lembra a uti l idade da comparação de dados em
períodos de tempo longos, sem a qual passariam despercebidos os aparentes falhanços
da "Regeneração" e da industrialização portuguesa, que coincidem com o descolar
rápido de uma parte das economias ocidentais face à economia portuguesa.
No entanto, ao construir o quadro a partir do qual calculamos estas percentagens, David
Landes entra sobretudo em conta com os países que histórica e economicamente são
mais relevantes no Ocidente dos últi mos dois séculos. Ao adoptar uma óptica de análise
1 84
mais especializada segui ndo critérios de ordem político - económicas mais específicos e
portanto mais diferenciados, o autor apresenta-nos outro tipo de resultados:
Quadro 23 - Comparação entre as Estimativas de PNB real per capita
entre alguns grupos de países europeus e Portugal, 1 830-1 91 3, em
dólares a mericanos com o valor fixo de 1 960 (médias não ponderadas
dentro de cada grupo)
1 830 1 860 1 9 1 3
Núcleo industrial 268 402 765
Escandinávia 2 1 9 297 682
Escandinávia sem 228 3 1 5 735
Fin lândia
Resto da periferia 2 1 5 244 243
Portugal 250 290 335 . -
Def in tçoes: Nucleo Industnal : Alemanha, Austna (excepto 1 830), França, Holanda,
Itál ia, Reino U nido, Suíça; Escandinávia: D inamarca, Noruega, Suécia e F in lândia;
Resto da periferia: Bu lgária, Espanha, G récia, Hu ngria (excepto 1 860) , Portugal ,
Roménia, Rússia, Sérvia. O ano de 1 830 refere-se apenas a Portugal e à Rússia.
Fonte: Landes, 2001 , 258, 277.
Este quadro parece, desta forma, relativizar o caso português ao inseri-lo numa nova
c lassificação económica do mundo que se vai definindo durante os século XIX e XX, e
que hierarquiza o processo de indu trialização entre "centros", "periferias" e "semi
periferias". Como por aqui se percebe, se inserirmo o caso português dentro da média
não ponderada da chamada "periferia", o desempenho do pais melhora, ou, por outras
palavras, ao deslocar-se o País do lugar central a que do ponto de vista histórico se julga
com direito, para uma periferia a que os factos obrigam, a sua posição relativa, que não
a sua auto estima, melhora substancialmente, com os seus PNB per capita de 250, 290 e
335 dólares respectivamente em 1 830, 1 860 e 1 9 1 3 , a serem sempre superiores à média
dos seus novos companheiros de infortúnio, apesar de estes dados apenas serem
calculados até 1 9 1 3 .
Assim, parece claro que, se, do ponto de vista económico e sem dúvida pol ítico, até aos
princípios do século X IX, Portugal e Espanha, ainda são relevantes em termos do
"centro do mundo", tendo todo o sentido a sua comparação com os países do Ocidente,
a partir de finais deste século até meados do seguinte, a comparação pertinente, e
1 85
sobretudo no que ao caso português diz respei to, terá de ser feita com o Leste e com os
Balcãs.
No entanto, uma série de autores, entre os quais sobretudo Luciano Amaral e Pedro
Lains, mostram-nos como o quadro depressivo do século XIX começa a mudar
sobretudo depois da egunda metade do século seguinte, e como tal mudança, parece ser
reflexo de uma mistura entre conjunturas económicas gerais a nível mundial e opções
internas, (Lains, 2005, 1 20) relacionadas com políticas desenvolvimentistas que
associaram mudanças a nível do Capital Humano com mudança a nível dos factores de
inovação tecnológicos, que transformaram o perfi l de desenvolvimento, essencialmente
baseado, pnmeuo, num modelo de "acumulação" para um modelo de
"assimilação"(Amaral, 2002, pp, 256 -28 1 ) .
Na verdade, a comparação entre as taxas de crescimento económico de Portugal,
Espanha e Grécia, países classificados entre os "periféricos" por David Landes, com as
taxas de crescimento económico do "centro europeu" aqui definidos como constando da
Alemanha (Alemanha Ocidental até 1 99 1 ) , Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Itália,
Noruega, Reino Unido e Suécia (Amaral , Idem, pp. 70-75 ; Lains, Idem, 1 2 1 ) , durante o
século XX, parece mostrar que, pelo menos a nível do Ocidente, a "divergência"
acentuada que marcou o início da Revolução I ndustrial e que se espraiou por quase todo
o século X IX, se i nverteu, inaugurando um novo período de convergência entre "centro"
e "periferia", sem que, no entanto volte a ser reposta a situação de quase igualdade que
os valores atribuídos por David Landes aos PNB per capita dos princípios do século
XIX deixam supor.
Quadro 24 - Crescimento do PIB per capita na periferia e no centro da Europa,
1 91 3 - 1 998
Portugal Espanha Grécia Irlanda Centro da Europa
1 9 1 3-29 1 ,35 1 , 65 2,45 0,33 1 ,39
1 929-38 1 ,28 -3,53 1 ,50 0,87 1 , 1 6
1 938-50 1 , 56 1 ,48 -2,72 0,94 1 ,00
1 950-73 5,47 5,63 5 , 99 2 ,98 3,55
1 973-86 1 ,52 1 ,3 1 1 ,75 2,47 2,01
1 986-98 3,45 2,65 1 ,39 5,42 1 , 88
1 9 1 3-98 2 , 79 2 , 20 2,29 2, 1 9 2 ,06 . -
Defln lçoes: Centro da Europa refere-se a uma média não ponderada para a Alemanha
(Ocidental até 1 991 ) , Bélgica , D inamarca, França, Holanda, Itá l ia , Noruega, Reino U n ido, e
Suécia (Lains, 2005, 1 21 ) . Fonte: Lains, 2005, 1 23.
1 86
Ou seja, e de certa forma contrariando os números apresentados por David Landes em
relação ao século XX português, o que se pode deduzir dos valores apresentados por
Pedro Lains, é que a partir de 1 929, as taxas de crescimento do PIB per capita dos
portugueses são sempre superiores às taxas de crescimento do centro europeu, excepção
feita ao período pós - revolucionário de 1 973- 1 986, que, no seu início, corresponde
também à situação de crise económica internacional resultante dos "choques
petrol íferos" de 1 973 e de 1 979.
Este crescimento diferenciado do PIB per capita de Portugal, mas também de Espanha,
da Grécia e da Irlanda, reflecte-se assim numa convergência durante o século XX face
às economias do centro da Europa, embora insuficiente para compensar os
desequi l íbrios do século anterior e com ritmos diferentes, visto que as crises específicas
da história de cada um dos países mencionados parecem bem marcadas nas respectivas
taxas de crescimento, em cada período considerado.
Quadro 25: Convergência do PIB per capita na periferia europeia em relação ao
centro da Europa, entre 1 91 3 e 1 996
Portugal Espanha Grécia I rlanda
1 9 1 3-29 -0,04 0,26 1 ,04 - 1 ,04
1 929-38 0, 1 2 -4,64 0,33 -0,29
1 938-50 0,55 0,47 -3,69 -0,06
1 950-73 1 , 85 2 ,01 2,36 -0,55
1 973-86 -0,49 -0,69 -0,26 0,45
1 986-98 1 ,54 0 ,76 -0,48 3,48
1 9 1 3-98 0,72 0, 1 4 0,23 0, 1 3
Fonte: Larns, 2005, 1 24.
Assim sendo, com bases nestes valores, tudo parece indicar que, no que diz respeito a
Portugal , o balanço económico do século XX, parece ser relativamente positivo, o que
surpreende face ao cepticismo com que, em conjunto, os séculos X IX e XX são
encarados pela generalidade dos portuguese .
Luciano Amaral resume bem esta questão:
" " . True divergence of the Portuguese economy is a fact of the n ineteenth century.
From 1 820 to 1 91 3 Portugal very rapidly lost ground to the rest of Europe. ln the latter
year, however, divergence stopped. From then to 1 950 lhe country kept is relative
situation. From 1 950 on, however, a convergence process started and was particularly
strong in the 1 950- 1 973 period. From 1 9 73 on, it became more moderate. We can see
that, thanks to the (. . . ) long episode of convergence, the country has recovered the
1 87
ground that was lost in the nineteenth century. That was not enough, however, to
recover the ground lost in the previous two centuries" (Amaral, 2002, 3 1 ) .
Desta forma, parece claro que não se pode confundir os dois séculos, e que o Estado
Novo, em primeiro lugar, que parece ter t ido sucesso na inversão da tendência de
divergência que se arrastava desde praticamente os princípios dos século XIX; o
crescimento europeu do pós-guerra em segundo lugar, e as adesões à EFTA e à União
Europeia em terceiro lugar, parecem ter-se reflectido em períodos marcados de
convergência económica, o que em conjunto, fez com que em Portugal, entre 1 986 e os
finais dos anos noventa do século XX, o rendimento médio per capita tivesse crescido
de cerca de 56% da média do rendimento per capita dos países que em 1 999 faziam
parte da União Europeia, para 74% do rendimento médio per capita de tais paises
(Royo e Manuel, 2005, 48) .
Partindo de muito baixo, Portugal beneficia do enriquecimento exponencial da Europa e
do Ocidente durante a segunda metade do século XX, numa primeira e evidente fase de
convergência económica muito intensa, e descola de forma límpida, aproximando-se
mais dos PlB per capita dos seus colegas da Europa Ocidental, durante a ú lt ima década
do século passado, uma vez implantada a democracia em 1 974, aplicados os dolorosos
"Programas de Reajustamento" pelos governos constitucionais do "Bloco Central" no
princípio da década de oitenta e defini tivamente aberta a porta da União Europeia em
1 986, o que se traduziu em modernização administrativa e política e num volume de
ajuda externa e de entrada de capitais sem paralelo na história contemporânea
portuguesa.
De facto, a proporção do PlB português por habitante, em relação aos mesmos índices
da maioria dos países que referenciámos, cresce sensivelmente até finais do século XX,
recuperando, ao que tudo indica com alguma sustentação, de um longo período de
decadência e agonia económica tendo registado entre 1 975 e 200 1 , de acordo com o
relatório do Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas publ icado em 2003 ,
uma taxa média de crescimento anual do PlB per capita, que se situa entre as dez
melhores dos cinquenta e cinco países considerados "desenvolvidos" pelos peritos
económicos da Nações Unidas, o que não pode deixar de ser uma performance muito
interessante (PNUD, 2003, 278) .
De certa maneira, e apesar de um súbito e assustador período de d ivergência nos
primeiros anos do século XXI relativamente às economias mais desenvolvidas da
OCDE (OECD, 2007a), tudo parece i ndicar que o movimento de periferização e
1 88
degradação da economia portugue a parece ter sido estancado com algum êxito e, em
200 1 , o Produto Interno Bruto per capita português medido pela taxa de câmbio
internacionalmente mais util izada, o dólar PPC (Paridade de Poder de Compra), que é
uma " . . . taxa de câmbio equil ibrada de tal modo que duas moedas compram a mesma
quantidade de bens e serviços em duas economias . . . "(Rutherford, 1 998, 404), era o 27°
mais alto do mundo, entre 1 75 países. Mesmo que duvidemos da eficácia deste "dólar
PPC" para medir o que quer que seja, resta-nos a consolação de saber que o PIB por
habitante português medido nos habituais dólares norte americanos " . . . uti l izando a taxa
de câmbio oficial média publicada pelo Fundo Monetário Internacional . . . " (PNUD,
2003 , 356), s ituava-se, no mesmo ano de 200 1 , entre os primeiros trinta do mundo
(Idem, 278) . Quase duzentos anos, foi o tempo que a sociedade portuguesa precisou
para se recompor economicamente da perda da verdadeira "jóia do Império" que foi o
Brasi l .
Vejamos agora como do ponto de vista político, aqui medido através do espaço de poder
que os cidadãos tiveram para influenciar e controlar a vida política no seu país, o
projecto modernista se afirmou nos séculos XIX e XX em Portugal .
Alguns dados sobre o desenvolvimento das formas modernas de legitimação
política em Portugal, durante os séculos XIX e XX, numa perspectiva comparada
Como na primeira parte deste texto deixámos escrito, baseando-nos entre outros, em
Ernesto Castro Leal , assumimos que as formas de transição do Estado absolutista para o
Estado - nação moderno implicaram profundas mudanças ao nível dos processos de
legitimação política, que passam de processo fundamentados em princípios dinásticos,
rel igiosos e históricos, para processos fundamentados em principios que relevam da
soberania popular, do laicismo, do patriotismo (Leal , 1 999, 2 1 ) .
Assim, o principio da legitimação popular associada à ideia do Estado como uma
entidade política separada da Igreja, marca uma ruptura com o passado, lançando as
bases do "Estado de Direito" que irá dar origem à democracias parlamentares que se
implantam no Ocidente e nas partes do mundo por si influenciadas durante os séculos
XIX e XX, ainda que o caminho até este fim se tenha revelado tortuoso, cheio de
desafios, de bifurcações e de propostas diferenciadas de conceber as relações entre o
"povo" e o "poder".
O que parece seguro neste contexto de mudança é que as formas "modernas" de poder
necessitam de invocar o "povo" para se considerarem legítimas. Esta evocação ordena-
1 89
se numa paleta de processos que vão da efectiva escolha política entre várias
alternativas possíveis , baseada no pressuposto da maioridade política de quem tem
assegurado os direitos civis , sociais e políticos típicos das sociedades "l iberais", até,
num extremo opo to, aos processos referendários desencadeados por movimentos ou
grupos políticos que se "substituem ao povo", mas que não se atrevem a não o consul tar
mesmo que de forma vigiada e, se necessário, fraudulenta. A própria noção de "povo"
perante quem o poder se legit ima vai mudando durante estes dois séculos, abrangendo
progressivamente os pobres, as mulheres e os analfabetos, mas, de qualquer das formas,
e frequentemente a contragosto de parte das el i tes políticas, económicas e rel igiosas, o
século XIX de forma tímida, e o século XX de forma inelutável , são impossíveis de
conceber sem a ideia de "sufrágio", o qual pa sará por inúmeras fases até chegar ao
"Sufrágio Universal" condicionado somente pela idade (Bertol ini , 2000).
Assim, democracia sustentada em eleições, riqueza e educação, parecem fazer parte de
um todo a que chamamos de progresso, que, neste texto, tentamos dividir nas suas
partes constituintes, com o objectivo último de os conhecer de forma mais íntima e
profunda.
Deste "todo", interessa-nos de momento perceber o caminho que uma das mais radicais
das suas partes, a da legitimação do poder político pela " . . . soberania popular
electiva . . . " percorreu em Portugal durante os finais do século XIX e durante o século
XX, sempre visto numa perspectiva de comparação com sociedades inseridas no mesmo
espaço geográfico e cultural .
As eleições modernas surgem e consolidam-se em Portugal nos ú lt imos cento e
cinquenta anos, transitando por um espaço ocupado por diferentes formas de gestão do
poder, de que sal ientamos essencialmente quatro: a Monarquia Constitucional ,
sobretudo depois dessa verdadeira "refundação" const ituída pela "Regeneração" a partir
dos primeiros anos da década de cinquenta do século XIX; a Primeira República, de
1 9 1 0 a 1 926; o Estado Novo cuja fundação costuma ser marcada pela aprovação da
Constituição de 1 934 em referendo; e o regime actual , de Democracia Parlamentar, cujo
marco é a "Revolução dos Cravos" que teve lugar em Abril de 1 974.
Tiveram estas quatro formas principais de gestão política, que atravessaram o país nos
últimos cento e cinquenta anos, i nspirações e princípios por vezes profundamente
diferentes, e atravessaram conjunturas internas e externas também elas distintas, o que
se reflecte quer na relação que mantiveram com os processos de legitimação política
modernos, quer na eSlabilidade governaliva de que vieram a desfrutar, como nos mostra
1 90
o quadro construído por Pedro Tavares de Almeida, António Costa Pinto e Nancy
Bermeo:
Quadro 26 - Duração média dos Gabinetes M i n isteriais em meses, durante a
Monarquia Constitucional, a Primeira Repúbl ica, o Estado Novo e a
Democracia Parlamentar
Período Duração média (meses)
Monarquia Constitucional - Regeneração - 1 85 1 - 1 7,0
1 9 1 0
P rimeira República - 1 9 1 0- 1 926 4, 1
Estado Novo - 1 933-1 974 1 64,3
Democracia Parlamentar - a partir de 1 974 2 1 ,5
Fonte : A lmeida, Pinto e Bermeo, 2003, 8 .
A enorme estabi l idade do Estado Novo nasce numa resposta ao contexto pol ítico e
económico que esteve na origem da instabi l idade da Primeira República e é contraposta
por um tipo de permanência mais moderada, característica das democracias como o
foram a Regeneração e o actual regime político saído da "Revolução dos Cravos".
Assim, e pelo quadro que de seguida expomos, poderemos ver como todas estas
diferentes formas de gestão política t iveram de se legitimar pelo voto perante o "povo",
e será na maneira como os diversos poderes que percorrem este arco temporal definem e
dimensionam esse "povo legitimador" que poderemos perceber algumas das marcas
profundas que atravessaram a vida política de Portugal nos séculos X IX e XX.
1 9 1
Quadro 27 - Votantes, corpo eleitoral real (eleitores constantes dos cadernos
eleitorais) e cálculo da percentagem de ambos em relação à população
residente ou presente de idade i gual ou superior a 20 anos, de 1 88 1 a 1 991 , para
Portugal
Ano Corpo Votantes População % dos % do corpo % dos votantes
eleitoral residente ou votantes em eleitoral real em em relação à
real presente em relação ao relação à população de
Portugal de corpo população de idade igual ou
idade maior ou eleitoral real idade igual ou maior a 20 anos
igual a 20 anos maior a 20 anos
1 88 1 841 . 5 1 1 491 .766 2.41 1 .870 58,4% 34,8% 20,4%
estimado em 1 878
**
1 890 951 . 5 1 1 2 . 9 1 9 . 1 00* em 32,6%
1 890
1 9 1 1 846.801 250.000 3.344. 1 56* em 25,3% 7 , 5%
1 9 1 1
1 92 1 550.000 350. 000 3.438.066 * em 63% 1 5, 9% 1 0,2%
1 920
1 934 478. 1 2 1 377. 792 3. 965.002 * 79% 1 2% 9 , 5%
em 1 930
1 942 777.578 668.785 4. 505.452 * em 86% 1 7,3% 1 4,8%
1 940
1 953 1 .351 . 1 92 991 .261 5 . 1 42.263 * em 73,4% 26,3% 1 9,3%
1 950
1 96 1 1 .440. 1 48 1 . 1 1 2.572 5. 550. 2 1 2 * em 77,3% 25,9% 20%
1 960
1 973 1 . 965.7 1 7 1 .320.952 5.346.585 * em 67,2% 36,7% 24,7%
1 970
1 975 6.23 1 .372 5 .71 1 .829 5.346.585 * em 9 1 % 1 1 6% 1 06,8%
1 970
1 980 7 . 3 1 9.000 6 . 1 67.000 6.464.599* em 84,2% 1 1 3% 95,3%
1 98 1
1 99 1 8 .322.000 5.679.000 7.049 . 1 50* em 68,2% 1 1 8% 80,5%
1 99 1
Fontes:
*População residente ou presente em Portugal de acordo com os Censos de 1 890, 1 900, 1 9 1 1 , 1 920,
1 930, 1 940, 1 950, 1 960, 1 970, 1 98 1 , 1 99 1 .
** Para a população presente, Censo de 1 878; para o cálculo da população com idades iguais ou
superiores a 20 anos, fomos verificar, a partir dos dados que nos são fornecidos nos Censos de 1 890 e
1 900, a percentagem de população de idade igual ou superior a 20 anos, tendo encontrado o valor de
57% e 6 1 %. Mantivemos o i ntervalo de variação de 4%, estimando que tal proporção seria de
aproximadamente 53% no Censo de 1 878.
1 92
Os dados referentes ao corpo eleitoral, aos votantes e à percentagem de votantes sobre o corpo eleitoral
para os anos de 1 88 1 , 1 890, 1 9 1 1 e 1 92 1 , são fornecidos por Lopes, 1 993, 1 45; Os referentes às
mesmas rubricas para os anos de 1 934, 1 942 , 1 953, 1 96 1 e 1 973, são-nos fornecidos por Quintas, 1 996,
290. Os dados referentes às mesmas rubricas em 1 975, 1 98 1 e 1 99 1 , são fornecidos pela Comissão
Nacional de Eleições, em http://eleicoes.cne.pt/. Os dados referentes às rubricas, "percentagem do corpo
eleitoral sobre a população de idade igual ou superior a 20 anos" e "percentagem dos votantes sobre a
população de idade igual ou superior a 20 anos", foi obtida através de cálculos nossos, com base nos
dados obtidos da forma e nas fontes anteriormente mencionadas.
Por este quadro se pode constatar como a definição do "povo político", diante de quem
os poderes se legitimavam em Portugal , era, até 1 975, relativamente restrita. No
entanto, esta afirmação só terá sentido se a virmos à luz de uma óptica recente, ou seja,
a óptica do "sufrágio uni versaI", que identifica "povo político" com todos aqueles que,
homens e mulheres, tenham mais do que uma determinada idade. O indicador que
permite percebermos a distância a que nos encontramos deste objectivo, é-nos dado,
numa primeira etapa, pela relação existente entre o "corpo eleitoral real" em cada
eleição, ou seja, o número de eleitores a quem é permitida a inscrição nos cadernos
eleitorais, e portanto, a quem é permitido votar, e o total da população de idade igual ou
superior a 20 anos, idade fixada por razões de comodidade que se relacionam com os
critérios de apresentação da população nos Censos Populacionais .
Em Portugal , o "corpo eleitoral real" começa por representar cerca de 34% dos homens
e mulheres com 20 anos de idade ou mais em 1 88 1 , vai sempre descendo até 1 934, onde
estão recenseados como votantes possíveis apenas cerca de 1 2% dos indivíduos de
ambos os sexos de idade igual ou superior a 20 anos, tendo efectivamente votado apenas
9,5%, e começa a subir lentamente, até atingir, dentro do Estado Novo, o seu máximo
quando em 1 973 são recenseados para votar 36,7% dos portugueses e portuguesas com
idades iguais ou superiores a 20 anos. Em 1 975, caído o Estado Novo, a primeira le i
elei toral do novo regime cria um corpo elei toral real igual ao corpo eleitoral potencial,
ambos superiores ao número de pessoas com idades iguais ou superiores aos vinte anos
que residem em Portugal, e é descrita da seguinte forma por um dos seus artífices:
" . . . Fixando o método, l imites e objectivos do seu trabalho, o primeiro problema que a
comissão teve de encarar foi o de definir quem deverá eleger a Assembleia Constituinte,
tendo optado pelo reconhecimento de voto aos maiores de 1 8 anos, aos analfabetos, bem
como aos emigrantes que preencham determinadas condições . . . " (Miranda, citado por
Ferreira, 1 993, 20 1 -202) . As percentagens superiores a 1 00% expl icam-se pelo facto de
o universo dos votantes potenciais, uma vez que abrangia emigrantes e pessoas com
1 93
idades inferiores a vinte anos, ser superior em número ao termo de comparação
tradicional , ou seja, a população de idade igual ou superior a 20 anos, residente ou
presente no pais aquando da efectivação do Censo. A outra razão que explica tal
percentagem é o facto de, pela primeira vez, o sufrágio universal ser efectivamente
instituído em Portugal .
Mas uma das constatações mais interessantes é a de que uma anál ise da tensão entre
restrição e outorga do voto durante este período parece i lustrativa dos problemas
sociais, políticos e económicos com que a sociedade portuguesa se debateu, o que
sucedeu independentemente do regime polít ico em vigor.
De facto, do período final da Monarquia Constitucional à Primeira República e
passando pela primeira fase do Estado Novo, período em que o desacerto económico
português face ao Ocidente se acentua e estabiliza, a "estrutura" pol ítica parece
endurecer-se progressivamente, através de uma retracção do corpo eleitoral real que
atinge o seu minimo na década de trinta, começa a subir na década de quarenta, volta a
subir na década seguinte , retrai-se da década de cinquenta para a de sessenta,
movimento que mostra bem a crispação da úl tima fase do Salazarismo, e sobe no
Marcel ismo, numa altura em que as taxas de crescimento económico português vêm a
disparar desde os anos cinquenta, mas em que o bloqueio de um regime "velho",
paral isado pela Guerra Colonial se reflecte num corpo eleitoral real que crescendo
sempre, nunca se aproxima sequer do sufrágio universal , ou mesmo de um sufrágio
universal masculino.
O que há aqui de atípico face aos países Ocidentais mais conhecidos, eis o que o quadro
seguinte na ajuda a compreender:
1 94
Quadro 28 - Percentagem da população autorizada por lei a votar e m relação à
população de ambos os sexos com idades iguais ou superiores a 20 anos entre
1 880 e 1 973. Para Portugal, percentagem dos "corpos eleitorais reais" sobre a
popu l ação de ambos os sexos de idades iguais ou superiores a 20 anos, no
mesmo período de tempo
Intervalo de Dinamar França Alem. I rlanda Itál ia Holanda Suécia Suíça Reino
tempo em oca Unido
que teve
lugar a
aprovação
da legislação
eleitoral
1 880- 1 88 1 27, 1 % 41 ,6% 36,2% 8,2% 3,8% 5,4% 1 0, 7% 38,7% 1 6,4%
1 889- 1 892 29,4% 41 , 8% 37,4% 28,9% 1 5,2% 1 1 ,5% 1 0,4% 38,3% 29,3%
1 900- 1 903 29% 43,2% 38,3% --- 1 2, 3% 2 1 ,2% 1 2, 7% 37,9% 28,5%
1 909- 1 9 1 3 30, 1 % 43,4% 38,7% --- 42% 25,7% 32,5% 37% 28,7%
1 9 1 9- 1 922 74% 43,4% 95, 1 % 77,5% 52,5% 80, 7% 87,9% 40, 1 % 74,5%
1 929- 1 934 80,6% 39,6% 98,5% 93,7% --- 82, 1 % 89% 4 1 % 97%
1 940- 1 942 84, 8% ---- ---- --- - ---- ---- 90,6% 42 , 9% ----
1 949- 1 953 88,2% 88% 95,6% 95,7% 98% 89,7% 95,8% 42,9% 97,6%
1 959-1 962 93,2% 86,2% 97,2% 97,8% 96,6% 9 1 ,3% 97, 1 % 40,8% 97, 5%
1 969-1 973 97,0% 87,5% 98,8% 99,5% 98,9% 94,7% 97, 1 % 80, 8% 99,8% . .
Fontes: sobre a D inamarca, França, Alemanha, I rlanda, Ital la, Holanda, Suecla, S U lça e Remo
Unido, Bertol in i , 2000, 1 20- 1 22, e trata-se da aprovação de legis lação sobre d i reitos de voto;
sobre Portugal trata-se de "corpos eleitorais reais" ou de c idadãos recenseados para votar, o
que reflecte antes uma interpretação por parte dos poderes vigentes sobre tais l e is . Quanto à
origem dos dados sobre os "corpos eleitorais reais" em Portugal, ver "fontes" relativas ao
quadro 26.
Estas cifras que, exceptuando as referentes a Portugal, são fornecidas por Stefano
Bertol ini recorrendo à evolução das leis eleitorais que se vão sucedendo, procuram
contabilizar para estes países, " . . . those people who are legally el igible to vote, as a
percentage of the total population (mal e and female), age twenty and older. . . "
(Bertolini , 2000, 1 1 8) , marcando de forma aproximada as várias etapas de acesso da
Europa ao Sufrágio Universal que, de acordo com este e outros autores, serão
essencialmente quatro, como mais à frente mostraremos.
1 95
Portugal
34,8%
32,6%
-- -. - .
25,3%
1 5, 9%
1 2%
1 7,3%
26,3%
25, 9%
36,7%
Assim, estas percentagens mostram-nos como é normal na maioria dos países aqui
representados, a existência até finais de século XIX de um voto masculino
condicionado, por vezes mesmo muito condicionado, a excepção sendo a França, que
tem desde meados do mesmo século um corpo eleitoral que se aproxima bastante do
sufrágio universal masculino.
Neste contexto, Portugal poder-se-á considerar um regIme l iberal formalmente
avançado, com um tipo de sufrágio mascul ino "quase universal" em que, de 1 878 a
1 895, o voto é concedido " . . . não só aos cidadãos que provem ter um rendimento de
1 00$000 mas também aos que atestem saber ler e escrever ou ser chefes de fanúlia . . . "
(Almeida, 1 99 1 , 35) , critérios que serão modificados em 1 895, com a revogação das
condições anteriores excepto a da relação entre voto e capitação de impostos, o que
correspondendo a uma retracção defensiva da Monarquia face ao avanço das ideias
republicanas (Leonard, 200 1 , 740), e à agitação social l igada à degradação da situação
económica e política portuguesa.
Entre a primeira e a segunda Guerras Mundiais assiste-se a uma primeira vaga de países
que acedem ao Sufrágio Universal, casos da Alemanha, Irlanda, Suécia, e Reino Unido.
Nesta altura, encontraremos ainda, além do Sufrágio Universal, mais três tipologias de
voto: um Sufrágio Universal masculino, casos da Itália, da França e da Suíça, um tipo
de Sufrágio que, sem chegar ao Sufrágio Universal, dele se acerca, podendo ser
classificado como um Sufrágio condicionado, mas alargado a ambos os sexos, casos da
Holanda e da Dinamarca, enquanto que em Portugal vigoram Sufrágios restritivos que
não chegam a abranger os 20% do "corpo eleitoral potencial".
Neste período de entre as duas guerras, as leis que definem a capacidade de voto em
Portugal , são até 1 926, marcadas pelo código eleitoral de 1 9 1 3 , que permite a votação
aos homens, maiores de vinte e um anos alfabetizados (Leonard, 200 1 , 74 1 ; Marques,
1 99 1 , pp. 4 14-420), a que, a partir de 1 933 , em pleno Estado Novo, são acrescentados "
. . . os homens maiores e analfabetos ( . . . ) quando pagassem impostos ac ima de certo
montante . . . ", e " . . . as mulheres ( . . . ) sendo maiores, desde que tivessem o curso
especial do ensino secundário ou um curso superior. . . " (Rosas, 1 994, 4 1 1 ) , o que
mostra uma distância crescente entre um "corpo eleitoral potencial" generosamente
definido e um "corpo eleitoral real" crescentemente restrito, tornando assim evidentes
as manipulações a que este conceito era sujeito, quer por parte dos diversos governos
do final da República, quer por parte das autoridades do Estado Novo. De lamentar é o
facto de não lermos conseguido reproduzir as percentagens dos corpos e le itorais reais
1 96
em relação às população de idades iguais ou superiores a vinte anos em paí es como a
Grécia, a Espanha, a Bulgária, a Hungria e mesmo a Turkia de Mustafa Kemal Ataturk
e outros que se encontraram numa situação de periferia económica e política
semelhante à portuguesa durante a transição do século XIX para o século XX, sendo no
entanto claro que entre as duas guerras, e a despeito de leis eleitorais mais
"progressistas", se acentua em Portugal, e provavelmente em alguns dos países antes
mencionados, um contra-ciclo eleitoral em relação ao que se designa chamar de Europa
Ocidental .
Assim, a segunda vaga de acesso ao Sufrágio Universal na Europa dá-se a seguir à
segunda Guerra Mundial , em que a França e a Itál ia acedem ao voto universal através
da concessão de voto às mulheres, e nos finais da década de cinquenta do século XX, à
excepção da Suíça e de Portugal, todos os corpos eleitorais dos países mencionados por
S tefano Bertolini , estão ou muito próximos ou já incluídos nos noventa por cento da
população de ambos os sexos de idade igual ou superior a 20 anos . As décadas
seguintes verão o l imite de idade de voto baixar para os dezoito anos, o que
consolidará, no princípio dos anos setenta, o Sufrágio Universal na Europa Ocidental,
tal como o conhecemos hoje .
Em Portugal, entre finais da década de 50 e finais da década seguinte, o corpo eleitoral
real português varia entre os 26% e os 37% da população de ambos os sexos de idade
igual ou superior a 20 anos, nesta últ ima percentagem estando já incluídas as mulheres
alfabetizadas que a partir de 1 969 vêm o seu voto legal izado (Idem, 548) , mas estes
valores, a despeito das generosas leis eleitorais, equivalem ao que poderíamos encontrar
antes da primeira Guerra Mundial , nos países que vimos acompanhando.
A terceira vaga de acesso ao Sufrágio Universal na Europa terá lugar na década de
setenta, quando os países da Europa do Sul , Portugal, Espanha e Grécia, acederem à
Democracia Parlamentar Moderna, a que se seguirá uma quarta vaga, a partir da década
de noventa, que arrastará, embora de forma diferente, com tipologias e consequências
também diferentes, os países do Centro e Leste da Europa.
O caso português torna-se assim claro em relação às várias tipologias europeias:
começa de uma forma normal na transição do século X IX para o século XX, retrai-se e
"congela" ignorando as duas primeiras vagas de acesso ao Sufrágio Universal e l idera a
terceira, precedendo a democratização do Centro e Leste Europeu .
De notar que, ao contrário do que é comum afirmar-se (ver, entre outros, Bard, 200 1 ,
459) o voto feminino em Portugal é permitido por lei desde 193 3, no contexto de um
1 97
regime ditatorial, com restrições superiores às apl icadas aos homens, e autorizado nas
mesmas condições que estes, ainda num contexto ditatorial , a partir de 1 969.
No entanto, tão ou mai importante do que as dimensões dos corpos eleitorais e a sua
evolução comparada nos séculos X IX e XX, é tentar entender o contexto político em
que eles eram definidos . Richard Rose, organizador de uma das obras de referência no
que diz respeito à história das eleições, de envolve num capítulo com o sugestivo título
de "Unfair Elections", as diversas tipologias de relação possível entre eleições e
regimes políticos dos séculos XIX e XX, traçando o quadro que de seguida
reproduzimos.
Quadro 29 - Eleições e ti pologias políticas nos séculos XIX e XX
Tipo de Eleição Controlo da Exemplos Liberdade de voto Consequências
competição políticas
Eleições P roibição de Democracias Sufrágio Universal, Alternância de competitivas candidatu ras Ocidentais ausência de coerção e Governo e
como um facto contagem de votos justa possibi l idade real de excepcional e viÇJiada mudanças políticas Exclusão de I nglaterra, até meados Sufrágio restrito Alternância de
classes do século XIX Governo e possibi l idade real de mudanças pol íticas
Exclusão racial Apartheid, Africa do Sufrágio restrito Para a estrutura de Sul poder da etnia
dominante Eleições semi - Multipartidarismo Turquia 1 950 - 60; Sufrágio Universal e Possibilidade real de
competitivas com exclusão de Argélia depois de pouca coerção alternância política, partidos 1 996; México depois mas bloqueios
de 1 994 possíveis
Coexistência entre I ndonésia, México, G rau de coerção forte, Sem consequências movimentos antes dos anos oitenta resultados não di rectas que
controlados pelo controláveis impliquem alternância Estado e partidos de pol íticas
fracos Frentes Nacionais Polónia e Alemanha Resu ltados Sem consequências;
com um partido de Leste d u rante o determinados de não existe alternância oficial dominante e domínio soviético antecedência de Governo
l istas comuns Sistema de partido Egipto e Espanha Sufrágio U niversal e Usada como ú nico em declínio, d u rante a década de coerção l imitada "barómetro político"
com candidatos setenta pelo Governo representando
várias "correntes de opinião"
Sistema de Partido único com U nião Soviética, anos Pouca coerção R itual ista, sem eleição de partido competição entre oitenta consequências
único ou de vários candidatos pol íticas que ausência de ultrapassem a
partidos arbitragem de conflitos i nternos ao regime
Partido único Estalinismo Voto obrigatório e Util ização da eleição monopolizador controlado como demonstração
legitimação unanime para os actores do
Governo Fonte: Rose, 2000b,324.
1 98
Este quadro ajuda-nos a perceber os caminhos percorridos pela sociedade portuguesa
no espaço de tempo de cento e cinquenta anos, no que diz respeito à relação entre
capacidade de voto e regime político, o que nos ajuda a traçar a manelfa como a
cidadania moderna vai sendo construída no Portugal contemporâneo.
Assim, no quadro atrás traçado, o Portugal da Regeneração e do Constitucionalismo
Monárquico, pode sem grandes reservas, ser incluído num grupo de sistemas políticos
em que o tipo de eleição é "semi- competitivo" com "exclusão de classes", visto que as
leis que condicionam o voto à capacitação por rendimento, por habil itações ou por
sexo, implicam a sistematização da "exclusão" de grupos inteiros do elei torado
potencial, tratando-se portanto de um "Sufrágio restrito" mas que podia ter como
consequência alternâncias no poder com " possibil idades reais de mudança política".
No entanto, e de maneira a apercebermo-nos do lugar que Portugal ocupava nesta
"ordem de mérito liberal" , seria importante perceber até que ponto é que fenómenos
como o "caciquismo", o "clientel ismo" ou as várias maneiras que os governos do
Constitucional ismo tinham de condicionar e manipular eleições, se inscreviam ou, pelo
contrário, se afastavam do panorama geral do Constitucional ismo Europeu da segunda
metade do século XIX (ver, entre outros, Almeida, 1 99 1 ) .
Já a primeira República se torna num caso mais difíci l de classificar. Trata-se de um
regime que sem dúvida se fixa numa tipologia de "eleição semi-competit iva", que
parece inscrever-se num quadro semelhante ao anterior, mas a sua história eleitoral , em
que existe de tudo, desde a proibição de l istas de oposição se apresentarem a sufrágio,
até, nas eleições de 1 925, " . . . um tipo de fraude pouco conhecido nos anais do
l iberal ismo português : a falsificação das actas ( . . . ) no próprio Ministério do Interior,
por acordo entre os paItidos republ icanos . . . " (Lopes, 1 993, 1 59), fazem-nos hesitar na
sua classificação. Diríamos que conforme as fases, a primeira República, um tipo de
regime classificado por Yves Leonard como tratando-se de " . . . un multipartisme avec
Parti Dorninant . . . "( Leonard, 200 1 , 74 1 ) , terá oscilado entre um sistema político
semelhante ao Constitucional ismo antes definido, e um sistema que se caracterizaria
pela "coexistência entre movimentos controlados pelo Estado e paItidos fracos", com
um "grau de coerção forte e resultados não controlávei s" e "sem consequências directas
que implicassem alternâncias políticas". Nenhuma destas classificações nos parece
assentar totalmente ao regime que ocupou o poder em Portugal entre 1 9 1 0 e 1 926, visto
que, tal como no que concerne ao Constitucionalismo Monárquico que o precedeu e ao
Estado Novo que se seguiu , não foi um regime homogéneo. No entanto, cremos poder
1 99
c lassificar a primei ra República no capítulo dos s istemas de eleições semi competitivas,
mas maiS perto de um registo de "democracia degradada", mesmo em termos dos
princípios do século, e no qual se verificava a coexistência entre movimentos
francamente hegemónicos, através de um partido simbiótico com o aparelho de Estado,
o Partido Republicano-Democrático, e paI"tidos muito mais fracos e com muito menos
acesso ao poder institucional ; em que o grau de coerção sobre os actos eleitorais, não
sendo uniforme, teve momentos em que foi extremamente forte (Lopes, 1 993 ; Valente,
1 997); em que as formas de apuramento dos resultados davam azo a dúvidas quando
não eram efectivamente manipulados, e em que as alternâncias de governo ou se deram
através de golpes de Estado, ou raramente i mplicaram alternâncias políticas reais e
consistentes .
Com o Estado Novo, as classificações tornam-se mais fáceis, mas ainda assim existem
ambiguidades. Poderíamos dizer, com algum grau de certeza, que, no contexto desta
tipologia proposta por Richard Rose, o Estado Novo se insere na classe dos "sistemas
de eleição de partido único ou de ausênci a de partidos", visto que durante o tempo em
que se confundiu com o poder, o fez através de um "partido único" ou "movimento",
num tecido político em que a competição eleitoral realmente permitida se dava entre
vários candidatos afectos ao mesmo regime, em que o grau de coerção relativamente ao
acto eleitoral era relativamente baixo, mas a manipulação dos registos ele itorais era
gritante, traduzindo-se numa discrepânci a v isível entre "corpos eleitorais potenciais" e
"corpos eleitorais reais", e numa opacidade quase total no que diz respeito ao
apuramento de resultados.
No entanto há algumas zonas de transição de difíc i l classificação: em determinadas
alturas , sobretudo depois da vaga de democratizações que varre a Europa Ocidental dos
finais da segunda Guerra Mundial, o salazarismo é forçado a tolerar uma coexi stência
com "partidos fracos" mas existentes, e capazes de criar problemas reais ao regime,
como se viu pelas eleições presidenciais de 1 958 . Neste sentido, houve momentos em
que o Estado Novo osc ilou entre um regime com um tipo de eleições semi
competitivas, fortemente autoritário, que teria equivalência mais recente nos regimes
que até às décadas de oitenta e noventa ocuparam o poder no México e na Indonésia, e
um regime de partido único semelhante ao da União Soviética pós Khrushchov. Além
do mais, cremos que a tentativa de "abertura" corporizada por Marcelo Caetano, tentou
evolu ir sem o ter conseguido, para um sistema eleitoral apel idado por Rose como de um
"si stema de partido único em declínio com candidatos representando várias correntes de
200
opinião", em que o sufrágio, estando longe de ser universal, era o maIS alargado
possível dentro do regime, a coerção relativamente l imitada e os resultados "usados
como barómetro político pelos governos", e aqui as semelhanças com a Espanha da
última frase do franquismo são evidentes .
No entanto, algo é claro na forma como as eleições são construídas em Portugal desde o
período constitucional da Monarquia Liberal , até ao fim do Estado Novo, passando pela
1 a República. Na verdade, elas são sendo sempre organizadas pelo Partido ou facção
que está no poder e segundo Pedro Tavares de Almeida, que se refere apenas ao
período final do Liberal ismo Monárquico, elas têm três objectivos principais : a
confirmação - legitimação de Governos j á compostos; a selecção e escolha das el ites
políticas ; e a integração das tensões entre as el i tes políticas no contexto eleitoral,
tentando- e assim conter a confl itualidade de origem política a um nível aceitável
(Almeida, 1 99 1 pp. 1 5-3 1 ) . De facto, e ultrapassando o período de tempo a que o autor
se refere, estas são as características das eleições em todos os regimes anteriores a
1 974.
Finalmente, a seguir a 1 974, a questão das eleições deixa de ter pertinência como
"barómetro" da cidadania em Portugal, visto que o Sufrágio Universal e uma
Democracia Parlamentar modema garantem a coincidência entre corpo eleitoral real ,
corpo eleitoral potencial e o total da população de idades iguais ou superiores a dezoito
anos, o grau e qualidade da cidadania aferindo-se através de indicadores mais exigentes
e sofisticados.
Tal como do ponto de vista económico, o ciclo político português arrasta-se
penosamente dos finais do século XIX a meados do século XX, tornando evidente o
não cumprimento das potencialidades que um liberal ismo pacato parecia permitir, mas
que os tempos que se seguiram vieram a desmentir. No decorrer do século XIX e em
boa parte do século XX, Portugal deixou de ser uma sociedade comparável com os
países que estiveram na vanguarda da modernização, para se tomar numa periferia só
equiparável aos extremos leste e sul da Europa. Desde os movimentos migratórios, aos
indicadores económicos e aos indicadores relativos à maneira de legitimação do poder,
todos os dados disponíveis se agrupam de forma a mostrar uma imagem coerente
relativa a um país violentamente afastado de um "centro político-económico" do
Ocidente, e que leva mais de um século a reconstruir um caminho de volta, cujos
resultados só recentemente se percebem. O que se passou em termos de Estado -
Providência?
20 1
Alguns dados sobre o desenvolvimento do Estado - Providência e m Portugal
durante o século X X
Como vimos numa outra parte deste texto, a ideia de Estado - Providência, o u pelo
menos, a ideia de que o Estado deve intervir no campo social , é simultaneamente uma
consequência da Modernidade, no sentido em que as formas de sociedade e de
economia modernas enfraquecem as formas de regulação social tradicionais, deixando
os indivíduos expostos ao mercado e, é, ao mesmo tempo, uma condição dessa mesma
Modernidade, no sentido em que as novas formas de construção da coe ão social que
tornam possível o contrato de cidadania mais generalizado e inclusivo que caracteriza o
Estado - nação contemporâneo (Esping-Andersen, 1 999; 2003a), só são possíveis no
âmbito dos meios financeiros l ibertos pela industrialização.
A intervenção do estado português nas questões "sociais" é simultânea à de outros
Estados Europeus (Carreira, 1 996, 54- 60), mas, tendo em conta o longo período de
periferização da sociedade portuguesa, pouco admira que, apesar de o primeiro s inal
institucional de tal intervenção datar de 1 835 , dando origem ao Conselho Geral de
Beneficência, com os objectivos de obstar à mendicidade, ministrando caridade a quem
dela necessitasse, trabalho a quem dele precisasse e educação aos que dela carecessem
(Idem, 56), a efectiva cobertura da população portuguesa em termos de Assistência
Social geral só se conseguirá nos finais da década de noventa do século XX (Idem, 8 1 -
82), ou seja, cerca de éculo e meio depois de te esboço de interferência estatal
"moderna" no tecido social lusitano.
N a verdade, e nas palavras do autor que temos seguido, " . . . as políticas sociais ( . . . ),
estão mais fortemente dependentes do tipo de desenvolvimento da economia, da
urbanização, da demografia e da farrulia do que da política. É um domínio em que o
voluntarismo legal parece pouco influente . . . " (Idem, 54) .
Não estando inteiramente de acordo com o autor, no sentido em que, como vimos antes
neste texto, a política é fundamental neste domínio como o mostra aliás , por um lado, a
diversidade de formatos do actual Estado - Providência, e por outro, a discussão que em
seu torno se dá em todo o Ocidente, e em especial na Europa, concordamos, no entanto,
com Medina Carreira quando este salienta que sem que algumas condições estruturais se
verifiquem, os esforços na construção de um Estado - Providência efectivo e real são
202
inúteis, e aqui chegados, será fundamental lembrar, tendo em conta o objectivo deste
texto, que a concepção societal que designamos por Estado - Providência engloba a
universalização de uma parte considerada "básica" da educação.
Um exemplo que nos pode ajudar a melhor compreender o que antes dissemos prende
se com a evolução em Portugal da primeira tentativa de introdução de um dos
instrumentos fundamentais da "providência social" moderna, ou seja, os seguros sociais
obrigatórios, que, cobrindo, através da participação dos empregados, empregadores e
Estado, situações de doença, acidentes de trabalho, desemprego e reforma dos
trabalhadores, foram lançados por B ismarck nas décadas de oitenta e noventa do século
X IX, estando na origem das bases do Estado - Providência contemporâneo.
Em Portugal , as primeira experiências a este nível, são levadas a efeito nos finais do
século X IX, " . . . no âmbito de algumas empresas ou organismos públicos . . . " (Idem, 6 1 ),
mas ó em 1 9 1 3 através da lei n° 83 de 24 de Julho, é instituído de forma muito parcelar
um seguro obrigatório que cobria apenas os acidentes de trabalho provocados por
máquinas, nas profissões industriais, agrícolas e marítimas (Cardoso e Rocha, 2003 ,
1 1 4), cujo âmbito veio a ser alargado em 1 9 1 9, passando a integrar os assalariados com
rendimentos anuais inferiores a 900$00 e que, sendo financiado por empregados e
patrões, seria gerido pelo Estado através da criação do Instituto de Seguros Obrigatórios
e Providência Geral (Ibidem) .
Seis anos depois, em 1 925, reconhecendo-se o fracasso desta medida, extingue-se
também aquela que seria a cúpula da gestão da Assistência Social, o Ministério do
Trabalho e Previdência, criado em 1 9 1 6 . Na origem da extinção deste M inistério,
aponta-se o fracasso da implementação dos seguros obrigatório , que, segundo os
autores que temos vindo a seguir, se deveria a três tipos de razões: por um lado,
movimento operário português da época, com as suas tradições anarquistas, privi legiava
a auto - ajuda através das caixas de socorros mútuos muitas vezes controlados pelos
próprios sindicatos; em segundo lugar, faltava ao Estado uma organização burocrática
eficiente que obrigasse patrões e operários a proceder aos respectivos descontos; e
finalmente a instabi l idade política e a espiral inflacionista do final da primeira
República tornavam os l imites inferiores a partir dos quais se teria direi to ao seguro
obrigatório impossíveis de controlar ((Idem, 1 1 5) .
N a verdade, se em 1 9 1 9, uma boa parte da população assalariada teria rendimentos
inferiores a 900$00, tal não seria o caso poucos anos depois. Com base em tabelas de
sal ári os para professores do ensino pri mário apresentadas por António Nóvoa (Nóvoa,
203
1 987, 622-625) e de tabelas de salários apresentadas para operários industriais por
António Oliveira Marques (Marques, 1 978, 367) calculámos, com alguma margem de
erro, os possíveis vencimentos médios ao ano de cada uma destas categorias, sendo que
para 1 9 1 9 o salário médio anual de um professor do ensino primário seria de
aproximadamente 580$00 portanto, bem dentro da população abrangida pelos seguros
obrigatórios, mas seis anos depois, em 1 926, tal salário seria de aproximadamente
1 0. 1 28$00, o mesmo se dando com o salário médio anual de um operário industrial, que
seria aproximadamente de 624$00 em 1 9 1 9 e de 4.056$00 em 1 926 (Candeias, 1 994,
542) . Estes dados, embora tenham de ser encarados de forma cautelosa visto que
representam médias não ponderadas das diversas categorias de salários para cada uma
destas profi ssões, mostram o quão difíci l seria a gestão de um sistema de assistência
social baseada em l imites salariais, numa altura de inflação descontrolada como o foi o
final da Primeira Repúbl ica.
Na transição de regimes, da Primeira República para o Estado Novo, a assi stência social
ou previdência social nas palavras da época, passa a ser gerida, a partir de 1 933 , pela
Subsecretaria de Estado das Corporações e Previdência Social em substituição do então
extinto Instituto de Seguros Obrigatórios e Providência Geral e cerca de vinte anos
depois, no começo da década de c inquenta, esta Subsecretaria a passa a Ministério
(Cardoso e Rocha, 2003, 1 1 5), numa altura em que a cobertura social, sobretudo através
da primitiva forma de seguros sociais obrigatórios (Carreira, 1 996, 79), se alarga
progressivamente a mais portugueses, institucionalizando-se de forma segura e estável a
partir dos anos sessenta, como veremos pelos dados que de seguida fornecemos.
Quad ro 30 - Cálculo da percentagem de beneficiários activos da Segu rança
Social , em percentagem da Popu lação Activa, em Portugal, entre 1 940 e 1 990,
com excepção da fu nção públ ica
Ano População Activa Percentagem da população
aproxi mada coberta sobre a população activa
1 940 2.775.000 2,7%
1 950 3. 1 96.000 1 7, 5%
1 960 3.3 1 6.000 35,6%
1 970 3.061 .000 78,3%
1 980 4.303.000 76,2%
1 990 4.71 6.000 87,5%
Fontes: cálculo baseado em dados fornecidos por Carrei ra, 1 996, 80-81 ; Cardoso e Rocha,
2003, 1 1 7.
204
Duas questões patentes neste quadro merecem um comentário imediato. A primeira
refere-se ao súbito alto de beneficiários que se dá entre 1 960 e 1 970, que corresponde à
integração plena no regime geral de assistência social dos trabalhadores rurais e das
pescas, cuja chegada tardia ao s istema ainda hoje se faz penosamente sentir no baixo
valor das suas prestações de reforma; a segunda refere-se ao facto de que a partir da
década de noventa do século XX se poder considerar que o país beneficia de uma
cobertura social praticamente total da população portuguesa, uma vez que aos 87,5% da
população activa que em 1 990 se encontra coberta pela segurança social, se teria de
somar os cerca de 509 .732 funcionários das Administrações Centrais e Locais do Estado
contabil izados para o ano de 1 99 1 , que teriam esquemas de assistência próprios, mais os
mil i tares, a magistratura e os bombeiros, não incluídos nesta contabil ização do
funcional ismo públ ico, que também seriam cobertos por subsistemas separados de
assistência social geral (Barreto, 2000, 224-225) .
Mas outro quadro nos confirma a imparável a cen ão do"Estado - Providência" em
Portugal a partir da década de sessenta.
Quadro 31 - População abrangida pelos serviços médico-sociais e a sua
percentagem em relação à população residente em Portugal segundo os Censos
Populacionais, entre 1 950 e 1 975
Ano População abrangida População residente % da população abrangida
segundo os Censos sobre a população residente
Populacionais
1 950 334.500 8.441 .300 3,96 %
1 960 1 .402 .2 8 . 889.000 1 5,8%
1 970 5 . 1 99.3 8 .663.000 60%
1 975 7.293.6 9.308.000 78%
Fontes: Carreira, 1 996, 1 25 ; Barreto, 2000, 81 .
Tal como no quadro anterior, percebe-se que é a partir dos anos cinquenta, e sobretudo
nas décadas de sessenta e setenta, durante o ocaso do Estado Novo, que se dá a
tremenda aceleração dos indicadores relativos à "providência social" em Portugal,
sendo a obra terminada e formatada pela Democracia pós 1 974 e pelos fundos
provenientes da União Europeia a partir de 1 986.
Na verdade, como vários autores sublinham, a cobertura da população portuguesa em
termos de assistência soc ial conhece, nos vinte anos que vão dos começos da década de
cinquenta até aos princípios da década de setenta do século XX, ou seja, no período
205
final do Estado Novo, uma expansão quantitativa impressionante, mas fragmentada,
que toma uma forma por vezes primitiva e que só a partir de 1 974 é reorganizada de
forma moderna: " . . . De facto, nos primeiros quarenta anos de vigência, o s istema teve a
natureza restrita de um conjunto de seguros sociais obrigatórios ( . . . ) Ao transitar para
um sistema mais amplo, que continuou a incluir os seguros sociais obrigatórios, mas
lhes acrescentou a protecção a não trabalhadores, financiada pela colectividade, foram
modificados os fundamento da solidariedade, o âmbito social da sua projecção e o
modo do seu funcionamento. Num certo sentido, pode mesmo dizer-se que até 1 974
vigorou o s istema de seguros sociais obrigatórios. Depois, um verdadeiro regime de
segurança social . . . " (Carreira, 1 996, 79) .
Trata-se assim de um "Estado - Providência", que na opinião de Ana Guillén, Santiago
Álvarez, e Pedro Adão e S i lva, se estrutura depois de 1 974, passando por uma fase de
"expansão" nos anos setenta, a que se segue a "concepção do sistema" na fase de
consolidação da democracia, seguida, nos primeiros anos de adesão à União Europeia,
de uma fase de "crescimento sem diferenciação" que procura corrigir a feição
fortemente "corporativi sta" do Estado - Providência português (Carreira, 1 996, 1 23 ;
Guillén, Álvarez e Si lva, 2005, 32 1 ) .
Esta característica "corporativa" atribuída às bases doEstado - providência português, é
al iás, para Esping - Andersen ( (Esping - Ander en, 1 999), a característica principal dos
"Estados - Providência" continentais, e que, recorrendo a este autor, tínhamos definido
em outra parte deste texto como sendo compostos por um certo número de traços, entre
os quais se contam a "desmercadorização do trabalho", variável conforme a riqueza do
país, a manutenção da estratificação social no contexto de um universalismo alargado
financiado por impostos e por cotizações sociais e, para os países do sul da Europa, a
predominância de uma versão de influência católica que enfatizaria o papel regulador
da farrúlia tradicional através da protecção ao emprego numa altura em que este seria
sobretudo ocupado pelo "chefe de fanulia", ou seja, por homens .
Serão estas as caracterí ticas do actual Estado - Providência português?
Em 1 992, num artigo de síntese sobre o Estado - Providência em Portugal , Juan
Mozzicafreddo, salientava alguns dos traços principais das suas características, entre as
quais o autor assinalava, por um lado, a existência de diferenças significativas entre as
regalias sociais usufruídas em Portugal relativamente aos países europeus mais
desenvolvidos, e por outro, a sua lógica neocorporativista, que se reflectia numa
" . . . forte presença da l ógica c l ientelar na resol ução de s i tuações sociais e
206
económicas . . . " (Mozzicafreddo, 1 992, 83) . O autor sal ientava também a si tuação de
"contra - ciclo" do caso português, ou seja, um sistema de "Estado - Providência" que
se desenvolvia de uma forma clássica a partir dos anos setenta, quando as lógicas das
políticas sociais caminhavam já no sentido de " . . . uma relativa desregulamentação e
privatização dos sectores públicos . . . "(Idem, 84) , lógicas essas que foram continuadas
nas década seguintes, e que, como discutimos em parte anterior deste texto, parecem
incrustar-se de forma sólida nas práticas políticas contemporâneas. Neste contexto, o
autor reagia às pretensões de se estar perante uma minimização do papel do Estado nas
políticas sociais, defendendo que se tratava sobretudo de " . . . uma concepção de política
social na qual o Estado coloca maior ênfase no financiamento, na promoção e regulação
do que na produção e distribuição dos mesmos . . . " (Ibidem) , e que a pouca
profundidade e tradição do Estado - Providência português poderiam constituir uma
vantagem faci l itadora nessa mudança de paradigmas.
De qualquer das formas, Portugal tem o tipo de organização societal típica do Ocidente,
ou seja, uma forma de organização do Estado e da sociedade que poderemos designar,
sem nenhum constrangimento, por "Estado - Providência", com uma cobertura
educativa e de segurança social tendencialmente gratuita e praticamente universal
embora de qualidade contestada, dotado de um grau de benefícios sociais proporcionais
à sua riqueza e à eficiência da sua burocracia. Tal Estado - Providência só foi possível
de implementar com um enorme crescimento do funcionalismo público que, excluindo
mil itares e membros das forças de segurança, passa de 366.548 funcionários em 1 978
(Barreto, 1 996, 1 6 1 ; 2000, 225), para 599.674 em 1 996, já com a inclusão dos mil itares
e polícias (Idem, 2 1 5) e, finalmente, para 737 .774 em 2006 (Felner, 2006, 1 0) .
O quadro que d e seguida reproduzimos apresenta a evolução, entre 1 990 e 200 1 por um
lado, e entre 1 990 e 2003, por outro, de dois dos dados fundamentais para percebermos
a evolução do Estado - Providência neste período de tempo, ou eja, os gastos com a
assistência social em percentagem do PIB de cada país, e o total de descontos em
impostos e cotizações sociais que amparam as funções do Estado. Estes dados
mostram-nos, de forma gro seira, mas ainda assim indicativa, a evolução da dimensão
económica de forma comparativa das políticas sociais em Portugal .
207
Quadro 32 - Gastos públ icos com a assistência social e total de descontos em
i mpostos e cotizações sociais em percentagem do PIB dos segui ntes países da
U nião Europeia e da OCDE, entre 1 990 e 2003
Países Gastos Gastos Gastos Total de Total de
públ icos em públ icos em públ icos em descontos em descontos em
assistência assistência assistência impostos e i mpostos e
social em % social em % social em % cotizações em cotizações em
PIB (1 990) PIB (1 994) PIB (2001 ) % P IB (1 990) % PIB (2003)
Dinamarca 29.32 33.06 29.22 47.7 48.3
Finlândia 24.75 33.05 24.80 44.3 44. 8
Suécia 30.78 35.35 29.78 53.2 50.6
Austria 24. 1 0 27.29 25.96 39.6 43. 1
Bélgica 25.35 26. 8 1 24.72 43.2 45.4
França 26.61 29.27 28.45 42.2 43.4
Alemanha 22.80 26.91 27.39 35.7 35. 5
Grécia 20.90 2 1 . 1 6 24.34 29.3 35.7
Itália 23.26 24.36 24.45 38.9 43. 1
Luxemburgo 2 1 .86 22.98 20.84 40.8 4 1 . 3
Holanda 27.65 27.20 2 1 .75 42. 9 38.8
Portugal 1 3.90 1 7.30 2 1 . 1 0 29.2 37.1
Espanha 1 9. 55 2 1 .99 1 9.57 32. 1 34.9
I rlanda 1 8.65 1 9,99 1 3.75 33.5 29.7
Reino Unido 1 9. 55 23.22 2 1 .82 36.5 35.6
EUA 1 3.37 1 5.35 1 4. 73 27.3 35.6
Coreia 3. 1 3 3 . 36 6. 1 2 1 8.9 25.3
Média UE 1 5 23.27 26.00 23.59 39.3 40.5
Média OCDE 1 9. 09 2 1 . 53 20.77 34.8 36.3
Fonte: OECD Factbook, 2006b: Economlc, Envlronmental and Social Statlstlcs, ln
www.sourceoecd.org/factbook
Este amontoado de cifras, que podem ser confusas numa primeira leitura, i lustram um
ou dois pontos que achamos pertinentes para a compreensão do caminho percorrido
pela soci edade portuguesa na construção do seu "Estado - Providência". Em primeiro
lugar, quer em gastos com assistência social, quer na colecta de impostos, Portugal ,
partindo de muito baixo, vai sempre gastando mais dinheiro na assistência e colectando
mais impostos durante a última década do século XX, mantendo-se, no entanto, sempre
num nível abaixo da média de gastos e de impostos da União Europeia, mas
ul trapassando, no v irar do século, tais médias em relação aos países que constituem a
208
OCDE. A tipologia, quer de gastos com a assistência social, quer de colecta de
impostos, é, tal como se dá com a Grécia e com a Itál ia, l inear, aumentando sempre,
enquanto que a tendência geral é a de uma curva ascendente até meados da década de
noventa, seguida, a partir daí, de uma retracção em gastos sociais e de um relativo
abrandamento na carga fiscal colectada.
Ou seja, a tendência "contra cícl ica" apontada por Juan Mozzicafreddo em 1 992,
segundo a qual Portugal se encontraria numa fase de construção do seu Estado -
providência, de uma forma clássica, numa altura em que se assistia a uma retracção, ou
pelo menos uma mudança nas origens do investimento no sector social por parte da
média dos países mais desenvolvidos, não é, em termos de cifras, visível na altura em
que o autor a enuncia, mas é bastante clara a partir da segunda metade da década de
noventa, quando quer os gastos assistenciais, quer a carga fiscal , sobem continuamente
em Portugal, numa altura em que tais gastos começam a baixar na maioria dos países
europeus e da OCDE. O esforço de reduzir ou "racionalizar" os gastos públicos em
Portugal só começa a ser visível depois de 2003 , podendo no entanto perguntar-se se tal
redução nos gastos públ icos teria sido possível antes, num país cujo "social" era, apesar
de tudo, tão recente e restrito.
De seguida, atente-se em dois casos que inscrevemos como "casos exemplares" nestas
estatísticas, que i lustram, o primeiro, relativo aos Estados Unidos da América, o
exemplo de um país dotado de um Estado - Providência "l iberal", ou seja, muito
restrito, e o segundo, a Coreia, um país em que difici lmente poderemo falar de "Estado
- Providência". De caminho, note-se como o tão elogiado percurso da Irl anda a afa ta
progressivamente do "Modelo Social Europeu", seja ele o que for nesta altura, e a
aproxima do "Estado - Providência l iberal" típico das Américas.
Assim, e para terminar, pensamos que se impõem três constatações que, pensamos nós,
rematam bem este capítulo.
A primeira destas constatações remete para a maneira como começámos esta parte do
texto, ao afirmarmos que a intervenção do Estado nas questões sociais se tornou num
imperativo de uma Modernidade cujas formas de economia destruíam os tecidos sociais
tradicionai s, mas que só a afirmação plena de tais formas de economia conseguiam
produzir a riqueza capaz de permitir a sustentação de tal intervenção. Os períodos de
transição, entre o desaparecimento do "antigo" e a emergência sustentada do
"moderno", foram dolorosos, estão plenamente cobertos por uma l i teratura social e
pol ítica que rel ata de forma pungente o vazio que se i nstalou durante tal mudança, e
209
esta l i teratura mostra-nos que fez parte de tal processo o lançamento de formas de
gestão da "pessoa" e do "social" que construíram a Modernidade como a conhecemos.
Mas, como sabemos, a sorte do mundo não é igual, e nas zonas onde a pobreza
predomina e o "moderno" não se conseguiu impor, o "Estado - Providência", ou mesmo
o "Estado - nação", continuam a ser sonhos e aspirações que em muitos sítios estão a
ser substituídos por outras formas de organização social e políticas diferentes do
modelo "moderno", "modernizador" e, sem dúvida, pelo menos na ua ongem,
Ocidental.
A segunda questão serve para i lustrar, com o caso português, o que antes foi dito. Na
verdade, só o desenvolvimento económico do pós segunda Guerra Mundial permitiu o
lançamento, com algum grau de sustentabil idade, de uma política ocial que
efectivamente deu origem a um "Estado - Providência". O período de transição entre o
"antigo" e o "moderno" foi enorme em Portugal e esteve na génese de miséria e de
emigração em quantidades excessivas, mas uma vez conseguida, através da Ditadura, o
equilíbrio que lançou as bases da estabil idade pol ítica, foi possível capital izar no país o
ciclo de crescimento económico mundial e apl icá-lo, em parte, numa intervenção
crescentemente sustentada do Estado no tecido social . Tornou-se então viável a
construção do "Estado - Providência", uma "constelação societal" com pouco respeito
pelas ideologias, para desespero dos teóricos do Estado Novo que tentaram construir
um "social" corporativo inspirado no fascismo, que, à revelia das suas intenções, foi ,
n o entanto, seguindo como s e tivesse vida própria em direcção ao modelo que
predominava na Europa Ocidental Continental , um processo descrito por José Luis
Cardoso e Maria Manuela Rocha (Cardoso e Rocha, 2003), em texto que temos seguido
neste capítulo.
Finalmente, os dados mo tram-nos que o "Estado - Providência" português, sendo
relativamente restrito, o que está relacionado com a capacidade do país em gerar
riqueza, está, no entanto, plenamente inserido na tendências dominantes da Europa, e
que, portanto, e tal como a actual discussão em torno da sua sustentabi l idade nos
mostra, enfrenta os mesmos perigos, ameaças e alternativas que os "Estado -
Providência" ocidentais enfrentam, cada um à medida da sua dimen ão, capacidade
financeira acumulada e tradição social e política própria.
Vejamos agora, como evoluiu a sociedade portuguesa do ponto de vista educacional .
2 1 0
Os ritmos e as formas de alfabetização e de escolarização em Portugal durante os séculos XIX e XX
Os numerosos estudos levados a cabo sobre o desenvolvimento no Ocidente da
predominância, a partir dos séculos XVI I e XVII I, de um modo de cultura escrito, em
detrimento de formas de socialização baseadas sobretudo na oralidade, relacionam esta
mudança com as modificações que durante estes tempos se vão dando nos modos de
vida da Europa Ocidental , abrangendo uma série de factores que, em conjunto, se
intricam com os processos de implementação da "Modernidade", tal como temos
deixado escrito um pouco por todo este texto.
De forma mais específica, na génese de tal transição, encontram-se as questões
seguintes, que além de estarem amplamente estudadas, também já foram s istematizadas
neste texto:
- Os ciclos económicos que acompanharam a expansão europeia a partir do século
XVI, e, de seguida, a partir do século XVllI , ; O entrelaçar entre a Reforma
Protestante e a "cultura das luzes", que se traduziram por uma progressiva laicização
das sociedades, que foi criando a base da "cultura do cidadão"; e finalmente a
consolidação do conceito de Estado nação nos séculos xvrn e X IX, que resultou na
criação e aperfeiçoamento de aparelhos estatais com a função de, por um lado inculcar
uma base cultural universal unificadora em cada território administrado pelo Estado, e
por outro, instituir a ordem e a eficiência necessárias para manter um lugar num
contexto extremamente competitivo e tenso como o foi a Europa e depois o mundo,
entre os séculos XVI e XX (Candeias, 200 1 , 2004a; Candeias et.al. 2004b) .
Em conjunto, estas três questões, que nos abstemos de aprofundar v isto estarem
amplamente tratadas neste texto, podem ser apresentadas como as responsáveis pela
relativamente rápida transição que se deu, de sociedades em que a cultura escrita, sendo
um instrumento fundamental na gestão política, religiosa e económica era também um
bem raro e precioso, para sociedades em que a escrita se universalizou .
Sabemos, além do mais, que as mudanças que fizeram com que no Ocidente europeu,
num período que medeia entre três a quatro séculos, a escrita tenha passado de um
processo marginal para algo de universal, foram levadas a cabo de duas formas
diferentes, por vezes sobrepostas no tempo, mas em que uma, a que chamámos de
"al fabeti zação", acabou por deixar de ter sentido perante a escol arização massificada
2 1 1
das sociedades modernas . Alfabetização e escolarização são pois dois conceitos que, j á
tendo s ido definidos de forma aprofundada neste texto, importa serem relembrados:
a) Por alfabetização designa-se um tipo de relação funcional com a leitura e por vezes
com a escrita, frequentemente de origem voluntária, geralmente espar a, superficial e
informal, mas podendo atingir níveis de intensidade muito desiguais . (Candeias, 200 1 ,
3 1 , 2004 a, 524-526) .
b) Por escolarização entende-se uma relação estruturada e progressivamente exigente
com um modo de cultura e crita, mas também a sujeição de coortes populacionais com
níveis etários bem determinados a uma forma de socialização imposta e aplicada
através de uma instituição construída expressan1ente para o efeito, a escola, que a partir
de meados do século XIX se organiza em rede e se articula com outras formas de
educação, sob o comando político, pedagógico e administrativo do Estado (Candeias,
200 1 , 3 1 ) .
Ou seja, e resumindo, os processos de alfabetização inserem-se em formas de
socialização endógenas tradicionais, "antigas", e o processo de escolarização, tal como
ficou amplamente marcado na primeira parte deste texto, faz parte de um processo de
social ização "exógeno", com uma forte componente cognitiva e definitivamente
"moderna", que se procura substituir ao primeiro.
Importa-nos nesta parte do texto perceber o caminho que no último século e meio os
processos de funcionamento social baseados na escrita tiveram em Portugal . Num
pnmelfo sub -capítulo desta parte do texto, já tínhamos demonstrado, com uma
profusão de quadros sobre os lugares ocupados pela sociedade portuguesa nos
processos de alfabetização e escolarização europeus, a sua estranha periferia face à
periferia europeia, pelo que, por agora, mais do que explicar as razões de tal l ugar, nos
ocuparemos sobretudo de tentar "sentir" o pulso á maneira como a alfabetização e a
escolarização foram progredindo em Portugal, no espaço de tempo que temos vindo a
referir.
Assim sendo, na nossa opinião, é fundamental fornecer indicadores que nos mostrem
como se deu, em Portugal, a transição de uma sociedade essencialmente oral e com
pouco uso da escrita, para uma sociedade em que esta se tornou predominante .
Na base de tais indicadores, deparamo-nos com o quadro seguinte que se refere à
alfabetização geral dos Portugueses durante o século :XX, por classe de idade segundo
os dez Censos Populac ionais que nele tiveram lugar.
2 1 2
Quadro 33 - Percentagem de alfabetização das pessoas residentes ou com
domicílio em Portugal com idades iguais ou superiores a 1 0 anos e por classes
de idades entre os 1 0 e os 64 anos, segundo os Censos Popul acionais
efectuados no século XX
Censos 1 900 1 91 1 1 920 1 930 1 940 1 950 1 960 1 970 1 98 1 1 991
* ** *** ••••
Percentagem de 27% 3 1 % 35% 40% 48% 58% 67% 74% 79% 89%
alfabetizados na
população de idade igual
ou superior a dez anos
1 0-1 4 24% 32% 36% 42% 60% 76% 97% 99% **** 99%
1 5-1 9 29% 35% 40% 44% 57% 68% 9 1 % 97% 98% 99%
20-24 30% 35% 40% 44% 56% 68% 80% 96% 98% 99%
30-34 30% 34% 37% 45% 48% ** 70% 80% 97% 99%
40-44 27% 30% 34% 39% 46% ** 6 1 % 70% 8 1 % 98%
50-54 22% 26% 30% 34% 39% ** 48% 59% 70% 85%
60-64 1 9% 22% 25% 29% 33% ** 44% 47% 58% 74%
Fontes: Censos Popu lacionais portugueses real izados entre 1 900 e 1 99 1 .
Notas: * A Revolução de 1 91 0 interrompeu o intervalo de dez anos entre cada Censo, tendo a
situação sido estabelecida nos anos que se segu i ram, até ao ano de 1 98 1 . ** No Censo de 1 950 o
intervalo entre grupos de idades a seguir aos 20-24 anos foi alterado para dez anos, o que o torna
impossível de comparar com os Censos anteriores e posteriores. *** No Censo de 1 970, os
resultados referem-se a uma estimativa que tem como base uma amostra de 20% da população
portuguesa.**** No Censo de 1 98 1 os resultados para a classe de idade 1 0- 1 4 anos não foram
fornecidos no corpo principal do Censo. A part ir desta data, foi determinado que os Censos teriam
lugar no p rimeiro ano de cada década.
Este quadro que, corno veremos, pode ser l ido de várias maneiras, i lustra bem a
maneira como se deu a implementação de uma sociedade baseada na escrita, no século
XX português .
A primeira leitura que propomos é urna leitura horizontal, ou seja, urna leitura que
compare as percentagens do total de alfabetizados com dez ou mais anos de idade em
cada Censo, verificando-se que de 1 900 a 1 99 1 exi te sempre urna progressão em tal
percentagem, mas trata-se de urna progressão com ritmos diversos conforme os
períodos de tempo: ela é extremamente lenta até aos anos trinta, acelerando a partir
dessa data, mas nunca se chegando à alfabetização universal dos portugueses durante o
século XX.
Na verdade, de 1 900 a 1 930, nos últ imos trinta anos do l iberal i mo português, a
percentagem de alfabetização da população portuguesa com mais de dez anos de idade,
2 1 3
sobe treze por cento, de 27% para 40%; de 1 930 a 1 960, esta percentagem sobe vinte e
sete por cento, de 40% para 67%, e de 1 960 a 1 99 1 , ela passa de 67% para 89%
subindo vinte e dois por cento.
Poderemos assim dizer que, durante os primeiros trinta anos do século, tal como
acontece com a economia ou com a construção do S istema de Assistência Social, se
está em plena estagnação, o que se nota também nas fracas margens de progressão da
alfabetização da população portuguesa, e que, pelo contrário, a dinamização do tecido
social e económico português dos anos quarenta, mas sobretudo dos anos cinquenta em
diante, se nota também nas margens de progressão da alfabetização que sobe, ainda que
não de forma espectacular.
Na verdade, diríamos que estes números mostram que, durante o século XX, em
Portugal , apesar das nítidas melhorias registadas a este respeito na sua segunda metade,
não houve de forma continuada e sustentada, uma política eficaz que t ivesse como
objectivo a erradicação do analfabetismo, independentemente das campanhas de
combate ao "flagelo" que quer a primeira República, quer o Estado Novo lançaram
(Barcoso, 2002 ; Macedo, 1 953 . ) .
No entanto, uma análise horizontal fixada na classe de idade dos 1 0- 1 4 anos, a classe
mais sensível às políticas de implementação da escolaridade obrigatória, mostra que,
pelo contrário, a partir dos anos quarenta, ou seja, durante o Estado Novo, se verificou
um esforço por parte do Estado português em escolarizar todas as crianças em idade
escolar. Assim, entre 1 900 e 1 930, a percentagem de crianças com idades
compreendidas entre os dez e os catorze anos que são dadas como sabendo ler, varia
dezoito por cento, de 24% para 42%, mas dá um salto brusco para os 60% no Censo de
1 940, ou seja a mesma variação que se deu na trintena anterior, mas agora no espaço de
apenas dez anos, e vinte anos depois, em 1 960, praticamente todas as crianças deste
faixa etária estão alfabetizadas, o que neste caso significa que estão escolarizadas, ou
seja, estão nas "escolas formais", onde, na opinião de Ben Eklof se adquirem " . . . as
atitudes e as mudanças cognitivas associadas ao «tornar-se moderno» . . . " (Eklof, 1 990,
474 ) .
O gráfico seguinte, que retrata a progressão das taxas de alfabetização dos rapazes e das
raparigas com idades compreendidas entre os dez e os catorze anos, a par da progressão
das taxas de alfabetização de toda a população com idades iguais ou superiores a dez
anos, parece mostrar que os esforços levados a cabo pelo Estado Novo na capacitação
2 1 4
literácita dos portugueses se centrou sobretudo na escolarização dos jovens e menos na
alfabetização dos que não tinham ido à escola.
Gráfico 11 - Comparação entre a progressão da taxa de alfabetização do total da
população portuguesa de idade igual ou superior a 10 anos e a progressão da
mesma taxa em rapazes e raparigas da classe de idades dos 10-14 anos, entre
1900 e 1991
120�----------------------------------�
100+-----------------------��
80 +-------------------�·--------��--�
60+---------------�--��------------�
40 t---�==����----------------�
20
-+-%de alfabetização maiores de 10 anos
-%de alfabetização rapazes 10-14 anos %de alfabetização meninas 10- 14 anos
Fontes: Censos Populacionais de 1900, 1911, 1920, 1930, 1940, 1950, 1960, 1970, 1981, 1991.
Este gráfico mostra limpidamente os resultados indesmentíveis do investimento do
Estado na escolarização dos mais novos a partir da década de quarenta, em contraste
com o autêntico pântano em que, até essa data, se encontrava a situação educativa do
país.
Em primeiro lugar, note-se como até 1930 as taxas de alfabetização das classes de
idade mais novas, são similares às taxas de alfabetização da população total. Similares,
ou seja, os rapazes ligeiramente mais alfabetizados do que a média, e as raparigas
sensivelmente menos alfabetizadas do que os rapazes e portanto, do que a média da
população, e, em geral, todos se encontrando "estacionados" num limiar de
alfabetização muito baixo, que ia dos 46% dos rapazes a saberem ler, para apenas 37%
das meninas nas mesmas condições, enquanto que a percentagem total dos
215
alfabetizados com mais de dez anos não passava dos 40% (Candeia et. aI., 2004 b,
1 47- 1 48) . Dez anos depois, ou seja, em 1 940, já rapazes e raparigas da classe de idade
dos 1 0- 1 4 anos tinham largamente ultrapassado a percentagem de alfabetização da
população total , sendo as suas respectivas taxas de alfabetização de 64% para os
rapazes, 57% para as raparigas e 48% para a popu lação total (Idem, 1 63- 1 64), acabando
tal tendência por atingir os seus fins no Censo de 1 960, quando 97% dos rapazes e das
raparigas da classe de idade dos 1 0- 1 4 anos são dados como alfabetizado , num
universo em que apenas 67% dos portugueses com mais de dez anos de idade sabem ler
e escrever (Idem, 1 89- 1 90).
Assim, duas questões se tornam claras com esta análise: em primeiro lugar, e como
antes foi afirmado, parece óbvio que, durante o século XX em Portugal , não existe
nenhuma política sustentada que tenha como objectivo a erradicação do analfabetismo;
em segundo lugar, parece também indesmentível que o Estado Novo consegue reunir os
meios e a vontade de escolarizar as crianças portuguesa , mas tal só se dá na segunda
metade do século, pelo que a primeira coorte de crianças em relação às quais se pode
afirmar com um grande grau de segurança que sabem ler, ou que, pelo menos, tiveram
um enquadramento institucional moderno que os encaminhava para tal, nasce entre
1 946 e 1 950, ou seja, têm no tempo em que este texto está a ser redigido (2006), idades
compreendidas entre os 56 e os 60 anos.
Mas continuando nesta busca das formas e dos ri tmos de alfabetização e de
escolarização dos portugueses, e em vez de continuarmos por uma leitura "horizontal"
dos Censos, propomos uma mudança de perspectiva, passando a optar por uma "leitura
vertical", ou seja uma leitura que parta da classe de idades mais baixa para a mais alta
em cada um dos Censos, o que nos ajudará a compreender a mudança que se dá na
"tipologia" de acesso à letras por parte dos portugueses a partir da década de quarenta.
Procedendo a tal leitura, verificamos que nos quatro primeiros Censos, ou seja, os
Censos que vão de 1 900 a 1 930, as classes de idade que naturalmente estariam mais
alfabetizadas porque, em circunstâncias normais, estariam mais escolarizadas, seriam as
referentes ao grupo de idades dos 1 0- 1 4 anos, mas não é isso que acontece.
Na verdade, nos Censos de 1 900, 1 9 1 1 , 1 920 e 1 930, a classe de idade com maior
percentagem de alfabetizados varia entre as clas es com idades incluídas entre os 1 5 - 1 9
anos e as classes com idades compreendidas entre os 30-34 anos, sendo que os mais
alfabetizados nunca são os mais novos. Tudo parece começar a mudar a partir do Censo
seguinte, e com uma cl areza cada vez mais evidente nos Censos que se seguem,
2 1 6
percebendo-se que, a partir de 1 940, as classes de idade maIS novas são as maIS
alfabetizadas, e , a partir de 1 960, começamos mesmo a detectar uma barreira de
"escolarização" que separa classes de idade integralmente escolarizadas daquelas onde
a escolarização nunca foi completa: dos 1 0- 1 4 anos para os 20-24 anos de idade no
Censo de 1 960, dos 20-24 anos para os 30-34 anos de idade no Censo de 1 970, e por aí
em diante.
A primeira e a mais imediata interpretação acerca desta "tipologia" de ligação às letras
é que, na primeira fase, os períodos de aprendizagem da leitura e da escrita continuam
para além das idades que são usuais em sociedades escolarizadas, o que é consistente
com as formas de alfabetização pré-modernas, que dependem do contexto, social e
profissional , por outras palavras, das necessidades de adaptação a ambientes de vida e
de trabalho que ocorrem essencialmente durante o começo da vida adulta, o que
começa a mudar desde o momento em que a escola frequentada nas idades consideradas
padrão, se torna na via principal de acesso à escrita.
No entanto, apesar de os processos de alfabetização e de escolarização estarem bem
conhecidos e delimitados (Candeias, 1 996 ; 2000; 200 1 ; 2004a; 2004b ; 2005 a; 2005 b ;
Candeias et aI. 2004b; Magalhães, 1 994; 1 996 ; 2005 ; Paz, 2005), existem outras
variáveis que é necessário ter em conta na sua análise, e entre elas encontram-se as
enormes variações de população que se dão entre cada classe de idade, fruto de taxas de
mortalidade, de emigração, entre outras variáveis independentes possíveis , cujo grau de
variação é sempre difíci l de determinar, mas que certamente afectariam de maneira
diferenciada as populações segundo o seu grau de instrução (Gabriel, 1 998 ; Rodrigues,
1 995; Rosa e Vieira, 2003 ; Veiga, 2003) .
Para melhor entendermos o papel de cada uma destas variáveis nas formas de acesso às
letras dos portugueses durante o século XX, teremos de enveredar por um outro t ipo de
análise de dados a que chamamos de "análise transversal", ou análise de coortes
populacionais .
De acordo com Narciso Gabriel, a anál ise de coortes populacionais é " . . . baseada em
três conceitos básicos: idade, período e coorte ( . . . ). Em termos funcionais , idade é o
tempo que decorre entre o nascimento e a data da observação. Período é o momento em
que a observação é feita ( . . . ) coorte é constituída por um grupo de pessoas nascidas no
mesmo intervalo temporal . . . "(Gabriel , 1 998, 38) .
Assim sendo, trata-se de estudarmos uma variável, o grau de alfabetização de uma dada
coorte populacional a que poderían10s chamar, na linguagem clássica do método
2 1 7
experimental, de variável dependente, em determinadas idades e em determinados
períodos, os quais coincidem com a efectivação de Censos Populacionais .
Para que tal estudo seja exacto, teria de ter-se passado algo que nunca acontece de
forma absoluta, ou sej a, que durante um século, neste caso o século XX, a regularidade
dos Censos tivesse sido constante, o grau de confiança nos seus resultados total, a
definição do conceito de "alfabetização" se mantivesse estável e que os grupos de idade
em relação aos quais os resultados são revelados não mudassem, o que sabemos que
nunca aconteceu nem poderia ter acontecido.
Desta maneira, quer a revolução republicana de 1 9 1 0, quer a adesão às normas
estatísticas da União Europeia, vieram a ser responsáveis pelas datas em que foram
efectuados os Censos de 1 9 1 1 , 1 98 1 e 1 99 1 , mudando o período em que a maioria dos
Censos do século XX foi realizado, do final , para o primeiro ano de cada década; a
partir de 1 940, mas sobretudo de 1 960, os conceitos de alfabetizado e de escolarizado
sobrepõem-se (Candeias, 2000; 200 1 ;Candeias et ai. 2004b; Paz, 2005) ; em 1 950, os
resultados a partir dos grupos de idade dos 20-24 anos são fornecidos por intervalos
etários de dez anos o que torna impossível entrar em conta com estas idades no
seguimento de coortes ; e , finalmente, os resultados dos Censos são de fiabi l idade
inconstante, tornando-se sobretudo indicativos de tendências (Candeias, 2004a;
Candeias et. ai, 2004b ; Ni lson, 1 999; Paz, 2005). No entanto, e mesmo entrando em
conta com as l imitações apresentadas, a tentativa de estabelecer relações entre
alfabet ização, género e demografia justifica a anál ise comparativa de duas coortes
populacionais nascidas com um intervalo de cinquenta anos entre si, a sendo primeira
composta por indivíduos nascidos entre 1 886 e 1 890 e a segunda por indivíduos
nascidos entre 1 936 e 1 940.
2 1 8
Quad ro 34 - Alfabetização, género e variação demográfica numa coorte
populacional residente ou domici l iada em Portugal, entre 1900 e 1940, nascida
entre 1886 e 1890, entre as idades de 10-14 anos e 50-54 anos
Período 1900 1911 * 1920 1930 1940 Variação total
Idade 10-14 20-24 30-34 40-44 50-54
População total 580.081 511.517 392.845 377.365 346.116 - 40%
Variação populacional - 12% - 23% - 4% - 8%
entre períodos
População masculina 295.286 233.247 175.380 172.401 154.011 - 48%
Variação da população - 21% - 25% - 2% - 11%
mascul ina entre
períodos
População fem i n i na 285.095 278.270 217.465 204.964 192.115 -33%
Variaçao da população - 2% - 22% - 6% - 6%
fem i n i na entre
períodos
Populaçao total 141.607 178. 116 147.063 147.002 133.769 - 6%
alfabetizada 24% 35% 37% 39% 39%
Variação da população + 25% - 18% 0% - 9%
alfabetizada entre
períodos
Alfabetizada masculina 85.929 100.488 84.441 88.111 76.759
29% 43% 48% 51% 50% - 11%
Variação da população +17% -16% +4% -13%
alfabetizada mascul ina
entre períodos
Alfabetizada fem inina 55.678 77.628 62.622 58.891 57.010 + 4%
19% 28% 29% 29% 30%
Variação da população +39% -19% -6% -3%
alfabetizada feminina
entre períodos
Fontes: Recenseamentos populacionais de 1 900, 1 911, 1920, 1930 e 1 940.
* A revolução republicana de 1910 interrompeu o período de dez anos entre cada recenseamento,
fazendo com que parte da população de 20-24 anos aqui referida não pertença à coorte em estudo.
Em 1911, os membros da coorte que estamos a analisar, teriam idades compreendidas entre os 21 e
os 25 anos.
A primeira constatação relativamente a este quadro tem a ver com a enorme perda de
população desta coorte durante o intervalo de tempo em que foi seguida. Assim, entre a
idade dos 1 0- 1 4 anos e a idade dos 50-54 anos, das 580.08 1 pessoas residentes em
2 1 9
Portugal no ano de 1 900, já só restam 346 . 1 1 6 em 1 940, o que equivale a uma perda de
cerca de quarenta por cento da população recenseada no espaço de quarenta anos. Mas
se nos referirmos aos homens, a percentagem de desaparecidos sobe para quarenta e
oito por cento, ou sej a, quase metade da população masculina com idades compreendias
entre os 1 0- 1 4 anos recenseada em 1 900 não existe no recenseamento de 1 940.
Verificamos também que a perda principal de população se dá entre os 1 0- 1 4 anos e os
30-34 anos, e é impossível não a relacionarmo com a primeira GuelTa Mundial, com o
surto de gripe pneumónica dos finais de 1 9 1 8 e princípios de 1 9 1 9, mas sobretudo, com
a emigração.
Na verdade, uma análise mais fina permite-nos perceber que o decréscimo de
população é desigual segundo os sexos e, como veremos, também segundo o grau de
alfabetização. Assim, os dados de que dispomos permitem-nos avançar a hipótese de
que os homens começam a emigrar mais cedo do que as mulheres, entre as idades de
1 0- 14 e de 20-24, e paço de tempo em que desaparece 2 1 % da população masculina e
apenas 2% da população feminina, e continuam no período seguinte, dos 20-24 anos
para os 30-34 anos, agora em número similar ao das mulheres. Ou sej a, se atribuirmos
estas variações bruscas de população à emigração, poderemos concluir que ela consiste
numa primeira vaga de emigração j ovem, masculina e solteira, a que se segue uma
segunda, agora em famíl ia, e, de seguida, a população estabi liza.
Nas seis coortes que anal isámos, nascidas entre 1 886 e 1 940, saem empre maIS
homens do que mulheres, mas a tendência é para que as diferenças se vão atenuando e
sobretudo, note-se que nenhuma destas coortes regista uma perda de população tão
drástica como a nascida entre 1 886 e 1 890, que está no centro da nossa análise.
Voltando à coorte exposta, a relação entre variação de população e alfabetização parece
evidente, mas nem sempre de interpretação fáci l.
Assim, a primeira evidência refere-se ao facto de, entre 1 900 e 1 940, desaparecerem
dos Censos Populacionais portugueses 40% da população total e apenas 6% da
população alfabetizada. Algo de semelhante se verifica se nesta comparação cruzarmos
o género e a alfabetização: a percentagem de homens que desaparece entre os Censos
de 1 900 e de 1 940 é, como antes referimos, de 48%, mas a percentagem de homens
alfabetizados que e perdem no mesmo período de tempo é de apenas 1 1 % ; quanto às
mulheres, o mesmo acontece, mas de forma mais c lara, ao desaparecerem da coorte,
entre os Censos de 1 900 e de 1 940, 33% de mulheres, enquanto que no mesmo período
de tempo a percentagem de mulheres alfabetizadas aumenta de 19% para 30%.
220
Destes números, parece-nos l íc ito pensar que a emigração portugue a é menos
alfabetizada do que a população que não emigra, ou seja, que ao sairem sobretudo
analfabetos, o peso dos alfabetizados na população que fica, e que, portanto, é
recenseada, aumenta, contribuindo para um aumento dos alfabetizados à medida que a
população envelhece.
Os problemas aumentam quando comparamos as perdas de população em cada grupo
de idade segundo o sexo e a alfabetização.
Vejamos o que se passa com o caso dos homens: dos 1 0- 1 4 anos para os 20-24 anos
perde-se 2 1 % da população e ganha-se 1 7% de alfabetizados, o que parece querer dizer
que, além de neste intervalo de tempo se ter continuado a assistir a um aumento do
número de alfabetizados entre os recenseados, o que os números absolutos confirmam,
a esmagadora maioria da população perdida seria analfabeta, o que explicaria o
aumento da percentagem de alfabetizados entre a população que teria ficado em
Portugal .
No entanto, se prestarmos atenção ao que se passou com as mulheres do mesmo grupo
etário, poderemos tirar conclusões opostas.
Na verdade, na mesma classe de idades, ou seja, dos 1 0- 1 4 para os 20-24, perde-se 2%
da população feminina e ganha-se 39% de alfabetizadas . Como a percentagem de
perdas populacionais femininas é i lTelevante, poderemos concluir que este seria o
comportamento normal da coorte masculina, se não se tivesse observado uma taxa de
emigração tão acentuada. Este comportamento de uma população feminina que não
emigra e que tem os mesmos padrões de escolarização dos rapazes, embora mais
atenuados, permite-nos pensar que o ganho de alfabetizados masculinos residentes seria
bem maior se não tivesse ocorrido uma emigração tão relevante neste intervalo de
idade, o que nos permite ainda avançar com a hipótese de que, e ao contrário do que
tínhamos sugerido antes, esta jovem emigração masculina seria provavelmente
constituída por uma forte percentagem de alfabetizados.
De acordo com esta leitura dos dados, que nos parece ser a mais plausível, as
conclusões mudam: a emigração seria em parte responsável pelas baixas taxas de
alfabetização das populações que ficaram em Portugal, e por outro lado, o movimento
de aquisição dos mecanismos de leitura e escrita no grupo de idades dos 1 0- 14 para os
20-24 anos, seria bem mais intenso do que à primeira vista poderíamos pensar.
Se pararmos de analisar as mudanças que se dão neste dinâmico grupo de idades e
passarmos para os grupos seguintes, tudo parece normal: perde-se população total,
22 1
masculina e feminina em percentagens similares, o mesmo valendo para as perdas de
populações alfabetizadas femininas e masculinas. Tudo parece mais maduro e
previsível a partir dos 24 anos, o que nos faz pensar na odisseia de milhares de jovens
que, sozinhos, teriam atravessado o Atlântico, esquecendo a meninice em busca de uma
vida melhor, deixando atrás de si dor, medo e vazio.
Pouco sabemos sobre eles, mas a hipótese mais segura é a de que a força que os fez
largar a miséria seria a mesma que os teria empurrado para uma alfabetização
titubeante, que sabiam necessária para melhorarem de vida nos seus novos países.
Também percebemos que as dúvidas que temos quanto ao facto de eles serem mais ou
menos alfabetizados do que os seus conterrâneos se prende com a circunstância de a
alfabetização ser uma categoria fluida, interior à pessoa, pouco institucionalizável e ,
portanto, difíci l de avaliar através de mecanismos externos ao indivíduo. O quadro
seguinte mostra-nos o que mudou em cinquenta anos:
222
Quadro 35 - Alfabetização, género e variação demog ráfica numa coorte
populacional residente ou domici l iada em Portugal, entre 1950 e 1991, nascida
entre 1936 e 1940, entre as i dades de 10-14 anos e 50-54 anos
Período 1950 1960 1970* 1981 1991 Va riação total
idade 10-14 20-24 30-34 40-44 50-54
Popu lação total 799.693 705.204 533.975 574.160 559.346 -30%
Variação populacional -12% -25% +8% -3%
entre períodos
População masculina 406.039 336.673 250.350 273.274 265.623 -35%
Variação da população -17% -25% +8% -3%
masculina entre
períodos
População femi nina 393.654 368.532 283.625 300.883 293.723 -25%
Variação da população -6% -23% +6% -3%
fem i n ina entre
períodos
População total 604.062 560.873 425.090 465.863 474.682 -21%
alfabetizada 76% 80% 80% 81% 85%
Variação da população -7% -25% +10% +2%
alfabetizada entre
períodos
Alfabetizada masc u l i na 320.167 280.995 211.990 236.613 237.64 1
79% 83% 85% 87% 89% -26%
Variação da população -12% -25% +21%% +0.4%
alfabetizada masculina
entre períodos
Alfabetizada fem i n i na 283.895 279.878 213.100 229.250 237.211 -20%
72% 76% 75% 76% 81%
Variação da população -1% -23% +8% +4%
alfabetizada fem i nina
entre períodos
Fontes: Recenseamentos populacionais de 1 950, 1 960, 1970, 1 981 e 1991.
* No Censo de 1 970, os resultados referem-se a uma estimativa que tem como base uma
amostra de 20% da população portuguesa
Tudo se parece atenuar nesta coorte e, por comparação com a anterior, ela aparece
muito mais homogénea e "compacta", ou seja, aparece muito menos dividida por
variáveis como a alfabetização e o género, do que a coorte populacional nascida entre
os anos de 1 886 e 1 890.
223
As im, as duas grandes diferenças que à primeira vista se detectam entre as duas
coortes aqui em anál ise centram-se, por um lado, nas variações de população que se dão
em ambas as coortes e , por outro, nas habi litações l iterárias de tais populações.
Como antes ficou expresso, a primeira coorte aqui analisada perde, entre 1900 e 1 940,
40% da população inicial , a segunda perdendo apenas, entre 1 950 e 1 99 1 , 30% da
população inicial . O diferencial de perdas entre homens e mulheres também se atenua
bastante, sendo que na primeira coorte se perdem entre 1 900 e 1 940 mais 1 5% de
homens do que de mulheres, tal diferença diminuindo, entre 1 950 e 1 99 1 para 1 0%.
Mas os números também nos mostram mudanças qualitativas, como por exemplo, o
facto de que, na primeira coorte analisada, a perda de população até aos vinte e quatro
anos de idade ser quase que exclusivamente masculina, enquanto que na segunda, tal
perda é mais equilibrada em termos de género, o que parece indicar que estaremos, de
uma para outra cOOlte, perante tipos de emigração l igeiramente diferentes. Na segunda
coorte analisada, regista-se ainda, entre o Censo de 1 970 e o Cen o de 1 98 1 , um
aumento de população total e da população alfabetizada, que resulta do retorno dos
portugueses na sequência da independência das antigas colónias africanas, retorno esse
que vem compensar o que parecia ser uma continuação da emigração maciça para a
Europa e América.
No que diz respeito à variável "alfabetização", a primeira evidência é a de que esta
coorte é muito mais alfabetizada do que a anterior, o que é ainda reforçado pelo facto
de a população que vem das ex-colónias ser mais alfabetizada do que a população de
acolhimento, como indicam as diferenças entre o acréscimo de população total e de
população alfabetizada que se dão entre 1 970 e 1 980: há, em 1 980, mais 8% de
portugueses a residirem em Portugal do que no Censo anterior, mas, no mesmo ano, há
mais 1 0% de portugueses alfabetizados do que na década anterior.
No entanto, pensamos que o que é verdadeiramente importante não são as mudanças
quantitativas, mas sim as qualitativas.
Com efeito, uma análi se atenta desta cOOlte mostra-nos, como antes tínhamos
subl inhado, que a relação entre a alfabetização e outro tipo de variáveis como o sexo, a
idade ou a emigração é muito mais estável nesta coorte do que na coorte anterior. O
primeiro exemplo do que afirmamos vem-nos da estabi l idade da alfabetização ao longo
da vida, evidenciado pela segunda coorte, se a compararmos com a coorte anterior.
Assim, a variação de percentagens de alfabetização desta população, quando têm idades
compreendidas entre os 1 O-l4 anos e quarenta anos depois, quando têm idades
224
compreendidas entre os 50-54 anos, é muito menor do que na coorte anterior, o que
mo tra que ne ta população o acesso às letras se deu, por comparação com a população
anterior, de uma forma mais intensa na juventude, tendo as habi l itações l i terária pouco
mudado em seguida, sendo que isso corresponde já às características da escolarização e
não da alfabetização. Por outro lado, o diferencial de alfabetização entre homens e
mulheres, não só o inicial, mas o que atribuímos a dinâmicas de populações distintas
segundo os géneros, reflectem uma maior homogeneidade de habi l itações e de papéis
sociais entre os dois sexos, por comparação com a coorte anterior e , como antes
referimos, a diferença entre a perda de efectivos referentes à população total, por
comparação com a mesma perda na população alfabetizada, é também ela muito menor
na segunda coorte, onde não chega aos 1 0%, do que na primeira cOOlte, onde ultrapassa
os 30%.
Isto quererá dizer que, na segunda coorte analisada, o diferencial entre alfabetizados e
não alfabetizados segundo a emigração e a esperança de vida será muito menor do que
na primeira cOOlte, em que tais variáveis se cruzam de forma aparentemente
significativa com as taxas de alfabetização.
Por outras palavras, na segunda coorte que analisámos, os portugue es que emigram e
os portugueses que ficam em Portugal, tanto homens como mulheres, têm taxas de
alfabetizações muito mais próximas do que no passado, e tais taxas reflectem uma
escolarização mais avançada na segunda coorte do que na primeira.
Desta forma, e em conjunto, estes dados parecem mostrar-nos, que enquanto a primeira
coorte populacional era sobretudo alfabetizada, uma categoria, instável , dependente do
contexto social, profi ss ional , geográfico e sexual , a segunda coorte será sobretudo
escolarizada, uma categoria mais estável, que, uma vez que está dependente de políticas
de Estado que incluem a sua universalidade, é menos sensível às variáveis sociais e de
género do que a categoria anterior. Enquanto que, na primeira coorte, cujos
componentes teriam nascido entre 1 886 e 1 890, se verificava um tipo de relação com o
mundo letrado que poderíamos caracterizar como sendo sobretudo pré-moderno, a
segunda coorte aproxima-se de uma relação - padrão com o mundo das letras, que
poderíamos caracterizar como sendo típica da Modernidade.
Estas conclusões, extraídas de cálculos que abrangem populações na ordem dos
milhões de pessoas, são confirmadas pelos estudos de caso que orientámos sobre as
mudanças que se dão na relação quotidiana entre variávei s como a escola, o trabalho e
o lazer, em duas gerações, de "avós" e de "netos", que introduzimos no começo deste
225
parte do texto sobre Portugal (Bom, 2000; Candeias e Simões, 1 999; S imões, 1 998;
Valentim, 2002; Vareiro, 2000).
Tendo feito parte de tais estudos de caso o prolongamento das questões relativas à
alfabetização uma geração para trás, ou seja, para os "bisavós" se tivermos como
referência os "netos", foi-nos possível resumir em quadros numéricos a evolução das
habil itações alfabéticas de três gerações em cada uma das quatro localidades que
trabalhámos, assim como a forma de obtenção de tais habil itações. O quadro que de
seguida apresentamos, referente à freguesia do Beco, Concelho de Ferreira do Zêzere,
constitui uma amostra representativa dos resultados referentes a estes estudos.
Quadro 36 - Variação das competências literácitas enquanto adultos, na
freguesia do Beco, concelho de Ferreira do Zêzere: a "geração dos bisavôs",
nascidos entre 1888 e 1914, a "geração dos avós", nascidos entre 1926 e 1936 e
a "geração dos pais", nascidos entre 1945 e 1969
Bisavôs (1888 - Avós Pais
19 14) (1926 - 1936) (1945 - 1969)
Mascu l i no
Analfabetos 53% (10) 0% (O) 5% (1)
Alfabetizados 26% (5) 0% (O) 5% (1)
Diploma do primário ou 21% (4) 100% (10) 90% (18) estudos pós primários
População Total 100% (19) 100% (10) 100% (20)
Femin ino
Analfabetos 75% (15) 30% (3) 5% (1)
Alfabetizados 10% (2) 20% (2) 0% (O) Diploma do primário ou 15% (3) 50% (5) 95% (19)
estudos pós -primários
População Total 100% (20) 100% (10) 100% (20)
Total Analfabetos (Masc.+ 64% (25) 15% (3) 5% (2)
Fem.)
Total Literatos 36% (14) 85% (17) 95% (38)
(Masc.+ Fem.)
População Total 100% (39) 100% (20) 100% (40) -
Fonte: Slmoes, 1998, 118.
E aqui , tal como nos Censos, mas de forma mais visível , se percebem simultaneamente
o enorme atraso na alfabetização dos portugueses por comparação com outros povos
culturalmente similares, assim como as diferenças entre as formas antigas de acesso às
letras e as formas modernas do mesmo processo.
226
Comece-se com a geração dos "bisavós", nascidos entre 1 888 e 1914, e veja-se que das
trinta e nove pessoas, dezanove homens e vinte mulheres sobre quem conseguimos
reunir informações, só sete, ou seja, 1 8% de entre eles, quatro homens e três mulheres
tinham feito os seus estudos básicos, na escola, em idades consideradas normais para a
sua frequência; outros sete, cinco homens e duas mulheres tinham sido "alfabetizados"
ou seja, t inham aprendido a ler sem ter frequentado a escola, caso de quatro homens e
uma mulher, ou através de uma frequência escolar episódica para os outros dois , um
homem e uma mulher (Candeias e S imões, 1 999, 1 77); quanto aos restantes vinte e
cinco, dez homens e quinze mulheres, ou seja, 64% desta amostra, não sabiam
simplesmente ler, sendo classificados pelos seus fi lhos, os "avós" deste estudo, como
sendo analfabetos.
As coisas mudam numa geração e os "avós" nascidos entre 1 926 e 1 936 já se
encontravam maioritariamente escolarizados e detentores pelo menos de um diploma de
Instrução Primária. Este foi o caso de todos os dez avós "homens", mas de só cinco
avós "mulheres", as outras cinco sendo os restos perfeitos de uma cultura de transição
entre o "antigo" e o "moderno" : uma de entre elas nunca frequentou nenhuma escola,
duas aprenderam a ler através de uma frequência irregular da escola e outras duas
frequentaram a escola, conseguiram o diploma de Instrução Primária, mas o meio em
que viviam e o trabalho de "agricultoras - domésticas" que sempre exerceram, levaram
nas a perder as capacidades de leitura e escrita durante a vida adulta (Idem, 1 79).
Já a geração dos "pais", algo heterogénea, uma vez que nasceu entre 1 945 e 1 969, é
praticamente toda escolarizada, casos de trinta e sete de entre os quarenta pais e mães
das vinte crianças que serviram de referência neste estudo, mas mesmo assim, um dos
pais e uma das mães são analfabetos, e um dos homens considera-se "alfabetizado", ou
seja, aprendeu a ler na escola, mas sem a ter concluído. Diga-se de passagem que, dos
quarenta pais e mães aqui recenseados, só nove possuíam mais do que a instrução
primária, ou seja, menos de 25% da amostra populacional envolvida neste estudo, tinha
como habil i tações, no ano de 1998, mais de quatro anos de escolaridade, o que como
veremos à frente se tornará num problema difíci l de gerir numa sociedade como a dos
nossos dias.
Todas as características das formas pré-modernas de acesso à e crita desfi lam nestes
dados, que os meios urbanos temperam mas não desmentem (Bom, 2000; Valentim,
2002), e a primeira de tais características é precisamente a dependência em que se
encontram as vias de acesso à escrita face a vários tipos de contextos : o género, a
227
pobreza e o contexto geográfico são determinantes no percurso de alfabetização da
maior parte dos "bisavôs" e de uma parte significativa dos "avós". O mesmo se dá com
a motivação de aprender: dependente de estratégias familiares ou pessoais de
mobil idade social, a frequência de uma escola, pública ou privada, ou a contratação de
um mestre que ensine a ler e a escrever pode ser distribuída desigualmente pelos filhos,
segundo as posses da famíl ia e segundo os diferentes papéis que a cada um é atribuído
na economia fami liar. Também se pode aprender a ler e a escrever num período mais
tardio da vida, usando-se ou não uma "escola estatal", num contexto que se moste mais
favorável a tais aprendizagens como por exemplo será o caso da emigração, interna ou
para fora, cujo objectivo é sempre a cidade, sítio onde a alfabetização faz mais sentido
do que no campo.
A escolarização do Estado rompe com todos estes contextos e motivações, e a todos
trata com relativa igualdade, a todos exigindo um percurso aprovado institucionalmente
que imponha um mínimo de instrumentos "cientificamente" val idados que lhes permita
entrar na sociedade moderna e torná-la mais eficiente, num jogo ambíguo entre a
autonomia pessoal que a posse de um instrumento conceptual tão eficiente como a
escrita sempre permite e o controlo que quem tutela a escola espera poder exercer sobre
quem a frequenta.
De uma estratégia, a da alfabetização, que nunca conseguiu transformar definitivamente
sociedades orais em sociedades baseadas na escrita, para a outra, a da escolarização,
houve transições, que foram mais longas em algumas sociedades do que em outras, algo
que está estudado por vários autores que já aqui mencionámos, e o caso português,
como também afi rmámos, é singular neste processo, e s ingul ar pel as piores razões.
Na verdade, não pode deixar de aparecer como chocante, tendo em conta o contexto
geográfico em que Portugal se insere, o atraso com que a escolarização plena do país se
dá: como antes foi afi rmado, a primeira geração portuguesa sobre a qual existe uma
certeza quase absoluta de ter sido totalmente escolarizada, nasceu entre 1946 e 1950,
aproximadamente meio século depois de o mesmo se verificar num país como, por
exemplo, a França (Harp, 1 998, 26). E mesmo assim, trata-se de uma escolarização
curtíssima, visto que no ano de 1 960, só cerca de 27% das crianças com treze anos se
encontram a estudar, estando as outras 73% dentro ou a caminho da vida de trabalho
(Candeias, 2000, 257) .
Esta escolarização, embora extremamente tardia, conheceu um enorme sucesso
quantitativo nas décadas seguintes, o que levou a que se incrustasse na opin ião pública,
228
e em muitos políticos do sector, a ideia de que, estando o caminho traçado, o
prosseguimento de tal caminho levaria o país a aproximar-se inexoravelmente das
sociedades do mesmo contexto geográfico, estando chegada a altura de propor
melhorias qualitativas que tornassem o sistema mais exigente e efic iente em termos das
aprendizagens reais que proporcionava. Esperava-se que tais melhorias qual itativas e
quantitativas dessem origem a rápidas e significativas mudanças na composição da
mão-de-obra activa do país , cuja requalificação, muito dependente de aspectos
relacionados com a educação e a formação profissional , seria fundamental para a
inserção da sociedade portuguesa no contexto de globalização.
Esqueceram-se muitos dos especial istas que as alterações que se dão nos Sistemas
Educativos têm um impacto relativamente lento na população activa, uma vez que se
referem apena a um dos "extremos" de tal população, ou seja, aos mais novos que
entram no mercado de trabalho. Sendo tal renovação da população activa por parte dos
mais novos, acelerada pela saída dos que, no "outro extremo", no final da sua carreira, e
normalmente com menos habi l itações, se reformam, há no entanto que contar com um
enorme "bolo", no meio, cuja qualificação só poderá ser feita durante a v ida activa, o
que, como mais à frente poderemos verificar, não tem sido realizado com muito
sucesso.
Por outro lado, a ideia de que a prossecução da expansão educativa levaria a uma rápida
convergência com as sociedades mais escolarizadas ignorava o facto de a corrida à
educação não ter sido um exclusivo português, antes sendo uma característica das
maioria das sociedades do pós - guerra, mesmo as que estavam mais escolarizadas,
como antes neste texto tivemos ocasião de verificar, e à frente teremos oportunidade de
confirmar.
Assim, de cada vez que um estudo comparativo sobre as performances educativas
portuguesas é publicado por alguma organização credível , as reacções são de um
natural desalento de quem pensou que em pouco tempo poderia anular o enorme atraso
educativo que a sociedade portuguesa tem acumulado durante os séculos XIX e XX.
Em Education at a Glance a Organi sation pour la Coopération et le Développement
Économique (OCDE) vem publ icando uma série de estatísticas sobre as habi l itações
das populações adultas dos países que dela fazem parte, assim como dos países que
com ela têm acordos de cooperação, de que reproduzimos alguns trechos relativos à
última série, publicada em 2006. Como veremos, os motivos para preocupação
continuam, infelizmente, a fazer sentido.
229
Quadro 37 - Percentagem das populações com i dades compreendidas entre os
25 e os 64 anos que têm como habi l itação pelo menos o ensino secundário
completo, para os segui ntes países da OCDE e associados em 2004
Grupos de 25-64 25-34 55-64
idade I
países
Alemanha 84% 85% 79%
B rasil 30% 38% 11%
Canadá 84% 91% 49%
C h i l e 50% 64% 32%
Coreia do Sul 74% 97% 34%
Dinamarca 81% 86% 77%
Espanha 45% 61% 21%
Finlândia 78% 89% 59%
França 65% 80% 49%
G récia 56% 73% 31%
Holanda 7 1% 80% 59%
Hungria 75% 84% 57%
Irlanda 63% 79% 39%
Itál ia 48% 64% 28%
Japão 84% 94% 65%
México 23% 25% 13%
Noruega 88% 96% 78%
Polónia 46% 52% 36%
Portugal 25% 40% 12%
Reino U n ido 65% 70% 59%
Suécia 83% 91% 71%
Turquia 26% 33% 14%
USA 88% 87% 86%
Média da 67% 77% 53%
OCDE
Fonte: OECD, 2006a, Education at a glance: www.oecd.org/edu/eag2006
Estes dados mostram que a percentagem de portugueses em idade activa, ou seja, com
idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos, que têm como habi l itação o ensino
secundário ou universitário, só é comparável a paises não europeus, como o México o
Brasil e, mais perto, a Turquia, mantendo-se, em 2004, o extraordinário atraso
educativo que caracterizou Portugal durante os séculos XIX e a primeira metade do
século XX.
230
Percebemos antes neste texto que Portugal atrave sou um longo e doloroso período de
transição entre o "antigo" e o "moderno" e percebemos que tal transição, tanto nos
aspectos económicos como nos aspectos políticos, acelera a partir das décadas de
cinquenta e sessenta do século XX, quando as taxas de crescimento da economia
portuguesa disparam, tendo como resultado uma convergência real dos principais
indicadores estatísticos de índole económica e social face aos países mais
desenvolvidos da Europa, pelo que seria de esperar que os índices educativos também
se aproximassem dos índices europeus, o que, como veremos, não se verifica.
Assim, do ponto de vista educativo, o Portugal da segunda metade do século XX
continua um país ultra-periférico, que, no contexto Ocidental só tem comparação com
alguns dos países mais atrasados dos Balcãs e da América do Sul .
O atraso acumulado pode ser uma tentativa de explicar esta questão, que fará algum
sentido, como poderemos tentar perceber. Na verdade, os números publicados pela
OCDE em 2004, representam um enorme progresso em relação aos números
disponíveis para os meados do século XX. Os quadro que de seguida mostramos,
esclarecem o sentido das nossas palavras .
Quadro 38 - Relação com o sistema educativo da população portuguesa
com idades iguais o u superiores a 7 anos em 1940
Habi l itações Percentagem da população
Não sabem ler 52%
Sabem ler mas não frequentam nem 25,4 %
possuem grau de ensino
Frequentam ou possuem Instrução 19,9 %
Primária
Frequentam ou possuem Instrução 2,3 %
Secundária
Frequentam ou possuem Instrução 0,6 %
Superior
Fonte. Calculas tendo como base o Censo Populacional de 1940.
23 1
Quadro 38 a) - Relação com o sistema educativo da população portuguesa
com i dades iguais ou superiores a 7 anos em 1960
Habi l i tações Percentagem da população
Não sabem ler 30,6%
Sabem ler mas não frequentam nem 24,5%
possuem grau de ensino
Frequentam ensino em curso 15%
Possuem Instrução Primária 27%
Possuem Ensino Secundário 2,8%
Possuem Ensino Superior 0,6%
Fonte: Calculos tendo como base o Censo Populacional de 1 960.
Nos anos quarenta do século XX, a situação educativa em Portugal não pode deixar de
ser c lassificada senão corno "tenebrosa" : mais de metade da população de idades iguais
ou superiores a sete anos não sabia ler ou escrever, e se a estes juntarmos os que
declaram saber ler mas que não terminaram nenhum grau escolar, então referimo-nos a
mais de três quartos da população que não tinha beneficiado de urna relação "moderna"
com a educação, num país em que apenas cerca de 20% dos portugueses frequentava ou
possuía um diploma de instrução primária, 2,3% frequentava ou possuía o diploma do
ensino secundário e 0,6% frequentava ou possuía um diploma do Ensino Superior.
Vinte anos depois, em 1 960, o panorama, sendo melhor, era ainda muito pobre: mais de
metade dos portugueses não sabia ler ou não tinha completado nenhum diploma
escolar, 27% tinha a instrução primária, 2,8 % tinha a instrução secundária, 0,6% tinha
a instrução superior e 1 5% estudava.
O que representam estes números? Claro que são extremamente baixos, apesar de,
corno antes foi frisado, significarem também que, em vinte anos, de 1 940 para 1 960, se
nota urna melhoria substancial, que no entanto, e corno antes também deixámos escrito,
demorará o seu tempo a mudar de forma significativa o panorama mais vasto da
distribuição de habi l itações entre a população portuguesa.
No entanto, a pergunta que se tem arrastado nesta parte do texto, inc ide sobre a
hipotética responsabil idade deste deficit educativo histórico nas cifras dos nossos dias.
O quadro que de seguida expomos, destina-se precisamente a tentar perceber qual
foram os progressos educativos de Portugal entre 1 960 e os nossos dias, urna vez que, e
tal corno referimos antes, se instalou a crença de que a partir da segunda metade do
século XX, o percurso português em termos educativos é, tal corno acontece com a
economia, convergen te face à média dos países mais desenvolvidos, pelo que os atrasos
232
exi tentes, mais não são do que uma herança do passado e no futuro não serão senão
uma lembrança desagradável .
Tal quadro, tem de ser visto de forma cautelosa, uma vez que, quer as populações que
servem de base às percentagens, quer as definições dadas para os Graus académicos
pelo anuário estatístico da UNESCO em 1965 para os dados referentes a 1960 e 1961,
(Lê Than Khoi , 61) e para os dados da OCDE referentes ao ano de 2005 (OECD,
2007b), são ligeiramente diferentes entre si, mas como são constantes em cada
população, permitem-nos uma comparação aproximativa do grau de progresso fei to por
estas sociedades entre 1960 e 2005.
Uti l izámos como medida um Rácio de Progressão, que é consti tuído pela soma entre o
decréscimo das baixas habi l i tações, que se obtém dividindo a percentagem de pessoas
que em 1960 tinha habi l i tações até ao máximo de 7 ano de escolaridade, pela
percentagem de pessoas que em 2005 tinham habil itações iguais ou inferiores a 9 anos,
com o crescimento das habi l i tações consideradas altas, que se obtêm dividindo o
número de pessoas que em 2005 tinham habi l i tações iguais ou superiores a 1 0 anos de
escolaridade (/SCED 3C Short) , pelo número de pessoas que em 1960 tinham
habi l i tações superiores a 8 anos de escolaridade. Trata-se de uma medida simples e
pouco sofisticada, mas que nos permite um esboço aproximado da forma como
aumentaram as altas habil itações e baixaram as baixas qual ificações nestes 45 anos, em
cada um dos países tidos em conta, permitindo-nos comparar o seu sucesso na
promoção da qual ificação da mão de obra neste período de tempo.
233
Quadro 39 - Rácio de Progressão comparado das habil itações das populações
dos segu i ntes países, entre 1960, para a população a part ir dos 25 anos, e 2005
para a população com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos
1 960, 12012ulação % da população com % da população com 8 Rácio final de a l2artir dos 25 frequência até ao máximo ou mais anos de progressão das
anos de 7 anos de escolaridade em 1 960; habilitações para escolaridade (sem grau + (graus 2 + 3) cada país, entre
------------------------ grau 1). ------- --------- ---------------- 1 960 e 2005 2005, 12012ulação --------------------------
com idades entre % da população com % da população com
os 25 e os 64 frequência até ao máximo 1 0 ou mais anos de
anos de 9 anos de escolaridade em 2005 escolaridade (ISCED 0+1+2) (ISCED 3+5)
Portugal 1960 95, 5 %, dos quais 45,1% 4,6% sem grau
Portuga l 2005 74% 27% Rácio de 1.3 5.9 7,2
progressão Espanha 1960 95,5 %, dos quais 28,5% 4,7%
sem grau Espanha 2005 51% 48%
Rácio de 1.9 10.2 12, 1 progressão G récia 1960 89.5, dos quais 52,7 sem 10.4%
grau G récia 2005 40% 60%
Rácio de 2.2 5.9 8, 1 progressão Chile 1960 86,8 dos quais 4 1,7% sem 13,1%
qrau Chile 2005 50% 50
Rácio de 1.8 3.8 5,6 proqressão
México 1960 98.8, dos quais 74,4 sem 2,8% qrau
México 2005 79% 21% Rácio de 1.3 7.5 8,8
proqressão Pol ónia 1960 80,3% dos quais 8,6 % sem 19,7%
grau Polónia 2005 15% 86%
Rácio de 5.3 4,3 9,6 progressão
Coreia do Sul 1960 91,8%, dos quais 58,4 sem 8,3% qrau
Coreia do Sul 2005 25% 76% Rácio de 3.7 9 12,7
progressão Finlândia 1960 90% todos com qrau 10,1% Finlândia 2005 21% 75 %
Rácio de 4.3 7.4 1 1,7 progressão
Holanda 1960 87,6%, todos com grau 12,3 % Holanda 2005 29% 72%
Rácio de 3.0 5.9 8,9 progressão
Fontes: Unesco, Annualre Statlstlque 1 965, Clt. por Le Than Khol, 1 970, pp. 59-61; OECD, www.oecd.org/edu/eag2007
234
o resultado para os portugueses, nestes 45 anos que decorrem entre 1 960 e 2005, a
maioria dos quais em democracia, não pode deixar de ser considerado pelo menos
decepcionante : dos países mencionados, Portugal é o que obtêm meno sucesso na
diminuição da percentagem de população com baixa escolaridade e a evolução das altas
qual ificações fica muitíssimo longe dos que mais progrediram, ou seja, países como a
Coreia do Sul , a Espanha, o México, a Finlândia ou mesmo a Holanda, os quais, à
excepção do México e de Espanha, tinham uma muito maior taxa de graduados com os
segundos e terceiros ciclos em 1 960 do que Portugal , e portanto teriam também um
potencial de crescimento neste domínio bem menor que o do nosso país.
O resul tado, em termos da formação académica da mão-de-obra activa portuguesa, é,
como não podia deixar de ser, muito preocupante. Em 2004, a mesma OCDE fornecia
cifras que mostravam que a formação da mão-de-obra portuguesa só tinha comparação
com a formação da mão-de-obra turca, mexicana e brasi leira, que, lembre-se, trabalham
com salários e condições de protecção sociais incomparavelmente inferiores às
portuguesas.
O quadro que de seguida apresentamos, resultante de urna adaptação de um quadro
fornecido pela OCDE em 2006, mostra-nos como continua difíci l a s ituação portuguesa
no contexto mundial .
235
Quadro 40 - Habi l itações da popu lação adu lta (25-64 anos) para uma série de
países da OCDE e associados, no ano de 2004
Habil itaçõesl 6 Anos de 9 Anos de Secundário (de Superior
país escolaridade (2° escolaridade (3° 1 0 a 13 anos de ( p rofissional,
c iclo do ensino ciclo do ensino escola ridade) l icenciatura e
básico) básico) i n vestigação)
Portugal 61% 14% 12% 13%
Brasil 57% 14% 22% 8%
México 51% 26% 6% 1 6%
Turquia 64% 10% 1 1% 9%
Chile 24% 26% 37% 13%
Espanha 28% 27% 12% 26%
H u n g ri a 2% 23% 57% 16%
G récia 31% 11 % 29% 20%
Coreia do Sul 13% 13% 44% 22%
Finlândia 13% 10% 43% 34%
Noruega O 1 1% 56% 32%
Suécia 7% 10% 48% 34%
Di namarca 1% 16% 51% 32%
Fonte: Educatlon at a Glance: www.oecd.org/edu/eag2006
Este desolador panorama em que mais de metade da população portuguesa activa tem,
no ano de 2004, como habi l i tação máxima os sei s anos de escolaridade, só
u l trapassado, no contexto da OCDE, pela Turquia, mostra de novo como o futuro
poderá ser difíci l para a sociedade portuguesa.
Mas se a população activa do pais tem uma formação tão baixa como a que mostrámos
nos quadros anteriores, e tal formação só muda muito lentamente através, por um lado,
da adição de jovens com melhores habil itações, e por outro, da passagem à reforma dos
mais idosos e que menos preparação académica média têm, existe um enorme núcleo de
tal população cuja qualificação só pode ser levada a cabo através da formação contínua,
ao longo da vida, que o bom senso indica ser uma tarefa prioritária das estratégias de
desenvolvimento de um país como Portugal . No entanto, os últimos dados disponíveis
sobre a questão são, pelo menos, ambíguos ou mesmo pouco encoraj adores.
236
Quadro 41 - Aprendizagem ao longo da vida: percentagem da população adulta
com idades comp reendidas entre os 25 e os 64 anos que partici pam em acções
de formação, nos segui ntes países da U n ião Europeia, entre 1995 e 2005
1 995 1 997 1 999 2001 2003 2005
EU (25) 7.8 9.2 11.0
EU ( 1 5) 5.7 8.2 8.3 9.9 12. 1
G récia 0.9 0.9 1.3 1.4 2.7 1.8
Espanha 4.3 4.4 5.0 4.8 5.8 12. 1
Hungria 2.9 2.9 3.0 6.0 4.2
Polón i a 4.8 5.0 5.0
Portugal 3.3 3.5 3.4 3.4 3.7 4.6
Turq uia 1.0 1.2 2.0
França 2.9 2.9 2.6 2.7 7.4 7.6
Alemanha 5.4 5.5 5.2 6.0 8.2
Bél g i ca 2.8 3.0 6.9 7.3 8.5 10.0
Reino 19.2 21.7 21.2 29. 1
Unido
Dinamarca 16.8 18 .9 19.8 17.8 25.7 27.6
Fi nlândia 15 .8 19.6 19.3 25.3 24.8
Suécia 25.0 25.8 17.5 34.8 34.7
Noruega 16.4 14.2 19.4 19.4
Fonte: Eurostat, 2006 .
Os dados disponibil izados pelo Eurostat, que parcialmente reproduzimos, mostram que,
a este respei to, existem, sobretudo se nos ativermos aos ú l timos resul tado do século
XXI, três tendências no que a este assunto concerne: um grupo de paises com
prestações francamente pobres em termos de formação contínua, ca os da Grécia e da
Turquia, mas a que se poderiam juntar países como a Bulgária, a Roménia e a Croácia;
um grupo de paises médios, casos da Alemanha, de França, de certa forma, a Espanha,
a que se poderia juntar a República Checa e a Irlanda, entre outros ; e um grupo de
paises com um enorme avanço em relação aos demais, ou seja, os Escandinavos e o
Reino Unido, mas a que poderíamos também juntar a Suíça, a Holanda e a Áustria,
entre outros. Estando estas taxas de formação relacionadas também com a
desregulamentação dos mercados de trabalho de alguns destes ú l timos paises, o que
obriga uma população com vínculos laborais precários a ter de e actualizar como
condição para receber subsídios de desemprego ou de conseguir nova colocações, o
que é um facto é que, nes te caso, Portugal se situa num lugar que poderíamos classificar
237
de medíocre, com taxas de "formação durante a vida" francamente abaixo das taxas
médias da União Europeia, superior ao primeiro grupo, o dos mais fracos, mas inferior
ao segundo grupo, o dos "medianos" .
Por outro lado, e como se compreende tendo em conta as características da população
adulta, os indicadores relativos à qualidade das aprendizagens dos alunos portugueses
dos Ensinos Básico e Secundário, nomeadamente em Matemática e em Lei tura, são
extremamente baixos quando comparadas com a qualidade das mesmas aprendizagens
levadas a cabo por alunos da maioria dos países da OCDE.
Na verdade, esta organização, através do programa PISA (Programme for Intemational
Student Assessment), tem procedido nos ú l timos anos à avaliações das aprendizagens
realizadas pelos alunos dos países que dela fazem parte em matérias chave como a
Matemática, a Língua Materna e as Ciências e é sem surpresa que constatamos que as
classificações dos alunos portugueses nestes testes têm sido consistentemente baixos:
3 1 0 lugar entre 40 países, no que à Matemática diz respeito, e 280 lugar entre os
mesmos 40 países, no que concerne à Leitura (OECD, 2004, 57, 277) . Como se percebe
por este tipo de dados publ icados em 2004 sobre um programa que decorreu em 2003, e
que, de certa maneira confirma os dados publicados em 200 1 relat ivos ao PISA 2000
(GA VE, 200 1 ) , não se trata apenas de um problema quanti tativo, ou por outras palavras
de possibi l idades de acesso por parte dos portugueses à educação, mas, nes te caso trata
se sobretudo, e também, de um problema de qualidade de ensino.
Não há neste arrazoado de lamúrias nenhum motivo para optimismos? Descortinamos,
apesar de tudo, duas pequenas luzes nesta enorme escuridão. Por um lado, a
capacitação académica dos jovens adultos portugueses, ou seja, nas idades
compreendidas entre os 25 e os 34 anos, parece estar a ser muito rápida, bastante mais
rápida do que a dos seus colegas de infortúnio, por exemplo, do México, ou da Turquia,
e , também porque parte de cifras muito baixas, parece, neste século XXI, convergir
com as habi l i tações dos jovens adultos dos países mais desenvolvidos , embora os
quadros que apresentámos mostrem a distância que falta percorrer. Assim, em 200 1 ,
eram 32% os jovens portugueses com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos
que tinham como habi l i tação mínima os estudos secundários completos, para 30% dos
Jovens turcos e para 25% dos Jovens meXIcanos
(www. oecd.org/els/education/eag2002); em 2004, ou sej a, três anos depois, tais cifras
eram já de 40% para os portugueses, 33% para os turcos e 25%, na mesma, para os
mexicanos ( www. oecd. orgledu/eag2006) , e o crescimento de novos habi l i tados com
238
pelo menos o Ensino Secundário que se dá em Portugal entre 200 1 e 2004, é de longe o
mais alto crescimento de habi l i tados que se dá em todos os países registados em ambos
os estudos da OCDE; por outro lado o programa que, com a designação de "Novas
Oportunidades" (Ministério do Trabalho e Solidariedade Social e M inistério da
Educação, 2006) , está, com vigor acrescido depoi de 2005 , a tentar qualificar o
máximo de adul tos com baixas taxas de escolarização, apesar das controvérsias que tem
gerado, não poderá deixar de dar resultados importantes num espaço de tempo
relativamente curto, o paralelismo com o Plano de Educação Popular de 1 952 (Veiga de
Macedo, 1 953) sendo de difíci l recusa: estaremos, finalmente, nos começo do século
XXI, a levar a cabo um esforço coerente no sentido de aproximar a média das
habi l i tações académicas e profissionais dos portugueses dos seus colegas de espaço
civil izacional, quando a economia vai , no ano de 2007, no seu sex to ano seguido de
divergência com o "Centro da Europa" (OCDE, 2007a)?
De qualquer das formas, o que queríamos mostrar com todos estes dados era a
e pecificidade do atraso educativo que parece caracterizar a Modernidade em Portugal
e a forma como se construiu, nos séculos XIX e XX. De entre as questões que
escrutinámos, ou seja, a riqueza, a legi timação política, e a construção de um "Estado -
Providência" moderno, sem dúvida que a implantação de um modo de cultura baseado
na escri ta é a que apresenta índices comparativos mais preocupantes, antecipando-se à
periferização económica a que Portugal é sujeito no século XIX, mantendo-se e
agravando-se durante o século XX e pairando como uma sombra ameaçadora neste
começo do século XXI. Nunca saberemos exactamente as razões desta permanência,
mas talvez possamos tentar enquadrá-la numa lógica mais ampla que, não a explicando,
a contextualize.
Conclusão: apontamentos sobre o caso português numa perspectiva comparada -
uma interpretação
As conclusões de um trabalho sobre a forma como se deu a implantação dos Sistemas
Educativos contemporâneos em Portugal só podem partir da constatação de que tal
implantação foi , durante os séculos XIX e XX, extremamente lenta, predominando até
muito tarde na sociedade portuguesa, formas de relação com as letras tipicamente pré
modernas.
A razões para tal lentidão não são claras, mas os dados que fomos fornecendo sobre o
atraso em outros indicadores sociai s e económicos, mesmo se recusamos frontalmente
relações de causa - efe.ilo, admitem l igações entre as várias parcelas de um mundo
239
relativamente homogéneo, o mundo do "social", sendo no entanto, impossível a
individualização de um ou de outro factor como principal responsável pelo atraso
português em termos de implantação das formas modernas de cultura escrita.
Como t ivemos ocasião de verificar, é um atraso que vem de longe, que durante o século
XIX só se pode comparar com o que se passa em países e regiões económica e
socialmente menos desenvolvidas do que Portugal , e que, de forma paradoxal, se
acentua durante o século XX e princípios do século XXI, algo que parece ter s ido até
aqui de difíc i l compreensão para a sociedade portuguesa, que, no entanto, parece ter
finalmente interiorizado a gravidade deste problema em termos de desenvolvimento, e
conseguido segregar uma vontade política, senão de o resolver, pelo menos de o
enfrentar.
Neste caminho, da incompreensão à vontade de mudança, faça-se justiça ao grande
relatório sobre a l i teracia em Portugal organizado por Ana Benavente em 1 996
(Benavente, 1 996), aos sucessivos relatórios do GA VE que organizou a participação
dos estudantes portugueses no PISA sem nunca pretender ocultar os seus maus
resultados, à chamada "sociedade civil", que se foi rebelando contra a "fatalidade"
deste atraso de formas diversas, com mais ou menos méri to, como é normal numa
democracia l iberal , à persistênc ia com que os relatórios internacionais foram sendo
comentados, e finalmente às iniciativas que estão em curso com o sentido de acelerar a
certificação de competências da população adulta portuguesa e de procurar uma
equivalência académica que faça eco de tais competências.
Não é um caminho fáci l nem consensual e está muito longe de ser o primeiro momento
em que a sociedade portuguesa parece decidida a enfrentar este problema: basta
lembrarmo-nos do sobressaltos da 1 a República, do "Plano de Educação Popular" do
Estado Novo e das Campanhas de Alfabetização de adul tos que proliferaram nos anos
que se seguiram à revolução de 1 974, mas aparentemente, todos falharam, ou pelo
menos nenhum conseguiu "queimar etapas" na aproximação às ociedades mais
avançadas, pelo que a avaliação ao actual momento, mesmo sublinhando o méri to das
medidas tomadas, terá de esperar por resultados e pela consistência de tais resu l tados.
Mas aqui chegados cumpre-nos ten tar perceber melhor as causa de tão estrondoso e
inquietante falhanço na disseminação da forma predominante de comunicação da
Modernidade.
240
Além das explicações que tradicionalmente l igam desenvolvimento económico e
escolarização na Modernidade, e que cremos serem de demonstração pacífica, teremos
neste caso, de entrar com outras razões mais específicas à sociedade portuguesa.
A primeira, a que tradicionalmente temos recorrido, fi l ia-se nas expl icações avançadas
na década de oitenta por Jaime Reis ( 1 988; 1 993) , que realça a relativa tranquil idade da
sociedade portuguesa durante o século XIX, quer em termos dos confl i tos sociais e
políticos, quer través da fraqueza do proces o de modernização, quer em termos da
confl i tualidade internacional que assolou o centro da Europa, a que o paí , de fronteiras
definidas desde meados do século Xli, e s i tuado na periferia Oeste do Continente, terá
escapado. Por outro lado, Jaime Reis também salienta a homogeneidade em termos
l inguísticos e rel igiosos da formação social portuguesa, o que faz dela uma das poucas
"nações naturais" da Europa, dotada de um Estado próprio desde o século XII . Assim, a
homogeneidade e a relativa tranqui l idade política e social , que, segundo o autor, o país
teria gozado durante o século X IX, teria dispensado as e l i tes portuguesas da urgência
em construir os mecanismos insti tucionais de afirmação da coesão social e nacional ,
por um lado, e de legitimação política por outro, que a maioria das formações sociais
europeias e americanas do tempo não poderia ter dispensado.
No entanto, não é fáci l de decidir se, comparativamente com o resto da Europa, o
século X IX terá s ido c lemente para com a sociedade portuguesa. Na verdade, tudo
indica que, à sua escala, o "longo século X IX" foi também dramaticamente sentido em
Portugal , pelo que seria importante relativizar esta argumentação.
De facto, quer as invasões francesas e a ocupação britânica, a maneira como o Brasil foi
amputado (Telo, 2003), o processo de guerra civi l que de forma larvar ou declarada se
arrasta até meados do século XIX, tudo isto num pano de fundo em que se destaca o
empobrecimento general izado de Portugal , são causa e consequência do afastamento
violento do país relativamente ao "centro" da Europa (Wallerstein, 1 990, 1 994) e
traduzem-se numa agi tação política e social quase endémica, numa emigração massiva,
no assassinato de um rei e de um presidente da república, numa revolução
desesperadamente radical e numa ditadura que perdura durante quase metade do século
XX, mostrando bem a dureza dos tempos vividos pela formação social , económica e
política portuguesa durante os séculos X IX e XX.
Por outro lado, a homogeneidade l inguística e religiosa portuguesa permanece como
um argumento credível , embora fosse úti l a comparação com outras sociedades que,
lendo-se tornado periféricas na altura em que a escola contemporânea se afirma no
24 1
Ocidente, fossem igualmente dotadas de um Estado antigo, encaixado numa "nação"
étnica e rel igiosamente homogéneas, o que não parece fáci l de encontrar. Assim, acei ta
se com interesse a hipótese segundo a qual a "unicidade" da formação social portuguesa
poderá ter estado, em determinado período histórico, relacionada com o atraso
educativo português durante a Modernidade.
No entanto, se a tese da conjunção entre homogeneidade l inguística e rel igiosa e
periferia geográfica e política se entrelaçam de forma a justificar satisfatoriamente o
atraso educativo português até à década de trinta do século XX, o resto do século terá
que ser pensado em termos de Estado Novo e do regime de Democraci a parlamentar
instaurado a partir de 1 975 . .
Comecemos pelo primeiro, cuj a distância nos permite usar ferramentas de análise mais
acertadas. Na verdade, a modernização do país dá-se enquadrada por uma racionalidade
"tecnocrática" e inovadora trazida pelo salazarismo, mas num contexto fortemente
conservador. Sabemos que o conservadorismo dos séculos XIX e primeira metade do
século XX, perante a massificação da educação, se debate com um dilema que coloca,
por vezes de forma desigual , de um lado o desenvolvimento económico, do outro, o
medo da subversão política e social que o domínio da escrita por todos parece
potenciar; de um lado o controlo social que a educação permite, do outro a
emancipação a que ela abre portas.
Perante este dilema, percebemos que em determinadas circunstâncias históricas o
conservadorismo terá agido como travão a uma escolarização rápida e ampla das
sociedades europeias, e também sabemos que será no decorrer do salazarismo que a
escolarização do país se fará.
O próprio Salazar, entrevistado por António Ferro em meados da década de trinta,
começa, numa primeira fase, por demonstrar como por incúria e desorganização da
República se fez muito menos no capítulo da educação popular do que se poderia ter
fei to (Ferro, 2003 , 70, 4a entrevista), que o problema da escolarização de todas as
crianças portuguesas se resolveria numa questão de cinco ou seis anos (Idem, 1 58 , 7a
entrevista), mas que a principal urgência do país não deveria ser a erradicação do
analfabetismo, mas a formação das el i tes : " . . . Considero até mais urgente a consti tuição
de vastas el ites do que ensinar toda a gente a ler. É que os grandes problemas nacionais
têm de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas e l i tes enquadrando as massas . . . "
(Idem, 1 83 ) .
242
Assim, só cerca de vinte anos depois destas optimistas mas circunspectas declarações,
numa altura em que, na Europa do pós - guerra, as únicas "elites que enquadravam as
massas" eram comunistas, o prometido na década de trinta se leva de facto a cabo e
num período de tempo relativamente curto: em vinte anos, a frequência escolar das
crianças com idades compreendidas entre os sete e os nove anos passa em 1940 de uma
percentagem de cerca de 40%, para, em 1960, uma percentagem perto dos 100% .
Este aumento do número de escolarizados combinado com o aumento de adultos
alfabetizados por via do "Plano de Educação Popular" do principio da década de 50
teve também o objectivo de impulsionar o tecido económico através de melhorias no
Capital Humano, o que, segundo Luciano Amaral, terá sido conseguido: dos três
elementos considerados fundamentais para o crescimento económico português das
décadas de cinquenta, sessenta e setenta, o Capital Humano, o Capital Físico e o Índice
de Desenvolvimento Tecnológico, o primeiro, com uma contribuição aproximada de
17,04% ocupa um pouco honroso 3° lugar para o período como um todo, mas é visto
como sendo de longe o mais importante na fase de arranque de tal crescimento, entre os
anos de 1953 e de 1959, com uma percentagem de 53,94% de contribuição para o
crescimento do PIB (Amaral, 2002, p. 98; p. 275).
E este sucesso, relativo é certo, mas mesmo assim sucesso, consegue-se de forma
extremamente económica, como era aliás apanágio das políticas salazaristas. O gráfico
que mostramos de seguida mostra a percentagem do PIB empregue na educação entre
1913 e 1993.
6
5
4
3
2
o
Gráfico 1 2- Evolução % do PIB (Gross Domestic Product) gasto em Educação, entre 1913 e 1 993 em Portugal
I-+- Gast. Ed·1
1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000
Fonte: Valério, 2001, citado por Nunes, 2003, pp. 579,580.
243
Entre 1 932 e 1 939, esta percentagem centra-se nos 0,9%, descendo na altura da 2a
Guerra Mundial , recomeçando a subir no seu fim, quando, já na década de cinquenta
atinge o valor de 1 %, atingindo o seu valor máximo nesta década em 1 959 ( 1 ,32%),
descendo, durante toda a década de sessenta para uma importância à vol ta dos valores
dos princípios da década de cinquenta, quando em 1 968 o gasto, em percentagem do
PIB , é praticamente o mesmo que em 1 953, começando a subir decididamente na
década de setenta, durante o Marcelismo, atingindo a percentagem de 1 ,82% do PIB em
1 972, disparando após a "revolução dos cravos" até perto dos 4%, retraindo-se de novo
na década de oitenta, mas mantendo-se num patamar superior aos 3%, e subindo na
década de noventa, para os valores médios das sociedades desenvolvidas, ou seja,
valores que se situam entre os 5% e os 6% do PIB português (Teodoro, 200 1 , 1 28) , mas
que, nestas tinham sido atingidos entre trinta e quarenta anos antes, na transição das
décadas de cinquenta para a década de sessenta do mesmo século( Unesco, Annuaire
S tatistique 1 965, cit. por Le Than Khoi , 1 970, pp. 59-6 1 ) .
Tudo indica que se trata de um problema de pol íticas, ou, se quisermos, de política: a
Guerra, quer a Segunda Guerra Mundial quer a Guerra Colonial , baixam a dotação para
a educação, como aliás para a assistência social (Candeias, 2007), o esforço dos anos
cinquenta de escolarização dos jovens não tem continuidade orçamental nos anos
sessenta, e, sem que seja possível uma aval iação completa dos danos entretanto
causados, percebe-se que esta política morre duas vezes, primeiro com o
desaparecimento de Salazar, quando Marcello Caetano se lança num esforço de dotar o
país de um rudimento de "Estado Providência", e finalmente com o fim da Guerra
Colonial e com a integração europeia. De caminho note-se a euforia da Revolução de
Abri l que faz saltar o investimento em educação num período de recessão económica
mundial, e as correcções a tal euforia, durante o processo de "ajustamento" da
economia portuguesa da primeira metade da década de oitenta, a que se seguem
finalmente os Fundos de Coesão advindos da adesão à União Europeia, a partir de
1 986.
Pode esta política de investimento do regime durante a década de sessenta, que parecia
ter de escolher entre a manutenção do Império e o desenvolvimento educativo, numa
altura em que as taxas de crescimento económico do país eram das mais al tas da Europa
(Lains, 2005 , 1 2 1 ) , ser responsável peja fraqueza com que a escolarização dos
portugueses se continua a dar nos finais do século XX e princípios do século XXI?
244
Nunca o poderemos saber, mas gostaríamos de realçar que, do ponto de vista do
investimento em Educação, que é apenas um indicador da vontade dos regimes do
século XX em a desenvolverem e por conseguinte, desenvolverem-se, Portugal só em
meados dos anos noventa deste século estabi liza o investimento ao nível dos que os
países mais ricos tinham fei to na década de c inquenta, quando, partindo de taxas de
escolarização mui to mais altas do que as existentes na sociedade portuguesa, decidiram
ainda assim, investir mais de forma a darem um "segundo sal to em frente". Por outras
palavras, Portugal , dá um "primeiro sal to em frente" de forma extremamente barata e
l imitada em meados do século XX, colocando as suas taxas de escolarização ao nível
das taxas de escolarização dos princípios do século nos países mais desenvolvidos, e só
se arremete de novo a partir de meados dos anos oitenta, de forma ainda pouco
estudada, com resul tados que, sendo aparentemente contraditórios, reflectem sobretudo
a ausência de uma linha de desenvolvimento educativa que por não ter sido ainda
estudada e sistematizada nos aparece como confusa, incoerente e pouco planificada.
Além do mais, gostaríamos de repetir que seria essencial uma comparação séria com
países mais perto de nós, que no pós guerra parecem ter pol íticas de investimento
educativo mais parecidos com os de Portugal, e referimo-nos sobretudo à Espanha e a
Grécia e noutro contexto cultural , a Coreia do Sul , algo que não está de facto fei to.
Eis algumas lacunas na História contemporânea da educação que nos impedem de
avançar mais do que a evidência dos números que temos até aqui apontado, pelo que a
interpretação relativa ao último quarto do século XX terá de esperar por mais trabalho
científico.
Finalmente, que podemos dizer sobre as relações entre o processo de construção da
Modernidade em Portugal e o grau de implantação da cultura escrita que, todos
sabemos, é uma das bases de tal processo? Quase tudo está j á dito, mas uma das
constatações consti tu i uma surpresa e uma advertência a quem queira, de forma
apressada, fazer teoria: o caso portuguê , tal como sublinhámos antes, coloca uma
questão interessante ao mostrar, mais uma vez, que a correspondência entre riqueza e
grau de disseminação da cultura escrita não é direc ta, uma vez que, tal como os dados
que indicámos nos mostram, a situação económica e social portuguesa parece ser
sempre melhor do que a sua situação em termos de alfabetização e de escolarização.
Parece assim claro que os portugueses, sobretudo durante a segunda metade do século
XX, extraíram o máximo de riqueza possível de uma formação social com mui to
poucas habi l i tações académicas "modernas", mas também se perfi lam as suspei tas de
245
que tal período chegou ao fim e as diferenças entre o crescimento económico português
e o crescimento económico europeu a partir do final do mesmo século lançaram os
indicadores portugueses para uma situação de divergência que não se dava desde a
década de oitenta do século passado (OCDE, 2007a). Tratar-se-á de um período curto
de depressão que permita um reagrupamento de estratégias a fim de relançar o processo
que, no fundo, caracteriza o século XX português, ou do começo de um novo século
XIX, encrespado de pobreza, dissenção e emigração?
A resposta a esta questão não depende inteiramente dos portugueses, mas, como
sempre, sej a qual for o contexto internacional, haverá sempre uma margem de
autonomia que permita ao bom governo minorar o mal e ampliar o bem, saibam os
cidadãos escolhê-lo, fiscalizá-lo e ter a paciência e a perspicácia de saber esperar pelo
efeito das medidas que toma para o avaliar e de seguida, reelegê-lo ou despedi-lo,
conforme a sua apreciação. No entanto, que uma coisa fique clara: a relação tradicional
entre produção de riqueza e capacitação da mão-de-obra que caracterizou os séculos
XIX e XX em Portugal , não é sustentável numa altura em que cada vez faz mais sentido
a afirmação de Ernest Gellner segundo a qual " . . . 0 trabalho já não representa a
manipulação dos objectos, mas dos significados . . . " pelo, que, infelizmente, tudo indica
que o trabalho que nos espera é árduo. Saibamos fazê-lo sem estragarmos o que de bom
temos.
Terminemos de forma positiva e para tal sigamos o balanço fei to por António José Telo
sobre o caminho português nos séculos xvrn, XIX e XX: " . . . Desde mi punto de
v ista, la realidad de Portugal en la época contemporánea ( . . . ) es la realidad de un país
que sistemáticamente, en los más diversos sistemas internacionales, en las más variadas
coyunturas, orientado por dirigentes de múltiples colores políticas y capacidades,
consigue habitualmente desempenar un papel y realizar funciones que están por encima
de su fuerza aparente . . . " (Telo, 2003, 1 7) .
De facto, segundo este autor, durante este período, Portugal consegue manter a sua
independência e soberania em contextos adversos ; mantém sistematicamente durante a
época contemporânea uma balança comercial deficitária, conseguindo sempre descobrir
formas de a compensar e , portanto, de v iver com mais do que o que produz; mantém
um vasto I mpério num período de divisão e colonização de África entre as grandes
potências do século XIX, numa altura em que Espanha perde o seu e a Itál ia ou a
Alemanha não conseguem extensões de terra tão grandes como as que Portugal
consegue para s i ; mantém uma relação privi legiada com o poder que domina o
246
Atlântico, e através de tal relação, está na pnmeIra l inha da evolução do sistema
internacional ; é sistematicamente convidado a ser membro fundador das principais
alianças e organizações internacionais que marcam a época contemporânea; é o
primeiro e o últ imo Império europeu em África; consegue suster durante treze anos uma
guerra colonial em três frentes separadas por milhares de quilómetros e , ao mesmo
tempo, manter uma das mais altas taxas de crescimento económico europeias (lbidem),
eis uma visão geral de algumas das questões que para este autor temperam as cores
negras com que o Portugal contemporâneo costuma ser descrito.
A isto seria necessário subl inhar também a maneira como Portugal, através de uma
art iculação económica e política reforçada com o núcleo mais desenvolvido da Europa,
consegue sustentar o processo de inversão de periferização que se começa a dar em
meados do século XX, ao mesmo tempo que mantém um sistema de ali anças múltiplas,
que aliás não diferem muito das de sempre, de maneira a assegurar o máximo de
autonomia e espaço de manobra dentro de um contexto internacional cada vez mais
interdependente. De facto, tudo parece indicar que, se a periferização e a decadência
durante a Modernidade constituiu uma das faces do Portugal contemporâneo, a
insatisfação perante tal destino certamente que constituiu a outra.
247
B i b l i o g rafia Geral
1 - Censos Pop u l acionais ut i l izados no texto
Censo da População no I O de Janeiro de 1 864.
Censo da População no I O de Janeiro de 1 878 .
Censo da População do Reino de Portugal no I O de Dezembro de 1 890.
Censo da População do Reino de Portugal no I O de Dezembro de 1 900 (Quarto
Recenseamento Geral da População).
Estatística Demográfica. Censo da População de Portugal no I O de Dezembro de
1 9 1 1 (50 Recenseamento Geral da população) .
Censo da População de Portugal no I O de Dezembro de 1 920 (60
Recenseamento Geral da População) .
Censo da População de Portugal no I O de Dezembro de 1 930 (70 Recenseamento Geral
da População) .
vm Recenseamento Geral da População no Continente e I lhas Adj acentes em 1 2 de
Dezembro de 1 940.
IX Recenseamento Geral da População no Continente e I lhas Adjacentes em 1 5 de
Dezembro de 1 950.
X Recenseamento Geral da População no Continente e I lhas adj acentes (às O horas de
1 5 de Dezembro de 1 960) .
X I Recenseamento da 1 1 População. Continente e Ilhas Adjacentes. 1 970.
X I I Recenseamento Geral da População. I I Recenseamento Geral da H abitação. 1 98 1 .
248
Censos 9 1 . XI I I Recen eamento Geral da População. I I I Recenseamento Geral da
Habitação.
2- Referê ncias B i b l iog ráf icas
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índ ice dos Quadros
Quadro 1 - Resumo condensado das ondas de Kondratiev. p . 43
Quadro 2 - Percentagem de crescimento do número de a lunos inscritos nos três g raus
de ensino nas várias partes do mundo entre 1 950 e 1 960. p. 60
Quadro 3 - Percentagem de cresc imento do número de alunos inscritos em várias
partes do mundo, por g rau de ensino, região e g rau de desenvolvimento dos pa íses
entre 1 960 e 1 980. p. 60
Quadro 4 - Percentagem de crianças / adolescentes / jovens adu ltos que frequentam
a escola , por g rupo de idade , em 1 960, 1 970 e 1 980 em várias regiões do m u ndo. p.
6 1
Quadro 5 - Variação anual d a percentagem d e a lunos inscritos por g rau d e ensino e
por região, entre 1 960 e 1 980. p. 65
Quadro 6 - Cálculo das taxas de retorno do investimento em educação (percentagem)
segundo o t ipo de desenvolvimento do país e o g rau de ensino. p . 70
Quadro 7 - Evolução do Rendimento Nacional , da mão-de-obra, e dos i nvestimentos
em Capital F ísico e em Capital Humano no Japão, entre 1 905 e 1 960. p .73
Quadro 8 - Atraso escolar na qu inta classe (CM.2) segundo a categoria profissional
do pai , em França, para o ano de 1 962. p .79
Quadro 9 - Percentagem de al unos em cada tipo de estabelecimento de Ensino
Superior dos Estados Un idos da América, segundo os rendimentos fam i l iares, em
1 971 . p .80
Quadro 1 0 - O Estado e a "natu reza humana" no l iberal ismo clássico, na social
democracia keynesiana e no "neol iberal ismo" . p . 1 02
276
Quadro 1 1 - Modelos alternativos de desenvolvimento: Fordismo, neo-Fordismo e pós
Fordismo. p . 1 07
Quadro 1 2 - Variação das taxas de pobreza absoluta no m u ndo, entre 1 98 1 e 200 1 :
percentagem do número de pessoas que vive com menos de um dólar por d ia. p . 1 1 1
Quadro 1 3 - Verbas descontadas nos Estados U nidos da América, França e Suécia
em I mpostos e Cotizações Sociais, em percentagem dos respectivos P I B , no ano
2000. p . 1 1 3
Quadro 1 4 - Duração dos ciclos médios de vida e de trabalho em França, de 1 920 a
1 980, e projecções para o ano de 20 1 0. p . 1 1 7
Quadro 1 5 - As pr incipais m udanças na transição do Estado - Providência para o
Estado - Capacitador. p . 1 22
Quadro 1 6 - Evolução da percentagem do "trabalho f lexível" (trabalho a tempo parcial ,
trabalho temporário e "auto-emprego") da população f in landesa entre 1 990 e 2000, por
classes de idade. p . 1 25
Quadro 1 7 - Cálculo da alfabetização na Europa entre 1 850 e 1 950, a part i r de
Censos, Taxas de a lfabetização de recrutas e condenados, e de assentos
matrimoniais. p . 1 75
Quadro 1 8 - Alfabetização dos adultos de sexo mascu l i no nascidos no estrangeiro ,
trabalhando na I ndústria e Minas em 1 909 (EUA) . p . 1 77
Quadro 1 9-Data de introdução da escolaridade obrigatória e taxas de escolarização
em 1 870 para os seguintes pa íses europeus e EUA . p . 1 79
Quadro 20 - Evolução comparada das taxas de escolarização entre 1 870 e 1 930,
para os países abaixo referidos . p . 1 80
Quadro 2 1 - Est imativa da evolução do PNB per capita para uma selecção de países,
entre 1 830 e 1 970, em dólares americanos com o valor f ixo de 1 960. p. 1 83
277
Quadro 22 - Est imativa da percentagem do PNB per capita português em relação a
outros países europeus entre 1 830 e 1 970. p . 1 84
Quadro 23 - Comparação entre as estimativas de PNB real per capita entre alguns
g rupos de países europeus e Portugal , 1 830- 1 9 1 3 , em dólares americanos com o
valor f ixo de 1 960 (médias não ponderadas dentro de cada g rupo) . p. 1 85
Quadro 24 - Crescimento do P I B per capita na periferia e no centro da Europa, 1 9 1 3 -
1 998. p . 1 86
Quadro 25 - Convergência do P I B per capita na periferia europeia em relação ao
centro da Europa, entre 1 9 1 3 e 1 996. p . 1 87
Quadro 26 - Duração média dos Gabinetes M in isteriais em meses , durante a
Monarq uia Constitucional , a Pr imei ra Repúbl ica, o Estado Novo e a Democracia
Parlamentar. p . 1 9 1
Quadro 27 - Votantes, corpo ele i toral real (eleitores constantes dos cadernos
ele i torais) e cálculo da percentagem de ambos em relação à população res idente ou
presente de idade igual ou superior a 20 anos, de 1 88 1 a 1 99 1 , para Portuga l . p . 1 92
Quadro 28 - Percentagem da população autorizada por le i a votar em relação à
população de ambos os sexos com idades iguais ou superiores a 20 anos entre 1 880
e 1 973. Para Portugal , percentagem dos "corpos eleitorais reais" sobre a população de
ambos os sexos de idades iguais ou superiores a 20 anos, no mesmo período de
tempo. p. 1 95
Quadro 29 - Eleições e tipolog ias pol ít icas nos séculos XIX e XX. p . 1 98
Quadro 30 - Cálculo da percentagem de beneficiários activos da Seg u rança Socia l , em
percentagem da População Activa, em Portugal , entre 1 940 e 1 990, com excepção da
função públ ica. p .204
Quadro 31 - População abrang ida pelos serviços méd ico-sociais e a sua percentagem
em relação à população residente em Portugal segundo os Censos Populacionais,
entre 1 950 e 1 975. p .205
278
Quadro 32 - Gastos públ icos com a assistência social e tota l de descontos em
impostos e cotizações soc iais em percentagem do PIB dos seguintes países da U n ião
Europeia e da OCDE, entre 1 990 e 2003. p .208
Quadro 33 - Percentagem de a lfabetização das pessoas residentes ou com domicíl io
em Portugal com idades iguais ou superiores a 1 0 anos e por classes de idades entre
os 1 0 e os 64 anos, segundo os Censos Populacionais efectuados no século xx.
p .2 1 3
Quadro 34 - Alfabetização, género e variação demog ráfica numa coorte populacional
residente ou dom ici l iada em Portugal , entre 1 900 e 1 940, nascida entre 1 886 e 1 890,
entre as idades de 1 0- 1 4 anos e 50-54 anos. p.2 1 4
Quadro 35 - Alfabetização, género e variação demográfica numa coorte popu lacional
residente ou dom ici l iada em Portugal , entre 1 950 e 1 99 1 , nascida entre 1 936 e 1 940,
entre as idades de 1 0- 1 4 anos e 50-54 anos . p .223
Quadro 36 - Variação das competências l i terácitas enquanto adu ltos, na freguesia do
Beco, concelho de Ferre i ra do Zêzere: a "geração dos bisavôs", nascidos entre 1 888 e
1 9 1 4 , a "geração dos avós", nascidos entre 1 926 e 1 936 e a "geração dos pais" ,
nascidos entre 1 945 e 1 969. p .226
Quadro 37 - Percentagem das popu lações com idades compreendidas entre os 25 e
os 64 anos que têm como habi l itação pelo menos o ensino secundário completo , para
os segu intes países da OCDE e associados em 2004. p .230
Quadro 38 - Relação com o sistema educativo da população portuguesa com
idades iguais ou superiores a 7 anos em 1 940. p .231
Quadro 38 a) - Relação com o sistema educativo da população portuguesa com
idades iguais ou superiores a 7 anos em 1 960. p .232
Quadro 39 - Rácio de Progressão comparado das habi l itações das populações dos
seguintes países, entre 1 960, para a popu lação a parti r dos 25 anos, e 2005 para a
população com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos p .234
279
Quadro 40 - Habi l itações da população adu lta (25-64 anos) para uma série de países
da OCDE e associados, no ano de 2004. p .236
Quadro 4 1 - Aprendizagem ao longo da vida: percentagem da população adulta com
idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos que participam em acções de
formação, nos seguintes países da U nião Europeia, entre 1 995 e 2005. p .237
280
índ ice dos G ráficos
G ráfico 1 - Estimativa da relação entre a população humana (em m i l hões) e a
produção económ ica (média s impl if icada de P I B per capita de todas as regiões do
mundo em US$ 1 985) entre 1 000 d .C . e 1 995. p. 1 4
G ráfico 2 - Taxa de crescimento anual médio do Produto I nterno Bruto de França,
Alemanha Federa l , I tál ia, Japão, Reino Un ido e Estados Un idos da América, entre os
períodos de 1 870-1 9 1 3 e 1 973- 1 980. p . 45.
G ráfico 3 - O desemprego em vários países, entre 1 933 e 1 993 (percentagem da força
de trabalho) . p. 46 .
G ráfico 4 - Est imativa da evolução do P I B per capita em diversas partes do m undo
entre 1 750 e 1 990, em dólares norte - americanos de 1 985. p . 47.
G ráfico 5 - Gastos públ icos em educação, entre 1 960 e 1 979 , em percentagem do
PNB: pa íses Desenvolvidos e países em Desenvolvimento. p .63.
G ráfico 6 - Percentagem aproximada de crianças a viverem abaixo do l im iar de
pobreza na Grã-Bretanha, entre 1 980 e 2000. p . 1 1 2 .
G ráfico 7 - Envelhecimento da popu lação nos países da OCDE : dados até 1 995 ,
previsões até 2030. p . 1 1 8 .
G ráfico 8 - Coesão social na Fin lândia e nos Estados U n idos da América, ( 1 950 -
1 998) baseada no índice G I N I . p. 1 26 .
G ráfico 9 - Evolução do número de prisioneiros por 1 00 .000 habitantes nos Estados
Un idos da América e na F in lândia, de 1 950 a 2000. p. 1 27.
G ráfico 1 0 - Aumento do número médio de anos de escolaridade no m u ndo, por sub -
regiões, entre 1 990 e 2001 . p . 1 40 .
28 1
G ráfico 1 1 - Comparação entre a progressão na taxa de alfabetização da população
portuguesa de idade igual ou superior a 1 0 anos e a progressão da m esma taxa em
rapazes e raparigas da classe de idade dos 1 0- 1 4 anos, entre 1 900 e 1 99 1 . p. 2 1 5 .
G ráfico 1 2- Evolução % do P I B (Gross Domestic Product) gasto em Educação, entre
1 9 1 3 e 1 993 em Portugal . P. 243.
282