educação, estado e mercado no século xx - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as...

283
Educação, Estado e Mercado no século XX Apontamentos sobre o caso português numa perspectiva comparada António Candeias

Upload: phungnga

Post on 11-Nov-2018

219 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Educação, Estado e Mercado no século XX

Apontamentos sobre o caso português numa perspectiva comparada

António Candeias

Page 2: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Educação, Estado e Mercado no século XX

Apontamentos sobre o caso português numa perspectiva comparada

António Candeias

1

Page 3: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

,

Indice

• A génese e as origens dos Sistemas Educativos contemporâneos:

Educação e Modernidade. p.5

-Sistema Educativo. p.6

-Socialização e Sistema Educativo . p. 9

-Modernidade e Educação I: a nova economia. p. 13

-Modernidade e Educação II: o Estado - nação. p. 17

-Modernidade e Educação III: disciplina e liberdade . p. 25

-Concluindo: a génese e as origens dos Sistemas Educativos

contemporâneos - Educação e Modernidade. p.32

• Estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas

Educativos contemporâneos: do pós segunda Guerra Mundial ao

princípio dos anos setenta do século XX, o modelo no seu auge. p. 37

- Modos de regulação, ciclos e crescimento económico nas

décadas de cinquenta, sessenta e setenta do século XX. p. 39

- O Estado - Providência. p. 48

-A Educação I: a expansão do pós guerra. p. 57

- A Educação II: o Capital Humano. p. 67

- A Educação III: igualdade e mobilidade social - expectativas e

desilusões. p. 74

- Concluindo. p. 85

• Estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas

Educativos contemporâneos: dos anos oitenta do século XX aos

nossos dias, o modelo em crise. p. 91

- As grandes mudanças I: a esquerda em crise e o fim do "Modo de

Produção Socialista". p. 93

- As grandes mudanças II: alterações nos modos de regulação

dominantes - economia, neoliberalismo e globalização. p. 99

- Algumas consequências I: o debate em torno do Estado -

Providência para o século XXI. p.112

2

Page 4: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

- Algumas consequências II: as mudanças nas relações entre o

Estado e a Educação - O impacto na educação das mudanças nos

modos de regulação dominantes; os impasses gerados pela lógica

da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos

espaços educativos num contexto de autoridade contratualizada.

p.134.

- Concluindo. p. 154

• Apontamentos sobre o caso português numa perspectiva comparada.

p.163

- O tipo de dados empíricos recolhidos e a sua articulação com o

processo de investigação. p. 163

- A História política e económica que amparou este estudo. p. 169

- Alguns dados sobre o lugar de Portugal nos processos de

alfabetização e escolarização ocidentais nos séculos XIX e XX.

p.173.

- Alguns dados sobre o crescimento económico em Portugal

durante os séculos XIX e XX, numa perspectiva comparada. p. 181.

- Alguns dados sobre o desenvolvimento das formas modernas de

legitimação política em Portugal, durante os séculos XIX e XX,

numa perspectiva comparada. p. 189.

-Alguns dados sobre o desenvolvimento do Estado - Providência

em Portugal durante o século XX. p. 202.

- Os ritmos e as formas de alfabetização e de escolarização em

Portugal durante os séculos XIX e XX. p.211.

- Conclusão: apontamentos sobre o caso português numa

perspectiva comparada - uma interpretação. p.239.

3

Page 5: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Bibliografia Geral

p.248

índice dos Quadros. p. 276

índice dos Gráficos. p. 281

4

Page 6: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

• Introdução: A génese e as origens dos Sistemas Educativos

contemporâneos

Este livro resulta de um esforço de exposição coerente sobre as formas como, durante

um espaço de tempo longo, se articulam três das entidades fundamentais da

Modernidade: o Estado nação contemporâneo, o novo tipo de mercado nascido do parto

industrialista e os S istemas Educativos actuais, um dos vários produtos oriundos da

necessidade de ambas as instâncias primeiramente nomeadas conferirem estabil idade à

nova ordem social em que se moviam e ainda movem.

Como um apêndice a esta reflexão, e trata-se de um apêndice relativamente longo,

acrescenta-se um estudo critico e sempre que possível comparativo, sobre a forma

como a sociedade portuguesa se foi dotando, sobretudo durante o século XX, dos

mecanismos de governo modernos, nestes se incluindo os Sistemas Educativos actuais ,

as formas de legitimação política baseadas na pluralidade partidária e no sufrágio

univer aI e as bases do que ainda chamamos de "E tado providência", tendo como pano

de fundo alguns dados sobre o desenvolvimento económico português dos séculos XIX

e XX.

Como muita da produção científica actual , este trabalho resulta de anos de leccionação

sobre este assunto, e baseia-se num relatório sobre a discipl ina de Politicas Educativas

com vista à obtenção da Agregação em Ciências da Educação na Universidade Nova de

Lisboa

o l ivro pode ser arrumado em quatro grandes questões que merecerão um tratamento

autónomo, tendo cada uma delas a seguinte designação: "Introdução: A génese e as

origens dos S istemas Educativos contemporâneos"; "Estabilização e crise dos modos de

regulação dos Sistemas Educativos Contemporâneos: do pós Segunda Guerra Mundial

ao princípio dos anos setenta do século XX, o modelo no seu auge, ou a fase criativa do

ciclo de Kondatriev"; "Estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas

Educativos Contemporâneos: dos anos setenta do século XX aos nossos dias, o modelo

em crise, ou a fase destrutiva do 4° Ciclo de Kondatriev"e "Apontamentos sobre o

caso português numa perspectiva comparada".

Comecemos então pela primeira destas questões.

O ponto de onde partimos conduz-nos a uma arrumação crítica da informação de

origem histórica, sociológica e política que em conjunto nos apresenta uma imagem

coerente sobre a maneira como se desenvolve e se estabiliza, durante os séculos XVlll,

5

Page 7: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

XIX e XX, o mundo educativo em que vivemos. Para tal , cremos que é fundamental

avançar por uma explicação que passe pela definição do termo "Sistema Educativo" e

dos conceitos utilizados na sua descrição, assim como a sua articulação com os

elementos fundamentais que marcam a História contemporânea da Humanidade.

Sistema Educativo

Começando pela definição do termo "Sistema Educativo" pensamos poder defini-lo, de

forma lata, como um dos processos fundamentais de socialização da Modernidade.

Trata-se de um processo inédito nas civil izações humanas devido à sua exten ão e

sistematização, resultando de um labor filosófico e teórico que remonta ao par

Renascimento - Reforma e que segue um longo caminho de estruturação social,

político, organizativo e pedagógico muito marcado pelo lluminismo, começando a

tomar formas reconhecíveis aos nossos olhos a partir da segunda metade do século

XVIII com a diversidade de leis régias que de Lisboa a Sampetersburgo começam a

"regular", articular e sistematizar a educação (Nóvoa, 1998).

Trata-se, como à frente veremos, de um sistema de socialização que se tornará

obrigatório e que utiliza a escrita como um utensílio, distinguindo-se ass im das vagas

de alfabetização, ou seja, da procura voluntária de leitura e escrita por parte de sectores

cada vez mais numerosos das populações ocidentais a partir do século XVI , à medida

em que, religião, desenvolvimento económico e político se conjugam no sentido da

ascensão da Europa e do Ocidente em direcção ao domínio do mundo.

Sociedades que se complexificam, como se dá com as sociedades europeias a partir

desta altura, realçam de forma premente a necessidade de uti lização de instrumentos

conceptuais sofisticados na sua governação, o caso da escrita e dos números, mas será,

por um lado, a necessidade de integração orgânica dos povos vista como necessária à

estabilidade política pelos Estados e pelas Igrejas, e, por outro, o desejo de mobilidade,

que partindo dos de baixo, parece abrir o caminho a outros horizontes de vida, que

acaba por tornar possível , de forma lenta no tempo, uma ideia de escola prolongada e

crescentemente universal que irá estar na base de um novo modelo de socialização que

se arrasta até aos nosso dias.

Assim, em finais do século XVII , de forma desigual conforme a penetração dos factores

de desenvolvimento antes citados, proliferam, na Europa e no mundo de influência

europeia, a par de formas não institucionalizadas de ensino, alguns dos formatos

educativos que conhecemos, tais como as Universidades, os Colégios e as Escolas de

Primeiras Letras. Trata-se, no entanto, de um mundo relativamente escasso embora em

6

Page 8: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

ascensão, com formas confusas, vagas e diversificadas de legitimação, com graus de

coordenação fracos, e isto quer nos refiramos à coordenação de tipo horizontal que se

preocupa com a homogeneidade de conteúdos e de regras dentro das mesmas classes de

idade, quer nos refiramos a uma coordenação de tipo vertical, que se preocupa com a

coerência na progressão dos conhecimentos.

De forma sintética, a noção de Sistema Educativo poderá ser compreendida como

resultando de um processo em que os vários subsistemas escolares existentes no século

XVIII, Colégios, Universidades e Escolas de Primeira Letras, institucionalizadas ou

não, passam de uma legitimação difusa em que predomina o elemento rel igioso, para

uma forma de ordenamento mais ou menos coordenado, em cuja base se encontrará o

Estado, mais tarde, o Estado-nação, a chamada "célula política" fundamental da

Modernidade. Deste ordenamento e centralização, mais acentuado em umas do que em

outras sociedades, resultará uma coordenação unificada de recursos e a capacidade de

disponibilização de meios que, em conjunto, homogeneízam métodos e conteúdos,

dando-se assim a emergência de estruturas curriculares mais ou menos coerentes,

dentro de um sistema de regras e de leis cuja fonte se unifica por obra dos Estados

Modernos.

Significa também esta mudança, que, progressivamente, do século XVII I em diante, a

educação transita de "um bem privado" do qual os indivíduos e as famílias podem fazer

o uso que querem, para um "bem público" condicionada pela noção de "bem comum",

ou seja, será em nome do desenvolvimento da "nação" que a educação passa da tutela

da Igreja, das Comunidades e dos privados, para a tutela do Estado, e essa é uma das

mudanças em que mais se reflectirá o carácter inovador desta forma de conceber a

educação.

Para que a expansão educativa se dê e alcance a profundidade suficiente para se tornar

um factor de mudança social irreversível, são necessárias leis que instituam a

obrigatoriedade de todas as crianças de uma determinada faixa etária a frequentarem tal

escola, independentemente do sexo, da região em que habitam, da etnia ou do estatuto

social de pertença, mas também serão necessárias grandes modificações sociais que

levem as sociedades a passar de uma relação com a escola em que esta é percepcionada

como um bem raro, escasso e val ioso, para uma rel ação em que esta aparece a todos

como um bem sem o qual não se conseguem imaginar.

A "escolarização das sociedades" é, pois, uma tarefa árdua, lenta e extremamente cara,

como se pode ver pela justaposição entre os mapas da escolarização e da

7

Page 9: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

industrial ização no mundo, e resulta de, e simultaneamente al imenta, uma profunda

mutação civil izacional que a torna alvo das mais variadas resistências dos grupos que

têm dificuldade em ver o seu futuro nas práticas que progressivamente são pressionados

a aceitar. A universalidade da frequência escolar resultará assim da capacidade de

exercer pressão e de gerar riqueza por parte dos Estados, assim como dos cálculos que

as familias fazem, entre o investimento com retorno imediato constituído pelo trabalho

infantil que de forma directa ali menta as receitas famil iares, e o investimento a prazo,

no que se veio a chamar de "capital humano", com resultados diferidos que só mais

tarde se tornarão visíveis . Assim, percebe-se que, para que a escolaridade se torne

efectiva, é necessária a u ltrapassagem das situações de economia de subsistência de

crescimento lento ou mesmo estagnado, assentes no que Robert Lucas Ir. chama de

"familias alargadas com baixo capital humano"( ln Nufíez, 2003 , 549) , para uma

situação em que a riqueza social gerada seja suficiente para tornar desnecessário o

trabalho infantil nos campos, pagar o novo sistema e assegurar que a mobil idade social

através da escola se torne numa possibilidade realista. Sem riqueza, pressão social e

política por parte das diversas el ites e capacidade de organização e gestão por parte da

sociedade política, não se consegue escolarizar um povo tornando-o em nação, mas sem

que este aquiesça, pouco poderá ser feito, pelo que nos encontramos perante um dos

contratos sociais mais importantes da Humanidade recente.

Consideramos este "contrato", que leva o mundo dos séculos XIX e XX a aderir a um

modelo curricular e organizacional mais ou menos igual para todos, algo de

extremamente singular na civi l ização humana e é esta singularidade que nos faz realçar

a proposta de considerar os Sistemas Educativos contemporâneos corno os processos de

Socialização Humana dominantes da Modernidade. Porque se trata de uma

singularidade difícil de discernir, de tão mergulhados na sua lógica que estamos,

cremos que o estudo dos Sistemas Educativos contemporâneos é, em parte, o estudo de

como nos construímos a nós mesmos nos últimos séculos, urna espécie de

"introspecção" de espécie, o que nos leva em linha recta à maneira como relacionamos

o termo "Socialização" com o termo "Educação".

Assim, associados ao termo "Sistema Educativo", ternos utilizado dois conceitos que

importa descrever, de maneira a que se entenda melhor a parte que desempenham nesta

definição, e que são os conceitos de "Socialização" e de "Modernidade".

8

Page 10: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Socialização e Sistema Educativo

O conceito de "social ização", é um conceito tão fundamental nas Ciências Sociais e

Humanas modernas, que, na opinião de Claude Dubar, se torna difíci l distinguir as

grandes teorizações sobre a socialização das grandes teorizações sobre as Ciências

Sociais em si (Dubar, 2002, 7). Socialização poderá ser definida, de forma abrangente,

corno sendo a junção dos " . . . social processes through which chi ldren develop an

awereness of social norms and values , and achieve a distinct sense of self. . . . (Giddens,

1997, 585). Descrito desta maneira vasta, o conceito de socialização refere-se a um

processo de "humanização" decorrente da acção cultural e institucional do ser humano,

mas também a um processo de interacção no decorrer do qual se vai construindo o que

hoje chamamos de "self', ou a noção que ternos de nós próprios, urna das componentes

fundamentais das Identidades Modernas. Assim, não será errado atribuir a paternidade

da noção contemporânea de socialização quer à Sociologia, quer à Antropologia, quer à

Psicologia, e dentro desta, à Psicanál ise em particular.

Na verdade todo o edifício da Psicanál ise, tal corno foi sendo construído durante a vida

de Freud, assenta no pressuposto de que o sistema de relações que o ser humano

constrói enquanto vive e que lhe permite urna regulação da sua vida, assenta

essencialmente na maneira corno se desenvolve a relação entre a criança e as figuras,

que, desde que nasce, lhe servem de referência, ou, seja, as figuras adultas que lhe estão

próximas, e de forma especial, a figura materna (Freud, 196 1, 1975). Este tipo de

relação que Freud postula corno primordial para o desenvolvimento afectivo do ser

humano, veio a ser mais tarde, na segunda metade do século XX, aprofundado com

particular atenção por psicanalistas corno René Spitz, John Bowlby ( 1976), Harry

Harlow ( 1976) ou Mary Ainsworth ( 1976) e por etologistas corno Konrad Lorenz

( 1975) que, estudando crianças abandonadas ou hospitalizada , no caso dos primeiros, e

situações de carência de estímulos à nascença, no caso dos segundos, conseguem

mostrar corno este tipo de relação de vinculação é fundamental não só para a

construção das regras básicas de vida dos indivíduos, corno para o seu desenvolvimento

cognitivo, afectivo e físico, constituindo assim a ba e da "socialização primária

endógena" . É através deste tipo de relação de vinculação ou de "imprinting", que

etologistas corno Konrad Lorenz mostram ser capital na inserção do indiv íduo na sua

própria espécie, que se constituirá um sistema de "aculturação" ainda que processado a

nível inconsciente, ou no caso dos animais, "instintivo", que terá lugar a partir do

9

Page 11: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

próprio acto de nascimento e que só mudará qualitativamente a partir da altura em que,

a partir de interacções complexas, as estruturas fundamentais da personalidade se

sedimentem, levando à autonomia relativa que permite a sobrevivência.

Portanto, quando falamos de "socialização primária endógena" referimo-nos a um

sistema de aculturação de espécie, básico, mas sem o qual nada mais funcionará, como

os inúmeros estudos sobre crianças abandonadas precocemente, ou animais privados da

estimulação sensorial normal da sua espécie nos mostram.

Admite-se, e sem ser necessário recorrer à Psicanál ise ou à Etologia, que as primeiras

etapas da socialização infantil se desenrolam num contexto de "fanúlia próxima" e

podem ser designados como "primários e endógenos", mas à medida que se vai dando

o seu desenvolvimento físico e cognitivo se vão multiplicando as interacções com um

meio mais vasto e diversificado e a própria complexidade crescente das sociedades

contemporâneas parece, progressivamente desde pelo menos o século xvm, exigir a

todos o que antes se exigia apenas às elites, ou sej a, formas de socialização

progressivamente institucionalizadas e cognitivamente muito complexas, as quais, em

conjunto, resvalam para o que poderemos designar de um processo de "socialização

exógeno e secundário".

Desta forma, o que parece fundamental na relação que estabelecemos entre o conceito

de socialização e o termo "Sistema Educativo", é o facto de, pelo menos desde o século

XVI para alguns, e a partir do século XX para quase todos , as crianças se tornarem

adultas num contexto delimitado pela escola, o que, para um historiador como Philippe

Aries, se torna numa das marcas que definem o moderno conceito de "infância" .

Por outras palavras, admite-se que as mudanças tecnológicas, políticas, sociais e

económicas que têm lugar de forma acelerada desde o século XVI, e que a partir de

meados do século xvm i ntensificam a ruptura com as formas de vida anteriores, fazem

com que, para que os indivíduos se adaptem e respondam ao que deles a sociedade

exige, se assista a mudanças, a principio lentas, mas muito rápidas a partir de finais do

século X IX, nas formas de socialização predominantes do ser humano, que sendo antes

assentes em processo de socialização familiares, profissionais e comunitários com

poucas rupturas entre SI, passa a ser tendencialmente completada por um tipo de

social ização a que chamamos de " socialização secundária exógena". O antropólogo

Ernest Gel lner retrata esta mudança da seguinte forma: " . . . Houve um tempo em que a

educação era uma industria doméstica, quando os homens podiam ser feitos por uma

aldeia ou por um clã. Esse tempo foi-se para sempre ( . . . ). A exosocialização, produção

10

Page 12: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

e reprodução dos homens fora da unidade familiar local, constitui agora a norma e

assim tem de ser. O imperativo da exosocial ização é a principal pista para perceber por

que é que o Estado e a cultura têm agora de estar relacionados, enquanto no passado a

l igação era fraca, acidental . . . " (Gellner, 1993, 64).

Ao escrever sobre educação, no principio do século XX, Durkheim definia-a em geral

como tratando-se de uma forma de "socialização metódica" das gerações mais jovens e

estendia a sua definição da seguinte maneira: " . . . réducation c'est l ' action exercée par

les générations adultes sur celles qui ne sont pas encore mures pour la vie sociale. Elle a

pour objet de susciter et de développer chez l ' enfant un certain nombre d'états

physiques, intellectuels et moraux que réclament de lui et la société politique dans son

ensemble, et le milieu spécial auquel iI est particulierement destiné . . . " (Durkheim,

1980, 5 1).

E o que parece ter dado origem ao que hoje chamamos de "Sistemas Educativos" é o

facto de que a "sociedade política no seu todo" e "o meio especifico ao qual o jovem se

destina", terem mudado de natureza no decurso do tempo e passarem a exigir do jovem

um determinado tipo de qualidades que não eram possíveis de ser obtidas através de

outros processos de socialização que não a escola que hoje conhecemos.

Neste sentido, admitimos que do século XVI em diante, se nota a emergência e

generalização de uma forma diferente de "construção de seres humanos", que faz

resvalar da famíl ia, da Igreja e da Comunidade para a escola do Estado, a função de

"metodicamente socializar" as jovens gerações.

Mais uma vez Ernest Gel lner coloca a questão de uma forma muito clara: " . . . O método

de reprodução centralizado é aquele em que urna agência educativa ou de formação,

que difere da comunidade local , complementa significativamente (ou em alguns casos

extremos substitui por completo) o método dessa comunidade, responsabi lizando-se

pela preparação dos jovens em causa e entregando-os por fim à sociedade mais vasta

para que desempenhem aí as uas funções um vez terminado o processo de treino . . . "

(Gellner, 1993, 52).

Na transição de um para o outro sistema de socialização há que ter em conta algumas

questões .

A primeira, corno a citação que fizemos das palavras de Ernest Gellner indica, é a de

que não tem sentido dizer que a "socialização secundária exógena" substituiu o que

chamámos de "socialização primária endógena". Corno é óbvio, e apesar de serem

"experiências qualitativamente diferentes" elas articulam-se e frequentemente

1 1

Page 13: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

sobrepõem-se, como nos mostra uma parte da Sociologia da Educação da segunda

metade do século XX, em particular as obras de Basil Bernstein e de Pierre Bourdieu,

que sublinham a maneira como formas diferentes de socialização primária têm

incidências por vezes dramáticas na maneira como a escolarização decorre, o que

parece significar que, desde muito cedo na vida do ser humano, é impossível separar

cultura, desenvolvimento e "natureza"".

A segunda questão que gostaríamos de sublinhar é que um sistema de socialização só

pode ser devidamente chamado desta forma quando é aplicado massivamente a uma

dada população. Assim, a razão porque ao falarmos de "social ização primária" a

definirmos como uma "socialização de espécie" é porque só excepcionalmente

indivíduos de determinada espécie não lhe são sujeitos. Assim, se definirmos a

"Educação Moderna", ou melhor ainda, os Sistemas Educativos, como "os sistemas de

socialização da modernidade", é porque durante "a Modernidade", todos, ou pelo

meno , tendencialmente todos os seres humanos foram, estão em vias de ser ou aspiram

a ser socializados através de uma escola articulada em rede com outras unidades

educativas e coordenada centralmente por uma instância legitimadora a que chamamos

Estado. O facto de esse "sistema" ter vindo a ser definido, quer a nível organizacional

quer a nível dos conteúdos que transmite, mais ou mesmo da mesma maneira um pouco

por todo o mundo, contribui assim, para reforçar a sua faceta de mecanismo de

"socialização de espécie", como antes tínhamos referido.

A terceira questão que nos interessa perceber é por que razões se deu esta transição, ou

seja, o que fez com que a partir de meados do século XIX, no Ocidente, e a partir do

século XX, pelo mundo, se tornasse impossível conceber a educação das crianças sem o

recurso à escola, uma instituição definida no seu modelo actual desde o século XVI,

mas que era até aí reservado a muito poucos dos meninos a ainda menos das meninas

que viviam na Europa e Américas de cultura europeia. Como antes dissemos, a questão

poderá ser melhor compreendida através do conceito de Modernidade.

12

Page 14: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Modernidade e Educacão I: a Nova Economia

De uma forma abrangente, Anthony Giddens define o termo "Modernidade" como

tratando-se dos " . . . modos de vida e de organização social que emergi ram na Europa

cerca do século XVII e que adquiriram subsequentemente uma influência mais ou

menos universal . . . "(Giddens, 1995, 1), ou seja, uma definição minimalista, mas que

cobre o essencial da vida politica, social, económica e cultural dos últimos quatro

séculos da Humanidade. Na continuação desta definição, Giddens refere-nos três

questões que nos parecem capitais para o entendimento que temos deste termo: rupturas

qualitativas e quantitativas nos factores de desenvolvimento face ao passado, alcance da

mudança, num processo de mundialização que precede o actual e a emergência durante

este processo, de instituições políticas, formas de economia, relações sociais e de

construção identi tária, totalmente novas por comparação com o passado.

Na verdade, a palavra "de continuidade" parece definir melhor do que qualquer outra

este momento da história humana e, segundo este autor, ela é particularmente visível em

três tópicos principais: no aumento exponencial do ritmo das mudanças, que, sendo

" . . . mais evidente na tecnologia, abrange todavia todas as outras esferas . . . " (Idem, 5);

no alcance da mudança, em que" . . . à medida que diferentes regiões do globo são postas

em interligação umas com as outras, vagas de transformação social varrem virtualmente

a totalidade da superfície da Terra . . . " (Ibidem); e, finalmente, a natureza das

instituições modernas: " . . . Algumas formas sociais modernas não se encontram, pura e

simplesmente, nos períodos históricos anteriores - tais como o sistema político do

Estado - nação, a dependência generalizada da produção do recurso a fontes de energia

inanimadas ou a completa transformação dos produtos e do trabalho a salariado em

mercadoria . . . " (Ibidem).

Giddens realça, desta forma, como marcas essenciais do conceito de "Modernidade", as

descontinuidades que uma "aceleração do tempo" irão provocar nos modos de vida dos

seres humanos por comparação com a relativa estabilidade dos tempos anteriores; a

extensão geográfica das mudanças que se dão em tal período de tempo e que irão criar

uma ideia nova de mundo mais integrado e interligado do que antes ; e também o

surgimento de formas de organização social e políticas inteiramente novas em relação

ao passado, com destaque para a noção de Estado - nação, tudo isto tendo como

contexto de fundo a irrupção no Ocidente, a partir dos finai do século XVII , dos

1 3

Page 15: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

processos de urbanização, de industrialização, de democratização e da estabilização de

uma concepção empírico - analítica do conhecimento.

Ao relacionar o termo "aceleração" com o termo "Revolução Industrial", o economista

Robert Lucas Jr. propõe-nos o seguinte gráfico baseado numa estimativa sobre as

relações entre variáveis demográficas e económicas, do ano 1000 d. C. ao ano de 1995

da mesma era, que, devendo ser lida com algum cuidado, como o próprio autor

sublinha, nos deixa uma imagem bastante interessante do que Giddens e outros autores

chamam de "Modernidade" .

10000

9000 8000 7000

6000 5000 4000

3000 2000

1000

O

Gráfico 1 - Estimativa da relação entre a população humana (em milhões) e a produção económica (média simplificada de PIB per

eapita de todas regiões do mundo, em US $ 1985) entre 1000 d.e. e 1995

,

I I

I •

I I II

" /1 f'

... �" �População

------ Produção 1000 1200 1400 1600 1800 199:>

Fonte: adaptado de Lucas Jr., 2002, 113, e 175-188

Várias coisas nos parecem interessantes de sublinhar neste gráfico e a primeira é que,

quando analisamos durante espaços de tempo longos a evolução de variáveis sociais;

económicas, demográficas ou de qualquer outro tipo susceptíveis de serem

quantificadas, este é o desenho típico de um gráfico da "Modernidade". Quer nos

refiramos às variáveis expostas no gráfico 1, ou a qualquer outro tipo de indicadores,

como por exemplo a alteração da idade de vida média do ser humano, do números de

filhos por casal, de taxas de mortalidade infantil, do número de alfabetizados, de

relações entre populações rurais e populações urbanas, de empregos na agricultura ou

14

Page 16: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

nas indústrias , da percentagem que a carne ocupava nas refeições das pessoas, entre

muitas outras variáveis, encontraremos sempre quadros deste tipo, que mostram que,

entre meados do século XVII e meados do século XX, as mudanças que ocorreram no

Mundo foram extraordinárias.

Mas se fixarmos o olhar apenas nestas l inhas e na maneira brusca como inflectem,

poderemos ser atraiçoados pelo que de "quantitativo" este gráfico tem. Assim, uma

outra leitura sugere-nos que algo de profundamente "qualitativo" mudou de meados do

século XVI a meados do século X IX, com continuidade até aos nossos dias, e

percebemos que a "qualidade" do trabalho das pessoas foi uma de tais coisas. Na

verdade, de acordo com as estimativas possíveis, (Lucas Jr . , 2002), e como aparece de

forma clara no gráfico 1, a razão entre a população e a sua capacidade de produção

mantém-se mais ou menos inalterável durante vários séculos o que se reflecte numa

constante entre o crescimento da população e o crescimento da produção económica. A

partir de meados do século X IX esta constante desaparece e as capacidades de produção

dos seres humanos aumentam exponencialmente. Quais são a causa de tais mudanças?

São muitas como sabemos, e se a aplicação de máquinas que se alimentam de " fontes

de energia inanimadas" à produção industrial podem explicar uma parte do rompimento

desta secular constância entre crescimento demográfico e crescimento da "produção",

seria preciso muita credulidade para aceitar que uma ruptura com tais dimensões se

apoiava apenas em e lementos "tecnológicos" sem que houvesse mudanças a nível da

formação dos indivíduos que se moviam nesse novo ambiente de trabalho.

Desconfiando de explicações baseadas em relações de causa - efeito simples,

poderíamos dizer que as pessoas e as maneiras como são formadas, mudam para se

adaptar a novas tecnologias que transforma o mundo, mas porque as pessoas mudam, as

tecnologias e o seu impacto social , cultural e económico, também mudam o mundo em

que existem.

Assim, tudo indica que, em sociedades como as que emergem do parto industrial ista do

século xvm e XIX, que autores como Ernest Gellner apelidam de "sociedades

baseadas na ideia de crescimento económico perpétuo" e que assentam em ritmos de

inovação exponenciais e graus de mobilidade laboral e social acrescidas face ao

passado, parece aumentar a necessidade de um tipo de socialização prolongada mais

genérica e comum a todos , que pode ou não preceder uma formação mais específica. Tal

socialização parece assentar por um lado, na aprendizagem e imposição das regras de

funcionamento social que constituem o caldo da nova cultura e por outro, na

15

Page 17: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

massificação de categorias cognitivas complexas até aí treinadas sobretudo nas

instituições de ensino destinadas às el ites. A nova escola, que progressivamente se

destina a todos, parece, por um lado, resultar de necessidades económicas, sociais e

políticas antes sugeridas, e por outro, potenciar tais necessidades suportando uma

espiral de crescimento económico que visualizámos no gráfico anterior, e que

intitulámos de "gráfico da Modernidade".

O objectivo a partir de meados do século XIX é o de educar todos numa instituição

exterior à familia e à Igreja criada para o efeito, o que, em si , é inédito nas sociedades

humanas, mas o que se quer ensinar e a maneira como se pretende fazê-lo é também

uma novidade profunda. Ao definir a escola contemporânea, Jerome Bruner, sublinha a

ruptura que ela simboliza face às formas de aprendizagem e educação pré-modernas :

" ... 0 que é importante na escola contemporânea, é que esta se encontra apartada do

contexto imediato da acção socialmente relevante. Esta autêntica ruptura converte a

aprendizagem num acto em si mesmo e possibil i ta a sua inserção num contexto de

l inguagem e actividade simbólica. As palavras e não a acção, são os suportes

fundamentais para a formação de conceitos . . . "(Brunner, citado por Scribner e Cole,

1982, 12 ).

Os sistemas educativos que nascem na Modernidade parecem, aSSIm, constituir uma

proposta de socialização adaptada à extraordinária componente de inovação produtiva

de sociedades em que, na opinião excessivamente optimista de Gellner, " ... 0 trabalho já

não representa a manipulação dos objectos, mas dos significados . . . " (Gellner, 1993,56),

e que assentam numa ideia de crescimento constante que " . . . depende do

desenvolvimento cognitivo . . . " (Idem, 119). Desta forma, o que parece expl icar o

desaparecimento da constante fixa entre crescimento populacional e crescimento

produtivo, não são apenas as alterações tecnológicas que se dão nas sociedades

ocidentais, num período de tempo extraordinariamente "comprimido", mas também as

alterações na socialização humana que, de forma mais ou menos intencional resultam na

construção de pessoas que do ponto de vista comportamental , social e cognitivo se

encaixam no que as novas formas de vida e de trabalho características das sociedades

industrializadas delas exigem (Luria, 1976; Scribner e Cole, M . , 1981,1982). A

tecnologia e o impacto que ela tem na sociedade exige pessoas novas e estas novas

pessoas potenciam os resultados económicos de tal tecnologia, num processo de

interacção que parece explicar as inflexões súbitas que se dão no crescimento das

16

Page 18: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

variáveis económicas sociais e demográficas quantificáveis a partir de meados do século

XIX, de que os valores patentes no gráfico antes referido são um exemplo.

Aqui chegados, importa introduzir dois reparos: o primeiro deles tem a ver com o tipo

de mudanças que num espaço de tempo relativamente curto, de dois a três séculos, se

dão nas formas de socialização primordiais dos seres humanos, que pressupõem

transformações políticas absolutas, uma vez que é impossível imaginar que tais

mudanças se processam de forma espontânea; a segunda questão destina-se a corrigir

uma perspectiva que pode ter sido enfatizada nos parágrafos anteriores , e que seria a de

que os aspectos "tecnológicos" e "económicos" que se associam usualmente ao termo

"Revolução Industrial" explicariam por si só as mudanças nos processos de socialização

humanos.

Na verdade, o conceito de "Modernidade", cuja discussão se arrasta de forma cada vez

mais tensa, ultrapassa em larga escala o de "Revolução Industrial", e aparece-no muito

marcado por um processo de interacção dinâmica entre aspectos culturais, políticos e

económicos, pelo que não tem sentido para nós que algo de tão profundo no ethos de

uma espécie sofisticada como o processo de socialização humano, sofra transformações

radicais por acção de apenas um elemento, por mais importante que ele se venha a

revelar.

Nesta altura, parece-nos importante relacionar as mudanças que VImos referindo no

capítulo económico e educativo com as mudanças institucionais referidas antes por

Anthony Giddens, realçando o papel que a instituição chave da Modernidade, o Estado -

nação, tem em todo este processo de mudanças qualitativas e quantitativas dos últimos

três séculos.

Modernidade e Educação II: o Estado - nação

A ideia de "Estado - nação" como uma junção de dois termos que, referindo-se ao

mesmo processo, designavam realidades diferentes tem, nas últimas décadas, sido

arduamente discutido, numa premonição de que se trata de uma unidade política sobre a

qual, o mínimo que se pode dizer, é que se encontra, senão em crise, pelo menos em

redefinição.

O primeiro de tais termos é alvo de uma curiosa e sagaz definição de origem weberiana,

que, simplificando, o define como a entidade monopolizadora da violência legítima

numa sociedade por ele circunscrita. Reflectindo sobre as sociedades feudais em que

havia formas de violência legítima não monopolizadas pela Coroa, o já familiar Ernest

Gellner, define Estado como " . . . aquela inslituição ou conjunto de instituições

17

Page 19: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

especialmente consagradas à manutenção da ordem, quaisquer que ejam as suas outras

funções . . . " (Gellner, 1993, 15).

Mas pensamos que vale a pena aprofundar um pouco mais estas definições, sobretudo

quando entramos num campo tão investido pelas Ciências Políticas nas últimas décadas.

J. P. Nettl define os parâmetros que possibilitam o entendimento da ideia de "Estado"

como o resultado de um caminho cultural e político percorrido por colectividades que

identificam um conjunto de funções e de estruturas que consideram essenciais para a

vida em grupo e que as organizam de forma a tornar a sua replicação generalizável .

Trata-se, também, de grupos que se vêm a si próprios como distintos dos "outros",

entrosando-se de maneira a conseguirem, com algum sucesso, constituir uma unidade

face ao que consideram "exterior", assumindo que a forma de organização e

racionalização da vida do grupo pode dar lugar a uma estrutura que goza de alguma

autonomia face à colectividade.

É assim a emergência da ideia de soberania e da sua sedimentação através da construção

dos processos administrativos e de aplicação das leis que dão corpo a tal soberania,

juntamente com o processo de construção e de "institucional ização" de um organismo

autónomo face à colectividade de onde "emana", que definem a ideia e a prática de um

Estado como organismo simultaneamente dotado de um poder simbólico e de um poder

real que lhe permite a coordenação e implementação das acções que circunscrevem a

vida de uma comunidade (Nettl , 1999, 9-36).

Estas são as funções minimas a partir das quais se pode falar de "Estado", ou seja trata­

se do cerne da noção de "Estado", o que indica que se trata de uma realidade

reconhecível num período de tempo histórico alargado, e que portanto pode ter tido,

como efectivamente teve e tem, origens, formas de legitimação, funções e dimensões

adequadas a épocas e contextos diferenciados.

Quanto ao conceito de nação, ele é mais vasto, mas uma primeira definição fornecida

por Anthony Smith pode-nos dar uma imagem estabil izadora do conceito: " . . . uma

nação pode ( . . . ) ser definida como uma determinada população humana que partilha um

território histórico, mitos, memórias comuns, uma cultura pública de massas, uma

economia comum e direitos e deveres legais comuns a todos os seus

membros . . . "(Smith, 1997, 28). No entanto, como próprio autor sublinha, esta é uma

descrição ideal e muito "nacionalizada", visto que existem grupos que se definem

sobretudo em termos étnicos, um termo al iás extremamente ambíguo, ou outros que

tendo perdido as suas referências territoriais e económicas comuns baseiam a sua ideia

18

Page 20: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

de identidade em histórias, mitos e por vezes l ínguas comuns, aproximando-se do que

muitos antropólogos apelidam de "nações de diáspora".

Como todos os historiadores, cientistas políticos e antropólogos reconhecem, são, até

aos séculos XVII I e XIX, sobretudo nas sociedades com que os europeus deparam no

processo de expansão, numerosas as nações sem Estado, ou seja, grupos étnico dotados

de organizações flexíveis a que dificilmente se pode chamar de Estado, mas a partir

desta altura a tendência é a de que, nas palavras de Eric Hobsbawm, deixem de existir

nações que não sejam "cobertas por Estados" (Hobsbawm, 1990). Assim, assistimos na

Europa e no mundo, até aos princípios do século XX, a uma enorme variedade de

configurações e de articulações entre nações e Estados, desde a pulverização de nações

por vários Estados, até à coexistência entre nações distintas, "numa articulação

vertical", no contexto de Estados plurinacionais, cuja coesão é assegurada por

complexas relações de poder entre farrulias dinásticas. Desta forma, acabará por ser

relativamente raro até meados do século X IX a existência de situações de coincidência

total entre as origem étnicas, rel igiosas e l inguísticas das estruturas burocráticas e de

poder dos Estados e a dos povos por eles tutelados.

O processo de "nacionalização" ou seja, a tentativa de construção de Estados - nação

homogéneos, tem o seu começo na transição do século XVIII para o século XIX, em

que o sentido da palavra "l iberdade" herdada da Revolução Francesa, mais do que da

Revolução Americana, significaria, em conjunto com a mudança das formas de

legitimação do poder, a possibi l idade de os "povos" se tornarem livres da tutela de

famíl ias e de dinastias associadas a etnias "estrangeiras". Esta "libertação nacionalista",

que é brilhantemente sintetizada de novo por Ernest Gellner ao afirmar que nas suas

bases constitutivas se encontravam, por um lado, a vontade e os sentimentos de pertença

e de lealdade, e por outro, o medo a coerção e o constrangimento, insere-se num longo

processo que teve um pico dramático entre 1939 e 1945 e que se arrasta até aos nossos

dias com a decadência e queda dos grandes impérios Europeus, o Turco, e mais

recentemente, o Soviético. Quando deixaram de conseguir segregar uma "argamassa

unificadora, dinástica, rel igiosa ou ideológica", estes impérios viram o nacionalismo

emergir como uma força, que, consoante a perspectiva de onde a observamos,

poderemos c lassificar como centrífuga e destrutiva, ou centrípeta e unificadora, e cujo

resultado é a proliferação de "Estados - nação" etnicamente mais "puros".

Assim, podemos afirmar, sem grande receio de errar, que o nacionalismo, juntamente

com o liberalismo e com o marxismo, é uma das grandes forças e correntes de acção

19

Page 21: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

política da Modernidade e, entre muitos outros exemplos, quer a situação das

sociedades africanas, onde a coabitação de uma enorme diversidades de grupos étnicos

no contexto do mesmo Estado continua a ser extremamente tensa e por vezes violenta,

quer a tenaz resistência às tentativas de construção de sociedades cosmopolitas pós -

nacionais, de que a União Europeia poderá vir a ser um exemplo, mostram-nos que o

"nacionalismo" não é um vestígio do passado, e que a tentação da "eternização do

Estado e da nação" persiste nos nossos dias, de forma aguda nuns casos, larvar nos

outros.

Mas a construção do Estado - nação ultrapassa em muito a tentativa de expulsão ou

erradicação dos que são "diferentes" e , ou, falam outras l ínguas e têm outras religiões, e

que, no cl ima nacionalista dos séculos X IX e XX, são definidos, ou auto definem-se

como "estrangeiros". De facto, o tornar todos iguais, inclui aqueles que poderíamos

dizer à partida que já são muito "parecidos", mas sobretudo, o Estado - nação vai sendo

construído através de mudanças profundas nas formas de legitimação do poder, assim

como da evolução dos processos de interligação e de integração de territórios, gentes e

culturas que a centralização administrativa das casas reais europeias tinha lançado a

partir de finais do século XVII .

De uma forma mais clássica, e resumindo o essencial do que muitos dos autores actuais

têm dito sobre o assunto, Ernesto Castro Leal , ao i lustrar a passagem da noção de

Estado Absoluto para o de Estado - nação moderno, refere " . . . u ma mudança

fundamental no principio da legitimidade política que passou ( . . . ) do fundamento da

soberania dinástica, da ordenação divina, do direito histórico ou da coesão rel igiosa,

para um fundamento de soberania popular electiva, laicismo, sistema de separação dos

poderes, patriotismo . . . " (Leal , 1 999, 2 1 ) .

Assim, a ideia de legitimação popular acompanhada pela ideia de construção d e uma

entidade política separada da Igrej a constitui a chave fundamental para entender a

Modernidade do ponto de vista político, estando na origem do "Estado de Direito",

progressivamente transformado em "Democracia Parlamentar", a forma de governo que

se veio a revelar hegemónica nos finais do século XX, senão nas práticas efectivas, ao

menos a nível das representações relativas à forma ideal de gestão política.

Historicamente, tal caminho foi muito pouco l inear, tendo sofrido a concorrência de

outras maneiras de encarar a relação entre povo e Estado, mas o facto é que raros terão

sido os regimes e os governos na Europa e no Ocidente, que, sobretudo durante o século

20

Page 22: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

XX, tenham dispensado "a consulta ao povo" como forma de legitimarem o seu próprio

poder.

O que seria extremamente bizarro no século XVII ou mesmo na maioria das sociedades

europeias e ocidentais no século XVIII , começou a fazer o seu caminho das formas mais

lentas e tortuosas durante o século XIX e foi quase sempre utilizado como forma de

legitimação política durante o século XX, mesmo pelos governos e regImes que se

opunham a elas, e estamos, claro está, a referirmo-nos a eleições.

Mencionar eleições é, pois, referir uma linha de tempo que se estende por um longo e

acidentado pro ces o que, na fel iz expressão de Eric Hobsbawm, terá como tendência a

transformação de "súbditos" em "cidadãos" (Hosbsbawm, 1 990) e que passará pelo

reconhecimento de Direitos Civis relacionados com a propriedade e o mercado, de

Direitos Sociais relacionados com a l iberdade religiosa, de discurso, de reunião e de

associação e pela outorga ou conquista de Direitos Políticos que contemplarão, na sua

fase última, o Sufrágio Universal apenas condicionado pela idade (Rose, 2000a) . Trata­

se de um processo que leva tempo a afirmar-se, que está na origem de numerosos

confl itos sociais e políticos, mas que se tornou, pelo menos no que diz respeito às

sociedades ocidentais ou às que as escolheram como matriz de desenvolvimento, num

ponto de chegada, numa espécie de "júbilo" da Modernidade.

Passou este processo por várias etapas até ao Sufrágio Universal , desde o

reconhecimento do voto mascul ino condicionado pela riqueza ou pela instrução ou por

ambas, que perdurou em muitos países a partir do primeiro terço do século X IX,

passando de seguida pelo voto masculino universal , pelo voto mascu lino universal

associado ao voto feminino condicionado pela idade ou pela posição patrimonial da

mulher, pelo voto masculino e feminino condicionados pela instrução, pela riqueza ou

por condicionantes políticos, chegando-se finalmente ao Sufrágio Universal ,

condicionado apenas pela idade. No que a esta última diz respeito, a "maioridade" a

partir da qual se foi concedendo o voto, também foi evoluindo durante o século XX, dos

vinte e um anos para os dezoito, insinuando-se agora os dezasseis anos como suficientes

para a maioridade política do e leitor (Bertolini , 2000).

A modificação profunda das formas de legitimação modernas que acompanham o

caminho da Modernidade, tem lugar numa altura de progressiva transição da ideia de

"Reino" para a ideia de "Nação", que implica segundo Leal , a construção de uma nova

configuração de "espaços" a qual reflectirá e será reflexo desta transição. Tal

configuração será composta peja articulação numa base territorial bem de finida, do que

2 1

Page 23: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

o autor designa de "novos espaços estruturantes" e que serão sobretudo os seguintes:

" . . . espaço económico (mercado nacional) ; espaço social (sociedade burguesa) ; espaço

político (unidade do poder, unidade administrativa, secularização) e espaço cultural­

mental (identidade nacional com símbolos unificadores: hino, bandeira ou panteão)

. . . "(Leal, 1 999, 2 1 ) .

Assim, a ideia de Estado - nação moderno, pressupõe não só profundas mudanças a

nível das funções tradicionais do Estado e das suas formas de legitimação, mas

sobretudo enceta um movimento de construção de uma totalidade nova, que tenta levar

ao l imite as formas de integração e de potencialização das populações e dos territórios

delimitados pelo Estado. A potenciação da economia que as novas tecnologias

permitiam eram ampliadas por conceitos políticos inovadores e mudanças nas formas de

administração e enquadramento das pessoas, tornando as formas de legitimação do

poder progressivamente mais alargadas a todos, dessacralizadas e laicizadas, definindo

aquilo que se constituía como a noção de cidadania moderna, porque potencialmente

universal, baseada no voto cada vez mais l ivre e alargado.

Mudanças desta magnitude não podem ser feitas sem o amparo de uma base cultural que

legitime a ideia de soberania parti lhada e este desenho cultural , existindo de forma

potencial na filosofia europeia dos séculos XVI em diante, só bem mais tarde virá a

dispor do suporte de formas de economia que permitiram gerar riqueza numa escala sem

precedentes, tornando possível a construção das instituições que suportaram estas

mudanças . Se à economia já nos referimos, o mesmo acontece a uma das instituições

fundadoras deste Estado - nação, e referimo-nos à escola, articulada em Sistema

Educativo, da maneira antes descrita, neste texto.

Por um lado, seria impensável a ideia de Estado Moderno sem a existência de uma

instituição socializadora como os modernos S istemas Educativos, por outro seria

impensável a existência dos Sistemas Educativos contemporâneos sem a existência do

Estado - nação da Modernidade, num processo de interacções múltiplas e difíceis, que

levaram o seu tempo a estabilizar-se nas articulações que conhecemos.

A melhor ideia do que representou a relação entre Estado e educação a partir de

meados do século XIX pode ser dada por uma citação extraída de um belo l ivro de Ben

Eklof, que tem como objecto o estudo das escolas camponesas da Rússia no século XIX

e princípios do século XX. Em determinado passo, o autor transcreve as palavras

escritas em 1 4 de Abri l de 1 800 no l ivro de actas da Comissão para o Estabelecimento

de Escolas, comissão essa que tinha sido instituída pelo Czar Alexandre I na esteira das

22

Page 24: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

reformas educativas que a partir de meados do século XVII I tinham varrido a Europa,

de Lisboa a São Petersburgo:

" . . . AlI schools are in complete uniformity: no matter what school the child may enter,

he wil l read the sarne textbooks, the teacher wil l employ the sarne methods of

instruction and fol low the sarne schedule . . . since in the most distant corners of the

Empire learning is organized in the sarne manner and according to the ame timetable

as it is in the capital itself . . . " (ln Eklof, 1 990, 37)

Apesar de estas palavras mais não reflectirem do que um desejo que na época era

totalmente desencontrado da realidade, elas desenham bem o ideal de escola que

progressivamente durante os séculos XIX e XX, um pouco por todo o mundo, irá sendo

construído, ou em grande parte dos casos, apenas ideal izado: uma escola igual para

todos, independentemente do contexto social , geográfico, l inguístico ou étnico, tendo

como base um modelo de nação e de cidadão idealizado e construído nos gabinetes do

poder.

Como se escreveu, a realidade foi , durante muito tempo, diferente da transcrição

anterior e estaria bem mais perto do relatório que o administrador da localidade de

Berdiansk apresentou em 1 860, referindo-se à forma como viviam as escolas da sua

região:

" . . . There is no set program, there are no textbooks, and the pupil s have to make do

with whatever comes their way. There is no set time to begin 01' to finish learning how

to read, there is absolutely no supervision over the schools ; discipline is applied by the

teachers as each sees fit, and in many schools is very severe . . . " (Idem, 39).

Mas, se esta era a realidade da Rússia de meados do século XIX, como a seria em

muitas sociedades de todo o mundo, cem anos depois tudo seria diferente, quer na

Rússia, quer em Portugal , quer na maioria das sociedades ocidentais ou oc idental izadas .

A distância que vai entre as duas citações que usámos e as alturas em que estimamos

que os processos escolares estavam bem assentes, ou seja, no final da primeira metade

do século XX, mostra de facto o arco de tempo necessário para tornar a prática

compatível com o modelo, no caso russo ou no português bem mais de um século, mas

também dá uma medida da persistência em torno deste modelo de socialização que é

inces antemente perseguido durante todo este tempo, como ainda hoje acontece em

grande parte do mundo onde ainda não foi possível colocá-lo em prática.

Porquê? A resposta parece simples: a difusão de uma narrativa única, de uma história

pátria para todos, n uma mesma l íng ua, o ensino de uma geografia em que o "pais"

23

Page 25: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

ganha urna forma colorida, com rios, montanhas e cidades delimitada por fronteiras que,

por um lado, dão urna forma real a um sentimento "abstracto" e que, por outro, definem

o "nós" e os "outros" através de urna l inha que nos separa, tudo isto suportado por

métodos pedagógicos ensaiados pelos Jesuítas, parece um instrumento muito poderoso

nas mão dos "construtores de nações" do século XIX e XX, e irá mostrar-se urna

obsessão dos Estados Modernos, dos mais ricos aos mais pobres, que não se concebem

sem um exército e sem urna escola. Nesta se construirá a base cultural fundadora, ou

pelo menos, estabil izadora de urna ideia de pertença e de soberania partil hada entre os

que, independentemente do que na realidade foram no passado, convivem no mesmo

espaço sob a mesma tutela, trabalham num mercado nacional "protegido" face aos

"estrangeiros", comunicam na mesma l íngua e, progressivamente fazem parte da

colectividade que legitima com os seus votos esse órgão autónomo de poder que é o

Estado, e que se espera que eles sintam corno urna emanação da sua vontade.

Sem escola, urna escola obrigatória, laica e gratuita não haveria Estado - nação, pelo

menos este Estado - nação que ainda ternos e que Nikolas Rose sintetiza de forma

brilhante da seguinte maneira:

" . . . a central ized body within any nation, a collective actor with a monoply of the

legitimate use of force in a demarcated territory. This apparent monopoly of force was

presumed to underpin the unique capacity of the state to make general and binding laws

and rule across its territory. I t also seemed to imply that alI other legitimate authority

was implicitl y or expl icitl y authorized by the power of the state . . . " (Rose, 1999, 1)

Trata-se de um projecto geral de mudança, em que escola e Estado - nação se interligam

umbilicalmente: sem a visão global e a mobil ização de recursos que o Estado - nação da

Modernidade permite, não é possível a construção de algo de tão radical mente diferente,

extenso e coordenado corno os modernos S istemas Educativos; sem estes S istemas

Educativos não é possível a construção da "argamassa" linguística e cu ltural que irá

faci litar a tarefa de "nacionalizar as massas" e legitimar a arquitectura política que se

revela dominante a partir dos séculos xvrn e XIX.

24

Page 26: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Modernidade e Educação I I I : Disciplina e Liberdade

Mas se a integração através de padrões culturais, l inguísticos e cognitivos adequados à

nova ociedade são projecto propostos pelas elites ocidentais que encaixam bem na

escola do Estado Moderno, também as formas de modelagem e administração dos

comportamentos das pessoas se tornam fundamentais num projecto político que

promove a integração de todos, ainda que de forma organizada e hierarquizada (Bouillé,

1 988), e que tem na sua perspectiva de futuro, a legitimação do poder político através

do sufrágio, que nascendo restrito, se irá alargando durante o século XIX e XX até se

tornar universal.

Governar, como salienta Nikolas Rose, torna-se diferente de "dominar" e o projecto

político da Modernidade vai sedimentando progressivamente, com recuos e

incongruências, formas de relação entre governantes e governados diferentes do que até

aí era comum:

" . . . To dominate IS to Ignore or to attempt to crush the capacity for action of the

dominated. But to govern is to recognize that capacity for action and to adjust oneself to

it . . . Hence when it comes to governing human beings, to govern is to presuppose the

freedom of the governed. To govern Humans is not to crush their capacity to act, but to

acknowledge it and to utilize it for your own objectives . . . " (Rose, 1 999, 4).

A escola contemporânea, onde progressivamente se substitui a necessidade da gestão

social e física violenta e imediata, pela possibilidade de "conversão" das almas no

tempo mais largo, aparece-nos assim como um instrumento fundamental do equilíbrio

entre os que defendem que é preciso educar para civil izar, e os que defendem que a

busca da civil ização se encontra na educação.

Podemos assim dizer que a Modernidade é um exercício perigoso, que oscila entre a

promessa da autodeterminação colectiva dos povos e individual das pessoas a quem são

reconhecidos os direitos fundamentais, e o caos social e político que ameaça todas as

grandes mudanças que não se dão de forma controlada e gradual , ou seja,

"disciplinadas" . Portanto, a resolução da aparente contradição existente entre a

"liberdade" e a sua negação, a tirania a que o "caos" abre caminho, parece ser a chave

para uma Modernidade bem sucedida, e a escola uma boa oficina onde esta contradição

pode ser, senão resolvida, pelo menos "trabalhada".

Dois famosos exemplos citados por Michel Foucault em Surveiller et punir: naissance

de la prison, são paradigmáticos desta questão: o primeiro, baseado nos regulamentos

das escolas catól ic as de La Salle datados de 1 828, ilustra-nos o papel do "sinal", uma

25

Page 27: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

espécie de régua de madeira maCIça, na regulação absoluta dos comportamentos ; o

segundo, um outro regulamento, mas desta vez das "escolas mútuas", datado de 1 8 1 6 ,

mostra-nos como se tentou fazer a transposição da pedagogia jesuíta do século XVI

para uma sociedade que vivia os primeiros passos da Industrialização

O trecho dos regulamento das escolas de La Salle escolhido por Foucault diz o

seguinte : " . . . La priere entant faite, le maitre frappera un coup de signal , et regardant l '

enfant qu ' i l veut faire l ire, i l lui fera signe de commencer. Pour faire arrêter celui qui lit,

il frappera un coup de signal . . . Pour faire signe à celui qui l i t de se reprendre quand il a

mal prononcé une lettre, une syl labe ou un mot, i l frappera deu x coups successivement

et coup sur coup. Si apres avoir repris i I ne recommence pas le mot qu ' il a mal prononcé

( . . . ) le maitre frappera trois coups successivement 1 'un sur l ' autre pour lui faire signe de

rétrograder de quelques mots et continuera de faire signe jusqu ' à ce que l ' écolier arrive

à la syllabe ou au mot qu ' il a mal dit . . . " (In Foucault, 1 975 , 1 69) . Mais à frente, M ichel

Foucault transcreve uma parte do regulamento das escolas mútuas onde se descrevia a

forma como a entrada das crianças nas salas de aula de tais escolas se devia fazer:

" . . . Entrez dans vos bancs. Au mot Entrez, les enfants posent avec bruit la main sur la

table et en même temps passent la jambe dans le banc; aux mots Dans vos banes, i l s

passent 1 ' autre jambe et s ' asseyent face à leurs ardoises . . . Prenez-ardoises, au mot

prenez, les enfants portent la main droite à la ficelle qui sert à suspendre l ' ardoise au

clou qui est devant eux , et par l a gauche, i l s saisissent l ' ardoise par le milieu ; au mot

ardoises, i ls la détachent et la posent sur la table . . . " (Ibidem).

Nestes dois trechos podemos perceber como os seus autores, os precursores do "ensino

massificado", consideram que a chave do "ensino para todos" passa pela mais fria

distância entre o mestre e os alunos, sendo qualquer sinal de "envolvimento pessoal"

substituído por um "código de comunicação" estudado de antemão. Esta distância, que

buscando a eficácia trata o ensino como uma coisa "objectiva" e os alunos como

"factos sociais", procura controlar o afecto presente nas relações humanas, tornando-se

assim num exercício de controlo sobre os outros, mas também de auto controlo de si

mesmo de forma a refrear as pulsões de Eros e Thanatos, revelando a ambiguidade de

todas as profissões que Freud declarava como "impossíveis" porque baseadas na

relação.

Mas mostra também todo este "dispositivo" altamente regulamentado, o medo de que a

integração daquelas "classes labourieuses, c lasses dangereuses" tão bem retratada por

Louis Chevalier ( 1 978) , corresse mal e que a "populaça", sem controlo, i n v adisse o

26

Page 28: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

palco do poder, saqueando, destruindo e matando como o fez várias vezes na história.

Para que tal não acontecesse era necessário que as "classes laborieuses" deixassem de

ser "dangereuses", e a forma de o fazer era integrá-las ordeiramente através de

mecanismos de socialização que promovessem a interiorização da ordem, da disciplina

e do autocontrolo, mantendo no entanto um mecanismo de repressão autoritário e

físico, enquanto o processo "civil izacional" não estivesse terminado.

E enquanto o processo não "chegasse ao fim", apesar do discurso, as práticas diferiam

do modelo, coisa comum e humana na transposição da teoria para a realidade. Um

operário metalúrgico do princípio do século XX, em Lisboa, à semelhança do

administrador da localidade de Berdiansk, na Rússia de meados do século XIX, fazia-se

eco de um tipo de vivência muito diferente e muito mais "humana" da que se procurava

definir nos regulamentos citados por Foucault :

" . . . A escola de hoje mais se assemelha a uma caserna do que a uma instituição

encarregada de fornecer à sociedade homens l ivres e úteis ( . . . ). O professor, salvo

honrosas excepções é o carrasco e o verdugo da criança quando devia ser o seu pai

espiritual . É verdade que a instrução, tal como está preparada, tem por fim, não fazer

homens compreendedores dos seus direitos dentro da sociedade, mas autómatos que se

prestem a soldados para defesa da sociedade, bolsas para o pagamento de impostos . . . .

Há portanto, a conveniência da parte de quem dirige a educação que ela se mantenha na

mesma. ( . . . ) a nós cérebros l ibertos da instrução dogmática cabe-nos o dever não de

pedir ao Estado que remodele a instrução, o que ele nunca fará, mas de criarmos escolas

( . . . ) fundadas na moderna pedagogia . . . Um esforço pois, que o interesse é nosso e dos

nossos filhos . . . "(In O Metalúrgico, n° 25, 1 904, citado por Candeias, 1 994, 1 34- 1 35) .

Neste trecho, vemos como os tempos de passagem dos modelos teóricos à realidade

estão mais conformes ao tempo histórico do que ao tempo humano, e os homens,

porque querem ver os frutos do seu trabalho, propõem e implementam mudanças que as

práticas acabam por assimilar, mas apenas depois de devidan1ente depuradas e

temperadas pela vida. O que o militante sindical metalúrgico propõe no âmbito de uma

análise crítica à educação do seu tempo, baseada na denúncia da violência física e da

"violência" ideológica, um tipo de crítica que se manterá corrente bem além da segunda

metade do século XX, é uma versão politizada da "Educação Nova", a qual preconizava

duas direcções principais: a educação da criança teria de ser baseada no estudo

científico do seu desenvolvimento e teria de assentar numa relação pedagógica baseada

n a liberdade e no afecto (Candeias, 1 99 5 , 1 3 -24; 1 99 8 , 1 3 1 - 1 4 1 ; Nóvoa, 1 99 5 , 25-4 1 ) .

27

Page 29: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Estas duas questões exprimem as reacções por parte do positivismo que dominava as

ideologias políticas mais activas da transição do século XIX para o século XX, contra,

por um lado, o "obscurantismo religioso" que, para eles, dominava o ensino dos séculos

X IX e XX e por outro, simultaneamente, contra a "brutalidade" com que as crianças

eram supostamente tratadas na escola e contra a despersonalização, a "redução de gente

a números", que a escola da Modernidade parecia promover.

A primeira destas questões, a educação baseada numa aproximação científica da

criança, foi sendo aplicada de forma disciplinada e disciplinadora pelo discurso e pelas

práticas organizacionais institucional izadas na educação do século XX, e a segunda

constitui um dos pontos fulcrais da discussão pedagógica até aos nossos dias. Ambas

foram assimiladas, a primeira em primeiro lugar e com menos problemas do que a

segunda, mas só o tempo as conseguiu acomodar, antes de, novamente, nos finais do

século XX, entrarem em crise.

Podíamos assim dizer que os dilema retratados num arco de tempo de cerca de um

século pelos regulamentos das escolas cristãs de La Salle e das escolas de ensino mútuo

da primeira fase da industrialização, pelo relatório da Comissão para o Estabelecimento

de Escolas instituída pelo Czar Alexandre I, assim como pela desiludida constatação do

administrador da localidade de Berdiansk e do protesto radical do operário metalúrgico

do início do século XX em Lisboa, enunciam uma das contradições principais da

Modernidade - a que se estabelece entre os direitos criados que outorgam a l iberdade

aos humanos, e a necessidade de regular, controlar e "disciplinar" tal l iberdade a fim

de a tornar possível .

Peter Wagner fixa a origem desta contradição entre "liberdade" e "disciplina" , que ele

considera como a contradição "fundadora" da Modernidade, nas correntes de

pensamento que no contexto do iluminismo defendem, de forma conflitual, os

princípios da "regulação" ou da "autodeterminação": " . . . A corrente da "regulação"

reprime o direito à autodeterminação individual daqueles tidos como inaptos para a

Modernidade. A corrente da "autodeterminação" acentua a autonomia dos indivíduos,

mas não se interroga sobre os aspectos mais essenciais da vida humana, da génese de

tais aspectos e dos caminhos para a sua realização . . . " (Wagner, 1996, 32-33, tradução

l ivre) .

Sendo a "autonomia" irrestrita, por um lado, e a "regulação" de tal autonomia em nome

da razão, da tradição e do bem comum, por outro, dois dos princípios fundadores da

Modernidade, a questão principal que daqui decorre será a acomodação desta tensão a

28

Page 30: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

nível das condutas humanas, pelo que a solução para os que não conseguirem conci liar

estas duas "pulsões" aparentemente contraditórias, parece ser clara: ou a modelação

cognitiva e comportamental através da educação, ou a exclusão através, quer da

repressão e do confinamento, quer da "não inclusão" nos direito de cidadania. Vital em

todo este aparato é a manutenção e aperfeiçoamento de um Estado que organize, tutele e

legitime barreiras que se oponham eficazmente ao que o autor designa como uma

" . . . profusão virtualmente i l imitada de praticas sociais autónomas . . . " (Idem, 29) que a

Modernidade potencializa. Mas, sinal dos tempos, o fundamental nestas barreiras é não

só a sua eficácia como sobretudo a sua legitimidade, uma legitimidade diferente das

legitimidades de origem dinástica e divina que a "Modernidade" enfraqueceu.

Esta maneira de integrar condutas e comportamentos é, segundo o autor, a condição

fundamental de um projecto que, a prazo, terá de contar com a legitimação de todos os

seres humanos adultos que habitam as fronteiras dos Estados que se constituem

lentamente em Estados - nação modernos. Para que todos neles caibam, é preciso que a

integração seja lenta, ordenada, hierarquizada e controlada, de maneira a ser possível a

criação de um espaço político gerador de um grau suficiente de consenso e de

prosperidade que permita que o conceito de "governo" como forma de gestão política e

social se sobreponha ao conceito de "dominação".

Este "movimento", que promove a sedimentação de formas de gestão social e políticas

sofisticadas, que salienta a correspondência entre as mudanças nas "grandes políticas" e

as mudanças nos comportamentos individuais, leva o autor a uma sistematização das

várias fases do projecto modernista, que nos parece de referência pertinente, uma vez

que possibil itam a organização conceptual de processos de desenvolvimento da

Modernidade, quer os vejamos do ponto de vista político, económico ou educativo.

Assim, para Wagner, no espaço liberal da primeira metade do século XIX ocidental ,

enquanto que as tensões dos novos tempos se fundem em projectos habitados por um

núcleo burguês em constituição, que não tolera as incertezas trazidas por um mundo

visto como caótico e impossível de integrar, constitui-se o que o autor designa de

"Modernidade Liberal Restrita" , Trata-se de um espaço em que, simultaneamente, há

que manter a ordem e depurar e organizar as componentes culturais e políticas das

novas configurações de poder, excluindo assim os que "não estão preparados para a

Modernidade". A tensão entre as possibil idades que os novos discur os abrem e a

dificuldade de transformar tais discursos em práticas, tensão essa que leva à exclusão de

" . . . tantas pessoas desenraizadas dos seus comextos sociais culturais e económicos,

29

Page 31: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

frequentemente de forma traumática . . . " (Idem, 42), vaI dar ongem ao que o autor

chama de a primeira crise da Modernidade .

Esta crise irá abrir caminho à segunda fase da Modernidade, que Wagner denomina de

"Modernidade Organizada", e que se caracteriza pelo longo período de integração das

novas classes e estratos sociais que resultam do industrialismo, uma integração levada a

efeito de forma frequentemente autoritária, mas com o recurso a um arsenal de ideais

emancipalistas e de legitimação universal que, mesmo quando não cumpridos, se

colocaram na ordem do possível, constituindo-se como uma ameaça aos que, em nome

da "regulação", os b loqueiam. Esta fase, que se desenrolou durante uma parte

importante do século XX, assistiu a uma locação de recursos tornados disponíveis quer

pelo progresso económico, quer pela ameaça de insurreição social, que permitiu , nuns

casos de maneira mais extensa e profunda do que noutros, o que o autor chamou de

"convencionalização" do trabalho e estandardização do consumo, que fazem parte de

uma constelação de práticas que estará na base da noção de Estado - Providência, mas

que, como o autor assinala, termina por "fazer entrar a disciplina e a homogeneidade das

práticas de autoridade no domínio da vida familiar" . É durante este período que se dá o

enraizamento e massificação das instituições que caracterizam o "Mundo Moderno", e

aqui , de forma específica, os S istemas Educativos contemporâneos , laicos, gratuitos e

obrigatórios.

Termina este período com um triunfo dos Direitos herdeiros do l iberal ismo dos séculos

xvrn e XIX, ou seja, os Direitos Civis relacionados com a propriedade e o mercado, os

Direitos Sociais relacionados com a l iberdade religiosa, de discurso, de reunião e de

associação e os Direitos Políticos consubstanciados no Sufrágio Universal , que se

instalam, nos finais do século XX, como uma aquisição segura do conjunto de

sociedades que se agruparam em torno da Europa Ocidental e dos Estados Unidos da

América, e que se constituem como objectivos para uma parte importante do mundo.

Tratou-se pois, de um longo processo que passou primeiro pela exclusão dos que não

estão preparados para "serem l ivres", e, de seguida, por uma inclusão ordenada e

sistematizada de todos, o que imporá a interiorização de uma racionalidade que se

transformará tendencialmente em "senso comum", até todos poderem ser virtualmente

l ivres sem que o "bem comum" disso se ressinta. E serão os l imites óbvios desta

proposta, mais a decepção provocada pelo falhanço histórico das alternativas ao

capital ismo moderno, que explicarão o que o autor designa de segunda crise da

Modernidade e que estará na origem do que Wagner designa por "Modernidade Liberal

30

Page 32: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Alargada". Esta é por ele caracterizada como potencializando a emergência de valores

como a diferença, a pluralidade, a sociabilidade e a sol idariedade, que o

desmembramento das instituições organizadores e disciplinadoras da "Modernidade

Organizada" tornam possíveis.

Porquê esta incursão na teorização dos princípios e etapas principais da Modernidade na

versão de Peter Wagner? Porque nos parece óbvia a sua adequação à explicação quer

das funções políticas e comportamentais dos S istemas Educativos contemporâneos, quer

das etapas da sua consolidação, pelo menos no mundo Ocidental . De facto, para os que

não conseguem conci l iar "liberdade" com "disciplina", e que, portanto não estão

preparados para usufruir do seu papel de "cidadãos" a escola será um dos instrumentos

de socialização cujo papel será o de preparar esta acomodação. Esse modo de

socialização será ensaiada de forma "quase experimental" na primeira metade do século

XIX, no período que o Peter Wagner designa por "Modernidade Liberal Restrita",

massificada durante a "Modernidade Organizada", período que se caracteriza pela

integração das novas classes e estratos sociais que resultam do industrial ismo, e entra

em crise nos finais do século XX, com que o autor chama de "Modernidade Liberal

alargada", tornada possível pela desorganização das instituições disciplinadoras da

"Modernidade Organizada".

O que significa este paralelismo? Que atingimos um patamar em que uma parte do

mundo, Ocidental ou baseado na cultura Ocidental dispensa os mecanismos de

conciliação entre a regra e a liberdade, a regulação e a autodeterminação, e que estamos,

de novo, perante uma mudança dos mecanismos de socialização primordiais da

humanidade? Que finalmente interiorizamos os mecanismos de gestão comportamental

e que deixamos de ter necessidade de instrumentos de regulamentação exteriores, como

a escola? Que, tal como tem acontecido progressivamente desde os finai do século XX

com três das cinco formas institucionais que, segundo Robert Boyer (2002) compõem o

Estado - nação "fordista" Moderno, ou seja, o regime monetário, as relações Estado -

Economia e as regras da concorrência, também a educação será mais uma das funções

que deixará de ser regulamentada pelo Estado ?

3 1

Page 33: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Concluindo: a génese e as origens dos Sistemas Educativos contemporâneos

Educação e Modernidade

As sociedades ocidentais, primeiro, e mundiais de seguida, tendem desde pelo menos o

século X V I a transitar de uma forma de funcionamento baseado essencialmente na

oralidade, para uma forma de funcionamento assente na escrita.

Duas etapas são de ter em conta neste processo: o que chamamos de "alfabetização" e o

que designámos por "escolarização" (Candeias, 2000, 200 1 , 2004a. , Candeias et aI. ,

2004b. ) .

A alfabetização no seu sentido social, ou seja, enquanto processo, pode ser caracterizada

como sendo um movimento no sentido da obtenção de uma cultura letrada, dependendo

essencialmente de estratégias internas a grupos familiares ou mesmo a indivíduos,

encontrando-se directamente relacionadas com percursos de mobil idade ascendente ou

de adaptação a mudanças de contexto laboral ou social em geral .

Os ciclos de alfabetização têm tendência a intensificar-se quando as sociedades,

encontrando-se em fases de mudança intensa mas ainda não dispondo de instituições

capazes de ampararem e ordenarem tal mudança, continuam a tolerar espaços alargados

de autonomia em que a educação permanece como um bem essencialmente privado. Os

processos de alfabetização são, assim, processos muito dependentes dos contextos em

que se movem. Assim, variáveis como o género, a pertença social e étnica, as dinâmicas

políticas, económicas ou rel igiosas, ou a localidade onde se vive, são, no contexto dos

processos de alfabetização, fundamentais na densidade das relações que se conseguem

estabelecer entre as pessoas e a cultura escrita. Podendo ter lugar através de processos

não institucional izados, como o tutor, ou "mestre privado de ensinara a ler" (Furet e

Ozouf, 1 977) , não dependem das regras de utilização pressupostas pela

institucionalização da escola contemporânea, mas sim da forma relativamente autónoma

como tais instituições são util izadas, cabendo a definição do "currículo útil" ao

utilizador e a mais ninguém.

Trata-se de formas de relação entre os povos e as letras típicas do que podemos chamar

de sociedades pré - modernas, e os seus resultados, em termos de aquisição individual e

de mudanças efectivas na forma de funcionamento social , são pouco consistentes, muito

diversificadas e de difíci l avaliação (Magalhães, 1 994, 1 996).

32

Page 34: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

De meados do séculos XVI a meados do século X IX, com incursões bem dentro do

século XX na Europa, admite-se que esta foi a forma predominante no processo de

aquisição de uma cultura letrada, continuando a sê-lo neste começo do século XXI em

muitos lugares do mundo em que não se conseguiram ainda as condições para a

construção de Estados - nação "completos", sendo, em tais contextos, a realidade de

muitos S istemas Educativos caracterizada por um quotidiano frági l e intermitente.

Quanto ao processo de escolarização, que progressivamente desde finais do século

XVI I I vai cobrindo o processo anterior, poderá ser definido na antítese do processo de

alfabetização, tendo a l igá-los, no entanto, o facto de ambos fazerem parte de modos de

transição cultural baseados na escrita.

A primeira das diferenças entre os dois processos reside na maneira como ambos se

definem em função da escrita: enquanto que no processo de alfabetização a aquisição

dos instrumentos de leitura e escrita é um fim em si, seguindo-se a utilização que o

util izador lhe quiser dar, no processo de escolarização que leva à construção dos

Sistemas Educativos actuais, a aquisição da escrita é um meio de atingir um fim, o qual

é determinado exteriormente ao "utente".

Esta "exterioridade" é a segunda e uma das mais importantes características separadoras

dos dois processos. A escolarização é um processo que, uma vez implementado e

estabil izado, tem dificuldade em tolerar aproximações, é rigidamente definido e

aplicado de forma compulsória pelo Estado moderno, sendo concebido como parte de

uma estratégia mais vasta que integra o indivíduo e a família num corpo mais amplo, a

nação, pelo que as estratégias individuais ou de "grupo restrito" são subordinadas a

estratégias que visam o "bem comum".

São formas de ligação ao mundo das letras típicas de sociedades com graus fortes de

institucionalização e, sendo assim, são pouco dependentes dos contextos sociais,

étnicos, de género ou geográficos, sobretudo a partir da altura em que se estabil izam, o

que, como vimos, ainda não aconteceu em todo o mundo por igual .

Necessitando da aquiescência dos povos para poderem ser de facto efectivos, não se

compreende a sua existência sem a pressão contínua dos grupos sociais e políticos que

constituem a espinha dorsal do Estado - nação moderno. São estas formas de l igação ao

mundo da e crita, através da escola moderna articulada pelo Estado em sistema, que

promovem de facto a transição definitiva de sociedades baseadas na oralidade para

sociedades baseadas na escrita

33

Page 35: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

As razões para que tal transição se dê têm sido amplamente discutida , mas assentam

sobretudo em três ou quatro questões, que em conj unto constituem as grandes categorias

que enquadram o que autores como Anthony Giddens e Peter Wagner chamam de

"Modernidade" e que de seguida resumiremos:

- Os ciclos económicos que acompanharam a expansão europeia a partir do século XVI

e , de seguida, a partir do século x v rn , na sequência da "Revolução Industrial": ambos

estes ciclos estão na origem de profundas mutações nos tecidos económicos, políticos e

sociais, dando origem a sociedades mais complexas, com necessidades de administração

que acabam por potenciar a utilização crescente de formas progressivamente sofisticadas

de gestão política, económica e social, o que veio a generalizar, ainda que de forma

desigual conforme os contextos, a utilização de "instrumentos conceptuais" poderosos,

como a escrita e os números.

Nestas sociedades admite-se que as formas de socialização até aí dominantes, baseadas

na proximidade e na continuidade face aos valores tradicionais, teriam de passar por

mudanças que enfatizassem a generalização progressiva de categorias cognitivas mais

complexas, até aí restritas às el ites, que, por um lado permitissem a adaptação das

pe soas ao incremento do ritmo das mudanças a nível económico, tecnológico e também

das formas de v ida que fazem parte do que chamamos de Modernidade, e que por outro,

estimulassem a potenciação de tais mudanças por parte das pessoas que nelas estão

submersas . Não se trata apenas de "aculturar" através de um novo sistema de

socialização, mas também de dotar o ser humano das condições para viver como actor de

um contexto civilizacional muito dinâmico e exigente.

- O entrelaçar entre a Reforma Protestante e a Cultura das Luzes, que de maneiras

diferentes se traduziram por uma racionalização e laicização das sociedades, que além

de terem potenciado a economia, foram criando uma ideia pertinaz de responsabilidade

e protagonismo individual, a base da "cultura do cidadão", numa altura em que a

"ordem" estratificada do Antigo Regime se esboroava, abrindo-se o caminho ao

acréscimo de vias ascendentes de mobil idade social . A util ização da palavra escrita

aparece, pois, como um instrumento crucial na disseminação e consol idação dos

processos sócio-político modernos, quer nos refiramos ao incremento da mobil idade

social que acompanha o desenvolvimento do capitalismo contemporâneo, ou aos

34

Page 36: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

processos de integração que ustentaram a "cultura do cidadão", que está na base dos

regimes l iberais do século XIX.

Neste contexto, entende-se que mudanças das formas de poder político dominantes dos

século XVI I I em diante, dos Estados Absolutos legitimados dinástica e rel igiosamente e

com funções circunscritas à administração da ordem e da justiça, para os Estados

Modernos fundados no patriotismo e na laicidade, legitimados por sufrágios

tendencialmente universais, e com vastas funções de integração do "social", suscitem

formas de socialização, que além de serem cognitivamente mais complexas, se

debrucem sobre os comportamentos e as atitudes, fazendo a síntese possível entre a

"l iberdade" contida nas propostas sociais e políticas "Modernas", e a "discipl ina", vista

como fundamental para o desenvolvimento equil ibrado de tais propostas .

- A consolidação do conceito de Estado - Nação nos séculos xvrn e XIX, que resultou

na criação e aperfeiçoamento de aparelhos estatais com a função de, por um lado,

inculcar uma base cultural unificadora e geradora de consensos, numa tentativa de criar

homogeneidade, identidade nacional e legitimação política nos segmentos sociais,

étnica e religiosamente diferenciados que coexistiam nos mesmos territórios, e , por

outro, instituir a ordem e a eficiência necessárias para ocupar e manter um "lugar" num

contexto extremamente competitivo e tenso como o foi a Europa e depois o Mundo,

entre os séculos XVI e XX. Esta "nacional ização das massas", que é simultânea a uma

"disciplinarização" das mesmas, só se consegue com um alto grau de institucional ização

das sociedades, em que a escola laica, gratuita e obrigatória, que funciona da mesma

maneira para todos, disseminando, de forma "discipl inada" e "disciplinadora" um novo

modelo de vida em que os grupos étnicos e sociais são incluídos num grupo nacional ,

constitui a base dessas instituições.

Assim, sem uma instituição capaz de ordenar, sintetizar e coordenadamente propagar

um l íngua e uma narrativa histórica comum, difici lmente se consegu iriam criar e

sobretudo, fazer funcionar de forma eficiente as outras instituições constitutivas das

modernas nacionalidades, tais como o exército de con critos, os partidos políticos de

massas, a imprensa de circulação nacional e muitas outras que compõem o que Ernesto

Leal chama os novos espaços de articulação do Estado - nação, ou seja, os espaços de

integração económica que dão origem à ideia de "mercado nacional", os espaços de

integração políticos que dão origem à unificação do poder político e administrativos

35

Page 37: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

modernos e os espaços de unificação cultural que promovem as novas identidades

nacionais, multipl icando os eus símbolos.

Acreditamos ter conseguido fazer passar uma imagem fundamentada e coerente que

ajude a expl icar as razões porque os processo de socialização humanos da

Modernidade foram mudando nos ú ltimos quatro séculos e se constituíram da forma

como os conhecemos actualmente.

Interessa-nos, a partir deste momento, tentar perceberam como funcionaram num

passado recente em que o modelo esteve no seu auge, e como poderão vir a funcionar

numa altura que se pressente como sendo de profunda mudança.

36

Page 38: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

• Estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas

Educativos contemporâneos: do pós segunda Guerra Mundial ao

princípio dos anos setenta do século XX, o modelo no seu auge.

Na introdução a "Education, Culture, Economy, Society", uma das melhores súmulas

de textos sobre políticas educativa reunidas num livro, os coordenadores de tal obra,

Phillip Brown, A .H . Halsey, Hugh Lauder e Amy Stuart Wells, escrevem que

" . . . between 1 945 and 1 973 Western Societies experienced a period of rapid economic

growth and educational expansion against what appeared to be a background of social

harmony . . . " (Brown et aI., 1 999, 1 ) . Seria este tempo, na sua opinião, um período de

expansão e consolidação de um legado presente desde meados do século XVII I , que

levou a que os Estados - nação ocidentais interviessem directamente em áreas que eram

antes l ivres da acção sistematizada dos poderes públicos. Assim, como foi salientado no

capítulo anterior, assistimos a partir de meados do século XVIII a um envolvimento

crescente do Estado no domínio da educação (Nóvoa, 1 998) , a partir das últimas

décadas do século seguinte, as leis Bismarckianas de protecção ao trabalho no Reich

Alemão constituem o começo da intervenção "moderna" do Estado na área social

(Diebolt, 1 995) , e finalmente, a partir dos finais da primeira Guerra Mundial , mas

sobretudo a partir dos finais da segunda, o Estado torna-se um dos principais

protagonistas na área da economia.

Na verdade, sob a influência conj ugada de uma crise económica global gravíssima e da

obra de John Maynard Keynes que salientava a necessidade de intervenção do Estado

nos mercados a fim de corrigir efeitos política e socialmente destrutivos de uma

regulação exclusivamente económica ( Bernard e Colli , 1 997, 10 VoI . , 365- 366; Denis,

1 987, 694-709), as políticas de combate activo ao desemprego por meio da intervenção

do Estado no tecido económico com o fim de o revitalizar, acabam por se tornar

hegemónicas a partir da década de trinta do século XX e só são serianlente contestadas

quarenta anos depois, através de um retumbante retorno do Neoclassici mo económico

sob a designação de "neol iberalismo". Por outro lado, é na segunda década do século

XX que as teorias económicas de origem marxista que reivindicam para o Estado um

37

Page 39: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

lugar central na economia das sociedades, encontram, atravé da fundação da União

Soviética em 1 9 1 7 , um campo de aplicação que irá durar cerca de sete décadas,

atravessando assim uma parte substancial do século XX.

Por outras palavras, de uma forma mais ou menos contextuaI, no mundo capitalista que

acredita que a eficiência económica se baseia num mercado pouco ou nada

regulamentado pelas instâncias políticas, e de uma forma estrutural no mundo socialista

de então, que acredita no principio da planificação e da regulamentação da economia

como a principal forma de satisfazer as necessidades dos seres humanos, as relações

entre o mundo económico e o mundo político densificam-se.

Assim, com esta entrada do Estado no mundo da economia, o Estado Moderno, cuj a

génese retratámos e m capítulos anteriores, torna-se em u m dos principais "reguladores"

das sociedades contemporâneas por um período de tempo longo, da segunda década do

século XX aos nossos dias, com uma "época de glória" constituída pelo espaço de

tempo compreendido entre os finais da década de quarenta do século XX e meados da

década de setenta do mesmo século.

Desta forma, no contexto de sociedades cuja econonua assenta no principio da

existência de mercados autónomos, verificou-se durante este período uma tendência

para a implementação do que poderíamos chamar de um "modelo integrado de gestão",

cujo objectivo parece ter sido a articulação, dentro do espaço de influência governativa,

de questões que relevam do campo da economia, do campo do social e , dentro deste, do

campo educativo, com resultados espectaculares em termos de progressos humanos em

geral . Esta segunda grande parte do texto ocupar-se-á de retratar de forma

problematizada este período, com destaque para o papel que nele teve a educação.

Assim sendo, preocupa-nos em primeiro lugar fornecer os contornos de uma linha de

pensamento que nos permita produzir uma interpretação flexível da época em questão,

escapando às l inhas ideológicas rígidas que a marcaram.

Na verdade, as tensões que coexistiram neste "modelo integrado de gestão" foram

sendo teorizados durante todo o século XX, de formas muito diferentes conforme o

escopo ideológico util izado, mas acreditamos que o conjunto de reflexões produzidas

desde meados dos anos setenta e oitenta do século XX por autores como Michel

Aglietta ( 1 976) mas sobretudo por Robert Boyer ( 1 986, 2002), nos permitem

ultrapassar uma querela histórica e ideológica muito presa ao que Peter Wagner

descreve como sendo a crise das " . . . teorias gémeas das constelações societais do século

38

Page 40: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

XX, a teoria da modernização funcionalista e as teorias neo-marxistas do capitalismo

tardio . . . "(Wagner, 2002, 4 1 ) .

Não se estando no tempo das grandes explicações totalizantes sobre o mundo, estas

teorias baseadas na ciência económica, mas com a busca de modelos de acção oriundos

das teorias da epistemologia genética de inspiração piagetiana, propõem-nos um campo

expl icativo assente no termo "regulação", que procura conciliar a acção intencional dos

actores económicos sociais e políticos, com respostas sistémicas a vários níveis,

proporcionado um quadro explicativo da acção social, política e económica, aberto,

flexível e tanto quanto é possível , integrado. Não constituindo um traço imprescindível

na economia deste texto, pensamos no entanto que vale a pena prestar alguma atenção

aos autores que estiveram na base destas teoria .

Modos de regulação, ciclos e crescimento económico nas décadas de cinquenta,

sessenta e setenta da segunda metade do século XX

Robert Boyer, um dos fundadores do que podemos hoje chamar de "teoria da

regulação", postula que os seus objectivos se poderão encontrar na tentativa de

" . . . compreender porque e como se transformam as regularidades económicas sob o

efeito dos desequilíbrios, dos confl itos sociais e políticos e das grandes cnses

financeiras, e como se passa de um quadro de crise geral para um quadro de

transformação das instituições que enquadram os processos de acumulação

característicos das economias desenvolvidas . . . " (Boyer, 2002, 5 ) . Desta forma e por

outras palavras, na origem das teorias da regulação encontra-se a tentativa de

compreender em primeiro lugar, o modo como as transformações das relações sociais

criam novas formas, quer se tratem de novas "formas" no dOIlÚnio económico, quer em

outros dOIlÚnios; de seguida, procurou-se entender a maneira como tais formas

interagem entre si , e o modelo sugerido é o do desenvolvimento genético concebido por

Jean Piaget que assenta na interacção entre factores internos e externos através de um

processo dinârillco de assirill lações e acomodações.

A dinâmica entre estas assirilllações de elementos novos, "exteriores" ao que existe, e

as acomodações que terão de ter lugar por parte do "que existe", provocarão

desequi l íbrios sucessivos e acabarão por dar origem a novas estruturas capazes de

acomodar novas a similaçõe , estruturas essas que estarão na base de formas de

funcionamento que se tornam dominantes durante um espaço de tempo variável , e aqui

podemos falar de funcionamento cognitivo ou de funcionamento social , constituindo

assim, o que o autor designa como "modos de produção"(ldem, 2 1 -29) . Estes "modos

39

Page 41: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

de produção", termo que evoca a teoria económica de origem marxista, são definidos de

forma geral , como tratando-se de conjuntos coerentes de relações sociais que regem a

produção e reprodução das condições materiais necessárias à vida humana (Idem, 6) .

Na sequência desta agenda de investigação, os teóricos da regulação preocupam-se de

seguida com as formas de "gestão" dos "modos de produção" dominantes , chegando

assim ao conceito de "regulação" que é por eles definido como estando assente em três

características : trata-se de agrupamentos de procedimentos e de comportamentos,

individuais e colectivos, que asseguram a reprodução das relações sociais fundamentais

de um "modo de produção" particular; sustentam e "pi lotam" o regime de acumulação

dominante, e funcionam de maneira a assegurarem a compatibi l idade de um conjunto

de decisões descentral izadas, sem que seja necessária a interiorização, por parte dos

actores económicos, dos princípios que regem a totalidade do sistema (Boyer e Salard,

2002b, 565) .

Esta forma de ge tão que os autores designam como "regulação" pressupõe, segundo

Claude Diebolt, dois princípios fundamentais : a existência de um órgão regulador e o

principio da retroacção (Diebolt, 1 995, 1 1 ) . Quanto ao órgão regulador, as suas funções

são as de aperceber-se das perturbações que afectam o sistema, anal isar as causas de tal

perturbação e, finalmente, transmitir uma série de ordens coerentes a um ou vários

órgãos, os quais agirão de forma a restabelecer o equi l íbrio do sistema (Idem, 1 1 - 1 2) .

Para estes autores, são vários os níveis de regulação possíveis, e a prevalência destes

níveis pode acentuar diferentes modos de regulação, ou seja, diferentes formas de

intervenção do órgão regulador sobre as perturbações correntes do si stema. Uma

intervenção "automática", traduzida por simples compensações, conscientemente

automática no sentido em que e acredita na possibil idade de auto regulação do sistema,

implica, em Ciências Económicas, a ideia de que a forma de gestão do sistema repousa

num equilíbrio que se corrige automaticamente por cada perturbação que se dê, e é

característica do que Diebolt chama de teorias económicas Neo-clássicas (Idem, 1 3) ,

que poderão ser chamadas de Neo-l iberais ou Neo-fordistas (Brown e Lauder, 1 999,

1 75) . A um nível mais elevado de regulação, o próprio sistema reflecte a capacidades

de aprendizagem social dos que dele fazem parte e, em matéria económica, os

reguladores, ou seja, os políticos e o Estado, devem reflectir tal experiência e

aprendizagem, sem o que os desequilíbrios aumentarão, assim como as perturbações.

Na opinião do autor, é este tipo de modo de regulação que caracteriza as políticas

keynesi anas ou fordistas : " . . . Os keynesianos não parti lham a confiança i l imi tada dos

40

Page 42: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

neo-clássicos nos mecanismos auto-reguladores susceptíveis de restabelecer o

equilíbrio e o pleno emprego. Para eles, a iniciativa privada não leva espontaneamente a

um equi l íbrio ( ... ) É assim que para os economistas Neo-keynesianos a política de

regulação do crescimento que se impõe aos poderes públicos deve ser consciente e

voluntária, porque o mecanismo dos mercados e dos preços, deixado a si mesmo, não é

capaz de levar a economia por um caminho de equi l íbrio e de equidade . . . " (Idem, 1 6) .

Quer a natureza dos reguladores, quer o nível a que se processam tais regulações têm

conhecido no último século, predominâncias que, numa anál ise do caso francês durante

os século XIX e XX, fazem com que Christine André nos fale da existência de dois

tipos de Estado: ". . . A análi se das intervenções públicas em França, permite-nos

conceber, desde o começo do século XIX até aos nossos dias, duas configurações

características da relação entre o Estado e a Economia: a primeira desenvolve-se, sob a

influência da Revolução e durará até à primeira Guerra Mundial . Prevalece até aí a

ideia de um "Estado circunscrito" em relação a uma economia considerada como um

espaço autónomo. A segunda Guerra Mundial marca a passagem para um "Estado

inserido" na esfera económica, caracterizada, em França, pela institucionalização do

salário indirecto e a concepção de uma coordenação entre gestão monetária e política

económica de conjunto, sob a égide das autoridades públicas. É a esta segunda

configuração que aparece associado o conceito de Estado - Providência . . . "( André,

2002, 1 45) . E será a ideia de "Estado - Providência" que irá marcar de forma decisiva o

combate político e económico da segunda metade do século XX, assumindo em tal

combate uma central idade ainda maior à medida que se torna evidente, por um lado, o

falhanço político, económico e humano das sociedades socialistas, e por outro, o

advento das teorias neo-classicistas que, util izando o mercado como metáfora, querem

reduzir drasticamente o papel do Estado na economia e na sociedade "tout court".

Entretanto, a diversidade de modos de regulação que enquadram os modos de produção

tornados dominantes na Modernidade, leva a um longo processo de desenvolvimento

em cuja origem estariam não só os factores de inovação tecnológica e de socialização

humana referidos nos capítulos anteriores, mas também a capacidade de controlo

demográfico das populações, sobretudo ocidentais, que rompem radical mente com a

relação quase constante entre cresci mento económico e crescimento populacional:

" . . . what occurred around 1 800 that is new - that differentiates the modem ages from

all previous periods - is not technological change by itself but the fact that fertility

4 1

Page 43: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

lOcreases ceased to translate improvements 10 technology into lOcreases 10

population . . . " (Lucas Jr . , 2002, 120) .

Tal crescimento, e neste caso referimo-nos explicitamente a "crescimento económico",

tem, historicamente, vários tipos de regularidade, que segundo Claude Diebolt

correspondem ao predoJ1Únio de diversos modos de regulação, levando a que muitos

historiadores da economia aceitem como plausível a proposta de um processo de

cresci mento económico assente em ciclos, apresentada nos anos vinte do século XX

pelo académico russo Nikolai Kondratiev. Fornecendo-nos uma interpretação neo­

schumpeteriana de tais c ic los (Denis, 1 987, 55-559, 734-737 ; Freeman e Louçã, 2004,

55-77), Ana Bela Nunes define-os da seguinte forma: " . . . Cada ciclo de crescimento

económico é conduzido pela difusão de um grupo de inovações que induz um ciclo de

investimento, cria novas estruturas e gera grande dinamismo: no entanto, a partir de

determinada altura, o i mpacto positivo da inovação esbate-se, e segue-se um período de

depressão e de "destruição criativa", deixando o caminho aberto para uma nova vaga de

inovações e de investimento . . . "(Nunes, 2003, 563 ) .

Por outro lado, a periodização d e tais ciclos é também ela alvo d e algum consenso entre

historiadores da economia, e, quer Claude Diebolt de novo ( 1 995, 28-3 2) , quer Ana

Bela Nunes ( 2003 , 262-263) , quer Chris Freeman e Francisco Louçã, concordam com

uma periodização de tais ciclos, que embora apresentando diferenças entre s i , poderá ser

resumida por este quadro adaptado a partir de Freeman e Louçã (2004, 1 5 1 ) .

42

Page 44: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 1 - Resumo condensado das ondas de Kondratiev

Inovações Ramo condutor e Input Infra-estrutura Alterações de Período de técn icas e outros ramos fundamental e de transportes e gestão e expansão-

organizativas i mportantes outros inputs- comunicações orga n ização Período chave descendente

(ajustamento) 1 a_ Mecanização Fiações de Ferro; algodão Canais; Sistemas Fabris; 1780- 1815

da Indústria; algodão; produtos em rama; Estradas com Empresários; recurso a energia de ferro; Carvão; portagens; sociedades

hídrica Rodas hidráulicas; Velei ros; comerciais; 1815-1848 branqueamento;

2a_ Mecanização Caminhos-de- Ferro; Caminhos-de- Sociedades 1848-1873 da I ndústria e ferro; Carvão; ferro; Anónimas; transporte a Máqui nas a vapor; Telégrafo; Subcontratação

vapor Ferramentas Navios a vapor; de operários 1873-1895 mecân icas; qual ificados;

3a_ Electrificação Equipamento Aço, Caminhos-de- Sistemas 1895-1918 da Indústria, do eléctrico; Cobre; ferro de aço; especializados de

transporte e dos Engenharia Navios de aço; gestão lares pesada; Telefone; profissional;

Químicas "Taylo rismo"; pesadas; Empresas 1918-1940

Produtos de aço; qiqantes; 4a_ Motorização Automóveis; Petróleo; Gás; Rádio; Auto- Produção e 1941-1973

do transporte; Camiões; Tecidos estradas; consumo em Economia civil e Tractores, s intéticos; Aeroportos; série;

guerra; tanques; Companhias "Fordismo"; Motores a aéreas; Hiera rquias;

gasóleo; Aviação; 1973-? Refinarias;

5a-Computorizaçãc Computadores; C i rcuitos "Auto-estradas da Redes internas, ? de toda a Software; i ntegrados informação" locais, mundiais;

economia; Equipamento de ("chips"); ( I nternet); telecomunicações

, Biotecnoloqia; -

Fonte: Freeman e Louça, 2004, 151.

De notar que a di córdia exi tente entre vários autores sobre esta periodização refere-se

ao fim do período depressivo do 4° ciclo e à hipótese de existência de u m 5 ° ciclo, o

que, por um lado, mostra como é mais fáci l trabalhar com facto históricos do que

interpretar o presente e, por outro, levanta duas questões que têm percorrido as Ciências

Sociais dos ú ltimos anos: estaremos ainda numa fase de continuidade do "Fordismo",

ou seja, no que Giddens define como um período de "Modernidade Radicalizada", ou, a

combinação entre o fim de um dos "modos de produção" dominantes do século XX, o

Socialismo, as mudanças na predominância dos modos de regulação do capital ismo,

que passam tendencialmente de regulações do tipo "Keynesiano" para regulações do

tipo neo-classicista ou neo-l iberal , em conjunto com o arranque e estabil ização da

computorização da sociedade e da comunicação em rede possibi l i tada pela Internet nos

43

Page 45: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

coloca já na fase criativa do 5° ciclo? Estas são algumas das questões que deixaremos

para outra parte deste texto.

É a partir da fase descendente do 3° ciclo de Kondatriev e ascendente do 4°, ou seja, de

forma aproximada, entre o final da primeira Guerra Mundial e meados da década de

setenta do século XX, que o regulador fundamental das sociedades ocidentais, e devido

à enorme influência que estas têm no planeta, do mundo, se centra em torno do Estado -

nação contemporâneo. Como foi escrito em capítulos anteriores, às tarefas de

coordenação e gestão cada vez mais complexas que visam integrar e reconfigurar as

sociedades com formas ténues de articulação como são as sociedades pré modernas,

juntam-se duas guerras com repercussões no mundo inteiro, fazendo com que, quer por

convicção, quer por necessidade, os Estados tenham de agir de forma autoritária sobre

tecidos sociais e económicos exangues e empobrecidos. Fazem-no directamente, e irão

dar origem a um ciclo de crescimento económico ímpar, que vai de finais dos anos

quarenta a meados dos anos setenta do século XX.

Trata-se de um crescimento baseado na revitalização do sector secundário, apoiado na

enorme capacidade financeira dos Estados Unidos da América do pós segunda Guerra

Mundial, manifesta através da política de créditos do Plano Marshal l . Este crescimento

foi suportado pela necessidade de reconstrução da devastação do pós - guerra, foi

sustentado numa forte economia civi l que "motoriza o mundo" e que al i menta e se

alimenta da chamada "sociedade de consumo", cuj a ascensão tinha sido bruscamente

interrompida pela violenta crise bolsista de finais dos anos v inte, assim como numa

forte produção bélica que joga com a necessidade de equi l íbrio armamentista entres os

dois b locos políticos rivais que emergem da segunda Guerra Mundial .

É um crescimento cujo epicentro se encontra nos lugares em que tradicionalmente se

deu a chamada "Revolução Industrial", ou seja, o norte e centro da Europa Ocidental e

a costa leste dos Estados Unidos da América, a que se junta em breve o Japão e

beneficia de uma mão-de-obra treinada e educada nas tradições industriali stas, de um

pico demográfico que não se repetirá e de uma forma de energia extremamente barata

até à década de setenta, ou seja, o petróleo e os seus derivados. Apesar do epicentro

deste formidável ciclo de expansão se situar claramente no mundo tradicionalmente

industrializado, ele "arrasta" o resto do mundo, quanto mais não sej a através da

absorção da mão-de-obra necessária à expansão, que tem de vir das periferias, assim

como da capacidade de investimento das economias desenvolvidas em extracção e

exploração de matérias-primas e produtos bá icos, que, situando-se um pouco por todo

44

Page 46: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

o mundo, alimentam a "fornalha" industrialista do "centro". O gráfico que de seguida

apresentamos relata de forma clara um pouco da história deste período.

12

10

8

6

4

2

O

Gráfico 2- Taxa de crescimento anual médio do Produto Interno Bruto de França, Alemanha Federal, Itália, Japão,

Reino Unido e Estados Unidos da América entre os períodos de 1 870-1 913 e 1973-1 980

-+-França --Alem.

Itália �Japão �R.Unido -+-E.U.A.

1870-1913 1913-1950 1950-1960 1960-1970 1973-1980

Fonte: Freeman e Louçã, 2004, 306

O eztraordinário aumento das taxas de crescimento económico que se dá entre 1950 e

1970, embora desigual, mostrando bem a reconstrução da Alemanha, Japão, Itália e

França, reflecte tudo o que foi dito sobre os "gloriosos trinta anos de ouro" dos

principais motores da economia mundial, assim como do período de recessão que se

segue ao primeiro "choque petrolífero". Este período de crescimento sustentado das

maiores economias do mundo tem consequências espectaculares nos seus mercados de

emprego, levando a um período de pleno emprego, e mesmo a uma falta de mão-de­

obra, o que irá abrir caminho a uma vaga de emigração do sul para o norte, e isto quer

nos refiramos ao caso europeu ou ao caso Norte Americano. O gráfico seguinte, que

mostra a variação da percentagem de desempregados em função da população activa de

uma série de países, num período longo, parece elucidativo.

45

Page 47: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Gráfico 3- O desemprego em vários países entre 1 933 e 1 993

(percentagem da força de trabalho)

30 �--------------------------------------------�

25 +---��----------------------------------�

20 +-------�------------------��------------�

15 +---------��------------���------�------�

1933 1959-1967 (média)

1982-1992 (média)

1993

Fonte: Freeman e Louçã, 2004, 309

�França -Alem.

Itália -*-Japão �R.U. ---E.U.A. -+-Irlanda --Espanha - Finlândia

Contudo, e como antes foi dito, o crescimento económico que acompanha estas

variações de desemprego, tendo sede nas maiores economias do mundo, influencia, de

forma geral, o crescimento da economia mundial como um todo, tal como parece claro

do gráfico apresentado por Robert Lucas Jr. (2002, 119). Uma versão simplificada desse

gráfico, a partir dos dados fornecidos para o crescimento económico mundial entre 1750

e 1990 para todas as regiões do mundo dá-nos o seguinte desenho:

46

Page 48: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Gráfico 4- Estimativa da evolução do PIB per capita de

diversas partes do Mundo entre 1750 e 1990, em dólares Norte

Americanos de 1985 -+-E.U.A.

20000 �--====�-----=====��----�

18000+---------------------��--�

16000+----------------------+----�

14000+-------------------�-J�--�

12000+-------------------��j�--�

1 0000 +----------------I---�/II-+--------:j

8000+---------------��,���--�

6000+--------------+�����.---�

4000+------------4�� ���--�--�

1750 1800 1850 1900 1950 1970 1990

Fonte: Lucas Jr., 2002, 178-179

_R.U.

França

-*- Africa (sub- Saara)

--'-Japão

--+-- México

� Resto Europa Ocidental (excepto Ale., Escand., e Holanda)

- Antiga U.R.S.S.

-Sub Continente Indiano

Sudeste Asiático

Resto da América Latina (excepto Cone Sul)

Embora, e tal como já era patente no gráfico anterior, as regiões não tenham todas as

mesmas tipologias de crescimento, o período que se segue a 1950 aparece como um

ponto de arranque ou de intensificação para a maioria das economias aqui retratadas,

excepção feita para os Estados Unidos da América e Reino Unido que têm os seus

arranques de crescimento económico durante o século XIX.

Ligado a este surto de desenvolvimento, assim como ao fim do colonialismo a quem

Robert Lucas Jr. Atribui uma forte responsabilidade nas baixíssimas taxas de

crescimento de uma parte da África subsaariana e da Ásia antes de 1950 (2002, 120), as

condições de vida no mundo melhoram de forma acentuada, embora, e de novo se deva

fazer a ressalva, tal melhoria não se tenha dado uniformemente. De qualquer das

formas, entre muitos outros indicadores, note-se que, entre 1960 e 1992 a população

mundial a viver em países de baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), passou

de 73% para 31% (PNUD, 1995, 19), e na mesma altura a taxa de mortalidade de

menores de 5 anos por cada 1.000 nados vivos descia espectacularmente no mundo,

47

Page 49: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

embora tal descida, no caso da África subsaariana, seja bem menos espectacular

(PNUD, 2005 , 1 9) .

De salientar que este período de enorme crescimento económico e de melhoria

generalizada das condições de vida da maioria dos povos do mundo se dá num contexto

de confrontação ideológica entre dois blocos económico - políticos que disputam a

hegemonia no globo, evitando o confronto militar directo, ma apoiando e enquadrando

militarmente as diferentes facções que emergem dos processos de descolonização da

segunda metade do século XX, contribuindo assim para um estado de guerra de baixa

intensidade que apenas poupa a Europa, a América do Norte e a Oceânia.

Partilhando mais concepções do que parecia ser possível, o socialismo da segunda

metade do século XX e, à falta de melhor designação, o capitalismo da mesma época,

acreditavam seriamente na modernização tecnológica acelerada como forma de escapar

à pobreza, e mesmo divergindo sobre o papel do Estado e do mercado na

implementação de tal modernização, dificilmente os omitiam de uma equação que

passava pela riqueza melhor distribuída, pela crença na ciência como motor do

desenvolvimento e pela interiorização de uma série de atitudes "positivas" que

eliminassem o "fatalismo e a passividade" (Adas, 2003, 38) . Acreditavam também, por

convicção ou conveniência, e em graus diferentes, que a melhoria das condições de vida

dos seus povos já não era apenas uma consequência do diferente empenho que cada

pessoa colocava na sua profissão, mas era também uma responsabilidade do Estado em

que viviam as pessoas. Estas, por sua vez, tinham vindo a percorrer um longo caminho

desde princípios do século anterior, caminho esse que as levava, em ritmos diferentes,

da condição de súbditos à condição de cidadãos, primeiro através da integração social e

de seguida através de um caminho de inclusão política que iria, na egunda metade do

século XX culminar na generalização do sufrágio universal nas sociedades

"ocidentalizadas", a que se acrescentava a emergência de um novo tipo de cidadania

assente em direitos sociais e económicos que iria dar lugar à ideia de Welfare State ou

de Estado-Providência (Esping-Andersen, 1 999, 34).

48

Page 50: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

o Estado - Providência

A noção de "Estado - Providência" está intimamente l igada à emergência da

"Modernidade", no sentido em que, por um lado, aparece associada a mudanças sociais

que se dão por efeito do que chamamos de "Revolução Industrial", e por outro,

relaciona-se com a construção do Estado Nação moderno dos séculos XIX e XX.

Na verdade, para Gosta Esping-Andersen , um dos autores de referência que iremos

seguir, " . . . A industrialização torna as políticas sociais possíveis e neces árias -

necessárias porque os modos de reprodução social pré-industriais, como a família, a

Igreja ( . . . ) ou as associações de solidariedade, são destruídas pelas forças l igadas à

modernidade, tais como a mobil idade social, a urbanização, o individualismo e a

dependência face ao mercado. ( . . . ) O mercado não constitui um substituto adequado,

porque não cuida senão dos que são capazes de nele sobreviverem, ( . . . ) pelo que o

Estado - nação se apropria das "funções de proporcionar o bem-estar" . . . " (Esping­

Andersen, 1 999, 25-26).

Peter Wagner, tal como neste texto foi anotado, coloca a emergência dos Estados­

Providência na transição entre os períodos por ele denominados de "Modernidade

Liberal Restrita" e de "Modernidade Organizada", transição essa que é precipitada pela

tensão entre o discurso l iberal que marca o espaço das elites ocidentais da primeira

metade do século X IX, e as práticas de exclu ão da maioria dos populações que a esse

discurso têm acesso. Nesse lento e conturbado processo de transição entre um e outro

espaço, tomariam forma as instituições de integração que ainda hoje se reconhecem,

entre elas algumas das que constituem o "Estado - Providência", que Wagner, na esteira

de outros autores como Luc Boltanski ( 19 77) e Jacques Donzelot ( 1 980), caracteriza

como sendo peças de um processo de troca política entre, por um lado, melhores

condições de vida, e, por outro, a i nteriorização da discipl ina e da "auto - regulação"

"necessárias" à integração "ordeira" dos estratos sociais subalternos na "cidade

moderna" em construção (Wagner, 1 996, 42-46) .

Para especial istas como Esping - Andersen, apesar de se poder admitir que existe uma

continuidade entre as leis "sociais" dos finais do século X IX, que i rrompem primeiro na

Alemanha bismarckiana para se espalharem de forma desigual e descontínua por alguns

dos países europeus mais desenvolvidos , e a as leis de Beveridge do pós - segunda

Guerra Mundial , as primeiras podem ser claramente circunscritas ao que muitos autores

49

Page 51: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

chamam de "nation bui lding", as segundas fazendo já parte da construção do Estado -

providência contemporâneo (Esping- Andersen, 2003a, 1 -2),

Assim, para este autor, várias são as diferenças entre estas duas "vagas sociais", a

primeira de tais diferenças sendo a origem política das leis de protecção do trabalho que

surgem na Prússia, Inglaterra e Itál ia dos finais do século XIX, face às leis que durante a

década de trinta e sobretudo quarenta do século XX enquadram o nascimento do Estado

- Providência, De facto, enquanto que as primeiras leis de protecção social europeias

são protagonizadas por segmentos políticos conservadores e autoritários, inseridos

frequentemente numa lógica anti - socialista e anti - sindical , tentando construir um

espaço de protecção e integração hierarquizado, tutelado por um Estado paternal ista, as

leis dos anos trinta e quarenta irão ser protagonizadas pelo reformismo europeu, do

l iberalismo ao catolicismo social, com um grande ênfase na social -democracia e no

trabalhismo do pós - guerra (lbidem) e, apesar das diferenças que a plural idade das suas

origens deixam adivinhar, existe nelas aquilo que para Esping-Andersen é decisivo e

comum a este movimento, e que é tentativa de fazer face de uma forma frontal e

decisiva à "questão social" (lbidem),

Neste sentido, no pós - segunda Guerra Mundial , na Europa, no Ocidente, e de formas

diferentes, também em partes cada vez mais alargadas do mundo, colocam-se duas

questões de ordem social e política que irão marcar a época e que ainda se arrastam até

aos nossos dias, e que são, por um lado, a expansão dos sistemas educativos, e, por

outro, a construção de redes estatais permanentes de apoio social e/ou económico cujo

objectivo é o de eliminar ou diminuir o risco da pobreza durante o ciclo de vida das

populações abrangidas por este processo, Como veremos à frente, os critérios de

inclusão dos que têm direito a este apoio institucional izado serão relativamente

variados, num contínuo que irá tendencialmente dos "pobres" a "toda a gente", o que irá

marcar os tipos de "Estado - Providência" que conhecemos, mas, como nos salienta de

novo o autor, os objectivos são suficientemente similares para, na maioria dos casos, a

partir dos finais da década de c inquenta, podermos falar do triunfo no Ocidente, mas

sobretudo na Europa, da ideia de "Estado - Providência": " . . ,In each and every case

these were not simply technical solutions to social security but also a promise to resolve

the «social question» and put an end to class inequalities, To this end, the policy

repertoire, albeit not his ambitions, contents, or design, appeared quite similar

everywhere: the expansion of mass education as the vehicle for equal opportunities and

50

Page 52: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

an end to inherited privi lege; income maintenance as a mean to equalize l iving

conditions and el iminate social risks across the l ife cycle . . . " (lbidem.).

Mas porque se evoluiu neste sentido? Várias são as questões que terão de ser

ponderadas para que se entenda as razões por que se seguiu este caminho, entre elas a

forma que o desenvolvimento económico dos séculos XIX e XX tomou, assim como as

práticas políticas e sindicais que a ele se opuseram, mas cremos que o contexto político

e económico dos pós segunda Guerra Mundial const ituiu uma soberana ocasião que

veio a faci l itar de forma extrema a interiorização muito generalizada da ideia de "Estado

- Providência".

De facto, e apesar de uma parte substancÁal dos especial istas minimizarem o papel da

tensão político do pós guerra na construção desta "ideia de Estado - Providência", ela

não pode, na nossa opinião, ser menosprezada. Esta "ideia", que em muitos casos tem

raízes na esquerda das décadas de entre as duas Grandes Guerras, toma forma numa

época de extrema tensão internacional protagonizada por duas "ideologias"

incompatíveis que se projectam num duro período de disputa sócio-política que, com

algumas intermitências, dura de 1 9 1 7 até aos princípios da década de noventa do século

XX, quando um pouco por todo o mundo a ideia e as práticas do socialismo de Estado

ou "Comunismo" caem estrepitosamente deixando atrás de si um vasto mar de ruínas.

O "Estado - Providência" nasce, e é também resultado destes tempos de aguda luta

política externa e interna, da euforia do "fim do fascismo" e de uma segunda vaga de

entusiasmo pelas ideias socialistas que se segue ao final da segunda Guerra Mundial em

todo o mundo, e estará na origem, em muitos do países capital istas do Ocidente, de

práticas que só mais de quarenta anos depois serão efectivamente apagadas das suas

legislações económicas, tais como as leis de controlo part i lhado da produção i ndustrial

entre sindicatos e patrões, as nacionalizações selectivas de algumas das grandes

industrias consideradas de "interesse públ ico", e, entre outras, o reforço da "planificação

ou do fomento planificado da economia ", que tendo raízes nos postulados Keynesianos

do período anterior, terá um enorme desenvolvimento nesta altura. Se a isto

acrescentarmos, em especial na Europa Ocidental, o espectro da desmobi l ização de

milhões de homens em cujo quotidiano a violência assumiu um papel relevante e que

em casa iriam encontrar sociedades economicamente destruídas e desemprego

assegurado, um cenário que avivava a memória ainda fresca das consequências da

primeira Guerra Mundial , a vizinhança do exército soviético estacionado em Viena e em

Berl i m e a força dos s indicatos e dos Partidos Comunistas nos Es[ados do continente

5 1

Page 53: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

europeu, entende- e como a conjuntura da chamada "Guerra Fria" favoreceu a

institucional ização do "Estado - Providência".

Assim, não parece difíc i l de ver o "Estado - Providência" como resultante, não só de um

longo período de crise económica e de confl ito político com picos de grande violência

militar durante o qual se conjugaram uma enorme amálgama de elementos

desagregadores que levaram os Estados a intervir mais do que seria normal noutras

condições, mas também como resultante das cedências das el i tes políticas e económicas

do Ocidente, e sobretudo da Europa, que, emparedadas entre a pressão sindical e

política a que internamente estavam sujeitas e a sombra das tropas soviéticas

estacionadas não muito longe das suas fronteiras, preferiram ceder no que era possível

de maneira a manterem o essencial .

No entanto e como salienta Shei la Fitzpatrick ( 1 998, 2 1 8), no Ocidente, e em especial

na Europa, a "despol itização" do "Estado - Providência" é relativamente rápida e para

isso contribuem o facto de os seus princípios de base terem sido adoptados com relativa

facilidade pela várias famíl ias politicas europeias, o que levaria a um rápida

diversificação dos sistemas, os quais só virão a ser verdadeiramente postos em causa na

década de oitenta do século XX, por via do estertor do "fordismo" e do mi l i tantismo do

"neol iberal ismo". Note-se, al iás, que a questão da diversidade das origens políticas do

"Estado - Providência", que na opinião de Esping-Anderson terá sido o reflexo de

coligações de interesses mais ou menos alargados, irá ser, como à frente veremos, uma

questão determinante não só na diversidade de configurações que ainda hoje podemos

encontrar, como da maior ou menor profundidade com que a ideia foi interiorizada pelas

diferentes sociedades.

E no entanto, como podemos definir "Estado - Providência"? Ou seja, o que diferencia a

ideia, assente na história política dos séculos X IX e XX, de que os Estados - nação são

entidades que para o serem têm de construir um tipo de integração e articulação mais

densos e variados do que as entidades estatais anteriores, tornando-se portanto em

"Estados providênci a naturais", de uma ideia e uma prática que autores como Manuel

Castel ls (2000, 1 85 ) e Anton Hemerijck (2003) definem como constituindo um dos

traços de uma hipotética identidade europeia e clamam como estando na origem do

"Modelo Social europeu" ?

Numa tentativa de real inhar as possíveis definições de "Estado - Providência", Esping­

Andersen ( 1 994) analisa três l inhas principais de argumentação que passaremos a expor

de forma breve.

52

Page 54: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

A primeira, avançada por G. Therborn em 1 983, define "Estado - Providência" como

um Estado em que a maioria das suas rotinas diárias seja ocupada com o serviço de

ajuda e apoio à pessoas e às farrúlias (Thernborn, c itado por Esping-Andersen, 1 994,

424). São várias as objecções a este tipo de definição, a primeira sendo que se tornam

necessários critérios de medição sobre "rotinas diárias", e se estas forem constituídas

por investimento financeiro e humano, então só e poderá falar de "Estados -

Providência" a partir da década de setenta do século XX, e num número muito reduzido

de países, o que contrasta com a realidade percebida, devendo, quando muito, contribuir

para separar estados com "programas sociais", de "verdadeiros E tados - Providência"

(Esping-Andersen, 1994, 424).

Estas objecçõe levam a uma segunda defi nição, que endo abrangente, aponta para a

emergência de dois tipos de "Estado - Providência", os "Estado - Providência residual"

e o "Estado - Providência institucional". O primeiro, que serve ainda de base para a

definição do modelo l iberal ou "anglo-saxónico" de "Estado - Providência", define-se,

de forma muito breve, pelo facto de assumir que o E tado só deve avançar no seu papel

de assistência económica e social quando as farrúlias e os mercados se mostrarem de

todo incapazes de cumprir esse papel . Os objectivos deste tipo de sistema social são o

de promover a reinserção dos indivíduos no mercado de trabalho a quem reconhecem

um papel central na regulação económica da vida das sociedades. O segundo define-se

por estender o grau de protecção a toda a população, através da extensão às c lasses

médias das medidas de protecção social e económica que historicamente surgem para

amparar os "mais pobres", colocando assim o indivíduo no centro das preocupações

ociais, ou, numa expressão mais pol itizada, subordinando o campo económico à

sati fação de um número alargado de necessidades humanas, num processo que leva o

indivíduo a poder l ibertar-se da "tirania do mercado".

O autor prefere avançar uma terceira l inha de anál ise, que parte do princípio de que os

Estados - nação ocidentais contemporâneos se tornaram em "Estados -Providência

naturais" como antes assinalámos, existindo no entanto, diferenças entre eles, as quais

podem ser anal i adas à luz de alguns conceitos que o autor considera como "conceitos -

chave". Assim e partindo da definição de "Estado - Providência" da autoria de T .H .

Marsahal (Idem, 425), que postula que no âmago da noção de "Estado - Providência"

está a ideia fundamental de que existe, para além de uma cidadania política, uma

"cidadania social", o autor avança a hipótese de que esta últ ima poderá ser analisada à

53

Page 55: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

luz do peso que a noções de "desmercadorização do trabalho" e "estrati ficação social"

assumem em cada sistema (Ibidem).

No que diz respeito à primeira noção, a de "desmercadorização", tradução l ivre da

palavra inglesa "De-Cornrnodification", Esping-Andersen define-a como a capacidade

de um sistema social garantir a um trabalhador uma forma de rendimentos alternativa à

que o mercado oferece. Por outras palavras, e segundo este autor, assi m se define a

capacidade de um sistema de segurança garantir a um indivíduo a emancipação face à

dependência do mercado (Ibidem): " . . . a introdução dos direitos sociais modernos

implica a concepção do indivíduo desligada do estatuto de "produto". A

desmercadorização tem lugar quando um serviço é obtido como um direito e quando

uma pessoa pode conservar os seus meios de existência sem depender do mercado . . . "

(Esping-Andersen, 1 999, 35) .

Esta tem sido a base da maioria dos Estados - Providência ocidentais, embora de formas

diferentes : se as prestações sociais de assistência no desemprego ou na doença são

significativamente mais baixas do que os salários recebidos, então estamos perante

sistemas cujo objectivo é o de reforçar o mercado, desincentivando os utentes a usarem

os apoios estatais, podendo-se chegar ao extremo de construir uma imagem de estigma

para os que deles beneficiam apressando assi m o seu retorno ao mercado de emprego.

Se, no entanto, o Estado reconhece ao indivíduo o direito de em determinada altura

poder optar pelo "não-trabalho", sem perda potencial de emprego, de rendimentos ou de

bem-estar geral , estaremos de igual modo num "Estado - Providência", embora

substancialmente diferente do primeiro. De facto, no primeiro, a "desmercadorização"

do trabalho é núnima, mas existe, visto que o indivíduo não está totalmente dependente

do mercado, enquanto que na segunda versão a desmercadorização do trabalho é total ,

visto que define uma situação de real emancipação por parte do indivíduo face ao

mercado. Embora alguns Estados europeus da transição da década de sessenta para a

década de setenta se tenham aproximado deste últ imo modelo (Idem, 37), estes dois

exemplos servem sobretudo para demonstrar como a uti l ização de um conceito como o

de "desmercadorização do trabalho" nos pode ajudar a definir os vários tipos de "Estado

- Providência".

A segunda questão crucial na definição de um "Estado - Providência", é para Gosta

Esping-Andersen, a questão do papel que o Estado e os sistemas sociais a ele

assimilados assumem no fomento, ou, pelo contrário, no desencoraj amento da

estratificação social das sociedades em que se inserem.

54

Page 56: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Assim sendo, a práticas sociais dos diferentes "Estados - Providência - tipo" variam

entre formas de ajuda destinadas apenas aos mais pobres, encorajando as classes médias

a recorrerem ao mercado privado de assi tência, o que é próprio de regime com um

sistema de universal ismo relativamente restrito, reflectindo e acentuando uma

estratificação social clássica; práticas de assistência variada consoante os regimes de

contribuição de cada um, os quais, por sua vez se encontram estratificados por

profissões, em sistemas que, mesmo no contexto de práticas assistêncialistas universais,

tendem a manter a estratificação social tradicional ; e práticas de assi tência igual itária,

baseada em indexações que implementam a igualdade de estatuto entre todos os

cidadãos, independentemente da classe social de origem e da posição que ocupam no

mercado de emprego.

A primeira destas alternativas promove e intensifica a estratificação social , a segunda é

suposto mantê-la, a terceira é suposto desencorajá-la, mas, se nenhum sistema se pode

definir da forma simples como o fizemos, visto que os "Estados - Providência"

existentes contêm normalmente elementos de todas as configurações que referimos, elas

ajudam-nos a al inhar os tradicionais tipos de "Estado - Providência" referenciados por

Esping Andersen ( 1994, 427-429 ; 1 999,37-4 1 ) .

Assim, recorrendo aos conceito de "desemercadorização" e de "estratificação", podem

ser desenhados os três modelos clássicos de "Estado - Providência", ou poderíamos

mesmo dizer, os três tipos de Estados modernos hoje existentes no mundo : O "Estado -

Providência" l iberal , com um grau mínimo de "desmercadorização do trabalho", com

uma forte componente estratificadora em termos sociais, com um grau de universalismo

restrito e essencialmente financiado por i mpostos, de que um exemplo típico parecem

ser os Estados Unidos da América; os "Estado - Providência" corporativistas, com um

grau elevado de "desmercadorização do trabalho", manutenção da estratificação social ,

no contexto de um universalismo alargado, financiado por impostos e por cotizações

sociais, característica da maioria dos países da Europa continental, com uma versão

característica dos países do Sul , de influência catól ica e que enfatiza o papel da farru1ia

tradicional ( 1 994, 430; 1 999, 42); e o "Estado - Providência" de inspiração social­

democrata, universalista, com um grau elevado de desmercadorização do trabalho,

desencorajando a estratificação social através de uma igualdade de direitos e benefícios

independente das origens sociais e de classe e quase que exclusivamente financiado por

i mpostos, como é característico das sociedades escandinavas e de algumas outras

europeias como é o caso da Holanda.

55

Page 57: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

As razões para tal diversidade têm vindo a ser expostas de forma esparsa, mas Esping -

Andersen, de novo, atribui-as quer a factores político-sociais, como as estruturas de

classe e as suas respectivas al ianças, quer a factores históricos como as uas tradições de

in t itucional ização: " . . . H istoricamente a criação de um "Estado - Providência" depende

sempre de uma forma de col igação política. A estrutura da coligação de classes é

sempre mais decisiva que os recursos e o poder de uma só classe social . . . "( Esping

Andersen, 1 999, 45).

Desta forma, em sociedades de baixa estratificação e alta mobilidade social , em que foi

fácil a construção de alianças interclassistas que conseguiram mobi lizar fortemente as

classes médias, a universalização e desmercadorização do trabalho foram mais

faci lmente implementadas, embora sustentadas em custos fiscais enormes, cujo reverso

só poderia ser uma qualidade de serviços que mantivesse a classe média afastada da

assistência privada; em sociedades com graus de estratificação altos e mobi l idade social

baixa, com tradições fortes de conflito social e político, os consensos in terclassistas

estabeleceram-se em torno de um certo grau de desmercadorização do trabalho e da

universal ização do sistema, com uma forte mediação do Estado, necessária para manter

o consenso e gerir a diversidade de estatutos preexistentes; em sociedades que partem

de graus de estratificação e também de mobil idade social mais altos e em que as

al ianças interclassistas foram mais difíceis de constituir e sobretudo de manter, a

tendência foi para a universal ização minimalista do sistema com a manutenção do

mercado como regulador fundamental, quer no que diz respeito ao regime de trabalho,

com uma desmercadorização restrita, quer no que respeita à própria fonte da segurança

social, constituída em grande parte pela assistência privada.

Como antes foi escrito, nenhum destes sistemas, assim como as causas que

supostamente lhes deram origem, é "puro", e todos têm sofrido mudanças importantes,

obretudo devido ao seu enorme custo financeiro em economias com taxas de

crescimento mais baixas do que as dos "trinta anos de ouro", e em sociedades com

estruturas demográficas muito diferentes das de então. No entanto, independentemente

das tipologias e das configurações possíveis que se organizam em torno do conceito de

"Estado - Providência", no que não parece haver dúvidas é no extraordinário aumento

de prestações sociais que lhe foram dando corpo: uma estimativa do investimento em

segurança e protecção social das economias mais desenvolvidas do planeta calculava

que de 1 952 para 1 973 , tal investimento tenha tido um crescimento de entre quinze a

vinte e quatro por cento, tendo como efeito directo a drástica redução de taxas de

56

Page 58: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

pobreza, que, por exemplo, nos Estados Unidos passam, no mesmo período de tempo,

de 22,4% para 1 2 , 1 %, sensivelmente a mesma proporção de pobres existentes em

França, ainda assim muito acima dos 7,5% de pobres que na mesma altura viveriam na

Grã-Bretanha e dos 3% que tinham tal sorte na Alemanha ((Brown et aI. , 1 999, 3 ) . E

mesmo sabendo-se que, de novo, os números não poderiam ser iguais para todos, os

dados apresentados no capítulo anterior mostram como o desenvolvimento económico

que teve lugar nestes tempos foi acompanhado por uma melhoria geral das condições de

vida no mundo, uma parte dela, sem dúvida que alimentada por uma concepção de

Estado que, independentemente dos desenhos que teve, poderemos i ntitular como

pertencendo à famíl ia do "Estado - Providência". Tratou-se, assim, de uma época em

que, nas palavras de Ramesh Mishra, um do especiali tas sobre as questões do "Estado

- providência", as concepções derivadas das ideias Keynesianas permitiram um período

de consenso longo e alargado que se traduziram por uma notável síntese entre

capitalismo e democracia e entre crescimento económico e justiça social (Mishra, 1 995,

xi i ) .

Como suporte e parte integrante deste "Estado social", teremos pOIS, o caso da

educação.

A Educação I: a expansão do pós guerra

É impossível , como pensamos ser claro a partir do que já está escrito neste texto,

referirmo-nos à educação no sentido sistémico, sem a apresentar como algo de

e truturalmente l igado às componentes sociais e económicas que temos v indo a expor.

A educação na segunda metade do século XX, descrita nas componentes que nos

parecem fundamentais, e circunscrita à esfera do mundo dominada pela supremacia da

ideia de economia de mercado, insere-se, recorrendo de novo aos conceitos, se não

criados, pelo menos adaptados por Robert Boyer, num "modo de produção capital ista",

(Boyer, 2002, 6 ; Boyer e Salard, 2002b, 565) gerido no âmbito de um "modo de

regulação" marcado pelo Keynesiani mo, e pilotado por um órgão a que Christine

André (2002, 45) chama de "Estado inserido", que está na origem da enorme expansão

de funções sociais que caracterizam o "Estado - Providência" do pós segunda Guerra

Mundial.

De forma mais simples, poderíamos dizer que a educação aparece aos olhos de muitos

autores do pós segunda Guerra Mundial , como uma das peças - base do binómio

"expansão económica - j ustiça social", possibil itado pela prática do "Estado -

Providência" dominante no Ocidente (Mishra, 1995, x i i).

57

Page 59: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Escrevendo a respeito do desenvolvimento e expansão da educação na Europa Ocidental

durante o mesmo período, o sociólogo Hartmut Kaelble ( 1 985) salienta que ela se

regista sobretudo a nível dos sectores secundário e terciário, e acentua o facto de que,

pela primeira vez durante os séculos XIX e XX, este desenvolvimento se dá de forma

similar na região, contribuindo para a sua homogeneização e reforçando os l aços

identitários anteriores. Para este autor, as causas de tal desenvolvimento são, em

primeiro lugar, a ampliação em dimensão e em funções dos "Estado - Providência" que

necessitarão de um número progressivamente maior de quadros dotados de uma

formação avançada para o gerirem; em segundo lugar, a consolidação de uma indústria

sofisticada, que procura responder a uma sociedade de consumo através da inovação e

da venda massificada, o que irá desenvolver a necessidade de maior quantidade de mão­

de-obra qual ificada do que em períodos anteriores; finalmente, a própria expansão do

s istema educativo, que se reproduz, necessitando de cada vez mais professores para se

manter e ampliar ( Idem, 77) .

Assim sendo, os diversos autores que se debruçam sobre a expansão da educação formal

no período do pós guerra, apresentam como razões para que isso suceda questões

relacionadas com o período de rápido e sustentado desenvolvimento económico assim

como o alargamento das práticas sociais relacionadas com a ideia de "Estado -

Providência". Mas seria este modelo de Estado e o que ele pressupunha característico

apenas das democracias ocidentais?

De facto, embora a designação de "Estado - Providência" também possa ser apl icada ás

sociedades socialistas que se foram implantando no pós guerra, sobretudo na Europa e

na Ásia, ou, embora em menor grau, às sociedades "capitalistas" autoritárias e

ditatoriais que, no contexto da Guerra-Fria, persistiam na Europa do Sul, na Ásia, na

América Latina e em África, a generalização desta designação terá de ser cuidadosa,

uma vez que a ideia de "Estado - Providência" aparece normalmente associada a

sociedades em que se respeitam os Direitos Civis relacionados com a propriedade e o

mercado, os Direitos Sociais relacionados com a l iberdade rel igiosa, de d iscurso, de

reunião e de associação e os Direitos Políticos que contemplarão, na sua fase última, o

Sufrágio Universal (Rose, 2000a), o que estava longe de ser o caso das sociedades antes

mencionadas.

Como antes sublinhámos, o que marcava a maioria dos desenhos societários saídos do

pós segunda Guerra Mundial, ou pelo menos aquilo que os legitimava, criando assim

algumas pontes inesperadas (Latham, 2003, 1 -22), seria a ideia de "modernização"

58

Page 60: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

como uma forma de aceleração económica e social em direcção ao "progresso", num

ritmo que pudesse "queimar" as etapas do desenvolvimento económico tal como ele se

deu nos países pioneiros da Revolução Industrial - não havia tempo para isso !

Comparando as ideias "ocidentais" e socialistas de "modernização", Michael Latham,

escreve o seguinte: " . . . both models stres ed the abi l ity of enl ightened elites to

accelerate an inevitable, universal movement through historical stages and posited that

technological diffusion would engender a new consciousness as well as a new

society . . . " ( Idem, 9).

Portanto, independentemente da observância em maIOr ou menor grau dos Direito

Civis, Sociais e Políticos dos indivíduos por parte dos Estados que os tutelam, a ideia de

progresso e, por essa via, de inclusão social progressiva, como característica da

transição do que Peter Wagner designava por "Modernidade Liberal Restrita" para a

"Modernidade Organizada", marcou o tom político do pós - guerra e nesse sentido a

educação era vista por todos como um factor fundamental em tal transição. De facto, e

tal como verificámos para o caso da economia e das prestações sociais que marcam o

crescimento da ideia de "Estado - Providência", ou se quisermos, e de forma mais

abrangente, de "Estado social" ou ainda de forma mais lata, de "Estados com crescentes

preocupações sociais", os progressos da educação dar-se-ão por todo o mundo, e nas

palavras de Phillip Brown, A. Hasley, H . Lauder e A. Stuart Wells , " . . . for the first time,

in the post war period, education took a central position in the functioning of the

advanced industrial societies because it was seen as a key investment in the promotion

of economic growth as well as a means of promoting social justice . . . " (Brown et aI. ,

1 999, 4) .

Antes de analisarmos os sentidos políticos e sociais desta expansão, convêm no entanto,

fixar-lhe os l imites. Como veremos nos quadros que de seguida apresentamos, os

progressos educativos no mundo estão longe de se cingirem apenas à Europa Ocidental

ou às "sociedades industriais avançadas", como sugerem H artmut Kaelble por um lado,

e Brown, H asley, Lauder e Wells , por outro, no trecho que antes transcrevemos.

S9

Page 61: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 2 - Percentagem de crescimento do número de al u nos inscritos nos três

graus de ensino nas várias partes do m u ndo entre 1 950 e 1 960

Crescimento 1 950- Crescimento 1 950- Crescimento 1 950-1 960 no Primário 1 960 no Secu ndário 1 960 no Terciário

No Mundo 60,3% 86,5% 84,1% Em Africa 97,1% 171,5% 254,5%

Nas Américas 53,2% 62,6% 49,9% Na Asia 111,1% 105,4% 156,3%

Na Europa 8,8% 68,8% 61, 6% Na Oceânia 51,4% 91,1% 118,1%

Na U RSS - 5,3% 91,8% 92,2% "

Fonte: Le Than Khol, 1 970, 15, baseado em dados da U N ESCO.

Como se pode verificar nos quadros 2 e 3 a percentagem do número de aluno inscritos

no mundo aumenta de forma extraordinária entre 1 950 e 1 980, embora tal aumento se

registe de forma desigual entre regiões, sendo que a principal discrepânci a se encontrará

nas taxas de crescimento da escolarização entre regiões em desenvolvimento e regiões

desenvolvidas, com largas vantagens para as primeiras, por razões que iremos anal isar

mas que parecem óbvias, visto que, ao partirem de patamares muito mais baixos, têm

um maior potencial de progressão.

Quadro 3 - Percentagem de cresci mento do n úmero de al u nos i nscritos em

várias partes do m u ndo, por grau de ensino, região e grau de desenvolvi mento

dos países entre 1 960 e 1 980.

Crescimento entre Crescimento entre Cresci mento entre 1 960 e 1 980 no 1 960 e 1 980 no 1 960 e 1 980 no

Pri mário Secundário Terciário Países Desenvolvidos 1% 72% 214%

Países em 142% 358% 523% Desenvolvimento

Fonte: Coombs, 1985, 99, baseado em dados da U N ESCO.

As razões para as diferenças entre estas taxas de crescimento estão patentes no quadro

4, que retrata a percentagem de crianças, adolescentes e jovens adultos que frequentam

a escola por grupos de idade entre os 6 e os 23 anos, em várias regiões do mundo, entre

1 960 e 1 980.

60

Page 62: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 4 - Percentagem de crianças, adolescentes e jovens adu ltos que

frequentam a escola, por grupo de idade, em 1 960, 1 970 e 1 980 em várias regiões

do m u ndo

Grupo de idade 1 960 1 970 1 980 América do Norte 6- 1 1 1 00 % 1 00 % 1 00 %

1 2- 1 7 92 % 95 % 96 % 1 8-23 29 % 46 % 51 %

Europa 6- 1 1 89 % 93 % 94 % 1 2- 1 7 59 % 70 % 79 % 1 8-23 1 2 % 2 1 % 29 %

Africa 6- 1 1 34 % 43 % 63 % 1 2- 1 7 1 6 % 26 % 37 % 1 8-23 2 % 4 % 8 %

Sul da Asia 6-1 1 48 % 58 % 66 % 1 2- 1 7 1 9 % 28 % 32 % 1 8-23 3.4 % 7 % 9 %

América Latina e 6-1 1 58 % 72 % 81 % Caraíbas

1 2- 1 7 37 % 5 1 % 64 % 1 8-23 6 % 1 1 % 22 %

Fonte. Coombs, 1 985, 100, baseado em dados da U N ESCO

Assim, em 1 960, enquanto que a percentagem de crianças e adolescentes com idades

compreendidas entre os 6 e os 1 7 anos que, na América do Norte, ou seja, nos Estados

Unidos da América e no Canadá, estão a estudar, se aproxima dos 1 00%, deixando

pouca margem de evolução para o seu crescimento, ela é mais baixa na Europa, e

bastante mais baixa no resto do mundo. Desta forma, este quadro mostra-no que a

margem de crescimento da relação entre crianças, adolescentes e jovens adultos, por um

lado, e potenciai s alunos, por outro, é, em 1 960, na América do Norte, forte apenas para

o sector universitário; na Europa, na mesma altura, ela é tendencialmente forte para os

sectores Secundários e Universitários, e, no resto do mundo, este potencial de

crescimento é enorme para todos os sectores de ensino, expl icando assim, e como antes

foi mencionado, parte das desigualdades no crescimento da frequência escolar que se

regista em diferentes partes do mundo. Tratando-se de um desenvolvimento a todos os

níveis notável, ele começa, no entanto, a abrandar a partir da década de setenta como o

nota Phi l l ip Coombs, devido, no entanto, a razões diferentes conforme se trate dos

países Desenvolvidos ou dos países em Desenvolvimento. Referindo-se aos primeiros,

afirma este autor o seguinte: " . . . The outlook for industrial countries is ( . . . ) c lear. Their

great educational expansion that began in the 1 950s reached its greatest momentum in

the 1 960s, then slowed down sharply in the 1 970s and carne to a virtual halt in the

1 980s. There is l i ttle reason to expect any major revival in the developed world during

6 1

Page 63: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

the next two decades ( . . . ) there is a strong l ikel ihood however of a steady increase of

enrolments ( . . . ) on the part of older youth and adults ( . . . ) special l y at the post

secondary leveI . Most of these ( . . . ) can be accommodated in existing faci l ities ( . . . ) by

existing staff . . . " (Coombs, 1 985, 96).

Ou seja, no caso dos países Desenvolvidos, a estagnação das taxas de crescimento do

número de alunos a partir da década de 70 deve ser atribuída a um quase esgotamento

do potencial educativo dos grupos etários tradicionalmente "educáveis", que parecem

ter atingido valores de frequência escolar muito próximos do seu tecto máximo, e na

ausência de mudanças drásticas no campo demográfico, o aumento virá apenas, ou de

uma extensão etária da obrigatoriedade de frequência escolar, ou de um relançamento

da educação e da formação ao longo da vida que abrangerá directamente os públicos de

adul tos e de jovens adultos.

Já no que diz respeito aos países em Desenvolvimento o autor realça o seguinte : "

The pace for educational growth ( . . . ) slowed substantiall y in most developing countries

by the late 1 970s ( . . . ) Because of their continuing population growth ( . . . ) and their sti l l

relatively low educational participation rates ( . . . ) these countries will be under ( . . . )

pressure to continue their educational expansion ( . . . ) but their ( . . . ) abi l ity to do so is in

serious doubt, except for the ( . . . ) few in an unusual ly favourable economic position and

a number of others with an especial ly strong politicaI commitment to educational

expansion at the sacrifices of other publ ic services . . . " (Idem, 97). Ou seja, um

desenvolvimento demográfico inverso do que na mesma altura se regista nos países

Desenvolvidos, exerce uma enorme tensão sobre sistemas educativos pós-coloniais que

necessitam de grandes investimentos para se expandirem e assim responderem às

expectativas entretanto criadas, numa altura, durante a segunda metade da década de

setenta, em que tais investimentos começam a ser mais difíceis de obter devido ao

abrandamento do crescimento económico mundial que se verifica na altura.

Por outras palavras, o enorme relançamento do pós - guerra, que fez o mundo crescer do

ponto de vista económico e social, de forma desigual, mas ainda assim crescer, estava a

chegar ao fim, ou, recorrendo aos autores que perfi lham a hipótese de que o

desenvolvimento económico da Modernidade se fez por ciclos, o pico de crescimento da

quarta vaga de Kondratiev estava atingida, os primeiros efeito da fase de "destruição

criativa" que antecedia o próximo ciclo (Nunes, 2003, 563), começando a mostrar as

suas con equências.

62

Page 64: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Tais consequências parecem reflectir-se na estagnação das disponibilidades orçamentais

para a educação que poderão ter implicado um abrandamento das taxas de crescimento

de alunos nos Sistemas Educativos um pouco por todo o mundo, embora a relação entre

crescimento da economia, investimento público na educação e taxas de frequência

escolar não seja um assunto totalmente pacífico e esclarecido entre os economistas,

como mais à frente teremos ocasião de verificar (entre outros, Chabbot e RaITÚrez,

2000 ; Diebolt, 1995; Nunes, 2003) .

o gráfico que se segue mostra a variação dos gastos públicos com a educação em

percentagem dos Produtos Nacionais Brutos, entre 1960 e 1979, em países

Desenvolvidos e em países em Desenvolvimento e apesar de Coombs avançar razões

diferentes para o abrandamento do crescimento da educação em cada um dos dois

grupos de países, as curvas relativas às disponibilidades financeiras públicas para o

sector educativo, mostrando quantidades de investimento muito diferentes, salientam no

entanto, tipologias muito semelhantes.

7

6

5

4

3

2

o

Grafico 5- Gastos públicos em educação,entre 1960 e 1979, em percentagem do PNB: países

Desenvolvidos e países em Desenvolvimento

1960 1965 1970 1975 1979

-+-Países Desenvolvidos

-Países em Desenvolvimento

Fonte: Coombs, 1985, 141.

Como se vê por este gráfico, o aumento do investimento em educação entre 1960 e

1975 é enorme, entrando depois numa fase de estagnação ou de recessão que, no

entanto, só poderá ser confirmada com dados de mais longo prazo, mas que se cruza

muito bem com o que se passa com as taxas de crescimento económico mundial da

mesma altura.

63

Page 65: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Assim, e como salienta Clara Nufíez, apesar de a ideia segundo a qual "muito

investimento na educação representa melhor educação" se revelar ambígua e nem

sempre real, a dimensão de tal investimento e o seu grau de sustentação, que se mede na

permanência durante períodos longos de patamares de financiamento altos, constitui, em

geral, um forte indicador da vontade pol ítica dos Estados em se desenvolverem e

desenvolverem as populações que tutelam: " . . . expenditures are a poor indicator of

human costs i f not expl icitly related to unit costs . Increasing expenditures might

indicate increasing costs ( . . . ) due to higher teacher' s wages, rather than larger

enrolment rates. Expenditures should, therefore, be used with caution as an indicator of

human capital, especial ly if not accompanjed by other estimates based upon enrol lment

or degrees attained. They do provide, however, a useful approach to each society' s

commüment to guaranteeing schooling for aI ! . . . " (Nufíez, 2003, 54 1 ).

O esforço dos países em Desenvolvimento referenciados neste quadro é notável , uma

vez que em duas décadas assistimos à duplicação do esforço financeiro investido na

educação, que passa, segundo o autor, de uma média um pouco superior a 2% do seu

PIB em 1 960, para uma média aproximada de 4% dos seus Produtos Nac ionais, mas o

esforço dos países Desenvolvidos, partindo de patamares diferentes, tem também de ser

referido uma vez que envolvem, em termos quantitativos, dimensões muito distintas .

Assim, de 1 970 a 1 979, os países Desenvolvidos multiplicaram as suas despesas em

educação por aproximadamente um factor de 3 , 1 e os países em Desenvolvimento

multiplicaram o mesmo investimento por aproximadamente um factor de 5, mas os

quantitativo em causa são desproporcionado : enquanto que os primeiros passam de

um investimento de 1 46 para 464 bi l iões de dólares, os Países em Desenvolvimento

passam de um investimento de 1 2,4 para 65,6 bi l iões de dólares (Coombs, 1 66) . O facto

de este total não englobar a China nem os Estados Social istas Asiáticos da altura

distorce os verdadeiros valores, mas as diferentes dimensões dos gastos em educação

são bem c laras quando se compara o que se despende por aluno em 1 970 e em 1 979,

nos países Desenvolvidos, e, por exemplo, em África ou na América Latina: nos

primeiros, passa-se de uma despesa de 1 36 dólares americanos por aluno em 1 970, para

uma despesa equivalente a 403 dólares em 1 979; em África tais despesas passam de 8

para 30 dólares norte americanos e na América Latina e Caraíbas passam de 20 para 73

dólares norte americanos durante o mesmo período de tempo (Idem, 1 68) .

Trata-se, no entanto, e para todos, de um investimento caro que, à medida que se vai

avançando no tempo, se torna ainda mais avultado, o que pode supor mais qualidade

64

Page 66: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

através da quantidade e qualidade do material didáctico e do conforto da escola, ou,

apenas, e como já vimos através das palavra de Clara Nufíez, sobretudo melhores

ordenados para os professores e auxi l iares de educação assim como equipamentos mais

caros para funções didácticas equivalente . De qualquer das formas o números são

claros : de 1 963 a 1 975, o custo de um aluno sueco de uma escola básica de Estocol mo

passa de 3 .793 coroas suecas cotadas em 1 968, para 5 .904 coroas à mesma cotação

(Idem, 1 69); ou, aumentando o espaço de tempo de maneira a termos uma perspectiva

histórica, o custo estimado de um aluno americano em 1 929 é de 490 dólares com a

cotação retida para o ano de 1 979-80, pa sando tal custo em 1 980, ou seja, cerca de

meio século depois, para 2.494 dólares à mesma cotação (Idem, 1 70).

Assim sendo, compreende-se o quadro seguinte, que demonstra bem o abrandamento do

crescimento do públ ico educativo entre 1 960 e 1 980.

Quadro 5 - Variação anual da percentagem de alu nos insc ritos por grau de

ensino e por região, entre 1 960 e 1 980

G rau de 1 960-65 1 965-70 1 970-75 1 975-80 Ensino

Países Primário 1 , 5 % 0 ,6 % - 1 ,0 % - 0, 9 % Desenvolvidos

Secundário 6,3 % 2,3 % 2,4 % 0 , 3 % Terciário 9,2 % 7,2 % 5,2 % 1 ,8 %

Total 3,3 % 1 ,6 % 0,7 % - 0,2 %

Países em Primário 6,4 % 4,2 % 3,9 % 3,4% Desenvolvi mento

Secundário 1 0,6% 7,6% 6,7% 6,0% Terciário 1 1 ,9% 8,9 % 1 0,9 % 7,2 %

Total 7,2 % 4,9 % 4,7 % 4,0 %

Fonte: Coombs, 1 985, 1 0 1 , baseado em dados da U N ESCO.

Este quadro, testemunhando um certo "arrefecimento" da expansão educativa entre

1 960 e 1 980, realça, ainda assim, uma tenaz per istência na ideia de que mais educação

é necessária. Na verdade, o crescimento do número de alunos, excepção feita ao sector

de Ensino Primário dos paises Desenvolvidos e por razões que antes expusemos,

continua a dar-se, ainda que de forma menos vigorosa, num ciclo económico que, de

1 973 até pelo menos meados da década de oitenta, é, senão recessivo, pelo menos de

estagnação.

Ou seja, parecia conquistada a ideia exposta por Claude Diebolt, apl icável sobretudo às

principais formações económico-sociais da Modernidade, de que " . . . depuis 1 945 le

mode de régulation fondée sur le profit et I ' accumulation matérielle semble reculer en

65

Page 67: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

faveur d ' un mode de régulation fondée sur le développement des hommes . . . " (Diebolt,

1 58) . Por outras palavras, e segundo este e outros autores, assistimos no período do pós

segunda Guerra Mundial a uma profunda mudança nas relações até aí dominantes entre

a noção de "crescimento económico" e o esforço de "investimento na educação". Mas

que significa isto?

De forma explícita, Ana Bela Nunes (2003, 563-564) expõe, baseada em trabalhos

desenvolvidos por Claude Diebolt e Sandrine Michel, um esboço das relações entre

desenvolvimento económico e investimento na educação durante o século XX. Assim

para esta autora, que se baseia em trabalhos que incluem o tratamento s istemático de

longas séries estatísticas dos séculos X IX e XX de alguns dos principais países da

Europa, os momentos de maior investimento na educação por parte destas sociedades,

antes da segunda Guerra Mundial, coincidem com fases de depressão na economia e são

levadas a cabo com o fim de "requal ificar" o "capital humano" envolvido no ciclo

produtivo, como parte de uma tentativa de o reanimar, ou seja, trata-se de uma relação

em "contra - ciclo". Pelo contrário, nas fases de crescimento económico que se seguem,

os principais investimentos relacionam-se com o chamado "capital físico" como forma

de potenciar o retorno de capital antes investido, tornando assim o investimento em

educação estreitamente l igado à esfera da produção económica. Depois de 1 945, a

relação entre investimento na educação e crescimento económico parece inverter-se,

sendo o principal esforço realizado em períodos de expansão económica e decrescendo

o investimento em períodos de recessão, o que se traduz numa coincidência de ciclos

entre expansão da economia e investimento na educação.

Por outras palavras, e segundo estes autores, a partir de 1 945, uma parte significativa

das disponibil idades financeiras resultantes dos ciclos de expansão da economia é

apl icada em factores de desenvolvimento humano, alguns de tais factores tendo

certamente raízes numa visão l igada à "eficiência económica", nomeadamente os que se

encontram associados ao incremento de "capital humano", outros encontrando-se, no

entanto, relac ionados com uma visão política e social da pessoa, l igando a educação

directamente à democracia e à mobi lidade social, e autonomizando, em parte, o

investimento em educação das políticas activas de promoção do crescimento

económico. Se este é um dos pontos como historicamente a "esquerda" dos séculos X IX

e XX encara as relações entre educação e sociedade, o que é novo é que esta associação,

e portanto, esta política, se torna hegemónica durante um período largo de tempo,

precisamente o período de que nos ocupamos nesta parte do texto.

66

Page 68: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Assim, por um lado, o investimento em educação aparece mais e treitamente l igado às

disponibil idade financeiras próprias a cada ciclo económico, por outro, a educação

deixa de ser vista como um mera "alavanca" na expan ão da economia reflectindo assim

a consagração de uma ideia de educação mais l igada às valências humanistas e políticas

em detrimento das valências economicistas, o que parece tomar-se numa das

características da segunda metade do século XX, pelo que iremos de seguida tentar

apurar alguns dos conceitos chave que parecem "reorganizar" esta relação. Um destes

conceitos é certamente o de "Capital Humano".

A Educação II: o Capital Humano

No início do ponto anterior, tínhamos avançado as duas "crenças" que se solidificaram

durante o século XX sobre a educação: a crença de que o investimento em educação se

traduzia em crescimento económico e a crença de que mais educação significava mais

democracia, mais mobi l idade social, mais igualdade.

Tentaremos de seguida recensear e apresentar a maneIra como essas crenças se

organizaram nesta altura, começando pela primeira, segundo a qual , através do

investimento em educação e promove o desenvolvimento da economia.

A sim, apesar de a ideia de que a educação é um sustentáculo primordial ao

desenvolvimento económico ser um dos traços constituintes da "Modernidade" com

raízes bem sól idas no lluminismo, não existem muitos estudos que consigam relacionar

de forma explícita e causal a l igação entre desenvolvimento de uma economia e o grau

de educação da população que sustenta tal economia (Justino, 2005 , 1 5) . Nas palavras

de H arvey Graff, terá sido mesmo o contrário que sucedeu : " . . . Developments in l iteracy

and school ing tend to fol low, rather than precede or cause, economic and social

development . . . " (Graff, 1 99 1 , 378) .

Desta forma, saber se a alfabetização precede a industrialização, se o analfabetismo

funciona como um travão ao progresso económico, se é a democracia que j ustifica a

escolarização, ou se as altas taxas de analfabetismo explicam o falhanço de algumas

democracias da primeira metade do século XX, é algo que muitos investigadores

procuram compreender, e do que foi até hoje escrito podemos perceber a dificuldade

que existe em e tabelecer relações de causa - efeito entre questões que percebemos

fazerem parte do mesmo universo, por vezes de forma tão estreitamente intricada que se

toma difíc i l diferenciá-las. Percebemos que democracia, riqueza, alfabetização e

Direitos Políticos, agregados entre si, fazem parte do "progresso" que se encontra

associado à ideia de "Modernidade", pelo que, durante a segunda metade do século XIX

67

Page 69: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

e todo o século XX, sociedades com altos índices de alfabetização tendem normalmente

a ser apresentadas como ricas, democráticas, com taxas de crescimento demográficas

próprias, essencialmente urbanas, em que os cidadãos se podem associar l ivremente e o

voto tende a tornar-se universal , mas há sempre casos que nos fazem pensar, corno a

Alemanha da década de trinta, em que alfabetização plena e direitos de voto universais

não impediram um dos grandes pesadelos da humanidade.

No entanto, durante a segunda metade do século XX, vários autores tentaram dar uma

consistência c ientífica a esta "crença", e nesta parte do texto referiremos sobretudo os

que tentaram relacionar desenvolvimento educativo com desenvolvimento económico,

dando assim origem à noção de "Capital Humano".

A noção de "Capital Humano" foi sendo teorizada a partir de finais da década de trinta

do século XX, mas encontrou o seu pico precisamente depois da segunda Guerra

Mundial , tendo-se tornado um conceito indissociável na relação entre desenvolvimento

económico e educação. Na verdade, os primeiros estudos, da autoria de Jacob Mincer,

tentavam entender as relações entre o grau de instrução de trabalhadores fabris e os seus

salários, no contexto da Revolução Industrial , tendo esses estudos levado à conclusão de

que existia uma correlação significativa entre essas duas variáveis (Nufiez, 2003, 545-

546). O seu trabalho foi sendo continuado por outros economistas como Theodore W.

Schultz, Robert Solow e Gary S . Becker entre outros, que tentaram também medir de

forma mais preci a possível os ganhos sociais da educação ou da formação da mão-de­

obra de uma determinada sociedade, ou seja, o que teria uma economia ou uma

sociedade a ganhar com a educação dos seus trabalhadores.

Desta forma, baseados nas teorias económicas tradicionais que sustentavam que o

crescimento económico era uma função constante do investimento em determinado

número de factores de produção como a Terra (L), o Trabalho (W) e o Capital (K), uma

série de estudos tentou avaliar esta teoria, chegando à conclusão que, pelo menos

durante o século XX, tal não se verificava, uma vez que, por um Jado, urna parte

importante dos retornos de capital não podia ser explicada pelo investimento feito nos

factores de produção tradicionais, constituindo um "resíduo" não expl icável, e que, por

outro lado, os mesmos investimentos em factores de produção iguais, em localizações

ou países diferentes, davam origem a retornos diferentes (Idem, 55 1 ) .

Assim, parecia haver no processo de crescimento económico, variáveis até aí não tidas

em conta, que eram responsáveis pelas diferenças inesperadas entre o "Capital Físico" e

financeiro investido e a mais-val ia auferida, e a essa variação positiva entre expectativas

68

Page 70: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

e resultados chamou-se "ganhos de produtividade" (Ibidem) . Restava agora determinar

de forma mais exacta possível quais seriam essas variáveis e qual a sua i nfluência nos

inesperados "ganhos de produtividade".

Assim, o estudo sobre tais variáveis acabou por destacar duas "zonas" pnnclprus :

vru'iáveis Estruturais, e variáveis relativas ao Capital Humano. As primeiras

relacionavam-se com a qualidade do enquadramento político - económico das

sociedades em que o investimento tinha lugar, e ocupava-se de questões como o

enquadramento jurídico de uma determinada sociedade, a sua estrutura de transportes e

comunicações, a sua estabi lidade política e eficiência administrativa, entre muitos

outros factores; o segundo tipo de variáveis, ou seja, que se relaciona com a noção de

"Capital Humano", é definido de uma forma extremamente ampla por Clara Nufiez, que

nos vem orientando nesta parte do texto: " . . . A recent publication on the role of human

and social capital in the well being of nations defines human capital as the knowledge,

skills, competencies and attributes embodied in individuals that faci l i tates the creation

of personal , social and economic well being. Among other l isted ski l ls ( . . . ) the study

emphasizes, we find the most often mentioned in the l iterature : Communication ski l ls ,

including reading and writing; numeracy; intrapersonal ski l ls such as motivation and

perseverance, learning to learn and capacity to make j udgments ; and interpersonal ones

l ike teamwork and leadership . . . " (Idem, 536). Ou seja, nesta definição encontram-se

contidas variáveis tão dispersas como as que relevam efectivamente da formação

académica e profissional do cidadão ou, de uma maneira mais restrita, da formação da

mão-de-obra de uma determinada sociedade, mas também um tipo de variáveis que

incluem um conjunto de ati tudes, conhecimentos, hábitos e tradições que estariam mais

relacionadas com a consistência de uma cultura de comércio e gestão de uma

determinada formação social do que com formação da sua mão-de-obra propriamente

dita.

Tratando-se de uma definição tão ampla como escorregadia, os "stocks" de capital

humano de uma determinada sociedade ou de uma determinada pessoa têm sido

avaliados, sobretudo, através da quantificação das habil itações que se adquirem nos

sistemas educat ivos contemporâneos, as quais, à falta de melhor instrumento, permitem

estimar uma correspondência que até aqui se tem revelado razoavelmente positiva, entre

formação educativa e "produtividade económica", quer tal produtividade se revele em

ganhos individuais, quer ela se revele em ganhos sociais traduzidos por maior valor

acrescentado por hora de trabalho (lbidem) .

69

Page 71: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Neste contexto, como antes ficara afirmado, diversos estudos foram sendo efectuados,

sobretudo a partir das década de sessenta e setenta com a tentativa de medir de forma

mais exacta a "taxa de retorno" do investimento em capital humano, essa taxa sendo

definida como " . . . a medida do lucro expectável face ao i nvestimento, em termos dos

benefícios futuros gerados pelo capital , comparado com os custos de capital de

determinado bem . . . "(Woodhal, 1 999, 220). Maureen Woodhal reproduz um estudo que

tenta comparar as taxas de retorno do investimento em Capital Humano, quer a nível

privado, ou seja, quer como benefício próprio para quem o adquire, quer a nível social ,

ou seja, como benefício para a sociedade em que o "beneficiário directo" se insere, por

grau de escolaridade e por grau de desenvolvimento do país em que o investimento se

deu, chegando ao seguinte quadro:

Quadro 6 - Cálculo das taxas de retorno do i nvesti mento em educação

(percentagem) segundo o t ipo de desenvolvi mento do país e o grau de ensino

Região ou tipo d e Número de Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de Taxa de

país países retorno retorno retorno retorno retorno retorno

analisados privada privada privada social social social

P rimo Secundo Sup. P rimo Secundo Sup.

Países de 22 29 19 24 27 16 1 3

Desenvolvimento

Baixo

Países de 8 20 17 17 1 6 14 10

Desenvolvimento

Médio

Países de 14 - 1 4 12 - 10 9

Desenvolvimento

Alto

Fonte: Psacharopoulos Citado por Woodhal , 1 999, 221 .

As conclusões, que são aliás sujeitas a alguma discussão e controvérsia, como o faz

notar a autora, apontam para o facto de os ganhos com o investimento em educação,

quer em termos sociais quer em termos privados, serem altos para todos os tipos de

sociedade, mas, como seria de esperar, a taxa de retorno do investimento é maior em

sociedades mais pobres, em que o aumento da média de escolaridade se faz notar de

forma mais evidente, do que em países economicamente mais desenvolvidos, com

médias de escolaridade mais altas, o potencial de crescimento educativo sendo mais

reduzido e portanto, mais relativizado. Ao contrário do que seria de esperar, é também

70

Page 72: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

nos níveis mais baixos de escolaridade que as taxas de retorno do investimento são mais

altas, quer se trate de retorno privado ou social , isto em ambos os tipos de países, o que

deixa uma série de interpretações por desl indar. De seguida, o dados disponíveis

apontam para uma evidência, a de que em ambos os tipos de sociedade, os ganhos

privados com a educação são sempre l igeiramente superiores aos ganhos públicos.

Finalmente, note-se, uma possível confirmação do tipo de relação entre investimento

educativo e crescimento económico que tinha sido avançado por Claude Diebolt e Ana

Beja Nunes ao perceber- e como em sociedades desenvolvidas se passa de um

investimento contracíc l ico para um investimento cíc l ico: apesar de ser evidente que os

ganhos sociais e mesmo privados, em sociedades onde os níveis de educação já são

altos, têm menos compensações em termos de retorno económico, o grau de

investimento em educação das sociedades desenvolvidas, como vimos em partes

anteriores deste trabalho, tem tendência a manter-se elevado, e é quase sempre superior,

em termos de percentagem do PIB, ao investimento que se dá em paí e menos

desenvolvidos.

Desta forma, estes dados parecem apontar em duas direcções principais : por um lado,

apesar de as taxas de retorno serem sempre positivas nos dois casos, estas, tanto a nível

pessoal como social , sendo maiores em países mais pobres e menores em países mais

ricos, parecem indicar que o investimento em educação faz mais sentido do ponto de

vista económico e é mais pertinente nos primeiros do que nos segundos, o que sendo

uma evidência económica, não será uma evidência pol ítica, como os dados al i ' s

demonstram; por outro lado, tudo indica também que, a partir de certo grau de riqueza

económica, existem "folgas" suficientes para que a educação, nunca deixando de ter

uma componente económica "colectiva" relativamente importante, passe sobretudo a

constituir um bem social e político, um bem incorporado pelos cidadãos como fazendo

parte de um leque de benefícios que se assume que o Estado deve disponibil izar com o

fim de promover activamente melhores condições de vida, não só, mas também, através

da manutenção ou mesmo do alargamento dos canais de mobilidade social ascendente.

Tal "crença" que constitui um dos traços do conceito de "cidadania alargada" típica das

sociedades que desenvolveram a noção e as práticas de "Estado - Providência" estará na

origem de uma pressão constante para o investimento estatal em educação, mesmo em

sociedades que, do ponto de vista colectivo e social pouco mais podem obter de tal

investimento, uma vez que os benefícios daí advindos se projectam sobretudo em

7 1

Page 73: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

vantagens "privadas" que se traduzem em acrésc imos de rendimentos e de mobi l idade

social para os que deles beneficiam.

Assim sendo, uma l igeira mudança de perspectiva nesta anál i se, pode levar a conclusões

bem diferentes, como o fizeram os chamados "Neo-l iberais" das décadas de setenta e de

oitenta da segunda metade do século XX: os mesmos dados parecem mostrar que,

depois de atingidos determinados patamares de i nvestimento e alcançado um nível de

qualificação aceitável da população, deixam de fazer sentido grandes acréscimos de

investimento estatal em educação, visto que os ganhos económicos públ icos de tais

i nvest imentos são bem menores do que os privados, pelo que devem ser estes a investi r

num "bem" que beneficia indivíduos e não a "sociedade", significando isto que a

educação deve, em parte, regressar à categoria de "bem privado".

Trata-se, como é óbvio, de matéria muito del icada e confi rma à saciedade o facto que

temos vindo a salientar desde o final do capítulo anterior, ou seja, que a partir da

segunda metade do século XX, além de um bem cuja potencialização em termos

económicos pode sempre ser discutível , a educação inscreveu-se firmemente num

campo muito pol itizado, e que, subl inhe-se, a objectividade dos números não diminui tal

pol i tização.

No entanto, por muito que possa ser discutida a relação entre desenvolvimento

económico e investimento em capital humano medido em investimento em educação e

formação, as sociedades do século XX parecem ter acreditado resolutamente ne ta

relação, como nos mostra o quadro seguinte em que se compara o crescimento do

Rendimento Nacional, da dimensão da mão de obra, do investimento em "Capital

Físico", defin ido como o i nvesti mento em " . . . maquinaria, equipamento ou edifícios que

tendem a max imizar a produção de retornos no futuro através da criação de novas

capacidades de produção . . . "( Idem, 2 1 9), e do investimento em "Capital H u mano", no

Japão, entre 1 905 e 1 960.

72

Page 74: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Q uadro 7 - Evolução do Rendi mento Nacional, da mão-de-obra, e dos

investi mentos em Capital Físico e em Capital H u mano no Japão, entre 1 905 e

1 960

Ano Rendimento I ndice Mão de Indice Capital Indice Capital Indice Nacional Obra Físico H u mano (Mi lhares (Mi lhões) (Bi l iões (Mi lhares

de mi lhões de de de I enes) I enes) mi lhões

d e I enes)

1 905 1 .2 1 0 1 00 25,6 1 00 5,8 1 00 31 0,9 1 00

1 9 1 9 2 .761 228 26,6 1 04 1 0, 1 1 74 808 , 1 260

1 935 5.234 433 3 1 ,4 1 23 25,9 447 2 .563,9 831

1 955 7 . 1 89 294 39,2 1 53 2 1 ,7 374 5.380 1 731

1 960 1 1 .822 979 43,7 1 7 1 39,8 686 7 . 1 06,6 2 .286 "

Fonte: Le Than Khol , 1970, 77.

Assim e como salienta o Lê Than Khoi , apesar do valor dos "stocks" da in trução, ou

seja, de "Capital H umano", representar em 1 960 apenas 1 8% do valor do "Capital

Físico", é o tremendo cresci mento do valor i nvestido em educação durante o século XX

que este como outros autores interpretam como responsável pelo enorme aumento do

rendimento nacional japonês, um fenómeno " . . . não privativo do Japão, pois se verifica

em todos os países industrial izados . . . " (Khôi , 1 970, 79). De facto, enquanto que o

cresci mento do Capital Físico pode ser medido, entre 1 905 e 1 960, pelo diferencial

entre 1 00 e 686, o Capital H umano, no mesmo período, aumentou do mesmo índice de

1 00 para 2 .286, endo de longe o factor de produção que mais cresceu neste longo

período do século XX. Mas o crescimento é ainda mais espectacular nos c inco anos que

vão de 1 955 a 1 960, no pós - guerra, seguindo a tendência mundial antes assinalada, e

quando o chamado "milagre económico japonês" se firma, levando o Japão em poucos

anos a constituir-se como a segunda economia do mundo. Se foi o investimento em

"Capital Humano" o principal respon ável por este como por outros extraordinários

períodos de expansão da economia, ou se foi , pelo contrário, um produto dele, o que

parece fundamental nestes números é que eles traduzem uma das grandes crenças do

papel da educação na sociedade, uma crença profundamente enraizada no pensamento

do fundador da economia moderna, Adam Smith (Woodhall , 1 999, 2 1 9) , e que

relacionam o investimento na educação com uma procura activa do que podemos

chamar de "progresso". Pode tratar-se de "progresso" medido em eficiência mil i tar, se

73

Page 75: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

se tratar de uma ditadura belicosa como o foi o Japão dos anos trinta, ou de "progresso"

medido em qual idade de v ida, numa democracia pacífica como foi o mesmo Japão

depois de 1 945, mas acredita-se sempre que na base deste "progresso" se encontra o

desenvolvimento da economia, que se upõe ser potencial izado pelo desenvolvimento

da educação, sendo, no entanto, no fim de todo este processo, o político a dar sentido ao

progresso, ao canalizá-lo pelas muitas vias que a natureza humana mantém como

possíveis . Que a educação é uma parte de um processo pol ítico geral , eis algo que

parece evidente, mesmo quando falamos de números.

A Educação III: igualdade e mobilidade social - expectativas e desi lusões

H artmut Kaeble, o autor de um dos grandes estudos de referência sobre a mobi l idade

social nos século XIX e XX, não tem dúvidas em concluir que " . . . it is the po twar

period rather than the Industrial Revolution that has emerged as the decisive watershed

for social mobi l i ty. Studies of the most important Atlantic countries show that there is

an unquestionable increase in the in the rates of social mobil i ty fol lowing the Second

World War. ( . . . ) What it is sti l l unc lear are the reasons . . . " (Kaelble, 1 985, 1 38) . De

todos os elementos analisados, entre os quais se encontram factores como a

estratificação social, fanulia, atitudes, emigração, demografia, desenvolvimento

económico e mudanças na força de trabalho, são as duas últ imas que são retidas como

fundamentais para explicar as intensas modificações sociais que se deram nas

sociedades ocidentais no período dos pós Segunda Guerra Mundial . Na base das

mudanças bruscas que se dão na força de trabalho, encontram-se, segundo o autor,

embora seja claro que não é muito fáci l de o provar, as mudanças educativas e a

generalização da educação, sobretudo da educação superior, primeiro nos Estados

Unidos da América, mas de seguida, também na general idade da Europa Ocidental :

" . . . The study of educational opportunities in higher learning demonstrates that from the

late nineteenth century on many more americans attended universities than did

europeans ( . . . ) . This aspect of social mobil i ty is the more important since higher

education during the twentieth century became more and more the major switchboard of

mobi l i ty chances in America as well as in Europe . . . " (Idem, 1 39).

As razões avançadas pelo autor para as mudanças que se registam na educação e

consequentemente na mobi lidade social no período do pós segunda Guerra Mundial ,

relacionam-se com as modificações da composição social das e truturas de poder na

época: " . . . The most important characteristic of the era of welfare opportunities is the

change in pol itical structure and in education policy goals . Pol i ticaI systems emerged

74

Page 76: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

from a long and contradictory period of transition with decision making processes

dominated by three groups : the bureaucracy, organised labour and organised big

business. ln contrast to formeI' eras, some political ly influenced groups were composed

of members who where not highly educated . . . " (Idem, 37) . Segundo o autor, a entrada

do sindicalismo e portanto, de novos estratos sociais nas estruturas pol iticas que

caracterizam o arranque do Estado - Providência na Europa, vai estar na origem de

grandes mudanças na educação, as quais tomam a forma de três traços que se

complementam: o incremento na massificação da educação através da locação de meios

financeiros que sustentem a expansão das instalações educativas e da formação de

professores; a extensão da educação básica, ou seja, da educação comum a todas as

crianças, por um espaço de tempo mais alargado, e, finalmente, uma política de

implementação da frequência dos subsistemas secundário e superior dos Sistemas

Educativos, por parte de crianças e adolescentes oriundos de estratos ociais baixos

(Ibidem) .

Ou seja, e por outras palavras, massificação da educação, mudanças nas estruturas

educacionais de base, sobretudo através do aumento da sua duração e pressão política

no sentido de incrementar a porosidade social do sistema, quer através de uma mudança

nas regras de acesso aos estratos intermédios e superiores de tal sistema, quer através de

uma política activa de bolsas de estudo que teriam em conta o mérito académico e a

origem social .

Estas três questões, que marcarão a educação até aos nossos dias, merecem algum

desenvolvimento da nossa parte, uma vez que, se na verdade elas estabelecem uma l inha

divi ória entre s istemas educativos muito socialmente marcados, como o eram os

Sistemas Educativos ocidentais e sobretudo europeus da primeira metade do século XX,

e os Sistemas Educativos actuais, elas também estão na origem de uma série de

lmpasses que nos mostram, sobretudo, os seus l imites no que diz respeito às

expectativas de mudança que geraram durante um largo período de tempo.

Na verdade, as três linhas de desenvolvimento detectadas por, entre outros, Hartmut

Kaelble, têm um duplo sentido social : o de apoiar e sustentar o desenvolvimento

económico do pós-guerra através da formação escolar intensiva e generalizada que

"construísse" uma mão-de-obra qual ificada, tal como foi analisado com algum

pormenor no ponto anterior, e incrementar a mobi l idade social através da

i mplementação da igualdade de oportunidades no campo educativo, salientando-se

75

Page 77: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

as 1m os aspectos igual itaristas potencialmente contidos na ideia de "educação para

todos", tal como verificámos na primeira parte deste trabalho.

O trabalho político levado a efeito nas estruturas dos sistemas educativos tradicionais

com o objectivo de implementar a "Escola Única", ou a sua sinónima "Comprehensive

School", correspondia a uma tentativa de mudar o "desenho" dos S istemas Educativos

europeus dos finais do século X IX que se arrastaram sem grandes mudanças durante a

primeira metade do século XX. Essencialmente compostos por partes elementares curtas

e util i tárias, "primárias", que levavam as crianças até um diploma descrito por Correia

como constituindo durante muito tempo o " . . . culmi nar da socialização escolar das

crianças das camadas populares . . . " e o inicio da social ização escolar das e l ites (Correia,

2005 , 1 97) , era este diploma seguido por "opções" constituídas, por um lado, pelas vias

de ensino profissional que se esperava que fossem seguidos pelos fi lhos mais brilhantes

das classes populares e, por outro, por vias l iceais que iriam construir, ou nas palavras

de alguns sociólogos da educação dos anos sessenta e setenta do século XX,

"reproduzir", as eli tes de uma nação.

Tal estrutura educativa era vista pel a "esquerda", desde pelo menos os princípios do

século XX, como, por um lado, reflectindo o carácter de "classe" das sociedades

capital istas da altura, e, por outro, como sendo um instrumento dec isivo na sua

manutenção e aprofundamento. Assim, as propostas principais da "esquerda" europeia e

americanas, quer se tratasse de l ibertários, socialistas e social-democratas, radicai

republicanos ou mesmo comunistas, era a da substituição das estruturas educativas

clássicas por uma "Escola Única" pol itécnica, ou seja, uma escola que levasse as

crianças, independentemente da sua origem social , a percorrer durante o maior espaço

de tempo possível , uma via de ensino unificada composta por uma articulação

ponderada entre os aspectos técnicos, artísticos, morais e científicos, que se considerava

serem a base de formação de "cidadãos completos" (Dietriech, 1 973) . Toda a obra de

Adolfo Lima, um pedagogo l ibertário do primeiro quarto do século XX em Portugal é

i lustrativa desta posição que melhor se compreende numa citação sua bastas vezes

util izada:

" . . . 0 ensino c lássico e o ensino profissional reflectem bem o conflito social em que as

sociedades se debatem e se dividem em dois campos e classe. O ensino clássico é para

ricos e o profissional é para pobres, dizem. ( . . . ) Esta dualidade mantém, como causa, a

76

Page 78: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

organização social de castas económicas e mantêm-se como efeito dessa organização.

A complexidade do problema faz parecer que estamos dentro de um círculo vicioso.

Por um lado a divisão do ensino em clássico ou geral e profissional ou manual , é efeito

da divisão das classes ou castas sociais; por outro, essa divisão bipartida é causa de que

essa separação se intensifique. C .. ) Tanto uma como outra são a nosso ver educações

incompletas que produzem abortos sociais , indivíduos muti lados, incapazes de

exercerem todos os seus direitos, e de cumprirem todas as suas obrigações . . . " (Lima,

1 9 1 6, 47, destaques no original) .

No corolário destas posições, Lima, tal como outros dos seus corre l igionários ou

"compagnons de route", irão pugnar pela "Escola Única", definida como " . . . a escola

prolongada ou de continuação para todas as crianças até aos 1 5 anos, idade em que

conforme as aptidões ( . . . ) seguem para diversas carreiras , ingressando nas escolas

preparatórias de tipo humanista ou de tipo c ientista que lhes abrirão as portas das

Escolas Técnicas Superiores . . . "(ln Oliveira, 1 933 , 9). Esta versão benigna do que é

hoje o "design" dos sistemas educativos contemporâneos, preenchia, como antes

dissemos, os sonhos da esquerda mundial , que conseguiu impor algo de semelhante no

período do pós segunda Guerra Mundial ao estender progressivamente a duração da

parte comum da escolaridade aumentando a duração da obrigatoriedade escolar e

tornando de frequência obrigatória uma parte cada vez mais importante do que

tradicionalmente se designava por "Ensino Secundário". Tais avanços são

perfeitamente legíveis nos números a que nos referimos antes, que nos mostram que, de

1 950 a 1 960, o essenci al do crescimento no número de alunos no Mundo, e em

particular na Europa e América do Norte, se dá nos subsistemas do Ensino Secundário e

Superior ( Khoi, 1 970, 1 5) tendência que segundo Coombs ( 1 985, 1 00) se estende até

pelo menos aos anos oitenta do século xx.

Assim, estes dois autores confirmam a constatação de Kaelble de que o mundo em

geral , mas de forma mais vi sível, a Europa e a América do Norte, i ncrementa de forma

espectacular, a partir da segunda metade do século XX, as taxas de frequência dos

Ensinos Secundários e Superiores, dando origem a mudanças muito i mportantes na

composição e formação da força de trabalho e, consequentemente, das taxas de

mobil idade ascendente no mesmo período.

No entanto, e independentemente da veracidade de tais dados, e nem todos os estudos

sobre a relação entre a i mplementação da igualdade de oportunidades no campo

77

Page 79: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

educativo e o acréscimo de oportunidades de mobil idade social são tão optimistas

quanto o de Kaelble (entre outros, Boudon, 1 977; Girod, 1 98 1 ; Mónica, 1 98 1 ;

Raynaud, 2003), o que parece evidente a partir de finai da década de sessenta do

século XX, é que as coisas não tinham mudado tanto quanto alguns grupos políticos e

soclaIs esperavam.

Na verdade, a crença da parte optimista da Modernidade, de que a partir do S istema

Educativo, se poderiam apagar as marcas originais dos processos de socialização de

proximidade, endógenos e primários, veio a tropeçar em estudos sociológicos menos

optimistas que mostravam que a igualdade "tout court", e mesmo a "igualdade de

oportunidades no campo educativo" que constituía uma das bases das políticas de

expansão educativa do pós Segunda Guerra Mundial , se revelava um processo mais

lento, difíc i l e contraditório do que o que era esperado.

Assim sendo, muitos estudos mostravam que uma parte substancial das desigualdades

de origem entre as crianças que entravam no mesmo Sistema Educativo se

reproduziam, já não através da dicotomia "frequência - ausência", herança extinta de

um tempo em que os mais pobres simplesmente não frequentavam a escola, mas por

toda uma série de outros sintomas e indicadores.

Alguns desses indicadores, como a frequência socialmente contrastada de opções

educativas clássicas ou profiss ionais, mais não faziam do que prolongar características

dos "antigos" Sistemas Educativos, contrariando assim políticas voluntaristas cujo

objectivo era o de substituir a lógica social dominante nas opções, por uma lógica

"vocacional" que tivesse em conta quer os interesses do aluno, quer as necessidades de

mão-de-obra por parte do mercado; outros, como a massificação e distribuição

socialmente desigual do insucesso escolar erigiam-se como " . . . repercussões sociais não

intencionais das acções humanas intencionais . . . " que é a forma como Karl Popper,

c itado por Raymond Boudon (Boudon, 1 977, 6), define "efeito perverso" , neste caso,

relativamente às "boas" intenções expressas pela massificação da e colaridade nos

séculos X IX e XX no Ocidente e no mundo.

O facto de o período em causa ter contado com uma forte predominância,

nomeadamente nos meios académicos, de uma versão radical izada do que Peter

Wagner denomina de "teorias neo-marxistas do capital ismo tardio" (Wagner, 2002, 4 1 ) ,

veio, por um lado, enriquecer de forma extrema o grande debate sobre educação que

atravessou os flamej antes anos sessenta e setenta do século XX, mas, por outro, reflexo

da i mpaciência e imaturidade que se exprimiu no radicalismo da discussão, a

78

Page 80: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

obscurecer os resultados soc iais das políticas educativas que se segUIram ao pós

segunda Guerra Mundial .

Numa das obras mais radicais sobre o assunto, da transição entre os anos ses enta e

setenta do século XX, com o sugestivo titulo de "l 'école capitaliste en France",

Christian Baudelot e Roger Establet reproduzem um quadro referente ao ano de 1 962

sobre o insucesso escolar em França, que i lustra o que antes dissemos.

Q uadro 8 - Atraso escolar na q u i nta classe (CM .2) segundo a categoria

profissional do pai, em França, para o ano de 1 962

P rofissão do pai % de c rianças em situação de % de crianças e m situação de

sucesso insucesso (pelo m enos um ano

de atraso)

Total 45% 55%

Quadros superiores 76% 24%

I ndustriais, profissões liberais 69% 3 1 %

Quadros médios 7 1 % 29%

E mpregados 48% 51 %

Comerciantes e artesãos 5 1 % 49%

Operários 36% 64%

Agricultores 41 % 59%

Operários agrícolas 27% 73%

Fonte: Baudelot e Establet, 1 976, 196.

Este tipo de números, cerca de cem anos depois dos decretos de Jules Ferry sobre a

obrigatoriedade, gratuidade e laicidade da escolarização primária das crianças francesas

(Chevall ier, 1 98 1 ) , e pouco mais de quinze sobre o final da segunda Guerra Mundial e

da rápida construção do Estado - Providência francês, causaram um ampl o mal-estar e

espanto, sobretudo devido a duas razões: a massividade do insucesso na escola por

parte de crianças tão novas, e a profunda desigualdade social patente em tal insucesso.

Mas a questão estava longe de ser exclusivamente francesa, e numa obra da mesma

altura e da mesma orientação, mas publ icada nos Estados Unidos da América com o

título de "Schooling in capitalist America", Samuel Bowles e Herbert Gintis, i lustravam

uma situação semelhante que se estendia também ao Ensino Superior.

79

Page 81: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 9 - Percentagem de a l u nos em cada tipo de estabeleci mento de Ensino

Superior dos Estados U n idos da América, segundo os rendimentos fami l iares,

em 1 971

"College" Público "College" Público Universidade Universidade

com Diplomas de com Diplomas de Públ ica Privada

2 anos 4 anos

Alunos com 27,2% 25,4% 1 5, 1 % 1 0,6%

rendimentos

familiares

inferiores a 8.000

dólares

Alunos com 34,8% 3 1 ,7% 29,7% 20,4%

rendimentos

familiares entre

8.000 e 1 2.500

dólares

Alunos com 26,4% 28,3% 32,8% 27,3%

rendimentos

famil iares entre

1 2.500 e 20.000

dólares

Alunos com 1 1 , 5% 1 4,7% 22,3% 41 ,8%

rendimentos

famil iares

superiores a

20.000 dólares

Fonte: Karabel , ln Bowles e G lntlS, 1 985, 274.

Se as dúvidas expressas por Raymond Boudon se centravam sobre a veracidade da

relação entre, por um lado, o considerável aumento da procura educativa típico das

sociedades industriais que levaram a " . . . uma incontestável redução das desigualdade de

oportunidades face à educação . . . ", e, por outro, a mobi l idade social como um todo

(Idem, 36-37), o que estes números pareciam demonstrar era a fragi lidade da primeira

parte da equação de Boudon: apesar de se ter assistido a um incontestável aumento da

procura educativa, não era muito claro, através dos mi lhares de quadros e tabelas que se

espalharam pelo mundo da altura, que esta procura tivesse dado origem a uma

significativa redução da "desigualdade de oportunidades face à educação".

Na verdade, este tipo de dados, que foram de difíc i l interiorização, obrigaram a

repensar as relações entre a educação e a sociedade, salientando a existência de uma

80

Page 82: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

ligação evidente entre a pertença social de origem e as probabil idades de sucesso na

e cola, quer tal sucesso se medisse através de classificações académicas ou através da

possibil idade de chegar onde se quisesse no S istema Educativo.

Centrais numa primeira aproximação ao problema, embora com um peso ideológico

que hoje pareceria excessivo, foram as teses marxistas, nomeadamente as de origem

althusserians (Althusser, 1 974), segundo as quais a escola seria um dos principais

Aparelhos Ideológicos de Estado do Capitalismo Industrial, tendo parcialmente

substituído a Igreja, e em conjunto com a família "regulada pelo Estado" , ocupado um

lugar predominante na "reprodução das relações de produção" das sociedades

capital istas avançadas. Tal "reprodução das relações de produção" tinha lugar não

apenas através da reprodução da qual ificação e estratificação da força de trabalho

adequada às sociedades capital istas, em que a relação com as forças de produção era

mediada pela pertença de c lasse, mas sobretudo, através da reprodução das atitudes

sociais fundamentais à estabi l ização da ordem dominante . Assim, a escola funcionaria

como um elemento primordial de legitimação social e política, operando na base de um

processo de "violência simból ica", que não só organizava a força de trabalho,

disfarçando a origem social de tal organização com a noção de mérito escolar, como

socializava para o capitalismo através da pressão para a interiorização de noções

fundamentais para a manutenção da ordem estabelecida, tais como a noção de

hierarquia, propriedade privada, e outra .

Tratava-se de uma articulação teórica sofist icada, que ia buscar muito a Marx, mas

sobretudo a António Gramsci ( 1 974) que havia, na primeira metade do século XX

de envolvido as noções de "Hegemonia", "Sociedade Política" e de "Soc iedade Civi l"

como forma de explicar o insucesso das revoluções socialistas nas sociedades mais

desenvolvidas da Europa Ocidental . Além do mais a obra de Althusser existia num

caldo cultural complexo e rico, que se cruzava, embora por vezes de forma

tempestuosa, com pensadores fora da órbita do marxismo como Michel Foucault e,

entre outros, Pierre Bourdieu. O que parecia interessante nestes novos autores era uma

sofisticação teórica em que Marx, Freud, Durkheim e Max Weber, entre muitos outros,

eram mobil izados com enorme agil idade numa análise mais complexa e subtil das

relações de poder e da sua reprodução, que deixavam de poder ser explicadas

recorrendo apenas às "relações de força" e à "repressão", procurando-se entender o

papel de outros traços, como por exemplo, o sexo, os afectos, a cultura, e , neste caso, a

escola, num jogo de trocas desiguais entre os valores dominantes carreados pelas elites

8 1

Page 83: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

e os subtis mecanismos de interiorização, mas também de resistência, que surgiam por

parte dos extractos sociais subalternos.

Porém, obviamente que uma polémica conduzida exclusivamente no campo político e

com uma radicalidade que não admitia como solução senão a "grande revolução

socialista", que era, al iás, vista de formas muito diferentes conforme o grupo politico de

pertença, estaria condenada a um fim inglório se não fosse capaz de canalizar o seu

ímpeto inicial para atitudes de investigação dentro do campo da sociologia e das

Ciências da Educação. Tratava-se, assim, e uma vez admitida que a pertença social era

a verdadeira variável independente que explicava o de empenho escolar das crianças,

tentar perceber o que, dentro de universos tão vastos, e até aí tão conceptuais, como os

de "classe social", "estrato sócio-económico" e dezenas de outras designações que

procuravam captar o lugar das pessoas numa escala social e económica, podia ter uma

conexão directa com o desempenho escolar diferenciado das diferentes crianças de

diferentes meios sociais .

Algumas destas investigações, como as conduzidas por Pierre Bourdieu e Jean-Claude

Passeron, centraram-se numa tentativa de compreensão e análise da forma como os

vários traços que em conjunto formavanl a noção de "clas e social", se combinavam e

reproduziam através do S istema Educativo, fazendo com que as variações em termos de

estatuto social entre a "classe de origem" e a "pertença de classe final" fossem muito

poucas. De particular interesse nesta teorização de Pierre Bourdieu e de Jean-Claude

Passeron, é o papel por eles atribuído nesta "reprodução social" através do Sistema

Educativo, às noções de "Ethos", definida como " . . . Disposições em relação à escola e à

cultura ( i .e . aprendizagem, autoridade, valores e colares, etc . ) ; esperança subjectiva (de

acesso à escola, de êxito e ascensão pela escola); relação com a cultura e com a

linguagem (maneiras) . . . " (Bourdieu, e Passeron"

s .d . , 1 22- 1 23) ; e de "Capital

Cultural", definido como " . . . capital l inguístico; presciência; capital das relações sociais

e de prestígio (recomendações); informações sobre o sistema escolar, etc . . . . " (Ibidem) :

" . . . pelo facto de que elas correspondem aos interesses materiais e simbólicos de grupos

ou c lasses diferentemente situadas nas relações de força, estas A.P. (Acções

Pedagógicas) tendem sempre a reproduzir a estrutura da distribuição do capital cultural

entre esses grupos ou c lasses, contribuindo ao mesmo tempo para a reprodução da

estrutura social ( . . . ) definida como reprodução da estrutura da relação de forças entre as

c lasses . . . " (Idem, 3 1 ) .

82

Page 84: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Outros trabalhos, como a monumental obra de Basil Bernstein, tentaram perceber como

as formas de socialização infantis precoces contribuíam para "moldar" a estrutura de

comportamentos e de relações sociais e sobretudo l inguísticas, desde muito cedo na

vida das crianças, e como tais formas de socialização diferiam entre c lasses sociais,

posicionando-se de forma bastante diferente em relação a uma escola que tendia a

reproduzir e a aceitar como boas, formas de socialização típicas da classe média

(Bernstein, 1 97 1 ; Domingos et a!. , 1 986; Keddie (editor), 1 973 ; Marcel lesi e Gardin,

1 975) . Outros ainda, como o de Jacques Lautrey ( 1 980) tentaram mostrar que a maneira

como as famíl ias se organizavam, que na opinião do autor, dependia das condições

objectivas e subjectivas que compunham a noção de "classe ocial", dava origem a

formas de gestão de espaços e de regulação de comportamentos que tinham implicações

no tipo de desenvolvimento cognitivo das crianças, e, ainda, e de novo, como

determinados estilos cognitivos se adaptavam mais à "cultura escolar" do que outros.

Ainda outras investigações, como as levadas a cabo por Robert Rosenthal e Lenore

Jacobson (Rosenthal e Jacobson, 1 97 1 ) , procuravam mostrar através de uma série de

engenhosos estudos, como as origens sociais dos alunos influenciavam as expectativas

dos seus professores sobre o seu sucesso escolar, como tais expectativas modulavam a

relação pedagógica e acabavam por ter grandes probabi l idades de serem cumpridas, no

que ficou conhecido como o "efeito de pigmaleão".

O que parecia comum a todos estes e a muitos outros autores que tentavam perceber as

variáveis que mediavam a relação entre "pertença social" e "escola", era o facto de, por

um lado, se recusarem a fornecer uma definição "ideológica" de "classe social",

optando por estudar os factores específicos que pareciam responsáveis pelas situações

de falhanço escolar das crianças das várias origens sociais e culturais ; por outro, quase

todos concluíam que a escola de massas, que constituía o esqueleto dos Sistemas

Educativos contemporâneos, tinha um forte "carácter de c lasse", no sentido em que

parecia reflectir e reproduzir normas e valores considerados como fazendo parte do

"caldo cultural" da classe média, mas que, mais do que tudo, v isto que as discussões

sobre o que seriam as normas e valores da classe média deram origem a mais uma

deriva ideológica interessante mas relativamente improdutiva do ponto de vista

educativo (entre outros, Kaes, 1 968; Labov, 1 973, 2 1 -66 ; Hoggart, 1 973), eram

institu ições extremamente rígidas no seu funcionamento, revelando grandes

83

Page 85: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

dificuldades em l idar com a diversidade de origens culturais e sociais do "públ ico" que

as frequentavam.

Lentamente, as atribuições causais relativas ao insucesso escolar mudavam, tal como

mudava a perspectiva dominante de procurar reparar os "efeitos perversos" da

massificação da escola: da atribuição causal individual , segundo a qual o insuces o se

devia às capacidades cognitivas das crianças e que deu origem a uma estratégia de

intervenção baseada no "ensino especial" para os "menos intel igentes", numa espécie

de "psiquiatrização" do "mau aluno", que predominou até à primeira metade do século

xx: (Perron, 1 975, 5 1 -89), passou-se para atribuições causais de ordem social , os

chamados "handicaps sócio-culturais" ou "sócio-linguísticos", que imputavam as

dificuldades escolares sentidas por crianças de origem popular a situações de

"privação" em termos culturais por parte das suas famíl ias, tendo-se centrado as

perspectivas de intervenção em formas de compensação educativa que pudes em

colmatar as falhas ou omissões culturais de origem, daqui se passando, por fim, para

uma atribuição causal externa à criança e à sua farrúlia, centrando-se a intervenção nas

políticas educativas e na escola (Candeias, 1 993a; Nóvoa, 1 992), perspectiva que

domina até aos nosso dias.

Neste percurso, assi tiu-se ao rev ivescer das pedagogias da "Educação Nova" dos finais

do século XIX, numa tentativa de fazer face à desilusão causada pela persistência das

conclusões que apontavam como a escola "reproduzia" a estrutura social sem a pôr em

causa, e como as noções de "capital cultural" e de "ethos" pareciam imunes às

tentativas de democratização da sociedade através da escola, resistindo inclusivamente

às mudanças de regime, como o mostravam os estudos feitos em países socialistas de

então ( Khoi, 1 970, 1 1 0- 1 1 1 ; Markievicz- Lagneau, 1 974) . Esta desi lusão relativa ao

papel da escola na mudança social autorizava a escrita amarga de Raymond Boudon,

um sociólogo atento mas desal inhado das tendências hegemónicas do tempo, que, em

meados da década de setenta do século XX, e crevia o seguinte: " . . . peut-être ( . . . ) ces

effets à la fois inattendus et pervers sont- i ls la cause profonde de la crise des systemes

d'éducation dans les sociétés industrielles. Parce qu' inattendus, i l s ont provoqué un

immense désenchantement sur les vertus sociales et politiques de l ' éducation . Parce que

pervers ils ont provoqué un sentiment de dou te sur les finali tés des systemes

d'éducation et d ' impuissance sur la maniere de les gérer . . . " (Boudon, 1 977, 38) .

Porque, em determinada altura da história do mundo, se pensou nos S istemas

Educativos como sistemas de engenharia social poderosos que conseguiriam substituir

84

Page 86: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

o leite materno pela razão apoiada na ciência, e que, como Vimos na primeira parte

deste trabalho, serviram todas as causas, mesmo as mais opostas, encontram- e estes

"Sistemas Educativo" entre os "Aparelhos Sociais" da Modernidade que mais

expectativas criaram, e as reacções de desalento e desencanto pelo não cumprimento de

tais expectativas parecem resultar numa enorme desi lusão face ao paraíso que não

chegou. Reflexo de uma crise de adolescência que marcou a entrada na maturidade da

relação entre a "sociedade" e a "educação", de tal relação, sabemos agora que não virá

a felicidade eterna, mas, também, que sem ela não saberemos o que fazer, e no seu dia­

a-dia parecem coexistir o afecto que nos encoraja a viver e as tensões que nos levam a

temer o futuro.

Entretanto, em 1 973, na sequência da 3a guerra israelo-árabe, chamada do Yom

Kippour, que contribuiu para mostrar como para além da tradicional divisão geopolítica

entre o mundo "Ocidental" e o mundo "Social ista", se acrescentava uma outra entre o

Sul e o Norte, os países produtores de petróleo tomaram o controle do mercado mundial

petrolífero através da O.P.E.P . , o que levou a uma quadruplicação, em pouco tempo, do

preço do crude, pondo fim ao mais longo período de crescimento económico do

Ocidente, e em breve, da maioria do mundo ( Hobsbawm, 2002, 244; Mayall , 1 998,

1 9 1 - 1 92 ; ) , terminando assim a fase de expansão da quarta vaga de Kondatriev. Pelo

caminho, os Beatles desfizeram-se, Bob Dylan refugiou-se durante anos numa quinta,

Maio acabou, e Janis Jopl in, J imi Hendrix e J im Morrison caíram num fogo de artifício

. mortal que parecia ter enterrado uma fase da história do mundo.

Concluindo: estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas Educativos

contemporâneos - do pós segunda Guerra Mundial ao fim dos anos setenta do

século XX, o modelo no seu auge, ou a fase criativa do ciclo de Kondratiev

Tentar compreender a educação nos nossos dias sem ter realizado um esforço para

entender o que a este nível se passou na segunda metade do século XX, parece-nos uma

tarefa inúti l , sobretudo porque é a partir desta altura que a ideia de educação gerida pelo

Estado - nação moderno com estruturas curriculares semelhantes em todo o mundo

(Meyer et al. , 1 992), se torna uma realidade ou uma aspiração com base em projectos

sólidos e coerentes . Isto ignifica que, a partir desta altura, embora a célula politica

fundamental continue a ser o "Estado - nação", caminha-se para a implementação de

um verdadeiro sistema de socialização de espécie, complementar às formas de

85

Page 87: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

socialização endógenas locais, tornando-se assim o mundo num lugar cada vez mais

uno e "íntimo", o que não significa necessariamente, e infelizmente, mais "pacífico" ou

"amigável" .

Na verdade, o que se desenha de forma hesitante e muito discutida pelas elites

Ocidentais da segunda metade do século xvrn até ao final da primeira Guerra

Mundial , e que se ensaia entre as duas guerras (Kaelble, 1 985, 69-76), só conhecerá

uma estabi l ização a nível mundial na segunda metade do século XX. O que se discute,

em primeiro lugar, é se todos devem ser educados, algo que só é resolvido, pelo menos,

no domínio dos princípios, nos finais do século XIX; de seguida, discute-se se todos

devem ser educados da mesma maneira, por um período de tempo mais ou menos

longo, uma discussão que ocupa a primeira metade do século XX; finalmente discute-se

se a divisão técnica do trabalho que legitima as diferentes opções educativas não é uma

forma de manter a educação como um elemento de legitimação e de reprodução de

sociedades e tratificadas, uma discussão que ocupa uma parte significativa da segunda

metade do século XX. Este últ imo debate só é possível , porque os dois princípios

anteriores, que em meados do século X IX só seriam concebívei s nas várias utopias

socialistas da altura, tinham sido plenamente alcançados, pelo menos no domínio dos

princípios, durante a segunda metade do século Xx.

A expansão educativa do pós segunda Guerra Mundial no mundo, mas em especial na

generalidade do Ocidente, resultou de uma composição social mais alargada do Estado

e da predominância de uma forma de regulação Neo - keynesiana, caracterizada por

Rober Boyer como " . . . uma política de regulação do crescimento ( . . . ) consciente e

voluntária, porque o mecanismo dos mercados e dos preços, deixado a si mesmo, não é

capaz de levar a economia por um caminho de equi l íbrio e de equidade . . . " (Boyer,

2002, 1 6). Esta visão do Estado "inserido" no campo da economia, cruza-se com uma

concepção de cidadania que acrescenta à componente política definida pelo l iberal ismo

dos século XIX e XX, uma componente "social" e "económica" defi nida pela social­

democracia do século XX, dando assim origem ao "Estado - Providência". Assim, a

noção de "Estado - Providência", ou "Estado Inserido", com todas as suas matizes, e a

noção de "regulação Keynesiana" do "modo de produção capitalista" são fundamentais

para caracterizar o coração deste processo de expansão da educação e dos sentidos que

ela vem a tomar.

A educação expande-se neste período como forma de realização colectiva, o

"progresso", mas também, como forma de tornar possíveis, ou pelo menos mais fáceis a

86

Page 88: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

emergência de sociedades menos estratificadas, ou pelo meno , mal "porosas",

sociedades em que a mobilidade social se a ocie ao mérito e não à a cendência social .

Este é, na verdade, um dos grandes sonhos da Modernidade, e toma vários caminhos,

de entre os quais dois se destacam: por um lado, a emigração para "as Américas", onde

o espaço disponível permite o sonho da liberdade pessoal baseada na independência

económica; por outro lado, a luta política, e dentro desta, a luta por uma educação igual

para todos, de forma a que, desde o início, através do mérito reconhecido por uma

instituição que deverá ser neutra e independente de qualquer partido ou classe social,

todos se possam afirmar, "apesar" do sítio de onde vêm, dos pais que lhes deram a vida

ou do grau de riqueza ou estatuto de que gozaram os seus ascendentes.

Neste sentido, como intuíram Claude Diebolt, Sandrine Michel e Ana Bela Nunes, a

segunda metade do século XX parece aproximar-se destas ideias, ao recusar para a

educação um papel de simples "ferramenta" económica e política que parecia ser

característica das sociedades anteriores. Segundo eles, ter-se-á assistido a partir da

década de cinquenta do século XX a uma mudança fundamental nas relações entre a

economia e a educação, que passam de predominantemente "contra - cíclicas",

espelhando uma relação dominada por uma lógica da ordem do capital i smo privado,

para uma relação "cíc l ica", que se subordina a uma lógica de progresso económico

colectivo por um lado, e da afirmação de percursos de v ida pessoais, por outro.

O que é novo nesta mudança de relação, é que ela se estende potencialmente a todos os

indivíduos e não apena a uma elite, e neste esforço de mudança, vemos esboçar-se um

começo de transição, do que Peter Wagner define como "Modernidade Organizada",

para a "Modernidade Liberal Alargada" dos nosso dias, que ele crê ser caracterizada

pela desconvencional ização e pluralização das práticas que levam à emergência de

categorias como a "diferença", a "plural idade" a "sociabi lidade" e a "solidariedade",

entre outras (Wagner, 1 996, 45).

A partir de finais do século XVllI, o Estado ocupa um lugar central em toda esta trama,

o Estado absoluto primeiro, mas sobretudo o Estado - nação, e é esta entidade política

que de facto define a ossatura principal dos Sistemas Educativos moderno .

No entanto, a ideia dominante que prevalece até à primeira metade do século XX é a de

que a escola deve ser uma parte da construção pol ítica e administrativa de um sistema

de legitimação e de integração necessário à afirmação da célula política central da

Modernidade, o Estado - nação, assi m como uma forma de socialização para a

eficiência de tal célula, quer se trate de uma eficiência económica, quer se trate de uma

87

Page 89: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

eficiência mil itar, quer se trate de uma eficiência administrativa, tudo fazendo parte do

mesmo.

O lugar das pe soas e das suas aspirações até à segunda metade do século XX parece ser

relativamente secundário num caminho traçado por elites que governam em nome do

"povo" e sobretudo, do "bem comum", continuando a dar algum conteúdo à célebre

"Raison d'État" característica dos Estados Absolutos, mas tal começa inevitavel mente a

mudar à medida que as formas de legitimação política modernas evoluem do Sufrágio

Restrito, dominante até finais de 1 9 1 8 , para o Sufrágio Eleitoral Universal que se

espalha, no Ocidente e no mundo, após a segunda Guerra Mundial (Beltolini , 2000,

1 l 7- 1 30).

O alargamento generalizado do sufrágio possibi lita uma partilha do Estado maIS

equitativa entre as diversas c lasses e interesses das sociedades da segunda metade do

século XX, e o Estado torna-se cada vez mais um instrumento de políticas sufragadas

por maiorias demográficas, o que expl ica que, em parte, estas maiorias o

instrumental izem na prossecução dos seus objectivos, e a expan ão da educação na

segunda metade do século XX é um dos resultados desta nova relação entre povos e

Estado.

Não significa isto que a instrumentalização do Estado não seja palco de uma luta intensa

entre projectos diferentes, pelo contrário, visto que os interessados são mais numerosos,

representam mais interesses e interesses mais dispersos que os presentes nos conflitos

anteriores. Em determinada altura, dir-se-ia que os interesses representados nesta luta

pelo controlo do Estado reflectem ideologias que exprimem visões do mundo

globalmente alternativas, mas, essencialmente os confl itos fundamentais concentram-se

em torno de duas l inhas de tensão que atravessam a Modernidade: uma, que se joga

entre as el ites que estão no topo do poder político e económico, e as " massas" que

dotadas de partidos, sindicatos e votos procuram um lugar na "nova cidade" ; outra, que

atravessa com a mesma intensidade os confl itos anteriores, que se joga entre a ideia de

autonomia, " . . . ou seja, a revogação de toda a substância ou princípio exterior, superior,

que é suposto fornecer aos seres humanos máximas que ditem a sua conduta . . . "

(Wagner, 1 996, 32) e a ideia de regulação, que reprime e l imita o " . . . direito à

autodeterminação individual daqueles tidos como inaptos para a modernidade . . . " e

reconhece " . . . valores e regras seculares existindo previamente aos indivíduos e acima

deles . . . "(Ibidem) .

88

Page 90: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Se Marx se ocupa da primeira l inha de confl ito, Freud inaugura a segunda, mas ambas

se jogam em todos os palcos da Modernidade, inclusive na educação. Se as "massas"

entram no poder e de lá imprimem mudanças, nomeadamente na educação, com o fim

de ocuparem um espaço mais vasto e confortável na cidade, pedagogos tentam, desde o

começo do século XX, i mpor o princípio da "autonomia" ao princípio da "regulação", e

o resultado parece ter s ido um empate confuso: por um lado, em vinte anos, dos anos

cinquenta aos anos setenta do século XX, a percentagem de estudantes universitários

com origens operárias na Europa, passa de 1 0 para 1 5% (Kaelble, 1 985, 79) , embora a

proporção de jovens oriundos da classe operária com idades compreendidas entre os 20

e os 24 anos que se encontram a estudar em 1 970 varie, nos paises escrutinados por

Hartmut Kaelble, entre 7,3% e 1 ,6%, o que é manifestamente decepcionante (Idem, 83) ;

por outro lado tudo parece indicar que a manei ra como se ensina e se "governa" os

alunos, varia nesta altura, de uma concepção maioritariamente reguladora que os

encarava como inaptos para a Modernidade, para uma gestão pedagógica mais próxima

de uma concepção autonómica que advoga a revogação de todo "o princípio exterior

que é suposto fornecer aos seres humanos máximas que ditem a sua conduta".

Ninguém consegue gritar vitória: a mudança não foi tão grande como os de baixo

gostariam que tivesse sido, e a autonomia não desembocou na fel icidade final , antes

criando uma série de outros problemas que estão longe de estar resolvidos, mas cremos

que há duas l ições importantes que uma visão à distância deste período nos pode

fornecer.

A primeira dessas l ições é a de que as verdadeiras mudanças sociais são lentas e nunca

e devem a um único instrumento de mudança. Tal lentidão, que exasperou os

"reformistas" e os "revolucionários" dos anos sessenta e setenta que, sem o

confessarem, exigiam ao "capitalismo" que levasse a efeito as mudanças que as suas

"reformas" e a "revoluções" tinham na agenda, levou-os a serem demasiado

precipitados, confundindo o tempo humano que dura uma vida biológica, com o tempo

histórico em que se jogam as verdadeiras mudanças sociais . Um corte transversal entre

o mundo do princípio do século XX e o mundo do princípio do século XXI mostraria

mudanças consideráveis, entre elas na educação, apesar do julgamento efectuado sobre

tais mudanças estar sempre dependente da óptica que se adopte. Em termos gerais, no

entanto, os indicadores tradicionais de progresso, tais como a riqueza e a sua

distribuição, a esperança de vida, a mortalidade infanti l , os anos de educação, as

diferenças de estatuto entre homens e mulheres, e as formas de governo, entre muitos

89

Page 91: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

outros, parecem indicar que o mundo de hoje é um mundo melhor do que o de há um

século atrás, e cremos que a educação como forma de integração das "massas" na

"cidade", jogou um papel crucial em tais mudanças.

A segunda de tais l ições é a de que não se pode nem deve analisar a educação como um

facto i olado, e sobretudo, não se deve reduzir a educação ao que é produzido nos

Sistemas Educativos. Fel izmente que a ideia de que se pode "fazer uma pessoa" através

da sua exposição a um sem número de horas de lição durante uma parte da sua vida, é

cada vez mais uma ideia sem sentido, porque se reconhece que as pessoas são bem mais

l ivres do que se esperava, con eguindo usar um mundo inteiro para conferir sentido aos

estímulos que, em grande parte, seleccionam de acordo com o seu passado, mas

também, com os seus interesses.

O positivismo optimista mas algo arrogante dos séculos XIX e XX, que através de

"Aparelhos Institucionais" quis mudar o mundo, e que através dos Sistemas Educativos,

quis substituir a rua, o padre, a vadiagem e a farrulia, pela escola, teve que recuar,

procurando formas de articulação entre os tipos de socialização pré modernas, de índole

familiar, próxima e endógena, e as estruturas de socialização Modernas, exógenas e

descontextual izadas da vida do dia-a-dia. Que fossem alguns dos seus melhores alunos,

os neo-marxistas da segunda metade do século XX a descobrirem os l imites dos seus

"Aparelhos Institucionais" e a apontarem a inevitabil idade de tal articulação, é por um

lado uma ironia, e por outro um tributo à ciência que triunfou sobre a ideologia. A

segunda metade do século XX foi também i sto.

90

Page 92: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

• Estabi l ização e crise dos modos de regulação dos Sistemas

Educativos contemporâneos: dos anos oitenta do século XX aos

nossos d ias, o modelo em crise.

A época que nos propomos nesta altura analisar é de "arrumação" bem mais difíci l que

a anterior, a qual, fazendo parte do passado, reúne um razoável consenso por parte dos

cientistas sociais do presente, o que contra ta fortemente com a tensão ex istente no que

respeita à anál ise das li nhas de rumo dos nosso dias .

Na verdade, se parece haver alguma e tabil idade na aval iação hoje real izada sobre o

período que vai do pós segunda Guerra Mundial ao princípio dos anos setenta do século

XX, o escrutínio sobre o que daí para a frente ucede é bastante mais confuso por várias

razões, na base das quais se encontra, provavelmente, o facto de se tratar de um período

em gestação, em relação ao qual ainda não decorreu o tempo e a distância para

estabil izar e organizar a informação que, al iás, continua a correr célere, por vezes em

sentidos diferente , de conexos e divergentes.

Alguns factos que permitem perceber que há rupturas com o período anterior são fáceis

de estabelecer, mas, se por um lado, ainda há continuidades com tal período, e veja-se

por exemplo a dependência do petróleo em que o mundo ainda se encontra mais de

trinta anos depois do primeiro "choque petrolífero", por outro, não temos uma visão de

conjunto que permita englobar as descontinuidades mencionadas numa totalidade que

faça sentido e nos permita afirmar que estamos perante uma "Pós - Modernidade", um

paradigma novo face ao período anterior, ou e quisermos, não há ainda a certeza de que

e tamos a viver "o quinto ciclo de Kondratiev" .

No entanto, e à medida que o tempo passa, esta mudança de paradigma parece cada vez

mais plausível . Assim, a provável consol idação de uma ideia de mudança global parece

ter vindo a ganhar peso na prosa científica sobre o assunto, o que se nota na maneira

como ela é tratada pelos autores de referência desde a década de noventa do século XX

aos nossos dias. Aludindo ao que se estava a passar no mundo nos finais do século

passado, Anthony Giddens preferia util izar a designação de "Modernidade radical izada"

ou "reflexiva" (Giddens, 1 995) em detrimento do conceito de "Pós -Modernidade"

salientando assim as continuidades em detrimento das rupturas, enquanto Claude

Diebolt, na descrição do "quarto ciclo de Kondatriev" coloca como data de começo de

tal ciclo o ano de 1 947, e como término um ponto de interrogação (Diebolt, 1995, 3 1 ), o

9 1

Page 93: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

que significará que, para o autor, na altura da publ icação da obra a que nos referimos,

ainda estávamos no ciclo começado no pós segunda Guerra Mundial . Já autores como

Chris Freeman e Francisco Louçã, entre outros, colocam o quarto ciclo de Kondatriev

como tendo um começo em 1 94 1 e como término um ponto de interrogação, mas

conseguem defin ir de uma forma muito clara as componentes principais de um quinto

ciclo, o que mostra que para estes autores, embora ainda seja impossível marcar de

forma estrita o fim do ciclo anterior, é já possível, de forma muito nítida, desenhar com

alguma precisão as componentes fundamentais de um novo ciclo paradigmático em que

o mundo se encontraria i merso. O que parece mudar de um para outro destes autores,

além da natural diferença de opiniões característica das C iências Sociais, poderá

também ser a data de publicação das obras que referimos: 1 990 para a edição original

do trabalho de Anthony Giddens, 1 995 para a edição do trabalho de Claude Diebolt e

200 1 para a edição original do trabalho de Freeman e Louçã.

Na verdade, à medida que avançamos no tempo, percebemos que se coloca como

razoável uma hipótese que postule que este período que nos propomo analisar neste

capítulo poderá ser dividido em duas grandes etapas : a primeira, que vai de 1 973 a

meados da década de noventa do século XX, que em termos schumpeterianos

corresponderá a um "período de depressão e de criação destrutiva ", ainda parte do

famoso 4° ciclo, e a segunda, que marcaria a entrada no ciclo seguinte, que se torna

mais nítido a partir dos anos noventa do século passado, inserindo-se na fase

ascensional de um hipotético 5° ciclo de Kondatriev, expresso por " . . . a new wave of

innovations and investment . . . "(ln Nunes, 2003, 563) .

Assim, e recorrendo à terminologia dos teóricos da regulação, a partir dos anos setenta

do século XX, passamos de um mundo que se expressava através de dois "Modos de

Produção" diferentes e alternativos, para um novo cenário em que, paralelamente às

mudanças tecnológicas formidáveis que então despontam e se sedimentam nos tecidos

sociais e económicos, desaparece um dos dois "Modos de produção", o "socialista",

deixando no terreno, a partir dos anos noventa, como único paradigma político e

económico viável, o "Modo de Produção" assente na primazia do capitalismo de

mercado. E, como prova de que a mudança foi mesmo profunda, não se assiste "apenas"

a uma vitória de um "Modo de Produção" sobre outro, mas s im à evidência de como as

formas de regulação dominantes de tais modos de produção os tinham aproximado: a

queda de um deles i mplicou mudanças fundamentais no "Modo de Regulação" do outro,

que passa de uma regulação keynesiana baseada na ideia de um Estado inserido na

92

Page 94: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

economia, para um modo de gestão em que as relações entre o Estado, a economia e o

"social" e portanto, a educação, são reaval iados e reorganizados face ao keynesianismo.

Cremos, assim, que a fase que vai de final dos anos setenta ao começo dos anos noventa

do século XX, nos países centrais do "bloco Ocidental", assim como nos que, órfãos do

"socialismo", se "ocidental izam", é profundamente marcada pela luta política que cria

as condições para a implementação de um novo ciclo. Tal luta expressa-se por um

discurso ideológico e mi litante "destrutivo", que agirá como uma força de choque na

tentativa de subverter a hegemonia ideológica assente na social-democracia por um lado

e no social ismo de Estado por outro, preparando a sua substituição por outra hegemonia,

a de "mercado", o que dará origem a mudanças drásticas nos modos de regulação do

capitalismo, que nuns casos foi mais conseguido do que em outros, numa batalha que

ainda hoje se desenrola.

No entanto, nem tudo é claro, uma vez que muita da retórica do tempo, quer por parte

dos partidários dos novos "modos de regulação", quer por parte dos que a eles se

opunham, escondia os constrangimentos inerentes a gestões muito "apertadas" de crises

orçamentais que se desenrolavam em cenários macroeconómicos extremamente

deprimidos e pol iticamente tensos, com consequências sociais por vezes dramáticas,

cuja culpa não é de fáci l atribuição, se à gestão dos novos políticos emergentes da

altura, se às condições por eles herdadas do período anterior.

Assim, na análise que levaremos a cabo, que, pelas razões antes expl icadas, será bem

menos segura do que a referente ao período anterior, tentaremos ser cuidadosos em

relação às i mpregnações oriundas de um jargão do dia-a-dia, onde a batalha continua,

por vezes sem precisão nos termos que usa, mas com um vigor notável na forma como

se trava.

Como chegámos aqui , e o que significa este caminho?

As grandes mudanças I : a esquerda em crise e o fim do "Modo de Produção

Socialista"

Quando os preços da principal fonte de energia de um mundo em que a produção e o

consumo se tendem a massificar crescem abruptamente, existem muitas razões para que

se receie uma alteração brusca dos modos de vida predominantes. Em 1 973, a reacção

ao brusco aumento do preço do barril de petróleo pelos países Árabes exportadores

reunidos na OPEP (Mayall , 1 998), foram de dois tipos: uma eufórica por parte do

chamado "terceiro mundo", que entreviu no acto uma direcção na tomada em mãos das

matérias-primas dos seus territórios, cujo controlo por parte do Ocidente era por eles

93

Page 95: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

sentido como uma continuação do colonialismo (Ibidem) ; e outra por parte dos países

mais ricos e desenvolvidos, cautelosa e apreensiva, mas que tendo resistido à tentação

de voltarem ao que alguns autores chamam de "Nacionalismo Económico" (Brown et

aI. , 1 999, 4-5 ), optaram por estratégias de coordenação que deram origem ao chamado

G-7, hoje, com a entrada da Rússia pós - soviética, G-8 ( Iryie, 1 998, 244) . Os primeiros,

cedo viram que eram os menos preparados para enfrentarem os novos tempos

(Mayal l , 1 998) e os segundos, rapidamente se deram conta que a estagnação, a

"estagnaflação" que ensombrou as economias dos anos setenta e oitenta do século XX,

tendo como desencadeador próximo as subidas bruscas dos preços do petróleo, t inha

causas mais profundas, que levaram os economistas da OCDE a falarem em uma crise

de "ajustamento estrutural" (Freeman e Louçã, 2004, 308). Os fenómenos de

crescimento lento ou mesmo de estagnação do crescimento, combinados com uma

persistente inflação e com um desemprego maciço de longa duração que se transformou

em "desemprego estrutural", coexistiam com a aceleração do desenvolvimento técnico e

científico, o que parecia constituir um paradoxo, pelo que lentamente a princípio, mas

de forma rápida de seguida, se começou a tornar claro que " . . . os l imites i mpostos ao

crescimento eram os l imites de um conjunto particular de tecnologias e de um regime

particular de gestão ( . . . ) , e não os l imites da tecnologia em geral nem, seguramente, das

novas tecnologias que se impunham por toda a parte . . . " (Ibidem) .

No entanto, se parecia claro, cerca de trinta anos depois, que os grandes problemas da

economia mundial durante as décadas de setenta e oitenta se encontravam na

inadequação de um grupo de tecnologias e de formas de gestão que caracterizavam o

"Fordismo", havia questões de ordem social e política que se entrelaçavam de forma

simbiótica com as suas componentes económicas, de tal forma que as mudanças que se

davam num sector arrastavam mudanças no outro, sem que se pudesse estabelecer de

forma clara as diferenças entre política e economia.

O mundo parecia estar a mudar de forma radical , e se em relação a uns, no Ocidente, se

tratava de uma crise do Modo de Regulação, definida por Robert Boyer como

constituída por uma situação em que " . . . les mécanismes associés au mode de régulation

en vigueur se révelent incapables de renverser les enchalnements conjoncturels

défavorables, alors même que ( . . . ) le régime d' accumulation est viable . . . " (Boyer e

Sail lard, 2002b, 559), em relação a outros, os que desde meados do éculo X IX se

tinham erigido em alternativa aos contornos dominantes da Modernidade, tratava-se

mesmo de uma crise do seu Modo de Produção, ou seja, e nas palavras de Robert Boyer

94

Page 96: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

e Yves Saillard, o afundamento de uma forma específica de " . . . re lations sociales

régissant la production et la reproduction des conditions matérielles requises pour la vie

des hommes en société . . . " (Idem, 565) .

No entanto, no começo da década de setenta, não era evidente, mesmo depois do

chamado "choque petrolífero", que o mundo iria passar por mudanças políticas, sociais

e económicas importantes nas décadas que se seguiriam.

Na verdade, em 1 973, o mundo continuava firmemente dividido em esferas de

influência ideológicas e mil itares, e o "social ismo de Estado", embora profundamente

dividido a partir de finais da década de cinquenta pela querela sino-soviética, parecia

ainda suficientemente forte para ajudar os movimentos independentistas da Ásia e da

África a derrotarem as potências coloniais ou neo-coloniais do Ocidente, e, ao mesmo

tempo, assegurar uma trégua com o mesmo Ocidente, que se traduziu numa série de

tratados de cooperação que exprimiam uma situação de "empate militar", assegurando­

se assim uma "coexistência pacífica" entre os dois mundos que duraria até quase aos

finais da década (Gaddis, 2005 , Hobsbawm , 2002; Judt, 2006) .

Porém, a s tensões estavam latentes: dentro das economias d e mercado, a longa

estagnação dos ano setenta levou ao poder, em alguns dos países -chave do Ocidente,

uma "Nova Direita" que adoptava como bandeira uma versão politizada do

neoclassicismo dos anos vinte, que colocava em cheque o papel do Estado na economia

e na sociedade, contribuindo para o fim da longa "hegemonia" social-democrata no

Ocidente e via o socialismo, quer o "externo", quer o "interno" como uma parte do "

Império do Mal" ; no mundo socialista e em especial na União das Repúbli cas Soviéticas

Socialistas (URSS) e nos Estados dela dependentes, atravessava-se u m período de

"estagnação" económica e de "paralisação política" (Gaddis, 2005, 1 56- 1 94;

Hobsbawm, 2002, 243 ; Judt, 2006, 5 1 7-7 1 7) , momentaneamente ultrapassado pelo

facto de a URSS ser um dos grandes produtores de petróleo do mundo. Tal

"estagnação" levava a que, no final da mesma década, a União Soviética se revelasse

incapaz, por um lado, de competir quer em armamento, quer em produtos vitais e de

consumo com as economias de mercado capital istas, e por outro, visse o nível de vida

da sua população diminuir drasticamente em relação ao Ocidente, assistindo-se à

estagnação do crescimento de alguns indicadores fundamentais como o PIB per capita e

a esperança de vida, o que, todos os factores combinados, corroeu fortemente uma parte

fundamental da legitimidade política de que o regime comunista gozou durante um

largo período da sua existência (Gaddis, 2005 ;Hobsbawm, 3 9 5 - 422; J udt, 2006)) .

95

Page 97: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Na verdade, a fase final da década de setenta e toda a década de oitenta revelaram-se

absolutamente fatais para uma das práticas políticas da Modernidade, que, alicerçada

numa l inha teórica coerente e estruturada, se esboçava desde os princípios do éculo XX

como uma alternativa civil izacional ao capital ismo industrial que e afi rmava como o

Modo de Produção hegemónico desde meados do século XVIII . A forma estrondosa

como o socialismo de Estado ou o "Comunismo" se despenhou em pouco tempo,

surpreendendo a maioria das opiniões públicas, os Serviços de Informação ocidentais e

os próprios l ideres do mundo socialista (Dobrynin, in Gaddis, 2005, 1 56; Hobsbawm,

248), constitui uma das grandes rupturas com o período anterior e parece ter deixado a

Modernidade mais pobre ao erradicar uma das poucas práticas políticas que, sob várias

formas, desde pelo menos a Revolução Francesa, contestava a hegemonia do

"capitalismo de mercado" baseado numa visão liberal da sociedade.

Particularmente funestos para o socialismo, mas, certamente, mais não fazendo do que

agudizar as contradições internas que estavam à beira da ruptura dentro da sua própria

esfera ideológica e económica, foram os acontecimentos que, na transição da década de

setenta para a de oitenta, se sucedem numa catadupa infernal e que acabaram por

destruir o berço do socialismo de Estado mundial, a União das Repúbl icas Socialistas

Soviéticas : à eleição em 1 978 de um Papa polaco, João Paulo II, que se dá ao mesmo

tempo em que na Polónia uma oposição católico-sindicalista colocava, pela primeira

vez, verdadeiramente em cheque um Estado socialista, segue-se no ano seguinte, a

desastrosa invasão soviética do Afeganistão e a emergência dos movimentos

nacionalistas das várias repúbl icas da URSS, que, sentindo a fraqueza e a decadência do

núcleo histórico comunista e o al iviar da pressão por parte do "centro", rebelam-se,

tornando uma parte substancial da antiga União das Repúbl icas Socialistas Soviéticas

virtualmente i ngovernável . Subitamente, também, os interlocutores Ocidentais deixaram

de ser os complacentes sociais-democratas ou os pacíficos conservadores que

procuravam sobretudo conter "a ameaça soviética", mas políticos visceralmente anti­

socialistas e anti soviéticos como Margaret Thatcher, eleita Primeiro-ministro B ri tânico

em 1 979, e Ronald Reagan eleito, no ano seguinte Presidente dos Estados Unidos da

América.

Assim, a pressão política posta sobre o mundo socialista, o retomar no Ocidente de uma

retórica armamentista destinada a provocar, conforme a origem dos discursos, ou uma

nova si tuação de paridade, ou um novo desequil íbrio de forças entre o "Ocidente" e o

" Império do Mal", um notório atraso tecnológico e de gestão da economia sovjética, O

96

Page 98: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

mmar de uma relação entre o Estado e os cidadãos, que a troco da supre ão das

liberdades individuais assegurava um certo grau de prosperidade interna, a violenta

eclo ão dos nacionalismos que o comunismo, à força, pela persuasão, ou através de uma

mistura entre ambas tinha conseguido acomodar num só Estado, e uma guerra

"colonial" que terminou como todas terminam, revelaram-se problemas de uma

amplitude insuperável que levaram a que, a partir do começo da década de noventa do

século XX, o socialismo como prática política com relevância territorial, tenha de facto

desaparecido do mundo.

Sem entrarmos em discussões sobre o significado pol ítico actual da República Popular

da Chjna que consideramos fazer parte de uma outra realidade, de restos de um arcaico

social ismo caudilhista como o que verifica em Cuba, ou de derivas patológicas como

parece ser o caso do regime que domina a Coreia do Norte, o fim do "soc ialismo de

Estado" ou do "comunismo enquanto regime" parece ser um facto assente e constituiu

uma das marcas dos finais do século XX que, em conjunto com a mudanças

tecnológicas que emergiam por todo o mundo, imprimiram um novo rumo aos tempos

em que nos encontramos.

Com o fim do "socialismo de Estado"parece ter também terminado uma das duas l inhas

de tensão "ideológica" e identitária que, atravessando a Modernidade, lutaram para

impor a hegemonia no Ocidente e no mundo. Na verdade, se o nacionalismo foi uma

das forças hegemónicas em torno da qual a rustória gira, da segunda metade do século

XIX até ao final da segunda Guerra Mundial, a contradição entre o Modo de Produção

capital ista e o Modo de Produção social ista, intromete-se na arena dos grandes confl itos

mundiais entre 1 9 1 8 e 1 945 e ocupa o centro de tal arena de 1 945 até meados da década

de oitenta do éculo XX.

A emergência no "pós Guerra-Fria" de uma só potência e de uma só "ideologia", que

parecia cumprir, de forma invertida a profecia de origem marxista do fim da história

(Fukuyama, 1 992), revelou-se, em termos de ordem, quer interna, quer internacional ,

uma amarga desi lusão. Nem a democracia l iberal apoiada no capitalismo de mercado foi

aceite por todo o mundo como "a solução", nem a "super potência" vencedora dispunha

do poder suficiente para ser o "efectivo" políc ia global, o que, conjugado com os

acontecimentos do princípio século XXI, prefigura uma nova l inha de tensão, de ordem

rel igiosa e cultural, que parece mostrar como a Modernidade se não parece já aplicar

senão ao Ocidente, deixando assim de ter o alcance universal que, através das teorias da

Modernização, já chegou a ter (Huntington, 1 999; Latham, 2003).

97

Page 99: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Mas quais as consequências da "queda do comunismo" no "Ocidente" e no mundo?

Como antes foi expresso, as mudanças que se dão nas décadas de setenta e de oitenta do

século XX, mostram como, sobretudo após 1 945 , as ideologias em confronto se tinham

também moldado uma à outra, sendo a questão particularmente evidente na Europa,

onde as realidades militares l igadas a cada ideologia coexistiram mais de perto. Como

se sabe, o socialismo de cariz comunista e a social-democracia tiveram raízes

ideológicas e históricas comuns, e embora se tenham afastado decisivamente durante a

primeira metade do século XX, com a democracia l iberal como pomo de discórdia

absoluta, voltarão a encontrar-se no final da segunda Guerra Mundial, com o

sindicalismo e a social-democracia europeia a usarem a ameaça do "comuni mo" como

forma de pressão sobre as el ites económicas e políticas ocidentais na obtenção do

"Estado - Providência".

De certa forma, e como vimos numa parte anterior deste l ivro, a destruição dos tecidos

socas e económicos europeus e asiáticos, assim como a presença de um modo de

produção emergente e em expansão como parecia ser o Modo de Produção Social ista,

ambas estas questões tendo como causa directa a segunda Guerra Mundial, obrigou as

elites europeias a transigirem sobre o modo de regulação predominante do capitalismo,

facil itando assim a emergência, como paradigma dominante, de um modo de regulação

keynesiano, caracterizado pela acção directa do Estado na regulamentação económica,

na redistribuição de riqueza, e nas políticas de promoção da igualdade e da mobil idade

social através da educação.

Políticos que encabeçaram a "revolução Neo-l iberal" como Margaret Tatcher e Ronald

Reagan tinham uma agenda que fazia uma leitura acertada destas l igações, e tal como

nos lembra Eric Hobsbawm, " . . . a Guerra-Fria reaganista era dirigida não só contra o

" Império do Mal" no exterior, mas contra a lembrança de F. D. Roosevel t dentro do

país ; contra o Estado do Bem-estar Social, e contra qualquer outro Estado intruso: o seu

inimigo era tanto o l iberalismo (na acepção americana do termo) como o comunismo . . . "

(Hobsbawm, 248) . S ignificou i sso, que a queda do Comunismo arrastou consigo a

queda do Estado - Providência?

Tal como nos lembra Gosta Esping-Andersen ( 1 994, 1 999, 2003 a), o Estado _

Providência tem origens históricas no século X IX europeu e resultou de vários factores,

nomeadamente dos que se relacionavam com o vigor dos movimentos operários dos

séculos X IX e XX, do contexto político internacional, do crescimento económico do

pós - guerra, de uma demografia favorável, de si tuações de pleno emprego e, muito em

98

Page 100: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

especial, de políticas de alianças de classe que se reportavam à mobilidade social e ao

nível de estratificação de cada uma das sociedades em que se implantou . Desta forma, e

consoante a forma como estes elementos se conj ugaram, mais fortes ou mais fracos

foram os seus al icerces, e portanto, o seu desempenho em si tuações de pressão como o

foi o período de estagnação económica e de irrupção dos Neo-liberais das décadas de

setenta e de oitenta do século XX.

Além do mais, e como nos lembra Sheila Fitzpatrick ( 1 998), a forma como o Estado -

Providência foi aceite pela maioria das sensibil idades políticas, sobretudo na Europa,

contribuiu para, até certo ponto, o despolitizar, ou , mais correctamente, o

despartidarizar. Assim, apesar de as hegemonias ideológicas e económicas terem de

facto mudado, as tentativas reais de mudança no funcionamento e na lógica

predominante de cada Estado - Providência depararam-se com enormes resistências por

parte dos políticos e sindicalistas da área da soc ial-democracia e do trabalhismo e das

populações em geral , que tinham em boa parte interiorizado um modelo social que ainda

hoje se denomina por "Modelo Social Europeu", pelo que o regresso a antes de 1 945

não se afigura real ista.

No entanto, parece claro que a maioria dos factores que faci litaram a implementação do

Estado - providência do pós - guerra deixaram de estar presentes progressivamente a

partir de meados da década de setenta, e que as discussões actuais em torno deste

modelo de sociedade resvalam frequentemente, das diferentes configurações possíveis,

para a possibi l idade da sua manutenção. Na base destas dúvidas, uma série de factores

estruturais e ideológicos que assentam, em parte, em economias que, de aj ustamento em

ajustamento, parecem ter-se modificado profundamente, dos anos setenta do século XX

à primeira década do século XXI.

As grandes mudanças II: alterações nos modos de regulação domi nantes -

economia, neoliberalismo e globalização.

Da mesma maneira como parecia i mpensável a gestão das economias do pós - guerra,

sem se recorrer ao paradigma keynesiano de um "Estado inserido" na economia, no

contexto de Estados Providência de inspiração social-democrata, e isto

independentemente dos partidos ou classes políticas que ocupavam o Estado, o mesmo

se diz do papel que a ideia de mercado ocupa na metáfora política e económica das

décadas que se seguem.

Poder-se-á afirmar de forma algo coloquial que, de 1 945 aos finais da década de setenta

do século XX, o Estado é o regulador político, económico e social predominante, num

99

Page 101: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

caminho já descrito antes neste texto, e que dos anos oitenta em diante, este papel é

ocupado pelo mercado, dando-se mesmo o que alguns autores denominam de

"mercadorização" das funções sociais e económicas que antes eram alvo de regulação

estatal . Por outras palavras, as imagens produzidas referem frequentemente, e por vezes

de forma algo apressada, que transitámos de um "Estado inserido na economia" para um

" . . . Estado circunscrito em relação a uma economia considerada como um espaço

autónomo . . . ", que Christine André caracteriza como sendo a configuração entre Estado

e economia que prevalece até à primeira Guerra Mundial (André, 2002, 1 45) .

Será isto possível , ou fará mesmo sentido?

De modo a articular as relações entre o mundo da economia e o mundo social e político,

temos uti l izado de forma algo l ivre os conceitos que consideramos centrais dos teóricos

da regulação, pelo que aqui chegados, parece-nos particularmente úti l relembrar alguns

de entre estes conceitos. Assim sendo, atentemos a que a ideia de "regulação" supõe a

existência de agrupamentos de procedimentos e de comportamentos que asseguram a

reprodução das relações sociais fundamentais de um "Modo de Produção" e que tais

procedimentos e comportamentos "pilotam" o regime de acumulação dominante e

funcionam de maneira a assegurar a compatibil idade de um conjunto de decisões sem

que seja necessária a interiorização por parte dos actores económicos dos princ ípios que

regem a totalidade do sistema (Boyer e Sail lard, 2002b, 565). Tudo i sto supõe, segundo

Claude Diebolt, a exi tência de um órgão regulador cujas funções são as de aperceber-se

das perturbações que afectam o sistema, anal isar as causas de tais perturbações e,

finalmente, transmitir uma série de ordens coerentes a um ou vários órgãos, os quais

agirão de forma a restabelecer o equi l íbrio do sistema (Diebolt, 1 995, 1 1 - 1 2) .

A premissa de que a ideia de mercado, o u " o mercado" definido d e forma autónoma e

abstracta, é capaz de proceder a uma regulação do "social" em sociedades tão

complexas como as sociedades humanas, parece assim provir de uma táctica política

que se apoia numa versão fundamental ista do "neoclassicismo", definida por Robert

Boyer e Yves Sail lard como " . . . une variante plus idéologique pour laquelle l ' économie

de marché est partout et toujours le eul systeme économique efficace et viable . . . "

(Boyer e Saillard, 2002b, 566), e não de um procedimento político e administrativo

responsável , coerente com as pessoas e os partidos que ocupam os lugares de Estado em

sociedades democráticas evoluídas. Assim sendo, se não tem sentido, do lado das

teorias da regulação, postular que o "mercado" em si , possa regular o que quer que seja,

e muito menos a s i mesmo, o que significa a afirmação reiterada de que o

1 00

Page 102: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

"neoliberal ismo" substitui o Estado pelo mercado, no papel de órgão regulador principal

dos campos social , económico e político?

Tudo indica que a conjugação de um período de estagnação económica longo, que

provocou desemprego e recessão, com um modelo político social-democrata que nos

anos sessenta e setenta era alvo de um duplo ataque ideológico vindo da direita

conservadora e da extrema-esquerda comunista e l ibeltária nas suas diversa variantes

(Le Goff, 2002), em sociedades em que o grau de institucional ização do sindicalismo

era extremamente forte, o que se reflectia numa mão-de-obra condicionada e cara, numa

fraca capacidade de implementação de decisões do foro político e num grau de despesas

públicas cada vez mais altas, tendo como cenário uma demografia progressivamente

de favorável , acabou por levar uma parte do mundo económico e político a concluir que

seriam necessários "ajustes estruturais" de forma a erradicar a malha restritiva composta

por esta forma, então desgastada, de gestão económica, social e política.

Se este era, desde os anos trinta do século XX, o objectivo de grupos políticos que não

se reviam nas ideias e práticas intervencionistas proporcionadas pela confluência entre

as teorias políticas sociais-democratas e a influência keynesiana na economia, foi

preciso esperar, por um lado, pela degradação do si terna de regulação que esteve na

origem do Estado - Providência e por outro, pela recomposição política de tais grupos,

para que as propostas que desde sempre apresentavam, se tornassem aceitáveis para

sectores cada vez mais importantes da população .

Tendo conseguido conci l iar o "l iberal ismo económico" dos princípio do século XX, o

conservadorismo tradicional , e um populismo mil i tante no âmbito de democracias

l iberais legitimadas pelo Sufrágio Universal, o "neoliberali smo" surge, ass im, como um

discurso polít ico que l idera urna " l impeza" ideológica face ao que existia, e aponta um

caminho que, nas perspectivas de Milton Friedman ( 1 962) e de Frederic H ayeck ( 1 977) ,

v isa harmonizar a l iberdade de acção das forças de mercado, num contexto de

regulações l ivres da interferência dos campos exteriores à economia, com um grau

" eleccionado" de intervenção por parte de um Estado, que, por um lado, se deveria

voltar para as suas funções originais de assegurar a segurança, a defesa e a justiça, e por

outro, assumir o papel de l iderar o "desmantelamento" da hegemoni a anterior.

Estas serão, segundo as políticas que se tornaram hegemónicas a partir da década de

oitenta do século XX, as condições para que a economia, l ivre das interferências "não

económicas", possa voltar a tornar-se eficiente através da sua famosa "mão invisível" e

assim , tenha condições para devolver a prosperidade aos indivíduos, ou pelo menos

1 0 1

Page 103: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

àqueles que no seu selO revelem ter as capacidades, a intel igência e a as atitudes

próprias para prosperarem neste novo mundo.

O "neoliberal ismo", tal como despontou nas década s de setenta e oitenta do século XX,

parece ter-se constituído sobretudo numa táctica política "de choque",enquadrada numa

estratégia de mudança nas regulações sócio económicas dominantes até aí, tendo

conquistado progressivamente partes cada vez mais importantes das elites políticas e

económicas do Ocidente, cujos objectivos passavam pela reestruturação das relações

entre as esferas do político, do económico e do social que resultaram do pós segunda

Guerra Mundial . Os resultados que obtém têm origem na capacidade dos seus

part idários em tornarem o discurso do "capital ismo popular" aceitável em democracias

l iberais, na crise evidente do modelo económico-social "fordista" que, em conj unto com

os choques petrolíferos dos anos setenta, são responsabi lizados pela estagnação das

economias do Ocidente e em certa medida, do mundo, a qual ressuscita uma realidade

traumática para qualquer sociedade, ou sej a, o desemprego.

O seu "núcleo ideológico duro", resulta de uma "liberalização" em termos económicos

do discurso e das práticas conservadoras da primeira metade do século XX, que,

herdeiras do conservadorismo tradicional , reagem durante toda a Modernidade contra o

"progressismo" (Mannheim, 1 986, 84) encarnado pela laicização das sociedades e

acima de tudo pela transformação do Estado tradic ional em "Estado Social" como o

tendem a ser os Estados - nação modernos . Partindo das mesmas premissas dos seus

antecessores dos séculos anteriores, que se opõem a um Estado abrangente e adoptam

um "individualismo metodológico" que recusa as noções de "classe social" e de

"sociedade", este núcleo ideológico vive e adapta-se bem a um novo contexto marcado

por democraci as baseadas no Sufrágio Universal e assentes numa sociedade de consumo

tutelada por Estados colossais i mpregnados de uma "ideologia de esquerda". Trata-se de

um "espaço" totalmente diferente do que viu nascer e sedimentar-se quer o

conservadorismo, quer o l iberal ismo burguês e aristocrata dos séculos xvm, XIX e

princípios do século XX (Bernard e Coll i , 1 997,1 5- 1 6) , e, se o "neol iberal ismo" reflecte

uma adaptação conservadora a este contexto, por outro lado, ele é o reflexo de uma

recusa profunda dos valores que tutelam as sociedades em que medram os "Estado -

Providência" .

Mark Olsen, John Codd e Anne Marie O' NeiU, traçam-nos um quadro que nos permite

resumir com alguma verosimilhança as grandes diferenças e similitudes com que o

Liberalismo "clássico", as concepções sociais-democratas associadas ao Estado

1 02

Page 104: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

providência e as l inhas mestras do chamado "neoliberal ismo" encaram duas das

questões que estão na base das grandes teorias sociais : o papel do Estado e a ideia de

"natureza humana". Adaptamos e apresentamos tal quadro de seguida.

Quadro 10 - O Estado e a "natu reza h u mana" no Li beral ismo Clássico, na social­

democracia keynesiana e no "neol i beral ismo"

liberalismo Clássico Social-democracia "Neoliberalismo"

Keynesiana

O Estado

Modos de Concepção negativa do Keynesiana; Estado inserido na Concepção positiva do

regulação poder de Estado; contrato economia; separação de funções Estado; mercadorização do

social, "Iaissez-faire". entre Estado e economia. Estado.

Princípios Liberdade do indivíduo e Igualitarismo com o objectivo de Economia de empresa, ênfase

filosóficos direitos individuais à "vida", à minimizar diferenças de classe; no espírito de

principais liberdade e à propriedade. novos direitos ao bem-estar e à empreendimento, tanto a nível

educação. do sector público como do

privado.

O Estado e Encoraja a auto-ajuda; a Apoio à mudança social através Apoio limitado - assistência a

a assistência deve ser de um Estado organizado em um público seleccionado;

assistência assegurada pela "caridade" e programas de ajuda; "Estado - desmantelamento das bases

social por associações voluntárias. Providência". económicas da assistência

social dos Estado -

Providência

Formas de Concepção negativa do Intervencionista; provedor de Estado politicamente forte/

poder de poder de Estado, limitado à serviços sociais tendencialmente redução dos serviços de

Estado defesa, à lei e à criação de universalistas; educação "livre" e assistência; formas de acção

um mínimo de infra- obrigatória; de Estado indirectas em vez

estruturas. de directas.

A

"Natureza"

Humana"

Princípios Enfatiza as capacidades Enfatiza as necessidades Enfatiza os desejos e

básicos individuais e os direitos humanas e as obrigações mútuas. vontades individuais e o direito

naturais. à escolha autónoma.

Motivação Largamente centrada nos Equilíbrio entre altruísmo, Centrada em interesses

interesses próprios mas interesses próprios, compaixão; económicos e em interesses

capazes de altruísmo e cooperação e interdependência; próprios. Enfatiza a

compaixão. sentido natural da justiça competição como motor de

progresso.

Bases da Enfase na natureza em vez Enfase na educação e no meio Enfase na natureza e na

"Natureza de na educação. ambiente em articulação com a estrutura genética; auto

Humana" natureza; autonomia humana construção baseada em

limitada. escolhas; cada indivíduo deve

responsabilizar-se por si

próprio.

ln Olssen et aI., 2004, 180-181.

1 03

Page 105: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

As semelhanças e diferenças aqui apresentada parecem salientar como foi fundamental

para a definição do "neoliberalismo" a confluência entre o conservadorismo político e o

liberalismo económico, uma confluência que se nota através nomeadamente da ênfase

colocada na necessidade de uma pauta ideológica conservadora, suportada por um

Estado forte, ainda que temporariamente, em contradição com a ideia libera l do "Estado

negativo".

Dotado desta armadura conceptual e de práticas políticas modernas, o "neoliberalismo"

deu de si uma imagem de dinamismo, inconformismo e rebeldia, que se traduziu nos

ataques aos "interesses instalados", explorando de forma magistral alguns dos impasses

do Estado - Providência (Candeias, 1 993a), e conseguindo integrar tradicional ismo e

"movimento" num projecto político "popular", ou, na visão dos seus detractores,

"populista" .

Nas sociedades em que foi levado aos limites, e são os exemplos americano e sobretudo

britânico que nos vêm à mente, provocaram, segundo o discurso que queiramos ouvir,

ou uma tremenda tensão social e política que estiveram na origem de rupturas sociais e

económicas cuja memória e efeitos ainda perduram, ou sociedades economicamente

pujantes que minimizaram o desemprego, ambas as afirmações sendo comprovadas por

factos que as tornam verdadeiras.

Cumpriu assim, o "neoliberalismo" por vezes de forma "terrorista", a função de

desequi l ibrar as hegemonias, convencendo uma quantidade cada vez maior de eleitores

de que era necessário sanear e aligeirar estruturas legislativas e de Estado que

condicionavam "o mercado", de flexibil izar, mais ou menos, conforme os casos, a força

de trabalho e, entre outros aspectos, fazer recuar um sindicalismo em défice de

legitimidade para o grau de politização que punha na sua acção.

Tal função desequilibradora por parte do militantismo "Neo-liberal", tornava-se mais

fácil à medida em que, por um lado, o paradigma de Estado regulador, o Estado

Comunista se ia desfazendo, e por outro, o de envolvimento tecnológico, aliado à

pressão política dos "grandes países" na abertura dos mercados mundiais, ia criando um

novo ciclo de expansão económico em parte assente num "leilão global" que permitiu às

grandes empresas mundiais seleccionarem as melhores condições de produção, quer a

nivel da mão de obra, do seu preço, da sua formação e da sua regulação, quer a nível

dos incentivos avançados pelos diversos Estados envolvidos na disputa pela captação

dos investimentos necessários ao desenvolvimento (Brown e Lauder, 1 999, 173) .

1 04

Page 106: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Esta resposta à crise do modo de regulação keynesiano, que se traduziu num combate de

valores e de ideologias, pelo estímulo ao de envolvimento tecnológico, pela

modificação das técnicas de gestão, pela mudança das políticas sociais e pelo

alargamento da escala dos mercados, que repete as estratégias de expansão de ciclos

económicos anteriores, veio, por um lado, beneficiar os consumidores ao fazer baixar os

preços de muitos produtos, mas, por outro, destruiu a coesão de regiões inteiras que não

conseguiam organizar a distribu ição mundial dos bens que tradicionalmente produziam;

por um lado, beneficiou alguns dos países mais pobres do Terceiro Mundo,

nomeadamente na Ásia, criando emprego onde ele não existia, mas por outro, l ançou

uma concorrência feroz com as estruturas produtivas e de mão-de-obra do Ocidente,

sobretudo da Europa, dando a machadada final num fordismo j á muito debi l i tado depois

das crises petrolíferas de 1 973 e 1979.

No entanto, se "neoliberalismo" e "global ização", em conj unto, foram eficazes na

"desinstalação" da hegemoni a social-democrata do pós-guerra, foi uma versão mais

branda e pragmática do l iberal i smo que de facto se instalou nos tecidos sociais ,

políticos, económicos e mesmo mentais das sociedades Ocidentais e por s i influenciadas

(Esping- Andersen, 2003a, 4). Esta versão, que Robert Boyer e Yves Sai l lard chamam

de "neoclassicismo metodológico" (Boyer e Sail lard, 2002b, 566), que mais do que

fazer do mercado o centro de todas as regulações, o util iza como metáfora de

funcionamento eficaz, é também o reflexo de um compromisso com as hegemonias

anteriores revelando transigênci as com um passado longo de lutas soc iais , sobretudo

nos lugares onde tal história existe, ou seja, na maioria das sociedades ocidentais . Uma

"versão de esquerda" de tal "modo de regulação" (Giddens, 1 997), a chamada "terceira

via", ou o que autores como Phil l ip Brown e Hugh Lauder chamam de pós-Fordismo,

atribuível na sua opinião aos chamados "Modernizadores de esquerda" (Brown e

Lauder, 1 999, 1 79) , bate-se politicamente contra o que resta do neol iberal ismo

mil itante, numa disputa ideológica que assume, no entanto, de vez, e de forma clara, que

o que está em causa são mudanças nos modo de regulação dominantes e já não no modo

de produção capitali sta.

Por outras palavras, a esquerda organizada contemporânea parece ter enterrado uma

parte do seu passado, e sem desistir de uma "agenda social" l igada ao Estado, parece ter

aceite como bom o modo de produção cap itali sta assim como a autonomia da esfera

económica face às esferas políticas e sociais , apostando numa política distributiva, a

1 05

Page 107: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

qual só pode ser suportada por uma economia produtiva e eficaz em termos de criação

de mais val ia .

O quadro que Phill ip Brown e Hugh Lauder nos fornecem, e onde comparam os

modelos de desenvolvimento próprios do chamado "Fordismo", que predomina da

década de trinta do século XX até aos anos setenta, do "neo-Fordismo" ou

neol iberalismo da década de oitenta, e do pós-Fordismo de esquerda ou "terceira via",

mostra como neste debate se perdeu a ideia de um "Modo de Produção Alternativo" ao

capital ismo e como as diferenças se jogam em torno de modos de regulação que, e

sobretudo no que concerne ao "pós-Fordismo" ou "terceira via", mais do que realidades,

marcam metas e objectivos que por enquanto, não têm, na maior parte do mundo,

grandes âncoras na real idade.

1 06

Page 108: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Q uadro 11- Modelos alternativos de desenvolvimento: Fordismo, neo-Fordismo e

pós - Fordismo

Fordismo Neo-Fordismo Pós- Fordismo

Mercados nacionais protegidos Competição global através de Competição global através da

ganhos de produtividade através inovação, qualidade e produtos e

de cortes nos custos. serviços com valor

acrescentado.

Investimento externo atraído Investimento externo atraído por

pela "flexibilidade do mercado" uma força de trabalho com boa

através de cortes nos salários e formação envolvida na produção

nas regalias sociais e políticas de produtos e serviços com valor

da força de trabalho. acrescentado.

Remoção de impedimentos à Objectivos baseados na criação

competitividade do mercado: do consenso; cooperação entre

criação de "cultura de empresa", governo, empregadores e força

privatização do Estado - de trabalho.

Providência.

Produção em massa de produtos Produção em massa de produtos Sistemas de produção flexíveis,

estandardizados/ baixa estandardizados/ baixa nichos de mercado, trabalhos

formação, ordenados altos. formação, ordenados baixos, que exigem mão-de-obra com

desregulamentação do mercado formação.

laboral.

Organizações burocratizadas e Organizações "leves", com Organizações "leves", com

hierarquizadas ênfase na flexibilidade numérica. ênfase na flexibilidade funcional.

Emprego massificado e Fragmentação / polarização da Manutenção de boas condições

estandardizado fora de trabalho: base fixa de para todos os trabalhadores.

trabalhadores, complementada

por trabalho temporário.

Separação entre gestores e Enfase no direito do gestor em Relações laborais baseadas na

trabalhadores; relações laborais "gerir"; relações laborais confiança e na participação

distantes; negociações salariais baseadas na distância e na colectiva.

colectivas. desconfiança.

Pouca formação em exercício Pouca utilização das políticas de Formação vista como um

para a maioria dos trabalhadores formação. investimento nacional; o Estado

visto como um "formador

estratégico" .

ln Brown e Lauder, 1999, 179.

Assim, e como temos vindo a escrever neste texto, a transição dos anos oitenta para os

anos noventa, onde provavelmente poderemos situar o começo do 5° ciclo de

Kondatriev, assiste a várias mudanças de grau, simultâneas e de tipo diferenciado, que

1 07

Page 109: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

envolvem o campo da tecnologia, da economia e da política, e que reestruturam as

dimensões de espaço e de tempo em que se reflectem as decisões políticas e económicas

do mundo, dando origem à noção de "global ização", uma noção que ainda faz "ranger

os dentes" de muitos cientistas sociais, que, por defeito profissional , são exigentes com

a defin ição de conceitos.

Em 1 998, o termo "global ização" embora omnipresente nos "media" e no senso

comum, não era aceite de forma pacífica por, entre outros, Robert Boyer, que salientava

que a grande "global ização" se passava sobretudo a dois níveis : por um lado, ao nível da

internacionalização dos mercados financeiros, que desde a década de oitenta se

organizavam em rede apoiados em novas tecnologias da informação e da comunicação,

escapando às leis nacionais; por outro, ao nível da procura por parte das grandes

empresas mundiais das melhores condições de produção, uma busca que se dava

independentemente das frontei ras nacionais. Entretanto, enquanto alguns "sintomas"

pareciam apontar para uma "maior interdependência" no mundo, o centro das deci sões

continuaria a ter como referênci a símbolos e peças centrais da Modernidade como a

nacionalidade e o Estado - nação (Boyer, 1 998, 1 9-70).

Dois aspectos pareciam fulcrais nesta análise que Boyer intitulou simbolicamente de As

palavras e a realidade: o primeiro relacionava-se com a "nacionalidade" das empresas

"multinacionais", que mostrava que, excepção feita às que tinham a sua origem em

países de pequena dimensões como a S uíça ou a Holanda, elas só eram globais por se

encontrarem em todo o mundo, em tudo o resto mantendo-se extremamente "nac ionais",

casos da origem da maioria dos seus quadros principais, das l ínguas de trabalho

dominantes e da localização das suas sedes sociais; a segunda era a constatação de que

se, por um lado, o capital financeiro gozava de uma assinalável l iberdade, o mesmo não

sucedia com a mão-de-obra, cuj a mobi l idade era muito pouco encorajada, muito

condicionada e muito regrada, o que, apesar da pressão constante das populações que

emigram do terceiro mundo, são constatações que parecem continuar válidas no

primeiro decénio do século XXI .

Não negando as mudanças que se estavam a passar no mundo a partir de meados dos

anos oitenta do século XX, assim como as reconfigurações e dificuldades de Estados -

nação que viam esboroar-se o "espaço" fundamental que lhes davam corpo, o "espaço

económico" constituído pelos "mercados nacionais", Boyer sal ienta no entanto, que

antes de a noção de "global ização" fazer sequer sentido, os Estados que em

determinadas épocas históricas foram polít ica e economicamente hegemónicos

1 08

Page 110: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

conseguiram impor a abertura dos mercados das nações menos poderosas, mantendo,

em contrapartida, os seus próprios mercados internos, fechados e protegidos. Se as

analogias são perigosas, elas existem e fazem-nos portanto er cautelosos com

definições entusiastas sobre a globalização, que partem do princípio que vivemos num

mundo politicamente regulado pela Organização das Nações Unida .

Definições de "globalização" como a que foi avançada em 200 1 por Boaventura Sousa

S antos, mostram-nos como o termo parece incontornável , mas, também, como as l inhas

fundamentais da sua definição podem mudar conforme acontecimentos políticos

específicos. Sousa Santos define global ização desta forma:

" . . . Intensificação de relações sociais mundiais que unem local idades distantes, de tal

modo que os acontecimentos locais são condicionados por eventos que acontecem a

muitas milhas de distância e vice versa ( . . . ) a globalização é uma fase posterior à

internacional ização e à multinacional ização porque ao contrário destas, anuncia o fim

do sistema nacional enquanto núcleo central das actividades e estratégias humanas

organizadas . . . " (Santos, 200 1 , 3 1 -32) .

Por um lado, quer a l iberdade do capital financeiro, quer a mundialização e o

imediatismo dos média, tornam o mundo um lugar mais "pequeno" e sobretudo, mais

"co mopol ita" (Cohen, 2005, 25-43), mas por outro, o ressurgimento do

conservadorismo Norte Americano dos começos do século XXI, ou o impasse político e

em que, na me ma altura, se encontra uma das experiências mais intere antes dos

últimos séculos, a União Europeia, parecem indicar o forte papel que a "célula política"

central da Modernidade, o Estado - nação, ainda ocupa, fazendo do conceito de "pós -

nac ionali smo", um desejo de alguns, mais do que uma real idade próxima. Na verdade,

os acordos do pós Segunda Guerra que deram origem às grandes organizações

internacionais actuais, não substituíram os papéis dos Estados, continuando estes a

constituir a sua principal referência, e com poderes diferenciados conforme o peso

político económico e militar de que cada um dispõe. O multi lateral ismo optimista dos

finais do século XX, que pressupunha o consenso alargado como base p ara a tomada

das "grandes deci sões a nível mundial", quer se tratasse da ecologia, da economia, das

migrações, do dire ito ou da guerra (Habermas, 2000; Pureza, 1 998), resistiu mal ao

terrorismo de massa e à resposta uni lateral da potência hegemónica, mostrando o

impasse em que, nos começos do século XXI, se encontra a Ordem Internac ional , um

impasse que se reflecte na própria indefinição do conceito de "global ização".

1 09

Page 111: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

De qualquer das formas, visto dos anos 60 do século XX, o mundo dos princípios do

século XXI seria improvável : desde um tempo em que o "ramo condutor da economia"

era baseado na produção de automóveis, camiões, motores e refinarias, para um tempo

em que a construção de computadores, de software, de telecomunicações e de

biotecnologias parecem ter as condições de predominarem; em que os circuitos

integrados disputam com o petróleo e o gás o papel de "input fundamental da

economia", e em que as formas predominantes de gestão e de organização da economia

passam da produção e con umo em série assente em estruturas hierarquizadas, para

formas de funcionamento em rede, tudo parece estar em mudança rápida, uma mudança

que acrescenta qualidades novas, e que parece indicar que estamos perante, pelo menos,

uma mudança de ciclo económico face ao famoso 4° ciclo de Kondatriev (Freeman e

Louça, 2004, 1 5 1 ) .

Em termos de prosperidade geral , que balanço é possível de ser feito deste começo de

mudança? Quais os resultados em termos de melhorias de vida que se possam atribuir

ao desenvolvimento económico e a políticas distributivas desde então?

Num "Destaque estatístico" inserido no Relatório do Desenvolvimento Humano

publicado em 2004 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

(PNUD), podia-se ler o seguinte : " ... 0 progresso dos países e das regiões nos

Objectivos de De envolvimento do Milénio, desde 1 990, realça um aspecto

fundamental do desenvolvimento na última década: progresso rápido para alguns, mas

reversões para um número de países sem precedentes . . . " ( In PNUD, 2004, 132).

Ou seja, e como em qualquer mudança brusca de paradigma técnico-económico, a

tendência inicial, tal como se passou dois séculos antes com a chamada "Revolução

Industrial", parece ser a de um aumento rápido da "divergência", com os melhor

preparados, em termos "culturais" e de estruturas físicas, legislativas, e humanas a

descolarem dos que são periféricos ao coração das mudanças, seguindo-se , se a história

se repetir, um período de convergência entre os dois grupos. E isto parece acontecer não

só em termos de estruturas políticas, ou sej a, entre países e regiões diferentes, mas

também no seio de cada região ou país, onde os grupos sociais mais preparados tiram

mais proveito da inovação do que os outros.

Em geral, através da análise da progressão das taxas de pobreza absoluta entre 1 98 1 e

200 1 , ou seja, da variação, durante este lap o de tempo de vinte anos, da percentagem

de pessoas que vivem com menos de um Dólar por dia, de 1 98 1 a 200 1 , podemos ter

1 10

Page 112: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

uma análise aproximada da forma como se tem processado o desenvolvimento

económico nas diversas partes do mundo.

Quadro 12 - Variação das taxas de pobreza absol uta no mundo, entre 1981 e

2001: percentagem do nú mero de pessoas que vive com menos de u m dólar por

dia

Região 1981 1987 1990 1996 2001

Asia Oriental e 56,7% 28,0% 29,5% 15,9% 14,3%

Pacífico

Europa e Asia 0,8% 0,4% 0,5% 4,4% 3,5%

Central

América Latina 10,1% 11,3% 11,6% 9,4% 9,9%

e Caraíbas

Médio Oriente 5,1% 3,2% 2,3% 2,0% 2,4%

e África do

Norte

Asia do Sul 51,5% 45,0% 41,3% 36,7% 31,9%

Africa 41,6% 46,9% 44,5% 46,1% 46,4%

subsaariana

Mundo 40,4% 28,5% 27,9% 22,3% 20,7%

Fonte: PNUD, 2005, 34.

Daqui se percebe que, no contexto de uma mudança global positiva no mundo, se tido

como um todo, as suas partes têm comportamentos relativamente diferentes : a Ásia, em

geral , parece claramente progredir relativamente aos seus níveis de pobreza, no resto do

mundo as condições de vida das pessoas, medidas pelo parâmetro enunci ado, mantêm­

se estáveis, e na África subsaariana, assiste-se a um l igeiro agravamento do nível de

pobreza das suas populações, reforçando assim a situação de região pária do

desenvolvimento global do planeta.

Se isto parece claro no mundo como uma região única, o que se passa nas sociedades

que primeiro "arrancaram" na mudança dos anos setenta do século XX para os anos

oitenta? Um quadro interessante sobre a evolução do índice de pobreza infantil na Grã­

Bretanha entre 1 980 e 2000, dá-nos uma ideia aproximada do quão duro este período de

"ajustamento" foi , também para estes países, e de como o que se passou no mundo, em

geral , se passou também no seio das unidades nacionais mais restritas.

1 1 1

Page 113: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

30

25

20

15

10

5

O

1980

Gráfico 6 - Percentagem aproximada de crianças a viverem

abaixo do limiar de pobreza na Grã-Bretanha, entre 1980 e

2000

1985 1990 1995 2000

Fonte: PNUD, 2005, 69.

Trata-se de um mundo que viveu nos últimos trinta anos, e que vive ainda, um enorme

"esticão" tecnológico, científico e económico mas para o qual ainda não se encontraram

formas de regulação política estáveis, ou será que a estabilidade só existe quando se

olha para trás, para o que já morreu?

Nestes tempos, o que aconteceu ao Estado - Providência, a base dos sistemas

educativos do último meio século, e quais são os debates em seu torno?

Algumas consequências I: o debate em torno do Estado - Providência para o século XXI

Entre 1960 e o ano 2000, as despesas sociais dos Estados europeus passam de

aproximadamente 6% para um valor que varia, de acordo com as várias fontes

consultadas, de entre 24% a 30% dos seus Produto Interno Bruto (Fournier, 2002, 32;

Gilbert, 2002, 24; Hemericjck, 2003, 182; OECD, 2006b), enquanto os impostos e taxas

cobradas sobre o trabalho dos cidadãos e das empresas dos países da O.C.D.E.,

cresceram, entre 1965 e 1997, de uma média de aproximadamente 26 % dos seus

Produto Interno Bruto, para 37% do mesmo produto, um valor ainda assim mais baixo

do que as taxas cobradas nos quinze países que constituíam a União Europeia no mesmo

ano, que representavam cerca de 40 % do Produto Interno Bruto europeu (Gilbert, 2002,

35; Hemerijck, 2003, 182 ; OECD, 2006b). Tais valores, representando o total do IV A

do IRS do IRC e das cotizações sociais, eram apresentados por Emmanuel Fournier para

112

Page 114: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

a Suécia, a França e os Estados Unidos da América no ano 2000, como sendo os

seguintes:

Quadro 13 - Verbas descontadas nos Estados Unidos da América, França e

Suécia em Impostos e Cotizações Sociais, em percentagem do respectivo PIB,

no ano 2000

País Total de descontos Impostos em Cotizações sociais

em percentagem do percentagem do PIB em percentagem do

PIB PIB

Estados Unidos da 29% 22% 7%

América

França 46% 29% 17%

Suécia 52% 39% 13%

Fonte: Fournler, 2002, 32

Entre 1970 e 1998, um país como a França, que serve de exemplo para as tendências

dos países europeus do Continente, aumentava o número de funcionários públ icos quase

para o dobro, de aproximadamente 3 milhões de funcionários públicos para mais de 5

milhões (Rouban, 2002, 36) . O curioso aqui é que os aumentos dando-se em todos os

três sectores do Estado francês, ou seja, na chamada "Função Pública de Estado" que

cresci a 44%, na Função Públ ica l igada à aúde, que crescia 138 % e na Função Pública

territorial, era nesta última, a qual tinha como função amparar a rac ionalização do

Estado através da descentral ização, que o aumento era mais pronunciado, havendo neste

sector do Estado, em 1998, mais 1 44% de funcionários do que no ano de 1970.

Cifras deste t ipo faziam pensar sobre a eficácia real da hegemonia "Neo-l iberal" que

desde os finais da década de setenta não se cansava de pregar a redução de gastos do

Estado em funções sociais cujo destino seria, segundo a nova pauta l iberal , o de serem

entregues à "sociedade c ivi l", ao sector privado ou a uma associação entre "sociedade

civil", interesses privados e Estado, numa tentativa de combater a "preguiça" e o

desperdício através da implementação de critérios de gestão eficientes das pessoas e dos

números, critérios esses que teriam por base a "metáfora do mercado".

Na verdade, as despesas em i mpostos e em gastos dos Estados nos seus "Aparelhos

Sociais", não só não de ceram entre a década de setenta e o final do século, mas, ao

contrário, e como todas as c ifras nos mostram, subiram. As tentativas de reformar este

"Estado - Providência" durante as décadas de oitenta e de noventa do século XX,

1 1 3

Page 115: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

esbateram frequentemente em níveis de resistência tão fortes por parte dos Aparelhos

S indicais, e também em muitos casos, por parte das opiniões públicas, que levaram

frequentemente à demissão dos seus proponentes: entre 1 995 e 2000, de novo em

França, um Primeiro-Ministro, um Ministro da Educação e um Secretário de Estado do

Orçamento são compelidos a demitirem-se depois de terem apresentado projectos de

reforma implicando vários aspectos do "Estado - Providência"(Idem, 37) , o que torna

oportuna a frase de Esping-Andersen, segundo a qual " . . . the Welfare state ( . . . ) has been

one of the chief organizing principIes of the li ves of several generations, and ( . . . )

represents a deeply institutionalized contract. I ndeed, herein, lays an obstac1e to

possibly any reformo As ( . . . ) research has shown, the welfare status quo remains very

popular . . . " (Esping -Andersen, 2003 a, 7) .

E no entanto, como todos os números relativos a impostos, cotizações SOCIaIS ,

patamares de financiamento sustentado do Estado e capacidade de criar nqueza,

parecem demonstrar, a persistência em não mudar poderá vir a ser fatal para a própria

ideia de "Estado - Providência", a qual representa, na nossa opin ião, um grau de

consciência sobre o bem comum nunca antes atingido nas sociedades e civi l izações

humanas.

Costumam ser quatro as questões que se levantam para enfatizar a necessidade de

reformas urgentes na forma de organizar e financi ar os "Estados - providência": as

mudanças na estrutura familiar que se começaram a notar a partir da década de sessenta

do século XX nos países mais desenvolvidos do Ocidente; as mudanças demográficas

que, na mesma altura se produzem em tais sociedades; a global ização da economia e a

emergência de um "lei lão global" que, na busca de melhores condições de i nvestimento,

ultrapassa os "mercados nacionais protegidos"; e, finalmente, as mudanças políticas que

se dão nas duas décadas finais do século XX, com o desaparecimento do paradigma do

Estado regulador, os Estados socialistas.

Se as duas últimas questões foram já alvo da nossa atenção neste texto, as duas

primeiras merecem algum reparo.

Na verdade, a força de trabalho das sociedades ocidentais do pós - guerra, e não só no

sector industrial, é essencialmente constituída por homens, ou por "chefes de famil ia" a

quem cabe o sustento do agregado famil iar, e quando se fala no pleno emprego que

constitui uma das características dessa altura, trata-se de um pleno emprego

essencialmente masculino, uma vez que o trabalho feminino é, até à década de setenta

do século XX, ainda relativamente raI·o.

1 1 4

Page 116: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Reflexo de uma estrutura famil iar claramente patriarcal , esta situação denotava também

uma enorme melhoria das condições de vida nos países industrializados da Europa, que

desde os começos do século XX tinham, com algum sucesso, conseguido retirar " as

mulheres das minas e as crianças das chaminés" (Brown et ai., 1999, 2) e , no final da

década de quarenta do mesmo século, só cerca de um quinto das mulheres casadas

americanas e um número pouco superior de mulheres casadas britânicas é que

trabalhavam no mercado de emprego, ou seja, "fora de casa" (Ibidem) .

A famíl i a era também essencialmente o que chamamos hoje de "famíl ia tradicional": no

pós-guerra, noventa e quatro em cada cem americanos viviam em famílias, e destes,

80% viviam em famílias compostas por marido e mulher com idades abaixo dos 65 anos

(Idem, 3 ) . Tratava-se também de famíl ias estáveis , como mostra o número de divórcios

na Grã-Bretanha, que subindo de 1 ,9 por cada cem casamentos antes da segunda Guerra

Mundial , para 7,9 em cada cem no final dos anos quarenta, só veio a descolar

significat ivamente em relação a esta percentagem, a partir de finai da década de

sessenta (Ibidem) .

Uma organização soci al baseada em agregados famil iares estáveis e patriarcais, o u sej a,

em que o homem tinha a função de "ganha-pão" e a mulher se ocupava de educar os

fi lhos pequenos, da chamada "l ida doméstica" e do amparo aos mais velhos, foi

também, juntamente com a expansão do "mercado" e com a acção política dos governos

(Esping-Andersen, 2003a, 11) , um dos suportes do Estado - Providência do pós segunda

Guerra Mundial .

Da década de setenta para cá, a princípio de forma lenta, mas de seguida de forma

crescentemente mais rápida, este cenário muda, e no começo da década de noventa do

século XX o aumento do número de famíli as monoparentais nos países da OCDE tinha

sido de 25 % em uma década (Gilbert, 2002, 34-35) .

Estas mudanças que se davam na estrutura tradicional da famíl ia, juntamente com as

possibi l idades químicas de controlo de natalidade e com uma entrada massiva das

mulheres no mercado de trabalho, vieram, por um lado, sobrecarregar o Estado com

funções que tradicionalmente eram apanágio das famíl ias relativamente extensas do

século anterior, e por outro, acentuar uma quebra no número de crianças nascidas, como

resultado das dificuldades das mulheres em conci l iar a maternidade com profissões

exercidas em mercados de trabalho progressivamente mais exigentes: " . . . O

«capitali smo providênci a» do pós-guerra funcionou bem porque os mercados de

trabalho e as próprias fanú l ias constituíam a princi paI fonte de protecção social para a

115

Page 117: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

maioria dos cidadãos ( . . . ) . No momento actual , quer os mercados de trabalho, quer as

famil ias são de forma generalizada, fontes geradoras de insegurança, de precariedade e,

muitas vezes, de exclusão social : esta situação sobrecarrega, evidentemente, os sistemas

públicos de protecção social. . . " (Esping - Andersen, 2000, 8 1 ) .

Tratando-se de um dado fundamental na construção das sociedades do 5° c ic lo de

Kondatriev, e uma ruptura tremenda com as sociedades fordistas , a relativa

emancipação da mulher ocidental face às sociedades patriarcais tradicionai , veio assim,

por um lado, acrescentar um maior dimensão, dinamismo e qual idade à chamada

"população activa" das sociedades em que tais rupturas se deram, e por outro, minar

duas das bases em que historicamente assentava a sustentabi l idade do Estado -

Providência, ou seja, a do papel da mulher "não trabalhadora" no amparo aos estratos

mais fragi l izados da sociedade, sobretudo aos mais novos e aos mais velhos, e o papel

da mulher como progenitora, o que era fundamental para assegurar uma demografia

com saldos largamente positivos, em que o número de nascimentos e imigrantes

superava largamente o número de falecidos e de emigrantes.

Se a i sto acrescentarmos uma generalizada subida da esperança de vida das populações

ocidentais, a manutenção de altas taxas de desemprego "estrutural" típico de sociedades

com regulações estatais e sindicais fortes no campo social e económico, ou a

precariedade do emprego própria das sociedades com pouca regulação, assim como a

manutenção ou mesmo a progressiva descida das idades de reforma, faci lmente se

compreende a repetida afirmação segundo a qual , e de acordo com os dados que

actualmente existem, a manutenção dos S istemas de Segurança Social que

caracterizaram os "Estado - Providência" mais generosos será virtualmente impossível

num futuro mais ou menos próximo.

Tais preocupações não são recentes, como pode ser compreendido através de um quadro

sobre as relações entre a esperança de v ida, entrada no ciclo do trabalho e idade de

reforma, em França, publicado nos finais da década de oitenta do século XX por

Jacques Lesourne e que de seguida apresentamos.

1 1 6

Page 118: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 14 - Duração dos ciclos médios de vida e de trabal ho em França,

de 1920 a 1980, e projecções para o ano de 2010

Homens Esperança Idade de Idade de Duração da Duração da de vida entrada na entrada reforma vida activa

vida activa reforma

1920 62 14 --------- O 48

1950 70 15 65 5 50

1980 73 17 60 13 43

2010 76 20 60 16 40

Mulheres Esperança Idade de Idade de Duração da Duração da de vida entrada na entrada reforma vida activa

vida activa reforma 1950 75 14 65 10 51

1980 80 18 60 20 42

2010 83 20 60 23 40

Fonte: Lesourne, 1988, 183.

Duração de vida "não

activa" 14

20

30

36

Duração de vida "não

activa" 24

38

43

Este quadro mostra como, de 1 920 para a projecção que em 1 988 se fazia sobre 20 1 0, a

esperança de vida subia, a idade de entrada no mercado trabalho ia também subindo, a

idade de entrada na reforma ia baixando ou mantendo-se, a duração de vida activa, ou

seja, do lapso de tempo em que se descontava para a Segurança Social e Fundo de

Pensões de Reforma ia baixando, e o lapso de tempo em que se era beneficiário dos

Fundos de Reforma ia aumentando. Se a i sto acrescentarmos taxas de natal idade

largamente abaixo da reposição, ou sej a, inferior a um pouco mais de dois fi lhos por

mulher, i sto coloca uma enorme e insuportável carga sobre o futuro dos que hoje

contribuem para as reformas dos mais velhos.

Em 1 995 , em França, cada reformado era "sustentado" por cerca de três trabalhadores,

prevendo-se que em 2030, e devido à falta de capacidade reprodutiva da população

francesa, existam apenas 1 ,6 trabalhadores a contribuir para cada reformado, o que, para

manter o nível de reformas de 1 995, tornará a taxa de impostos e cotizações sociais

sobre os trabalhadores activos e as empresas virtualmente impossível de sustentação

(Gi lbert, 2002, 33 ) . Acrescente-se que, em relação a esta questão, o comportamento da

população francesa está, em termos ocidentais, longe de ser o mais penalizante para a

demografia (OECD, 2005) .

Todavia, e como antes sugerimos, o problema não é só francês, como se pode perceber

pelo gráfico seguinte, que se baseia em dados recolhidos em 1 998 nos paises da OCDE,

e que nos dá uma imagem clara do problema do envelhecimento acelerado de uma parte

do mundo:

1 1 7

Page 119: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

70

60

50

40

30

20

1 0

O

1 940

G ráfico 7- E nvelheci mento da popu lação nos países da OCDE:

dados até 1 995, previsões até 2030

/ /

- � / .---- /

.....

1 960 1 980 2000 2020

Fonte: G ilbert, 2002, 34.

204C

-+-- % da população acima dos 65 anos sobre população 1 5-64 anos

- % da população acima dos 65 anos sobre população empregada

L-______________ �

Assim, e de acordo com este gráfico, se em 1 960 para cada cem habitantes com idades

compreendidas entre os 1 5 e os 64 anos, ou sej a, aquilo a que se costuma chamar de

"intervalo etário de vida activa", haveria apenas cerca de 1 5 habitantes com idades

superiores a 65 anos, e em cada cem habitantes no intervalo etário de vida activa

efectivamente empregados, havia 20 habitantes com mais de 65 anos, tais percentagens

sobem, no ano 20 1 0 para 20 idosos para cada cem habitantes do grupo etário

considerado activo e 30 para os que estão efectivamente empregados, subindo tal

relação em 2030, para cerca de 40 idosos para cada 1 00 habitantes de i dade activa e

cerca de 60 idosos para cada 1 00 habitantes empregados, o que, a verificar-se, tornará

insustentável o nível de impostos que teriam de ser pagos pelos activos, de forma a

assegurar condições de vida razoáveis aos não-activos.

Se, no caso da Europa e dos Estados Unidos, a imigração é sempre encarada como uma

das soluções para a sustentabil idade do "Estado - Providência", os cálculos realizados

pela divisão de população da Organização das Nações Unidas, publ icados em 2000 e

citados por Neil Gilbert dois anos depois, mostram-nos como, tratando-se de uma das

partes da resolução de um problema desta dimensão, a imigração não poderá ser a única

solução: para manter a população europeia ao nível de 1 995, a Europa teria de receber

aproximadamente 2 mi lhões de emigrantes por ano, ou 96 milhões de emigrantes nos

próximos cinquenta anos, o que faria com que em 2050, 1 8% da população europeia

1 1 8

Page 120: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

fosse originária da população emigrante pós 1 995 (ln Gilbert, 2002, 34-35) . Mas mesmo

assim, a população europeia continuaria a envelhecer, e se na Europa se pretendesse

manter a percentagem de reformados em relação aos activos de 1 995, quando 3

trabalhadores activos contribuíam para cada reformado, então teriam de dar entrada no

espaço europeu, entre 1 995 e 2050, o incrível número de 1 ,6 mil milhões de imigrantes,

o que faria com que em meados do século XXI, três quartos dos habitantes europeus

fossem descendentes dos emigrantes entrados depois de 1 995 (lbidem) . Além de se

duvidar da capacidade de a Europa e dos Estados Unidos conseguirem atrair tais

dimensões de população, tal fluxo seria cultural e pol i ticamente insustentável e levaria

ao máximo as tensões xenófobas tão bem exploradas pelos traços pol íticos populistas

em todo o mundo.

Por outro l ado ainda, e relembrando o terceiro factor a ter em conta ne ta anál ise dos

reptos actuais ao Estado - Providência, ou seja, a chamada "global ização", percebemos

como a facil idade de deslocação de capital e a construção de uma mão-de-obra ao nível

mundial , associadas ao enfraquecimento das taxas aduaneiras que passam a ter

regulação exteriores aos centros políticos nacionais, enfraquecem ou destroem a

autonomia dos "mercados nac ionais", uma das componentes estruturais dos Estados -

nação modernos, e i sto mesmo se tivermos em conta que o problema não se coloca da

mesma forma para todos estes Estado.

Tal facto, vem, nos últimos anos, enfraquecendo a capacidade de reivindicação dos

trabalhadores por conta de outrem e aumentando o peso pol ítico dos que defendem

como principal solução para o problema da competitividade económica, a

"flexibil ização" da força de trabalho através do enfraquecimento dos laços entre o

emprego e o empregado, o reescalonamento das pautas salariais aval iadas a uma escal a

mundial e o reescalonamento d o custo social d o trabalhador pago pelas empresas de

forma a que os custos de produção se possam comparar a nível global e já não

"nacional" .

Assim, uma "global ização de sentido único", em que a estrutura económica parece mais

cosmopolita e internacional izada do que a capacidade de entendimento dos movimentos

sindicais , tem tendência a criar um mercado mundial em que os incentivos à produção

se jogam, como antes deixámos expresso, num autêntico "le il ão global", em que a mão­

de-obra, juntamente com o nível de impostos sobre os lucros, con titui um dos factores

fundamentais . Espaços sociais com mão-de-obra cara e condicionada por malhas

cerradas de leis de protecção ao trabalho e em que é importante a cobrança de i mpostos

1 1 9

Page 121: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

elevados sobre a produção como forma de manter um nivel de desenvolvimento e de

conforto das populações, ou seja, Estados - Providência desenvolvidos, encontram-se

assim em clara desvantagem face a uma parte do mundo em que a mão-de-obra é barata,

pouco protegida ou mesmo contida por Estados mais ou menos autoritários, quando não

ditatoriais, que condicionam ou controlam o sindical ismo e que não têm de sustentar

com impostos estruturas de protecção social significativas.

Sendo redutora a forma como a questão é apresentada, uma vez que se trata, no fundo,

de aproveitar o que até determinada altura eram essenci al mente desvantagens que a

desregul ação aduaneira e financei ra dos anos noventa transformou em vantagens, uma

parte destes novos parceiros económicos do mundo moderno, necessitando de promover

formas de coesão social em sociedades ameaçadas pelo rápido desenvolvimento

económico, tem evoluído em direcção à construção de configurações assistencial i stas

que apontam para uma óbvia preferênci a por formas de Estado - Providênci a muito

restritos e tendenci al mente "liberais".

Desta forma, quais são as opções dos Estados - Providênci a do Ocidente, e sobretudo da

Europa, e dentro desta, principalmente da Europa Ocidental , isto partindo do principio

que se desej am manter como "Estados - Providênci a"? Caracterizadas, usual mente e

com algum fundamento, como sociedades envelhecidas , razoavelmente xenófobas e

pouco permeáveis à i migração, que se reproduzem pouco, que começam a trabal har

tarde e se retiram cedo, que têm fortes níveis de protecção social e laboral , que

conseguiram teimosamente e com algum grau de sucesso resi stir e derrotar a maioria

das as propostas de renovação do Estado - Providência, desde as mais radicais oriundas

do "neol iberal ismo" das décadas de setenta e de oitenta, até às mais moderadas da

década de noventa, quai s podem ser as suas respostas face à emergênci a dos novos

parcei ros do comércio e da indústria mundial ?

Várias têm sido as tentativas de responder a esta questão, desde as que se propõem

"combater" a global ização tentando fazer com que o problema não exista, até às

propostas mais consistentes que vão sobretudo em duas direcções principais .

A primeira destas direcções baseia-se num conceito pouco preciso e certamente pouco

científico, que é o de "nivelamento", ou seja, o exercício de uma pressão pol ítica

gradual mas constante no sentido de se proceder a uma "nivelamento" global das formas

de protecção do trabalho e de segurança social como forma de repor os níveis de

competit ividade das diversas economias do mundo. Raramente se apresentando desta

maneira simples, estas propostas de "nivelamento" traduzem-se normalmente em fones

1 20

Page 122: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

pressões no sentido da revisão dos conceitos fundamentais da própria essência do

"Estado - Providência", o que além de outros aspectos relativamente inovadores, acaba

por tentar empurrar os generosos "Estados - providência" de origem social democrata

ou continentais, para modelos l iberais e restritos em que se reconhecem a sombra dos

modelos americanos .

Neil Gilbert, um especial ista sobre o assunto que temos vi do a seguir neste texto faz-se

eco desta tendência, ao propor a subst ituição do "Estado - Providência de inspiração

social-democrata", que constitui o paradigma do chamado "Modelo Social europeu",

pelo que ele chama de "Enabling State" que traduzimos de forma quase l i teral como

"Estado Capacitador". Comparando as bases sobre que assentam os dois modelos, diz o

autor o seguinte :

" . . . The most prominent characteristics of the social democratic ( . . . ) model can be

summed up as an emphasis on universal access to publicly provided benefits that offer

strong protection of labor as social rights of cit izenship ( . . . ) As an alternative paradigm,

the enabling state emphasizes a market oriented approach that targets benefits that

pro motes labor force participation and i ndividual responsibi l i ty . . . "(Gilbert, 2002, 44).

Como exemplo das diferenças principais entre os dois modelos o autor propõe um

quadro que adaptámos e resumimos da seguinte forma:

1 2 1

Page 123: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 15 - As principais m udanças na transição do Estado - Providência para

o Estado Capacitador

Estado - Providência de origem social- Estado Capacitado r

democrata

Benefícios públicos geridos pelo Estado Benefícios públicos geridos por privados

Entreg ues p or agências púb l icas Entreg ues p or agências privadas

Transferência de meios através de serviços e Transferência de meios através de dinheiro

benef ícios ou de cupões ("vou ch ers")

Implementaçã o de gastos indirectos como

f orma de encoraj ar o retorno ao mercado

Protecção ao trabalhador Promoção do trabalho

Implementação do apoio social Implementaçã o da incl u sã o social

Des - mercadorização do trabal h o R e - mercadorização do trabal h o

Benefícios sem condições I ncentivos e sanções como f orma de reg u lar o

acesso aos benef ícios

Acesso universal Acesso selectivo

Objectivo de evitar o estigma social Objectivo de restau rar a eq u i dade social

baseada na p romoçã o da ig ualdade de

oportuni dades

Promoção da solidariedade baseada na Promoção da solidariedade baseada na

cidadania. pertença comunitária

C oesão com base nos direitos part i lh ados C oesão com base nos val ores e deveres

cívicos p artil h ados

l n G ilbert 2002, 44.

Neste quadro são visívei s as diferenças entre os dois modelos presentes , ou seja, o

"Estado- providência" de origem social democrata, que constitui o esqueleto do

chamado "modelo Social europeu" e o que Gilbert propõe e que traduzimos por "Estado

Capaci tador" ; também se percebe pelo quadro exposto as semelhanças, mas também

algumas discrepânci as entre este últ imo e o chamado "Estado - Provi dência l iberal". Se

a primeira constatação nos parece evidente, pensamos que merece a pena debruçarmo­

nos um pouco sobre as semelhanças e diferenças entre o "Estado Capacitador" e o

tradicional modelo de "Estado providênci a" l iberal.

Relembrando as principais características deste últ imo modelo, elas assentavam na

promoção de um grau mínimo de des-mercadorização do trabalho, na aceitação da

estrat ificação social e no grau de universalismo restrito, que fazi a com que só os

1 22

Page 124: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

declarados "pobres" a ele tivessem acesso, algo que do "outro lado" era sempre visto

como uma forma de "estigmatizar" a pobreza, enfatizando a dependência dos que nela

caiam em relação ao S istema, numa operação que tinha muito de "cari tat ivo"(Esping­

Andersen, 1 994, 427-429 ; 1 999, 37-4 1 ) .

Se na proposta de Gilbert existem ecos desta linha de pensamento, outras questões

avançadas pelo autor, são, na verdade, novas questões face aos dois s istemas originais, o

"l iberal" e o "social-democrata", aproximando-se das formulações pós-fordistas da

"terceira via".

Em primeiro lugar, a ideia de uma gestão privada de fundos públicos, que nunca esteve

no centro de nenhum dos dois sistemas, embora, evidentemente se aproxime mais do

"l iberal" do que do "social-democrata". Trata-se, segundo o autor, de i mplementar a

eficiênci a, ma também de al iviar o "Estado" do máximo de burocracia possível e de

criar um novo mercado de actividades geradora de emprego e de lucros ; de seguida a

ideia da transferência de meios directamente, em forma de dinheiro ou de subsídios,

associada à frequência obrigatória de programas de requal ificação profissional a que são

obrigados os que têm direito aos subsídios de reinserção social hoje tão comuns nos

"Estado - Providência" social-democrata e continentais, e que traduzem uma tentativa

de "re - mercadorização" do trabal ho através da pressão para o retorno ao mercado de

famíl ias ou de indivíduos que dele se viram expulsos.

Trata-se de prát icas que estão longe dos antigos usos do "liberal ismo" que preferia

entregar cupões transaccionáveis em bens de consumo directo, de forma a evitar que os

"pobres" "gastassem o dinheiro, em álcool ou drogas", e longe também das práticas

social -democratas que transferiam meios sem condições nem inquirições, parecendo

também, tratar-se de ideias e de práticas que transitam entre os diversos tipos de

"Estado - Providência" que, são hoje, apesar das afirmações contrárias do seus

ideólogos, um pouco mais próximos do que eram há cerca de c inquenta anos.

A barreira, ainda que cada vez mais ténue, parece erguer-se em torno de uma ruptura

histórica sobre a definição de cidadania : para o pensamento l iberal , trata-se de uma

definição que engloba sobretudo os Direitos Pol íticos, de propriedade e de l iberdade de

consciência e de associação, a que a esquerda vem acrescentando, durante os séculos

XIX e XX Direitos Sociais e Económicos que passam pela universal idade de acesso a

sistemas de apoio que, promovendo a coesão social , evitem a pobreza, uma situação que

para muitos dos que estão "do outro lado" fará parte da "ordem natural das coisas", mas

que uma vez instalada é de muito difíc i l "remediação" (Esping-Andersen, 2003a, S) .

1 23

Page 125: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Assim, e abstraindo-nos daqueles que fechando os olhos tentam que a magia triunfe

sobre a realidade, é nos herdeiros da Social-democrac ia histórica que podemos detectar

a segunda l inha de evolução das propostas de renovação do Estado - Providência, que

no j argão político recente tem sido conhecido com a designação de "flexi-segurança".

Têm esta l inha, uma clara origem na social-democracia nórdica, de novo, e representa

um pragmatismo curioso, uma vez que tenta conci l iar uma forma de regulação

económica neoclassicista, com um sistema de "Estado - Providência" social-democrata,

ou seja, universal , não promotor da estrat ificação social e, tanto quanto possível , embora

e trate do aspecto mais frági l , porque também, originalmente, o mais ideológico, com

um grau possível de des-mercadorização do trabalho CCastel ls e Himanen, 2002;

Falkehed, 2003) .

Um dos casos em que este tipo de tendência foi mais estudado, o finlandês, apresenta

resultados surpreendentes ao combinar sucesso económico, informatização da

sociedade, "flexibil idade" da mão-de-obra, coesão social e um alto grau de protecção

ocial : " . . . The most dist inctive feature of Finland i i ts combination of an information

society and the welfare state . The finish welfare state includes total ly free, high quality,

public education from the kindergarten to the university, universal public health

coverage, and a generous social system with universal retirement and unemployment

insurance C . . . ) financed by high taxes, but high taxation proceeds with strong public

support on the ba i s of the benefits most people receive from the wel fare state . . . "

CCastel ls e H imanen, 2002, 1 2) .

Na verdade, depois d a crise d o pnnclplO d a década d e noventa que colocou em

evidência a inadequação do modo de regulação keynesiano num Estado periférico com

um fortíssimo, mas ultra deficitário S istema de Segurança Social que, com o

desmoronamento da URSS, acabava de perder um dos seus principais mercados, a

sociedade fin landesa, dotada de um alto nível de hab i l itações e com um processo de

modernização económica que vinha j á dos anos setenta CCastells e H imanen, , 1 3 ) , à

semelhança do que se passou nos outros países nórdicos, operou um esvaziamento das

funções de controlo e regulação directa da economia por parte do Estado, "alugando" ou

vendendo o seu património produtivo e de serviços, e apostou num tipo de i ntervenção

que se pautou pela mais estrita ortodoxia pós - fordista, tal como foi descrita por Phil l ip

Brown e Hugh Lauder: manteve e i ntensificou o seu investimento na educação e na

formação, lançando-se na criação de infra-estruturas jurídicas e físicas de forma a criar

um ambiente amigo do investimento; favoreceu o investimento privado em s istemas de

1 24

Page 126: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

produção flexíveis dotados de mão-de-obra instruída e com formação capazes de

competir globalmente através da criação de produtos e serviços inovadores e de

qualidade com alto valor acrescentado destinado a nichos de mercado exigentes e com

poder de compra; favoreceu a estabilização de um ambiente de consenso social e de

cooperação entre Governo, empregadores e s indicatos, tentando manter as melhores

condições de trabalho para o máximo de trabalhadores possível , no contexto de uma

flexibilização acentuada do mercado de trabalho, mas com a manutenção de um sistema

de apoio e enquadramento social digno do "Estado - Providência" social-democrata de

há quatro décadas .

No que diz respeito à "flexibil ização acentuada do mercado de trabalho", os dados são

muito claros:

Q uadro 16 - evol ução da percentagem do "trabalho flexível" (trabal ho a tempo

parcial , trabal ho temporário e "auto-emprego") da popu lação f inlandesa entre

1990 e 2000, por classes de idade.

1 990 1 993 1 995 1 997 2000

Total : 1 5-64 22,2% 24,4% 24,4% 38,9% 37,7%

anos

1 5-24 anos 23,5% 36, 1% 35,6% 86,5% 8 1,2%

25-39 anos 18,3% 20,3% 19,8% 36,3% 34,4%

40-64 anos 25,5% 25,5% 26,0% 31 , 7% 30,7%

Fonte: C astel ls e Hlmanen, 2002, tab le A 1.2 - Share of f lexlb le work (percent), Appendlx 1 -

Flexible work in Finland.

Parece claro o que aconteceu : uma crescente flexibilização da força de trabalho

finlandesa, sobretudo na segunda metade do decénio, com a tipologia que tal

flexibilização tomou no resto da Europa, ou seja, uma enorme subida da precarização do

emprego nos mais novos e uma relativa estabi lidade dos mais velhos. Repare-se como

este tipo de "estrutura de flexibilização", que penaliza gravemente os mais novos e é

responsável por graves distorções sociais, vai mudando no decorrer do último decénio

do século XX: de taxas de flexibil ização médias repartidas entre todo os grupos etários,

para uma subida grande de tais taxas e uma repartição progressivamente mais desigual

entre grupos etários, com nítido prejuízo dos mais novos a partir da segunda metade do

decénio.

1 25

Page 127: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

No entanto, e apesar de nem na Finlândia se poder encontrar o paraíso, não restam

dúvidas de que o modelo parece ter resultado, e não só as performances económicas

foram espectaculares, como, e ao contrário do que os críticos do l iberal ismo e do

neoliberali smo vaticinavam, não houve, do ponto de vista da coesão soc ial, um preço

demasiado alto a pagar pelo sucesso económico, provando que era possível , em algumas

circunstâncias, e até certo ponto, conci l iar o até aí historicamente inconci l iável : um

mercado livre de regulações não económicas e um tecido social solidário e baseado num

sistema de apoio universal e eficiente que prevenia a pobreza e aumentava o nível de

coesão social do país .

Uma comparação interessante dos níveis de coesão social entre a Finlândia e os Estados

Unidos da América entre 1 960 e 2000, medidos pelos número de pessoas a cumprirem

penas por 1 00.000 habitantes e pelo índice GINI , em que o valor 1 significa o grau de

coesão mínima e o valor O significa o grau de coesão máximo (Idem, 9) dá-nos os

valores seguintes:

0,5

0,4

0,3

0,2

0,1

O

1 940

G ráfico 8 - Coesão social na F inlândia e

Estados U nidos da América (1950-1998)

baseada no indíce GINI

... ..... ..---...-

-oor

� � -+-- U.S.A. - Finlândia

1 960 1 980 2000 2020

Fonte: C astel ls e Himanen, 2002, 9, 85

126

Page 128: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

600

500

400

300

200

100

o

Gráfico 9 - Evolução do número de prisioneiros por

100.000 habitantes nos Estados Unidos da América

e na Finlândia, de 1950 a 2000

�U.S.A. -Finlândia

1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010

Fonte: Castells e Himanen, 2002, 9, 79.

Os dados que apresentamos mostram-nos que, tendo em conta os valores apresentados

no Gráfico 8, o grau de coesão social medido pelo índice GINI evolui da mesma forma,

mas com intensidades diferentes e com inflexões desfasadas no tempo em cada um dos

países que mencionamos. Partindo de um valor alto nos Estados Unidos da América em

1950, ele vai baixando até atingir o seu valor mais baixo em 1970, e de seguida, sobe

abruptamente até atingir o valor de 0,419, superior ao valor de 0,360 de onde se partiu

em 1950, o que sugere que a modernização que teve lugar nos Estados Unidos após os

anos setenta do século XX deu origem a uma sociedade que, nos finais do mesmo

século, era menos coesa socialmente do que meio século antes. Quanto à Finlândia,

partindo de um valor relativamente baixo de 0,270 em 1970, o ano em que pela primeira

vez temos acesso a estes dados, vai descendo até 1990 e de seguida sobe para o valor de

0,245, o que é ainda assim inferior ao valor com que se começou em 1970. De resto,

com valores absolutos diferentes, os dois países têm evoluções semelhantes, desfasadas

nas datas: os EUA descem até 1970 e sobem a partir dessa data, a Finlândia desce de

1970 até 1990 e começa a subir após essa data, o que mostra que, apesar de os factores

de coesão social se manterem muito bons na Finlândia, a crise económica de 1990, a

aplicação da "flexi - segurança" e a "informatização da sociedade" que em conjunto

varreram as estruturas sóciais e económicas "fordistas", também deixaram algumas

cicatrizes no tecido social finlandês, que era mais coeso em 1990 do que em 1998.

127

Page 129: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quanto ao índice de pnslOnelros por 1 00.000 habitantes, os números são claros: a

Finlândia parte de um muito maior número de pessoas a cumprirem penas de prisão em

1 950 e vai descendo, sendo ultrapassada pelos Estados Unidos em 1 980, data a partir da

qual a deriva encarceradora norte-americana dispara, deixando de poder ser comparada

com qualquer dos países desenvolvidos da Europa.

Trata-se de dados que parecem mostrar duas sociedades que procederam ao

desenvolvimento das suas economias de forma a enquadrá-las num "ambiente" de

competição global digno do 5° ciclo de Kondatriev, mas com modelos sociai s

diferentes, embora com resultados como verificámos, comparáveis nas suas tendências.

Os Estados Unidos da América, bastião do liberal ismo económico e pol ítico viram o

modelo de coesão social herdado de Roosevelt e do "New Deal" dos anos trinta

prolongar-se, ainda que de forma muito meno intensa do que na Europa, até aos anos

setenta e, a partir daí, tomar um rumo totalmente diferente (Hacker, 2002) com os

índices de coesão social a tornarem-se mais fracos e a regrediram, em 1 998, para

valores anteriores a 1 950; a Finlândia teve a mesma evolução dos Estados Unidos, mas

a divergência em níveis de coesão social só começou a verificar-se a part ir de 1 990, não

dispondo nós de valores após 1 998, o que nos impede de tomar conclusões sobre a

confirmação ou negação do que parecia uma tendência de aumento de crescimento da

divergência social .

O número de encarcerados por 1 00.000 habitantes, outro índice de coesão social , parece

confirmar as diferenças entre um modelo de tentou concil iar de envolvimento

económico l iberal com inclusão social, no caso da Finlândia, e um modelo que cruzou

desenvolvimento económico, também l iberal , com exclusão social , algo de muito típico

das primeiras fases da Revolução Industrial .

Se o desenvolvimento do modelo americano parece conforme com sua l inha histórica de

l iberdade individual e pouca regulação estatal , o modelo finlandês também parece

seguir as pisadas do modelo social-democrata do pós-guerra, na sua vertente

escandinava. Serão estes dois modelos exportáveis, ou sej a, servirão de exemplos para

as outras sociedades?

Na verdade, são os único dois modelos que existem com algum vigor e algum sucesso,

se sucesso se pode chamar ao grau mínimo de "Estado - Providência" sugerido pelo

"modelo americano". Mostram, na verdade, duas formas de encarar o futuro do Estado -

providência, mas que partem de uma "filosofia económica" comum: aceitando ambos

um modo de produção capitalista com um modo de regulação da economia baseado no

1 28

Page 130: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

neol iberalismo ou no "neoclassicismo", num dos casos há a tentativa de absolutizar o

mercado "l ivre" como a metáfora de efic iência para a sociedade, no outro separa-se as

metodologias aplicadas à economia, das metodologias aplicadas à sociedade. Num caso,

a adaptação aos novos paradigmas sociais que advêm da competição económica e da

debi l idade das regulações não económicas no campo da economia, traduz-se num modo

de vida competitivo, com pouco apoio social , relegando o lugar de cada um na vida à

sua capacidade individual ; no outro, l iberta-se da mesma maneira a economia de

regulações não económicas, mas mantêm-se e tratégias sociais coordenadas pelo

Estado, no contexto de sociedades que procuram amparar os incidentes que uma

economia l ivre provoca nas trajectórias de vida das pessoas, tentando salvaguardar a

coesão social como um bem em s i , mas também, como um bem económico.

Como dissemos, a tendência, sobretudo na Europa em que a ruína dos "Estados -

Providência" continentais parece inevitável , é a de uma confluência entre os dois

modelos, por mais que o coração e a tradição, mais do que a razão económica e

financeira, apontem para o modelo "escandinavo" em detrimento do "l iberalismo" puro

que ninguém parece querer.

Mas para prever o futuro é preciso auscultar o passado de cada um, e, como mais uma

vez o inevitável Esping-Andersen nos diz, ao tentar perceber-se o que se vai passar em

termos de "Estado - Providência", é necessário ter em conta fundamentalmente duas

ordens de questõe : a) por um lado, as tradições que as particularidades políticas e

sociais de cada sociedade foram capazes de criar, quer e las se refiram ao que Manuel

Castel ls e Pekka H imanen chamam de "o poder da identidade", quer se refiram aos

factores fundamentais que estiveram na origem de cada "Estado - Providência", ou seja,

e fundamentalmente, em termos h istóricos, à puj ança social da mobil ização de classes

que conseguiu impor o modelo, à durabi l idade da coligação de interesses que o manteve

e à profundidade do grau de institucionalização do sistema em cada sociedade (Esping­

Andersen, 1 999, 44) ; b) por outro lado, é vital ter em conta o grau de modernização da

estrutura económica e do capital humano atingido por cada sociedade na altura em que

se dá a transição do modelo de regulação keynesiana apoiado em mercados nacionais

protegidos, para os modelos de regulação contemporâneos que competem a uma escala

económica mundial .

No que diz respeito ao primeiro aspecto, a h istória da social-democraci a escandinava

pode em parte ser apl icada ao caso finlandês do pós segunda Guerra Mundial, e no que

diz respeito ao segundo aspecto, tudo indica que a Finlândi a, " v i nda de trás" em índices

1 29

Page 131: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

económicos e sociais por comparação com os seus vizinhos escandinavos, desde cedo

que se preparou para lhes seguir o caminho .

Assim, part indo de uma estrutura económica que em 1 960 fazia com que 70% das suas

exportações se baseassem em produtos da sua imensa floresta, tudo vai mudando e, a

partir de meados da década de setenta, mais de metade das suas exportações são j á

compostas por "outros produtos", entre o s quais e contam o s resultantes d a indústria

electrónica, os derivados da madei ra ocupando no ano 2000 uns meros 30% das

exportações (Castel ls e H i manen, 2002, 1 3) .

Por outro lado, do ponto de vista do capital humano, assinale-se a forma como se deu o

investimento em educação no pós - guerra, uma das chaves para o suce so da transição

finlandesa: em 1 950 a Finlândia está em terceiro lugar dos países europeus que mais

gastam na educação, com cerca de 3 , 1 % do seu rendimento nacional , em pé de

igualdade com a Dinamarca, e só superada pela Suécia e Noruega, e em 1 960, 1 96 1 e

1 962, é mesmo o país europeu que mais investe neste sector, com cerca de

aproximadamente 7% do seu rendimento nacional ( Khoi, 1 970, 5 1 ,4 1 1 ) . Apesar de, no

princípio da década de 60 do século XX cerca de 90% da sua população com idades

superiores a 25 anos, só ter entre 4 e 7 anos de estudos (Idem, 60), tudo indica que este

i nvestimento frutificou, e 40 anos depois, em 200 1 , a Finlândia, com 74% da sua

população activa com pelo menos o Ensino Secundário completo, encontrava-se entre

os países com mais habi l itações da OCDE (www.oecd .org/els/education/eag2002) .

Por outro lado ainda, a tradição, a identidade e provavel mente a boa governação do

Estado - Providência finlandês no passado como no presente, faz com que seja cada vez

maior o número de finlandeses que concorda com a afirmação segundo a qual , " ainda

que uma boa segurança social e outros serviços públ icos sej am caros, vale a pena

mantê-los" : eram 60 % a apoiar esta afirmação em 1 992, e subiram para quase 90% no

ano 2000 (Castel ls e Himanen, 2002, 89).

Assim, o "poder da identidade", mas sobretudo a preparação do capital humano e físico

que países como a Finlândia foram capazes de levar a efeito no pós segunda Guerra

Mundial , explica a sua capacidade de construir economias altamente sofisticadas, aptas

a concorrerem em mercados globais, economias de cujo sucesso depende a

possibi l idade de manutenção de um "Estado - Providência" com a extensão e dimensão

do antigo "Estado - Providência" social-democrata escandinavo.

Desta forma, e apesar de todas as aproximações que as configurações actuais dos

"Estado - Providência" permitem e de percebermos como são de difíci l "exponação"

1 30

Page 132: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

casos como os da Finlândia, da Dinamarca, ou da Irlanda, para não mencionar senão os

três países europeus que no último decénio foram sendo apontados como exemplos a

seguir para os "continentais", continuamos a ter duas tendências possíveis na

"arrumação" das lógicas estruturais dos "Estados - providência" do futuro: a primeira

enfatiza, além de outras medidas, essencialmente, uma "racional ização" dos gastos

públicos na assistência social, uma "moderação" dos impostos e cotizações sociais que

sustentam a Assistência Pública, maior participação do cidadão nestes custos através de

seguros privados complementares, mantendo-se a gratuidade do S istema Público

essencialmente para os mais pobres; a segunda enfatiza a universalidade do Sistema

Público baseada numa taxa elevada de impostos e cotizações sociais, reduzindo ao

mínimo a participação privada no S istema.

A primeira opção é aparentemente mais fáci l de manter, visto que pressupõe uma

estrutura de gastos de Estado adaptada às circunstâncias, mas tem como resultado a

edificação de sociedades mais desiguais e menos coesas, e, sobretudo, conta com um

forte grau de oposição social e pol ítica, nomeadamente na Europa Ocidental ; a segunda

opção é muito mais difícil de manter, parte de taxas de modernização humanas e

estruturais muito elevadas, implica um Estado consensual com baixo nível de conflito

social capaz de criar um ambiente propício ao desenvolvimento de economias

extremamente competitivas, através de medidas compostas por uma mescla entre

investimento forte em educação e formação e políticas fiscais e de "flexibilização"

laboral que consigam atrair capital produtivo capaz de desempenhos extremos .

Mantendo os custos e alguns dos benefícios da mão-de-obra, que é uma das partes do

"contrato" que está na origem da coesão social , tudo tem de correr muito bem, a

margem de erro sendo mínima, o que faz com que um especial ista como Esping­

Andersen receie pela precariedade desta via.

Com efeito, tendo em conta os dados relativos à demografia e às novas formas de

família que tornam a pobreza uma ameaça mais real, assim como à competição

económica que a mundialização de mercados e de mão-de-obra parece acentuar, o autor

sublinha a margem estreita que qualquer tipo de "Estado - Providência" terá no futuro, e

de uma forma por vezes um pouco desanimada e mesmo atormentada, acaba por apontar

quatro eixos em tornos dos quais a sustentabi l idade de qualquer tipo de sistema social

no Ocidente terá de passar senão quiser vir a ser no futuro pouco mais do que uma

curiosidade histórica (Esping-Andersen, 2003 a; 2003 b) :

1 3 1

Page 133: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

- Uma nova política de apoio à famíl ia com ênfase no auxílio à criança, que as novas

formas de família monoparental colocam num crescente risco, o que constitui um

enorme obstáculo a uma das questões fundamentais do futuro, que é a importância que

uma boa educação terá nas sociedades vindouras . Para o autor, as condições educativas,

quer a nível escolar, quer a nível de um desenvolvimento emocional equilibrado de que

as crianças dos nossos dias venham a usufruir, serão absolutamente fundamentais para o

sucesso das sociedades e das economias do futuro, cada vez mais dependentes de um

sólido capital humano que permita adaptações sucessivas a mudanças rápidas nos

conhecimentos necessários ao desempenho profissional num ambiente de acentuado

stress profiss ional, que necessitará de um sólido "equipamento afectivo" capaz de o

suportar. Sem um investimento na "educação das crianças", perde-se um dos factores

mais importantes de criação de riqueza e, portanto, da manutenção de um caríssimo

sistema de bem-estar que os "Estado - Providência", mais ou menos universais

representam (Idem, a, 1 9-20 ; Idem, b) 26-67) ;

-Um novo tipo de "contrato com a mulher", esteio fundamental das famíl i as do futuro,

quer falemos do modelo de famíl ia monoparentaJ , quer do modelo famil iar tradicional .

Trata-se um tipo de "contrato" que compatibi lize a permanência da mulher no mercado

de trabalho, mesmo que de forma temporária e intermitente, com a função de educação

e orientação dos filhos, os quai s, segundo provam todos os estudos sérios que de há

mais de cinquenta anos têm vindo a ser elaborados, beneficiam de forma evidente, quer

no seu desenvolvimento físico, quer no seu desenvolvimento afectivo e cognitivo com a

intensificação das formas de socialização endógenas de proximidade, e nomeadamente

de uma relação estável e o mais prolongada possível com as figuras maternas. Assim, a

criação de riqueza através da recentração do papel da mulher na sociedade, reflectir-se-á

não só através da formação de futuros adultos mais "equipados psicologicamente",

como possivelmente, se as condições forem criadas, do aumento das taxas de

natalidade, e i sto sem que a erradicação do mercado de trabalho seja uma condição para

que a mãe possa existir e cumprir um papel que mais ninguém pode cumprir (Idem, a

20-2 1 ; Esping - Andersen, 2003c , 67-95) ;

- A terceira questão centra-se na promoção de políticas activas de inclusão social que

impeçam ou que tenham em conta os riscos colocados por um dos grandes problemas

criados pelas estruturas económicas actuais, ou seja, a desagregação do mercado de

emprego em duas vias distintas, uma minoritária, com recurso a uma mão-de-obra

altamente qual ificada e bem paga, e outra maioritária composta por trabalho não

1 32

Page 134: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

quali ficado, mal pago e instável . Esta tendência produz de forma natural situações de

emprego polarizadas que arrastam para a pobreza, ou, pelo menos para a pobreza

relativa, estratos significativos da população. Segundo os autores que seguimos, a

maioria dos estudos mostra que as actuações "remediadoras" face à pobreza têm muito

menos possibi l idades de sucesso do que as estratégias preventivas : uma vez entrada em

situações de pobreza a tendência é a de nelas permanecer e reproduzi- las através da

educação fami l iar. Por outras palavras, criar "emprego protegido" pode ser socialmente

mais rentável , quer em termos estritamente económicos, quer em termos de coesão

social , do que atribuir subsídios de reinserção social ou cupões de alimentação e de

compra de l ivros escolares aos que caíram em situações de pobreza e aos seus fi lhos

(Gal l ie, 2003, 96- 1 29) .

- Finalmente, o autor, no que é secundado por John Myles, defende que a actual situação

só é possível de ser desbloqueada através de um "pacto de gerações", e m que quer os

recursos, quer os empregos, quer as idades de reforma, assim como as idades de entrada

na vida activa, sejam alvo de uma negociação permanente que levem à parti lha inter­

geracional dos recursos hoje existentes . Na verdade, fruto da época e das condições em

que teve lugar a sua vida profi ss ional , as gerações urbanas compreendidas no intervalo

entre as que hoje se encontram na segunda metade da sua vida profissional e as que

estão já efectivamente reformadas, beneficiam de um contexto laboral e financeiro

favorável que, correspondendo quer ao esforço contributivo da sua vida activa, quer à

capacidade de negociação que a sua geração teve, conserva recursos, quer em dinheiro,

quer em empregos, que poderiam ser efectivamente parti lhados com os mais novos e

com aqueles da sua geração que chegaram mais tarde ao regime contributivo geral ,

como acontece em sociedades recém industrializadas em que uma parte significativa

dos pensionistas é de origem rural . Sem este pacto, que impõe uma renegociação global

das condições financeiras e de c iclos de trabalho adstritos quer à população activa quer

à população reformada, o bloqueio à entrada de novos pensionistas nas condições

"privilegiadas" do actuais, tenderá a manter-se e a envenenar-se com o tempo,

contribuindo para factores de desintegração social e de divisão profunda, originadas

pelo aumento da diferença no número dos que têm acesso a recursos sociais como o

trabalho e a possibil idade de reforma efectiva e os que não têm de tal mundo enão uma

imagem distante e frequentemente mistificada (Esping- Anderson, 2003a, 23-24; Myles,

2003 , 1 30- 1 72) .

1 33

Page 135: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Se, segundo Gosta Esping-Andersen, são estas as condições para uma efectiva reforma

do actual "Estado - Providência", as soluções políticas para que tais reformas sejam

postas em marcha não são concretizadas pelo autor, o que se compreende, dada a

grandeza e extensão do que terá de ser fei to para que estes objectivos sej am atingidos .

Será o tecido político Ocidental , e sobretudo europeu, capaz de levar a cabo reformas

deste tipo, que envolvem uma discussão generalizada sobre profundas mudanças no

trabalho e a abdicação por parte de algumas gerações do que eram as suas expectativas

de vida? A tremenda questão demográfica é resolúvel com um "pacto de género", que,

nos países, nomeadamente nos escandinavos, em que foi mais aprofundado, tendo feito

subir a natalidade, nunca no entanto conseguiu elevá-la pelo menos ao nível da chamada

"taxa de reposição", ou seja, a uma média superior a duas crianças por mulher (Rosa,

2000, 430; OECD, 2005)? Será o discurso sobre o reforço da educação, possível em

sociedades com níveis de gastos sociais a pisarem valores que variam entre os 20% e os

30% dos seus PIB e taxas de i mpostos e cotizações a ultrapassarem os 40% do Produto

(Hemerijck, 2003, 1 80; OECD b, 2006)?

Como peça fundamental do qualquer Estado contemporâneo, e sobretudo dos que a s i

próprios se atribuíram funções sociais relevantes, encontramos a educação. O que se

passou neste capítulo durante e depois das mudanças de regulação social e económica

que se foram dando na época que analisamos?

Algumas consequências II: as mudanças nas relações entre o Estado e a Educação

- O impacto na educação das mudanças nos modos de regulação dominantes; os

impasses gerados pela lógica da massificação, e as dificuldades da gestão social e

física dos espaços educativos num contexto de autoridade contratualizada.

Um belo trecho da autoria de Peter Wagner, que parece caracterizar o tempo que

vivemos, pode também servir como directriz dos percursos que os Sistemas Educativos

contemporâneos, que antes caracterizámos como um dos sistemas de social ização

primordiais da Modernidade, têm percorrido durante as últimas décadas do século XX e

neste começo do século XXI. Referindo-se de uma forma difusa ao que parece estar a

mudar, escreve o autor, num texto datado de 1 996, o seguinte : " . . . Nos últimos dois

decénios as imagens, positivas ou críticas, relativas a uma sociedade funcionalmente

ordenada perderam convicção. Do interior desta tradição intelectual , foi sendo

diagnosticada uma gradual dissolução desta ordem ; por outro lado. a investigação

1 34

Page 136: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

empírica parece ter revelado uma pluralização e uma desintegração de arranjos

institucionais como os estilos de vida sociais, fenómenos difíceis de interpretar em

termos de funcional idade. Na fase actual , a tónica já não é sobre "a ordem", e o discurso

de "libertação" típico da Modernidade toma a forma de um elogio da

individualização . . . " (Wagner, 1 996, 28) .

Na verdade, se se compreende que não se sabe ainda como viver sem o amparo dos

S istemas Educativos definidos no século XIX, uma parte fundamental dos ideais que

nortearam a sua construção e a sua legitimação parecem ter perdido a força que j á

tiveram, transformaram-se, adaptaram-se a mudanças sociais, económicas e culturais

que foram fazendo o seu caminho, umas de forma vagarosa e subterrânea, outras de

forma rápida e aberta, mas parece haver um sentimento difuso de que as lógicas de

funcionamento e de legitimação da educação, nomeadamente na sua componente

escolar, não têm acompanhado, pelo menos de modo articulado, tais mudanças e

metamorfoses,

Estas alterações, ainda difusas e de difíci l compreensão, mas que começam a emergir

na segunda metade do século XX, parecem sublinhar uma lenta passagem do processo

educativo como um instrumento económico e político ao serviço de uma ideia de Estado

e de economia dirigida por uma el ite política e social que agia em nome da construção

de um "bem comum nacional", para um instrumento de mobil idade social, pessoal e

familiar, ou seja, parecem traduzir, entre outros possíveis significados, uma apropriação

da educação por parte do cidadão e de grupos de c idadãos que tentam manipular o

sistema em seu proveito, como grupo, como classe, como indivíduos. Por outras

palavras, a tensão sempre viva entre a ideia da educação como um bem público ao

serviço do desenvolvimento económico, social e político de um grupo alargado como o

Estado - nação, ou da educação como um bem privado ao serviço da mobil idade

individual ou famil iar, parece, nos últi mos decénios do século passado, desequil ibrar-se

em favor da segunda linha de rumo.

Nada que o anarquismo dos anos vinte ou o neo-marxismo dos anos sessenta do século

XX não percebessem e denunciassem, mas a verdade é que, pela primeira vez nos

tempos mais recentes, uma parte das políticas de Estado parece faci l itar esta tendência

sem que se manifeste uma oposição pol ítica forte e socialmente enraizada, como sempre

foi o caso no século passado, em que um vigoroso mundo sindical e político não perdia

uma ocasião de fazer da educação "uma frente de luta política", com o máximo da sua

força e com uma legitimidade de quem tinha ou parecia ter al ternati v as políticas

1 35

Page 137: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

também em termos educativos, denunciando as reais ou i maginárias derivas l iberais e

"individual istas" promovidas pelos "Estados Capital i stas". Se o rápido esboroamento de

uma crítica social com bases no marxismo e no anarquismo pode expl icar uma parte

desta anuência silenciosa que nem o barulho criado pelas reivindicações corporativas

consegue disfarçar, teremos de ir um pouco mais além para explicar a totalidade deste

"mal estar" instalado no mundo educativo.

Na verdade, não foram anarqui stas, nem social istas, nem comunistas que inventaram ou

enraizaram os "Sistemas Educativos" nacionais , apesar de as suas críticas e realizações

terem dado um fundamental contributo para o seu desenho contemporâneo, pelo que

será provavelmente na erosão das bases constitutivas originais dos S istemas Educativos,

os quais, como deixámos escrito, estão intimamente relacionadas com a defin ição da

célula reguladora fundamental da Modernidade, o Estado - nação, que teremos de

procurar as razões para a compreensão de uma parte das l inhas de rumo da educação

actual .

Assim, na base das pressentidas mudanças nas relações contemporâneas entre o Estado -

nação e os S istemas Educativos, certamente se encontrarão a corrosão de algumas das

componentes que, para Francisco Rarnírez, são estruturantes do "modelo Ocidental de

sociedades nacionais" que marca os séculos X1X e XX, e que ele enumera da seguinte

forma: " . . . The myth of the individual ; the myth of the nation as an aggregation of

individuaIs ; the myth of childhood social ization and continuity over l i fe course; the

myth of progress; the myth of the State as the guardian of the Nation . . . " (Ramírez,

1 997, 49).

Se não se pode falar, nos tempos presentes, do esgotamento de todas estas componentes

do sistema de pensamento que legitimou ou ainda legitima uma parte da ordem interna e

externa nos dois últ imos séculos, também se percebe que algumas delas, de formas

desiguais conforme as sociedades ou os segmentos políticos em que se discutem, estão

j á bem perto de deixar de ser hegemónicas, difici lmente se encontrando no centro das

bases morais e filosóficas que legitimam a acção política e individual dos nossos dias.

Se, por outras palavras, e como temos vindo a sugerir em todo este texto, se está perante

um tempo de mudança global , difíc i l seria que não fossemos notando os pequenos sinais

de tal mudança, sintomas de desordem para uns, de recomposição para outros, em algo

que foi tão estrutural na defin ição do período em fase de descarte, como o foram os

S istemas Educativos contemporâneos.

1 36

Page 138: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

De forma mais específica, três questões parecem agir de forma estruturada e articulada

para mostrar porque e corno mudaram as relações entre o Estado, a sociedade e a

educação nos últimos vinte anos : a) as mudanças que se deram nos últimos vinte anos

nos Modos de Produção principais do século XX, e as suas consequências nos modos de

regulação dominantes ; b) a progressiva massificação do mundo educativo e as

dificuldades de gestão de tal lógica; c) a dificuldade de articulação entre as novas

formas de socialização oriundas de espaços exteriores à escola, e a lógica disciplinar

essencial à manutenção do sistema escolar contemporâneo tal corno o conhecemos.

São três questões que se interl igam e que merecem um traço próprio para cada urna,

ainda que breve e sintético, urna vez que a realidade em que hoj e nos movemos não tem

causas separáveis , não sendo o todo compreensível apenas pela análise das suas partes .

a) Assim, e começando pela primeira questão, percebemos que, tal corno ternos vindo a

deixar escrito ao longo deste texto, assistimos, a partir do período final da segunda

metade do século XX, a urna mudança mais ou menos intensa conforme as sociedades,

mas que no seu conjunto aponta para um mesmo caminho, que passou pelo fim do

"Modo de Produção comunista", pelo enfraquecimento estrutural e ideológico do modo

de regulação keynesiano, e pelo ressurgimento de um modo de regulação liberal que

torna o mercado corno metáfora de funcionamento, tentando reduzir o papel do Estado

às suas funções mais antigas e tradicionais.

Isto significa que, depois de urna retórica radical em que se defende urna "lógica de

privatização" da maioria dos componentes dos S istemas Educativos, nomeadamente

através das propostas de Milton Friedman (Friedman, 1 962) de substituir o

financiamento da maioria das partes que compõem os S istemas Educativos pelo

financiamento dos alunos através do "cheque escolar", se assiste a urna recomposição

de tais propostas, com o emergir de situações mais estabil izadas, mas, em que,

lentamente, se vão institucionalizando modificações profundas das relações entre o

Estado e a educação.

Não tendo a mesma profundidade em todas as sociedades, nem mesmo nas sociedades

ocidentais onde as diversas tradições educativas facil itam ou dificultam o sentido

l iberalizador de tais modificações, assiste-se em geral a mudanças que são aSSIm

descritas de forma geral pelos sociólogos Yves Dutrecq e Agnés van Zanten : " " . L '

analyse des pol itiques publ iques a e u pour effet de « sociologiser » l ' analyse d e l ' action

étatique, en remplaçant l ' idée d'un État omnisciente et capable d ' imposer une ordre

global légitime, par une conception plus nuancée et plus complexe de l ' action publ ique,

1 37

Page 139: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

mettant l ' accent sur les l imites du rôle de l ' État, sur la plural ité des acteurs et des l ieux

de décision, et sur la diversité des modalités d ' intervention . . . " (Dutrecq e van Zanten,

2002, 6) .

Estes "limites do papel do Estado", a transferência de tal papel para "uma pluralidade de

actores e lugares de decisão" assim como a substituição da sua acção directa na

planificação, gestão e avaliação do mundo educativo, por uma "diversidade de modos

de intervenção", vem introduzir lógicas múltiplas e difíceis de coordenar através de

relações de "comando" directas, pelo que o Estado tende a resvalar do seu antigo papel

de regulador único, para um papel de negociador, de elemento de l igação entre a

multiplicidade de interesses considerados legítimos no campo da educação, e de

financiador, sempre que possível , de um sistema que tende progressivamente a ser

avaliado por instituições externas, l igadas ou não directamente ao Estado, mas que têm

de por ele ser legitimadas .

Esta forma de encarar as relações entre o mundo da política e o mundo da educação, não

sendo diferentes das novas formas de relação entre o Estado e a sociedade em geral,

introduzem elementos de legitimação vindos de uma concepção l iberal em que o Estado

é visto como um organismo cuj a acção deve ser l imitada, no sentido de criar espaços

l ivres onde a acção cívica possa ter o lugar de "comando" senão directo, pelo menos

partilhado com os outros "actores da educação" ou seja, professores, comunidades,

empresas, alunos, Igrejas, etc.

Também sabemos que as formas de regulação destas relações, nomeadamente as formas

de avaliação que "medem" a justeza dos rumos públicos, neste caso educativos, tendem

a introduzir uma lógica de mercado através da "aval iação dos outputs" que resultam dos

inputs no sistema, ou seja, dos investimentos públicos, levados a efeito pelo Estado no

sector educativo. Se tal lógica se justifica quase sempre como uma maneira criteriosa de

gestão dos dinheiros públicos, também percebemos que ela age como "ponta de lança"

de uma forma de gestão privada, que não significando necessariamente que se caminha

para a privatização da educação, minimiza frequentemente, pela sua própria lógica

intrínseca, as funções de integração social , económica e política que à educação,

historicamente, têm sido cometidas.

Estas tendências que se inscrevem nas novas formas de articulação do papel do Estado

na educação, não podendo evidentemente fazer tábua rasa de dois séculos de aquisições

sociais, económicas, e neste caso, especificamente educativas, reflecte, no entanto, uma

posição pol ítica crítica face a muitas de tais aquisições, ao mesmo tempo que também

1 38

Page 140: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

espelha as dificuldades reais de manutenção dos níveis de financiamento e de gestão dos

progressivamente mais massificados s istemas sociais de que a educação é uma parte .

Ao definir, em princípio, como base filosófica própria do l iberalismo, que a educação,

como a saúde ou as reformas, devem cada vez mais tornar-se preocupações dos

c idadãos e menos do Estado, nunca saberemos se este, ou quem em nome dele fala e

age, o faz em conformidade com os princípios pol ít icos que diz seguir, ou, e também,

por constatar as progressivas dificuldades em gerir e financiar o gigantismo de tal

"mundo" de que a educação faz parte.

b) O sucesso da massificação dos S istemas Educativos durante os séculos XIX e XX,

não só em termos da frequência universal da escola por parte de determinados grupos de

idade, mas também da contínua subida do número médio de anos de tal frequência, é

outro dos factores que, em articulação com as mudanças nos modos de regulação antes

descritas, parece levar à constatação de que, em muitas sociedades, por um lado, se

atingiram os níveis de l iteracia "suficientes" para fazer funcionar o sistema (Raynaud,

2003) , e por outro, a educação escolar está já suficientemente interiorizada como forma

de social ização (Candeias et aI. , 1 999; 200 1 ), o que, em conjunto com a enorme despesa

que representa a manutenção de um sistema com tal grau de massividade e as enormes

dificuldades de gestão que ele suscita, tende a faci l itar uma reaval iação do tradicional

papel de único ou principal "promotor" e "regulador" da educação que durante o século

XX tem sido remetido para o Estado.

Na verdade, como poderemos ver adiante, a util ização da escola, por todo o mundo,

continua a ser vista como uma forma de assegurar o futuro, e mesmo em sociedades em

que o crescimento populacional tende a ser negativo ou a estagnar, caso da maioria das

sociedades desenvolvidas ocidentais, ou que empobrecem, como é o caso de uma boa

parte das sociedades africanas subsaarianas, a tendência para a mas ificação acentua-se,

aumentando o número médio de anos de frequência de frequência escolar.

O quadro que de seguida apresentamos mostra como, independentemente do curso da

economia de cada região do mundo, ou de dados demográficos por vezes desfavoráveis,

o número de anos de escolaridade entre 1 990 e 200 1 , ou seja, a chamada "esperança de

vida escolar", aumentou neste mesmo mundo, embora não de forma igual, e, c laro, à

partida as diferenças entre sub-regiões sejam abissais .

1 39

Page 141: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Gráfico 10- Aumento do número médio de anos de escolaridade no mundo, por sub-regiões, entre 1990 e 2001

18.---------------------------------------------�

16 +-------------------------------��----------� 14 +-----------------------------�����--------� 12 t--------=���----���----���� 10+-----���----���--���----------���� 8+---���----------����------------------� 6+-��--------------------------------------� 4 +---------------------------------------------� 2 +---------------------------------�------------� O +----.----,,----�--�----�--�----,,----�--�

Afr. Subo Pa. Ás. Ás. Ás. Sul Am. Lat. Am. Nor. Eur. Mundo Árab. Centro Or.Pac. Oco Caro Eur. Oco Centro

Les.

Fonte: PNUD, 2005, 25.

-+--1990 -2001

Embora as diferenças entre estas "fatias" geográficas sejam enormes como antes se

disse, e no interior de cada uma de tais fatias persistam desequilíbrios variáveis mas

muito consideráveis, a expansão da educação escolar no mundo em geral, do século

XVI ao século XXI, com uma particular aceleração e tendência para a universalização a

partir de meados do século XX, é absolutamente assombrosa.

Assim, e embora as situações sejam diferentes de região para região, os dados relativos

ao aumento continuado da frequência escolar em todo o mundo, facilitam a suposição

de que, por um lado é impossível acompanhar financeiramente esta expansão contínua,

e por outro, que tal expansão, se não encarada de forma seleccionada de acordo com

necessidades específicas de desenvolvimento, deixa de ter sentido social, uma vez que

os níveis de literacia dos países mais desenvolvidos são frequentemente vistos, como se

afirmou, como sendo suficientes para o "funcionamento" do sistema, quer encaremos "o

sistema" na sua acepção económica, política ou social.

Por outro lado, ainda, tornam-se patentes as dificuldades de gestão directa de um sector

tão massificado como a educação e todas estas premissas em conjunto abrem o caminho

para o alinhamento de formas de relação entre o Estado e a educação, relativamente

novas se comparadas com as que predominaram no século XX.

140

Page 142: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

A primeira e provavelmente a mais importante das componentes de tais novas formas de

relação entre o Estado e a Educação, implica uma mudança profunda nos paradigmas de

gestão por parte do Estado, tal como assinalámos na alínea anterior. Roger Dale resume

tal mudança ao salientar que, no espaço de duas décadas, a educação passou de um

sector "governado" pelo Estado, para um sector que é alvo uma "governância" por parte

de uma série de parceiros de que o Estado também faz parte :

" . . . The tendency in common usage i s to identify the term "government" with the

institutions of the state that control and regulate the l ife of a territorial community.

Governance - that is, the control of an activity by some means such that a range of

desired outcome is attained - is however, not just the province of the state. Rather, is a

function that can be performed by a wide variety of public and private, state, non -

state, national and international institutions and practices . . . " (Dale, 1 999, 274).

Na verdade, numa tendênci a que, na Europa, data de meados da década de oitenta do

século passado, tudo indica que, mantendo-se o Estado como um garante do

funcionamento e credibil idade das partes "básicas" dos Sistemas Educativos, a sua

acção terá evoluído em muitos aspectos, de uma atitude de gestão directa de um sistema

imerso num gigantesco e por vezes paral i sado sistema público, para uma locação ou

"aluguer" de partes desse sistema a parceiros comerciais ou sociais que se mostrem

interessados em o fazer.

As experiências de Margaret Tatcher na década de oitenta, permitindo que uma parte

das escolas britânicas "optassem", através do voto dos pais dos alunos, por sair do

controlo das Local Education Authorities, e mantendo-se públicas, pudessem funcionar

numa "lógica privada" com direcções inteiramente responsáveis e responsabi l izáveis ,

que poderiam escolher uma parte dos professores, implementar métodos pedagógicos

autónomos, e fatias curriculares inovadoras no contexto de uma rede escolar

"desregulada" onde o principio da "circunscrição escolar" cedia ao principio da

l iberdade de escolha da escola por parte dos pais dos alunos (Candei as, 1 993a;

Jonathan, 1 989), foi nalguns aspectós aprofundada com a "Education Bill" apresentada

por Tony B lair em Outubro de 2005, (Department for Education and Ski l ls , 2005) .

E não se trata apenas de experiências levada a cabo por temívei s "Neo-l iberais" ou

"terceiras vias": é esta a forma de funcionamento de uma parte fundamental do S istema

Educativo Holandês, ou do Pré - Primário português, com o Estado holandês a pagar a

cada escola os alunos que, por convicção reli giosa ou política a escolhem e o Estado

1 4 1

Page 143: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

português a pagar às Instituições Privadas de Solidariedade Social as creches e j ardins

de infância das crianças, de acordo com as declarações de rendimentos dos seus pais .

A questão fundamental para que este tipo de política de "locação" funcione faz parte

integrante da segunda componente desta reestruturação das relações entre o Estado e a

educação, e que é constituída pela implementação de políticas de inspecção levadas a

cabo pelo Estado de maneira a assegurar que, por um lado, os programas e objectivos

cada vez mais decididos a nível de parceiros sociais e educativos locais e sancionados

de forma cada vez mais geral por Parlamentos nac ionais ou locais, são efectivamente

postos em marcha nas escolas "locadas", e por outro, que o S istema Educativo, ou as

escolas que o compõem têm a qualidade necessária para levar a termo os objectivos

"encomendados" pela sociedade.

Desta forma, as funções de inspecção das escolas, tenham ou não a sua sede no

"Estado", constituem-se em peças fundamentais desta segunda componente da novas

relações entre o Estado e a educação, cumprindo o objectivo de garantir a credib i l idade

do novo "mercado" educativo, informando o "Estado" da forma como dinheiro por ele

alocado está a ser bem ou mal gasto, os pais da eficiência das escolas em que os seus

filhos estudam e os c idadãos sobre a boa ou má gestão dos seus impostos.

As formas de regulação pós - nacionais exercidas por instituições de avali ação com

carácter "europeu" ou por organizações internac ionais como a OCDE e o Banco

Mundial , perfilam-se como sólidas hipóteses de substituição de funções até aqu i

desempenhadas por Estados nacionais, sobretudo no que d iz respeito à avaliação e

legitimação das políticas de investigação científica e universitária em cada país,

poupando o ónus político das decisões i ncómodas a Governos que tentam lutar pela

sobrevivência em ciclos eleitorais de quatro anos (Teodoro, 200 1 b ; Seixas, 200 1 ) .

A terceira componente deste novo tipo de relação é, apesar de tudo o mais tradicional e

é composta pela necessidade de manutenção de alguma capacidade por parte do Estado

em assegurar investimento, se necessário, directo, e gestão, também directa,

relativamente a situações ou instituições que se revelem ou estratégicas para a

implementação da competitividade do tecido social e económico de uma sociedade, ou

necessárias à manutenção da coesão interna da mesma sociedade. Laboratórios de

Estado que são dific ilmente privatizáveis , sectores fundamentais para a competitividade

económica de um país ou de uma região, assim como partes do tecido educativo que se

mostrem avessos ou pouco atractivos à intervenção "privada" e "cívica" , e em que a

desregulação tenha efeitos manifestamente negativos, têm de ter uma "almofada de

1 42

Page 144: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

segurança" estável e credível que permita a continuidade e estabi l idade de trabalho de

utilidade científica e social, sendo que só o Estado pode assegurar uma "almofada"

deste tipo. Esta componente tradicional das relações entre o Estado e a educação,

mostra-se fundamental, nomeadamente nas funções de sustentação das componentes de

equidade e coesão social atribuídas à educação, sobretudo nos casos extremos de

escolas e de regiões educativas deprimidas, pelo que será cedo para lhe ditar a morte .

Ou sej a, as relações tradicionais de uma quase total interdependência entre o Estado e a

educação durante o século XX, em que o Estado assumia o papel de planificador, gestor

e avaliador dos S istemas Educativos, e em que a educação era vista "como um todo" na

promoção do progresso económico e da estabil idade política de uma sociedade,

resvalam para relações do tipo "complementarista", em que o Estado parece seleccionar

a sua intervenção em função de necessidades específicas, deixando "rolar" um sistema

que parece cada vez mais entregue a si mesmo e ao jogo de relações sociais e políticas

que dentro dele têm lugar.

Trata-se de novas componentes de uma relação que muda, mas que tem condicionantes

fundamentais na sua aplicação.

A primei ra dessas condicionantes depende do nível de desenvolvimento das sociedades

em que estas mudanças são implementadas, j á que estas transformações serão muito

pouco credíveis , e mesmo perigosas, em regiões ou em sociedades que não tenham j á

uma larga tradição de "boa educação" e de "boa administração", o u seja, sociedades e

regiões que, por um lado, tenham como adquirida por parte da esmagadora maioria da

população a interiorização da necessidade de uma educação de qualidade e, por outro,

tenham como adquirido um sentido crítico apurado e a maestria política e cívica para

transformar tal sentido crítico em capacidade de decisão e intervenção nas políticas

públicas de proximidade.

Na verdade, este recuo do Estado i mplica um certo vazio em sociedades que o devem

poder preencher através de articulações administrativas mais sofisticadas, mas também

de maior proximidade social , e neste aspecto nada parece poder substituir a acção

cívica. Implementar políticas deste tipo em sociedades frágeis, em desenvolvimento, em

que a dúvida entre os benefícios do trabalho infantil e da escolarização subsistem, ou

em sociedades que não adquiriram o grau de desenvolvimento económico e social que

permitam a interiorização estável de formas de socialização mais sofisticadas como a

educação escolar, representa certamente um desastre social e político de que

1 43

Page 145: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

benefic iarão apenas os mais ricos e os locadores de serviços educativos. Aqui parece­

nos que o "Estado antigo" é insubstituível .

A segunda condicionante que nos parece pertinente reside no facto de a transição de

uma política de "est i lo antigo" para políticas "de novo tipo", exigir competências que

põem à prova as capacidades de mudança por parte dos serviços públicos, os quais têm

de proceder a reformas complicadas, de manei ra a poderem substituir a gestão directa da

educação por formas de i ntervenção diferida, baseadas em articulações administrativas

complexas. O risco de estas articulações não funcionarem ou funcionarem mal , é

grande, e na ausência de um escrutínio cívico forte, que ampare e vá corrigindo as

falhas e deslizes das novas políticas, de novo, as funções de equidade social e de coesão

social que continuam a ser vistas como funções clássicas e repetidamente reafirmadas

dos S istemas Educativos, correm o risco de deixarem de ser exercidos de forma

correcta, ao permitirem, por exemplo, uma enorme diversidade na qualidade da

educação que se pratica, o que beneficiará uns em detrimento de outros.

As vantagens e os prejuízos deste novo tipo de articulações são discutidos há mais de

vinte anos, mas a forma como tal discussão se tem dado, imersa numa enorme nuvem

ideológica, tem dificultado uma apreciação equilibrada e racional baseada em estudos

empíricos de qualidade, tornando-se difíc i l de decidir acerca bondade deste tipo de

transição, que, no entanto, de forma mais ou menos veloz, mais ou menos profunda, vai

percorrendo o seu caminho.

Podemos admitir como correcto, independentemente do ponto de vista político, que

estas novas articulações, se bem concebidas e coordenadas, trarão vantagens inegáveis

do ponto de vista da racionalidade de gestão, ao constatar-se a incapacidade manifesta

por parte das formas tradicionais de poder político em gerirem com eficiência um sector

educativo massificado, com necessidades complexas e heterogéneas e expectativas

sociais e poder de reivindicação muito fortes e mediáticas.

No entanto e como antes deixámos escrito, não podemos menosprezar a dimensão

política deste realinhar de relações entre o Estado e a educação. Na verdade, estas

mudanças de regulação permitem sem dúvida uma maior capacidade de l idar com

fenómenos de grande dimensão em que as administrações centrali zadas se revelam

ineficientes, mas fazem-no sobretudo através da possibi l idade de, em maior ou menor

grau, tornear a situação de paralis ia imposta por um funcionalismo público defensivo,

condicionado, fortemente sindicalizado, com pouca flexibi l idade na adaptação a

mudanças rápidas e com uma l arga lista de "direitos adquiridos", que se revel a, em

1 44

Page 146: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

muitos caso, totalmente insensível às razões da sua existência e que são as de "servir o

público".

Ante um sector público com graus de produtividade e de motivação heterogéneos e com

uma consciência corporativa fortemente arreigada, a estratégia seguida tem sido, sempre

que possível , "desfuncionalizar" uma parte de tal funcional ismo, passando-o para

situações laborais semi-privadas, o que, ao mesmo tempo, alivia Orçamentos de Estado

tradicionalmente apertados, e atenua a conflitualidade social tradicionalmente forte nos

sectores públicos.

Também noutro aspecto se nota a origem política desta recomposição das relações entre

Estado e educação, ou sej a, na crença de origem l iberal segundo a qual a "iniciativa

privada", interessada no lucro, o que neste caso significaria a manutenção dos acordos

de exploração de sectores educativos "alugados" ao Estado, ou da manutenção e

crescimento do número de alunos que preferem as escolas por si geridas, é mais

eficiente na prestação de serviços do que uma função pública em que a grelha salarial

está pouco relacionada com a obtenção de resultados medíveis de forma objectiva.

Havendo alguma razão para estes raciocínios, eles são, no entanto, frequentemente

primitivos na argumentação e, por vezes, totalmente inadequados a situações tão

complexas como o trabalho educativo, pelo que, se o controlo e avaliação por parte do

Estado não funcionarem efectivamente, as situações tendem a descontrolar-se e nesse

caso talvez nem valha a pena mudar de paradigma de gestão, tudo sendo de fazer para

melhorar o que existe, mesmo que nele pouco se acredite.

Finalmente, uma última vantagem que costuma ser apontada nesta recomposição das

formas de relação entre Estado e educação reside na "libertação" da sociedade civi l , no

sentido de lhe conferir o espaço para uma maior intervenção na educação e na assunção

de responsabi l idades na escolarização dos seus fi lhos, uma l inha de argumentação que

também deve muito ao vocabulário l iberal , e que não coloca todos em situação de

igualdade, não se percebendo, por exemplo, como se pode comparar a capacidade de

intervenção na educação dos respectivos filhos, entre famíl ias financeiramente robustas,

com maior capital escolar e em que um dos pais pode prescindir de trabalhar, e outros

tipos de famíl ia sem este tipo de competências e de folgas. Mais uma vez, trata-se de

situações que, ou se desenrolam em sociedades extremamente niveladas e igualitárias do

ponto de vista social , ou o desaparecimento do Estado e da sua acção "compensatória"

face às desigualdades existentes "à partida" podem revelar-se um autêntico pesadelo em

termos de coesão social e política.

1 45

Page 147: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

A avaliação destas novas relações entre o mundo político e o da educação, tem sido

levada a cabo, como dissemos antes, de formas muito ténues e por vezes muito

infectadas ideologicamente, as quai s ou nos reportam experiências exemplares em que a

coordenação e a autonomia têm funcionado extremamente bem, ou experiências

tenebrosas em que os mais fracos são simplesmente deixados para trás , e na ausência de

mecanismos de compensação sérios por parte do Estado, esse atraso se acentua

relativamente ao tempo em predominanavam formas de gestão mais antigas e

"fordistas" (Ball , Bowe, e Gewritz, 1 999, 409-42 1 ; Fakehend, 2003 , 5 1 -73 ; Castells e

Himanen, 2002) .

As diferenças, apesar de na nossa opinião não haver ainda uma densidade de aval iação

que permita indicações seguras, parecem, no entanto, residir na qualidade das

articulações conseguidas, o que se relaciona evidentemente com a qual idade, à partida,

das administrações, com o grau de coesão soci al prévio às mudanças de paradigma,

entre outros aspectos, colocando algumas das "estrelas do costume", ou seja, os

escandinavos, como vencedores deste tipo de aposta e, no outro extremo, as sociedades

com "tradições l iberais" como os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, ou com

administrações pesadas, i neficientes e por vezes corruptas, como as da Europa do Sul e

do Leste.

Mas esta "l ibertação da sociedade civil" no campo educativo, bem como o clima de

discussão que a envolve, têm criado o espaço para o surgimento de formas de

escolarização novas que frequentemente, não passando ainda de realizações com pouca

espessura, de mistura com muita retórica, são, ainda assim, cada vez mais discutidas e

sobretudo, estudadas.

Assim, podemos hoje encontrar referênci as a formas de viver a educação muito mais

diversificadas hoje do que há trinta anos.

Partindo das suas vertentes clássicas, ou seja, o envolvimento directo do Estado no

financiamento e gestão dos subsistemas de Educação Básica e Secundária, que ainda é

maioritária, mesmo na América do Norte ( Levin, 200 1 , 6), até ao envolvimento de

empresas profissionais de educação que, sendo pagas pelos Estados, nac ionais ou locai s,

se encarregam de gerir "regiões educativas" ou subsistemas do sistema educativo,

passando por "charter Schools" (Witte, 2002, 1 55- 1 7 1 ) , ou seja, propostas pedagógicas

e administrat ivas apresentadas por pais ou educadores que, segundo planos autorizados

pelas autoridades locai s se propõem a gerir durante um período de tempo escolas de

determinadas zonas, ou ainda, s istemas de "cheques educativos", com propósitos vários,

1 46

Page 148: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

desde o permitir que cada familia escolha a escola do seu filho, até programas

seleccionados destinados a crianças pobres, que vivendo em zonas escolares degradadas

podem assim frequentar escolas que estariam fora do seu alcance, a paleta de soluções

parece enorme e é sobretudo muito dinâmica (Levin, 200 1 , 1 0) .

Ou sej a, em conj unto, l iberalismo, massificação e restrições orçamentais , têm vindo a

sugerir modificações nas formas de relação entre o Estado e a educação que, no seu

conjunto, parecem mais profundas do que a superfície por vezes mostra.

Na verdade, e apesar de ainda prevalecerem no terreno as formas tradicionais de

escolaridade e de relação entre a sociedade política e a educação desenhadas nos séculos

XVIII , XIX e XX, parece seguro que outras maneiras de encarar tal relação se infi l tram

por entre as frinchas de um edifício antigo, com todo o tipo de ideologias presentes nas

propostas que sugerem.

O Estado parece tomar um lugar cada vez menor nesta discussão, mas sem ele e sem a

sua função de coordenador e de articulador das diversas partes que compõem este todo

cada vez mais diversificado, a discussão não seria possível , e talvez comece a ser tempo

de, como afirma Henri Levin, um autor que há décadas estuda esta diversidade, tentar

analisar tais propostas tomando como critérios quatro das questões que h istoricamente

se encontram no cerne da construção do mundo educativo contemporâneo: a coesão

social; a equidade social ou promoção da igualdade de oportunidades; a eficácia e a

l iberdade de escolha.

Na verdade, algumas de tais propostas parecem espelhar sugestões de planos de

socialização mais diversificados do que os disponíveis até agora, o que pode ser uma

tentativa de resposta às tremendas dificuldades de gestão física e pedagógica de

instituições que se inspiram nas escolas dos Jesuítas do século XVI, que foram alvo da

incorporação pelo Estado a partir da segunda metade do século XVIII , que resistiram

mal à massi ficação do século XX e que são vividas e percorridas pelas crianças e

adolescentes do século XXI .

c) Finalmente, a terceira causa que, de forma articulada com as que foram antes

expostas, contribui para o "sentimento de mudança" que assalta os que trabalham e

vivem no âmbito dos S istemas Educativos contemporâneos, relaciona-se com o

surgimento de novos espaços de social ização que transferem do exterior para o interior

do espaço educativo uma normatividade diferente da que esteve presente na constelação

societária industrial que viu o nascimento do modelo escolar actual .

1 47

Page 149: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

As dificuldades de coordenação entre os tipos de socializações próprios de cada um

destes espaços (Tedesco, 1 999), levam alguns autores a falar do desaparecimento da

noção de infânci a (Postman, 1 994), da transição de formas de "Modernidade

Organizada" para formas de "Modernidade Liberal alargada" que potencial izam a

emergência de valores como a diferença e a pluralidade (Wagner, 1 996, 45 ) , ou da crise

geral da noção de "autoridade" (Arendt, 2006, 1 05- 1 54; Renaut, 2005) , num quadro de

erosão dos valores legitimadores do modelo contemporâneo de escola que se traduzem

em dificuldades evidentes na gestão de expectativas e de comportamentos no seu

interior (Candeias, 2003) .

Assim, a emergência dos media como um dos factores fundamentais n a social ização dos

jovens, as crises que assaltam alguns dos pilares i nstitucionais fundamentais da

Modernidade, como sejam o Estado - nação, a famíl ia tradicional e as Igrej as, a

democratização das sociedades, sobretudo ocidentais, herdei ras da declaração dos

Direitos do Homem de finais do século XVIII, associadas ao longo historial de

expectativas de mudança colectiva e individual que a educação susci tou ao longo do

século XX e que, como vimos antes, não conseguiu nem podia satisfazer, são alguns dos

factores que, em conj unto, vieram enfraquecer a vontade e a capacidade de manter uma

forma de socialização que, como qualquer "sistema de social ização complexo" i mplica

"constrangimento" sobre o "social izado" e capacidade de "coerção" por parte dos

"socializadores" .

A implementação e massificação de uma forma de socialização definida por Jerome

Bruner como sendo assente no desenvolvimento de factores cognitivos com uma forte

componente s imbólica e desl igada do contexto de acção social imediata (Bruner, c itado

por Scribner e Cole, 1 982, 1 2) , i mplicou uma noção de tempo relativamente longo e

uma disciplina física e mental constrangedoras para crianças, quanto mais não seja pela

omissão de actividade fís ica que a concentração necessária ao treino mental requer.

Assim, a imposição de um sistema coordenado e legitimado de discipl inarização que

recorreu quer à interiorização dos valores da auto - regulação, quer à punição

sistemática dos prevaricadores que ainda não estavam preparados para "a

Modernidade", tornou-se, como muitos autores antes de nós referiram e como está

expresso noutra parte deste texto, em uma das condições centrais para a construção do

sistema de escolarização contemporâneo.

Não se trata de uma descoberta recente, como salienta Phil ippe Aries ao descrever num

delicioso trecho, a violência necessária para impor o conceito adulto de "infância" e de

1 48

Page 150: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

"adolescência" às crianças e adolescentes de finais do século XVII que frequentavam

os Colégios : " . . . Les régents furent conduits à imposer à cette jeunesse sauvage une

discipline de plus en plus dure, au col lege et dans la ville ( . . . ) .La correction n' était

plus l imitée aux verges des petits enfants ou à la discipline des "moines". Elle était

donnée en public pour l ' exemple et l ' humiliation . ( . . . ) C ' est que ces écoliers , petits ou

grands, étaient toujours tentés de passeI' trop tôt et trop vite du côté des adultes, et iI

fallait leur imposer par la force le sentiment de leur dépendance . . . " (Aries, 1 98 1 , 240) .

Ora, só a fé que muitas sociedades colocaram na integração de todos através do Estado -

nação e na crença do progresso material i l imitado, quer colectivo, quer individual ,

através da educação, dois dos traços fundamentais da ideologia da Modernidade e da

modernização, pôde sustentar o enorme esforço financeiro e psicológico que

representou a imposição da escolarização de sucessivas gerações de crianças, durante

dois séculos, frequentemente contra a sua vontade.

Além do mais, tal imposição contou sempre com o apoio de pelos menos dois dos três

pilares fundamentais da ordem política Moderna, ou sej a, o Estado, a Família e a Igreja,

o que conferiu a legitimidade para que um sistema organizado de coerção dos jovens em

nome do seu bem estar futuro conseguisse ter a persistência que teve na afirmação do

projecto escolar.

Hoje, admite-se que, na situação presente, há dúvidas e questões que se levantam sobre

a capacidade de impor este projecto.

Em primeiro lugar, os três pilares que, de forma articulada, deram corpo à educação,

transformando-a de um privilégio de alguns numa rotina para todos, o Estado - nação, a

famíl ia e a Igreja, estão longe do apogeu que atingiram nos séculos anteriores e vêm o

seu poder de influenciar a realidade drasticamente diminuído.

Se se admite que o Estado, ao abandonar um tipo de regulação social directa de tipo

keynesiano, substituindo-o por formas de regulação diferidas, perde uma parte do poder

que teve na promoção da coesão social e política, abandonando este poder à sociedade

civil , esta, se no seu centro colocarmos a família, sai também enfraquecida pelo

abandono do apoio directo por parte do Estado a que teve acesso na segunda metade do

século XX e pelas enormes transformações que foi sofrendo durante este período.

Esta perda de apoio directo do Estado assim como as transformações que sofreu a

famíl ia acabaram por polarizar a sociedade civi l entre os que não necessitam de tal

apoio e se sentem mais l ivres para prosseguir os seus interesses de grupo e os que não

tendo espaço nem folga para o fazer, não conseguem fornecer o enquadramento

1 49

Page 151: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

necessário a nível da socialização primária, que sustente o percurso escolar dos seus

fi lhos.

De facto, tão importante como as questões económicas que resultam do

enfraquecimento do Estado - providência durante o final do século XX, foram

sobretudo as transformações que se deram nas farru1ias tradicionais do pós - guerra.

Estas transformaçõe , colocaram de forma cada vez mais massificada as mulheres no

mercado de trabalho tornando mais difíci l o desempenho de algumas das funções sociais

que lhes eram atribuídas na estrutura famil iar tradicional , ou eJa, a funções de

retaguarda na educação dos fi lhos, a qual se mostrava fundamental para uma boa

socialização primária da criança, algo que, como todos os especialistas mostram é

difici lmente substituível pela institucionalização precoce das crianças, é de importância

vital no futuro afectivo e cognitivo da criança, (Esping - Ander on, 2003a, 20-2 1 ;

2003c, 67-95) , e portanto, também na ua adaptação a uma escolaridade de sucesso .

Escolas que têm de se substituir às farrúlias e que, como tal, não conseguem disciplinar

crianças com processos de social ização primários e de proximidade frágeis e

descontínuos, eis uma queixa cada vez mais frequente dos profissionais da educação, a

qual aponta para uma das causas principais da crise do actual modelo escolar, que é a

cada vez maior dificuldade em coordenar um tipo de socialização de proximidade,

historicamente levada cabo pela farrúlia, pelas comunidades e pelas Igrej as, com uma

exo - social ização historicamente desempenhada pelos mecanismos formais de

escolarização da Modernidade.

Por outro lado, o enorme poder que os media actuais têm na socialização precoce ou

primária (Pasquier, 2003, 1 67- 1 86), e a dificuldade que famíl ias com pouco tempo

disponível sentem em contrabalançar a influência mágica de tais media, dificulta as

funções de uma agência de social ização como a escola que para exercer cabalmente o

seu papel necessita de uma extensão de tempo progressivamente mais alargada.

As rapidíssimas ascensões sociais protagonizadas por desportistas, artistas e músicos

que se prestam à cultura dos media, sendo estatisticamente excepções, têm um poder

que lhes conferem uma enorme força de exemplo, ridicularizando um percurso escolar

cada vez mais longo, e de resultados que não garantem a prosperidade imediata, dentro

de um mercado de trabalho que se tende a polarizar e em que os "pequenos empregos"

u ltrapassam, de longe, em número, os "grandes empregos" (Lindley, 2000, 33-79),

enfraquecendo assim, cada vez mais, a relação histórica entre sucesso nos estudos e

sucesso i medi ato na obLenção de uma boa profi ssão.

1 50

Page 152: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Por outro lado ainda, a enormes expectativas criadas historicamente pelo papel de

"engenharia social" que a educação teria na mudança social positiva, foi , como vimos

antes, social, económica e politicamente relativizada, e numa sociedade que assenta

cada vez mms em imagens rápidas e frequentemente superficiais, torna-se

progressivamente mais difíci l convencer um jovem oriundo de um meio social

desfavorecido, de que através do seu esforço nos estudos poderá construir um futuro à

medida das suas expectativas : quer nos media a que ele tem um aces o constante, quer

na economia "marginal" que medra nos enormes subúrbios de todo o mundo, se

desenvolvem vias de mobil idade social alternativas, mais rápidas e mediatizadas do que

aquelas que são tradicionalmente apresentadas como exemplo pelos cânones da

Modernidade institucionalizada, mesmo que se trate frequentemente de histórias

parciais e curtas .

Finalmente, o modelo escolar é ainda minado pelo que Alain Renaut (Renaut, 2005)

apelida de sucesso das repercussões das declarações dos Direitos do Homem dos finai

do século xvrn, que vão a pouco e pouco enfraquecendo as forma de poder a ente

numa autoridade tradicional ou carismática, substituindo-as por formas de poder

progressivamente baseadas no contrato, com ou sem tradução jurídica.

Esta "dessacralização" da autoridade, que se reflecte por vezes de forma extremamente

áspera em todos os níveis das relações humanas, desde as relações familiares, passando

pela relaçõe de trabalho e pelas relações entre géneros, estende-se também às relações

entre grupos de idades diferentes, estas endo especificamente al imentadas por um

século de "Direitos da Criança" que tornam o que é tradicional, ou sej a, o poder dos

adultos sobre as crianças, em algo que deve ser jurídica e moralmente regulado, ou

contratualizado.

Como em tudo o que muda, existe uma parte boa e uma parte menos boa: se a violência

física, psicológica e sexual sobre as crianças deixa de ser calada e moralmente tolerada

nos finais do século XX, torna-se também mais difíci l aos adultos imporem às crianças

uma formação moral, social e académica que não seja negociada e contratualizada.

Desta forma, vários problemas se colocam neste desl izar das relações entre adultos e

crianças, do domínio da "autoridade tradicional" para o domínio da "contratualização".

O primeiro de entre eles reside no facto de se tratar de uma deslocação de duvidosa

legitimidade de um tipo de relação que só tem sentido entre iguais e que, portanto, não

tem possibilidades de ser aplicada de forma convicente entre indivíduos que têm entre s i

relações assi métricas e d e dependência física e psicológica. Assim, a noção de

1 5 1

Page 153: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

"contrato" entre adultos e crianças e, sobretudo, entre professores e alunos, só poderá

funcionar como um treino da nova geração que se quer educar, pelo que terá de existir

sempre uma reserva de poder que deve ser exercida pelos adultos de forma a que se

torne visível que o contrato é um ensaio para o futuro e que no espaço escolar se

reconhece que os alunos não dispõem da maturidade e autonomia necessária à

autoregulação da sua educação. Será possível estatuir e exercer esta reserva de poder

nos espaços escolares actuais, sem agravar a confl i tual idade que os percorre?

O segundo problema reside no facto de este "treino" para o futuro, que foi desenvolvido

e experimentado em instituições escolares muito seleccionadas e controladas durante a

primeira metade do século XX, sendo inclusivamente suspenso quando os resultados

ameaçavam a harmonia do grupo (Candeias, 1 994) ter sido, rapidamente no pós guerra,

mas sobretudo a partir da década de sessenta do século XX, transposto para as

instituições educativas massificadas como reflexo do que se passava nas sociedades em

que a escola se inseria.

Tal transposição deu origem a uma "épica da libertação" que colocou as escolas em

paralelo com a "luta de classes" entre os opressores, ou seja, os professores como

representantes do "sistema", e os oprimidos, ou seja, os alunos que falavam pelo desejo

de l iberdade que era suposto que todos sentissem, e que eles , em nome de todos,

reivindicavam, dando origem a uma dinâmica que ninguém verdadeiramente conseguiu

deter.

O terceiro problema consistiu na maneIra como a partir dos finais do século XX se

tentou pôr um cobro à guerrilha anteriormente descrita, institucional izando nas escolas

formas de regulação dos deveres, responsabil idades e comportamentos dos professores e

dos alunos baseadas em muitas destas formas de relação jurídico - contratuais, o que

embaraça pela sua falsidade e hipocrisia, uma vez que se sabe que se trata de dois

grupos qual i tativa e civilmente diferenciados com funções e responsabil idades muito

diferentes, e que este embaraço potencia um espaço de instabil idade adicional .

A quarta questão, sendo o corolário das anteriores, não é muito mais animadora, no

sentido em que o tipo de relação contratualizada e mesmo judiciarizada, que predomina,

pelo menos formalmente, nas relações sociais do Ocidente, não se mostra de forma

alguma adequada a um tipo de socialização longa que implique papéis de autoridade

desigualmente repartidos, que impõem aos alunos um trabalho escolar que, por mais que

seja bem expl icado e baseado em aproximações cognitivamente estimulantes derivadas

dos "métodos activos", se caracteriza pelo esforço individual no domínio de matérias

1 52

Page 154: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

parcelares, de difícil aprendizagem, com pouco significado no imediato e sujeito a uma

avaliação quantitativa com consequências no futuro do e tudante: a generalização destas

características, entre os séculos XVI e XX, está no próprio centro do processo de

escolarização moderno (entre outros, Arendt, 2006, 1 83-206) .

Todas estas questões evidenciam a dificuldade, senão mesmo a impossibil idade de

construção de uma malha discipl inar estável , política e socialmente legitimada, o que

acentua a enorme dificuldade em gerir instituições percorridas por milhões de jovens

durante cada vez mais tempo, os quais, cada vez mais l ivres das influências familiares,

trazem para um espaço originalmente concebido no século XVI, traços de socialização

dos media do século XXI, tudo isto se desenrolando no contexto de sociedades que

encontram dificuldades éticas e culturais em impor aos mais novos comportamentos por

eles indesejados.

Sem a possibi l idade de impor o contrato nem o poder de util izar a violência, como

"educar" os "recalcitrantes" que não estão preparados para a "Modernidade"? Como

impedir que estes destruam o edifício tão frágil e j á tão antigo, uma vez que a expulsão

dos "selvagens" dos únicos locais onde subsiste a esperança de os redimir pela educação

é mal compreendida por sociedades que exigem que o período de escolaridade

obrigatório seja cada vez mais alargado?

Sem soluções para estas questões que roem o âmago do modelo escolar da

Modernidade, as formas contemporâneas de socialização secundária parecem assistir a

uma progressiva suavização do papel de promotor e mediador educativo que o Estado

foi conquistando a partir da segunda metade do século XVIII, encontrando-se assim

mais dependente da capacidade de gestão disciplinar e investimento financeiro e

educativo das família , o que por um lado debil i ta uma das funções históricas da

educação, a de promover a coesão nacional e social, e por outro parece fazer deslocar o

lugar da educação da "esfera pública" em que se deparou a partir do século XIX, para o

domínio do privado em que se encontrava antes do século XVIII.

Esta "suavização" do poder do Estado resulta das mudanças de regulação que se deram

nos Modos de Produção dominantes do século XX? Esta "suavização" corresponde à

evidência da impossibi l idade da continuação da gestão directa por parte do "Centro", de

um sistema de proporções gigantescas, especiali sta na secreção de "efeitos perversos"

que deturpam as intenções por ele promovidas e implementadas? Esta "suavização"

reflecte uma tomada de consciência da impossibilidade de aumento contínuo do

financiamento de um si stema que, apesar da pobreza ou das alterações demográficas,

1 53

Page 155: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

continua a crescer em número de "utentes"? Ou esta "suavização" reconhece o facto de

que na maioria das sociedades, e sobretudo nas mais desenvolvidas, a necessidade de

educação tem sido interiorizada com tal sucesso que permite a dispensa do antigo e cada

vez mais difíci l papel de regulador e promotor educativo ocupado pelo Estado? Ou

porque a "crise de legitimação" com que se debatem as formas de escolaridade

construídas a partir do século XVI, legisladas a partir do século XVI I I e massificadas

durante o século XX, só se pode resolver de formas novas e imaginativas que

promovam novos espaços de desmassificação, aproximem os "utentes" dos mecanismos

de decisão e de gestão económica e pedagógica das escolas, coordenem as formas de

socialização primárias que relevam da educação famil iar com as formas de socialização

secundárias mais formais e abstractas típicas da escolaridade, num contexto estável de

tutela diferida e seleccionada pelo Estado? Muito havendo a dizer, eis uma direcção

que, não escondendo que as relações entre o Estado e a educação mudaram e que, no

momento em que sobre elas nos debruçamos, pouco espaço dispomos para uma

avaliação séria da qualidade de tal mudança, evita no entanto, o pessimismo que

caracteriza quem acha que a história acabou .

Concluindo: estabilização e crise dos modos de regulação dos Sistemas Educativos

contemporâneos - dos anos oitenta do século XX aos nossos dias, o modelo em

crise, ou a fase de "destruição criativa" do 4° ciclo de Kondatriev

Um olhar retrospectivo sobre a fase que procurámos analisar neste capítulo faz-nos crer

que nos encontramos num início de ruptura com o que chamamos, por vezes de forma

pouco precisa, de "Modernidade", no sentido em que, enquanto o período anterior se

parece assumir como uma continuação, levada ao seu máximo, dos processos

económicos, sociais, políticos, económicos e educativos com origem na civi l ização

nascida da combinação entre o iluminismo e a Revolução Industrial, as fases que

v ivemos hoje, mantendo muitas das continuidades com o que se passou antes, parecem

entreabrir as portas de verdadeiras mudanças face aos últimos três séculos .

Talvez seja este o sentimento de todas as gerações que comparam o presente com o

passado, mas cremos existirem uma série de dados concretos que fomos desfiando

durante este capítulo e que nos permitem avançar com a suposição de que as mudanças

que testemunhamos, muitas vezes sem podermos adivinhar as implicações que terão,

representam, em conjunto, mais do que um reflexo geracional de reacção à mudança,

inserindo-se assim num processo de mutações que, no entanto, só adquirem sentido à

luz do tempo histórico.

1 54

Page 156: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

De uma forma maIS ordenada e esquemática, tentemos ver o que mudou ao nível

político e educativo:

a)Assim, do ponto de vista político, assistimos ao rápido esboroar, durante a década de

80 do século XX, do social i smo enquanto realidade política com tradução territorial , e

também enquanto ideologia alternativa ao capitalismo de mercado, sendo esta uma das

marcas mais evidentes do final do século XX, ou util izando o jargão científico das

teorias da regulação, dá-se o despenhar do Modo de Produção social ista, o que, como

antes vimos, terá alguma importância na alteração dos modos de regulação do próprio

capitalismo.

Por outras palavras, a ideia de sociedades geridas por sistemas económicos assentes no

capitalismo de mercado encontra-se, pela primeira vez nos últimos dois séculos, sozinha

na arena política, social e económica em que o mundo se discute, e as polít icas sociais

de contenção do socialismo no Ocidente deixaram de ter razão de existir, minando uma

das bases da hegemonia do modelo societal social-democrata que caracterizou o pós

segunda Guerra Mundial, no Ocidente sobretudo, mas que influenciou o mundo, como

vimos antes.

Assim, o cl ima de desanuviamento criado pelo fim da Guerra Fria pareceu enfraquecer,

pelo menos numa primeira fase, a necessidade da existência de Estados fortes, enquanto

que o chamado modelo fordista, de produção industrial intensivo, com sede nas

sociedades tradicionais onde se deu a Revolução Industrial , baseado numa demografia

favorável , numa estrutura tradicional de famíl ia, numa mão de obra treinada, su tentada

por mercados nacionais protegidos e por fontes de energia barata, entra em crise

acelerada quando os pi lares do seu sucesso se vão progressivanlente esboroando, a

partir da década de setenta do século XX.

Quer as tecnologias da época, quer as formas de gestão tradicionais do industrialismo,

quer mesmo as noções territoriais e nacionais dos mercados e mesmo da mão-de-obra se

começam a mostrar impedit ivos do progresso, aqui medido em termos de crescimento

económico e a reacção das sociedades e sobretudo das suas el i tes, passa por l inhas de

acção que se desenvolvem em três direcções fundamentais: modificações profunda nos

paradigmas de gestão político - económicos ; investimento em tecnologias inovadoras e

o alargamento, ou des-territorialização dos mercados e da mão-de-obra, que passam a

ter o mundo como l imite.

É o começo da hegemonia do "neoliberalismo", ou, "neoclassicismo" como é designado

por autores como Boyer (2002) e Diebolt (1995), tratando-se, pois, do fim do que uma

1 55

Page 157: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

série de autores chamou de "a época dos grandes consensos", em que uma gestão

política e estatizante da economia levou a níveis de crescimento e de prosperidade sem

precedentes na história recente, os quais permitiram a folga económica e a estabil idade

social e política que estiveram na base da ideia e da prática contemporânea de Estado -

Providência.

Relacionando os aspectos políticos e económicos destas novas hegemonias

"neoliberais", elas traduzem-se pela crença de que, em Ciências Económicas, a forma

de gestão do sistema repousa num equi líbrio que se corrige automaticamente de cada

vez que se dá uma perturbação (Diebolt, 1 995, 1 3 ) o que, entre outras coisas, aponta

para uma forma de gestão predominantemente económica dos processos políticos, o

que, numa primeira fase pelo menos, visava sobretudo o enfraquecimento ou a mudança

de natureza do tipo de regulação até aí dominante, uma regulação dita "keynesiana", em

que as funções de coordenação política, económica e educacional eram exercidas

predominantemente através de políticas estatais.

Esta tendência para a mudança de regulador, do Estado para o "Mercado", depois de

uma fase militante dos anos setenta e oitenta, veio durante a década de noventa a

sedimentar-se e a evoluir, passando de uma ideia pura e dura que tendia a apresentar o

mercado como "regulador económico e político" praticamente exclusivo, para formas

mais consensuais que, não podendo apagar o passado, nuns casos, ou não podendo a ele

regressar, em outros, apresentavam o mercado como metáfora de funcionamento, dando

origem a mudanças profundas nas regulações sociais e económicas dominantes do pós -

guerra, mas mantendo, como é óbvio, a noção de Estado como um aparelho

fundamental nas sociedades contemporâneas. Quer conservadores, quer sociais

democratas se bateram no eio deste campo conceptual , tendo-se o consenso entretanto

estabelecido em torno da ideia de que não havia retrocesso no que dizia respeito ao fim

do Modo de Produção socialista, tudo o resto, com particular ênfase na gestão e

desenvolvimento da noção de "Estado - Providência", continuando a ser alvo de um

aceso debate.

No que diz respeito ao Estado - Providência, que nunca foi visto com os mesmo

atributos e funções segundo os projectos políticos dominantes e mesmo segundo as

tradições de sociedades com histórias sociais diferentes, em geral , sofrem com a crise

do "fordi smo", que tinha criado as condições de crescimento económico e estabi l idade

que possibi litaram a sua estabi l ização e enraizamento.

1 56

Page 158: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Assim, a crise em que durante anos os países-chave do Ocidente se encontraram, com

crescimentos dos seus Produtos Internos muito baixos ou negativos, o que impl icou

desemprego e inflação duráveis, a que se foram juntando mudanças de ordem

demográfica e fami l iar que sobrecarregaram os Estado de funções antes desempenhadas

pela famíl ia, o advento de processos de mundial ização da informação, da produção e da

respectiva mão-de-obra, dificultaram de sobremaneira a intervenção do Estado na

economia e na sociedade, criando uma conjuntura que colocou um seríssimo repto à

própria ideia de Estado - Providência.

Na verdade, as várias adaptações que esta "configuração societal" sofre, desde a

progressiva redução do alcance social da sua acção, típica dos Estados - Providência

chamados l iberais, até à tentativa de continuação da manutenção de sistemas universais

e igual itários que, para se manterem, exigem processos radicais de desregulação da

economia e altíssimas bases de tributação sobre os lucros, caso da versão actual dos

Estados - providência herdeiros da social - democracia nórdica, popularizados sob o

palavrão de "flexi-segurança", passando pelo impasse do "Modelo Social Europeu",

baseado nos chamados sistema continentais que tentam manter um grau de protecção

máximo e um grau de regulação económico e social elevado, mostra como se tornaram

difíceis os tempos para uma concepção de sociedade que, nas palavras de um dos

autores que mais a estudou, Gosta Esping-Andersen, tinha como objectivo, no pós

segunda Guerra, enfrentar de forma decisiva o problema da pobreza na Europa e

subsequentemente no Ocidente e no mundo.

Como parte de tal estratégia, sabemos que a educação, nas sociedades do pós - guerra,

teve um papel decisivo, deixando progressivamente de se ser encarada como um factor

de simples construção do Estado, da ordem social e pol ítica e de aperfeiçoamento do

capital humano estritamente l igado ao progresso da economia privada, para ser visto

como parte de uma estratégia compartilhada na democratização das sociedades, onde o

máximo de bem comum pudesse ser cruzado com o máximo de l iberdade individual ,

numa l i nha de porosidade social que implementasse vias de mobilidade ascendente .

O que aconteceu a partir da altura em que as formas de regulação social e políticas

keynesianas, que assumiram o Estado como o centro da educação, vieram a ser postas

em causa pelas novas hegemonias?

b) Desta forma, do ponto de vista da educação e da fi losofia dos S istemas Educativos,

as mudanças que se dão do período antes analisado para o que de momento nos ocupa

são ou parecem ser grandes.

1 57

Page 159: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Desde já, algo que parece ter mudado profundamente, ou encontrar-se em vias disso, é a

tradicional relação de intima l igação operativa entre o Estado e a educação, que se

começa a desenhar na segunda metade dos século XVII I , e que veio dar origem à noção

de Sistema Educativo, o qual, por sua vez, foi fundamental na construção do que

designamos por "Estado - nação".

A ideia que transparece das políticas educativas que se vão impondo na parte final do

século XX e que se reafirma neste começo do século XXI, é a de que partes

significativas dos S istemas Educativos devem ser devolvidas aos "utentes",

escorregando assim do controlo directo do Estado central . Os "utentes" são em primeiro

lugar os alunos e as farnilias, mas também as autarquias, as associações de escolas, as

associações de pais, regiões económicas e políticas, associações de professores,

empresas e associações empresariais, etc.

Por outras palavras, no que diz respeito ao papel que o Estado tradicionalmente exerce

nos S istemas Educativos, este parece vir a resvalar, progressivamente de um papel de

gestão directa do Sistema, para um papel de "monitorização", assumindo cada vez mais

as funções de mediador entre os vários interesses presentes no campo educativo, de

avaliador das performances das escolas e eventualmente dos professores, de garante da

existência de um "Sistema" e da sua qualidade, de financiador por inteiro das partes

básicas e estruturais da educação sem as quais não haverá nenhum "Sistema", e de

financiador selectivo das partes da educação que se revelem de interesse estratégico,

quer tal interesse estratégico seja visto em termos da competitividade social e

económica ou em termos de coesão social e política. Trata-se, pois, de um Estado que

em relação à educação, tende a fornecer o que é "básico", o que não é fáci l de

determinar, a garantir a existência e a credibi l ização de um "Sistema", complementando

a "sociedade civil", seja isso o que for, através da acção selectiva sobre partes do

S istema que estão fora do alcance da capacidade de acção dos cidadãos.

As razões para este "deslizar" do controlo directo dos Sistemas Educativos do Estado

para o que conforme as opiniões poderemos denominar de "sociedade civil" ou, de

forma mais crítica, de "periferias corporizantes" com uma forte componente social e de

"classe", é explicado através de uma série de argumentos que importa enumerar.

- O primeiro argumento é o que poderíamos chamar de "racional idade de gestão". Na

verdade, a dimensão que os S istemas Educativos dos nossos dias tomam, parece tornar

completamente impossível a ideia de que se pode gerir e controlar directamente uma

instituição que é uma das maiores e mais massificadas instituições das sociedades

1 58

Page 160: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

modernas . Assim, a tendência para o crescimento do "público educativo" através do

progressivo aumento dos anos de obrigatoriedade escolar, da faci l itação no acesso ao

Ensino Superior e da ideia de "educação durante a vida" que leva cada vez mais adulto

às escolas e instituições de Ensino, apesar das quebras demográfica dos países

ocidentais e do empobrecimento de parte das sociedades africanas, fez com que o

número de pessoas envolvidas na educação, como "cl ientes" ou como "agentes", não

tenha até agora, parado de aumentar. Admite-se que um mundo com este tipo de

dimensão ponha problemas de gestão inexistente há duas ou três décadas atrás.

- O segundo argumento é o do progressivo aumento nas últimas três décadas, da despesa

do Estado com o "sector social" de que o S istema Educativo faz parte, um sector

massificado como vimos na alínea anterior, e util izando tecnologias progressivamente

mais sofisticadas e portanto encarecidas de ano para ano. A aparente impossibi l idade de

continuação do financiamento directo por parte do Estado de toda esta "máquina

educativa" leva a que se crie espaço para a entrada do financiamento privado, através de

propinas, da privatização de partes do S istema, ou mesmo do financiamento paraestatal

(autarquias, por exemplo) no S istema Educativo.

- O terceiro argumento releva da predominância política e ideológica das formas de

pensamento l iberais que defendem o aprofundamento da Democracia participada como

forma de limitar o papel do Estado a questões cada vez mais restritas, abrindo-se assim

o espaço para um progressivo desenvolvimento de uma "sociedade civil" com maior

poder sobre muitas das decisões que durante o século XX re valaram para o domínio

das políticas públicas, "reprivatizando-as" nomeadamente, através do controlo directo

ou partilhado sobre as instituições que paga por meio de impostos . Seria esta "sociedade

civil" composta por sectores diferenciados, mas com interesses directos ou indirectos

nos Sistemas Educativos, que se perfilaria cada vez mais como uma força de controlo da

Educação.

V árias consequências poderão er tiradas desta reestruturação das relações entre o

Estado e a educação:

-A primeira destas consequências, consiste no facto de se tornar progressivamente mais

difícil um esboço de planificação sustentada de um sistema cujo controlo é partilhado

ou disputado por parceiros tão diversi ficados e com interesses por vezes tão

contraditórios como, por exemplo, as Associações de Estudantes, as Associações de

Pais , os Sindicatos de Professores, as Autarquias, ou as Associações Empresariai . Na

ausência de um "regu lad or forte" que condi c i one estes i n teresses, o papel da educação

1 59

Page 161: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

como factor determinante de uma estratégia de desenvolvimento nacional é

praticamente impossível , e esta é uma das rupturas principais com o papel que

tradicionalmente o Sistema Educativo toma durante o período anterior, dando origem a

desequilíbrios preocupantes no seio da tradicional tensão entre as lógicas colectivas ou

públ icas e as lógicas de desenvolvimento individual ou privadas, que desde sempre

caracterizaram a educação contemporânea. A ruptura deste equi l íbrio e a incapacidade

do Estado em agir como um regulador directo reflectem-se, por exemplo, na "lógica de

mercado" que caracteriza uma parte do sistema, onde a busca desesperada de "cl ientes"

leva à construção de cursos cuja projecção no futuro é no mínimo duvidosa. O problema

é patente numa parte do Ensino Superior, mas sê-Io-á também numa parte do Ensino

Profissional .

- Como segunda consequência desta reorganização das relações entre Estado e

educação, admite-se que a substituição de uma lógica estatal dominante na condução

das políticas educativas que predominou até aos finais do século XX, por lógicas plurais

e competitivas entre si que parecem estar a predominar no começo do século XXI,

acentue a heterogeneidade social dentro dos S istemas Educativos, com efeitos de

possível ampliação das diferenciações de ordem cultural , económica e social que estão

enraizados na sociedade.

Se se admite que a competição possa ser um factor importante de dinamismo e portanto

de progresso generalizado, é preciso não descurar a intervenção correctiva dentro de um

sistema cujo objectivo fundamental ainda aparece no imaginário público como sendo

decisivo na manutenção ou melhoria da coesão social . As políticas educativas actuais,

como referimos antes, parecem tender para uma dependência excessiva da coesão e grau

de desenvolvimento da chamada "sociedade civil" e têm frequentemente negligenciado

o papel que a maioria dos quadrantes ideológicos presentes no espectro da gestão

política corrente designam como sendo típico do Estado, ou seja o papel de interventor e

corrector dos desequilíbrios resultantes da processos rápidos de l iberal ização, na

economia, como na educação.

- Mas nem só a apreensão caracteriza a análi se do desenvolvimento pressentido das

relações que se têm estabelecido entre o campo da educação e o Estado.

Na verdade, as mudanças culturais que se foram dando de forma mais rápida umas que

outras, que criaram formas de socialização informal pouco consentâneas com o desenho

estrutural da instituição escolar, salientam a progressiva desarticulação entre as lógicas

de socialização primárias e endógenas características do meio próximo de onde vem a

1 60

Page 162: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

criança e as formas de socialização exógenas e formais características da cultura

escolar. Tal desarticulação reflecte-se numa crescente dificuldade de gestão de

comportamentos e de expectativas do cada vez mais numeroso público juvenil que

percorre durante mais tempo as escolas massificadas dos S istemas Educativos

tradicionais . Admite-se que o afastamento das relações de exclusividade nas relações

entre o Estado e a escola, e a abertura de espaço para entrada nesta relação, de mais

parceiros com mais ideias, mais imaginação e mais flexibi l idade, permita um começo de

descongestionamento de um mundo que deveria desinstitucionalizar-se nos l imites do

possível , desde que as funções de coesão e credibilização pudessem ser as eguradas de

forma estável pelo Estado, mesmo que à distância.

Os percursos de vida actuais, que potencializam a emergência de valores como a

diferença e a pluralidade, ganhariam com processos de supervisão mais "holísticos" e

desmassificados, em que as funções endógenas da socialização de base tivessem mais

espaço para se entrelaçarem com as funções simbólicas e cognitivamente complexas da

cultura escolar, um sonho de muitos pedagogos da transição do século XIX para o

século XX, sonho esse que continua a ser perseguido por pensadores e políticos da

educação dos nossos dias, como o demonstram a variedade de propostas de

reestruturação das relações entre a sociedade e a escola a que se tem assistido nos

últimos vinte anos.

A ideia de que a acção do Estado na educação como no resto é discutível e deve ser

discutida é um legado fundamental dos ú ltimos anos, uma prenda inesperada por parte

do "neoliberalismo", que obrigou os que lhe eram estranhos a terem de pensar sobre os

fundamentos do que durante anos defenderam de forma quase mecânica, e como tal ,

revelou-se fundan1ental para o reavivar da discussão política em torno do único

mecanismo de socialização de "espécie" verdadeiramente característico da

Modernidade, ou seja, os Sistemas Educativos contemporâneos.

1 6 1

Page 163: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

1 62

Page 164: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

• Apontamentos sobre o caso português numa perspectiva

comparada

Tentamos nesta parte do texto, e partindo das bases trabalhadas nos capítulos anteriores,

fornecer uma informação sistematizada e crítica sobre a interligação entre os processos

educativos, económicos e políticos que se foram desenrolando em Portugal durante os

séculos XIX e XX e que constituíram as bases sobre as quais se constru iu o país actual .

O objectivo principal sendo a explicação da situação educativa, assumimos, tal como o

tínhamos feito na primeira parte, que, não havendo necessariamente relações de causa -

efeito entre os desenvolvimentos político e económicos, por um lado e o

desenvolvimento da educação, por outro, existem no entanto correlações evidentes,

estando-se como se está no domínio de fenómenos que, guardando especificidades

próprias a cada sector, fazem parte da mesma constelação "social"ou sej a, fazem parte

de uma perspectiva unificada de gestão e de governo do país por parte do Estado e das

correntes políticas dominantes neste período de tempo e de si mesmo por parte dos

cidadãos que viveram esta época.

Começaremos por um esboço sobre os dados empíricos sobre que baseamos esta

sistematização do caso português.

O tipo de dados empíricos recolhidos e a sua articulação com o processo de

investigação

Um dos aspectos decisivos no desenvolvimento das Ciências Sociai s no último século

foi constituído pela possibilidade de proporcionar às sociedades contemporânea um

olhar para dentro de si próprias através da comparação com o que se passava em outras

sociedades. Esta atitude, que é o apanágio da curiosidade metodologicamente

discipl inada que fundamenta a "ciência", foi- e tornando gradualmente mais verosímil

graças aos acordos de normalização das l inguagens de "medição" que, entre outros

aspectos, deu origem a uma "estatística normalizada" que permitiu os Censos

Populacionais modernos e parecia reflectir um ambiente que acelerou a construção de

um sistema político internacional, primeiro através da Sociedade das Nações, e de

seguida, através das instituições internacionais actuais que foram fundamentais na

travagem do belicismo latente da Guerra Fria. Em Portugal, a súbita queda de um

regime que cada vez tinha mais dificuldades em manter uma guerra colonial assente no

isolamento internacional , a que se segue o projecto de adesão à União Europeia vai

intensificar a inserção de Portugal num mundo cada vez mais cosmopolita, mas onde a

1 63

Page 165: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

comparação é fundamental para o conheci mento próprio. A ideia de que o

conhecimento de si próprio se fazia baseada numa introspecção fechada sobre o "Estado

- nação", cedia à ideia de que são os múltiplos olhares, de dentro e de fora, que nos

podem aproximar do objecto que cientificamente se pretende construir.

Dados comparativos: a inserção do caso português num contexto mais geral

Assim, a primeira preocupação que tivemos, foi a de recolher dados uti lizados por

investigadores que, de fora, inserissem o caso português na i lustração dos processos de

alfabetização e de escolarização que tiveram lugar no Ocidente, do século XVI ao

século XX.

Duas questões aqu i e mostravam fundamentai s : a primeira era mostrar como as taxas

de alfabetização portuguesas eram anormalmente baixas numa óptica comparativa, o

que justificava a nossa opção de estudar o desenvolvimento educativo português; a

segunda consistia na tentativa de demonstrar como os números, provenientes de fontes

muito diversificadas, desde inquéritos à emigração para as Américas, passando por

inquéritos às habil itações da mão-de-obra estrangeira nos principais países de recepção

de imigrantes, ou por estimativas baseadas em Censos, eram consistentes nas dimensões

de i letrismo que sugeriam para Portugal , dimensões essas que se tornavam mais nítidas

por e tratar de estudos, em que, além do mais , Portugal não ocupava nenhum tipo de

relevo nas preocupações científicas dos autores que dirigiam ou mobil izavam os dados

para tais estudos.

Tratámos pois de reUOlr dados sobre alfabetização nos séculos X IX e XX que se

destinavam a mostrar a verosimilhança das hipóteses que íamos sugerindo à medida que

nos debruçávamos sobre o caso português e que afirmavam a ultra periferia portuguesa

no que diz respeito ao atraso na passagem de formas de funcionamento social , pol ítico e

económico imersos em culturas predominantemente orais, para formas de

funcionamento social, "modernas", baseadas na escrita.

Dados I nstitucionais - A Estatística e os Censos Populacionais dos séculos XIX e

XX

Mas este primeiro tipo de dados não podia senão começar por justificar a razão da nossa

opção de estudarmos os processos de alfabetização em Portugal e pouco mais, tratando­

se de dados obtidos a partir de fontes a que não conseguíamos ter acesso directo. O que

nos parecia fundamental para aprofundarmos tal estudo era a criação de condições que

nos permitissem procedermos a uma anál ise organizada de dados e fontes originais que

no pudessem elucidar em relação às maneiras como se deu em Portugal a transição da

1 64

Page 166: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

preponderância dos modos de vida baseados na cultura oral sobre os modos vida

a sentes na escrita. Um projecto acolhido pelo então Instituto Histórico da Educação

forneceu-nos os meios que nos permitiu constituir uma equipa de investigação que teve

como tarefa o estudo e organização das fontes estatísticas que durante o século XIX,

mas sobretudo durante o século XX, escrutinaram vários aspectos da vida demográfica,

social, económica e também educativa de Portugal .

Assim, além de organizarmos e tornarmos disponíveis os dados e informações sobre um

vasto acervo estatí tico que cobre o terceiro terço do século XIX e todo o século XX

português, concentrámo-nos sobretudo no estudo dos Censos Populacionais portugueses

que têm o seu primeiro exemplar "moderno" publicado em 1 868, tendo por alvo o ano

de 1 864, e tentámos perceber como, desde esse ano, até ao últ imo Censo do século XX,

o referente ao ano de 1 99 1 , foram sendo disponibil izados e organizados os dados

referentes às capacidades de leitura e escrita dos portugueses e das portuguesas.

Preocupámo-nos sobretudo, em analisar de forma crítica os processos de construção das

categorias classificativas que integravam ou excluíam um indivíduo da "classe dos

letrados", em estudar os Censos um por um, como produtos de determinadas

conjunturas específicas, em tentar determinar até que ponto tais conjunturas tinham

efe ito no produto final e em alinhar, por classe de idade e por género, os números e

percentagens que se referiam à "alfabetização" dos portugueses de finais do século XIX

a finais do século XX, disponibil izando-os de seguida, de forma a tornar a sua leitura

sequencial mais fáci l e cientificamente elucidativa (Candeias et aI. 2004 b) .

Ou seja, os números, dispostos em determinadas sequências e observados à luz de uma

grelha teórica desenhada na primeira parte deste l i vro, "falavam", dando assim origem à

profunda diferenciação que nos sentimos forçados a fazer entre os processos de

"alfabetização" e os processos de "escolarização", que antes desenvolvemos e que são,

na nossa opinião, uma das marcas das fronteiras que durante os século X IX e XX se

foram esbatendo e que separavam as sociedades antigas em desagregação e as

sociedades modernas em construção.

Dados de outra ordem: escola, trabalho e lazer, "avós" e "netos", homens e

mulheres em contextos rurais e urbanos durante o século X X - estudos de caso

Desde cedo no percurso deste processo sentimos ser necessário recorrer a outro t ipo de

estudos de forma a podermos recolher outro tipo de dados, pelo que, de meados da

década de noventa até aos primeiros anos deste século, desenvolvemos uma linha de

pesquisa que v i sava o estudo, em l oc ais escolhidos, de processos de alfabetização e de

1 65

Page 167: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

escolarização e das suas relações com o trabalho e com os modos de vida, num período

de tempo relativamente longo, que no caso acabou por cobrir cerca de quatro gerações

de portugueses e de portuguesas.

Pretendíamos com estes estudos ter uma abordagem mais "global", mas ao mesmo

tempo mais "íntima", do que significava o termo "Modernidade" quando associado às

vidas das pessoas e o papel desempenhado por questões como a alfabetização, a escola,

o trabalho e o lazer nesse longo processo, uma abordagem que nos permitisse ampliar a

compreensão do que os Censos sugeriam, introduzindo de forma mais ou menos

ordenada, três variáveis que considerávamos fundamentais neste estudo sobre os

caminhos da alfabetização e da escolarização em Portugal, e que eram o tempo, em

termos de "tempo histórico", o género e o contexto geográfico.

Assim, seleccionámos, em quatro localidades portuguesas, amostras populacionais

compostas por vinte "avós", dez do sexo masculino e dez do sexo feminino, e por vinte

"netos", dez do sexo masculino e dez do sexo feminino, ou seja, pessoas que, no

primeiro caso, t ivessem nascido entre o princípio da década de vinte e meados da

década seguinte do século XX, e crianças que, no segundo caso, tivessem nascido em

meados da década de oitenta do mesmo século, e que, na altura em que os estudos foram

lançados, de 1 995 a 2000, teriam idades compreendidas entre os oito e os dez anos de

vida. Tratando-se de "pessoas do povo", o estatuto sacio-económico da amostra foi

controlado através das habil itações, no grupo dos "avós", e do tipo de escolas

frequentadas, no grupo dos "netos". Não se tratava de verdadeiros "avós" e "netos"

devido à dificuldade que houve em os juntar, mas sim de gerações que poderiam tê-lo

sido, e todos teriam de ter passado a infância, aqu i considerada até à idade teórica do

final da antiga escola primária, na localidade escolhida. Os estudos foram lançados na

freguesia do Beco, Concelho de Ferreira do Zêzere (Candeias, 200 1 ; S imões, 1 998;

Candeias e S imões, 1 999); na freguesia do Coimbrão, Concelho de Leiria (Vareiro,

2000); nas freguesias da Graça e Santa Engrácia, Concelho de Lisboa (Bom, 2000) e na

freguesia do Seixal, Concelho do Seixal (Valentim, 2002). A escolha é óbvia: dois

destes Concelhos mantiveram, durante todo o século XX, caracterí ticas marcadamente

rurais ao contrário dos outros dois, que, no mesmo espaço de tempo, se mantiveram

com características marcadamente urbanas.

Tentámos perceber várias coisas através deste processo. A pnmeIra de entre e las

centrava-se na compreensão das relações entre o trabalho, o lazer e a escola nas

gerações de "avós" e de "netos", para o que, no caso dos "avós", recorremos a

1 66

Page 168: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

"reconstituições" de quotidianos através de entrevistas sobre "dias tipo", e nos casos dos

"netos", com a cumplicidade dos pais e dos professores, recorremos à elaboração de

"diários" e de "redacções" sobre o "dia-a-dia" por parte das crianças, a partir das quais

estas eram depois que tionadas, conseguindo assim, de forma aproximada, a

"reconstrução" de "quotidianos tipo" para as duas gerações. A hipótese confirmada era

que, no grupo dos "avós", a escola era apenas uma das actividades que preenchia o

quotidiano das crianças, sendo o trabalho produtivo encarado como "trabalho

sistemático", a actividade preponderante em relação à qual as outras actividades como a

escola e o "brincar", se subordinavam, havendo, nos dias "típicos" dos avós, muito

pouco de cada uma destas coisas que hoje achamos normal . Isto era mais verdade nos

casos rurais do que nos casos urbanos em que até à idade de obtenção da quarta classe

as crianças eram relativamente poupadas, mas poder-se-ia dizer que o "trabalho

si temático infantil", coexistindo j á com a escola, constituía, até perto da primeira

metade do século XX, o padrão de socialização infantil em relação ao qual os desvios

podiam ser medidos.

A segunda grande questão prendia-se em torno das diferenças de tipologias de vida e,

portanto, também de alfabetização e de escolaridade entre géneros, quer no que dizia

respeito às relações escola, lazer e trabalho, quer no que dizia respeito a algo que

esperávamos encontrar de forma veemente, ou seja, diferenças significativas nos

padrões de alfabetização entre "avós - homens" e "avós - mulheres". Na verdade, a

geração dos "avós", apesar de o "trabalho sistemático" ser algo de comum quer a

meninos quer a meninas, faz parte de uma geração com relativamente poucos

analfabetos, como os Censos o mostram. As grandes diferenças que encontraremos

entre os homens e as mulheres da geração dos "avós", e sobretudo no campo, centrar-se­

ão nos percursos de vida "profissional", em que os homens desta geração começam a

deixar a terra emigrando para as cidades em busca de ofícios mais lucrativos, deixando

mulheres e filhos "para trás", encarregues da exploração agrícola que funcionará cada

vez mais como um melO complementar de subsistência familiar. Neste contexto, é

comum depararmos com "avós - homens" que compensam em adul tos a pouca

instrução que tiveram na infância, o que é muito raro nas "avós - mulheres", algumas

chegando mesmo a perder as competências de leitura e de escrita que adquiriram na

escola. Em meios urbanos a diferença de estatutos profi ssionais entre homens e

mulheres da geração dos "avós" é bastante atenuada em relação ao meio rural e os

percursos de aqui sição e de reforço de competências escolares durante a idade adulta

1 67

Page 169: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

serão bastante mais general izados do que nos meios rurais e repartir-se-ão de forma

mais equi l ibrada entre os géneros.

Para encontramos verdadeiras diferenças nos padrões de alfabetização e de escolaridade

entre homens e mulheres, teremos de reconstituir os percursos de escola dos pais dos

"avós", ou seja, os "bisavós", pessoas nascidas entre a ú lt ima década do século XIX e a

primeira do século XX. Nesta geração encontraremos formas de l igação à "cultura

letrada" que, sem grande esforço, poderíamos classificar como "pré - modernos", ou

seja, uma alfabetização relativamente escassa se comparada com a geração posterior,

com fortes l inhas de ruptura segundo o sexo e segundo o contexto geográfico, assim

como o testemunho de urna larga paleta de formas de acesso às letras, em que a escola,

frequentada na infância aparecia em pé de igualdade com outras maneiras bastante

menos formais e codificadas de acesso à leitura e à escrita. No entanto, e tal como nos

casos anteriores, mais urna vez se devem notar as diferenças entre a cidade e o campo,

sobretudo no que diz respeito a Lisboa, onde o processo de escolarização estava mais

adiantado.

A terceira grande questão foi a constatação de como o mundo que acabámos de

descrever era desconhecido para as crianças que constituíam a amostra dos "netos", uma

geração em que a escola era algo de "normalizado" e que, mesmo nas bolsas rurais onde

nos finais do século XX ainda se trabalhava, era a escola e já não o trabalho, que era

encarada como a questão nuclear em torno do qual o quotidianos se organizavam.

Três gerações que i lustraram o que os Censos nos diziam, ou seja, que apesar de os

processos de passagem terem sido muito lentos, e como à frente veremos, extremamente

tardios em relação ao Ocidente, o arco percorrido por estas três gerações portuguesas,

cobre um tempo que vai da nítida "pré-modernidade" em termos pelo menos educativos,

i lustrada pela geração dos "bisavós", para uma época de fraca, titubeante mas j á

relativamente firme escolarização, na época dos "avós", até um tempo em que a infância

não parece ter sentido sem a escola, ou sej a, a geração dos "netos".

Estas foram as questões que, quer como pontos de partida, interrogações ou estratégias

de pesquisa, estiveram na base do nosso trabalho sobre os processos de passagem, em

Portugal, de uma sociedade baseada numa cultura oral, típica das estruturas sociais

tradicionais, para uma sociedade baseada numa cultura escrita associada à

"Modernidade". Relacionando-se frontalmente com questões de ordem "educativa",

evitou-se recorrer às narrativas "históricas", "políticas" e "económicas" que tanto

saturaram o tempo que viu nascer o começo deste processo de investigação, mas só até

1 68

Page 170: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

determinado ponto: na verdade foi sempre claro para nós que a educação, como temos

amplamente demonstrado no decorrer deste texto, não constitui um factor autónomo nas

formações sociais e históricas humanas.

Assim, não pudemos evitar o trabalho sobre o contexto da época em que a nossa

narrativa se desenvolvia e mais do que estabelecer relações de causa e efe ito entre tal

contexto constituído pelo desenvolvimento económico, social e polít ico português e o

problema que nos tem mobil izado, interessava-nos sobretudo constru ir um espaço

aberto em que "educação" e "modernização" dialogassem.

Neste esforço de contextualização da época por nós estudada, ou seja, os séculos XIX e

XX, com preponderância para este último, estudámos algumas variáveis que achámos

pertinentes e acabámos por nos fixar sobretudo em duas delas : por um lado, no que

respeita às questões económicas, centrámo-nos em estudos sobre a evolução comparada

da riqueza medida por indicadores específicos em Portugal , na Europa e no Ocidente, e

por outro, no que respeita às questões de história política, centrámo-nos em estudos

sobre desenvolvimento comparado, entre Portugal e o Ocidente, das formas de

legitimação política modernas.

A história política e económica que amparou este estudo

Como dissemos antes, evitámos o tipo de enquadramento político e económico que

caracterizava os estudos que tinham por objecto o período contemporâneo em Portugal,

porque, com raras excepções, assumiam, até princípios da década de oitenta do século

passado, o país como algo de único na Europa e no mundo, o que, além de testemunhar

a fase inicial de elaboração em que se encontravam, ainda deixavam no eu rastro

alguns restos de mil itâncias partidárias que dificultavam a percepção do lugar ocupado

pela sociedade portuguesa no contexto da história da Europa, do Ocidente e do mundo.

No caso da economia, acrescentava-se um outro problema, constituído pelo

desequi líbrio latente entre uma história da economia tremendamente "econométrica" e

muito pouco acessível a quem não fo se do ramo, ou seja, estudos muito especial izados

difíceis de entender para quem não era especialista, e uma história económica muito

generalista e vaga, frequentemente e ivada de ideologia, recorrendo a muito poucos

dados e indicadores empíricos que hoje são de uso frequente e vulgarizado.

No que diz respeito à história política, se as queixas em relação às infi ltrações

ideológicas já estão registadas, falta-nos realçar a ausência, na altura, de estudos que

fossem capazes, também, de mobil izar dados empíricos que nos permitissem estudar

aspecto específicos mas signifi cati vos da história pol ítica contemporânea, como por

1 69

Page 171: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

exemplo, e entre muitos outros casos do género, as flutuações do corpus de cidadãos a

quem a partir de meados do século X IX era permitido votar, constituindo-se assim no

corpo "regulador" e, sobretudo, legitimador do poder político, o que não era caso de

somenos importância.

Duas "Histórias de Portugal", a Nova História de Portugal coordenada e dirigida por

Joel Serrão e por A. H . Ol iveira Marques, lançada nos finais dos anos oitenta do século

XX e a História de Portugal dirigida por José Mattoso e lançada nos princípios da

década de noventa do mesmo século, ou ainda iniciativas como o Dicionário de

História do Estado Novo lançado em meados da década de noventa por José Maria

Brandão de Brito e por Fernando Rosas, assim como o notável trabalho de renovação e

actualização do Dicionário de História de Portugal coordenado por António Barreto e

Maria Fi lomena Mónica, entre outros trabalhos, começaram a sistematizar e a organizar

o muito que existia de novo na produção historiográfica e que se encontrava disperso

por artigos científicos e teses de mestrado e de doutoramento. Tal renovação da história

de Portugal na década de noventa permitiu a emersão de uma série de autores que, no

tocante ao período que nos interessava, o período contemporâneo, se situavam numa

fronteira pouco definida entre a História e a Ciência Política, casos de, entre outros,

Hermínio Martins, Pedro Tavares de Almeida, António Costa Pinto, Nuno Severiano

Teixeira, Rui Ramos e Fernando Farelo Lopes . Estes autores, inauguraram um tipo de

produção que poderíamos considerar como sendo mais influenciado por uma visão

aberta e "liberal" no sentido ideológico do termo. Trata-se de um tipo de trabalho mais

interpretativo que tem de recorrer a mais trabalho empírico, a mais comparação com

dados e fontes de outras origens, a estudo de séries relativamente longas, que

acrescentaram à história clássica, factual , baseada em documentos, temporalmente

ordenada e fundamental na estruturação de uma narrativa, uma história mais

problematizada, mais empírica, que frequentemente se constrói sobre "a outra" história,

mas que, pelo tipo de metodologia a que recorre, das fontes que util iza, dos dados

empíricos que mobiliza e até pelo período de que se ocupa, se mistura muito com a

Ciência Política e a Sociologia.

Foi com base nesta história, que, sem dispensarmos a outra, conseguimos construir um

enquadramento da evolução política portuguesa que funcionou como aconchego à

história da implementação dos mecanismos modernos de educação em Portugal.

O caminho percorrido pela hi tória económica, é similar, embora mais especial izado e

menos aberto do que o referente à história política, mas autores como Jaime Reis, David

1 70

Page 172: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Justino, Jorge Pedreira, Nuno Valério, Eugénia Mata, Álvaro Ferreira da Si lva, Luciano

Amaral, Ana Bela Nunes, Pedro Lains entre outros, têm constituído obras fundamentai ,

entre as quai s se deve destacar a História Económica de Portugal, 1 700-2000 editada

em três volumes a partir de 2004, que nos permitiram uma reconstrução detalhada de

alguns dos aspectos maIS importantes da história da economia portuguesa

contemporânea, numa óptica comparativa, que, tal como no que respeita aos aspectos

que seleccionámos da história política, nos permitiram uma aproximação que cremos

inovadora aos problemas do de envolvimento educativo português dos séculos X IX e

XX.

Não quisemos refazer a história política e económica portuguesa dos séculos X IX e XX,

embora, e como antes deixámos escrito, ela nos seja famil iar. O que nos interessou nesta

incursão pelo período contemporâneo português foi , em primeiro lugar, seleccionar

indicadores de ordem política e económica, consensualmente entendidos como

constitutivos do conceito de Modernidade, acerca dos quais tivéssemos informação para

um período de tempo relativamente longo, e estudar a ua evolução durante os séculos

X IX e sobretudo no século XX. Em segundo lugar, parecia-nos fundamental que tais

indicadores pudessem ser cotejados e comparados com os seus homólogos de países

europeus e ocidentais, de forma a podermos ter elementos de trabalho que apoiassem o

que estávamos a fazer no campo educativo.

Os índices que seleccionámos, foram, no campo da economia, os Produtos Nacionais

Brutos per capita, e os Produtos Internos Brutos per capita relativos aos séculos X IX e

XX portugueses, e no campo da história política, a evolução dos "corpos eleitorais"

portugueses dos finais do século XIX aos anos setenta do século XX, e de seguida

aferimos os caminhos perconidos pelos regimes políticos em Portugal durante os

séculos XIX e XX, às tipologias políticas dominantes no mesmo período de tempo, no

Ocidente.

As fontes de que nos servimos para estes estudos são indirectas, à excepção de alguns

cálculos que levámos a efeito com base nos Censos Populacionais. Para o PNB e PIB

pOltuguês durante os séculos XIX e XX, servimo-nos de um estudo de David Landes

publ icado em 200 1 , em que o autor apresenta estimativas da evolução do PNB per

capita de uma série de países, entre os quais Portugal , entre os anos de 1 830 e 1 970.

São estimativas baseadas em obras do historiador da economia Paul Bairoch, que não

sendo consensuais, são, de certa forma confirmadas nas suas tendências pelo menos, por

cálculos si milares apresentados por Dav i d Ju tino (Justino, 1 98 8 ; 1 989) O mesmo se

1 7 1

Page 173: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

passando com as estimativas, que, baseadas em Angus Maddisson são avançados por

Luciano Amaral (2002, pp. 70-75) . Aval iações da evolução do PIB per capita português

durante o século XX, em comparação com a Europa, mais actualizadas que os estudos

que mencionámos, podem ser encontradas em Fernando Rosas (Rosas, 1 994, 473)

baseado em estudos de Ana Bela Nunes, Luciano Amaral , (Amaral 2002) e Pedro Lains

(Lains, 2005) , entre muitos outros autores que e ocuparam especificamente do assunto.

Outras fontes que considerámos interessantes e pertinentes sobre a evolução comparada

dos PNB e do PIB per capita numa óptica comparativa, são os estudos da OCDE, da

União Europeia, os relatórios que, sob o título de L 'état du monde, e ultimamente

coordenado por Béatrice Didiot e Serge Cordel l ier, são publ icados pela editora francesa

La Découverte há mais de vinte anos, assim como os dados apresentados pelos

relatórios do Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento, ambos tendo a

vantagem de serem anuais , e relat ivos a todos os paí e do mundo.

Gostaríamos também de acrescentar um outro campo que, a meio caminho entre a

lógica económica e a lógica política apenas entreabrimos neste trabalho, mas que à

semelhança do que se passa noutras sociedades, cremos que se tornará num campo

fundamental das ciências sociais em Portugal , e que diz respeito ao estudo sobre as

formas como se desenvolveu o "Estado - Providência" neste país .

Suspeitamos que se trata de um assunto ainda pouco trabalhado e para a pequena

entrada a que procedemos foram fundamentais, entre outros, os trabalhos de Juan

Mozzicafreddo (Mozzicafreddo, 1 992, 1 997), Henrique Medina Carreira (Carreira,

1 996), José Luís Cardoso e Maria Manuela Rocha (Cardoso e Rocha, 2003) e de Ana

Guillén, Santiago Álvarez e Pedro Adão e S i lva (Guil lén et. ai. , 2005)

No que diz respeito ao estudo sobre a evolução das formas de legitimação política

modernas em Portugal e a sua evolução em termos comparativos, foram fundamentais

os estudos de Pedro Tavares de Almeida sobre as eleições do final do século em

Portugal e sobre as l inhagens políticas do Portugal contemporâneo (Almeida, 1 99 1 ;

2003); de Fernando Farelo Lopes sobre as eleições na Primeira República (Lopes,

1 993), e para este período, as obras de A .H . Oliveira Marques e Vasco Pul ido Valente,

que partindo de perspectiva diferentes, nos fornecem, sobretudo o primeiro, não só

dados fiáveis sobre a época, como, sobretudo o segundo, um olhar moderno sobre este

regime, que muito contribuiu para que, posteriormente, lhe fosse retirado o manto que,

numa lógica de combate cultural e político ao Estado Novo, lhe foi colocado por quem

se opôs à ditadura salazarista. Para o período do Estado Novo foi fundamental a obra de

1 72

Page 174: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Fernando Rosas como um todo, e gostaríamos de destacar uma entrada no Dicionário

de História do Estado Novo da autoria de J .M.Quintas, sobre as eleições para a então

designada Assembleia Nacional (Quintas, 1 996). Para o período pós 25 de Abri l , os

dados referentes às eleiçõe portuguesas encontram-se acessíveis de uma forma bastante

completa e competente no sítio da Comissão Nacional de Eleições, disponível em

http://e leicoes.cne.ptl .

Finalmente, como fonte de informação sobre eleições nos países europeus e ocidentai ,

critérios de medida da "democraticidade" de tais eleições, relações entre tipos de eleição

e tipologias políticas durante os séculos X IX e XX, entre outros assuntos, socorremo­

nos de duas excelente obras, o utilíssimo International Encyclopedia of Elections,

coordenado por Richard Rose (Rose, 2000a) e o enciclopédico Dictionnaire du Vote

organizado por Pascal Perrineau e Dominique Reynié, (Perrineau e Reynié, 200 1 ) .

Estas são algumas das referências que consideramos de enunciação primordial nesta

parte do trabalho, que além de procurar enquadrar, com índices económicos e políticos,

o desenvolvimento das formas de educação formal modernas e massificadas em

Portugal, procura mostrar como se trata aqui de indicadores interrelacionado , nem

sempre de forma óbvia e directa, mas realçando como são cada vez mais difíceis os

trabalhos sobre objectos científicos fechados.

De seguida, passaremos a enunciar, de forma breve e resumida, alguns dos re ultados do

trabalho que apresentámos nos capítulos anteriores.

Alguns dados sobre o lugar de Portugal nos processos de alfabetização e

escolarização Ocidentais nos séculos XIX e XX

Mesmo tendo em conta a fragil idade dos dados sobre a alfabetização, a escolarização e

o seu significado no século X IX e primeiro quarto do século XX, estes apontam, em

geral para as tendências seguintes :

a) As sociedades com uma influência forte do protestantismo são em geral , nos finais

do século X IX, mais alfabetizadas do que aquelas em que a rel igiões catól ica e/ou

ortodoxa predominam;

b) As sociedades mais dinâmicas do ponto de vista económico, com processos fortes de

industrialização, ou situadas em orlas próximas de tais processos, são em meados e

finais do século XIX, também elas mais alfabetizadas do que aquelas em que

predominam ainda as estruturas sociais, políticas e económicas tradicionais ;

1 73

Page 175: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

c) Do ponto de vista geográfico, o "núcleo duro" da alfabetização europeia encontra-se

no Norte e Centro-Norte da Europa, sendo o Sul e os extremos Leste e Oeste europeus

menos alfabetizados do que este "núcleo duro";

d) Parece existir uma tendência que sobrepõe factores rel igiosos, económicos e

geográficos com alfabetização, o que, apesar de todos os cuidados a ter com

generalizações, sugere uma relação entre estes factores combinados e o crescimento da

alfabetização e da escolarização;

e) Havendo excepções, deve-se apontar, no entanto, que regra geral , sociedades com

graus de alfabetização mais intensos, tendem a escolarizar-se mais cedo do que aquelas

em que a penetração da cultura escrita é mais débi l , e isto independentemente das

legislações nacionais sobre educação;

1) Apesar de estas tendências se prolongarem no tempo, o século XX vai assistir a

casos de sucesso de alfabetização que quebram em parte estas tendências antes

assinaladas, e que se devem a factores políticos e económicos muito dependentes de

opções de Estado, caso entre outros de uma parte dos países dos Balcã , dos regimes

que em 1 9 1 8 e em 1 945 se tornam socialistas, e também de algumas sociedades do

Centro-Su l da Europa, como se poderá constatar, á frente neste texto, no quadro 1 7 ;

g) O caso português é, durante mais de um século, segundo todos os dados disponívei s

quer se tratem de dados de origem nacional ou externa, um caso singu lar de dupla

periferia no contexto europeu : periferia face ao "núcleo duro" da alfabetização, e no

decorrer do nosso século, periferia face aos l imites Sul , Leste e Oeste que

historicamente foram menos impregnados pela cultura escrita.

Mesmo realçando todos os cuidados com que estes dados devem ser tratado por via da

sua fragil idade, o quadro que se segue, publicado numa obra clássica referente aos

estudos sobre a alfabetização no Ocidente da autoria de H arvey Graff e baseado em

Johansson, i lustra com alguma exactidão a tendência que apontámos.

1 74

Page 176: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 1 7- Cálculo da alfabetização na Europa e ntre 1 850 e 1 950, a partir de

Censos, taxas de alfabetização de recrutas e condenados, e de assentos

matri monia is

1 850 1 900 1 950

Países Nórdicos, 95% aprox.98% aprox.98%

Alemanha, Escócia,

Holanda e S u íça

I nglaterra e País de 70% aprox.88% aprox.98%

Gales

França, Bélgica e I rlanda 55% 80% aprox.98%

Austria e Hungria 35% 70% aprox.98%

Espanha, Itália e Polónia 25% aproxAO% aprox.80%

Rússia, Balcãs e aprox. 1 5% aprox.25% URSS aprox.90%;

Portugal Bulgária e Roménia-

80%;

G récia e Yugoslávia

aprox.75%;

Portugal-

aprox.55%

Fonte: Johansson, citado por Graff, 1 991 , 375 .

Um exemplo interessante do papel de Portugal neste quadro encontra-se na própria

maneira como Harvey Graff organiza e comenta as taxas de alfabetização aqui

presentes. Assim, os seus resultados são agrupados por países de acordo com a sua

situação geográfica, religião e grau de alfabetização, sendo categorizados da seguinte

forma: "Europa do Norte Protestante", correspondendo aos "países nórdicos" do quadro

1 7 ; "Europa Ocidental", um grupo que junta a Inglaterra, País de Gales, França, Bélgica

e Irlanda; a "Europa Católica do Sul e Centro", englobando países como a Áustria­

Hungria, a Áustria, a Hungria, a Espanha, a Itál ia e a Polónia, e finalmente a "Europa

Ortodoxa de Leste e Sudeste e Portugal", que agrupa a Rússia, os Estados Balcânicos e

Portugal . (Graff, 1 99 1 , 378) .

Esta categorização mostra que, no que respeita à implantação da forma de cultura

predominante da modernidade, a cultura escrita, Portugal é, desde meados do século

X IX, separado do espaço geográfico e cultural de que faz naturalmente parte, tornando­

se numa periferia da periferia, e tal comportamento agrava-se durante o século XX,

quando o país se torna ele próprio numa tendência, ou seja, evidencia um atraso tal que

não é "agrupável" com outros países europeus .

Mas outros dados provenientes de fontes diferentes confirmam esta periferização

portuguesa.

1 75

Page 177: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Numa altura, na transição do século XIX para o século XX, em que os fluxos

migratórios para os Estados Unidos deixavam de ter a sua predominância nos países

anglo-saxónicos e protestantes da Europa, o sul católico e o leste j udeu e ortodoxo

encontrando-se cada vez mais representados nos imigrantes que aportavam a Nova

Iorque, surge um debate promovido por "cientistas" e por sectores da administração

norte americana sobre a "qualidade" da nova emigração (Cipolla, 1 969, 97- 1 0 1 ), com

ampla repercussão pública. No contexto desta discussão e de uma forma mais l ivre do

que nos dias de hoje, surgem um sem número de estudos que relacionam "raça" com

atraso social , cognitivo e também literácito. O quadro seguinte i lustra um exemplo dos

resultados de tais estudos :

1 76

Page 178: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 1 8 - Alfabetização dos adultos de sexo masc u l i no nascidos no

estrangeiro, trabalhando na Indústria e M i nas em 1 909 ( E U A)

Popu lação % de alfabetos

Grupo Étnico Recenseada

Arménios 594 92. 1

Boémios e Morávios 1 .353 96.8

Búlgaros 403 78.2

Canadianos francófonos 8. 1 64 84. 1

Canadianos outros 1 .323 99.0

Croatas 4.890 70.7

D inamarq ueses 377 99.2

Holandeses 1 .026 97.9

I n gleses 9.408 98.9

Fin landeses 3.334 99. 1

Flamengos 1 25 92. 1

Franceses 896 94. 3

Alemães 1 1 .380 98.0

G regos 4. 1 54 84.2

Hebreus, Rússia 3. 1 77 93.3

Hebreus outros 1 . 1 58 92.8

I rlandeses 7. 596 96.0

Italianos, Norte 5.343 85.0

Italianos, Sul 7.821 69.3

Lituanos 4.661 78.5

Macedónios 479 69.4

Magiares 5.331 90.9

Noruegueses 420 99.7

Polacos 24.223 80. 1

Portugueses 3.1 25 47.8

Romenos 1 . 026 83.3

Russos 3.31 1 74.6

R uténios 385 65.9

Escoceses 1 .7 1 1 99.6

Sérvios 1 .0 1 6 7 1 . 5

Eslovacos 1 0.775 84.5

Eslovenos 2.334 87.3

Suecos 3.984 99.8

S írios 8 1 2 75. 1

Turcos 240 56.5

Fonte: G raff, 1 991 , 367.

1 77

Page 179: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Dos perto de 1 32 .000 "trabalhadores estrangeiros" aqu i recenseados, os qUaiS se

distribuem por 35 grupos l inguísticos e/ou nacionais, podemos constatar, nesta altura j á

sem grande espanto que os portugueses, são os menos letrados, numa definição de

alfabetização bastante lata, que se traduzia pela capacidade de ler em qualquer idioma

(Graff, 1 99 1 , 367) .

Como nos mostra Carlo Cipolla, a relação entre as capacidades alfabéticas destes

grupos étnicos e as taxas de alfabetização dos seus respectivos países não era directa, o

que parece sugerir fluxos de emigração diferenciados quanto à sua origem social, de

país para país e segundo a época e a conjuntura específica que enquadrava cada surto de

emigração. No entanto, esta tendência, a de uma emigração portuguesa muito pouco

alfabetizada por comparação com os seus congéneres de outras paItes da Europa,

parece ter raízes fortes : nos números que este autor nos fornece, extraídos do rol de

inquéritos das autoridades alfandegárias dos EUA referentes aos anos de 1 895, 1 897 e

1 898, as percentagens de portugueses com mais de dez anos que não sabem ler nem

escrever são de longe as mais altas de entre todos os outros emigrantes, c ifrando-se nos

62%, 57% e 6 1 % para cada um dos respectivos anos (Cipol la, 1 969, 98) .

Como o próximo quadro nos mostra, as taxas de analfabetismo são acompanhadas de

perto, embora não se sobreponham, pelas taxas de escolarização das crianças em idades

escol ai·.

Yasemin Soysal e David Strang, num artigo publ icado em 1 989 em que procuram

analisar alguns aspectos da construção dos Sistemas Educativos na Europa do século

X IX, com especial incidência nas relações entre a imposição, por parte dos Estados, de

leis de obrigatoriedade escolar e o efectivo cumprimento de tais leis, chegam a estes

números:

1 7 8

Page 180: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 1 9 - Data de i ntrodução da escolaridade obri gatória e taxas de

escol arização em 1 870 para os segui ntes países europeus e EUA

Países Data de introdução da Taxa de

escolaridade obrigatória escolarização

em 1 870

P rússia 1 763 67%

Dinamarca 1 8 1 4 58%

G récia 1 834 20%

Espanha 1 838 42%

Suécia 1 842 7 1 %

Portugal 1 844 1 3%

N o ruega 1 848 6 1 %

Austria 1 864 40%

S u íça 1 874 74%

Itália 1 877 29%

França 1 882 75%

I rlanda 1 892 38%

Holanda 1 900 59%

Luxemburgo 1 9 1 2 - - - - -

Bélgica 1 9 1 4 62%

EUA - - -- - - 72%

Fonte: Soysal e Strang, 1 989, 278.

Estes resultados, que se referem à percentagem de crianças com idades compreendidas

entre os 9 e os 1 5 anos que frequentavam a escola, leva a que os autores coloquem os

casos de Portugal, Grécia e Espanha numa tipologia de Estados que procederam a uma

"construção retórica da escolaridade" (Soysal e Strang, 1 989, 285) , apesar de estes

dados nos sugerirem que em Portugal a retórica era mais desenvolvida do que nos

outros países colegas de infortúnio.

Na verdade, e como se vê pelo quadro antes exposto, Grécia, Espanha e Portugal

encontram-se entre os países europeus que mais cedo no século XIX decretaram leis

que impunham a obrigatoriedade escolar, e simultaneamente e a par de casos como a

Áustria, a I rlanda e a Itál ia, são dos países que em 1 870 têm taxas de cumprimento de

escolaridade mais baixas.

No entanto, fazendo-se aqui sentir cruelmente a ausência de um estudo comparativo

sobre os conteúdos das leis de obrigatoriedade escolar destes países, parece

inquestionável que Portugal se destaca negativamente, o problema acentuando-se até

1 79

Page 181: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

pelo menos meados da década de trinta do século XX, como nos sugere a leitura do

quadro proposto por Aaron Benavot e por Phyl l is Riddle :

Quadro 20 - Evol ução comparada das taxas de escolarização entre 1 870 e 1 930,

para os países abaixo referidos

1 870 1 890 1 91 0 1 930

EUA 72% 97% 97% 93%

Austria 40% 63% 70% 70%

Dinamarca 58% 6 1 % 66% 67%

França 57% 83% 86% 80%

Alemanha 67% 74% 73% 79%

I rlanda 38% 50% 79% 87%

Holanda 60% 64% 70% 74%

Su íça 76% 76% 7 1 % 70%

Grécia 20% 3 1 % 40% 53%

Itália 30% 37% 45% 60%

Portugal 1 3% 22% 1 9% 27%

Espanha 42% 52% 35% 43%

Bulgária - - - - 1 9% 4 1 % 47%

Hungria 40% 52% 53% 67%

Roménia 7% 1 5% 34% 59%

Fonte: Benavot e R lddle, 1 988, 205.

Tratando-se de uma enorme extensão de dados que caso a caso seriam susceptívei s de

crítica e discussão, l imitemo-nos a apontar a coerência da maioria das cifras que

independentemente da sua origem viemos expondo. Na sua maioria elas tendem a

mostrar que ao atraso no processo de alfabetização português face aos países da Europa

e do Ocidente, corresponde um atraso na capacidade de construção da forma de

soci alização típica da Modernidade Ocidental , ou sej a, a e scola nacional, laica, gratuita

e obrigatória para leques de idades estabelecidos nas leis que tão precocemente se

inscreveram na legi lação do país .

Mas de que tipo eram as leis que em Portugal começaram por tentar impor a frequência

da escola por parte de todas as crianças de uma determinada faixa etária?

As leis de Costa Cabral de 1 844 decretavam a obrigatoriedade de frequência da escola

para todas as crianças que habitassem em povoações onde existissem escolas de

Instrução Primária, ou que v ivessem na proximidade " . . . de um quarto de légua em

circunferência . . . ", (citado por Carvalho, 1 986, 578), ou seja, uma obrigatoriedade que

1 80

Page 182: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

além de se apl icar às crianças dos centros urbanos, se aplicaria apenas aquelas outras

que vivessem a apenas 1 ,250 metros dessas escolas.

,As penalidades para quem não cumprisse tal disposição, já de si l imitada num país que

em 1 840, entre escolas para rapazes e para raparigas contava com apenas 99 1 (Ibidem),

demonstravam os l imi tes da lei que fixava a obrigatoriedade de frequência universal da

escola primária. Assim, aqueles que v ivessem dentro do raio geográfico que

determinava a obrigatoriedade de frequentar uma escola e que a ela não enviassem os

seus " . . . filhos, pupilos ou outros ubordinados desde os 7 aos 1 5 anos . . . ", ficariam

sujeitos " . . . primeiro a aviso, depois a intimação, depois a repreensão e por fim a

multa . . . ". Além do mais , eram exemptos do cumprimento da lei todos aqueles que

" . . . provassem que os meninos já possuíam os conhecimentos daquele grau de ensino,

ou que poderiam obtê-los de outra forma sem recorrer ao ensino oficial , ou ainda que

por sua excessiva pobreza não os pudessem enviar à escola . . . " (Ibidem).

Estas leis que difici lmente poderiam mudar o que quer que fosse, e a que, durante todo

o século X IX e primeira metade do século XX, se foram sucedendo remendos que não

mudaram o seu essencial (Teodoro, 200 1 , 1 1 0), parecem mostrar que as el ites

portuguesas se dividiam entre o desinteresse a respeito da implementação de uma

escola verdadeiramente nacional e o realismo perante as condições gerais do país .

Como veremos no capítulo seguinte, o século X IX foi tremendamente cruel para

Portugal, uma sociedade que é descrita pelo sociólogo David Justino como sendo

" . . . para além de depauperada, uma nação pobre em que a esmagadora maioria da

população dispõe de um fraco poder de compra . . . "(Justino, 1 988, 1 4 1 ) , e sem dúvida

que esta pobreza ajuda a compreender as numerosas excepções consagradas nestas leis

assim como a brandura das punições propostas aos que não as cumpriam, num contexto

social e económico incompatível com uma escolaridade infantil generalizada.

Mas será a pobreza suficiente para explicar a situação de ultra periferia portuguesa em

termos literácitos, face à generalidade das sociedades ocidentais ?

Na verdade, se a pobreza portuguesa parece explicar alguma coisa, necessário se torna

dizer que a pobreza crescente face aos países mais desenvolvidos da Europa não seria

característica única de Portugal, sendo antes uma característica do próprio "arranque"

industrial, que no decurso do século XIX salientou e acelerou as diferenças entre um

"centro" que se destacou e uma periferia que se afastou . Tal "pobreza" ajudar-nos-ia a

explicar, quando muito, as diferenças entre as taxas educativas portuguesas e as

relativas aos países e regiões que constituem esse "centro" , restando por explicar as

1 8 1

Page 183: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

discrepâncias referentes a países que, à semelhança de Portugal , viram a sua pobreza

acentuar-se face aos grandes motores do desenvolvimento industrial do século XIX.

Para melhor esclarecer esta questão pensamos ser de toda a uti l idade procedermos a um

esboço do desenvolvimento da economia portuguesa nos séculos X IX e XX, numa

óptica comparada.

Alguns dados sobre o crescimento económico em Portugal durante os séculos XIX e XX, numa perspectiva comparada

Na introdução a um estudo que tem como tema a construção do espaço económico

português "moderno" durante o século XIX e inícios do século XX, David Justino, a

quem de novo recorremos, afirma a dado passo que, " . . . no século passado, tal como nos

nossos dias, Portugal foi subitamente confrontado com um futuro que não soube

preparar ( . . . ). Frustrada a recuperação do Brasi l , Portugal virou-se, lento e hesitante,

para o seu espaço, cingido e esquartejado por estruturas económicas e sociais que se

haviam tornado obsoletas e bloqueadoras do seu redimensionamento . . . " (Justino, 1 988,

20) . A mesma opinião sobre a performance desempenhada pela sociedade portuguesa

como um todo, durante os séculos XIX e pelo menos, uma parte do século XX,

encontra-se expressa por muitos economistas ou historiadores da economia, portugueses

ou estrangeiros, como o exemplo que de seguida ci tamos exemplifica. Comparando o

percurso de Portugal e da Dinamarca durante os séculos XIX e XX, dois países

europeus de pequena-média dimensão, mas com identidades e histórias nacionais muito

fortes, diz-nos o economista inglês M .S .Anderson, o seguinte : " . . . Denmark in the first

years of the ninetheen century accounted for only about 0,4% of Europe' s Gross

National Product ; but by 1 9 1 3 , inte l ligent adaptation had more than doubled this to

0,9%. Portugal during the sarne period saw her contribution drop from about 2% to a

mere 0.7% ( . . . ). From being one of the richest countries of Western Europe, she had

become the poorest. In 1 800 she had been stiU the fifth or sixth most important trading

state in Europe; by 1 9 1 0 she had sunk to seventeenth . . . " (Anderson, 2000, 1 37) .

A maioria dos autores consultados referem-se desta forma a Portugal e alguns desfiam

números que se referem à evolução comparada dos dois indicadores económico mais

uti l izados neste tipo de trabalhos, ou seja o Produto Nacional Bruto Produto per capita,

e o Produto Interno Bruto per capita, de uma série de países, em que normalmente

Portugal está também incluído. David Landes, numa obra que tem como tema a

desigualdade económica entre nações, e na qual o caso português é objecto de atenta

análise, apresenta em determinado passo o seguinte quadro:

1 82

Page 184: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 2 1 - Estimativa da evol ução do PNB per capita para uma

selecção de países, entre 1 830 e 1 970, em dólares americanos com o

valor fixo de 1 960

Países/ Datas 1 830 1 860 1 91 3 1 929 1 950 1 960 1 970

Alemanha 240 345 775 900 950 1 790 2705

Ocidental

Bélgica 240 400 8 1 5 1 020 1 245 1 520 2385

Canadá 280 405 1 1 1 0 1 220 1 785 2205 3005

Checoslováquia - - 500 650 8 1 0 1 340 1 980

Dinamarca 1 25 320 885 955 1 320 1 7 1 0 2555

Espanha - 325 400 520 430 640 1 400

USA 240 550 1 350 1 775 241 5 2800 3605

Holanda 270 41 0 740 980 1 1 1 5 1 490 2385

França 275 380 670 890 1 055 1 500 2535

Itál ia 240 280 455 525 600 985 1 670

Japão 1 80 1 75 3 1 0 425 405 855 2 1 30

Noruega 225 325 6 1 5 845 1 225 1 640 2405

Portugal 250 290 335 380 440 550 985

Reino U nido 370 600 1 070 1 1 60 1 400 1 780 2225

R ússia (U RSS) 1 80 200 345 350 600 925 1 640

Suécia 235 300 705 875 1 640 2 1 55 2965

S u íça 240 41 5 895 1 1 50 1 590 2 1 35 2785

Fonte : Landes, 2001 , 258.

Este quadro apenas permite concluir do irremediável declínio económico português

durante os século XIX e XX, face a todos os 1 7 paí es aqui representados, uma vez que

começando com um quinto lugar no PNB per capita em 1 830, Portugal chega a 1 960 e

a 1 970, solidamente em último, seguido pela Espanha, Rússia, (ex- URSS) e Itália, três

dos países periféricos relativamente ao processo de "modernização" do século X IX , mas

mesmo assim a boa distância.

O efei to "separador" do processo de industrialização que amplia distâncias entre

economias que até aí eram relativamente próximas, mas que no século X IX ou se

adaptaram ao processo ou se periferizaram, é uma imagem perfeita para Portugal ,

i magem essa que pode ser melhor compreendida através da estimativa da evolução das

relações em termos percentuais do PNB per capita português em relação a outros países

europeus, seguindo sempre os valores fornecidos por Landes.

1 83

Page 185: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 22 - Esti mativa da percentagem do PNB per capita português em relação

a outros países europeus entre 1 830 e 1 970

País Reino Bélgica Dinamarca França Alemanha Espanha Itá l ia USSR e

Data Unido Rússia

1 830 62% 1 04% 200% 9 1 % 1 04% - 1 04% 1 39%

1 860 48% 73% 9 1 % 76% 84% 89% 1 04% 1 45%

1 9 1 3 3 1 % 41 % 38% 50% 43% 84% 74% 88%

1 950 3 1 % 35% 33% 42% 46% 1 02% 73% 73%

1 970 44% 4 1 % 39% 39% 36% 70% 59% 60%

Fontes: calculo com base nos valores fornecidos por Landes, 200 1 , 258.

Uma outra projecção fornecida por David Justino, embora situada num âmbito temporal

mais restrito, ou seja, entre os anos de 1 850 e 1 9 1 0, (Justino, 1 989, 1 04), e por Luciano

Amaral , baseado na obra do H istoriador económico Angus Maddison, esta tendo como

fundo um período de tempo que vai dos século XVI a finais do século XX (Amaral ,

2002, 70) dão-nos resultados, que embora apresentando algumas diferenças são

relativamente consistentes entre s i , dispensando-nos do os apresentar.

Assim, e como antes foi escrito neste texto, estas variações da percentagem do PNB per

capita português face ao conjunto de países que escolhemos, parecem reflectir

performances económicas diferenciadas, mas enquadradas por uma tipologia que se

caracteriza pela sua degradação brutal durante todo o século X IX e princíp ios do século

XX. Impressiona a evidência económica do falhanço português no que respeita ao

processo de modernização, e se alguns dos países que são também apresentados como

de desenvolvimento tardio ainda se comparam durante o século X IX a Portugal, casos

por exemplo da Itál ia da Espanha e da Rússia, eles afastam-se decisivamente no

princípio do século Xx. Esta enumeração de dados que cobre três regimes políticos, ou

seja, a Monarquia Constitucional até 1 9 1 0, a Primeira República até 1 926 e o Estado

Novo até 1 970, parece mostrar, através de uma a análise rápida e sem dúvida

superficial, como à frente teremos ocasião de verificar, a pouca relevância em termos

económicos da mudança política e lembra a uti l idade da comparação de dados em

períodos de tempo longos, sem a qual passariam despercebidos os aparentes falhanços

da "Regeneração" e da industrialização portuguesa, que coincidem com o descolar

rápido de uma parte das economias ocidentais face à economia portuguesa.

No entanto, ao construir o quadro a partir do qual calculamos estas percentagens, David

Landes entra sobretudo em conta com os países que histórica e economicamente são

mais relevantes no Ocidente dos últi mos dois séculos. Ao adoptar uma óptica de análise

1 84

Page 186: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

mais especializada segui ndo critérios de ordem político - económicas mais específicos e

portanto mais diferenciados, o autor apresenta-nos outro tipo de resultados:

Quadro 23 - Comparação entre as Estimativas de PNB real per capita

entre alguns grupos de países europeus e Portugal, 1 830-1 91 3, em

dólares a mericanos com o valor fixo de 1 960 (médias não ponderadas

dentro de cada grupo)

1 830 1 860 1 9 1 3

Núcleo industrial 268 402 765

Escandinávia 2 1 9 297 682

Escandinávia sem 228 3 1 5 735

Fin lândia

Resto da periferia 2 1 5 244 243

Portugal 250 290 335 . -

Def in tçoes: Nucleo Industnal : Alemanha, Austna (excepto 1 830), França, Holanda,

Itál ia, Reino U nido, Suíça; Escandinávia: D inamarca, Noruega, Suécia e F in lândia;

Resto da periferia: Bu lgária, Espanha, G récia, Hu ngria (excepto 1 860) , Portugal ,

Roménia, Rússia, Sérvia. O ano de 1 830 refere-se apenas a Portugal e à Rússia.

Fonte: Landes, 2001 , 258, 277.

Este quadro parece, desta forma, relativizar o caso português ao inseri-lo numa nova

c lassificação económica do mundo que se vai definindo durante os século XIX e XX, e

que hierarquiza o processo de indu trialização entre "centros", "periferias" e "semi

periferias". Como por aqui se percebe, se inserirmo o caso português dentro da média

não ponderada da chamada "periferia", o desempenho do pais melhora, ou, por outras

palavras, ao deslocar-se o País do lugar central a que do ponto de vista histórico se julga

com direito, para uma periferia a que os factos obrigam, a sua posição relativa, que não

a sua auto estima, melhora substancialmente, com os seus PNB per capita de 250, 290 e

335 dólares respectivamente em 1 830, 1 860 e 1 9 1 3 , a serem sempre superiores à média

dos seus novos companheiros de infortúnio, apesar de estes dados apenas serem

calculados até 1 9 1 3 .

Assim, parece claro que, se, do ponto de vista económico e sem dúvida pol ítico, até aos

princípios do século X IX, Portugal e Espanha, ainda são relevantes em termos do

"centro do mundo", tendo todo o sentido a sua comparação com os países do Ocidente,

a partir de finais deste século até meados do seguinte, a comparação pertinente, e

1 85

Page 187: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

sobretudo no que ao caso português diz respei to, terá de ser feita com o Leste e com os

Balcãs.

No entanto, uma série de autores, entre os quais sobretudo Luciano Amaral e Pedro

Lains, mostram-nos como o quadro depressivo do século XIX começa a mudar

sobretudo depois da egunda metade do século seguinte, e como tal mudança, parece ser

reflexo de uma mistura entre conjunturas económicas gerais a nível mundial e opções

internas, (Lains, 2005, 1 20) relacionadas com políticas desenvolvimentistas que

associaram mudanças a nível do Capital Humano com mudança a nível dos factores de

inovação tecnológicos, que transformaram o perfi l de desenvolvimento, essencialmente

baseado, pnmeuo, num modelo de "acumulação" para um modelo de

"assimilação"(Amaral, 2002, pp, 256 -28 1 ) .

Na verdade, a comparação entre as taxas de crescimento económico de Portugal,

Espanha e Grécia, países classificados entre os "periféricos" por David Landes, com as

taxas de crescimento económico do "centro europeu" aqui definidos como constando da

Alemanha (Alemanha Ocidental até 1 99 1 ) , Bélgica, Dinamarca, França, Holanda, Itália,

Noruega, Reino Unido e Suécia (Amaral , Idem, pp. 70-75 ; Lains, Idem, 1 2 1 ) , durante o

século XX, parece mostrar que, pelo menos a nível do Ocidente, a "divergência"

acentuada que marcou o início da Revolução I ndustrial e que se espraiou por quase todo

o século X IX, se i nverteu, inaugurando um novo período de convergência entre "centro"

e "periferia", sem que, no entanto volte a ser reposta a situação de quase igualdade que

os valores atribuídos por David Landes aos PNB per capita dos princípios do século

XIX deixam supor.

Quadro 24 - Crescimento do PIB per capita na periferia e no centro da Europa,

1 91 3 - 1 998

Portugal Espanha Grécia Irlanda Centro da Europa

1 9 1 3-29 1 ,35 1 , 65 2,45 0,33 1 ,39

1 929-38 1 ,28 -3,53 1 ,50 0,87 1 , 1 6

1 938-50 1 , 56 1 ,48 -2,72 0,94 1 ,00

1 950-73 5,47 5,63 5 , 99 2 ,98 3,55

1 973-86 1 ,52 1 ,3 1 1 ,75 2,47 2,01

1 986-98 3,45 2,65 1 ,39 5,42 1 , 88

1 9 1 3-98 2 , 79 2 , 20 2,29 2, 1 9 2 ,06 . -

Defln lçoes: Centro da Europa refere-se a uma média não ponderada para a Alemanha

(Ocidental até 1 991 ) , Bélgica , D inamarca, França, Holanda, Itá l ia , Noruega, Reino U n ido, e

Suécia (Lains, 2005, 1 21 ) . Fonte: Lains, 2005, 1 23.

1 86

Page 188: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Ou seja, e de certa forma contrariando os números apresentados por David Landes em

relação ao século XX português, o que se pode deduzir dos valores apresentados por

Pedro Lains, é que a partir de 1 929, as taxas de crescimento do PIB per capita dos

portugueses são sempre superiores às taxas de crescimento do centro europeu, excepção

feita ao período pós - revolucionário de 1 973- 1 986, que, no seu início, corresponde

também à situação de crise económica internacional resultante dos "choques

petrol íferos" de 1 973 e de 1 979.

Este crescimento diferenciado do PIB per capita de Portugal, mas também de Espanha,

da Grécia e da Irlanda, reflecte-se assim numa convergência durante o século XX face

às economias do centro da Europa, embora insuficiente para compensar os

desequi l íbrios do século anterior e com ritmos diferentes, visto que as crises específicas

da história de cada um dos países mencionados parecem bem marcadas nas respectivas

taxas de crescimento, em cada período considerado.

Quadro 25: Convergência do PIB per capita na periferia europeia em relação ao

centro da Europa, entre 1 91 3 e 1 996

Portugal Espanha Grécia I rlanda

1 9 1 3-29 -0,04 0,26 1 ,04 - 1 ,04

1 929-38 0, 1 2 -4,64 0,33 -0,29

1 938-50 0,55 0,47 -3,69 -0,06

1 950-73 1 , 85 2 ,01 2,36 -0,55

1 973-86 -0,49 -0,69 -0,26 0,45

1 986-98 1 ,54 0 ,76 -0,48 3,48

1 9 1 3-98 0,72 0, 1 4 0,23 0, 1 3

Fonte: Larns, 2005, 1 24.

Assim sendo, com bases nestes valores, tudo parece indicar que, no que diz respeito a

Portugal , o balanço económico do século XX, parece ser relativamente positivo, o que

surpreende face ao cepticismo com que, em conjunto, os séculos X IX e XX são

encarados pela generalidade dos portuguese .

Luciano Amaral resume bem esta questão:

" " . True divergence of the Portuguese economy is a fact of the n ineteenth century.

From 1 820 to 1 91 3 Portugal very rapidly lost ground to the rest of Europe. ln the latter

year, however, divergence stopped. From then to 1 950 lhe country kept is relative

situation. From 1 950 on, however, a convergence process started and was particularly

strong in the 1 950- 1 973 period. From 1 9 73 on, it became more moderate. We can see

that, thanks to the (. . . ) long episode of convergence, the country has recovered the

1 87

Page 189: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

ground that was lost in the nineteenth century. That was not enough, however, to

recover the ground lost in the previous two centuries" (Amaral, 2002, 3 1 ) .

Desta forma, parece claro que não se pode confundir os dois séculos, e que o Estado

Novo, em primeiro lugar, que parece ter t ido sucesso na inversão da tendência de

divergência que se arrastava desde praticamente os princípios dos século XIX; o

crescimento europeu do pós-guerra em segundo lugar, e as adesões à EFTA e à União

Europeia em terceiro lugar, parecem ter-se reflectido em períodos marcados de

convergência económica, o que em conjunto, fez com que em Portugal, entre 1 986 e os

finais dos anos noventa do século XX, o rendimento médio per capita tivesse crescido

de cerca de 56% da média do rendimento per capita dos países que em 1 999 faziam

parte da União Europeia, para 74% do rendimento médio per capita de tais paises

(Royo e Manuel, 2005, 48) .

Partindo de muito baixo, Portugal beneficia do enriquecimento exponencial da Europa e

do Ocidente durante a segunda metade do século XX, numa primeira e evidente fase de

convergência económica muito intensa, e descola de forma límpida, aproximando-se

mais dos PlB per capita dos seus colegas da Europa Ocidental, durante a ú lt ima década

do século passado, uma vez implantada a democracia em 1 974, aplicados os dolorosos

"Programas de Reajustamento" pelos governos constitucionais do "Bloco Central" no

princípio da década de oitenta e defini tivamente aberta a porta da União Europeia em

1 986, o que se traduziu em modernização administrativa e política e num volume de

ajuda externa e de entrada de capitais sem paralelo na história contemporânea

portuguesa.

De facto, a proporção do PlB português por habitante, em relação aos mesmos índices

da maioria dos países que referenciámos, cresce sensivelmente até finais do século XX,

recuperando, ao que tudo indica com alguma sustentação, de um longo período de

decadência e agonia económica tendo registado entre 1 975 e 200 1 , de acordo com o

relatório do Programa para o Desenvolvimento das Nações Unidas publ icado em 2003 ,

uma taxa média de crescimento anual do PlB per capita, que se situa entre as dez

melhores dos cinquenta e cinco países considerados "desenvolvidos" pelos peritos

económicos da Nações Unidas, o que não pode deixar de ser uma performance muito

interessante (PNUD, 2003, 278) .

De certa maneira, e apesar de um súbito e assustador período de d ivergência nos

primeiros anos do século XXI relativamente às economias mais desenvolvidas da

OCDE (OECD, 2007a), tudo parece i ndicar que o movimento de periferização e

1 88

Page 190: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

degradação da economia portugue a parece ter sido estancado com algum êxito e, em

200 1 , o Produto Interno Bruto per capita português medido pela taxa de câmbio

internacionalmente mais util izada, o dólar PPC (Paridade de Poder de Compra), que é

uma " . . . taxa de câmbio equil ibrada de tal modo que duas moedas compram a mesma

quantidade de bens e serviços em duas economias . . . "(Rutherford, 1 998, 404), era o 27°

mais alto do mundo, entre 1 75 países. Mesmo que duvidemos da eficácia deste "dólar

PPC" para medir o que quer que seja, resta-nos a consolação de saber que o PIB por

habitante português medido nos habituais dólares norte americanos " . . . uti l izando a taxa

de câmbio oficial média publicada pelo Fundo Monetário Internacional . . . " (PNUD,

2003 , 356), s ituava-se, no mesmo ano de 200 1 , entre os primeiros trinta do mundo

(Idem, 278) . Quase duzentos anos, foi o tempo que a sociedade portuguesa precisou

para se recompor economicamente da perda da verdadeira "jóia do Império" que foi o

Brasi l .

Vejamos agora como do ponto de vista político, aqui medido através do espaço de poder

que os cidadãos tiveram para influenciar e controlar a vida política no seu país, o

projecto modernista se afirmou nos séculos XIX e XX em Portugal .

Alguns dados sobre o desenvolvimento das formas modernas de legitimação

política em Portugal, durante os séculos XIX e XX, numa perspectiva comparada

Como na primeira parte deste texto deixámos escrito, baseando-nos entre outros, em

Ernesto Castro Leal , assumimos que as formas de transição do Estado absolutista para o

Estado - nação moderno implicaram profundas mudanças ao nível dos processos de

legitimação política, que passam de processo fundamentados em princípios dinásticos,

rel igiosos e históricos, para processos fundamentados em principios que relevam da

soberania popular, do laicismo, do patriotismo (Leal , 1 999, 2 1 ) .

Assim, o principio da legitimação popular associada à ideia do Estado como uma

entidade política separada da Igreja, marca uma ruptura com o passado, lançando as

bases do "Estado de Direito" que irá dar origem à democracias parlamentares que se

implantam no Ocidente e nas partes do mundo por si influenciadas durante os séculos

XIX e XX, ainda que o caminho até este fim se tenha revelado tortuoso, cheio de

desafios, de bifurcações e de propostas diferenciadas de conceber as relações entre o

"povo" e o "poder".

O que parece seguro neste contexto de mudança é que as formas "modernas" de poder

necessitam de invocar o "povo" para se considerarem legítimas. Esta evocação ordena-

1 89

Page 191: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

se numa paleta de processos que vão da efectiva escolha política entre várias

alternativas possíveis , baseada no pressuposto da maioridade política de quem tem

assegurado os direitos civis , sociais e políticos típicos das sociedades "l iberais", até,

num extremo opo to, aos processos referendários desencadeados por movimentos ou

grupos políticos que se "substituem ao povo", mas que não se atrevem a não o consul tar

mesmo que de forma vigiada e, se necessário, fraudulenta. A própria noção de "povo"

perante quem o poder se legit ima vai mudando durante estes dois séculos, abrangendo

progressivamente os pobres, as mulheres e os analfabetos, mas, de qualquer das formas,

e frequentemente a contragosto de parte das el i tes políticas, económicas e rel igiosas, o

século XIX de forma tímida, e o século XX de forma inelutável , são impossíveis de

conceber sem a ideia de "sufrágio", o qual pa sará por inúmeras fases até chegar ao

"Sufrágio Universal" condicionado somente pela idade (Bertol ini , 2000).

Assim, democracia sustentada em eleições, riqueza e educação, parecem fazer parte de

um todo a que chamamos de progresso, que, neste texto, tentamos dividir nas suas

partes constituintes, com o objectivo último de os conhecer de forma mais íntima e

profunda.

Deste "todo", interessa-nos de momento perceber o caminho que uma das mais radicais

das suas partes, a da legitimação do poder político pela " . . . soberania popular

electiva . . . " percorreu em Portugal durante os finais do século XIX e durante o século

XX, sempre visto numa perspectiva de comparação com sociedades inseridas no mesmo

espaço geográfico e cultural .

As eleições modernas surgem e consolidam-se em Portugal nos ú lt imos cento e

cinquenta anos, transitando por um espaço ocupado por diferentes formas de gestão do

poder, de que sal ientamos essencialmente quatro: a Monarquia Constitucional ,

sobretudo depois dessa verdadeira "refundação" const ituída pela "Regeneração" a partir

dos primeiros anos da década de cinquenta do século XIX; a Primeira República, de

1 9 1 0 a 1 926; o Estado Novo cuja fundação costuma ser marcada pela aprovação da

Constituição de 1 934 em referendo; e o regime actual , de Democracia Parlamentar, cujo

marco é a "Revolução dos Cravos" que teve lugar em Abril de 1 974.

Tiveram estas quatro formas principais de gestão política, que atravessaram o país nos

últimos cento e cinquenta anos, i nspirações e princípios por vezes profundamente

diferentes, e atravessaram conjunturas internas e externas também elas distintas, o que

se reflecte quer na relação que mantiveram com os processos de legitimação política

modernos, quer na eSlabilidade governaliva de que vieram a desfrutar, como nos mostra

1 90

Page 192: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

o quadro construído por Pedro Tavares de Almeida, António Costa Pinto e Nancy

Bermeo:

Quadro 26 - Duração média dos Gabinetes M i n isteriais em meses, durante a

Monarquia Constitucional, a Primeira Repúbl ica, o Estado Novo e a

Democracia Parlamentar

Período Duração média (meses)

Monarquia Constitucional - Regeneração - 1 85 1 - 1 7,0

1 9 1 0

P rimeira República - 1 9 1 0- 1 926 4, 1

Estado Novo - 1 933-1 974 1 64,3

Democracia Parlamentar - a partir de 1 974 2 1 ,5

Fonte : A lmeida, Pinto e Bermeo, 2003, 8 .

A enorme estabi l idade do Estado Novo nasce numa resposta ao contexto pol ítico e

económico que esteve na origem da instabi l idade da Primeira República e é contraposta

por um tipo de permanência mais moderada, característica das democracias como o

foram a Regeneração e o actual regime político saído da "Revolução dos Cravos".

Assim, e pelo quadro que de seguida expomos, poderemos ver como todas estas

diferentes formas de gestão política t iveram de se legitimar pelo voto perante o "povo",

e será na maneira como os diversos poderes que percorrem este arco temporal definem e

dimensionam esse "povo legitimador" que poderemos perceber algumas das marcas

profundas que atravessaram a vida política de Portugal nos séculos X IX e XX.

1 9 1

Page 193: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 27 - Votantes, corpo eleitoral real (eleitores constantes dos cadernos

eleitorais) e cálculo da percentagem de ambos em relação à população

residente ou presente de idade i gual ou superior a 20 anos, de 1 88 1 a 1 991 , para

Portugal

Ano Corpo Votantes População % dos % do corpo % dos votantes

eleitoral residente ou votantes em eleitoral real em em relação à

real presente em relação ao relação à população de

Portugal de corpo população de idade igual ou

idade maior ou eleitoral real idade igual ou maior a 20 anos

igual a 20 anos maior a 20 anos

1 88 1 841 . 5 1 1 491 .766 2.41 1 .870 58,4% 34,8% 20,4%

estimado em 1 878

**

1 890 951 . 5 1 1 2 . 9 1 9 . 1 00* em 32,6%

1 890

1 9 1 1 846.801 250.000 3.344. 1 56* em 25,3% 7 , 5%

1 9 1 1

1 92 1 550.000 350. 000 3.438.066 * em 63% 1 5, 9% 1 0,2%

1 920

1 934 478. 1 2 1 377. 792 3. 965.002 * 79% 1 2% 9 , 5%

em 1 930

1 942 777.578 668.785 4. 505.452 * em 86% 1 7,3% 1 4,8%

1 940

1 953 1 .351 . 1 92 991 .261 5 . 1 42.263 * em 73,4% 26,3% 1 9,3%

1 950

1 96 1 1 .440. 1 48 1 . 1 1 2.572 5. 550. 2 1 2 * em 77,3% 25,9% 20%

1 960

1 973 1 . 965.7 1 7 1 .320.952 5.346.585 * em 67,2% 36,7% 24,7%

1 970

1 975 6.23 1 .372 5 .71 1 .829 5.346.585 * em 9 1 % 1 1 6% 1 06,8%

1 970

1 980 7 . 3 1 9.000 6 . 1 67.000 6.464.599* em 84,2% 1 1 3% 95,3%

1 98 1

1 99 1 8 .322.000 5.679.000 7.049 . 1 50* em 68,2% 1 1 8% 80,5%

1 99 1

Fontes:

*População residente ou presente em Portugal de acordo com os Censos de 1 890, 1 900, 1 9 1 1 , 1 920,

1 930, 1 940, 1 950, 1 960, 1 970, 1 98 1 , 1 99 1 .

** Para a população presente, Censo de 1 878; para o cálculo da população com idades iguais ou

superiores a 20 anos, fomos verificar, a partir dos dados que nos são fornecidos nos Censos de 1 890 e

1 900, a percentagem de população de idade igual ou superior a 20 anos, tendo encontrado o valor de

57% e 6 1 %. Mantivemos o i ntervalo de variação de 4%, estimando que tal proporção seria de

aproximadamente 53% no Censo de 1 878.

1 92

Page 194: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Os dados referentes ao corpo eleitoral, aos votantes e à percentagem de votantes sobre o corpo eleitoral

para os anos de 1 88 1 , 1 890, 1 9 1 1 e 1 92 1 , são fornecidos por Lopes, 1 993, 1 45; Os referentes às

mesmas rubricas para os anos de 1 934, 1 942 , 1 953, 1 96 1 e 1 973, são-nos fornecidos por Quintas, 1 996,

290. Os dados referentes às mesmas rubricas em 1 975, 1 98 1 e 1 99 1 , são fornecidos pela Comissão

Nacional de Eleições, em http://eleicoes.cne.pt/. Os dados referentes às rubricas, "percentagem do corpo

eleitoral sobre a população de idade igual ou superior a 20 anos" e "percentagem dos votantes sobre a

população de idade igual ou superior a 20 anos", foi obtida através de cálculos nossos, com base nos

dados obtidos da forma e nas fontes anteriormente mencionadas.

Por este quadro se pode constatar como a definição do "povo político", diante de quem

os poderes se legitimavam em Portugal , era, até 1 975, relativamente restrita. No

entanto, esta afirmação só terá sentido se a virmos à luz de uma óptica recente, ou seja,

a óptica do "sufrágio uni versaI", que identifica "povo político" com todos aqueles que,

homens e mulheres, tenham mais do que uma determinada idade. O indicador que

permite percebermos a distância a que nos encontramos deste objectivo, é-nos dado,

numa primeira etapa, pela relação existente entre o "corpo eleitoral real" em cada

eleição, ou seja, o número de eleitores a quem é permitida a inscrição nos cadernos

eleitorais, e portanto, a quem é permitido votar, e o total da população de idade igual ou

superior a 20 anos, idade fixada por razões de comodidade que se relacionam com os

critérios de apresentação da população nos Censos Populacionais .

Em Portugal , o "corpo eleitoral real" começa por representar cerca de 34% dos homens

e mulheres com 20 anos de idade ou mais em 1 88 1 , vai sempre descendo até 1 934, onde

estão recenseados como votantes possíveis apenas cerca de 1 2% dos indivíduos de

ambos os sexos de idade igual ou superior a 20 anos, tendo efectivamente votado apenas

9,5%, e começa a subir lentamente, até atingir, dentro do Estado Novo, o seu máximo

quando em 1 973 são recenseados para votar 36,7% dos portugueses e portuguesas com

idades iguais ou superiores a 20 anos. Em 1 975, caído o Estado Novo, a primeira le i

elei toral do novo regime cria um corpo elei toral real igual ao corpo eleitoral potencial,

ambos superiores ao número de pessoas com idades iguais ou superiores aos vinte anos

que residem em Portugal, e é descrita da seguinte forma por um dos seus artífices:

" . . . Fixando o método, l imites e objectivos do seu trabalho, o primeiro problema que a

comissão teve de encarar foi o de definir quem deverá eleger a Assembleia Constituinte,

tendo optado pelo reconhecimento de voto aos maiores de 1 8 anos, aos analfabetos, bem

como aos emigrantes que preencham determinadas condições . . . " (Miranda, citado por

Ferreira, 1 993, 20 1 -202) . As percentagens superiores a 1 00% expl icam-se pelo facto de

o universo dos votantes potenciais, uma vez que abrangia emigrantes e pessoas com

1 93

Page 195: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

idades inferiores a vinte anos, ser superior em número ao termo de comparação

tradicional , ou seja, a população de idade igual ou superior a 20 anos, residente ou

presente no pais aquando da efectivação do Censo. A outra razão que explica tal

percentagem é o facto de, pela primeira vez, o sufrágio universal ser efectivamente

instituído em Portugal .

Mas uma das constatações mais interessantes é a de que uma anál ise da tensão entre

restrição e outorga do voto durante este período parece i lustrativa dos problemas

sociais, políticos e económicos com que a sociedade portuguesa se debateu, o que

sucedeu independentemente do regime polít ico em vigor.

De facto, do período final da Monarquia Constitucional à Primeira República e

passando pela primeira fase do Estado Novo, período em que o desacerto económico

português face ao Ocidente se acentua e estabiliza, a "estrutura" pol ítica parece

endurecer-se progressivamente, através de uma retracção do corpo eleitoral real que

atinge o seu minimo na década de trinta, começa a subir na década de quarenta, volta a

subir na década seguinte , retrai-se da década de cinquenta para a de sessenta,

movimento que mostra bem a crispação da úl tima fase do Salazarismo, e sobe no

Marcel ismo, numa altura em que as taxas de crescimento económico português vêm a

disparar desde os anos cinquenta, mas em que o bloqueio de um regime "velho",

paral isado pela Guerra Colonial se reflecte num corpo eleitoral real que crescendo

sempre, nunca se aproxima sequer do sufrágio universal , ou mesmo de um sufrágio

universal masculino.

O que há aqui de atípico face aos países Ocidentais mais conhecidos, eis o que o quadro

seguinte na ajuda a compreender:

1 94

Page 196: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 28 - Percentagem da população autorizada por lei a votar e m relação à

população de ambos os sexos com idades iguais ou superiores a 20 anos entre

1 880 e 1 973. Para Portugal, percentagem dos "corpos eleitorais reais" sobre a

popu l ação de ambos os sexos de idades iguais ou superiores a 20 anos, no

mesmo período de tempo

Intervalo de Dinamar França Alem. I rlanda Itál ia Holanda Suécia Suíça Reino

tempo em oca Unido

que teve

lugar a

aprovação

da legislação

eleitoral

1 880- 1 88 1 27, 1 % 41 ,6% 36,2% 8,2% 3,8% 5,4% 1 0, 7% 38,7% 1 6,4%

1 889- 1 892 29,4% 41 , 8% 37,4% 28,9% 1 5,2% 1 1 ,5% 1 0,4% 38,3% 29,3%

1 900- 1 903 29% 43,2% 38,3% --- 1 2, 3% 2 1 ,2% 1 2, 7% 37,9% 28,5%

1 909- 1 9 1 3 30, 1 % 43,4% 38,7% --- 42% 25,7% 32,5% 37% 28,7%

1 9 1 9- 1 922 74% 43,4% 95, 1 % 77,5% 52,5% 80, 7% 87,9% 40, 1 % 74,5%

1 929- 1 934 80,6% 39,6% 98,5% 93,7% --- 82, 1 % 89% 4 1 % 97%

1 940- 1 942 84, 8% ---- ---- --- - ---- ---- 90,6% 42 , 9% ----

1 949- 1 953 88,2% 88% 95,6% 95,7% 98% 89,7% 95,8% 42,9% 97,6%

1 959-1 962 93,2% 86,2% 97,2% 97,8% 96,6% 9 1 ,3% 97, 1 % 40,8% 97, 5%

1 969-1 973 97,0% 87,5% 98,8% 99,5% 98,9% 94,7% 97, 1 % 80, 8% 99,8% . .

Fontes: sobre a D inamarca, França, Alemanha, I rlanda, Ital la, Holanda, Suecla, S U lça e Remo

Unido, Bertol in i , 2000, 1 20- 1 22, e trata-se da aprovação de legis lação sobre d i reitos de voto;

sobre Portugal trata-se de "corpos eleitorais reais" ou de c idadãos recenseados para votar, o

que reflecte antes uma interpretação por parte dos poderes vigentes sobre tais l e is . Quanto à

origem dos dados sobre os "corpos eleitorais reais" em Portugal, ver "fontes" relativas ao

quadro 26.

Estas cifras que, exceptuando as referentes a Portugal, são fornecidas por Stefano

Bertol ini recorrendo à evolução das leis eleitorais que se vão sucedendo, procuram

contabilizar para estes países, " . . . those people who are legally el igible to vote, as a

percentage of the total population (mal e and female), age twenty and older. . . "

(Bertolini , 2000, 1 1 8) , marcando de forma aproximada as várias etapas de acesso da

Europa ao Sufrágio Universal que, de acordo com este e outros autores, serão

essencialmente quatro, como mais à frente mostraremos.

1 95

Portugal

34,8%

32,6%

-- -. - .

25,3%

1 5, 9%

1 2%

1 7,3%

26,3%

25, 9%

36,7%

Page 197: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Assim, estas percentagens mostram-nos como é normal na maioria dos países aqui

representados, a existência até finais de século XIX de um voto masculino

condicionado, por vezes mesmo muito condicionado, a excepção sendo a França, que

tem desde meados do mesmo século um corpo eleitoral que se aproxima bastante do

sufrágio universal masculino.

Neste contexto, Portugal poder-se-á considerar um regIme l iberal formalmente

avançado, com um tipo de sufrágio mascul ino "quase universal" em que, de 1 878 a

1 895, o voto é concedido " . . . não só aos cidadãos que provem ter um rendimento de

1 00$000 mas também aos que atestem saber ler e escrever ou ser chefes de fanúlia . . . "

(Almeida, 1 99 1 , 35) , critérios que serão modificados em 1 895, com a revogação das

condições anteriores excepto a da relação entre voto e capitação de impostos, o que

correspondendo a uma retracção defensiva da Monarquia face ao avanço das ideias

republicanas (Leonard, 200 1 , 740), e à agitação social l igada à degradação da situação

económica e política portuguesa.

Entre a primeira e a segunda Guerras Mundiais assiste-se a uma primeira vaga de países

que acedem ao Sufrágio Universal, casos da Alemanha, Irlanda, Suécia, e Reino Unido.

Nesta altura, encontraremos ainda, além do Sufrágio Universal, mais três tipologias de

voto: um Sufrágio Universal masculino, casos da Itália, da França e da Suíça, um tipo

de Sufrágio que, sem chegar ao Sufrágio Universal, dele se acerca, podendo ser

classificado como um Sufrágio condicionado, mas alargado a ambos os sexos, casos da

Holanda e da Dinamarca, enquanto que em Portugal vigoram Sufrágios restritivos que

não chegam a abranger os 20% do "corpo eleitoral potencial".

Neste período de entre as duas guerras, as leis que definem a capacidade de voto em

Portugal , são até 1 926, marcadas pelo código eleitoral de 1 9 1 3 , que permite a votação

aos homens, maiores de vinte e um anos alfabetizados (Leonard, 200 1 , 74 1 ; Marques,

1 99 1 , pp. 4 14-420), a que, a partir de 1 933 , em pleno Estado Novo, são acrescentados "

. . . os homens maiores e analfabetos ( . . . ) quando pagassem impostos ac ima de certo

montante . . . ", e " . . . as mulheres ( . . . ) sendo maiores, desde que tivessem o curso

especial do ensino secundário ou um curso superior. . . " (Rosas, 1 994, 4 1 1 ) , o que

mostra uma distância crescente entre um "corpo eleitoral potencial" generosamente

definido e um "corpo eleitoral real" crescentemente restrito, tornando assim evidentes

as manipulações a que este conceito era sujeito, quer por parte dos diversos governos

do final da República, quer por parte das autoridades do Estado Novo. De lamentar é o

facto de não lermos conseguido reproduzir as percentagens dos corpos e le itorais reais

1 96

Page 198: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

em relação às população de idades iguais ou superiores a vinte anos em paí es como a

Grécia, a Espanha, a Bulgária, a Hungria e mesmo a Turkia de Mustafa Kemal Ataturk

e outros que se encontraram numa situação de periferia económica e política

semelhante à portuguesa durante a transição do século XIX para o século XX, sendo no

entanto claro que entre as duas guerras, e a despeito de leis eleitorais mais

"progressistas", se acentua em Portugal, e provavelmente em alguns dos países antes

mencionados, um contra-ciclo eleitoral em relação ao que se designa chamar de Europa

Ocidental .

Assim, a segunda vaga de acesso ao Sufrágio Universal na Europa dá-se a seguir à

segunda Guerra Mundial , em que a França e a Itál ia acedem ao voto universal através

da concessão de voto às mulheres, e nos finais da década de cinquenta do século XX, à

excepção da Suíça e de Portugal, todos os corpos eleitorais dos países mencionados por

S tefano Bertolini , estão ou muito próximos ou já incluídos nos noventa por cento da

população de ambos os sexos de idade igual ou superior a 20 anos . As décadas

seguintes verão o l imite de idade de voto baixar para os dezoito anos, o que

consolidará, no princípio dos anos setenta, o Sufrágio Universal na Europa Ocidental,

tal como o conhecemos hoje .

Em Portugal, entre finais da década de 50 e finais da década seguinte, o corpo eleitoral

real português varia entre os 26% e os 37% da população de ambos os sexos de idade

igual ou superior a 20 anos, nesta últ ima percentagem estando já incluídas as mulheres

alfabetizadas que a partir de 1 969 vêm o seu voto legal izado (Idem, 548) , mas estes

valores, a despeito das generosas leis eleitorais, equivalem ao que poderíamos encontrar

antes da primeira Guerra Mundial , nos países que vimos acompanhando.

A terceira vaga de acesso ao Sufrágio Universal na Europa terá lugar na década de

setenta, quando os países da Europa do Sul , Portugal, Espanha e Grécia, acederem à

Democracia Parlamentar Moderna, a que se seguirá uma quarta vaga, a partir da década

de noventa, que arrastará, embora de forma diferente, com tipologias e consequências

também diferentes, os países do Centro e Leste da Europa.

O caso português torna-se assim claro em relação às várias tipologias europeias:

começa de uma forma normal na transição do século X IX para o século XX, retrai-se e

"congela" ignorando as duas primeiras vagas de acesso ao Sufrágio Universal e l idera a

terceira, precedendo a democratização do Centro e Leste Europeu .

De notar que, ao contrário do que é comum afirmar-se (ver, entre outros, Bard, 200 1 ,

459) o voto feminino em Portugal é permitido por lei desde 193 3, no contexto de um

1 97

Page 199: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

regime ditatorial, com restrições superiores às apl icadas aos homens, e autorizado nas

mesmas condições que estes, ainda num contexto ditatorial , a partir de 1 969.

No entanto, tão ou mai importante do que as dimensões dos corpos eleitorais e a sua

evolução comparada nos séculos X IX e XX, é tentar entender o contexto político em

que eles eram definidos . Richard Rose, organizador de uma das obras de referência no

que diz respeito à história das eleições, de envolve num capítulo com o sugestivo título

de "Unfair Elections", as diversas tipologias de relação possível entre eleições e

regimes políticos dos séculos XIX e XX, traçando o quadro que de seguida

reproduzimos.

Quadro 29 - Eleições e ti pologias políticas nos séculos XIX e XX

Tipo de Eleição Controlo da Exemplos Liberdade de voto Consequências

competição políticas

Eleições P roibição de Democracias Sufrágio Universal, Alternância de competitivas candidatu ras Ocidentais ausência de coerção e Governo e

como um facto contagem de votos justa possibi l idade real de excepcional e viÇJiada mudanças políticas Exclusão de I nglaterra, até meados Sufrágio restrito Alternância de

classes do século XIX Governo e possibi l idade real de mudanças pol íticas

Exclusão racial Apartheid, Africa do Sufrágio restrito Para a estrutura de Sul poder da etnia

dominante Eleições semi - Multipartidarismo Turquia 1 950 - 60; Sufrágio Universal e Possibilidade real de

competitivas com exclusão de Argélia depois de pouca coerção alternância política, partidos 1 996; México depois mas bloqueios

de 1 994 possíveis

Coexistência entre I ndonésia, México, G rau de coerção forte, Sem consequências movimentos antes dos anos oitenta resultados não di rectas que

controlados pelo controláveis impliquem alternância Estado e partidos de pol íticas

fracos Frentes Nacionais Polónia e Alemanha Resu ltados Sem consequências;

com um partido de Leste d u rante o determinados de não existe alternância oficial dominante e domínio soviético antecedência de Governo

l istas comuns Sistema de partido Egipto e Espanha Sufrágio U niversal e Usada como ú nico em declínio, d u rante a década de coerção l imitada "barómetro político"

com candidatos setenta pelo Governo representando

várias "correntes de opinião"

Sistema de Partido único com U nião Soviética, anos Pouca coerção R itual ista, sem eleição de partido competição entre oitenta consequências

único ou de vários candidatos pol íticas que ausência de ultrapassem a

partidos arbitragem de conflitos i nternos ao regime

Partido único Estalinismo Voto obrigatório e Util ização da eleição monopolizador controlado como demonstração

legitimação unanime para os actores do

Governo Fonte: Rose, 2000b,324.

1 98

Page 200: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Este quadro ajuda-nos a perceber os caminhos percorridos pela sociedade portuguesa

no espaço de tempo de cento e cinquenta anos, no que diz respeito à relação entre

capacidade de voto e regime político, o que nos ajuda a traçar a manelfa como a

cidadania moderna vai sendo construída no Portugal contemporâneo.

Assim, no quadro atrás traçado, o Portugal da Regeneração e do Constitucionalismo

Monárquico, pode sem grandes reservas, ser incluído num grupo de sistemas políticos

em que o tipo de eleição é "semi- competitivo" com "exclusão de classes", visto que as

leis que condicionam o voto à capacitação por rendimento, por habil itações ou por

sexo, implicam a sistematização da "exclusão" de grupos inteiros do elei torado

potencial, tratando-se portanto de um "Sufrágio restrito" mas que podia ter como

consequência alternâncias no poder com " possibil idades reais de mudança política".

No entanto, e de maneira a apercebermo-nos do lugar que Portugal ocupava nesta

"ordem de mérito liberal" , seria importante perceber até que ponto é que fenómenos

como o "caciquismo", o "clientel ismo" ou as várias maneiras que os governos do

Constitucional ismo tinham de condicionar e manipular eleições, se inscreviam ou, pelo

contrário, se afastavam do panorama geral do Constitucional ismo Europeu da segunda

metade do século XIX (ver, entre outros, Almeida, 1 99 1 ) .

Já a primeira República se torna num caso mais difíci l de classificar. Trata-se de um

regime que sem dúvida se fixa numa tipologia de "eleição semi-competit iva", que

parece inscrever-se num quadro semelhante ao anterior, mas a sua história eleitoral , em

que existe de tudo, desde a proibição de l istas de oposição se apresentarem a sufrágio,

até, nas eleições de 1 925, " . . . um tipo de fraude pouco conhecido nos anais do

l iberal ismo português : a falsificação das actas ( . . . ) no próprio Ministério do Interior,

por acordo entre os paItidos republ icanos . . . " (Lopes, 1 993, 1 59), fazem-nos hesitar na

sua classificação. Diríamos que conforme as fases, a primeira República, um tipo de

regime classificado por Yves Leonard como tratando-se de " . . . un multipartisme avec

Parti Dorninant . . . "( Leonard, 200 1 , 74 1 ) , terá oscilado entre um sistema político

semelhante ao Constitucional ismo antes definido, e um sistema que se caracterizaria

pela "coexistência entre movimentos controlados pelo Estado e paItidos fracos", com

um "grau de coerção forte e resultados não controlávei s" e "sem consequências directas

que implicassem alternâncias políticas". Nenhuma destas classificações nos parece

assentar totalmente ao regime que ocupou o poder em Portugal entre 1 9 1 0 e 1 926, visto

que, tal como no que concerne ao Constitucionalismo Monárquico que o precedeu e ao

Estado Novo que se seguiu , não foi um regime homogéneo. No entanto, cremos poder

1 99

Page 201: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

c lassificar a primei ra República no capítulo dos s istemas de eleições semi competitivas,

mas maiS perto de um registo de "democracia degradada", mesmo em termos dos

princípios do século, e no qual se verificava a coexistência entre movimentos

francamente hegemónicos, através de um partido simbiótico com o aparelho de Estado,

o Partido Republicano-Democrático, e paI"tidos muito mais fracos e com muito menos

acesso ao poder institucional ; em que o grau de coerção sobre os actos eleitorais, não

sendo uniforme, teve momentos em que foi extremamente forte (Lopes, 1 993 ; Valente,

1 997); em que as formas de apuramento dos resultados davam azo a dúvidas quando

não eram efectivamente manipulados, e em que as alternâncias de governo ou se deram

através de golpes de Estado, ou raramente i mplicaram alternâncias políticas reais e

consistentes .

Com o Estado Novo, as classificações tornam-se mais fáceis, mas ainda assim existem

ambiguidades. Poderíamos dizer, com algum grau de certeza, que, no contexto desta

tipologia proposta por Richard Rose, o Estado Novo se insere na classe dos "sistemas

de eleição de partido único ou de ausênci a de partidos", visto que durante o tempo em

que se confundiu com o poder, o fez através de um "partido único" ou "movimento",

num tecido político em que a competição eleitoral realmente permitida se dava entre

vários candidatos afectos ao mesmo regime, em que o grau de coerção relativamente ao

acto eleitoral era relativamente baixo, mas a manipulação dos registos ele itorais era

gritante, traduzindo-se numa discrepânci a v isível entre "corpos eleitorais potenciais" e

"corpos eleitorais reais", e numa opacidade quase total no que diz respeito ao

apuramento de resultados.

No entanto há algumas zonas de transição de difíc i l classificação: em determinadas

alturas , sobretudo depois da vaga de democratizações que varre a Europa Ocidental dos

finais da segunda Guerra Mundial, o salazarismo é forçado a tolerar uma coexi stência

com "partidos fracos" mas existentes, e capazes de criar problemas reais ao regime,

como se viu pelas eleições presidenciais de 1 958 . Neste sentido, houve momentos em

que o Estado Novo osc ilou entre um regime com um tipo de eleições semi

competitivas, fortemente autoritário, que teria equivalência mais recente nos regimes

que até às décadas de oitenta e noventa ocuparam o poder no México e na Indonésia, e

um regime de partido único semelhante ao da União Soviética pós Khrushchov. Além

do mais, cremos que a tentativa de "abertura" corporizada por Marcelo Caetano, tentou

evolu ir sem o ter conseguido, para um sistema eleitoral apel idado por Rose como de um

"si stema de partido único em declínio com candidatos representando várias correntes de

200

Page 202: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

opinião", em que o sufrágio, estando longe de ser universal, era o maIS alargado

possível dentro do regime, a coerção relativamente l imitada e os resultados "usados

como barómetro político pelos governos", e aqui as semelhanças com a Espanha da

última frase do franquismo são evidentes .

No entanto, algo é claro na forma como as eleições são construídas em Portugal desde o

período constitucional da Monarquia Liberal , até ao fim do Estado Novo, passando pela

1 a República. Na verdade, elas são sendo sempre organizadas pelo Partido ou facção

que está no poder e segundo Pedro Tavares de Almeida, que se refere apenas ao

período final do Liberal ismo Monárquico, elas têm três objectivos principais : a

confirmação - legitimação de Governos j á compostos; a selecção e escolha das el ites

políticas ; e a integração das tensões entre as el i tes políticas no contexto eleitoral,

tentando- e assim conter a confl itualidade de origem política a um nível aceitável

(Almeida, 1 99 1 pp. 1 5-3 1 ) . De facto, e ultrapassando o período de tempo a que o autor

se refere, estas são as características das eleições em todos os regimes anteriores a

1 974.

Finalmente, a seguir a 1 974, a questão das eleições deixa de ter pertinência como

"barómetro" da cidadania em Portugal, visto que o Sufrágio Universal e uma

Democracia Parlamentar modema garantem a coincidência entre corpo eleitoral real ,

corpo eleitoral potencial e o total da população de idades iguais ou superiores a dezoito

anos, o grau e qualidade da cidadania aferindo-se através de indicadores mais exigentes

e sofisticados.

Tal como do ponto de vista económico, o ciclo político português arrasta-se

penosamente dos finais do século XIX a meados do século XX, tornando evidente o

não cumprimento das potencialidades que um liberal ismo pacato parecia permitir, mas

que os tempos que se seguiram vieram a desmentir. No decorrer do século XIX e em

boa parte do século XX, Portugal deixou de ser uma sociedade comparável com os

países que estiveram na vanguarda da modernização, para se tomar numa periferia só

equiparável aos extremos leste e sul da Europa. Desde os movimentos migratórios, aos

indicadores económicos e aos indicadores relativos à maneira de legitimação do poder,

todos os dados disponíveis se agrupam de forma a mostrar uma imagem coerente

relativa a um país violentamente afastado de um "centro político-económico" do

Ocidente, e que leva mais de um século a reconstruir um caminho de volta, cujos

resultados só recentemente se percebem. O que se passou em termos de Estado -

Providência?

20 1

Page 203: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Alguns dados sobre o desenvolvimento do Estado - Providência e m Portugal

durante o século X X

Como vimos numa outra parte deste texto, a ideia de Estado - Providência, o u pelo

menos, a ideia de que o Estado deve intervir no campo social , é simultaneamente uma

consequência da Modernidade, no sentido em que as formas de sociedade e de

economia modernas enfraquecem as formas de regulação social tradicionais, deixando

os indivíduos expostos ao mercado e, é, ao mesmo tempo, uma condição dessa mesma

Modernidade, no sentido em que as novas formas de construção da coe ão social que

tornam possível o contrato de cidadania mais generalizado e inclusivo que caracteriza o

Estado - nação contemporâneo (Esping-Andersen, 1 999; 2003a), só são possíveis no

âmbito dos meios financeiros l ibertos pela industrialização.

A intervenção do estado português nas questões "sociais" é simultânea à de outros

Estados Europeus (Carreira, 1 996, 54- 60), mas, tendo em conta o longo período de

periferização da sociedade portuguesa, pouco admira que, apesar de o primeiro s inal

institucional de tal intervenção datar de 1 835 , dando origem ao Conselho Geral de

Beneficência, com os objectivos de obstar à mendicidade, ministrando caridade a quem

dela necessitasse, trabalho a quem dele precisasse e educação aos que dela carecessem

(Idem, 56), a efectiva cobertura da população portuguesa em termos de Assistência

Social geral só se conseguirá nos finais da década de noventa do século XX (Idem, 8 1 -

82), ou seja, cerca de éculo e meio depois de te esboço de interferência estatal

"moderna" no tecido social lusitano.

N a verdade, e nas palavras do autor que temos seguido, " . . . as políticas sociais ( . . . ),

estão mais fortemente dependentes do tipo de desenvolvimento da economia, da

urbanização, da demografia e da farrulia do que da política. É um domínio em que o

voluntarismo legal parece pouco influente . . . " (Idem, 54) .

Não estando inteiramente de acordo com o autor, no sentido em que, como vimos antes

neste texto, a política é fundamental neste domínio como o mostra aliás , por um lado, a

diversidade de formatos do actual Estado - Providência, e por outro, a discussão que em

seu torno se dá em todo o Ocidente, e em especial na Europa, concordamos, no entanto,

com Medina Carreira quando este salienta que sem que algumas condições estruturais se

verifiquem, os esforços na construção de um Estado - Providência efectivo e real são

202

Page 204: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

inúteis, e aqui chegados, será fundamental lembrar, tendo em conta o objectivo deste

texto, que a concepção societal que designamos por Estado - Providência engloba a

universalização de uma parte considerada "básica" da educação.

Um exemplo que nos pode ajudar a melhor compreender o que antes dissemos prende­

se com a evolução em Portugal da primeira tentativa de introdução de um dos

instrumentos fundamentais da "providência social" moderna, ou seja, os seguros sociais

obrigatórios, que, cobrindo, através da participação dos empregados, empregadores e

Estado, situações de doença, acidentes de trabalho, desemprego e reforma dos

trabalhadores, foram lançados por B ismarck nas décadas de oitenta e noventa do século

X IX, estando na origem das bases do Estado - Providência contemporâneo.

Em Portugal , as primeira experiências a este nível, são levadas a efeito nos finais do

século X IX, " . . . no âmbito de algumas empresas ou organismos públicos . . . " (Idem, 6 1 ),

mas ó em 1 9 1 3 através da lei n° 83 de 24 de Julho, é instituído de forma muito parcelar

um seguro obrigatório que cobria apenas os acidentes de trabalho provocados por

máquinas, nas profissões industriais, agrícolas e marítimas (Cardoso e Rocha, 2003 ,

1 1 4), cujo âmbito veio a ser alargado em 1 9 1 9, passando a integrar os assalariados com

rendimentos anuais inferiores a 900$00 e que, sendo financiado por empregados e

patrões, seria gerido pelo Estado através da criação do Instituto de Seguros Obrigatórios

e Providência Geral (Ibidem) .

Seis anos depois, em 1 925, reconhecendo-se o fracasso desta medida, extingue-se

também aquela que seria a cúpula da gestão da Assistência Social, o Ministério do

Trabalho e Previdência, criado em 1 9 1 6 . Na origem da extinção deste M inistério,

aponta-se o fracasso da implementação dos seguros obrigatório , que, segundo os

autores que temos vindo a seguir, se deveria a três tipos de razões: por um lado,

movimento operário português da época, com as suas tradições anarquistas, privi legiava

a auto - ajuda através das caixas de socorros mútuos muitas vezes controlados pelos

próprios sindicatos; em segundo lugar, faltava ao Estado uma organização burocrática

eficiente que obrigasse patrões e operários a proceder aos respectivos descontos; e

finalmente a instabi l idade política e a espiral inflacionista do final da primeira

República tornavam os l imites inferiores a partir dos quais se teria direi to ao seguro

obrigatório impossíveis de controlar ((Idem, 1 1 5) .

N a verdade, se em 1 9 1 9, uma boa parte da população assalariada teria rendimentos

inferiores a 900$00, tal não seria o caso poucos anos depois. Com base em tabelas de

sal ári os para professores do ensino pri mário apresentadas por António Nóvoa (Nóvoa,

203

Page 205: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

1 987, 622-625) e de tabelas de salários apresentadas para operários industriais por

António Oliveira Marques (Marques, 1 978, 367) calculámos, com alguma margem de

erro, os possíveis vencimentos médios ao ano de cada uma destas categorias, sendo que

para 1 9 1 9 o salário médio anual de um professor do ensino primário seria de

aproximadamente 580$00 portanto, bem dentro da população abrangida pelos seguros

obrigatórios, mas seis anos depois, em 1 926, tal salário seria de aproximadamente

1 0. 1 28$00, o mesmo se dando com o salário médio anual de um operário industrial, que

seria aproximadamente de 624$00 em 1 9 1 9 e de 4.056$00 em 1 926 (Candeias, 1 994,

542) . Estes dados, embora tenham de ser encarados de forma cautelosa visto que

representam médias não ponderadas das diversas categorias de salários para cada uma

destas profi ssões, mostram o quão difíci l seria a gestão de um sistema de assistência

social baseada em l imites salariais, numa altura de inflação descontrolada como o foi o

final da Primeira Repúbl ica.

Na transição de regimes, da Primeira República para o Estado Novo, a assi stência social

ou previdência social nas palavras da época, passa a ser gerida, a partir de 1 933 , pela

Subsecretaria de Estado das Corporações e Previdência Social em substituição do então

extinto Instituto de Seguros Obrigatórios e Providência Geral e cerca de vinte anos

depois, no começo da década de c inquenta, esta Subsecretaria a passa a Ministério

(Cardoso e Rocha, 2003, 1 1 5), numa altura em que a cobertura social, sobretudo através

da primitiva forma de seguros sociais obrigatórios (Carreira, 1 996, 79), se alarga

progressivamente a mais portugueses, institucionalizando-se de forma segura e estável a

partir dos anos sessenta, como veremos pelos dados que de seguida fornecemos.

Quad ro 30 - Cálculo da percentagem de beneficiários activos da Segu rança

Social , em percentagem da Popu lação Activa, em Portugal, entre 1 940 e 1 990,

com excepção da fu nção públ ica

Ano População Activa Percentagem da população

aproxi mada coberta sobre a população activa

1 940 2.775.000 2,7%

1 950 3. 1 96.000 1 7, 5%

1 960 3.3 1 6.000 35,6%

1 970 3.061 .000 78,3%

1 980 4.303.000 76,2%

1 990 4.71 6.000 87,5%

Fontes: cálculo baseado em dados fornecidos por Carrei ra, 1 996, 80-81 ; Cardoso e Rocha,

2003, 1 1 7.

204

Page 206: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Duas questões patentes neste quadro merecem um comentário imediato. A primeira

refere-se ao súbito alto de beneficiários que se dá entre 1 960 e 1 970, que corresponde à

integração plena no regime geral de assistência social dos trabalhadores rurais e das

pescas, cuja chegada tardia ao s istema ainda hoje se faz penosamente sentir no baixo

valor das suas prestações de reforma; a segunda refere-se ao facto de que a partir da

década de noventa do século XX se poder considerar que o país beneficia de uma

cobertura social praticamente total da população portuguesa, uma vez que aos 87,5% da

população activa que em 1 990 se encontra coberta pela segurança social, se teria de

somar os cerca de 509 .732 funcionários das Administrações Centrais e Locais do Estado

contabil izados para o ano de 1 99 1 , que teriam esquemas de assistência próprios, mais os

mil i tares, a magistratura e os bombeiros, não incluídos nesta contabil ização do

funcional ismo públ ico, que também seriam cobertos por subsistemas separados de

assistência social geral (Barreto, 2000, 224-225) .

Mas outro quadro nos confirma a imparável a cen ão do"Estado - Providência" em

Portugal a partir da década de sessenta.

Quadro 31 - População abrangida pelos serviços médico-sociais e a sua

percentagem em relação à população residente em Portugal segundo os Censos

Populacionais, entre 1 950 e 1 975

Ano População abrangida População residente % da população abrangida

segundo os Censos sobre a população residente

Populacionais

1 950 334.500 8.441 .300 3,96 %

1 960 1 .402 .2 8 . 889.000 1 5,8%

1 970 5 . 1 99.3 8 .663.000 60%

1 975 7.293.6 9.308.000 78%

Fontes: Carreira, 1 996, 1 25 ; Barreto, 2000, 81 .

Tal como no quadro anterior, percebe-se que é a partir dos anos cinquenta, e sobretudo

nas décadas de sessenta e setenta, durante o ocaso do Estado Novo, que se dá a

tremenda aceleração dos indicadores relativos à "providência social" em Portugal,

sendo a obra terminada e formatada pela Democracia pós 1 974 e pelos fundos

provenientes da União Europeia a partir de 1 986.

Na verdade, como vários autores sublinham, a cobertura da população portuguesa em

termos de assistência soc ial conhece, nos vinte anos que vão dos começos da década de

cinquenta até aos princípios da década de setenta do século XX, ou seja, no período

205

Page 207: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

final do Estado Novo, uma expansão quantitativa impressionante, mas fragmentada,

que toma uma forma por vezes primitiva e que só a partir de 1 974 é reorganizada de

forma moderna: " . . . De facto, nos primeiros quarenta anos de vigência, o s istema teve a

natureza restrita de um conjunto de seguros sociais obrigatórios ( . . . ) Ao transitar para

um sistema mais amplo, que continuou a incluir os seguros sociais obrigatórios, mas

lhes acrescentou a protecção a não trabalhadores, financiada pela colectividade, foram

modificados os fundamento da solidariedade, o âmbito social da sua projecção e o

modo do seu funcionamento. Num certo sentido, pode mesmo dizer-se que até 1 974

vigorou o s istema de seguros sociais obrigatórios. Depois, um verdadeiro regime de

segurança social . . . " (Carreira, 1 996, 79) .

Trata-se assim de um "Estado - Providência", que na opinião de Ana Guillén, Santiago

Álvarez, e Pedro Adão e S i lva, se estrutura depois de 1 974, passando por uma fase de

"expansão" nos anos setenta, a que se segue a "concepção do sistema" na fase de

consolidação da democracia, seguida, nos primeiros anos de adesão à União Europeia,

de uma fase de "crescimento sem diferenciação" que procura corrigir a feição

fortemente "corporativi sta" do Estado - Providência português (Carreira, 1 996, 1 23 ;

Guillén, Álvarez e Si lva, 2005, 32 1 ) .

Esta característica "corporativa" atribuída às bases doEstado - providência português, é

al iás, para Esping - Andersen ( (Esping - Ander en, 1 999), a característica principal dos

"Estados - Providência" continentais, e que, recorrendo a este autor, tínhamos definido

em outra parte deste texto como sendo compostos por um certo número de traços, entre

os quais se contam a "desmercadorização do trabalho", variável conforme a riqueza do

país, a manutenção da estratificação social no contexto de um universalismo alargado

financiado por impostos e por cotizações sociais e, para os países do sul da Europa, a

predominância de uma versão de influência católica que enfatizaria o papel regulador

da farrúlia tradicional através da protecção ao emprego numa altura em que este seria

sobretudo ocupado pelo "chefe de fanulia", ou seja, por homens .

Serão estas as caracterí ticas do actual Estado - Providência português?

Em 1 992, num artigo de síntese sobre o Estado - Providência em Portugal , Juan

Mozzicafreddo, salientava alguns dos traços principais das suas características, entre as

quais o autor assinalava, por um lado, a existência de diferenças significativas entre as

regalias sociais usufruídas em Portugal relativamente aos países europeus mais

desenvolvidos, e por outro, a sua lógica neocorporativista, que se reflectia numa

" . . . forte presença da l ógica c l ientelar na resol ução de s i tuações sociais e

206

Page 208: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

económicas . . . " (Mozzicafreddo, 1 992, 83) . O autor sal ientava também a si tuação de

"contra - ciclo" do caso português, ou seja, um sistema de "Estado - Providência" que

se desenvolvia de uma forma clássica a partir dos anos setenta, quando as lógicas das

políticas sociais caminhavam já no sentido de " . . . uma relativa desregulamentação e

privatização dos sectores públicos . . . "(Idem, 84) , lógicas essas que foram continuadas

nas década seguintes, e que, como discutimos em parte anterior deste texto, parecem

incrustar-se de forma sólida nas práticas políticas contemporâneas. Neste contexto, o

autor reagia às pretensões de se estar perante uma minimização do papel do Estado nas

políticas sociais, defendendo que se tratava sobretudo de " . . . uma concepção de política

social na qual o Estado coloca maior ênfase no financiamento, na promoção e regulação

do que na produção e distribuição dos mesmos . . . " (Ibidem) , e que a pouca

profundidade e tradição do Estado - Providência português poderiam constituir uma

vantagem faci l itadora nessa mudança de paradigmas.

De qualquer das formas, Portugal tem o tipo de organização societal típica do Ocidente,

ou seja, uma forma de organização do Estado e da sociedade que poderemos designar,

sem nenhum constrangimento, por "Estado - Providência", com uma cobertura

educativa e de segurança social tendencialmente gratuita e praticamente universal

embora de qualidade contestada, dotado de um grau de benefícios sociais proporcionais

à sua riqueza e à eficiência da sua burocracia. Tal Estado - Providência só foi possível

de implementar com um enorme crescimento do funcionalismo público que, excluindo

mil itares e membros das forças de segurança, passa de 366.548 funcionários em 1 978

(Barreto, 1 996, 1 6 1 ; 2000, 225), para 599.674 em 1 996, já com a inclusão dos mil itares

e polícias (Idem, 2 1 5) e, finalmente, para 737 .774 em 2006 (Felner, 2006, 1 0) .

O quadro que d e seguida reproduzimos apresenta a evolução, entre 1 990 e 200 1 por um

lado, e entre 1 990 e 2003, por outro, de dois dos dados fundamentais para percebermos

a evolução do Estado - Providência neste período de tempo, ou eja, os gastos com a

assistência social em percentagem do PIB de cada país, e o total de descontos em

impostos e cotizações sociais que amparam as funções do Estado. Estes dados

mostram-nos, de forma gro seira, mas ainda assim indicativa, a evolução da dimensão

económica de forma comparativa das políticas sociais em Portugal .

207

Page 209: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 32 - Gastos públ icos com a assistência social e total de descontos em

i mpostos e cotizações sociais em percentagem do PIB dos segui ntes países da

U nião Europeia e da OCDE, entre 1 990 e 2003

Países Gastos Gastos Gastos Total de Total de

públ icos em públ icos em públ icos em descontos em descontos em

assistência assistência assistência impostos e i mpostos e

social em % social em % social em % cotizações em cotizações em

PIB (1 990) PIB (1 994) PIB (2001 ) % P IB (1 990) % PIB (2003)

Dinamarca 29.32 33.06 29.22 47.7 48.3

Finlândia 24.75 33.05 24.80 44.3 44. 8

Suécia 30.78 35.35 29.78 53.2 50.6

Austria 24. 1 0 27.29 25.96 39.6 43. 1

Bélgica 25.35 26. 8 1 24.72 43.2 45.4

França 26.61 29.27 28.45 42.2 43.4

Alemanha 22.80 26.91 27.39 35.7 35. 5

Grécia 20.90 2 1 . 1 6 24.34 29.3 35.7

Itália 23.26 24.36 24.45 38.9 43. 1

Luxemburgo 2 1 .86 22.98 20.84 40.8 4 1 . 3

Holanda 27.65 27.20 2 1 .75 42. 9 38.8

Portugal 1 3.90 1 7.30 2 1 . 1 0 29.2 37.1

Espanha 1 9. 55 2 1 .99 1 9.57 32. 1 34.9

I rlanda 1 8.65 1 9,99 1 3.75 33.5 29.7

Reino Unido 1 9. 55 23.22 2 1 .82 36.5 35.6

EUA 1 3.37 1 5.35 1 4. 73 27.3 35.6

Coreia 3. 1 3 3 . 36 6. 1 2 1 8.9 25.3

Média UE 1 5 23.27 26.00 23.59 39.3 40.5

Média OCDE 1 9. 09 2 1 . 53 20.77 34.8 36.3

Fonte: OECD Factbook, 2006b: Economlc, Envlronmental and Social Statlstlcs, ln

www.sourceoecd.org/factbook

Este amontoado de cifras, que podem ser confusas numa primeira leitura, i lustram um

ou dois pontos que achamos pertinentes para a compreensão do caminho percorrido

pela soci edade portuguesa na construção do seu "Estado - Providência". Em primeiro

lugar, quer em gastos com assistência social, quer na colecta de impostos, Portugal ,

partindo de muito baixo, vai sempre gastando mais dinheiro na assistência e colectando

mais impostos durante a última década do século XX, mantendo-se, no entanto, sempre

num nível abaixo da média de gastos e de impostos da União Europeia, mas

ul trapassando, no v irar do século, tais médias em relação aos países que constituem a

208

Page 210: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

OCDE. A tipologia, quer de gastos com a assistência social, quer de colecta de

impostos, é, tal como se dá com a Grécia e com a Itál ia, l inear, aumentando sempre,

enquanto que a tendência geral é a de uma curva ascendente até meados da década de

noventa, seguida, a partir daí, de uma retracção em gastos sociais e de um relativo

abrandamento na carga fiscal colectada.

Ou seja, a tendência "contra cícl ica" apontada por Juan Mozzicafreddo em 1 992,

segundo a qual Portugal se encontraria numa fase de construção do seu Estado -

providência, de uma forma clássica, numa altura em que se assistia a uma retracção, ou

pelo menos uma mudança nas origens do investimento no sector social por parte da

média dos países mais desenvolvidos, não é, em termos de cifras, visível na altura em

que o autor a enuncia, mas é bastante clara a partir da segunda metade da década de

noventa, quando quer os gastos assistenciais, quer a carga fiscal , sobem continuamente

em Portugal, numa altura em que tais gastos começam a baixar na maioria dos países

europeus e da OCDE. O esforço de reduzir ou "racionalizar" os gastos públicos em

Portugal só começa a ser visível depois de 2003 , podendo no entanto perguntar-se se tal

redução nos gastos públ icos teria sido possível antes, num país cujo "social" era, apesar

de tudo, tão recente e restrito.

De seguida, atente-se em dois casos que inscrevemos como "casos exemplares" nestas

estatísticas, que i lustram, o primeiro, relativo aos Estados Unidos da América, o

exemplo de um país dotado de um Estado - Providência "l iberal", ou seja, muito

restrito, e o segundo, a Coreia, um país em que difici lmente poderemo falar de "Estado

- Providência". De caminho, note-se como o tão elogiado percurso da Irl anda a afa ta

progressivamente do "Modelo Social Europeu", seja ele o que for nesta altura, e a

aproxima do "Estado - Providência l iberal" típico das Américas.

Assim, e para terminar, pensamos que se impõem três constatações que, pensamos nós,

rematam bem este capítulo.

A primeira destas constatações remete para a maneira como começámos esta parte do

texto, ao afirmarmos que a intervenção do Estado nas questões sociais se tornou num

imperativo de uma Modernidade cujas formas de economia destruíam os tecidos sociais

tradicionai s, mas que só a afirmação plena de tais formas de economia conseguiam

produzir a riqueza capaz de permitir a sustentação de tal intervenção. Os períodos de

transição, entre o desaparecimento do "antigo" e a emergência sustentada do

"moderno", foram dolorosos, estão plenamente cobertos por uma l i teratura social e

pol ítica que rel ata de forma pungente o vazio que se i nstalou durante tal mudança, e

209

Page 211: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

esta l i teratura mostra-nos que fez parte de tal processo o lançamento de formas de

gestão da "pessoa" e do "social" que construíram a Modernidade como a conhecemos.

Mas, como sabemos, a sorte do mundo não é igual, e nas zonas onde a pobreza

predomina e o "moderno" não se conseguiu impor, o "Estado - Providência", ou mesmo

o "Estado - nação", continuam a ser sonhos e aspirações que em muitos sítios estão a

ser substituídos por outras formas de organização social e políticas diferentes do

modelo "moderno", "modernizador" e, sem dúvida, pelo menos na ua ongem,

Ocidental.

A segunda questão serve para i lustrar, com o caso português, o que antes foi dito. Na

verdade, só o desenvolvimento económico do pós segunda Guerra Mundial permitiu o

lançamento, com algum grau de sustentabil idade, de uma política ocial que

efectivamente deu origem a um "Estado - Providência". O período de transição entre o

"antigo" e o "moderno" foi enorme em Portugal e esteve na génese de miséria e de

emigração em quantidades excessivas, mas uma vez conseguida, através da Ditadura, o

equilíbrio que lançou as bases da estabil idade pol ítica, foi possível capital izar no país o

ciclo de crescimento económico mundial e apl icá-lo, em parte, numa intervenção

crescentemente sustentada do Estado no tecido social . Tornou-se então viável a

construção do "Estado - Providência", uma "constelação societal" com pouco respeito

pelas ideologias, para desespero dos teóricos do Estado Novo que tentaram construir

um "social" corporativo inspirado no fascismo, que, à revelia das suas intenções, foi ,

n o entanto, seguindo como s e tivesse vida própria em direcção ao modelo que

predominava na Europa Ocidental Continental , um processo descrito por José Luis

Cardoso e Maria Manuela Rocha (Cardoso e Rocha, 2003), em texto que temos seguido

neste capítulo.

Finalmente, os dados mo tram-nos que o "Estado - Providência" português, sendo

relativamente restrito, o que está relacionado com a capacidade do país em gerar

riqueza, está, no entanto, plenamente inserido na tendências dominantes da Europa, e

que, portanto, e tal como a actual discussão em torno da sua sustentabi l idade nos

mostra, enfrenta os mesmos perigos, ameaças e alternativas que os "Estado -

Providência" ocidentais enfrentam, cada um à medida da sua dimen ão, capacidade

financeira acumulada e tradição social e política própria.

Vejamos agora, como evoluiu a sociedade portuguesa do ponto de vista educacional .

2 1 0

Page 212: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Os ritmos e as formas de alfabetização e de escolarização em Portugal durante os séculos XIX e XX

Os numerosos estudos levados a cabo sobre o desenvolvimento no Ocidente da

predominância, a partir dos séculos XVI I e XVII I, de um modo de cultura escrito, em

detrimento de formas de socialização baseadas sobretudo na oralidade, relacionam esta

mudança com as modificações que durante estes tempos se vão dando nos modos de

vida da Europa Ocidental , abrangendo uma série de factores que, em conjunto, se

intricam com os processos de implementação da "Modernidade", tal como temos

deixado escrito um pouco por todo este texto.

De forma mais específica, na génese de tal transição, encontram-se as questões

seguintes, que além de estarem amplamente estudadas, também já foram s istematizadas

neste texto:

- Os ciclos económicos que acompanharam a expansão europeia a partir do século

XVI, e, de seguida, a partir do século XVllI , ; O entrelaçar entre a Reforma

Protestante e a "cultura das luzes", que se traduziram por uma progressiva laicização

das sociedades, que foi criando a base da "cultura do cidadão"; e finalmente a

consolidação do conceito de Estado nação nos séculos xvrn e X IX, que resultou na

criação e aperfeiçoamento de aparelhos estatais com a função de, por um lado inculcar

uma base cultural universal unificadora em cada território administrado pelo Estado, e

por outro, instituir a ordem e a eficiência necessárias para manter um lugar num

contexto extremamente competitivo e tenso como o foi a Europa e depois o mundo,

entre os séculos XVI e XX (Candeias, 200 1 , 2004a; Candeias et.al. 2004b) .

Em conjunto, estas três questões, que nos abstemos de aprofundar v isto estarem

amplamente tratadas neste texto, podem ser apresentadas como as responsáveis pela

relativamente rápida transição que se deu, de sociedades em que a cultura escrita, sendo

um instrumento fundamental na gestão política, religiosa e económica era também um

bem raro e precioso, para sociedades em que a escrita se universalizou .

Sabemos, além do mais, que as mudanças que fizeram com que no Ocidente europeu,

num período que medeia entre três a quatro séculos, a escrita tenha passado de um

processo marginal para algo de universal, foram levadas a cabo de duas formas

diferentes, por vezes sobrepostas no tempo, mas em que uma, a que chamámos de

"al fabeti zação", acabou por deixar de ter sentido perante a escol arização massificada

2 1 1

Page 213: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

das sociedades modernas . Alfabetização e escolarização são pois dois conceitos que, j á

tendo s ido definidos de forma aprofundada neste texto, importa serem relembrados:

a) Por alfabetização designa-se um tipo de relação funcional com a leitura e por vezes

com a escrita, frequentemente de origem voluntária, geralmente espar a, superficial e

informal, mas podendo atingir níveis de intensidade muito desiguais . (Candeias, 200 1 ,

3 1 , 2004 a, 524-526) .

b) Por escolarização entende-se uma relação estruturada e progressivamente exigente

com um modo de cultura e crita, mas também a sujeição de coortes populacionais com

níveis etários bem determinados a uma forma de socialização imposta e aplicada

através de uma instituição construída expressan1ente para o efeito, a escola, que a partir

de meados do século XIX se organiza em rede e se articula com outras formas de

educação, sob o comando político, pedagógico e administrativo do Estado (Candeias,

200 1 , 3 1 ) .

Ou seja, e resumindo, os processos de alfabetização inserem-se em formas de

socialização endógenas tradicionais, "antigas", e o processo de escolarização, tal como

ficou amplamente marcado na primeira parte deste texto, faz parte de um processo de

social ização "exógeno", com uma forte componente cognitiva e definitivamente

"moderna", que se procura substituir ao primeiro.

Importa-nos nesta parte do texto perceber o caminho que no último século e meio os

processos de funcionamento social baseados na escrita tiveram em Portugal . Num

pnmelfo sub -capítulo desta parte do texto, já tínhamos demonstrado, com uma

profusão de quadros sobre os lugares ocupados pela sociedade portuguesa nos

processos de alfabetização e escolarização europeus, a sua estranha periferia face à

periferia europeia, pelo que, por agora, mais do que explicar as razões de tal l ugar, nos

ocuparemos sobretudo de tentar "sentir" o pulso á maneira como a alfabetização e a

escolarização foram progredindo em Portugal, no espaço de tempo que temos vindo a

referir.

Assim sendo, na nossa opinião, é fundamental fornecer indicadores que nos mostrem

como se deu, em Portugal, a transição de uma sociedade essencialmente oral e com

pouco uso da escrita, para uma sociedade em que esta se tornou predominante .

Na base de tais indicadores, deparamo-nos com o quadro seguinte que se refere à

alfabetização geral dos Portugueses durante o século :XX, por classe de idade segundo

os dez Censos Populac ionais que nele tiveram lugar.

2 1 2

Page 214: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 33 - Percentagem de alfabetização das pessoas residentes ou com

domicílio em Portugal com idades iguais ou superiores a 1 0 anos e por classes

de idades entre os 1 0 e os 64 anos, segundo os Censos Popul acionais

efectuados no século XX

Censos 1 900 1 91 1 1 920 1 930 1 940 1 950 1 960 1 970 1 98 1 1 991

* ** *** ••••

Percentagem de 27% 3 1 % 35% 40% 48% 58% 67% 74% 79% 89%

alfabetizados na

população de idade igual

ou superior a dez anos

1 0-1 4 24% 32% 36% 42% 60% 76% 97% 99% **** 99%

1 5-1 9 29% 35% 40% 44% 57% 68% 9 1 % 97% 98% 99%

20-24 30% 35% 40% 44% 56% 68% 80% 96% 98% 99%

30-34 30% 34% 37% 45% 48% ** 70% 80% 97% 99%

40-44 27% 30% 34% 39% 46% ** 6 1 % 70% 8 1 % 98%

50-54 22% 26% 30% 34% 39% ** 48% 59% 70% 85%

60-64 1 9% 22% 25% 29% 33% ** 44% 47% 58% 74%

Fontes: Censos Popu lacionais portugueses real izados entre 1 900 e 1 99 1 .

Notas: * A Revolução de 1 91 0 interrompeu o intervalo de dez anos entre cada Censo, tendo a

situação sido estabelecida nos anos que se segu i ram, até ao ano de 1 98 1 . ** No Censo de 1 950 o

intervalo entre grupos de idades a seguir aos 20-24 anos foi alterado para dez anos, o que o torna

impossível de comparar com os Censos anteriores e posteriores. *** No Censo de 1 970, os

resultados referem-se a uma estimativa que tem como base uma amostra de 20% da população

portuguesa.**** No Censo de 1 98 1 os resultados para a classe de idade 1 0- 1 4 anos não foram

fornecidos no corpo principal do Censo. A part ir desta data, foi determinado que os Censos teriam

lugar no p rimeiro ano de cada década.

Este quadro que, corno veremos, pode ser l ido de várias maneiras, i lustra bem a

maneira como se deu a implementação de uma sociedade baseada na escrita, no século

XX português .

A primeira leitura que propomos é urna leitura horizontal, ou seja, urna leitura que

compare as percentagens do total de alfabetizados com dez ou mais anos de idade em

cada Censo, verificando-se que de 1 900 a 1 99 1 exi te sempre urna progressão em tal

percentagem, mas trata-se de urna progressão com ritmos diversos conforme os

períodos de tempo: ela é extremamente lenta até aos anos trinta, acelerando a partir

dessa data, mas nunca se chegando à alfabetização universal dos portugueses durante o

século XX.

Na verdade, de 1 900 a 1 930, nos últ imos trinta anos do l iberal i mo português, a

percentagem de alfabetização da população portuguesa com mais de dez anos de idade,

2 1 3

Page 215: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

sobe treze por cento, de 27% para 40%; de 1 930 a 1 960, esta percentagem sobe vinte e

sete por cento, de 40% para 67%, e de 1 960 a 1 99 1 , ela passa de 67% para 89%

subindo vinte e dois por cento.

Poderemos assim dizer que, durante os primeiros trinta anos do século, tal como

acontece com a economia ou com a construção do S istema de Assistência Social, se

está em plena estagnação, o que se nota também nas fracas margens de progressão da

alfabetização da população portuguesa, e que, pelo contrário, a dinamização do tecido

social e económico português dos anos quarenta, mas sobretudo dos anos cinquenta em

diante, se nota também nas margens de progressão da alfabetização que sobe, ainda que

não de forma espectacular.

Na verdade, diríamos que estes números mostram que, durante o século XX, em

Portugal , apesar das nítidas melhorias registadas a este respeito na sua segunda metade,

não houve de forma continuada e sustentada, uma política eficaz que t ivesse como

objectivo a erradicação do analfabetismo, independentemente das campanhas de

combate ao "flagelo" que quer a primeira República, quer o Estado Novo lançaram

(Barcoso, 2002 ; Macedo, 1 953 . ) .

No entanto, uma análise horizontal fixada na classe de idade dos 1 0- 1 4 anos, a classe

mais sensível às políticas de implementação da escolaridade obrigatória, mostra que,

pelo contrário, a partir dos anos quarenta, ou seja, durante o Estado Novo, se verificou

um esforço por parte do Estado português em escolarizar todas as crianças em idade

escolar. Assim, entre 1 900 e 1 930, a percentagem de crianças com idades

compreendidas entre os dez e os catorze anos que são dadas como sabendo ler, varia

dezoito por cento, de 24% para 42%, mas dá um salto brusco para os 60% no Censo de

1 940, ou seja a mesma variação que se deu na trintena anterior, mas agora no espaço de

apenas dez anos, e vinte anos depois, em 1 960, praticamente todas as crianças deste

faixa etária estão alfabetizadas, o que neste caso significa que estão escolarizadas, ou

seja, estão nas "escolas formais", onde, na opinião de Ben Eklof se adquirem " . . . as

atitudes e as mudanças cognitivas associadas ao «tornar-se moderno» . . . " (Eklof, 1 990,

474 ) .

O gráfico seguinte, que retrata a progressão das taxas de alfabetização dos rapazes e das

raparigas com idades compreendidas entre os dez e os catorze anos, a par da progressão

das taxas de alfabetização de toda a população com idades iguais ou superiores a dez

anos, parece mostrar que os esforços levados a cabo pelo Estado Novo na capacitação

2 1 4

Page 216: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

literácita dos portugueses se centrou sobretudo na escolarização dos jovens e menos na

alfabetização dos que não tinham ido à escola.

Gráfico 11 - Comparação entre a progressão da taxa de alfabetização do total da

população portuguesa de idade igual ou superior a 10 anos e a progressão da

mesma taxa em rapazes e raparigas da classe de idades dos 10-14 anos, entre

1900 e 1991

120�----------------------------------�

100+-----------------------��

80 +-------------------�·--------��--�

60+---------------�--��------------�

40 t---�==����----------------�

20

-+-%de alfabetização maiores de 10 anos

-%de alfabetização rapazes 10-14 anos %de alfabetização meninas 10- 14 anos

Fontes: Censos Populacionais de 1900, 1911, 1920, 1930, 1940, 1950, 1960, 1970, 1981, 1991.

Este gráfico mostra limpidamente os resultados indesmentíveis do investimento do

Estado na escolarização dos mais novos a partir da década de quarenta, em contraste

com o autêntico pântano em que, até essa data, se encontrava a situação educativa do

país.

Em primeiro lugar, note-se como até 1930 as taxas de alfabetização das classes de

idade mais novas, são similares às taxas de alfabetização da população total. Similares,

ou seja, os rapazes ligeiramente mais alfabetizados do que a média, e as raparigas

sensivelmente menos alfabetizadas do que os rapazes e portanto, do que a média da

população, e, em geral, todos se encontrando "estacionados" num limiar de

alfabetização muito baixo, que ia dos 46% dos rapazes a saberem ler, para apenas 37%

das meninas nas mesmas condições, enquanto que a percentagem total dos

215

Page 217: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

alfabetizados com mais de dez anos não passava dos 40% (Candeia et. aI., 2004 b,

1 47- 1 48) . Dez anos depois, ou seja, em 1 940, já rapazes e raparigas da classe de idade

dos 1 0- 1 4 anos tinham largamente ultrapassado a percentagem de alfabetização da

população total , sendo as suas respectivas taxas de alfabetização de 64% para os

rapazes, 57% para as raparigas e 48% para a popu lação total (Idem, 1 63- 1 64), acabando

tal tendência por atingir os seus fins no Censo de 1 960, quando 97% dos rapazes e das

raparigas da classe de idade dos 1 0- 1 4 anos são dados como alfabetizado , num

universo em que apenas 67% dos portugueses com mais de dez anos de idade sabem ler

e escrever (Idem, 1 89- 1 90).

Assim, duas questões se tornam claras com esta análise: em primeiro lugar, e como

antes foi afirmado, parece óbvio que, durante o século XX em Portugal , não existe

nenhuma política sustentada que tenha como objectivo a erradicação do analfabetismo;

em segundo lugar, parece também indesmentível que o Estado Novo consegue reunir os

meios e a vontade de escolarizar as crianças portuguesa , mas tal só se dá na segunda

metade do século, pelo que a primeira coorte de crianças em relação às quais se pode

afirmar com um grande grau de segurança que sabem ler, ou que, pelo menos, tiveram

um enquadramento institucional moderno que os encaminhava para tal, nasce entre

1 946 e 1 950, ou seja, têm no tempo em que este texto está a ser redigido (2006), idades

compreendidas entre os 56 e os 60 anos.

Mas continuando nesta busca das formas e dos ri tmos de alfabetização e de

escolarização dos portugueses, e em vez de continuarmos por uma leitura "horizontal"

dos Censos, propomos uma mudança de perspectiva, passando a optar por uma "leitura

vertical", ou seja uma leitura que parta da classe de idades mais baixa para a mais alta

em cada um dos Censos, o que nos ajudará a compreender a mudança que se dá na

"tipologia" de acesso à letras por parte dos portugueses a partir da década de quarenta.

Procedendo a tal leitura, verificamos que nos quatro primeiros Censos, ou seja, os

Censos que vão de 1 900 a 1 930, as classes de idade que naturalmente estariam mais

alfabetizadas porque, em circunstâncias normais, estariam mais escolarizadas, seriam as

referentes ao grupo de idades dos 1 0- 1 4 anos, mas não é isso que acontece.

Na verdade, nos Censos de 1 900, 1 9 1 1 , 1 920 e 1 930, a classe de idade com maior

percentagem de alfabetizados varia entre as clas es com idades incluídas entre os 1 5 - 1 9

anos e as classes com idades compreendidas entre os 30-34 anos, sendo que os mais

alfabetizados nunca são os mais novos. Tudo parece começar a mudar a partir do Censo

seguinte, e com uma cl areza cada vez mais evidente nos Censos que se seguem,

2 1 6

Page 218: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

percebendo-se que, a partir de 1 940, as classes de idade maIS novas são as maIS

alfabetizadas, e , a partir de 1 960, começamos mesmo a detectar uma barreira de

"escolarização" que separa classes de idade integralmente escolarizadas daquelas onde

a escolarização nunca foi completa: dos 1 0- 1 4 anos para os 20-24 anos de idade no

Censo de 1 960, dos 20-24 anos para os 30-34 anos de idade no Censo de 1 970, e por aí

em diante.

A primeira e a mais imediata interpretação acerca desta "tipologia" de ligação às letras

é que, na primeira fase, os períodos de aprendizagem da leitura e da escrita continuam

para além das idades que são usuais em sociedades escolarizadas, o que é consistente

com as formas de alfabetização pré-modernas, que dependem do contexto, social e

profissional , por outras palavras, das necessidades de adaptação a ambientes de vida e

de trabalho que ocorrem essencialmente durante o começo da vida adulta, o que

começa a mudar desde o momento em que a escola frequentada nas idades consideradas

padrão, se torna na via principal de acesso à escrita.

No entanto, apesar de os processos de alfabetização e de escolarização estarem bem

conhecidos e delimitados (Candeias, 1 996 ; 2000; 200 1 ; 2004a; 2004b ; 2005 a; 2005 b ;

Candeias et aI. 2004b; Magalhães, 1 994; 1 996 ; 2005 ; Paz, 2005), existem outras

variáveis que é necessário ter em conta na sua análise, e entre elas encontram-se as

enormes variações de população que se dão entre cada classe de idade, fruto de taxas de

mortalidade, de emigração, entre outras variáveis independentes possíveis , cujo grau de

variação é sempre difíci l de determinar, mas que certamente afectariam de maneira

diferenciada as populações segundo o seu grau de instrução (Gabriel, 1 998 ; Rodrigues,

1 995; Rosa e Vieira, 2003 ; Veiga, 2003) .

Para melhor entendermos o papel de cada uma destas variáveis nas formas de acesso às

letras dos portugueses durante o século XX, teremos de enveredar por um outro t ipo de

análise de dados a que chamamos de "análise transversal", ou análise de coortes

populacionais .

De acordo com Narciso Gabriel, a anál ise de coortes populacionais é " . . . baseada em

três conceitos básicos: idade, período e coorte ( . . . ). Em termos funcionais , idade é o

tempo que decorre entre o nascimento e a data da observação. Período é o momento em

que a observação é feita ( . . . ) coorte é constituída por um grupo de pessoas nascidas no

mesmo intervalo temporal . . . "(Gabriel , 1 998, 38) .

Assim sendo, trata-se de estudarmos uma variável, o grau de alfabetização de uma dada

coorte populacional a que poderían10s chamar, na linguagem clássica do método

2 1 7

Page 219: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

experimental, de variável dependente, em determinadas idades e em determinados

períodos, os quais coincidem com a efectivação de Censos Populacionais .

Para que tal estudo seja exacto, teria de ter-se passado algo que nunca acontece de

forma absoluta, ou sej a, que durante um século, neste caso o século XX, a regularidade

dos Censos tivesse sido constante, o grau de confiança nos seus resultados total, a

definição do conceito de "alfabetização" se mantivesse estável e que os grupos de idade

em relação aos quais os resultados são revelados não mudassem, o que sabemos que

nunca aconteceu nem poderia ter acontecido.

Desta maneira, quer a revolução republicana de 1 9 1 0, quer a adesão às normas

estatísticas da União Europeia, vieram a ser responsáveis pelas datas em que foram

efectuados os Censos de 1 9 1 1 , 1 98 1 e 1 99 1 , mudando o período em que a maioria dos

Censos do século XX foi realizado, do final , para o primeiro ano de cada década; a

partir de 1 940, mas sobretudo de 1 960, os conceitos de alfabetizado e de escolarizado

sobrepõem-se (Candeias, 2000; 200 1 ;Candeias et ai. 2004b; Paz, 2005) ; em 1 950, os

resultados a partir dos grupos de idade dos 20-24 anos são fornecidos por intervalos

etários de dez anos o que torna impossível entrar em conta com estas idades no

seguimento de coortes ; e , finalmente, os resultados dos Censos são de fiabi l idade

inconstante, tornando-se sobretudo indicativos de tendências (Candeias, 2004a;

Candeias et. ai, 2004b ; Ni lson, 1 999; Paz, 2005). No entanto, e mesmo entrando em

conta com as l imitações apresentadas, a tentativa de estabelecer relações entre

alfabet ização, género e demografia justifica a anál ise comparativa de duas coortes

populacionais nascidas com um intervalo de cinquenta anos entre si, a sendo primeira

composta por indivíduos nascidos entre 1 886 e 1 890 e a segunda por indivíduos

nascidos entre 1 936 e 1 940.

2 1 8

Page 220: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quad ro 34 - Alfabetização, género e variação demográfica numa coorte

populacional residente ou domici l iada em Portugal, entre 1900 e 1940, nascida

entre 1886 e 1890, entre as idades de 10-14 anos e 50-54 anos

Período 1900 1911 * 1920 1930 1940 Variação total

Idade 10-14 20-24 30-34 40-44 50-54

População total 580.081 511.517 392.845 377.365 346.116 - 40%

Variação populacional - 12% - 23% - 4% - 8%

entre períodos

População masculina 295.286 233.247 175.380 172.401 154.011 - 48%

Variação da população - 21% - 25% - 2% - 11%

mascul ina entre

períodos

População fem i n i na 285.095 278.270 217.465 204.964 192.115 -33%

Variaçao da população - 2% - 22% - 6% - 6%

fem i n i na entre

períodos

Populaçao total 141.607 178. 116 147.063 147.002 133.769 - 6%

alfabetizada 24% 35% 37% 39% 39%

Variação da população + 25% - 18% 0% - 9%

alfabetizada entre

períodos

Alfabetizada masculina 85.929 100.488 84.441 88.111 76.759

29% 43% 48% 51% 50% - 11%

Variação da população +17% -16% +4% -13%

alfabetizada mascul ina

entre períodos

Alfabetizada fem inina 55.678 77.628 62.622 58.891 57.010 + 4%

19% 28% 29% 29% 30%

Variação da população +39% -19% -6% -3%

alfabetizada feminina

entre períodos

Fontes: Recenseamentos populacionais de 1 900, 1 911, 1920, 1930 e 1 940.

* A revolução republicana de 1910 interrompeu o período de dez anos entre cada recenseamento,

fazendo com que parte da população de 20-24 anos aqui referida não pertença à coorte em estudo.

Em 1911, os membros da coorte que estamos a analisar, teriam idades compreendidas entre os 21 e

os 25 anos.

A primeira constatação relativamente a este quadro tem a ver com a enorme perda de

população desta coorte durante o intervalo de tempo em que foi seguida. Assim, entre a

idade dos 1 0- 1 4 anos e a idade dos 50-54 anos, das 580.08 1 pessoas residentes em

2 1 9

Page 221: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Portugal no ano de 1 900, já só restam 346 . 1 1 6 em 1 940, o que equivale a uma perda de

cerca de quarenta por cento da população recenseada no espaço de quarenta anos. Mas

se nos referirmos aos homens, a percentagem de desaparecidos sobe para quarenta e

oito por cento, ou sej a, quase metade da população masculina com idades compreendias

entre os 1 0- 1 4 anos recenseada em 1 900 não existe no recenseamento de 1 940.

Verificamos também que a perda principal de população se dá entre os 1 0- 1 4 anos e os

30-34 anos, e é impossível não a relacionarmo com a primeira GuelTa Mundial, com o

surto de gripe pneumónica dos finais de 1 9 1 8 e princípios de 1 9 1 9, mas sobretudo, com

a emigração.

Na verdade, uma análise mais fina permite-nos perceber que o decréscimo de

população é desigual segundo os sexos e, como veremos, também segundo o grau de

alfabetização. Assim, os dados de que dispomos permitem-nos avançar a hipótese de

que os homens começam a emigrar mais cedo do que as mulheres, entre as idades de

1 0- 14 e de 20-24, e paço de tempo em que desaparece 2 1 % da população masculina e

apenas 2% da população feminina, e continuam no período seguinte, dos 20-24 anos

para os 30-34 anos, agora em número similar ao das mulheres. Ou sej a, se atribuirmos

estas variações bruscas de população à emigração, poderemos concluir que ela consiste

numa primeira vaga de emigração j ovem, masculina e solteira, a que se segue uma

segunda, agora em famíl ia, e, de seguida, a população estabi liza.

Nas seis coortes que anal isámos, nascidas entre 1 886 e 1 940, saem empre maIS

homens do que mulheres, mas a tendência é para que as diferenças se vão atenuando e

sobretudo, note-se que nenhuma destas coortes regista uma perda de população tão

drástica como a nascida entre 1 886 e 1 890, que está no centro da nossa análise.

Voltando à coorte exposta, a relação entre variação de população e alfabetização parece

evidente, mas nem sempre de interpretação fáci l.

Assim, a primeira evidência refere-se ao facto de, entre 1 900 e 1 940, desaparecerem

dos Censos Populacionais portugueses 40% da população total e apenas 6% da

população alfabetizada. Algo de semelhante se verifica se nesta comparação cruzarmos

o género e a alfabetização: a percentagem de homens que desaparece entre os Censos

de 1 900 e de 1 940 é, como antes referimos, de 48%, mas a percentagem de homens

alfabetizados que e perdem no mesmo período de tempo é de apenas 1 1 % ; quanto às

mulheres, o mesmo acontece, mas de forma mais c lara, ao desaparecerem da coorte,

entre os Censos de 1 900 e de 1 940, 33% de mulheres, enquanto que no mesmo período

de tempo a percentagem de mulheres alfabetizadas aumenta de 19% para 30%.

220

Page 222: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Destes números, parece-nos l íc ito pensar que a emigração portugue a é menos

alfabetizada do que a população que não emigra, ou seja, que ao sairem sobretudo

analfabetos, o peso dos alfabetizados na população que fica, e que, portanto, é

recenseada, aumenta, contribuindo para um aumento dos alfabetizados à medida que a

população envelhece.

Os problemas aumentam quando comparamos as perdas de população em cada grupo

de idade segundo o sexo e a alfabetização.

Vejamos o que se passa com o caso dos homens: dos 1 0- 1 4 anos para os 20-24 anos

perde-se 2 1 % da população e ganha-se 1 7% de alfabetizados, o que parece querer dizer

que, além de neste intervalo de tempo se ter continuado a assistir a um aumento do

número de alfabetizados entre os recenseados, o que os números absolutos confirmam,

a esmagadora maioria da população perdida seria analfabeta, o que explicaria o

aumento da percentagem de alfabetizados entre a população que teria ficado em

Portugal .

No entanto, se prestarmos atenção ao que se passou com as mulheres do mesmo grupo

etário, poderemos tirar conclusões opostas.

Na verdade, na mesma classe de idades, ou seja, dos 1 0- 1 4 para os 20-24, perde-se 2%

da população feminina e ganha-se 39% de alfabetizadas . Como a percentagem de

perdas populacionais femininas é i lTelevante, poderemos concluir que este seria o

comportamento normal da coorte masculina, se não se tivesse observado uma taxa de

emigração tão acentuada. Este comportamento de uma população feminina que não

emigra e que tem os mesmos padrões de escolarização dos rapazes, embora mais

atenuados, permite-nos pensar que o ganho de alfabetizados masculinos residentes seria

bem maior se não tivesse ocorrido uma emigração tão relevante neste intervalo de

idade, o que nos permite ainda avançar com a hipótese de que, e ao contrário do que

tínhamos sugerido antes, esta jovem emigração masculina seria provavelmente

constituída por uma forte percentagem de alfabetizados.

De acordo com esta leitura dos dados, que nos parece ser a mais plausível, as

conclusões mudam: a emigração seria em parte responsável pelas baixas taxas de

alfabetização das populações que ficaram em Portugal, e por outro lado, o movimento

de aquisição dos mecanismos de leitura e escrita no grupo de idades dos 1 0- 14 para os

20-24 anos, seria bem mais intenso do que à primeira vista poderíamos pensar.

Se pararmos de analisar as mudanças que se dão neste dinâmico grupo de idades e

passarmos para os grupos seguintes, tudo parece normal: perde-se população total,

22 1

Page 223: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

masculina e feminina em percentagens similares, o mesmo valendo para as perdas de

populações alfabetizadas femininas e masculinas. Tudo parece mais maduro e

previsível a partir dos 24 anos, o que nos faz pensar na odisseia de milhares de jovens

que, sozinhos, teriam atravessado o Atlântico, esquecendo a meninice em busca de uma

vida melhor, deixando atrás de si dor, medo e vazio.

Pouco sabemos sobre eles, mas a hipótese mais segura é a de que a força que os fez

largar a miséria seria a mesma que os teria empurrado para uma alfabetização

titubeante, que sabiam necessária para melhorarem de vida nos seus novos países.

Também percebemos que as dúvidas que temos quanto ao facto de eles serem mais ou

menos alfabetizados do que os seus conterrâneos se prende com a circunstância de a

alfabetização ser uma categoria fluida, interior à pessoa, pouco institucionalizável e ,

portanto, difíci l de avaliar através de mecanismos externos ao indivíduo. O quadro

seguinte mostra-nos o que mudou em cinquenta anos:

222

Page 224: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 35 - Alfabetização, género e variação demog ráfica numa coorte

populacional residente ou domici l iada em Portugal, entre 1950 e 1991, nascida

entre 1936 e 1940, entre as i dades de 10-14 anos e 50-54 anos

Período 1950 1960 1970* 1981 1991 Va riação total

idade 10-14 20-24 30-34 40-44 50-54

Popu lação total 799.693 705.204 533.975 574.160 559.346 -30%

Variação populacional -12% -25% +8% -3%

entre períodos

População masculina 406.039 336.673 250.350 273.274 265.623 -35%

Variação da população -17% -25% +8% -3%

masculina entre

períodos

População femi nina 393.654 368.532 283.625 300.883 293.723 -25%

Variação da população -6% -23% +6% -3%

fem i n ina entre

períodos

População total 604.062 560.873 425.090 465.863 474.682 -21%

alfabetizada 76% 80% 80% 81% 85%

Variação da população -7% -25% +10% +2%

alfabetizada entre

períodos

Alfabetizada masc u l i na 320.167 280.995 211.990 236.613 237.64 1

79% 83% 85% 87% 89% -26%

Variação da população -12% -25% +21%% +0.4%

alfabetizada masculina

entre períodos

Alfabetizada fem i n i na 283.895 279.878 213.100 229.250 237.211 -20%

72% 76% 75% 76% 81%

Variação da população -1% -23% +8% +4%

alfabetizada fem i nina

entre períodos

Fontes: Recenseamentos populacionais de 1 950, 1 960, 1970, 1 981 e 1991.

* No Censo de 1 970, os resultados referem-se a uma estimativa que tem como base uma

amostra de 20% da população portuguesa

Tudo se parece atenuar nesta coorte e, por comparação com a anterior, ela aparece

muito mais homogénea e "compacta", ou seja, aparece muito menos dividida por

variáveis como a alfabetização e o género, do que a coorte populacional nascida entre

os anos de 1 886 e 1 890.

223

Page 225: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

As im, as duas grandes diferenças que à primeira vista se detectam entre as duas

coortes aqui em anál ise centram-se, por um lado, nas variações de população que se dão

em ambas as coortes e , por outro, nas habi litações l iterárias de tais populações.

Como antes ficou expresso, a primeira coorte aqui analisada perde, entre 1900 e 1 940,

40% da população inicial , a segunda perdendo apenas, entre 1 950 e 1 99 1 , 30% da

população inicial . O diferencial de perdas entre homens e mulheres também se atenua

bastante, sendo que na primeira coorte se perdem entre 1 900 e 1 940 mais 1 5% de

homens do que de mulheres, tal diferença diminuindo, entre 1 950 e 1 99 1 para 1 0%.

Mas os números também nos mostram mudanças qualitativas, como por exemplo, o

facto de que, na primeira coorte analisada, a perda de população até aos vinte e quatro

anos de idade ser quase que exclusivamente masculina, enquanto que na segunda, tal

perda é mais equilibrada em termos de género, o que parece indicar que estaremos, de

uma para outra cOOlte, perante tipos de emigração l igeiramente diferentes. Na segunda

coorte analisada, regista-se ainda, entre o Censo de 1 970 e o Cen o de 1 98 1 , um

aumento de população total e da população alfabetizada, que resulta do retorno dos

portugueses na sequência da independência das antigas colónias africanas, retorno esse

que vem compensar o que parecia ser uma continuação da emigração maciça para a

Europa e América.

No que diz respeito à variável "alfabetização", a primeira evidência é a de que esta

coorte é muito mais alfabetizada do que a anterior, o que é ainda reforçado pelo facto

de a população que vem das ex-colónias ser mais alfabetizada do que a população de

acolhimento, como indicam as diferenças entre o acréscimo de população total e de

população alfabetizada que se dão entre 1 970 e 1 980: há, em 1 980, mais 8% de

portugueses a residirem em Portugal do que no Censo anterior, mas, no mesmo ano, há

mais 1 0% de portugueses alfabetizados do que na década anterior.

No entanto, pensamos que o que é verdadeiramente importante não são as mudanças

quantitativas, mas sim as qualitativas.

Com efeito, uma análi se atenta desta cOOlte mostra-nos, como antes tínhamos

subl inhado, que a relação entre a alfabetização e outro tipo de variáveis como o sexo, a

idade ou a emigração é muito mais estável nesta coorte do que na coorte anterior. O

primeiro exemplo do que afirmamos vem-nos da estabi l idade da alfabetização ao longo

da vida, evidenciado pela segunda coorte, se a compararmos com a coorte anterior.

Assim, a variação de percentagens de alfabetização desta população, quando têm idades

compreendidas entre os 1 O-l4 anos e quarenta anos depois, quando têm idades

224

Page 226: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

compreendidas entre os 50-54 anos, é muito menor do que na coorte anterior, o que

mo tra que ne ta população o acesso às letras se deu, por comparação com a população

anterior, de uma forma mais intensa na juventude, tendo as habi l itações l i terária pouco

mudado em seguida, sendo que isso corresponde já às características da escolarização e

não da alfabetização. Por outro lado, o diferencial de alfabetização entre homens e

mulheres, não só o inicial, mas o que atribuímos a dinâmicas de populações distintas

segundo os géneros, reflectem uma maior homogeneidade de habi l itações e de papéis

sociais entre os dois sexos, por comparação com a coorte anterior e , como antes

referimos, a diferença entre a perda de efectivos referentes à população total, por

comparação com a mesma perda na população alfabetizada, é também ela muito menor

na segunda coorte, onde não chega aos 1 0%, do que na primeira cOOlte, onde ultrapassa

os 30%.

Isto quererá dizer que, na segunda coorte analisada, o diferencial entre alfabetizados e

não alfabetizados segundo a emigração e a esperança de vida será muito menor do que

na primeira cOOlte, em que tais variáveis se cruzam de forma aparentemente

significativa com as taxas de alfabetização.

Por outras palavras, na segunda coorte que analisámos, os portugue es que emigram e

os portugueses que ficam em Portugal, tanto homens como mulheres, têm taxas de

alfabetizações muito mais próximas do que no passado, e tais taxas reflectem uma

escolarização mais avançada na segunda coorte do que na primeira.

Desta forma, e em conjunto, estes dados parecem mostrar-nos, que enquanto a primeira

coorte populacional era sobretudo alfabetizada, uma categoria, instável , dependente do

contexto social, profi ss ional , geográfico e sexual , a segunda coorte será sobretudo

escolarizada, uma categoria mais estável, que, uma vez que está dependente de políticas

de Estado que incluem a sua universalidade, é menos sensível às variáveis sociais e de

género do que a categoria anterior. Enquanto que, na primeira coorte, cujos

componentes teriam nascido entre 1 886 e 1 890, se verificava um tipo de relação com o

mundo letrado que poderíamos caracterizar como sendo sobretudo pré-moderno, a

segunda coorte aproxima-se de uma relação - padrão com o mundo das letras, que

poderíamos caracterizar como sendo típica da Modernidade.

Estas conclusões, extraídas de cálculos que abrangem populações na ordem dos

milhões de pessoas, são confirmadas pelos estudos de caso que orientámos sobre as

mudanças que se dão na relação quotidiana entre variávei s como a escola, o trabalho e

o lazer, em duas gerações, de "avós" e de "netos", que introduzimos no começo deste

225

Page 227: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

parte do texto sobre Portugal (Bom, 2000; Candeias e Simões, 1 999; S imões, 1 998;

Valentim, 2002; Vareiro, 2000).

Tendo feito parte de tais estudos de caso o prolongamento das questões relativas à

alfabetização uma geração para trás, ou seja, para os "bisavós" se tivermos como

referência os "netos", foi-nos possível resumir em quadros numéricos a evolução das

habil itações alfabéticas de três gerações em cada uma das quatro localidades que

trabalhámos, assim como a forma de obtenção de tais habil itações. O quadro que de

seguida apresentamos, referente à freguesia do Beco, Concelho de Ferreira do Zêzere,

constitui uma amostra representativa dos resultados referentes a estes estudos.

Quadro 36 - Variação das competências literácitas enquanto adultos, na

freguesia do Beco, concelho de Ferreira do Zêzere: a "geração dos bisavôs",

nascidos entre 1888 e 1914, a "geração dos avós", nascidos entre 1926 e 1936 e

a "geração dos pais", nascidos entre 1945 e 1969

Bisavôs (1888 - Avós Pais

19 14) (1926 - 1936) (1945 - 1969)

Mascu l i no

Analfabetos 53% (10) 0% (O) 5% (1)

Alfabetizados 26% (5) 0% (O) 5% (1)

Diploma do primário ou 21% (4) 100% (10) 90% (18) estudos pós primários

População Total 100% (19) 100% (10) 100% (20)

Femin ino

Analfabetos 75% (15) 30% (3) 5% (1)

Alfabetizados 10% (2) 20% (2) 0% (O) Diploma do primário ou 15% (3) 50% (5) 95% (19)

estudos pós -primários

População Total 100% (20) 100% (10) 100% (20)

Total Analfabetos (Masc.+ 64% (25) 15% (3) 5% (2)

Fem.)

Total Literatos 36% (14) 85% (17) 95% (38)

(Masc.+ Fem.)

População Total 100% (39) 100% (20) 100% (40) -

Fonte: Slmoes, 1998, 118.

E aqui , tal como nos Censos, mas de forma mais visível , se percebem simultaneamente

o enorme atraso na alfabetização dos portugueses por comparação com outros povos

culturalmente similares, assim como as diferenças entre as formas antigas de acesso às

letras e as formas modernas do mesmo processo.

226

Page 228: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Comece-se com a geração dos "bisavós", nascidos entre 1 888 e 1914, e veja-se que das

trinta e nove pessoas, dezanove homens e vinte mulheres sobre quem conseguimos

reunir informações, só sete, ou seja, 1 8% de entre eles, quatro homens e três mulheres

tinham feito os seus estudos básicos, na escola, em idades consideradas normais para a

sua frequência; outros sete, cinco homens e duas mulheres tinham sido "alfabetizados"

ou seja, t inham aprendido a ler sem ter frequentado a escola, caso de quatro homens e

uma mulher, ou através de uma frequência escolar episódica para os outros dois , um

homem e uma mulher (Candeias e S imões, 1 999, 1 77); quanto aos restantes vinte e

cinco, dez homens e quinze mulheres, ou seja, 64% desta amostra, não sabiam

simplesmente ler, sendo classificados pelos seus fi lhos, os "avós" deste estudo, como

sendo analfabetos.

As coisas mudam numa geração e os "avós" nascidos entre 1 926 e 1 936 já se

encontravam maioritariamente escolarizados e detentores pelo menos de um diploma de

Instrução Primária. Este foi o caso de todos os dez avós "homens", mas de só cinco

avós "mulheres", as outras cinco sendo os restos perfeitos de uma cultura de transição

entre o "antigo" e o "moderno" : uma de entre elas nunca frequentou nenhuma escola,

duas aprenderam a ler através de uma frequência irregular da escola e outras duas

frequentaram a escola, conseguiram o diploma de Instrução Primária, mas o meio em

que viviam e o trabalho de "agricultoras - domésticas" que sempre exerceram, levaram­

nas a perder as capacidades de leitura e escrita durante a vida adulta (Idem, 1 79).

Já a geração dos "pais", algo heterogénea, uma vez que nasceu entre 1 945 e 1 969, é

praticamente toda escolarizada, casos de trinta e sete de entre os quarenta pais e mães

das vinte crianças que serviram de referência neste estudo, mas mesmo assim, um dos

pais e uma das mães são analfabetos, e um dos homens considera-se "alfabetizado", ou

seja, aprendeu a ler na escola, mas sem a ter concluído. Diga-se de passagem que, dos

quarenta pais e mães aqui recenseados, só nove possuíam mais do que a instrução

primária, ou seja, menos de 25% da amostra populacional envolvida neste estudo, tinha

como habil i tações, no ano de 1998, mais de quatro anos de escolaridade, o que como

veremos à frente se tornará num problema difíci l de gerir numa sociedade como a dos

nossos dias.

Todas as características das formas pré-modernas de acesso à e crita desfi lam nestes

dados, que os meios urbanos temperam mas não desmentem (Bom, 2000; Valentim,

2002), e a primeira de tais características é precisamente a dependência em que se

encontram as vias de acesso à escrita face a vários tipos de contextos : o género, a

227

Page 229: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

pobreza e o contexto geográfico são determinantes no percurso de alfabetização da

maior parte dos "bisavôs" e de uma parte significativa dos "avós". O mesmo se dá com

a motivação de aprender: dependente de estratégias familiares ou pessoais de

mobil idade social, a frequência de uma escola, pública ou privada, ou a contratação de

um mestre que ensine a ler e a escrever pode ser distribuída desigualmente pelos filhos,

segundo as posses da famíl ia e segundo os diferentes papéis que a cada um é atribuído

na economia fami liar. Também se pode aprender a ler e a escrever num período mais

tardio da vida, usando-se ou não uma "escola estatal", num contexto que se moste mais

favorável a tais aprendizagens como por exemplo será o caso da emigração, interna ou

para fora, cujo objectivo é sempre a cidade, sítio onde a alfabetização faz mais sentido

do que no campo.

A escolarização do Estado rompe com todos estes contextos e motivações, e a todos

trata com relativa igualdade, a todos exigindo um percurso aprovado institucionalmente

que imponha um mínimo de instrumentos "cientificamente" val idados que lhes permita

entrar na sociedade moderna e torná-la mais eficiente, num jogo ambíguo entre a

autonomia pessoal que a posse de um instrumento conceptual tão eficiente como a

escrita sempre permite e o controlo que quem tutela a escola espera poder exercer sobre

quem a frequenta.

De uma estratégia, a da alfabetização, que nunca conseguiu transformar definitivamente

sociedades orais em sociedades baseadas na escrita, para a outra, a da escolarização,

houve transições, que foram mais longas em algumas sociedades do que em outras, algo

que está estudado por vários autores que já aqui mencionámos, e o caso português,

como também afi rmámos, é singular neste processo, e s ingul ar pel as piores razões.

Na verdade, não pode deixar de aparecer como chocante, tendo em conta o contexto

geográfico em que Portugal se insere, o atraso com que a escolarização plena do país se

dá: como antes foi afi rmado, a primeira geração portuguesa sobre a qual existe uma

certeza quase absoluta de ter sido totalmente escolarizada, nasceu entre 1946 e 1950,

aproximadamente meio século depois de o mesmo se verificar num país como, por

exemplo, a França (Harp, 1 998, 26). E mesmo assim, trata-se de uma escolarização

curtíssima, visto que no ano de 1 960, só cerca de 27% das crianças com treze anos se

encontram a estudar, estando as outras 73% dentro ou a caminho da vida de trabalho

(Candeias, 2000, 257) .

Esta escolarização, embora extremamente tardia, conheceu um enorme sucesso

quantitativo nas décadas seguintes, o que levou a que se incrustasse na opin ião pública,

228

Page 230: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

e em muitos políticos do sector, a ideia de que, estando o caminho traçado, o

prosseguimento de tal caminho levaria o país a aproximar-se inexoravelmente das

sociedades do mesmo contexto geográfico, estando chegada a altura de propor

melhorias qualitativas que tornassem o sistema mais exigente e efic iente em termos das

aprendizagens reais que proporcionava. Esperava-se que tais melhorias qual itativas e

quantitativas dessem origem a rápidas e significativas mudanças na composição da

mão-de-obra activa do país , cuja requalificação, muito dependente de aspectos

relacionados com a educação e a formação profissional , seria fundamental para a

inserção da sociedade portuguesa no contexto de globalização.

Esqueceram-se muitos dos especial istas que as alterações que se dão nos Sistemas

Educativos têm um impacto relativamente lento na população activa, uma vez que se

referem apena a um dos "extremos" de tal população, ou seja, aos mais novos que

entram no mercado de trabalho. Sendo tal renovação da população activa por parte dos

mais novos, acelerada pela saída dos que, no "outro extremo", no final da sua carreira, e

normalmente com menos habi l itações, se reformam, há no entanto que contar com um

enorme "bolo", no meio, cuja qualificação só poderá ser feita durante a v ida activa, o

que, como mais à frente poderemos verificar, não tem sido realizado com muito

sucesso.

Por outro lado, a ideia de que a prossecução da expansão educativa levaria a uma rápida

convergência com as sociedades mais escolarizadas ignorava o facto de a corrida à

educação não ter sido um exclusivo português, antes sendo uma característica das

maioria das sociedades do pós - guerra, mesmo as que estavam mais escolarizadas,

como antes neste texto tivemos ocasião de verificar, e à frente teremos oportunidade de

confirmar.

Assim, de cada vez que um estudo comparativo sobre as performances educativas

portuguesas é publicado por alguma organização credível , as reacções são de um

natural desalento de quem pensou que em pouco tempo poderia anular o enorme atraso

educativo que a sociedade portuguesa tem acumulado durante os séculos XIX e XX.

Em Education at a Glance a Organi sation pour la Coopération et le Développement

Économique (OCDE) vem publ icando uma série de estatísticas sobre as habi l itações

das populações adultas dos países que dela fazem parte, assim como dos países que

com ela têm acordos de cooperação, de que reproduzimos alguns trechos relativos à

última série, publicada em 2006. Como veremos, os motivos para preocupação

continuam, infelizmente, a fazer sentido.

229

Page 231: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 37 - Percentagem das populações com i dades compreendidas entre os

25 e os 64 anos que têm como habi l itação pelo menos o ensino secundário

completo, para os segui ntes países da OCDE e associados em 2004

Grupos de 25-64 25-34 55-64

idade I

países

Alemanha 84% 85% 79%

B rasil 30% 38% 11%

Canadá 84% 91% 49%

C h i l e 50% 64% 32%

Coreia do Sul 74% 97% 34%

Dinamarca 81% 86% 77%

Espanha 45% 61% 21%

Finlândia 78% 89% 59%

França 65% 80% 49%

G récia 56% 73% 31%

Holanda 7 1% 80% 59%

Hungria 75% 84% 57%

Irlanda 63% 79% 39%

Itál ia 48% 64% 28%

Japão 84% 94% 65%

México 23% 25% 13%

Noruega 88% 96% 78%

Polónia 46% 52% 36%

Portugal 25% 40% 12%

Reino U n ido 65% 70% 59%

Suécia 83% 91% 71%

Turquia 26% 33% 14%

USA 88% 87% 86%

Média da 67% 77% 53%

OCDE

Fonte: OECD, 2006a, Education at a glance: www.oecd.org/edu/eag2006

Estes dados mostram que a percentagem de portugueses em idade activa, ou seja, com

idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos, que têm como habi l itação o ensino

secundário ou universitário, só é comparável a paises não europeus, como o México o

Brasil e, mais perto, a Turquia, mantendo-se, em 2004, o extraordinário atraso

educativo que caracterizou Portugal durante os séculos XIX e a primeira metade do

século XX.

230

Page 232: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Percebemos antes neste texto que Portugal atrave sou um longo e doloroso período de

transição entre o "antigo" e o "moderno" e percebemos que tal transição, tanto nos

aspectos económicos como nos aspectos políticos, acelera a partir das décadas de

cinquenta e sessenta do século XX, quando as taxas de crescimento da economia

portuguesa disparam, tendo como resultado uma convergência real dos principais

indicadores estatísticos de índole económica e social face aos países mais

desenvolvidos da Europa, pelo que seria de esperar que os índices educativos também

se aproximassem dos índices europeus, o que, como veremos, não se verifica.

Assim, do ponto de vista educativo, o Portugal da segunda metade do século XX

continua um país ultra-periférico, que, no contexto Ocidental só tem comparação com

alguns dos países mais atrasados dos Balcãs e da América do Sul .

O atraso acumulado pode ser uma tentativa de explicar esta questão, que fará algum

sentido, como poderemos tentar perceber. Na verdade, os números publicados pela

OCDE em 2004, representam um enorme progresso em relação aos números

disponíveis para os meados do século XX. Os quadro que de seguida mostramos,

esclarecem o sentido das nossas palavras .

Quadro 38 - Relação com o sistema educativo da população portuguesa

com idades iguais o u superiores a 7 anos em 1940

Habi l itações Percentagem da população

Não sabem ler 52%

Sabem ler mas não frequentam nem 25,4 %

possuem grau de ensino

Frequentam ou possuem Instrução 19,9 %

Primária

Frequentam ou possuem Instrução 2,3 %

Secundária

Frequentam ou possuem Instrução 0,6 %

Superior

Fonte. Calculas tendo como base o Censo Populacional de 1940.

23 1

Page 233: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 38 a) - Relação com o sistema educativo da população portuguesa

com i dades iguais ou superiores a 7 anos em 1960

Habi l i tações Percentagem da população

Não sabem ler 30,6%

Sabem ler mas não frequentam nem 24,5%

possuem grau de ensino

Frequentam ensino em curso 15%

Possuem Instrução Primária 27%

Possuem Ensino Secundário 2,8%

Possuem Ensino Superior 0,6%

Fonte: Calculos tendo como base o Censo Populacional de 1 960.

Nos anos quarenta do século XX, a situação educativa em Portugal não pode deixar de

ser c lassificada senão corno "tenebrosa" : mais de metade da população de idades iguais

ou superiores a sete anos não sabia ler ou escrever, e se a estes juntarmos os que

declaram saber ler mas que não terminaram nenhum grau escolar, então referimo-nos a

mais de três quartos da população que não tinha beneficiado de urna relação "moderna"

com a educação, num país em que apenas cerca de 20% dos portugueses frequentava ou

possuía um diploma de instrução primária, 2,3% frequentava ou possuía o diploma do

ensino secundário e 0,6% frequentava ou possuía um diploma do Ensino Superior.

Vinte anos depois, em 1 960, o panorama, sendo melhor, era ainda muito pobre: mais de

metade dos portugueses não sabia ler ou não tinha completado nenhum diploma

escolar, 27% tinha a instrução primária, 2,8 % tinha a instrução secundária, 0,6% tinha

a instrução superior e 1 5% estudava.

O que representam estes números? Claro que são extremamente baixos, apesar de,

corno antes foi frisado, significarem também que, em vinte anos, de 1 940 para 1 960, se

nota urna melhoria substancial, que no entanto, e corno antes também deixámos escrito,

demorará o seu tempo a mudar de forma significativa o panorama mais vasto da

distribuição de habi l itações entre a população portuguesa.

No entanto, a pergunta que se tem arrastado nesta parte do texto, inc ide sobre a

hipotética responsabil idade deste deficit educativo histórico nas cifras dos nossos dias.

O quadro que de seguida expomos, destina-se precisamente a tentar perceber qual

foram os progressos educativos de Portugal entre 1 960 e os nossos dias, urna vez que, e

tal corno referimos antes, se instalou a crença de que a partir da segunda metade do

século XX, o percurso português em termos educativos é, tal corno acontece com a

economia, convergen te face à média dos países mais desenvolvidos, pelo que os atrasos

232

Page 234: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

exi tentes, mais não são do que uma herança do passado e no futuro não serão senão

uma lembrança desagradável .

Tal quadro, tem de ser visto de forma cautelosa, uma vez que, quer as populações que

servem de base às percentagens, quer as definições dadas para os Graus académicos

pelo anuário estatístico da UNESCO em 1965 para os dados referentes a 1960 e 1961,

(Lê Than Khoi , 61) e para os dados da OCDE referentes ao ano de 2005 (OECD,

2007b), são ligeiramente diferentes entre si, mas como são constantes em cada

população, permitem-nos uma comparação aproximativa do grau de progresso fei to por

estas sociedades entre 1960 e 2005.

Uti l izámos como medida um Rácio de Progressão, que é consti tuído pela soma entre o

decréscimo das baixas habi l i tações, que se obtém dividindo a percentagem de pessoas

que em 1960 tinha habi l i tações até ao máximo de 7 ano de escolaridade, pela

percentagem de pessoas que em 2005 tinham habil itações iguais ou inferiores a 9 anos,

com o crescimento das habi l i tações consideradas altas, que se obtêm dividindo o

número de pessoas que em 2005 tinham habi l i tações iguais ou superiores a 1 0 anos de

escolaridade (/SCED 3C Short) , pelo número de pessoas que em 1960 tinham

habi l i tações superiores a 8 anos de escolaridade. Trata-se de uma medida simples e

pouco sofisticada, mas que nos permite um esboço aproximado da forma como

aumentaram as altas habil itações e baixaram as baixas qual ificações nestes 45 anos, em

cada um dos países tidos em conta, permitindo-nos comparar o seu sucesso na

promoção da qual ificação da mão de obra neste período de tempo.

233

Page 235: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 39 - Rácio de Progressão comparado das habil itações das populações

dos segu i ntes países, entre 1960, para a população a part ir dos 25 anos, e 2005

para a população com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos

1 960, 12012ulação % da população com % da população com 8 Rácio final de a l2artir dos 25 frequência até ao máximo ou mais anos de progressão das

anos de 7 anos de escolaridade em 1 960; habilitações para escolaridade (sem grau + (graus 2 + 3) cada país, entre

------------------------ grau 1). ------- --------- ---------------- 1 960 e 2005 2005, 12012ulação --------------------------

com idades entre % da população com % da população com

os 25 e os 64 frequência até ao máximo 1 0 ou mais anos de

anos de 9 anos de escolaridade em 2005 escolaridade (ISCED 0+1+2) (ISCED 3+5)

Portugal 1960 95, 5 %, dos quais 45,1% 4,6% sem grau

Portuga l 2005 74% 27% Rácio de 1.3 5.9 7,2

progressão Espanha 1960 95,5 %, dos quais 28,5% 4,7%

sem grau Espanha 2005 51% 48%

Rácio de 1.9 10.2 12, 1 progressão G récia 1960 89.5, dos quais 52,7 sem 10.4%

grau G récia 2005 40% 60%

Rácio de 2.2 5.9 8, 1 progressão Chile 1960 86,8 dos quais 4 1,7% sem 13,1%

qrau Chile 2005 50% 50

Rácio de 1.8 3.8 5,6 proqressão

México 1960 98.8, dos quais 74,4 sem 2,8% qrau

México 2005 79% 21% Rácio de 1.3 7.5 8,8

proqressão Pol ónia 1960 80,3% dos quais 8,6 % sem 19,7%

grau Polónia 2005 15% 86%

Rácio de 5.3 4,3 9,6 progressão

Coreia do Sul 1960 91,8%, dos quais 58,4 sem 8,3% qrau

Coreia do Sul 2005 25% 76% Rácio de 3.7 9 12,7

progressão Finlândia 1960 90% todos com qrau 10,1% Finlândia 2005 21% 75 %

Rácio de 4.3 7.4 1 1,7 progressão

Holanda 1960 87,6%, todos com grau 12,3 % Holanda 2005 29% 72%

Rácio de 3.0 5.9 8,9 progressão

Fontes: Unesco, Annualre Statlstlque 1 965, Clt. por Le Than Khol, 1 970, pp. 59-61; OECD, www.oecd.org/edu/eag2007

234

Page 236: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

o resultado para os portugueses, nestes 45 anos que decorrem entre 1 960 e 2005, a

maioria dos quais em democracia, não pode deixar de ser considerado pelo menos

decepcionante : dos países mencionados, Portugal é o que obtêm meno sucesso na

diminuição da percentagem de população com baixa escolaridade e a evolução das altas

qual ificações fica muitíssimo longe dos que mais progrediram, ou seja, países como a

Coreia do Sul , a Espanha, o México, a Finlândia ou mesmo a Holanda, os quais, à

excepção do México e de Espanha, tinham uma muito maior taxa de graduados com os

segundos e terceiros ciclos em 1 960 do que Portugal , e portanto teriam também um

potencial de crescimento neste domínio bem menor que o do nosso país.

O resul tado, em termos da formação académica da mão-de-obra activa portuguesa, é,

como não podia deixar de ser, muito preocupante. Em 2004, a mesma OCDE fornecia

cifras que mostravam que a formação da mão-de-obra portuguesa só tinha comparação

com a formação da mão-de-obra turca, mexicana e brasi leira, que, lembre-se, trabalham

com salários e condições de protecção sociais incomparavelmente inferiores às

portuguesas.

O quadro que de seguida apresentamos, resultante de urna adaptação de um quadro

fornecido pela OCDE em 2006, mostra-nos como continua difíci l a s ituação portuguesa

no contexto mundial .

235

Page 237: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 40 - Habi l itações da popu lação adu lta (25-64 anos) para uma série de

países da OCDE e associados, no ano de 2004

Habil itaçõesl 6 Anos de 9 Anos de Secundário (de Superior

país escolaridade (2° escolaridade (3° 1 0 a 13 anos de ( p rofissional,

c iclo do ensino ciclo do ensino escola ridade) l icenciatura e

básico) básico) i n vestigação)

Portugal 61% 14% 12% 13%

Brasil 57% 14% 22% 8%

México 51% 26% 6% 1 6%

Turquia 64% 10% 1 1% 9%

Chile 24% 26% 37% 13%

Espanha 28% 27% 12% 26%

H u n g ri a 2% 23% 57% 16%

G récia 31% 11 % 29% 20%

Coreia do Sul 13% 13% 44% 22%

Finlândia 13% 10% 43% 34%

Noruega O 1 1% 56% 32%

Suécia 7% 10% 48% 34%

Di namarca 1% 16% 51% 32%

Fonte: Educatlon at a Glance: www.oecd.org/edu/eag2006

Este desolador panorama em que mais de metade da população portuguesa activa tem,

no ano de 2004, como habi l i tação máxima os sei s anos de escolaridade, só

u l trapassado, no contexto da OCDE, pela Turquia, mostra de novo como o futuro

poderá ser difíci l para a sociedade portuguesa.

Mas se a população activa do pais tem uma formação tão baixa como a que mostrámos

nos quadros anteriores, e tal formação só muda muito lentamente através, por um lado,

da adição de jovens com melhores habil itações, e por outro, da passagem à reforma dos

mais idosos e que menos preparação académica média têm, existe um enorme núcleo de

tal população cuja qualificação só pode ser levada a cabo através da formação contínua,

ao longo da vida, que o bom senso indica ser uma tarefa prioritária das estratégias de

desenvolvimento de um país como Portugal . No entanto, os últimos dados disponíveis

sobre a questão são, pelo menos, ambíguos ou mesmo pouco encoraj adores.

236

Page 238: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 41 - Aprendizagem ao longo da vida: percentagem da população adulta

com idades comp reendidas entre os 25 e os 64 anos que partici pam em acções

de formação, nos segui ntes países da U n ião Europeia, entre 1995 e 2005

1 995 1 997 1 999 2001 2003 2005

EU (25) 7.8 9.2 11.0

EU ( 1 5) 5.7 8.2 8.3 9.9 12. 1

G récia 0.9 0.9 1.3 1.4 2.7 1.8

Espanha 4.3 4.4 5.0 4.8 5.8 12. 1

Hungria 2.9 2.9 3.0 6.0 4.2

Polón i a 4.8 5.0 5.0

Portugal 3.3 3.5 3.4 3.4 3.7 4.6

Turq uia 1.0 1.2 2.0

França 2.9 2.9 2.6 2.7 7.4 7.6

Alemanha 5.4 5.5 5.2 6.0 8.2

Bél g i ca 2.8 3.0 6.9 7.3 8.5 10.0

Reino 19.2 21.7 21.2 29. 1

Unido

Dinamarca 16.8 18 .9 19.8 17.8 25.7 27.6

Fi nlândia 15 .8 19.6 19.3 25.3 24.8

Suécia 25.0 25.8 17.5 34.8 34.7

Noruega 16.4 14.2 19.4 19.4

Fonte: Eurostat, 2006 .

Os dados disponibil izados pelo Eurostat, que parcialmente reproduzimos, mostram que,

a este respei to, existem, sobretudo se nos ativermos aos ú l timos resul tado do século

XXI, três tendências no que a este assunto concerne: um grupo de paises com

prestações francamente pobres em termos de formação contínua, ca os da Grécia e da

Turquia, mas a que se poderiam juntar países como a Bulgária, a Roménia e a Croácia;

um grupo de paises médios, casos da Alemanha, de França, de certa forma, a Espanha,

a que se poderia juntar a República Checa e a Irlanda, entre outros ; e um grupo de

paises com um enorme avanço em relação aos demais, ou seja, os Escandinavos e o

Reino Unido, mas a que poderíamos também juntar a Suíça, a Holanda e a Áustria,

entre outros. Estando estas taxas de formação relacionadas também com a

desregulamentação dos mercados de trabalho de alguns destes ú l timos paises, o que

obriga uma população com vínculos laborais precários a ter de e actualizar como

condição para receber subsídios de desemprego ou de conseguir nova colocações, o

que é um facto é que, nes te caso, Portugal se situa num lugar que poderíamos classificar

237

Page 239: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

de medíocre, com taxas de "formação durante a vida" francamente abaixo das taxas

médias da União Europeia, superior ao primeiro grupo, o dos mais fracos, mas inferior

ao segundo grupo, o dos "medianos" .

Por outro lado, e como se compreende tendo em conta as características da população

adulta, os indicadores relativos à qualidade das aprendizagens dos alunos portugueses

dos Ensinos Básico e Secundário, nomeadamente em Matemática e em Lei tura, são

extremamente baixos quando comparadas com a qualidade das mesmas aprendizagens

levadas a cabo por alunos da maioria dos países da OCDE.

Na verdade, esta organização, através do programa PISA (Programme for Intemational

Student Assessment), tem procedido nos ú l timos anos à avaliações das aprendizagens

realizadas pelos alunos dos países que dela fazem parte em matérias chave como a

Matemática, a Língua Materna e as Ciências e é sem surpresa que constatamos que as

classificações dos alunos portugueses nestes testes têm sido consistentemente baixos:

3 1 0 lugar entre 40 países, no que à Matemática diz respeito, e 280 lugar entre os

mesmos 40 países, no que concerne à Leitura (OECD, 2004, 57, 277) . Como se percebe

por este tipo de dados publ icados em 2004 sobre um programa que decorreu em 2003, e

que, de certa maneira confirma os dados publicados em 200 1 relat ivos ao PISA 2000

(GA VE, 200 1 ) , não se trata apenas de um problema quanti tativo, ou por outras palavras

de possibi l idades de acesso por parte dos portugueses à educação, mas, nes te caso trata­

se sobretudo, e também, de um problema de qualidade de ensino.

Não há neste arrazoado de lamúrias nenhum motivo para optimismos? Descortinamos,

apesar de tudo, duas pequenas luzes nesta enorme escuridão. Por um lado, a

capacitação académica dos jovens adultos portugueses, ou seja, nas idades

compreendidas entre os 25 e os 34 anos, parece estar a ser muito rápida, bastante mais

rápida do que a dos seus colegas de infortúnio, por exemplo, do México, ou da Turquia,

e , também porque parte de cifras muito baixas, parece, neste século XXI, convergir

com as habi l i tações dos jovens adultos dos países mais desenvolvidos , embora os

quadros que apresentámos mostrem a distância que falta percorrer. Assim, em 200 1 ,

eram 32% os jovens portugueses com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos

que tinham como habi l i tação mínima os estudos secundários completos, para 30% dos

Jovens turcos e para 25% dos Jovens meXIcanos

(www. oecd.org/els/education/eag2002); em 2004, ou sej a, três anos depois, tais cifras

eram já de 40% para os portugueses, 33% para os turcos e 25%, na mesma, para os

mexicanos ( www. oecd. orgledu/eag2006) , e o crescimento de novos habi l i tados com

238

Page 240: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

pelo menos o Ensino Secundário que se dá em Portugal entre 200 1 e 2004, é de longe o

mais alto crescimento de habi l i tados que se dá em todos os países registados em ambos

os estudos da OCDE; por outro lado o programa que, com a designação de "Novas

Oportunidades" (Ministério do Trabalho e Solidariedade Social e M inistério da

Educação, 2006) , está, com vigor acrescido depoi de 2005 , a tentar qualificar o

máximo de adul tos com baixas taxas de escolarização, apesar das controvérsias que tem

gerado, não poderá deixar de dar resultados importantes num espaço de tempo

relativamente curto, o paralelismo com o Plano de Educação Popular de 1 952 (Veiga de

Macedo, 1 953) sendo de difíci l recusa: estaremos, finalmente, nos começo do século

XXI, a levar a cabo um esforço coerente no sentido de aproximar a média das

habi l i tações académicas e profissionais dos portugueses dos seus colegas de espaço

civil izacional, quando a economia vai , no ano de 2007, no seu sex to ano seguido de

divergência com o "Centro da Europa" (OCDE, 2007a)?

De qualquer das formas, o que queríamos mostrar com todos estes dados era a

e pecificidade do atraso educativo que parece caracterizar a Modernidade em Portugal

e a forma como se construiu, nos séculos XIX e XX. De entre as questões que

escrutinámos, ou seja, a riqueza, a legi timação política, e a construção de um "Estado -

Providência" moderno, sem dúvida que a implantação de um modo de cultura baseado

na escri ta é a que apresenta índices comparativos mais preocupantes, antecipando-se à

periferização económica a que Portugal é sujeito no século XIX, mantendo-se e

agravando-se durante o século XX e pairando como uma sombra ameaçadora neste

começo do século XXI. Nunca saberemos exactamente as razões desta permanência,

mas talvez possamos tentar enquadrá-la numa lógica mais ampla que, não a explicando,

a contextualize.

Conclusão: apontamentos sobre o caso português numa perspectiva comparada -

uma interpretação

As conclusões de um trabalho sobre a forma como se deu a implantação dos Sistemas

Educativos contemporâneos em Portugal só podem partir da constatação de que tal

implantação foi , durante os séculos XIX e XX, extremamente lenta, predominando até

muito tarde na sociedade portuguesa, formas de relação com as letras tipicamente pré­

modernas.

A razões para tal lentidão não são claras, mas os dados que fomos fornecendo sobre o

atraso em outros indicadores sociai s e económicos, mesmo se recusamos frontalmente

relações de causa - efe.ilo, admitem l igações entre as várias parcelas de um mundo

239

Page 241: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

relativamente homogéneo, o mundo do "social", sendo no entanto, impossível a

individualização de um ou de outro factor como principal responsável pelo atraso

português em termos de implantação das formas modernas de cultura escrita.

Como t ivemos ocasião de verificar, é um atraso que vem de longe, que durante o século

XIX só se pode comparar com o que se passa em países e regiões económica e

socialmente menos desenvolvidas do que Portugal , e que, de forma paradoxal, se

acentua durante o século XX e princípios do século XXI, algo que parece ter s ido até

aqui de difíc i l compreensão para a sociedade portuguesa, que, no entanto, parece ter

finalmente interiorizado a gravidade deste problema em termos de desenvolvimento, e

conseguido segregar uma vontade política, senão de o resolver, pelo menos de o

enfrentar.

Neste caminho, da incompreensão à vontade de mudança, faça-se justiça ao grande

relatório sobre a l i teracia em Portugal organizado por Ana Benavente em 1 996

(Benavente, 1 996), aos sucessivos relatórios do GA VE que organizou a participação

dos estudantes portugueses no PISA sem nunca pretender ocultar os seus maus

resultados, à chamada "sociedade civil", que se foi rebelando contra a "fatalidade"

deste atraso de formas diversas, com mais ou menos méri to, como é normal numa

democracia l iberal , à persistênc ia com que os relatórios internacionais foram sendo

comentados, e finalmente às iniciativas que estão em curso com o sentido de acelerar a

certificação de competências da população adulta portuguesa e de procurar uma

equivalência académica que faça eco de tais competências.

Não é um caminho fáci l nem consensual e está muito longe de ser o primeiro momento

em que a sociedade portuguesa parece decidida a enfrentar este problema: basta

lembrarmo-nos do sobressaltos da 1 a República, do "Plano de Educação Popular" do

Estado Novo e das Campanhas de Alfabetização de adul tos que proliferaram nos anos

que se seguiram à revolução de 1 974, mas aparentemente, todos falharam, ou pelo

menos nenhum conseguiu "queimar etapas" na aproximação às ociedades mais

avançadas, pelo que a avaliação ao actual momento, mesmo sublinhando o méri to das

medidas tomadas, terá de esperar por resultados e pela consistência de tais resu l tados.

Mas aqui chegados cumpre-nos ten tar perceber melhor as causa de tão estrondoso e

inquietante falhanço na disseminação da forma predominante de comunicação da

Modernidade.

240

Page 242: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Além das explicações que tradicionalmente l igam desenvolvimento económico e

escolarização na Modernidade, e que cremos serem de demonstração pacífica, teremos

neste caso, de entrar com outras razões mais específicas à sociedade portuguesa.

A primeira, a que tradicionalmente temos recorrido, fi l ia-se nas expl icações avançadas

na década de oitenta por Jaime Reis ( 1 988; 1 993) , que realça a relativa tranquil idade da

sociedade portuguesa durante o século XIX, quer em termos dos confl i tos sociais e

políticos, quer través da fraqueza do proces o de modernização, quer em termos da

confl i tualidade internacional que assolou o centro da Europa, a que o paí , de fronteiras

definidas desde meados do século Xli, e s i tuado na periferia Oeste do Continente, terá

escapado. Por outro lado, Jaime Reis também salienta a homogeneidade em termos

l inguísticos e rel igiosos da formação social portuguesa, o que faz dela uma das poucas

"nações naturais" da Europa, dotada de um Estado próprio desde o século XII . Assim, a

homogeneidade e a relativa tranqui l idade política e social , que, segundo o autor, o país

teria gozado durante o século X IX, teria dispensado as e l i tes portuguesas da urgência

em construir os mecanismos insti tucionais de afirmação da coesão social e nacional ,

por um lado, e de legitimação política por outro, que a maioria das formações sociais

europeias e americanas do tempo não poderia ter dispensado.

No entanto, não é fáci l de decidir se, comparativamente com o resto da Europa, o

século X IX terá s ido c lemente para com a sociedade portuguesa. Na verdade, tudo

indica que, à sua escala, o "longo século X IX" foi também dramaticamente sentido em

Portugal , pelo que seria importante relativizar esta argumentação.

De facto, quer as invasões francesas e a ocupação britânica, a maneira como o Brasil foi

amputado (Telo, 2003), o processo de guerra civi l que de forma larvar ou declarada se

arrasta até meados do século XIX, tudo isto num pano de fundo em que se destaca o

empobrecimento general izado de Portugal , são causa e consequência do afastamento

violento do país relativamente ao "centro" da Europa (Wallerstein, 1 990, 1 994) e

traduzem-se numa agi tação política e social quase endémica, numa emigração massiva,

no assassinato de um rei e de um presidente da república, numa revolução

desesperadamente radical e numa ditadura que perdura durante quase metade do século

XX, mostrando bem a dureza dos tempos vividos pela formação social , económica e

política portuguesa durante os séculos X IX e XX.

Por outro lado, a homogeneidade l inguística e religiosa portuguesa permanece como

um argumento credível , embora fosse úti l a comparação com outras sociedades que,

lendo-se tornado periféricas na altura em que a escola contemporânea se afirma no

24 1

Page 243: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Ocidente, fossem igualmente dotadas de um Estado antigo, encaixado numa "nação"

étnica e rel igiosamente homogéneas, o que não parece fáci l de encontrar. Assim, acei ta­

se com interesse a hipótese segundo a qual a "unicidade" da formação social portuguesa

poderá ter estado, em determinado período histórico, relacionada com o atraso

educativo português durante a Modernidade.

No entanto, se a tese da conjunção entre homogeneidade l inguística e rel igiosa e

periferia geográfica e política se entrelaçam de forma a justificar satisfatoriamente o

atraso educativo português até à década de trinta do século XX, o resto do século terá

que ser pensado em termos de Estado Novo e do regime de Democraci a parlamentar

instaurado a partir de 1 975 . .

Comecemos pelo primeiro, cuj a distância nos permite usar ferramentas de análise mais

acertadas. Na verdade, a modernização do país dá-se enquadrada por uma racionalidade

"tecnocrática" e inovadora trazida pelo salazarismo, mas num contexto fortemente

conservador. Sabemos que o conservadorismo dos séculos XIX e primeira metade do

século XX, perante a massificação da educação, se debate com um dilema que coloca,

por vezes de forma desigual , de um lado o desenvolvimento económico, do outro, o

medo da subversão política e social que o domínio da escrita por todos parece

potenciar; de um lado o controlo social que a educação permite, do outro a

emancipação a que ela abre portas.

Perante este dilema, percebemos que em determinadas circunstâncias históricas o

conservadorismo terá agido como travão a uma escolarização rápida e ampla das

sociedades europeias, e também sabemos que será no decorrer do salazarismo que a

escolarização do país se fará.

O próprio Salazar, entrevistado por António Ferro em meados da década de trinta,

começa, numa primeira fase, por demonstrar como por incúria e desorganização da

República se fez muito menos no capítulo da educação popular do que se poderia ter

fei to (Ferro, 2003 , 70, 4a entrevista), que o problema da escolarização de todas as

crianças portuguesas se resolveria numa questão de cinco ou seis anos (Idem, 1 58 , 7a

entrevista), mas que a principal urgência do país não deveria ser a erradicação do

analfabetismo, mas a formação das el i tes : " . . . Considero até mais urgente a consti tuição

de vastas el ites do que ensinar toda a gente a ler. É que os grandes problemas nacionais

têm de ser resolvidos, não pelo povo, mas pelas e l i tes enquadrando as massas . . . "

(Idem, 1 83 ) .

242

Page 244: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Assim, só cerca de vinte anos depois destas optimistas mas circunspectas declarações,

numa altura em que, na Europa do pós - guerra, as únicas "elites que enquadravam as

massas" eram comunistas, o prometido na década de trinta se leva de facto a cabo e

num período de tempo relativamente curto: em vinte anos, a frequência escolar das

crianças com idades compreendidas entre os sete e os nove anos passa em 1940 de uma

percentagem de cerca de 40%, para, em 1960, uma percentagem perto dos 100% .

Este aumento do número de escolarizados combinado com o aumento de adultos

alfabetizados por via do "Plano de Educação Popular" do principio da década de 50

teve também o objectivo de impulsionar o tecido económico através de melhorias no

Capital Humano, o que, segundo Luciano Amaral, terá sido conseguido: dos três

elementos considerados fundamentais para o crescimento económico português das

décadas de cinquenta, sessenta e setenta, o Capital Humano, o Capital Físico e o Índice

de Desenvolvimento Tecnológico, o primeiro, com uma contribuição aproximada de

17,04% ocupa um pouco honroso 3° lugar para o período como um todo, mas é visto

como sendo de longe o mais importante na fase de arranque de tal crescimento, entre os

anos de 1953 e de 1959, com uma percentagem de 53,94% de contribuição para o

crescimento do PIB (Amaral, 2002, p. 98; p. 275).

E este sucesso, relativo é certo, mas mesmo assim sucesso, consegue-se de forma

extremamente económica, como era aliás apanágio das políticas salazaristas. O gráfico

que mostramos de seguida mostra a percentagem do PIB empregue na educação entre

1913 e 1993.

6

5

4

3

2

o

Gráfico 1 2- Evolução % do PIB (Gross Domestic Product) gasto em Educação, entre 1913 e 1 993 em Portugal

I-+- Gast. Ed·1

1910 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000

Fonte: Valério, 2001, citado por Nunes, 2003, pp. 579,580.

243

Page 245: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Entre 1 932 e 1 939, esta percentagem centra-se nos 0,9%, descendo na altura da 2a

Guerra Mundial , recomeçando a subir no seu fim, quando, já na década de cinquenta

atinge o valor de 1 %, atingindo o seu valor máximo nesta década em 1 959 ( 1 ,32%),

descendo, durante toda a década de sessenta para uma importância à vol ta dos valores

dos princípios da década de cinquenta, quando em 1 968 o gasto, em percentagem do

PIB , é praticamente o mesmo que em 1 953, começando a subir decididamente na

década de setenta, durante o Marcelismo, atingindo a percentagem de 1 ,82% do PIB em

1 972, disparando após a "revolução dos cravos" até perto dos 4%, retraindo-se de novo

na década de oitenta, mas mantendo-se num patamar superior aos 3%, e subindo na

década de noventa, para os valores médios das sociedades desenvolvidas, ou seja,

valores que se situam entre os 5% e os 6% do PIB português (Teodoro, 200 1 , 1 28) , mas

que, nestas tinham sido atingidos entre trinta e quarenta anos antes, na transição das

décadas de cinquenta para a década de sessenta do mesmo século( Unesco, Annuaire

S tatistique 1 965, cit. por Le Than Khoi , 1 970, pp. 59-6 1 ) .

Tudo indica que se trata de um problema de pol íticas, ou, se quisermos, de política: a

Guerra, quer a Segunda Guerra Mundial quer a Guerra Colonial , baixam a dotação para

a educação, como aliás para a assistência social (Candeias, 2007), o esforço dos anos

cinquenta de escolarização dos jovens não tem continuidade orçamental nos anos

sessenta, e, sem que seja possível uma aval iação completa dos danos entretanto

causados, percebe-se que esta política morre duas vezes, primeiro com o

desaparecimento de Salazar, quando Marcello Caetano se lança num esforço de dotar o

país de um rudimento de "Estado Providência", e finalmente com o fim da Guerra

Colonial e com a integração europeia. De caminho note-se a euforia da Revolução de

Abri l que faz saltar o investimento em educação num período de recessão económica

mundial, e as correcções a tal euforia, durante o processo de "ajustamento" da

economia portuguesa da primeira metade da década de oitenta, a que se seguem

finalmente os Fundos de Coesão advindos da adesão à União Europeia, a partir de

1 986.

Pode esta política de investimento do regime durante a década de sessenta, que parecia

ter de escolher entre a manutenção do Império e o desenvolvimento educativo, numa

altura em que as taxas de crescimento económico do país eram das mais al tas da Europa

(Lains, 2005 , 1 2 1 ) , ser responsável peja fraqueza com que a escolarização dos

portugueses se continua a dar nos finais do século XX e princípios do século XXI?

244

Page 246: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Nunca o poderemos saber, mas gostaríamos de realçar que, do ponto de vista do

investimento em Educação, que é apenas um indicador da vontade dos regimes do

século XX em a desenvolverem e por conseguinte, desenvolverem-se, Portugal só em

meados dos anos noventa deste século estabi liza o investimento ao nível dos que os

países mais ricos tinham fei to na década de c inquenta, quando, partindo de taxas de

escolarização mui to mais altas do que as existentes na sociedade portuguesa, decidiram

ainda assim, investir mais de forma a darem um "segundo sal to em frente". Por outras

palavras, Portugal , dá um "primeiro sal to em frente" de forma extremamente barata e

l imitada em meados do século XX, colocando as suas taxas de escolarização ao nível

das taxas de escolarização dos princípios do século nos países mais desenvolvidos, e só

se arremete de novo a partir de meados dos anos oitenta, de forma ainda pouco

estudada, com resul tados que, sendo aparentemente contraditórios, reflectem sobretudo

a ausência de uma linha de desenvolvimento educativa que por não ter sido ainda

estudada e sistematizada nos aparece como confusa, incoerente e pouco planificada.

Além do mais, gostaríamos de repetir que seria essencial uma comparação séria com

países mais perto de nós, que no pós guerra parecem ter pol íticas de investimento

educativo mais parecidos com os de Portugal, e referimo-nos sobretudo à Espanha e a

Grécia e noutro contexto cultural , a Coreia do Sul , algo que não está de facto fei to.

Eis algumas lacunas na História contemporânea da educação que nos impedem de

avançar mais do que a evidência dos números que temos até aqui apontado, pelo que a

interpretação relativa ao último quarto do século XX terá de esperar por mais trabalho

científico.

Finalmente, que podemos dizer sobre as relações entre o processo de construção da

Modernidade em Portugal e o grau de implantação da cultura escrita que, todos

sabemos, é uma das bases de tal processo? Quase tudo está j á dito, mas uma das

constatações consti tu i uma surpresa e uma advertência a quem queira, de forma

apressada, fazer teoria: o caso portuguê , tal como sublinhámos antes, coloca uma

questão interessante ao mostrar, mais uma vez, que a correspondência entre riqueza e

grau de disseminação da cultura escrita não é direc ta, uma vez que, tal como os dados

que indicámos nos mostram, a situação económica e social portuguesa parece ser

sempre melhor do que a sua situação em termos de alfabetização e de escolarização.

Parece assim claro que os portugueses, sobretudo durante a segunda metade do século

XX, extraíram o máximo de riqueza possível de uma formação social com mui to

poucas habi l i tações académicas "modernas", mas também se perfi lam as suspei tas de

245

Page 247: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

que tal período chegou ao fim e as diferenças entre o crescimento económico português

e o crescimento económico europeu a partir do final do mesmo século lançaram os

indicadores portugueses para uma situação de divergência que não se dava desde a

década de oitenta do século passado (OCDE, 2007a). Tratar-se-á de um período curto

de depressão que permita um reagrupamento de estratégias a fim de relançar o processo

que, no fundo, caracteriza o século XX português, ou do começo de um novo século

XIX, encrespado de pobreza, dissenção e emigração?

A resposta a esta questão não depende inteiramente dos portugueses, mas, como

sempre, sej a qual for o contexto internacional, haverá sempre uma margem de

autonomia que permita ao bom governo minorar o mal e ampliar o bem, saibam os

cidadãos escolhê-lo, fiscalizá-lo e ter a paciência e a perspicácia de saber esperar pelo

efeito das medidas que toma para o avaliar e de seguida, reelegê-lo ou despedi-lo,

conforme a sua apreciação. No entanto, que uma coisa fique clara: a relação tradicional

entre produção de riqueza e capacitação da mão-de-obra que caracterizou os séculos

XIX e XX em Portugal , não é sustentável numa altura em que cada vez faz mais sentido

a afirmação de Ernest Gellner segundo a qual " . . . 0 trabalho já não representa a

manipulação dos objectos, mas dos significados . . . " pelo, que, infelizmente, tudo indica

que o trabalho que nos espera é árduo. Saibamos fazê-lo sem estragarmos o que de bom

temos.

Terminemos de forma positiva e para tal sigamos o balanço fei to por António José Telo

sobre o caminho português nos séculos xvrn, XIX e XX: " . . . Desde mi punto de

v ista, la realidad de Portugal en la época contemporánea ( . . . ) es la realidad de un país

que sistemáticamente, en los más diversos sistemas internacionales, en las más variadas

coyunturas, orientado por dirigentes de múltiples colores políticas y capacidades,

consigue habitualmente desempenar un papel y realizar funciones que están por encima

de su fuerza aparente . . . " (Telo, 2003, 1 7) .

De facto, segundo este autor, durante este período, Portugal consegue manter a sua

independência e soberania em contextos adversos ; mantém sistematicamente durante a

época contemporânea uma balança comercial deficitária, conseguindo sempre descobrir

formas de a compensar e , portanto, de v iver com mais do que o que produz; mantém

um vasto I mpério num período de divisão e colonização de África entre as grandes

potências do século XIX, numa altura em que Espanha perde o seu e a Itál ia ou a

Alemanha não conseguem extensões de terra tão grandes como as que Portugal

consegue para s i ; mantém uma relação privi legiada com o poder que domina o

246

Page 248: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Atlântico, e através de tal relação, está na pnmeIra l inha da evolução do sistema

internacional ; é sistematicamente convidado a ser membro fundador das principais

alianças e organizações internacionais que marcam a época contemporânea; é o

primeiro e o últ imo Império europeu em África; consegue suster durante treze anos uma

guerra colonial em três frentes separadas por milhares de quilómetros e , ao mesmo

tempo, manter uma das mais altas taxas de crescimento económico europeias (lbidem),

eis uma visão geral de algumas das questões que para este autor temperam as cores

negras com que o Portugal contemporâneo costuma ser descrito.

A isto seria necessário subl inhar também a maneira como Portugal, através de uma

art iculação económica e política reforçada com o núcleo mais desenvolvido da Europa,

consegue sustentar o processo de inversão de periferização que se começa a dar em

meados do século XX, ao mesmo tempo que mantém um sistema de ali anças múltiplas,

que aliás não diferem muito das de sempre, de maneira a assegurar o máximo de

autonomia e espaço de manobra dentro de um contexto internacional cada vez mais

interdependente. De facto, tudo parece indicar que, se a periferização e a decadência

durante a Modernidade constituiu uma das faces do Portugal contemporâneo, a

insatisfação perante tal destino certamente que constituiu a outra.

247

Page 249: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

B i b l i o g rafia Geral

1 - Censos Pop u l acionais ut i l izados no texto

Censo da População no I O de Janeiro de 1 864.

Censo da População no I O de Janeiro de 1 878 .

Censo da População do Reino de Portugal no I O de Dezembro de 1 890.

Censo da População do Reino de Portugal no I O de Dezembro de 1 900 (Quarto

Recenseamento Geral da População).

Estatística Demográfica. Censo da População de Portugal no I O de Dezembro de

1 9 1 1 (50 Recenseamento Geral da população) .

Censo da População de Portugal no I O de Dezembro de 1 920 (60

Recenseamento Geral da População) .

Censo da População de Portugal no I O de Dezembro de 1 930 (70 Recenseamento Geral

da População) .

vm Recenseamento Geral da População no Continente e I lhas Adj acentes em 1 2 de

Dezembro de 1 940.

IX Recenseamento Geral da População no Continente e I lhas Adjacentes em 1 5 de

Dezembro de 1 950.

X Recenseamento Geral da População no Continente e I lhas adj acentes (às O horas de

1 5 de Dezembro de 1 960) .

X I Recenseamento da 1 1 População. Continente e Ilhas Adjacentes. 1 970.

X I I Recenseamento Geral da População. I I Recenseamento Geral da H abitação. 1 98 1 .

248

Page 250: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Censos 9 1 . XI I I Recen eamento Geral da População. I I I Recenseamento Geral da

Habitação.

2- Referê ncias B i b l iog ráf icas

Adas, M. (2003). Modernization theory and the American revival of the scientific and

technological standards of social achievement and human worth. ln D. Engerman, N.

Gilman, M. Haefele e M . Latham (Eds. ) , Staging growth: Modernization, development

and the global Cold War (pp. 25-45). Amherst e Boston: University of Massachusetts

Press.

Afonso, A. J. ( 1 998) . Políticas educativas e avaliação educativa. Braga: Instituto de

Educação e Psicologia; Universidade do Minho.

Afonso, N. (2003) . A regulação da educação na Europa: do Estado educador ao controlo

social da educação. ln J. Barroso (Ed.) , A escola pública: Regulação, desregulação,

privatização (pp. 49-78) . Porto: Edições ASA.

Aglietta, M. ( 1 976) . Régulation et crises du capitalisme. Paris : Calmann-Lévy.

Ainsworth, M. D. S. ( 1 976) . As relações objectais, dependência e vincu lação: uma

anál ise teórica das re lações da criança com a mãe. ln L. Soczka (Ed.) , As ligações

infantis (pp. 1 55- 225) . Lisboa: Livraria Bertrand.

Almeida, P. T. ( 1 99 1 ) . Eleições e caciquismo no Portugal oitocentista ( 1868-1890).

Lisboa: Difel .

Almeida, P. T. (2003) . Portuguese Ministers, 1 85 1 - 1 999: Social background and path to

power. ln P. T. de Almeida, A . C . Pinto e N . Bermeo (Eds.) , Who governs Southern

Europe ? Regime chang e and ministerial recruitment, 1 850-2000. Londres: Frank Casso

Almeida, P . T . ; Pinto, A. C. e Bermeo, N. (Eds .) (2003) . Who governs Southern

Europe ? Regime change and ministerial recruitment, J 850-2000. Londres: Frank Casso

249

Page 251: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Althusser, L. ( 1 974) . Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. Lisboa: Editorial

Presença.

Amaral , L. (2002) . How a country catches up: explaining Economic Growth in Portugal

in the Post Period War (l950- 1973) .Tese de doutoramento apresentada no Instituto

Universitário Europeu de Florença, manuscrito não publ icado.

Anderson, B . ( 1 999). Imagined communities. Londres : Verso.

Anderson, M. S. (2000). The ascendancy of Europe, 1815-1 914 . H arlow : Longman ;

Pearson Education.

André, C . (2002). État Providence et comprornis institutionnalisés. Des origines à la

crise contemporaine. In R. Boyer e Y . Sail lard (Eds.) , Théorie da la régulation, état des

savoirs (pp. 1 44- 1 52) . Paris : Édition de la Découverte & Syros.

Araújo, H. C. (2000) . Pioneiras na educação. As professoras primárias na viragem do

século, 1870-1 933. Lisboa: Instituto de I novação Educacional

Archer, M. ( 1 979). Social origins of educational systems. Londres: Sage Publications.

Arendt, H. (2006) . Entre o passado e o futuro : oito exercícios sobre o Pensamento

Político. Lisboa: Relógio D' Água

Aries, P. ( 1 973) . L 'enfant et la via familiale sous l 'Ancien Régime. Pari s : Éditions du

Seui l .

Aries, P . ( 1 98 1 ) . L' éducation farnil iale. In G. Mialaret e J . Vial (Eds .) , Histoire

Mondiale de l 'éducation, de 1515 à 1 815 (pp. 233-245) . Paris : Presses Universitaires de

France.

Bal l , S . ; Bowe, R . e Gewirtz, S. ( 1 999). Circuits of schooling: A sociological

exploration of parental choice in social c lass context. In A .H . H alsey et ai. (Eds.) ,

250

Page 252: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Education: Culture, Economy, Society (pp. 409-42 1 ) . Nova Iorque : Oxford University

Press.

Barcoso, C. (2002) . O Zé Analfabeto no cinema: O cinema na Campanha Nacional de

Educação de Adultos de 1 952 a 1 956. Lisboa: Educa.

Bard, C. (200 1 ) . Femmes (droit de vote) . ln P. Perrineau e D. Reynié (Eds . ) ,

Dictionnaire du vote (pp. 454-459). Paris : Presses Universitaires de France .

Barreto, A (Ed.) ( 1 996). A situação social em Portugal, 1 960- 1 995. Lisboa: Insti tuto de

Ciências Sociais .

Barreto, A (Ed. ) (2000). A situação social em Portugal, 1 960-1999, VoI . I I . Lisboa:

Imprensa de Ciências Sociais

Barroso, J. ( 1 995). Os Liceus. Organização pedagógica e administração ( 1835- 1 960) .

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Barroso, J (2003). A escolha da escola como processo de regulação: Integração ou

selecção ocial? ln J. Barroso (Ed.), A escola pública, regulação, desregulação,

privatização (pp. 79- 1 09) . Porto: Edições ASA

Baudelot, C . e Establet, R. ( 1 976) . L 'école capitaliste en France. Paris : François

Maspero.

Belfield, C. e Levin, H. (2004). A privatização da educação, causas e implicações.

Porto: Edições ASA

Benavente, A (Coord.3) ; Rosa, A; Costa, A F. e Ávila, P. ( 1 996). A literacia em

Portugal. Resultados de uma pesquisa extensiva e monográfica. Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian.

Benavot, A e Rydle, P. ( 1 988) . The expansion of primary education, 1 870- 1 940: trends

and issues. Sociology of education, 6 1 , 1 9 1 -209.

25 1

Page 253: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Bernard, Y . e Colli , J . C . ( 1 997) . Dicionário económico e financeiro, 2 Vols. Lisboa:

Publicações Dom Quixote.

Bernstein, B . ( 1 97 1 ) . Class, codes and control. Theoretical studies towards a sociology

of language. Londres : Routledge and Kegan Paul .

Bertolini , S . (2000). Franchise expansion. In R . Rose, lntemational encyclopedia of

elections (pp. 1 1 7- 1 30). Londres : Macmillan.

Bom, G. (2000). Análise evolutiva do estatuto da criança em duas gerações urbanas

diferentes: "Avós " (1 923/31) e "netos "(1 988/81) . Lisboa: Instituto Superior de

Psicologia Apl icada (Monografia de Licenciatura, não publicada).

Boltanski, L. ( 1 977) . Prime éducation et morale de classe. La Haye: Mouton

Bouillé, M. ( 1 988) . L 'école, histoire d 'une utopie ? XVIle - début XXe siecle. Paris :

R ivages.

Boudon, R . ( 1 977) . Effets pervers et ordre social. Paris : Presses Universitaires de

France.

Bourdieu, P . e Passeron, J . -c. (s.d). A reprodução: elementos para uma teoria do

sistema de ensino. Lisboa: Vega.

Bowlby, J. ( 1 976). A natureza da l igação da criança com a mãe. In L. Soczka (Ed.) , As

ligações infantis (pp. 1 05- 1 53). Lisboa: Livraria Bertrand.

Bowles, S . e Gintis, H . ( 1 985) . La instrucción escolar en la América capitalista.

Madrid : S iglo Ventiuno Editores.

Boyer, R . ( 1 986) . La théorie de la régulation. Une analyse critique. Paris ; Éditions de la

Découverte.

252

Page 254: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Boyer, R. ( 1 998) . As palavras e as real idades. ln S . Cordel l ier (Ed.), A globalização

para lá dos mitos (pp. 1 9-70) . Lisboa: Editorial Bizâncio .

Boyer, R. (2002) . Avant propos à la seconde édition. ln R . Boyer e Y. Salard, (Eds . )

Théorie da la régulation, état des savoirs (pp. 5- 1 7) . Paris : Édition de la Découverte &

Syros.

Boyer, R. e Salard, Y. (2002b). Glossaire. ln R . Boyer e Y . Salard (Eds . ) . Théorie da la

régulation, état des savoirs (pp. 557- 572) . Paris : Édition de la Découverte & Syros.

Boyer, R e Salard, Y. (Eds . ) (2002a). Théorie de la régulation, état des savoirs. Paris :

La Découverte & Syros.

Boyd, C . ( 1 997) . Historia Patria: Politics, history and national identity in Spain, 1875-

1 975. Princeton: Princeton University Press.

Brown, P . ; Halsey, A .H . ; Lauder, H. e Stuart Wells , A. ( 1 999). The transformation of

education and society: An introduction. ln A .H . Halsey et aI. (Eds . ) , Education:

Culture, economy, society (pp. 1 - 44) . Nova Iorque: Oxford University Press.

B rown, P. e Lauder, H. ( 1 999). Education, globalization and economic development.

ln A. H. Halsey et al. (Eds . ) . Education: Culture, economy, society (pp. 1 72- 1 92) . Nova

Iorque: Oxford University Press.

Candeias, A. ( 1 987) . As escolas operárias portuguesas do 1 ° quarto do século XX.

Análise psicológica, n.03, série V , 327-362.

Candeias, A. ( 1 993a) . Políticas educativas contemporâneas: críticas e alternativas .

Inovação, Vol . 6, n .03 , 257-286.

Candeias, A . ( 1 993b). A situação educativa portuguesa: raízes do passado, dúvidas do

presente. Análise psicológica, n.04, série XI , 59 1 -607 .

253

Page 255: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Candeias, A . ( 1 994) . Educar de outra forma: a Escola Oficina n 01 de Lisboa, 1 905 -

1 930. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional .

Candeias, A. ( 1 995) . Políticas educativas contemporâneas: críticas e alternativas .

Educação e Realidade, 20 ( 1 ) , 1 55- 1 89.

Candeias, A . ( 1 996). Ritmos e formas de alfabetização da população portuguesa na

transição de século: O que nos mostram os Censos Populacionais compreendidos entre

os anos de 1 890 e 1 930. Educação sociedade e culturas, 5, 39-63.

Candeias, A. ( 1 998) . Modelos alternativos de escola na transição do século X IX para o

século xx. In C . P . de Sousa e D. B . Cattani (Ed.as . ) , Práticas educativas, culturas

escolares e profissão docente (pp. 1 3 1 - 1 4 1 ) . São Paulo: Escrituras Editora.

Candeias, A. (2000) . Ritmos e formas de acesso à cultura escrita das populações

portuguesas nos séculos X IX e XX: dados e dúvidas. In R. D. Martins, G. Ramalho e A.

Costa (Org.as), Literacia e Sociedade, Contribuições pluridisciplinares (pp. 209-263) .

Lisboa: Editorial Caminho.

Candeias, A . (200 1 ) . Processos de construção da alfabetização e da escolaridade: O caso

português. In B . S. Santos, A sociedade portuguesa perante os desafios da globalização,

voI . 6, S . Stoer, L. Cortesão e J . A. Correia (Orgs . ) , A transnacionalização da

educação: da crise da educação à educação da crise (pp. 23-89). Porto: Editorial

Afrontamento.

Candeias, A. (2003). État Nation et éducation dans le contexte européen : une approche

socio-historique. In J. M. Ferry e S . De Proost (Eds . ) , L 'Ecole au défi de l 'Europe:

Médias, éducation et citoyenneté post-nationale (pp. 1 7-33) . Bruxelas : Presses de

l ' Université de Bruxelles .

Candeias, A . (2004a) . Literacy, school ing and modernity in twentieth century Portugal :

What Population Censuses can tell uso Paedagogica Historica, 40, (4) , 5 1 1 -530.

254

Page 256: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Candeias, A. (2005a) . Modernidade e cultura escrita nos séculos XIX e XX em

Portugal : População, economia, legitimação política e educação. ln A. Candeias (Ed.)

Modernidade, Educação e Estatísticas na Ibero-América dos séculos XIX e XX: estudos

sobre Portugal, Brasil e Galiza (pp. 53 - 1 1 3) . Lisboa: Educa.

Candeias, A. (2005b) . Modernidade, educação, criação de riqueza e legitimação política

nos séculos XIX e XX em Portugal . Análise Social, 40, ( 1 76), 477-498.

Candeias, A. (2007) . Políticas Educativas - História e Políticas Educativas

Contemporâneas. Relatório da Disciplina de Políticas Educativas - História e

Políticas Educativas Contemporâneas apresentadas no âmbito das Provas de

Agregação em Ciências da Educação na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da

Universidade Nova de Lisboa. Trabalho não publicado.

Candeias, A . ; Nóvoa, A. e Figueira, M. H. (Eds . ) ( 1 995) . Sobre a Educação Nova:

cartas de Adolfo Lima a Álvaro Viana de Lemos (1923-1 941) . Lisboa: Educa.

Candeias, A. S imões, E. ( 1 999) Alfabetização e escola em Portugal no século XX:

Censos Nacionais e estudos de caso. Análise psicológica, n.0 1 , série XVII , 1 63- 1 94 .

Candeias, A . (Ed.) , Paz, A. . ; Rocha, M. (2004b) . Alfabetização e Escola em Portugal

nos séculos XIX e XX: Os Censos e as Estatísticas. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, Setembro de 2004.

Cardoso, J. L. e Rocha, M. M. (2003). Corporativismo e Estado-Providência ( 1 933-

1 962). Ler História, 45, 1 1 1 - 1 35 .

Carreira, H. M . ( 1 996). A s políticas sociais e m Portugal. Lisboa: Gradiva.

Carvalho, L.M. (2002). Oficina do colectivo. Lisboa: Educa.

Carvalho, R. ( 1 986) . História do ensmo em Portugal. Desde a fundação da

nacionalidade ao fim do regime de Salazar- Caetano. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian.

255

Page 257: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Castells , M. (2000). A construção da identidade Europeia. In M.J . Rodrigues (Ed.a)

Para uma Europa da inovação e do conhecimento (pp. 1 8 1 - 1 9 1 ) . Oeiras: Celta.

Castells, M. e Himanen, P. (2002) . The information society and the Welfare State: The

Finish model. Oxford: Oxford University Press.

Chabbot, C . e Ramírez, F. (2000). Development and education. In M. Hall inan (Ed.) ,

Handbook of the Sociology of Education (pp. 1 63- 1 88) . Nova Iorque : Kluwer

Academic Publ ishers.

Cheval ier, L. ( 1 978) . Classes laborieuses, classes dangereuses. Pari s : Librairie

Générale Française.

Chevallier, P . ( 1 98 1 ) . La séparation de l 'église et de l 'école: Jules Ferry et Léon XIII.

Paris : Fayard.

Cipolla, C. ( 1 969) . Instrução e desenvolvimento no Ocidente. Lisboa: Editora Uli sseia.

Codd, l . ; Gordon, L. e Harker, R ( 1 999) . Education and the role of the State : Devolution

and control post-Picot. ln A .H . Halsey et aI. (Eds.) , Education: Culture, Economy,

Society (pp. 263-272) . Nova Iorque: Oxford University Press.

Cohen, R (2005). Globalização, migração i nternac ional e cosmopolitismo quotidiano.

In A. B arreto (Ed.) , Globalização e migrações (pp. 25-43) . Lisboa: Instituto de Ciências

Sociais.

Comissão Nacional de Eleições. http://www. eleições. cne.pt/index.dm.

Coombs, P. ( 1 985) . The world crisis in education: A view from the eighties. Nova

Iorque: Oxford University Press.

Cordellier, S. e Didiot, B. (200 1 ) . L 'état du Monde. Annuaire économique géopolitique

mondial 2002 . Paris : Éditions La Découverte & Syrios .

256

Page 258: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Correia, A. C . (2005) . Na bancada do alquimista. As transformações curriculares dos

ensinos primários e liceal em Portugal (1860-1960). Lisboa: Faculdade de Psicologia e

Ciências da Educação da Universidade de Lisboa (Tese de Doutoramento em Ciências

da Educação, não publ icada) .

Correia, L .G. ( 1 998) . Portugal pode ser, se nós qUIsermos, uma grande e próspera

nação. O sistema educativo no Estado Novo. Ler História, 35, 7 1 - 1 07 .

Cortázar, F . G. e Vesga, J . M. G. ( 1 997). História de Espanha: Uma breve História.

Lisboa: Editorial Presença.

Crosby, A. W. ( 1 999). A mensuração da realidade. A quantificação e a sociedade

Ocidental, 1250-1600. São Paulo : UNESP; Cambridge University Press.

Dale, R . ( 1 999) . The State and the governance of education : An analysis of the

restructuring of the State-education relat ionship. ln A.H . Halsey et al. (Eds . ) ,

Education: Culture, economy, society (pp. 273-283) . Nova Iorque : Oxford University

Press .

Demaine, J . (Ed . ) ( 1 999). Education policy and contemporary politics. Londres:

Macrnillan Press.

Denis, H. ( 1 987). História do pensamento económico. Lisboa: Livros Horizonte .

Department for Education and Skil ls (2005) . Higher standards, better schools for all:

More choice for parerL ts and pupils. London : Department for Education and Skil ls ; H .

M . Government.

Diebolt, C. ( 1 995). Éducation et croissance économique. Le cas de l 'Allemagne aux

XIX et XXéme siecles. Paris : Éditions l ' Harmattan.

Dietrich, T. ( 1 973) . La pédagogie socialiste. Paris : François Maspero.

257

Page 259: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Domingos, A . ; Barradas, H . ; Rainha, H . e Neves, P. ( 1 986) . A teoria de Bernstein em

Sociologia da Educação. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian .

Donzelot, J . ( 1 980) . A polícia das famílias. Rio de Janeiro: Graal .

Dubar, C . (2002). La socialisation . Paris : Armand Colin.

Dupeux, G. ( 1 995) . La illéme République: 1 87 1 - 1 9 1 4, les enfances de la démocratie

bourgeoise. ln Georges Duby, Histoire de la France, des origines à nos jours (pp. 738-

763) . Paris : Larousse.

Durkheim, E. ( 1 980) . Éducation et sociologie. Paris : Presses Universitaires de

France.

Dutercq, Y. e Van Zanten, A. (2002). L'évolution des modes de régulation de l ' action

publique en éducation: Présentation. Éducation et sociétés, 8, 200 1 /2 , 5 - 1 0 .

El ias, N . ( 1 989, 1 990). O processo civilizacional. Lisboa: Publicações Dom Quixote.

Eklof, B . ( 1 990). Russian peasant schools: Officialdom, vil/age culture and popular

pedagogy, 1861 - 1914. Berkeley e Los Angeles: University of Cal ifomia Press.

Errante, A. ( 1 998). Education and national personae in Portugal ' s colonial and

postcolonial transition. Comparative education review, 42, (3) , 267-308 .

Esping-Andersen, G . ( 1 994). The three political economies of the Welfare State . ln J . A.

Hall (Ed . ) , The State: Criticai concepts, VoI. ill (pp. 4 1 5-439). Londres e Nova Iorque:

Routledge.

Esping-Andersen, G. ( 1 999) Les trois mondes de l 'État Providence. Essai sur le

capitalisme moderne. Paris : Presses Universitaires de France.

Esping-Andersen, G. (2000) Um Estado-Providência para o século XXI. Sociedade em

envelhecimento, economias baseadas no conhecimento e sustentabilidade dos Estados-

258

Page 260: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Providência. ln M. 1 . Rodrigues (Coord.a), Para uma Europa da inovação e do

conhecimento (pp. 79- 1 25) . Oeiras : Celta

Esping-Andersen, G . (2003a) . Towards the good society, once again? ln G. Esping­

Andersen, D. Gallie, A. Hemerijck e J . Myles (Eds . ) , Why we need a new welfare state

(pp. 1 -25) . Oxford: Oxford University Press.

Esping-Andersen, G. (2003b). A chi ld-centred social investment strategy. ln G. Esping­

Andersen, D. Gallie, A. Hemerijck e 1. Myles (Eds . ) , Why we need a new welfare state

(pp. 26-67) . Oxford: Oxford University Press.

Esping-Andersen, G. (2003c). A new gender contract . ln G. Esping-Andersen, D.

Gall ie, A. Hemerijck e J . Myles (Eds . ) , Why we need a new welfare state (pp. 68-95) .

Oxford: Oxford University Press.

Eurostat (2006) . Structural indicators, employment, http://epp.eurostat.ec.europa.eu/.

Falkehed, M . (2003). Le modéle suedois. Paris : Payot.

Felner, R . (2006) . Administração pública cresce devido a autarquias, regiões e órgãos de

soberania. O Público, XVII, 6020, 1 0- 1 1 .

Fernandes, R. ( 1 994) . Os canúnhos do ABC. Sociedade portuguesa e ensmo das

primeiras letras. Porto: Porto Editora.

Ferreira, A. G. (2000) . Gerar, criar, educar, a criança em Portugal no Antigo Regime.

Coimbra: Quarteto.

Ferreira, J. M. ( 1 993) . Portugal em transe ( 1 974- 1 985) . ln J. Mattoso (Ed.) História de

Portugal, VoI. Vill. Lisboa: Círculo de Leitores.

Ferro, A. (2003, baseada em edições de 1 933, 1 934, 1 935, 1 982) . Entrevistas de

António Ferro a Salazar. Lisboa: Parceria A. M. Pereira.

259

Page 261: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Figueira, M . H . (2004). Um roteiro para a Educação Nova em Portugal. Lisboa: Livros

Horizonte .

Fitzpatrick, S . ( 1 998) . Socialism and comunismo ln R. Bull iet (Ed . ) , The Columbia

history of the 20th century (pp. 203-228). Nova Iorque: Columbia University Press.

Foucault, M. ( 1 975) . Surveiller et punn: Naissance de la prison . Paris : Éditions

Gal l imard.

Fournier, E. (2002) . Les formes de l 'État Providence. Sciences humaines, 1 33 , 32-33 .

Freeman, C . e Louçã, F. (2004) . Ciclos e crises no capitalismo global. Das Revoluções

Industriais à Revolução da Informação. Porto: Edições Afrontamento.

Freud, S . ( 1 96 1 ) . Introduction à la psychanalyse. Paris : Petite B ib liotheque Payot.

Freud, S. ( 1 975) . Abrégé de psychanalyse. Paris : Presses Universitaires de France.

Friedman, M. ( 1 962) . Capitalism andfreedom. Chicago: Chicago University Press.

Fukuyama, F ( 1 992). O fim da História e o último homem. Lisboa: Gradiva.

Furet, F. e Ozouf, J . ( 1 977) . Lire et écrire. L 'alphabétisation des français de Calvin à

Jules Ferry. Paris : Les Éditions de Minuit .

Gabriel , N. ( 1 998) . Literacy, age, period and cohort in Spain ( 1 900- 1 950). Paedagogica

historica, XXXIV, ( 1 ) , 29-62.

Gabriel, N. (2005) . La alfabetización en Galicia, 1 900- 1 940. ln A. Candeias (Ed. )

Modernidade, educação e estatísticas na Ibero-América dos séculos XIX e XX: Estudos

sobre Portugal, Brasil e Galiza (pp. 1 1 7 - 1 56) . Lisboa: Educa.

Gaddis, J .L (2005) . The Cold War. Londres: Penguin Books.

260

Page 262: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Gallie, D. (2003) . The qual ity of working l ife in Welfare strategy. ln G. Esping­

Andersen, D. Gal l ie, A. Hemerijck, J . Myles (Eds.) , Why we need a new welfare state

(pp. 96- 1 29). Oxford: Oxford University Press.

GAVE, Gabinete de Avaliação Educacional do Ministério da Educação (200 1 ) .

Resultados do estudo internacional PISA 2000. Lisboa: Ministério da Educação.

Gel lner, E. ( 1 993) . Nações e nacionalismo. Lisboa: Gradiva.

Giddens, A. ( 1 995) . As consequências da modernidade. Oeiras : Celta.

Giddens, A. ( 1 997) . Sociology. Cambridge: Polity Press.

Gilbert, N . (2002) . Transformation of the Welfare State: The silent surrender of public

responsibility. Oxford : Oxford University Press.

Girod, R. ( 1 98 1 ) . Politiques de l 'éducation: l 'illusoire et le possible. Paris :

Presses Universitaires de France.

Graff, H. ( 1 99 1 ) . The legacies of literacy. Continuities and contradictions in Western

culture and society. Blornington e Indianapolis : Indiana University Press.

Gramsci, A. ( 1 974). Obras escolhidas, 2 Vols. Lisboa: Editorial Estampa.

Green, A. ( 1 992). Education and State formation. The rise of educational systems in

England, France and the USA . Londres: Macrnil lan Press.

Guillén, A . ; Álvarez, S . ; S i lva, P. (2005) . O redesenhar dos Estados-Providência

espanhol e português : o impacto da adesão à União Europeia. In S . Royo (Ed.) ,

Portugal, Espanha e a integração europeia: um balanço (pp. 293-345) . Lisboa:

Imprensa de Ciências Sociais .

26 1

Page 263: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Habermas, J . ( 1 996). The European Nation-State : Its achievements and i ts l imits. On the

past and future of sovereignty and c itizenship. ln G. Balakriwshnan e B . Anderson,

Mapping the Nation, (pp. 28 1 -294) . Londres : Verso.

Habermas, J. (2000). Apres l 'État-Nation. Paris : Fayard

Hacker, J . S . (2002) . The divided Welfare State. The battle over public and private

social benefits in the United States. Cambridge: Cambridge University Press.

Harlow, H. ( 1 976). A natureza do amor. ln L. Soczka (Ed.) . As ligações infantis (pp. 79-

1 04). Lisboa: Livraria Bertrand.

Harp, S . L. ( 1 998). Learning to be loyal: Primary schooling as Nation building in

Alsace and Lorraine, 1850-1940. Dekalb : Northern ll l inois University Press .

Hayeck, F. ( 1 977) . O caminho para a servidão. Lisboa: Teoremas.

Hemerijck, A. (2003) The self transformation of the European Social Model(s) . ln G.

Esping-Andersen, D. Gal lie, A. Hemerijck, J . Myles (Eds), Why we need a new welfare

state (pp. 1 73-2 1 3 ) . Oxford: Oxford University Press.

Hobsbawm, E. J. ( 1 990). Nations and nationalism smce 1 780. Programme, myth,

reality. Cambriddge: Cambridge University Press.

Hobsbawm, E. J. (2002) . A era dos extremos: História breve do século XX, 1 914-

1 991 . Lisboa: Editorial Presença.

Hoggart, R. ( 1 973) . As utilizações da cultura. Lisboa: Editorial Presença.

Huntington, S. ( 1 999). O choque das civilizações e a mudança na Ordem Mundial.

Lisboa: Gradiva.

Iryie, A. ( 1 998) . The international order. ln R. Bul l iet (Ed. ) , The Columbia history of

lhe 20/h Century (pp. 229-247) . Nova Iorque: Columbia University Press.

262

Page 264: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Jonathan, R . ( 1 989). Choice and control in education: Parental rights, individual

liberties and social justice. British journal of education studies, xxxvn (4) , 32 1 -337 .

Judt, T. (2006) . Pós - Guerra. História da Europa desde 1 945. Li boa: Edições 70.

Justino, D. ( 1 988, 1 989) . A formação do espaço económico nacional: Portugal 1 810-

1 913. Lisboa: Vega.

Justino, D. (2005) . 'As times goes by' , a educação entre rumos e destinos Educação,

temas e problemas, 1 , 1 3 -36.

Kaelble, H . ( 1 985) . Social mobility in the 1 9th and 20th Centuries. Europe and America

in comparative perspective. Dover: Berg Publ ishers.

Kaes, R. ( 1 968) . lmages de la culture chez les ouvriers français. Paris : Editions Cujas .

Keddie, N. (Ed. ) ( 1 973) . Tinker, tailor. . . The myth of cultural deprivation.

Harmondsworth: Penguin Books .

Khoi, L. T. ( 1 970) . A indústria do ensino. Porto: Livraria Civilização.

Labov, w. ( 1 973) . The logic of non-standard english. ln N. Keddie (Ed.) , Tinker,

tailor . . . The myth of cultural deprivation (pp. 2 1 -66). Harmondsworth: Penguin Books.

Lains, P. (2005) . A economia portuguesa no século XX: crescimento e mudança

estrutural . ln A. C. Pinto (Ed.) , Portugal Contemporâneo (pp. 1 1 7- 1 1 6) . Lisboa:

Publ icações Dom Quixote.

Lains, P. e S i lva, A. F. (2004). História económica de Portugal, 1 700-2000. Lisboa:

Imprensa de Ciências Sociais .

Landes, D . S. (200 1 ) . A riqueza e a pobreza das nações. Porque são algumas tão ricas

e outras tão pobres. Lisboa: Gradiva.

263

Page 265: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Latham, M. (2003) . lntroduction : Modernization, international history, and the Cold

War. ln D. Engerman, N. Gilman, M. Haefele e M. Latham, Staging Growth:

Modernization, development and the global Cold War (pp. 1 -22) . Arnherst e Boston :

University of Massachusetts Press.

Lautrey, J . ( 1 980) . Classe sociale, milieu familial, intelligence. Paris : Presses

Uni versitaires de France.

Leal , E . C. ( 1 999). Nação e nacionalismos. Lisboa: Edições Cosmos.

Léonard, Y. (200 1 ) . Portugal . ln P. Perrineau e D. Reynié (Eds.) , Dictionnaire du vote

(pp. 749-743) . Paris : Presses Universitaires de France.

Le Goff, lP. (2002). Mai 68, l 'héritage impossible. Paris : Éditions de la Découverte &

Syros.

Lesourne, J . ( 1 988) . Éducation et société. Les défis de l 'an 2000. Paris : Éditions de La

Découverte.

Levin, H. (Ed . ) (200 1 ) . Privatizing education: can the marketplace deliver choice,

effzciency, equity and social cohesion? Boulder: Westview Press.

Lima, A. ( 1 9 1 6) . Educação e ensino: A educação e o operariado. O Germinal, 1 .

Lindley, R . (2000). Economias baseadas no conhecimento: O debate europeu sobre

emprego num novo contexto. ln M. J. Rodrigues (Ed.) Para uma Europa da inovação e

do conhecimento (pp. 33-78) . Oeiras: Celta.

Lopes, F. F. ( 1 993) . Poder político e caciquismo na ]O República Portuguesa. Lisboa:

Editorial Estampa.

264

Page 266: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Lorenz, K . ( 1 975) . O todo e a parte na sociedade animal e humana: um debate

metodológico (pp. 79- 1 9 1 ) . In K. Lorenz, Três ensaios sobre o comportwnento animal

e humano. Lisboa: Arcádia

Lucas Jr . , R. (2002) . Lectures on economic growth . Cambridge: Harvard University

Press.

Luria, A. R . ( 1 976). Cognitive development. Its cultural and social foundations.

Cambridge: Harvard University Press.

Macedo, H. V . ( 1 953) . Combate ao analfabetismo. Plano de Educação Popular:

Decreto-lei n. o 38:968 e Decreto n. o 38: 969, de 27 de Outubro de 1 952 com o relatório

e breves anotações. Lisboa: Companhia Nacional Editora.

Magalhães, J. ( 1 994). Ler e escrever no mundo rural do Antigo Regime: um contributo

para a história da alfabetização e da escolarização em Portugal. Braga: Instituto de

Educação; Universidade do Minho.

Magalhães, J. ( 1 996). Ler e escrever no mundo rural do Antigo Regime: um contributo

para a história da alfabetização e da escolarização em Portugal . Análise psicológica,

XIV (4), 435-445 .

Magalhães, J . (2005) . Historiografia da alfabetização em Portugal . In A. Candeias (Ed. )

Modemidade, educação e estatísticas na Ibero-América dos séculos XIX e XX: Estudos

sobre Portugal, Brasil e Galiza (pp. 207-2 1 8) . Lisboa: Educa.

Manheim, K. ( 1 986) . Conservatism. A contribution to the sociology of knowledge.

Londres: Routledge and Kegan Paul .

Marcelesi, J . B . e Gardin, B . ( 1 975) . Introdução à sociolinguística. Lisboa: Editorial

Aster.

265

Page 267: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Markiewicz-Lagneau, J . ( 1 974). Éducation, égalité et social isme: les pays de l ' Est. In A .

Gras (Ed.), Sociologie de l 'éducation: textes fondamentaux (pp. 9 1 - 1 02) . Paris :

Librairie Larousse.

Marques, A.H.O. (DiL) ( 1 978) . História da Primeira República portuguesa: as

estruturas de base. Li boa: Iniciativas Editoriais.

Marques, A. H. O. ( 1 99 1 ) . Portugal da Monarquia para a República. In J. Serrão e A. H.

de Oliveira Marques, Nova História de Portugal, Vol XI. Lisboa: Editorial Presença.

Martins, H. ( 1 998) . Classe, status e poder. Lisboa: Instituto de C iências Sociais.

Matos, S . C . ( 1 990) . História, mitologia, imaginário nacional. A História no curso dos

liceus ( 1895- 1 939). Lisboa: Livros Horizonte.

Matos, S. C. ( 1 998) . Historiografia e memória nacional (1846-1 898). Lisboa: Edições

Col ibri .

Mayal , J . ( 1 998). Nationalism. In R. Bul l iet (Ed. ) , The Columbia history of the 20th

century (pp. 1 72-202) . Nova Iorque: Columbia University Press.

Meyer, J . ; Kamens, D. e Benavot, A. (Eds.) ( 1 992). School Knowledge for lhe masses.

World models and na tio na I primary curricular categories in the twentieth century.

Londres: Falmer Press.

Ministério do Trabalho e Solidariedade Social e Ministério da Educação (2006) .

Iniciativa Novas Oportunidades. Lisboa: MTSS e ME

Mishra, R. ( 1 995) . O Estado-Providência na sociedade capitalista. Oeiras : Celta.

Mónica, M. F. ( 1 98 1 ) . Correntes e controvérsias em sociologia da educação . In M. F.

Mónica (Ed. ), Escola e classes sociais (pp. 1 1 -2 1 ) . Lisboa: Editorial Presença.

266

Page 268: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Mozzicafreddo, J . ( 1 992) . O Estado-Providência em Portugal : estratégias contraditórias.

Sociologia, problemas e práticas, 1 2 , 57-89.

Mozzicafreddo, J. ( 1 997) . Estado-Providência e cidadania em Portugal. Oeiras : Celta.

Myles, J . (2003). A new social contract for the elderly? In G. Esping-Andersen, D.

Gall ie, A. Hemerijck, J. Myles (Eds) , Why we need a new welfare state (pp. 1 30- 1 72) .

Oxford: Oxford University Press .

Nettl , J . P . ( 1 999). The State as a conceptual variable. In J . A. Hall (Ed. ) , The State:

criticai concepts, VoI. I (pp. 9-36). Londres e Nova Iorque : Routledge.

Ni lson, A. ( 1 999). What do literacy rates in the 1 9th Century real ly signify? New light

on an old problem from unique Swedish data. Paedagogica historica, 35 (2), 275-296.

Nóvoa, A. ( 1 987) . Le temps des professeurs, 2 Vols. Lisboa: Insti tuto Nacional de

Investigação Científica.

Nóvoa, A. ( 1 988) . A História do Ensino Primário em Portugal : balanço da investigação

realizada nas últimas décadas. In R. Fernandes e A. Adão (Eds . ) , r Encontro de

História da Educação em Portugal: Comunicações (pp. 45-64). Lisboa: Fundação

Calouste Gulbenkian.

Nóvoa, A. (Ed . ) ( 1 992) . As organizações escolares em análise. Lisboa: Publicações

Dom Quixote.

Nóvoa, A. ( 1 995) . Uma educação que se diz "Nova". In A. Candeias; A. Nóvoa e M. H .

Figueira (Eds.) , Sobre a Educação Nova: cartas de Adolfo Lima a Álvaro Viana de

Lemos ( 1 923- 1 941) (pp. 23-4 1 ) . Lisboa: Educa.

Nóvoa, A. ( 1 998). L' Europe et l ' éducation, analyse socio-historique des politiques

éducatives européennes . In A. Nóvoa (Ed. ) , Histoire et comparaison (essais sur

l 'éducation) (pp. 85- 1 1 9) . Lisboa: Educa.

267

Page 269: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Nóvoa, A. (2005) . Evidentemente. Histórias da Educação. Porto: Edições ASA.

Nunes, A. B. (2003) . Government expenditure on education, econornic growth and long

waves : The case of Portugal . Paedagogica historica, 39 (5), 559-58 1 .

Nufíez, C . (2003) . Literacy, schooling and econorruc modernization : A historian ' s

approach. Paedagica historica, 39 (5 ) , 535-558.

Ó, J . R. (2003) . O governo de si mesmo. Modernidade pedagógica e encenações

disciplinares do aluno liceal (último quartel do século XIX - meados do século XX).

Lisboa: Educa.

Ó, 1 . R. (2005) . O império da ciência do Estado: Modernidade pedagógica e controlo

populacional nos l iceus portugueses da primeira metade do século XX. ln A. Candeias

(Ed. ) , Modernidade, Educação e Estatísticas na Ibero-América dos séculos XIX e XX:

estudos sobre Portugal, Brasil e Galiza (pp. 1 57-203) . Lisboa: Educa.

OECD (2002). Education at a glance. www.oecd. org/els/education/eag2002 .

OECD (2004). Learning for tomorrow 's world. First results from PISA 2003. Paris :

OECD Publ ications.

OECD Health data (2005) . http : //ocde.p4.siteinternet.com.publications/doifi les .

OECD (2006a) . Education at a glance. www.oecd.org/edu/eag2006.

OECD Factbook (2006b). Economic, Environmental and Social Statistics.

www.sourceoecd.org/factbook.

OECD (2007a) . Gross Domestic Product. www.oecd.Org/dataoecd/48/4/37867909.pdf

OECO (2007b) . Educational

www.oecd .org/edu/eag2007 .

attainment:

268

adult population (2005).

Page 270: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Oliveira, M. ( 1 933) . A Escola Ún ica: uma nova ideia pedagógico-social. Lisboa:

Papelaria Fernandes .

Olssen, M . ; Codd, J . e O 'NeiU, A. M. (2004). Education Policy. Globalization,

citizenship & democracy. Londres : Sage Publ ications.

Pasquier, D. (2003). Médias et expériences de vie: le rôle de la télévision dans les

apprentissages relationnels des jeunes. ln J. M. Ferry e S. de Proost (Eds . ) , L 'Ecole au

défi de l 'Europe: Médias, éducation et citoyenneté post-nationale (pp. 1 67- 1 86).

B ruxelas : Presses de L 'Université de Bruxelles.

Paz, A. (2005). Alfabetização e escolarização nos Censos populacionais portugueses

( 1 864-200 1 ) . ln A. Candeias (Ed.) , Modernidade, educação e estatísticas na lbero­

América dos séculos XIX e XX: Estudos sobre Portugal, Brasil e Galiza (pp. 257-272) .

Lisboa: Educa.

Perrineau, P . e Reynié, D. (200 1 ) . Le dictionnaire du vote . Paris : Presses Universitaires

de France.

Perron, R. ( 1 976) . Atitudes e ideias face às debilidades mentais . ln R. Zazzo (Ed.) , A

debilidade em questão (pp. 5 1 -89) . Lisboa: Sociocultur.

Petitat, A. ( 1 994) . Produção da escola/produção da sociedade. Porto Alegre : Editora

Artes Médicas.

Pintassilgo, J. ( 1 998) . República e formação de cidadãos. Educação cívica nas escolas

primárias da Primeira República portuguesa. Lisboa: Colibri

Pinto, A. C . e Teixeira, N. S . (2005) . Portugal e a integração europeia, 1 945- 1 986. ln A.

C . Pinto e N . S . Teixeira (Eds. ) , A Europa do Sul e a construção da União Europeia,

1 945-2000 (pp. 1 7-43) . Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais .

PNUD ( 1 995). Relatório do desenvolvimento humano 1 995. Lisboa: Tricontinental

Editora.

269

Page 271: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

PNUD (2003). Relatório do desenvolvimento humano 2003. Objectivos de

desenvolvimento do milénio: Um pacto entre nações para eliminar a pobreza humana.

Queluz: Mensagem.

PNUD (2004) . Relatório do desenvolvimento humano 2004. Liberdade cultural num

mundo diversificado. Lisboa: Mensagem, Serviço de Recursos Editoriais .

PNUD (2005). Relatório do desenvolvimento humano 2005. Cooperação internacional

numa encruzilhada: Ajuda, comércio e segurança num mundo desigual. Lisboa: Ana

Paula Faria Editora.

Postman, N. ( 1 994) . The disappearance of childhood. Nova Iorque: Vintage Books.

Pureza, J. M. ( 1 998) . O património comum da humanidade: Rumo a um direito

internacional da solidariedade? Porto : Edições Afrontamento.

Quintas, J. M. ( 1 996) . Eleições para a Assembleia Nacional . ln J. M. Brandão de Brito e

F. Rosas (Eds.) , Dicionário de História do Estado Novo, VoI. I (pp. 288-29 1 ) . Vendas

Novas : Bertrand.

Ramirez, F. ( 1 997) . The Nation State, c i tizenship and educational change:

Institutionalization and globalization. ln W. Cummings e N. McGinn (Eds .) ,

International handbook of education and development: Preparing schools students and

nations for the twenty-first Century (pp. 47-62). Oxford: Pergamon, Elsiever Science.

Raynaud, P. (2003) . L'éducation et la dialectique des Lurrueres. ln J. Marc Ferry, B .

Libois (Eds.) . Pour une éducation post nationale. Bruxelas : Presses de l ' Université de

Bruxelles.

Renaut, A. (2005) . O fim da autoridade. Lisboa: Instituto Piaget.

Reis, J . ( 1 987) . A industrialização num país de desenvolvimento lento e tardio: Portugal

1 870- 1 9 1 3 . Análise Social, 23 (96), 2 , 207-227 .

270

Page 272: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Reis, J . ( 1 988) . O analfabetismo em Portugal numa perspectiva comparada. ln R .

Fernandes e Á. Adão (Eds . ) , r Encontro português de História da Educação: Actas

(pp. 75-79). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Reis, J. ( 1 993) . O analfabetismo em Portugal no século XIX: uma interpretação.

Colóquio, educação e sociedade, 2, 1 3-40.

Richard, J . -L. ( 200 1 ) . Corps électoral . ln P. Perrineau e D. Reynié (Eds . ) Dictionnaire

du vote (pp. 264-266). Paris : Presses Universitaires de France.

Rioux , l-P. ( 1 97 1 ) . La Révolution lndustrielle. Paris : Éditions du Seui! .

Rodrigues, H . ( 1 995) . Índices de alfabetização de emigrantes saídos para o Brasil entre

1 835-60. Ler História, 27-28, 3 1 7-229.

Rosa, M. J. (2000) . Portugal e a União Europeia, do ponto de vista demográfico, a partir

de 1 960. ln A. B arreto (Ed.) , A situação social em Portugal 1 960-1 999 (pp. 4 1 9-45 1 ) .

Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais.

Rosa, M. J. e Vieira, C . (2003) . A população portuguesa no século XX. Lisboa:

Imprensa de Ciências Sociais

Rosas, F. ( 1 994) . O Estado Novo ( 1 926- 1 974) . ln J . Mattoso (Ed.) História de Portugal,

VoI. VI I . Lisboa: Círculo de Leitores.

Rose, N. ( 1 999). Powers of freedom: Reframing politicaI thought. Cambridge:

Cambridge University Press.

Rose, R. (2000a). International encyclopaedia of elections. Londres : Macrnil lan

Rose, R. (2000b). Unfair elections. ln Richard Rose, International Encyclopaedia of

Elections (pp. 323-330). Londres: Macrnil lan .

27 1

Page 273: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Rosenthal , R. e Jacobson, L. ( 1 97 1 ) . Pygmalion à l 'école. L 'attente du maftre et le

développement intellectuel des éleves. Paris : Casterman.

Rouban, L. (2002) . Les fonctionnaires, combien de divisions? Sciences humaines, 1 33 ,

34-37.

Royo, S. e Manuel, P . C . (2005). Introdução. In S. Royo (Ed.) , Portugal, Espanha

e a integração europeia: um balanço (pp. 23-56). Lisboa: Imprensa de C iências

Sociais .

Rutherford, D. ( 1 998) . Dicionário de economia . Algés e Oeiras : DifeI .

Santos, B. S . (200 1 ) . Globalização: fatalidade ou utopia ? Porto: Edições Afrontamento.

Scribner, S. e Cole, M. ( 1 98 1 ) . The psychology of literacy. Cambridge : Harvard

University Press.

Scribner, S. e Cole, M. ( 1 982). Consecuencias cognitivas de la educación formal e

informal : l a necesidad de nuevas acomodaciones entre el aprendizaje basado en la

escuela y las experiencias de aprendizaje de la vida diaria. Infancia y Aprendizaje, 1 7 ,

3- 1 8 .

Seixas, AM. (200 1 ) .Políticas educativas para o Ensino Superior: a globalização

neoliberal e a emergência de novas formas de regulação estatal . In B . S . Santos, A

sociedade portuguesa perante os desafios da globalização, voI . 6, S . Stoer, L. Cortesão

e J. A Correia (Orgs . ) , A transnacionalização da educação: da crise da educação à

educação da crise (pp. 209-238) . Porto : Editorial Afrontamento.

S imões, E. ( 1 998) . Análise evolutiva de quotidianos infantis, dinâmicas sociais e

processos de mudança em duas gerações diferentes: avós e netos. Lisboa: Instituto

Superior de Psicologia Aplicada (Monografia de Licenciatura, não publicada) .

Smith, A ( 1 997). A identidade nacional. Lisboa: Gradiva.

272

Page 274: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Sousa, C. P. (2005) . Os organismos internacionais e o campo educacional : as posições

do Brasil e de Portugal nas estatísticas da UNESCO ( 1 946- 1 972) . In A. Candeias (Ed.) ,

Modernidade, educação e estatísticas na Ibero-Antérica dos séculos XIX e XX: Estudos

sobre Portugal, Brasil e Galiza (pp. 1 7-52) . Lisboa: Educa.

Sousa, F. ( 1 995) . História da estatística em Portugal. Lisboa: Instituto Nacional de

Estatística.

Soysal, Y. e Strang, D. ( 1 989) . Construction of first mass education systems m

ninetheen century Europe. Sociology of education , 62, 277-288.

Stoer, S. e Araújo, H. C. ( 1 992). Escola e aprendizagem para o trabalho num país da

semi- periferia europeia. Lisboa: Escher.

Stoer, S. e Cortesão, L. ( 1 999). Levantando a pedra. Da pedagogia inter/multicu/tural

às Políticas Educativas numa época de transnacionalização. Porto: Edições

Afrontamento.

Stoer, S. e Magalhães, A. (2005) . A diferença somos nós. A gestão da mudança social e

as políticas educativas e sociais. Porto: Edições Afrontamento.

Tedesco, J. C. ( 1 999) . O novo pacto educativo: educação, competitividade e cidadania

na sociedade moderna. Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão.

Telo, A. J . (2003) . Portugal en los S istemas lnternacionales. ln António José Telo e

H ipólito de la Torre Gómez (Eds.) , Portugal y Espana en los Sistemas ln ternacionales

contemporâneos (pp. 1 3- 1 98) . Mérida: Junta de Extremadura.

Teodoro, A. (200 I a) . A construção política da educação. Estado, mudança social e

políticas educativas no Portugal contemporâneo. Porto: Edições Afrontamento.

Teodoro, A. (200 1 b) . Organizações intenracionais e pol iticas educativas naClOnalS : a

emergência de novas formas de regulação transnacional , ou uma globalização de baixa

intensidade. ln B. S. Santos, A sociedade portuguesa perante os desafios da

273

Page 275: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

globalização, voI . 6 , S . Stoer, L. Cortesão e J . A. Correia (Orgs . ) , A

transnacionalização da educação: da crise da educação à educação da crise (pp. 1 25-

1 6 1 ) . Porto: Editorial Afrontamento.

Valente, V. P . ( 1 997) . A 'República Velha ' ( 1 910- 1 91 7). Lisboa: Gradiva.

Valentim, P. C. (2002) . Alfabetização e escolarização na freguesia do Seixal na

primeira metade do século XX. Lisboa: Instituto Superior de Psicologia Aplicada

(Monografia de Licenciatura, não publicada) .

Vareiro, M . (2000). Alfabetização e escolarização numa freguesia rural. Lisboa:

Instituto Superior de Psicologia Aplicada (Monografia de Licenciatura, não publicada) .

Veiga, T. (2003) . A população portuguesa no último século : Permanências e mudança.

Ler História, 45, 9 1 - 1 09 .

Veiga de Macedo, H . ( 1 953) . Combate ao analfabetismo - Plano de Educação Popular

(Decreto lei n. o 38:968 e Decreto n. o 38:969 de 2 7 de Outubro de 1 952, com o relatório

e breves anotações) . Lisboa: Companhia Nacional Editora.

Wagner, P . ( 1 996). Liberté et discipline: Les deux crise de la modernité. Paris : Éditions

Métai l ié .

Wagner, P. (2002) . Modernidade, capitalismo e crítica. Fórum Sociológico, 5/6 (2a

série) , 4 1 -70.

Wallerstein , I. ( 1 990) . O sistema mundial moderno, VoI. l, A agricultura capitalista e

as origens da economia -mundo europeia no século XVI. Porto: Edições Afrontamento.

Wallerstein, I. ( 1 994) . O Sistema Mundial Moderno, VoI. I I , O mercantilismo e a

consolidação da economia-mundo europeia, 1600-1 750. Porto: Edições Afrontamento.

Witte, 1 . F. (2002) . Educational choice : A deep divide. In A. Nóvoa (Ed . ) , Espaços de

educação, tempos deformação (pp. 1 55- 17 1 ) . Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

274

Page 276: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Whoodhal , M. ( 1 999). Human capital concepts. ln H . Halsey et aI. (Eds) , Education:

Culture, economy, society (pp. 2 1 9-223). Nova Iorque: Oxford University Press.

275

Page 277: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

índ ice dos Quadros

Quadro 1 - Resumo condensado das ondas de Kondratiev. p . 43

Quadro 2 - Percentagem de crescimento do número de a lunos inscritos nos três g raus

de ensino nas várias partes do mundo entre 1 950 e 1 960. p. 60

Quadro 3 - Percentagem de cresc imento do número de alunos inscritos em várias

partes do mundo, por g rau de ensino, região e g rau de desenvolvimento dos pa íses

entre 1 960 e 1 980. p. 60

Quadro 4 - Percentagem de crianças / adolescentes / jovens adu ltos que frequentam

a escola , por g rupo de idade , em 1 960, 1 970 e 1 980 em várias regiões do m u ndo. p.

6 1

Quadro 5 - Variação anual d a percentagem d e a lunos inscritos por g rau d e ensino e

por região, entre 1 960 e 1 980. p. 65

Quadro 6 - Cálculo das taxas de retorno do investimento em educação (percentagem)

segundo o t ipo de desenvolvimento do país e o g rau de ensino. p . 70

Quadro 7 - Evolução do Rendimento Nacional , da mão-de-obra, e dos i nvestimentos

em Capital F ísico e em Capital Humano no Japão, entre 1 905 e 1 960. p .73

Quadro 8 - Atraso escolar na qu inta classe (CM.2) segundo a categoria profissional

do pai , em França, para o ano de 1 962. p .79

Quadro 9 - Percentagem de al unos em cada tipo de estabelecimento de Ensino

Superior dos Estados Un idos da América, segundo os rendimentos fam i l iares, em

1 971 . p .80

Quadro 1 0 - O Estado e a "natu reza humana" no l iberal ismo clássico, na social­

democracia keynesiana e no "neol iberal ismo" . p . 1 02

276

Page 278: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 1 1 - Modelos alternativos de desenvolvimento: Fordismo, neo-Fordismo e pós

Fordismo. p . 1 07

Quadro 1 2 - Variação das taxas de pobreza absoluta no m u ndo, entre 1 98 1 e 200 1 :

percentagem do número de pessoas que vive com menos de um dólar por d ia. p . 1 1 1

Quadro 1 3 - Verbas descontadas nos Estados U nidos da América, França e Suécia

em I mpostos e Cotizações Sociais, em percentagem dos respectivos P I B , no ano

2000. p . 1 1 3

Quadro 1 4 - Duração dos ciclos médios de vida e de trabalho em França, de 1 920 a

1 980, e projecções para o ano de 20 1 0. p . 1 1 7

Quadro 1 5 - As pr incipais m udanças na transição do Estado - Providência para o

Estado - Capacitador. p . 1 22

Quadro 1 6 - Evolução da percentagem do "trabalho f lexível" (trabalho a tempo parcial ,

trabalho temporário e "auto-emprego") da população f in landesa entre 1 990 e 2000, por

classes de idade. p . 1 25

Quadro 1 7 - Cálculo da alfabetização na Europa entre 1 850 e 1 950, a part i r de

Censos, Taxas de a lfabetização de recrutas e condenados, e de assentos

matrimoniais. p . 1 75

Quadro 1 8 - Alfabetização dos adultos de sexo mascu l i no nascidos no estrangeiro ,

trabalhando na I ndústria e Minas em 1 909 (EUA) . p . 1 77

Quadro 1 9-Data de introdução da escolaridade obrigatória e taxas de escolarização

em 1 870 para os seguintes pa íses europeus e EUA . p . 1 79

Quadro 20 - Evolução comparada das taxas de escolarização entre 1 870 e 1 930,

para os países abaixo referidos . p . 1 80

Quadro 2 1 - Est imativa da evolução do PNB per capita para uma selecção de países,

entre 1 830 e 1 970, em dólares americanos com o valor f ixo de 1 960. p. 1 83

277

Page 279: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 22 - Est imativa da percentagem do PNB per capita português em relação a

outros países europeus entre 1 830 e 1 970. p . 1 84

Quadro 23 - Comparação entre as estimativas de PNB real per capita entre alguns

g rupos de países europeus e Portugal , 1 830- 1 9 1 3 , em dólares americanos com o

valor f ixo de 1 960 (médias não ponderadas dentro de cada g rupo) . p. 1 85

Quadro 24 - Crescimento do P I B per capita na periferia e no centro da Europa, 1 9 1 3 -

1 998. p . 1 86

Quadro 25 - Convergência do P I B per capita na periferia europeia em relação ao

centro da Europa, entre 1 9 1 3 e 1 996. p . 1 87

Quadro 26 - Duração média dos Gabinetes M in isteriais em meses , durante a

Monarq uia Constitucional , a Pr imei ra Repúbl ica, o Estado Novo e a Democracia

Parlamentar. p . 1 9 1

Quadro 27 - Votantes, corpo ele i toral real (eleitores constantes dos cadernos

ele i torais) e cálculo da percentagem de ambos em relação à população res idente ou

presente de idade igual ou superior a 20 anos, de 1 88 1 a 1 99 1 , para Portuga l . p . 1 92

Quadro 28 - Percentagem da população autorizada por le i a votar em relação à

população de ambos os sexos com idades iguais ou superiores a 20 anos entre 1 880

e 1 973. Para Portugal , percentagem dos "corpos eleitorais reais" sobre a população de

ambos os sexos de idades iguais ou superiores a 20 anos, no mesmo período de

tempo. p. 1 95

Quadro 29 - Eleições e tipolog ias pol ít icas nos séculos XIX e XX. p . 1 98

Quadro 30 - Cálculo da percentagem de beneficiários activos da Seg u rança Socia l , em

percentagem da População Activa, em Portugal , entre 1 940 e 1 990, com excepção da

função públ ica. p .204

Quadro 31 - População abrang ida pelos serviços méd ico-sociais e a sua percentagem

em relação à população residente em Portugal segundo os Censos Populacionais,

entre 1 950 e 1 975. p .205

278

Page 280: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 32 - Gastos públ icos com a assistência social e tota l de descontos em

impostos e cotizações soc iais em percentagem do PIB dos seguintes países da U n ião

Europeia e da OCDE, entre 1 990 e 2003. p .208

Quadro 33 - Percentagem de a lfabetização das pessoas residentes ou com domicíl io

em Portugal com idades iguais ou superiores a 1 0 anos e por classes de idades entre

os 1 0 e os 64 anos, segundo os Censos Populacionais efectuados no século xx.

p .2 1 3

Quadro 34 - Alfabetização, género e variação demog ráfica numa coorte populacional

residente ou dom ici l iada em Portugal , entre 1 900 e 1 940, nascida entre 1 886 e 1 890,

entre as idades de 1 0- 1 4 anos e 50-54 anos. p.2 1 4

Quadro 35 - Alfabetização, género e variação demográfica numa coorte popu lacional

residente ou dom ici l iada em Portugal , entre 1 950 e 1 99 1 , nascida entre 1 936 e 1 940,

entre as idades de 1 0- 1 4 anos e 50-54 anos . p .223

Quadro 36 - Variação das competências l i terácitas enquanto adu ltos, na freguesia do

Beco, concelho de Ferre i ra do Zêzere: a "geração dos bisavôs", nascidos entre 1 888 e

1 9 1 4 , a "geração dos avós", nascidos entre 1 926 e 1 936 e a "geração dos pais" ,

nascidos entre 1 945 e 1 969. p .226

Quadro 37 - Percentagem das popu lações com idades compreendidas entre os 25 e

os 64 anos que têm como habi l itação pelo menos o ensino secundário completo , para

os segu intes países da OCDE e associados em 2004. p .230

Quadro 38 - Relação com o sistema educativo da população portuguesa com

idades iguais ou superiores a 7 anos em 1 940. p .231

Quadro 38 a) - Relação com o sistema educativo da população portuguesa com

idades iguais ou superiores a 7 anos em 1 960. p .232

Quadro 39 - Rácio de Progressão comparado das habi l itações das populações dos

seguintes países, entre 1 960, para a popu lação a parti r dos 25 anos, e 2005 para a

população com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos p .234

279

Page 281: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

Quadro 40 - Habi l itações da população adu lta (25-64 anos) para uma série de países

da OCDE e associados, no ano de 2004. p .236

Quadro 4 1 - Aprendizagem ao longo da vida: percentagem da população adulta com

idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos que participam em acções de

formação, nos seguintes países da U nião Europeia, entre 1 995 e 2005. p .237

280

Page 282: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

índ ice dos G ráficos

G ráfico 1 - Estimativa da relação entre a população humana (em m i l hões) e a

produção económ ica (média s impl if icada de P I B per capita de todas as regiões do

mundo em US$ 1 985) entre 1 000 d .C . e 1 995. p. 1 4

G ráfico 2 - Taxa de crescimento anual médio do Produto I nterno Bruto de França,

Alemanha Federa l , I tál ia, Japão, Reino Un ido e Estados Un idos da América, entre os

períodos de 1 870-1 9 1 3 e 1 973- 1 980. p . 45.

G ráfico 3 - O desemprego em vários países, entre 1 933 e 1 993 (percentagem da força

de trabalho) . p. 46 .

G ráfico 4 - Est imativa da evolução do P I B per capita em diversas partes do m undo

entre 1 750 e 1 990, em dólares norte - americanos de 1 985. p . 47.

G ráfico 5 - Gastos públ icos em educação, entre 1 960 e 1 979 , em percentagem do

PNB: pa íses Desenvolvidos e países em Desenvolvimento. p .63.

G ráfico 6 - Percentagem aproximada de crianças a viverem abaixo do l im iar de

pobreza na Grã-Bretanha, entre 1 980 e 2000. p . 1 1 2 .

G ráfico 7 - Envelhecimento da popu lação nos países da OCDE : dados até 1 995 ,

previsões até 2030. p . 1 1 8 .

G ráfico 8 - Coesão social na Fin lândia e nos Estados U n idos da América, ( 1 950 -

1 998) baseada no índice G I N I . p. 1 26 .

G ráfico 9 - Evolução do número de prisioneiros por 1 00 .000 habitantes nos Estados

Un idos da América e na F in lândia, de 1 950 a 2000. p. 1 27.

G ráfico 1 0 - Aumento do número médio de anos de escolaridade no m u ndo, por sub -

regiões, entre 1 990 e 2001 . p . 1 40 .

28 1

Page 283: Educação, Estado e Mercado no século XX - moodle.fct.unl.pt · da massificação e as dificuldades da gestão social e física dos espaços educativos num contexto de autoridade

G ráfico 1 1 - Comparação entre a progressão na taxa de alfabetização da população

portuguesa de idade igual ou superior a 1 0 anos e a progressão da m esma taxa em

rapazes e raparigas da classe de idade dos 1 0- 1 4 anos, entre 1 900 e 1 99 1 . p. 2 1 5 .

G ráfico 1 2- Evolução % do P I B (Gross Domestic Product) gasto em Educação, entre

1 9 1 3 e 1 993 em Portugal . P. 243.

282