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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 6954
EDUCAÇÃO DOS FILHOS DE IMIGRANTES NO MUNICIPIO DE CURITIBA – PARANÁ: 1853-1889
Ariclê Vechia1
Introdução
Desde o início do século XIX, o governo brasileiro adotou uma política de incentivo à
entrada de imigrantes europeus no país, que visava entre outras questões, a colonização de
territórios vazios e de fronteiras. A partir da segunda metade do século XIX, esta política foi
estimulada, sendo que o destino escolhido pelo governo para instalar os imigrantes eram
regiões pouco habitadas do Sul do Brasil. Seguindo as diretrizes da política nacional, logo
depois de emancipada de São Paulo, em 1853, a Província do Paraná passou a estimular a
entrada de imigrantes europeus, anteriormente estabelecidos em outras províncias, e
imigrantes de diferentes etnias, vindos diretamente da Europa. Esta iniciativa visava
promover o aumento da população como forma de se afirmar politicamente, suprir a falta de
braços para abrir e restaurar estradas para assim, facilitar e estimular o comércio entre as
províncias vizinhas, mas especialmente, para estabelecer uma agricultura de subsistência.
Possuidores de cultura própria, cada grupo de imigrantes, a seu tempo e modo,
passou a criar instituições que garantissem a preservação de sua identidade étnica/cultural.
Neste contexto, a escola se destacou como a instituição à qual essas comunidades reservaram
o papel de transmitir a herança cultural às crianças de forma sistemática e organizada. A
comunicação tem como temática- as escolas criadas pelos imigrantes europeus em Curitiba e
por objetivos: analisar a organização das escolas criadas e mantidas pelos imigrantes
alemães, poloneses e italianos, assim como suas finalidades, os saberes e os valores
ensinados. Teórica e metodologicamente o estudo tem como matriz a História Cultural, na
vertente da História das Instituições Escolares e sua relação com a etnicidade. Fundamenta-
se em Barth (1969). Poutignat e Streiff- Fenart, (1998), Nosella e Buffa (2009) e Vechia
(1998). Utiliza como fontes documentais: Relatórios do Inspetor Geral da Instrução Pública,
Relatório de Presidente da Província, Correspondência de Governo, a imprensa periódica
mantida pelos imigrantes e planos de estudos e livros didáticos adotados pelas escolas.
1 Universidade Tuiuti do Paraná.
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Curitiba, na década de 50 dos Oitocentos, se transformava de uma simples vila em
capital da recém-criada Província. Nesse processo, passou a oferecer inúmeras chances
econômicas atraindo imigrantes em sua maioria alemães que tinham vindo com destino à
colônia Dona Francisca, na província de Santa Catarina, bem como aqueles que nas décadas
seguintes vinham diretamente da Europa.
A partir do início da década de 1870, a região começou a receber ainda colonos
poloneses e italianos, imigrantes espontâneos que vieram ao Brasil com destino a Brusque,
também em Santa Catarina, ou para o litoral paranaense, mas que optaram por se transferir
para a capital e arredores. Em 1875, o governo Provincial elaborou e colocou em prática um
plano de colonização calcado no estabelecimento de colônias agrícolas formadas
principalmente por poloneses, visando o desenvolvimento de uma lavoura de subsistência
nas proximidades de centros urbanos, principalmente nos arredores da capital da Província e
no planalto curitibano.
Como grupos minoritários, possuidores de convicções religiosas, hábitos e atitudes,
valores e língua que os diferenciavam da sociedade curitibana, esses imigrantes passaram a
buscar a manutenção do seu modo de vida de acordo com os referenciais básicos de sua
cultura. No entanto, eles se encontravam em um ambiente totalmente diverso do seu, tanto
do ponto de vista geográfico quanto do social, do político, do econômico e, muitas vezes do
religioso A preservação de seu modo de vida era quase impossível; era necessário recriá-lo.
Naturalmente, tinham que levar em conta os elementos do ambiente em que estavam
inseridos, mas preservar o que era possível e recriar elementos essenciais de sua cultura, de
modo que pudessem se identificar entre si como um “grupo étnico” e perante os outros.
(VECHIA,1998). Cada grupo de imigrantes, a seu tempo e modo, passou a criar instituições
sociais que garantissem a preservação de sua identidade étnica/cultural.
Neste contexto, a escola se destacou como a instituição à qual as comunidades de
imigrantes reservaram o papel de transmitir a herança cultural às crianças da comunidade
de forma sistemática e organizada. Procedentes de regiões nas quais a educação escolarizada
fazia parte de sua cultura, tão logo se instalaram na região de Curitiba, estes imigrantes
procuraram meios de ofertar escolas para seus filhos. As escolas públicas primárias, então
existentes, em geral, estavam localizadas no centro urbano e eram em número insuficiente
para atender a demanda, além do que não atendiam as suas necessidades. O plano de estudos
destas escolas previa o ensino da leitura, da escrita em língua portuguesa, da aritmética e
noções de geometria plana, língua nacional e princípios da moral cristã e da doutrina
Católica. O desejo de preservar a identidade étnica marcou o processo de criação das escolas
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de cada grupo étnico, bem como os saberes e os valores ensinados, que as diferenciavam das
escolas publica paranaense.
A educação dos filhos dos imigrantes alemães
A grande maioria dos imigrantes alemães que chegaram ao Brasil depois de 1850, era
de religião protestante. Na realidade, seguiam as doutrinas de Lutero e se autodenominavam
evangélicos. Vindos de uma sociedade em que a Igreja Evangélica e o Estado estavam
associados, passaram a viver em um meio onde o catolicismo era a religião oficial; as outras
religiões eram apenas toleradas e o imigrante protestante era considerado um “cidadão” de
segunda categoria. A união entre a Igreja Católica e o Estado Brasileiro criava uma série de
entraves ao imigrante não católico no campo dos direitos civis.
Uma questão que os discriminava estava relacionada com a educação de seus filhos.
O espaço escolar, mantido pelo Governo Provincial, era um lugar público no qual se dava
instrução para formar bons cristãos e bons cidadãos brasileiros. O bom cristão deveria ser
(con)formado de acordo com a moral cristã, neste caso, a católica. Os imigrantes alemães
protestantes não identificavam o espaço escolar ofertado pelo governo como “seu”, -- como
lugar de formação de seus filhos. Aquele era um lugar “dos outros” que cultivava a língua
portuguesa e os valores morais calcados na religião católica, visando à manutenção da
nacionalidade brasileira.
Para os imigrantes protestantes, era de suma importância a criação de um espaço
destinado à escolarização de seus filhos que preservasse os traços culturais básicos da terra
de origem, em especial, a língua alemã e os princípios morais segundo a religião evangélica. A
língua é um dos principais elementos de preservação da memória cultural de um grupo.
Muito embora várias instituições sociais possam auxiliar na preservação dos referenciais
básicos de uma cultura, - a língua, os sistemas de ideias, os sentimentos e hábitos, as crenças
religiosas, os valores, as tradições nacionais e as opiniões coletivas-, a escola se destaca como
a instituição à qual uma sociedade reserva o papel de transmitir a herança cultural de uma
geração para outra, de forma sistemática e organizada (VECHIA, 1998).
A comunidade de imigrantes alemães, depois de estar estabelecida economicamente,
começou a reconstruir suas instituições sociais que lhes dariam o suporte para manter sua
identidade étnica em um meio diverso. Em1866 fundaram uma comunidade religiosa, a
Deutsche Evangelische Kirken Germainde, que seria liderada pelo Pastor Gaertner. Logo a
seguir, procuraram criar uma escola que atendesse, de forma adequada, a educação de seus
filhos. Em 11 de dezembro de 1866, o Pastor Gaertner solicitou ao inspetor geral da Instrução
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Pública da Província, licença para ensinar as primeiras letras em língua alemã para crianças
“alemãs”. Porém, o processo de criação desta Escola foi bastante conturbado.
Finalmente, em março do mesmo de 1867, a solicitação do Pastor foi deferida pelo
Presidente da Província. A “Escola Alemã Evangélica” de instrução primária começou a
funcionar em língua alemã e debaixo dos preceitos evangélicos, reunindo meninos e meninas,
crianças alemãs e filhos de imigrantes já nascidos no Brasil, portanto, brasileiros (VECHIA,
1998).
Por volta de 1869, divergências políticas entre os membros da Comuna Evangélica
resultaram na extinção da mesma e da Escola Evangélica. Porém, no início da década de
1870, diversos fatores contribuíram para despertar o sentimento de identidade étnica
nacional da população de língua alemã em Curitiba. Muitos imigrantes que deixaram a
Europa em fins da década de 1860, já traziam os germens de um nacionalismo ainda confuso,
- uma identificação nacional com a Prússia-, estimulado pelos intelectuais “alemães” e
desenvolvido em virtude das inúmeras tentativas de criação de um Estado Alemão (VECHIA,
1998).
Neste contexto de incremento do “nacionalismo alemão”, a comunidade da Igreja
Evangélica e a Escola da Comunidade, que haviam sido extintas, foram reativadas pela
atuação do Pastor Borchard, que se estabeleceu em Curitiba como representante do Conselho
Eclesiástico da Prússia e havia recebido a incumbência de formar novas igrejas e escolas no
Brasil. Cumprindo sua missão, conseguiu reunir e pacificar a comunidade evangélica que
havia se desagregado. Borchard foi, aparentemente, o primeiro entre os pastores a sonhar
com o “porvir da nacionalidade germânica” no Brasil. (DREHER, 1986) É de se supor que
tenha implantado seus ideais na comunidade, que já havia deixado transparecer seu amor
pela pátria de origem. Os dois elementos, língua e religião, agora estavam intrinsecamente
unidos a outro elemento: a Germanidade. Esta ligação foi expressa pelo Pastor Rotermund:
“Quem deixa de sentir e pensar evangelicamente deixa de ser alemão; e vice-versa; quem
nega a língua alemã e a índole alemã também se perderá para a nossa Igreja. Germanidade e
Evangelho estão ligados para o que der e vier” (DREHER, 1986).
A Escola da Comunidade Alemã ressurgia com nova finalidade: a preservação da
religião e do Deutschtum que engloba a língua, a cultura, o Geist (espírito) alemão, a
lealdade à Alemanha, enfim, todo o que está relacionado a ela, mas como nação e não como
Estado. Era uma escola de instrução primária para ambos os sexos, porém, as aulas eram
ministradas no sótão de uma casa que também servia de residência ao Pastor e de Igreja e
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havia sido construída com as contribuições dos membros da comunidade e com algum
auxilio do Governo.
Desde o primeiro ano de funcionamento efetivo da Escola em 1873 ela contava com
81 alunos, sendo 50 meninos e 31 meninas. Em 1875, era frequentada por 150 alunos de
ambos os sexos e, em 1883, possuía 192 alunos, sendo 165 do sexo masculino e 110 do sexo
feminino. Estes dados demonstram a cultura escolar nutrida pelos imigrantes, a diferença do
número de meninos e meninas é pequena, todos – meninos e meninas deviam frequentar a
escola. A coeducação dos sexos, estava relacionada com a religião Luterana. Estes alunos
eram distribuídos em duas classes, de acordo com a faixa etária e não segundo o sexo (
VECHIA, 1998)..
O plano de estudos consistia, salvo pequenas variações, no ensino de ler, escrever,
gramática alemã e língua portuguesa, contas, cantar, geografia e religião cristã.
(CORRESPONDÊNCIA de Governo. Oficios, 1876) Na realidade, esta escola não seguia o
preconizado na legislação brasileira. Os alunos aprendiam a ler, escrever e a contar em língua
alemã. A gramática estudada era da língua alemã. A religião cristã era ensinada segundo os
preceitos evangélicos e o canto era um dos elementos distintivos da religião evangélica. O
cantar os hinos era uma prática instituída por Lutero. Os cânticos evangélicos era um dos
instrumentos mais eficazes na difusão de sua doutrina. Enfim, todo o ensino era ministrado
em língua alemã, uma vez que os alunos eram filhos de alemães e o professor um Pastor
alemão e protestante; a língua portuguesa, se ensinada, figurava como segunda língua.
Inclusive o calendário escolar seguia as datas religiosas dos protestantes. O ano escolar
terminava em abril, data da realização da chamada Confirmação na Igreja Evangélica
(VECHIA, 1998).
Desde a conclusão da construção da Igreja, a escola foi transferida para as
dependências da mesma. Em 1879, a escola tornou-se Escola Mista de Religião Evangélica e
Católica. O alto nível de ensino da escola e a maior liberdade religiosa atraíram, como alunos,
os filhos de parte da comunidade alemã católica e até mesmo de alguns brasileiros. Nessa
condição, a escola passou, em 1882, a ser subsidiada pelo governo Provincial e ganhou mais
prestígio. O segmento católico, no entanto, passou a exigir maior participação nos seus
rumos, pleiteando que a mesma fosse desvinculada da Igreja Evangélica. Finalmente, em
1884, o pedido foi aceito pelos membros da Comuna, tendo sido formada uma nova
Associação Escolar.
A escola, sob a denominação “Escola Alemã”, agora desvinculada da Igreja
Evangélica, deveria se identificar com toda a comunidade alemã radicada em Curitiba. A
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escola passou, então, a adquirir uma feição distinta, em decorrência da mudança dos
elementos societários. A Diretoria passou a ser composta por um Diretor e por um Conselho
Escolar. Sob esta nova orientação, a Escola Alemã adotou como filosofia; incentivar, de forma
explícita, a preservação dos valores da cultura alemã – o Deutschtum, mas agora já com uma
conotação política, com marcas de militarismo de um nacionalismo de Estado. (
VECHIA,1998).
Doravante, o ensino ali ministrado traduzia essa filosofia de forma marcante. Muito
embora o plano de estudos adotado não revelasse alterações em relação aos planos
anteriores, o enfoque dado aos conhecimentos considerados legítimos visava à manutenção
do “espírito alemão” com implicações políticas. Os livros didáticos adotados eram publicados
na Alemanha, e, posteriormente, em Porto Alegre, mas especialmente elaborados para as
escolas alemãs no Brasil. Assim, a língua alemã e sua gramática, a aritmética, a geografia, os
hinários, o catecismo eram ensinados sob a ótica das ideias educacionais germânicas. O
ensino da gramática alemã, por exemplo, integrava diferentes conteúdos e era realizado,
principalmente, através de contos que ressaltavam os valores da cultura alemã e através do
uso de textos que versavam sobre o modo de vida alemão, sua história e sua geografia
(VECHIA, 1998).
A Escola Alemã, no período de 1885 a 1887, ficou marcada por crises internas A
Associação Escola congregava pessoas com objetivos educacionais diversos. Desde a
separação da escola da Igreja Evangélica o clima entre ambas as instituições ficou pouco
agradável. O primeiro aniversário da desvinculação da “Escola Alemã” da “Igreja Evangélica”
foi amplamente festejado com um desfile, de aproximadamente 200 crianças, pelas ruas da
cidade, liderado pelo então diretor, professor Paul Issberner. O desfile foi acompanhado de
banda de música e os elementos representativos da Germanidade foram exaltados.
Comentando os festejos, o professor Issberner reafirmou os princípios que regiam o ensino
ali ministrado: “Aqui os pais podem reconhecer que na Escola alemã, além do aprendizado
normal, tem-se o cuidado com a preservação das tradições, o que é, para nós, alemães,
motivo de orgulho.” (DER PIONIER, 1885).
As desavenças entre a Escola e a Igreja Evangélica tornaram-se cada vez mais fortes,
culminando com uma solicitação dos dirigentes da Igreja para que a Escola deixasse de
ocupar o espaço da Igreja. (DER PIONIER, n.4, 1887). Apesar de todos os estremecimentos
internos, de muitos pais terem retirado seus filhos da Escola, a mesma continuava
funcionando com pleno êxito. Em 1887, era frequentada por 188 alunos, dos quais 92 do sexo
masculino e 96 do sexo feminino e era muito elogiada pela imprensa curitibana.
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As escolas para e dos imigrantes poloneses
Os primeiros grupos de poloneses a se estabelecerem em Curitiba a partir de 1871,
eram imigrantes espontâneos, vindos principalmente da região da Silésia. Os demais grupos
que vieram em decorrência da politica imigratória adotada pela Província eram procedentes
de várias regiões da Polônia
Possuidores de uma profunda religiosidade desde a Europa feudal, os poloneses
depois de subjugados e de terem seu território dividido e ocupado pela Áustria, Prússia e
Rússia, tiveram uma exacerbação do sentimento nacional e religioso. Tinham perdido o
controle politico e econômico, temiam perder a língua, os costumes e a religião. Para evitar a
despersonalização da nação, passaram a cultivar os elementos identitários de sua etnia –
língua e religião, que serviam qual escudo, impedindo a penetração de elementos estranhos à
cultura do povo.
Muitas destas questões geradas na pátria de origem foram transplantadas para os
arredores de Curitiba, porém, adaptadas às novas circunstâncias. A religião, representada
pela Igreja a paróquia e o padre, continuava a ser o elo principal de união dos colonos, ao
qual outros elementos se entrelaçavam formando uma forte corrente para preservar a
identidade étnica/cultural. ( VECHIA, 1998).
No entanto, os imigrantes poloneses não se identificavam com o catolicismo praticado
no Brasil. O catolicismo dos imigrantes apoiava-se na doutrina elaborada pelo Concilio de
Trento e reforçada pela perspectiva ultramontana do Concilio Vaticano I. Era um catolicismo
baseado na doutrina, na hierarquia e no clericalismo vinculado à Cúria Romana. No
catolicismo luso-brasileiro a instituição eclesiástica era parte integrante do Estado, além do
que existiam diferenças de concepção, de prática e de devoção. Os liames entre a religião e a
consciência nacional, entre os poloneses, eram praticamente indissociáveis (VECHIA, 1998).
A escola era de suma importância para a maioria dos imigrantes poloneses: era a
instituição que deveria coadjuvar na preservação da religião e da língua. Apesar da pátria
subjugada, a escrita fazia parte da cultura de muitos grupos de imigrantes . O catolicismo por
eles adotado dava importância à doutrina, daí a necessidade da alfabetização para ao
aprendizado do catecismo.
Os imigrantes poloneses se estabeleceram e foram estabelecidos em núcleos coloniais
nos arredores do centro urbano de Curitiba. A localização geográfica destes núcleos favoreceu
o seu isolamento em relação à sociedade curitibana e às demais colônias. A reconstrução do
seu modo de vida ocorreu no interior de cada núcleo colonial, tendo como elementos
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principais de preservação de sua identidade étnica: a igreja e a escola. Este enclausuramento
fez com que as colônias se tornassem verdadeiras ‘ilhas étnicas’( VECHIA, 1998). Em 1880 o
Chefe de Polícia criticava este isolamento: “tem padres e professor subvencionado pelos
cofres públicos, igrejas, estradas, em suma, pode-se dizer sem hipérbole, um núcleo colonial
constitui um pequeno estado dentro do Estado” (PARANÁ. Correspondência, vol.1,1881, fls,
159-167).
A escola almejada era a bilíngue; que alfabetizasse as crianças em língua polonesa e
portuguesa. A língua polonesa seria o veiculo de transmissão dos valores culturais e da
prática da religião, a portuguesa tinha uma função utilitária, era necessário aprendê-la para
se comunicar com os membros da sociedade de adoção. A religião ensinada deveria ser a
católica, mas segundo os dogmas ultramontanos (VECHIA, 1998).
Dentre as muitas promessas feitas, pela política imigratória, para atrair imigrantes
estavam as de criar igrejas e escolas em cada comunidade. No entanto, o governo não adotou
uma política uniforme para todas as colônias da região. Algumas escolas foram criadas e
providas com professores poloneses e outras com nacionais, sendo que algumas colônias não
receberam uma escola pública ou de qualquer outro tipo até o final do Império. Via de regra,
o funcionamento destas escolas foi insatisfatório, sendo que as comunidades passaram a
resolver a questão por iniciativa própria.
Muitas colônias adotaram uma organização comunitária peculiar. Os assuntos sociais,
culturais e religiosos da Colônia Abranches, compostas prioritariamente por Silesianos, eram
tratados pelo ‘Comitê de Cidadãos’, formado por voluntários, tendo como líder, desde 1878,
Simão Grabowski. O comitê fazia as solicitações ao governo em relação a escola, aos
professores, padres e outras necessidades da comunidade. Na Colônia Santa Cândida, as
decisões eram tomadas pelos autodenominados ‘Chefes de Família’ – cerca de cinquenta
homens que lideram o envio de solicitações ao governo, a construção de escola, o controle dos
professores e das demais questões da colônia. As demais colônias adotaram um modelo
semelhante de organização, porém, nem sempre tão atuantes (VECHIA, 1998).
Em 1875, por Aviso do Ministério da Agricultura, a colônia Abranches deveria receber
uma escola pública ‘promiscua’, como eram designadas as escolas que recebessem meninos e
meninas. O primeiro professor designado para regê-la interinamente foi o padre polonês
Motzko, que deveria alugar um local para sedia-la, comprar alguns móveis e demais materiais
indispensáveis para dar inicio às atividades escolares e, em troca, receberia uma subvenção
anual. A escola teve que mudar de lugar várias vezes, já que funcionava em locais alugados e
inadequados. Em 1876, cerca de 40 pais de família dirigiram ao presidente da Província um
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abaixo assinado agradecendo a abertura da escola que representava a possibilidade de
desenvolver ‘cultura do espírito’. Solicitam ainda, que a pessoa que fosse nomeada em
definitivo fosse polonesa para ensinar a língua para seus filhos . Como não foi possível
atender às reivindicações, em 1878 foi nomeada para o cargo uma professora brasileira (
VECHIA, 1998). Devido às dificuldades de comunicação, surgiam problemas de
aprendizagem, pois de 60 alunos matriculados apenas 41 concluíram o ano letivo. Segundo
relatório da professora, os pais ‘eram de apoucada educação’, os alunos ‘morigerados, mas de
pouca compreensão’. Relatava ainda que, segundo os pais ‘a escola não presta para nada’
(PARANÁ. Correspondência, v.21, 1880, fls.195-7). Realmente, sem um código comum de
comunicação a escola não atendia as necessidades da comunidade.
Paralelamente à essa escola pública, funcionava na colônia uma escola particular,
regida pelo padre Mariano Gizinski, que além de ensinar a ler, escrever e contar, preparava as
crianças para a comunhão. Em 1882, o padre Majewski comunicava que mantinha uma
escola particular onde se ensinava em português e em polonês para as crianças das colônias
de Abranches, São João Batista e Alves de Araújo. De acordo com o Termo de Visita do
Inspetor Paroquial, a escola funcionava regularmente e os alunos faziam bom progresso.
Diante deste parecer, o presidente da Província expediu ordens ao Tesouro Provincial para
subvencionar o referido professor de acordo com o Regulamento de 1876.
Na colônia Santa Cândida, a escola pública deixou de funcionar por não atender às
necessidades dos alunos. Uma escola particular, subsidiada pelo governo, que funcionava na
localidade não atraia alunos, pois ensinava apenas em língua portuguesa. A comunidade
decidiu, então, construir uma casa escolar onde a professora Edwirges Stier passou a lecionar
em polonês e português. Meses depois, os ‘Chefes de Família’ solicitaram ao presidente da
Província uma subvenção anual para a referida professora, o que foi concedido.
Como na maioria das colônias, onde foram criadas escolas públicas, não foi possível
prover as escolas com professores bilíngues, as comunidades passaram a criar suas próprias
escolas que funcionavam paralelamente às públicas, onde o ensino era em português e
polonês ou apenas em polonês. Estas escolas eram sediadas em casas particulares, mediante
o pagamento de um aluguel ou num espaço construído pela comunidade. No entanto, na
maioria das vezes, o governo acabava por fornecer um subsídio anual para ajudar nas
despesas, principalmente, o pagamento do professor. Na realidade, estas escolas faziam a vez
do governo, pois cabia ao Estado a oferta de escolas para a população.
Conhecendo a mentalidade dos colonos, em relação à sua fé, o Governo da Província
esforçou-se em providenciar pelo menos uma capela em cada colônia e, sempre que possível,
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designou padres poloneses para lhes dar assistência religiosa. Desta forma, o governo
forneceu-lhes os principais instrumentos de manutenção da identidade étnica — igreja,
padres poloneses e algumas vezes subsidiou escolas em língua polonesa. Forneceu-lhes,
portanto, “as condições ideais para que mantivessem acesa a chama de sua identidade étnica
e cultural” (VECHIA, 1998.p.310).
As escolas para os filhos de imigrantes italianos
A maioria dos imigrantes ‘italianos’ que se estabeleceram no em núcleos coloniais nos
arredores de Curitiba a partir de meados da década de 70, era proveniente do Vêneto. O
processo de recriação de seu modo de vida guarda similaridades ao que ocorreu nos demais
núcleos de imigração do sul do país. Em termos de organização escolar, à semelhança dos
colonos das demais etnias, a comunidade assumiu para si a questão. Na região da Água
Verde, onde foi instalada a colônia Dantas, em 1884, a professora Giacomina Stofella pedia
permissão para oficializar o funcionamento de uma escola que atendia os filhos dos italianos.
Como justificativa anexou o Mapa de Alunos, que registrava um total de 62 alunos inscritos,
todos filhos de italianos. A escola congregava alunos de ambos os sexos, com idades variando
entre 6 e 13 anos e níveis diferenciados de aprendizagem. O plano de estudos implementado
era o seguinte: leitura, escrita, gramática, religião, aritmética, geografia e história, ginástica,
prendas domésticas, sendo ainda verificados a aplicação e o comportamento e o ensino era
realizado prioritariamente em língua “italiana”, ou melhor no dialeto da região do Vêneto.
A colônia de Santa Felicidade era constituída também por italianos provenientes do
Vêneto. Organizada em 1878, a comunidade ficou sem qualquer assistência escolar por vários
anos. Finalmente, um membro da própria comunidade tomou para si o encargo de prover o
ensino de primeiras letras para as crianças da localidade. Em 1885, o presidente da Província
concedeu a subvenção anual de 400$000 a Gerolano Giaretta, professor particular da
colônia. Em fins do mesmo ano, foi-lhe concedida uma gratificação para pagar um professor
auxiliar visto o avultado número de 55 crianças, de ambos os sexos.
Em 1886 foi enviado pelo Bispo Diocesano, o Padre Pedro Colbacchini, que se tornou
superior dos Scalabrianos no Paraná e que recebeu faculdades especiais para casar colonos
italianos em qualquer Paróquia nos arredores de Curitiba. A partir de então, vida religiosa e a
educacional destes imigrantes das colônias foi direcionada pelo padre Colbacchini e teve
características próprias.
Entre os imigrantes italianos, a diversidade cultural determinou diferentes visões
sobre a questão da preservação da identidade étnica e cultural. Para muitos intelectuais de
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diferentes matizes políticos e/ou ideológicos, liberais, anarquistas, maçons, a identidade
étnica e cultural tinha um cunho nacionalista; a italianidade deveria ser preservada pela
exaltação dos valores da pátria de origem. O cultivo da língua italiana era tido como elemento
de preservação dessa identidade e a escola era vista como instrumento de preservação deste
elemento. Esse matiz patriótico era expresso em outras esferas. A primeira associação
fundada recebeu o nome do herói da pátria e o dia 20 de setembro – considerado o dia da
Unificação Italiana – era sempre efusivamente comemorado ( VECHIA, 2000).
No ano de 1887 o presidente da Sociedade Garibaldi anunciava que o edifício da
sociedade, também sediaria a Escola Ítalo-brasileira que estava sendo fundada naquele dia e
receberia o nome de – “Scuola Regina Margherita”. Que seguia a orientação do Bispo
Scalabrini, fundador do Instituto de São Carlos com o objetivo de prestar auxílio aos
imigrantes italianos, defendia entre suas missões específicas: “Ensinar na escola, junto com
as primeiras noções de matemática, a língua materna e um pouco de história nacional, para
manter ativo nos irmãos distantes o amor à pátria e o ardente desejo de revê-la”
(SCALABRINI,1979.p.117).
Por influencia do Padre Cobalcchini,as crianças das colônias continuaram sendo
atendidas por pequenas escolas mantidas por particulares. Estas pequenas escolas
particulares, mantidas pela comunidade e algumas vezes subsidiadas pelo governo,
ensinavam a ler, escrever e contar no dialeto do grupo e sempre que possível a língua
portuguesa, pois entre eles não tinha lugar o nacionalismo – a italianidade. Para a maioria
dos imigrantes italianos agricultores, o essencial de sua cultura estava contido numa certa
prática da religião, e em torno dessa prática eles foram, através da memória coletiva,
reconstituindo todos aqueles elementos que eles se recordavam. E, na medida em que
transportaram para o Brasil a Itália que amavam, foram esquecendo a Itália real. A Itália que
amavam não era a de Vitor Emanuel, nem a de Garibaldi – a Itália Unificada –, mas os
lugarejos onde nasceram. Submissos às ideias do Padre Cobalcchini, a sua identidade cultural
era a catolicidade e não a italianidade. Segundo Hobsbawn (1991), as religiões mundiais
foram inventadas entre o século VI A.C. e o século VII D.C. são universais por definição e,
portanto, pensadas para escamotear as diferenças étnicas, linguísticas, politicas e outras.
Os pedidos dos imigrantes poloneses e italianos por mais escolas se estenderam até o
final do período Provincial. A presença do governo na promoção da instrução elementar para
os filhos dos imigrantes, desde a fundação das colônias foi muito restrita. O governo passou a
eximir-se, cada vez mais, não só da responsabilidade de criar e manter escolas para as
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comunidades, mas também de fazer valer as orientações educacionais preconizadas na
legislação do período.
Considerações
Quer por falta de escolas mantidas pelo governo Provincial, quer com o intuito de
preservação a identidade étnica, as escolas criadas para os imigrantes e pelos imigrantes das
três etnias acabaram por se constituir em redes paralelas à escola publica paranaense. A
escola publica, mantida pelo governo do Paraná, tinha por finalidade formar bons cristãos e
bons cidadãos brasileiros. Os saberes eram ensinados em língua portuguesa e os valores,
segundo a moral Católica. Já à escola dos imigrantes cabia o papel peculiar de transmitir às
crianças, de forma sistemática a organizada, a memória cultural da comunidade e as formas
de sociabilidade.
O espaço da escola curitibana, não pertencia aos imigrantes. Para Vinão Frago (1993)
a ocupação de um “espaço” e sua conversão em um “lugar” escolar leva consigo a noção de
um território demarcado, de limites mais ou menos estabelecidos que diferencia o interno e o
externo e constrói a noção subjetiva de vivência individual ou grupal que diferencia o “nós”
dos “outros” .A escola era um “lugar” para onde os alunos se dirigiam todos os dias, para
aprender ler, escrever, contar e cantar e adquirir as crenças, os valores e os saberes
considerados válidos pela comunidade, de acordo com os preceitos da doutrina da religião
evangélica ou do catolicismo ultramontano, ainda não praticado no Brasil. Ao que parece, até
este momento, o ensino estava intimamente relacionado com a preservação da fé.
As fronteiras étnicas estavam sendo delimitadas, tanto pela exclusão praticada
pelo segmento maior, representado pela sociedade curitibana, bem como, pelos outros
grupos de imigrantes, quanto pelos limites inclusivos traçados pelas peculiaridades étnicas
culturais ou religiosas de cada grupo. A escola foi um instrumento que, por auxiliar na
manutenção da identidade étnica, auxiliou a fortalecer a integração dos grupos,
estabelecendo fronteiras inclusivas. Foi também um fator de desagregação, de exclusão, em
relação à comunidade maior e às outras comunidades de imigrantes. Educação, via escola, foi
o elo possível de integração das comunidades de imigrantes e fator de separação das demais
comunidades.
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Referências
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