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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC SÃO PAULO Edna Luzia Almeida Sampaio Políticas de Educação e Regulação de Capital Cultural DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS São Paulo 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SÃO PAULO

Edna Luzia Almeida Sampaio

Políticas de Educação e Regulação de Capital Cultural

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

São Paulo

2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC – SÃO PAULO

Edna Luzia Almeida Sampaio

Políticas de educação e regulação de capital cultural

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Tese apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, como exigência parcial para obtenção

do título de Doutor em Ciências Sociais, sob

orientação do Prof. Doutor Paulo Edgar

Almeida Resende.

São Paulo

2010

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BANCA EXAMINADORA

_______________________________

_______________________________

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Dedicatória

Aos meus filhos Rafael, Henrique e Luanna, crianças

como eu, companheiros de caminhada e de sonhos, por

tudo que me ensinaram nesta difícil tarefa de ser

equilibrista mãe-mulher.

Ao Willian, a outra face de mim, meu porto de partida e

chegada, amante de longos anos, amigo de todas as horas.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais e irmãos pela generosidade, amor e incentivo. Por estarem sempre

presentes em minha vida.

À PUC/SP, pela oportunidade do aprendizado.

Ao Professor Doutor Paulo Edgar, orientador, pela gentileza de nossos encontros. Sua

presença discreta afável e amável, sua disposição em acolher uma sertaneja na grande São

Paulo, foram ingredientes fundamentais que tornaram possível o percurso do doutorado.

A Capes e ao Ministério da Educação que através do Programa Observatório da

Educação me concederam o incentivo da bolsa, tornando viável a ponte entre Cuiabá e São

Paulo e o desenvolvimento da pesquisa.

Ao colega e amigo José Rubens, interlocutor fundamental e solidário nesta trajetória,

por compartilhar comigo as angústias do doutorado, a difícil tarefa de escrever uma tese, pela

valiosa e pertinente leitura crítica, pelo raro exemplo de altruísmo do qual me tornei

privilegiada destinatária.

Aos professores, formadores do Centro de Formação e Atualização de Professores –

CEFAPRO de Cuiabá e Cáceres, pela afetuosa e franca recepção à minha presença e pelas

informações tão prontamente disponibilizadas.

Às equipes técnicas das secretarias estaduais e municipais de educação e aos que

labutam cotidianamente na realidade educacional do estado de Mato Grosso.

Ao Governo de Estado de Mato Grosso, onde exerço a função de Gestora

Governamental e pude encontrar nessa carreira as questões que me instigaram à realização

desta pesquisa, pelo apoio no afastamento para a qualificação.

Á todas as trabalhadoras da educação, em especial as que se cotidianamente

emprestam suas energias e sonhos oferecidos generosamente nas salas de aulas das escolas

públicas de Mato Grosso e do Brasil! Obrigada por manter viva a esperança!

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RESUMO

O presente estudo trata de duas questões fundamentais: O Estado enquanto

organizador da concorrência por diferentes capitais em uma dada sociedade e a

organização do campo institucional na implementação de políticas de educação, tendo por

estrutura organizativa o federalismo. Para uma análise dessas dimensões convergentes

(Estado, federalismo e campo institucional no âmbito da educação) é tomado como objeto

as Políticas de Educação, com enfoque na Política de Formação de Professores. Parte-se do

geral para chegar à realidade concreta do Estado de Mato Grosso e os municípios de Cuiabá e

Cáceres e, neste último, a análise de uma unidade escolar.

O que se pretende é compreender como se entrelaçam o arranjo federativo de traço

patrimonialista e o sistema escolar, tendo em vista sua função reguladora no mercado de

capital cultural. Como fio condutor do estudo de caso foi selecionado a política de

formação de professores. O federalismo enquanto modelo de organização político-

administrativa do Estado, cujos princípios se baseiam no modelo estadunidense, compõe a

problematização da realidade política em questão. As políticas de educação refletem esse

modelo que se legitima como forma unívoca de pensar o Estado, reforçando a dispersão das

políticas e, ao mesmo tempo, promovendo o fortalecimento do poder local. A despeito disso,

o princípio de autonomia dos entes federados é soçobrado pela desigualdade abissal que

deturpa os conceitos de Estado e Municípios como entidades equivalentes com efeitos

severos sobre a capacidade de governo de cada ente e sobre o acesso a diferentes tipos de

capitais, em especial o capital cultural.

Palavras-chave: Capital cultural. Federalismo. Cooperação intergovernamental.

Política de educação.

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ABSTRACT

The present study deals with two basic questions: The State as organizer of the

competition for different capitals in a certain society and the organization of the institutional

field in the implementation of education politics, having for organizational structure the

federalism. For an analysis of these convergent dimensions (State, federalism and institutional

field in the scope of the education), it is taken as case study the Politics of Formation of

Professors, from the concrete reality of the State of Mato Grosso and the cities of Cuiabá and

Cáceres.

What it intents is to understand how interlaced the federative arrangement of

patrimonial trace and the pertaining to school system, in view of its regulating function in the

cultural stock market. As conducting wire of the case study the politics of formation of

professors was selected. The federalism while model of administrative political organization

of the State, whose principles if base on the United States model, composes the

problematization of the reality politics in question. The education politics reflect this model

that legitimizes as univocal form to think the State, strengthening the dispersion of the politics

and, at the same time, promoting the reinforcement of the local power. The spite of this, the

principle of autonomy of the federate beings is submerged by the abyssal inequality that

misrepresent the concepts of State and Cities as entities equivalents with severe effect on the

capacity of government of each being and on the access the different types of capitals, in

special the cultural capital.

Keywords: Cultural capital. Federalism. Intergovernmental cooperation. Politics of

education.

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LISTA DE QUADROS E GR ÁFICOS

Quadro 1 – Resumo do Procedimento da Pesquisa ........................................................................ 40

Quadro 2 – Distribuição de Alunos nos Estágios de Construção de Competências –

Matemática 8ª Série – SAEB 2001 .................................................................................................... 43

Quadro 3 – Distribuição de Alunos nos Estágios de Construção de Competências –

Língua Portuguesa - 8ª série – S AEB 2001 ...................................................................................... 45

Gráfico 1 – Média de Desempenho em Língua Portuguesa na 8ª Série do Ensino

Fundamental – Brasil – 1995 – 2001) ............................................................................................... 45

Gráfico 2 – Média de Desempenho em Matemática na 8ª Série do Ensino

Fundamental – Brasil – 1995 – 2001 ................................................................................................ 45

Gráfico 3 – Média de Desempenho em Matemática do Ensino Fundamental por

Rede – Brasil – 1995 – 2001.............................................................................................................. 46

Quadro 4 – Comparação entre a Escola dos Pais ou Responsáveis e Escola

dos Filhos – 2005 ............................................................................................................................... 50

Quadro 5 – Evolução do Número de Ingressos pelo Vestibular, por

Dependência Administrativa – Brasil – 1990 – 1998 ..................................................................... 53

Quadro 6 – Aporte do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco

Mundial (em Milhões de Dólares) à Educação em Países da América Latina ............................ 63

Quadro 7 – Gasto Público em Educação Constante em Milhões de

Dólares de 1990.................................................................................................................................... 63

Quadro 8 – Programa de Discriminação Positiva Adotado em Países da

América Latina ................................................................................................................................... 64

Quadro 9 – Ensino Fundamental: Matrículas – Distribuição Percentual de

Alunos Por Dependência Administrativa e Regiões – Brasil – 1997 ........................................... 70

Quadro 10 – Comparativo de Matrículas Sistemas Estadual e

Municipal – 1996 – 1998 ................................................................................................................... 71

Quadro 11 – Matrículas Ensino Fundamental por Unidade

Administrativa – 1996 – 2006........................................................................................................... 71

Quadro 12 – IDEB 2007 – 2007 e Projetos para o Brasil ........................................................................ 73

Quadro 13 – Estabelecimentos Rurais em MT – Grupo de Áreas por ha .................................... 93

Quadro 14 – Participação dos Setores de Atividades e do Valor Adicionado em

Relação ao Brasil, Segundo Unidades Selecionadas da Federação – 2005 – 2006 ................... 94

Quadro 15– Série Histórica de Exportações, Totais por Valor Fator Agregado,

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U$ 1.000 FOB, em MT, 1998 – 2007 .............................................................................................. 95

Quadro 16 – Exportação por Blocos Econômicos de Destino, MT/2006 .................................... 96

Quadro 17 – Síntese de Problemas e Soluções Apontados pelo Plano de Metas

Mato Grosso 1995 – 2006 ................................................................................................................ 117

Quadro 18 – Comparativo IDEB por Rede de Ensino 2005 – 2007 .......................................... 119

Quadro 19 – Comparativo IDEB por Região 2005 – 2007 .......................................................... 119

Gráfico 4 – Estrutura do SUDEB .................................................................................................... 129

Quadro 20 – Análise Crítica do SINTEP em Relação ao S UDEB ....................................................... 131

Quadro 21 – Estimativa do Percentual do Investimento Total em Educação por

Esfera de Governo, em Relação ao Produto Interno Bruto (PIB)

- Brasil 2000 – 2006 .......................................................................................................................... 144

Quadro 22 – Número de Professores de Educação Básica por Dependência

Administrativa, segundo a Região Geográfica e a Unidade da Federação,

em 30 Maio 2007 ............................................................................................................................... 145

Organograma 1 – Organograma parcial da SEDUC/MT ............................................................. 148

Quadro 23 – Recursos para os CEFAPRO´s/MT, conforme área de abrangência,

Plano de Trabalho Anual – PTA /2010 da SEDUC) ..................................................................... 152

Quadro 24 – IDEB Resultados 2005) ............................................................................................. 159

Quadro 25 - Matrícula Escolar por Unidade Administrativa e Nível de Ensino.

Mato Grosso/Cáceres - Censo Escolar 2009 .................................................................................. 162

Gráfico 5 – Escolaridade do Pai ...................................................................................................... 166

Gráfico 6 – Escolaridade da Mãe .................................................................................................... 166

Gráfico 7 – Escolaridade dos Irmãos .............................................................................................. 167

Gráfico 8 – Escolaridade do Cônjuge ............................................................................................. 167

Gráfico 9 - Atividades de Lazer Praticadas no Tempo Livre – Pescaria ................................... 171

Gráfico 10 – Atividades de Cultura e Lazer Praticados no Tempo Livre – Clubes

da Cidade ............................................................................................................................................ 171

Gráfico 11 - Atividades de Cultura e Lazer Praticadas no Tempo Livre – Cinema ................. 171

Gráfico 12 - Atividades Cultura e Lazer Praticadas no Tempo Livre – Leitura ....................... 172

Gráfico 13 – Atividades de Cultura e Lazer Praticadas no Tempo Livre – Esporte................. 172

Gráfico 14 – Formação Continuada – Pós-Graduação ................................................................. 174

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LISTA DE SIGLAS

BEMAT – Banco do Estado de Mato Grosso

CEDEC – Centro de Estudo de Cultura Contemporânea

CEFAPRO – Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Professores

CIAP – Comitê de Avaliação Independente do PRODEAGRO

CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação

BID- Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM – Banco Mundial

FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação

FORMAD – Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento

FUNDEB – Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica

e de Valorização dos Profissionais da Educação.

FUNDEF – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de

Valorização do Magistério

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

INTERMAT – Instituto de Terras de Mato Grosso

IGC – Índice Geral de C ursos

INEP – Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

LDB – Leis de Diretrizes e Bases da Educação

MEC – Ministério da Educação

PIB – Produto Interno Bruto

PIN – Programa de Integração Nacional

PNE – Plano Nacional de Educação

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

POLOAMAZÔNIA – Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia

PRODEAGRO – Programa de Desenvolvimento Agroambiental de Mato Grosso

PRODEP AN – Programa de Desenvolvimento do Pantanal

PRODOES TE – Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste

SEDUC – Secretaria de Estado de Educação

SINTEP – Sindicato dos Trabalhadores da Educação Pública

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SPVEA – Superintendência para o Plano de Valorização Econômica da Amazônia

SUDAM – Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia

SUDECO – Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste

SUDEB – Sistema Único e Descentralizado de Educação Básica

SUEB – Sistema Único de Educação Básica

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13

CAPÍTULO I

SOBRE ALGUNS CONCEITOS E METODOLOGIA DO ESTUDO ............................. 18

1. Sobre a Educação .............................................................................................................. 18

2. Habitus, Campo, Capitais e Educação ............................................................................ 23

3. O Estado e a Escola na Organização e Distribuição do Capital Cultural. ……………...……...28

4. Análise de Políticas Públicas .............................................................................................. 33

5. Federalismos e Políticas Públicas ...................................................................................... 37

6. Procedimentos de Pesquisa ............................................................................................... 38

CAPÍTULO II

CAMPO INSTITUCIONAL E POLÍTICA DE EDUCAÇÃO NO BRASI L ................... 42

1. Dimensões do Problema Educacional ................................................................................. 43

2. A Federação e Organização da Política de Educação ...................................................... 55

3. Reforma do Estado. Políticas de Educação e Repactuação Federativa .......................... 56

3.1 Espólio da reforma: a descentralização e seus efeitos sobre a educação ........................ 67

4. Descentralização x Sistema de Educação: Entre a Colaboração e a Competição

Federativa ................................................................................................................................. 74

CAPÍTULO III

MATO GROSSO NOS CONFÍNS DA FEDERAÇÃO: ENTRE O

PÚBLICO E O PRIVADO ..................................................................................................... 81

1. Da Descoberta do Paraíso ao Agrobusiness ...................................................................... 83

2. O Estado e a Política em Mato Grosso............................................................................ 97

2.1 Tipologia do estado ......................................................................................................... 97

2.2 Entre leões e raposas: constituição do campo político e do estado

em Mato Grosso ................................................................................................................... 99

CAPÍTULO IV

CRISE E FORMA DO ESTADO EM MATO GROSSO ................................................. 107

1. Crise do Estado e Questão Ambiental. ............................................................................ 107

Page 13: Edna Luzia Almeida Sampaio - tede2.pucsp.br Luzia Almeida... · O federalismo enquanto modelo de organização político- administrativa do Estado, cujos princípios se baseiam no

2. Crise e Reforma do Administração Pública em Mato Grosso ........................................ 111

3. A Educação no Contexto da Reforma em Mato Grosso ................................................. 115

4. Sistema Único de Educação em Mato Grosso: Constrangimento à

Reforma e às Bases do Federalismo? .................................................................................. 120

4.1 O processo de construção do Sistema Único de Educação em Mato Grosso ............... 126

4.1.2 Estrutura do SUDEB .................................................................................................. 127

4.2 A Regulamentação do Sistema Único em Mato Grosso ............................................... 132

CAPÍTULO V

A ESCOLA COMO UM MICROCOSMO DO CAMPO: PROFESSORES

E A POLÍTICA DE FORMAÇÃO ..................................................................................... 137

1. Determinantes Políticos na Formação de Professores .................................................... 141

1.1. Estrutura organizacional e formação de professores ................................................... 146

2. Política de Formação de Professores em Mato Grosso ................................................... 148

3. Projetos dos CEFAPROS ................................................................................................ 153

4. Análise de uma Unidade Escolar .................................................................................... 158

4.1 Contexto da escola ........................................................................................................ 160

4.1.1 O município de Cáceres ............................................................................................. 160

4.2. Escola Alfa ................................................................................................................... 163

4.2.1 Quadro de professores ................................................................................................ 164

4.2.2 Os professores da escola Alfa. ................................................................................... 165

5. Identificação Profissional ................................................................................................ 168

6. Condições de Vida .......................................................................................................... 170

7. Formação Continuada ..................................................................................................... 173

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 178

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 182

APÊNDICE ........................................................................................................................... 192

Apêndice A – Pesquisa Diagnóstica: Perfil do Professor – Escola Alfa ........................... 192

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13

INTRODUÇÃO

O presente estudo trata de duas questões fundamentais: O Estado enquanto

organizador da concorrência por diferentes capitais em uma dada sociedade e a organização

do campo institucional na implementação de políticas de educação. Para uma análise dessas

duas dimensões convergentes (Estado e campo institucional), é tomado como estudo de caso

a Política de Formação de Professores, a partir da realidade concreta do Estado de Mato

Grosso e o município de Cáceres.

Pierre Bourdieu oferece algumas categorias fundamentais à compreensão da realidade

institucional e da própria educação, entendida como campo de disputas de capitais sob a

regulação do Estado. Nesse sentido, o sistema formal de ensino tem função precípua de

reprodução social, sem deixar de se constituir, contraditoriamente, em fator emancipatório

ao permitir, às classes mais baixas, acesso ao capital cultural, ainda que sua apropriação seja

muito desigual e limitada.

A análise do Estado pressupõe a investigação teórica sobre sua natureza e

formação. Tomando o Brasil como referência, parte-se do desenvolvimento do capitalismo

e, mais especificamente, a sua gênese em âmbito regional, em que pesem as condições de

apropriação do poder e a conformação desse campo pelas elites que se constituíram em

Mato Grosso.

A análise do Estado e das políticas de educação e o caso das Políticas de Formação

de Professores constituem unidade analítica deste trabalho que se baseia nas seguintes

questões:

a) Como se manifesta o legado histórico da constituição do poder e do próprio

Estado em Mato Grosso?

b) Como se articula o campo institucional que congrega as estruturas e os agentes da

política de educação, tendo em vista a regulação do capital cultural?

c) Que possíveis implicações têm o modelo federalista na organização dos arranjos

institucionais de organização da política de educação?

d) Que efeitos a organização do Estado e seu aparato administrativo têm sobre a

política de formação de professores, com possíveis implicações sobre a democratização do

capital cultural?

O que se pretende, portanto, é compreender ―forma e conteúdo‖ num arranjo de

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14

Estado de traço patrimonialista tendo em vista sua função reguladora do mercado de capital

cultural através do sistema escolar. A política de formação de professores é um caso

exemplificador.

O federalismo, entendido como organização político-administrativa do Estado, que

tem seus princípios baseados na experiência estadunidense, compõe a problematização da

realidade política em questão. As políticas de educação refletem esse modelo que se

legitima como forma unívoca de pensar o Estado. No caso brasileiro, o princípio de

autonomia dos entes federados é soçobrado pela desigualdade abissal que deturpa a

equivalência necessária entre os membros da federação, com efeitos severos sobre a

capacidade de governo de cada ente e do resultado final das políticas educacionais.

Na análise das esferas de governo o cenário regional é o estado de Mato Grosso e

sua relação interna, vista a partir do município de Cáceres (a 220 km da capital), no que

concerne à formulação e implementação de políticas públicas, no caso, àquelas voltadas à

formação de professores e seu possível papel na conformação da desigualdade de

apropriação do capital cultural, apenas parcialmente refletido pelos baixos índices de

aproveitamento escolar no sistema público de ensino.

É preciso recolocar a questão tanto da qualidade do ensino quanto da formação dos

professores no contexto da política mais ampla, onde se situam os interesses de grupos

dominantes e o uso da educação como instrumento de manutenção de privilégios, de

distinção e apartação social. Desse modo, a análise da questão educacional não pode ser

considerada tão somente sob o ponto de vista institucional, devendo-se considerar os

aspectos institucionais à luz das desigualdades que as instituições reproduzem e a partir das

quais são criadas, tendo em vista as lutas pela distinção e pelo poder numa determinada

sociedade. As diferentes formas e culturas institucionais são, em primeiro lugar, resultantes

de experiências de lutas pelo poder, criando e reforçando determinado habitus1 segundo o

qual se erigirá os aparatos institucionais.

Ao analisar o campo institucional em Mato Grosso e, no seu interior, a implementação

de políticas de formação de professores, entende-se tal fragmento analítico como parte do

todo, onde os mecanismos de restrição de acesso ao capital cultural são processados. A

organização do Estado em regime federativo e as políticas educacionais contêm em si os

elementos constituintes da estrutura social, cujo desenvolvimento é marcado pela

1 É importante para efeito do estudo o conceito de Habitus, tomado de empréstimo de Bourdieu, refere-se a

certas disposições cognitivas, conscientes ou inconscientes, afetivas e práticas que condicionam e estruturam um

modo de agir, pensar e sentir a partir de experiências vivenciadas. No capítulo que segue o conceito será

explicitado de forma mais aprofundada. Por hora basta destacar sua importância.

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15

desigualdade, e os mecanismos que a movem. A compreensão crítica dessa realidade não

resulta em ceticismo em relação à educação, ao contrário, perscrutam-se as contradições dos

interesses adversos que se manifestam no campo político e institucional, tendo vista

possibilidades das políticas. Trazer à tona os mecanismos que perpetuam as engrenagens das

desigualdades no funcionamento do Estado e das políticas públicas, pode oferecer elementos

interessantes para compreensão da teia na qual se insere a educação como fenômeno

sociopolítico. O federalismo como constructo válido em sua totalidade para o caso brasileiro e

a educação como projeto de igualdade libertadora, são questões colocadas em cheque neste

trabalho, ao mesmo tempo em que se reivindicam suas re-significações. Para a realização

deste empreendimento analítico, são colocadas, num primeiro momento, as categorias que

compõem o arsenal teórico que guia a compreensão do estudo da realidade em questão:

Estado, Campo, Federalismo, Políticas Públicas, Sistema de Ensino, Políticas de Educação,

Capital Cultural e outros tipos de capitais, bem como a interação entre eles e o Habitus, boa

parte da interpretação está ancorada nas contribuições de Bourdieu, na sua teoria de

compreensão da realidade social. Vale-se também da literatura da Ciência Política para

análise do federalismo no Brasil e os processos engendrados na formulação e implementação

de políticas públicas, bem como da produção de diversos intelectuais do campo da educação.

E, finalmente, são tomadas como referências as produções regionais sobre a política em Mato

Grosso, sua história e instituições, para uma compreensão da realidade em que se processa o

estudo.

O caminho trilhado para apresentação obedece à seguinte organização dos capítulos. A

saber:

Capítulo I – Sobre Alguns Conceitos e Metodologia do Estudo. Neste capítulo

procura-se delimitar preliminarmente o escopo teórico, bem como definir o método e

instrumentos de trabalho tanto no levantamento dos dados, quanto na sistematização da

análise. Trata-se apenas de um indicativo inicial, uma vez que a discussão teórica e

metodológica perpassa todo o conteúdo e, novos elementos vão sendo apresentados no

decorrer do texto. Importante destacar três aspectos deste capítulo: a) A compreensão da

Educação como fenômeno sócio-político, cujas especificidades se apresentam a partir das

condições específicas em cada tempo histórico e sociedade; b) A compreensão do Estado

como instituição política complexa, cuja ação é resultante de múltiplos interesses, aonde seu

caráter ou tipologia se definem a partir do legado das disputas pelo poder. c) As políticas

públicas como a materialização dos conflitos e disputas determinadas pelo seu conteúdo, pelas

estruturas institucionais e pelo processo de sua implementação. No capítulo II – Campo

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16

Institucional e Política de Educação no Brasil – procura-se explorar a problemática

educacional a partir do que se define ―baixa qualidade do ensino‖, bem como a agenda

política que se impõe ao Estado no campo das políticas públicas para o setor. A análise crítica

da baixa qualidade conduz à compreensão que a desigualdade na aprendizagem dos alunos

reflete não a anomalia do sistema, mas, a forma pela qual o sistema opera, através do Estado e

da escola, a complexa teia de controle da distribuição do capital cultural, como o faz com

outros tipos de capitais.

Procura, ainda, problematizar a funcionalidade da organização do Estado e do sistema

federativo para a legitimação dos mecanismos de reprodução social, especialmente a partir

dos anos 80/90, com a chamada crise do Estado quando se gerou a agenda de reformas que

redimensionou a questão educacional, assim como o papel do próprio Estado. Sustenta-se a

tese que, sobretudo, a partir dessas décadas, a implementação do sistema federativo no Brasil

se fez desconsiderando as condições reais dos entes federados e as diferentes capacidades de

governo na implementação de políticas de educação. Tratou-se de um arranjo institucional de

caráter liberal, descentralizador e pouco afeito à cooperação e coordenação de políticas, o que

reforçou o caráter de desigualdades regionais também em âmbito institucional.

No capítulo III – Mato Grosso nos Confins da Federação: Entre o Público e o

Privado – situa-se o contexto de formação da federação brasileira a partir dessa região.

Delimita-se os contornos da constituição do Estado subnacional, tendo em vista as lutas

políticas que se processaram historicamente e o tipo de Estado que se erigiu a partir delas.

Admite-se a tese de formação de um Estado de tipo neopatrimonialista, no qual a autoridade é

exercida sob o auspício da racionalidade substantiva, chocando-se com a lógica de um Estado

do tipo racional-legal outorgado pela modernidade capitalista que se impôs a Mato Grosso de

modo mais incisivo a partir dos anos 30 do século passado. O legado de origem assume

renovadas características, com continuidades persistentes.

Já, no capítulo IV – Crise e Reforma do Estado em Mato Grosso– o exercício é de

identificar as mudanças implementadas pela Reforma dos anos 90 na organização do sistema

educacional em âmbito regional, tendo em vista as orientações de descentralização e as lutas

pelo Sistema Único de Educação que aconteceram nesse período. Uma das características da

Reforma foi o discurso de combate ao modelo burocrático e a modernização do aparelho de

Estado pela via da modernização da gestão. São analisadas as lutas pela reestruturação das

políticas educacionais, as históricas práticas autoritárias de poder regional e suas contradições,

demonstrando, assim, o habitus no campo institucional em Mato Grosso. Procura-se mapear

as dificuldades de se constituir uma agenda de políticas articuladas e consistentes no campo

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da educação. No capítulo V: A Escola como um Microcosmo do Campo: Professores e a

Política de Formação – toma-se tal política como exemplificação de um arranjo institucional

que revela muito sobre a natureza e a organização do Estado em Mato Grosso e os limites

impostos pelo modelo de descentralização tendo em vista as responsabilidades dos entes

federados, a organização em âmbito estadual e as novas concepções e estratégias de

implementação. Procura-se identificar as mudanças e reconfigurações do campo institucional,

no que se refere à estrutura e conteúdo das políticas de formação de professores e sua relação

com a problemática da baixa qualidade de ensino, compreendida como um caminho pelo qual

a regulação do capital cultural acontece. Neste capítulo chega-se à escola, o espaço relegado

da política e, ao mesmo tempo, o lugar onde ela se objetiva.

Ao final, são dedicadas algumas páginas para a conclusão, buscando reconstituir os

elementos ―decantados‖ no decorrer das análises. Admite-se que dessa realidade, apenas uma

porção fragmentária foi possível conhecer e aprofundar, restando ainda um amplo espaço para

novas questões e aprofundamentos. É, a partir dessa estrutura analítica que são dispostos os

elementos teóricos e empíricos que guiam o olhar sobre o campo institucional, tendo em vista

as políticas de formação de professores num lugar desta República Federativa: O Estado de

Mato Grosso. Uma realidade particular que não se dissocia das condições gerais que

produzem e reproduzem tanto a realidade do país, quanto a realidade da educação e da região.

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CAPÍTULO I

SOBRE ALGUNS CONCEITOS E METODOLOGIA DO ESTUDO

1. Sobre a Educação

A educação é um fenômeno sociológico, político e cultural. Ela adquire sentido nas

condições objetivas e subjetivas de produção e reprodução social e é resultado dos interesses

em disputa pela hegemonia na direção cultural e política de uma sociedade. A educação

nasce, segundo Manacorda (2006), no Egito antigo, há mais de dois milênios antes de Cristo

e, embora a escola só venha nascer depois, a preocupação com a assimilação de um modo de

vida dominante se verifica desde esses tempos remotos.

Os ―ensinamentos‖ mais antigos remontam o período arcaico, anterior ao antigo

reino de Mênfis, se é exato que o primeiro deste data da 3ª dinastia (século XXVII

a.C.). Eles contêm preceitos morais e comportamentais rigorosamente harmonizados

com as estruturas e as conveniências sociais ou, mais diretamente, com o modo de

viver próprio das castas dominantes. Estes são sempre em forma de conselhos

dirigidos do pai para o filho e do mestre escriba para o discípulo (neste caso o termo

―filho‖ será usado, de qualquer forma, para indicar o ―discípulo‖ seja este filho

carnal ou não), e insistem na ininterrupta continuidade da transmissão educativa de

geração em geração. A imutabilidade e a autoridade dos adultos são as

características fundamentais desta educação (MANACORDA, 2006, p. 11).

Em fins da Idade Antiga e primórdios da Idade Média, o enfraquecimento do poder

das sociedades greco-romanas pelas guerras e invasões bárbaras, colocou a escola sob os

cuidados da igreja. A partir da doutrina cristã é que as escolas, praticamente destruídas pelas

invasões e fragmentação do Império Romano, são reconstruídas, inicialmente nas sinagogas.

Nesse momento a educação passa a ser concebida como um processo de disseminação dos

princípios do cristianismo e rompe com a tradicional exclusão das classes populares das

escolas:

[...] o cristianismo, fundado na tradição hebraica, marca uma nítida separação da

antiga tradição que excluía as classes populares da instrução. A ordem ―euntes

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docete omnes gentes” caracteriza uma nova atitude mental: todos devem ser, se não

cultos, pelo menos aculturados, através de um processo que hoje chamaríamos

institucionalizado, e a cada um deve ser aberto o acesso àquela corporação de

mestres que é o clero (MANACORDA, 2006, p. 115).

A educação toma um sentido distinto daquele assumido pelas sociedades antigas, em

especial a grega; enquanto nesta a educação era tida como estratégia de aperfeiçoamento

cultural dos cidadãos (e das castas dominantes), aliada à necessidade de reprodução social, na

Idade Média a educação passa a ser vista como instrumento de ―aculturação‖ religiosa,

instrumento de inculcação de obediência aos preceitos cristãos, sendo a escola o veículo

fundamental para a disseminação desses princípios. Desse modo, não é de se estranhar que

esteja aberta aos pobres, ainda que não possa atender a todos. Paradoxal ao obscurantismo que

marcou a Idade Média, mais preocupada com as questões da alma que com as descobertas do

mundo terreno, a Universidade foi um importante legado desse período, em termos

educacionais. A expansão da educação e a criação da universidade refletiam um processo de

transição no mundo medieval que, aos poucos, abria caminho para um novo tempo. Ao final

do Século XVII e início do Século XVIII, a modernidade se consolidava e refletia na

educação as novas necessidades. Uma das mais significativas representações do pensamento

desse período é John Locke (1632-1704). A filosofia educacional de Locke é dirigida à

educação dos filhos da burguesia, a nova classe erigida da economia mercantil. Aos pobres

propunha uma escola do trabalho, obrigatória dos 03 aos 23 anos, onde a alimentação não

deveria ser diferente daquela utilizada cotidianamente pelas famílias pobres, de modo que tais

crianças estivessem adaptadas às suas condições sociais e à vida que deveriam seguir até a

idade adulta. Neste caso, a educação não seria mais que uma preparação para a reprodução da

vida desses trabalhadores, provendo ensinamentos sobre moral e religião. (MANACORDA,

2006).

A modernidade ainda ofereceu a contribuição relevante de Jean-Jacques Rousseau

(1712-1778) na filosofia da educação. Para Rousseau, a questão da educação não se limitava à

prática pedagógica ou à instrução das crianças, mas se inseria num contexto de civilização

humana, vez que os objetivos educacionais não se separam, em sua perspectiva, dos objetivos

filosóficos, políticos, religiosos ou morais. Rousseau acreditava que o homem, bom por

natureza, é corrompido pela sociedade e, não podendo mais retornar ao seu estado de

perfeição, estado de natureza, não lhe resta escolha a não ser abraçar a sua vocação social,

para fazer desenvolver, da estupidez, a inteligência e a condição humana perdida. Assim,

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embora tivesse uma visão negativa sobre a sociedade, não advogava uma fuga da civilização,

mas o desenvolvimento desta ―vocação social‖ que é a condição de restaurar a bondade

humana que a sociedade corroeu. O caminho para esse processo seria a educação e sua

finalidade transformar o homem no homem, pois, somente ao ser homem, ele poderia ser

qualquer outra coisa. Este seria o meio pelo qual o homem encontraria a sua vocação, através

da busca de sua natureza que é a sua felicidade. As idéias de Rousseau parecem resistir ao

empirismo, que impõe à educação um valor instrumental pragmático, como aquela revelada

por Locke. O fim da educação em Rousseau é restabelecer a unidade humana, reconstituir o

homem através do desenvolvimento da razão, de modo que ele reconstrua a sua natureza.

Diferentemente de seu estado selvagem e primitivo, esta ―nova‖ natureza, construída a partir

da sociedade, é aquela que responde à vocação humana do esclarecimento, da razão e da vida

em sociedade:

Nascemos fracos, temos necessidade de forças; nascemos desprovidos de tudo,

temos necessidade de assistência; nascemos estúpidos, temos necessidade de juízo.

Tudo isto que não temos no nascimento e possuímos quando somos grandes, é-nos

dado pela educação (ROUSSEAU apud ROSA, 1982, p. 198).

A modernidade vai, aos poucos, definindo um sistema de ensino, no contexto das

mudanças que se processam. O ensino emerge a partir de novas configurações de classes e da

ruptura da educação como um ―negócio‖ da Igreja, passa a ser um negócio de Estado e,

portanto, conduzida por este.

A passagem da responsabilidade para a esfera do Estado marca um período de luta

pela independência política do governo monárquico em relação aos senhores feudais. Tal

processo se inicia com o florescimento do comércio e o aparecimento da nova classe – a

burguesia – que passa ser a principal credora dos gastos governamentais (HUBERMAN,

1971). A expansão da atividade mercantil e a necessidade de garantir instrumentos à sua

proteção levaram também à constituição do Estado Nacional em finais do século XV, ao

mesmo tempo em que a força da igreja se via enfraquecida pela divisão causada pelo

movimento de Reforma. Embora não possamos restringir a Reforma à mera adequação do

campo político às necessidades do campo econômico, é possível inferir que este foi um dos

primeiros e mais importantes golpes para desestruturação do poder medieval, baseado na

Igreja. Destarte, marca o início de uma longa transição tanto no campo econômico quanto no

político, que definirá uma nova estrutura do poder, do Estado e da educação. As primeiras

experiências de educação pública estatal ocorrem entre 1773 e 1774: Prússia (1763), Áustria

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(1774), Polônia (1773), Saxônia (1773) e daí para o resto do continente europeu. A educação

é reconhecida como um fenômeno político de relevância e de interesse do poder público. A

derrota imposta à Igreja que culmina com o fim da ordem dos jesuítas (1773) reflete um

processo de lutas sociais que logrou, definitivamente, a submissão da ordem religiosa às

questões econômicas e políticas. A educação passa a ser vista não mais como benemerência

religiosa, mas como um direito do indivíduo, apesar das assimetrias sociais que impediam (e

ainda impedem) que tal direito fosse plenamente exercido pelas classes inferiores. As

revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII impuseram o princípio do trabalho à

sociedade e este será o objetivo final da educação moderna. A educação tornara-se,

definitivamente, uma questão de política de Estado.

No século XX, a educação que já era uma atribuição do Estado, foi estendida a todos,

tornando-se política universal. A escola chega à classe operária, como escola para operários.

A ampliação da educação, segundo Mészaros (2005), não ocorreu somente em função dos

próprios trabalhadores, a violência empregada contra estes nos primórdios do capitalismo e os

altos custos que o método requer, tornaram a educação o meio mais flexível e adequado de se

garantir a submissão, através de processos de internalização cultural, pela obrigatoriedade da

escola e dos valores necessários a tal submissão. No entanto, é preciso considerar que as

instituições, assim como todas as ações do ser humano, estão sujeitas a contradições, a

desvios incontroláveis de percursos que a história impõe. A educação, apesar dos estreitos

limites em que tentam encerrá-la, não cabe na escola, ela transborda por todos os espaços,

lugares e tempo de vida, buscando sempre formas de se reinventar, ao mesmo tempo em que

se reproduz e serve como instrumento de reprodução social.

Isso coloca em perspectiva as reivindicações elitistas de políticos autonomeados e

educadores. Pois eles não podem mudar a seu bel-prazer a ―concepção de mundo‖

da sua época, por mais que queiram fazê-lo, e por mais gigantesco que possa parecer

o aparelho de propaganda à sua disposição. Um processo coletivo inevitável, de

proporções elementares, não pode ser expropriado definitivamente, mesmo pelos

mais espertos e generosamente financiados agentes políticos e intelectuais. Não

fosse por esse inconveniente ―fato brutal‖, posto tão em evidência por Gramsci, o

domínio da educação institucional formal e estreita poderia reinar para sempre em

favor do capital (MÉSZAROS, 2005, p. 50).

Portanto, a necessidade de educação no capitalismo não se restringe à formação de

braços à indústria, mas há razões político-ideológicas para manter coesa uma sociedade de

profundas desigualdades que, por isso mesmo, precisa cingir seu tecido com suaves e quase

imperceptíveis linhas educacionais, de modo a preservar a estabilidade necessária à

reprodução social. De outro lado, também a escola serve aos interesses dos despossuídos e,

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ainda que nos limites impostos pelos interesses dominantes, é ela um poderoso instrumento de

elevação cultural e de construção dos marcos civilizatórios de cada tempo, de apropriação da

cultura necessária não somente à manutenção do sistema como à sua crítica. Este é o seu

caráter contraditório, necessário à análise.

A educação, em cada tempo histórico, responde, portanto, a diferentes necessidades do

poder: domínio da palavra, disseminação da fé cristã, conhecimento e aceitação das regras

sociais, desenvolvimento de habilidades para a indústria, coesão social, elevação cultural.

Tem, portanto, o papel de introduzir homens e mulheres nas regras do jogo de seu tempo. O

resultado do processo escolar é em uma palavra, a submissão, o que implica, por outro lado,

sua outra função congênita: a dominação. No entanto, é importante precisar o sentido dessa

submissão ou da dominação, para que não se conduza à análise simplista sobre o papel da

educação e sua função de dominação:

A dominação não é o efeito direto e simples da ação exercida por um conjunto de

agentes (―a classe dominante‖) investidos de poderes de coerção, mas o efeito

indireto de um conjunto complexo de ações que se engendram na rede cruzada de

limitações que cada um dos dominantes, dominado assim pela estrutura do campo

através do qual se exerce a dominação, sofre de parte de todos os outros

(BOURDIEU, 2004, p. 52).

Se assim o é, a dominação enseja em si a contradição, pois, velada por uma espécie de

inconsciência, é a crítica que torna possível desvelar sua condição de existência, construindo

novas possibilidades para seu enfrentamento. A escola é somente mais um espaço tanto da

dominação quanto da possibilidade de sua contestação. O comportamento dos grupos está

condicionado pelas estruturas sociais, como um grande jogo e seus jogadores. Um jogo onde

os objetivos dos grupos e indivíduos são concorrentes e suas estratégias de sobrevivência

estão dadas pela organização das condições objetivas e as possibilidades que estas condições

oferecem às escolhas. Nesse jogo, os seres humanos disputam recursos escassos como: poder

econômico, prestígio, reconhecimento, etc. As posições que cada grupo ocupa na sociedade e

os recursos pré-existentes influenciam no sucesso de apropriação e ampliação desses recursos.

Hoje, a escolaridade é uma condição fundamental para a obtenção desses recursos produzidos

socialmente. Não se trata, evidentemente, de qualquer diploma escolar, mas daquele que

possa oferecer distinção social a quem o possua.

As condições da ação e, a própria ação, são determinadas por fatores que extrapolam a

consciência e a vontade dos indivíduos, muito embora isso não signifique que não tenham

consciência ou responsabilidade sobre suas escolhas e ação, mas, também não quer dizer que

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tudo possa ser explicado pela escolha racional de grupos, indivíduos ou classes. Para

Bourdieu esta condição de escolha, que não acontece por mecanismos plenos da razão, está

relacionada ao que ele denomina Habitus que é um dos conceitos-chave para compreender o

importante papel do sistema de ensino na conformação de certas disposições culturais e

mentais que preservam a estrutura de poder.

2. Habitus, Campo, Capitais e Educação

A educação, como política de responsabilidade do Estado, é fundamental para adaptar

e moldar as expectativas e visões de mundo dos indivíduos, conforme sua posição social.

Colabora para a construção de uma estrutura de pensamento que orienta a ação. Contribui de

forma significativa para a formação do habitus. Segundo Pinto (2000), habitus é uma teoria

utilizada por Bourdieu a partir de experiências de pesquisas realizadas na Argélia sobre as

mudanças de trabalhadores do campo para a cidade. Estes trabalhadores, fragilizados e

desarmados em uma situação que lhes parece instável, respondem à nova condição de vida a

partir de referenciais construídos em sua experiência pregressa.

Portanto, se definiria como um sistema de disposições socialmente construído por suas

experiências (ORTIZ, 2003) e que orienta o pensar, o sentir e o agir. É na condição social

concreta que são constituídos diferentes habitus. Nesse sentido, como um elemento de

distinção, somente pode ser identificado num determinado contexto, visto não se tratar de

característica inata, mas construída social e historicamente. Os diferentes modos de se

comportar, de falar, o gosto por esportes, cultura, etc., são na verdade traços construídos

socialmente, cuja finalidade é a separação entre indivíduos, grupos e classes. Desse modo,

para Bourdieu, a distinção é a diferença que se estabelece de modo relacional quanto à

propriedade de bens (econômicos, culturais, simbólicos...). O habitus está diretamente

relacionado à posição social e determina as escolhas dos indivíduos, porque também

determina sua percepção do mundo (BOURDIEU, 2004, p. 18). Isso significa dizer que os

indivíduos agem a partir de uma racionalidade própria do lugar que ocupam na sociedade e

nas relações que estabelecem. Frey (2003) define tal tendência como identidade, cuja tradução

é a manifestação do habitus:

[...] os atores políticos e sociais agem não somente de acordo com os seus interesses

pessoais. Também as suas identidades, ora enquanto cidadão, político, servidor

público, ora enquanto engenheiro, médico, sindicalista ou chefe de família,

influenciam o seu comportamento nos processos de decisão política. Regras,

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deveres, direitos e papéis institucionalizados influenciam o ator político nas suas

decisões e na sua busca por estratégias apropriadas (FREY, 2003, p. 233).

A noção de habitus é importante, pois ela nos oferece os elementos para compreender

o comportamento dos indivíduos, suas escolhas a partir de um padrão cultural socialmente

construído. Tal compreensão é importante quando o estudo incide sobre a realidade

institucional, organizada por regras e costumes que condicionam as escolhas dos agentes. A

educação é um instrumento de reprodução social, de dominação que se mantém pela

construção e reafirmação do habitus, construção para a qual a escola tem importante papel por

funcionar como legitimadora do jogo que oculta a desigualdade e, ao mesmo tempo, por

aumentar a capacidade de resultados melhores para quem já possui vantagens sociais. As

chances de sucesso escolar são bem maiores para os grupos sociais que gozam de melhores

condições sociais e, portanto, dominam melhor o jogo e suas regras explícitas e implícitas.

Esta é a situação em que o habitus exerce papel fundamental na garantia da distinção social:

De fato, essas antecipações pré-perceptivas, espécie de induções práticas fundadas

na experiência anterior, não são dadas a um sujeito puro, a uma consciência

transcendental universal. Elas são criadas pelo habitus do sentido do jogo; ter o jogo

na pele; é perceber no estado prático o futuro do jogo; é ter o senso do histórico do

jogo. Enquanto o mau jogador está sempre fora do tempo, sempre muito adiantado

ou muito atrasado, o bom jogador é aquele que antecipa, o que está adiante no jogo.

Como pode ele antecipar o decorrer do jogo? Ele tem as tendências imanentes do

jogo no corpo, incorporadas: ele se incorpora ao jogo.

O habitus preenche uma função que, em uma outra filosofia, confiamos à

consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo

que incorpora as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse

mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo como a ação

nesse mundo (BOURDIEU, 2004, p. 144).

Habitus se constitui num determinado tempo e espaço e é incorporado ao indivíduo

enquanto experiência social. O espaço de sua constituição é o campo. Este é um conceito que

nos auxilia no recorte da pesquisa, delimitando, do ponto de vista teórico-metodológico o

lócus da análise, um lócus subjetivado, cognitivo e, ao mesmo tempo, concreto/material,

importante para delimitar o escopo da análise. Campo é lugar/espaço onde se processam

determinados tipos de relações sociais que resultam num tipo determinado de dominação:

Em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma

configuração de relações objetivas entre posições. Essas posições são definidas

objetivamente em sua existência e nas determinações que elas impõem aos seus

ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação (situs) atual e potencial na

estrutura de distribuição das diferentes espécies de poder (ou de capital) cuja posse

comanda o acesso aos lucros específicos que estão em jogo no campo, ao mesmo

tempo, por suas relações objetivas com as outras posições (dominação,

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subordinação, homologia, etc.). Nas sociedades altamente diferenciadas, o cosmo

social é constituído do conjunto destes microcosmos sociais relativamente

autônomos, espaços de relações objetivas que são o lugar de uma lógica e de uma

necessidade específicas e irredutíveis às que regem outros campos. Por exemplo, o

campo artístico, o campo religioso ou o campo econômico obedecem a lógicas

diferentes (BOURDIEU apud BONNEWITZ, 2005, p.6).

Campo é, portanto, o universo onde os indivíduos e grupos sociais atuam e

estabelecem disputas para acumulação de diferentes tipos de capitais e, dessa experiência

constituem seu habitus. São quatro os principais tipos de capitais: Econômico, Social,

Simbólico, Cultural. Conforme Bonnewitz (2005), esses capitais podem ser conceituados da

seguinte forma: Capital Econômico – constituído pelos fatores de produção e bens

econômicos (terra, renda, trabalho, patrimônio, bens materiais, etc.).

Capital Cultural – conjunto de qualificações intelectuais dadas pela escola ou

transmitidas pela família. São três os estados desse capital: a) incorporado – quando o

indivíduo apresenta qualidades resultantes da incorporação desse capital (ex.: facilidade de

expressão em público); b) objetivo – posse de bens culturais (obras de arte); c)

institucionalizado – sancionado por instituições, a exemplo dos títulos acadêmicos. Capital

Social – rede de relacionamentos que detém um indivíduo ou grupo. Capital Simbólico –

definido como:

Conjunto dos rituais (como as boas maneiras ou o protocolo) ligados à honra e ao

reconhecimento. Afinal, apenas o crédito e a autoridade conferem a um agente o

reconhecimento e a posse das três outras formas de capital. Ele permite compreender

que as múltiplas manifestações do código de honra e das regras de boa conduta não

são apenas exigências do controle social, mas são constitutivas de vantagens sociais

com conseqüências efetivas (BONNEWITZ, 2005, p. 54).

O valor de cada capital é relativo, pois, está condicionado à constituição do campo e

ao tipo de capital preponderante e mais valorizado nesse campo. As disputas acontecem em

razão da desigualdade sobre a apropriação desses capitais, definindo assim as classes e as

frações de classes sociais em disputa num determinado campo.

O conceito de capitais não implica a desconsideração da importância do capital

econômico, na verdade, este tem fundamental importância, pois, ele potencializa a sua

conversão noutros tipos de capitais2, ou seja, as condições econômicas de um indivíduo ou

2 Muito embora seja necessário diferenciar as especificidades do capita l cultural, segundo Bourdieu: A maior

parte das propriedades do capital cultural pode inferir -se do fato de que, em seu estado fundamental, está

ligado ao corpo e pressupõe sua incorporação. A acumulação de capital cultural exige uma incorporação

que, enquanto pressupõe um trabalho de inculcação e de assimilação como o bronzeamento, essa

incorporação não pode efetuar-se por procuração. Sendo pessoal, o trabalho de aquisição é um trabalho do

“sujeito” sobre si mesmo (fala-se em “cultivar-se”). O capital cultural é um ter que se tornou ser, uma

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grupo social influenciarão decisivamente sobre a apropriação dos outros capitais, embora isso

não se possa fazer de forma imediata (a riqueza material de um indivíduo não lhe confere,

automaticamente, o capital cultural – especialmente o capital cultural incorporado – e todas as

vantagens dele decorrentes). A disputa por diferentes tipos de capitais faz com que os campos

conservem uma relativa autonomia entre si, pois, diferentes capitais exigem habilidades

pessoais e de grupo distintas, regras e sentido de jogo também distintos. São elucidativas as

palavras de Bourdieu ao analisar o campo científico:

Os campos são lugares de relações de forças que implicam tendências imanentes e

probabilidades objetivas. Um campo não se orienta totalmente ao acaso. Nem tudo

nele é igualmente possível e impossível em cada momento. Entre as vantagens

sociais daqueles que nasceram num campo, está precisamente o fato de ter, por uma

espécie de ciência infusa, o domínio das leis imanentes do campo leis não escritas

que são inscritas na realidade em estado de tendência e de ter. [...] o sentido do jogo.

Por exemplo, numerosos estudos o confirmam, as estratégias de reconversão que os

cientistas praticam e que os conduzem a passar de um domínio ou de um tema a

outro são muito desigualmente prováveis de acordo com os agentes, o capital de que

dispõem, e segundo a relação com o capital adquirido mediante sua própria maneira

de adquirir esse capital.

Essa arte de antecipar as tendências, observada por toda parte, que está estreitamente

ligada a uma origem social e escolar elevada e que permite apossar-se dos bons

temas em boa hora, bons lugares de publicação (ou mesmo de exposição) etc. é um

dos fatores que determinam as diferenças sociais mais marcantes nas carreiras

científicas (BOURDIEU, 2004, p. 28).

Isso significa que a capacidade que os indivíduos adquirem para obtenção de sucesso

(na disputa por maior distinção material, cultural, social e simbólica), é dada de acordo com o

grau de incorporação do capital cultural que é exigido no seu campo de atuação. Como cada

campo tem seus códigos de conduta, sua forma de agir, sua cultura, o capital cultural

incorporado é a base para obtenção de outros capitais e expressão do próprio habitus enquanto

forma de distinção social. Alguém que nasça numa família ou grupo social cujas atividades

estejam voltadas para o uso de recursos intelectuais, arte e cultura, por exemplo, terá acesso

aos bens culturais e a melhores condições de se apropriar do universo cultural necessário à

incorporação de capital cultural e usá-lo da forma mais adequada para obter vantagens num

campo científico, por exemplo, cuja base de distinção é o capital cultural. Esse capital

cultural, que é inconscientemente incorporado, torna-se parte indissociável da pessoa que o

detém sendo adquirido por um processo de vivência cotidiana que introjeta no indivíduo, não

propriedade que se fez corpo e tornou-se parte integrante da “pessoa”, um habitus. Aquele que o possui

“pagou” com sua própria pessoa e com aquilo que tem de mais pessoal, seu tempo. Esse capital “pessoa”

não pode ser transmitido instantaneamente (diferentemente do dinheiro, do título de propriedade ou mesmo

do título de nobreza) por doação ou transmissão hereditária, por compra ou troca. Pode ser adquirido, no

essencial, de maneira totalmente dissimulada e inconsciente, e permanece marcado por suas condições

primitivas de aquisição. (BOURDIEU, 1998, p. 73,74).

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somente os códigos ocultos do campo, como também toda uma teia de relacionamento entre

pessoas em posições-chave, constituindo, assim, fonte de vantagens no posicionamento social

(influência para obtenção de cargos, funções, projetos, informações privilegiadas, etc.)

Portanto, a teia de relacionamento social converte-se em capital social. O capital cultural

incorporado torna o indivíduo mais apto e mais competente para o sucesso no jogo (ter

riquezas materiais, ser reconhecido profissionalmente, ter prestígio social, etc.). O capital

escolar é um componente desse capital cultural, funciona como um potencializador do capital

cultural pré-existente. Por isso, para Bourdieu, a meritocracia nada mais é que a legitimação

velada do processo desigual de apropriação de capital cultural não escolar, porque a maior

parte do ―mérito‖ exigido para ocupar as melhores posições sociais é adquirida fora do

sistema escolar e, portanto, não está contida na formalidade de um diploma.

No campo científico, como no da educação, ou das políticas públicas3 o que está em

disputa, principalmente, são os capitais cultural e simbólico4. A disputa empreendida no

campo é para Bourdieu um jogo em que só os jogadores mais aptos, mais qualificados para o

jogo podem levar vantagens na acumulação desses capitais. Portanto, o sucesso de um

cientista se deve a um conjunto de habilidades e oportunidades (sociais, familiares) que,

reunidas, dão ao indivíduo condições e capacidade intelectual de produção científica, contatos

com revistas e periódicos de prestígio para suas publicações, relações com agências de

financiamento de pesquisa e seus projetos aprovados, enfim, destaque, reconhecimento e

poder em seu campo, conferidos a partir da propriedade do capital cultural e simbólico.

Diferentemente do passado, quando a escola era reservada a poucos indivíduos da

elite, ou tida como instrumento de catequização cristã aos mais pobres, a disseminação do

acesso ao sistema escolar em todos os níveis transformou a escolarização numa das estratégias

mais importantes de conversão de capital econômico em capital cultural e, posteriormente, de

ampliação do capital econômico ou, simplesmente, de acesso e/ou ampliação de capital

cultural. Contemporaneamente, o fator fundamental para o jogo é a boa preparação escolar.

Mas, para que realmente surta o efeito de ampliação de capital cultural, o processo de

aprendizagem e cultura conferido pela escola precisa partir da origem social dos indivíduos e

grupos, de suas experiências pessoais/familiares, que são a base de incorporação do

conhecimento escolar. Nesse sentido, o estranhamento dos mais pobres ao mundo escolar se

3 Políticas Públicas aqui entendidas não como um produto ou serviço prestado pelo Estado a determinado

grupo social ou a toda a sociedade, mas como a esfera da ação no âmbito do Estado de planejamento e

implementação, tendo em vista o que se define como – interesse público. 4 Para Bourdieu o capital cultural possui alto grau de dissimulação e funciona também como capital simbólico.

(Op. cit.).

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deve ao distanciamento entre a cultura escolar e a cultura familiar. A escola não cria uma

nova realidade de jogo, seu papel na disseminação do capital cultural encontra limites na sua

função reprodutiva, em especial em países de grande assimetria social. As políticas públicas

para esse setor configuram um campo de regulação do capital cultural. Assim, analisar o

campo das políticas de educação significa compreender o modo como se opera a reprodução

do sistema a partir da ação/organização do Estado. Em outras palavras, ao falarmos de

políticas de educação, estamos nos referindo, fundamentalmente, ao modo como se organiza e

operacionaliza, no âmbito do Estado, o controle da distribuição do capital cultural e do capital

simbólico.

A educação pode, desse modo, ser identificada como um campo cujo capital em

disputa é o cultural, importante para o posicionamento dos indivíduos, grupos e classes na

sociedade. Esse campo sofre a determinação de outro: o das políticas públicas, inscrito no

âmbito do campo institucional. O processo de planejamento e implementação das políticas de

educação se constitui no modo como a regulação do capital cultural (e simbólico) se dá

efetivamente. Essa regulação visa restringir a obtenção de capital cultural, de modo a garantir

sua valorização através da raridade desse capital. A regulação feita pelo aparato institucional

do Estado – via políticas de educação – acontece muitas vezes de forma latente, não

explicitada, não consciente. Ela se dá pela força do habitus institucional. Mas isso não quer

dizer que as políticas públicas estejam isentas de disputas ―muito conscientes‖ que visam a

interesses distintos. O hatibus orienta o modo de ver, pensar e fazer as coisas, um modo de

planejar e de implementar as políticas, ainda que discursos (e a intenção racionalizada)

explicitem rumos diferentes das práticas. Nesse sentido, a realidade da política em Mato

Grosso é um caso bastante elucidativo.

Para compreender o campo e os conflitos que se processam em seu interior, os usos e

disputas por capitais, é necessário compreender também a macroestrutura na qual se inserem

as políticas públicas. Assim, em seguida, se articulará a noção de Estado e sua função na

distribuição do capital cultural.

3. O Estado e a Escola na Organização e Distribuição do Capital Cultural

O conceito de capitais adotado por Bourdieu atribui maior complexidade ao conceito

de classes sociais. Coloca importantes elementos para compreensão das desigualdades sociais

que operam no nível da expropriação do capital tradicionalmente considerado e na privação

do acesso e limitação de obtenção de outros tipos de capitais. Ao falarmos da escola como

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29

instituição responsável por disseminar a cultura produzida socialmente, é preciso explicitar

suas formas de controle sobre a distribuição de diferentes capitais:

a) Econômico, uma vez que a escolarização tem sido a mais importante estratégia de

reprodução social, de apropriação dos capitais cultural e simbólico que podem ser convertidos

nesse tipo capital (mobilidade social). Nesse sentido a educação é estratégia tanto das classes

abastadas quanto das mais pobres (ainda que para estas o potencial de conversão de capitais

seja bastante reduzido);

b) Cultural – é a escola a única instituição organizada para oferecer de forma universal

o acesso a bens culturais, ao conhecimento produzido socialmente pela humanidade e

considerado ―necessário‖ pela sociedade em que se insere;

c) Social – a escola abre possibilidades a diferentes relações sociais, ampliando a teia

de relacionamentos interpessoais que ocorrem, quase sempre, entre indivíduos de mesma

classe social. Esse capital é extremamente importante, pois, potencializa o uso dos demais.

Quanto maior for a rede de relacionamento, mais possibilidades de estratégias de

reprodução/ampliação de capitais; pode se associar a outros indivíduos bem dotados de

capitais, seja por estratégia matrimonial, de empreendimento comercial, troca de favores,

serviços, etc.;

d) capital simbólico – é através dos títulos que o sistema escolar, como representante

do poder do Estado, confere aos indivíduos credibilidade sancionando o saber, habilidades,

competências e reconhecimento social pelo diploma.

Assim, o sistema escolar, tem uma importância fundamental na regulação dos demais

capitais. E quem regula o sistema escolar? O Estado, o amálgama que tudo une e tudo separa.

Une, ao impor a todos, níveis mínimos de escolarização e de aculturação; separa ao fazer com

que a cada um lhe seja dado de acordo com suas possibilidades do jogo (condição social).

Perpetua assim, de forma velada, o processo pelo qual, diferentes classes sociais possuem

diferentes possibilidades de apropriação de capitais. Não obstante, o Estado potencializa a

capacidade de utilização dos capitais, transforma os interesses de grupos em interesses da

maioria, no processo de hegemonização das classes dominantes que, somente é possível

através dele. A hegemonia exercida pela classe dominante é, para Gramsci, um processo pelo

qual o Estado exerce seu papel educador:

A classe burguesa coloca-se como um organismo em contínuo movimento, capaz de

absorver toda a sociedade, assimilando-a ao seu nível cultural e econômico; toda a

função do Estado é transformada: O Estado torna-se ―educador‖, etc. [...] por

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―Estado‖ se deve entender, além do aparato governamental, também o aparato

―privado‖ de ―hegemonia‖ ou sociedade civil (1978, p. 232).

Hegemonia é a imposição, por consenso, da cultura, do modo de pensar, de agir e das

necessidades de uma classe, tornadas comuns a todas as demais classes. No campo

educacional isso implica um tipo de educação que reflita a concepção dominante do que seja

útil ensinar e aprender, enfim, do que seja o papel da educação. Ao mesmo tempo, este é o

processo pelo qual as necessidades ou novas disposições culturais requeridas pelo estágio de

desenvolvimento das forças produtivas, podem ser transformadas em processo pedagógico

pela ação do Estado. Sob a ótica de Gramsci, o Estado e a Educação vão muito além de meros

instrumentos da dominação burguesa. Estes ―aparelhos‖ de dominação exercem sobre as

classes uma pressão civilizatória. Ainda que respondam a necessidades das forças

hegemônicas, são fundamentais para elevar o nível cultural das classes subalternas, alçando-as

à cena do jogo, na luta por capitais de diferentes tipos, embora em condições desvantajosas.

Esta é a contradição fundamental na qual se insere a escola e sua importância aos grupos

dominados.

É necessário reconhecer que a complexidade na organização das sociedades

capitalistas não permite que o Estado seja reflexo absoluto e imediato dos interesses dessas

classes. A separação das funções políticas e econômicas obrigou a especialização destas

funções, permitindo surgir, na estrutura das sociedades capitalistas, relativa autonomia entre

os campos Político (Estado) e Econômico (Mercado). No campo da política, o Estado passa a

concentrar o poder de organização e regulação das relações sociais e requerer para si o

monopólio da violência. Atua como o grande mediador na acumulação, controle e distribuição

dos diferentes capitais. No campo econômico, a iniciativa privada, embora alijada do poder de

organização e controle das relações sociais, mantém o poder de organização interna da

produção na unidade empresarial e a desresponsabilização do ônus coletivo que se dá pela

privatização da apropriação do trabalho social.

A separação entre a política e a economia faz com que os direitos sociais sejam

instituídos como direito formal, mantendo a estrutura de desigualdades sociais. A política e a

economia aparecem cindidas no primeiro plano, mas fundidas no seu objetivo final de dar

sustentação à hegemonia.

Existem, portanto, dois pontos críticos relativos à organização da produção

capitalista que ajudam a explicar o caráter peculiar do ―político‖ na sociedade

capitalista e a situar a economia na arena política: primeiro, o grau sem precedentes

de integração da organização da produção com a organização da apropriação; e

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segundo, o alcance e a generalidade dessa integração, a extensão praticamente

universal a que a produção no conjunto da sociedade se mantém sob o controle do

apropriador capitalista. O corolário desses desenvolvimentos na produção é que o

apropriador prescinde do poder político direto no sentido público convencional, e

perde muitas das formas tradicionais de controle pessoal sobre a vida dos

trabalhadores fora do processo imediato de produção, que antes estavam ao alcance

dos apropriadores pré-capitalistas. Novas formas de controle direto de classe passam

para as mãos ―impessoais‖ do Estado (WOOD, 2003, p. 47).

A separação entre economia e política no capitalismo significa autonomização relativa

da política. Sua ação tem papel estratégico na construção da hegemonia e é no campo da

política que se estabelecem as condições de controle dos capitais. Mas a política não

desaparece dos espaços privados, ela apenas se especializa no Estado para exercer maior

controle das macrorrelações sociais e é privatizada nos espaços da produção econômica. É

nesse contexto que se insere a educação e as políticas correspondentes para o setor.

O controle exercido pelo Estado é maior e mais eficaz na medida em que se distancie

(ou pareça se distanciar) diretamente dos processos de produção do capital econômico. Nesse

sentido, à política, ou ao Estado, se impõe a necessidade de autonomia relativa em relação ao

campo econômico, por razões práticas (ou seja; sua eficácia se baseia no princípio da

imparcialidade e generalização).

A forma complexa de organização da sociedade capitalista passa a exigir, ao lado de

estruturas de produção e de organização da política, a organização das idéias e da cultura, de

modo que a dominação separe também os instrumentos de hegemonia (escola, igreja partidos,

etc.) daqueles puramente coercitivos (polícias, forças armadas em geral).

O papel do Estado nas sociedades capitalistas é, portanto, bem mais complexo que

simplesmente responder aos interesses exclusivos das classes dominantes. Construir e manter

a hegemonia política de uma classe exige, de um lado, que o Estado se apresente como sendo

um mediador fundamental na disputa dos diferentes capitais e, de outro, que disponha de

recursos de violência que subordine as vontades dos indivíduos por força da coerção. A

hegemonia, embora seja feita em favor de uma classe, é sustentada por uma fração de classe

consciente de sua tarefa dirigente.

A educação foi se tornando cada vez mais um direito de todos num dado território

controlado pelo Estado, deixando de ser exclusividade de grupos privilegiados. No entanto,

apesar de ter sido elevada a direito universal, não leva em conta a realidade substantiva das

condições que permitam ou dificultam o seu acesso pelas diferenças de classes e,

consequentemente, diferenças na apropriação de capital cultural necessário ao sucesso

escolar.

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O sucesso da carreira escolar é fortemente influenciado pelo capital cultural que os

indivíduos e grupos devem possuir para além do que a própria escola possa oferecer. Portanto,

a educação seria melhor apropriada pelas classes subalternas se o Estado desenvolvesse

mecanismos de compensação das desigualdades de capital cultural entre as classes, pois a

maioria não encontra, no seu ambiente familiar, as condições exigidas implicitamente pela

escola como condição da aprendizagem e de uso como estratégia de mobilidade social. A

diferença do capital cultural entre as diferentes classes, pré-condiciona a aprendizagem e o

valor social da educação: ―[...] A reprodução da estrutura de distribuição do capital cultural se

dá na relação entre as estratégias das famílias e a lógica específica da instituição escolar.‖

(BOURDIEU, 2004, p. 35).

Se, por um lado, temos o Estado organizando a estrutura da sociedade como um todo,

por outro, os indivíduos e grupos agem em busca de melhores posições sociais e definem

estratégias de reprodução, sejam individuais, de grupos ou classes e, deste modo, determinam

a forma como o Estado define as condições de apropriação e reprodução dos capitais.

Segundo Bourdieu, diferentes estratégias de reprodução social são adotadas, sendo as

principais: fecundidade, matrimoniais, herança, econômicas e, por fim, educativas (idem, p.

36). As políticas públicas podem ser um fator de investimento – ou de desinvestimento – em

educação por parte das famílias e grupos sociais, interferindo nas escolhas dos indivíduos e na

conformação social.

As famílias investem em educação quanto mais importante for o peso de seu capital

cultural, e quanto maior for o peso do capital cultural em relação ao seu capital econômico e,

quanto menos eficazes forem outras estratégias de reprodução. Numa sociedade de alto grau

de desigualdade econômica, o custo do investimento em capital cultural é potencialmente

maior e pouco viável aos mais pobres, no entanto, o amplo acesso ao sistema escolar

proporcionado pelo Estado, fortalece o uso da educação como estratégia importante aos mais

pobres.

Como a distinção é condição de sucesso da estratégia escolar, numa sociedade

competitiva, a massificação do ensino responde à necessidade de diferenciação: instituições

de maior prestígio social, de melhor qualidade que levam às mais altas posições sociais, são

majoritariamente utilizadas por crianças e jovens de classes privilegiadas; as demais

instituições, destinadas às massas populares, oferecem condições precárias de ensino e se

limitam à instrução elementar. Por trás dessa estratégia perversa está o Estado e as diferentes

políticas que perpetuam tal modelo de reprodução social via sistema de ensino.

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Em seguida, procura-se articular a operacionalidade do conceito de Políticas Públicas,

a partir do quadro teórico até aqui apresentado e suas implicações sobre o método de

investigação.

4. Análise de Políticas Públicas

As políticas públicas podem ser definidas como a forma pela qual o Estado se coloca

em ação para atender as demandas do campo político, econômico, cultural, enfim, de todos os

que se entrelaçam para constituir a sociedade. Por essa razão, ao falar de políticas públicas

está se referindo ao espaço que processa, no âmbito institucional, as disputas nos diferentes

campos e as demandas que estes colocam ao poder público na forma de questão de agenda

política. Dito de outro modo, políticas públicas são o reflexo das correlações de forças

existentes numa sociedade.

Toda política pública é uma forma de regulação ou intervenção na sociedade.

Articula diferentes sujeitos, que apresentam interesses e expectativas diversas.

Constitui um conjunto de ações ou omissões do Estado decorrente de decisões e não

decisões, constituída por jogo de interesses, tendo como limites e condicionamentos

os processos econômicos, políticos e sociais. Isso significa que uma política pública

se estrutura, se organiza e se concretiza a partir de interesses sociais organizados em

torno de recursos que também são produzidos socialmente. Seu desenvolvimento se

expressa por momentos articulados e, muitas vezes, concomitantes e

interdependentes, que comportam seqüência de ações em forma de respostas, mais

ou menos institucionalizadas, a situações consideradas problemáticas, materializadas

mediante programas, projetos e serviços (SILVA, 2001, p. 37).

O processo de formulação e implementação das políticas para a educação básica

ocorrem no âmbito do campo institucional. Sendo processado no interior do Estado, as

relações e disputas são mediadas pelos capitais cultural e simbólico e os agentes que

compõem tal campo são os gestores, os professores, técnicos da área, pais de alunos, alunos,

grupos de interesses (universidades, empresários da educação, consultores, movimentos em

defesa da educação, etc.). A participação desses agentes, quando encontra os meios para tal,

tem por finalidade influenciar e/ou determinar a direcionalidade das políticas.

No caso deste estudo a análise recai sobre o campo institucional delimitado pela

responsabilidade de implementação da política de educação em geral e da formação de

professores, em particular. A análise se dará a partir do modelo de organização federativa do

Brasil e suas possíveis conseqüências sobre o campo institucional e seus resultados.

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Entretanto, ao entender o processo de gestão das políticas públicas como parte do

campo institucional não significa que por institucionalidade se compreenda somente as regras

formais impostas pelo Estado, pois há um conjunto de fatores, já mencionados neste capítulo,

que influenciam a estrutura, o processo, as regras e os resultados da política pública, tais

como: o legado histórico, a cultura política, a estrutura social.

Do ponto de vista histórico, o Brasil ingressou tardiamente na chamada Modernidade,

a partir de um modelo híbrido onde atraso e modernidade são elementos constituintes. Tal

situação tem conseqüências importantes sobre a organização do Estado, sobre as regras e a

cultura política e institucional. Temos uma sociedade muito desigual tanto social quanto

regionalmente e, por conseqüência, também o Estado sofre profundas assimetrias, desde a

capacidade das instituições da sociedade civil até a organização institucional nos mais

diferentes níveis.

A realidade brasileira difere dos países de economia capitalista consolidada, cujo

padrão institucional apresenta maior estabilidade e menor assimetria. A análise de Políticas

Públicas, precisa ser cotejada com a realidade que se apresenta. Assim, parece oportuna a

crítica de Frey (2000) ao método e suas necessárias adequações:

No que diz respeito à ―policy analysis‖ nos países em desenvolvimento, é preciso

levar em consideração o fato de que o instrumento analítico-conceitual (deficitário)

foi elaborado nos países industrializados e, portanto, é ajustado às particularidades

das democracias mais consolidadas do Ocidente. Defendo a tese de que as

peculiaridades socioeconômicas e políticas das sociedades em desenvolvimento não

podem ser tratadas apenas como fatores específicos de ―polity‖ e ―politics‖, mas que

é preciso uma adaptação do conjunto de instrumentos da análise de políticas

públicas às condições peculiares das sociedades em desenvolvimento (2000, p. 215-

216).

Essa afirmação se aplica ainda com maior necessidade ao caso em estudo: Mato

Grosso. Trata-se não somente de um país subdesenvolvido, cujas estruturas econômicas,

social, política e institucional diferem daquelas em que os estudos sobre políticas foram

iniciados e servem como modelo. Refere-se a uma região periférica, do interior sertanejo do

Brasil. Portanto, ponderações e adaptações que possam mediar as categorias teóricas e

metodológicas devem ser feitas em benefício da compreensão da realidade.

De acordo com Frey, muitas foram as críticas ao institucionalismo e ao método

tradicional de Análise de Políticas Públicas, em razão do enfoque determinista que a variável

institucional adquiriu como explicação da dinâmica e resultados da política. O estudo de

Políticas Públicas se desenvolve desde os anos de 1950 na Alemanha e mais notadamente nos

Estados Unidos. Sua origem tradicional é muito diversa da realidade brasileira e, portanto,

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necessário se faz não somente adequar tal método à realidade de países em

―desenvolvimento‖, como também considerar outras dimensões que compõem o espectro da

análise. É necessário incorporar, ao estudo de políticas, dimensões que possam capturar

relações, interesses e estrutura de poder que constituem o desenho de uma política pública.

São três as dimensões a serem consideradas: Polity (termo que denomina a instituição, regras,

normas e estruturais institucionais), Politics (designa os processos políticos característicos da

política em questão) e, Policy (refere-se ao conteúdo da Política). O autor alerta para o fato de

que estas dimensões se entrelaçam e se influenciam mutuamente. Exige do pesquisador um

olhar atento sobre os diferentes aspectos: sobre a estrutura do campo, no qual se definem os

limites institucionais e políticos da ação pública que organiza os interesses dos agentes; a

explicitação de regras ou omissão delas; a forma como a política é implementada em suas

particularidades e especificidades; a natureza e o conteúdo da política, pelo qual se evoca os

interesses sobre ela. O desafio desse tipo de interpretação da realidade encontra limites

severos nos métodos quantitativos, exigindo para tanto o tipo de pesquisa qualitativa, como o

meio capaz de interpretar realidades dinâmicas com alto grau de subjetivação.

Os estudos tradicionais sobre políticas públicas baseados em métodos quantitativos

freqüentemente são forçados a se limitar a um número reduzido de variáveis

explicativas, devido às dificuldades técnicas e organizativas. No entanto, se

quisermos saber mais detalhes sobre a gênese e o percurso de certos programas

político, os fatores favoráveis e os entraves bloqueadores, então a pesquisa

comparativa não pode deixar de se concentrar de forma mais intensa na investigação

da vida interna dos processos político-administrativos. Com esse direcionamento

processual, tornam-se mais importantes os arranjos institucionais, as atitudes e

objetivos dos atores políticos, os instrumentos de ação e as estratégias políticas

(FREY, 2000, p. 221).

Frey ainda propõe a redefinição, para efeito de estudos, do tradicional ciclo:

planejamento, implementação e avaliação. Para ele, é necessário sofisticar a análise com a

seguinte divisão: percepção e definição de problemas, agenda-setting., elaboração de

programas e decisão, implementação de políticas e, finalmente, a avaliação de políticas e

eventual correção da ação. O campo das políticas públicas seria assim constituído pelos seus

agentes e por esses processos mais ou menos delimitados e delimitantes da ação (Policy

Cycle).

A visão de Frey embora traga importantes contribuições à análise de políticas

públicas, restringe possibilidades de uma percepção mais dinâmica da implementação e sua

importância e determinação sobre todos os demais processos, limitando-se à visão tradicional

da análise do Policy Cycle:

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36

Na visão clássica ou canônica da ação governamental a implementação constitui

uma das fases do Policy Cycle. A implementação corresponde à execução de

atividades que permitem que ações sejam implementadas com vistas à obtenção de

metas definidas no processo de formulação das políticas. Baseado em um

diagnóstico prévio, e em um sistema adequado de informações, na fase de

formulação são definidas não só as metas mas também os recursos e o horizonte

temporal da atividade de planejamento ou políticas e seu grau de eficiência (SILVA

& MELO, 2000, p. 04).

A questão central que Silva & Melo apresenta é que a implementação deve ser vista

como jogo, onde prevalecem a incerteza, troca, negociação e barganha, o conflito e a

contradição. A incerteza se manifesta em diferentes níveis, segundo os autores:

Limitações cognitivas sobre o fenômeno que intervêm;

Falta de controle e previsão das contingências;

Planos e programas delimitam apenas uma pequena parte das decisões e ações dos

agentes, ficando aberto amplo espaço para decisões discricionárias;

Programas e políticas expressam escolhas dos formuladores, podendo ser

contraditórias com as preferências da coletividade, o que insere a contradição entre os

formuladores e os políticos, aqueles reivindicando para si a racionalidade técnica na política

pública contra a ―ingerência‖ política destes.

Para os autores, a implementação ―cria‖ políticas, não é mera ―etapa‖ da política. É na

implementação que são tomadas as decisões práticas que fazem a política acontecer e, nela o

espaço discricionário dos agentes é grande o suficiente para gerar novas políticas, bem

diferentes daquelas planejadas inicialmente. Essa experimentação da implementação como

aprendizado, contém em si o próprio processo de avaliação, cujos resultados são novas

formulações que emergem desse processo, novas ações, novos programas e políticas:

Nesse sentido a idéia da avaliação como instrumento de correção de rota deve ser

substituída pela noção de avaliação como policy learning: o aprendizado na

implementação de uma política pública. A própria idéia da rota como trajetória pré-

concebida deve dar lugar a constante reformulação – no limite a reversão ou

substituição da política.

A implementação e avaliação de políticas devem ser entendidas como testes de

modelos causais sujeitos a corroboração ou ao abandono.

[...] O Policy Cycle deve ser visto como um campo estratégico no qual observa-se

uma relativa indistinção entre não só os implementadores e os formuladores, mas

também a população meta do programa. Na realidade, a forma de uso ou o consumo

dos produtos da política altera a política e à semelhança do que se afirmou em

relação aos implementadores ―cria políticas‖. (SILVA & MELO, 2000, p. 11 - 12).

Enquanto abordagens metodológicas são úteis as considerações dos autores acima

mencionados, mas, tomar as políticas públicas como um jogo não pressupõe que os agentes façam uso

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exclusivo da razão para suas escolhas e ações. Há de se considerar a força da estrutura do habitus

institucionalizado como fator importante e condicionante na implementação de políticas públicas.

Entrecortando a noção de política pública, há a variável sistema político-administrativo

adotado. No caso brasileiro, a compreensão do Federalismo é indispensável para a compreensão da

política e vice-versa. Quais as conseqüências ou as implicações desse tipo de organização para as

políticas públicas? Esta é a questão que a ser analisada em seguida e que compõe o arquétipo teórico-

metodológico que orienta esta pesquisa.

5. Federalismos e Políticas Públicas

O federalismo tem implicações bastante importantes sobre a análise do campo das

políticas públicas, pois, ao dividir o poder entre as unidades regionais, diferentes atores são

arregimentados para o jogo valendo-se de diferentes recursos de poder, de diferentes capitais.

De outro lado, a distância entre governantes e governados torna-se potencialmente maior,

facilitando o controle significativo dos recursos de poder em unidades complexas de governo

(União, Estados e Municípios), dificultando o controle por parte dos demais agentes sociais

pelas dificuldades que esse controle pressupõe. O federalismo, legado histórico norte-

americano, é criticado por Ellen Wood (2004) em seus fundamentos originários. Segundo a

autora, o modelo nasce como ―remédio‖ contra o avanço da democracia nos Estados Unidos:

[...] Os criadores da constituição se engajaram na primeira experiência de criação de

um conjunto de instituições políticas que corporificariam, e simultaneamente

limitariam, o poder popular, num contexto em que já não era possível manter um

corpo exclusivo de cidadãos. Onde já não existia a opção de uma cidadania ativa,

mas excludente, teria sido necessário criar um corpo de cidadãos inclusivo, porém

passivo, cujos poderes tivessem alcance limitado.

O ideal federalista pode ter sido a criação de uma aristocracia que combinasse

riqueza e virtude republicana (um ideal que inevitavelmente cederia espaço à

dominância apenas da riqueza); mas a tarefa prática era manter uma oligarquia

proprietária com o apoio eleitoral da multidão popular. Isso também exigiu dos

federalistas uma ideologia e, especificamente uma redefinição, e, especificamente,

uma redefinição de democracia, que disfarçasse as ambigüidades de seu projeto

oligárquico. Foram os antidemocratas vitoriosos nos Estados Unidos que ofereceram

ao mundo moderno a sua definição de democracia, uma definição em que a diluição

do poder popular é ingrediente fundamental (WOOD, 2004, p. 185).

Ao colocar o modelo federalista americano em contradição com os princípios da

democracia, tendo como referência a democracia grega, Wood aponta também para um

problema da estrutura que define o jogo no campo político nas sociedades capitalistas, qual

seja: os limitadores legais/institucionais impostos ao controle do Estado sobre a atividade

econômica. O federalismo distribui poderes entre diferentes entes, mas, este poder está

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concentrado em frações de classes bastante restritas. Os estudos da Ciência Política têm dado

ênfase às implicações do federalismo sobre a operacionalidade das Políticas Públicas, ainda

que muitas vezes não considerem as implicações sobre o modelo de democracia em questão.

Para Souza (1998), o federalismo brasileiro é uma ideologia na qual se acomodam diferentes e

conflituosos interesses, não é simplesmente um arranjo jurídico e territorial tampouco uma

estratégia de promoção de relações harmônicas. Observando o modelo tradicional do

federalismo americano e, alheio às suas implicações sobre a democracia, Estados Federativos,

são definidos, diferentemente de Estados Unitários, por atribuírem grande poder aos governos

sub-nacionais, tendo estes a prerrogativa de não cooperar ou aderir às políticas de âmbito

nacional (ARRETCHE, 2000). A questão que se coloca é: como implementar políticas

públicas que possam enfrentar o grave problema das desigualdades regionais e sociais no

acesso a diferentes tipos de capitais, num quadro de arranjo institucional que tem como base

de sua organização a desigualdade e a fragmentação da gestão? Claro que tal questão não

pode significar a solução fácil da centralização burocrática, mas, deve apontar para formas

próprias do regime democrático. Combinar democracia e equidade social parece ser um

grande desafio no federalismo.

O quadro teórico até aqui ―alinhavado‖ indica que as variáveis de análises são muitas

e, precisam ser organizadas de modo a constituir um todo que nos permita compreender a

realidade. O estudo tem como pano de fundo o contexto de desenvolvimento de uma

sociedade com características especificas que precisam ser consideradas e essas

especificidades não fazem dela uma realidade autóctone em relação às demais, mas apresenta

particularidades que compõem as diversas possibilidades de desenvolvimento capitalista,

cujos rebatimentos nas instituições e cultura política são inegáveis.

Enfim, as políticas públicas constituem o modus operandi pelo qual o Estado

operacionaliza sua função reguladora dos capitais. É nesse contexto que se movimenta o

objeto deste estudo: a implementação das políticas de formação de professores, num Estado

Federativo e seus efeitos sobre a regulação de capitais exercido através dos sistemas de ensino

numa realidade concreta.

6. Procedimentos de Pesquisa

Para o desenvolvimento da pesquisa (coleta de dados e análise), foram consideradas

três dimensões: a) Contexto histórico e constituição dos marcos institucionais do Estado em

âmbito nacional e regional (capítulo II e III), b) Organização da Política de educação em

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âmbito regional (capítulo IV), c) A política de formação de professores em Mato Grosso

(capítulo V). O quadro abaixo sintetiza os componentes da análise.

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Quadro 1 – Resumo do procedimento da Pesquisa

Dimensões de

Análise

Análise da Implementação da Política de Formação de Professores tendo e m vista o

regime federativo brasileiro

DIMENSÕES

Marco institucional do

Estado e m âmbito nacional e

regional

(Capítulos II e III)

Organização da política de

educação em âmbito regional

(capítulo IV)

A política de formação

de professores

(capítulo V)

Elementos:

-Antecedentes históricos e

conceituais;

-Reforma educacional

-Desigualdades sociais e

educacionais

-Competências no sistema

federativo

-Articulação da execução da

política no plano

federal/estadual/municipal.

-Movimento político e

organização do campo

institucional em âmbito

estadual;

-Estrutura do Estado e da

política de educação;

-Articulação da execução da

política de educação no plano

federal/estadual/municipal.

-Antecedentes históricos

das políticas

-Objetivos da Política

-Desenho da política

-Resultados (indicadores)

-Regras e competências

legais

-Perfil dos agentes da

política (professores)

-Identificação de visão de

problema e

expectativas.

Fontes de

pesquisa

Fontes bibliográficas, dados/indicadores de educação (Sistema Brasileiro de

Avaliação da Educação – SAEB) Leis, Normas gerais, Planos de Educação,

Orçamentos, Relatórios de Execução de Programas, Registros de Arquivos,

pesquisa de campo (observação e entrevistas).

Essas dimensões de análise compõem a estrutura do campo das políticas de educação

em estudo. No território de cada ente federado, em que pese as políticas de formação de

professores são considerados:

a) União – políticas gerais que orientam ação de estado e municípios,

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b) Estado de Mato Grosso e as políticas de formação do magistério em curso, bem

como o legado que as orienta;

c) Observação participante em unidades de formação de professores de Cuiabá e

Cáceres;

d) Observação participante em 01 escola selecionada no município de Cáceres.

Para a abordagem dos agentes da política, na unidade escolar, foram aplicados

questionários junto a professores da escola selecionada.

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CAPÍTULO II

CAMPO INSTITUCIONAL E POLÍTICA DE EDUCAÇÃO NO BRASIL

1. Dimensões do Problema Educacional

A partir dos anos 30/40 do século passado, a industrialização do país exigiu crescentes

investimentos do Estado na educação. No curto período de industrialização acelerada do

Brasil, havia uma espécie de ―convocatória‖ do campo econômico para que a escola

assumisse o papel de qualificação da mão-de-obra e parcelas significativas da população

passaram a ter acesso à escola pública. No entanto, o que se seguiu foi o enfraquecimento do

papel da instituição escolar no desempenho do capitalismo industrial em razão da forma

monopolista e transnacional na qual se converteu o capitalismo brasileiro no seu rápido

percurso de desenvolvimento. Isso significou uma reduzida capacidade de o sistema

incorporar os frutos da educação nacional às demandas restritas do capital. Não obstante, o

processo de incorporação das massas ao sistema educacional viveu escalada de crescimento

desde os anos 30. Na década de 80 se universalizou a educação formal e a década de 90 vive a

culminância resultante desse longo processo de incorporação das massas à escola.

Ao mesmo tempo em que o acesso à escola é universalizado, crescem as preocupações

com a qualidade do ensino e, ao assumir a condição de Avaliador, o Estado passa a revelar os

fracassos dos sistemas, através de indicadores de aprendizagem dos alunos auferidos pelo

sistema nacional de avaliação da educação. Com isso, não emergem somente as questões

estruturais de organização da sociedade brasileira, mas os resultados dessa estrutura,

expressos na gestão do sistema, nas relações federativas, na capacidade governativa dos

Estados subnacionais, na implementação de políticas públicas. Estes são temas recorrentes na

agenda de pesquisa acadêmica5 e, também, aparecem como problemas para os governos, em

especial para o governo central sob diferentes nuances e estratégias de enfrentamento.

5 Num documento publicado pela Revista Brasileira de Ciências Sociais, denominado: Dossiê Agenda de

Pesquisa em Políticas Públicas, Arretche (2003) organiza as contribuições de diversos autores da área para

avaliar o grande crescimento das Políticas Públicas como subárea de conhecimento no âmbito da Ciência

Política e da Sociologia Política e propor uma agenda de pesquisa para a área. Ver: Revista Brasileira de

Ciências Sociais, São Paulo, vol. 18, nº 51, fev. 2003.

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O fracasso escolar se caracteriza não somente pelos altos índices de evasão e

repetência, mas, fundamentalmente, pela baixa capacidade dos alunos em responder às

habilidades e competências mínimas exigidas pelo sistema.6 Essa baixa ―capacidade‖ é

definida como baixa qualidade do ensino. Sem entrar nos meandros ideológicos sobre a

validade da definição de conteúdo das aprendizagens ―necessárias‖, definidas no âmbito do

sistema, é importante reconhecer que o caráter político e ideológico não impede que esses

conteúdos respondam, em algum nível, à apropriação de capital cultural das classes populares

permitidos pela escola.

Em 2003, o INEP elaborou relatório7 no qual classifica os resultados de desempenho

dos estudantes em 05 posições: Muito Crítico, Crítico, Intermediário, Adequado, Avançado.

Apenas 10% dos alunos da 8ª série tiveram resultado considerado Adequado, pouco mais de

64% se encontravam no nível Intermediário e cerca de 25% somavam Muito Crítico e Crítico,

como podemos verificar:

Quadro 2 – Distribuição de Alunos nos Estágios de Construção de Competências Matemática

– 8ª série – SAEB 2001

Estágio População %

Muito Crítico 19.021 6,65

Crítico 43.750 51,71

Intermediário 849.276 38,85

Adequado 55.430 2,65

Avançado 4.215 0,14

Total 1.351.692 100,00

Fonte: MEC/Inep/Daeb

6 Sobre o que seria qualidade da educação, podemos citar a definição do documento Compromisso de Dakar,

documento elaborado a partir das resoluções do Fórum Mundial de Educação, realizado em Dakar: [...] toda

criança, jovem ou adulto tem o direito humano de se beneficiar de uma educação que satisfaça suas

necessidades básicas de aprendizagem, no melhor e mais pleno sentido do termo, e que inclua aprender a

aprender, a fazer, a conviver e a ser. É uma educação que se destina a captar os talentos e o potencial de

cada pessoal e desenvolver a personalidade dos educandos para que possam melhorar e transformar sua

sociedade. O documento ainda declara que uma educação sem qualidade é aquela em que: Nega-se a jovens e

adultos o acesso às técnicas e conhecimentos necessários para encontrar emprego remunerado e participar

plenamente da sociedade. (In: Educação para Todos. O compromisso de Dakar. Texto adotado pelo Fórum

Mundial da Educação. Dakar, Senegal, 26 a 28 de abril de 2000 – p. 08). 7 Ministério da Educação. Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Qualidade da educação: Uma

nova leitura do desempenho dos estudantes da 8ª série do ensino fundamental. Brasília, dezembro de 2003.

Disponível em www.inep.gov.br. Acesso em: 08/04/2008.

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Quadro 3 – Distribuição de Alunos nos Estágios de Construção de Competências Língua

Portuguesa – 8ª série – SAEB 2001

MEC/Inep/Daeb

O sistema educacional no Brasil não estava conseguindo produzir para a absoluta

maioria dos alunos as condições de aprendizagem esperada. Mais de 89% dos estudantes de 8ª

série estariam sendo excluídos dentro do sistema por não conseguir se apropriar do

conhecimento escolar exigido.

Tal constatação não é estática, pontuada num tempo passado. As séries históricas das

avaliações do INEP têm demonstrado que o problema do declínio da aprendizagem dos alunos

é algo que evolui negativamente ao longo do tempo. Mais recentemente, a tendência tem sido

de melhor desempenho nas séries inicias do ensino fundamental e, uma queda nas séries finais

do ensino médio. A avaliação da 8ª série é significativa, porque é exatamente o meio do

caminho entre o ensino fundamental e o ensino médio, significando o afunilamento das

oportunidades de acesso e permanência ao sistema escolar. Antes da 8ª a situação do

indicador de aprendizagem tende a elevar-se enquanto para o final do ensino médio a situação

é inversa. Abaixo, o percurso ao longo da série histórica:

Estágio População %

Muito Crítico 146.040 4,86

Crítico 602.904 20,08

Intermediário 1.944.369 64,76

Adequado 307.056 10,23

Avançado 1.903 0,06

Total 3.002.272 100,00

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Gráfico 1 – Média de Desempenho em Língua Portuguesa na 8ª Série do Ensino Fundamental – Brasil –

1995-2001

Fonte: MEC/Inep.

Gráfico 2 – Média de Desempenho em Matemática na 8ª Série do Ensino Fundamental – Brasil – 1995

– 2001.

Fonte: MEC/Inep.

A questão da baixa qualidade do ensino no Brasil tornou-se uma espécie de ―escândalo

social‖ e, embora tal situação não seja novidade, é nesta primeira década do século XXI que

ela toma corpo e proporções para assumir papel de destaque na agenda política

governamental, sendo associada a inúmeros fatores:

[...] os estudantes de desempenho classificado como muito crítico estão, em sua

ampla maioria (98%), matriculados em escolas da rede pública; cerca de 62%

apresentam distorção idade-série. Há um percentual expressivo (68%) de alunos que

declararam que trabalham. A escolaridade das mães desses alunos é baixa: cerca de

17% delas nunca estudaram, 34% têm no máximo quatro anos de escolaridade e

pouco mais de 25% têm no máximo oito anos de escolaridade (INEP, 2003, p. 20).

Do ponto de vista da organização interna do sistema, umas das variáveis em destaque

na discussão sobre melhoria da qualidade do ensino é a formação de professores que, segundo

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o estudo citado, impacta diretamente o desempenho dos alunos. A intensificação da avaliação

dos sistemas de ensino trouxe à tona a dimensão da chamada ―qualidade da educação‖ e, por

outro lado, engendrou na dinâmica das políticas educacionais a preocupação excessiva com a

qualidade, vista sob uma ótica estreita do desempenho de aprendizagem de conteúdo escolar,

restringindo, assim, uma abordagem mais ampla da educação como um processo. O enfoque

dado à formação de professores, nesse contexto, é visto como ―remédio‖ ao baixo

desempenho do ensino e imputa a estes profissionais responsabilidades individuais sobre uma

problemática que tem dimensões econômicas, sociais e institucionais:

[...] Em termos administrativos, a cultura do desempenho apresenta

similaridades com as pedagogias visíveis, pois, ela torna pública a definição clara e

hierárquica das atividades a serem executadas. Por outro lado, ela compartilha um

elemento fundamental das pedagogias invisíveis. É que a cultura da

performatividade vai sutilmente instilando nos professores uma atitude ou um

comportamento em que eles vão assumindo toda a responsabilidade por todos os

problemas ligados ao seu trabalho e vão se tornando pessoalmente comprometidos

com o bem-estar das instituições (SANTOS, 2004, p. 1153).

Considerando o fato de termos hoje uma escola de massa, é difícil esperar que a

aprendizagem dos alunos ou a performance dos sistemas educacionais estejam condicionados

estritamente a competências pedagógicas e de formação do professor como muitas vezes

aparece subjacente à condução das políticas de educação. A expansão da escola às massas

populares trouxe de forma ainda mais forte o problema das condições sociais como um fator

determinante para o sucesso escolar. Tanto assim que as estatísticas demonstram as diferenças

de desempenho nos estratos sociais, através da comparação entre o desempenho da escola

privada e da escola pública.

Gráfico 3 – Média de Desempenho em Matemática na 8ª Série do Ensino Fundamental por Rede –

Brasil – 1995-2001.

Fonte: MEC/Inep.

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A evolução da escola privada para o período analisado é inversa à evolução da escola

pública. O setor privado apresenta tendência de ascensão acima do nível inicial, embora tenha

havido uma pequena queda no final da década de 90, justamente o período de consolidação da

universalização do ensino fundamental. A escolaridade deixou de ser um privilégio de poucos

com a democratização do ensino e o sistema criou outros mecanismos para conferir a alguns

diplomas a distinção necessária à obtenção e manutenção de vantagens e privilégios. Essa

distinção se dá não pela formalidade dos diplomas que, juridicamente, possuem o mesmo

valor, mas pela distinção da instituição que o confere. A escola privada passa a ser o espaço

onde os que podem pagar e gozam de melhores condições de acesso aos bens culturais e

econômicos, podem obter ainda melhores condições para ampliação do acesso que o diploma

escolar lhes confere.

A entrada de frações, até então fracas utilizadoras da escola, na corrida e na

concorrência pelo título escolar, tem tido como efeito obrigar as frações de classe,

cuja reprodução era assegurada principal ou exclusivamente pela escola, a

intensificar seus investimentos para manter a raridade relativa de seus diplomas e,

correlativamente, sua posição na estrutura de classes; nesse caso, o diploma, e o

sistema escolar que o confere, tornam-se assim um dos objetos privilegiados de uma

concorrência entre as classes que engendra um crescimento geral e contínuo da

demanda por educação e uma inflação de títulos escolares (BOURDIEU, 1998, p.

148).

A luta pela raridade do diploma escolar, segundo Bourdieu, é uma luta que se dá no

espaço social cujas regras são análogas às do mercado. Portanto, é preciso situar o sistema

escolar no âmbito do Estado, enquanto instituição reguladora e distribuidora de capital

cultural; qualificando ou desqualificando indivíduos e grupos sociais para futuras disputas por

capital cultural e outros capitais.

Nesse sentido, as escolhas institucionais são importantes para a conformação dos

interesses dos grupos sociais, para a definição das regras do jogo, regras que nem sempre

estão escritas ou são proferidas, mas que conformam as chances dos diferentes grupos na

obtenção dos capitais. O Estado, através de suas instituições organiza o poder e as regras do

jogo na luta pelos capitais e sua acumulação. Nenhum jogo é possível sem o Estado, sem o

poder de quem controla os meios e os fins:

O Estado é o resultado de um processo de concentração de diferentes tipos de capital

de força física ou de instrumentos de coerção (exército, polícia), capital econômico,

capital cultural, ou melhor, de informação, capital simbólico, concentração que,

enquanto tal, constitui o Estado como detentor de uma espécie de metacapital, com

poder sobre os outros tipos de capital e sobre seus detentores. A concentração de

diferentes tipos de capital (que vai junto com a construção de diversos campos

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correspondentes) leva, de fato, à emergência de um capital específico, propriamente

estatal, que permite ao Estado exercer um poder sobre os diversos campos e sobre os

diferentes tipos específicos de capital, especialmente sobre as taxas de câmbio entre

eles (e, concomitantemente, sobre as relações de força entre seus detentores). Segue-

se que a construção do Estado está em pé de igualdade com a construção do campo

do poder, entendido como o espaço de jogo no interior do qual os detentores de

capital (de diferentes tipos) lutam particularmente pelo poder sobre o Estado, isto é,

sobre o capital estatal que assegura o poder sobre os diferentes tipos de capital e

sobre sua reprodução (notadamente por meio da instituição escolar) (BOURDIEU,

1996, p. 99-100).

Numa sociedade onde a educação é definida constitucionalmente como ―dever do

Estado‖, este requer para si o monopólio da regulação e controle da educação de forma direta,

quando oferta diretamente estes serviços ou, indiretamente, quando os delega ao mercado ou à

sociedade civil, sob seu controle (ou sua ausência funcional). Com efeito, não é sem a

importante regulação e intervenção do Estado que as classes dominantes conseguem viabilizar

estratégias de classificação e desclassificação dos diplomas escolares, o que garante a

reprodução social, mantendo a função distintiva do sistema escolar, mesmo sob forte impacto

da universalização do ensino. Os resultados da avaliação da educação no Brasil demonstram

não somente as estratégias das famílias mais abastadas na reprodução de seu capital cultural,

mas, fundamentalmente, o papel que o Estado teve no reforço ou indução dessa estratégia.

A existência de diferentes tipos de escolas que atendam privativamente ―clientelas‖

específicas (diferentes escolas para diferentes classes sociais) garante a raridade desses

diplomas e a conversão do capital cultural em outros tipos de capitais. Os diplomas se

proliferam, mas, o que garante seu valor é sua raridade. É por isso que o movimento de

desclassificação e reclassificação dos diplomas é o que permite que a universalização da

escola aconteça sem afetar as estruturas de desigualdades perpetradas pelo sistema

educacional, criando assim, na linguagem de Bourdieu os ―excluídos do interior‖. Os níveis

de aprendizagem dos alunos, dados pelas avaliações do INEP, delimitam o tamanho do

universo dos excluídos do interior.

A proliferação dos diplomas, a diversificação dos cursos e instituições de ensino, bem

como os seus diferentes níveis, postergam indefinidamente a exclusão social e esta deixa de

ter um momento exato para acontecer, de ser um ponto na história de vida das pessoas e

grupos sociais para se sofisticar ao nível em que já não é mais possível percebê-la de forma

objetiva. Difere, portanto, de um tempo em que a escola era simplesmente inacessível à

maioria e, quando acessada, o tempo de permanência das classes populares se restringia às

primeiras letras, às series iniciais. Impunha dessa maneira clara e inequívoca exclusão dos

não-herdeiros de capital cultural pela negação objetiva de ingresso e/ou permanência no

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sistema de ensino. Apesar disso e, por isso mesmo, as classes populares seguem depositando

na escola uma grande expectativa de ascensão social e, desse modo, a exclusão que o sistema

opera, sorrateiramente, não impede que estas classes invistam em educação:

Se é verdade que esse sistema paga uma grande parte dos utilizadores com títulos

escolares desvalorizados – explorando erros de percepção induzidos pelo

florescimento anárquico dos ramos de ensino e dos títulos, relativamente

insubstituíveis e, ao mesmo tempo, sutilmente hierarquizados – acontece que não

lhes impõe um desinvestimento tão brutal quanto o antigo sistema; além disso, a

confusão das hierarquias e das fronteiras entre os eleitos e os excluídos, entre os

verdadeiros e os falsos diplomas contribui para impor a eliminação suave a aceitação

suave dessa eliminação, mas favorece a instauração de uma relação menos realista e

menos resignada com o futuro objetivo do que o antigo senso de limites que

constituía o fundamento de uma percepção muito aguda das hierarquias. A allodoxia

que o novo sistema encoraja de mil maneiras é o que faz com que os relegados

colaborem para sua própria relegação superestimando os ramos de ensino adotados,

supervalorizando seus diplomas e se atribuindo possibilidades que lhes são, de fato,

recusadas, mas também é o que faz com que eles não aceitem realmente a verdade

objetiva de sua posição e de seus diplomas (BOURDIEU, 1998, p. 173).

Para Bourdieu, há um movimento contraditório desencadeado pelos próprios relegados

do sistema educacional: se por um lado o não reconhecimento das desigualdades no valor dos

diplomas é uma forma de alienação à condição de relegados do sistema, por outro lado, esta é,

também, uma forma de resistência à sua relegação.

A criação de um sistema dual de educação no Brasil corresponde ao modo como essa

―suave‖ eliminação acontece com a aceitação dos eliminados. Do ponto de vista estrutural, a

escola básica pública serve, fundamentalmente, aos mais pobres, enquanto a escola privada,

neste nível de ensino, é o destino dos mais ricos. Numa ampla pesquisa realizada pelo INEP8,

cujo objetivo era a avaliação das escolas públicas pelos pais, se confirmou o que a base de

dados estatísticos já indicava: 58,3% dos pais ou responsáveis entrevistados tinham até o

ensino fundamental incompleto, 7,5% declaram-se analfabetos ou sem nenhuma escolaridade.

Apenas 2,8% dos entrevistados possuíam curso superior. Conforme o critério Brasil de

classificação socioeconômica, aplicado nessa pesquisa, temos 58,1% dos pais ou

responsáveis brasileiros pertencem às classes D e E; 7,5% às classes A e B; e à classe C,

29,7%. (p. 09).

8 Pesquisa Nacional Qualidade da Educação. A escola pública na opinião dos pais. MEC/INEP, Brasília, maio

de 2005. Disponível em < http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos>, acessado em 11 Set. 2008.

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Quadro 4 – Comparação entre a Escola dos Pais ou Responsáveis e a Escola dos Filhos –

2005

Comparação Melhor

(%)

Pior (%) Igual

(%)

Não

Sabe/s

resposta

(%)

A escola do aluno é 57,2 26,2 11,7 4,9

O ensino da escola do aluno é 57,3 25,2 13,4 4,1

O professor da escola do aluno é 54,7 20,3 20,1 4,9

O diretor da escola é 53,9 17,3 21,5 7,3

O aluno vai estar... para enfrentar a vida 72,1 14,0 8,6 5,3

As atividades na escola, fora do horário das aulas, são 55,6 13,5 20,7 10,2

Fonte: MEC/Inep/Daeb – Pesquisa Nacional Qualidade da Educação: a escola pública na opinião dos

pais. Disponível em www.inep.gov.br.

É sintomática a avaliação que esses pais e responsáveis fizeram do ensino escolar,

contrariando todo o séqüito das classes médias e altas que através da mídia, das avaliações

governamentais, denunciam a ignomínia da baixa qualidade do ensino.

Conforme o Quadro 04, a baixa qualidade do ensino não é considerada um problema

pelos pais. Destaque para a opinião sobre o papel da escola na preparação dos seus filhos para

a vida: 72,1% deles avaliam que seu filho estará melhor preparado, demonstrando a alta

expectativa quanto ao papel que a escola terá sobre o destino dessas crianças e jovens. Apesar

de identificar vários pontos de insatisfação dos pais com a escola, a avaliação geral é bastante

positiva. Numa atribuição de pontos que varia de 0 a 10 (0 = muito ruim e 10 = muito bom), a

nota geral dada às escolas pelos pais foi entre 7,1 e 8,7. A nota que o sistema de avaliação do

Ministério da Educação atribui ao desempenho dos alunos é bem menor: 4,2, a média

nacional.9

Ou seja, a avaliação que os pais fazem da escola é próxima de muito bom, enquanto

a avaliação que o sistema faz da aprendizagem de seus filhos e do próprio sistema aproxima-

se de muito ruim. A discrepância nestas avaliações, que incidem sobre um mesmo aspecto

(qualidade da escola pública) certamente não está no fato de termos escolas boas para alunos

ruins. A aparente contradição se deve às diferenças de recursos de análise e expectativas de

cada grupo: de um lado avaliadores do MEC, de outro; pais de alunos. Essas diferentes

9 Em 2007 o Ministério da Educação criou o IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, cujo

objetivo é medir a qualidade de educação numa escala de 0 a 10. Em 2005, o IDEB do Brasil era de 3,8, e m

2007 o índice apurado foi de 4,2. A meta do Ministério é atingir a média 6,0 até 2022.

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percepções se devem à desigualdade de capitais entre esses grupos, neste caso a diferença do

capital cultural e a posição social que ocupam. O primeiro representa a visão dos grupos

dominantes culturalmente, dotados de forte capital cultural; o segundo representa os grupos

fracamente dotados de capital cultural, econômico e outros capitais decorrentes destes.

Embora não explore a relação entre a opinião dos pais sobre a escola e suas condições sociais,

o relatório indica a relevância dessas condições sobre o sucesso escolar e sobre a percepção

dos pais a respeito da escola:

O capital cultural das famílias como era de se esperar correlaciona-se com os dados

socioeconômicos e o desempenho dos estudantes, em situações de avaliação escolar.

Quase 84% dos responsáveis declararam assistir televisão todos os dias, 74,7% lêem

raramente ou nunca jornais de circulação diária, 74% nunca ou raramente lêem

livros e 72% não lêem ou raramente lêem revistas. A utilização do computador é

citada por 10% dos responsáveis entrevistados, o acesso à Internet é privilégio de

apenas 6,9% dos pais responsáveis. Tais evidências demonstram o baixo capital

cultural das famílias responsáveis pelas crianças do ensino fundamental

(MEC/INEP, 2005, p. 09).

O baixo capital cultural interfere diretamente na percepção das próprias necessidades e

na produção de expectativas. Enquanto a avaliação do sistema leva em conta necessidades e

habilidades construídas socialmente dentro e, principalmente, fora da escola, os pais têm

como referência o acúmulo de experiências construídas à margem do sistema escolar e da

própria sociedade dominante, portanto, seu alcance de análise se restringe a estas

experiências. Novamente recorremos a Bourdieu, que citando A. Girard e H. Bastide, afirma:

Os objetivos das famílias, escrevem Alain Girar & Henri Bastide, ‗reproduzem de

alguma maneira a estratificação social, aliás tal como ela se encontra nos diversos

tipos de ensino.‘ Se os membros das classes populares e médias tomam a realidade

por seus desejos, é que, nesse terreno como em outros, as aspirações e as exigências

são definidas, em sua forma e conteúdo, pelas condições objetivas, que excluem a

possibilidade de desejar o impossível (Op.cit. 1978, p. 47).

São bem distintas as expectativas dos grupos quanto ao resultado escolar: As classes

culturalmente privilegiadas, que dominam a organização e avaliação do sistema educacional,

esperam do desempenho das crianças resultados que dependem de condições sociais que

extrapolam aquelas oferecidas pela e na escola, porque a própria avaliação pressupõe

conteúdos que não podem ser obtidos exclusivamente pela experiência escolar oficial. No

caso da pesquisa citada; os pais dos alunos estabelecem como base para a avaliação o

comparativo entre suas próprias experiências escolares, infinitamente mais restritas e a que

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seus filhos têm acesso hoje. Sem capital cultural suficiente para avaliar o grau de exclusão a

que estão submetidos seus filhos na nova realidade em que opera o sistema educacional, estão

circunscritos a referências construídas a partir de suas condições sociais, condições estas que

estabelecem o ―possível‖ presente em relação ao passado. Essas condições moldam as

expectativas a partir de determinadas experiências sociais, nas quais estão impedidas de

usufruir da maior parte dos bens materiais e culturais produzidos socialmente.

É no cálculo comparativo entre o seu passado e o presente, que os pais exercem grande

influência sobre os filhos quanto às expectativas e investimento na carreira escolar. Um

investimento que corresponde às condições de profunda desigualdade. Os pais sabem, ainda

que não tenham plena consciência disso, que escola seu destino social lhes permite escolher

ou sonhar. E, não ―podem‖ querer mais que isso! Não podem querer o inimaginável, o

desconhecido, o impossível! Ainda que esse ―impossível‖ seja exatamente a condição de ser e

estar no mundo prometido pela escola. Constituí-se, desse modo, o mecanismo silencioso pelo

qual se opera o processo de exclusão por dentro do sistema escolar, sob o consentimento e

investimento dos excluídos, reforçado por um engenhoso arranjo institucional.

No Brasil, enquanto na educação básica a escola pública é reservada,

majoritariamente, aos mais pobres, a escola privada é espaço dos mais ricos. A relação se

inverte no ensino superior. Este foi o caminho da manutenção da raridade do diploma ante a

pressão da universalização do ensino. Um caminho percorrido pelas famílias e grupos sociais

que buscaram estratégias mais rentáveis ao seu investimento educacional, mas, também e,

fundamentalmente, um caminho construído pelo Estado que, através de políticas de não

investimento na escola pública e de ampliação do caráter mercadológico da educação,

produziu a migração dos mais ricos para o sistema privado na educação básica como garantia

de um ensino superior público de qualidade. Assim, a dualidade do sistema (seria mais

apropriado falar em ―dualidades‖), é recortada por inúmeros movimentos sincrônico-

complementares e contraditórios. O primeiro deles é o ingresso das massas na escola pública e

a fuga das classes médias para as escolas privadas. O segundo, como resultado desse ingresso,

é a ampliação da demanda pelo ensino superior público, ao mesmo tempo em que se cria um

mercado de instituições privadas para o ensino superior. O terceiro movimento é a nova

―apartação‖ das classes através da consagração da saga escolar, invertendo o sentido público e

privado: Aos mais abastados se destinam as instituições públicas de ensino superior, restando

aos mais pobres as instituições privadas. Enquanto as classes altas e médias se beneficiam dos

investimentos em educação obtendo melhores vantagens sociais, ocupando posições

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socialmente valorizadas, os mais pobres somam um exército consumidor de diplomas

―baratos‖ e desvalorizados.

Presidindo todo esse processo, que determina as escolhas dos indivíduos, grupos e

classes sociais, está o Estado organizando o jogo e suas regras pela disputa de capitais, através

das políticas públicas de educação. Um dos resultados desse jogo pode ser visto no placar de

ampliação das vagas no ensino superior privado, conforme quadro que segue:

Quadro 5 – Evolução do Número de Ingressos pelo Vestibular, por Dependência

Administrativa – BRASIL 1980-1998 Ano Total Federal Estadual Municipal Privada

1980356.667 62.044 30.704 24.666 239.253

1981357.043 63.039 36.113 28.111 229.780

1982361.558 62.446 36.504 31.030 231.578

1985346.380 60.443 37.418 25.883 222.636

1986378.828 62.800 40.105 33.721 242.202

1987395.418 60.498 44.322 29.217 261.381

1988395.189 57.703 47.958 25.514 264.014

1989382.221 58.491 43.074 23.438 257.218

1990407.148 57.748 44.470 23.921 281.009

1991426.558 69.279 47.685 25.893 283.701

1992410.910 72.063 50.201 27.462 261.184

1993439.801 73.925 51.419 28.345 286.112

1994463.240 76.130 54.953 28.703 303.454

1995510.377 72.623 56.703 28.686 352.365

1996513.842 78.077 58.294 30.123 347.348

1997573.900 86.387 60.537 34.935 392.041

1998651.353 89.160 67.888 39.317 454.988

(%)64,8 54,5 41,6 54,1 72,3

Fonte: MEC/INPE/SEEC. Disponível em: www.inep.gov.br

A manutenção da raridade dos diplomas foi garantida por um sistema de ―filtro social”,

que limitou tremendamente o ingresso das massas nas instituições públicas de ensino

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superior, especialmente naquelas consideradas de melhor qualidade. Isso ocorreu, a despeito

do aumento das vagas em números absolutos. É notável o crescimento dos ingressantes nas

universidades privadas no período analisado (72,3%), se considerarmos que nelas estão quase

70% dos jovens, compreenderemos o quanto a ampliação do ensino superior privado está

relacionada a um mercado crescente de demanda por curso superior que relega a formação das

classes populares à lógica do mercado econômico.

O movimento de reclassificação dos diplomas, que confere a raridade necessária à sua

valoração, ainda precisou criar no interior das instituições de ensino a distinção entre as áreas

do saber. A oposição entre licenciaturas e bacharelados, entre cursos como Medicina, Direito

e as engenharias versus cursos das áreas de humanas e sociais como Serviço Social,

Contabilidade, Geografia, História, Pedagogia etc., estes reservam a cada classe o seu destino

preferencial. A escola traduz, portanto, a hierarquia na apropriação de capital cultural,

limitando aos jovens das classes populares o acesso ao conhecimento e à cultura construída

socialmente nos seus níveis mais elevados e o acesso às carreiras mais valorizadas pelo

mercado econômico. Ao mesmo tempo, o sistema de ensino induz estas classes ao

rebaixamento de suas aspirações culturais, sociais e econômicas, ao oferecer a elas uma escola

esvaziada de cultura e de perspectiva para obtê-la.

[...] só a escola pode criar (ou desenvolver, segundo o caso) a aspiração à

cultura, mesmo à cultura menos escolar. Falar de ―necessidades culturais‖, sem

lembrar que elas são diferentemente das necessidades primárias‗, produtos da

educação, é, com efeito, o melhor meio de dissimular (mais uma vez recorrendo à

ideologia do dom) que as desigualdades frente às obras da cultura erudita não são

senão um aspecto e um efeito das desigualdades frente à escola, que cria a

necessidade cultural ao mesmo tempo em que dá e define os meios de satisfazê-la. A

privação em matéria de cultura não é necessariamente percebida como tal, sendo o

aumento da privação acompanhado, ao contrário, de um enfraquecimento da

consciência da privação (BOURDIEU, 1998, p. 60).

A escola é, portanto, uma estratégia poderosa de regulação social, porque ela não

somente permite os processos de reprodução, como também produz políticas identitárias que

justificam tais desigualdades pelas competências individuais, pela ideologia do ―dom‖. E,

justamente por essa razão, no caso das escolas destinadas às classes populares, produz o

amortecimento das necessidades culturais, sufocadas pela ausência de referencial que permita

tal aspiração, numa escola onde a cultura que se produz e reproduz é somente aquela do

cotidiano dos que estão marcados como perdedores do jogo na disputa por capital cultural.

Desse modo, ao voltarmos à análise sobre os resultados das avaliações do INEP, tanto

no nível da educação básica como do ensino superior, podemos interpretar o fracasso escolar

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não como distorção do sistema educacional, anomalia a ser corrigida pela competência

pedagógica da escola ou dos professores. Embora isso seja também importante, não é a razão

fundamental do problema da ―baixa qualidade‖ do ensino no Brasil, pois as

qualidades/competências dos professores e da escola são, fundamentalmente, o resultado da

reprodução social que o sistema escolar protagoniza. Ao analisar a política de formação de

professores, no âmbito das políticas de educação, focamos o olhar sobre os mecanismos

cotidianos que constituem e agem sobre um campo, fazendo reproduzir a lógica do sistema ou

provocando tensões com potencial de mudanças. Se o que denominamos correntemente de

―baixa qualidade do ensino‖ é, na verdade, a representação objetiva do processo de

classificação/desclassificação/reclassificação dos diplomas escolares que o Estado patrocina

através da escola, visando à reprodução de relações sociais desiguais, como a organização

institucional reflete os conflitos e contradições sociais e, de que maneira essas contradições

operam no conteúdo e no desenho da política e na ação dos agentes dessa política? Estas são

questões que parecem relevantes analisar, a partir deste momento.

2. A Federação e a Organização da Política de Educação

Para uma compreensão da organização da política recente da educação no Brasil, será

necessário retroceder no tempo de modo a situar as transformações que se processaram na

política educacional a partir dos fins dos anos 80 e anos 90, mormente o processo de reformas

desse período, no qual a educação teve papel destacado. A reforma do campo educacional tem

como principal instrumento a política de descentralização, o que significa trazer para a cena

do jogo político, a figura dos municípios como importantes agentes na organização do Estado

no que se refere à regulação do capital cultural, num contexto de fortalecimento do sistema

federativo pós-constituinte.

É importante considerar a ascensão dos entes regionais como fator de

desenvolvimento de política pública. Dividida as competências desses entes autônomos tal

divisão, prevista pela Constituição de 1988, contribui para tornar mais claras as disparidades

nas condições de governo de um Estado que se divide em poderes subnacionais de natureza e

espécie tão desiguais, conformando uma enorme disparidade entre estados e municípios e,

essas competências, desarticuladas de um sistema nacional de educação, findam por se

constituir num elemento de dispersão na definição e implementação de políticas públicas de

educação, o que leva, por outro lado, a se manter certo habitus dos governos e agentes

políticos numa atitude defensiva de luta pelo poder em âmbito regional.

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Nesse sentido, o estudo do caso de Mato Grosso revela não somente as disparidades

regionais na capacidade de governo dos entes subnacionais, como a dificuldade de articulação

de políticas que visem ao enfrentamento do problema da baixa qualidade da educação, tendo

por parâmetro a política de formação de professores.

3. Reforma do Estado, Políticas de Educação e Repactuação Federativa

O final dos anos 80 testemunha a retomada da democracia no Brasil e, em escala

mundial, uma crise de amplas proporções, manifestada pelo desequilíbrio fiscal que coloca

em cheque a capacidade de o Estado sustentar os padrões de desenvolvimento dos países

industrializados. É a derrocada do modelo de desenvolvimento Keynesiano e o fortalecimento

dos ideais neoliberais. Do ponto de vista das relações internacionais trata-se da reordenação

de funções diferenciadas as quais cada Estado-nação passa a cumprir, de acordo com sua

posição na rede global de interesses econômicos e políticos. É nesse contexto que se constrói

a agenda do campo educacional a partir dos anos 80 e 90, cujos desdobramentos ainda estão

em curso no Brasil.

Nesse período, o Estado foi caracterizado como instituição "incapaz" ou

"desnecessária", frente a um organismo bem mais ágil, dinâmico e autogerenciável: o

Mercado. Nesse momento as correntes hegemônicas do pensamento neoliberal acreditavam

ser possível (e necessária) a reforma do Estado para adequação à nova dinâmica da economia.

Inspirados pelo Consenso de Washington um novo perfil de Estado é definido/adotado: fraco

no que diz respeito à capacidade de responder às questões sociais e, forte no sentido da

acumulação do capital.

O Estado fraco, que emerge do Consenso de Washington, só é fraco ao nível das

estratégias de hegemonia e de confiança. Ao nível da estratégia de acumulação é

mais forte do que nunca, na medida em que passa a competir ao Estado a gerir e a

legitimar no espaço nacional as exigências do capitalismo global. Não se trata, pois,

da crise do Estado em geral, mas de um certo tipo de Estado. Não se trata do

regresso do princípio do mercado, mas de uma nova articulação, mais direta e mais

íntima, entre o princípio do Estado e o princípio do mercado (SANTOS, 1998, p.

07).

Para o autor, houve dois momentos distintos nesse período que redundaram em

diferentes perspectivas de reforma do Estado: uma primeira fase denominada por ele como

"Estado Irresponsável" e uma segunda como "Estado Reformável". Na primeira fase o Estado

era visto como irreformável e inerentemente ineficaz, parasitário e predador, por isso a única

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reforma possível e legítima consiste em reduzir o Estado ao mínimo necessário ao

funcionamento do mercado. (Idem, p. 04).

A segunda fase caracteriza-se pelo reflexo das políticas de minimização do Estado e

sua perceptível disfuncionalidade ao interesse do capital tendo em vista o ―fantasma da

ingovernabilidade e o possível impacto nos países centrais por via da imigração, das

epidemias ou do terrorismo...” (idem, p. 05), além da reorganização das forças progressistas e

das lutas sociais que se sucederam em todo o mundo nesse período, a percepção dos riscos do

Estado Mínimo levou à construção de uma agenda de reformas das agências internacionais e,

por meio delas, dos governos nacionais. A retórica da ―necessária‖ Reforma do Estado teve

forte impacto sobre as políticas sociais, em especial sobre as políticas de educação no Brasil e

na América Latina, marcando indelevelmente toda uma geração de políticas públicas para o

setor e influenciando o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional que organiza

a estrutura de gestão dessas políticas. Aos poucos, o Estado vai criando novos mecanismos de

controle sobre a distribuição do capital cultural.

No Brasil, enquanto se processava a abertura democrática e a consolidação dos

parâmetros dessa democracia através da nova Constituição, evoluía a crise internacional que

impunha ao ambiente econômico forte impacto, fazendo-se sentir pela recessão, desemprego,

altos índices de inflação, alto endividamento, quadro que se espraia para a dimensão política,

adquirindo a forma de crise do Estado, sobre o qual se atribuiu grande parte da

responsabilidade da crise econômica. Essa visão hegemônica propalou o esgotamento da

capacidade de continuar financiando a industrialização sob intervenção Estatal. Tal

perspectiva marca um reposicionamento do Estado. No caso brasileiro, esse reposicionamento

tem origem tanto no cenário de crise global capitalista, quanto nas novas demandas originadas

pelo esgotamento do modelo de substituição das importações que se adotou desde os anos 40.

Esgotamento que tem rebatimentos severos sobre o plano político. Nesse sentido, Diniz

(1997) argumenta que a crise no Brasil não pode ser vista somente do ponto de vista dos

choques externos:

[...] parece-me mais adequado uma perspectiva que integre os dois planos da análise.

Assim, além de dimensão externa, é preciso levar em conta os fatores internos

relacionados à corrosão da ordem pregressa, dado o acirramento das tensões entre

seus elementos constitutivos.

Tal desgaste atingiria as formas prevalecentes de articulação Estado-sociedade, a

dinâmica das relações capital-trabalho, o padrão de administração do conflito

distributivo, sobretudo, a modalidade de relacionamento entre os setores público e

privado (p. 20).

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O esgotamento do modelo de desenvolvimento econômico baseado na substituição das

importações corresponde, simultaneamente, ao esgotamento de sua sustentação político-

ideológica, definida a partir de um modelo de intervenção estatal. A crise é também a busca

de um novo padrão de atuação do Estado em sua relação com a Sociedade Civil frente ao

desafio da democracia, o fortalecimento das organizações sociais e o aumento das demandas.

Sem poder contar com o instrumento de poder ditatorial, seria necessário encontrar novos

modos de controles no regime democrático. Corroborando com esta perspectiva, Sallum Jr. e

Kugelmas (1991), definem a natureza da crise:

Estão em crise o padrão anterior de articulação entre capitais locais — privados e

estatal — e o capital internacional; a forma existente de agregação e representação

de interesses econômico-sociais gerados em uma sociedade cada vez mais

complexa; e a relação entre setor público e privado no processo de desenvolvimento

capitalista. Tais crises se condensam no núcleo político da sociedade, pondo em

xeque não só o regime que se busca substituir, mas, a própria forma de Estado, o

Estado Desenvolvimentista. Esta forma de Estado — que não é peculiar ao regime

de 1964, já que nasce na década de 30 e se consolida no Estado Novo (1937-1945)

— vem sendo abalada de dois modos. De um lado, tem mostrado crescente

incapacidade de absorver em suas estruturas os processos de agregação e

representação de interesses econômico-sociais emergentes. De outro, tem perdido

progressivamente sua capacidade de nuclear o processo de desenvolvimento

capitalista nacional (SALLUM Jr. e KUGELMAS, 1991, p. 147).

O que ocorre, portanto, é o esgotamento da estratégia populista implementada no país

desde os anos 30, estratégia essa que conciliava interesses dos mais diferentes setores (entre

as oligarquias tradicionais e os novos setores urbanos e industriais em expansão), constituindo

um Estado intervencionista com capacidade de articular diretamente no interior do Executivo

os interesses econômico-regionais e os econômico-funcionais, sejam eles tradicionais ou

modernos (idem). Assim, a crise dos anos 80, cujo caráter econômico é revelado pela face do

desequilíbrio fiscal, do endividamento público e da fragilidade do Estado na regulação de uma

economia cada vez mais volátil e dependente das flutuações internacionais, tem também o

caráter de uma crise político-ideológico que impõe a reestruturação não somente do padrão de

acumulação capitalista, a partir da prescrição de estabilização econômica e a reinserção na

economia internacional. Impõe ainda a institucionalização da democracia liberal através da

reestruturação do sistema político. A democracia, por sua vez, pressupõe nova relação entre

Estado e Sociedade, o que exige a reestruturação do próprio Estado. Portanto, a Reforma do

Estado adquire foco central no campo político. (SALLUM Jr. & KUGELMAS, 1991; DINIZ,

1997; DINIZ & AZEVEDO, 1997; NOGUEIRA 2005).

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No contexto de reformas consideradas ―necessárias‖, uma questão aparece como fator

determinante ao sucesso: a redução da pobreza, fator considerado importante para a

estabilidade do sistema e condição para a instituição de um novo padrão de relacionamento

entre Estado e Sociedade. De um lado, o Estado é colocado como provedor das condições de

vida dos mais pobres, tendo como objetivo a inserção ou reinserção destes na economia de

mercado, ainda que precariamente. De outro, a sociedade é chamada a exercer o papel de

controle sobre o Estado e seus governos. A participação seria fator decisivo de eficácia dos

gastos públicos. No entanto, a perspectiva de participação adotada pela reforma é reduzida a

recurso gerencial, participação administrada e destituída de conteúdo político.

As medidas de redefinição do campo econômico e político são expressão da visão da

crise na qual o Estado

[...] não teria mais como manter seu perfil estrutural, muito menos seus encargos e

atribuições. Forçado a agir num ambiente desterritorializado, altamente dinâmico e

competitivo, repleto de riscos e turbulências pouco previsíveis, o Estado teria apenas

a opção de se converter a si próprio para ter condições de auxiliar o

desenvolvimento econômico e proteger os cidadãos da fúria das desigualdades. Sua

crise seria tripla: alcançaria o plano fiscal implicando uma progressiva perda de

crédito por parte do Estado, o plano do modelo de intervenção, com o esgotamento

da estratégia estatizante de intervenção do Estado, e o plano do formato

organizacional, dado o fracasso do padrão burocrático de organização e de gestão,

responsável maior pelos altos custos das operações estatais e pela baixa qualidade

dos serviços públicos (NOGUEIRA, 2005, p. 41).

A acelerada industrialização (1930-1970) e a crise que se processou em seguida não

trouxeram somente efeitos econômicos. Novos atores entram em cena, portadores de

diferentes interesses, diferentes formas de organização social se multiplicam e constroem suas

agendas a partir de novos tipos de articulação política que extrapola a capacidade de mediação

do Estado. Essa miríade de atores e agendas políticas tencionam o campo político/estatal.

Antigos instrumentos utilizados, como a cooptação política, passam a ter pouca eficácia. Se

antes era possível acomodar os grupos de interesses oferecendo a cada um, fatias de poder no

Estado (como a criação de unidades estatais que articulavam os interesses do setor

agropecuário - Instituto Brasileiro do Café, o Instituto do Açúcar e do Álcool, a Comissão

Econômica da Lavoura Cacaueira, o Instituto Nacional do Mate, etc. e dos trabalhadores,

através do Ministério do Trabalho), a complexificação da sociedade brasileira nos anos 80 e

90 impedia a continuidade de tais estratégias. (SALLUM Jr. & KUGELMAS, 1991). Desse

modo, a democracia que se pretende instituir diz respeito a novos instrumentos de poder

capazes de orquestrar ou pactuar uma nova acomodação de interesses, de modo a não colocar

em cheque o próprio sistema em transição.

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O desafio do Brasil não foi único. Em maior ou menor grau a recuperação econômica

aliada à institucionalização democrática foi o grande desafio de toda a América Latina que

percorreu trajetórias semelhantes principalmente no aspecto dos mecanismos políticos

utilizados para a garantia do padrão de desenvolvimento verificado nas décadas anteriores a

80.

O Banco Mundial foi o grande credor do endividamento dos países latino-americanos,

no momento em que os Estados Nacionais passam a recorrer ao financiamento externo para

obtenção de lastro financeiro para garantia de seus investimentos e de rolagem de dívidas.

Em Memorando do Bird/Coorporação Financeira Internacional/Banco Mundial à

República Federativa do Brasil (2001), é apresentado diagnóstico a partir das políticas

apoiadas pelo Banco Mundial no país em fins dos anos 90. O documento aponta como

principal problema o déficit fiscal estrutural, o que comprometeria a credibilidade do sistema

financeiro levando-o à vulnerabilidade ante as flutuações internacionais. A política de ajuste

fiscal é tida como estratégia fundamental no enfrentamento do déficit fiscal. Isso implicaria

tornar mais eficiente e eficaz o desempenho do Estado, através da adoção de medidas como a

privatização, controle da inflação através de uma política de metas de inflação, a

desregulamentação do trabalho, a desindexação dos salários como medida adicional ao

controle da inflação e redução dos custos da produção, o controle e a redução dos gastos

públicos, o fortalecimento do setor privado (In: BARROS et alli, 2001). Estes elementos

constituem a motivação que informará o processo de reforma em toda a América Latina.

As medidas propostas para o campo econômico não estão dissociadas daquelas do

campo político, sobretudo da gestão das políticas públicas. Nesse caso, a reforma instituiu

instrumentos inovadores, buscando superar o modelo burocrático em vigor, descentralizar os

controles gerenciais, flexibilizar normas, estruturas e procedimentos, inserindo métodos da

iniciativa privada na gerência de órgãos e políticas públicas. A partir dessas inovações se

pretendia obter maior eficiência e eficácia da ação estatal, melhorar a qualidade dos serviços e

de sua função protetora dos mais pobres ante a fúria das desigualdades ―inevitáveis‖

promovidas pela dinâmica do Mercado. Ao mesmo tempo, se pretendia dinamizar o setor

privado, delegando ao mercado áreas de políticas sociais sob a execução direta do Estado.

O movimento da reforma impulsionado pelo Banco Mundial não é uníssono, é

também influenciado pelos movimentos sociais dos anos 80 que reivindicavam, tanto políticas

públicas estruturais como o direito a participar delas. Os setores organizados reivindicavam

democratização do Estado e empoderando da sociedade local/regional; a reforma teve como

perspectiva a descentralização como eixo central para as políticas sociais. Interesses e razões

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diversas, caminhos aparentemente idênticos. Descentralização e Democracia se converteram

em sinônimos.

Casassus (2001), em balanço sobre a política dos organismos multilaterais na América

Latina, identifica dois ciclos importantes de reforma na região, ambos apoiados pelo Banco

Mundial. O primeiro se deu na década de 1960 cuja orientação foi a expansão do sistema de

ensino. O segundo ciclo de reformas ganhou caráter de maior complexidade ao definir como

objetivos: mudanças da gestão do sistema e qualidade da educação. Esse último processo foi

marcado por um movimento de aglutinação de forças em torno de uma agenda comum para a

região, instituída e legitimada a partir de articulações, conferências e reuniões que se seguiram

ao longo da década.

Em 1990 foi realizada a Conferência Mundial de Educação para Todos, Tailândia,

convocada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultural

(UNESCO); pelo Programas das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD); pelo

Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF) e teve como financiadores o Banco

Mundial (BM) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

O propósito dessa conferência foi o de gerar ambiente favorável à discussão sobre a

educação e orientar as políticas de fortalecimento da educação básica. Isso significava

reorientar o crédito internacional, até aquele momento disponível apenas para investimento

em infraestrutura. Essa reorientação do crédito internacional tornou-se um importante

instrumento para a realização dos ajustes preconizados por esses organismos à organização

dos Estados Nacionais e das políticas sociais na região.

Em 1991 acontece a quarta reunião de Ministros de Educação, convocada pela

UNESCO, em Quito. O objetivo foi analisar o desenvolvimento do Projeto Principal de

Educação para América Latina e Caribe. A declaração da reunião explicita as novas

orientações para a reforma educacional na América Latina:

[...] as estratégias tradicionais sobre as quais se apoiaram os sistemas educativos da

região esgotaram suas possibilidades de conciliar quantidade e qualidade. É por isso

que afirmamos [...] a necessidade de empreender uma nova etapa no

desenvolvimento da educação que responda aos desafios da transformação das

atividades da produção, da equidade social e da democratização política [...] para

fazer face a essas exigências é necessário suscitar uma profunda transformação da

gestão tradicional (CASASSUS, 2001, p. 11).

Na oportunidade foram definidas as características do novo tipo de gestão, necessária

aos desafios dos novos tempos:

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a) Abertura do sistema e fim da autorreferência, com vistas ao atendimento das

demandas sociais;

b) Novas alianças – abertura para participação de novos atores na tomada de decisões

(em especial parceria público-privada);

c) Vasto processo de descentralização, advogando o fim do centralismo;

d) Passagem da ênfase da quantidade para a qualidade.

Não por acaso, as indicações contidas nos referidos documentos nos remetem à

percepção da consciência desses organismos sobre a necessidade de mudanças no padrão de

relacionamento entre Estado e Sociedade na América Latina. Após o esgotamento de regimes

ditatoriais, a complexificação da sociedade exige novos padrões políticos para a salvaguarda

dos interesses econômicos, como já assinalado anteriormente. Seriam necessárias estratégias

mais apuradas para assimilar novos interesses aos marcos institucionais da democracia, sem

que isso implicasse riscos de desestabilização do sistema. É nesta perspectiva que as políticas

sociais ganham destaque na agenda do Banco Mundial e acontece em 1992, a 24ª Reunião da

CEPAL, em Santiago do Chile, com a convocação de Ministros de Economia e Finanças com

o objetivo de avaliar a conveniência de recolocar a educação como investimento necessário ao

desenvolvimento das nações e à integração social.

Em 1993, ocorre uma nova roda de discussão de Ministros da Educação, em Santiago

do Chile. O objetivo da reunião desta vez é definir ações de melhoria da qualidade das

aprendizagens. No nível macro foi indicada a criação de sistemas nacionais de avaliação e o

desenvolvimento de programas de discriminação positiva. No nível micro as atenções se

voltaram para as escolas e seus processos. O último marco importante da década foi o

Seminário Internacional sobre descentralização e currículo, organizado pela UNESCO, em

Santiago do Chile, naquele mesmo ano.

Da análise desse período e das reformas que se processaram na América Latina, pode-

se identificar 03 objetivos comuns:

1. Situar a educação no centro do desenvolvimento tanto econômico quanto social,

com maior aporte de recursos nacionais e internacionais, (ainda que à custa do endividamento

nacional);

2. Iniciar nova etapa na educação através das mudanças na gestão (como abertura às

novas alianças e nova organização do Estado);

3. Melhorar os níveis de aprendizado com ações no nível macro e micro.

De fato, não somente as agências de crédito disponibilizaram aos países da América

Latina um volume considerável de crédito para o desenvolvimento de programas sociais, em

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especial de programas educacionais, como também se iniciou um processo de fortes

mudanças no modelo de gestão da educação, cujas características não se limitam à

descentralização, mas se materializam na perspectiva de um Estado em que a mediação social

se dá, tendo em vista o fortalecimento dos empreendimentos do Mercado. A racionalidade

mercadológica penetra na esfera da educação e transforma um bem intangível em bem

tangível, material, quantificável e possível de ser apropriado como um produto, mercadoria,

fator de produção. A movimentação do crédito pelas agências do Banco Mundial e BIRD, é

testemunha dos desdobramentos da estratégia em curso nesse período.

Quadro 6 – Aportes do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial (em

Milhões de Dólares) à Educação em Países da América Latina

Ano BID BM Total

1990 14,4 - 14,4

1991 57,33 595,3 652,63

1992 99,1 597,1 696,2

1993 218,9 548,7 767,6

1994 968,75 1.083,3 2.052,05

1995 106,91 747,1 854,01

1996 - 493,1 493,1

1997 704,8 61,5 766,3

1998 955, 1.062,8 2.017,8

Total 3.125,19 5.188,9 8.314,09

Fonte: Banco Mundial e BID apud CASASSUS, 2001, p. 17.

Quadro 7 – Gasto Público com Educação Constante em Milhões de Dólares de 1990

Média para

a América

Latina

1980 1990 1994 1996

1.246.803,18 988.205,87 1.926.169,2 1.976.956,38

Fonte: Global Education Data Base da UNESCO apud CASASSUS, 2001, p. 15.

Quanto às novas alianças e parcerias para pactuação de um compromisso pela

educação, diferentes mecanismos foram adotados na América Latina:

Congressos pedagógicos que correram na Argentina (1987), Bolívia (1993) e Chile

(1997) ao longo dos anos 90, contavam com o envolvimento das entidades sindicais e demais

forças sociais.

Acordos nacionais – Acordo Nacional para Modernização da Educação no México

(1992) e Acordo Nacional de Educação 2000 no Equador (1993), mobilizando docentes e

intelectuais na pactuação de protocolos.

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Planos decenais – No Brasil resultou o compromisso Todos pela Educação,

envolvendo as três esferas de governo, com a sociedade, chegando até as unidades escolares,

gerando com isso o Plano Decenal de Educação para Todos (1994). Por caminhos e métodos

diferentes, República Dominicana (desde 1990) e Venezuela (1993) também construíram seus

planos decenais.

Além desses instrumentos, foram implementados os fóruns públicos, no Brasil o

Fórum Permanente do Magistério (1994), as leis de educação, a LDB e Comissões

acadêmicas.

Com o objetivo de melhorar os índices de aprendizagens foram definidas estratégias

no nível macro e micro. No nível macro foram instituídos sistemas de avaliação de

desempenho e, no micro, buscou-se ampliar a capacidade de intervenção nas escolas por

estratégia de discriminação positiva. Casassus (2001) identifica os vários programas de

discriminação positiva que foram implementados nos diferentes países da América Latina:

Quadro 8 – Programas de Discriminação Positiva Adotados em Países da América Latina

Argentina Plano Social, Nova Escola

Bolívia Interculturalidade e Participação Cidadã (PAC E)

Brasil Classes de aceleração de aprendizagem, Fundo de Manutenção

e Desenvolvimento do Ensino Fundamental

Chile P900, Mece Rural

Colômbia Escola Nova

El Salvador Educo (Autogestão comunitária)

Guatemala Pronade (Autogestão comunitária)

México Programa de Compensação do Atraso Escolar na Educação

Básica (Pareb)

Paraguai Escola Ativa Mita Iru (multigrau)

Venezuela Escola rural indígena e de fronteiras

Fonte: (CASASSUS, 2001, p. 23).

No nível micro o foco são as escolas, com especial atenção à gestão escolar,

objetivando gerar diferentes graus de autonomia e currículo adaptado à realidade escolar. No

Brasil, o processo de descentralização resguarda ao governo central a capacidade de

intervenção direta nas unidades escolares, subvertendo a ordem do federalismo uma vez que

esta iniciativa desloca a relação dos entes federados (Governo Federal e Governos estaduais e

municipais) para uma lógica de intervenção do governo federal diretamente nas unidades

escolares sem passar pelos governos subnacionais.

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Brasil, Argentina e Chile começaram a descentralização antes de 90. Casassus afirma

que essas três experiências tiveram início no período da ditadura, cujos objetivos eram

minimizar os custos financeiros da política e dividir o movimento sindical.

Todos os países da região, com exceção de Cuba, criaram na década de 90 sistemas de

avaliação de rendimento e desempenho escolar. A avaliação se tornou a principal estratégia de

um tipo de gestão que reserva ao governo central a regulação e a avaliação do sistema. A

generalização dessa estratégia na América Latina permitiu que em 1995, a UNESCO criasse o

Laboratório Latino Americano de Avaliação da Qualidade da Educação, cujo objetivo são os

estudos comparados de desempenho dos sistemas educacionais da região e currículos

baseados em conteúdos comuns.

O foco na gestão, como estratégia de melhorar a eficiência das políticas sociais, teve

como pressuposto a passagem do enfoque nos insumos (meios para obtenção dos resultados)

para foco nos resultados, daí a importância da avaliação da aprendizagem. No entanto, a visão

tecnicista das políticas sociais, sem considerar a relação entre a dimensão econômica e social

como fatores que se autodeterminam, levou à perda de horizonte sobre a finalidade das

políticas sociais, num contexto mais amplo de desenvolvimento societário. Ribeiro (2001)

avalia que a percepção que orienta as políticas sociais prescritas pelo Banco Mundial tinha em

vista a pobreza como fator isolado das condições estruturais de reprodução econômica. Por

essa razão as políticas sociais defendidas pelo Banco apresentam caráter focalizado, em

detrimento de políticas universais. São políticas destinadas a minimizar os efeitos da pobreza

sobre grupos sociais considerados vulnerabilizados.

As pretensões do Banco Mundial para a América Latina vão encontrar um clima

favorável à sua implementação, seja em razão da debilidade de os Estados Nacionais se

posicionarem em relação às exigências creditícias, tendo em vista déficit fiscal estrutural, seja

porque eixos de atuação do Banco passaram a incorporar algumas das bandeiras de luta pela

democratização dos países em transição democrática. Exemplo disso foi a descentralização e a

ampliação da participação social nas políticas públicas. Segundo Borges (2003), para o Banco

Mundial se tornou clara a pouca atenção dada à questão da viabilidade política em programas

de ajustes estruturais por ele apoiados na década de 80. Desse modo, a partir dos anos 90, o

Banco passa a priorizar fatores políticos como a legitimidade governamental e o papel dos

grupos de pressão. A questão da governança adquire lugar central nos projetos de reforma, o

foco se direciona à eficiência das políticas sociais, tendo por objetivo a redução da pobreza:

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O Banco Mundial passou a reconhecer de forma mais explícita que o sucesso de seu

modelo de desenvolvimento depende de profundas mudanças na engenharia política

e social das sociedades em que atua. Enfatizando a melhora das condições sociais e

o fortalecimento da sociedade civil, as reformas dos serviços sociais pregadas pelo

Banco Mundial, particularmente na educação, têm o propósito de construir um

amplo consenso contribuindo para adequar a democracia às demandas de

estabilidade de política subjacentes ao modelo de desenvolvimento capitalista liberal

(BORGES, 2003, p. 125-126).

Altmann (2002) adverte que, embora reconhecendo a diversidade da América Latina,

o Banco Mundial apresentou para toda a região um ―pacote‖ como remédio único aos males

da educação. Tais prescrições tiveram como origem estudos do BIRD em 39 países da África

Subsaariana, em 1985. Constava do pacote:

a) Prioridade na educação básica;

b) Melhoria da qualidade da educação, aferida pelos resultados do rendimento escolar.

O BIRD recomenda como prioridade o aumento do tempo de instrução, oferta de livros

didáticos e melhoramento da formação de professores, através de formação continuada e em

serviço, segundo a autora, em detrimento da formação inicial;

c) Prioridade sobre os aspectos financeiros e administrativos, sendo a descentralização

a principal estratégia;

d) Descentralização com autonomia às unidades escolares que passam a ser

responsáveis pelos seus resultados. Neste caso os governos centrais ficam com as funções de

i) fixar padrões, ii) facilitar insumos que influenciam o rendimento escolar, iii) adotar

estratégias para aquisição e uso desses insumos, iv) monitorar o desempenho escolar;

e) Maior participação da comunidade nos assuntos escolares;

f) Fortalecimento do setor privado e não governamental para participação na decisão e

implementação de políticas de educação;

g) Mobilização e alocação eficazes de recursos para a educação no âmbito dos

governos;

h) Enfoque setorial;

i) Políticas e estratégias baseadas na análise econômica.

Do ponto de vista da reforma proposta pelo Banco Mundial, a educação é importante

estratégia de ingresso à globalização do capital. Um instrumento de combate tanto da pobreza

quanto para criar clima e cultura favoráveis à adesão a um modelo de Estado liberal que

permitisse o fortalecimento do mercado e a dinamização da gestão pública para o cuidado

com os mais pobres e o controle das demandas e tensões sociais. A finalidade é garantir a

estabilidade política necessária ao pleno desenvolvimento de um mercado globalizado e,

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portanto, dependente de condições institucionais estáveis em cada país para que a dinâmica

econômica se realize. O objetivo de combate à pobreza teve, portanto, um caráter funcional às

pretensões de ajustes macroeconômicos e, à participação como fator de contenção do Estado e

dos governos, estratégia de ―menos Estado‖. Paradoxalmente, uma participação gerenciada

pelo Estado, destituída de seu caráter político.

Portanto, o pacote de orientações do BM traz uma racionalidade economicista que

limita a educação a fator de produção e instrumento de contenção social, sob o mantra da

eficácia e eficiência econômica. O ideário reformista se materializa internamente através de

dois movimentos contraditórios e complementares:

Descentralização da execução das políticas;

Centralização no nível do governo nacional das decisões sobre as políticas,

currículos, sistema de avaliação e normas gerais.

3.1 Espólio da reforma: a descentralização e seus efeitos sobre a educação

Segundo Nogueira (2005) a descentralização passa a ser um imperativo democrático e,

ao mesmo tempo, o meio mais adequado de melhorar a performance gerencial do setor

público. No caso brasileiro houve a determinação política do governo federal que,

impulsionado pelas orientações do Banco Mundial, passa a delegar de forma unilateral

atribuições aos entes subnacionais, reduzindo, por essa via, a responsabilidade do governo

central com as políticas sociais. Para isso, advoga a tese de que a proximidade da gestão dos

serviços nos municípios favoreceria o controle social sobre as políticas, bem como imprimiria

maior eficácia, eficiência e qualidade aos serviços públicos. A descentralização seria a

estratégia pela qual se fortaleceria o Estado nas regiões/estados/municípios, sob o controle dos

cidadãos e em condições de dar melhor resposta às demandas locais. Tal tese não apresenta

incoerência quanto ao seu enunciado formal. No entanto, há de se registrar aspectos não

considerados especialmente no que concerne às condições técnico-políticas e a capacidade

fiscal das unidades subnacionais. Sobre este último aspecto, afirmam SERRA & AFONSO:

Os indicadores da descentralização fiscal, medidos pelos índices de participação dos

governos subnacionais na receita e no gasto total, além da grande autonomia na

cobrança de seus tributos e na elaboração de seus orçamentos, situam o Brasil

próximo às federações mais desenvolvidas. Entre os países em desenvolvimento, é,

sem dúvida, quem mais avançou em termos de autonomia. A esse respeito, é

interessante lembrar que Shah (1994) elaborou um índice de autonomia dos

governos subnacionais, levando em conta a proporção das despesas que são

financiadas por recursos próprios ou recebidos de terceiros, mas sem vinculações

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específicas. Num grupo de dez países, entre ricos e pobres, o maior índice é o do

Brasil – superando, mesmo, os Estados Unidos, a Alemanha e o Canadá.

Simultaneamente à descentralização vertical na divisão dos recursos públicos, foi

observada uma importante e intensa desconcentração horizontal da receita. A

concentração da arrecadação tributária federal nas regiões mais desenvolvidas tem

como contrapartida um esquema de repartição de impostos federais em favor de

governos subnacionais que beneficia basicamente os das regiões menos

desenvolvidas – sem contar a maior participação dessas regiões na divisão de gastos

federais diretos em ações sociais básicas (2001, p. 09).

Apesar da euforia descentralizadora, os próprios autores reconhecem a dificuldade do

governo central exercer sua função coordenadora das políticas públicas, destacando que a

autonomia da qual os entes subnacionais passaram a desfrutar, redundou de um lado em

sobreposição de ação e, de outro, em carências, o que impôs, contraditoriamente, o aumento

das despesas públicas. A despeito da descentralização, isso não significou qualidade dos

serviços prestados. Ainda segundo esses autores, no Brasil, estados e municípios arrecadam

diretamente 33% do total de tributos nacionais e, após as repartições constitucionais, passam a

dispor de 43% das receitas tributárias nacionais. Em 1988, ano da Constituição, a União

concentrava quase 70% das receitas tributárias disponíveis, até o ano 2000, a variação não foi

grande, ficou entre 60 e 70% a participação da União. Mas é preciso considerar também que o

abismo que separa os diferentes estados e municípios do país, que reflete os grandes

desequilíbrios regionais, distorce os resultados estatísticos, já que estamos tratando de

situações muito distintas.

Para Arretche (2000), em estudo sobre determinantes da descentralização no Brasil em

estados selecionados10

, a descentralização se transformou em barganha federativa, pois,

somente pôde acontecer em condições consideradas vantajosas pelas unidades subnacionais,

condições que em boa medida deveriam ser supridas pelo governo federal:

É devido à dimensão de barganha federativa que o processo de descentralização das

políticas sociais no Brasil só pode ser efetivo na medida em que as administrações

locais avaliem positivamente os ganhos a serem obtidos a partir da assunção de

atribuições de gestão; ou pelo menos, que considerem que os custos com os quais

deveriam arcar poderiam ser minimizados pela ação dos demais níveis de governo.

Dito de outro modo, a adesão dos governos locais à transferências de atribuições

depende diretamente de um cálculo no qual são considerados, de um lado, os custos

e benefícios derivados da decisão de assumir a gestão de uma da política e, de outro,

os próprios recursos fiscais e administrativos com os quais cada administração conta

para desempenhar tal tarefa (p. 48).

10

Foram objeto do estudo os seguintes estados: São Paulo, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia, Ceará,

Paraná.

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Segundo a autora, o grau de descentralização das políticas sociais está relacionado a

fatores como:

a) Existência de programa deliberado de incentivo à descentralização;

b) Natureza da política (que envolve os custos políticos de fazer ou deixar de fazer,

complexidade da gestão);

c) Políticas prévias (condições atuais de interesses, cultura institucional, criadas a

partir de políticas pregressas);

d) Recursos disponíveis.

A existência de programas de incentivos à ação dos governos locais é uma variável

considerada fundamental por Arretche (2000) e explicaria, em grande parte, a situação da

expansão das redes municipais de ensino a partir dos anos 90, incentivadas por programas

federais que datam ainda da década de 70 e que ofereciam recursos para instalação dessas

redes. Especialmente na região do nordeste, nos municípios mais pobres.

Apesar do movimento de descentralização se iniciar nos anos 70, é a partir dos anos 90

que o Governo Federal institui uma política geral de municipalização da educação, motivada

pela ascensão do município à condição de ente federado autônomo, instituído pela

Constituição e, evidentemente, por toda uma conjuntura política internacional de interesses

das agências multilaterais.

Os estudos de Arretche (2000) concluem que houve foi baixo nível de

descentralização nos estados analisados e apenas o Estado do Paraná apresentou mudança

estrutural na transferência do ensino fundamental do estado para o município. Ainda assim, o

caso de sucesso é marcado pela forma autoritária como o governo do Paraná impôs a

descentralização aos municípios:

[...] o governo estadual reduziu sistematicamente a oferta de novas vagas no ensino

de 1ª a 4ª séries. Através de normatização da SEE, a partir de 1992, o Estado não

ofereceu matrículas na 1ª série do ensino fundamental; no ano seguinte, fez o mesmo

com a 2ª série. Esta decisão foi unilateral por parte do governo do Estado, sem

consulta nem discussão com os municípios (ARRETCHE, 2000, p. 142).

Segundo a autora, a condição fiscal do governo municipal não se constitui em fator

explicativo suficiente para justificar a assunção de competências educacionais por parte dos

municípios, ou seja; em tese, o que explicaria o fato de os municípios aceitarem a

responsabilidade sobre o ensino fundamental não seria sua condição financeira, mas as demais

variáveis envolvidas na barganha federativa que significa, fundamentalmente, a capacidade do

governo federal (e estadual) de tornar atrativo aos municípios a ampliação de suas

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responsabilidades no campo educacional. Entretanto, os resultados dos estudos demonstram

que o único caso de sucesso de descentralização da amostra (o estado do Paraná), é resultante

não de cálculo dos gestores municipais, baseado nas vantagens comparativas entre assumir ou

não essa tarefa, mas da imposição do estado que se retira de forma unilateral da prestação de

serviços educacionais no município. Enquanto os municípios mais pobres não puderam contar

com outra opção de investimentos que não fosse aquela acenada pelo governo do estado

(ainda que claramente insuficiente) para estruturação de sua precária rede de ensino, os

municípios maiores e em melhores condições fiscais (Curitiba, Londrina, Maringá, Cascavel,

Pronta Grossa) foram justamente os que resistiram à ―proposta‖ de municipalização do ensino

fundamental.

Nesse sentido, Verhine (1999), tem interpretação distinta. Para este pesquisador, o que

define a municipalização do ensino no Brasil são, justamente: a precariedade das condições

dos municípios, a baixa capacidade destes no provimento de recursos financeiros e o limite de

capacidade governativa nesse nível de governo (pessoal insuficiente e raramente qualificado,

estrutura física e político-administrativa, baixo capital social). Assim, afirma: Ao

contextualizar a questão da descentralização da educação, vale a pena ressaltar que o ensino

municipal está tão mais municipalizado quanto mais pobre é a região. (VERHINE, 1999, p.

135).

Em 1998, o nordeste concentra, no município, a maioria das matrículas do ensino

fundamental, enquanto no resto do Brasil é o estado que detém a maioria dessas matrículas.

Quadro 9 – Ensino Fundamental: Matrículas - Distribuição Percentual de Alunos por

Dependência Administrativa e Regiões – Brasil – 1997 Regiões Total Federal Estadual Municipal

Brasil 34.229.388 0,1 52,9 36,3

Norte 3.011.865 0,2 59,4 34,7

Nordeste 11.184.186 0,1 37,8 50,8

Sudeste 13.020.903 0,1 62,8 25,1

Sul 4.512.567 0,1 52,3 39,0

Centro-Oeste 2.500.167 0,1 61,9 27,2

Fonte: INEP – Censo Escolar 1997.

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71

A distribuição espacial das matrículas municipais é também um indicador utilizado

por Verhine para discutir a natureza da municipalização do ensino no Brasil; enquanto as

escolas estaduais se concentram em áreas urbanas, as municipais estão majoritariamente em

áreas rurais e periferias da zona urbana.

Considerando-se o país como um todo, quase 40% das matrículas ofertadas pelo

município estão naquelas áreas, enquanto nos centros urbanos ficam mais de 90%

das matrículas estaduais. Essa discrepância é particularmente acentuada nas regiões

Norte e Nordeste, contribuindo para a precariedade das suas condições educacionais

e para a dispersão da rede municipal em uma grande quantidade de pequenos

estabelecimentos [...] (VERHINE, 1999, p. 136).

A distribuição das matrículas é um indicador que capta bem a intensidade da

transferência de responsabilidade da educação aos municípios e indica que apesar de

estatisticamente ter havido mudanças na transferência de ofertas de acesso ao ensino

fundamental, não mudou a estrutura do sistema:

Quadro 10 – Comparativo de Matrículas Sistemas Estadual e Municipal – 1996 – 1998

Ano Dependência Administrativa

Estadual Municipal

1996 62,8 37,2

1997 59,3 40,7

1998 53,3 46,7

Fonte: (MEC apud VERHINE, 1999, p. 143).

Quadro 11 – Matrículas Ensino Fundamental, por Unidade Administrativa – 1999 – 2006 Ano Dependência Administrativa

Federal % Estadual % Municipal % Total

1999 20.351 15 9.840.178 72,5 3.700.882 27,2 13.561.499

2000 20.010 14,3 9.733.844 69,6 4.221.857 30,2 13.975.795

2001 19.800 14,1 9.342.171 66,7 4.671.607 33,2 14.033.659

2002 19.320 13,5 9.069.317 63,7 5.137.705 36,1 14.226.419

2003 18.989 13,5 8.512.916 60,9 5.437.095 38,9 13.969.074

2004 17.771 12,9 8.199.743 59,8 5.472.355 39,9 13.689.942

2005 18.205 13,4 7.920.863 58,6 5.565.918 41,2 13.505.058

2006 17.570 13,4 7.797.264 58,2 5.569.852 41,6 13.384.758

Fonte: IN EP/EDUDTABRASIL

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O processo de aprofundamento da descentralização causou mudanças significativas na

oferta do ensino, porquanto a participação dos municípios passou a ter relevância fundamental

na estrutura da política do setor. Apesar disso, tanto os estados quanto os municípios

continuaram a desempenhar os mesmos papéis em âmbito regional, ou seja: a oferecer todos

os níveis de ensino de forma concorrente, concentrando no estado maior proporção das

matrículas.

É verdade que com o processo de descentralização, apesar de a União concentrar

competências tributárias, houve um significativo aumento da capacidade de arrecadação das

unidades subnacionais que passaram a dispor, em seu conjunto, de mais recursos para a

implementação de políticas sociais. Porém, a desigualdade na capacidade governativa dos

entes subnacionais, a assimetria econômico-social entre eles, a manutenção da prevalência da

União na arrecadação dos impostos bem como a ausência de mecanismos de coordenação e

cooperação federativa, indicam que, de fato, o que se realizou foi a desconcentração de

atividades que passaram a ser desenvolvidas diretamente pelas esferas subnacionais.

A União manteve, com a reforma, boa margem de controle sobre o financiamento, sem

que fosse necessária a sua responsabilidade direta sobre a execução das políticas sociais e sem

assumir, efetivamente, o papel de coordenação dessas políticas. Tratou-se, portanto, de uma

estratégia de redução da participação do governo central na educação, contrariando as bases

do federalismo cooperativo proposto no texto constitucional (BELLO et al., 2004). A reforma

foi importante para a desoneração da União e responsabilização dos entes subnacionais.

Os indicadores de resultados da aprendizagem revelam as dificuldades adicionais

trazidas pelo processo de municipalização da educação e pela ausência de articulação do

setor. O IDEB – Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, criado pelo Ministério da

Educação em 2007, demonstra as desigualdades refletidas nas diferenças entre os sistemas

privado e federal de ensino e sistemas públicos subnacionais, especialmente os sistemas

municipais.

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Quadro 12 - IDEB 2005, 2007 e Projeções para o Brasil

Anos Iniciais do

Ensino Fundamental

Anos Finais do Ensino

Fundamental

Ensino Médio

IDEB

Observado

Metas IDEB

Observado

Metas IDEB

Observado

o

Metas

2005 2007 2007 2021 2005 2007 2007 2021 2005 2007 2007 2021

TOTAL 3,8 4,2 3,9 6,0 3,5 3,8 3,5 5,5 3,4 3,5 3,4 5,2

Dependência Administrativa

Pública 3,6 4,0 3,6 5,8 3,2 3,5 3,3 5,2 3,1 3,2 3,1 4,9

Federal 6,4 6,2 6,4 7,8 6,3 6,1 6,3 7,6 5,6 5,7 5,6 7,0

Estadual 3,9 4,3 4,0 6,1 3,3 3,6 3,3 5,3 3,0 3,2 3,1 4,9

Municipal 3,4 4,0 3,5 5,7 3,1 3,4 3,1 5,1 2,9 3,2 3,0 4,8

Privada 5,9 6,0 6,0 7,5 5,8 5,8 5,8 7,3 5,6 5,6 5,6 7,0

Fonte: Saeb e Censo Escolar

A rede municipal tem apresentado, sistematicamente, resultados inferiores. Ainda que

se possam questionar os critérios, métodos e uso da avaliação implementada pelo governo

federal, há de se considerar que tais avaliações têm servido para demonstrar a enorme

disparidade no campo educacional, tanto do ponto de vista regional, quanto do ponto de vista

da organização federativa. Enquanto os resultados do sistema público federal e do setor

privado alcançam índices compatíveis com países desenvolvidos (6,011

acima), os sistemas

subnacionais públicos têm suas notas 4,3, no máximo, numa escala que varia de 0 a 10.

A reforma dos anos 90 não foi somente resultado das orientações do Banco Mundial,

ela é também a síntese de tensões e contradições entre os grupos hegemônicos à frente do

governo e dos movimentos sociais. Apesar de todo o receituário de eficiência, de participação

social e de qualidade da educação, o legado da reforma foi o esvaziamento da capacidade de

coordenação de políticas educacionais e uma descentralização que, na prática, se confunde

com desobrigação do Estado Nacional sobre a educação, tornando este campo ainda mais

fértil às disputas políticas locais, regionais, em detrimento de uma estratégia ampliada e

continuada de organização dos sistemas. Os indicadores expressam a aferição de certas

habilidades e competências que expressam apenas parcialmente a apropriação do capital

cultural por parte dos alunos, majoritariamente oriundos de grupos sociais desfavorecidos.

Mas indicam o grau de exclusão a que está submetida a maior parte daqueles novos usuários

11

A nota 6,0 (seis) é a meta do governo federal a ser alcançada pelos sistemas públicos estaduais e municipais

até 2022.

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do sistema educacional na apropriação desse capital. E, por outro lado, revela como o Estado,

através de uma concepção estreita da questão social, encetou mecanismos na gestão pública

que propiciaram negação do acesso de capital cultural aos que tinham na escola, sua única

esperança de adquiri-lo.

A reforma dos anos 80/90 não passou incólume às lutas pela educação pública, ao

contrário, em boa medida ela foi incorporando as demandas sociais, num processo que

significou correlação de forças sempre muito desiguais em desfavor dos movimentos sociais.

Nesse sentido, ao falarmos do processo de constituição da política de educação e do formato

que ganhou o Estado para organização dessa política, importante incluir nesse contexto o

processo de disputa que se deu, após a aprovação da Constituição de 1988, na organização

dos instrumentos de planejamento do setor, especificamente, do Plano Nacional de Educação

e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

4. Descentralização x Sistema Nacional de Educação: Entre a Colaboração e a

Competição Federativa

A Constituição de 1988 emerge em meio às lutas dos movimentos sociais pela

democratização do país e representantes de interesses econômicos que se organizam. Estes

últimos formam coalizões para enfrentar os avanços dos direitos sociais. No campo

educacional a grande luta que se travou foi entre o Público e o Privado. Numa posição a

sociedade organizada, movimentos sociais, sindicais, partidos de esquerda lutavam pela

exclusividade dos recursos públicos para o financiamento da educação pública; noutra

posição, setores ligados a grupos privados de educação reivindicavam a flexibilização que

permitisse ao setor privado não somente a liberdade de iniciativa no ―mercado‖ educacional,

como também a disponibilidade de recursos públicos para tal. Dessa luta surgiram algumas

sínteses interessantes: a educação é assumida como um direito universal, sendo pública,

gratuita sob responsabilidade do Estado, devendo ser constituída a partir de princípios da

gestão democrática (art. 206); de outro lado foi garantida liberdade à iniciativa privada (art.

209). Os recursos públicos passam a ser destinados às escolas públicas, contudo abre-se

exceção às escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas (art. 213), o que significou

derrota importante dos movimentos em defesa da escola pública, pois tal dispositivo abriu

ampla possibilidade de fortalecimento do setor privado no ―negócio educacional‖. Retoma-se

a vinculação de receitas à educação e se institui o regime de colaboração. Esta é a grande

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novidade se considerado o fato de que a política de educação sempre foi descentralizada e

com baixa responsabilidade do governo central sobre o nível elementar e básico de ensino. É

a primeira vez que a gratuidade da educação é garantida em todo o sistema oficial de ensino,

em qualquer nível. Apesar disso, a carta constitucional não definiu competências específicas

de cada nível de governo, tampouco os instrumentos do regime de colaboração.

No artigo 211, o parágrafo 4º, acrescido pela Emenda Constitucional n. 14, remete aos

entes subnacionais a organização de formas de cooperação, excluindo a União: Na

organização de seus sistemas de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de

colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. Trata-se de

colaboração na execução da política e o Governo Federal, cuja ação é de regulação,

planejamento, apoio técnico-financeiro e suplementação, não é incluído na cooperação dos

sistemas subnacionais. O jogo de ―esconde-esconde‖ do texto constitucional revela não

somente a dificuldade de precisão conceitual dos termos, como também a dificuldade de

articular sistemas de ensino historicamente fragmentados em Sistema Nacional, integrando as

redes dos diferentes níveis de governo. A ausência do pressuposto de um Sistema Nacional

faz com o que o regime de colaboração não consiga ir além de um enunciado geral.

A Constituição realizou a descentralização fiscal, partilhando recursos tributários que

antes eram da competência exclusiva da União. Obrigou os governos à destinação de

percentual mínimo à educação. Indicou a criação de uma engenharia institucional federativa,

inserindo no âmbito das políticas públicas a complexidade de um sistema descentralizado que

passa a exigir capacidade de coordenação, sendo o este o grande desafio do sistema

federativo, especialmente no caso brasileiro, pois:

Em Estados federativos, diferentemente dos Estados unitários, a decisão das

unidades locais de governo (aqui entendidas como estados e municípios) pela

implementação de uma dada política pública está resguardada pelo princípio da

soberania. Isto é, salvo expressas imposições constitucionais, nada impede ou obriga

que um dado município ou Estado venha a implementar uma política pública

qualquer. Assim, a adoção de um programa social proposto por um nível de o

governo mais abrangente ou a transferência de atribuições em política social supõe a

adesão do nível de governo para o qual se pretende que estas atribuições sejam

transferidas (ARRETCHE, 2000, p.33).

Não obstante, sem espaço institucional de pactuação de políticas públicas e

compartilhamento de interesses e responsabilidades entre União, Estados e Municípios,

políticas de diferentes níveis tendem a se sobrepor.

A Emenda Constitucional n. 14, de 13/09/96, no artigo 211 procurou delinear, mais

explicitamente, a hierarquização de um sistema de ensino, no qual concorrem o sistema

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federal, os sistemas estaduais e municipais. A referida emenda indica prioridades de cada

sistema. À União cabe o financiamento direto das instituições do sistema federal que, em

relação aos demais sistemas, deve exercer a função redistributiva e supletiva, através da

assistência técnica e financeira aos entes subnacionais. Aos municípios cabe, prioritariamente,

o oferecimento do ensino fundamental e educação infantil e os estados devem atuar

prioritariamente no ensino fundamental e médio (parágrafos 1º a 4º). Além disso, cria o Fundo

de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério

(FUNDEF), com vigência de 10 anos após a promulgação da referida emenda.

É relevante para a compreensão do processo de descentralização que orientou a

reforma educacional no Brasil a criação do FUNDEF, pois, ao se tornar o mais importante

instrumento na regulação do financiamento da educação fundamental, indica a prioridade da

política do governo federal e coloca em andamento as estratégias de descentralização do

ensino. O FUNDEF foi regulamentado pela Lei 9294/96. A sua base de cálculo foi definida

como a relação entre número de matrículas e as receitas do fundo, receitas estas provenientes,

principalmente, do salário educação12

. As receitas do FUNDEF totalizam 15% do montante

de receitas destinadas à educação, restando 10% destas receitas aos demais níveis de ensino

(educação infantil, educação de jovens e adultos, ensino profissionalizando, educação

especial). Portanto, o FUNDEF coloca o ensino fundamental no centro da política de

financiamento da educação, restringindo o caráter universal dado à educação pela

Constituição Federal e reafirmando a visão fragmentária e setorializada perpetrada pela

reforma às políticas sociais. Segundo Costa e Duarte (2008):

O FUNDEF se apresenta como um mecanismo institucional de indução a

determinados comportamentos por parte dos entes federativos e concentra-se em

alguns objetivos:

a) proporcionar maior equilíbrio entre redes estaduais e municipais no que tange à

participação e ao compromisso com a ampliação do acesso e da manutenção do

atendimento ao ensino fundamental, por meio da vinculação da alocação de recursos

para estados e municípios ao número de crianças atendidas pelas respectivas redes

de ensino fundamental;

b) diminuir a desigualdade entre os entes federados do ponto de vista dos recursos

disponíveis para o ensino fundamental. Isso seria possível por meio do

estabelecimento do piso de gasto por aluno que orienta o processo de redistribuição

de recursos que o FUNDEF põe em marcha: Ter-se-iam, portanto, por meio do

FUNDEF, desigualdade menor e piso mais alto de gastos por aluno; c) melhorar

12 O art. 15 da Lei 9424/ 96 define a base de cálculo do salário educação: é calculado com base na

alíquota de 2,5% (dois e meio por cento) sobre o total de remunerações pagas ou creditadas, a qualquer

título, aos segurados empregados, assim definidos no art. 12, inciso I, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de

1991. Ao Fundef cabe 1,5% desse montante, deste 1/3 corresponde à cota da União e 2/ 3 às cotas dos

estados e municípios.

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progressivamente o perfil e a qualificação do corpo docente do ensino fundamental

(p. 7-8).

O FUNDEF e a LDB são instrumentos jurídicos que deram suporte e materialização às

políticas dos anos 80 e 90 e que tinham como fundamento a negação de um sistema nacional

de educação, onde níveis mais abrangentes de governo pudessem assumir o papel de

coordenação e articulação no processo de construção e implementação de políticas

educacionais. Nem o governo federal, nem os governos estaduais assumiram esse papel e, por

outro lado, as estratégias de transferência de responsabilidades para o município se deram em

meio à completa desconsideração das assimetrias que caracterizam tais entes. Desigualdades

estas que vão desde a capacidade tributária, de financiamento das políticas sociais, até a

capacidade institucional de quadro de pessoal disponível e qualificado para tal tarefa. Assim o

regime de colaboração foi um princípio constitucional desde o início subvertido. Os

instrumentos de descentralização, numa realidade em que o ensino já era historicamente

descentralizado, ganham caráter de municipalização e segue as orientações das reformas

propostas pelo Banco Mundial, restringindo os investimentos públicos em educação e a

participação direta do governo central na oferta de serviços sociais.

A LDB procurou definir com maior precisão os termos de uma hierarquização dos

sistemas de ensino. No entanto, o princípio da autonomia dos entes federados e as

competências concorrentes em termos de sistemas de ensino prescritas na Constituição

dificultam a hierarquização plena dos sistemas. Não obstante, em seu artigo 9º, a LDB avança

para a definição das competências distribuídas entre União, estados e municípios. Reafirma a

necessidade de cooperação entre os entes e a função supletiva e redistributiva da União, bem

como sua função reguladora dos sistemas federal, estadual e municipal. No artigo 11,

parágrafo único, prevê a possibilidade de os Municípios optarem por sua integração ao

sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica.

Portanto, a LDB, opta por não organizar um Sistema Nacional de Educação, mas abre a

possibilidade para que estados e municípios possam cooperar através da integração de seus

sistemas em sistema único, ao mesmo tempo, um sistema único em nível subnacional que não

inclui a União.

Saviani (1999), ao comparar o texto constitucional e a LDB em matéria de

competências dos entes federados, conclui que a esta torna explícita a competência legislativa

do município para organizar seu próprio sistema, questão que parece dúbia no texto

constitucional. No entanto, considerando as dificuldades dos municípios assumirem tal

competência, abre caminho para que os sistemas estaduais e municipais sejam integrados e

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que este último conte, em qualquer dos casos, com o ―apoio‖ do estado e da União. Ou seja, é

no âmbito da escolha dos municípios, em razão dessa fragilidade; não de uma estratégia geral,

que se aponta a possibilidade de criação de sistemas articulados no nível subnacional:

Cabe, pois, a cada município decidir entre as três possibilidades previstas na LDB, a

saber: a) instituir o próprio sistema de ensino; b) integrar-se ao sistema estadual de

ensino; c) compor com o estado, no âmbito de seu território, um sistema único de

educação básica. A opção a ser adotada deverá ser prevista no plano educacional do

município ao mesmo tempo em que determinará a forma como será detalhado o

referido plano educacional (SAVIANNI, 1999, p. 14-125).

O destino seguido pela política educacional foi bem diferente daquele insinuado como

frágil possibilidade legal e, a presença forte do Banco Mundial na orientação da estrutura e da

política educacional no país, de viés anti-estatal e de liberalização descentralizadora contém

em si boa parte da explicação desse destino.

A LDB findou por descaracterizar o federalismo previsto no texto constitucional, pois

ao priorizar a transferência da responsabilidade do ensino fundamental ao município, como

estratégia de descentralização, promoveu a desconcentração de serviços, sem considerar

variáveis como a capacidade de gestão dos municípios. A descentralização se transformou em

mera transferência de responsabilidade administrativa (municipalismo) sem garantir

autonomia e colaboração no sistema federativo:

Assim, o Regime de Colaboração entre os sistemas de ensino, de acordo com o

modelo em processo de implantação no Brasil, vem contrariando os preceitos

constitucionais (Artigo nº 211 da CF de 1988), que apontam para decisões

compartilhadas entre sistemas de ensino iguais e autônomos entre si. Tal concepção

de colaboração implica igualmente considerar ações conjuntas que abarquem, por

exemplo: a divisão de responsabilidades pela oferta do Ensino Fundamental entre as

instâncias federadas; o planejamento educacional (planos de educação e censos

escolares), de modo a buscar o compromisso comum com a qualidade de ensino; a

superação de decisões impostas ou a simples transferência de encargos, sem que

haja o repasse devido dos meios e recursos necessários; e, ainda, a garantia de

participação da sociedade, através dos seus Conselhos, com representação popular e

poder deliberativo (ABREU, 1998; ABREU; SARI, 1999; VERHINE, 2000;

GONÇALVES, 1998)... (SOUZA e FARIA, 2004, p. 87).

A inexistência de instrumentos claros de cooperação, o modelo de financiamento

baseado exclusivamente no número de matrículas e a reduzida participação do governo

federal na complementação financeira aos sistemas subnacionais13

, levaram a uma relação

13

O art. 6º da Le i 9424/96 - FUNDE, define os critérios de distribuição dos recursos a partir do censo escolar

(matrículas) do ano anterior. Desse modo, os municípios assumiam gastos antecipados, em razão do

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concorrencial. Subtraídos de uma coordenação eficaz e de mecanismos efetivos de

cooperação, os sistemas têm dificuldades de dar respostas à complexidade inerente à natureza

da política educacional. Destarte, a municipalização continuou avançando num cenário em

que o modelo de financiamento não avançou substancialmente e estados e municípios

continuaram a assumir ―de tudo um pouco‖, ainda que as séries iniciais (1ª a 4ª séries) estejam

concentradas nos municípios, o segundo ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª) se mantém,

majoritariamente, a cargo dos governos estaduais.

O federalismo cooperativo deve combinar autonomia e interdependência das unidades

subnacionais, uma combinação nada fácil especialmente quando os entes, que em tese

deveriam gozar das mesmas prerrogativas e condições análogas de governo, são unidades

tremendamente desiguais. Soma-se a isso a trajetória de construção de nosso Estado,

historicamente submetido aos ventos dos regimes de exceção, onde o poder do governo

central se impõe à autonomia das unidades subnacionais, criando uma tradição cultural

autoritária ao lado de interesses locais oligárquicos. O professor Francisco de Oliveira, num

debate promovido pelo CEDEC – Centro de Estudo de Cultura Contemporânea, na ocasião do

aniversário da entidade, proferiu questionamentos muito apropriados para o caso brasileiro:

O que significa ―federação‖? O que significam as diferenças entre São Paulo e o

Piauí? Uma federação pode resistir a essa tensão, de uma diferença de 10 para 1?

[...] A federação, do ponto de vista das ciências sociais brasileiras, das ciências

humanas, não existe (OLIVEIRA, 2001, p. 93).

De fato, dados do IBGE14

para 2006 apontam que dos 100 maiores municípios do

Brasil, 32 pertencem ao e Estado de São Paulo e totalizam mais de 24% do PIB nacional. Ao

todo representam quase 60% do PIB nacional, num universo de mais de 5.000 municípios!

Portanto, pensar o federalismo brasileiro nos remete às questões sócio-econômicas estruturais

se não quisermos abstrair das bases que constituem o marco institucional e que definem,

também nesse campo, características intrinsecamente desiguais. As consequências desse tipo

de institucionalidade devem ser compreendidas em razão dessas características. Desse modo,

crescimento anual das matrículas. Enquanto os gastos efetivos se referiam ao exercício em curso, a base de

cálculo para repasse do fundo era sobre o exercício anterior fato que impunha perdas aos municípios e

estados. De outro, lado o valor aluno-ano definido pelo governo federal desrespeitava o previsto pela lei e,

em 1998, foi fixado e m R$ 300,00. Obedecendo à metodologia do cálculo indicado pela referida lei, tal valor

deveria ser de R$ 418,77, e m 2000 o valor aluno - ano aplicado pelo governo federal foi de R$ 349,65, para

5ª a 8ª série, quando, pelos critérios da lei, deveria ser de R$ 536,90. Isso fez com que o governo federal

assumisse a complementação a estados e municípios muito raramente. (COSTA & DUARTE, 2008;

VERHINE, 1999). 14

Disponível em:< http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/pib municípios /2006/tab02.pdf>, acessado

em 15/08/2008.

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o processo de descentralização da política de educação no Brasil não pode ser visto somente

do ponto de vista dos mecanismos institucionais postos à ―barganha federativa‖. É preciso

considerar que a enorme desigualdade entre as regiões, estados e municípios, colocou pesos e

capacidades de negociação (e de ―barganha‖) muito diferentes a cada um, o que limita

tremendamente a generalização da idéia de negociação entre partes supostamente equivalentes

(União, Estados e Municípios).

Não é intenção, deste estudo, discutir o que se entende por ―melhoria da qualidade‖ do

ensino, basta saber que a qualidade, como um conceito relativo e abstrato, é imposto por uma

conjunção de forças que se constitui em um determinado tempo histórico, numa sociedade

determinada por uma cultura estabelecida. Se a qualidade é requerida como resultado

necessário do sistema de ensino e os resultados da política expressam a baixa qualidade, é

preciso compreender os limites institucionais na implementação de políticas julgadas

importantes, tendo em vista as estruturas sociais que os produzem. Do ponto de vista do

campo institucional, a investigação se processa através dos instrumentos de gestão

disponíveis, dos enunciados das leis que regem o sistema e as contradições que estão postas

no cotidiano das organizações. Este é o foco para o qual procuramos nos direcionar.

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CAPÍTULO III

MATO GROSSO NOS CONFINS DA FEDERAÇÃO: ENTRE O

PÚBLICO E O PRIVADO

O título deste capítulo é provocativo. Diz respeito à forma como historicamente o

Estado de Mato Grosso tem sido visto pelos mais diversos olhares,15

embora atualmente tenha

se destacado pelo alto desempenho econômico e pela grande influência que o Governador

Blairo Maggi16

tem tido no cenário da política nacional, inclusive, por fazer do Estado uma

das 12 sedes da Copa do Mundo que se realizará em 2014.17

Um feito que, para a opinião

pública local, demonstra grande prestígio do governador junto aos grupos de poder político

nacional. Apesar da indubitável importância que Mato Grosso ganhou no cenário político

nacional, trata-se de região fronteiriça tanto do ponto de vista de sua localização geográfica,

quanto de sua condição política, jurídica e da organização do próprio Estado Nacional.

Retratado pela imprensa nacional como região da fartura, das riquezas naturais, do progresso

baseado no agro-business, essa imagem idílica contrasta com as notícias de crimes

ambientais, devastação da Amazônia, além de emblemáticos atos de corrupção praticados no

território nacional por grupos organizados a partir de Brasília18

com enraizamentos em terras

mato-grossenses. Além dos ―causos‖ próprios gerados a partir da realidade política local.19

15

Galetti (2000) analisou o processo de ocupação em Mato Grosso, inferindo sobre a idéia de progresso e

civilização e a visão que historicamente se construiu sobre a região, configurando-se na visão do

―estrangeiro‖ e mesmo dos migrantes, o limite da civilização. O título aqui é uma alusão ao trabalho da

autora. Ver: GALETTI, Lylia da Silva Guedes. Nos Confins da Civilização: Sertão, Fronteira e

Identidade nas Representações sobre Mato Grosso. São Paulo, 2000. Tese (Doutorado em História) -

Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. 16

Blairo Borges Maggi, governador do Estado de Mato Grosso, cumprindo o segundo mandato consecutivo

(2007-2010). Empresário do agrobusiness, maior produtor individual de soja do mundo. 17

O Brasil sediará a Copa do Mundo em 2014, tendo sido escolhidas 12 cidades – sede pela Federação

Internacional de Futebol – FIFA: Brasília, Cuiabá, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife,

Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. 18

Recentemente ficou nacionalmente conhecido o caso dos ―sanguessugas‖ do Congresso Nacional, no qual

houve envolvimento de parlamentares de MT. O caso tratou de esquema fraudulento de compra

superfaturada de ambulâncias com o orçamento da União, feitas a partir de emendas dos parlamentares ao

orçamento da União. O esquema movimentou cerca de R$ 110 milhões entre os anos de 2000 e 2006.

Envolvia, além de políticos, empresários ligados à empresa Planam, situada em Cuiabá que fornecia unidades

móveis de saúde a diversos estados do país. 19

Recentemente, em matéria publicada pelo Jornal do Brasil (19.04.2009), intitulada: Novo Maluf do Mato

Grosso: No rastro de um rombo milionário, dois dos mais influentes políticos do estado são comparados ao

deputado e ex-governador de São Paulo: Paulo Salim Maluf, conhecido por envolvimentos em escândalos de

corrupção. Os deputados são José Geraldo Riva e Humberto Bosaipo. O primeiro cumprindo s eu quarto

mandato como presidente da Assembléia Legislativa, eleito por unanimidade pelos seus pares. O segundo foi

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Mato Grosso20

é, de fato, é um estado que desperta a atenção de muitos olhares, seja

por razões econômicas, ambientais, históricas ou pela confluência étnica que constitui o

mosaico cultural da região. Localiza-se na porção Centro-Oeste do país, com superfície de

903.357,91 km², por onde se distribuem 2.854.456 habitantes, dos quais mais de 80% vivem

na zona urbana. Limita-se ao norte com os Estados do Pará e Amazonas, ao sul com Mato

Grosso do Sul, a leste com Goiás e Tocantins e a Oeste com Rondônia e Bolívia. A

diversidade cultural abrange uma população heterogênea vinda de todas as partes do país

(principalmente do sul e sudeste), grupos indígenas de diferentes etnias, ao todo são 5521

etnias, distribuídas em 76 áreas indígenas, além de áreas quilombolas que denotam a

importância da população negra na cultura da região. O extenso território é banhado por três

principais bacias hidrográficas: Araguaia-Tocantins, Platina e Amazônica, onde está mais de

65% de seu território. É o único estado brasileiro que abrange três ecossistemas: Amazônia,

Pantanal e Cerrado. Apesar da visibilidade que tem ganhado seu crescimento econômico e, da

importância que vem adquirindo na economia nacional, mais de 80% de sua população

recebem até 03 salários mínimos e menos de 10% dos estudantes matriculados correspondem

ao ensino superior, sendo possível estabelecer forte correlação entre acesso ao ensino superior

e níveis de rendimento verificados.22

Apesar da concentração da população urbana, a

atividade agrícola é a principal fonte econômica, seguida pelo comércio, indústria e serviços.

Em razão de ser uma região ainda pouco conhecida e, por ser o palco das análises

deste estudo onde os governos Federal, estadual e municipais organizam sistemas de controle

e distribuição do capital cultural, é importante dar a conhecer um pouco mais desta terra

chamada Mato Grosso.

também deputado por 03 mandatos e, recentemente, nomeado Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

Ambos respondem, segundo noticiário, a 19 ações penais, além de 80 ações por improbidade administrativa e

20 inquéritos abertos pelo Ministério Público Estadual para ressarcimento de valores desviados dos cofres

públicos. Ao todo são 119 ações que representariam desvios da ordem de R$ 120 milhões, realizados num

período de 13 anos de atuação da dupla. Jornal do Brasil, 19/04/2009. Disponível em:

http://jbonline.terra.com.br/pextra / 2009/04/19/e190421446.asp, acessado em 10/07/2009. 20

Os dados sobre Mato Grosso, aqui referido, são provenientes do Anuário Estatístico 2007, produzido pelo

Governo do Estado de Mato Grosso, Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral. Disponível

em: www.seplan.mt.gov.br acessado em 15/ 06/2008. 21

São elas: Apiaká, Kayab, Mundurukú, Arara, Xavante, Cinta-larga, Guató, Bakairi, Waurá, Karajá , Kaiapo,

Chiquitano, Enawenê-Nawê, Rikbaktasa, Pareci, Irantxe, Bororo, Tupi Kawahibi, Negarotê, Menkrangnoti,

Memgra, Mrari, Myky, Kithaurlu, Halotesu, Kalapalo, Panará, Awetijuruna, Mentuktire , Kamayurá, Kuikuru,

Matipu, Nahukwá, Mehináku, Suya, Tapayúna, Trumái, Txikão, Waura, Yawalapité, Katithaurlu, Alantesu,

Sabanê, Manduka, Mamanindê, Kawahibi, Surui, Wasusu, Tapirapé, Terena, Umutina, Nambikwara,

Hahaintesu, Wainkusu, Zoró. 22

PEREIRA, Rosângela Saldanha. Conexão entre desigualdades de renda, educação e mercado de

trabalho: o caso de Mato Grosso na década de 90. Cuiabá, UFMT/IE, 2002. Tese (Doutorado em

Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso,

Cuiabá.

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1. Da Descoberta do Paraíso ao Agrobusiness

O final do século XVII é marcado pelo início da penetração bandeirante em terras que

viriam a ser a Capitania de Mato Grosso. Nesse período, o território era ainda palco de

disputas entre Portugal e Espanha. Com a descoberta de ouro na região denominada Baixada

Cuiabana, em 1719, deu-se início ao processo de ocupação que teve como base econômica a

exploração aurífera e o emprego de mão-de-obra escrava, integrando Mato Grosso à economia

mercantilista, com base na expropriação das colônias.

O fato de a mineração ser a atividade econômica quase exclusiva da região impediu

que outras atividades ganhassem destaque e relegou as demais potencialidades regionais a um

segundo plano, nesse momento. Segundo Neves (1988) o padrão de ocupação de Mato Grosso

responde a uma necessidade da Coroa Portuguesa de defender seu território e, sendo região

que estabelecia larga fronteira com terras espanholas, a ocupação do estado obedeceu à lógica

da defesa político-militar em detrimento do desenvolvimento de atividades econômicas. A

mineração, além de oferecer retorno imediato e de baixo investimento à Coroa, cumpria com

a função de consolidação do antemural na defesa do território:

Essa característica de antemural definiu a estratégia de ocupação da Capitania

segundo os propósitos da Coroa para a região, graças a seu potencial aurífero e sua

localização em relação às possessões espanholas: os objetivos de conquista e

segurança acabam por conferir à sua administração um caráter essencialmente

militar e a posse do território se configura em aparatos físicos ao longo dos rios e

fronteiras, tais como fortins avançados na luta contra os vizinhos espanhóis. É ainda

essa característica que determina a economia colonial: à atividade itinerante da

exploração aurífera se somam medidas tomadas pela Cora para conter a expansão da

criação de gado e a exploração de cana-de-açúcar em caráter de monocultura voltada

para a exportação [...] (NEVES, 1988, p. 59).

Portanto, os interesses que permearam a ocupação inicial do estado fundaram uma

economia de caráter itinerante, incentivada pela concessão de grandes propriedades de terras

como forma de coincidir os interesses privados desses proprietários, na defesa de suas terras,

com aqueles de defesa do território pela Coroa Portuguesa.

O latifúndio, no entanto, se consolida como modelo de propriedade regional logo após

a crise da mineração quando a atividade aurífera perde espaço enquanto categoria política e

econômica e as terras se convertem em áreas destinadas a atividades agropastoris, ainda

voltadas ao autoabastecimento e ao comércio local. Nesse processo, são agregadas às antigas

propriedades novas terras que são obtidas através da concessão de sesmarias. De minerador a

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senhor de engenho e criador de gado, esta é a primeira conversão das elites que dominaram a

região tanto nas atividades agropastoris quanto no comércio, na política e no Estado desde o

período colonial.

Em 1822, com a emancipação política do Brasil, a preocupação com o

desenvolvimento econômico através da exploração comercial de suas riquezas naturais foi

intensificado, induzindo novas políticas de apropriação das riquezas da região. A constituição

de um Estado Nacional exigia a manutenção da unidade política e territorial. As expectativas

quanto à necessidade de conhecimento das riquezas regionais para um sistemático

aproveitamento comercial, começa a ganhar maior força. Este período coincide com a visão

de progresso impulsionado pela Revolução Industrial, levando a inúmeras expedições

científicas que objetivavam dissecar a realidade natural como forma de dominá-la e promover

atividades lucrativas. Esta perspectiva que mudou radicalmente a relação homem x natureza,

no plano internacional, aos poucos repercute na realidade mato-grossense, especialmente no

que se refere à crescente aspiração das elites nacionais de inserção no mercado capitalista.

A exploração comercial da poaia - planta com propriedades medicinais, em meados do

século XVIII e a navegação do Rio Paraguai (1857)23

já eram fatores que havia mudado, aos

poucos, a realidade econômica e o ambiente natural e cultural da região. No século XIX,

talvez a principal mudança percebida, foi a presença direta do Estado em atividades

econômicas que pudessem, de alguma forma, garantir a inserção de Mato Grosso no mercado

internacional:

Dispondo de poucos produtos para a exportação, cuja pauta compunha-se apenas de

pequenas quantidades de poaia, ouro, diamantes e derivados do gado, como couro,

chifres e sebo, a navegação em Mato Grosso era mantida às custas de subvenções do

governo (CASTRO & GALETTI, 1994, p.12).

Durante muito tempo a história de Mato Grosso foi de resistência à transformação de

seus recursos naturais em mercadoria. Uma resistência que tinha sua razão na cultura nativa,

avessa às formas de trabalho típicas do capitalismo. No entanto, do ponto de vista das elites,

ávidas por ganhos sobre a expropriação do trabalho e pela venda das riquezas naturais,

tratava-se de inserir Mato Grosso na rota do progresso, fazendo desses recursos naturais a

grande riqueza a ser conquistada, tendo em vista a acumulação do capital e o crescimento

23

Rio Paraguai, principal rio da Bacia que leva seu nome, nasce na encosta meridional da Serra dos Parecis, na

região norte de Mato Grosso e desemboca no Rio Paraná, a 2.600km desde a nascente. A soberania do rio é

compartilhada com a Bolívia (48 km de extensão) e Paraguai (332 km).

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econômico sem, contudo, considerar a sustentabilidade e os limites das ações antrópicas

desordenadas e devastadoras.

A visão de desenvolvimento que perdurou até os anos de 1930 e que vinculava as

riquezas naturais às possibilidades de exploração para o mercado externo sustentava uma

percepção do ambiente regional rico e diverso, sendo considerada esta diversidade o grande

atrativo da região. Após os anos 30, a integração regional passou a ser considerada imperativa

à acumulação capitalista, agregando as regiões periféricas às economias dinâmicas do Centro-

Sul, numa relação de dependência e complementaridade. Toda a riqueza ambiental, antes tão

valorizada, fica restrita à disponibilidade de algumas matérias-primas pontuais (além de terras

para agricultura e pecuária), desde que servissem ao desenvolvimento dos centros econômicos

mais dinâmicos, seja no mercado nacional ou internacional.

Esse período representa para o Brasil a passagem do modelo econômico

agroexportador prevalente para uma economia capitalista, cujas manifestações se deram em

todos os setores da vida social. No entanto, como já assinalado, no Brasil o modelo urbano-

industrial não se generalizou e conviveu de um lado com relações baseadas na grande

propriedade rural e, de outro com a economia baseada na atividade industrial. O Brasil não

abdicou, especialmente nas regiões mais afastadas dos centros dinâmicos do capital, de seu

passado agrário/extrativista, como é o caso de Mato Grosso, sua ―vocação natural‖ irá

introduzir novas modalidades de desenvolvimento capitalista a partir do modelo do grande

latifúndio.

Assim, o modelo de desenvolvimento pós-anos 30, adotou a pecuária e a agricultura

como fatores econômicos que representavam a ―vocação natural‖ da região, inserindo Mato

Grosso na perspectiva de provedor de matéria-prima e alimentos aos centros mais dinâmicos

da economia industrial. Isso equivale a um papel secundário, subsidiário que o estado deveria

ter no desenvolvimento da indústria nascente, mantendo suas características agrárias, mas

articuladas às necessidades do centro industrial do centro-sul, mais especialmente de São

Paulo. A visão, antes tão propagandeada, de ―paraíso de recursos naturais‖, com a qual até

então a região se identificava, passa a se restringir a terras vazias e férteis, propícias tanto para

as atividades ligadas à pecuária e agricultura como para a especulação imobiliária.

Nesse novo momento do desenvolvimento econômico, a questão da ocupação dos

territórios passa a ter uma conotação diferente daquela que levou às inúmeras tentativas de

ocupação no período colonial. Tratava-se agora de integrar as economias regionais, de modo a

promover o desenvolvimento nacional. As desigualdades regionais estavam presentes no

interior do estado, ao norte e ao sul do estado. O sul de Mato Grosso constituiu-se num pólo

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86

mais dinâmico da economia regional, em boa medida graças à proximidade com a região sul

do país e ao monopólio da extração da erva-mate com apoio governamental. Ao norte,

localizava-se o poder político regional, as elites tradicionais e oligárquicas, onde se situava a

capital Cuiabá. A tensão e a diferenciação que se estabeleceu entre o norte e o sul de Mato

Grosso terminou por promover, em 1979, a divisão do estado, hoje Mato Grosso e Mato

Grosso do Sul24

.

O novo cenário que se delineia a partir dos anos 30 tem como motor a política do

governo federal de expansão das fronteiras e ocupação dos ―espaços vazios‖, coincidindo

também com a crise internacional de 1929 que levou à desagregação do modelo primário-

exportador e, posteriormente, à política de substituição de importações. Era preciso integrar os

―espaços vazios‖ ao processo de acumulação capitalista. Assim, os programas de colonização

(privados e financiados pelo Estado) dão início ao fenômeno da ocupação da região Centro-

Oeste e da Amazônia Brasileira. A ―Marcha para Oeste‖25

lançada em 1938, pelo governo

Getúlio Vargas, a Expedição Roncador-Xingu, a criação da Fundação Brasil Central, foram

algumas iniciativas do governo para promover de forma ostensiva a ocupação da região,

desconsiderando os povos, especialmente os indígenas.

A intensa propaganda do governo sobre as riquezas e extensão das terras mato-

grossenses e a política de colonização atraíram uma vigorosa migração e promoveram a

especulação fundiária, transformando a terra definitivamente em mercadoria farta e

disponível. A intervenção do governo federal acabou por gerar conflitos regionais, pois os

24

Neves (1988) analisa a divisão do estado (Mato Grosso e Mato Grosso do Sul) a partir da conformação

diferenciada que tiveram as duas regiões num mesmo espaço da federação. Ao norte concentrou-se a

oligarquia política que dominava não somente os meios econômicos como também o próprio Estado. Ao sul a

expressão de uma elite somente se manifesta de modo claro a partir do início do século XX. De fato, o norte e

o sul tiveram desde o processo de ocupação colonial caminhos diversos, apesar de submetidos às leis gerais do

processo de colonização. Ao Norte se consolidou uma oligarquia tradicional, típica das regiões que

experimentaram grande progresso econômico e, posteriormente, sua decadência, como aconteceu aos

estados da Bahia e Rio de Janeiro. Ao su l , se consolida uma elite mais independente da administração

central. Para a autora, o desenvolvimento do sul do estado é análogo à formação do Estado de São Paulo.

Portanto, em Mato Grosso era dois estados que foi constituído numa mesma unidade da federação, cujo

modelo político de organização interna se difere e culmina com a luta entre as elites regionais que, em

1979, finalmente, conseguem acordo sobre a divisão do que já era dividido na prática desde o período

colonial. Para mais detalhes ver: NEVES, op.cit. 25

É no contexto da Marcha para o Oeste, tendo como objetivo a ocupação dos ―espaços vazios‖, política

implementada por Getúlio Vargas no Estado Novo, que a Fundação Bras i l Central, através da Expedição

Roncador-Xingu, realiza o seu mais importante empreendimento para a ocupação do norte de Mato

Grosso: ―O projeto de povoamento promovido pela FBC durante o Estado Novo foi um dos mais bem

acabados projetos de colonização promovidos pelo Estado. Tinha como objetivo colonizar as regiões do

Araguaia e Xingu, povoados por nações indígenas várias (...) que por meio da guerra impediam a entrada de

brancos em seu território. A expedição Roncador-Xingu, comandada pelos irmãos Villas-Boas, em 40, foi a

vanguarda da Fundação Brasil Central e responsável pelo contato com alguns grupos xinguanos,

promovendo a extinção, quase que imediata, de pelo menos uma nação (Nararute) e diminuição

populacional em outras, devido à epidemia de gripe e sarampo. (SILVA, 1987, p. 26 apud CASTRO &

GALETTI, 1994, p. 74)

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governos estaduais e a elite empresarial passaram a reivindicar para si o controle do processo

de distribuição das terras com o objetivo de colonização. Com efeito, a partir da década de 50,

o governo estadual passa a incentivar uma corrida de empresas privadas na busca de terras

para colonização que, em sua grande maioria serviu tão somente à especulação imobiliária.

Aliado aos interesses empresariais, o governo do estado passa a adotar políticas de

colonização claramente favoráveis à iniciativa privada.

Segundo Castro & Galetti (1994), esta opção pode ser observada pela mudança da Lei

nº 336 de 06/12/1949 - Lei de Terras, na qual se previa a sua concessão às pessoas que

desejassem trabalhar como agricultores. Tal lei determinava que os tamanhos dos lotes não

poderiam exceder 50 hectares e somente dar-se-ia o título de propriedade após três anos de

trabalho efetivo na terra. A nova Lei instituída pelo Governo do Estado (Lei nº 461) delega a

terceiros idôneos (leia-se empresas privadas de colonização) a tarefa de colonizar as áreas

devolutas do estado. (p. 77). Com isso delegou-se aos interesses dos grandes grupos de

colonização o controle das terras de Mato Grosso.

É interessante notar que a forma de atuação do Estado em Mato Grosso, nesse mesmo

período em que se dá o desenvolvimento industrial acelerado, segue uma lógica de

convivência entre modelo urbano-industrial característico das regiões centrais (sul/sudeste) e

agroexportador que acontece na periferia do sistema. Esta questão pode ser analisada à luz do

que nos diz Oliveira (1975) para quem a contradição aparente entre modernidade e o atraso

não se constituiria numa dualidade antagônica, mas na resultante das necessidades da

expansão capitalista no país.

O processo de modernização do Brasil, que marca a passagem de uma economia

agroexportadora para uma predominância urbano-industrial, exige a intervenção do Estado

para criar uma nova lógica de acumulação. É neste momento que o Estado brasileiro amplia

suas funções e se fortalece para a tarefa que deveria desenvolver.

Numa economia precária, sem lastro para acumulação capitalista, o Estado agiu como

catalisador das necessidades do modelo urbano-industrial de acumulação, permitindo a

entrada do país na modernidade capitalista.

A ação do Estado, segundo o autor, se deu através de investimentos em infraestrutura;

no confisco de lucros do café, equalizando ganhos em favor da indústria, regulando os

salários e expandindo as fronteiras agrícolas, através da construção das rodovias que ligavam

o sudeste ao centro-oeste, norte e nordeste. Dentre as muitas intervenções estatais no

desenvolvimento da economia capitalista está a regulação dos salários nas cidades, pois

nivelou todas as categorias a um patamar que não permitia diferenciação das categorias mais

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qualificadas e estabilizou preços da mercadoria trabalho num médio e longo prazo, o que

permitiu maior exploração da mais-valia. De outro lado, a exclusão dos trabalhadores rurais

dessa regulação permitiu que a acumulação primitiva se perpetuasse no campo, de modo que

também gerasse uma oferta constante de novos contingentes de mão-de-obra barata nas

cidades.

Portanto, a aparente dicotomia traça, de fato, um movimento de complementaridade:

Esta é a natureza da conciliação existente entre o crescimento industrial e o

crescimento agrícola: se é verdade que a criação do ―novo mercado urbano-

industrial‖ exigiu um tratamento discriminatório e até confiscatório sobre a

agricultura, de outro lado é também verdade que isso foi compensado, até certo

ponto, pelo fato de que esse crescimento industrial permitiu às atividades

agropecuárias manterem seu padrão primitivo, baseado numa alta taxa de exploração

da força de trabalho. Ainda mais, é somente a partir da constituição de uma força de

trabalho urbana operária que passou a existir também um operariado rural em maior

escala, o que, do ponto de vista das culturas comerciais de mercado interno e

externo, significou, sem nenhuma dúvida, reforço à acumulação (OLIVEIRA, 1975,

p. 45-46).

A manutenção de padrões primitivos na agricultura, em face da modernização da

economia, ocorreu como processo de interação, de interdependência e complementaridade: a

exploração da mão-de-obra, a abundância das terras e o baixo custo da produção do capital no

campo foram fatores decisivos para a acumulação do período urbano-industrial e é neste

contexto que o desenvolvimento de Mato Grosso deve ser entendido.

É evidente o papel que regiões como a Amazônia e, especificamente o Estado de Mato

Grosso, tiveram (e ainda têm) no processo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro. A

manutenção de um status de ―celeiro do mundo‖ condiciona o desenvolvimento econômico

baseado principalmente nas atividades de exploração da terra, onde a tecnologia se apresenta

como forma de aumento de produtividade dessa que é o seu maior valor disponível (terras

fartas). É, principalmente, para o controle dessa riqueza que o Estado irá atuar na região.

Durante os anos de 1951-55 foram contratadas pelo governo do Estado de Mato

Grosso, mais de 20 empresas de colonização, tendo a maioria fracassada nos seus objetivos.

Mais recentemente, um relatório do FORMAD - Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e

Desenvolvimento, levantou a problemática fundiária do Estado e aponta o problema da

colonização privada:

[...] O INTERMAT26

, junto com a Procuradoria do Estado, deve revisar todos os

contratos firmados com as colonizadoras particulares no Estado de Mato Grosso.

26

Instituto de Terras de Mato Grosso, autarquia ligada à Administração Direta do Estado.

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89

Muitas receberam terras para realizar projetos de assentamento, mas acabaram

vendendo grandes latifúndios para grupos econômicos, em total afronta à legislação

que rege o assunto. Claro exemplo é o da COLNIZA, que recebeu 1 milhão de

hectares, utilizou pequena parte para assentamento de colonos e ainda detém imenso

latifúndio. Muitas colonizadoras ainda detêm terras como sua propriedade particular,

ao invés de destiná-las conforme a legislação determina (1997, p. 19).

Se a década de 30 significou um marco na definição do propósito de ocupação de

Mato Grosso, a década de 50 foi o período de gestão dos projetos e condições necessárias ao

plano de ocupação, a partir de relações de clara promiscuidade entre os interesses públicos e

privados. A acumulação patrocinada pelo Estado foi claramente predatória e contra os

interesses da população. A apropriação privada do Estado é traço da história regional, desde

sua ocupação onde o papel do Estado se fez quase que exclusivamente a serviço do latifúndio.

Sobre esta questão trataremos na seção posterior.

Em 1953, foi criada no âmbito da União a Superintendência para o Plano de

Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA), sob a perspectiva de erradicar as

desigualdades regionais. A SPVEA tinha como objetivos principais a inserção de Mato

Grosso na economia nacional, de forma a oferecer produtos primários e alimentares,

substituição do extrativismo por atividades agrícolas, industriais, exportação de matérias-

primas regionais, estimular a criação e movimentação de riquezas através do sistema de

créditos e transportes adequados [...] (CASTRO e GALETTI apud OLIVEIRA, 1983, p. 65).

Como se mostra, esse período da história reflete um momento importante do desenvolvimento

nacional, especialmente no que concerne às políticas de integração regional e Mato Grosso

torna-se um ator privilegiado nesse cenário por se localizar na região Centro-Oeste e fazer

parte da Amazônia, duas regiões para onde convergiu a maior parte das políticas (e

investimentos) de expansão das fronteiras agrícolas do país.

O modelo de desenvolvimento em curso, nesse período, aprofunda-se

consideravelmente no final dos anos 50 e início dos anos 60 materializado no Plano de Metas

do Governo de Juscelino Kubitschek, que previa um crescimento acelerado e a interiorização

e modernização do desenvolvimento econômico como forma de superar as disparidades

regionais, com ampla participação do capital estrangeiro. Esta política, entretanto, em nada

alterava o papel das regiões periféricas no sentido de continuarem a ser provedoras de

matéria-prima às demandas dos centros dinâmicos da economia nacional, notadamente São

Paulo. Mas é a partir dos anos 60 que a ocupação do território mato-grossense se tornará mais

intensa, mudando sua estrutura econômico-social, se estendendo por toda a década de 70.

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Os anos que se seguiram ao início da década de 60 revelaram a força de um projeto de

ocupação e expansão da fronteira agrícola, projeto acalentado pelas elites regionais e que

segue ao longo do regime militar. A partir daí, os investimentos para construir as bases para

ocupação das regiões mais distantes e repletas de possibilidades econômicas, passam a ser

materializados com a construção de Brasília e da Rodovia Belém-Brasília. A década de 60

trouxe os anos de realização do antigo sonho das elites mato-grossenses: a ocupação e

exploração econômica efetiva das terras ―selvagens e incultas‖ de Mato Grosso. Como

resultado desse processo, a população do antigo estado de Mato Grosso teve um incremento

significativo. Segundo dados do IBGE, entre 1950 e 1960, este incremento foi de 74%, mais

da metade do que se verificou para o conjunto do país (36,62%). (CASTRO e GALETTI,

1994, p. 81).

Entretanto, a maior parte desse contingente populacional localizava-se na porção que

hoje pertence a Mato Grosso do Sul, Mato Grosso continuava a ser um grande vazio

demográfico, concentrando seu contingente populacional em torno de 03 pólos: Cuiabá -

45%, Rondonópolis - 12% e Barra do Garças - 16%, os outros 23% divididos entre as demais

regiões do Estado. (CASTRO E GALETTI, 1994).

A Amazônia, vista como uma incomensurável riqueza de terras e recursos naturais

torna-se o alvo constante de políticas que visavam não somente à ocupação, como também a

modernização e o aumento da produtividade das atividades econômicas. Nesse sentido, Mato

Grosso desempenhou um papel estratégico no processo de colonização e integração

econômica da região amazônica e Centro-Oeste. Situado na região central do Brasil, no

entorno da Amazônia, com terras ao norte pertencentes ao bioma amazônico, passa a se

beneficiar de muitas das políticas governamentais de ocupação da região.

Em 1966, foi criada a Operação Amazônia, com objetivo de ocupar e, definitivamente

tornar ―produtiva‖ a região – essa operação deu origem à Superintendência de

Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), em substituição a SPVEA. Foi criado, também

nesse período, o Banco de Crédito da Amazônia, posteriormente transformado em Banco da

Amazônia, além de estabelecimentos de incentivos fiscais para investimentos na região.

Em 1970 foi instituído o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). A pretensão era

a transferência de contingentes excedentes de população do Nordeste para a Amazônia, a

partir da construção das rodovias Transamazônica e Cuiabá-Santarém, para promover o

assentamento, ao longo dessas rodovias, das levas de agricultores migrantes. É nesse período

e a partir desse projeto que é criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma e Agrária

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(INCRA), órgão de atuação do Estado nos negócios envolvendo o uso e a propriedade da

terra.

Em 1971, foi criado o Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste

(PRODOESTE), com o objetivo de garantir o término de vias rodoviárias de integração da

região com os grandes centros – BR 70, BR 163, BR 262, BR 364, BR 376 e BR 463. A

política de abertura dessas vias de acesso e integração regional foi definitiva para a ocupação

acelerada da região.

Com as condições de acesso e integração regional garantidas, em 1974 foi instituído o

II Programa de Integração Nacional (PIN), mudando o enfoque da ocupação das fronteiras,

centrando esforços no fortalecimento de setores econômicos capazes de engrossar a pauta das

exportações nacionais.

As perspectivas do II PIN não deixam dúvidas quanto ao novo perfil pretendido com a

política de ocupação da Amazônia, que no programa anterior destinava-se a pequenos

produtores vindos de áreas de maior tensão social. Nesse segundo programa a opção clara é

pelos investimentos do grande capital, através de incentivos aos grandes empreendimentos

agropecuários e minerais e à colonização privada.

A nova política governamental, apesar de não mudar substancialmente os rumos

tomados desde a década de 30, propõe um desenvolvimento regional a partir de pólos de

desenvolvimento, criando frentes de expansão agropecuária e mineral. Para tanto, foram

lançados, a partir de 1974, vários programas com o objetivo de fortalecer o desenvolvimento

agroindustrial e de se constituírem em pólos de desenvolvimento capazes, ao mesmo tempo,

de responder à dinâmica da região Sudeste do país.

Em Mato Grosso, tais programas acabaram por atingir os 03 tipos de ecorregiões

existentes no Estado: cerrado, pantanal e floresta amazônica. Tais programas dividiam-se em

diferentes frentes de atuação, de acordo com as diferentes características ambientais

prevalecentes: em 1974 foi criado o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da

Amazônia (POLOAMAZÔNIA), no mesmo ano também foi criado o Programa de

Desenvolvimento do Pantanal (PRODEPAN) e, em 1975, o Programa de Desenvolvimento

dos Cerrados (POLOCENTRO).

Coordenado pela SUDAM e SUDECO, o POLOAMAZÔNIA propôs a criação de

15 pólos de desenvolvimento na Amazônia Legal, dentre os quais 03 localizavam-se

em Mato Grosso: Pólo Aripuanã, Pólo Xingu - Araguaia e Pólo Juruena, atingindo

uma área praticamente intocada do ponto de vista de sua cobertura vegetal, e na qual

viviam vários grupos indígenas (Apiaká, Kayabi, Nambikwara, Suruí, Zoró, Cinta

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Larga, entre outros), alguns sem qualquer contato com a civilização (CASTRO e

GALETTI, 1994, p. 101).

Dos incentivos fiscais concedidos pela SUDAM, Mato Grosso foi um dos maiores

beneficiários, perdendo apenas para o Pará. Entre 1970 e 80 foram implantados 87 projetos

envolvendo 33 empresas, o que representou 90% dos projetos particulares de colonização

implantados na Amazônia. No mesmo período foram implantados apenas 14 projetos oficiais

no estado. Estes dados revelam o caráter ostensivo das políticas de ocupação da Amazônia e,

em especial de Mato Grosso, e o seu caráter privatista. Em pouco tempo (cerca de 3 décadas)

mudanças importantes são implementadas em Mato Grosso, alterando radicalmente seu perfil

de ocupação. Estas mudanças, contudo, não alteraram a posição do estado quanto ao seu papel

na economia nacional, qual seja o de suprir de matérias-primas os centros dinâmicos da

economia, tanto nacional quanto internacional. Por outro lado, as políticas de ocupação do

estado e da região, demonstram a simbiose de interesses privados determinando a ação do

poder público, os resultados são bastante conhecidos e ainda estão presentes na realidade do

estado como problemas a serem enfrentados pelo poder público: grilagem de terras,

especulação imobiliária, devastação ambiental, destruição de etnias indígenas, desigualdades

sociais gritantes.

Não obstante, o projeto de ocupação da porção central do Brasil foi plenamente

exitoso. Dados do IBGE27

comprovam o vertiginoso crescimento populacional em Mato

Grosso: Em 1920 a população era de 246.612 habitantes, em 1960 passou a 889.539 e, inicia a

década de 90 com 2.027.231. Em 2007 são 2.854.456 habitantes.

O modelo da grande propriedade levou a grave exclusão social, ao empobrecimento de

parcelas significativas da população (das populações tradicionais e das levas de migrantes que

para o estado vieram). O latifúndio transformou as relações de trabalho no campo,

convertendo os trabalhadores rurais em assalariados da grande produção.

A questão fundiária é um dos graves problemas do Estado devido à grande

concentração de terras. O censo de 1985 revelou que 70% do número total de

estabelecimentos (aqueles com menos de 100 ha) representavam apenas 3% da terra, enquanto

7% do número total de estabelecimentos (formados pelos maiores com mais de 1.000 ha)

dominavam 83% das terras do estado. A perversidade que esses números revelam produz

outros, como os registros cadastrais de 1987 que indicavam a existência de 50.500

trabalhadores sem terra em Mato Grosso.

27

Governo do Estado de Mato Grosso. Secretaria de Estado de Planejamento e Coordenação Geral. Anuário

Estatístico 2007. Cuiabá-MT. População e Domicílio, p. 69.

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No findar do século XX, portanto, os dados fundiários de Mato Grosso continuam

sendo o retrato do modelo de desenvolvimento que priorizou o grande capital e a especulação

imobiliária em detrimento da pequena produção, da agricultura familiar, promovendo ao

longo da história, dramáticas desigualdades. A tabela abaixo revela esta realidade,

confrontando-se os resultados dos censos agropecuários de 1980, 1985 e 1996 quanto ao tipo

e tamanho das propriedades rurais:

Quadro 13 – Estabelecimentos Rurais em MT. Grupo de Áreas por ha.

Grupos de Área Total

(ha)

1980 1988 1996

Estabelecimentos Área

(ha)

Estabelecimentos Área

(ha)

Estabelecimentos Área

(ha)

Menos de 10 23.902 108.338 25.705 113.736 9.801 46.163

10 a menos de 100 21.633 791.354 29.368 1.099.280 37.076 1.588.678

100 a menos de 1.000 13.273 4.058.746 17.280 5.033.007 23.861 7.237.076

1000 a menos de 10.000 3.867

11.703.546

4.916 14.148.826 7.243 20.328.694

10.000 e mais 643 17.892.557 645 17.440.796 767 20.639.019

Se m declaração 65 - 7 - 14 -

Fonte: Anuário Estatístico MT 2007.

Moreno (s/d) afirma que o modelo de desenvolvimento regional adotado no Brasil tem suas

raízes em teorias que propugnavam o equilíbrio como pressuposto do desenvolvimento e as

desigualdades regionais como questões residuais e circunstanciais, devendo ao seu tempo serem

adequadamente tratadas pelo Poder Público. Por outro lado, o desenvolvimento regional se

circunscrevia à idéia de criação de pólos de desenvolvimento econômico, constituídos a partir de

centros dinâmicos da economia, cuja tarefa seria a organização das demais regiões em torno de suas

demandas. Nesse caso concebia-se o desenvolvimento regional como algo em que se estabelecia uma

relação de dependência e de complementaridade com os grandes centros econômicos (nacional e

internacional). Assim, o centro irradiaria as condições necessárias para o desenvolvimento de novas

regiões, que por sua vez poderiam se tornar novos centros, efetivando, assim, um processo

multiplicador de dinamização econômica. As diferenças regionais causadas por esse modelo teórico

eram resolvidas mediante a perspectiva de que as desigualdades seriam dirimidas na medida em que os

centros dinâmicos tivessem atingido os limites de seus mercados e houvesse a necessidade de expandi-

los em direção à periferia. Nesse momento os interesses do centro e da periferia passariam a comungar

dos mesmos objetivos.

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Assim, a via do desenvolvimento brasileiro considerou a questão das desigualdades regionais

de forma genérica, devendo ser tratadas a partir de proposições de ―interiorização‖ do

desenvolvimento nacional, ou de projetos setoriais específicos para determinadas áreas que, segundo a

ótica das elites políticas, fossem importantes na dinamização econômica nacional. Foi dessa forma que

se estruturaram os projetos de desenvolvimento regional e que Mato Grosso se inseriu definitivamente

no cenário econômico nacional e internacional.

Mato Grosso torna-se o ―celeiro do mundo‖, uma reprodução intranacional do papel atribuído

internacionalmente aos países periféricos: de provedores de matéria-prima e de alimentos para os

centros dinâmicos desenvolvidos. Dados atuais demonstram a permanência dessa perspectiva de

desenvolvimento, de onde se define a ―vocação‖ das regiões periféricas:

Quadro 14 - Participação dos Setores de Atividades e do Valor Adicionado em Relação ao

Brasil, Segundo Unidades Selecionadas da Federação - 2005-2006

UF Agropecuária Indústria Serviços

2005 2006 2005 2006 2005 2006

São Paulo 10,71 12,78 35,97 34,76 33,95 33,14

Minas

Gerais

14,80 14,12 10,07 10,21 8,13 8,38

Paraná 8,91 8,87 6,20 5,94 1,70 1,71

Rio Grande

do Sul

8,33 11,30 6,95 6,52 6,47 6,34

Bahia 6,40 5,84 4,67 4,32 3,87 3,79

Pernambuco 2,09 5,84 4,67 4,32 2,61 2,61

Pará 3,00 3,29 2,17 2,27 1,70 1,71

Rondônia 2,23 2,02 1,76 1,76 0,63 0,57

Goiás 5,68 4,65 2,16 2,28 2,27 2,38

Mato Grosso 10,22 7,04 1,16 0,96 1,37 1,31

Fonte: IBGE/Contas Nacionais n. 26. Produto Interno Bruto dos Municípios – 2003-2006.

O quadro acima não diz respeito somente à condição do Estado de Mato Grosso no

cenário econômico nacional, ele também indica o que já foi afirmado anteriormente: a

desigualdade no processo de desenvolvimento do capitalismo moderno no Brasil que,

corroborando a visão de Oliveira (1975), combina tanto atraso quanto modernidade como

complementaridade de um mesmo processo. Mato Grosso ainda é o Brasil agrário, o Brasil

agroexportador, ainda que as novas roupagens do agrobusiness possam trazer ventos de

modernidade de um capitalismo que adéqua princípios de modernidade industrial à antiga e

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ANO BÁSICO INDUSTRIALIZADO

(A+B)

SEMIFATURADO

(A)

MANUFATURADO

(B)

TO TAL

1998 522.848 129.694 67.884 61.810 652.661

1999 559.608 181.439 104.722 76.717 741.095

2000 871.037 160.879 93.518 67.361 1.033.354

2001 1.222.929 172.626 95.202 77.424 1.395.758

2002 1.535.710 259.594 171.223 88.371 1.795.792

2003 1.817.346 368.812 264.925 103.887 2.186.158

2004 2.561.596 540.291 381.800 158.491 3.101.887

2005 3.477.761 673.850 495.164 178.686 4.151.611

2006 3.710.325 623.141 367.362 255.779 4.333.468

2007 5.130.866 18,4 753.277 85,3 5.130.866

obsoleta atividade agropecuária. O quadro da produção e os fins a que se destina (exportação)

confirma a ―vocação‖ regional, plenamente funcional e integrada ao sistema do Capital.

Quadro 15 – Série Histórica das Exportações, Totais por Fator Agregado, US$ 1.000 FOB,

em MT/1998-2007

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - SECEX. DECEX / GEREST, apud

Anuário Estatístico de MT, 2007, Exportação e Importação, pg. 591.

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B locos de Destino US$ FOB Participação %

Total 5.130.866.500 100

UNIÃO EUROPÉIA - UE 2.533.689.524 49,38

ÁSIA (EXCLUSIVE

ORIENTE MÉDIO)

1.448.957.900 28,24

EUROPA ORIENTAL 311.735.393 6,08

ORIENTE MÉDIO 232.071.281 4,52

ALADI (EXCLUSIVE

MERCOSUL)

151.250.870

2,95

DEMAIS B LOCOS 453.161.432 8,83

Quadro 16 – Exportações por Blocos Econômicos de Destino, MT/2006

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – SECEX.DECEX/GEREST,

apud Anuário Estatístico de MT, 2007, Exportação e Importação, p. 594.

O modo como se deu a formação de Mato Grosso tem repercussões e repercute na

natureza e forma de atuação do Estado em âmbito regional, Estado que tem por função

precípua a organização do mercado de capitais e o controle de sua distribuição.

Paolo Nossela (1998) destaca que o clima cultural que marca a atividade extrativista

(no modelo agroexportador) é contrário às exigências do espírito industrial. Enquanto no

extrativismo a inteligência e a criatividade são exigidas minimamente, pois, os recursos fartos

são oferecidos pela natureza (terras férteis, ouro, borracha, etc.), sendo necessário pouco

esforço para explorá-los; na fase industrial as mercadorias estão, em primeiro lugar, na

cabeça do homem na criatividade, na inteligência formada, logo, nas boas escolas. (p. 168).

Com efeito, apesar de o modelo agroexportador ter sido substituído oficialmente a partir dos

anos 30 pelo urbano-industrial, o antigo não foi abolido, convivendo regiões cujo motor da

economia é a indústria, com outras mantidas pela agroexportação. Este último é o caso de

Mato Grosso que continuou a ter como centro de sua atividade produtiva a agropecuária que

modernizou se e adquiriu status de empresa capitalista, mas sem perder de vista sua função de

oferecer, principalmente, produtos primários à exportação.

As exigências de cada modelo de desenvolvimento (urbano-industrial x

agroexportador), também incidem sobre a organização do campo institucional, ou seja, do

próprio Estado. O Estado enquanto campo de mediação social, não neutro, se desenvolve em

Mato Grosso atendendo a demandas de um tipo de interesses que mobiliza pouco as forças

sociais, restringe a apropriação do capital econômico e do capital cultural.

Portanto, essas diferenças entre as regiões do país estão presentes noutros aspectos da

vida social e institucional. No campo educacional é visível a desigualdade e, no presente,

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resulta de um processo de diferenciação baseado na especialização da produção regional.

Exemplo dessa diferenciação que reflete a acumulação de capitais não somente entre grupos

sociais, mas, entre as regiões é a Avaliação de Cursos do Ministério da Educação, que tem

como indicador o IGC – Índice Geral de Cursos28

. Das dez universidades consideradas

melhores do Brasil, quase todas são federais (a exceção da PUC/RIO), todas situadas nas

regiões sul/sudeste. Mas, antes que entremos especificamente nesta questão educacional em

âmbito regional, façamos uma análise sobre o campo político e a constituição do Estado,

aprofundando a análise do desenvolvimento regional e sua face política. São elementos que

nos ajudam a compreender as dificuldades próprias desse estado subnacional no

desenvolvimento de políticas públicas articuladas no campo educacional, assunto para os

próximos capítulos. Por hora atentemos para a política.

2. O Estado e a Política em Mato Grosso

2.1. Tipologia do Estado

Para analisar a política em Mato Grosso, especialmente considerando seu processo

histórico na constituição desse campo, é necessário recorrer à tipologia weberiana de

exercício de poder e do recurso de tipificação ideal de Estado e seu aparato administrativo (a

Burocracia). Tal incursão é necessária, pois, de outro modo não se poderia compreender o

traço constante do Estado e da Política regional, marcados, como vimos, pelo entrelaçamento

simbiótico de interesse públicos e privados. Desse modo, conceitos como patrimonialismo,

clientelismo, coronelismo, são importantes referências para compreensão de uma realidade

recheada de contradições e de continuas renovações do conservadorismo que determina as

mudanças históricas da região.

Para Schwartzman (1988), na perspectiva weberiana, a burocracia (pela qual se

promove a dominação racional-legal) é a expressão estatal que surge quando há uma

diminuição das desigualdades econômicas e sociais. A burocracia, portanto, seria intrínseca à

democracia de massas moderna. Ela é resultado da ―regularidade abstrata do exercício da

autoridade‖ exigida pela demanda por igualdade, pela rejeição ao privilégio e às decisões

casuísticas. Citando Bendix, assinala que o patrimonialismo se choca contra a dominação

28 O Índice Geral de Cursos (IGC) é a média ponderada das notas dos cursos de graduação e pós - graduação

auferida em cada instituição. Sua divulgação acontece anualmente pelo INEP/MEC após divulgação anual do

ENADE. Informações disponíveis no site do Ministério da Educação: www.mec.gov.br

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racional-legal porque aquele promove a justiça substantiva baseada no favoritismo pessoal

enquanto este se limita a um contrato de restrição e ordenamento do exercício do poder. A

dominação-racional-legal é ―filha‖, segundo o autor, do patrimonialismo com a burguesia

emergente na Europa Ocidental. Esse ―casamento‖ teria se dado, dentre outras razões, para

refrear as pretensões por maior poder de vassalos e funcionários graduados. Um modelo de

dominação que se mostrou mais adequado ao desenvolvimento do capitalismo, tendo em vista

seu caráter de ampliação das bases econômicas e de elevação de status de novos segmentos

sociais que, por conseqüência, significou a ampliação e diversificação na composição do

campo político.

É a existência de um contrato entre as partes que fundamenta a dominação racional-

legal cujas leis e normas definem objetivamente o que pode, deve, ou não, o governante,

limitando assim o seu poder arbitrário e os privilégios dele decorrentes. Tomado desse modo,

só é possível pensar num contrato entre as partes quando, de fato, as condições de classes

(econômicas) e o status social permitem a diversificação dos grupos em disputa pelo poder,

exigindo assim um acordo pela enunciação de regras.

A racionalidade formal se opõe à racionalidade substantiva, tanto quanto se opõe ao

patrimonialismo antigo, onde o poder era exercido sem regras explícitas e a margem para

discricionariedade do governante era total. A racionalidade substantiva tende a maximizar

objetivos que não se submetem às regras ou normas legais. Essa racionalidade é típica,

segundo Weber, de sociedades em que massas despossuídas são politicamente ativas e

mobilizáveis, afetando a opinião pública, podendo levar à ruptura do consenso entre grupos

políticos sobre os limites de sua ação. Outro fator que determina a racionalidade substantiva é

o que Weber denomina de ―Razões de Estado‖, avocadas pelo detentor do poder a partir de

sua própria compreensão a respeito do que sejam tais razões. Esses dois elementos (massas

despossuídas e ativas e Razões de Estado) constituem a base dos modelos de estados

patrimoniais burocráticos modernos. O fascismo29

é a expressão máxima dessa combinação

que reúne num mesmo contexto poder irrestrito e massas despossuídas mobilizadas

politicamente.

Para o autor, seguindo a racionalidade weberiana, a dominação racional-legal pode se

degenerar para o totalitarismo burocrático, subsistindo somente o conteúdo racional sem o

29

Julien Freund (2003), alerta para os equívocos históricos cometidos contra a teoria dos tipos de domínio

de Max Weber, em especial a do Poder Carismático e o aparecimento do Nazismo na Alemanha: A teoria do

domínio carismático deu margem por vezes a mal-entendidos, porque se quis ver nele uma prefiguração do

regime nazista. Alguns tentaram mesmo fazer de Weber um precursor de Hitler, quando na realidade ele se

mantivera estritamente dentro da análise sociológica e de tipo análise sociológica e de tipo ideal de uma

forma de domínio que existiu em todos os tempos.

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conteúdo legal da burocracia. Este parece ser o caso dos sistemas políticos patrimonialistas

contemporâneos ou neopatrimonialismo, onde a racionalidade é exclusivamente técnica. O

contrato social ou legalidade é mínimo ou inexistente.

É sobre um tipo de Estado neopatrimonialista que se pode aludir à constituição do

Estado em Mato Grosso e, a despeito das transformações que se sucederam ao longo do

processo de sua ocupação, formação e diversificação das classes sociais, o patrimonialismo se

renova como um traço marcante que informa a cultura política local e o habitus dos agentes

públicos. A consolidação da base econômica e as mudanças no campo político se verificarão

na trajetória das classes dominantes e elites dirigentes de Mato Grosso. Um tipo de

neopatrimonialismo persistente, onde as bases do autoritarismo estão desde sempre presentes

na constituição do Estado e de seu aparato.

2.2. Entre leões e raposas: constituição do campo político e do Estado em Mato Grosso

Apesar do aparente isolamento de Mato Grosso em relação ao conjunto da Federação

e, em especial, dos grandes centros urbanos do país, o que ocorreu durante todo o processo

histórico de constituição dessa região foi o cumprimento de um papel fundamental à

conformação não somente do território. Do ponto de vista da conformação política, produziu

elites tal qual o ―modelo‖ que se produziu no Brasil, assimilando o padrão patrimolialista30

dessas elites por ser parte integrante dela. O controle do Estado é o foco das disputas dessas

elites, que se constituíram em classe dominante e dirigente.

O processo de constituição do Estado Moderno em Mato Grosso tem trajetória similar

àquela que se verificou no país, analisado por Florestan Fernandes (1978) em Revolução

Burguesa no Brasil, onde as mudanças que consolidaram o aparato institucional se deram em

função de acordos entre as próprias elites. Em razão de ter sido região estratégica para os

domínios da Coroa Portuguesa e, do latifúndio ter sido um instrumento dessa política militar,

todo o processo da constituição do campo político nesse estado estará circundado por essa

forma originária que marcou a apropriação do poder. Os agentes ligados ao domínio da terra

serão uma constante na constituição e domínio do poder no campo político. O primeiro

personagem que surge na política do estado é do grande proprietário de terras. Enquanto no

resto do mundo o capitalismo se consolidava como sistema baseado no binômio urbano-

30 Schwartzman (1982) afirma que os estados modernos que foram formados à margem da revolução

burguesa podem ser considerados patrimoniais. O patrimonialismo não é somente a permanência de

estruturas tradicionais que engendram as sociedades contemporâneas. É uma forma de dominação política, a

partir do controle do Estado.

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industrial, no Brasil se desenvolvia um modelo que combinava a modernidade do capitalismo

industrial e o tradicional modelo agroexportador. Mato Grosso é, sem dúvida, um bom caso

para discutir as premissas desse modelo que, sem destoar do rumo geral da acumulação

capitalista, cumpria (e cumpre) seu papel tanto no aspecto da política quanto da produção e

reprodução econômica.

Tomando os estudos de Neves (1988), sobre elites políticas em Mato Grosso, podemos

encontrar momentos distintos na conformação do poder e do campo político nessa região.

Entre o Império (1822 a 1889) e a Proclamação da República (1889), consolidou-se o regime

dos coronéis, grandes proprietários de terras, donos de usinas de cana-de-açúcar,

controladores tanto da produção quanto do comércio. Esse período que se estende até 1906 é

denominado de período do ―coronelismo selvagem‖. Tratou-se do processo de consolidação

das oligarquias regionais, marcado pela violência patrocinada pelo braço armado do

coronelismo. A violência perpetrada por esses agentes volta-se tanto ao enfrentamento e

combate aos adversários, revestidos de poder formal/estatal e aos aparatos físicos do poder

institucional,31

quanto ao enfrento armado entre grupos adversários fora do Estado. Esse

primeiro período de arranjo das elites mato-grossenses vai até 1906, culminando com a morte

de um dos maiores líderes políticos da região, o Coronel Antônio Paes de Barros, o Totó Paes,

dono da maior e mais moderna usina açucareira, localizada às margens do Rio Cuiabá numa

região denominada ―Rio Abaixo‖. Totó Paes, eleito presidente do Estado, foi deposto e morto

por grupos armados vindos de várias partes do estado, liderados por seus adversários políticos

(antigos aliados). O mais poderoso e violento dos coronéis de então é morto, abrindo caminho

para nova composição política entre os grupos de poder.

A política em Mato Grosso impõe a descontinuidade institucional, em razão das

intensas e violentas disputas entre grupos oligárquicos, tanto assim que, após 40 anos de

República, o Presidente de Estado, Costa Marques, é o primeiro presidente de Mato Grosso a

cumprir integralmente um mandato.

É no governo do usineiro Costa Marques (1911-1915) que se inicia nova contenda

oligárquica que significou novo arranjo político entre as elites. A questão que deu origem à

contenda foi a prorrogação do arrendamento das terras ao sul, de exploração da poderosa

empresa Mate Laranjeira.32

Esta pretendia ter prorrogado o arrendamento até 1930. Mas, em

31

A literatura sobre a História de Mato Grosso registra várias ocasiões em que a Capital e os aparatos

institucionais foram sitiados por grupos armados pertencentes aos coronéis. 32

Como mencionado anteriormente, a empresa Mate Laranjeira foi o principal empreendimento econômico do

período da primeira República em Mato Grosso, seu orçamento era 6 vezes maior que o orçamento do Estado

de Mato Grosso, portanto, o poder de interferência dessa empresa nas instituições e agentes públicos era

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1916, já sob o governo do General Caetano de Albuquerque, a Assembléia Legislativa reduz

sensivelmente a área de arrendamento à Mate Laranjeira, acabando com o monopólio da

empresa e beneficiando pequenos posseiros do sul do estado.

Pedido o impeachment do Presidente do Estado, novas lutas armadas são travadas com

sitiamento da capital Cuiabá por grupos paramilitares. A contenda só termina com acordo

entre os grupos oligárquicos, acordo protagonizado pelo governo federal, no qual renunciam

tanto o chefe do executivo quanto do legislativo, assumindo o governo o Bispo Dom Aquino

Correa que fica no poder até 1921.

As classes dominantes nascem da atividade agrícola baseada na cana-de-açúcar e do

controle do comércio local, já que durante todo o período colonial a região produzia apenas

para o autosustento e os produtos de exportação eram basicamente, resultado de atividades

extrativistas em razão das restrições comerciais da Coroa Portuguesa. A agricultura de

autosustento foi a base econômica que produziu a figura do usineiro no século XIX a partir do

declínio da mineração. Esses agentes passam a compor o ápice da pirâmide social. Mas é

somente a partir da República que o Mato Grosso terá o que seria equivalente à sua

―revolução burguesa‖. Com o controle tanto da produção quanto do comércio os usineiros se

constituem na representação máxima das classes dominantes e se convertem também em

classe dirigente desde a República até meados do século XX, durante todo o período a

República dos Coronéis, conseguiram produzir um sistema de dominação bastante eficaz.

A crise econômica dos anos 20, aliada às influências do movimento Tenentista (1922-

1924) e a Coluna Prestes (1925-1927), são os elementos que compõe a eclosão do movimento

em Cuiabá que reunia o funcionalismo público (com atrasos de salários de 8 meses),

lideranças militares e civis, urbanas e açucareiras. O plano era a deposição do Governador

Estevão Alves Correa, que completava o mandato do Senador Pedro Celestino. O movimento

foi traído e suas lideranças presas.

A despeito das mudanças que se operam na constituição dos grupos sociais, é a força

dos coronéis através de seus exércitos irregulares que vai colaborar com o governo para

combater os revoltosos da Coluna Prestes, se juntando ao efetivo militar do Estado. Tal

episódio demonstra de forma inequívoca as relações entre público e privado na base de

formação tanto do Estado Nacional quanto subnacional:

muito forte. Tinha como um de seus sócios figuras importantes da política regional: Os irmãos Manuel

Murtinho e Joaquim Murtinho. O primeiro foi Ministro do Supremo Tribunal Federa l, presidente de Mato

Grosso por duas vezes, compreendendo o período de 1891 a 1895. O segundo Murtinho foi senador por 03

mandatos, chegando a ocupar a vice-presidência do Senado, foi Ministro no Governo de Campos Salles.

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O coronelismo, sobretudo da forma como se expressou na Primeira República, seria

uma forma peculiar da manifestação do poder privado, uma adaptação do antigo e

exorbitante poder privado, na coexistência com um regime político de extensa base

representativa. Alimentado pelo poder público que não podia prescindir do

eleitorado rural (sob domínio dos proprietários de terras), o poder privado estabelece

relações de compromisso com o poder público, numa troca de interesses e proveitos

que vai centralizar nos chefes políticos municipais (os ―coronéis‖ do interior, em

geral possuidores da grande propriedade) o prestígio político que servirá de

fundamento ao sistema coronelista (NEVES, 1988, p. 93).

A entrada de novos agentes na cena política mato-grossense indica um segundo

momento na consolidação das elites, com mudanças no seu perfil, incluindo elementos de

caráter urbano vindos principalmente do sul do estado33

. Sem poder contar com o

desenvolvimento industrial que produzisse uma classe burguesa e um operariado capazes de

promover as tensões necessárias ao desenvolvimento tipicamente capitalista, Mato Grosso

produziu classes sociais do tipo urbano-burocráticas-liberais constituídas por uma classe

média que emergirá a partir dos anos 30.34

No entanto, novos atores em cena não produziram

rupturas com a velha ordem.

A Revolução de 30, resultante dos movimentos dos anos 20, embora tenha trazido

mudanças significativas à política nacional, não significou uma ruptura com as velhas

oligarquias. Não obstante, o fator mais importante é o fortalecimento do Estado como um ator

político, mediador de interesses e protagonista de uma modernização burguesa conservadora.

Esse fortalecimento do Estado está expresso na forma como se deu a ocupação de Mato

Grosso a partir de então, como já referido anteriormente.

O terceiro movimento de consolidação das elites mato-grossense, se efetiva no período

pós-45, com o Estado Novo, quando se dá a consolidação das classes urbanas ligadas à

burocracia estatal, Estado que se consolida como espaço fundamental na luta pelo poder da

nomeação dos cargos públicos, de conquistas de privilégios políticos e econômicos enfim,

destinado ao controle político através da clientela.

Os segmentos rurais ligados à agricultura perdem espaço para os proprietários ligados

à atividade pecuária. A perda de poder militar dos coronéis e o aparecimento de outras

atividades econômicas que vão substituindo as atividades açucareiras, somado ao

protagonismo que o Estado assume a partir dos anos 30 na cena política regional, fazem com 33

Sul que viria se separar do norte apenas em 1979, embora suas pretensões separatistas estivessem dadas de

forma mais clara, desde o início do século XX. 34

É somente no primeiro governo de Vargas, após a Revolução de 30, que os coronéis de Mato Grosso são

desarmados sob determinação do Presidente, uma medida que tem como fundamento a necessidade de

arregimentação do monopólio da violência para o âmbito do Estado. Uma medida fundamental para a

consolidação do Estado na região. É também nesse período que se dá a efetiva libertação dos escravos em

Mato Grosso, cujas usinas de açúcar mantinham, até então, sob regime de escravidão os antigos escravos

libertos.

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que o espaço institucional seja tomado como novo instrumento de poder. É pela conversão da

violência bruta, organizada de fora do aparelho de Estado (mas, com anuência deste) que as

elites encontram formas de sua perpetuação. As novas classes dirigentes passaram a locupletar

dessa função: a de mediação privada no campo estatal, constituindo assim uma rede complexa

de clientelismo que passa a organizar o sistema político local. Portanto, da ―política de leões‖

praticada na Primeira República, passa-se à ―política da raposa‖ onde prepondera astúcia e a

capacidade de re-arranjos de poder, dispensando, em regra, o confronto aberto e violento. No

centro dessa estratégia está o Estado como fonte de legitimação do poder.

De caráter urbano-rural, vinculadas às atividades do comércio e agricultura, as novas

elites são marcadas por uma visão de Estado forjada a partir de uma experiência delimitada,

profundamente, pela cultura oligárquica. O habitus que se baseia num modelo de

desenvolvimento que prescindiu da realização da ―revolução industrial‖, mas, nem por isso, se

viu excluído de seus efeitos e tampouco abriu mão de suas tradições políticas.

Tendo em vista as assimetrias produzidas pelo modo como se desenvolveram as

regiões no Brasil e, em especial, Mato Grosso, é necessário reconhecer as dificuldades de se

generalizar o modo urbano industrial e suas implicações sobre o campo político em nível

subnacional. Numa sociedade tão assimétrica o conceito de campo deve ser compreendido

não como um todo continum ou homogêneo, onde a luta por capitais obedece às regras

próprias do campo. O campo é fluido visto que a valoração dos tipos de capitais é um

processo em aberto. O capital cultural, numa sociedade onde não se cristalizaram as relações

capitalistas tradicionais, tem sua valoração não estabelecida definitivamente e, portanto, este

tipo de capital encontra dificuldades de organizar um ―mercado‖ pelo seu caráter restritivo e

pela fragilidade na constituição de um campo próprio que lhe dê sustentação. Tal condição se

dá em razão do capital econômico ser prevalecente como objeto de distinção social, de tal

modo que restringe a possibilidade de autonomia do campo político e institucional em relação

ao campo econômico.35

Buscar a compreensão das políticas de educação como um campo, numa sociedade

como a mato-grossense, onde as diferenciações entre público e privado não se constituíram

plenamente e onde o Estado está em construção e não se generalizou um modo burocrático,

implica considerar o campo como algo também aberto, em especial o campo institucional,

ainda suscetível à instabilidade das regras próprias desse campo. Para Bourdieu um dos

35

A classe dominante se converte em classe dirigente desde o fim do período colonial. Hoje, apesar de todas

as mudanças nas relações de poder, é sintomático que o governador do estado de Mato Grosso seja o

megaempresário do agrobusiness Blairo Borges Maggi, maior produtor individual de soja do mundo,

cumprindo seu segundo mandato com aprovação política e de opinião pública impressionantes.

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princípios definidores do campo é sua autonomia em relação aos demais campos e a

especificidade que este apresenta em relação à disputa por um determinado tipo de capital que

é o centro desse campo. Ao se referir ao campo científico, Bourdieu nos oferece um bom

exemplo da definição de campo:

Quanto mais um campo é heterônomo,mais a concorrência é imperfeita e é mais

lícito para os agentes fazer intervir forças não-científicas nas lutas científicas. Ao

contrário, quanto mais um campo é autônomo e próximo de uma concorrência pura e

perfeita, mais a censura é puramente científica e exclui a intervenção de forças

puramente sociais (argumento de autoridade, sanções de carreira, etc.) e as pressões

sociais assumem a forma de pressões lógicas, e reciprocamente: para se fazer valer

aí, é preciso fazer valer razões; para aí triunfar, é preciso fazer triunfar argumentos,

demonstrações e refutações (BOURDIEU, 2004, p. 32).

Mato Grosso revela as restrições do campo político num lugar onde o capitalismo

tardio fez-se ainda mais tardio. Embora não apartado do desenvolvimento industrial do país, a

participação do Estado se deu de forma marginal em relação ao centro industrial, produzindo

formas agudas de poder oligarquizado que adquire capacidade elástica para sua recomposição

e permanência no poder. No momento em que o poder público adquire centralidade na

acumulação capitalista, passa a ser ele o objeto principal de disputas sem que haja, contudo,

um projeto de dominação mais amplo que os interesses pontuais e imediatos das oligarquias.36

O Estado se impõe às oligarquias regionais e estas, por sua vez, se impõem a ele, moldando-o

à sua natureza e interesses. Torna-se, assim, uma instituição exógena, outorgada pelo estágio

de desenvolvimento do capitalismo do qual Mato Grosso é tributário, mas não ator principal.

Confirma a visão de Florestan Fernandes sobre o Estado e as elites nacionais, tão bem

representadas em âmbito estadual:

(...) Embora aquelas elites tivessem de adaptar-se às formas de organização do poder

político imposto pela ordem legal, no próprio processo através do qual enfrentavam

36

Segundo FLORESTAN FERNANDES (1975), a consolidação de uma classe dominante e uma elite

nacional, se dá no Brasil a partir da Independência (1822), este teria sido o primeiro passo importante da

revolução b u rguesa brasileira, pois, ampliou os espaços e a capacidade de controle de poder político em

âmbito nacional. Com isso, se criam as condições históricas para o desenvolvimento capitalista brasileiro. A

internalização do centro de poder, a nativização dos círculos sociais de controle do poder trouxe

conseqüências para a política e a economia e, a necessidade de redefinição do papel dessas elites. É desse

modo que a independência coloca um desafio histórico para as elites nativas: A condução do projeto de

Estado Nacional. No caso de Mato Grosso, a constituição das classes dominantes locais tem como marco a

Rusga (1834), movimento de caráter violento, no qual s e inseriam questões nativistas, que visou a expulsão

dos comerciantes portugueses da Capital Cuiabá. O movimento revelou menos uma razão xenofóbica que a

necessidade das classes dominantes de apropriação do poder econômico local, obrigando rearranjos na

estrutura de privilégios no comércio. Dessas elites, entretanto, não foi exigido mais que a defesa de seus

próprios interesses oligárquicos, tendo em vista o papel limitado (ainda que importante) que teve Mato

Grosso no desenvolvimento capitalista brasileiro. Ver: MENDONÇA, Rubens de. História das Revoluções

em Mato Grosso. Goiânia, Ed. Rio Bonito.

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suas funções políticas transformavam o governo em meio de dominação estamental

e reduziam o Estado à condição de cativo da sociedade civil. Em conseqüência, a

ordem legal perdia sua eficácia onde ou quando colidisse com os interesses gerais

dos estamentos senhoriais e na importância para a integração jurídico-político da

sociedade passou a depender do modo elo qual aqueles interesses filtravam ou

correspondiam às formas de poder instituídas legalmente (FERNANDES, 1975, p.

44).

A dificuldade de se constituir um Estado do tipo Legal-Burocrático se deve à forma

como os grupos de poder desenvolveram suas estratégias de construção hegemônica, em

função de uma base econômica restrita devido ao seu baixo desenvolvimento econômico. Tal

situação tornou demasiadamente escasso tanto o capital econômico quanto o político, levando

ao confronto aberto no interior de uma mesma classe. A conseqüência desse sistema de poder

oligarquizado é um tipo de patrimonialismo agudo, com severas repercussões sobre a

capacidade de governança, com baixo desenvolvimento da burocracia, embora com alta

capacidade de governabilidade política.

O legado do processo político em Mato Grosso se manifesta na organização do

federalismo brasileiro que é a forma pela qual a administração legal-burocrática se institui no

país. Apesar de invocar o princípio da colaboração no atual texto constitucional e nas normas

infraconstitucionais, encontra severas restrições, pois o que rege o campo político é a

competição, não a cooperação. A organização de uma burocracia qualificada e competente

poderia ser um contra-ponto à natureza da política regional, entretanto, justamente o tipo de

Estado que se erigiu do processo histórico é aquele se que contrapõe ao burocrático. No que

diz respeito às políticas sociais, em especial às políticas de educação, onde se requer alta

especialização, profissionalização, coordenação e longo prazo, sofrem com os efeitos

deletérios de políticas marcadas pela descontinuidade.

O uso do conceito de campo para análise de uma realidade como a de Mato Grosso,

significa admitir que um referencial analítico nos dá um horizonte para compreensão de uma

dada realidade, mas não pode explicá-la completamente. Considerando o modelo de poder

político que se construiu ao longo da história de Mato Grosso, o campo institucional padece

de autonomia necessária para constituir-se e desenvolver-se como tal. Tratando-se de um tipo

de Estado de forte tendência patrimonialista, o campo político e econômico, tanto quanto o

público e o privado, se fundem de tal forma que se torna difícil autonomia (ainda que relativa)

entre eles. Nesse caso, também o campo institucional sofre as conseqüências, tendo em vista

os efeitos desse modelo sobre a organização da administração pública.

Nesse contexto, a forma como se constituiu a República e o federalismo brasileiro,

converge para o fortalecimento do poder oligárquico. A República, através dos compromissos

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entre o poder central e os poderes locais, assimila a funcionalidade do regime oligárquico à

democracia representativa, baseada no voto arregimentado em âmbito local. O federalismo

reserva o exercício pleno do poder das oligarquias, impondo limites constitucionais que não

impedem o arranjo desse poder em território regional e municipal. Sob a superfície da

dominação-racional-burocrática, o neopatromonialismo se renova a cada novo arranho de

poder.

Não obstante, a crise dos anos 80, do século passado, enfraquece a capacidade de o

Estado de servir aos interesses tradicionais das elites mato-grossenses exigindo novo arranjo.

Ajustes no plano nacional são efetivados a partir da agenda do Banco Mundial. A crise tem

fundamentos e consequências diferentes em cada nível de governo e repercute diretamente

sobre a política e a organização do Estado em Mato Grosso. A chamada crise do Estado de

Bem Estar (apesar deste nunca ter existido em Mato Grosso, menos ainda que no resto do

Brasil), vai encontrar perfil consolidado de uma elite estadual eminentemente urbana-

burocrática-liberal,37

diferentemente daquela que preponderou até meados dos anos 70.38

É

essa elite que durante os anos 80 e 90 estará à frente da direção do governo do Estado,

combinando discursos e políticas nacionais produzidas nesse período, essas elites regionais

buscarão promover mudanças significativas no plano institucional e na organização das

políticas sociais, em especial da educação, sem romper com o modelo patrimonialista. As

medidas adotadas nesse período conferem ao campo institucional maior distinção e

autonomia, com reflexos sobre a organização do regime federativo e sobre as Políticas de

Educação.

37

Novamente é importante frisar que mudança s no perfil das elites mato-grossenses no fim do século

XX não excluem os grupos tradicionais ligados à propriedade da terra e atividade agropecuária. 38

Como vimos anteriormente, é a partir do processo intenso de colonização que se iniciou ainda nos anos

50 e se estendeu pelos anos 60 que se dá o crescimento populacional vertiginoso da região. Tal processo

culmina com investimento em infra-estrutura, ainda durante o governo militar para o acesso da região aos

demais centros do país (BR 70, BR 163, BR 262, BR 364, BR 376 e, BR 463), a consolidação da ocupação

do estado esse período teve seus reflexos na economia e na composição da política local, pois, novos atores

entram em cena e, do Estado é exigida capacidade institucional crescente frente às demandas do

desenvolvimento acelerado e desigual.

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107

CAPÍTULO IV

CRISE E REFORMA DO ESTADO EM MATO GROSSO

1. Crise do Estado e Questão Ambiental

Ao referir à realidade mato-grossense, de um Estado conhecido nacional e

mundialmente pelas suas riquezas naturais e pela aparente inesgotável capacidade de uso

econômico dessas riquezas, convém situar as mudanças que ocorreram na década de 80 e 90,

a partir do que se tornou comum nas referências a este lugar: A questão ambiental.

Os fins dos anos 80 e toda a década de 90 é para Mato Grosso um momento de

rearranjo político e institucional. A questão ambiental, tema central no desenvolvimento da

região, ganha nova perspectiva a partir de intervenções do Banco Mundial (BM) e do Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID). O governo enuncia a preocupação com o

ecodesenvolvimento, nos moldes das agências internacionais. O mote desse movimento

governamental foi o Programa de Desenvolvimento Agro-ambiental do Estado de Mato

Grosso (PRODEAGRO), para o qual foram destinados US$ 285 milhões (duzentos e oitenta e

cinco milhões de dólares).

Reconhecendo os danos ecológicos impostos pelo modelo de desenvolvimento

adotado até então, bem como as distorções geradas pelo POLONOROESTE (que consumiu

cerca de US$ 436 milhões), o PRODEAGRO foi uma proposta agroecológica elaborada no

ano de 1989 com o apoio técnico da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e

Alimentação (FAO) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em

parceria com os Governos Federal e Estadual. Esse programa teve a pretensão de redefinir os

padrões de desenvolvimento do Estado de Mato Grosso, nas mais diversas frentes:

fortalecimento institucional do aparelho estatal em órgãos diretamente relacionados à gestão

de recursos naturais; passando pelo apoio extensivo às minorias (mais especificamente índios

e produtores rurais familiares), além de prever ações voltadas às atividades severamente

impactantes sobre o meio ambiente (extração de madeira e garimpo) e infra-estrutura e

serviços visando melhorar a qualidade de vida das populações atingidas pelos impactos sócio-

ambientais do desenvolvimento regional.

Poder-se-ia sintetizar as orientações do programa a partir de 03 eixos:

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1. A preocupação com o Zoneamento Ecológico-Econômico, no sentido de definir

políticas de desenvolvimento sócio-econômico com base e em respeito à diversidade

ambiental;

2. Atendimento aos grupos sociais marginalizados - especialmente índios e

agricultores familiares e;

3. Pressuposto da participação da Sociedade Civil no processo de elaboração,

avaliação e execução do Programa.

A mudança no perfil dos financiamentos dos Bancos Multilaterais obrigou os

governos a apresentarem projetos de captação de recursos sob a ótica de sustentabilidade

ambiental para obtenção de financiamento do desenvolvimento regional e, portanto, embora

significasse um novo discurso sobre a apropriação e usos dos recursos naturais, não

expressavam mudança significativa na mentalidade das elites mato-grossenses.

É preciso observar que estamos falando de um momento histórico em que Mato

Grosso está, a exemplo de outras regiões periféricas do país, plenamente inserido no contexto

do mercado nacional e internacional como já assinalamos anteriormente. Os novos tempos,

iniciados a partir dos anos 60-70, colocam esse Estado na mira dos interesses internacionais

que, por sua vez, vão definir a pauta do desenvolvimento regional. Por esta razão, não é

contraditório que justamente o Banco Mundial seja o portador do ―novo modelo‖ de

desenvolvimento em Mato Grosso.

A perspectiva do desenvolvimento sustentável foi inaugurada com o PRODEAGRO,

ainda em 1989, no Governo de Jaime Veríssimo de Campos (do Partido da Frente Liberal -

PFL39

), irmão de um dos políticos mais influentes de Mato Grosso à época, o ex-governador

Júlio Campos40

, representante da tradicional oligarquia regional.

As eleições de 1994, liderada pela Frente Cidadania e Desenvolvimento, uma coalizão

de partidos de centro-esquerda, trouxe o Prefeito de Cuiabá Dante Martins de Oliveira41

ao

governo do Estado e dá-se início ao aprofundamento de um novo ciclo na política do Estado

em Mato Grosso. No âmbito do PRODEAGRO há redefinição técnica sobre as áreas de

39

Atualmente, denominado Partido Democrata – DEM. 40

Julio José de Campos foi prefeito de Várzea Grande de 1973-1977, Deputado Federal 1979 -1983/ 1987-

1991, Governador 1983 -1986, Senador 1991-1999, Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado 2005-2008,

quando saiu para disputar novamente a prefeitura de Várzea Grande, tendo sido derrotado. Informações

disponíveis em < http://www.senado.gov.br/sf/senadores/senadores_biografia.as p?codparl=50& li= 49&lcab=

1991-1995&lf=49>, acessado em 03/ 08/ 2009. 41

Autor da Emenda das Diretas Já, Dante de Oliveira foi Ministro da Reforma Agrária no Governo de

José Sarney. Foi Deputado Federal, Prefeito de Cuiabá, Governador do Estado de Mato G r o s s o por dois

mandatos (1995-1998/1999-2002), faleceu e m 06 de julho de 2006.

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desenvolvimento da atividade econômica, defesa de políticas integradas, descentralização,

parceria comunitária e até a perspectiva de maior participação da Sociedade Civil:

Surgiram novos projetos coordenados pelos órgãos executores, tais como o PPMA42

e o Mutirão Verde43

, a Recuperação de Áreas Degradadas, o Repovoamento

Florestal e a Avaliação do Setor Florestal, coordenados pela FEMA44

. A EMPAER45

criou o Programa ATER-Comunitária46

. Todos esses programas buscavam a

participação das organizações, empresas e ONG‗s em sua execução (CALORIO et

al., 1998, p.128)

Em boa medida o PRODEAGRO também é responsável pela articulação da sociedade

civil no Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente Desenvolvimento-FORMAD, criado em

1992, para aglutinar Organizações não Governamentais (ONG‘s), movimentos sociais e

entidades representativas em torno do debate de questões como desenvolvimento social,

econômico, político e ambiental do Estado de Mato Grosso.

O Fórum foi a articulação mais expressiva dos atores da sociedade civil organizada.

Reuniu as entidades que mais divulgaram o Projeto, realizando estudos em

seminários com os beneficiários, produzindo denúncias de desvios e propostas de

reformulação. Articulando, em boa medida, em função do Projeto (CALORIO et al.,

1998, p. 130).

Embora a troca de governo tenha significado um salto quanto à dinamização do

projeto, as contradições não cessaram e revelaram a falta de consistência institucional dos

agentes estatais no trato com o que deveria ser uma política pública. O estabelecimento de

alianças com a sociedade civil, portanto, a abertura de espaços públicos que permitissem

amplo envolvimento com a discussão e o processo de desenvolvimento regional não foram

implementados.

A análise de documentos47

do FORMAD, sobre a participação da Sociedade Civil,

revela a pouca abertura do governo ao controle social da política. Embora vários mecanismos

tenham sido previstos para a participação, tanto no planejamento como na execução e

avaliação, esses mecanismos foram sistematicamente abandonados ou esvaziados. A

participação mais efetiva da Sociedade Civil no programa se restringiu à execução de

42

Projeto Participa Meio Ambiente, destinado a ONG‘s e Movimentos Sociais 43

Projeto de instalação de viveiros para a recuperação de áreas degradada e reflorestamento. 44

Fundação Estadual de Meio Ambiente, hoje Secretaria Estadual de Meio Ambiente – SEMA. 45

Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Mato Grosso. 46

Assistência técnica comunitária, desenvolvida através de convênio entre EMPAER e as Associações de

Produtores, que gradativamente passam a assumir os custos da assistência técnica. 47

Avaliação do FORMAD sobre o Redesenho do PRODEAGRO. Cuiabá-MT, maio, 1997. Propostas de

Reformulação do PRODEAGRO. Deliberação do Seminário de Avaliação Pública. 02 e 03 de dezembro de

1996. FORMAD. Cuiabá-MT

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110

pequenos projetos, apresentados em concorrência pública por ONG‗s e movimentos sociais

(40 ao todo) no valor de até R$ 20.000,00 (vinte mil reais cada, à época). O Comitê

Independente de Avaliação do PRODEAGRO (CIAP), criado com o objetivo de ―permitir‖ a

participação da sociedade e técnicos especializados no acompanhamento do projeto, nunca

funcionou efetivamente.

A despeito da aspiração de redimensionar a política de desenvolvimento para Mato

Grosso, o que se percebeu foi a falta de capacidade do poder público e do Banco de

estabelecer alianças com a Sociedade Civil, recorrendo ao insulamento das esferas de

decisões, concentradas no Poder Executivo. Desse modo, foi negada as condições necessárias

de se pensar a sustentabilidade do desenvolvimento que, segundo proposta do próprio

governo e do Banco, deveriam ser feitas com base na participação da sociedade, ainda que

esta participação tenha com princípio a perspectiva de colaboracionismo gerencial, portanto,

sob a tutela do Estado.

A experiência do PODEAGRO revela não somente a fragilidade dos atores políticos

do Estado em tratar institucional e democraticamente os conflitos inerentes ao espaço público,

mas também a fragilidade da Sociedade Civil em se articular e garantir uma correlação de

forças mais favorável aos projetos de amplo interesse.

O PRODEAGRO é um exemplo de permanências contemporâneas de práticas cuja

tradição autoritária remonta a formação do campo político e institucional em Mato Grosso,

campo restrito e de baixa capacidade de incorporação de interesses diversos, como já

assinalado anteriormente. Ao findar o século XX, as exigências modernizantes impostas de

fora para dentro se impõem com força ao discurso dominante regional. Durante toda a história

do desenvolvimento de Mato Grosso é possível perceber o Estado fortemente atrelado aos

interesses de parcela da Sociedade Civil, personificada nos grandes grupos econômicos e

forças políticas conservadoras. O espaço público, palco legítimo dessas disputas, é

severamente esvaziado pela cultura autoritária dos governos que, formalmente, estabelecem

mecanismos de participação, mas, efetivamente, não oferecem as condições necessárias à sua

garantia, revelando um campo institucional ainda pouco permeável às demandas sociais e, de

outro lado, uma Sociedade Civil de pouca experiência participativa e com baixa densidade

política. A questão do desenvolvimento sustentável, tendo por parâmetro o zoneamento

agroecológico-ambiental é tão polêmico e tão sensível aos interesses de poderosos da região

que, passados 10 anos desde a primeira versão da elaboração do PRODEAGRO, o

zoneamento, um de seus componentes principais, ainda não foi objeto de regulamentação pelo

Estado e o problema ambiental continua ser uma grande questão de políticas públicas.

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O PRODEAGRO é, talvez, uma primeira frente do que haveria de vir com a vitória da

Frente Cidadania, liderada por Dante de Oliveira em Mato Grosso, abrindo caminho para a

Reforma Administrativa que penetra os discursos oficiais no estado e dá novos contornos às

políticas sociais em consonância com as Políticas do Governo Federal, sob o comando do

Presidente Fernando Henrique Cardoso. É sobre esta interação que passaremos a analisar.

2. Crise e Reforma da Administração Pública em Mato Grosso

Mato Grosso, sem viver a ascensão de um capitalismo do tipo industrial, sem

constituir um mercado de trabalho plenamente estruturado, sem contar com uma elite

dominante plenamente burguesa e sem poder experimentar um Estado propriamente

Burocrático, viveu os efeitos da chamada crise do Estado e o seu remédio: A Reforma do

Aparelho de Estado, este entendido como:

[...] administração pública em sentido amplo, ou seja, a estrutura organizacional do

Estado em seus três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e três níveis

(União, Estados membros e Municípios). O aparelho do Estado é constituído pelo

governo, isto é, pela cúpula dirigente nos Três Poderes, por um corpo de

funcionários, e pela força militar (BRASIL, 1995, p.11).

A Reforma do Aparelho, na verdade, se restringiu à administração do Poder

Executivo, especialmente sobre sua capacidade de formulação e implementação de políticas

sociais. Foi a estratégia que presidiu os dois mandatos do Governo Fernando Henrique, tendo

no Governador Dante de Oliveira um interlocutor atento e fiel aos seus princípios. Se para o

Brasil, a Reforma foi uma resposta à ―necessidade‖ de um novo modo de relacionamento

entre Estado e Sociedade Civil, num cenário de profusão de demandas de um lado e, de outro,

de impossibilidade do uso dos recursos tradicionalmente utilizados pelos regimes autoritários,

o que seria para Mato Grosso tal Reforma?

Como já demonstrado no capítulo II, a crise do Estado que se consolidou nos anos 80,

tem origem nos países de economia desenvolvida, adquirindo contornos diferentes na

realidade brasileira, aonde não chegou a existir um Estado de Bem Estar. O projeto de

Reforma do Aparelho de Estado tem, portanto, características que visam um

redimensionamento da relação Estado x Sociedade em favor da dinamização do Mercado,

sejam através do programa de privatização ou através de parâmetros institucionais que se

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aproximavam da racionalidade do setor privado. Tratou-se de instituir um Estado Regulador

cuja intervenção direta nas questões sociais passa a ser reduzida.48

O Plano de Metas Mato Grosso 1995-2006, documento orientador do Governo Dante

de Oliveira, explicitava as diretrizes que norteariam as políticas governamentais desse

período:

Modernização e fortalecimento do Estado;

Descentralização da ação do poder público, através da cooperação entre Estado,

Municípios e sociedade;

Desenvolvimento científico e tecnológico, pela cooperação entre Estado, Municípios

e iniciativa privada. (p. 08).

Apesar do referido plano se constituir num instrumento heterogêneo, onde diversas

visões (algumas vezes contraditórias) apontam para diferentes ações do poder público, trata-se

de um documento que, em linhas gerais, compõe as bases da reforma administrativa que iria

se implementar em Mato Grosso na década de 90, se assemelhando ao que se verificou no

nível federal. Contudo, as contradições eram evidentes nas propostas do plano e nos seus

desdobramentos, muito embora tenha levado ao mesmo resultado, indicado pelo governo

federal: liquidações de empresas públicas (poucas no caso de Mato Grosso), demissões,

instituição do gerencialismo, etc.

Segundo Martins (2003), a Reforma implementada na era Fernando Henrique se

constituiu de 06 trajetórias:

reforma institucional (reestruturação de ministérios, melhoria de gestão e

implantação de modelos institucionais tais como organizações sociais e agências executivas);

gestão-meio (políticas de Recursos Humanos e Tecnologia da Informação);

gestão estratégica (Eixos de Desenvolvimento e Plano Plurianual);

aparato regulatório (construção de instituições regulatórias);

gestão social (mobilização, capacitação e modelos de parceria com o terceiro setor)

e;

48 A proposta de Reforma de Bresser Pereira compreendia 03 modalidades de funções do Estado: a) atividades

exclusivas do Estado, b) serviços sociais e científicos do Estado, c) Produção de bens e serviços para o

mercado. No segundo são considerados serviços não exclusivos do Estado, sendo prestados de forma

concorrente pelo Estado, instituições públicas não estatais e pelo setor privado. A educação se enquadra

nesse espectro e, neste caso, tanto quanto a saúde, deveria ser objeto de descentralização. No caso da

educação, o Estado manteria a função de financiamento e regulação. Para maior detalhe ver: BRASIL.

Ministério de Administração Federal e da Reforma do Estado. Plano Direto da Reforma do Aparelho do

Estado. Brasília, 1995. BRESSER PEREIRA, L. C. A Reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos

de controle. Lua Nova. Revista de Cultura e Política – CEDEC – Centro de Estudos de Cultura

Contemporânea. N.45, 1998, p.4995.

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113

gestão fiscal (orçamento, privatização, renegociação dívida estados e lei de

responsabilidade fiscal).

Mato Grosso foi laboratório do experimentalismo reformista, sendo possível observar

a implementação de todas as trajetórias da reforma. O Plano de Metas Mato Grosso 1995-

2006, aponta para algumas questões emblemáticas implementadas no período de 1995-2003.

No capítulo X, sobre O Estado, o documento inicia por definir a concepção de Estado:

Para desempenhar suas funções, o Estado deve ser estrutural e funcionalmente

preparado. Para isso, o viés estatizante e centralizador deve ser substituído pelo

compromisso firme de desestatização, de descentralização e de delegação de

competências, reforçando a sua capacidade de coordenação e controle (Plano de

Metas, 1995, p. 61).

A partir desse viés, foram definidas as prioridades do governo no âmbito da gestão:

a) projeto de desenvolvimento organizacional, através da descentralização e de

desconcentração da administração pública através da regionalização político-administrativa;

b) Redefinição da política de recursos humanos, com foco na produtividade e

remuneração variada por desempenho;

c) Controle dos meios através de política de tecnologias de informática;

d) Estruturação do sistema financeiro estadual, com destaque para o papel que o Banco

do Estado de Mato Grosso deveria desempenhar como instrumento de financiamento das

políticas públicas voltadas ao setor produtivo.

O Banco do Estado de Mato Grosso (BEMAT) figurava no programa de governo na

perspectiva de se tornar referência no provimento de crédito ao setor produtivo. No entanto, a

política de ajuste fiscal do governo federal atribuiu aos bancos estaduais parte considerável da

responsabilidade do descontrole das finanças públicas e o défict apresentado pelo BEMAT,

somado à política de restrição e controle do endividamento dos estados, levou à sua extinção.

Em 1997 foram financiados ao governo do estado U$ 284,649

milhões pela União para

extinção do BEMAT, em seu lugar deveria ser constituída uma agência de fomento à

atividade produtiva, iniciativa que só aconteceu em 2003, na gestão do governador Blairo

Maggi, através da Lei Complementar n. 140/03 tendo receita restrita, composta

principalmente por fundos públicos. A liquidação do BEMAT é um bom indicador da pouca

margem que o governo teve para exercer sua autonomia federativa na direção de uma reforma

49

Segundo Araújo (2005): O patrimônio líquido do BEMAT esta em R$ 169.886.4 41,63 negativo no último

balanço (2001), com destaque para a conta de prejuízos acumulados (R$ 192.115.446,24). Havia R$

78.439.774,83 de ativo e R$ 214.136.541,39 de passivo. (p. 119).

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de estado que não fosse mera reprodução da política do governo federal, financiado pelo

Banco Mundial.

A situação de insolvência em que se encontrava o Estado de Mato Grosso no período

que antecedeu a reforma, levou o governador à uma guinada conservadora50

em direção ao

proposto pelo Governo Federal tendo assimilado completamente os parâmetros de uma

reforma imposta de cima para baixo e, neste caso, se algumas vezes a proposta do governo

federal coadunava com a anunciação do Plano de Metas de Mato Grosso, por outras este

mantinha visível distanciamento, como no caso do BEMAT e da proposta de regionalização

como forma de desconcentração da administração estadual, o que em princípio significaria

dotar a máquina pública estadual de condições de se organizar nas 15 regiões51

político-

administrativa do Estado, que de fato não aconteceu.

A proposta de reforma contida no Plano de Metas embora guardasse relação com

aquela proposta em âmbito nacional, revelava forte tendência à conservação do papel do

Estado em suas funções de planejamento e implementação de políticas públicas seja no campo

social, seja no campo econômico. Desse modo, as políticas sociais foram tomadas como

fundamentais para o desenvolvimento econômico do Estado, sendo ambas consideradas

indissociáveis. Exemplo disso são as críticas ao caráter assistencialista das políticas sociais,

remetendo à preocupação com políticas estruturantes para as quais caberia ao Estado prover:

Se nas relações econômicas o trabalhador não auferir uma renda suficiente para

manter sua família, em sentido amplo, e enviar seus filhos à escola, acabará por ser

submetido a um conjunto de relações sociais e políticas que impossibilitam o pleno

exercício da cidadania, com características fisiológicas e clientelistas. Mais ainda,

quando isso ocorre predomina a visão imediatista, do curto prazo, da sobrevivência

diária – e não há como ser diferente – gerando uma vida subalterna, sem perspectiva,

extremamente desumana (Plano de Metas, 1995, p.55).

Talvez o mais significativo sobre a integração entre o campo econômico e o campo

social, explicitado acima, seja as consequências tiradas dessa definição pelo documento. A

partir daí as propostas que seguem dizem respeito à atuação direta do Estado no campo

econômico como forma de enfrentar o problema do desemprego: Criação de frentes de 50

Aqui é preciso considerar que o governador Dante Martins de Oliveira foi ―o homem das Diretas Já!‖

Ministro da Reforma Agrária no primeiro governo civil pós-ditadura e, a frente que o elegeu, reuniu partidos

de esquerda e centro-esquerda contra a candidatura de Osvaldo Sobrinho, pertencente ao grupo dos Campos,

representante das oligarquias tradicionais. 51

O referido documento trata de 15 regiões, mas, documentos oficiais da Secretaria de Planejamento tratam

de 12 regiões de planejamento, definidos por critérios físico-biótico e sócio-econômico, elaborados a partir

do diagnóstico do Zoneamento Sócio-econômico-ecológico. As regiões são as seguintes: I- Pólo Juína, II-

Pólo Alta Floresta, III- Pólo Vila Rica, IV- Pólo Barra do Garças , IV- Pólo Rondonópolis , V- Pólo Cuiabá/

Várzea Grande, VI - Pólo Cáceres , VII - Pólo Tangará da Serra, VIII- Pólo Diamantino, XIX- Pólo

Diamantino, X - Pólo Sorris o, XI– Pólo Juara, XII - Pólo Sinop.

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trabalho pelo Estado para gerar empregos emergenciais/temporários; programa de geração de

trabalho e renda, através da disponibilização de crédito e qualificação profissional, infra-

estrutura e informação aos empreendedores, compras públicas direcionadas à pequena e

média produção, políticas de aproveitamento das potencialidades regionais (turismo, por

exemplo). Em todas essas frentes (e muitas outras que aparecem no plano) a proposta é de

atuação direta do Estado, o que contraria o receituário neoliberal que presidiu o espírito da

reforma dos anos 80 e 90.

O Plano de Metas é um marco na reorientação da política institucional e expressa a

contradição da realidade política de Mato Grosso. Mescla elementos de um programa de

governo que aspira a um Estado forte com atuação direta nos campos social e econômico,

convivendo com as perspectivas gerais da Reforma propostas pelo Banco Mundial e assumida

pelo governo brasileiro, para a qual Mato Grosso se colocou como um grande laboratório. Tal

situação expressa bem a coalização heterogênea dos partidos de sustentação do governo Dante

no início desse primeiro mandato (1995-1998). Mais que isso expressa as perspectivas do

núcleo intelectual do governo, dividido entre a necessidade de constituição de um Estado

Burocrático característico da modernidade (do qual Mato Grosso ainda não experimentara

plenamente) e as novas tendências do gerencialismo trazido pela Reforma, à partir de uma

idéia de negação do próprio Estado e de seu aparelho burocrático.

Portanto, as novas idéias de constituição e fortalecimento do campo institucional em

Mato Grosso, seja a partir da perspectiva ambiental ou da organização do aparato institucional

do governo, nascem sofrendo de anacronismo congênito. De um lado porque as aspirações por

um Estado forte e provedor, o qual nem ameaçamos alcançá-lo, era algo que a onda reformista

tentou apagar atribuindo ―atraso‖ ao modelo Burocrático (pesado e inadministrável); segundo

porque a reforma que se almejou fazer ante a devastadora necessidade de redução do Estado,

privatizações e descentralização como forma de desresponsabilização do ente central já

encontrou em Mato Grosso um Estado Mínimo, tendo em vista as restrições históricas de

constituição do campo institucional, como já mencionado. No âmbito das políticas sociais, em

especial das políticas de educação, esta realidade é particularmente visível.

3. A Educação no Contexto da Reforma em Mato Grosso

Tomando como referência ainda o Plano de Metas, a questão educacional aparece

como estratégica para o desenvolvimento do Estado, trata-se de uma visão instrumental que

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116

vincula a escolaridade ao desenvolvimento econômico e, portanto, depreende-se daí a

importância do sistema de ensino.

Ao se focalizar a função da escola no ensino, a gestão pedagógica torna-se o eixo

central da organização do processo educativo, da administração central até a unidade

escolar. A escola deve ser o local privilegiado de reflexão, estudo e construção do

saber e não mera cumpridora de decisões burocráticas (p. 68).

Tal afirmação tem consequências importantes para a definição do campo institucional

e da organização do sistema de ensino em Mato Grosso, vejamos:

1) Pretende inverter a relação Administração Central X Unidades Escolares

transformando estas em “local privilegiado de reflexão, estudo e construção do saber”, o que

corresponde a superação da condição de subalternidade da escola em relação ao órgão central

de gestão da política educacional, no caso a Secretaria de Estado de Educação – SEDUC;

2) Tal inversão tem como consequência o fortalecimento do campo institucional a

partir da escola, não do poder burocrático central;

3) Ao advogar autonomia às unidades escolares quanto à formulação e implementação

de políticas de educação exige, do órgão coordenador da política, capacidade para o exercício

de suas funções em relação ao sistema de ensino, além da capacidade de instituir sistema de

colaboração com o sistema municipal conforme prevê os princípios constitucionais do

federalismo brasileiro.

As propostas em tela, apresentadas pelo Governo do de Mato Grosso, são orientadas

por uma visão de problemas sociais e institucionais que podem ser esquematicamente

apresentados da seguinte maneira:

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117

Quadro 17 - Síntese de Problemas e Soluções Apontados pelo Plano de Metas Mato Grosso

1995 – 2006

Plano de Metas

Visão do Problema Solução

Desenvolvimento Regional -

Insustentabilidade de um modelo de

desenvolvimento predatório e

desiquilibrado.

- Investir na capacidade de Planejamento Estratégico do

Estado;

- articulação das políticas públicas

Administração Pública -

Burocratização, má administração dos

meios, excesso de servidores,

estatização, clientelismo,

patrimonialismo, corrupção, baixa

participação e controle social.

- Reformulação da estrutura organizacional;

- descentralização e regionalização;

-Aperfeiçoamento dos instrumentos de Planejamento,

- Formação de Recursos Humanos;

- informatização;

- estruturação do s is tema financeiro (fortalecimento do Banco

do Estado de Mato Gros s o – BEMAT).

Educação – má qualidade, altas taxas

de reprovação-evasão, baixo nível

de atendimento e níveis.

Implantação da gestão democrática entendida como:

a) corresponsabilização entre estado/município e comunidade,

visando a implantação do Sistema Único de Ensino;

b) descentralização administrativa-financeira e pedagógica;

c) transparência;

d) Qualificação, capacitação e valorização dos profissionais da

educação;

e) Aplicação dos recursos constitucionais da educação revendo o

padrão de financia mento e alocação de recursos.

Fonte: Plano de Metas Mato Grosso 1995 – 2006.

Portanto, o que é possível perceber é que o plano indicava uma tendência de reforma,

mas, não se vinculava estreitamente àquela protagonizada pelo Governo Fernando Henrique.

Por outro lado, não é possível desconsiderar os elementos que compõem o receituário de

soluções para a crise do Estado dos anos 80 presentes no referido documento. O que se

pretende argumentar aqui é que as elites políticas que protagonizaram o processo de

mudanças reformistas nos anos 90 em Mato Grosso respondiam, em certa medida, à

constituição de aparato burocrático, cujo objetivo era desenvolver competências que até então

Mato Grosso não tinha, dada à herença patrimonilista dos grupos que dominaram a política

regional e a direção do Estado. Contudo, a originalidade inicial de Mato Grosso se degenerou

para o mimetismo dos modelos e pacotes fechados transplantados da visão gerencalista e anti-

estatal da reforma.

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118

Corrobora com a afirmação acima, o fato de o Plano assumir a organização de um

sistema único de ensino em âmbito regional, no que diverge completamente, num primeiro

momento, da estratégia da União. Tal proposta implicaria considerável mudança nos sistemas

educacionais em Mato Grosso. Ocorre que, apesar de se verificar a instabilidade das políticas

educacionais, marcadas por descontinuidades (em especial no caso de Mato Grosso), a

estrutura do sistema educacional e o resultado dessas políticas são muito estáveis, sendo

pouco permeáveis a mudanças estruturais. De qualquer modo, a idéia de um sistema único

pretendia enfrentar a grave fragmentação do ensino em Mato Grosso e suas consequências

sobre a gestão e os resultados das políticas educacionais.

Bourdieu (2009) compreende a perenidade do sistema de educação como resultante da

função que cumpre na reprodução social:

[...] a organização pedagógica nos surge como mais hostil à mudança, mais

conservadora e tradicional talvez do que a própria Igreja porque ela tem por função

transmitir às gerações novas uma cultura que mergulha suas raízes num passado

afastado (p. 231).

Sobre o passado afastado de Mato Grosso, tratamos no capítulo anterior e, a partir dele

não há razões para se esperar que o espaço público ou o campo institucional se constitua de

modo genuinamente democrático, embora todos os procedimentos da democracia liberal

estejam presentes, ainda que sobre sua eficácia paire pesadas dúvidas.

A forma pela qual o sistema educacional cumpre seu papel não é somente através do

processo de inculcação pelos conteúdos pedagógicos, mas, a própria condição aparente de

autonomia dos sistemas escolares guarda estreita relação com a ideologia produzida pela

sociedade. A concessão de autonomia dos sistemas é a forma pela qual faz cumprir melhor a

violência simbólica que se realiza pela ocultação da violência produzida pela escola. Desse

modo, não somente no interior da escola se produz e reproduz a desigualdade que sustenta a

sociedade de classes, a própria diferenciação que homogeniza a função dos sistemas denuncia

seu caráter de exclusão, como podemos verificar pelos indicadores educacionais no Brasil.

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Quadro 18 – Comparativo IDEB por Rede de Ensino 2005 – 2007 Rede 2005 2007

4ª série 8ª Série EM 4ª Série 8ª Série EM

Brasil 3,8 3,5 3,4 4,2 3,8 3,5

Pública 3,6 3,2 3,1 4,0 3,5 3,2

Particular 5,9 5,8 5,6 6,0 5,8 5,6

Municipal 3,4 3,1 2,9 4,0 3,4 3,2

Estadual 3,9 3,3 3,0 4,3 3,6 3,2

Fonte: INEP

Quadro 19 – Comparativo IDEB por Região 2005 – 2007 Re de 2005 2007

4ª série 8ª Série EM 4ª Série 8ª Série EM

Centro-Oeste 4,0 3,4 3,3 4,4 3,8 3,4

Norte 3,0 3,2 2,9 3,4 3,4 2,9

Nordeste 2,9 2,9 3,0 3,5 3,1 3,1

Sul 4,4 3,8 3,7 4,8 4,1 3,9

Sudeste 4,6 3,9 3,6 4,8 4,1 3,7

Fonte: INEP

Os dados acima apontam para algumas questões estruturais sobre a organização dos

sistemas de ensino no Brasil. O IDEB tem variação de 0 a 10, numa realidade tão diversa

quanto a do Brasil, onde a federação é composta por 27 estados e mais de 5,5 mil municípios,

com disparidades abissais entre esses entes federados, talvez fosse razoável se esperar

disparidades da mesma ordem no sistema educacional. Ocorre, porém, o contrário, há uma

estabilidade bastante considerável no desempenho dos sistemas. A discrepância maior se dá

entre o público e o privado, mantendo-se, contudo, diferença análoga para todas as regiões do

país e em todos os níveis de ensino, com vantagem evidente para o ensino privado.

As disparidades regionais são representadas de maneira mais ou mentos sutil no

segundo quadro, quando se verifica que o IDEB coincide com o quadro geral de indicadores

econômicos e sociais de cada região. Mas, em todos os casos, tratando-se de sistemas

públicos, o resultado não alcança aquele considerado mínimo (média 5,0). Outra questão é

que, em todos, as redes públicas ou privadas, o que se verifica é um afunilamento do sistema,

pois, os indicadores tendem a apresentar resultados mais baixos a medida em que se avança

para o ensino médio. Se por um lado o sistema mantém a níveis muito baixos de acesso ao

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capital cultural, indicado pela baixa apropriação do conteúdo escolar, por outro esse mesmo

sistema reserva nichos de excelência que preserva a distinção dos mais abastados e, por sua

baixa ocorrência, não afetam o desempenho geral do sistema.

A análise do ensino superior é ainda mais revelador. Recentemente o Ministério da

Educação –MEC, através do Instituto Anísio Teixeira – INEP, criou o Índice Geral de Curso

da Instituição- IGC52

representado por faixas que variam de 1 a 5. A partir dessas avaliações

foram calculados o IGC de 173 universidades, destas apenas 5 obtiveram pontuação máxima

(5,0), todas são universidades federais, localizadas no sul e sudeste.53

Todas as universidades

públicas avaliadas nessa região possuem IGC entre 4 e 5,54

enquanto as demais regiões variam

entre 2 e 4. Na região Centro-Oeste, das cinco universidades avaliadas, apenas a Universidade

Federal de Mato Grosso – UFMT, tem IGC igual a 3, enquanto as demais têm índice igual a

4. Esses dados podem dizer algo sobre a realidade social que o sistema de ensino produz?

Podem dizer sobre a existência de mecanismos institucionalizados que operam essa

desigualdade na organização do sistema? Qual o peso do federalismo na reprodução dessa

desigualdade e, como são constituídos os mecanismos que a operam no interior do campo

institucional?

Em Mato Grosso, a percepção de que a produção da desigualdade era favorecida pela

fragmentação dos sistemas de ensino ganhou o debate público a partir do Plano de Metas e

das primeiras iniciativas para a implementação do Sistema Único de Ensino proposto no

referido plano.

4. Sistema Único de Educação em Mato Grosso: Constrangimento à Reforma e às Bases

do Federalismo?

Pautado pelo Plano de Metas, o debate sobre o Sistema Único de Educação em Mato

Grosso aconteceu entre dois momentos importantes para a política de educação nacional e

regional. No primeiro caso, reflete os embates que ocorreram no plano nacional em torno da

aprovação da Constituição de 1988 e, posteriormente, na elaboração e aprovação do Plano

Nacional de Educação e o embate entre Sociedade Civil e Governo que culmina com a 52

O IGC é uma composição feita a partir do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes, do Indicador de

Diferença entre os Desempenhos Observado e Esperado – IDD, além de informações do Censo Escolar sobre o

corpo docente, infra-estrutura e plano pedagógico e ainda informações sócio-econômicas a partir de

questionários do ENADE. Para mais detalhes ver: <http://www. inep.gov.br/areaigc/>. 53

São elas: Universidade das Ciências da Saúde de Porto Alegre (RS), Universidade Federal de Viçosa

(MG), Universidade Federal de Minas Gerais (MG), Universidade Federal de São Paulo (SP), Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (RS), Universidade Federal do Triângulo Mineiro (MG). 54

A exceção no sudeste é a Universidade Federal do Espírito Santo que possui IGC igual a 3.

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aprovação do Plano em 2001. Nos dois casos as principais propostas da sociedade civil foram

derrotadas pela maioria do governo no Congresso Nacional, dentre os pontos principais da

proposta da Sociedade Civil estava a constituição de um Sistema Nacional de Educação. Tal

proposta é retomada em Mato Grosso, com o Plano de Metas e as conferências que se

seguiram para a constituição do sistema, como veremos mais adiante.

Derrotada a proposta de Sistema Nacional de Educação, a Constituição de 1988

remete ao Plano Nacional de Educação o papel hercúleo de definir os meios de colaboração

entre os entes federados. Seria o plano o elo definidor da natureza da colaboração entre os

entes no âmbito das políticas a serem pactuadas pelos diversos níveis de governo, a partir dos

objetivos dispostos no artigo 214 da Constituição:

I - erradicação do analfabetismo;

II - universalização do atendimento escolar;

III - melhoria da qualidade do ensino;

IV - formação para o trabalho;

V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.

O plano, em tese, deve construir políticas orientadas pelo princípio da colaboração a

partir desses cinco objetivos. Isso porque é tido pela Constituição e pela LDB como

instrumento que operacionalizaria a cooperação entre os entes federados no campo

educacional. De fato, ele tem a função de planejamento das ações, de organização do sistema

de ensino tendo em vista determinados objetivos e metas. Saviani define a relação entre Plano

e Sistema:

Sistema de ensino significa, assim, uma ordenação articulada dos vários elementos

necessários à consecução dos objetivos educacionais preconizados para a população

à qual se destina. Supõe, portanto, o planejamento. Ora, se ―sistema é a unidade de

vários elementos intencionalmente reunidos, de modo a formar um conjunto

coerente e operante‖ (Saviani 1996a, p. 80), as exigências de intencionalidade e

coerência implicam que o sistema se organize e opere segundo um plano.

Conseqüentemente, há uma estreita relação entre sistema de educação e plano de

educação (SAVIANI, 1999, p. 120).

Portanto, a Constituição e a LDB organizam a estrutura e os fins do sistema e, o Plano

define as políticas, objetivos e metas de médio e longo prazos que contribuam para a

finalidade desse sistema. Como o texto constitucional se antecipou na definição dos objetivos

do Plano (erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, formação

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profissional, melhoria da qualidade, formação humanística, científica e tecnológica), resta

definir metas e estratégias para o alcance desses objetivos.

É sob o contexto da Reforma de Estado que as políticas de educação são direcionadas

e que o Plano Nacional de Educação 2001-2010 foi aprovado pelo Congresso Nacional e

sancionado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso em 09 de janeiro de 2001 (Lei

10.172). O texto da lei em seu artigo 2º ordena que Estados, Municípios e o Distrito Federal

elaborem seus planos a partir do Plano Nacional e, no artigo 5º impõe que os Planos

Plurianuais (PPA´s) dos entes federados dêem suporte às metas constantes no Plano Nacional.

Portanto, há a indicação de que o plano seja assumido no cotidiano da gestão pública em seus

vários níveis através de sua assimilação pelo PPA e, conseqüentemente, pelos orçamentos

anuais.

O processo que levou à aprovação do Plano Nacional de Educação em 2001, consta no

registro oficial:

Em 11 de fevereiro de 1998, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional a

Mensagem 180/98, relativa ao projeto de lei que institui o Plano Nacional de

Educação. Iniciou sua tramitação na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº

4.173, de 1998, apensado ao PL nº 4.155/98, em 13 de março de 1998. Na

Exposição de Motivos destaca o Ministro da Educação a concepção do Plano, que

teve como eixos norteadores, do ponto de vista legal, a Constituição Federal de

1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, e a Emenda

Constitucional nº 14, de 1995, que instituiu o Fundo de Manutenção e

Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério.

Considerou ainda realizações anteriores, principalmente o Plano Decenal de

Educação para Todos, preparado de acordo com as recomendações da reunião

organizada pela Unesco e realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1993. Além deste,

os documentos resultantes de ampla mobilização regional e nacional que foram

apresentados pelo Brasil nas conferências da Unesco constituíram subsídios

igualmente importantes para a preparação do documento. Várias entidades foram

consultadas pelo MEC, destacando-se o Conselho Nacional de Secretários de

Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação

(Undime) (MEC, 2001, p. 34).

Três questões merecem destaque no referido texto: Primeiro a clara menção a

orientações dos organismos internacionais na elaboração do Plano, orientações estas

consubstanciadas em acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, uma referência

importante para os desdobramentos das políticas de educação conforme já abordado.

Segundo, é a ausência de menção às formas de participação da sociedade civil na construção

do plano, enquanto entidades de representantes de autoridades estatais são tidas como

referências na legitimação do caráter democrático do processo de construção desse plano. A

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terceira questão é a explicitação de que o referido Plano iniciou sua tramitação como Projeto

de Lei 4.173, apensado ao PL 4.155/98, omitindo o fato de que o Plano aprovado pelo

governo no Congresso Nacional enfrentou oposição que embora sendo minoria no legislativo,

apresentou, antes mesmo do governo, proposta de Plano Nacional da Educação, oriunda de

discussões da sociedade civil organizada, vinculada ao setor educacional.55

Essa proposta foi

o resultado dos trabalhos do II Congresso Nacional de Educação - CONED, realizado em

Belo Horizonte, Minas Gerais em 1997. A iniciativa teve como protagonista o Fórum

Nacional em Defesa da Escola Pública.56

Nesse momento uma entidade que atuou de modo

decisivo na articulação das propostas, na mobilização dos profissionais da educação foi a

Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação – CNTE, que contava com a

presidência do professor Carlos Abicalil, também presidente do Sindicato dos Trabalhadores

da Educação de Mato Grosso - SINTEP, portanto, a realização da Conferência Estadual de

Educação que aconteceu em Cuiabá, nos dias 21 e 24 de novembro de 1996, foi

contemporânea do debate nacional sobre o Sistema Nacional de Educação no âmbito do

Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública que culminou com a apresentação do Plano

55

O PL 4.155/ 88 foi apresentado pelo Deputado Federal João Valente, do Partido dos Trabalhadores –

PT. 56

O Fórum Nacional de Defesa da Escola Pública – FNDEP foi criado em 1986, com objetivo principal de

articular entidades e movimentos sociais na defesa da escola pública, tendo em vista o processo constituinte.

Sua ação antagonizava com os defensores da livre iniciativa no campo educacional que defendiam, inclusive,

a destinação de recursos públicos às instituições privadas. O embate que se travou na constituinte foi

principalmente entre o Público e o Privado, o resultado foi o artigo 213 da CF que permite a destinada de

recursos às instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas. O FNDEP teve importante papel na

arena política educacional. Na construção da proposta de Plano Nacional de Educação – Proposta da

Sociedade Brasileira. São signatárias desse plano as entidades participantes do Fórum: AELAC (Associação

de Educadores da América Latina e do Caribe), ANDE (Associação Nacional de Educação), ANDES – SN

(Sindicato Nacional dos Docentes d as Instituições de Ensino Superior), ANFOPE (Associação Nacional pela

Formação dos Profissionais da Educação), CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação),

CONTEE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino), DNTE – CUT

(Departamento Nacional dos Trabalhadores da Educação/CUT), FASUBRA Sindical (Federação de

Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras ), SINASEFE (Sindicato Nacional dos Servidores

da Educação Federal de 1º , 2º e 3º graus da Educação Tecnológica), UBES (União Brasileira dos Estudantes

Secundaristas ), UNDIM E (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação), UNE (União Nacional

dos Estudantes ), ADCEFET – MG – SSindical (Associação dos Docentes do CEFET – MG – Seção Sindical

do Andes – SN), ADUFSCar – SS.Sindical (Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Carlos

– Seção Sindical do ANDES -SN), ADUSP – SSindical (Associação dos Docentes da Universidade de São

Paulo – Seção Sindical do ANDES – SN), APUBH – SSindical (Associação dos Professores da UFMG – Seção

Sindical do Andes – SN ), CUT – Estadual – MG (Central Única dos Trabalhadores /MG), FITEE (Federação

Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimentos do Ensino), Fórum Mineiro em Defesa da Escola

Pública, Fórum Norte Mineiro em Defesa da Escola Pública, Regional Leste do ANDES – SN, SBPC – MG

(Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência/MG), SIND – UTE/MG (Sindicato Único dos

Trabalhadores em Educação de Minas Gerais ), SINDIFES (Sindicato das Instituições Federais de Ensino

Superior de Belo Horizonte), SINPRO – MG (Sindicato dos Professores de Minas Gerais ), SEED – BETIM

(Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Betim), UEE – MG (União Estudantil de Educação de Minas

Gerais ). In: II CONED, 1997, p. 08, disponível em: <http://www.adunb.org/adunb_online/2007/pne.pdf>.

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Nacional de Educação proposto pela sociedade. Mato Grosso esteve muito bem inserido nesse

debate.

No plano nacional, os elementos comparativos que podem nos auxiliar sobre as

questões centrais que estiveram em jogo nessa disputa e suas implicações sobre o campo das

políticas de educação são:

a) Os investimentos em educação – a proposta da Sociedade era de atingir um

patamar de 10% do PIB, no período de vigência do plano, enquanto a do governo, sob

pressão, ficou em 7%, mas, posteriormente foi vetada pelo Chefe do Executivo, o que

significa que o Plano foi sancionado sem meta para o financiamento do setor;

b) Caráter do FUNDEF – Na proposta do governo o FUNDEF tem caráter restritivo

ao concentrar o financiamento na educação fundamental, deixando de fora a educação

infantil, educação especial, o ensino médio e ensino superior, estes devem partilhar os 10%

restantes dos recursos, uma vez que 15% dos 25% destinados à educação são concentrados no

ensino fundamental. A perspectiva de financiamento dada pela sociedade civil toma todos os

níveis de ensino como necessários à oferta universal de oportunidades educacionais, estas

dependendo da ampliação de oferta (e, portanto ampliação do financiamento) em todos os

níveis de ensino. Desse modo, propõe distribuição equitativa, a partir de demandas e

necessidades, para cada nível de ensino, expandindo o financiamento em patamares

suficientes para todo o sistema, em todos os níveis.

c) O modelo de gestão da política de educação – A proposta da sociedade enuncia

um Sistema Nacional de Educação com ampla participação social e diferencia Políticas de

Governo de Políticas de Estado, devendo a educação pertencer ao segundo tipo. Governo se

define enquanto unidade de execução da política e o Estado, como espaço mais amplo de

interação entre governo e sociedade, assumindo esta o protagonismo das políticas

educacionais seja no planejamento ou no controle e avaliação da implementação e de seus

resultados. A proposta do MEC teve como principal estratégia a descentralização57

, a

diminuição da participação do Governo Federal na oferta direta de serviços educacionais e, a

perspectiva colaboracionista da participação social que é destituída de seu caráter político. A

hierarquização do sistema através das competências prioritárias de cada ente, sem a definição

57 A descentralização era também reivindicação dos movimentos sociais na década de 80 e 90 e, nesse sentido

houve convergência entre setores progressistas e conservadores neste tema, embora as razões que motivavam

cada um fossem completamente diferentes. Enquanto a sociedade via a descentralização como forma de

desconcentrar e democratizar o poder, setores conservadores a viam como estratégia de desresponsabilização

dos governos centrais com as políticas sociais. As indicações do Banco Mundial tinham a descentralização

como grande estratégia para a economia do setor público e o controle dos gastos governamentais, o que teria

efeito positivo sobre o programa de ajuste fiscal em curso nos anos 90.

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de instrumentos claros de cooperação (ou com escassos meios instituídos para essa

cooperação), reafirma a tendência de justaposição dos sistemas e, resguarda ao Governo

Federal competências no âmbito do planejamento, da avaliação e normas gerais.

Apesar de sucessivas indicações sobre o regime de colaboração, o PNE aprovado, ao

negar o Sistema Nacional de Educação como estratégia cooperativa, não organiza espaços

institucionais de negociação entre os entes federados, nem instrumentos para construção da

articulação dos sistemas. No âmbito da gestão, a proposta do PNE governamental institui uma

Coordenação do plano nos diferentes níveis de governo, no entanto, a forma de participação e

controle da sociedade no acompanhamento de sua execução não é definida.

Há de se registrar que embora a proposta da sociedade se fundamente sobre uma

proposta de Sistema Nacional de Educação, também este conceito carece de maior

aprofundamento. Segundo a definição do Plano Nacional proposto pela sociedade, o sistema

nacional de educação

compreende os Sistemas de Educação Federal, Estaduais, Municipais e do Distrito

Federal, bem como outras instituições, públicas ou privadas, prestadoras de serviços

de natureza educacional, aqui incluídas as instituições de pesquisa científica e

tecnológica, as culturais, as de ensino militar, as que realizam experiências

populares de educação, as que desenvolvem ações de formação técnico-profissional

e as que oferecem cursos livres (p. 29).

A rigor a definição aqui contida inclui todas as instituições, públicas e privadas ao

sistema nacional. Mas, como essas unidades podem compor um todo coerente, articulado em

busca de objetivos comuns e, como se inserem no âmbito do planejamento e execução de

políticas educacionais do sistema? Que tipo de colaboração essas diferentes unidades de

ensino, de pesquisa, públicas ou privadas de diferentes naturezas, podem ou devem realizar no

âmbito do Sistema Nacional? Enfim, ao que parece, as disputas em torno de diferentes

projetos de educação e a interdição do debate nos anos 90 enfraqueceram a possibilidade da

sociedade e do governo aprofundar em alternativas de cooperação entre os entes federados,

seja no âmbito de um sistema nacional de educação ou na articulação mínima entre sistemas

independentes.

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4.1 O processo de construção do Sistema Único de Educação em Mato Grosso

Pela forma como se processou a discussão sobre o Sistema Único de Ensino em Mato

Grosso, as questões que aparecem ainda vagas no plano nacional ganham maior densidade no

âmbito regional. A proposta do governo, como já assinalado, apontava para a construção de

um sistema único de educação em Mato Grosso. De fato tal previsão remonta a Constituição

Estadual, em seu artigo 244:

Os sistemas estadual e municipais de ensino passam a integrar o Sistema Único de

Ensino.

Parágrafo único: Ao Estado caberá organizar e financiar o sistema de ensino e

prestar assistência técnica e financeira aos Municípios para gradual integração em

um Sistema Único de Ensino, na forma da lei.

Portanto, o Plano de Metas 1995-2006, toma a tarefa de fazer cumprir uma

determinação constitucional. Tal situação é compreendida no quadro de composição política

que adquire o governo Dante, apoiado por um amplo leque de centro-esquerda em seu

primeiro mandato. Alguns dos seus aliados foram protagonistas nas lutas que ocorreram em

torno da Constituição e do Plano Nacional de Educação conforme já indicado.

A discussão do Sistema Único de Educação aconteceu em Mato Grosso a partir de

conferências num processo ascendente que envolveu desde a base da unidade escolar até o

conjunto dos sistemas municipal e estadual, como segue:

- Conferências escolares;

- Conferências municipais;

- Conferências regionais;

- Conferência Estadual.

O objetivo era elaborar as bases para o projeto de lei do Sistema Público de Ensino em

Mato Grosso, tendo em vista o Sistema Único indicado pela Constituição e apontado como

uma das prioridades do Plano de Metas. Participaram desse processo em torno de doze mil

pessoas, segundo Cardoso Neto (2004).

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A Conferência foi convocada pela Secretaria de Estado de Educação – SEDUC que

encaminhou para as bases o termo de referência para discussão do Sistema Único

Descentralizado de Educação (SUDEB)58

. Já na apresentação o documento delineia seu

objetivo estratégico de governo: Nossos objetivos em todos os setores, têm orientado para a

superação da configuração periférica com que o Estado tem sido tratado no concerto

federativo, que tem desconhecido seu potencial geo-políitco, ecológico e cultural.... (MATO

GROSSO, 1996, p. 03)

Assim, a discussão e implementação do SUDEB viria a ser uma referência na gestão e

qualidade de educação básica a todo Brasil. Mato Grosso, da condição de periferia seria

elevado à vanguarda do setor. Para isso, foram definidos dois objetivos centrais da reforma

proposta pelo SUDEB: a) transformação estrutural do campo da educação, b) centralidade

focal da escola no planejamento e desenvolvimento das políticas de educação. Vejamos como

esses objetivos se desdobram em uma nova proposta de sistema único.

4.1.2 Estrutura do SUDEB

A tônica do SUDEB é a descentralização, apesar de contestar a reforma neoliberal,

cujo foco foi a descentralização baseada na transferência de responsabilidade de um ente mais

abrangente para outro menos abrangente (União para Estados, estados para municípios) sem

contar com recursos suficientes. A descentralização proposta, no entanto, refere-se a duas

dimensões: Descentralização da escola e descentralização do sistema a partir de uma base

comum de organização.

À escola caberia as competências pedagógica, política de pessoal, administrativa e

organizacional, financeira. Isso significa a escola ter pleno poder sobre os recursos

necessários ao seu funcionamento. A centralidade da escola é uma tese que tem como

consequência o deslocamento do poder central (Secretaria de Educação) para o local

(escolas). Assim a autonomia passa a ser de fato das unidades escolares e cabe às secretarias

(estadual e municipais) o papel coordenador. Entretanto, o SUDEB resguarda à SEDUC o

58 Mato Grosso (Estado). Secretaria de Estado de Educação. Sistema Único e Descentralizado de Educação

Básica (SUDEB). Versão Preliminar elaborada pelo Instituto Paulo Freire para subsidiar a formulação

do Sistema Único e Descentralizado de Educação Básica no Estado de Mato Grosso. Cuiabá/MT, 1996.

Mimeo.

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128

papel de mantenedora do sistema, avaliadora e definidora das orientações organizativas gerais

do sistema.

De certa forma, o SUDEB se organizaria constrangendo a perspectiva federalista, pois

ao atribuir autonomia às escolas, ao propor a extinção das redes diferenciadas (estaduais,

municipais) e, ao reunir os recursos da educação num fundo comum e sob uma coordenação

geral, os entes federados abdicariam, na prática, de parcela significativa de sua autonomia.

Por outro lado, fortaleceria as duas pontas do sistema: O Estado enquanto ente subnacional e

de coordenação geral (através da SEDUC) e a escola que passaria a gozar de autonomia na

condução de seu próprio Plano Estratégico de Desenvolvimento. O que se busca equacionar

na nova estrutura proposta, é o peso da fragmentação imposta pelo federalismo que incluiu o

município como ente autônomo, aprofundando a problemática da coordenação de políticas

públicas. No caso do sistema único, a consequência prática seria o empoderamento maior da

escola e um enfraquecimento do poder municipal e da própria estrutura de poder da

administração estadual, pois haveria a necessidade de rediscutir e redimencionar o papel e as

funções das secretarias estadual e municipais de educação. As consequências práticas de um

arranjo desta ordem têm, evidentemente, implicações deletérias sobre a vigência do modelo

atual de poder do Estado na determinação da política de educação (tanto em nível estadual

quanto local):

[...] pode-se conceituar o Sistema Único e Descentralizado de Educação Básica do

Mato Grosso como integração dos poderes constituídos, a interação política,

normativa e executiva dos serviços públicos de educação básica, a fusão dos

recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos, a unificação de redes

escolares sem distinção de unidades federais, estaduais ou municipais localizadas no

território do estado, de modo a evitar os paralelismos, as discriminações no

atendimento aos alunos e no trato aos profissionais de educação, a duplicidade de

meios para fins idênticos e as atividades concorrenciais, buscando a universalização

da educação básica de qualidade para todos os habitantes do Estado (pg. 17).

Em termos operacionais poderíamos definir esquematicamente a proposta do SUDEB

da seguinte forma:

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Gráfico 4 – Estrutura do SUDEB

Elaborado pela autora

Nesse modelo, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Escola Pública –

FUMDEP reuniria todos os recursos dos entes federados para que fossem repartidos entre as

escolas do sistema a partir de seus respectivos projetos de desenvolvimento estratégico. O

atual Conselho Estadual de Educação ganharia novas funções e nova forma de composição,

passando a ser um órgão gestor do sistema, de caráter deliberativo quanto à formulação de

políticas, legislação e normas gerais do sistema. A execução da política de educação ficaria a

cargo das secretarias executivas (secretarias estadual e municipais) e das próprias unidades

escolares. Apesar de não ficar muito claro o papel que as secretarias iriam ter e de como as

secretarias municipais e estadual poderiam negociar suas demandas e garantir suas

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prerrogativas na direção do sistema, caberia a estas o processo de orientação, avaliação e

normatização operacional do sistema. As escolas passariam a ser unidades gestoras, não

somente pedagógicas do sistema, tendo as seguintes competências:

a) Pedagógica – programas, metodologias de ensino, livro didático, material de ensino,

cursos, seminários, calendário escolar, intercâmbio, avaliação, etc.;

b) Política de pessoal: dimensionamento do quadro de pessoal, nível salarial,

condições de acesso e progressão funcional, critérios para desligamento, processo de escolha

de dirigentes escolares e de avaliação de desempenho, etc.;

c) Administrativa e organizacional: planos de desenvolvimento, projetos de atividades

de organização e controle escolar, etc.,

d) Financeira: definição das despesas de custeio e capital, elaboração de projetos de

captação de recursos financeiros, plano de aplicação dos recursos disponíveis, etc.

A autonomia da escola dilui o papel que as secretarias de educação teriam frente à

organização do sistema. A Secretaria Estadual, tratando-se de unidade que organiza o sistema

para além das fronteiras municipais, torna-se imprescindível para que o sistema não se seja

uma soma de escolas autônomas e desconexas.

O SUDEB não contou com unanimidade, houve divergências entre a proposta inicial

do governo e aquela defendida pelo Sindicato dos Trabalhadores de Educação - SINTEP.

Uma das questões importantes da divergência estava no uso do termo ―descentralizado‖ que

foi rechaçado pelos trabalhadores contrapondo-se à idéia corrente de descentralização como

transferência de responsabilidade ou municipalização da educação, sendo assim proposta a

denominação de Sistema Único de Educação Pública Básica – SUEPB. De fato, esta

divergência sintetizava toda a contradição da reforma que se empreendeu nos anos 90 e, em

Mato Grosso, havia o firme propósito dos trabalhadores utilizarem o espaço da construção do

sistema único como meio de impedir que a mesma lógica redutora do Estado se efetivasse

nesse projeto que, no geral, tinha grandes convergências entre governo e movimento

sindical.59

Os pontos críticos da análise do SINTEP em relação à proposta do governo são

expostos no quadro abaixo:

59

Segundo CARDOSO NETO (2004): O SINTEP se opôs à proposta do SUDEB, não contra as idéias

democratizantes que estão destacadas na mesma (que faziam parte das reivindicações e lutas sindicais) e,

que já constam da Constituição Estadual, mas àquelas idéias de cunho neoliberal, subjacentes na sua

implementação. Ainda segundo o autor a autonomia das unidades escolares proposta pelo SUDEB era na

verdade uma estratégia de transferência de responsabilidade do Estado para a escola.

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131

Quadro 20 – Análise Crítica do SINTEP em Relação ao SUDEB 01 – Financiamento O repasse de recursos com base no número de alunos matriculados,

segundo o SINTEP, seria insuficiente até para o pagamento da folha

dos funcionários. Com isso ficariam inviabilizados também a

manutenção, reparos e ampliação da escola, despesas que passariam a

ser de responsabilidade da unidade escolar.

02 – Sistema Único

Descentralizado

Para o sindicato os termos ―únicos‖ e descentralizados‖ são

incompatíveis. Permitirá apenas a criação de múltiplos e

pulverizados s is temas escolares, nos municípios e Estado.

03 – Autonomia A proposta trans fere as responsabilidades do Estado para a escola. A

chamada autonomia de pessoal rompe os atuais critérios de carreira e

abre-s e a possibilidade de ―carreiras‖ múltiplas . Já a autonomia para a

captação de recursos financeiros, sinaliza formas de complementação

como cobrança de carnês, anuidades, bolsas, etc.

04 – Adesão O sindicato e tende que a adesão opcional proporciona uma diversidade

de ―sistemas de ensino‖ em completo desencontro com a idéia que se

tem de único.

05 – Política de

Qualificação

Para o SINT EP, o convênio com a UNEMAT é muito restrito e a

política a ser implantada precisa de ma is investimentos.

06 – Investimentos Quanto aos investimentos massivos na educação, conforme afirma a

SEDUC, a proposta de redução de 35% para 28% das verbas para

educação, sendo 25% de repasse integral e 3% para a expansão da

rede. O SINT EP entende que não há nada de massivo nessa proposta.60

Fonte: LECLERC, 1999, p. 9 apud CARDOSO NETO, 2004, p. 90.

A despeito das divergências, a implicação da proposta do SUDEB parece clara: o

capital político, tradicionalmente concentrado na direção do sistema e na elite do sistema

político, tende a ser distribuído para as bases do sistema, arregimentando agentes

historicamente excluídos do processo de decisão das políticas, como os professores61

e a

60

A Constituição de Mato Grosso definiu o percentual de 35% à educação. No entanto, esse percentual

jamais foi cumprido pelo Estado. Davies (2007) em estudo sobre a aplicação do percentual destinado à

educação e análise dos Tribunais de Contas dos estados brasileiros, expõe o casuísmo na interpretação desses

tribunais e dos governos sobre o regime federativo. Os Estados ignoram os princípios das constituições

estaduais quando estes lhes obrigam a um percentual maior que os 25% da Constituição Federal. Além disso,

incluem nos gastos com educação despesas que não são autorizadas no percentual mínimo: Gastos com

ensino superior e inativos, por exemplo. No caso de Mato Grosso, além de não aplicar os 35% previstos pela

Constituição Estadual, inclui outras despesas não autorizadas e tem tido a anuência do Tribunal de Contas.

Ver: DAVIES, Nicholas. Aplicação dos Recursos Vinculados à Educação: A verificação do Tribunal de

Contas de Mato Grosso. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, V. 88, n. 219, p. 345-361,

maio/agosto, 2007. 61

Não são poucas as referências na literatura de educação sobre a ―resistência‖ dos professores às mudanças.

Estes profissionais também são vistos, quase sempre, pelas secretarias de educação, como um entrave às

mudanças educacionais. Mainardes (2007), em pesquisa realizada sobre a implementação da política dos

Ciclos de Aprendizagem no estado do Paraná, afirma: ―A implementação dos ciclos de ―cima-para-baixo‖

reforçou a separação entre concepção e execução de políticas, bem como a idéia de que os professores são

meros executores de planos e idéias de outros e despreparados para contribuir na construção de políticas.‖ (p.

123 -14) Segundo esse autor, um dos pontos fundamentais do insucesso dessa política é justamente o papel

que os professores ocuparam (ou deixaram de ocupar) na formulação e implementação da política.

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comunidade escolar, esta tida como legitimadora das políticas e aqueles como operadores

delas. Portanto, a proposta apresentada pela SEDUC, embora claramente influenciada pela

visão do ―Estado necessário‖ das reformas neo-liberais do período, traz elementos capazes de

mexer profundamente com a estrutura do campo institucional e do campo político em Mato

Grosso. No entanto, haveremos de refletir novamente, sobre as palavras de BOURDIEU

(2009):

Considerando-se as condições históricas e sociais que definem os limites da

autonomia relativa que um sistema de ensino deve à sua função própria definindo ao

mesmo tempo as funções externas de sua função própria, todo sistema de ensino se

caracteriza por uma duplicidade funcional que se atualiza plenamente no caso dos

sistemas tradicionais em que a tendência para a conservação do sistema e da cultura

que ele conserva encontra uma exigência externa de conservação social (p. 235).

Portanto, as condições sociais externas ao sistema definem os limites da autonomia do

próprio sistema. No caso de Mato Grosso, os limites estão dados no próprio documento que

apresenta a proposta do SUDEB – a visão patrimonialista das redes públicas de ensino e,

acrescentaríamos: uma organização federativa que protege os interesses patrimonialistas ao

não instituir com clareza as responsabilidades mútuas e cooperativas e os espaços públicos

institucionais de negociação dos entes federados no planejamento e implementação de

políticas. Redes desiguais, escolas desiguais, carreiras de profissionais da educação desiguais,

políticas fragmentadas, coadunam com uma organização social aonde a competição das elites

na escassez de capitais, num mercado restrito, altamente excludente, onde poucos agentes

participam do jogo político. A inexistência de uma sociedade civil forte capaz de influenciar e

ampliar os interesses no campo institucional impõe um tipo de competição defensiva entre as

elites integradas ao jogo e reforça a lógica de reprodução de um sistema de ensino altamente

excludente. Assim sendo, o mesmo discurso propalado na política ambiental, na qual se

previa a participação da sociedade que, ao final findou por excluí-la, repete-se no SUDEB e

desta vez de forma ainda mais dramática. O destino do SUDEB/SUEPB é emblemático.

4.2 A regulamentação do Sistema Único em Mato Grosso

Findada a Conferência, após o sucesso de participação da comunidade escolar, do

governo e da vitória dos princípios democratizantes da educação, de uma nova estrutura para

Voltaremos a tratar ma is detidamente sobre esta questão no próximo capítulo.

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organização dos sistemas da educação em Mato Grosso, o que ocorreu foi típico de uma

sociedade ainda marcada pela cultura autoritária cuja organização estatal é impermeável à

genuína participação nas políticas, conforme afirma CARDOSO NETO (2004) que pesquisou

sobre a experiência da Conferência Estadual de Educação em Mato Grosso: O documento

final não foi encaminhado pelo governo e os registros foram, por ele, extraviados... (pg. 64)

O SUDEB fora abortado e a mediação de interesses entre sociedade e governo fora

deixada de lado, seguindo-se o modelo autocrático de uma reforma pelo alto, cuja principal

característica foi o reforço da fragmentação dos sistemas e a descentralização. Apesar disso, o

sistema único é matéria constitucional em Mato Grosso e, portanto, algo do qual não se

poderia recuar completamente, ao menos no plano formal. Em outubro de 1998 é aprovada a

Lei Complementar n. 049 que dispõe sobre o Sistema de Ensino de Mato Grosso e pela

denominação dessa lei se enuncia o epitáfio do sistema único. Em seu artigo 9º decreta as

relações previstas entre Estado e municípios na garantia da universalização do ensino:

Na universalização do ensino obrigatório, o Estado e os municípios garantirão,

mediante convênio, em cumprimento ao § 4° do Artigo 211 da Constituição Federal,

dentre outras formas de colaboração, o uso comum e articulado de seus espaços

físicos e dos recursos humanos e materiais, precedido de autorização dos órgãos

normativos e gestores e dos sistemas envolvidos.

O Capítulo II trata da gestão única da educação básica das redes estadual e municipais

de ensino público de Mato Grosso e o que se observa é uma reversão daquilo que havia sido

apresentado inicialmente pelo governo na Conferência de Educação. O sistema único da lei

complementar nº 049 tem por características:

a) Adesão voluntária dos municípios que não optarem por criar seus próprios sistemas,

sendo necessária a adesão de 15% dos municípios para se configurar sistema único (art. 10,

parágrafo único);

b) A gestão única se dá através de programas conjuntos e permanentes, não mais pela

organização de uma estrutura de gestão, através da qual se definiria as políticas. Os programas

de caráter conjunto devem constar nos planos dos governos e esse é o instrumento que articula

a gestão única. (artigo 12). Esta escolha confere extrema fragilidade à proposta da lei que se

abstém de mudanças estruturais e abdica da possibilidade de negociação entre estado e

municípios na construção do sistema;

c) A coordenação de gestão prevista anteriormente na proposta do SUDEB foi

substituída por uma comissão permanente que, embora tenha previsão de representação

paritária entre governo, entidades educacionais e pais, na verdade tem funções burocráticas ao

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restringir o escopo de sua atuação: Elaboração do plano municipal de educação e do plano de

trabalho anual;

d) Quanto aos professores, a carreira única somente será viabilizada entre o Estado e

os municípios que aderirem ao sistema único e, isso implica uma política comum e restrita de

formação continuada, avaliação de rendimento escolar e da gestão;

e) Não há previsão de recursos e da forma como se daria a organização de fundos

estadual e municipais para o financiamento desse modelo de gestão única, o que certamente

remete ao modelo do FUNDEF já existente;

f) A autonomia da escola, prevista no SUDEB (administrativa, pedagógica, financeira

e de pessoal), foi substituída por uma autonomia pedagógica e administrativa;

g) O conselho de educação reforça seu caráter consultivo, deliberativo e fiscalizador,

abandonando a idéia de uma reconstituição do órgão para o exercício de gestão compartilhada

da política, entre governo e sociedade;

O processo participativo de construção da Conferência Estadual não foi capaz de

impedir que a regulamentação do sistema único fosse imposta pelo Executivo, contrariando as

expectativas dos movimentos pela educação em Mato Grosso e a própria condução do

governo até então. Houve, de fato, o reforço do caráter fragmentário e desarticulador da

política de descentralização que marcou a reforma da educação na década de 90 e anos

subseqüentes.

Almeida (2004) afirma que um dos mais fortes impedimentos à efetividade das

políticas educacionais no Brasil é o alto grau de desarticulação entre as esferas de governo.

No governo do presidente Fernando Henrique, as estratégias adotadas para enfrentar tal

questão tiveram como fundamento a idéia de uma reforma gerencial do Estado. Diversas

medidas legislativas foram tomadas62

nesse sentido, a mais importante delas foi a criação do

FUNDEF que redistribui os recursos para os municípios, notadamente os de pequeno porte, a

partir de uma lógica que estimula a fragmentação e a concorrência entre os entes federados. O

modelo de financiamento se baseia no número de matrículas (per capita), sem considerar

outros fatores que influenciam as condições da aprendizagem e a qualidade institucional e

pedagógica dos sistemas. A questão das desigualdades regionais e a reduzida responsabilidade

62

Lei 9.131/95, extinção do Conselho Federal de Educação e criação do Conselho Nacional de Educação,

com a criação do Exame Nacional de Cursos, Lei 9.192/ 95 que regulamenta a escolha dos dirigentes

universitários, Emenda Constitucional n. 14/95 que cria do FUNDEF, Lei n. 9.394 FUNDEF, a Lei 9.492/96

que regulamenta do FUNDEF, Lei 2.208/97 que reestrutura o ensino profissional e a lei 10.172/2001 que

aprova o Plano Nacional da Educação. Conf. AGUIAR, Márcia Ângela da Silva. A reforma da educação

básica e as condições materiais das escolas. In: SILVA, Aida Maria Monteiro e AGUIAR, Márcia Ângela

da Silva. Retrato da Escola no Brasil. CNT E, Brasília, 2004.

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135

do governo federal também são fatores que definem um perfil de política e de financiamento

que não contribuem para ampliar as possibilidades de acesso com qualidade ao sistema

educacional. Desse modo, a estrutura erigida para a condução da política educacional no país

contribui para a restrição do acesso ao capital cultural e para manter o sistema de distinções e

privilégios acessíveis a um reduzido grupo social, muito embora tenha se avançado na

democratização formal o acesso à educação.

O caminho percorrido pelo Governo do Estado de Mato Grosso nos fins dos anos 90,

não foi diferente, comprometido com as diretrizes do Governo Federal na recomposição da

―saúde‖ fiscal do estado, o governo de Dante Martins de Oliveira acena para um lado e

caminha para outro. A Lei Complementar nº 049 reflete a direção da reforma da qual Mato

Grosso se tornou signatário incondicional, a despeito do rico processo que construiu para

fazer avançar o propósito de um sistema único prescrito pela Constituição.

A experiência de Mato Grosso mostra claramente os limites que o regime federativo,

no modelo atual, impõe às políticas educacionais e as dificuldades de se constituir espaços de

minimização de seu caráter dispersivo. Ao optar por um sistema único, os constituintes

indicaram a necessidade de nova pactuação dos entes federados em território mato-grossense,

de modo a garantir instrumentos de gestão da política educacional que permitisse minimizar

as desigualdades intra-regionais no campo educacional. O maior problema que se coloca é

que o sistema único pressupõe perda do poder tradicional desses entes para constituição de

um novo campo de poder, uma engenharia institucional mais complexa e cooperativa. Ocorre

que a prescrição da constituição de Mato Grosso recoloca o debate nacional em defesa do

sistema único no qual a sociedade civil organizada havia sido derrotada no processo

constituinte nacional. Sem o marco Constitucional Federal que garantisse os meios para a

realização do sistema e, sem ter à frente o governo federal, as condições de se constituir um

sistema heterônomo em escala subnacional tornaram-se inviáveis. Soma-se a isso o caráter

patrimonialista da cultura regional, contra uma sociedade ainda frágil na efetivação de uma

cidadania ativa.

A educação concentra a maior parte do orçamento do Estado e chega a movimentar

bilhões de reais, o que a torna um campo de poder importante no jogo da política regional e

nacional e, fundamentalmente, no controle dos capitais. Tal situação tem reflexo sobre a

organização do campo institucional, determina a estrutura de poder do Estado na condução da

política de educação com impacto direto sobre a distribuição do capital cultural que reproduz

a desigualdade social pela desigualdade na apropriação do capital cultural. Essa dinâmica da

desigualdade perpetrada pelo sistema de ensino tem como instrumento de sua operação a

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136

organização de um federalismo que, baseado no princípio de autonomia de entes equivalentes

(em condições de equidade), ignora o fato de que o federalismo brasileiro padece de

assimetrias profundas que desfazem, na prática, o mito da autonomia desses entes. Ao tomar

os diferentes como iguais e ao não se definir a existência de meios que possam contemporizar

ou equacionar tais diferenças no campo das políticas educacionais, a organização federativa

passa a ser o instrumento pelo qual se opera e se organiza o sistema de ensino para a

reprodução da desigual na apropriação do capital cultural e outras formas de capitais a ele

associados.

No próximo capítulo procuraremos demonstrar como tal afirmativa se sustenta na análise da

política de formação de professores, considerada pelas pesquisas e debates acadêmicos uma

das mais importantes políticas para a promoção da qualidade da educação.

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137

CAPÍTULO V

A ESCOLA COMO UM MICROCOSMO DO CAMPO: PROFESSORES

E A POLÍTICA DE FORMAÇÃO

Este capítulo pretende compreender o terreno da implementação de políticas públicas

de formação de professores a partir do contexto em se organizam as estruturas do campo

institucional da educação. Procura-se articular a visão mais geral da estrutura da sociedade

brasileira e mato-grossense com a realidade pontual do município de Cáceres e escola

selecionada.

A opção pela abordagem qualitativa da pesquisa revelou-se útil na análise do campo

institucional/educacional. Os indicadores quantitativos produzidos regularmente pelo

Ministério de Educação, através do Instituto de Pesquisas Educacionais – Anísio Teixeira

(INEP) ajudaram compreender o estado da arte do sistema educacional brasileiro, juntamente

com outros indicadores, pelos quais se pode associar o modelo de desenvolvimento

econômico e social e as mudanças ocorridas ao longo da última década, bem como seus

impactos sobre o campo institucional/educacional. O caminho metodológico percorrido até

aqui foi o de colher evidências nos fatos históricos, sócio-políticos e econômicos que

pudessem balizar a compreensão do objeto deste estudo, qual seja: A implementação de

políticas de educação no contexto do federalismo brasileiro, tendo em vista regulação do

capital cultural. Para isso, tomou-se como problema central da pesquisa o arranjo

institucional para a condução das políticas, partindo em primeiro plano de sua base de

sustentação legal, cujos antecedentes remontam os movimentos pela educação anteriores à

Constituição Federal de 1988. Procurou-se demonstrar que as mudanças realizadas e as

interdições impostas à construção de um arranjo articulado num sistema nacional de

educação, não foram resultantes apenas das correlações de forças endógenas, houve uma

ampla articulação de agências internacionais que interferiram sobremaneira nos rumos das

políticas sociais do Brasil naquele período. Ainda hoje o campo institucional da educação

repercute o legado daquelas políticas, mesmo consideradas as mudanças advindas das eleições

do Governo de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2006/2007-2010).

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Sendo o olhar sobre a problemática do campo institucional/educacional orientado pela

perspectiva bourdieusiana, foi necessário arregimentar os elementos históricos que buscam

constituir as referências para a compreensão da cultura e das práticas políticas que perpassam

as relações sociais no Brasil e em Mato Grosso. Situa-se, desse modo, as conexões internas e

externas na identificação de uma espécie de habitus institucional nacional e regional. Nesta

perspectiva, ao tomar como centro da análise a implementação de políticas de educação no

contexto federativo brasileiro, de fato o que se tem como problema central é a funcionalidade

do federalismo, nos arranjos institucionais postos, no controle de acesso ao capital cultural e,

portanto, na distinção ou desigualdade social no âmbito do sistema escolar. Aqui, o propósito

é analisar esta relação no interior de uma política específica: a formação de professores,

desenvolvida sob a coordenação de uma Secretaria de Educação, de um ente federado

específico: o Estado de Mato Grosso. Avança-se para o que poderia se chamar de ―chão‖ da

política, ou seja, a escola, lugar da existência material dos agentes que implementam, em

última análise, a política educacional. É onde se ―criam‖ políticas, conforme alertava Silva &

Melo (2000)

A abordagem qualitativa nos permitiu vislumbrar a complexidade dos elementos que

compõem o campo institucional/educacional. Conforme Santos (2006), tal abordagem é

coerente com a natureza subjetiva das Ciências Sociais, tendo em vista seu potencial de

produzir conhecimento intersubjetivo, descritivo e compreensivo da realidade em questão,

considerando que os atos humanos, base dos fenômenos sociais, são radicalmente subjetivos.

Para o tratamento das questões em análise, faz-se necessário distinguir o que,

exatamente, toma-se por política de formação de professores. Os educadores concebem, pelo

menos, dois momentos da formação. A primeira é a chamada formação inicial, aquela

adquirida a partir do nível da graduação a qual habilita o profissional para o exercício do

magistério. A outra é aquela que segue seu percurso de desenvolvimento através de um

itinerário que envolve desde cursos de curta duração, palestras, experiências profissionais em

ensino, pesquisa e pós-graduação. Arregimentam uma série de estratégias que podem servir

ao desenvolvimento profissional tendo em vista a aprendizagem contínua que se define como

formação continuada. Segundo Candau (1997), a formação continuada não pode ser

confundida com a oferta e realização de inúmeros cursos, quase sempre de curta duração.

Trata-se, na verdade, de uma estratégia deliberadamente concebida para apropriação, por

parte do professor, do conhecimento da realidade em que se dá a prática pedagógica e o

desenvolvimento de capacidades cognitivas complexas que envolvem a função de ensinar.

Para Day (2001):

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A formação contínua tem como objetivo proporcionar uma aprendizagem intensiva,

durante um período limitado de tempo, e, apesar de poder ser planejada em

conjunto, tem geralmente um líder nomeado cuja função consiste em facilitar, mas

também estimular, a aprendizagem de uma forma ativa. Sendo concebida para

‗encaixar‘ nas necessidades do professores em relação ao seu grau de experiência, à

etapa de desenvolvimento de sua carreira, às exigências do sistema e às necessidades

do ciclo de aprendizagem ou do próprio sistema[...] (p. 204)

E conclui sua afirmação citando Hagreaves:

Os novos professores são acolhidos no início do ano, mas deixados sozinhos.

Formação continua é deixada ao livre arbítrio do professor e, assim, é muitas vezes

eleita pelos mais ambiciosos e por aqueles que menos precisam dela. A maior parte

da formação contínua existe sob a forma de cursos, tem lugar fora das escolas e é

realizada para benefício individual. Não surge a partir de necessidades

institucionais, nem existe um mecanismo de divulgação de seus resultados na escola

(HARGREAVES, D., 1994, p. 430 apud DAY, 2001, p. 205).

Poder-se-ia inferir que, apesar da importância reconhecida da formação continuada,

sua organização tendo em vista profundas desigualdades sociais e regionais, podem reforçar

mecanismos ocultos de reprodução de uma realidade marcada pela precarização da formação

inicial e pela restrição do acesso ao capital cultural à maior parte da população. Por força do

habitus e do desconhecimento racional, próprio dos mecanismos de ocultação encetados pelo

sistema de ensino, perpetua a desigualdade no acesso ao capital cultural pós-formação inicial.

Trata-se aqui de compreender o campo institucional da educação limitado à política de

formação de professores no âmbito da Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso.

Toma-se como fulcro da análise a formação continuada, pois, a formação inicial é de

responsabilidade das instituições de ensino superior e não está sob o comando direto da

SEDUC, não sendo objeto deste estudo será apenas tangencialmente abordada.

A análise foi produzida a partir de um percurso de levantamento de dados no qual se

realizou as seguintes estratégias:

a) Observação – através visitas e acompanhamento de reuniões semanais nos Centros

de Formação e Atualização dos Profissionais de Educação de Mato Grosso - CEFAPRO´s de

Cuiabá (2º semestre de 2008) e Cáceres (1º semestre de 2009);

b) Observação da escola, através de participação em reuniões em uma escola estadual

do município de Cáceres (1º semestre de 2010)

c) Conversas informais

d) aplicação de questionário junto a professores da escola selecionada.

e) pesquisa em fontes secundárias.

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A análise da política de formação de professores, a partir de uma realidade fática,

territorialmente localizada, auxilia a compreensão de premissas teóricas mais abrangentes e

abstratas. Há, pelo menos, três razões fundamentais para um mergulho na realidade escolar

de formação dos professores: a) a escola é o lugar de efetivação das políticas educacionais

(insistentemente tratadas nos planos de educação), b) através dos agentes que a compõe é

possível compreender melhor a organização real do sistema; c) o governo federal tem pouca

participação na prestação direta de serviços na educação básica, mas tem aumentado sua

participação tanto na oferta quanto no desenvolvimento de políticas de formação de

professores, assim, a realidade pode dar pistas da capilaridade dessa participação; c) a

formação de professores pode ser um importante indicador de controle do capital cultural,

pois, estes profissionais são responsáveis pela condução da Ação Pedagógica no sistema de

ensino formal.

No sistema formal de ensino a Ação Pedagógica ganha centralidade, tendo em vista

sua importância enquanto categoria prática relacionada ao papel do professor cuja finalidade

é formar as novas gerações a partir de certa cultura, habilidades e competências consideradas

importantes para o ―convívio‖ social. Segundo Bourdieu (2009), toda Ação Pedagógica é uma

violência simbólica, pois, trata-se do uso de um poder arbitrário que se baseia na premissa de

transmissão/inculcação de um arbitrário cultural. A AP não é exclusividade dos professores

ou da escola, ela se realiza por todas as formas de transmissão do arbítrio cultural, seja na

família, na igreja, nas relações de trabalho ou qualquer outra onde se estabeleça relações de

forças, de poder. Mas, na escola e através dos professores, adquire um sentido

institucionalizado do monopólio da violência estatal:

Numa formação social determinada, o SE63

dominante pode constituir o TP64

dominante como TE65

sem que os que exercem como os que a ele se submetem

cessem de desconhecer sua dependência relativa às relações de força constitutivas

de forma social em que ele se exerce, porque 1) ele produz e reproduz, pelos meios

próprios da instituição, as condições necessárias ao exercício de sua função interna

de inculcação que são ao mesmo tempo as condições suficientes da realização de sua

função externa de reprodução da cultura legítima e de sua contribuição correlativa à

reprodução das relações de forças; e porque 2), só pelo fato de que existe e subsiste

como instituição, ele implica as condições institucionais do desconhecimento da

violência simbólica que exerce,isto é, porque os meios institucionais dos quais

dispõe enquanto instituição relativamente autônoma, detentora do monopólio do

exercício legítimo da violência simbólica, estão predispostos a servir também, sob a

aparência da neutralidade, os grupos ou classes dos quais ele reproduz o arbítrio

cultural (dependência pela independência) (BOURDIEU, 2009, p. 90).

63

Sistema de Ensino 64

Trabalho Pedagógico 65

Trabalho Escolar

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Portanto, o professor, cuja essência do seu trabalho é a AP, ganha importância para

compreensão das políticas de educação, pelo que apresentam enquanto visão de si mesmos, de

suas práticas e das condições de seu exercício profissional, mas, principalmente, pelo que não

suspeitam que seja seu papel, interpretado a partir de sua posição na estruturação do sistema e

ocultado pela forma como ele se organiza, regula e restringe o acesso ao capital cultural

desses profissionais. A escola parece ganhar vida própria, a despeito de seus agentes, quando

seus ritos, sua organização, seu cotidiano são incorporados como resultado da mais eficiente

Ação Pedagógica praticada como violência simbólica contra toda comunidade escolar.

1. Determinantes Políticos na Formação de Professores

No processo de Reforma dos anos 90 que marcou profundamente a organização do

Estado e as políticas públicas no Brasil, a formação de professores foi vista como

instrumentalização profissional para uso de técnicas e ferramentas pedagógicas que

permitissem a implementação de um currículo pensado de fora para dentro. Daí a prioridade

na formação continuada em serviço, em detrimento da formação inicial. Nessa perspectiva,

há coerência na lógica que orientou as políticas desse período, cujo foco foi o ensino

fundamental em detrimento dos outros níveis, em especial o ensino superior. Soma-se a isso

a centralidade que ganha a eficácia econômica na aplicação dos recursos destinados às

políticas sociais. As ações de formação de professores tinham também como referência o

menor custo com maior e mais rápido retorno. De fato, a LDB dá ênfase considerável à

atividade prática na formação do magistério. O Inciso I do artigo 61, título VI (Dos

Profissionais da Educação), logo de início, menciona a teoria e a prática como componentes

da capacitação em serviço. No artigo 63, inciso III, impõe aos Institutos Superiores a

manutenção de programas de educação continuada para os profissionais dos diversos níveis.

No art. 65, sentencia: A formação docente, exceto para a educação superior, incluirá prática

de ensino de, no mínimo, trezentas horas. E, finalmente, no parágrafo primeiro do art. 67 a

experiência docente é considerada pré-condição para o exercício de qualquer outra função do

magistério, estas incluídas pela Lei 11.301 de 2006, passando a fazer parte das funções do

magistério: direção da unidade escolar, coordenação e assessoramento pedagógico. Segundo

ALTMAN (2002):

[...] as habilidades para ensinar são mais bem desenvolvidas no contexto do próprio

trabalho, favorecendo um modelo prático para a aquisição dessas habilidades. O uso

da palavra habilidade é ilustrativo sobre a forma como é compreendido o trabalho

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docente. A formação docente torna-se eminentemente prática, ficando restrita à

aquisição de habilidades. A proposta do ministro de criar cursos de treinamento para

professores é condizente com tal perspectiva de educação, como se o professor fosse

um simples aplicador de técnicas pedagógicas que podem ser facilmente aprendidas

em algum curso ou, até mesmo, na televisão, através do TV Escola [...] (p. 84)

A formação de professores se dissolve na questão prática do cotidiano escolar, a

agenda de políticas tende à dispersão, relegando ao cotidiano sua realização. É inegável que o

aprendizado é um processo constante e que pode e deve ser buscado nas práticas profissionais,

entretanto, a questão que se coloca é: que elementos estão postos para que se possa obter um

aprendizado tão rico quanto capaz propiciar experiências significativas culturais e

profissionais na escola?

Os modelos de desenvolvimento profissional promovidos pela escola podem ser

vistos como compensatórios se centrarem predominantemente na responsabilidade

dos professores em melhorar o ensino, mas dão pouca ou nenhuma atenção aos

fatores organizacionais ou sociais que podem influenciar a instrução do currículo.

Assim, é provável que se promova uma concepção mais limitada de ensino e do que

significa ser professor e do que aquela que existia anteriormente.

Se o desenvolvimento profissional promovido pela escola (orientado por

imperativos de implementação de políticas educativas) continuar a ser o único

caminho para o desenvolvimento da maior parte dos professores, as oportunidades

para estes expandirem a sua profissionalidade serão limitadas. Por isso, o discurso

sedutor da prática – quando este é interpretado no sentido de que só o que se pode

transportar para a prática é valioso ou legítimo – representa, em última análise, um

constrangimento em termos de desenvolvimento criativo da prática de formação de

professores (DAY, 1999, p. 216).

A visão operacional na formação dos professores, não está superada no Brasil,

tampouco a de uma formação continuada que desconsidera as condições efetivas de

organização do sistema e da gestão educacional, seja no âmbito da coordenação geral da

Secretaria de Educação ou da unidade escolar.66

A desarticulação dos entes federados, na

66 Em 2007 o Ministério da Educação - MEC realizou um grande diagnóstico dos sistemas de ensino brasileiro

para efetivação do Programa de Ações Articuladas PAR. Um instrumento que deve servir para a cooperação

entre Governo Federal, Estados e Municípios na implementação de políticas de educação. Após o diagnóstico

foi feito Termo de Adesão pelo GF assinados pelos estados e municípios, no qual se comprometiam, com o

apoio do MEC, pela implementação de ações para melhoria dos indicadores educacionais indicados pelo

diagnóstico. Para o município de Cáceres-MT, foram identificadas 03 estratégias serem apoiadas pelo MEC: 1)

Gestão Educacional (09 ações); 2) Formação de Professores e de Profissionais de Serviços e Apoio Escolar (29

ações); 3) Infra-estrutura física e recursos pedagógicos (12 ações). As ações voltadas à formação de professores

são, em sua maioria, ações pontuais desenvolvidas, principalmente, na modalidade à distância. Apesar do

esforço, o PAR não traz elementos significativos de mudanças nas relações entre os entes federativos, muito

embora o governo federal assuma compromissos maiores com a implementação das políticas educacionais,

permanece a escola como unidade executora apenas e, os professores com instrumentos dessa execução. A

capacitação proposta pelo PAR se baseia na lógica da oferta de cursos pelas agências formadoras. Escolas e

professores são ―clientes‖ da formação, não são partes da construção. Talvez, uma explicação para isso seja a

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condução da política de formação de professores, tem grande importância na manutenção

desta realidade, como se poderá ver adiante.

As deficiências em explicitar os mecanismos de cooperação estão presentes, também,

na política de formação dos professores. A experiência atual do Programa de Ações

Articuladas - PAR, por exemplo, talvez seja a mais explícita em termos dessa cooperação,

contudo, não enfrenta o caráter desigual da organização dos sistemas, tampouco institui

instrumentos mais consistentes de políticas de Estado, para além de uma agenda do governo

de plantão.

O Plano Nacional de Educação (2001-2010) remeteu à elaboração de um programa

nacional de formação dos profissionais da educação infantil, devendo ser institutido programa

de formação em serviço articulado com instituições de ensino superior, em cooperação técnica

com União e Estados. No geral são definidas 05 prioridades do plano, dentre elas:

Valorização dos profissionais da educação. Particular atenção deverá ser dada à

formação inicial e continuada, em especial dos professores. Faz parte dessa

valorização a garantia das condições adequadas de trabalho, entre elas o tempo para

estudo e preparação das aulas, salário digno, com piso salarial e carreira de

magistério (MEC/INEP, 2001, p. 35).

No Plano de Nacional de Educação proposto pela sociedade, a questão da cooperação

também desaparece quando o assunto é formação de professores. Como essa política seria

tratada num Sistema Nacional? A formação de professores não é secundária, pois, estes

profissionais têm papel fundamental de colocar em marcha as políticas e o processo

educativo. Num mesmo espaço territorial há redes estaduais e municipais e muitos trabalham

em ambas, portanto, a articulação exigiria pensar uma política tendo em vista a

complementaridade dos níveis de ensino, sua efetividade e, conseqüentemente, os objetivos

que devem ser alcançados pelo sistema para a garantia do direito à educação escolar em

condições de desigualdade regional.

O processo intensivo de municipalização da educação resultou em maior aporte

financeiro dos municípios. Hoje são os que mais investem, mas são, também, os que mais fragilidade na formulação e implementação de política públicas de educação na maioria dos estados e

municípios, o que leva à tentativa das ações do governo federal suprirem tal fragilidade, propondo ações mais

ou menos homogêneas para resolver problemas aparentemente parecidos (baixa qualificação de professores) em

lugares e realidade completamente distintas. Prevalece a idéia de formação como treinamento. Sobre o PAR ver:

<http://portal.mec.gov.br>.

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dificuldades apresentam no planejamento e implementação de políticas públicas. Um bom

indicador da crescente problemática são os gastos realizados. Se não podem explicitar toda a

complexidade do setor, revelam a importância crescente que passam a ter os municípios na

medida em que articulam os interesses políticos e econômicos traduzidos pela capacidade de

investimentos do setor público.

Quadro 21 – Estimativa do Percentual do Investimento Total em Educação por Esfera De

Governo, em Relação ao Produto Interno Bruto (PIB) - Brasil 2000 - 200667

Ano Percentual do Investimento Público Total em Relação ao PIB

Total Esfera de Governo

União Estados e Distrito Federal Municípios

2000 4,7 0,9 2,0 1,8

2001 4,8 0,9 2,0 1,8

2002 4,8 0,9 2,1 1,8

2003 4,6 0,9 1,9 1,8

2004 4,5 0,8 1,9 1,9

2005 4,5 0,8 1,8 1,9

2006 5,068

0,9 2,2 2,0 Fonte: Inep/MEC/ Tabela elaborada pela DTDIE/Inep.

A maior parte dos recursos destinados à educação no período de referência concentra-

se no ensino fundamental, numa proporção que oscila entre 36,58% (em 2002) a 31,81% (em

2006) do total dos investimentos públicos direto em educação.69

É grande a responsabilidade dos municípios nos anos iniciais da escolarização, com

isso este também se transforma em um dos principais empregadores de profissionais de

educação, conforme pode ser demonstrado pelos números de ampliação crescente. Por outro

lado, é sabido que no município é onde mais se agravam as condições de gestão, a carência de

recursos institucionais para a formulação e implementação de políticas públicas, o que impõe

tensionamentos frente ao desafio de constituição da carreira do magistério, nela compreendida

a formação, desenvolvimento e salários.

67

Os números distribuídos por dependência administrativa não equivalem ao total de professores por unidade da

federação, tratam-se apenas dos professores que exercem suas funções em uma única instituição (municipal,

estadual, federal e privada) em relação ao total de professores de cada unidade da federação. 68

A proporção dos gastos em educação em relação ao PIB, neste caso chega a 5% em razão de incluir

estimativas de complementação de aposentadoria futura para pessoal ativo, transferências para o setor privado,

bolsas a estudantes. A proporção de investimento direto em relação o PIB é de 4,4% para 2006, conf.

MEC/INEP, disponível em: <http://www.inep.gov.br/estatisticas/gastoseducacao/indicadores_financeiros

/P.T.I._ dependencia_administrativa.htm>, acesso em: 15/08/2009. 69

Percentual de Investimento Direto em Relação ao PIB por nível de ensino. Segundo definição do INEP:

Nessas informações não constam os valores despendidos pelos entes federados com Aposentadorias e Pensões,

Investimentos com bolsas de estudo, financiamento estudantil e despesas com juros, amortizações e encargos da

dívida da área educacional.‖ (Investimentos Públicos em Educação, disponível em: <http://www.inep.gov.br/

estatisticas/gastoseducacao/indicadores_financeiros/P.T.D._nivel_ensino.htm)>. Acesso em: 20/08/2009.

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Quadro 22 - Número de Professores de Educação Básica por Dependência Administrativa,

segundo a Região Geográfica e a Unidade da Federação, em 30/5/2007

Unidade da

Federação

Total Somente na

Federal

Somente na

Estadual

Somente na

Municipal

Somente na

Privada

Brasil 1.751.251 11.483 572.579 826.515 309.644

Norte 157.016 1.077 51.847 82.972 11.321

Rondônia 15.359 50 6.398 6.155 1.693

Acre 9.329 26 5.122 3.278 422

Amazonas 34.186 226 10.938 17.749 1.963

Roraima 6.498 135 4.115 1.500 296

Pará 65.028 503 11.603 44.886 4.816

Amapá 9.245 0 6.012 2.009 752

Tocantins 17.371 137 7.659 7.395 1.379

Nordeste 570.647 3.201 120.728 337.218 68.377

Maranhão 84.933 266 14.321 56.857 6.890

Piauí 42.393 318 10.309 23.308 4.679

Ceará 85.784 443 12.234 52.727 14.715

R. G. do

Norte

34.686 402 8.655 16.680 6.107

Paraíba 43.191 309 12.869 21.596 4.090

Pernambuco 82.477 665 19.673 43.091 12.951

Alagoas 29.935 243 5.577 18.613 3.007

Sergipe 22.164 153 5.980 11.009 2.862

Bahia 145.084 402 31.110 93.337 13.076

Sudeste 741.604 4.483 244.136 259.615 158.922

Minas

Gerais

210.126 1.723 79.246 73.567 34.798

Espírito

Santo

36.167 420 7.898 18.012 5.695

Rio de

Janeiro

133.517 2.028 32.655 54.170 30.840

São Paulo 361.794 312 124.337 113.866 87.589

Sul 281.251 1.989 100.301 105.500 48.411

Paraná 101.327 422 35.561 39.046 18.816

Santa

Catarina

65.726 614 20.854 27.047 11.145

R. G. do Sul 114.198 953 43.886 39.407 18.450

Centro-

Oeste

733 733 55.567 41.210 22.613

M. G. do Sul 24.909 65 7.740 9.158 4.168

Mato Grosso 30.869 140 12.389 11.309 3.100

Goiás 53.286 400 18.158 20.743 9.726

Fonte: Fonte: MEC/Inep/Deed

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146

A Reforma dos anos 90 conseguiu aprofundar o processo de municipalização da

política de educação, mas a própria condição de desigualdade regional fez com que esse

quadro não fosse homogêneo e, como se pode extrair dos dados acima, os estados, na maioria

das vezes, continuam tendo grande importância na oferta de serviços educacionais e na

contratação de professores. Mato Grosso é o único do Centro-Oeste a ter mais professores

que as redes municipais o que indica sua importância no enfrentamento das disparidades intra-

regionais, com potencial de organização de políticas que permitam a minimização das

disparidades. A indicação clara da Constituição Estadual para que se organize o Sistema

Único de Educação, desafia a capacidade do Estado em cumprir seu papel frente aos

municípios no que concerne à gestão da política educacional, em especial da formação de

professores. .

1.2 Estrutura organizacional e formação de professores

Durante o ano de 2008, ainda no primeiro semestre, foram realizadas visitas à

Secretaria de Estado de Educação – SEDUC, unidades descentralizadas CEFAPROS e

Assessorias Pedagógicas. Nesse ano houve acompanhamento a uma série de reuniões

semanais do CEFAPRO de Cuiabá e no ano seguinte em Cáceres. O objetivo era observar a

dinâmica de funcionamento das unidades na condução da política de formação de professores

e a relação com a escola e a SEDUC. Não foram feitas entrevistas ou aplicados questionários

nesta etapa da pesquisa, apenas anotações de conversas informais e observação de reuniões

em um caderno de campo, além de pesquisa em fontes documentais.

A participação no cotidiano tanto dos CEFAPROS quanto da escola, se mostrou

importante para observar e analisar as condições do trabalho, o ambiente organizacional e as

relações estabelecidas no interior da estrutura formal. A possibilidade de observação da

realidade favorece a percepção do campo institucional em ação, em sua lógica e sentido dados

pelos agentes. Mister se fez adotar técnica compatível:

[...] A observação participante é mais sensitivamente vista, operacionalmente, como

um conjunto de métodos e técnicas que são caracteristicamente empregados em

estudos sobre situações sociais ou organizações sociais complexas de qualquer tipo.

[...] Nós vemos a observação participante, não como um método único, mas como

um tipo de empreendimento de pesquisa, um estilo de combinação de vários

métodos dirigidos a um fim particular (McCALL-SIMMONS apud HAGUETTE,

2001, p. 72)

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147

Do mesmo modo, a observação participante empreendida neste trabalho compõe o

conjunto de técnicas empregadas para a compreensão da realidade escolar no âmbito da

complexa estrutura da política de educação em Mato Grosso, determina o campo institucional

e produz, também, uma cultura, um habitus.

O órgão responsável pela política em Mato Grosso é a SEDUC, coordenadora de uma

rede de 609 escolas públicas e aproximadamente 23 mil professores. Não se sabe ao certo

quantos servidores estão lotados somente na sede administrativa, mas estima-se que sejam

800, aproximadamente. Integram essa estrutura as unidades descentralizadas: CEFAPROS,

Assessorias Pedagógicas e as unidades escolares.

A Assessoria Pedagógica funciona como um braço burocrático da administração

central cujas tarefas cotidianas são: emissão de certificados de conclusão de cursos aos

alunos, lotação de pessoal, atribuição de aula, mediação entre escola e administração central

no cumprimento de critérios para o financiamento e prestação de contas de projetos,

orientação quanto aos assuntos administrativos e à vida funcional dos servidores da rede

estadual, acompanhamento do Plano Político Pedagógico (PPP)70

e Plano de

Desenvolvimento da Escola (PDE). Ação desenvolvida pela assessoria em relação a esses

planos é estritamente operacional. É unidade de protocolo do PPP das escolas e monitora o

gasto e prestação de contas do PDE (recursos dos governos federal e estadual). Realiza, ainda,

algumas ações de formação no âmbito dessas competências, além de outras ações formativas

residuais relacionadas, por exemplo, a alfabetização.71

Criados pelo Decreto 2.007/1997, cabe aos CEFAPROS a implementação da política

de formação de professores, a formação continuada, a inclusão digital e o uso de novas

tecnologias na prática pedagógica dos profissionais de educação básica da rede pública

estadual de ensino. (Decreto 1395/2008, art. 2º). Além disso, atuam como certificadores das

atividades de formação continuada realizadas nas unidades escolares, através do Projeto Sala

do Professor.72

Os certificados emitidos são importantes instrumentos de ―contagem de

pontos‖73

seja para progressão na carreira dos professores concursados ou para atribuição de

71

Programa Brasil Alfabetizado (PBA), programa do Governo Federal em funcionamento desde 2003, tem como

objetivo a alfabetização de jovens, adultos e idosos. 72

Projeto de Formação Continuada realizada na/pela escola, são reuniões semanais de professores, com carga

horária definida anualmente e certificação pelo CEFAPRO. 73

A Secretaria utiliza um sistema de contagem de pontos para lotação do professor contratado nas escolas, são

professores não concursados que concorrem todo ano a uma vaga na escola e a partir de pontos contados pela

experiência de trabalho, mas principalmente pelas horas de formação em cursos de formação continuada, dão

preferência para permanência na escola.

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aulas para os contratados. É no âmbito dessa estrutura hierarquizada e centralizadora que se

dá o desenvolvimento das ações de formação continuada.

No topo da hierarquia está a Secretaria Adjunta de Política Educacional, cuja estrutura

pode-se visualizar abaixo:

Organograma 1 – Organograma parcial da SEDUC/MT

Fonte: http://www.seduc.mt.gov.br

A hierarquização da estrutura expressa no organograma é também a que se verifica

empiricamente. Pode-se afirmar que a estrutura de decisões da política de formação é

centralizada e, descentralizada parte da execução através das unidades dos CEFAPROS.

2. Política de Formação de Professores em Mato Grosso

Em 1996, terminada a gestão do petista Professor Carlos Alberto R. Maldonado (1995-

1996) assumiu a pasta o ex-prefeito de Rondonópolis, do PMDB, o médico Fausto Farias

(1997-1998). Enquanto a gestão do primeiro foi pautada, como já analisado, pela implantação

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149

do Sistema Único de Educação em Mato Grosso e a realização da I Conferência de Educação

com esse objetivo, a gestão de Farias teve como mote a formação de professores.74

Pela

primeira vez, a questão da formação continuada assumiu destaque na agenda de governo. Em

agosto de 1997, foi proposta a criação do Centro de Formação e Atualização do Educador –

CEFAE.75

Em Rondonópolis, professores da Escola Estadual Sagrado Coração de Jesus e a

Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT,76

estimulados pela experiência do CEFAM77

(1990), haviam organizado grupo de estudos e desenvolviam trabalhos relacionados à

formação de professores. O CEFAE teve inspiração nessas iniciativas. O objetivo era

oferecer condições diferenciadas de formação de professores à rede pública. Além da

formação continuada, a proposta era implantar um curso de ensino médio normal em período

integral, a exemplo do que ocorreu no CEFAM/SP. Entretanto, o governo não garantiu as

condições de seu funcionamento. Outro objetivo importante era a erradicação de professores

leigos.78

A perspectiva do centro, segundo o documento/proposta, seria atender tanto as

escolas da rede estadual quanto as municipais e privadas, com prioridade para as primeiras.

Expressava assim, a preocupação formal com o atendimento de todo sistema de ensino,

aproximando do preconizado na constituição estadual. A perspectiva organizacional

fundamentava-se no relacionamento entre escola e centro, ou seja, os cursos ofertados pelo

centro deveriam ser discutidos e organizados a partir da necessidade da escola enquanto

coletivo de professores, não sendo aceitas inscrições individuais para participação nos

programas:

Portanto, as vagas nos Centros, são conferidas às escolas que enviarem o seu grupo

de professores para atualização. Depreende-se, daí, o entendimento de que as vagas

para os professores freqüentarem o curso são cedidas para a escola que aderiu ao

projeto, isto é, o Centro não trabalha com o professor individualmente. Outrossim, é

necessário esclarecer que, quando um professor é transferido de escola, e sua nova

escola não está integrada ao projeto, sua vaga será atribuída ao seu substituto

(MATO GROSSO, 1997, p.18)

74

Durante o período de 1995/2002 que compreende os dois mandatos do Governo Dante de Oliveira, passaram

pela Secretaria de Educação 06 diferentes secretários: 1995 - Walter Albano, Carlos Alberto Reys Maldonado

(1995-96), Fausto Farias (1997-1998), Antonio Joaquim Rodrigues Neto (199-2000), Marlene Silva (2001).

Nesses mandatos Marlene Silva assumiu a função de Secretária Adjunta, com exceção do período de Fausto

Faria, quando era chefe de Gabinete. 75

MATO GROSSO (Estado). Secretaria de Estado de Educação. Centro de Formação e Atualização do

Educador. Novo paradigma para a formação do professor. Cuiabá, agosto, 1997. Mimeo. 76

Campus de Rondonópolis. 77

Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério – CEFAM, experiência do Estado de São

Paulo na formação continuada de professores. 78

Não habilitados, conforme a LDB, para o exercício do magistério.

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A orientação de trabalho com a escola a partir de suas necessidades e do seu projeto de

desenvolvimento coletivo, diferencia-se do modelo que se consolidou em Mato Grosso,

centrado na demanda e na escolha individual do professor-aluno dos cursos de seu interesse,

sem relação ou envolvimento com o projeto da escola.

O centro tinha a pretensão de ser não apenas um lócus de formação do magistério;

integraria ensino, pesquisa e extensão como estratégia de formação inicial e continuada,

articulada à produção de conhecimento sobre a realidade educacional do estado. Pretendida

dar condições à avaliação e formulação das políticas voltadas à profissionalização do

magistério e à melhoria da qualidade do ensino. No futuro poderia se constituir em Centro

Superior de Formação de Professores (com atividades de ensino, pesquisa e extensão).

Tornar-se-ia referência para outras escolas e para o sistema de ensino como um todo.

A proposta do CEFAE pareceu arrojada para a realidade de Mato Grosso, entretanto,

a falta de clareza sobre seu financiamento, a ausência de dotação orçamentária específica e o

fato de suas unidades serem criadas nas próprias escolas, desde que estas pudessem oferecer

melhores condições para ―abrigá-los‖, demonstra a limitação de um projeto sem lastro para

tornar efetivos os seus propósitos.79

Em relação aos municípios, apesar de contemplar a

participação das escolas municipais, não se previu mecanismos para isso.

A proposta foi elaborada no ano seguinte àquele em que se deu a discussão sobre o

SUEB/SUDEB sem retomar, no entanto, as questões sobre sistema único da educação. Tal

situação se explica pela mudança do gestor na secretaria de educação e a recomposição das

forças políticas. As descontinuidades não acontecem apenas em razão de mudanças de

governo. A notória ausência de um projeto claro e apoiado pelos agentes que, de fato,

implementam as políticas (membros da comunidade escolar) e seu fraco empoderamento,

tornam essas mesmas políticas vulneráveis às intempéries tanto de governos quanto de

secretários num mesmo governo. É movediça a constituição do campo institucional da

educação e o atrelamento ao campo político indica sua pouca autonomia.

O CEFAE não chegou ser implantado como tal e a proposta evoluiu para a criação dos

CEFAPRO‘s naquele mesmo ano (1997). Em 27/12/2005 passa a denominação: Centro de

Formação e Atualização dos Profissionais de Educação Básica do Estado de Mato Grosso,

mantendo a mesma sigla. Foram criadas 03 unidades: Cuiabá, Rondonópolis e Diamantino.

No início desta pesquisa (2008) eram 11 e, em 2009 passou a contar com 15 unidades que

79

O Documento Centro de Formação e Atualização do Educador. Novo Paradigma para formação do professor,

nas páginas 24 e 25, traça uma série de critérios que devem ser preenchidos pela escola para que possa sediar o

centro, mas estruturas que dificilmente alguma escola, mesmo da capital poderia cumprir, isso não impediu que

os centros foram implantados.

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atendem a diferentes regiões do estado: Alta Floresta, Barra do Garças, Cáceres, Confresa,

Cuiabá, Diamantino, Juara, Juína, Matupá, Pontes e Lacerda, Primavera do Leste,

Rondonópolis.

Cada CEFAPRO deve elaborar seu Plano Político Pedagógico (PPP) e Projeto Político

de Desenvolvimento - PPDC,80

obedecendo às orientações da Superintendência de Formação

dos Profissionais da Educação Básica, publicada através de Portarias.81

O financiamento das

unidades é parte do orçamento da SEDUC e tem como base o PPDC, aprovado pelo Conselho

Deliberativo – CDC. Segundo o artigo 5º, parágrafo 3º do Decreto 1395/2008, o CDC é

composto pelo Diretor, um secretário, um professor formador, um representante dos

servidores administrativos da unidade, um professor efetivo da rede estadual de ensino,

pertencente a uma das escolas atendidas pela unidade do CEFAPRO. Há, portanto, um

considerável insulamento dessas unidades em relação às escolas que, paradoxalmente, são

destinatárias de suas ações.

A gestão compartilhada é um dos princípios mais importantes que nortearam todo

debate do setor educacional na constituição de 1988 e na organização do sistema. Entretanto,

no âmbito interno da estrutura e da política educacional, a unidade de formação continuada

compartilha muito pouco a sua gestão. Embora atenda dezenas de escolas numa mesma

região, apenas uma tem sua representação nas discussões e definições da CDC. A estratégia

de formação dos professores obedece à lógica hierárquica de oferta de serviços/cursos,

acessados individualmente sem considerar o arranjo da unidade escolar e o desenvolvimento

de seus projetos (ou da necessidade deles). De fato, o arranjo no interior da SEDUC para

condução da política de formação continuada acaba por definir um campo institucional complexo de

tensões e baixa cooperação: De um lado os gestores da administração central com o poder das normas,

portarias, decretos e sistemas tecnológicos administram uma máquina extremamente permeada pelo

campo político e com alto grau de centralização e compartimentação. Na outra ponta, bases da

pirâmide do poder, estão as escolas e seu universo de demandas não processadas ou não vocalizadas

de forma articulada à coordenação do sistema, aos formadores do CEFAPRO. De cima para baixo o

problema é a escola e sua incapacidade de compreensão ou aceitação da inovação, de baixo para cima

o problema é a estrutura e seu excesso de controle e fiscalização dos meios (relatórios, prestações de

contas...)

80

PPDC corresponde ao orçamento anual da unidade, enquanto o PPP é o planejamento que contempla ações

financiáveis e não financiáveis de médio e longo prazo, bem como as estratégias pedagógicas e de gestão. Estes

instrumentos correspondem aos mesmos exigidos às escolas. 81

Conforme Decreto nº 7542/2006 que regulamentou a estrutura dos CEFAPRO‘s.

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152

Recentemente foi estabelecido novo critério para o financiamento dos CEFAPROS82

de modo

a tornar mais transparente a alocação dos recursos. Em 2010, os valores foram os seguintes por

unidade:

Quadro 23 – Recursos para os CEFAPRO´s/MT, Conforme Área de Abrangência,

Plano de Trabalho Anual – PTA /2010 da SEDUC83

N. Pólo Classificação Escola % Total

1 Alta Floresta Grande 2 31 3,20 37.655,00

2 Barra do Garças Grande 2 59 9,00 75.168,00

3 Cáceres Grande 1 52 9,28 72.900,00

4 Confresa Médio 20 4,65 37.665,00

5 Cuiabá Grande 4 179 22,80 184.680,00

6 Diamantino Médio 39 4,65 37.665,00

7 Juara Pequeno 18 3,20 25.920,00

8 Juina Médio 30 4,65 37.665,00

9 Matupá Médio 31 4,65 37.665,00

10 Pontes e Lacerda Médio 24 4,65 37.665,00

11 Primavera do Leste Médio 29 4,65 37.665,00

12 Rondonópolis Grande 3 80 10,60 85.860,00

13 São Félix do Araguaia Pequeno 12 3,20 25.920,00

Disponível em: <http://www.seduc.mt.gov.br/conteudo.php?sid=20&cid=9567&parent=0>.

Sem dúvida é um grande avanço o estabelecimento de critérios na distribuição dos

recursos às unidades de formação. Observa-se que o Projeto Político de Desenvolvimento do

CEFAPRO- CPD é requisito para repasse dos recursos, entretanto, o critério definidor do

percentual é a quantidade de escolas atendidas, independentemente das condições sociais,

culturais e regionais em que estão inseridas. Desse modo, o CPD ganha importância apenas

burocrática. A formação de professores na capital e no interior, especialmente nos lugares

distantes dos maiores centros urbanos tem, certamente, diferenciações sócio-econômicas e

políticas que deveriam ser levadas em conta na distribuição dos recursos. O investimento

baseado exclusivamente no número de escolas não enfrenta as condições adversas, enfrentada

pelos professores, no acesso ao capital cultural. As desigualdades inter e intra-regionais

desconsideradas refletem a incipiente presença do Estado e, portanto, dificuldades adicionais

à democratização do acesso ao conhecimento. Mato Grosso se destaca pelo alto crescimento

82

Critérios estabelecidos pela Normativa 06/2010, publicada no Diário Oficial em 28.01.2010 83

Não foram disponibilizados os valores para os CEFAPROS de Sinop e Tangará da Serra.

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153

econômico, mas, também, pelo alto grau de desigualdades sociais e intra-regionais. A

desigualdade está presente nas escolas e a política de formação de professores leva pouco em

conta esta questão.

O CEFAPRO conta com o seguinte quadro profissional: equipe gestora (um

diretor, um coordenador de formação continuada e um secretário); equipe pedagógica

(professores efetivos concursados nas seguintes áreas do conhecimento: Linguagem com

habilitação em Letras; Artes ou Educação Física; Ciências Humanas e Sociais, com graduação

em História, Geografia e/ou Filosofia; Ciências da Natureza e Matemática, com graduação em

Matemática, Biologia, Química ou Física). Todos são professores concursados da rede

pública estadual que prestaram seleção para atuar como formadores, diretor ou coordenador

de formação.84

O período do contrato para atuação no CEFAPRO é determinado

(normalmente dois anos, podendo ser prorrogado). Tem ainda um quadro de profissionais

técnicos: dois ou três técnicos administrativos (a depender do tamanho) e cinco apoios

administrativos educacionais (três vigias e dois encarregados da limpeza). Guarda muita

semelhança com a estrutura das unidades escolares.

3. Projetos dos CEFAPROS

O CEFAPRO mantém duas modalidades principais de formação: cursos

(normalmente com carga horária de 20 a no máximo 60h) e acompanhamento e certificação

do Projeto Sala do Professor. O esforço dos formadores é de compor um menu de cursos baseados

em suas respectivas formações e na interpretação que fazem sobre as carências dos professores-alunos

das unidades escolares.

O Projeto Sala do Professor é considerado importante política de formação continuada,

é o único a ser desenvolvido pela/na escola e por existir em toda rede estadual, atinge a quase

totalidade de professores. Segundo documento da SEDUC trata-se de:

[...] uma estratégia de desenvolvimento do Plano de Formação da/na unidade

escolar, objetiva fortalecer a escola como lócus de formação continuada, através

da organização de grupos de estudos que priorize a área de atuação do professor

para o comprometimento do coletivo da escola com a melhoria do ensino e da

aprendizagem (MATO GROSSO, 2009, p. 2).

84

No período de execução da pesquisa de campo (2008-2009), os CEFAPROS passavam por um processo de

fortalecimento. Na gestão do secretário petista, Ságuas Moraes (médico), do governo Blairo Maggi, foi definida

política de ampliação dos CEFAPROS com a criando de mais 02 (eram 13 até então) e novas seleções para

reforços das equipes de formadores. No caso do CEFAPRO de Cuiabá, por exemplo, passou de cerca de 20 para

50 professores formadores em 2009.

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154

E mais adiante define o papel do CEFAPRO:

O papel dos Cefapros para a implantação e implementação do Projeto Sala de

Professor é, impreterivelmente, o de orientar, aprovar, intervir e avaliar os projetos

elaborados pelas Unidades Escolares.

Para este trabalho, a equipe do Cefapro, ao orientar as escolas na elaboração de

seus projetos, deve considerar os indicadores do SIGA - Sistema Integrado de

Gestão da Aprendizagem e orientar a formação articulada à área de atuação do

professor, ou seja, orientar os professores e gestores a voltarem o olhar à sua prática,

para diagnosticar quais dificuldades encontram para desenvolver seu trabalho

em sala de aula. (MATO GROSSO, 2009, p. 2)

Os formadores se dividem para acompanhar as escolas no desenvolvimento do projeto

e realizam visitas nas unidades, embora não haja muita freqüência. Diferentemente dos

cursos, o acompanhamento da Sala do Professor não obedece à área de conhecimento dos

formadores, a cada um é atribuído um número de escolas sob sua responsabilidade para serem

acompanhadas. Cabe ao formador orientar e cobrar da escola a confecção do projeto no prazo

determinado. A SEDUC orienta o seguinte:

A escola pode e deve ter vários Projetos Sala de Professor acontecendo ao mesmo

tempo na escola;

O projeto deve ser elaborado tendo como ponto de partida as dificuldades didático-

pedagógicas de determinados grupos de professores, de acordo com o Ciclo que

atua, com foco na melhoria do ensino e da aprendizagem;

A elaboração do Projeto Sala de Professor deve estar articulada ao Projeto Político

Pedagógico da Escola e PDE;

A Coordenação do Projeto Sala de Professor na escola é de responsabilidade do

(a) coordenador (a) pedagógico (a) da unidade escolar, sob acompanhamento,

orientação e avaliação do coordenador de formação e professores formadores dos

Cefapros.;

No projeto, a escola deve indicar suas necessidades de formação definindo

estratégias imediatas do desenvolvimento de estudos com os professores que

priorize, além de estudos teóricos, discussões e elaboração de intervenções que

atendam às necessidades de aprendizagem dos alunos em sala de aula;

Tais intervenções devem ser rediscutidas e (re) elaboradas, de acordo com as

necessidades e desenvolvimento do trabalho dos professores e dos alunos;

Indicar no Projeto, além do que será desenvolvido pelo próprio grupo de

professores e coordenadores pedagógicos, o que será necessário para a intervenção

dos formadores dos Cefapros a fim de que os objetivos propostos sejam alcançados

– melhoria do ensino e da aprendizagem;

Os grupos de estudos podem ser constituídos por Ciclo, no caso do trabalho da

alfabetização/letramento e por disciplina, no caso das necessidades especificas em

cada Ciclo;

Quanto ao Gestar, a carga horária destinada a estudos à distância será realizada por

meio do Projeto Sala de Professor;

Confeccionar os certificados do Projeto Sala de Professor, que deverá ser assinado

pelo diretor e secretário da Escola, de acordo com o acompanhamento das ações de

formação pela equipe do Cefapro que fará o chancelamento dos mesmos, conforme

Decreto nº 1.395, de 16 de junho de 2008, Art. 2º, § único.

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155

Confeccionar declaração de que o GESTAR85

, nas áreas de matemática e língua

portuguesa, trabalhado com os professores dos anos finais do ensino fundamental,

foi desenvolvido por meio do Projeto Sala de Professor. Não deverá ser contada

carga horária dupla. O GESTAR será certificado pelo CEFAPRO. (MATO

GROSSO, 2009, p. 2)

Na prática o projeto Sala do Professor exige menos investimento do CEFAPRO, uma

vez que sua intervenção se dá mais no âmbito da observância dos critérios formais do projeto

e eventual participação de formadores como palestrantes na escola (sempre que seja

solicitado). A composição do conteúdo dos encontros não obedece à uma lógica de construção

de trabalho coletivo, norteado pelo Projeto Político Pedagógico, sendo os temas aleatórios e

desarticulados, baseados na percepção imediata e sintomática da realidade escolar. Sem um

plano mais integrado de desenvolvimento, ancorado na reflexão sobre a realidade sócio-

econômica e cultural e condições do trabalho escolar frente ao público estudantil e, ainda, sem

uma articulação e contribuição das instituições formadoras, a relação CEFAPRO x escola tem

limitações evidentes.

Tanto em Cáceres como em Cuiabá, não percebeu grandes alterações no modus

operandi das unidades. A diferença mais significativa observada entre as duas é que na

Capital houve registro de conflitos entre escolas e os formadores, segundo as reuniões

semanais. Em Cáceres, a relação é menos tensa e as escolas parecem mais inclinadas

(resignadas, talvez) a se orientarem pela lógica da formação adotada pelo nível superior da

estrutura organizacional da política. A percepção é que há um senso de autoridade e

hierarquia notadamente mais acentuado entre professores de Cáceres que em Cuiabá.

Os professores formadores são recrutados mediante seleção pública e ganham

condição especial de trabalho. Já não precisam mais lidar com os planos de aula, com

exaustivas horas em sala enfrentando dezenas de crianças ou adolescentes todos os dias.

Dispõem de tempo para estudos, para produção intelectual e, embora tenham uma rotina

bastante exigente, gozam de condições de trabalho bem melhores que aquelas vivenciadas na

escola. O cotidiano da sala de aula é deixado para traz e quando lhes é exigido esta função é

na condição de formadores de seus pares, uma condição simbolicamente superior, o que lhes

confere também um poder simbólico. Tal processo acaba por promover a distinção entre

esses professores, constituindo um novo status profissional, uma nova categoria num sistema

culturalmente hierarquizado. Hierarquia que se percebe incorporada ao habitus tanto ―dos de

85

Programa de Gestão da Aprendizagem Escolar, para formação de professores de Língua Portuguesa e

Matemática das séries finais (sexto ao nono ano). Durante o período de observação foi o único programa do

Governo Federal assumido diretamente pelo CEFAPRO. Diferencia-se dos demais cursos oferecidos, pois, tem

uma duração maior: 300h, sendo 120h presenciais e 180 à distância.

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156

cima‖ quanto ―dos de baixo‖. Talvez isso possa explicar, ao menos parcialmente, a razão pela

qual a formação continuada parece ser algo exógeno, fora do lugar na vida dos professores e

da escola.

A presença do governo federal praticamente desaparece nos CEFAPROS, pouco se

articulam às políticas nesse espaço. É porque, na verdade, estas unidades assumem apenas

parcialmente a política de formação. Os municípios são atendidos de forma residual, não

obstante o esforço dos formadores para que sejam abertas vagas nos cursos para a rede

municipal, inclusive nas reuniões de orientação e capacitação nos municípios da região. No

entanto, a participação é excepcional e não há um projeto amplo e continuado que articule de

forma institucionalizada a cooperação entre estado e municípios na formação de professores

via unidades do CEFAPRO, ao menos no período em que a pesquisa transcorreu.

Há uma espécie de ―esquizofrenia‖ na organização do campo da educação. A

descentralização promovida pela Reforma, pautada pelo governo central e sob sua estreita

tutela, embora tivesse como foco a autonomia dos entes federados e da escola, na verdade

conservaram a cultura e práticas centralizadoras. Em lugar de autonomia ausência e

desresponsabilização, em lugar de coordenação dirigismo e concentração do poder de decisão

e dos recursos. Buscam incessantemente ―ensinar‖ os professores a serem ―inovadores,

criativos, críticos‖ numa realidade onde a falta de autonomia da escola é altamente inibidora

da autonomia dos agentes que nela atuam. Há desconfianças e controles sempre renovados

dos diferentes níveis de gestão em relação à unidade escolar (lugar do desconhecimento, do

não saber fazer). Apesar de uma aparente rebeldia, mesmo que silenciosa, os professores se

colocam na condição de passividade acreditando, talvez, num conhecimento exógeno que lhes

possa conferir habilidades e competências para o exercício de sua função, obtidas fora do

contexto escolar e de seu trabalho efetivo (seja como diretor, coordenador pedagógico ou

como professor em sala de aula), alterna essa posição com aquela completamente incrédula na

possibilidade de pensar outra coisa senão a prática estrutura por um habitus que dá absoluto

valor ao já instituído.

Ao examinar a estrutura que delimita o campo institucional da educação em Mato

Grosso; o marco legal, suas unidades e as escolhas que marcam o caráter das políticas de

formação de professores; algumas considerações para sistematizar uma primeira aproximação

dessa realidade:

a) A educação, em especial a política de formação de professores em Mato

Grosso, ainda sofre as influências de uma concepção de formação que tem suas origens na

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157

Reforma dos anos 80 e 90, marcada pela competitividade, individualismo e eficiência

econômica.

b) A fragmentação das políticas, o alto grau de hierarquização e a ausência de uma

concertação em torno de um projeto claro que tenha a escola como centro, faz com que esta

continue ocupando a posição de periferia do sistema.

c) É notório o desaparecimento do Estado enquanto cooperação dos três entes na

organização e implementação da política de formação continuada. Programas do governo

federal são tratados como ação à parte, sem organicidade com um projeto local maior que

envolva a escola como partícipe não apenas como clientela.

d) O campo institucional é centralizado e hierarquizado nas relações: SEDUC –

CEFAPRO – Escola. Indicador do habitus institucional marcado por relações de poder e

submissão.

Para compreender mais profundamente o que viria a ser o campo institucional da

educação, necessário se fez mergulhar nas complexas relações que o determinam desde o

ambiente externo até a escola, lugar de onde se coloca em marcha o sistema de ensino. A

escola é o lugar da manifestação objetiva e subjetiva de produção e reprodução do sistema de

ensino. Para Bourdieu (2009), no cumprimento de sua função, a escola possui

simultaneamente autonomia relativa e dependência da estrutura de relações de classes.

Se não é fácil perceber simultaneamente a autonomia relativa do sistema de ensino e

sua dependência relativa às estruturas das relações de classe é porque, entre outras

razões, a percepção das funções de classe do sistema de ensino está associada na

tradição teórica a uma representação instrumentalista das relações entre a Escola e as

classes dominantes, enquanto que a análise das características de estrutura e

funcionamento que o sistema de ensino deve à sua função própria tem quase sempre

tido como contrapartida a cegueira face às relações entre a Escola e as classes

sociais, como se a comprovação da autonomia supusesse a ilusão da neutralidade do

sistema de ensino (BOURDIEU, 2009, p. 229).

Assim, a análise do campo institucional da educação não pode se limitar as condições

escolares sem levar em conta o contexto social no qual se produz todo o sistema. A relação

SEDUC-CEFAPRO-Escola, precisa ser compreendida como parte do sistema escolar mais

amplo, mediado pelo arranjo federativo que organiza competências institucionais com o

propósito de dar estabilidade e acomodação aos interesses que mantém, em última instância,

todo sistema social. O foco no resultado da aprendizagem sem considerar que esta se vincula

ao capital cultural das classes estudantis e dos próprios professores, a constituição das

equipes, a dinâmica na oferta de formação atendendo às necessidades individuais, embora

pareçam coisas independentes, resultado unicamente das escolhas dos gestores, dos

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formadores, são meios pelos quais se produzem os mecanismos de uma educação diferenciada

para cada tipo de classe ou grupo social, manifesto no ambiente cultural da escola.

Nos casos analisados até agora, os movimentos contraditórios de autonomia e

dependência são evidentes. Do ponto de vista da administração, existe autonomia dos

CEFAPROS em relação à SEDUC e desta em relação ao governo federal. Porém, o insistente

continum na concepção norteadora das políticas fundamenta a dependência. Prevalecem as

orientações fragmentárias, individualistas e competitivas centradas na performance dos

indicadores de aprendizagem – no resultado, sem considerar as causas estruturais dos

resultados da aprendizagem. A organização da política não leva em conta a questão estrutural

como condicionante da formação de professores, ou seja; o modelo de educação que se baseia

na distinção social, na assimetria de acesso ao capital cultural. A estrutura de organização

institucional é incapaz de realizar a auto-crítica para promover mudanças reais. Apontam para

a grande necessidade de formação de professores, enquanto ignora o sistema de deformação

da gestão da política.

O alto grau de regulamentação e controle imposto pela SEDUC, fruto da cultura

centralizadora, aprisionam e condicionam suas estruturas à replicação dessa burocracia. As

instâncias de coordenação da política de formação são convertidas em controladoras dos

processos. A escola está submetida a uma lógica de apartamento social, desde a forma

estrutural da organização central do sistema, o resultado é o fortalecimento da restrição de

acesso ao capital cultural dos professores. Como se pode verificar adiante.

4. Análise de uma Unidade Escolar

Para aprofundar a pesquisa sobre políticas de educação, com foco em políticas

de formação de professores, buscou-se compreender a dinâmica de funcionamento de uma

unidade escolar. No início a idéia era selecionar 04 escolas, entretanto, tal empreendimento

se mostrou inviável. Entre abril de 2009 a abril de 2010, foram percorridas várias escolas de

Cuiabá e Cáceres para coletar elementos que pudessem indicar a melhor forma de abordagem

e compreensão da realidade escolar. O critério de escolha era a avaliação do IDEB, aquelas

que apresentassem o melhor e o pior resultado. Com o correr da pesquisa, prevaleceu a

dificuldade do estudo comparado entre os dois extremos escolares tendo em vista o tempo

necessário à observação das diferentes unidades e da coordenação do sistema.

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Como a finalidade não era determinar as relações causais entre eficiência de

aprendizagem e políticas de educação, mas compreender, partir da realidade do sistema, os

mecanismos da política presentes na unidade escolar e que podem contribuir para a restrição

do capital cultural, julgou-se suficiente a análise de apenas um caso. Avaliou-se que a análise

de uma escola poderia oferecer elementos importantes à compreensão dessa realidade, desde

que a finalidade não fosse a generalização explicativa, como de fato não é. O enfoque da

pesquisa empírica no âmbito escolar são os professores, os chamados beneficiários da política

de formação conduzida pela SEDUC/CEFAPRO. Com o intuito de preservar a comunidade

escolar, a escola será denominada pelo pseudônimo Escola Alfa.

A Escola Alfa pertence à rede estadual e oferece o ensino fundamental para cerca de

400 alunos. O IDEB em 2005 esteve abaixo da média das escolas da região, de Mato Grosso

e Brasil. Os resultados foram os seguintes:

Quadro 24 – IDEB Resultados 2005

Séries/Ano 2005 2007 2009

Escola

Alfa

Estadual

MT

BR Escola

Alfa

Estadual

MT

BR Escola

Alfa

Estadual

MT

BR

4ª série 3,2 3,6 3,9 3,7 4,4 4.3 3,9 4,9 4,9

8ª série 2,7 2,9 3,3 3,0 3,6 3,6 - 4,2 3,8

3º EM - 2,6 3,0 - 3,0 3,2 - 2,9 3,4

Fonte - Disponível em http://sistemasideb.inep.gov.br/resultado/, acesso: 02/08/2010.

Não se toma por critério absoluto o resultado da avaliação do MEC para a

compreensão da realidade escolar, ela é bem mais complexa. Parte-se da aferição desses

resultados quantitativos para compreender as condições objetivas da escola, parcialmente

refletidas nos números. Acredita-se que esses números, mesmo produzidos a partir de uma

determinada visão de realidade e que estejam inseridos na lógica da performance

gerencialista/produtivista dos anos 80 e 90, eles dizem algo sobre a realidade e sobre os

processos que caracterizam a reprodução do sistema de ensino e seu papel no controle e

acesso ao capital cultural. O controle desse capital tem materialidade estrutural/institucional

responsável por sua operacionalidade, no caso brasileiro um federalismo de entes

absolutamente díspares, numa realidade muito desigual, com diferentes capacidades de

governo. Analisando a política de formação de professores, cujo lugar de sua prática é a

escola, de onde as políticas educacionais se põem em movimento, que posição a escola ocupa

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nessa engenharia político-institucional? O que afinal é a escola? E os seus professores, quem

são estas pessoas responsáveis pela transmissão de uma determinada cultura através da Ação

Pedagógica? A escola aqui referida é determinada, objetivada em sua existência real, tem

endereço, localização... Sabe-se que há diferentes escolas para diferentes classes sociais, esta

tomada para análise é destinada às camadas mais empobrecidas do município de Cáceres.

A aproximação da realidade da escola se deu através da participação em reuniões,

conversas informais e, posteriormente, aplicaram-se questionários junto aos professores.

O instrumento se dividiu em 05 seções, totalizando 54 perguntas, a maioria objetiva,

de múltipla escolha e algumas perguntas abertas ou semi-estruturadas. Foram distribuídos

questionários para os 20 (vinte) professores lotados na escola, 11 (onze) responderam. O

objetivo é identificar o perfil do professor, seu modo de vida e percepções para que se amplie

a compreensão sobre o destinatário/agente das políticas de formação de professores e o

sentido produzido no cotidiano escolar.

As cinco seções que compõem o questionário foram divididas da seguinte forma:

1. Identificação Pessoal (09 perguntas)

2. Identificação Profissional (13 perguntas)

3. Formação Continuada (11 perguntas)

4. Renda e Condições de Vida (15 perguntas)

5. Percepção do Ambiente (06 perguntas)

4.1 Contexto da escola

4.1.1 O município de Cáceres

A Escola Alfa pertence à rede pública estadual de ensino, localizada no

município de Cáceres, a 220 km de Cuiabá, na região sudoeste de Mato Grosso. Trata-se de

um dos municípios mais antigos de Mato Grosso, criado ainda no segundo Império, passou

por várias denominações86

. Localizado à margem esquerda do Rio Paraguai, na fronteira entre

Brasil e Bolívia. A sua ocupação e de toda a região, foi importante estratégia de fortificação

da fronteira para a defesa dos interesses do reino português. Por sua localização teve grande

importância, também, nas políticas de colonização dos anos 60. Possui 85.504 habitantes,

segundo último censo do IBGE, realizado em 2000.

86

Villa Maria do Paraguay (1772), São Luiz de Cáceres (1874), Cáceres (1938).

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161

Na primeira metade do século XX, Cáceres era uma das 03 mais importantes

cidades do estado, sendo destacada pelo extrativismo da borracha, poaia, criação e

aproveitamento do gado bovino. Arruda (2002), ao estudar a região no período de 1900 a

1930, assim afirma:

E torna-se importante ressaltar, que a proximidade com a fronteira boliviana,

considerada ‗terra sem lei‘, ‗espaço perigoso‘ e ‗distante das autoridades públicas‘ -,

a transformava em lugar de trânsito de ―estrangeiros‖, sobretudo, bolivianos e

paraguaios. Desta forma, um grande número de homens e mulheres ‗anônimos‘, em

movimentos e em confrontos, dotaram esse território de especificidades e dinâmicas

próprias (ARRUDA, 2002, p. 05).

Assim, é uma região de encontros de diferentes etnias e nacionalidades, traços

indígenas nas feições do povo do lugar sintetizam o sincretismo cultural fortemente marcado

pela presença indígena, mas também de negros, especialmente entre as gentes mais simples.

Pertencendo a uma região, cujo modelo de desenvolvimento esteve pautado

basicamente na atividade extrativista, não sofreu, a exemplo do que também ocorreu no

restante do estado, a imigração de trabalhadores europeus como se verificou em regiões de

industrialização como São Paulo. No início do século XX os produtos primários compunham

a pauta da exportação do município: borracha, poaia, couro bovino, couro de onça, penas de

garças. Hoje a agricultura é uma das mais importantes atividades econômicas do município,

entretanto, a pecuária extensiva ainda é fundamental na sua economia.

Em termos de rede pública de ensino, segundo cadastro da SEDUC, 87

Cáceres possui

16 escolas estaduais (2 rurais e 14 urbanas), 43 escolas municipais (20 são rurais e 23

urbanas), uma escola federal (Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia). As

matrículas por unidade administrativa e nível de ensino têm a seguinte distribuição:

87

Governo do Estado de Mato Grosso. Secretaria de Estado de Educação. Secretaria Adjunta de Políticas

Educacionais. Superintendência de Gestão Escolar. Gerência de Informações e eEstatísticas. Cadastro das

Escolas de Mato Grosso. Censo Escolar, 2009. Disponível em: <http://www.seduc.mt.gov.br/

conteudo.php?sid=174&parent=14>, acesso em 15/03/2010.

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162

Quadro 25 - Matrícula Escolar por Unidade Administrativa e Nível de Ensino. Mato

Grosso/Cáceres - Censo Escolar 2009

Nível Mato

Grosso

Município de Cáceres

Estadual Municipal Federal Privada Total

Cáceres

%

Cáceres/MT

Educação

Infantil

Creche

33.642 0 888 0 74 962 2,85

Educação

Infantil

Pré-escola

70.670 0 1.751 0 363 2.114 2,99

Anos

Iniciais -

EF

269.911 2.993 5.015 0 668 8.676 3,21

Anos

Finais - EF

235.575 3.359 2.840 0 488 6.687 2,83

Ensino

Médio

145.073 3.601 0 276 262 4.139 2,85

TOTAL 754.871 9.953 10.494 276 1.855 22.578 2,99

Fonte: Elaborada pela autora, a partir de dados disponíveis em: <http://www.seduc.mt.gov.br/download_file.

php?id=10207>.

Mato Grosso possui 141 municípios e uma população de aproximadamente dois

milhões de habitantes, portanto, a rede de ensino de Cáceres atende a uma fração importante

da população estudantil (2,99% das matrículas estaduais).

A presença do Estado ainda é muito importante na oferta de serviços educacionais,

desde os anos iniciais do ensino fundamental até o ensino médio, totalmente sob sua

responsabilidade no município de Cáceres. As escolas estaduais são, em sua grande maioria,

escolas urbanas, enquanto o município atende, majoritariamente, a demanda de escolas

rurais. Para a realidade da região, esta não é uma questão trivial, pois, as dimensões

territoriais, a estrutura fundiária e a baixa densidade populacional fazem com que as

demandas do campo sejam bem mais complexas.

Observa-se que, num mesmo espaço territorial, há grande concorrência na oferta de

ensino fundamental entre redes municipal e estadual e, no entanto, as redes têm pouca

articulação na condução das políticas educacionais.

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163

No caso da escola Alfa, pôde-se verificar tal desarticulação. Próxima à escola, a menos

de cem metros, está uma escola municipal de educação infantil, em contato com pessoas das

duas unidades não se pôde perceber qualquer articulação institucional entre elas, muito

embora sendo uma de educação infantil e a outra de ensino fundamental numa mesma

comunidade. A Escola Alfa é, segundo os próprios professores, evitada pelos moradores em

razão do alto índice de violência e pela sua má reputação (drogas, gravidez na adolescência,

crianças que não aprendem).

4.2 Escola Alfa

Poder-se-ia dizer, pelo simples olhar, que a Escola Alfa é pobre. Com suas paredes

desbotadas e carcomidas pelo tempo, suas salas improvisadas, cobertas por estrutura de zinco

numa região onde o calor costuma atingir 40ºC, esforçados ventiladores a girar espalhando

democraticamente o calor escaldante entre alunos e professores. Não há biblioteca, nem

refeitório, nem espaço para convivência... Um pátio que parece abandonado, onde o mato

cresce às alturas e a pequena calçada de cimento denuncia seu incômodo por meio de

rachaduras do sol das tardes quase sempre, insuportavelmente, ensolaradas.

De fato, a Escola Alfa está localizada em um dos bairros mais pobres e violentos da

cidade. É conhecido pela existência de locais, denominados ―bocas‖ onde se reúnem os

usuários de drogas para o consumo. Durante o período da pesquisa, vários casos de invasão e

uso de drogas no prédio escolar foram relatados pela direção e professores, além das marcas

de violência revelada pelo alto grau de depredação da estrutura física da unidade. Tudo revela

um quadro de abandono do poder público, inclusive pela inexistência de espaços adequados

para as atividades pedagógicas. 88

As condições físicas da escola em nada fazem lembrar uma instituição responsável

pela transmissão do capital cultural. Lembra sim uma estrutura destinada à apartação social.

Segundo os professores da Escola Alfa, os estudantes são filhos de trabalhadores

pobres, com pouca formação cultural, injustiçados pelas condições sócio-econômicas. Alguns

(ou boa parte) dos pais são analfabetos, muitos entregues ao vício. Vários dos alunos são

usuários de drogas 89

.

88

Embora a escola atenda crianças de 05 a 14 anos, não há estruturas para atividades lúdicas como parque de

diversão infantil, espaço para jogos. A direção da escola informou existir um projeto de reforma da escola, mas

até o fechamento da pesquisa não havia sido implementado. 89

Síntese das percepções dos professores sobre os estudantes e suas famílias, conforme reuniões ocorridas entre

fevereiro a março/2010.

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Até 2008, a escola contava com turmas de ensino fundamental e médio, chegando a ter

mais de mil e quinhentos alunos, porém, o alto grau de violência e o baixo rendimento

escolar, levaram muitos pais do bairro a procurar outras escolas, mesmo que mais distante de

casa. A decisão da SEDUC foi pelo fechamento das turmas de ensino médio, permanecendo

apenas o ensino fundamental. A apreensão pelo risco de fechamento das demais turmas é

algo recorrente nas conversas dos professores e assim, vivem pressionados por essa ameaça

iminente.

Não foi preciso muito para perceber que em muitas histórias de aluno; dramas sociais

de abandono, de uso de drogas, de violência familiar, de abusos sexuais...90

São crianças

pobres vítimas de violência e, na escola, vítimas de um tipo que se impõe desde as condições

físicas do lugar. Um tipo silencioso, penetrando o consciente e o inconsciente dos professores,

das crianças, como que a gritar que ali estão os desterrados da terra, apartados socialmente,

introjetando dia-a-dia hábitos de submissão à condição imposta pelo seu destino social. É do

lugar da dominação-submissão simbolicamente representado por uma estrutura física

inadmissível para um ambiente escolar, que aprendem como devem tratar o mundo e como

serão tratados.

[...] Pelo fato de as disposições serem o produto da incorporação das estruturas

objetivas e as expectativas tenderem a se ajustar às chances, a ordem instituída tende

sempre a se manifestar, mesmo aos olhos dos mais desfavorecidos, como algo

evidente, necessário, mais necessário e ainda mais evidente em todo caso do que se

poderia crer do ponto de vista dos que, não tendo sido formados em condições tão

impiedosas, só podem considerá-las espontaneamente insuportáveis e revoltantes

(BOURDIEU, 2001, p. 210).

4.2.1 Quadro de professores

Carlos Rodrigues Brandão, certa vez, num encontro entre educadores apresentou as

seguintes questões:

Eu pergunto o que impede que cada local de encontro entre educadores-e-

educandos seja verdadeiramente (e não na aparência, como costuma acontecer),

um lugar de se recriar, para os usos de cada escola, de cada região, de cada tipo de

agência pedagógica, a própria prática de educação? O que é que impede que a

massa [...] dos educadores-professores [...] sejam equipes, verdadeiras equipes de

criadores, na prática, junto aos alunos, dentro do próprio exercício cotidiano de

ensinar-e-aprender, de seu trabalho pedagógico [...] (BRANDÃO, 1982, p. 78).

90

Histórias contatadas pelos próprios alunos, inclusive em textos por eles produzidos.

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Constituir equipes de aprendizagem parece ser o sentido dado ao trabalho pedagógico

pelo autor. Poder-se-ia dizer que este trabalho é o meio pelo qual os professores organizariam

a função de acessibilidade ao capital cultural através da escola. Acessibilidade que se dá não

pela ação individual, mas por todo conjunto de arranjo criativo protagonizado por esses

profissionais, capazes de criar um ―espírito‖ escolar favorável à apropriação do capital

cultural. No entanto, algumas condições precisam ser observadas para que a possibilidade

apontada pelo autor seja confirmada. Que precedentes permitem arranjos criativos na ação

pedagógica? Seria essa possibilidade fruto apenas do desejo e da consciência do professor ou

este se inscreve, irremediavelmente, à sua própria trajetória de vida? Como não renovar, em

meio à própria violência, a violência simbólica da ação pedagógica, com reforço das

estruturas da escola, extensão das estruturas opressoras sob a qual se submetem professores e

estudantes? Como a formação continuada se insere nesse contexto, seria o reforço da

violência ou a resistência tão sonhada?

As imagens produzidas a partir das condições físicas da escola indicam os elementos

de adversidades postas à organização da unidade escolar. Levando em conta as duas ações de

formação continuada de professores, oferecidas pelo CEFAPRO: Cursos de curta duração e

Sala do Professor, pode-se entender as condições em que essas ações são empreendidas no

âmbito do corpo docente e os sentidos produzidos a partir da realidade em que estão inseridos.

4.2.2 Os professores da escola Alfa

Mais de 80% dos professores respondentes são mulheres, a maioria na faixa etária

entre 30 a 40 anos, 82% são casados, as famílias são pequenas, no máximo 03 filhos. Apenas

30% dos conjugues possuem curso superior completo, a grande maioria exerce atividades

profissionais que não exigem habilitação em curso de nível superior. Desse modo, quando se

analisa o fator renda familiar, percebe-se que a renda do professor é, majoritariamente, a

principal rendimento da família. A maioria dos professores da Escola Alfa (73%) recebe

renda mensal familiar entre 5 e 7 salários mínimos. Para 55%, a renda individual está entre 3 a

4 salários mínimos. O salário médio está bem acima do Piso Nacional,91

no entanto, neste

caso, trata-se não somente do salário auferido para uma jornada de 40h na escola, refere-se ao

91

A lei 11.738 de 16/07/2008 define o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério

público da educação básica. No ano da publicação da lei o piso era R$ 950,00, a partir de 1º de janeiro de 2010

sofreu o primeiro reajuste de 7%, passando para 1.024, 67 para regime de 40h semanais.

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total por jornadas duplas e até triplas de trabalho no magistério, sem direito à hora atividade,

destinadas ao planejamento, à correção de provas, reuniões e estudos.

Veja-se a escolaridade da família dos professores:

Gráfico 5 – Escolaridade do Pai

Gráfico 6 – Escolaridade da Mãe

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Gráfico 7 – Escolaridade dos Irmãos

Gráfico 8 – Escolaridade do Cônjuge

Como é possível observar, as condições sócio-educaconais de origem indicam baixo

acesso ao ensino superior e a alta escolarização. Os professores vivem em condições

desfavoráveis à apropriação do capital cultural e intelectual. Não encontram no legado de

suas famílias as condições propícias à aprendizagem escolar e aos estudos continuados.

Conseguiram superar a baixa escolaridade de seus pais, são exceções entre os irmãos e

casaram-se, na maioria dos casos, com pessoas de escolaridade inferior à sua. Essas condições

sociais, têm efeitos sobre a trajetória intelectual e profissional, impõem limites à constituição

do profissional cuja função pressupõe a detenção de capital cultural incorporado desde a

trajetória familiar. A situação em tela tem importância crucial para a compreensão da

trajetória de formação desse profissional, pois:

O capital cultural e o ethos, ao se combinarem, concorrem para definir as condutas

escolares e as atitudes diante da escola, que constituem o princípio da eliminação

difernecial das crianças das diferentes classes sociais. Ainda que o êxito escolar,

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168

diretamente ligado ao capítal cultural legado pelo meio familiar, desempenhe um

papel na escolha da orientação , parece que o determinante principal do

prosseguimento dos estudos seja a atitude da família a respeito da escola, ela mesma

função, como se viu, das esperanças objetivas de êxito escolar encontradas em cada

categoria social (BORDIEU, 1998, p. 50).

Os estudos de Bourdieu, apesar de não contemplarem uma realidade de desigualdades

abissais como o caso brasileiro e de suas análises sobre o professor, partirem de condições de

formação muito diferentes, é evidente que permitem compreener a realidade em questão pelo

caráter sociologicamente abrangente da teoria e evidencias anunciadas pela realidade em

estudo. O baixo capital cultural/escolar das família dos professores da Escola Alfa é um fator

que constitui a problemática de sua formação e do próprio exercício de sua função.

No caso em tela, os professores são frutos do mesmo processo de apartação social de

que são vítimas seus alunos e, dada às condições do legado familiar em termos de ethos e de

cultura escolar, suas condições de exercer uma função exigente em capital cultural está a

exigir grande esforço individual e coletivo/institucional.

5. Identificação Profissional

Aproximadamente 64% dos professores são da área de pedagogia. Do total apenas

27% são concursados, 73% são contratados. Quase a metade (46%), são professores recém-

formados, tendo terminado seus estudos de graduação em 2007 e 2008. De todos os que

responderam o questionário apenas 01 não era formado pela Universidade do Estado de Mato

Grosso – UNEMAT,92

os demais são egressos dessa universidade. Mais de 80% dos

professores têm até 03 anos de exercício profissional na escola. Do total, 64% possuem outro

vínculo empregatício. Mais da metade (55%) tem 40h semanais em atividade de sala de aula,

27% têm 20h, apenas 9% têm 30h, 9% não responderam.

Certamente a renda é o motor que movimenta o acúmulo de duplo ou triplo vínculo

empregatício. Outro fator é a precariedade dos contratos de trabalho que são anuais, porém,

sem direito à progressão na carreira, às férias e insegurança quanto à sua continuidade no ano

seguinte. Essa situação pode explicar a alta rotatividade de professores: 80% têm no máximo

92

A UNEMAT é a única universidade pública que atua na região oeste do estado. Desde 1978 vem formando

professores. Inicialmente instituição municipal, foi estadualizada e em 1994 passou ao status de universidade

estadual. Possui 11 campi e atende através de programas especiais de formação de professores, a maioria dos

141 municípios de Mato Grosso. Para mais informações ver: < www.unemat.br>.

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03 anos de efetivo exercício na unidade. As relações de trabalho são, portanto, bastante

instáveis, precarizadas.

Segundo Duarte (1997), as práticas de utilização do emprego público como estratégias

de manutenção de apoio político ainda estão muito presentes na realidade brasileira. Tais

práticas têm obscurecido princípios de impessoalidade, autonomia e responsabilidade,

fortalecendo relações clientelistas que afetam os compromissos com a finalidade institucional

no âmbito da Administração Pública.

No caso da educação, diz a autora:

Pesquisas em desenvolvimento têm assinalado para a presença das relações precárias

de trabalho nos sistemas estaduais de ensino da atualidade, para a permanência de

políticas de expansão do emprego público em período pré-eleitoral e,

principalmente, para a continuidade de critérios de composição dos quadros de

magistério, com polaridades que permitem legitimar maiores desigualdades. Estas

condições produzem lealdades duradouras para com as autoridades encarregadas de

renovar a relação de emprego. Lealdade ou compromisso para com aqueles que

asseguram a permanência no emprego produz o desinteresse para com os

consumidores dos serviços (p. 260).

Não se pode afirmar pelo estudo realizado, que as autoridades educacionais

manipulam diretamente os contratos de professores, mas esta condição coíbe a autonomia dos

professores nas questões que dizem respeito aos rumos da escola, participação/manifestações

em reuniões, controle dos recursos, passando estes a adotar, muitas vezes, posturas defensivas

de submissão ou reserva diante dos poderes instituídos na direção escolar. Assim,

compromete o processo de gestão democrática da educação seja no âmbito do cotidiano; seja

na eleição para diretor93

. Numa realidade em que 73% dos professores mantém precárias

relações contratuais de trabalho, difícil imaginar a existência de condições adequadas à

contínua formação, como imaginam os órgãos centrais do Estado. A autonomia intelectual e

política é solapada pela condição hierarquicamente inferior em que são colocados estes

profissionais dentro da própria escola, aprofundando desvantagens relacionadas ao baixo

capital cultural legado de suas famílias e escola. Portanto, a precarização das relações de

trabalho pode servir, em última instância, a interesses políticos, a começar pelos interesses

dos que disputam, na escola, o cargo de diretor e têm a tranqüilidade da baixa concorrência ou

da ausência de controle efetivo de sua gestão, já que a instabilidade frente à necessidade de

renda torna os agentes mais dóceis.

93

Em Mato Grosso a eleição para diretores foi instituída pela lei 7.040/1998. Somente podem concorrer ao cargo

os profissionais concursados.

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170

6. Condições de Vida

Algumas perguntas sobre as condições de vida, incluindo renda e uso do tempo livre,

foram feitas com objetivo de captar de modo mais amplo as formas de vida do professor da

escola pesquisada. Perguntado sobre acesso à internet, 18% dos professores responderam não

possuir computador em casa e, dos que possuem 27% não possuem acesso à internet, 9% dos

professores não possuem endereço eletrônico. Os meios utilizados para obter informações,

64% responderam utilizar a internet, no entanto, a televisão é o veículo mais utilizado pela

quase totalidade do professorado.

LOPES (2002) faz uma importante observação sobre o papel da TV nos dias atuais e,

em especial no Brasil:

O sentido mágico da TV não seria hiperreal como pensa Baudrillard, ou melhor,

repensaríamos o conceito de hiperrealidade, trocando-o pelo o do real simbólico, em

contraposição ao do real material. Acredita-se que a TV trabalha no domínio do

simbólico, atinge as crenças de seu público, auxiliando o processo, a formatação e a

manutenção do sistema social de crenças de nosso tempo. A programação televisiva,

em muitos casos, é recebida e produzida a partir da idéia dos papéis arquetípicos de

conselheira e confidente, que também podem significar os de pai, mãe, irmão, padre,

amigo, amante, colegas, professores etc.

Na TV aberta do Brasil atual, as perguntas são na maioria dos casos silenciosos,

existem na atividade mental do público. As respostas as precedem e ajudam a

formular perguntas e, assim, sucessivamente. As mensagens televisivas estão no

domínio dos sonhos de felicidade, sucessos e insucessos das relações afetivas e das

possibilidades e impossibilidades que a vida material e simbólica oferecem (LOPES,

2002, p. 10).

Ora, as implicações dessas afirmações para o caso da Escola Alfa até agora

analisado tomam proporções de gravidade ainda maior, pois, não bastassem as condições

pregressas de acesso de capital cultural escolar, tendo em vista suas condições sociais, estes

professores ainda são submetidos a um meio de comunicação que inibe a capacidade de

problematizar a realidade, buscando a partir dela as respostas.

Avançando para conhecer melhor as condições de vida dos professores, foram feitas

perguntas sobre o seu tempo livre e suas experiências culturais e de lazer. Foram indicadas

algumas opções que refletem as principais atividades praticadas em Cáceres, conhecida como

a cidade do Festival Internacional de Pesca, além de atividades de lazer em clubes da cidade,

cinema e outros. Os resultados podem ser observados nos gráficos que seguem.

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Gráfico 9 - Atividades de Lazer Praticadas no Tempo Livre - Pescaria

Gráfico 10 - Atividades de Cultura e Lazer Praticadas no Tempo Livre – Clubes da Cidade

Gráfico 11 - Atividades de Cultura e Lazer Praticadas no Tempo Livre - Cinema

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Gráfico 12 - Atividades Cultura e Lazer Praticadas no Tempo Livre - Leitura

Gráfico 13 – Atividades de Cultura e Lazer Praticadas no Tempo Livre - Esporte

O município de Cáceres dispõe de poucos equipamentos e oportunidades de cultura e

lazer, menos ainda às classes populares. A pescaria, banhos de rio, passeio na praça central,

cinema94

, alguns bares da cidade são as atividades mais acessíveis. Os mais abastados

costumam utilizar, além dessas opções, os clubes da cidade ou ir para a Capital nos finais de

semana. O tempo livre dos professores parece não ser utilizado para nenhuma dessas

atividades, ao menos não majoritariamente. Mesmo no caso da leitura, esta atividade é

desenvolvida ―sempre‖ por 31% dos respondentes e, ―algumas vezes‖ por 38%. Quando se

pediu a indicação do conteúdo do último livro lido, destacando as questões que marcaram a

leitura, apenas 17% souberam indicar seu conteúdo e, destes, 14% indicaram leitura

relacionada à sua área de atuação. O que indica que os professores tem encontrado pouco

94

Após muitos anos sem ter um único cinema, há 04 anos se mantém o cine Xin, na praça Barão do Rio Branco,

praça central da cidade.

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173

tempo para a dedicação à leitura, seja em seu tempo livre, seja como atividade relacionada à

profissão. O cinema ―nunca‖ é visto por 17% dos professores.

Este quadro indica não somente a pouca oportunidade que esses professores têm de

ocupar seu tempo livre com atividades culturais e de lazer mais disponíveis na cidade e muito

utilizadas pelas classes médias e altas. A pouca utilização desses meios de cultura e lazer

podem ser compreendidos pelas respostas à pergunta sobre as atividades realizadas no tempo

livre, questão de múltipla escolha, a resposta mais recorrente foi: trabalho doméstico, indicado

por mais de 63% da amostra. A mesma pergunta referindo-se às férias divide em dois grupos

os respondentes: os que viajam para casa de parentes e a maioria que fica em casa para

realizar os trabalhos domésticos e/ou descansar. Certamente, em nenhum desses casos, o

trabalho doméstico está excluído. Aos poucos as adversidades sociais vividas pelos

professores vão se revelando desigualdades de gênero, pois, mais de 80% da amostra são

mulheres.

O alto grau de comprometimento do tempo em sala de aula (mais de 60% possui mais

de um vínculo empregatício), somado ao fato da absoluta maioria não contar com a

hora/atividade em razão de seus contratos e, além disso, a baixa remuneração, determinam o

paradoxo de uma carreira exigente em capital cultural, onde a formação continuada é uma

solução simples para um problema complexo.

7. Formação Continuada

Para a maioria absoluta dos professores, a escola é o lugar da formação continuada. É

nela que 45% pretendem fazer sua principal (muitas vezes única) atividade de formação: A

Sala do Professor. Além desta atividade, o curso de informática oferecido pelo CEFAPRO,

obteve grande adesão: 33% informaram pretender fazê-lo no período da pesquisa. Outras

possibilidades de formação continuada foram pouco lembradas, mesmo os demais cursos

oferecidos pelo CEFAPRO.

Perguntado sobre a participação na construção da proposta de formação continuada da

escola,95

apenas 20% respondeu positivamente. A oferta de cursos pelo através da Plataforma

Freire,96

apesar de ser do conhecimento da maioria, apenas 9% responderam ter feito a

95

A Sala do Professor é um projeto elabora pela própria escola e encaminhado ao CEFAPRO para aprovação. 96

Em 2007, governo federal elaborou o Plano Nacional de Formação de Professores da educação Básica, cuja

estratégia de implementação está inscrita no âmbito do Plano de Metas Todos Pela Educação (Plano de

Desenvolvimento da Educação – PDE), nessa estratégia foram envolvidas diversas universidades públicas e

comunitárias de todo o Brasil, são 76 instituições para oferta de cursos de formação inicial e continuada aos

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inscrição. A comodidade da formação continuada na/pela escola parece agradar mais, tendo

em vista a extenuante jornada de trabalho da grande maioria.

Quanto à formação inicial, o papel que a Universidade do Estado de Mato Grosso-

UNEMAT desempenha é bastante importante. Dos respondentes, apenas 01 não havia sido

formado por essa instituição. Apesar da grande participação na formação dos professores da

Escola Alfa, a UNEMAT tem baixa participação na formação continuada, como se pode

verificar.

Gráfico 14 – Formação Continuada – Pós-Graduação

O sistema de ensino, como já analisado, estabelece hierarquias entre as instituições

superiores como estratégia de manutenção da distinção dos diplomas escolares, tendo em vista

uma realidade em que a escola passou a ser estratégia importante para classes sociais que no

passado não estavam incluídas no sistema formal. Com a proliferação do ingresso das classes

populares ao ensino superior, houve, no dizer de Bourdieu, o fenômeno da inflação no

mercado de diplomas, de modo que a distinção, a hierarquia entre as diferentes instituições

superiores e respectivos diplomas é a forma pela qual se mantém a diferenciação entre acesso

ao mercado de diplomas e efetivo acesso ao capital cultural.

O processo de exclusão já não se dá mais entre os que estão fora e os que estão dentro

do sistema de ensino. Trata-se de uma exclusão por dentro. Na medida em que a hierarquia

professores das redes estaduais e municipais. A Plataforma Freire é o sistema pelo qual os professores se

inscrevem para realização dos cursos, a partir de critérios pré-definidos, tendo um processo que exige a

validação das inscrições pelos Secretários de Educação do município ou estado, conforme o vinculo do

professor. Pretende-se criar um banco de dados com informações precisas sobre o percurso de formação dos

professores, de modo a gerar insumos para novas políticas. Ainda está em fase de implantação, em Mato

Grosso, já enfrenta problemas quanto a operacionalidade do sistema.

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entre as instituições e os diplomas não estão estabelecidos de modo claro, há uma fraca

percepção do excluído sobre sua própria condição de exclusão ou uma percepção tardia.

[...] Se é verdade que esse sistema paga uma grande parte dos utilizadores com

títulos escolares desvalorizados – explorando erros de percepção induzidos pelo

florescimento anárquico dos ramos de ensino e dos títulos, relativamente

insbustituíveis e, ao mesmo tempo, sutilmente hierarquizados – acontece que não

lhes impõe um desinvestimento tão brutal quanto o antigo sistema; além disso, a

confusão das hierarquias e das fronteiras entre os eleitos e os excluídos, entre os

verdadeiros e os falsos diplomas, contribui para impor a eliminação suave e a

aceitação Suva dessa eliminação, mas favorece a instauração de uma relação menos

realista e menos resignada com o futuro objetivo do que o antigo senso dos limites

que constituía o fundamento de uma percepção muito aguda das hierarquias (1998,

p. 173)

É comum no Brasil, ao se falar de universidade, sejam referidos os modelos

localizados nos centros urbanos mais desenvolvidos do sul e sudeste. Nestes lugares, a crise

da universidade se alimenta da paradoxal realidade invertida em que aqueles oriundos das

escolas públicas selam seus destinos numa universidade privada. A universidade pública,

portanto, serve às classes médias e altas, principalmente. Tomando estas universidades como

referência, os investimentos por aluno não diferem daqueles praticados por países

desenvolvidos. Conforme documento da Reitoria da Universidade de São Paulo – USP, os

gastos por aluno das universidades brasileiras são, em média, U$ 6.5 mil, o mesmo dos países

europeus. Na USP em 1998, apenas 21% dos ingressos eram oriundos das escolas públicas,

quase sempre de escolas públicas federais.

A UNEMAT é uma universidade estadual do interior do Brasil, ao contrário da USP,

das outras estaduais paulistas e das universidades federais, sua estrutura está longe de ser

adequada à formação superior, à pesquisa, tampouco o seu financiamento atinge patamares

europeus. Segundo Anuário Estatístico 2008 publicado pela instituição,97

78% dos candidatos

ao vestibular são oriundos de escolas públicas, destas 54% precisarão acumular trabalho e

estudos durante a formação, 74% não fizeram curso preparatório para o vestibular. A

concorrência no vestibular varia, em média, de 0,5 a 8 na relação candidato/vaga. Os cursos

mais concorridos que fogem a esse padrão são: Direito (que tem variado entre 14 a 24

candidato/vaga) e Enfermagem (menor marca 7 e máxima 20).

A crise da UNEMAT não é sobre a produção de privilégios das classes médias e altas,

mas é de manter seus cursos frente a baixa concorrência de muitos deles, especialmente

97

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MAGRO GROSSO. Pró-reitoria de Planejamento e Desenvolvimento

Institucional. Anuário Estatístico 2008. Cáceres, 2009. Disponível em: <http://www.unemat.br/prpdi/anuario/

2008/anuario_estatistico_2008.pdf>. Acesso: 15 fev. 2010.

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176

aqueles localizados nos municípios distantes dos centros urbanos maiores. Manutenção que se

dá em meio a intensas pressões do campo político para que a universidade expanda e atenda

as clientelas dos agentes políticos, a despeito da qualidade dos cursos.

Analisando à luz da teoria de Bourdieu, na estrutura do mercado de diplomas

brasileiro, a UNEMAT estaria entre aquelas instituições que conferem diplomas

desvalorizados. No entanto, como a produção desses diplomas se dá no interior do Brasil para

uma clientela também do interior98

as condições de desigualdade na apropriação de capital

cultural é melhor observada se comparada com o que é produzido pelo conjunto do sistema

educacional brasileiro e o uso desses diplomas fora do campo restrito. A não assimilação

racional dos portadores do diploma, de sua condição de excluídos, torna-se uma estratégia,

inconsciente, de resistência a sua desvalorização.

Ora, se considerarmos seriamente as desigualdades socialmente condicionadas

diante da escola e da cultura, somos obrigados a concluir que a equidade formal à

qual obedece todo o sistema escolar é injusta de fato, e que, em toda sociedade onde

se proclamam ideais democráticos, ela protege melhor os privilégios do que a

transmissão aberta de privilégios (BORDIEU, 1998, p. 53).

De fato, a expansão vertiginosa da UNEMAT na oferta de diferentes cursos a todo

interior de Mato Grosso se fez em nome do discurso da democratização do ensino superior,

enquanto os mais pobres tiveram oportunidade de ingresso, os filhos dos mais abastados

procuram as universidades públicas de diferentes lugares do Brasil.

No caso dos professores da Escola Alfa, a trajetória de formação demonstra o

aprofundamento do quadro de desigualdade nas oportunidades educacionais. Graduados pela

UNEMAT, a pós-graduação (especialização) sequer puderem fazer na universidade pública, a

maioria foi buscar no mercado privado a aquisição dos novos diplomas, o que exigiu

desembolso de considerável quantia em dinheiro mediante uma qualidade bastante duvidosa.

Ainda mais distantes se colocaram da apropriação de capital cultual e ampliaram o porte de

diplomas desvalorizados.

O processo de formação continuada mais importante a esses professores é o Projeto

Sala do Professor. Todos os que responderam o questionário afirmaram ser esta iniciativa um

meio de aprimoramento da prática pedagógica. Apenas um professor respondeu que esta seria

uma forma de garantir pontos no currículo e melhorar a atribuição de aula. Entretanto, sabe-se

98

Um pensamento muito forte e utilizado, principalmente em Cáceres, é que a UNEMAT seria uma universidade

do interior para o interior. Esta é uma representação perfeita da reprodução do sistema, o excluído,

inconscientemente, legitima a apartação social com recorte regional.

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que o discurso produzida a respeito das coisas nem sempre expressa o que realmente as coisas

são. A participação no cotidiano da escola demonstrou as dificuldades de dar andamento ao

projeto, tanto no que diz respeito ao horário das reuniões, sempre muito difíceis de pactuar,

quanto ao tempo dispensado para a sua realização, com visível esvaziamento antes de horário

programado para seu fim. Além disso, a vigilância das faltas, para que não extrapolasse o

máximo permitido são sintomas da burocratização do projeto.

O projeto sala do professor, no caso observado, tende a ser uma ação isolada, de baixa

conexão com o que deveria ser o projeto de desenvolvimento (PPP). Não articula (ou articula

pouco) com outras instituições de formação para integração do desenvolvimento da escola nas

dimensões que envolvem a formação integral e continuada do professor num contexto

determinado por sua vivência. Reproduz a cultura escolar empobrecida pela falta de recursos,

falta de autonomia, de informação e formação adequadas ao exercício da função docente. Do

modo como é executado pretende dar uma resposta simples à um problema complexo como é

a formação de professores, enquanto necessidade de apropriação de capital cultural e a

transmissão desse capital às novas gerações. Tratada de forma individualizada que se guia

pela lógica concorrencial, pela necessidade de aumentar pontos o currículo para concorrer

com outros pretendentes à vaga na escola e destina aos professores menos qualificados os

lugares mais desprestigiados, como é o caso da Escola Alfa. Os profissionais com melhor

formação optam por outras escolas, por sua localização e/ou por melhores condições de

trabalho, por isso resta a esta escola a prevalência de contratos precários. A coordenação do

sistema não age para corrigir tal distorção, ao contrário; reforça tal perversidade, onde os

piores resultados dificilmente deixarão de reproduzir as mesmas condições que os geraram,

transformando-se num ciclo vicioso que reforça o agir, o pensar e o sentir, enfim, o habitus

tanto de quem está na coordenação do sistema como de quem está no cotidiano da escola.

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CONCLUSÃO

Tendo em vista a implementação de políticas de educação no contexto do federalismo

brasileiro, buscou-se compreender como o arranjo institucional para a condução das políticas

de educação participa para manter a regulação e restringir o acesso ao capital cultural às

classes populares, através da escola.

Em primeiro plano, situou-se o marco teórico no qual se assentou as bases de

compreensão dessa realidade, bem como a condução metodológica do trabalho, combinando

vários recursos e técnicas que pudessem melhor elucidar as questões postas. À base das

contribuições de Bourdieu e, através dele, a convocatória feita a diferentes autores de

abordagens históricas, sociológicas, políticas, econômicas e educacionais foi possível

compreender a educação como campo de conflitos e tensões, inserido na luta pelo poder e

pela distinção. Tais questões perpassam a organização do sistema de ensino e das políticas

públicas correspondentes, com especial enfoque às políticas de formação de professores.

Mostrou-se insuficiente a aferição da desigualdade por medidas meramente

econômicas, a economia é apenas um fator, ainda que importante, a compor a ampla dimensão

do problema. A permanência da desigualdade se dá na medida em que a cultura é, também,

fator de apartação social. O arbitrário cultural que constituí o conteúdo escolar não é outro

senão aquele definido pelas elites dominantes que, negando o direito de acesso ao

conhecimento e a essa cultura à maioria das pessoas, organiza a escola justamente em torno

do que é negado e impõe sistemas de avaliação de resultados de aprendizagem escolar para

mensurar o que a escola de massas não pode produzir: a apropriação da cultura dominante

pelos excluídos.

No caso estudado fica a impressão que o campo institucional revela um Estado que

burocratiza as políticas sem ter se burocratizado plenamente. Práticas patrimonialistas e

clientelistas ainda são recorrentes, elas se expressam, por exemplo, na inaceitável condição

dos professores contratados (na Escola Alfa chega a mais de 70%!), por exemplo. A

inexistência de autonomia das escolas, e de seus agentes, reflete e é refletida pelas políticas

pensadas de cima, a partir de uma escala hierárquica que não consegue se comunicar com a

base do sistema de ensino, esvaziamento de conteúdo político e cultural a unidade escolar,

ampliando a sobrecarga de processos burocráticos de fiscalização e controle, reproduzem

formas cristalizadas de pensar o sistema e os agentes que nele atuam, de modo tão

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hierarquizado quanto possível numa cultura política moldada por regimes autocráticos. A

escola se transforma em um ―não lugar.‖ E porque a coordenação do sistema não consegue

dialogar com a realidade escolar, conduz para que tudo seja parametrizado, ofertado de forma

generalizante e para todos: cursos, metodologias e sistemas à serviço da padronização, contra

a criatividade e a autonomia. Esta lógica está presente tanto no governo federal quanto no

estadual. Em ambos os casos prevalece a orientação individualista na formação, atendendo

mais aos interesses pontuais da carreira (progressão funcional) e não às necessidades de

processos educacionais, necessariamente coletivos. Pressupõe-se, talvez, que o coletivo possa

ser a soma dos indivíduos ―capacitados‖.

Na história recente, muitos movimentos de classes ou frações de classes se

materializaram principalmente nas disputas em torno da Constituição de 1988. Da

possibilidade de construção de um sistema nacional de educação à implementação da política

de formação de professores em Mato Grosso, os limites de uma cultura centralizadora se

mantém. Ainda guarda traços de patrimonialismos e clientelismos, renovados nos diferentes

interesses das elites do campo político e na apropriação do poder regional/local como espólio

da disputa entre diversos agentes da política.

Nesse sentido, sobre a aparente autonomia dos entes federados, parece haver

uma divisão de poder entre os grupos que compõem as elites políticas nas diversas esferas de

governo. Por essa razão o Sistema Único de Educação se tornou historicamente inviável, uma

vez que pressupunha a abdicação de parcela significativa de poder de cada governo para a

construção de uma estrutura articulada num mesmo espaço territorial.

Apesar do insucesso das lutas em torno do Sistema Único de Educação no Brasil, o

governo federal continuou exercer um papel importante nos estados e municípios, por

exemplo, através de programas como Gestar, Programa Dinheiro Direto na Escola, o recente

Plano de Ações Articuladas - PAR e ainda, o Programa Nacional de Formação de Professores.

São iniciativas de políticas planejadas pelo governo federal e delegadas à execução de estados

e municípios (ou da própria unidade escolar). Essas, porém, são políticas de governo,

pontuais, não mudam a estrutura das relações entre os entes federados, não têm o poder de

enfrentar o problema das desigualdades no acesso ao conhecimento. Não se articulam de

forma ampla com as políticas no âmbito regional e nem contribuem, dada a verticalização das

relações, para constituir capacidade instalada de planejamento e gestão de políticas

educacionais em âmbito estadual/municipal.

A ação do estado em relação ao município é mais hermética. Ao que tudo

indica o estado não se assume como ente mais abrangente, com responsabilidades na

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articulação da política num território mais amplo que os limites municipais. Estado e

município parecem compartilhar de uma mesma posição, na concorrência por oferta dos

serviços educacionais e disputam espaço em cada limite geográfico municipal.

Podemos concluir que, analisando as políticas de educação, em especial a

política de formação de professores, a estrutura da organização federativa do Estado contribui

para a manutenção da desigualdade, uma vez que o modelo vigente não prevê instrumentos

claros ou suficientes e eficazes de mitigação efetiva das desigualdades regionais. No campo

da educação é frágil a articulação entre as políticas federais, estaduais e municipais. Cada um

desenvolve suas políticas (dentro dos limites de suas capacidades institucionais) de forma

concorrente e, quando muito elas se justapõem em ações paralelas. Em muitos casos, o estado

tem sido executor das políticas federais, tanto quanto as escolas têm sido executoras das

políticas da SEDUC.

A existência de um órgão de formação de professores em Mato Grosso (CEFAPRO) é

sem dúvida um grande avanço. Falta, contudo, um projeto mais consistente que o justifique,

bem como articulação com as instituições formadoras, com os programas do governo federal

e com a realidade escolar. Pensar a política de formação apenas do ponto de vista da oferta,

parece não ser suficiente para enfrentar o problema da restrição do capital cultural a que estão

submetidos também os professores. Tal questão requer a articulação dos entes federados num

arranjo que permita considerar as disparidades sócio-culturais e econômicas nas quais se

inserem o sistema de ensino e seus profissionais, de modo que a formação, seja qual for,

possa se constituir em estratégia de elevação do nível cultural dos profissionais, deteriorado

pelas suas próprias condições e pela violência simbólica imposta pela desqualificação do seu

espaço de trabalho enquanto espaço de produção intelectual, cultural.

Há de se repensar o papel que realmente a escola e seus profissionais têm tido nas

políticas de formação, repensar o arranjo federativo no sentido de escapar à ideologia da

autonomia de seus entes, quando na verdade, a única autonomia existente é a de funcionar

como bloqueador da responsabilidade pública sobre a questão educacional, deixando ao

prazer de cada governo suas preferências de políticas. Há de se buscar condições de ampliar

espaços para as Políticas Públicas no setor, não apenas governamentais. A organização de um

Sistema Único Nacional de Educação é urgente! Resta saber se os interesses cristalizados pelo

legado das políticas até o presente permitirão novos pactos federativos. Por fim, não se

advoga aqui uma visão ingênua sobre a educação, desconsiderando o papel da escola na

reprodução social, mas trata-se de admitir a contradição irremediável que é própria do

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humano. Que se possa avançar na ampliação do acesso ao capital cultural escolar,

diminuindo a distância valorativa entre os diplomas e nível de exclusão por dentro do sistema.

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APÊNDICE

Apêndice A - Pesquisa Diagnóstica. Perfil do Professor – Escola Alfa

1. Identificação Pessoal

1.1. Sexo: ( ) Feminino ( )Masculino

1.2. Data de nascimento: _____/____/____

1.3. Estado civil:

( ) Casado (a) ( ) União Estável ( ) Separado (a) ( ) Solteiro (a)

1.,4. Tem filhos? Informe a idade dos seus filhos.

___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________

1.5. Qual a profissão de seu cônjuge?

______________________________________________________________________

1.6. Qual a escolaridade de seu conjuge?

______________________________________________________________________

1.7. Qual a profissão de seus pais?

______________________________________________________________________

1.8. Qual a escolaridade de seus pais?

______________________________________________________________________

1.9. Quantos irmãos você tem e qual a escolaridade de cada um deles?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

__________________________________________________

2. Identificação profissional.

2.1. Qual a sua formação profissional inicial (graduação)?

( ) Pedagogia

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( ) Matemática

( ) Letras

( ) Geografia

( ) Física

( ) Química

( ) Biologia

( ) Educação Física

( ) Ciências Sociais

( ) Filosofia

( ) Outro: _____________________________________________________________

2.2. Qual a sua situação funcional?

( ) Concursado (a) ( ) Contratado(a) em substituição ( ) Contratado (a) aulas livres

2.3. Em que ao você se formou?

______________________________________________________________________

2.4. Qual a instituição formadora?

______________________________________________________________________

2.5. Em que ano começou sua atividade profissional como professor (a)?

______________________________________________________________________

2.6. Quanto tempo leciona na Escola Alfa?

______________________________________________________________________

2.8. Que turmas e disciplinas você está trabalhando este ano na escola?

2.9. Que outras disciplinas você ministra ou já ministrou nesta ou noutra escola?

2.10. Exerce atividade de magistério em outra escola? Qual (is)?

2.11. Atualmente, que disciplinas ministra na(s) outra(s) escola(s) e desde que ano?

2.12. Exerce outra atividade laboral para complementação da renda familiar? Qual?

2.13. Qual total de tempo dedicado à atividade de magistério, em sala de aula, por semana:

( ) 20h

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( ) 30h

( ) 40h

( ) acima de 40h

3. Formação Continuada

3.1 Possui algum curso de pós-graduação? Especifique:

( ) Especialização

-Área: ____________________________________________________________

- Instituição Promotora: ______________________________________________

- Início: ___________________ Término: ______________________

( ) Mestrado

Área: __________________________________________________________________

- Instituição Promotora:

- Início: _____________________ Término: _________________

( ) Doutorado:

Área: ______________________________________________________________________

- Instituição Promotora: ___________________________________________________

- Início: ________________ Término: ___________________________

3.2 Fez algum curo ou atividade de formação nos últimos dois anos? ( ) Sim ( )Não

Identifique:

- Curso/Atividade:_______________________________________________________

- Instituição Promotora: ____________________________________________________

- Início: ______________ Término: __________________

- Carga horária: ___________________________

- Curso/Atividade: _______________________________________________________

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- Instituição Promotora:

- Início: ______________ Término:__________________

Carga horária: ___________________________

3.3 Tem planos de fazer algum curso este ano? Qual (is)?

Curso:_________________________________________________________________

Instituição promotora:____________________________________________________

- Curso/Atividade:_______________________________________________________

- Instituição Promotora:___________________________________________________

3.4 Onde e como obteve informações sobre os cursos que pretende fazer este ano?

3.5 Segundo sua avaliação, classifique pela ordem decrescente, os objetivos da formação

continuada.

( ) Aprimoramento de conhecimento geral

( ) Melhoria da prática pedagógica do professor

( ) Troca de experiências com outros professores

( ) Integração do trabalho em equipe na escola

( ) Melhoria do currículo, com vantagem sobre a pontuação e melhoria da posição na carreira

e na atribuição de aula.

( ) Outros:______________________________________________________________

3.6 Qual é a principal atividade de formação continuada, você participa dela?

______________________________________________________________________

3.7 Qual a sua participação na construção da proposta de formação continuada no âmbito da

escola?

( ) participou da elaboração do projeto da formação, apresentando propostas de atividades

de cursos, reuniões, palestras e/ou eventos de formação dos professores da escola.

( ) Não participou da elaboração do projeto, mas esteve presente em todas as atividades de

formação desenvolvidas na escola.

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( )Não participou da elaboração do projeto e não pode estar presente em todas as atividades

de formação.

( ) Não participou da elaboração do projeto e nem esteve presente nas atividades de

formação.

3.8 Você já ouviu falar ou conhece a Plataforma Freire?

( ) Sim ( )Não

3.9 Fez a inscrição para algum curso na Plataforma Freire?

( )Não ( )Não

3.10 Como obteve informações sobre a Plataforma?

4. Renda e Condições de Vida

4.1 Qual o seu rendimento individual mensal?

4.2 Qual a renda familiar mensal de sua família?

4.6 Qual a situação de sua residência?

( ) Alugada ( ) Própria ( ) Cedida ( ) Outros

4.4 Quantas pessoas moram com você?

4.5 Quantos dependem de sua renda?

4.6 Possui computador em casa? ( )Sim ( )Não

4.7Tem acesso à internet? ( )Sim ( )Não

4.8 Você usa a internet? ( )Sim ( )Não

4.9 Possui endereço eletrônico para correspondência (email)?

( )Sim ( )Não

4.10 Que meios você utiliza para se informar?

a) Internet: ( )Sempre ( )A maioria das vezes ( )Poucas vezes ( )Nunca

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b) Jornais: ( )Sempre ( )A maioria das vezes ( )Poucas vezes ( )Nunca

c) Revistas: ( )Sempre ( )A maioria das vezes ( )Poucas vezes ( )Nunca

d) Televisão: ( )Sempre ( )A maioria das vezes ( )Poucas vezes ( )Nunca

e) ( )Nenhum desses meios.

f) Outros meios: _____________________________________________________

4.11 Cite, dentre esses meios, o veículo de informação que você mais utiliza (site, revista,

jornal, programa de TV).

4.12 Como você utiliza o seu tepo livre (quando não está exercendo atividades do magitério):

a) ( ) Desenvolve outras atividades para complementação de renda. Qual?

b) ( ) Trabalho doméstico e cuidado com os filhos

c) ( ) Atividades voluntárias em organizações sociais (igreja, associação de oradores, clubes

de esporte, etc.) Qual?

d) ( ) Outros:

4.13 Que programas de cultura e lazer costuma fazer no seu tempo livre?

a) Pescaria:

( ) Sempre ( ) A maioria das vezes ( ) Algumas vezes ( ) Nunca

b) Clubes da cidade:

( ) Sempre ( ) A maioria das vezes ( ) Algumas vezes ( ) Nunca

c) Cinema:

( ) Sempre ( ) A maioria das vezes ( ) Algumas vezes ( ) Nunca

d) Leitura:

( ) Sempre ( ) A maioria das vezes ( ) Algumas vezes ( ) Nunca

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e) Esporte. Qual?

( ) Sempre ( ) A maioria das vezes ( ) Algumas vezes ( ) Nunca

f) Outra atividade. Qual?

( ) Sempre ( ) A maioria das vezes ( ) Algumas vezes ( ) Nunca

4.14 O que você costuma fazer nas férias?

a) ( ) Viaja para conhecer outros lugares

b) ( ) Viaja para casa de parentes

c) ( ) Fica em casa trabalhando nos afazeres domésticos

d) ( ) Realiza outra atividade remunerada

e) ( ) Fica em casa para descansar.

4.15 Você se lembra quando leu um livro pela última vez? Qual o seu título/autor? O que

mais lhe chamou a atenção?

______________________________________________________________________

5. Percepção do Ambiente

5.1 Quis são os órgãos/instituições mais importantes de apoio à escola?

______________________________________________________________________

5.2 Que outros órgãos/instituições deveriam estar mais presentes na escola?

______________________________________________________________________

5.3 Avalie os órgãos/instituições abaixo, atribuindo uma nota de 0 a 1099

par cada um,

considerando sua percepção sobre a importância e trabalho que desenvolvem junto à escola:

Assessoria Pedagógica ( )Importância ( )Trabalho desenvolvido

CEFAPRO ( )Importância ( )Trabalho desenvolvido

UNEMAT ( )Importância ( )Trabalho desenvolvido

99

Observar a seguinte classificação: 0- Não tem importância ou não desenvolve trabalho junto à escola, 1 a 3 –

Ruim, 4 a 5- Regular, 6 a 8- Bom, 9 a 10- Excelente.

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SEDUC ( )Importância ( )Trabalho desenvolvido

Direção da escola ( )Importância ( )Trabalho desenvolvido

Coordenação Pedagógica ( )Importância ( )Trabalho desenvolvido

5.4 Está satisfeito(a) com o seu trabalho na escola? Justifique.

___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________

5.5 Há algo que gostaria de mudar na Escola Alfa, o que?

___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________

5.6 Defina o que é ser professor para você.

___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________

6.7 Qual seu maior sonho?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

____________________________________________________________