edna de freitas brandão

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IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS. 29 de Julho a 1° de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA. UM OLHAR SOBRE O BAIRRO DE PIRAJÁ E O PARQUE SÃO BARTOLOMEU NA DÉCADA DE 1970 Edna de Freitas Brandão Graduanda em História pela Universidade Católica do Salvador . E-mail: [email protected] Palavras chave : Bahia. Pirajá. Patrimônio histórico. Parque São Bartolomeu. Antiga terra dos índios tupinambás, o bairro de Pirajá é um marca na história da Bahia e do Brasil. Localizado no subúrbio da cidade do Salvador, surgiu a partir de engenhos de açúcar e das primeiras missões jesuítas que a portaram na Bahia da colonização. Foi centro de uma importante região açucareira no século XVI, pertencente à freguesia de São Bartolomeu conhecido como engenho do El -rei (MATTOS, 1998, p. 129). Pirajá que na linguagem tupi-guarani significa lugar al agadiço, braço do rio ou mar, estreito que adentra a terra, é um dos bairros mais antigos da capital baiana era o único acesso por terra para quem chegava a Salvador. Sendo o caminho percorrido pelas tropas vindas de outras regiões da Bahia, lideradas pelo general Pedro Labatut, para combater os portugueses durante a Guerra de Independência em 1823 (ANGELIM, 1999, p. 6). Quem vinha do interior do Estado entrava na cidade pela Estrada Velha de Pirajá, utilizada para o transporte de gado que vinha de Feira da Caopoami, local hoje conhecido como Dias D’Ávila até o abatedouro do Barbalho. Vital não somente para o transporte de gado, como para própria comunica ção com o interior da província (ANGELIM, 1999, p. 6). Situado em terras de sesmarias concedidas por Fran cisco Pereira Coutinho, donatário da capitania da Bahia. A ocupação do substrito de Pirajá ocorreu prioritariamente em duas cumeadas que recebem o nome de Pirajá Velha e Pirajá Nova. Prolongando -se até os limites do rio cobre e de sua represa, e por sua to pografia ser formada de vales e cumeadas, essa ocupação ocorreu prioritariamente nas vias que seguem as linhas de cumeadas e, depois pelas encostas em direção aos vales (PMS, 1979, p. 22). Tendo como limite ao norte a represa do cobre, ao sul o riacho meni no de Deus, em seu lado esquerdo contempla -se a paisagem da baía de todos os santos, ao fundo o bairro do Lobato investindo para o Cabrito, do lado direito encontra-se a BR-324, rodovia Feira de Santana (PMS, 1979, p. 22). Na área conhecida como Pirajá Vel ha estar situada à igreja de São Bartolomeu, fundada em 1608 e o Pantheon em homenagem aos heróis da Indep endência. E a Pirajá Nova

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Page 1: Edna de Freitas Brandão

IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS.

29 de Julho a 1° de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA.

UM OLHAR SOBRE O BAIRRO DE PIRAJÁ E O PARQUE SÃO BARTOLOMEU NA DÉCADA DE 1970

Edna de Freitas Brandão

Graduanda em História pela Universidade Católica do Salvador . E-mail: [email protected]

Palavras chave : Bahia. Pirajá. Patrimônio histórico. Parque São Bartolomeu.

Antiga terra dos índios tupinambás, o bairro de Pirajá é um marca na história da Bahia

e do Brasil. Localizado no subúrbio da cidade do Salvador, surgiu a partir de engenhos de

açúcar e das primeiras missões jesuítas que a portaram na Bahia da colonização. Foi centro de

uma importante região açucareira no século XVI, pertencente à freguesia de São Bartolomeu

conhecido como engenho do El -rei (MATTOS, 1998, p. 129).

Pirajá que na linguagem tupi-guarani significa lugar al agadiço, braço do rio ou mar,

estreito que adentra a terra, é um dos bairros mais antigos da capital baiana era o único acesso

por terra para quem chegava a Salvador. Sendo o caminho percorrido pelas tropas vindas de

outras regiões da Bahia, lideradas pelo general Pedro Labatut, para combater os portugueses

durante a Guerra de Independência em 1823 (ANGELIM, 1999, p. 6).

Quem vinha do interior do Estado entrava na cidade pela Estrada Velha de Pirajá,

utilizada para o transporte de gado que vinha de Feira da Caopoami, local hoje conhecido

como Dias D’Ávila até o abatedouro do Barbalho. Vital não somente para o transporte de

gado, como para própria comunica ção com o interior da província (ANGELIM, 1999, p. 6).

Situado em terras de sesmarias concedidas por Fran cisco Pereira Coutinho, donatário

da capitania da Bahia. A ocupação do substrito de Pirajá ocorreu prioritariamente em duas

cumeadas que recebem o nome de Pirajá Velha e Pirajá Nova. Prolongando -se até os limites

do rio cobre e de sua represa, e por sua to pografia ser formada de vales e cumeadas, essa

ocupação ocorreu prioritariamente nas vias que seguem as linhas de cumeadas e, depois pelas

encostas em direção aos vales (PMS, 1979, p. 22).

Tendo como limite ao norte a represa do cobre, ao sul o riacho meni no de Deus, em

seu lado esquerdo contempla -se a paisagem da baía de todos os santos, ao fundo o bairro do

Lobato investindo para o Cabrito, do lado direito encontra-se a BR-324, rodovia Feira de

Santana (PMS, 1979, p. 22).

Na área conhecida como Pirajá Vel ha estar situada à igreja de São Bartolomeu,

fundada em 1608 e o Pantheon em homenagem aos heróis da Indep endência. E a Pirajá Nova

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surgida nos finais dos anos setenta e inicio dos anos oitenta, com a construção de um conjunto

residencial, próximo aos limi tes do Parque São Bartolomeu (PMS, 1979, p. 22).

Na década de setenta este local considerado legado cultural, cívico nacional

encontrava-se ainda em processo de formação e de melhorias para sua comunidade, apesar de

todos os problemas enfrentados , mas por toda sua relevância histórica. Os jornais desta época

postulavam a elevação de Pirajá para Parque Nacional (COSTA, 1971, p. 5).

“Pirajá pode constitui -se um Parque Nacional, pois tem requisitos para tanto. Além de

ser um março decisivo na Independência da Bahia foi palco de uma das maiores batalhas da

libertação nacional ” (COSTA, 1971, p. 5).

Local de importantes acontecimentos como a soberania brasileira em dois de julho de

1823, na medida em que as tropas sediadas em Pirajá impediam as tentativas das trop as

portuguesas em extinguir o Exército libertador. I mpossibilitando o a cesso e o domínio

português no R ecôncavo onde os independentes, angariavam recursos e recrutavam homens

capazes de garantir o encaminhamento da luta e a resistência da oposição ao país opressor

(COSTA, 1971, p. 5).

Estes e outros episódios integravam a seqüência histórica e o potencial turístico desta

localidade. Como question ados e defendidos pelos jornais (BRITO, 1972, p. 10).

“Pirajá tem todas as condições exigidas a uma atração turís ticas”?

Afirmando que requisitos não lhe faltavam, considerando que os interesses

divergentes, as separações cívicas, as distinções sociais e os contrastes políticos, apegaram -se

lá. Objetivando o mesmo ideal expulsar os denominados estrangeiros do solo br asileiro,

destacando que a batalha registrada em Pirajá permitiu o dois de julho e confirmou o Ipiranga

(BRITO, 1972, p. 10).

Outros fatores que garantiam o Parque Nacional de Pirajá, também eram apontados

pela imprensa da época. Dentre os quais estavam à localização do bairro que fica próximo a

Baia de Todos os Santos, não muito distante da orla marítima. O clima tropical úmido, a

topografia formada por vales na baixa do rio cobre a vegetação. E a comunicação com o

centro da cidade em trinta minutos (BRITO, 1972, p. 10).

Dentre os componentes históricos estava igreja de grande valor artístico, construída

em 17 de abril de 1638, de estilo jesuítico, fachada simples, com uma torre e sino único. No

recinto comporta va-se uma imagem de Senhor Morto e outra de No ssa Senhora da Piedade de

Pirajá, também do século XVIII , de autor desconhecido, trazida de Portugal. Na parede

principal estava fixada uma placa onde constava escrito: “Os responsáveis pela defesa da

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cidade sob a presidência do governador D. Pedro da Silv a, assentaram neste sitio as

províncias do que restou a salvação da Bahia ” (BRITO, 1972, p. 10).

E também o Pantheon monumento erigido em homenagem aos bravos de Pirajá, na

Batalha de 8 de novembro de 1823 . Dentro, os restos mortais do general Pedro Labatu t, que

comandou as forcas armadas nacionais na Bahia e derrotou os portugueses em Pirajá. Num

túmulo em pedra de mármore, nesta pedra, escritos em português clássico, o nome e data de

falecimento do general 4 de setembro de 1849 , que foi sepultado na igre ja da Piedade e depois

levado para a igreja de São Bartolomeu e numa estatua de bronze, o busto do herói.

Incrementavam as justificativas dos editoria is em favor da elevação de Pirajá a Parque

Nacional (BRITO, 1972, p. 10).

Em 1972 ano sesquicentenário da Independência as atenções estavam voltadas para os

locais e monumentos históricos do País. Pirajá com seus monumentos, era considerado um

ponto de grande importância, pelas lutas que ali desenrolaram em prol da emancipação

brasileira (CARDOSO, 1972, p. 14).

No entanto apesar de toda a relevância histórica, os símbolos dessa sangrenta peleja

estavam abandonados.

“O Pantheon e a estátua do general Labatut do então Exé rcito pacificador encontra -se

cercada de matos e vidros das janelas quebradas” (CARDOSO, 1972, p. 14).

As noticias relatavam ainda que o Pantheon com traços da arquitetura da antiguidade

clássica, a ação do tempo aliada a falta de cuidados se fazia sentir a primeira vista. No telhado

deste prédio se desenvolviam sobre o limo vegetação pa rasitária e os animais com seus

dejetos completavam a destruição (CHILE, 1972).

Enquanto à preocupação em torno do patrimônio brasileiro nos anos setenta estava

voltada para prédios e estátuas, onde o patrimônio era visto como um conjunto de

monumentos (LOMBARDI, 1 992, p. 37). Pirajá e sua herança patriótica estavam

abandonados.

Devido à situação enfrentada pelo bairro no ano sesquicentenário da Independência foi

criado o plano Pirajá. Um projeto que destinavam a compor um quadro histórico, político, e

social do que representavam à luta desenvolvida em torno da Batalha de Pirajá, bem como

mostrar o que deveria ser feito para transformar o local em Parque Nacional (CHILE, 1972, p.

8).

Juntamente com esse plano foi criado o Projeto Rondon em parceria com a

Universidade Federal da Bahia. Que através de pesquisas sobre os fatos históricos

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desenvolvidos no local, através de documentos e estudos arqueológicos, mostra va as

condições reais de Pirajá (CHILE, 1972, p. 8).

Neste mesmo ano 1972 Pirajá passou a Parque Histórico, p elo Decreto Municipal n°

4.355, de 8 de novembro. O decreto foi baixado com a intenção de garantir à preservação do

patrimônio histórico ligado a guerra de Independência e de transformar o local em ponto

turístico.

O Parque Histórico abrangeria a zona de p roteção florestal, a preservação de áreas

verdes, de bosques formados por eucaliptos, uma diversidade de arvores, além do lago, criado

com a barragem do cobre. Através deste decreto toda área onde se efetivaram a Batalha de

Pirajá ficou sob proteção do pod er publico (SILVA, 1975, p. 5).

De acordo com os jornais do ano de 1972, a criação do Parque Histórico de Pirajá

faria com que esse espaço assumisse seu lugar na historia.

“Todo esse acervo histórico e potencial turístico colocarão Pirajá em seu lugar de

direito, na historia brasileira ” (LIMA, 1973, p. 11).

A fonte dos milagres de São Bartolomeu reafirmava essa afirmativa, batizada pelo

povo por este nome , pois, quando a água despencava das pedras, formava um pequeno lago

onde seus visitantes banharavam -se e faziam seus trabalhos em homenagem a seus orixás. E ra

visitada por centenas de turistas de várias partes do país. As pessoas para lá se deslocavam em

busca de curas milagrosas (LIMA, 1973, p. 11).

Perto da fonte existia numa pedra uma pequena capela com a imagem de São

Bartolomeu com algumas inscrições sobre possíveis curas alcançadas por devotos.

Durante a década de setenta o bairro de Pirajá local onde efetivamente, fora dado o

brado da Independência, tinha grande destaque na festa de dois de julho, comemorativa ao

aniversário da emancipação da Bahia no dia 08 de novembro de 1823. A festividade era

precedida da chegada em Salvador no primeiro dia do mês de julho da pira acesa,

popularmente conhecida como fogo simbólico.

Apesar dos editoriais jornalís ticos relatarem que a historia não melhora a situação do

bairro. Pois, somente dias antes das festividades do dois de julho, eram tomadas algumas

providencias para a comemoração do evento (A TARDE, 24.04.1971, p. 7).

A solenidade cívica era possuída de gra nde conotação histórica, posto que, levada por

forte sentimento patriótico, com anseios de liberdade e igualdade entre os povos. Uma vez

que para Pirajá, se convergiam naquele dia, as mais representativas Autoridades Públicas,

Civis, Militares e Eclesiásti cas, sediadas em Salvador, e a comunidade local que se misturava

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entre a compacta massa humana que de toda parte da cidade para lá se convergia (COELHO,

2000, p. 3).

Era notória a presença das bandas militares, polícia, Exército, Marinha e Aeronáutica,

que se faziam presentes a solenidade, e, de igual modo às bandas e fanfarras das diversas

escolas públicas e particulares (COELHO, 2000, p. 3).

A festa era seguida do solene ato de celebração da santa missa e logo, dos atos cívicos

de haste amento das bandei ras do Brasil e da Bahia, e colocação de coroas de flores perante a

crípita dos heróis da Independência.

Vinculada a Festa de dois de julho no bairro de Pirajá estava a festa de Labatut ou de

São Bartolomeu, existente desde 1853, criada quatro anos após a morte do general Pedro

Labatut, quando seus restos mortais foram transladados da igreja da Piedade para a igreja de

São Bartolomeu. Nessa época, iniciou -se uma romaria ao tumulo do general, que é

reverenciado como o principal personagem da Independência da Bahia, atraindo durante os

anos setenta moradores dos bairros próximos, também vaqueiros de cidades do Recôncavo.

(ARAUJO, 1979, p. 2).

A igreja era o marco principal da festa paralela ao dois de julho, foi ao pé do altar

principal que os generais vencedo res da guerra da Independência se reuniram e rezaram,

deixando, como homenagem aos padres da época, a imagem de Nossa Senhora da Piedade.

Foi nesta igreja que D, Pedro II, em sua primeira visita a salvador, rezou ao lado de padres,

bispos da época (ARAUJO, 1979, p. 2).

O templo abrigou até 1914 os restos mortais do general Labatut, sepultado ao lado de

outros heróis da emancipação da Bahia, como o brigadeiro Luís da França Pinto Garcez,

Manoel Joaquim Pinto Laca, José Jaciene de Menezes e do major Francisco Lopes. Em 1914

a liga baiana de educação cívica transferiu o tumulo do general Labatut da igreja de São

Bartolomeu para o Pantheon construído ao lado (ARAUJO, 1979, p. 2).

Ao longo deste decênio Pirajá bairro patrimonial do país foi lembrado e esquecido

pelas autoridades políticas, teve suas esperanças alimentadas e reprimidas . Recebendo vários

projetos para valorização de suas reservas naturais e de seu patrimônio . Como em vinte oito

de abril de 1978 foi criado o Parque Metropolitano de Pirajá, pelo decre to 5.363 da prefeitura

municipal de Salvador, fundamentado na Constituição Federal art.180, que coloca sob a

proteção do poder público os bens de valor históricos e as paisagens naturais do país, f icando

o Parque situado entre o subúrbio ferroviário e a re gião de Pirajá – Valéria. Criado visando à

proteção do rio cobre e da colina de Pirajá, sua criação foi incentivada pelo projeto Rondon

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que durante os anos 70, lançou um desafio aos jovens universitários baianos no sentido de

pesquisar, estudar e coletar d ados sobre o subdistrito (ANDRADE, 2005, p. 8).

O movimento de defesa do Parque teve também o apoio da federação baiana do culto

afro-brasileiro, e de urbanistas que iniciaram a implantação de um sistema de áreas verdes em

Salvador.

A criação do Parque de Pirajá incluía o Parque São Bartolomeu remanescente de uma

floresta tropical anteriormente denominado como floresta do urubu. Como o bairro de Pirajá o

Parque São Bartolomeu tem sua historia vinculada com a hist ória da Bahia (SERPA, 1998 , p.

68).

Os primeiros habitantes e usuários do Parque São Bartolomeu foram os índios

Tupinambás, um dos povos pertencentes ao grupo Tupi – Guarani. Também abrigou escravos

fugitivos que neste local encontravam proteção e refúgio, organizando -se por volta de 1826

no chamado Quilombo do urubu (SERPA, 1998, p. 68).

Situado num ambiente flúvio -marinho, que abarca mananciais, rios e cachoeira,

manguezais arbustivos e diversidade de fauna e flora. Através dos séculos, o Parque São

Bartolomeu tem sido local de importantes acontecim entos históricos se constituindo de

grande relevância a memória do povo baiano (SERPA, 1998, p. 68).

No século XVI, foram instalados na região do Parque os engenhos de açúcar dos

jesuítas e os engenhos reais, pertencentes à coroa portuguesa. Neste mesmo pe ríodo foi

estabelecida a maior aldeia missionária jesuítica a Aldeia de São João (SERPA, 1998, p. 68).

Em 1633, século XVIII foi palco do primeiro sermão publico do padre Antonio Vieira

e cenário de lutas de resistência à invasão dos holandeses que se esta beleceram no entorno do

rio do Cobre (SERPA, 1998, p. 68).

O Parque constitui -se num território de múltiplas memórias e significados para a

sociedade, caracterizado por ser um local que trás intrinsecamente a relação de resistência. No

período escravocrata , foi utilizado como local de refúgios dos escravos fugitivos, abrigando

diversos quilombos que eram perseguidos e destruídos pelos portugueses .

Sitio das lutas que contribuíram para Independência da Bahia, principalmente da

batalha decisiva de Pirajá, em 1823. Quando da luta pela emancipação, as forças brasileiras

eram formadas por “crioulos”, negros e mulatos descendentes de africanos nascidos no Brasil.

O discurso político que conclamava a luta fomentou o anseio de liberdade tão esperado pelos

negros, levando os a decidir a luta armada devido a este ideal d e liberdade (SERPA, 1998, p.

68).

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Após a Independência, continuaram submetidos às forças dos grilhões e das chibatas.

Retomaram suas lutas de resistências e fundaram na região do parque, no século XIX, o

Quilombo do urubu, relevante a proteção e refúgios dos negros, que durou menos de um ano.

Em 1835, consolidou -se em um novo palco de luta, local da gênese da Revolta dos Malês.

Além de atender a demanda da metrópole com o cultivo da cana -de-açúcar.

Transformou-se em local sagrado dos cultos afro -brasileiros, um importante espaço voltado à

transmissão da cultura negra da região.

O Parque São Bartolomeu considerado um espaço sagrado, pelas práticas da

religiosidade afro-brasileira possuindo um significa do que não é o mesmo dos outros parques

que a cidade dispõem, como o do Abaeté e o Pituaçu (ESPINHEIRA, 1998, p. 24). A

singularidade do Parque São Bartolomeu é o de ser , sobre tudo, um santuário lugar

monumento da memória negro-indígena.

Com todo seu valor cultural, espécie de santuário religioso, com suas águas cachoeiras

e folhas o parque mantinha viva a tradição do candomblé . Mas as sobre tudo continuava

ignorado pelo o poder público, sempre lembrado com certo tom de nostalgia e encantamento.

Falava - se da importância desse espaço ecológico e religioso, e lamentava sua degradação e

abandono. Representando para o subúrbio, a perda de um dos últimos lugares de lazer; e para

os terreiros, a perda de um sitio sagrado. Para cidade, um dos raros monumentos re lacionados

à resistência de índios, negros e brasileiros, contra a opressão portuguesa (OLIVEIRA, 1975,

p. 4).

Matérias dos editoriais jornalísticos intituladas como “Parque São Bartolomeu é a

beleza difícil de ver” . Relatavam a dificuldade de se chegar ao Parque, sua marginalização e

abando por parte dos poderes públicos , cujo acesso era realizado por uma estrada de barro

pela suburbana restrito apenas a quem tem carro, os ônibus paravam na entrada para se chegar

até o local a distancia era de um quilômetro (OLIVEIRA, 1975, p. 4).

Durante os anos setenta o volume de água da cachoeira de São Bartolomeu estava

diminuindo, a falta de policiamento tornava a área um convite a bacanais, a imundície e a

constante descaracterização do local (OLIVEIRA, 1975, p. 4). Enquanto São Bartolomeu

enfrentava toda essa situação as autoridades voltavam seus debates sobre o “patrimônio

cultural brasileiro”, buscando ostenta mente o que fosse patrimônio e como deveria ser

protegido e preservado, outra luta foi identificar e repr esentar a cultura nacional, constituindo -

se em uma busca, mas ampla pela identidade nacional para identificar e representar a cultura

nacional brasileira (PINTO, 1994, p. 37).

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São Bartolomeu é um lugar de lembranças, e isso faz seu espírito. “Só o lugar quando

freqüentado por espíritos múltipl os pode ser evocados ou não. Pois, os lugares são histórias

fragmentárias e isoladas entre si, dos passados roubados a legibilidade por outro”

(CERTEAU, 1994, p. 189).

Em entrevista ao jornal Informe Pirajá (2000, p. 1), muitos de seus moradores se

recordaram emocionados da beleza do parque, no inicio dos anos setenta, lembrando do seu

lazer dominical, onde a comunidade se encontrava com a mata atlântica que existia em volta

de São Bartolomeu, formada do forte manancia l das águas que fluíam do rio do cobre, e se

estendiam pela mata a dentro, dando curso a belíssima queda d’água conhecida como fonte

dos milagres.

Lembrando que o local era freqüentado pela população de Salvador, e por caravanas

vindas do interior do Estad o e até mesmo por turistas de outros Estados da federação. Uns

interessados em conhecer o local, outros ligados às práticas de culto afro, que vinham com a

finalidade de realizar preceitos ligados à crença do candomblé. Nota-se que o morador

conhecido como Coelho liga a sua memória ao espaço em que ele viveu como afirma a autora

Ecléa Bosi (1994, p. 451), que “as lembranças têm assento nas pedras da cidade presentes nos

afetos das pessoas que nela viveram, de uma maneira muito mais entranhada”.

Outro morador do bairro também lembrou que a barragem do rio cobre foi construída

no governo de Juracy Magalhães, com pedra de óleo de baleia. Em frente a essa barragem,

afirma ele havia uma bela casa construída sob pedras, em torno existia uma área de formato

oval utilizada pela rapaziada para a prática do futebol. Em frente à casa havia um córrego,

servindo de escoadouro das águas que excediam das comportas de proteção da barragem

(COELHO, 1999, p. 3). Como lembra Bosi (1994, p. 449),

[...] a memória estar ligada c om o espaço em que marcou a vida da pessoa, porque há algo na disposição espacial que torna inteligível a posição do ser humano no mundo, a relação deste com outros seres, o valor do trabalho, a ligação com a natureza, criando com isso vínculos que as muda nças abalam, mas que persistem como uma carência .

A cidade deixou que São Bartolomeu, local de várias oferendas e invocações de vários

ebós e fosse esquecido dela própria; deixando que fosse depredado e se tornasse marginal.

Comprometendo a religião afro -brasileira, pois para ela a sacralizaçã o do espaço, fora dos

domínios da comunidade terreiros, se dá pelo que se compõe o es paço, isto é, pelo que ele

contém ou por sua identificação com o sagrado. Esquecimento tanto histórico como cultural,

porque o parque representa a memória do povo e a história tem como esquecimento anti -

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registro, pois só se pode esquecer aquilo que em algum momento foi registrado. O parque São

Bartolomeu foi esquecido como um lugar sagrado e de vivê ncia da religiosidade afro -

brasileira e sua poluição significa o esquecimento e memória (ESPINHEIRA, 1998, p. 25).

Tanto Pirajá como São Bartolomeu, são espaços importantes que não pode ser

esquecido e ficar tão afastado das concepções da importância histórica da cidade de Salvador.

Pois, caminhando pelo bairro reporta -se aos mapas passados da batalha que envolveu a cidade

transcrevendo - lhes os traços e as trajetórias, remetendo a ausência daquilo que, passou. O

que remete também ao passado são o cheiros da mata os sons do cair das cachoeiras. Como

afirma Certeau (1994, p. 189) “as lembranças estão povoadas de sons, e estes se completam

como uma conversa ou orquestra, sem ruídos antagônicos, envolvendo vida e trabalho em

ciclos compreensíveis ”.

Esses lugares Pirajá e o Parque São Bartolomeu , são fontes essenciais ou um tipo de

notação fundamental (CERTEAU, 1994, p. 177) para quem pretende conhecer a história de

Salvador e do Brasil. Os acontecimentos ocorridos nesses centros da memória patriótica e

libertadora baiana provam que a Independênc ia do Brasil, não ocorreu sem lutas nem

derramamento de sangue, com apenas um grito as margens do Ipiranga.

Com todo o seu acervo histórico e potencial turístico encontravam -se em estado

calamitoso. Pirajá e o Parque São Bartolomeu, foram esquecidos pelo poder público, como

sua importância histórica nada valesse. Onde a memória desse s espaços é uma forma de

enraizamento histórico cultural, uma ação no sentido de esforço da cultura popular frente à

cultura hegemônica, por ser um lugar monumento da memória negro-indígena e ao mesmo

tempo cívica popular na luta pela independência da cultura homogênea ( ESPINHEIRA, 1998

p. 24).

Referências

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CARDOSO, Marga rida Dourado. Pirajá: passado histórico exige o parque nacional. A Tarde, Salvador, 3 jun. 1972, p. 14..

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