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IV ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA - ANPUH-BA HISTÓRIA: SUJEITOS, SABERES E PRÁTICAS.
29 de Julho a 1° de Agosto de 2008. Vitória da Conquista - BA.
UM OLHAR SOBRE O BAIRRO DE PIRAJÁ E O PARQUE SÃO BARTOLOMEU NA DÉCADA DE 1970
Edna de Freitas Brandão
Graduanda em História pela Universidade Católica do Salvador . E-mail: [email protected]
Palavras chave : Bahia. Pirajá. Patrimônio histórico. Parque São Bartolomeu.
Antiga terra dos índios tupinambás, o bairro de Pirajá é um marca na história da Bahia
e do Brasil. Localizado no subúrbio da cidade do Salvador, surgiu a partir de engenhos de
açúcar e das primeiras missões jesuítas que a portaram na Bahia da colonização. Foi centro de
uma importante região açucareira no século XVI, pertencente à freguesia de São Bartolomeu
conhecido como engenho do El -rei (MATTOS, 1998, p. 129).
Pirajá que na linguagem tupi-guarani significa lugar al agadiço, braço do rio ou mar,
estreito que adentra a terra, é um dos bairros mais antigos da capital baiana era o único acesso
por terra para quem chegava a Salvador. Sendo o caminho percorrido pelas tropas vindas de
outras regiões da Bahia, lideradas pelo general Pedro Labatut, para combater os portugueses
durante a Guerra de Independência em 1823 (ANGELIM, 1999, p. 6).
Quem vinha do interior do Estado entrava na cidade pela Estrada Velha de Pirajá,
utilizada para o transporte de gado que vinha de Feira da Caopoami, local hoje conhecido
como Dias D’Ávila até o abatedouro do Barbalho. Vital não somente para o transporte de
gado, como para própria comunica ção com o interior da província (ANGELIM, 1999, p. 6).
Situado em terras de sesmarias concedidas por Fran cisco Pereira Coutinho, donatário
da capitania da Bahia. A ocupação do substrito de Pirajá ocorreu prioritariamente em duas
cumeadas que recebem o nome de Pirajá Velha e Pirajá Nova. Prolongando -se até os limites
do rio cobre e de sua represa, e por sua to pografia ser formada de vales e cumeadas, essa
ocupação ocorreu prioritariamente nas vias que seguem as linhas de cumeadas e, depois pelas
encostas em direção aos vales (PMS, 1979, p. 22).
Tendo como limite ao norte a represa do cobre, ao sul o riacho meni no de Deus, em
seu lado esquerdo contempla -se a paisagem da baía de todos os santos, ao fundo o bairro do
Lobato investindo para o Cabrito, do lado direito encontra-se a BR-324, rodovia Feira de
Santana (PMS, 1979, p. 22).
Na área conhecida como Pirajá Vel ha estar situada à igreja de São Bartolomeu,
fundada em 1608 e o Pantheon em homenagem aos heróis da Indep endência. E a Pirajá Nova
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surgida nos finais dos anos setenta e inicio dos anos oitenta, com a construção de um conjunto
residencial, próximo aos limi tes do Parque São Bartolomeu (PMS, 1979, p. 22).
Na década de setenta este local considerado legado cultural, cívico nacional
encontrava-se ainda em processo de formação e de melhorias para sua comunidade, apesar de
todos os problemas enfrentados , mas por toda sua relevância histórica. Os jornais desta época
postulavam a elevação de Pirajá para Parque Nacional (COSTA, 1971, p. 5).
“Pirajá pode constitui -se um Parque Nacional, pois tem requisitos para tanto. Além de
ser um março decisivo na Independência da Bahia foi palco de uma das maiores batalhas da
libertação nacional ” (COSTA, 1971, p. 5).
Local de importantes acontecimentos como a soberania brasileira em dois de julho de
1823, na medida em que as tropas sediadas em Pirajá impediam as tentativas das trop as
portuguesas em extinguir o Exército libertador. I mpossibilitando o a cesso e o domínio
português no R ecôncavo onde os independentes, angariavam recursos e recrutavam homens
capazes de garantir o encaminhamento da luta e a resistência da oposição ao país opressor
(COSTA, 1971, p. 5).
Estes e outros episódios integravam a seqüência histórica e o potencial turístico desta
localidade. Como question ados e defendidos pelos jornais (BRITO, 1972, p. 10).
“Pirajá tem todas as condições exigidas a uma atração turís ticas”?
Afirmando que requisitos não lhe faltavam, considerando que os interesses
divergentes, as separações cívicas, as distinções sociais e os contrastes políticos, apegaram -se
lá. Objetivando o mesmo ideal expulsar os denominados estrangeiros do solo br asileiro,
destacando que a batalha registrada em Pirajá permitiu o dois de julho e confirmou o Ipiranga
(BRITO, 1972, p. 10).
Outros fatores que garantiam o Parque Nacional de Pirajá, também eram apontados
pela imprensa da época. Dentre os quais estavam à localização do bairro que fica próximo a
Baia de Todos os Santos, não muito distante da orla marítima. O clima tropical úmido, a
topografia formada por vales na baixa do rio cobre a vegetação. E a comunicação com o
centro da cidade em trinta minutos (BRITO, 1972, p. 10).
Dentre os componentes históricos estava igreja de grande valor artístico, construída
em 17 de abril de 1638, de estilo jesuítico, fachada simples, com uma torre e sino único. No
recinto comporta va-se uma imagem de Senhor Morto e outra de No ssa Senhora da Piedade de
Pirajá, também do século XVIII , de autor desconhecido, trazida de Portugal. Na parede
principal estava fixada uma placa onde constava escrito: “Os responsáveis pela defesa da
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cidade sob a presidência do governador D. Pedro da Silv a, assentaram neste sitio as
províncias do que restou a salvação da Bahia ” (BRITO, 1972, p. 10).
E também o Pantheon monumento erigido em homenagem aos bravos de Pirajá, na
Batalha de 8 de novembro de 1823 . Dentro, os restos mortais do general Pedro Labatu t, que
comandou as forcas armadas nacionais na Bahia e derrotou os portugueses em Pirajá. Num
túmulo em pedra de mármore, nesta pedra, escritos em português clássico, o nome e data de
falecimento do general 4 de setembro de 1849 , que foi sepultado na igre ja da Piedade e depois
levado para a igreja de São Bartolomeu e numa estatua de bronze, o busto do herói.
Incrementavam as justificativas dos editoria is em favor da elevação de Pirajá a Parque
Nacional (BRITO, 1972, p. 10).
Em 1972 ano sesquicentenário da Independência as atenções estavam voltadas para os
locais e monumentos históricos do País. Pirajá com seus monumentos, era considerado um
ponto de grande importância, pelas lutas que ali desenrolaram em prol da emancipação
brasileira (CARDOSO, 1972, p. 14).
No entanto apesar de toda a relevância histórica, os símbolos dessa sangrenta peleja
estavam abandonados.
“O Pantheon e a estátua do general Labatut do então Exé rcito pacificador encontra -se
cercada de matos e vidros das janelas quebradas” (CARDOSO, 1972, p. 14).
As noticias relatavam ainda que o Pantheon com traços da arquitetura da antiguidade
clássica, a ação do tempo aliada a falta de cuidados se fazia sentir a primeira vista. No telhado
deste prédio se desenvolviam sobre o limo vegetação pa rasitária e os animais com seus
dejetos completavam a destruição (CHILE, 1972).
Enquanto à preocupação em torno do patrimônio brasileiro nos anos setenta estava
voltada para prédios e estátuas, onde o patrimônio era visto como um conjunto de
monumentos (LOMBARDI, 1 992, p. 37). Pirajá e sua herança patriótica estavam
abandonados.
Devido à situação enfrentada pelo bairro no ano sesquicentenário da Independência foi
criado o plano Pirajá. Um projeto que destinavam a compor um quadro histórico, político, e
social do que representavam à luta desenvolvida em torno da Batalha de Pirajá, bem como
mostrar o que deveria ser feito para transformar o local em Parque Nacional (CHILE, 1972, p.
8).
Juntamente com esse plano foi criado o Projeto Rondon em parceria com a
Universidade Federal da Bahia. Que através de pesquisas sobre os fatos históricos
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desenvolvidos no local, através de documentos e estudos arqueológicos, mostra va as
condições reais de Pirajá (CHILE, 1972, p. 8).
Neste mesmo ano 1972 Pirajá passou a Parque Histórico, p elo Decreto Municipal n°
4.355, de 8 de novembro. O decreto foi baixado com a intenção de garantir à preservação do
patrimônio histórico ligado a guerra de Independência e de transformar o local em ponto
turístico.
O Parque Histórico abrangeria a zona de p roteção florestal, a preservação de áreas
verdes, de bosques formados por eucaliptos, uma diversidade de arvores, além do lago, criado
com a barragem do cobre. Através deste decreto toda área onde se efetivaram a Batalha de
Pirajá ficou sob proteção do pod er publico (SILVA, 1975, p. 5).
De acordo com os jornais do ano de 1972, a criação do Parque Histórico de Pirajá
faria com que esse espaço assumisse seu lugar na historia.
“Todo esse acervo histórico e potencial turístico colocarão Pirajá em seu lugar de
direito, na historia brasileira ” (LIMA, 1973, p. 11).
A fonte dos milagres de São Bartolomeu reafirmava essa afirmativa, batizada pelo
povo por este nome , pois, quando a água despencava das pedras, formava um pequeno lago
onde seus visitantes banharavam -se e faziam seus trabalhos em homenagem a seus orixás. E ra
visitada por centenas de turistas de várias partes do país. As pessoas para lá se deslocavam em
busca de curas milagrosas (LIMA, 1973, p. 11).
Perto da fonte existia numa pedra uma pequena capela com a imagem de São
Bartolomeu com algumas inscrições sobre possíveis curas alcançadas por devotos.
Durante a década de setenta o bairro de Pirajá local onde efetivamente, fora dado o
brado da Independência, tinha grande destaque na festa de dois de julho, comemorativa ao
aniversário da emancipação da Bahia no dia 08 de novembro de 1823. A festividade era
precedida da chegada em Salvador no primeiro dia do mês de julho da pira acesa,
popularmente conhecida como fogo simbólico.
Apesar dos editoriais jornalís ticos relatarem que a historia não melhora a situação do
bairro. Pois, somente dias antes das festividades do dois de julho, eram tomadas algumas
providencias para a comemoração do evento (A TARDE, 24.04.1971, p. 7).
A solenidade cívica era possuída de gra nde conotação histórica, posto que, levada por
forte sentimento patriótico, com anseios de liberdade e igualdade entre os povos. Uma vez
que para Pirajá, se convergiam naquele dia, as mais representativas Autoridades Públicas,
Civis, Militares e Eclesiásti cas, sediadas em Salvador, e a comunidade local que se misturava
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entre a compacta massa humana que de toda parte da cidade para lá se convergia (COELHO,
2000, p. 3).
Era notória a presença das bandas militares, polícia, Exército, Marinha e Aeronáutica,
que se faziam presentes a solenidade, e, de igual modo às bandas e fanfarras das diversas
escolas públicas e particulares (COELHO, 2000, p. 3).
A festa era seguida do solene ato de celebração da santa missa e logo, dos atos cívicos
de haste amento das bandei ras do Brasil e da Bahia, e colocação de coroas de flores perante a
crípita dos heróis da Independência.
Vinculada a Festa de dois de julho no bairro de Pirajá estava a festa de Labatut ou de
São Bartolomeu, existente desde 1853, criada quatro anos após a morte do general Pedro
Labatut, quando seus restos mortais foram transladados da igreja da Piedade para a igreja de
São Bartolomeu. Nessa época, iniciou -se uma romaria ao tumulo do general, que é
reverenciado como o principal personagem da Independência da Bahia, atraindo durante os
anos setenta moradores dos bairros próximos, também vaqueiros de cidades do Recôncavo.
(ARAUJO, 1979, p. 2).
A igreja era o marco principal da festa paralela ao dois de julho, foi ao pé do altar
principal que os generais vencedo res da guerra da Independência se reuniram e rezaram,
deixando, como homenagem aos padres da época, a imagem de Nossa Senhora da Piedade.
Foi nesta igreja que D, Pedro II, em sua primeira visita a salvador, rezou ao lado de padres,
bispos da época (ARAUJO, 1979, p. 2).
O templo abrigou até 1914 os restos mortais do general Labatut, sepultado ao lado de
outros heróis da emancipação da Bahia, como o brigadeiro Luís da França Pinto Garcez,
Manoel Joaquim Pinto Laca, José Jaciene de Menezes e do major Francisco Lopes. Em 1914
a liga baiana de educação cívica transferiu o tumulo do general Labatut da igreja de São
Bartolomeu para o Pantheon construído ao lado (ARAUJO, 1979, p. 2).
Ao longo deste decênio Pirajá bairro patrimonial do país foi lembrado e esquecido
pelas autoridades políticas, teve suas esperanças alimentadas e reprimidas . Recebendo vários
projetos para valorização de suas reservas naturais e de seu patrimônio . Como em vinte oito
de abril de 1978 foi criado o Parque Metropolitano de Pirajá, pelo decre to 5.363 da prefeitura
municipal de Salvador, fundamentado na Constituição Federal art.180, que coloca sob a
proteção do poder público os bens de valor históricos e as paisagens naturais do país, f icando
o Parque situado entre o subúrbio ferroviário e a re gião de Pirajá – Valéria. Criado visando à
proteção do rio cobre e da colina de Pirajá, sua criação foi incentivada pelo projeto Rondon
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que durante os anos 70, lançou um desafio aos jovens universitários baianos no sentido de
pesquisar, estudar e coletar d ados sobre o subdistrito (ANDRADE, 2005, p. 8).
O movimento de defesa do Parque teve também o apoio da federação baiana do culto
afro-brasileiro, e de urbanistas que iniciaram a implantação de um sistema de áreas verdes em
Salvador.
A criação do Parque de Pirajá incluía o Parque São Bartolomeu remanescente de uma
floresta tropical anteriormente denominado como floresta do urubu. Como o bairro de Pirajá o
Parque São Bartolomeu tem sua historia vinculada com a hist ória da Bahia (SERPA, 1998 , p.
68).
Os primeiros habitantes e usuários do Parque São Bartolomeu foram os índios
Tupinambás, um dos povos pertencentes ao grupo Tupi – Guarani. Também abrigou escravos
fugitivos que neste local encontravam proteção e refúgio, organizando -se por volta de 1826
no chamado Quilombo do urubu (SERPA, 1998, p. 68).
Situado num ambiente flúvio -marinho, que abarca mananciais, rios e cachoeira,
manguezais arbustivos e diversidade de fauna e flora. Através dos séculos, o Parque São
Bartolomeu tem sido local de importantes acontecim entos históricos se constituindo de
grande relevância a memória do povo baiano (SERPA, 1998, p. 68).
No século XVI, foram instalados na região do Parque os engenhos de açúcar dos
jesuítas e os engenhos reais, pertencentes à coroa portuguesa. Neste mesmo pe ríodo foi
estabelecida a maior aldeia missionária jesuítica a Aldeia de São João (SERPA, 1998, p. 68).
Em 1633, século XVIII foi palco do primeiro sermão publico do padre Antonio Vieira
e cenário de lutas de resistência à invasão dos holandeses que se esta beleceram no entorno do
rio do Cobre (SERPA, 1998, p. 68).
O Parque constitui -se num território de múltiplas memórias e significados para a
sociedade, caracterizado por ser um local que trás intrinsecamente a relação de resistência. No
período escravocrata , foi utilizado como local de refúgios dos escravos fugitivos, abrigando
diversos quilombos que eram perseguidos e destruídos pelos portugueses .
Sitio das lutas que contribuíram para Independência da Bahia, principalmente da
batalha decisiva de Pirajá, em 1823. Quando da luta pela emancipação, as forças brasileiras
eram formadas por “crioulos”, negros e mulatos descendentes de africanos nascidos no Brasil.
O discurso político que conclamava a luta fomentou o anseio de liberdade tão esperado pelos
negros, levando os a decidir a luta armada devido a este ideal d e liberdade (SERPA, 1998, p.
68).
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Após a Independência, continuaram submetidos às forças dos grilhões e das chibatas.
Retomaram suas lutas de resistências e fundaram na região do parque, no século XIX, o
Quilombo do urubu, relevante a proteção e refúgios dos negros, que durou menos de um ano.
Em 1835, consolidou -se em um novo palco de luta, local da gênese da Revolta dos Malês.
Além de atender a demanda da metrópole com o cultivo da cana -de-açúcar.
Transformou-se em local sagrado dos cultos afro -brasileiros, um importante espaço voltado à
transmissão da cultura negra da região.
O Parque São Bartolomeu considerado um espaço sagrado, pelas práticas da
religiosidade afro-brasileira possuindo um significa do que não é o mesmo dos outros parques
que a cidade dispõem, como o do Abaeté e o Pituaçu (ESPINHEIRA, 1998, p. 24). A
singularidade do Parque São Bartolomeu é o de ser , sobre tudo, um santuário lugar
monumento da memória negro-indígena.
Com todo seu valor cultural, espécie de santuário religioso, com suas águas cachoeiras
e folhas o parque mantinha viva a tradição do candomblé . Mas as sobre tudo continuava
ignorado pelo o poder público, sempre lembrado com certo tom de nostalgia e encantamento.
Falava - se da importância desse espaço ecológico e religioso, e lamentava sua degradação e
abandono. Representando para o subúrbio, a perda de um dos últimos lugares de lazer; e para
os terreiros, a perda de um sitio sagrado. Para cidade, um dos raros monumentos re lacionados
à resistência de índios, negros e brasileiros, contra a opressão portuguesa (OLIVEIRA, 1975,
p. 4).
Matérias dos editoriais jornalísticos intituladas como “Parque São Bartolomeu é a
beleza difícil de ver” . Relatavam a dificuldade de se chegar ao Parque, sua marginalização e
abando por parte dos poderes públicos , cujo acesso era realizado por uma estrada de barro
pela suburbana restrito apenas a quem tem carro, os ônibus paravam na entrada para se chegar
até o local a distancia era de um quilômetro (OLIVEIRA, 1975, p. 4).
Durante os anos setenta o volume de água da cachoeira de São Bartolomeu estava
diminuindo, a falta de policiamento tornava a área um convite a bacanais, a imundície e a
constante descaracterização do local (OLIVEIRA, 1975, p. 4). Enquanto São Bartolomeu
enfrentava toda essa situação as autoridades voltavam seus debates sobre o “patrimônio
cultural brasileiro”, buscando ostenta mente o que fosse patrimônio e como deveria ser
protegido e preservado, outra luta foi identificar e repr esentar a cultura nacional, constituindo -
se em uma busca, mas ampla pela identidade nacional para identificar e representar a cultura
nacional brasileira (PINTO, 1994, p. 37).
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São Bartolomeu é um lugar de lembranças, e isso faz seu espírito. “Só o lugar quando
freqüentado por espíritos múltipl os pode ser evocados ou não. Pois, os lugares são histórias
fragmentárias e isoladas entre si, dos passados roubados a legibilidade por outro”
(CERTEAU, 1994, p. 189).
Em entrevista ao jornal Informe Pirajá (2000, p. 1), muitos de seus moradores se
recordaram emocionados da beleza do parque, no inicio dos anos setenta, lembrando do seu
lazer dominical, onde a comunidade se encontrava com a mata atlântica que existia em volta
de São Bartolomeu, formada do forte manancia l das águas que fluíam do rio do cobre, e se
estendiam pela mata a dentro, dando curso a belíssima queda d’água conhecida como fonte
dos milagres.
Lembrando que o local era freqüentado pela população de Salvador, e por caravanas
vindas do interior do Estad o e até mesmo por turistas de outros Estados da federação. Uns
interessados em conhecer o local, outros ligados às práticas de culto afro, que vinham com a
finalidade de realizar preceitos ligados à crença do candomblé. Nota-se que o morador
conhecido como Coelho liga a sua memória ao espaço em que ele viveu como afirma a autora
Ecléa Bosi (1994, p. 451), que “as lembranças têm assento nas pedras da cidade presentes nos
afetos das pessoas que nela viveram, de uma maneira muito mais entranhada”.
Outro morador do bairro também lembrou que a barragem do rio cobre foi construída
no governo de Juracy Magalhães, com pedra de óleo de baleia. Em frente a essa barragem,
afirma ele havia uma bela casa construída sob pedras, em torno existia uma área de formato
oval utilizada pela rapaziada para a prática do futebol. Em frente à casa havia um córrego,
servindo de escoadouro das águas que excediam das comportas de proteção da barragem
(COELHO, 1999, p. 3). Como lembra Bosi (1994, p. 449),
[...] a memória estar ligada c om o espaço em que marcou a vida da pessoa, porque há algo na disposição espacial que torna inteligível a posição do ser humano no mundo, a relação deste com outros seres, o valor do trabalho, a ligação com a natureza, criando com isso vínculos que as muda nças abalam, mas que persistem como uma carência .
A cidade deixou que São Bartolomeu, local de várias oferendas e invocações de vários
ebós e fosse esquecido dela própria; deixando que fosse depredado e se tornasse marginal.
Comprometendo a religião afro -brasileira, pois para ela a sacralizaçã o do espaço, fora dos
domínios da comunidade terreiros, se dá pelo que se compõe o es paço, isto é, pelo que ele
contém ou por sua identificação com o sagrado. Esquecimento tanto histórico como cultural,
porque o parque representa a memória do povo e a história tem como esquecimento anti -
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registro, pois só se pode esquecer aquilo que em algum momento foi registrado. O parque São
Bartolomeu foi esquecido como um lugar sagrado e de vivê ncia da religiosidade afro -
brasileira e sua poluição significa o esquecimento e memória (ESPINHEIRA, 1998, p. 25).
Tanto Pirajá como São Bartolomeu, são espaços importantes que não pode ser
esquecido e ficar tão afastado das concepções da importância histórica da cidade de Salvador.
Pois, caminhando pelo bairro reporta -se aos mapas passados da batalha que envolveu a cidade
transcrevendo - lhes os traços e as trajetórias, remetendo a ausência daquilo que, passou. O
que remete também ao passado são o cheiros da mata os sons do cair das cachoeiras. Como
afirma Certeau (1994, p. 189) “as lembranças estão povoadas de sons, e estes se completam
como uma conversa ou orquestra, sem ruídos antagônicos, envolvendo vida e trabalho em
ciclos compreensíveis ”.
Esses lugares Pirajá e o Parque São Bartolomeu , são fontes essenciais ou um tipo de
notação fundamental (CERTEAU, 1994, p. 177) para quem pretende conhecer a história de
Salvador e do Brasil. Os acontecimentos ocorridos nesses centros da memória patriótica e
libertadora baiana provam que a Independênc ia do Brasil, não ocorreu sem lutas nem
derramamento de sangue, com apenas um grito as margens do Ipiranga.
Com todo o seu acervo histórico e potencial turístico encontravam -se em estado
calamitoso. Pirajá e o Parque São Bartolomeu, foram esquecidos pelo poder público, como
sua importância histórica nada valesse. Onde a memória desse s espaços é uma forma de
enraizamento histórico cultural, uma ação no sentido de esforço da cultura popular frente à
cultura hegemônica, por ser um lugar monumento da memória negro-indígena e ao mesmo
tempo cívica popular na luta pela independência da cultura homogênea ( ESPINHEIRA, 1998
p. 24).
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