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M M R Revista Médica de Minas Gerais volume 27 • suplemento 3 2º Semestre / 2017 issn 0103-880 X e-ISSN 2238-3181 G 27 / S3 SUPLEMENTO DA SOCIEDADE MINEIRA DE PEDIATRIA 2º SEMESTRE / 2017

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Page 1: Editorial Mensagem da Presidente da Sociedade Mineira de ... · De forma pioneira, em Montes Claros, o grupo de reanimação neonatal treinou 57 profissionais de saúde e 18 parteiras

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MMRRevista Médica de Minas Gerais

volume 27 • suplemento 32º Semestre / 2017

issn 0103-880 Xe-ISSN 2238-3181

G27/S3

SUPLEMENTO DA SOCIEDADE MINEIRA DE PEDIATRIA

2º SEMESTRE / 2017

a rmmg é resultado da parceria entre as seguintes Instituições

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27/S3

Editorial

Mensagem da Presidente da Sociedade Mineira de Pediatria Triênio 2016-2018

A Sociedade Mineira de Pediatria (SMP) completou 70 anos no dia 27 de novembro de 2017. Houve uma cerimônia de comemoração com presença especial de muitos ex-presidentes da SMP, sócios e familiares. O livro “Histórias da Pediatria em Minas Gerais”, editado pelo Professor Edward Tonelli e pelo Doutor José Guerra Lages, foi lançado nessa oportunidade. Para os presentes, foi um previlégio participar desse evento tão importante.

A história da SMP continua e vamos seguindo em frente com determinação e motivação, mas sem nos esquecer-mos do passado e da valorização de todos os que contribuíram para o nosso crescimento. Vamos nos desenvolvendo como instituição e estamos vacinados e prontos para buscar novos horizontes.

As nossas regionais, comitês científicos, secretaria e membros da diretoria se esforçam no dia a dia para que a solicitação dos sócios seja atendida. A Assesssoria de Comunicação vem nos prestigiando em todos os eventos.

Concretizamos muitas ações em 2017, entre elas vale a pena destacar a participação nas ações do ObservaPed – Observatório da Criança e do Adolescente e do “Salve Vidas com as Mãos”, vinculados ao Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Os cursos de Suporte Avançado de Vida em Pe-diatria (PALS/American Heart Association), Reanimação Neonatal para maiores de 34 semanas, Reanimação Neonatal para menores de 34 semanas e Transporte Neonatal têm sido oferecidos em Belo Horizonte e para nossos colegas de outros municípios. De forma pioneira, em Montes Claros, o grupo de reanimação neonatal treinou 57 profissionais de saúde e 18 parteiras de diversas cidades da região, algumas delas tradicionais e outras indígenas, das tribos Xacriabá e Machacalis. Estiveram envolvidos nos cursos 13 instrutores, sendo sete de Belo Horizonte e seis de Montes Claros. Foi uma parceria de muito trabalho, mas com a participação ativa e eficiente de todas as instituições envolvidas, ou seja, a Sociedade Mineira de Pediatria, Coordenadoria de Atenção à Saúde da Mulher e Criança/Secretaria Estadual de Saúde-MG e LDS Church. Este ano organizamos o curso teórico prático de urgências pediátricas a ser ofertado em breve. Vários simpósios, cursos e jornadas aconteceram sob nossa coordenação ou nosso apoio. As Terças Científicas foram idealizadas para discutir em especial temas atuais e que preocupam os pediatras, buscando sempre o envolvi-mento de equipes mutiprofissionais e a interação entre comitês.

Este suplemento da Revista Médica de Minas Gerais é especial, pois contém temas relevantes do dia a dia do pe-diatra, como segurança das crianças no primeiro ano de vida, visita domiciliar como prática de ação integral, ensino médico humanizado no contexto da Oncologia Pediátrica, doenças hepáticas autoimunes, sedação em crianças e adolescentes, gravidade de asma nos adolescentes e trombose de veia porta após cateterismo venoso umbilical. As doenças infecciosas têm ressurgido e preocupado os pais e os pediatras, como a febre amarela, caxumba, toxoplas-mose congênita, mialgia aguda e tuberculose.

Precisavámos falar de bullying e cyberbulling e para tal um artigo de revisão foi aqui publicado de forma a introdu-zir para o pediatra o conceito e os sinais, permitindo a antecipação de problemas mais graves no futuro do comporta-mento e da personalidade da criança e do adolescente. O mundo digital é muitas vezes o nosso lugar neste planeta. Crianças e adolescentes vivem conectados 24 horas por dia e aproveitam o tempo nem sempre de forma saudável, usando esse espaço para praticar o bullying. Elevado percentual desaprova a prática, mas não sabe o que fazer e cerca de metade das vítimas prefere o silêncio!

Aproveito para convidar todos para o próximo Congresso Mineiro de Pediatria que será realizado no Palácio das Artes de 6 a 8 de junho de 2018. Teremos, ainda, o 3o Congresso Brasileiro e o 6o Simpósio Internacional de Nutrolo-gia Pediátrica, em Belo Horizonte. O pré-congresso ocorrerá no dia 19 de setembro de 2018 com o tema “Nutrologia no dia a dia”. Nos dias 20 a 22 de setembro será o congresso, com o tema “Nutrologia: mitos e atualidades – das evidências à pratica”. E em novembro, o Congresso Brasileiro de Adolescência, com muitas novidades e relatos de

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experiências condizentes com o nossos problemas e desafios contemporâneos. Por favor, anotem e guardem essas datas em suas agendas!

Para finalizar, gostaria de falar ainda de datas especiais. O fim de ano está chegando! Desejo paz no coração, amor, saúde, paz e muitas alegrias. Vamos compartilhar o que temos com os nossos colegas desta jornada de vida. Basta olhar para o lado e é possível ver que alguém precisa de nós, de várias maneiras. Muitas vezes, basta um abraço, um sorriso ou um aperto de mão.

Feliz Natal! Um Ano Novo cheio de grandes esperanças!

Um abraço fraternal para todos,

Maria do Carmo Barros de MeloPresidente da Sociedade Mineira de Pediatria – Triênio 2016-2018

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Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 3): S1-S99 3

PRESIDENTE Maria do Carmo Barros de Melo

PRESIDENTE DE HONRA Marcos Carvalho de Vasconcellos

VICE-PRESIDENTE Marisa Lages Ribeiro

SECRETÁRIO GERAL Andréa Chaimowicz

1ª SECRETÁRIA Vânia Nunes Viotti Parreira

2º SECRETÁRIO Oswaldo Trindade Filho

1ª TESOUREIROSalvador Henrique Ceolin

2º TESOUREIRO Giane Marques Barbosa Chaves

DIRETOR GERAL DE ADMINISTRAÇÃO, PLANEJAMENTO E FINANÇASNavantino Alves Filho

MEMBRO DO CONSELHO FISCAL E DIRETOR DE ASSUNTOS PROFISSIONAIS ADJUNTOFábio Augusto de Castro Guerra

MEMBROS DO CONSELHO FISCAL José Guerra Lages Luiz Megale

MEMBROS DO CONSELHO FISCAL E ASSESSORES DA PRESIDÊNCIAJosé Sabino de Oliveira Paulo Tadeu de Mattos Pereira PoggialiRaquel Pitchon dos Reis

ASSESSORES DA PRESIDÊNCIABenigna Maria de OliveiraIvani Novato Silva

Rocksane de Carvalho NortonÊnnio LeãoFrancisco José PennaPaulo Pimenta Figueiredo Filho

DIRETOR DE ASSUNTOS PROFISSIONAISRicardo Sobreira Silva Araújo

DIRETORES DE ASSUNTOS PROFISSIONAIS ADJUNTOSMargarida Constança Sofal Delgado Cláudio Drummond Pacheco

DIRETOR DE EVENTOS CIENTÍFICOS Luciano Amédée Péret Filho

DIRETORA DOS COMITÊS CIENTÍFICOSCristina Gonçalves Alvim

DIRETOR DE REDAÇÃO, PUBLICAÇÕES E DIVULGAÇÃO Cássio da Cunha Ibiapina

DIRETORA ADJUNTO DE REDAÇÃO, PUBLICAÇÕES E DIVULGAÇÃO Gabriela Araújo Costa

DIRETOR DE INTEGRAÇÃO DAS REGIONAIS José Carvalhido Gaspar

DIRETORA DE PATRIMÔNIORegina Fátima Barbosa Eto

DIRETORA DOS CURSOS DE REANIMAÇÃO DA SMPMarcela Damásio Ribeiro de Castro

DIRETORA DE INFORMÁTICAPriscila Menezes Ferri Liu

DIRETOR ADJUNTO DE INFORMÁTICAJúlio Rocha Pimenta

DIRETORA SOCIALÂngela Soares Campos

DIRETORA DE SÓCIOS ACADÊMICOS E RESIDENTESFlávia Cardoso Rodrigues

sociedade mineira de pediatria

Av. João Pinheiro, 161 Sala T11 Centro Belo Horizonte MG. Tel.:(31) 3224-0857

Composição da Diretoria – Triênio 2016/2018

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Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 3): S1-S994

COORDENADORES DO CURSO DE REANIMAÇÃO PEDIÁTRICAFrederico Mitre Pessoa Alexandre Rodrigues Ferreira

COORDENADORES DO GRUPO DE REANIMAÇÃO NEONATAL (GRUPO EXECUTIVO)Marcela Damásio Ribeiro de Castro

Márcia Gomes Penido Machado Márcio Pablo Pires Martins Miranda Vanessa Devitto Zákia Miranda

COORDENADORES DO CURSO DE URGÊNCIASLeonardo Falci MourãoLuciano Amédée Peret Filho

Comitês Científicos – Triênio 2016/2018

ADOLESCÊNCIAPresidente: Dra. Tatiane Miranda Vice-Presidente: Dra. Cristiane de Freitas Cunha

ALEITAMENTO MATERNOPresidente: Dra. Maria Cândida Ferrarez Bouzada Viana Vice-Presidente: Dra. Ana Luiza Diniz

ALERGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dr. Jorge Andrade Pinto Vice-Presidente: Raquel Pitchon

BIOÉTICAPresidente: Dr. Eduardo Carlos Tavares

CARDIOLOGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dra. Zilda Maria Alves Meira Vice-Presidente: Dr. Sandra Regina Tolentino Castilho

CIRURGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dr. Rodrigo Romualdo Vice-Presidente: Dr. Átila Reis Victória

CUIDADOS PRIMÁRIOSPresidente: Dra. Mônica Maria de Almeida VasconcelosVice-Presidente e Presidente interina de janeiro a julho de 2016: Dra. Márcia Rocha ParizziMembros: Dra. Elaine Alvarenga de Almeida Carvalho Dra. Lígia Damásio Kleim

CUIDADOS HOSPITALARESPresidente: Dra. Maria Albertina Santiago Rêgo

DERMATOLOGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dra. Cláudia Márcia Resende Silva Vice-Presidente: Dra. Luciana BaptistaENDOCRINOLOGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dra. Ivani Novato da Silva Vice-Presidente: Dr. Antônio José das Chagas

GASTROENTEROLOGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dra. Eleonora Druve Tavares FagundesVice-Presidente: Dr. Marco Antônio Duarte

GENÉTICA CLÍNICAPresidente: Dr. Rodrigo Rezende Arantes Vice-Presidente: Dr. Marcos José Burle de Aguiar Secretária: Josiele Souza Lima

INFECTOLOGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dra. Andréa Lucchesi de Carvalho Vice-Presidente: Dr. Alexandre Sérgio da Costa Braga

NEFROLOGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dr. José Maria Penido SilvaVice-Presidente: Dra. Mariana Guerra Duarte

NEONATOLOGIAPresidente: José Mariano Sales Alves Junior Vice-Presidente: Nívia Regina Moreira Scaldaferri

NEUROLOGIA INFANTILPresidente: Dra. Marli Marra de Andrade Vice-Presidente: Dra. Valéria Loureiro Rocha Secretário: Dr. Rodrigo Carneiro Campos

NUTRIÇÃOPresidente: Dra. Virgínia Resende Silva WeffortVice-Presidente: Dra. Adriana Reis BrasilSecretário: Dr. Joel Alves Lamounier

ONCO-HEMATOLOGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dr. Joaquim Caetano de Aguirre Neto Vice-Presidente: Camila Silva Peres CancelaSecretário: Paulo do Val Rezende

OTORRINOLARINGOLOGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dr. Ricardo Neves Godinho Vice-Presidente: Dra. Beatriz Fagundes Pedrosa

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Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 3): S1-S99 5

PNEUMOLOGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dr. Wilson Rocha Filho

REUMATOLOGIA PEDIÁTRICAPresidente: Dra. Maria Victória Pádua de Quintero SAÚDE ESCOLARPresidente: Claudia Machado Siqueira

SAÚDE MENTALPresidente: Dra. Ana Maria Costa da Silva Lopes

SEGURANÇA INFANTILPresidente: Dra. Marislaine Lumena de MendonçaVice-Presidente: Dr. Paulo Fernando Souto Bittencourt

TERAPIA INTENSIVA PEDIÁTRICA:Presidente: Dra. Caroline Máximo Batista Vice-Presidente: Dr. Jaisson Gustavo da Fonseca

COMITÊ DE REANIMAÇÃO NEONATAL Presidente: Dr. Márcio Pablo Pires Martins MirandaDra. Vanessa Zákia Devitto Miranda

COMITÊ DA PRIMEIRA INFÂNCIAPresidente: Dra. Laís Maria Santos Valadares e Valadares

COMITE DE OFTALMOLOGIAPresidente: Dr Geraldo de Barros RibeiroVice-Presidente: Dr. Pedro Paulo Leite dos Reis

COMITE DE ORTOPEDIAPresidente: Dr. Francisco Carlos Nogueira

COMITE DE ESPORTES E EXERCICIOPresidente: Dr. Carlos Eduardo Reis Silva

COMITE DE INTEGRAÇÃO PROFISSIONALPresidente: Dra. Júnia Gonçalves de Almeida QuintãoVice-Presidente: Monalisa Maria Gresta

COMITE DE CUIDADOS PALIATIVOSPresidente: Dra. Tatiana Mattos do AmaralVice-Presidente: Dra Filomena Camilo do Vale

regionais da sociedade mineira de pediatria

REGIONAL ZONA DA MATAPresidente: Dra. Mirna Granato Salomão Nagib

REGIONAL DO NORDESTE MINEIROPresidente: Dra. Beatriz Correia Aguiar

REGIONAL VALE DO PARANAÍBAPresidente: Dra. Cristiane Ribeiro Ambrósio

REGIONAL OESTEPresidente: Dr. Nozor Galvão

REGIONAL NORTEPresidente: Dra. Cláudia Pimenta

REGIONAL VALE DO RIO DOCEPresidente: Dra. Walquíria do Nascimento Soares de Paula

REGIONAL VALE DO RIO GRANDEPresidente: Dr. Luciano Borges Santiago

REGIONAL VALE DO AÇOPresidente: Dra. Sigrid Terezinha Campomizzi Calazans

REGIONAL SULPresidente: Dr. Edson Lopes Libânio

Cássio da Cunha IbiapinaEnnio Leão

Maria do Carmo Barros de MeloRocksane Norton de Carvalho

COMISSÃO EDITORIAL DO SUPLEMENTO DA REVISTA MÉDICA DE MINAS GERAIS

sociedade mineira de pediatria

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Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 3): S1-S996

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sumário

1 • Mensagem da Presidente da Sociedade Mineira de Pediatria Triênio 2016-2018Maria do Carmo Barros de Melo

8 • Segurança de crianças no primeiro ano de vida: conhecimento das mãesChildren’s safety in the first year of life: knowledge of the mothers Revista Médica de Minas Gerais

Vera Lúcia Venancio Gaspar, Ariane Cardoso Ferreira, Bruna Cândido Cota, Lílian Cunha Moreira, Sofia Pereira Tironi

16 • Tratar ou não crianças com toxoplasmose congênita suspeita? Contribuição de um sistema de classificação diagnóstica para decisão Treat or not to treat infant with possible congenital toxoplasmosis? Diagnostic classification system could aid decision

Flávia Alves Campos, Gláucia Man-zan Queiroz Andrade, Jacqueline Domingues Tibúrcio, Talita Pouzas Soares Martins, Roberta Maia de Castro Romanelli, Fernanda de Souza Vanni Rocha, Ericka Viana Machado Carellos

25 • A visita domiciliar como prática de ação integral à saúde da criança e do adolescenteThe role of the home visit in the comprehensive health care of children and adolescents

Daniela Soares Rosa Bresolini,

Guilherme Rache Gaspar, Luisa Diniz Reis, Ludmila Stephanie Júlio Machado, Mônica Versiani Nunes Pinheiro de Queiroz, Alisson Araújo, Rita de Cássia Faleiro, Laura Maria de Lima Belizário Facury Lasmar

33 • A edificação do ensino médico humanizado no con-texto da oncologia pediátrica: considerações sobre o filme “uma prova de amor” Edification of humanistic medical teaching in the pediatrict oncology context: considerations about the movie “my sister s keeper”

Karla Emília de Sá Rodrigues, Benigna Maria de Oliveira, Fabiana Maria Kakehasi, Joaquim Antônio Cesar Mota, Ana Carolina Ferreira Roberto, Laura Defensor Ribeiro, Lucas de Andrade Saraiva, Raissa Domingues de Simoni Silveira

40 • Caxumba: atualização Mumps: update

Gabriela Araujo Costa, Hívina Moreira Tarabal, Isabela Gontijo e Couto, Maria Clara Argolo

44 • Doenças hepáticas autoimunes em crianças e adolescentes Autoimmune liver disease in chil-dren and adolescents

Eduardo Ramos Santos, Eleonora Druve Tavares Fagundes, Ale-xandre Rodrigues Ferreira, Thaís Costa Nascentes Queiroz, Caroline Caldeira Hosken

Editorial

Foto: Fazito Comunicação.

Artigo Original Educação Médica

Artigos de Revisão

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51 • Doenças relacionadas ao glútenGluten related disorders

Paula Valladares Guerra Resende, Nathália Luzias de Matos e Silva, Graziela Cristina Mattos Schettino, Priscila Menezes Ferri Liu

59 • Febre amarela em Minas Gerais (BR) 2017Yellow fever in Minas Gerais (BR) 2017

Gabriela Araujo Costa, Aline Almei-da Bentes, Daniela Caldas Teixeira

63 • Gravidade da asma em adolescentes: revisão da literatura Asthma severity in adolescents: literature review

Lais Meirelles Nicoliello Vieira, Cristina Gonçalves Alvim, Laura Maria de Lima Facury Lasmar, Cassio da Cunha Ibiapina, Claudia Ribeiro de Andrade

68 • Mialgia aguda epidêmicaAcute epidemic myalgia

Bárbara Araújo Marques, Gabriela Araujo Costa, Aline Almeida Bentes

73 • Por que precisamos falar sobre bullying e cyberbullying Why we need to talk about bullying and cyberbullying

Mysia Ferreira, Valéria Loureiro Ro-cha, Cássio da Cunha Ibiapina

77 • Sedação para procedimentos em crianças e adolescentes: uma proposta a partir do sistema grade Procedural sedation in children and adolescents: recommendations based on grade system

Sarah de Lima e Silva, Alexandre Rodrigues Ferreira, Adrianne Mary Leão Sette e Oliveira, Flávia Cor-deiro Valerio, Livia Uliana Jacome, Brenda Corrêa de Godoi, Jader Pin-to Santos, Flávio dos Santos Campos

87 • Trombose de veia porta após cateterismo venoso umbilical: revisão da epidemiologia, profilaxia, diagnóstico e tratamentoPortal vein thrombosis after um-bilical vein catheterization: review of the epidemiology, prophylaxis, diagnostic and treatment

José Ricardo Borém Lopes, Thaís Costa Nascentes Queiroz, Bárbara Fonseca Gazzinelli, Eleonora Druve Tavares Fagundes, Alexandre Rodrigues Ferreira, Jayne Rodrigues Santos, Andre Carneiro Rocha

96 • Tuberculose pulmonar no lactente jovem: um relato de caso Pulmonary tuberculosis in young infant: a case report

Ligia Maria Alves dos Santos, Laura Maria de Lima Belizario Facury Lasmar, Maria das Graças Rodrigues de Oliveira, Gabriela Belizario Lasmar, Claudia Ribeiro de Andrade

Relato de Caso

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Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 3): S8-S158

ARTIGO ORIGINAL

Instituição:Fundação São Francisco Xavier, Hospital Márcio Cunha

Ipatinga, MG – Brasil

Autor correspondente:Vera Lúcia Venancio Gaspar

E-mail: [email protected]

1 Instituto Metropolitano de Ensino Superior; Fundação São Francisco Xavier, Hospital Márcio Cunha.

Ipatinga, MG – Brasil.2 Instituto Metropolitano de Ensino Superior.

Curso de Medicina. Ipatinga, MG – Brasil.

RESUMO

Introdução: questões relacionadas à segurança da criança devem ser abordadas durante a gravidez, continuando na maternidade e, posteriormente, em consultas com pediatras, considerando que as orientações preventivas disponibilizadas aos pais são imprescindíveis para a segurança da criança. Objetivo: averiguar o conhecimento de puérperas acerca da segurança de crianças no primeiro ano de vida. Métodos: trata-se de pesquisa descritiva, observacional e transversal, realizada no período de agosto de 2015 a dezembro de 2015, com mães de recém-nascidos, hospitalizadas na maternidade do Hospital Márcio Cunha, da Fundação São Francisco Xavier, em Ipatinga, Minas Ge-rais. Resultados: foram entrevistadas 300 puérperas. A faixa etária variou entre 14 e 45 anos; 52,0% já tinham outros filhos; 11,6% não completaram o ensino fundamental e 9,0% haviam cursado o ensino superior completo. Das mães, 56,3% haviam adquirido assento de segurança para o transporte do recém-nascido no automóvel e 43,2% haviam lido as instruções do fabricante. Quanto ao andador, 22,3% das mães pretendiam que seus fi-lhos usassem o equipamento. Entre as entrevistadas, 49,2% informaram que, ao preparar o banho para o filho, colocavam água quente e, em seguida, água fria para temperar. Quanto à posição recomendada para colocar o filho no berço, 62,3% das mães respon-deram que seria de lado e 78,7% pretendiam colocar objetos dentro do berço. Durante a gestação, 23,3% haviam recebido orientações sobre segurança da criança no primeiro ano de vida. Conclusão: observou-se que, conforme vários temas contidos na pesquisa,

há necessidade de aprimorar o conhecimento das mães, visando à segurança dos filhos.Palavras-chave: Segurança; Prevenção de Acidentes; Lactente.

ABSTRACT

Introduction: Issues related to children’s safety should be addressed during the pregnancy, go on through maternity and in consultation with pediatricians, considering that the preven-tive guidance provided to parents is imperative for the child’s safety Objective: To find out the knowledge of puerperal women about children’s safety in the first year of life. Methods: Descriptive, observational and cross-sectional study carried out from August to December in 2015; with mothers of newborns hospitalized at the maternity of the Márcio Cunha Hospital from the São Francisco Xavier Foundation, in Ipatinga, Minas Gerais. Results: 300 puerper-al women were interviewed. The age group ranged from 14 to 45 years old; 52.0% already had other children; 11.6% did not complete primary education and 9.0% finished graduation. From the interviewed mothers, 56.3% had the car’s safety seat to transport the newborn and 43.2% read the manufacturer’s instructions. When it concerns to the baby walker, 22.3% of the mothers intended to use the equipment. Among the interviewees, 49.2% reported that to prepare child’s bath, they would put hot water first and then cold water to season. As for the recommended position to put the child in the crib, 62.3% of the mothers said they would put

Children’s safety in the first year of life: knowledge of the mothers Revista Médica de Minas Gerais

Vera Lúcia Venancio Gaspar1, Ariane Cardoso Ferreira2, Bruna Cândido Cota2, Lílian Cunha Moreira2, Sofia Pereira Tironi2

Segurança de crianças no primeiro ano de vida: conhecimento das mães

DOI: 10.5935/2238-3182.20170024

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Segurança de crianças no primeiro ano de vida: conhecimento das mães

Ao longo dos últimos anos, ocorreu diminuição dos óbitos por síndrome da morte súbita do lactente (SMSL); nesse período, houve adequações “no ambiente de dor-mir dos lactentes e da classificação diagnóstica” das mortes.8 Mas essas ações precisam ser somadas a ou-tras, tais como a gestante deve fazer seguimento pré-na-tal adequado, abolir o uso de cigarro, não fazer uso de álcool e de outras drogas e aumentar a prática do alei-tamento materno9, que é fator protetor contra a SMSL.8

A segurança da criança, tema que se destaca en-tre as atribuições do pediatra, é questão que deve ser tratada ainda na maternidade, ocasião em que devem ser abordados cuidados com a alimentação, tópicos como a segurança no sono, no transporte, no ambiente domiciliar, assim como a existência de vulnerabilidade social e familiar.4 Em consultas de puericultura, orientações atualizadas sobre pre-venção de acidentes e promoção da saúde devem ser disponibilizadas de acordo com a faixa etária da criança, o ambiente em que reside e os riscos a que está sujeita.10

A presente pesquisa visa averiguar o conheci-mento de puérperas sobre segurança da criança no primeiro ano de vida.

MÉTODOS

Trata-se de uma pesquisa descritiva, observacional e transversal, realizada no período de agosto de 2015 a dezembro de 2015, com mães de recém-nascidos, hos-pitalizadas na maternidade do Hospital Márcio Cunha, da Fundação São Francisco Xavier, situado em Ipatin-ga, cidade localizada na região leste de Minas Gerais.

Participaram do estudo puérperas internadas pelo Sistema Único de Saúde e convênios. Excluí-ram-se da pesquisa as mães que não se encontravam em condições físicas, psíquicas e/ou emocionais sa-tisfatórias. Também não foram convidadas a partici-par as mães cujos filhos se encontravam internados devido a complicações neonatais e quando o filho evoluiu para óbito.

Foram incluídas na pesquisa puérperas que não per-tenciam aos grupos citados anteriormente, de qualquer faixa etária, independentemente do número de filhos, que aceitaram participar do estudo e que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, elabo-rado de acordo com as normas éticas para pesquisas envolvendo seres humanos, Resolução 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde.

the baby aside and 78.7% intended to put objects inside the crib. During the pregnancy, 23.3% received guidance about child safety in the first year of life. Conclusion: We observed that in several themes of the research, there is a need to improve the mothers’ knowledge aiming at the safety of their children.

Keywords: Safety; Accident Prevention; Infant.

INTRODUÇÃO

No Brasil, em 2014, entre crianças menores de um ano de idade, ocorreram 1.019 óbitos por causas externas, sendo 826 ocasionados por acidentes; 96, por agressões; 78, por eventos (fatos) cuja intenção é indeterminada; e 19, por outras causas.¹ Destaca--se que, nesse mesmo ano, aconteceram 555 mortes em decorrência de outras causas mal definidas e as não especificadas de mortalidade e 158 óbitos devido à síndrome da morte súbita na infância.²

As implicações das causas externas vão além das mortes: determinam hospitalizações, causam seque-las temporárias e/ou permanentes, ocasionam agra-vos emocionais e sociais e as perdas financeiras se estendem tanto à família como também à sociedade.³

Em 2014, morreram, no Brasil, 108 lactentes me-nores de um ano, vítimas de acidentes de transporte, dos quais 56 eram ocupantes de automóvel.¹ Reco-menda-se que, antes da alta hospitalar do recém-nas-cido (RN), os pais devem ser orientados quanto ao uso correto do assento de segurança.4

As crianças são particularmente suscetíveis às quedas. Condições socioeconômicas e ambientais desfavoráveis à segurança são vistas como fatores de risco significativos para esses eventos.5 São os acidentes mais frequentes entre as crianças, determi-nando por volta de 20,0 a 25,0% dos atendimentos de urgência por acidentes.6

As queimaduras, acidentes considerados prevení-veis, acontecem, predominantemente, em países de baixo e de médio poder aquisitivo.7 A maioria ocorre na cozinha e, em geral, é causada por líquidos quen-tes e chama. Crianças vítimas de queimaduras graves e que sobrevivem estão sujeitas a permanecer hospi-talizadas por longo período e apresentar comprome-timento significativo da aparência e outras sequelas permanentes, havendo risco de serem vítimas de “es-tigma e rejeição”. A prevenção deve englobar, entre outras, ações contra os diversos tipos de queimadu-ra, empregando intervenções educativas direciona-das para a população mais suscetível.7

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Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 3): S8-S1510

Segurança de crianças no primeiro ano de vida: conhecimento das mães

De acordo com o cálculo amostral, considerou-se população de, aproximadamente, 1.500 puérperas, ao longo de três meses de coleta dos dados (média de 500 mães por mês), prevalência de 50,0% para ní-vel de confiança de 95,0% e margem de erro de 5,0%. Foi estimada amostra de 300 puérperas (Open Epi versão 3.03). Ao final da coleta, os dados do formu-lário de pesquisa foram analisados com o auxílio do programa Epi-Info 3.5.1.

O estudo iniciou-se após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais, localizado na cidade de Coronel Fabri-ciano, Minas Gerais, sob parecer número 1.133.509 de 08 de junho de 2015.

RESULTADOS

Foram entrevistadas 300 puérperas. A idade va-riou entre 14 anos e 45 anos e a média foi de 27 anos (± 6,5 anos).

Os dados sociodemográficos, como existência de outros filhos e escolaridade materna, encontram-se na Tabela 1.

Os dados referentes ao transporte de crianças, menores de um ano, estão apresentados na Tabela 2. Entre as entrevistadas, 284 (94,7%) pretendiam levar os filhos para casa de automóvel.

Os dados relativos às quedas encontram-se na Ta-bela 3. Ressalta-se que 67 (22,3%) mães pretendiam que os filhos utilizassem andador.

No que concerne aos tópicos relacionados às queimaduras, as respostas fornecidas pelas puérpe-ras encontram-se na Tabela 4.

Tabela 1 - Dados sociodemográficos das puérperas

Frequência Percentual

Tem outros filhos (n=300)

Sim 156 52,0

Não 144 48,0

Escolaridade (n=300)

Fundamental incompleto 35 11,6

Fundamental completo 26 8, 7

Médio incompleto 63 21,0

Médio completo 119 39, 7

Superior incompleto 22 7,3

Superior completo 27 9,0

Pós-graduação 8 2, 7

Tabela 2 - Transporte de crianças menores de 1 ano

Frequência Percentual

Meio de transporte que será utilizado ao levar o filho para casa (n=300)

Automóvel 284 94,7

Ambulância 12 4,0

Ônibus 4 1,3

Adquiriu o assento indicado para transportar o filho no automóvel (n=300)

Sim 169 56,3

Não 131 43, 7

Leu as orientações do fabricante do assento (n=169)

Sim 73 43,2

Não 96 56,8

Ao andar de automóvel, como a criança deve ser transportada (n=300)

Assento infantil no banco traseiro 245 81,7

Colo da mãe no banco traseiro 49 16,3

Assento infantil no banco dianteiro 6 2,0

Local em que o assento infantil deve ser colocado no automóvel (n=283)

Lateral do banco traseiro 169 59,7

Centro do banco traseiro 114 40,3

Como o assento deve ser colocado no automóvel (n=300)

De costas para o painel do automóvel 216 72,0

De frente para o painel do automóvel 84 28,0

Local em que a mãe deve sentar-se no automóvel (n=300)

Lateral do banco traseiro 138 46,0

Centro do banco traseiro 134 44,7

Banco dianteiro 28 9,3

Tabela 3 - Quedas de crianças menores de 1 ano

Frequência Percentual

Local em que crianças, menores de 1 ano de idade, caem mais frequentemente (n=300)

Cama 219 73,0

Berço 29 9, 7

Escada 15 5,0

Andador 14 4, 7

Carrinho de bebê 7 2,3

Cadeira 6 2,0

Trocador 6 2,0

Outros 4 1,3

Pretende utilizar andador (n=300)

Não 233 77, 7

Sim 67 22,3

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Segurança de crianças no primeiro ano de vida: conhecimento das mães

Os dados referentes à segurança do sono estão contidos na Tabela 5. Constatou-se que 187 (62,3%) mães pretendiam colocar o filho para dormir na po-sição de lado.

Na Tabela 6, encontram-se as respostas das puér-peras relativas à orientação sobre segurança da criança, recebida durante a gestação, e as fontes de orientação.

Tabela 4 - Queimaduras de crianças menores de 1 ano

Frequência Percentual

Como as crianças sofrem queimaduras mais frequentemente (n=300)

Líquidos quentes 104 34,7

Objetos quentes 57 19,0

Fogo 57 19,0

Exposição à eletricidade 30 10,0

Ferro elétrico 21 7,0

Exposição excessiva ao sol 17 5,7

Fósforo 2 0,7

Outros 12 4,0

Local da casa em que as crianças sofrem queimaduras mais frequentemente (n=300)

Cozinha 279 93,0

Quarto 8 2, 7

Sala 7 2,3

Banheiro 4 1,3

Área de serviço 2 0,7

Pretende cozinhar com o filho no colo (n=300)

Não 279 93,0

Sim 21 7,0

Pretende transportar líquidos e alimentos quentes com o filho no colo (n=300)

Não 287 95, 7

Sim 13 4,3

Possui álcool líquido em casa (n=300)

Não 171 57,0

Sim 129 43,0

Ao preparar água para o banho, deve-se colocar primeiro água fria ou quente (n=295)

Água fria 150 50,8

Água quente 145 49,2

Tabela 5 - Ambiente para as crianças dormirem no primeiro ano de vida

Frequência Percentual

Móvel em que o filho vai dormir (n=300)

Berço 263 87,7

Cama com os pais 19 6,3

Moisés 8 2,7

Carrinho de bebê 6 2,0

Cama de solteiro 1 0,3

Outros 3 1,0

Continua...

... continuação

Tabela 5 - Ambiente para as crianças dormirem no primeiro ano de vida

Frequência Percentual

Local da casa em que o filho vai dormir (n=300)

Quarto com os pais 234 78,0

Quarto individual 59 19,7

Quarto com o(s) irmão(s) 6 2,0

Sala 1 0,3

Já adquiriu o berço (n=300)

Sim 285 95,0

Não 15 5,0

Posição recomendada para o filho dormir (n=300)

De lado 187 62,3

Barriga para cima 93 31,0

Barriga para baixo 20 6, 7

Pretende colocar objetos dentro do berço (n=300)

Sim 236 78,7

Não 64 21,3

Objetos que pretende colocar no berço (n=236)

Protetor lateral 149 63,1

Travesseiro 63 26,7

Brinquedo 6 2,5

Outros 18 7,6

Pretende amamentar o filho (n=300)

Sim 298 99,3

Não 2 0,7

Por quanto tempo pretende amamentar (em meses)

Média ± desvio-padrão 12 ± 7,2

Mínimo – Máximo 3-36

Fumantes na residência (n=300)

Não 232 77,3

Sim 68 22,7

Pessoas que fumam na residência (n=68)

Pai 41 60,3

Mãe 12 17,6

Avó 10 14,7

Outros 5 7,4

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Segurança de crianças no primeiro ano de vida: conhecimento das mães

mente à idade, mas também ao peso e à estatura da criança, devendo os pais serem orientados acerca do uso correto do assento infantil.14 Esse equipamento é recomendado somente para o transporte da criança no interior do veículo, não sendo indicado seu uso para outras finalidades, como para a criança dormir ou alimentar.12 A existência de legislação que torna obrigatório o uso do assento infantil nos automóveis é um recurso para aumentar a adesão ao uso.14

Das mães, 59,7% pretendiam colocar o assento de segurança na lateral do banco traseiro, e a maio-ria pretendia colocar o filho de costas para o painel do automóvel. O assento deve ser colocado, prefe-rencialmente, no centro do banco traseiro – desde que nessa posição o equipamento fique firmemente instalado – e de costas para o painel do carro, até a criança completar, pelo menos, dois anos de idade.12

Quedas são acidentes muito frequentes na infân-cia. Devem-se às características próprias do desen-volvimento da criança, que incluem a curiosidade, o interesse em conhecer seu entorno e a conquista progressiva da independência. Aliada a essas ca-racterísticas, muitas vezes, a vigilância por parte dos cuidadores é inadequada, somando-se ainda condições socioeconômicas desfavoráveis, que são fatores de risco para quedas.5 Na abordagem sobre o local de onde as crianças, de até um ano de ida-de, caem mais frequentemente, a maioria das mães citou a cama, seguindo-se berço, escada, andador e carrinho de bebê. Zielinski et al. verificaram que as crianças menores de um ano que caíram da escada estavam no colo (24,5%), no andador (16,2%) e no carrinho (5%).15 Devido à frequência com que ocor-rem quedas de mobília, entre crianças menores de um ano, deve-se ter atenção especial ao momento em que são colocadas em superfícies altas, para tro-ca de roupa ou para outra finalidade. Recomenda-se que os profissionais de saúde orientem sobre essa si-tuação de risco, o que contribuirá para a prevenção desse tipo de acidente.16

Entre as puérperas, 22,3% pretendiam que seus filhos usassem andador. Em pesquisa realizada por Mulvaney et al., observou-se que somente 53,4% dos pais responderam que seus filhos, menores de um ano, nunca haviam usado o equipamento.17 Além de não trazer vantagem para as crianças, o andador é um fator de risco relevante para acidentes, inclusive eventos graves que podem levar à morte. Orienta-se suspender a produção e a comercialização de anda-dores. Portanto, os pais devem ser orientados sobre

DISCUSSÃO

A análise dos dados sociodemográficos mostrou que as puérperas constituíram um grupo heterogê-neo. A faixa etária variou entre 14 e 45 anos; 52,0% já tinham outros filhos; 11,6% não completaram o ensino fundamental; e 9,0% haviam cursado o ensi-no superior completo. Entre os principais fatores de risco para a ocorrência de acidentes, as condições socioeconômicas desfavoráveis sobressaem como causa expressiva. Outros fatores também têm impac-to negativo na ocorrência de acidentes, como mãe adolescente, família monoparental, mãe com baixo nível de escolaridade e residências superpopulosas.11

Entre as mães, 94,7% pretendiam levar o RN para casa de automóvel; 56,3% haviam adquirido assento de segurança para o transporte do filho no veículo. Entre as que possuíam o equipamento, 56,8% ainda não tinham lido as orientações do fabricante. Reco-menda-se que, antes de colocar o assento de segu-rança no carro, os pais leiam o manual que acom-panha o produto, assim como o do automóvel. O assento deve ser corretamente colocado no veículo e usado em todas as ocasiões em que a criança for transportada, inclusive por ocasião da alta da mater-nidade12, mesmo em curtas distâncias.

Em relação à pergunta sobre como a criança deve ser transportada no automóvel, 16,3% das puérperas informaram que seria no colo da mãe e 2,0% em as-sento infantil, colocado no banco dianteiro. Entre as principais medidas para diminuir a gravidade dos acidentes de transporte, ressalta-se o uso de assen-to de segurança para lactentes, capaz de reduzir em, aproximadamente, 70,0% o risco de morte.13 É indis-pensável que o equipamento seja adequado não so-

Tabela 6 - Orientação sobre segurança da criança no primeiro ano de vida

Frequência Percentual

Recebeu orientação sobre segurança da criança, menor de 1 ano, durante a gestação (n=300)

Não 230 76, 7

Sim 70 23,3

Fonte de orientação sobre segurança (n=70)

Sistema de saúde 54 77,1

Família 7 10,0

Mídia 6 8,6

Escola 2 2,9

Empresa 1 1,4

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Segurança de crianças no primeiro ano de vida: conhecimento das mães

capaz de diminuir a ocorrência de SMSL e oferece proteção contra sufocação e estrangulamento.24

Das mães, 62,3% informaram que a posição ideal para colocar o RN no berço é de lado e 6,7% respon-deram que colocariam o filho em decúbito ventral. A posição supina é recomendada como a mais ade-quada para redução do risco da SMSL. O decúbito lateral e o ventral são desaconselhados para o sono dos lactentes.25

Entre as entrevistadas, 78,7% pretendiam colocar objetos no berço, como protetor lateral, travesseiro, entre outros. As seguintes recomendações devem ser seguidas, visando à segurança durante o sono: colo-car o recém-nascido para dormir em berço que con-temple os requisitos de segurança, em colchão firme, bem adaptado ao berço e forrado por um lençol bem ajustado.25 Protetores laterais tradicionais podem causar acidentes não fatais e mortes, portanto, não devem ser usados, e sua comercialização deve ser suspensa.26 Orienta-se, ainda, que não se coloquem dentro do berço “objetos macios e roupa de cama sol-tas”24, inclusive cobertores, colchas e travesseiros.25 No entanto, ainda se observam roupas de cama sol-tas dentro dos berços, prática ligada a risco de óbitos infantis, no ambiente de dormir, causados por SMSL e sufocação.27 A equipe de saúde, em todos os en-contros com responsáveis por crianças dessa faixa etária, deve dar orientação a respeito das medidas indicadas para a segurança no ambiente de dormir.24

Na atual pesquisa, em relação ao aleitamento ma-terno, 99,3% das puérperas responderam que preten-diam amamentar seus filhos, em média, durante 12 meses (± 7,2 meses). Rocca et al. avaliaram, no período pós-parto, a adesão das puérperas às recomendações para a prevenção da SMSL e fizeram nova avaliação, aproximadamente, quatro meses depois. Apuraram que houve diminuição da adesão às orientações re-cebidas, principalmente as relativas ao aleitamento materno e à posição supina para colocar o lactente no berço. Esse fato aconteceu, especialmente, entre as mães de baixa escolaridade, jovens, separadas do pai do lactente, residentes em ambiente desfavorável e superlotado28, sinalizando a necessidade de reforçar a importância das ações preventivas nas consultas de puericultura. Segundo Vennemann et al., o aleitamen-to materno oferece proteção contra a SMSL, sendo ca-paz de diminuir o risco desse evento em aproximada-mente 50,0%. Assim, além das vantagens reconhecidas para a díade mãe e filho, deve-se reforçar a importân-cia da amamentação na prevenção da SMSL.29

os riscos do andador; se na residência da família hou-ver escada, deve-se orientar, ainda mais, a respeito do perigo que representa para a criança.18 A orienta-ção aos pais destaca-se como um recurso importante para que haja diminuição do uso do andador, com a consequente redução dos acidentes.19

Quando questionadas sobre como as crianças sofrem queimaduras mais frequentemente no pri-meiro ano de vida, as mães responderam que esses eventos se devem a contato com líquidos quentes, objetos quentes e fogo. Crianças menores de um ano queimam-se, principalmente, por escaldadura com bebidas e substâncias quentes; também sofrem quei-maduras em superfícies quentes ou devido a outros agentes, como álcool, soda cáustica e água sanitária. A falta de supervisão e lapso na atenção dos cuidado-res são vistos como fatores de risco expressivos para queimaduras em crianças.20

A cozinha foi citada por 93% das mães como o lo-cal da casa em que as crianças sofrem queimaduras mais frequentemente. Grande parte das queimaduras de crianças acontece em casa, na cozinha.21 Logo, os pais devem ser orientados quanto aos cuidados a se-rem tomados nesse ambiente.

Entre as puérperas entrevistadas, 43,0% afirma-ram que possuíam álcool líquido em casa. Yoda et al. analisaram prontuários de crianças internadas de-vido a queimaduras e/ou sequelas de queimaduras e constataram que, em 64,0% das vítimas, o evento foi causado por líquidos quentes e, em 27,0%, por álcool líquido22, mostrando o perigo que o álcool líquido em casa representa para as crianças.

Entre as entrevistadas, 49,2% informaram que, ao preparar o banho para o filho, colocariam água quente e, em seguida, água fria para temperar. As mães devem ser orientadas a colocar primeiro a água fria e, em seguida, temperar com a quente, medida acessível capaz de prevenir queimaduras.23

A avaliação da segurança do sono mostrou vários fatores de risco que tornam o ambiente para dormir inseguro para o lactente, tais como: 22,0% das mães não pretendiam colocar o filho para dormir no quar-to delas e 12,3% pretendiam que o RN dormisse na cama com os pais, em moisés e outros locais. Pais, recém-nascidos e lactentes devem dormir no mesmo quarto, no mínimo durante todo o primeiro semes-tre de vida do filho, mas o ideal seria que esse prazo se estendesse até a criança completar um ano.24 A criança deve dormir em seu próprio berço, colocado nas proximidades da cama dos pais. Essa medida é

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Segurança de crianças no primeiro ano de vida: conhecimento das mães

CONCLUSÃO

A análise dos dados mostrou que considerável par-cela de puérperas não possuía conhecimento acerca dos fatores de risco para a ocorrência de acidentes com crianças no primeiro ano de vida. Durante o pe-ríodo gestacional, grande parte das mães não recebeu algum tipo de informação sobre segurança de recém--nascidos e de lactentes.

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No Brasil, em 2014, entre as mortes, de crianças menores de um ano, por causas externas, acontece-ram 606 óbitos catalogados como outros riscos aci-dentais à respiração, que incluem riscos não especifi-cados à respiração (210 óbitos); inalação de conteúdo gástrico (187 óbitos); inalação e ingestão de alimentos causando obstrução do trato respiratório (135 óbitos); sufocação e estrangulamento acidental na cama (54 óbitos); entre outros (20 óbitos).1 Uma limitação da atual pesquisa foi deixar de interrogar as mães a res-peito de tópicos relativos à sufocação. Nesse contexto, a asfixia configura-se como causa relevante de morbi-mortalidade, particularmente, de crianças pequenas.30 A maioria dos acidentes é causada por alimentos, que determinam mais da metade das ocorrências31, e tam-bém por moedas e brinquedos ou parte deles.30

Com vistas à prevenção de sufocação, recomen-da-se que alimentos como nozes, pedaços de vege-tais crus, pipoca, sementes e uvas inteiras devem ser mantidos fora do alcance de lactentes e de crianças pequenas.31 É necessário atenção ao tamanho dos ali-mentos no momento de oferecê-los às crianças. Sufo-cação também pode ser causada por bolas pequenas, botões, ímãs de geladeira, partes de caneta e pequenos prendedores de cabelo de crianças.31 Os brinquedos de irmãos maiores, que têm peças pequenas, são capazes de causar sufocação em crianças menores.30 A preven-ção requer orientação aos pais e cuidadores, locais se-guros e vigilância adequada às crianças. Também se deve orientar os responsáveis pelas crianças quanto às medidas iniciais e às manobras de ressuscitação car-diopulmonar, em caso de ocorrência de sufocação.30

Das puérperas, apenas pequena parcela recebeu, durante a gestação, informações sobre a segurança dos filhos no primeiro ano de vida. A orientação aos pais e responsáveis é um recurso imprescindível para a prevenção de acidentes entre crianças. Assim, a im-plementação de medidas preventivas com a partici-pação do sistema de saúde, da mídia, do governo, en-tre outros, constitui uma estratégia fundamental para a segurança das crianças no primeiro ao de vida.

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ARTIGO ORIGINAL

Instituição:Faculdade de Medicina da UFMG

Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Flávia Alves Campos

E-mail: [email protected]

1 Fundação Hospitalar de Minas Gerais – FHEMIG, Hospi-tal Infantil João Paulo II. Belo Horizonte, MG – Brasil.

2 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculda-de de Medicina, Departamento de Pediatria.

Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Universidade Federal de São João Del Rei-UFSJ. Campus

Centro-Oeste Dona Lindu,Divinópolis, MG – Brasil.4 Universidade José do Rosário Vellano, Curso de Medicina.

Belo Horizonte, MG – Brasil.5 UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de

Pediatria; Universidade José do Rosário Vellano. Belo Horizonte, MG – Brasil.

6 UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria; FHEMIG, Hospital Infantil João Paulo II.

Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Introdução: apesar da existência de um sistema de classificação diagnóstica da toxo-plasmose congênita baseada em critérios sorológicos, parasitológicos e clínicos (Lebe-ch et al.), poucos estudos avaliaram o impacto dessa classificação na decisão de tratar crianças com suspeita de toxoplasmose congênita. Objetivos: avaliar o sistema de clas-sificação diagnóstica (Lebech et al.) modificado na decisão de tratar crianças suspeitas de toxoplasmose congênita e descrever as características do pré-natal e das crianças infectadas. Métodos: estudo transversal de 222 crianças suspeitas entre 2008 e 2011. No atendimento médico, alguns profissionais utilizam o sistema de classificação diagnós-tica na decisão de tratar as crianças suspeitas, e outros não. Avaliou-se a associação entre a classificação diagnóstica aplicada ao nascimento e aos três meses de idade e a confirmação da toxoplasmose congênita. Compararam-se os dois grupos de profis-sionais quanto à decisão de tratar a toxoplasmose. Projeto aprovado pelo Comitê de Ética da UFMG. Resultados: a infecção congênita foi prevalente (44/222), com elevada proporção de retinocoroidite (84,1%) e calcificações e/ou dilatação ventricular (77,3%). As mulheres com menor número de consultas no pré-natal realizaram menor número de testes para toxoplasmose (p=0,05) e muitas realizaram apenas um teste, impossibilitan-do a classificação diagnóstica. Sorologia pareada após o parto reduziu a proporção de pares mães/filhos não classificados (p=0,005). Os dois grupos de profissionais trataram todas as crianças infectadas e o grupo que utilizou o protocolo tratou menor proporção de não infectadas (p<0,001). Conclusões: a aplicação do protocolo de classificação diagnóstica reduziu o tratamento para toxoplasmose nas crianças não infectadas.

Palavras-chave: Toxoplasmose; Gestantes; Toxoplasmose Congênita/diagnóstico; Toxoplasmose Congênita/terapia.

ABSTRACT

Introduction: Despite of a diagnostic classification system based on serological, parasitologi-cal and clinical criteria, there are few studies evaluating if it could aid on treatment decision of infants suspected of congenital toxoplasmosis. Objective: Evaluate a modified diagnostic classification system (Lebech et al) on treatment decision of children suspected of infection, and describe characteristics of the mother/child pair. Methods: Cross-sectional study of 222 children suspected of congenital toxoplasmosis seen between 2008-2011. In current prac-tice, some professionals use the diagnostic classification system to aid decision treatment of children suspected of infection, and others not. The association between the diagnostic classification applied at birth and at three months of age and the confirmation of congenital toxoplasmosis was evaluated. The two groups of professionals were compared regarding the decision of treating toxoplasmosis. The project was approved by the Ethics Committee of UFMG. Results: Congenital toxoplasmosis was confirmed in 44 of 222 children; 84.1% of

Treat or not to treat infant with possible congenital toxoplas-mosis? Diagnostic classification system could aid decision

Flávia Alves Campos1, Gláucia Manzan Queiroz Andrade2, Jacqueline Domingues Tibúrcio3, Talita Pouzas Soares Martins4, Roberta Maia de Castro Romanelli5, Fernanda de Souza Vanni Rocha1, Ericka Viana Machado Carellos6

Tratar ou não crianças com toxoplasmose congênita suspeita? Contribuição de um sistema de classificação diagnóstica para decisão

DOI: 10.5935/2238-3182.20170025

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mostrou-se aplicável nas regiões que realizam a tria-gem pré-natal regularmente. Mas, nas regiões que não adotam esse procedimento, sua avaliação é escassa. A classificação foi avaliada na Itália, onde se mostrou útil para identificação da infecção primária na gestante e na criança, sem, contudo, se mostrar adequada para o diagnóstico fetal.6 Em outro estudo europeu, o teste de avidez foi acrescentado à classificação, permitindo que 77 entre 117 (65,8%) gestantes fossem diagnosticadas com apenas uma amostra.7 Por outro lado, no Distrito Federal, Brasil, a aplicação do sistema de classificação diagnóstica mostrou elevada proporção de gestantes não classificadas, evidenciando a necessidade de me-lhorar o cuidado pré-natal no país.8

A sulfadiazina/pirimetamina constitui o tratamen-to de escolha no primeiro ano de vida da criança in-fectada e tem sido associada à redução da reativação da retinocoroidite. Mas essa medicação apresenta efeitos adversos em 20-50% das crianças tratadas por tempo prolongado, principalmente a neutropenia.9,10 Considerando-se a gravidade da doença congênita e a frequência dos efeitos adversos ao tratamento, é muito importante identificar correta e precocemente as crianças infectadas e excluir, também precoce-mente, os casos não infectados, reduzindo o trata-mento desnecessário.

A assistência pública pré-natal em Belo Horizon-te inclui a triagem trimestral para toxoplasmose. Entretanto, observa-se dificuldade dos profissionais de saúde em interpretar corretamente os testes diag-nósticos, considerando a idade gestacional em que foram realizados.3 Isso pode resultar no diagnóstico e tratamento tardio da criança infectada e uso exces-sivo de medicação nas crianças não infectadas.

O estudo foi realizado com o objetivo de avaliar a con-tribuição do sistema de classificação diagnóstica propos-to por Lebech et al.5 na decisão de tratar uma coorte de crianças suspeitas de toxoplasmose congênita acompa-nhadas em um serviço de referência em Belo Horizonte.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de estudo observacional, transversal, que constou da análise do prontuário médico de crianças com suspeita de toxoplasmose congênita atendidas em um serviço de referência em infectologia pedi-átrica do município de Belo Horizonte – Centro de Treinamento e Referência em Doenças Infecciosas e Parasitárias Orestes Diniz (CTR-DIP Orestes Diniz).

them presented with rethinochoroidits, and 77.3% with intracranial calcifications and/or ventricular dilatation. Mothers with fewer prenatal care visits underwent fewer tests for toxoplasmosis (p=0,05) and many only had one serologic test, which made classification impossible. Re-peated maternal post-partum serology, alongside neonatal testing, reduced the number of non-classified pair. Both group of professionals treated all children with confirmed congenital toxoplasmosis, and the group that used of the protocol was less likely to treat the non-infected children (p<0,001). Conclusions: Application of diagnostic clas-sification allowed treatment of all infected children and reduced the use of medication in non-infected children.

Keywords: Toxoplasmosis; Pregnant Women; Toxoplasmosis, Congenital/diagnosis; Toxoplasmosis, Congenital/therapy.

INTRODUÇÃO E LITERATURA

A toxoplasmose aguda na gestação pode infectar o feto e causar aborto, natimorto ou comprometi-mento fetal variável.1 A prevalência da toxoplasmose congênita é elevada no Brasil (0,05 a 0,15%) e em Mi-nas Gerais (0,13%).2 Em Belo Horizonte, cerca de 40% das mulheres em idade reprodutiva são suscetíveis e potencialmente em risco de transmissão vertical da infecção.3 A toxoplasmose no binômio mãe/filho ge-ralmente é assintomática e o diagnóstico só é possí-vel com a realização sistemática da sorologia na ges-tante e recém-nascido. Crianças com toxoplasmose congênita podem apresentar manifestações inespe-cíficas ou, mais frequentemente, lesão ocular em até 80% dos casos. Muitas nascem assintomáticas, e os testes sorológicos apresentam sensibilidade variável de até 60-80%, dificultando o diagnóstico.2,4

A infecção aguda da gestante pode ser diagnosti-cada pela soroconversão para anticorpos IgM e IgG anti-T. gondii; ou sugerida pela presença de anticorpos IgM associados aos anticorpos IgG em títulos altos e em ascensão. A avidez alta para anticorpos IgG auxi-lia a excluir uma infecção nos últimos 3-4 meses. No entanto, a ausência de triagem sistemática, realização do primeiro exame tardio na gestação, e a falta de la-boratórios de referência em toxoplasmose dificultam a interpretação dos exames. A complexidade da ava-liação sorológica da toxoplasmose no binômio mãe/filho motivou o grupo Europeu de Pesquisa em Toxo-plasmose Congênita (European Research Network on Congenital Toxoplasmosis) a propor uma classificação diagnóstica, em 1996, com base em critérios sorológi-cos, parasitológicos e clínicos. Essa classificação, pro-posta por Lebech et al.5, foi considerada adequada para aplicação em diferentes países e serviços de saúde e

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A classificação de Lebech et al.5 também foi aplica-da às mães dessas crianças, analisando-se retrospecti-vamente as informações maternas contidas nos pron-tuários. Considerou-se o diagnóstico materno como: 1. definitivo – soroconversão (quando ambas as

amostras foram colhidas após a concepção, sendo a primeira negativa para os anticorpos IgM e IgG específicos e a segunda positiva para ambos anti-corpos) ou infecção congênita confirmada no filho;

2. provável – soroconversão (quando a primeira amostra foi colhida até dois meses antes da con-cepção); aumento significativo nos títulos de IgG e presença de IgM e/ou IgA; altos títulos de IgG, presença de IgM e/ou IgA e início de sintomas durante a gestação: febre por período superior a duas semanas, linfadenomegalia, redução da acuidade visual ou altos títulos de IgG e presença de IgM e/ou IgA na segunda metade da gestação;

3. possível – títulos elevados e estáveis de IgG, sem IgM, na segunda metade da gestação ou altos títu-los de IgG e presença de IgM e/ou IgA na primeira metade da gestação;

4. improvável – baixos títulos e estáveis de IgG, com ou sem IgM; ou altos títulos e estáveis de IgG sem IgM, no início da gestação;

5. não infectado – soronegativo (durante a gesta-ção) ou amostra materna soropositiva antes da concepção ou presença de IgM e/ou IgA positivo sem aparecimento de IgG.

Os autores do presente estudo também acrescenta-ram o grupo 6, denominado “não classificado”, quan-do era impossível incluir as gestantes nos grupos des-critos. Essa classificação diagnóstica foi aplicada às mães das crianças estudadas em dois momentos: logo após o parto e após a realização de sorologia anti-T.gondii simultaneamente à criança (sorologia pareada).

Participaram da pesquisa as crianças suspeitas de toxoplasmose congênita atendidas no CTR-DIP Ores-tes Diniz entre 2008 e 2011, nas quais o diagnóstico final pode ser determinado. Foram excluídas as crian-ças cujas mães apresentavam coinfecção pelo HIV e imunossupressão pelo uso de drogas ou doença e aquelas em que não foi possível concluir o diagnósti-co da toxoplasmose congênita. Foram investigadas as variáveis relacionadas ao binômio mãe-filho (consul-tas, sintomas, exames realizados e tratamento).

Para avaliar a contribuição da classificação diag-nóstica na decisão de tratar ou não as crianças sus-peitas de toxoplasmose congênita, os autores ana-

Durante o seguimento, as crianças foram subme-tidas a avaliações clínicas, sorologias (IgG e IgM), fundoscopia, exames de neuroimagem e avaliação auditiva para esclarecimento diagnóstico e acompa-nhamento terapêutico. Quando o profissional julgou necessário, tratou as crianças com sulfadiazina, pri-metamina e ácido folínico durante o primeiro ano de vida e controlou os efeitos adversos da medicação realizando hemogramas seriados. O diagnóstico da toxoplasmose congênita foi confirmado pela presen-ça de IgM no primeiro semestre de vida e/ou pela per-sistência de IgG ao final do primeiro ano.

A classificação de Lebech et al.5 foi adaptada para um protocolo de atendimento às crianças com suspeita de toxoplasmose congênita no serviço de re-ferência. Alguns profissionais desse serviço utilizam regularmente esse protocolo, que discrimina os gru-pos de probabilidade diagnóstica, e toma as decisões com base nessa classificação. Nela, as crianças são distribuídas em cinco grupos de probabilidade de diagnóstico de toxoplasmose congênita: 1. definitivo – demonstração do parasita em cultu-

ra de sangue de cordão ou tecido ou em análise histopatológica nos primeiros seis meses de vida; IgM ou IgA positiva nos primeiros seis meses de idade; ou aumento nos títulos de IgG ou sua per-sistência aos 12 meses de idade;

2. provável – cultura de tecido placentário positiva; IgM positivo entre seis e 12 meses de idade; retino-coroidite e/ou hidrocefalia/ calcificação cerebral e infecção materna confirmada na gestação;

3. possível – retinocoroidite e/ou hidrocefalia/cal-cificação cerebral, com ou sem IgG na criança e com época de infecção materna desconhecida;

4. improvável – contínuo declínio de IgG sem IgM e/ou IgA, com ou sem sinais clínicos no primeiro semestre de vida na ausência de tratamento;

5. não infectado – sorologia negativa (IgM e IgG) nos primeiros 12 meses de vida, na ausência do tratamento.

Os autores do estudo acrescentaram o grupo 6, de-nominado “não classificado”, quando era impossível incluir as crianças nos grupos descritos, e modifica-ram o grupo 5, considerando como não infectadas as crianças que apresentavam sorologia persistentemen-te negativa após um a dois meses da interrupção do tratamento, caso estivessem em uso. Esse protocolo foi aplicado nas crianças do estudo em três momen-tos: nascimento, três meses e 12 meses de idade.

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lisaram os profissionais atuantes nesse serviço de acordo com o preenchimento rotineiro do protocolo de classificação diagnóstica: grupo 1 não utilizou o protocolo e grupo 2 o utilizou.

Para o banco de dados foi utilizado o software AC-CESS® 2007 e para análise estatística o software SPSS® versão 17.0. Realizou-se distribuição de frequências, ab-solutas e relativas, média, desvio-padrão (DP) e percen-tis (P25, P50, P75) para descrição das variáveis clínicas e laboratoriais. Utilizou-se o teste do qui-quadrado ou o teste exato de Fisher para comparar proporções quan-do as variáveis eram categóricas; o teste t de Student para comparar as médias de variáveis contínuas; e o teste de Mann-Whitney para comparar medianas. Con-sideraram-se significantes as associações com valor de p ≤ 0,05. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG – parecer ETIC 047/10.

RESULTADOS

Entre 2008 e 2011 foram atendidas no serviço de referência 280 crianças com suspeita de toxoplasmo-se congênita. Dessas, 58 não preencheram os critérios para inclusão no estudo por limitações maternas (16 coinfectadas pelo HIV e uma imunossuprimida pelo uso de drogas) ou das crianças (admissão no serviço após um ano de idade – quatro casos – ou impossibili-dade de confirmação ou exclusão do diagnóstico – 37 crianças). Entre estas últimas, a não confirmação do diagnóstico se deveu principalmente à alta do serviço com sorologia específica (IgG) ainda indeterminada. Participaram do estudo 222 binômios mãe/filho.

As mães realizaram número mediano de oito con-sultas e um teste para toxoplasmose (IgM e IgG) du-rante o pré-natal. Na Figura 1 pode-se observar que as mulheres que realizaram um número menor de consultas durante o pré-natal realizaram um número menor de testes para toxoplasmose.

Resultado positivo para anticorpos IgM foi observa-do em pelo menos um dos exames realizados na ges-tação em 69,1% (139/201) mulheres – 70,5% (98/139) na primeira amostra. Em 21 casos não foi solicitada so-rologia para toxoplasmose no pré-natal e sete (33,3%) dessas crianças nasceram infectadas. Soroconversão foi identificada em 23 gestantes. Três gestantes, imu-nocompetentes, relataram redução da acuidade visual durante a gravidez, uma delas apresentou IgM anti-T.gondii positiva na gestação, todas receberam trata-mento e seus filhos não foram infectados.

O primeiro teste realizado na gravidez de 17 mães foi negativo (IgM e IgG) e, no segundo teste, positividade apenas para IgG. Nenhuma criança nasceu infectada.

O teste de avidez para IgG, realizado em 30 ca-sos, mostrou alta avidez em 29 e nenhum recém--nascido infectado. Uma gestante apresentou teste de avidez com resultado indeterminado no sétimo mês de gestação e seu filho foi infectado. A pesqui-sa do DNA do parasita a partir da técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR) no líquido amnióti-co foi realizada em seis gestantes, três com diagnós-tico definitivo na gestação e três não classificadas. O resultado foi positivo em uma e a criança nasceu com toxoplasmose congênita.

Não foi possível aplicar a classificação diagnósti-ca em grande número de mães, devido à realização de apenas um teste sorológico na gestação. A repeti-ção da sorologia pareada (mãe/filho) reduziu signi-ficativamente o número de mães não classificadas (p=0,005) (Tabela 1).

Na maioria (55%) das 140 mães com idade ges-tacional estimada de aquisição da infecção pelo T. gondii registrada no prontuário, a infecção ocorreu no primeiro trimestre de gestação, 33% no segundo e 12% no terceiro trimestre.

O tratamento antiparasitário foi oferecido para 119 mães, sendo utilizada apenas espiramicina em 105 (88%) e a associação de sulfadiazina e pirimetamina intercalada ou não com espiramicina em 14 (12%).

Figura 1 - Número de exames para toxoplasmose rea-lizados durante o pré-natal, de acordo com o número de consultas realizadas pelas mães de 222 crianças suspeitas de toxoplasmose congênita atendidas no ambulatório do CTR no período de 2008-2011.Teste de Mann-Whitney: p= 0,005 entre 0 e 3 exames; p=0,05 entre 1 e 3 exames.

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Entre as 222 crianças avaliadas ao nascimento, 142 (64%) foram incluídas no grupo das não classi-ficadas (Figura 2). Houve diminuição da proporção desse grupo aos três meses de idade. As crianças classificadas como diagnóstico definitivo (25/80) e provável (6/80) ao nascimento mantiveram essa classificação e confirmaram o diagnóstico ao final de um ano de idade. Entre as classificadas como infecção possível (16/80), a infecção congênita foi confirmada em uma aos três meses e em 10 ao final de um ano de vida. Não houve alguma criança in-fectada entre aquelas classificadas com diagnóstico improvável. Mas duas crianças estavam infectadas entre as não classificadas e esse diagnóstico foi con-firmado ao final do primeiro ano de vida.

A prevalência da toxoplasmose congênita entre as crianças atendidas foi de 19,8% (44/222). Durante o esclarecimento diagnóstico e tratamento, as crian-ças realizaram, em média 3,7 (DP=1,7) sorologias. Não houve diferença significativa entre o número de sorologias realizado pelas crianças infectadas em comparação às não infectadas (p=0,3). O tem-po necessário para o clareamento dos anticorpos maternos nas crianças suspeitas, mas não infecta-das, foi em média igual a 33,9 semanas (DP=23,3).

Figura 2 - Distribuição de 222 crianças suspeitas de toxoplasmose congênita atendidas em serviço de referência em Belo Horizonte e classificadas em categorias, conforme Lebech et al., em três momentos: ao nascimento, aos três me-ses de idade e ao final do primeiro ano de vida, 2008 a 2011.

Avaliação ao nascimento; Avaliação aos 3 meses de idade; Avaliação aos 12 meses de idade.

Recém-nascidos com suspeita de toxoplasmose congênita

D 2

D 25

D 25

D 25

Classi�cação diagnóstica conforme Lebech et al.

222

Não classi�cados 142 (64%)

P 6

Po 16

I 29

NI 4

Classi�cados 80 (36%)

P 6

D 1

Po 10

NC 5

I 20

NC 9

NI 4

I 47

NI 9

NC 85

D 6

D 1

D 10

NI 29

NI 4

NI 5

NI 576

NI 83

NR 1

Tabela 1 - Diagnóstico da toxoplasmose materna na gestação, avaliada no parto e após repetição da sorologia no mesmo momento da criança (sorolo-gia pareada), em população atendida no ambulató-rio de infectologia pediátrica no CTR-DIP Orestes Diniz no período de 2008-11

VariáveisCasos de

toxoplasmose congênita

n % Intervalo de confiança 95%

Classificação diagnóstica no parto (n = 222)

Definitivo 17 23 73,9 53,4 - 88,7

Provável 2 17 11,8 2,0 - 33,7

Possível 0 18 0 –

Improvável 0 21 0 –

Descartado 0 07 0 –

Não classificado 25 136 18,4* 12,5 – 25,6

Classificação diagnóstica após sorologia pareada (n =157)

Definitivo 15 18 83,3 0,8 - 2,3

Provável 4 30 13,3 0,4 - 2,0

Possível 0 23 0 –

Improvável 0 15 0 –

Descartado 0 09 0 –

Não classificado 5 62 8,1* 4,1 - 4,9

* Qui-quadrado, p=0,005.

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Não se observou toxoplasmose congênita em criança alguma que não recebeu medicação antiparasitária. Considerando-se as 135 crianças que receberam a medicação, verificou-se neutropenia em 28 (21%), a medicação foi interrompida em três e a infecção foi excluída nas três.

A comparação dos grupos em relação à não utilização (grupo 1) e utilização (grupo 2) do pro-tocolo de classificação diagnóstica mostrou que os dois grupos não deixaram de tratar qualquer criança com infecção confirmada, mas o grupo 2 submeteu menor número de crianças não infectadas (n=18; 19,8%) ao uso das drogas antiparasitárias (p<0,001), como mostra a Figura 4.

DISCUSSÃO

A toxoplasmose na gestação gera grande ansie-dade na família e no profissional responsável11, pois o diagnóstico implica estimar o risco de infecção fe-tal e decidir sobre a pertinência de tratar ou não o binômio mãe/filho. A evolução da resposta humoral na toxoplasmose e a parasitemia fugaz dificultam a distinção entre infecção aguda e crônica, tornando o diagnóstico precoce do binômio um desafio.12,13 Nesse estudo, realizado em um serviço de referência para atendimento de crianças suspeitas de toxoplas-mose congênita, todos os profissionais diagnostica-ram e trataram as crianças infectadas. Entretanto, a utilização do protocolo de classificação diagnóstica contribuiu para redução do uso de antiparasitários nas crianças não infectadas.

Nas crianças infectadas, a idade média da confirma-ção da infecção foi igual a 12,3 semanas (DP=15,2).

Durante o esclarecimento diagnóstico foram realizados: fundoscopia (203/222); neuroimagem (USTF – 99/222; TCC – 53/222; radiografias de crâ-nio – 149/222); e exame do líquido cefalorraquidiano (73/222). Entre as 44 crianças infectadas, 37 (84,1%) apresentaram comprometimento ocular, 34 (77,3%) tinham calcificações e/ou dilatação ventricular e quatro permaneceram assintomáticas.

Foram tratadas 135 crianças e em 91 (67,4%) o diagnóstico de toxoplasmose congênita foi excluído. O tratamento foi prescrito para todas as crianças com diagnóstico definitivo ou provável. Aquelas com diag-nóstico definitivo utilizaram a medicação durante 12 meses, e naquelas cujo diagnóstico foi excluído a me-diana de uso foi de 18 semanas (P25=11,0; P75=25,0).

Figura 3 - Comparação entre a proporção de exames realizados em dois grupos de crianças suspeitas de toxoplasmose congênita acompanhadas em serviço de referência, Belo Horizonte, 2008 a 2011.TC: toxoplasmose congênita (teste qui-quadrado).

Figura 4 - Comparação entre dois grupos de profissionais, atuando de forma independente em um centro de referência para atendimento de infecção congênita, em relação à utilização do protocolo de classificação diagnóstica na decisão de tratar com antiparasitários os neonatos suspeitos de infecção congênita, Belo Horizonte, 2008 a 2011.

Classificação das crianças submetidas a tratamento e

não infectadas

Profissionais que não utilizaram o protocolo de classificação diagnóstica

Grupo 1 - n=73

Profissionais que utilizaram o protocolo de classificação diagnóstica

Grupo 2 - n=18

Nascimento(%)

3 meses de idade* (%)

Nascimento(%)

3 meses de idade (%)

Possível 4 (5,5) 1 (1,4) 1 (5,6)

Improvável 13 (17,8) 14 (19,2)** 3 (16,7) 1 (5,6)**

Não classificado 56 (76,7) 51 (69,9) 14 (77,8) 17 (94,4)

Não infectado – 6 (8,2)

Total 73 (100) 72 (98,6) 18 (100) 18 (100)

*Uma criança não pôde ser classificada aos 3 meses.** Teste de Fisher; p=0,287.

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que mostram 80% das infectadas assintomáticas ao nascimento.20 A toxoplasmose tem sido associada à prematuridade, principalmente nos casos de doença clínica neonatal, mas evidências de associação com baixo peso ao nascimento são escassas.21,22 Destaca--se a elevada proporção de comprometimento neuro-lógico (77,3%) encontrada, mesmo comparado a ou-tros resultados obtidos na mesma região (28%).21 Isso se deve provavelmente a um viés de seleção, visto que essa população foi encaminhada a um centro de referência no atendimento desses casos. Em relação ao comprometimento ocular, observou-se elevada prevalência de retinocoroidite (84,1%) nas crianças estudadas, em acordo com achados brasileiros (67%-95%).2,14,20,23-26 Na Europa a prevalência de lesão ocular é muito mais baixa (18%). Alguns autores associam a maior gravidade dos casos brasileiros à presença de cepas mais patogênicas do parasito. Considera-se ainda o tamanho do inóculo parasitário, predomínio da infecção por oocistos, suscetibilidade do hospe-deiro e ausência de triagem sistemática e tratamento das gestantes infectadas.23,27

Não foi possível classificar ao nascimento a maio-ria (64%) das crianças, principalmente pela indisponi-bilidade dos exames de imagem e testes sorológicos e pela indefinição da idade gestacional da infecção ma-terna. Aos três meses de vida, muitas crianças não pu-deram ser classificadas devido ao uso de terapia anti-parasitária, que pode interferir na queda de anticorpos IgG.1 A indefinição diagnóstica motivou a repetição de exames sorológicos e outros exames complementares.

A maior dificuldade observada na abordagem das crianças suspeitas foi em relação aos casos classifica-dos como “possíveis”. Nessa categoria estão crianças com retinocoroidite e/ou hidrocefalia/calcificação cerebral e época de infecção materna indefinida, refletindo, mais uma vez, o reduzido número de exa-mes no pré-natal. A maioria das crianças infectadas desse grupo confirmou o diagnóstico apenas ao final do primeiro ano de vida. As crianças classificadas ao nascimento e aos três meses como “improváveis” tiveram o diagnóstico excluído aos 12 meses de ida-de. A realização da sorologia simultânea com a mãe, logo após o nascimento, contribuiu para a redução do número de crianças não classificadas ao final de três meses de seguimento, possibilitando a decisão de tratar menor número de crianças suspeitas.

Observaram-se dois casos de toxoplasmose con-gênita entre as crianças não classificadas. Essas crianças, assintomáticas ao nascimento, apresenta-

O número reduzido de sorologias realizadas pelas gestantes e a associação de mais exames com o núme-ro maior de consultas, semelhante ao encontrado em outro estudo regional3, identificam a necessidade de avanços na qualidade da assistência pré-natal. Elevada proporção de mulheres (61%) permaneceu sem clas-sificação diagnóstica devido à realização de apenas um teste sorológico no pré-natal, semelhante aos re-sultados encontrados por Porto et al. em Brasília, onde não foram classificados 61,3% das gestantes.8 Nesse cenário, a repetição da sorologia materna após o par-to, concomitantemente à sorologia do recém-nascido (sorologia pareada), pode contribuir para a redução do número de casos não classificados.14 Em contraste, países que realizam a triagem pré-natal em intervalos regulares conseguem classificar todas as gestantes.6

Outro fato observado foi a grande heterogeneida-de nos intervalos de coleta dos testes para toxoplas-mose no pré-natal, impossibilitando estimar com mais precisão a idade gestacional da infecção materna. O teste de avidez poderia ter contribuído para estimar o momento da infecção materna7-15 na parcela alta de gestantes que apresentaram IgM anti-T.gondii positiva no primeiro sorológico (60,7%). Contudo, o teste de avidez foi realizado em poucos casos e não contribuiu para estimar a idade gestacional da infecção materna, provavelmente por ter sido realizado tardiamente, em média, no segundo trimestre da gestação.

Algumas gestantes suscetíveis tiveram resultado positivo isoladamente para IgG no segundo exame realizado na gestação. Esse achado não caracteri-za soroconversão e pode estar associado a reações falso-negativas para IgG devido à qualidade do teste utilizado ou a infecções crônicas de longa data, com títulos muito baixos de anticorpos IgG(1).

A pesquisa do DNA do parasito pela PCR no lí-quido amniótico pode contribuir para o diagnóstico da infecção fetal. Embora seja um método invasivo, a taxa de perda fetal é baixa (0,13-1,0%).11,16,17 Na popu-lação estudada, o teste foi realizado em apenas seis casos. A confirmação do diagnóstico de toxoplasmo-se congênita no único caso positivo reforça a impor-tância desse exame.

Nesse estudo, o intervalo de tempo (média=40 dias) entre o primeiro teste com resultado positivo e o início do tratamento materno foi longo, superior a três semanas, reduzindo a chance de prevenção da transmissão vertical da toxoplasmose.18,19

As crianças estudadas nasceram em boas con-dições clínicas, de acordo com dados da literatura,

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Tratar ou não crianças com toxoplasmose congênita suspeita? Contribuição de um sistema de classificação diagnóstica para decisão

com número significativamente menor entre as que receberam a classificação de Lebech. Observou-se neutropenia reversível em 21% dos casos tratados, proporção menor do que as relatadas em outros estu-dos10, embora o controle hematológico realizado no seguimento das crianças tenha sido heterogêneo.

Em relação à diferença na tomada de decisão de tratar as crianças suspeitas de toxoplasmose congêni-ta entre os médicos do serviço de referência, apurou--se que a utilização da classificação diagnóstica na abordagem dessas crianças diminuiu o número das não classificadas, identificou aquelas com diagnósti-co improvável e diminuiu o número de crianças não infectadas submetidas a tratamento (Figura 4). Con-tudo, a não existência de programas organizados de pré-natal dificultaram o diagnóstico neonatal e leva-ram ao tratamento indevido de muitas crianças, com ônus econômico e social para o estado e municípios.

CONCLUSÃO

Os métodos habituais de diagnóstico permitiram o tratamento de todas as crianças infectadas e a apli-cação do protocolo de classificação diagnóstica re-duziu o uso de medicação antiparasitária nas crian-ças não infectadas. No entanto, há necessidade de avanços na qualidade da atenção pré-natal, para re-gularidade nos exames materno e diagnóstico opor-tuno da gestante e, consequentemente, melhoria da assistência ao recém-nascido.

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Observou-se que exames invasivos (punção li-quórica) ou de alto custo (tomografia) foram solici-tados com mais frequência entre as infectadas, refle-tindo o uso de critérios mais rigorosos de diagnóstico para sua solicitação. Não houve diferença significa-tiva entre o número de fundoscopias realizadas nos dois grupos de crianças, provavelmente pela facilida-de de realização do exame e prevalência elevada do comprometimento ocular na região.

A associação sulfadiazina / pirimetamina / áci-do folínico foi prescrita para tratar a toxoplasmose congênita em todas as crianças classificadas com diagnóstico definitivo ou provável e também para crianças com diagnóstico possível e não classifica-das. Essa decisão resultou no tratamento de todas as infectadas, mas também de 91 não infectadas, mas

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ARTIGO ORIGINAL

Instituição:Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculdade de MedicinaBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Daniela Soares Rosa BresoliniE-mail: [email protected]

1 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculda-de de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente; Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle – CEMAD. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pedia-tria; Universidade José do Rosário Vellano-UNIFENAS.Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle – CEMAD/UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 UFMG, Faculdade de Medicina, Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle – CEMAD-UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.4 Universidade Federal de Ouro Preto – UFOP. Ouro Preto, MG – Brasil; Faculdade de Ciências Médicas de Minas Ge-rais; Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle – CEMAD-UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.5 Universidade Federal de São João Del’Rei – UFSJ. São João Del Rei, MG – Brasil.6 Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle – CEMAD – UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.7 UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pedia-tria; Centro Multidisciplinar para Asma de Difícil Controle – CEMAD/UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.

*Trabalho de dissertação de mestrado Programa de Pós--Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

RESUMO

Introdução: a visita domiciliar (VD) é o instrumento de realização da atenção domi-ciliar (AD) e abrange atividades como promoção à saúde, prevenção de agravos e re-abilitação. Em vários países há registros do uso da VD como estratégia de intervenção para diversos grupos, mostrando resultados de saúde positivos, no entanto, no âmbito infanto-juvenil ainda é pouco documentada. Objetivo: rever o conhecimento sobre a VD e as evidências de seu uso como prática de atenção integral à saúde de crianças e adolescentes. Metodologia: revisão de literatura por meio de pesquisa eletrônica na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE) e ScienceDirect. Os descritores foram “Home Visit”, “Home Care Services”, “Home Nursing”, “Comprehensive Health Care”, “Child”, “Adolescent” e seus equivalentes em português. Foram incluídos trabalhos que abordassem crianças e adolescentes, publicados nos idiomas inglês e português, nos últimos 10 anos. Resul-tados: foram encontrados 216 artigos e após leitura dos resumos permaneceram 22. A VD foi utilizada para finalidades como prevenção de maus-tratos, cuidados à gestante e ao recém-nascido, promoção do desenvolvimento infantil e redução da morbidade da asma. Foram encontrados importantes resultados para melhora da saúde infantil, como redução de hospitalizações, redução de consultas de urgência e redução da taxa de mortalidade neonatal. Entretanto, alguns estudos não encontraram evidências de que o uso da VD possa ser benéfico. Conclusão: a visita domiciliar tem potencial impacto em vários indicadores da saúde pediátrica, mas mais estudos precisam ser realizados sobre sua eficácia, especialmente em adolescentes.

Palavras-chave: Visita Domiciliar; Serviços de Assistência Domiciliar; Assistência Domiciliar; Assistência Integral à Saúde; Criança; Adolescente.

ABSTRACT

Introduction: The home visit is an instrument of home care and covers activities such as health promotion, disease prevention and rehabilitation. In several countries, there are records of the use of the home visit as an intervention strategy for several groups, showing positive health outcomes, however it is still poorly documented in pediatrics. Objectives: To review the home visit’s evidences as a practice of promoting comprehensive health care for children and adolescents. Methodology: Review through on-line research: Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieve System On-line) and ScienceDirect. The key words were “Home Visit”, “Home Care Services”, “Home Nursing”, “Comprehensive Health Care”, “Child”, “Adolescent” and their equivalents in Portuguese. We included papers that addressed children and adolescents, published in English and Portuguese, in the last 10 years. Results: A total of 216 papers were found

The role of the home visit in the comprehensive health care of children and adolescents

Daniela Soares Rosa Bresolini1, Guilherme Rache Gaspar2, Luisa Diniz Reis3, Ludmila Stephanie Júlio Machado3, Mônica Versiani Nunes Pinheiro de Queiroz4, Alisson Araújo5, Rita de Cássia Faleiro6, Laura Maria de Lima Belizário Facury Lasmar7

A visita domiciliar como prática de ação integral à saúde da criança e do adolescente*

DOI: 10.5935/2238-3182.20170026

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A visita domiciliar como prática de ação integral à saúde da criança e do adolescente

sobre o uso da VD como prática de atenção integral à saúde de crianças e adolescentes.

REVISÃO DE LITERATURA

Foi realizada revisão de literatura por meio de pesquisa eletrônica na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Medical Literature Analysis and Retrievel Sys-tem Online (MEDLINE) e ScienceDirect. Os descrito-res utilizados foram “Home Visit”, “ Home Care Servi-ces”, “Home Nursing”, “Comprehensive Health Care”, “Child”, “Adolescent” e seus equivalentes em portu-guês. Os limites utilizados para pesquisa foram: arti-gos nas línguas, inglês, espanhol ou português e que tenham sido publicados nos últimos 10 anos. A pes-quisa resultou em 111 artigos na BVS, 33 na MEDLI-NE, 72 na ScienceDirect, totalizando 216 artigos. Após leitura dos resumos foram excluídos os trabalhos que envolvessem adultos, que não disponibilizassem re-sumo para leitura ou cujo foco de abordagem não fosse a visita domiciliar, permanecendo 22 artigos.

Foram realizadas outras buscas de bibliografias pertinentes a partir de pesquisa nas referências cita-das nos trabalhos encontrados.

DISCUSSÃO

Trajetória histórica da visita domiciliar

Inicialmente a VD era associada à prática religio-sa e filantrópica e realizada sem sistematização ou conceitos da ciência. Em meados do século XIX, com o surgimento da Medicina como prática científica, os cidadãos mais favorecidos economicamente rece-biam cuidado domiciliar feito pelo médico, enquanto os menos favorecidos eram destinados aos cuidados leigos ou de curandeirismo.16

A teoria bacteriológica de Pasteur e Koch der-rubou a teoria miasmática, levando a uma grande revolução conceitual e consequente mudança de paradigma.17 Houve inegáveis avanços tecnológicos no tratamento das doenças e grande valorização dos aspectos da Biologia e da Ciência. Assim, progressi-vamente ganhou importância o hospital, que se tor-nou uma organização fortemente ligada aos avanços tecnológicos e instrumentais. A associação entre hos-pital, Medicina e Biologia se constituiu como o novo

and, after reading the abstracts, 22 were used. The home visit was used for purposes such as prevention of mis-treatment, care for pregnant women and the newborn, promotion of child development, and reduction of asthma morbidity. Significant results were found to improve child health, such as reduction of hospitalizations, reduction of emergency department visits and neonatal mortality rate. Conclusion: The home visit has potential impact on sev-eral health outcomes, but more studies need to be carried out on its efficacy, especially in adolescents.

Keywords: Home Visit; Home Care Services; Home Nurs-ing; Comprehensive Health Care;, Child; Adolescent.

INTRODUÇÃO

O modelo de assistência à saúde predominante no Brasil ainda é fragmentado e centrado na doen-ça.1 No entanto, ocorreram significativos avanços em práticas interdisciplinares como a ampliação das equipes de saúde da família e a criação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).2 Para a mudan-ça de modelo que valorize a abordagem integral das necessidades de saúde do indivíduo, é importante considerar a complexidade do contexto de vida que envolve o sujeito, assim como valorizar o potencial terapêutico presente nas relações familiares e as vul-nerabilidades de cada ciclo de vida humano.1

Considerando que a interação da criança com o ambiente é fundamental para seu desenvolvimento e saúde, abordar condições familiares e do domicílio deve ser um foco da atenção do profissional de saú-de, e nesse contexto a visita domiciliar (VD) pode ser uma ferramenta valiosa, com potencial para alcançar melhores resultados na saúde pediátrica,3,4 além de contribuir para a construção de uma prática integral.1

Os primeiros registros de VD datam do fim do século XIX, retratada como ação associada à prática religiosa e de caridade. Só começou a ser desenvol-vida por profissionais treinados e com objetivos bem definidos a partir dos anos 70.4 Atualmente é realiza-da com diversas finalidades no âmbito da criança e do adolescente, como educação de pais5, promoção do desenvolvimento infantil5, melhora do controle da asma6 e identificação de vulnerabilidades familia-res.7,8 Alguns estudos que utilizaram a VD encontra-ram resultados positivos com potencial de melhora para saúde da população6,9-11, enquanto outros mos-traram resultados mistos.12-15 Trabalho de revisão informa que a efetividade da VD na Pediatria ainda carece de esclarecimentos.5 Este artigo tem como objetivo rever as evidências disponíveis na literatura

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A visita domiciliar como prática de ação integral à saúde da criança e do adolescente

No Brasil esse movimento rumo à superação do antigo paradigma teve seu ápice com a criação do SUS em 1988 e foi se fortalecendo com a instituição de estratégias que buscavam valorizar o sujeito em seu contexto sociofamiliar, como, por exemplo, o Programa de Saúde da Família (PSF)17, e os Serviços de Atenção Domiciliar (SAD).20 Os programas citados utilizam a VD como estratégia para fornecer à popu-lação um serviço de saúde integral que favoreça o vínculo entre equipe de saúde e população e que seja contextualizado em suas necessidades.

A visita domiciliar é o instrumento de realização da atenção domiciliar (AD) e esta, por sua vez, é de-finida como nova modalidade de atenção à saúde substitutiva ou complementar às já existentes, que abrange uma gama de atividades de promoção à saú-de, prevenção, tratamento de doenças e de reabili-tação prestadas no domicilio.20 A VD é um meio de fornecimento dessas ações e propicia uma prática de saúde de caráter integral e inclusivo.

Com a criação do SUS e as propostas de reformu-lação do modelo de assistência à saúde, a VD assume papel marcante e incorpora novos propósitos, não é mais uma atividade fiscalizatória e sim atividade pau-tada pelos princípios da integralidade, longitudinalida-de, promoção da saúde e continuidade na prestação da assistência.16 Esses princípios norteiam atualmente a assistência prestada dentro ou fora do domicílio na Estratégia de Saúde da Família (ESF) e no SAD.

A atenção domiciliar

Os programas estruturados de AD trabalham em conjunto com os serviços de atenção básica (AB), ser-viços hospitalares e de urgência. Exercem importan-te papel na desospitalização de pacientes que teriam condições de finalizar o tratamento em casa, propor-cionando a liberação de leitos, o que contribui para a otimização da assistência prestada à população.20 A AD configura-se hoje como uma nova modalidade de cuidado que se destaca frente a um modelo de atenção ainda fragmentado. A Portaria 963 de 2013 estabelece que a AD se organize por modalidades que variam de acordo com a complexidade e carac-terísticas do quadro do usuário, assim denominadas: AD1, AD2 e AD3. E determina que a modalidade AD1, de menor complexidade, seja de responsabilidade dos serviços de atenção básica e as demais responsa-bilidade das outras equipes do SAD.20

paradigma da saúde na primeira metade do século XX.17 Nessa época, os problemas de saúde passaram a ser explicados por causas biológicas em detrimento de explicações socioambientais, que eram utilizadas em modelos anteriores, incutindo a fragmentação do contexto de saúde-doença e, consequentemente, da assistência prestada.17

Nas décadas de 70 e 80 observou-se, ao longo dos anos, expressivo aumento de gastos oriundos de uma Medicina cada vez mais fragmentada e especializada, no entanto, essa ampliação nos gastos não foi acom-panhada de melhorias na qualidade de vida ou nos indicadores de saúde da população.17 Nesse cenário, a importância e legitimidade do hospital e sua espiral de tecnologia começaram a ser questionadas.17 Em vários países do mundo, incluindo o Brasil, entrava em crise o modelo hegemônico centrado na Medicina especia-lizada e nos hospitais, e desde então propostas alter-nativas a esse modelo começaram a ser levantadas.17

Percurso histórico da visita domiciliar no Brasil

Na década de 20 o Brasil sofria com grandes epi-demias que assustavam e dizimavam a população.18 A VD teve papel de destaque ao ser incorporada como prática do serviço sanitário com o objetivo principal de realizar combate às grandes epidemias locais.16 Nesse cenário dos anos 20 aos anos 40 as visitas do-miciliares foram realizadas com enfoque sanitarista e fiscalizatório e se caracterizavam por ações pontuais. A convite de Carlos Chagas, enfermeiras americanas vieram ao Brasil com a finalidade de treinar visitadores sanitários, que tinham a função de visitar as famílias e realizar orientações sobre higiene, doenças infecto-contagiosas ou saúde materno-infantil16 A partir desse serviço foram determinadas a destruição de cortiços e a retirada obrigatória dos moradores de locais consi-derados de risco à saúde pública.18 Os médicos consi-deravam a função de visitador uma atividade empírica e inapropriada à sua função social. Essa situação ge-rou a necessidade de ter um profissional devidamente qualificado para execução do modelo proposto, o que interessantemente levou ao surgimento das primeiras faculdades de Enfermagem no Brasil.19

A partir da Era Vargas, 1930, até meados dos anos 80, a prática da VD como método de prestação de as-sistência à saúde não teve destaque, reflexo do pano-rama político e econômico da época quando a saúde ainda não era um direito social garantido pelo Estado.18

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A visita domiciliar como prática de ação integral à saúde da criança e do adolescente

As VDs são divididas em quatro grandes grupos: VD por motivos de doenças, sejam queixas agudas ou crônicas; VD para pacientes terminais; VD para avaliação do âmbito social, como quadros de suspei-ta de abuso ou isolamento social; e VD de avaliação e acompanhamento pós-alta hospitalar..21 Devem ser direcionadas para pacientes selecionados conside-rando-se a aplicabilidade e relevância do cuidado familiar de forma individual.22

Na atenção prestada no domicilio por intermédio da VD é fundamental que exista o contato adequado com outros pontos da rede assistencial, sempre que ne-cessário, formando assim uma linha de cuidado.22 No Brasil, a maioria das VDs no SUS é feita pela APS, res-ponsável pela AD1, somando hoje cerca de 40 mil equi-pes de saúde da família.22 Considerando sua potencia-lidade e o público que poderia ser beneficiado, tem-se que a VD é realizada aquém do esperado.21,22. Embora seja prática da APS há muitos anos, a realização da VD de forma mais ampla é ameaçada por uma crescente demanda, que sobrecarrega e ultrapassa a capacidade de atendimento das equipes de saúde da família.22

As pesquisas sobre VD abrangem vários temas rele-vantes em saúde, como, por exemplo, saúde materno--infantil, educação em saúde, maus-tratos e negligência, entre outros. Os resultados e considerações relativos aos trabalhos selecionados são descritos a seguir.

Prevenção de maus-tratos e negligência

O combate aos maus-tratos à criança e ao ado-lescente é de grande relevância, pois estes têm gra-ves efeitos que atingem não só os que o sofrem, mas também o capital humano e produtivo da sociedade, além dos custos econômicos implicados no tratamen-to de suas sequelas.12 Trabalho realizado na Espanha descreveu a implantação de dois programas, Incredi-ble Years e SafeCare , ambos destinados à prevenção de maus-tratos.12 Os programas utilizaram VD para realizar a intervenção e incluíram 34 e 37 famílias, respectivamente. O programa Incredible Years, além da VD, realizou grupos terapêuticos, enquanto o Sa-feCare utilizou apenas a visita domiciliar. Resultados pré e pós-intervenção mostraram redução estatistica-mente significante (p< 0,001) no risco de maus-tratos para o programa Incredible Years e redução estatisti-camente significante (p< 0,05) para problemas com-portamentais das crianças em ambos. Os resultados foram promissores, no entanto, essa foi uma avalia-

ção preliminar com amostra reduzida, sem grupo--controle. Os resultados foram promissores, porém essa foi uma avaliação preliminar com uma amostra reduzida, sem grupo-controle.12

Nos Estados Unidos, estudo avaliou a efetividade do programa Childs First (CF) para prevenir ou reme-diar distúrbios emocionais, déficits de desenvolvi-mento e prevenção de negligência ou abuso contra crianças.13 O estudo controlado e randomizado en-volveu 157 pares de pais e filhos de seis a 36 meses com triagem positiva para risco psicossocial. Resul-tados mostraram que no grupo intervenção houve significativa redução de estresse dos pais (p < 0,05) e diferenças estatisticamente significantes (p < 0,05) para problemas emocionais das crianças.13

Por sua vez, estudo espanhol comparou duas es-tratégias para prevenção de maus-tratos. A primeira delas utilizou VD e envolveu 95 famílias, a segunda utilizou trabalho em grupo e envolveu 196 famílias. Os desfechos foram as seguintes atitudes parentais: expectativas inadequadas sobre a criança, inversão de papéis pais-filho, crenças em punição física falta de empatia para com as necessidades da criança e opressão à independência da criança. Resultados de-monstraram que a estratégia que utilizou a VD teve diferenças estatisticamente significantes (p < 0,05) para todos os cinco pontos avaliados, enquanto a estratégia de grupo apresentou resultados estatistica-mente significantes (p < 0,05) para quatro dos cinco desfechos. Observações importantes derivadas des-se estudo demonstraram que os melhores preditores das mudanças parentais e da efetividade do progra-ma foram a adesão, participação/interesse dos res-ponsáveis e uma boa interação entre facilitadores do programa e os pais em ambos os grupos.9

Gravidez e gravidez na adolescência

A gravidez na adolescência exige cuidado ade-quado, com intervenção precoce após o parto, a fim de evitar a repetição das desordens biopsicossociais da mãe e da criança. Com esse enfoque foi desen-volvido na Inglaterra estudo randomizado e contro-lado que envolveu 1.645 adolescentes que tiveram seu primeiro filho. As gestantes foram randomizadas em grupo-intervenção, que recebeu VD e cuidados do serviço pré-natal; ou grupo-controle, que recebeu apenas cuidados do serviço pré-natal. Os desfechos avaliados foram uso de cigarro na gestação, peso ao

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A visita domiciliar como prática de ação integral à saúde da criança e do adolescente

Também com base populacional avaliaram-se os efeitos do programa Durham Connects para reduzir o uso de serviços de urgência nos Estados Unidos. O estudo envolveu 4.777 puérperas e seus bebês, sen-do estes randomizados em grupo-intervenção que recebeu VD e contato telefônico do programa ou grupo-controle que permaneceu com cuidados tra-dicionais. Os resultados mostraram que o grupo-in-tervenção teve significativamente (p˂ 0,001) menos consultas de urgência e pernoites no hospital que o grupo-controle. Como no trabalho anterior, a análise mostrou que a intervenção foi custo-efetiva.11

Desenvolvimento infantil

O desenvolvimento infantil foi avaliado em 31 fa-mílias com crianças de cinco a 30 meses com risco ou atraso de desenvolvimento. As famílias foram ran-domizadas em dois grupos. O primeiro recebeu inter-venção baseada em rotinas, objetivou promover opor-tunidades de aprendizagem ativa e estabeleceu metas de participação das crianças nas rotinas familiares. O outro grupo utilizou estratégia de VD tradicional. Foram desfechos: desenvolvimento infantil e capaci-dade funcional da criança para autocuidado, mobi-lidade e função social (capacidade de compreensão de ordens, resolução de problemas e brincadeiras com amigos). Resultados revelaram que para o grupo--intervenção houve diferenças significativas (p<0,05) nos resultados funcionais, como autocuidado e fun-ção social. Não houve diferença entre os grupos para linguagem, cognição ou desenvolvimento motor.15

A efetividade da VD para diversos resultados foi avaliada em uma metanálise. O estudo incluiu 60 ar-tigos que tiveram a VD como estratégia primária de intervenção. Foram avaliados resultados maternos e da criança. Houve melhores resultados no desenvolvi-mento cognitivo, socioemocional e prevenção de abu-so para o grupo de crianças visitadas, comparado ao grupo-controle.5 Pesquisas destinadas a famílias de bai-xa renda tiveram mais sucesso na prevenção de abuso e, em geral, famílias envolvidas em programas de VD tiveram resultados melhores que o grupo-controle.5

Asma pediátrica

A asma é a doença crônica mais comum na infân-cia e é causa de grande morbidade e custos sociais.25

nascer, proporção de mulheres com segunda gesta-ção no período de 24 meses pós-parto e consultas de urgência ou hospitalização após 24 meses do nasci-mento. Os resultados mostraram que não houve di-ferenças significativas entre os grupos e os autores concluíram que o incremento da VD não trouxe be-nefícios adicionais para mães e filhos.23

Mas em estudo com desenho semelhante desenvol-vido no Chile houve bons resultados para o incremen-to da VD ao cuidado pré-natal. O trabalho envolveu 90 gestantes adolescentes, que foram randomizadas em grupo-intervenção, que recebeu VD e cuidados do pré-natal tradicional, e grupo-controle, que recebeu apenas cuidados do pré-natal tradicional. O grupo que recebeu VD no pré-natal mostrou redução significante (p=0,03) para desordens mentais e melhores resulta-dos para desenvolvimento da linguagem (p=0,016). Não foram observadas diferenças significantes para desenvolvimento motor. Os resultados mostraram que as VDs foram mais efetivas que o cuidado tradicional padrão para estimular melhores níveis de saúde men-tal e favorecer o desenvolvimento da linguagem.14

No Brasil, outro estudo associou VD ao cuidado pré-natal tradicional, envolvendo 339 gestantes. Foram comparados três grupos de gestantes; o primeiro rece-beu VD do ACS, o segundo recebeu VD de voluntários treinados pela pastoral da criança e o terceiro recebeu VD de voluntários da pastoral da criança, sem treina-mento prévio. O desfecho foi a realização do pré-natal adequado, considerado como a realização de no mí-nimo seis consultas e exames clínicos e laboratoriais previamente definidos. Resultados mostraram que o grupo visitado pelos ACS teve melhores resultados para a realização do pré-natal adequado comparado aos de-mais. No entanto, o estudo apresenta as limitações de não ser randomizado e ter tido diferença no número de VDs fornecidas às gestantes, com mais VDs realizadas no grupo de ACS que nos demais grupos.24

Com base populacional os africanos avaliaram programa que forneceu VD para gestantes e seus re-cém-nascidos (RN) na primeira semana de vida(10). O estudo envolveu cerca de 7.800 gestantes e as VDs eram realizadas por pessoas da comunidade, trei-nadas para orientar práticas de cuidados ao RN e a busca de assistência em caso de doença. No local do estudo a taxa de mortalidade neonatal basal era de 32,3 óbitos por 1.000 nascidos vivos e após implemen-tação do programa mostrou redução de 8%. Essa re-dução representou milhares de vidas salvas por ano e o programa foi considerado altamente custo-efetivo.10

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A visita domiciliar como prática de ação integral à saúde da criança e do adolescente

lúcias do quarto (p=0,05). Como nos estudos citados anteriormente, não houve mudanças para tabagismo ou animais de estimação no domicílio.29

Com foco na atenção e cuidado para crianças com asma, revisão sistemática realizada em 2011 objetivou avaliar os efeitos da intervenção educa-cional para asma prestada por meio da VD. Este trabalho incluiu 12 estudos controlados e randomi-zados, com o total de 2.342 crianças. Foram desfe-chos as consultas de urgência, as hospitalizações e os dias perdidos na escola. O resultado desse estu-do foi inconclusivo, pois não houve evidências que indicassem que a educação fornecida no domicílio pode ser benéfica.30

Entretanto, estudo pediátrico realizado em 2012 envolveu 283 pacientes com asma leve moderada e grave e obteve resultados promissores, fornecendo VD para educação em asma. Foram desfechos: sin-tomas da doença, controle da asma, número de con-sultas de urgência, hospitalizações e dias de ausência na escola. Resultados acusaram redução significativa (p˂ 0,001) nas consultas de urgência, hospitalizações, perda de dias de aula e de trabalho, além de redução significativa (p˂ 0,0001) de custos hospitalares.6

O atendimento por meio da visita domiciliar é prestado a públicos bem definidos e com objetivos específicos. Nos artigos encontrados nesta revisão os objetivos foram diversos, incluindo melhora de resultados de saúde da mulher, saúde da criança e do adolescente e prevenção de maus-tratos. Os resul-tados dos trabalhos encontrados foram conflitantes, a diferença nos achados dos estudos está exemplifi-cada na Tabela 1.

A maioria dos trabalhos envolveu crianças meno-res de cinco anos.9,11,13,15 Excetuando-se os trabalhos com gestantes, apenas um envolveu adolescentes.6

Para controle adequado dos sintomas, além da tera-pia medicamentosa é preciso abordar fatores que in-terferem diretamente nos resultados da asma, como o contato com alérgenos e irritantes, má-adesão ao tratamento e erros na técnica inalatória.25 Para iden-tificação desses fatores, a VD se mostrou ferramenta útil e em estudo que forneceu VD para crianças com asma de difícil controle foram encontrados fatores potencialmente modificáveis para 79% delas.26

A utilização da VD para fornecer educação em saúde para pacientes com asma foi avaliada em al-guns estudos.26-30 Muitos deles tiveram o objetivo de promover mudanças comportamentais para melho-ria do controle ambiental e do controle da asma.

A VD realizada pelo ACS foi avaliada em 264 pacientes com asma. Além do trabalho educativo para estímulo do controle ambiental, foram forne-cidas capas para colchão e travesseiro. Os resul-tados acusaram redução de ácaros no ambiente p<0,001, mas não houve mudanças para tabagismo ou animais de estimação.27

Para 36 famílias japonesas e suas crianças, forne-ceu-se aconselhamento para controle ambiental nas casas. Um grupo recebeu orientações no domicílio e outro recebeu orientações nas consultas ambulatoriais de rotina. Nesse estudo não foi fornecido qualquer ma-terial ou equipamento, apenas educação em saúde. Os resultados mostraram que houve redução significativa de ácaros no ambiente (p < 0,001) para os pacientes que receberam VD.28 Já estudo brasileiro com desenho pré e pós-intervenção envolvendo 84 crianças também forneceu educação sobre asma por meio da VD do ACS. Resultados revelaram que houve mudança de compor-tamento com redução do uso de vassouras para limpe-za do piso (p=0,02), redução do uso de fogão à lenha (p=0,001) e não houve significância na retirada de pe-

Tabela 1 - Resultados de estudos selecionados

Autor / local / ano População Intervenção Resultados

Woods et al., EUA, 20126 Crianças com asma leve, moderada e graven=283

Estudo transversal.VD do ASC + remediação do ambiente

Redução significativa de hospitalização, consulta de urgência e limitação para

atividade física

Welsh et al., Cochrane Database of Systematic Reviews, 201130

Crianças com asma leve, moderada e graven=2342

Avaliou efetividade da VD em 12 ensaios clínicos. Desfecho morbidade

Resultado inconclusivo. Não se pode afirmar que haja benefícios do uso da VD

Pitt et al., África, 201610 Gestantes e RN de 7 áreas rurais de Ganan=7848

VD para orientação de cuidados com RN

Programa foi custo-efetivo. Redução de 8% na taxa de mortalidade neonatal

Robling et al., Reino Unido, 201623

Gestantes e seus bebêsn=1645

Ensaio ClínicoAssociou VD ao cuidado

pré-natal tradicional.

O incremento da VD de enfermagem para gestantes não trouxe benefícios

adicionais para mães e filhos

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Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 3): S25-S32 31

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No contexto pediátrico, algumas pesquisas sinali-zam para a obtenção de melhores resultados de saú-de com o uso da VD, enquanto outras não encontra-ram diferenças significativas nos desfechos avaliados.

CONCLUSÃO

A visita domiciliar foi usada como intervenção para o público pediátrico com diferentes objetivos de prevenção de maus-tratos, cuidados à gestante e ao recém-nascido, promoção do desenvolvimento infantil e redução da morbidade da asma. Os resul-tados dos estudos foram conflitantes, pois enquanto alguns mostraram benefícios do uso da VD com re-dução da mortalidade e da morbidade, outros não encontraram evidências para recomendação de sua utilização. Mais estudos sobre a eficácia da visita do-miciliar na Pediatria precisam ser realizados.

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EDUCAÇÃO MÉDICA

Instituição:Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG Faculdade de Medicina, Departamento de PediatriaBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Karla Emília de Sá RodriguesE-mail: [email protected]

1 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculda-de de Medicina, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 UFMG, Faculdade de Medicina. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Entre as diversas metodologias para o aperfeiçoamento do ensino da Medicina, o cinema aflora como opção interessante, não somente por despertar mais interesse do aluno, mas também por criar situações bastante similares àquelas vivenciadas no cotidiano, o que propicia ponderações pelo expectador. O filme “Uma prova de amor” (My Sister’s Keeper, 2009) relata a história de Kate, uma adolescente que enfrenta o diagnóstico de leucemia e todas as adversidades e experiências que a doença provoca em sua vida e na de sua família. Devido às dificuldades de alunos, médicos, familiares e pacientes em lidar com as implicações da doença, o artigo objetiva a discussão de termos e conceitos amplamen-te utilizados no tratamento oncológico pediátrico, como luto, terminalidade, resiliência e bioética, sob a ótica da obra cinematográfica e da experiência dos autores no uso dessa metodologia de ensino. Os autores analisam o enredo do filme com o intuito de ressaltar esses temas de grande importância, porém pouco discutidos, na graduação médica.

Palavras-chave: Educação Médica; Oncologia Pediátrica; Luto; Terminalidade, Resili-ência; Bioética.

ABSTRACT

Among the several methodologies for improving medical education, movies emerge as an interesting option, not only by encouraging greater student interest, but also by creating situations similar to those experienced in daily life, which provides the viewers with rumi-nations. My Sister’s Keeper (2009) tells the story of Kate, a teenager facing the diagnosis of acute childhood leukemia and all the hardships and experiences that the disease causes in her life and the lives of her family. Due to the difficulties of students, doctors, family mem-bers and patients in dealing with the implications of the disease, the article aims to discuss terms and concepts widely used in pediatric cancer treatment, as mourning, terminal illness, resilience and bioethics, through the cinematographic perspective and the authors’ experience in using this teaching methodology. The authors analyze the film’s plot in order to emphasize these issues of great importance, but little discussed in medical schools.

Key words: Medical Education; Pediatric Oncology; Mourning; Terminal Illness; Resilience; Bioethics.

INTRODUÇÃO

A ideia para a elaboração deste artigo surgiu em reuniões do projeto “Qualidade de Vida e Diagnóstico Precoce do Câncer na Infância e Adolescência”, um dos eixos

Edification of humanistic medical teaching in the pediatrict oncology context: considerations about the movie “my sister s keeper”

Karla Emília de Sá Rodrigues1, Benigna Maria de Oliveira1, Fabiana Maria Kakehasi1, Joaquim Antônio Cesar Mota1, Ana Carolina Ferreira Roberto2, Laura Defensor Ribeiro2, Lucas de Andrade Saraiva2, Raissa Domingues de Simoni Silveira2

A edificação do ensino médico humanizado no contexto da oncologia pediátrica: considerações sobre o filme “uma prova de amor”

DOI: 10.5935/2238-3182.20170027

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A edificação do ensino médico humanizado no contexto da oncologia pediátrica: considerações sobre o filme “uma prova de amor”

de superar com sucesso dificuldades e desafios aos quais fossem submetidos.1,2

Descreve-se a resiliência como sendo um processo dinâmico que tem como resultado a adaptação positi-va em contextos de grande adversidade.2 Termo ainda recente no campo da psicologia, a resiliência é defini-da por alguns autores como sendo a capacidade que uma pessoa possui de sobrepujar as situações de risco ou adversidade, incluindo: habilidade para enfrentar mudanças de vida, autoeficácia elevada e repertório de habilidades e técnicas que o indivíduo possui para poder defrontar-se com possíveis adversidades.3 Posto que o indivíduo resiliente faz uso de seus aprendiza-dos positivos para defrontar os reveses, a resiliência pode ser vista como agente de proteção para a adapta-ção do sujeito diante dos desafios diários.4

Yunes e Szymanski ressaltam que os eventos de ris-co devem ser vistos como um transcurso e não como uma variável em si, sendo que os eventos de risco es-tão associados a toda chance de situações negativas de vida, capazes de contribuir para o indivíduo vir a exibir quaisquer problemas de ordem física, social ou emocional.5 Em convergência ao exposto, Rutter afir-ma ser imprescindível para o estudo dos mecanismos de resiliência certificar-se de situações que demons-trem risco substancial ao desenvolvimento do indiví-duo.6 Há duas categorias primordiais, que se mostram aptas a inserirem risco na vida dos indivíduos. No pri-meiro grupo, encontram-se as transições normativas, que abrangem as mudanças relacionadas a o decurso do crescimento do indivíduo. O segundo grupo alber-ga acontecimentos adversos que não são esperados como, por exemplo, a morte de familiar, doença grave ou separação abrupta de um ente querido.7

Na situação do filme, observa-se que a persona-gem Kate está atravessando um período cujas duas categorias de risco supracitadas fazem-se presentes. Primeiramente, a própria adolescência em si, mo-mento em que Kate é obrigada a encarar conflitos emblemáticos inerentes à adolescência, como a bus-ca de relacionamento afetivo, do sexo e da vaidade. Uma cena que ilustra um desses conflitos juvenis é aquela em que Kate, incessantemente, sai à procura de um vestido para o baile anual do hospital onde seu tratamento é conduzido. Em um segundo mo-mento, o diagnóstico de leucemia aguda acarreta vá-rios eventos hostis para Kate, como a quimioterapia e os seus efeitos colaterais como enjoos frequentes e alopecia. Além disso, podem ser citados os proce-dimentos médicos invasivos como as biópsias e as

temáticos do Observatório da Saúde da Criança e do Adolescente (ObservaPed), programa de extensão da Faculdade de Medicina da UFMG. Nesse contexto, professores e acadêmicos, em discussões sobre o cân-cer infantil e suas inúmeras implicações biológicas, psíquicas e sociais, evidenciaram a importância de se abordar com mais frequência e profundidade no curso médico o tema da terminalidade, a fim de esclarecer conceitos e dúvidas, bem como de discutir as angús-tias vivenciadas pelos pacientes e seus familiares.

A partir dessa perspectiva, o filme “Uma Prova de Amor” mostrou-se um instrumento efetivo para tal análise, ao abordar, de forma clara e didática, o cân-cer na adolescência e seus desdobramentos. O enre-do narra a história de Kate, uma adolescente diagnos-ticada com leucemia aguda aos cinco anos de idade. E descreve todas as adversidades e experiências que a doença provoca tanto em sua vida como na de toda a sua família. Dispostos a salvar a vida de Kate, seus pais decidem conceber um filho, por fertilização in vitro, a fim de que este doasse sua medula óssea para a irmã enferma. Todavia, mesmo após diversas tenta-tivas terapêuticas, Kate, aos 16 anos, encontra-se em estado terminal e tem o desejo de interromper o trata-mento, indo contra a vontade dos seus pais em pros-seguir com o tratamento. A abordagem do câncer infanto-juvenil na narrativa leva a reflexões e exem-plifica eventos frequentes nessa situação, tais como: o medo da morte, preocupações com a aparência, relações familiares e o limite terapêutico.

O artigo tem como objetivo a discussão de termos e conceitos amplamente utilizados no tratamento on-cológico, sejam eles: luto, terminalidade e resiliência e bioética, sob o contexto de uma obra cinematográfica.

RESILIÊNCIA

Ao longo do tempo, diversos estudos investiga-ram protótipos de funcionamento mental/comporta-mental que pudessem auxiliar a antever o surgimento de desordem mental diante da vivência do estresse. Com o avanço das pesquisas no campo da psico-logia do desenvolvimento, verificou-se que muitas crianças e adolescentes, ainda que submetidas a um evento adverso ou hostil, não evoluíam com o distúrbio psicológico. A partir de então, pesquisado-res começaram a indagar o que levaria um grupo de crianças a se mostrar mais vulnerável a determinadas situações adversas, enquanto outros seriam capazes

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Antes de sair para o baile, Kate, satisfeita e con-tente, pergunta para seu pai se está bonita.

5. ter consciência dos seus sentimentos pessoais e da-queles de outras pessoas, além de ser capaz de de-monstrar esses sentimentos de modo apropriado. Durante o filme, Kate mostra percepção clara dos seus próprios sentimentos e dos de sua irmã, quan-do solicita a esta que procure ajuda de um advoga-do para impedir que a mãe delas a obrigue a doar um rim para Kate. A paciente toma essa decisão, já em estado terminal, no qual está demasiadamente cansada e tem a consciência de que o transplante renal, nesse estágio da doença, não irá contribuir para o prolongamento da sua vida. Assim, uma ci-rurgia desse porte não se justificaria tanto para ela quanto para sua irmã, que seria obrigada a viver o resto da vida com rim único. Igualmente, a pa-ciente demonstra entender também o sofrimento da mãe, quando essa descobre o desejo da filha de não querer continuar com os tratamentos para a leucemia. Com o intuito de confortá-la, Kate con-vida sua mãe para ficar sozinha no quarto com ela e lhe mostra um caderno no qual havia feito diver-sas colagens sobre a história de sua própria vida, o que incluiu uma parte dedicada à sua mãe, a qual a paciente diz “ser um anjo da guarda que a protege todo segundo” e agradece a ela por toda a dedica-ção e por nunca deixá-la sozinha;

6. senso de humor aguçado. A paciente exibe senso de humor ao fazer um gracejo, logo no início do filme, a respeito da sua própria doença:

“– Ei querida, qual é seu signo? – Kate si-mula uma terceira pessoa perguntando.

– Câncer – Kate responde.

– Você é de Câncer?

– Não, eu sou de Leão. Mas eu tenho câncer.”

Não obstante, as situações de adversidade não são restritas somente ao indivíduo doente, podem afetar também os familiares que com ele mantêm convívio. Alguns autores recomendam que a resili-ência individual não seja segregada da resiliência fa-miliar. Haja vista que diversos elementos ambientais e sociais são capazes de atuar sob a personalidade resiliente, a própria família poderia proporcionar pro-teção substancial ao indivíduo.10,11

transfusões sanguíneas, as internações hospitalares e a recidiva do câncer.

A definição de resiliência, além de requerer a exis-tência de um evento adverso, demanda também que o indivíduo demonstre adaptação positiva, ou seja, que ele seja capaz de superar a situação de adversi-dade.1 Conforme alguns autores, esses indivíduos que encerram a habilidade de sobrepujar eventos hostis sem se deixar privar do equilíbrio incipiente são deno-minados “personalidades resilientes”.8,9 Flach propõe a existência de um grupo de características inerentes da personalidade resiliente, que são fundamentais para a elaboração da capacidade de resiliência10:1. notável capacidade de tolerância ao sofrimento im-

posto pela adversidade e habilidade de encontrar sentido nessas situações. No tocante ao filme, exis-tem algumas cenas que ilustram nitidamente esse atributo nos personagens. Primeiro, pode-se citar a cena em que o namorado de Kate se declara para ela dizendo: “Se eu não tivesse câncer, eu nunca teria encontrado você. Então, sim, eu sou feliz por estar doente”. Segundo, lembra-se a cena em que toda a família, a despeito do câncer de Kate e todo o sofrimento acarretado pela doença, reúne-se para desfrutar momento juntos em um parque, onde se divertem. Por último, no final do filme tem-se a fala da irmã de Kate: “Minha irmã morreu naquela noite […], ela só se foi, virou um pedaço de céu azul”;

2. disposição para sonhar e ampla gama de interes-ses na vida. No filme, Kate faz planos em relação ao namorado e à possível cura de ambos, além de ter diversos interesses pertinentes a uma adoles-cente da sua idade, como namorar, viajar (Kate fa-lava que gostaria de viajar para Montana), divertir--se com a família (cena em que toda família vai ao parque) e fazer compras (momento em que Kate sai para comprar um vestido para o baile).

3. não ter medo de depender da ajuda de terceiros. No filme, quando Kate se encontrava em um esta-do mais debilitado e, por conseguinte, não conse-guia realizar o autocuidado, ela demonstra estar confortável com sua irmã lhe ajudando a se higie-nizar em ocasiões de epistaxe ou após evacuação;

4. sentimento de autoestima elevada. A persona-gem do filme demonstra melhora da autoestima quando começa a namorar outro paciente tam-bém diagnosticado com leucemia aguda. Essa adequação da autoestima é demonstrada quando Kate sai para comprar um vestido e uma peruca para ir com seu namorado ao baile no hospital.

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O diagnóstico oncológico revela-se como situa-ção adversa tanto para o paciente quanto para sua família.12 Estudos na área mostram que o paciente tende a apresentar mais adaptação positiva em com-paração a seus pais, principalmente quando há ne-cessidade de sua internação.13

Ademais, outro agente estressor importante, du-rante a condução do tratamento oncológico, diz res-peito aos procedimentos médicos invasivos.14 No fil-me, conquanto Kate tenha sido submetida a múltiplos exames agressivos ao longo da sua vida, foi sua irmã que em diversos momentos também precisou fazer tais procedimentos para ajudar no seu tratamento, demonstrando incômodo muito intenso, talvez maior que o da própria Kate. Corroborando esse achado, o advogado da irmã usa como um dos argumentos para conseguir a emancipação médica dela o fato de essas condutas invasivas estarem interferindo de for-ma negativa na sua qualidade de vida.

Para Junqueira e Deslandes, no processo da resili-ência não há regressão para o estado inicial, anterior à situação de risco. Ao contrário, os eventos desfavoráveis são superados e a experiência passa a ser “elaborada simbolicamente” e, dessa forma, incorporada ao apren-dizado do indivíduo, contribuindo para que este possa continuar sua vida e enfrentar novos obstáculos.15 No desfecho do filme, os pais e irmãos de Kate, após seu falecimento, mostraram-se, não obstante a angústia do luto, capazes de dar continuidade às suas vidas.

LUTO E TERMINALIDADE NA ADOLESCÊNCIA

O luto e a terminalidade na adolescência são experiências que propõem reflexão sobre o ama-durecimento de conceitos relacionados, sobretudo, ao processo de formação de identidade pessoal. A adolescência pode ser entendida como a transição entre a infância e a idade adulta, em que experimen-tações sociais e corporais, lapidação de emoções e expressão de mais autonomia em relação aos pais passam a orientar ambições.16 Diante desse turbi-lhão de transformações e instruções adaptativas, a ocorrência de uma doença ameaçadora à vida força o adolescente a lidar com uma transformação definitiva adiante da labilidade de seu processo de consolidação como indivíduo. Além de mudanças físicas e estéticas, muitas vezes malcompreendi-

das, e da ideia de dependência parental prolon-gada ou mesmo indispensável, o jovem deve lidar com o conceito de restrição da própria perspectiva de vida. Respostas iniciais a esse processo tendem a mostrar o ressentimento e a negação quando na aproximação da morte. No entanto, muito se vê de uma construção individual, que pode parecer dimi-nuta quando comparada à capacidade devastadora da doença, mas que explicita a vivacidade adoles-cente agregada ao corpo enfermo.17

Identifica-se tal vivacidade em Kate ao mostrar--se determinada a conduzir as implicações de sua doença sem a interferência de sua mãe, ainda que reconhecesse a melhor intenção das iniciativas até então tomadas com o intuito de mantê-la viva. Esse impasse transcende a condição fictícia e torna-se realidade em nosso meio, agravado pelo fato de a fa-mília optar por omitir informações aos adolescentes ou adultos jovens ou mesmo distorcê-las. O desdo-bramento na família de Kate é evidente nos cuida-dos, na decisão de gerar outro filho e fazer nascer a esperança da mitigação do sofrimento promovido pela doença, no ofuscamento da maioria para que a jovem garota pudesse ser devidamente amparada. Demonstrações de amor como essas não são mal--intencionadas ao almejarem a proteção e o conforto do adolescente com doença terminal, mas podem sufocar a condição natural de sua busca por susten-tação a partir de meios que lhe sejam próprios e, por isso, parte de sua identidade.18 Pensar em seu pró-prio plano de cuidados de fim de vida deve ser con-dição entendida como a possibilidade de estrutura-ção da adolescência, ainda que limitada, de forma a contemplar aspectos típicos dessa fase do processo de desenvolvimento humano.19,20

O estreitamento de relações afetivas, a necessida-de de realização de sonhos arraigados da infância e a dissolução de medos são algumas das caracterís-ticas fundamentais da transição para a vida adulta. O esclarecimento, portanto, do adolescente quanto à sua perspectiva de vida cria envolvimento neces-sário para que ambições inerentes à sua condição de enfermidade possam ser devidamente incluídas em seu plano de tratamento.21 Ainda que a terminalidade esteja associada, para o adolescente, a uma série de experiências negativas, como o medo da alienação, o medo da morte, preocupações com a aparência, além de consternações relativas ao esquecimento, pequenas ambições são suficientes para orientar, em melhor sentido, o restante de vida.22 Assim, investir

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BIOÉTICA

O filme suscita, ainda, questionamentos de ordem bioética como a fertilização in vitro, com o objetivo de gerar uma criança geneticamente compatível com o irmão para possivelmente curá-lo da doença ao considerar-se a autonomia do ser humano, concebi-do com tal finalidade, sobre o próprio corpo. Logo ao nascer, Anna doa sangue de seu cordão umbilical para a irmã; anos depois, ela é submetida à doação de medula óssea e ao atingir 11 anos, é solicitada a doar um rim para a irmã.

Se, por um lado, gerar outro filho para salvar a vida do primeiro é extremamente nobre, por outro lado há que se considerar que o nascituro terá seu destino traçado e poderá carregar um fardo. Tanto no contexto cultural quanto legal, cada ser humano é entendido como um fim em si e não como meio de propiciar vida e qualidade de vida a outrem. Nes-se contexto, vale a reflexão sobre até que ponto está sendo assegurada à nova criança a dignidade da pes-soa humana. Assim, é importante considerar a quais implicações psicológicas e físicas “aquele que tem a missão de curar” estará sujeito.

No âmbito científico, o Conselho Federal de Medi-cina (CFM)23, por meio da Resolução nº 2.013/2013, que trata sobre as Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida, apresenta como alguns de seus princípios gerais:

■ Princípio 1 – As técnicas de reprodução assisti-da (RA) têm o papel de auxiliar a resolução dos problemas de reprodução humana, facilitando o processo de procriação.

■ Princípio 5 – É proibida a fecundação de oócitos humanos, com qualquer outra finalidade que não a procriação humana.

Assim, fica claro que o CFM atribui função social às técnicas de reprodução assistida, que é a de propi-ciar a procriação aos casais que não o conseguiriam por métodos convencionais, entendendo cada indiví-duo como um fim em si. Resta refletir sobre como o médico deve se posicionar diante de uma família que pretende realizar uma fertilização in vitro com finali-dade de salvar a vida de um irmão e como esse pro-fissional deve aconselhar essa família. Além disso, é importante discutir quais os limites para as interven-ções médicas a serem realizadas nessa nova criança.

Quanto à autonomia que o indivíduo menor de idade tem sobre seu próprio corpo, quando este é

na relação amorosa, preparar-se para a festa e passar um dia na praia foram ambições da jovem Kate sufi-cientes para trazer-lhe não só um conforto afugenta-do pela realidade da morte iminente, mas notorieda-de diante do duelo estabelecido entre terminalidade e autoafirmação como adolescente.

Ainda que muitos jovens ajam de modo autônomo e desbravador de sua condição, a exemplo de Kate, há outros que se agarram a resquícios infantis. Essa atitude pode ser entendida como medida de negação inicialmente, desvendada em seguida como uma pro-teção inconsciente ou consciente.16 Assumir compor-tamento dependente, alienado e desinteressado em sua condição não subtrai do jovem conflitos usuais da adolescência, uma vez que o rompimento com o con-forto é conflito típico dessa transição, entendido algu-mas vezes como subversão. Além disso, a manutenção de hábitos infantis pelo adolescente transfere à família paradoxo de zelo desmedido quando não há muito o que ser feito. Essa situação demanda, portanto, aten-ção especial da equipe de saúde assistente quanto à honestidade e ao esclarecimento da família e do pa-ciente perante a realidade da morte inevitável.19

A morte é, assim, compreendida como a eta-pa que representa o poder sobre o qual não temos controle algum, assume caráter de invencibilidade rejeitado pela mãe de Kate, quando a própria jovem já era capaz de compreendê-lo. Apesar de ser etapa natural e inevitável, ganha aspectos de temeridade diante da vitalidade geralmente associada a crian-ças e adolescentes. Nesse sentido, percebemos não só o amadurecimento acelerado na maioria dos jo-vens diagnosticados com doença terminal, mas prin-cipalmente uma tentativa de legitimar a realidade da morte como acontecimento inadiável, mas que não atua com o direito de impedir que transformações essenciais desse momento de transição aconteçam. O jovem com doença terminal tende a sentir medo e pode não compreender o agravo do curso da do-ença, mas também sente desejos e anseia por expe-rimentações, constrói a tempo uma personalidade para lhe caracterizar e soma experiências variadas para erguer posicionamento diante do que está acontecendo ao seu redor. Assim, nota-se que o ado-lescente com doença sem perspectiva de cura não estagna por completo a transição que naturalmente deveria transpor, mas adiciona a esse percurso ex-poente marcador na composição de sua identidade pessoal, a postura frente a um dos assuntos velados do homem amadurecido, a morte.17

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peitarem as garantias concedidas pelo ECA, o profis-sional de saúde deverá acionar o Ministério Público.

Por fim, é razoável entender que nenhum ser hu-mano deve ser sujeitado a outro, independentemente das razões motivadoras, e que os pais devem amar e zelar pela vida e saúde de seus filhos de maneira equânime. A solidariedade e colaboração fraternas devem ser estimuladas pelos pais, mas nos casos de submissão a procedimentos de saúde é fundamental considerar os riscos e benefícios a que ambos os fi-lhos estarão sujeitos e o desejo de ambos quanto à realização do procedimento em questão.

CONCLUSÕES

O esmiuçar da produção cinematográfica “Uma Prova de Amor”, considerada representação bastan-te próxima de situações vivenciadas em nosso coti-diano, foi estratégia capaz de evidenciar o impasse entre o respeito à autonomia de decisão do paciente adolescente, como a jovem Kate, e o manejo do fim da vida – condição que guia essencialmente a discus-são desdobrada neste texto. Saber identificar o limiar entre resistência e resiliência pode ser atividade que exija do médico esforço e dedicação, sendo habilida-de de pouco ou nenhum sucesso se não relacionada ao exercício contínuo de dedicação integral ao ato do cuidado. O intuito primeiro de todo esse processo não deve ser outro que incitar a reflexão envolta tan-to pela crítica quanto pela sensibilidade, que consti-tuem aspectos quase paradoxais da prática médica.

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gerado com o objetivo de curar um irmão, a Consti-tuição brasileira não faz distinção de pessoas. Assim, independentemente do motivo pelo qual a criança foi concebida, vindo esta a nascer, ela gozará ple-namente dos direitos concedidos a qualquer indiví-duo.24 É constitucional também que os filhos estão sujeitos ao poder familiar enquanto são menores, entretanto, todo o poder atribuído aos pais sobre os filhos é, tão somente, para que os pais possam promover o melhor desenvolvimento dos menores; e em caso de mais de um filho isso deverá ocorrer de forma indistinta.24 Ainda, de acordo com o Artigo 1.692 do Código Civil, “sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público, o juiz lhe dará curador especial”.25 Assim, os pais não podem dispor deliberadamente dos filhos e um dos limites para essa autoridade familiar é o próprio inte-resse do filho. Ademais, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente26 (ECA):

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público asse-gurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionali-zação, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liber-dade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discrimi-nação, exploração, violência, crueldade e opres-são, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 17 O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da au-tonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espa-ços e objetos pessoais.

Pode-se concluir que o ECA também compreen-de cada indivíduo como um fim em si e que os pais têm o dever de prestar proteção integral aos filhos, sem distinção entre eles. Além disso, o ECA limita os poderes dos pais; no caso em questão não poderiam ser realizados procedimentos médicos que violas-sem a integridade física ou psíquica da criança/ado-lescente, que se configurassem como exploração ou que não fossem consentidos pelo menor. Assim, nos casos em que os pais (representantes legais) desres-

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Faculdade de Medicina do UNI-BH

Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Gabriela Araujo Costa

E-mail: [email protected]

1 Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH, Faculdade de Medicina, Núcleo de Pediatria; Prefeitura

Municipal de Belo Horizonte, Gerência de Epidemiologia do Distrito Sanitário Oeste. Belo Horizonte, MG – Brasil.

2 UNI-BH. Faculdade de Medicina. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A caxumba, ou parotidite infecciosa, é uma doença viral aguda causada pelo vírus RNA do gênero Paramyxovirus. Nas crianças, é frequente a apresentação da doença em surtos. A principal manifestação clínica é o aumento das glândulas salivares, especial-mente a parótida, acompanhado de febre e dor à mastigação. Em aproximadamente um terço dos casos não ocorre hipertrofia glandular. Embora seja uma doença de evolução benigna, raramente pode haver complicações como meningite asséptica, encefalite e pancreatite; nos adultos, é mais comum a ocorrência de orquiepididimite, mastite e oofo-rite. A transmissibilidade ocorre por via aérea, pela própria saliva do indivíduo infectado ou por gotículas disseminadas. É uma doença endêmica em grandes centros, onde há aglomeração de pessoas, especialmente nos países que não adotaram a vacinação de rotina contra a caxumba. O período médio de incubação é de 16-18 dias. O diagnóstico é clínico-epidemiológico e o tratamento, sintomático. A medida preventiva mais eficaz contra a doença é a vacinação, a partir da aplicação das vacinas tríplice viral aos 12 meses e a tetraviral quando a criança completa um ano e três meses de idade. A ocor-rência recente de surtos em pacientes previamente imunizados desperta o interesse para o conhecimento sobre os mecanismos envolvidos na aquisição da imunidade contra a doença e a real importância da vacinação rotineira contra a caxumba.

Palavras-chave: Caxumba; Caxumba/epidemiologia; Caxumba/imunologia; Imuniza-ção; Surtos de Doenças.

ABSTRACT

Mumps or Infectious Parotiditis is an acute viral disease caused by the RNA virus of the genus Paramyxovirus. In children, the presentation of the disease is frequently in outbreaks. The main clinical manifestation is the hypertrophy of the salivary glands, especially the pa-rotid, followed by fever and pain in chewing. Approximately in one third of cases, glandular hypertrophy is not present. Although it is a benign disease, there can rarely be complications such as aseptic meningitis, encephalitis and pancreatitis; in adults, it is more common the occurrence of orchitis, mastitis and oophoritisthe. Transmissibility occurs by airways, by the infected person’s own saliva or by disseminated droplets. It is an endemic disease in large centers, where there is agglomeration of people, especially in countries that do not routinely vaccinate against mumps. The mean incubation period is 16-18 days. The diagnosis is clinical-epidemiological and the treatment is symptomatic. The most effective preventive measure against the disease is vaccination, through the application of triple viral vaccines at 12 months and the tetraviral vaccine when the child completes one year and three months of age. The recent occurrence of outbreaks in patients previously immunized arouses inter-est in the knowledge about the mechanisms involved in acquiring immunity against the disease and the real importance of routine vaccination against mumps.

Key words: Mumps; Mumps/epidemiology; Mumps/immunology; Immunization; Diseases Outbreaks.

Mumps: update

Gabriela Araujo Costa1, Hívina Moreira Tarabal2, Isabela Gontijo e Couto2, Maria Clara Argolo2

Caxumba: atualização

DOI: 10.5935/2238-3182.20170028

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Caxumba: atualização

EPIDEMIOLOGIA

A transmissão do vírus da caxumba ocorre por via aérea, pela própria saliva do indivíduo in-fectado ou por gotículas disseminadas. Raramen-te pode se dar através de objetos contaminados com a secreção do nariz ou boca.1 O período de transmissibilidade inicia-se uma semana antes do aparecimento dos sintomas e finaliza cerca de 10 dias após o início do quadro clínico.2 O período de incubação é, geralmente, de duas semanas, varian-do entre 12 e 25 dias.3,4

A caxumba é uma doença endêmica em gran-des centros, onde há aglomeração de pessoas, prin-cipalmente nos países que não fazem uso rotineiro da vacina, como Japão e Inglaterra. As estações de maior ocorrência dos surtos geralmente são prima-vera e inverno. Mesmo com a utilização da vacina no Brasil ainda são relatados vários surtos em diver-sos estados, como São Paulo, Rio de Janeiro e Mi-nas Gerais.1,2 Desde 2001, a doença é de notificação compulsória em MG; em 2016 foram notificados mais de dois mil casos e, em 2017, já foram regis-trados surtos nas regiões sudeste e sul do estado.5

QUADRO CLÍNICO

A principal manifestação da doença é o au-mento das glândulas salivares, como sublinguais, submaxilares e, principalmente, a parótida, acompanhado de febre, cefaleia, mialgia, hipore-xia e dor à mastigação e ingestão de líquidos áci-dos. Alguns casos de infecção evoluem de forma oligossintomática. A parotidite tem resolução es-pontânea, com redução do volume glandular em até 14 dias após o início dos sintomas.1-3 Em 30% dos casos não há hipertrofia visível das glândulas. O vírus da caxumba possui tropismo pelo sistema nervoso central; por isso, encefalite, meningite as-séptica e ataxia cerebelar são complicações se-cundárias possíveis, que devem ser monitoradas. Em crianças menores de cinco anos é comum a presença de sintomas de vias respiratórias. A per-da neurossensorial da audição pode ser descrita em 20% dos casos.1,3,4 No primeiro trimestre de gestação a infecção pode ocasionar morte fetal e abortamento.2,4

INTRODUÇÃO

A caxumba, ou parotidite infecciosa, é doen-ça viral aguda de alta morbidade e baixa letali-dade, causada pelo vírus RNA da família Para-myxoviridae, gênero Paramyxovirus.1 Usualmente apresenta-se em surtos, que acometem mais as crianças, mas que não excluem adolescentes e adultos, sendo, nestes, mais grave. Caracteriza--se como cosmopolita, mas com tendência a se apresentar em elevadas proporções em centros escolares e instituições onde há aglomeração de pessoas. Inverno e primavera são as estações de maior incidência da doença.2

Os casos de parotidite esporádicos e isolados nem sempre se devem à infecção causada pelo ví-rus da caxumba; podem ser causados por outros vírus como parainfluenza do tipo 1 e 3, Epstein--Barr, influenza, coxsackie A, echovirus, vírus da coriomeningitelinfocítica e vírus da imunodefici-ência humana (HIV). As causas não infecciosas, tais como drogas, tumores, doenças imunológicas e obstrução do ducto salivar, devem fazer parte do diagnóstico diferencial da doença.1-3

O objetivo deste artigo é fornecer informações essenciais aos profissionais de saúde sobre a ca-xumba, devido à verificação de surtos em Minas Gerais no presente ano e discutir a importância da vacinação de rotina contra a caxumba como a forma mais indicada de prevenção individual e de surtos da doença na população.

METODOLOGIA

Revisão de literatura utilizando as palavras--chave “mumps” na base de dados do PubMed e “caxumba”, “imunização” e “surtos”, nas bases de dados do SciELO e LILACS, para seleção de artigos publicados entre os anos de 2013 e 2017. A busca foi feita no período de janeiro a abril de 2017. A seleção das publicações baseou-se na lei-tura sistemática de títulos e resumos e utilizou-se como critério de inclusão a caxumba como tema principal. Para contemplar o manejo da caxumba no atual contexto epidemiológico do estado de Minas Gerais, foram consultadas notas técnicas regionais publicadas no presente ano.

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Caxumba: atualização

VACINA

A prevenção mais indicada contra a doença é a vacinação. Todas as crianças e adolescentes até 19 anos de idade devem ter duas doses de vacina. O Programa Nacional de Imunização do Ministério da Saúde recomenda a aplicação de uma dose da vacina tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) aos 12 meses de idade e, aos 15 meses, a aplicação da tetraviral (tríplice viral associada à varicela). Por ser composta por vírus atenuado, a vacina está contraindicada em gestante e imunodeprimidos.4-7

Indivíduos de 20 a 49 anos de idade que não apre-sentarem comprovação vacinal devem receber uma dose da vacina tríplice viral.1

Nos surtos, o bloqueio vacinal deve ser realiza-do no local de ocorrência, após avaliação do pas-sado vacinal dos envolvidos. Considera-se vacina-do o indivíduo que tem duas doses comprovadas da vacina contra a caxumba. Pessoas de 20 a 49 anos de idade que forem contatos de casos de ca-xumba e que tenham recebido somente uma dose de vacina devem receber dose adicional.4,7

A eficácia da vacina tríplice viral, para o com-ponente da caxumba, é de 88% para crianças e adolescentes vacinados com duas doses e 78% para apenas uma dose.8,9 Não há recomendação formal para que se realize terceira dose, na rotina ou em surtos.8,10 A falha vacinal, caracterizada pelo adoeci-mento de indivíduos vacinados, pode acontecer de forma primária, por não imunização com a primeira dose (por exemplo, por má-conservação da vacina) ou de forma secundária, por redução da imunidade ao longo dos anos.7-9 As razões que motivam a fa-lha secundária não são claras. Sabe-se que os anti-corpos neutralizantes produzidos após a vacinação são essenciais para o sucesso da imunização, mas tentativas repetidas de definir um título de limiar de proteção para a caxumba foram inconclusivas. A resposta imune contra o vírus da caxumba (seja ele selvagem ou vacinal) parece inerentemente fraca, o que pode ocorrer por vários fatores: baixa patogeni-cidade viral, ativação pouco funcional de linfócitos B de memória específicos para o vírus e resposta inadequada das células T. A mutação do vírus da caxumba também pode ser uma explicação plau-sível para os surtos. Embora existam 12 genótipos virais conhecidos, há apenas um sorotipo, o que significa que o anticorpo gerado em resposta à in-fecção contra uma cepa pode reconhecer a maioria

Nos adolescentes e adultos, as manifestações clí-nicas são mais intensas: até um terço dos homens pode apresentar orquiepididimite; 15% das mulheres evoluem com mastite; e em 5% dos casos, ooforite.1

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico é clínico-epidemiológico. O he-mograma geralmente não apresenta alterações, ex-ceto nos casos complicados, nos quais pode haver leucocitose. A amilase sérica pode estar elevada.2-4

Apesar de não serem utilizados rotineiramen-te, o isolamento viral ou a reação em cadeia da polimerase em tempo real (RT-PCR) de amostras de swab bucal, saliva e liquor podem ser usados para a confirmação da doença. A sorologia deve ser realizada com amostras pareadas, sendo a pri-meira colhida na fase aguda da doenc a e a segun-da 15 a 20 dias após. A elevação de títulos de IgG acima de quatro vezes confirma o diagnóstico. Em indivíduos vacinados esse aumento pode não ser observado, portanto, um teste negativo não des-carta a infecção.2-4

TRATAMENTO

Por se tratar de uma doença autolimitada, o trata-mento da caxumba é sintomático, com orientações para hidratação, dietas com restrição de alimentos ácidos, repouso e não comparecimento a locais com aglomerações (como, por exemplo, escolas) durante nove dias após o início da doença. Se necessitar de internação, as precauções contra doenças transmiti-das por via aérea devem ser instituídas.1,4

Figura 1 - Criança com hipertrofia de glândulas salivares devido à infecção pelo vírus da caxumba.Fonte: CDC Public Health Image Library (1976).6

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Caxumba: atualização

das outras cepas geneticamente variáveis. Entretan-to, em experimentos in vitro, ocorre uma variação individual na quantidade de anticorpos necessária para neutralizar cepas de caxumba geneticamente diversas, possivelmente devido a uma sutil variação nos epítopos neutralizantes. Por isso, à medida que se verifica redução do título de anticorpos em um indivíduo previamente vacinado, ele se torna susce-tível à infecção. Existem ainda casos reportados de reinfecções de caxumba do tipo selvagem, ou seja, a infecção não confere imunidade duradoura.9,11

Em casos de surtos, como os que aconteceram recentemente em MG, os indivíduos acometidos podem ter a doença devido a uma combinação desses fatores descritos. Reforça essa hipótese a faixa etária dos pacientes acometidos, prioritaria-mente adolescentes e adultos jovens (nos quais há naturalmente a redução da imunidade com o pas-sar do tempo), submetidos a uma alta intensidade da exposição (atividades diárias em aglomerados como colégios e universidades) e com baixa co-bertura vacinal, considerando-se a aplicação de duas doses da vacina.8-10 Entre 2013 e 2015 foi reali-zado estudo no estado do Rio de Janeiro demons-trando que a vacinação em crianças não atingiu a meta de 95% de cobertura para a segunda dose na maioria das regiões pesquisadas.2

CONCLUSÃO

Embora a eficácia da vacina contra caxumba seja baixa quando comparada às demais vacinas dis-poníveis, a proteção proporcionada é valiosa e im-portante. A alta cobertura vacinal possibilita a elimi-nação da doença endêmica; e a redução dos surtos, limita a propagação do vírus para aglomerados po-pulacionais e reduz a frequência de complicações.

REFERÊNCIAS

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculdade

de Medicina, Departamento de Pediatria Belo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Eleonora Druve Tavares Fagundes

E-mail: [email protected]

1 Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG, Hospital das Clínicas-HC, Gastroenterologia Pediátrica.

Belo Horizonte, MG – Brasil. 2 UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de

Pediatria; HC, Gastroenterologia Pediátrica. Belo Horizonte, MG – Brasil.

3 UFMG, Faculdade de Medicina, Programa de Pós-Graduação em Saúde da Criança e Adolescente.

Belo Horizonte, MG – Brasil.4 UFMG, Faculdade de Medicina, Curso de Medicina. Belo

Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

As doenças hepáticas autoimunes correspondem a um espectro de doenças imu-nomediadas, cujos alvos da agressão são hepatócitos e ductos biliares. Entre essas doenças, destacam-se a hepatite autoimune (HAI) e a colangite esclerosante primária (CEP) e a sobreposição das duas, conhecida como colangite autoimune. A HAI é ca-racterizada pela elevação de aminotransferases, por autoanticorpos não específicos, níveis elevados de imunoglobulina G e histologia hepática com sinais de inflamação, na ausência de outras causas. De acordo com a positividade dos autoanticorpos, podem ser definidos dois tipos de HAI: tipo 1 e tipo 2. A HAI tipo 1 apresenta positivi-dade para anticorpo antimúsculo liso e/ou fator antinuclear e acomete tanto adultos quanto crianças, enquanto a HAI tipo 2 possui níveis elevados de anticorpos antimi-crossomal de rim e fígado e acomete crianças mais novas. Ambos os subtipos têm resposta importante ao tratamento imunossupressor, com corticoide e azatioprina. A CEP é uma doença colestática crônica, de etiologia não definida, caracterizada por in-flamação progressiva, fibrose e estenose dos ductos biliares intra e extra-hepáticos. O diagnóstico é comprovado por meio da colangiografia, que evidencia áreas de dilata-ções intercaladas com estenoses. No momento, não há tratamento efetivo a não ser o transplante hepático. Além da cirrose, essa doença predispõe a várias complicações, como colangites de repetição e colangiocarcinoma, estando também associada à alta incidência de doença inflamatória intestinal. Este artigo tem por objetivo apresentar breve revisão sobre essas duas doenças em crianças e adolescentes, enfatizando a suspeita clínica e a abordagem inicial do paciente.

Palavras-chave: Doenças Autoimunes; Hepatite Autoimune; Colangite; Colangite Esclerosante; Criança; Adolescente.

ABSTRACT

The autoimmune liver diseases are a group of immunomediated disordes that targets the hepatocytes and bile ducts. Those diseases includes the autoimmune hepatitis (AIH), primary sclerosing cholangitis (PSC) and the association between these two conditions called overlap syndrome or autoimmune sclerosing cholangitis. AIH is characterized by elevated transaminase levels, autoantibodies and immunoglobulin G. According to the antibody identified, two types of AIH can be recognized: type I and type II. Positivity to antinuclear antibody and smooth muscle antibody defines type I AIH, which can affect both adults and children, while antibodies to liver-kidney micro-some define type II, most common in younger children. Both types are greatly respon-sive to immunosuppressive therapy with corticoid and azathioprine. PSC, although, is a chronic cholestatic liver disease, of unknown etiology, characterized by progressive inflammation, fibrosis and stricture of intra and extra hepatic bile ducts. The diagnosis established by cholangiography, which revels areas of focal dilatations and stricture. Until this moment, there are no effective treatments beside the liver transplantation.

Autoimmune liver disease in children and adolescents

Eduardo Ramos Santos1, Eleonora Druve Tavares Fagundes2, Alexandre Rodrigues Ferreira2, Thaís Costa Nascentes Queiroz3, Caroline Caldeira Hosken4

Doenças hepáticas autoimunes em crianças e adolescentes

DOI: 10.5935/2238-3182.20170029

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Doenças hepáticas autoimunes em crianças e adolescentes

QUANDO PENSAR EM DOENÇA HEPÁTICA CRÔNICA?

Inicialmente, é interessante ressaltar o conceito da doença hepática crônica, uma vez que a HAI e a CEP devem sempre ser pesquisadas nesse contexto. Doenças hepatobiliares crônicas são relativamente raras em pacientes pediátricos. Não há muitos dados sobre a prevalência, porém cerca de 15.000 crianças com hepatopatias são hospitalizadas por ano, nos EUA.7 O pronto reconhecimento dessas entidades e o início do tratamento, quando possível, é fundamental na tentativa de reduzir a morbimortalidade, a evolu-ção para cirrose e insuficiência hepática e todas as suas complicações.7-9

Doenças hepáticas em crianças são subdiagnos-ticadas ou diagnosticadas com atraso, uma vez que frequentemente se apresentam com sinais e sintomas leves e inespecíficos, especialmente em fase inicial.7,8 Algumas crianças com quadro clínico inicial suges-tivo de hepatite aguda podem exibir sinais clínicos de cronicidade ou persistência de alterações labora-toriais, após aparente resolução do mesmo. Outras podem apresentar alterações da bioquímica hepáti-ca realizada em exames de rotina ou por outros mo-tivos, devido a queixas não relacionadas ao fígado. E outras podem ser reconhecidas apenas após compli-cações, como ascite, hemorragia digestiva, insufici-ência hepática crônica e falência hepática aguda.7-9

Deve ser sempre levantada a hipótese diagnóstica de hepatopatia crônica nos seguintes casos:8,9

■ relato de icterícia com colúria (predomínio de bi-lirrubina direta);

■ recorrência de um quadro aparente de hepatite aguda ou persistência dos sintomas por mais de três meses;

■ história familiar de doença hepática crônica; ■ outras doenças autoimunes (diabetes mellitus tipo

I, tireoidite de Hashimoto) como comorbidade; ■ prurido generalizado sem lesão dermatológica

que o justifique; ■ história de complicações como hemorragia diges-

tiva alta, ascite ou encefalopatia; ■ palpação de hepatoesplenomegalia, fígado redu-

zido à hepatimetria ou palpação do lobo esquer-do com consistência aumentada;

■ manifestações cutâneas de doença hepática crô-nica (telangiectasias, aranhas vasculares, eritema palmar e baqueteamento digital);

This disease is associated with many complications other than cirrhosis, such as cholangiocarcinoma and cholangitis, and is associated with a higher incidence of inflammatory bowel diseases. This article presents a brief review of those two diseases in children and adolescents, emphasizing the clinical suspicion and the initial approach of the patient.

Key words: Autoimmune Diseases; Hepatitis, Autoimmune; Cholangitis, Cholangitis, Sclerosing; Child; Adolescent.

INTRODUÇÃO

As doenças hepáticas autoimunes correspon-dem a um espectro de doenças imunomediadas, cujos alvos da agressão são hepatócitos e ductos biliares, provavelmente desencadeadas por fatores ambientais atuando em pacientes geneticamente predispostos, revelando falha nos mecanismos de imunotolerância.1,2 Entre essas doenças, destacam--se a hepatite autoimune (HAI), a colangite escle-rosante primária (CEP) e colangite biliar primária, sendo esta última rara entre crianças e adolescen-tes.1 Há ainda pacientes que apresentam sobrepo-sição de quadro clínico de hepatite e colangite, denominado de colangite autoimune.1,3 Esse quadro tem sido descrito com mais frequência nos últimos anos, especialmente em crianças.

A HAI é uma entidade rara, porém é a doença hepática autoimune mais comum nessa faixa etá-ria.2 São poucos os dados epidemiológicos em crian-ças; em adultos tem prevalência estimada de 10.7 a 16.9/100.000 e incidência anual média de 0.85 a 1.9/100.000 nos países da Europa e América do Nor-te.2,4,5 Pouco se sabe sobre as taxas de incidência e prevalência da CEP em crianças; em adultos elas são estimadas em 1 a 1.3/100.000 e 8.5 a 16.3/100.000, respectivamente. Em adultos e crianças, a CEP é fre-quentemente associada à doença inflamatória intes-tinal (60 a 80% dos casos).3,6

As doenças hepáticas autoimunes são doenças progressivas com fatores genéticos e ambientais envolvidos, mas ainda de etiopatogenia obscura.1-4

Essas doenças possuem manifestações clínicas va-riadas, por vezes pouco específicas, sendo o pronto reconhecimento e tratamento determinantes para o prognóstico dos pacientes com HAI. Em relação à CEP, o prognóstico é mais reservado.2,3,5,6 Este artigo tem por objetivo apresentar breve revisão sobre a he-patite autoimune e a colangite esclerosante primária em crianças e adolescentes, enfatizando a suspeita clínica e a abordagem inicial do paciente.

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Doenças hepáticas autoimunes em crianças e adolescentes

dos casos pode haver quadro semelhante prévio.5,11 Ocasionalmente, a forma de apresentação pode ser de hepatite fulminante, especialmente no caso da HAI-2. Em até 30% dos casos, o paciente pode exibir complicações de cirrose hepática, como hemorragia digestiva e ascite.5,12,13 Alguns pacientes assintomáti-cos são diagnosticados a partir de exames bioquími-cos alterados solicitados para queixas não relaciona-das diretamente ao fígado, como dor abdominal, por exemplo. Manifestações extra-hepáticas de autoimu-nidade também podem estar presentes, como tireoi-dite, artrites, psoríase, doença inflamatória intestinal, diabetes mellitus tipo I e anemias hemolíticas.3

Exames laboratoriais

Na suspeita de hepatopatia crônica, a bioquími-ca hepática deve ser solicitada. Na HAI, os exames laboratoriais demonstram aumento significativo de alanina aminotransferase (ALT) e aspartato amino-transferase (AST), com níveis podendo superar 1.000 U/L. As concentrações séricas de bilirrubinas, princi-palmente da fração direta, GGT e FA, também podem estar alteradas, porém são menos marcantes.2,4,12 Em casos em que há aumento acentuado ou persistente destes, outras doenças devem ser levadas em consi-deração, como obstrução biliar extra-hepática, CEP, colangite autoimune ou doenças induzidas por dro-ga.2 Nesses casos, pode ser necessária a realização de ressonância magnética das vias biliares para afas-tar a possibilidade de CEP ou colangite autoimune.14

Outra alteração importante e característica na HAI é o aumento de globulinas sérica, principalmen-te da fração gama devido ao aumento da imunoglo-bulina G (IgG acima de 2 g/dL), com níveis séricos normais de imunoglobulinas A e M.2,12,15 Inclusive, a monitorização sérica da fração gama das globulinas é um importante marcador de atividade da doença durante o tratamento, sendo que a normalização do mesmo associado à normalização da AST e ALT é considerada como remissão bioquímica da doença.15

Em estágios mais avançados da doença pode haver hipoalbuminemia, alteração da atividade de protrom-bina (AP) e da razão normalizada internacional (RNI), devido à perda da função hepática, e plaquetopenia, anemia e leucopenia, devido ao hiperesplenismo.

A identificação de autoanticorpos constitui uma importante parte do diagnóstico da HAI, inclusive determinando o subtipo conforme já descrito. Nor-

■ aminotransferases e enzimas canaliculares (fosfatase alcalina e gama glutamiltransferase) alteradas, pois pode ser a única indicação de disfunção hepática.

Diante de um paciente com sinais e sintomas de hepatopatia crônica, o diagnóstico de HAI deve ser sempre pensado, especialmente no sexo feminino. Por sua vez, a CEP deve ser sempre pesquisada nos pacien-tes com aumento de gama glutamiltransferase (GGT) e fosfatase alcalina (FA), principalmente no sexo mas-culino e com doença inflamatória intestinal associada.

HEPATITE AUTOIMUNE

A hepatite autoimune é uma doença crônica com achados clínicos, bioquímicos, sorológicos e histoló-gicos que sugerem reação imunológica com agressão aos hepatócitos do próprio paciente, provocando le-sões celulares irreversíveis.10 É um processo de infla-mação crônica do fígado, caracterizado por hepatite de interface, aumento de aminotransferases, hiperga-maglobulinemia, produção de autoanticorpos e boa resposta ao uso de imunossupressores.11,12

Baseado no tipo de autoanticorpos detectados, podem ser identificados dois tipos de hepatite autoi-mune: tipo 1 e tipo 2. A HAI-1 é marcada pela presen-ça do fator antinuclear (FAN) e anticorpos antimú-culo liso (AAML), podendo acometer tanto adultos quanto crianças. Já a HAI-2 apresenta positividade para anticorpo antimicrossomal de fígado e rim (anti--LKM1, do inglês anti-liver kidney microsomal type 1). É caracterizada por início mais precoce, curso mais agudo e, por vezes, fulminante.2-5,12

Manifestação clínicas

A HAI acomete ambos os sexos, mas com predo-mínio no sexo feminino, tanto adultos como crian-ças. As manifestações clínicas são variadas, caracte-rizadas pela flutuação da atividade da doença, com períodos de doença subclínica e de agudização.5,11 Alguns pacientes podem manifestar sintomas gerais e inespecíficos como prostração, letargia, anorexia, emagrecimento, mialgia, rash cutâneo, amenorreia e aumento do volume abdominal, com hepatoespleno-megalia.11-13 Porém, é frequente quadro clínico com-patível com hepatite aguda, com febre, icterícia, co-lúria, hipocolia fecal, náuseas e vômitos; em até 50%

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Doenças hepáticas autoimunes em crianças e adolescentes

malmente, em crianças saudáveis, os níveis de au-toanticorpos circulantes são relativamente baixos. Portanto, níveis pequenos como 1/20 para FAN e anti-músculo liso e 1/10 para anti-LKM1 são considerados relevantes.2,12-15 Outros anticorpos, como o anti-LC1 (do inglês, anti-liver cytosol type 1), anticitoplasma de neutrófilos (p-ANCA), antiantígeno hepático solúvel/fígado-pâncreas (anti-SLA/LP) e fator reumatoide po-dem estar presentes e auxiliar o diagnóstico.2,12-14

É importante, ainda, afastar outras doenças hepá-ticas, como as hepatites virais, as infecções por ci-tomegalovírus (CMV) e Epstein-Barr vírus (EBV), de-ficiência de alfa-1-antitripsina e doença de Wilson.14

Diagnóstico histológico

A biópsia hepática deve ser realizada assim que pos-sível, tanto para ajudar na confirmação do diagnóstico quanto para avaliar a extensão da agressão hepática, já que os níveis séricos de ALT/AST e IgG não a refletem com exatidão.2,4,5,13,14 Porém, por vezes, não é imprescin-dível para o diagnóstico em doenças com manifesta-ções clássicas. Em casos em que a biópsia hepática não pode ser feita, prova terapêutica com corticoide pode ser realizada para reforçar ou afastar o diagnóstico.14

Não há achados histológicos patognomônicos, sendo os mais comumente encontrados: hepatite de interface (infiltrado inflamatório em espaços portais, periportais e intralobulares, composto por linfócitos e plasmócitos), necrose em saca-bocados, rosetas de hepatócitos, alargamento dos espaços portais por fi-brose e até desarranjo arquitetural por cirrose.2,4,14

Critérios diagnósticos

Apesar de existirem vários achados capazes de sugerir o diagnóstico de HAI, não há um teste padrão--ouro ou patognomônico.5 Portanto, o diagnóstico baseia-se em achados clínicos, laboratoriais, soroló-gicos e histológicos sugestivos e a exclusão de outras possíveis causas de doenças hepáticas (hepatites vi-rais, deficiência de alfa1-antitripsina, doença de Wil-son, esteatose hepática não alcoólica, hepatite por álcool e drogas).4,5,14,15

Com o objetivo de padronizar o diagnóstico mun-dialmente, foram propostos sistemas de escores, sendo o primeiro criado em 1993 e posteriormente revisado em 1999. Esse escore, apesar de ser muito

sensível e específico, era muito extenso, o que difi-cultava sua aplicabilidade na prática clínica. Assim, em 2008, foi criado o escore simplificado (Tabela 1), que apresenta menor número de itens, mas com boa sensibilidade e especificidade.14,15

Tratamento

O objetivo do tratamento é obter a completa re-missão da doença e evitar a evolução da doença hepática. O pilar principal do tratamento é a terapia imunossupressora, com corticosteroide e azatiopri-na, e pode ser divido em duas fases: indução e ma-nutenção.12-14 Na fase de indução, o objetivo é induzir a remissão da doença e geralmente inicia-se com corticoide (prednisona ou prednisolona) na dose de 30-60 mg/dia (1-2 mg/kg/dia, máximo de 60 mg/dia) associada à azatioprina, na dose de 1-2 mg/kg/dia, máximo de 100 mg/dia4,12-15 A azatioprina leva até três meses para atingir o seu efeito máximo, portanto, o seu papel nessa fase não é auxiliar na indução da re-missão, mas permitir que a dose de corticoide seja reduzida o mais breve possível.2,4 O alvo da indução é normalizar os níveis de AST/ALT, gamaglobulina e IgG.4 Portanto, o paciente deve comparecer em retor-nos mensais ou a cada seis semanas, com exames de rotina (ALT, AST, GGT, FA, RNI, albumina, bilirrubinas e eletroforese de proteínas).14 Em caso de melhora clí-nica e laboratorial, pode-se iniciar redução gradual da prednisona nas próximas consultas, mantendo na

Tabela 1 - Critérios simplificados para o diagnóstico de hepatite autoimune14,15

Variáveis Cutoff Pontos

FAN ou AAML ≥ 1:40 * 1

FAN ou AAML ≥ 1:80 * 2

ou Anti-LKM1 ≥ 1:40 * 2

ou SLA Positivo 2

IgG> LSN

> 1,1 LSN *

1

2

HistologiaCompatível com HAI

Típica de HAI

1

2

Ausência de hepatite viral Sim 2

Diagnóstico definitivo ≥ 7 pontos

Diagnóstico provável = 6 pontos

FAN: fator antinuclear; AAML: anticorpo antimúsculo liso; Anti-LKM1: anticorpo antimicrossomal fígado-rim; SLA: antiantígeno hepático solúvel; IgG: imunoglobulina G; LSN: limite superior da normalidade.*Os valores de referência dos autoanticorpos para crianças são menores que os para os adultos, sendo 1/20 para FAN e antimúsculo liso e 1/10 para anti-LKM1.2,12,13,14,15

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Doenças hepáticas autoimunes em crianças e adolescentes

durante toda a vida, com todos os seus efeitos cola-terais, deve ser considerada, já que a taxa de manu-tenção da remissão em pacientes sem medicação é apenas de 19-40%.5,15 Em 8,5 a 10% dos casos há necessidade de transplante hepático após oito a 14 anos do diagnóstico, inclusive com a possibilidade de reativação da doença após o transplante.12

COLANGITE ESCLEROSANTE PRIMÁRIA (CEP)

A CEP é uma doença hepatobiliar crônica, de causa desconhecida, caracterizada por inflamação e fibrose, persistente e progressiva, de ductos biliares intra e extra-hepáticos, podendo causar obstrução com colestase e cirrose.6,14,16,17 A etiopatologia ainda é desconhecida, mas parece haver envolvimento de fatores genéticos, imunológicos e ambientais.14,16

Essa doença é predominante no sexo masculino (60-70% dos casos), com média de idade de 30 a 40 anos, porém pode acometer pacientes de todas as idades, inclusive crianças.14,16,17 A incidência reporta-da em adultos, na Europa e América do Norte, é de 1 a 1.3/100.000 e a prevalência de 8.5 a 16.3/100.000.3,16-

18 A associação entre CEP e doença inflamatória in-testinal (DII) é relatada em 60 a 80% dos casos, sendo mais frequente a retocolite ulcerativa (RCU).3,6,14,17,18

Em crianças, há uma série de causas de colangite esclerosante secundária que devem ser descartadas antes de firmar o diagnóstico de CEP. Entre elas se destacam: malformação das vias biliares, colangio-patias associadas a imunodeficiências, lesões isquê-micas, colangite piogênica recorrente, histiocitose de células de Langerhans, fibrose cística e outras.3,6,16

Alguns subtipos da doença podem ser identifica-dos. O subtipo clássico envolve a árvore biliar intra e extra-hepática e pode corresponder a até 90% dos casos de CEP. Também há o subtipo de pequenos duc-tos, que é caracterizado por não apresentar alterações nos exames de imagem, apenas na histopatologia, além de ter melhor prognóstico que os demais.16-18

Manifestação clínicas

Na maioria dos quadros, a CEP tem um curso in-sidioso, podendo ser assintomática ou oligossintomá-tica no momento do diagnóstico. Sua suspeita é ge-ralmente levantada devido a alterações em AST, ALT, GGT e FA, principalmente as duas últimas, em exames

menor dose possível.5,12,14 Ajustes nas doses das me-dicações podem ser necessárias, de acordo com a resposta clínica e laboratorial às reduções.14

Depois de atingida a remissão, inicia-se a fase de manutenção, na qual deve ser mantida a imunossu-pressão com a menor dose possível de corticoide, cerca de 5 mg/dia, ou em dias alternados, que permi-ta o controle clínico e laboratorial da doença.5,13

A maioria dos pacientes responde bem ao trata-mento imunossupressor. A resolução histológica é mais demorada, podendo ocorrer em até dois anos da me-lhora clínica e bioquímica. Não há evidência clara na literatura sobre a duração e a época de suspensão do tratamento. Em pacientes que atinjam remissão histoló-gica, sem sinais de atividade inflamatória portal, pode ser tentada a retirada da medicação após pelo menos dois anos de tratamento, porém essa decisão deve ser tomada com muita cautela.4,5,13,14 Taxas de recidivas po-dem chegar a até 80% dos casos após suspensão das medicações.4,5,14 No caso de HAI-tipo 2 não deve ser tentada a retirada do tratamento, devido à alta probabi-lidade de recidiva, sendo aconselhável manter uso de corticoides em baixa dosagem por tempo indefinido.5,13

Outro ponto importante são os efeitos colaterais das medicações utilizadas. Os corticosteroides podem desencadear diabetes mellitus, osteoporose, cataratas e até distúrbios psiquiátricos, sendo importante a re-alização anual de exame oftalmológico, dosagem de glicemia e íons e até avaliação da necessidade de den-sitometria óssea.4 Quanto à azatioprina, pode haver náusea, vômitos, rash, pancreatite, hepatotoxicidade e supressão da medula-óssea.4 Portanto, o uso da aza-tioprina não é aconselhável em pacientes com plaque-topenia (<50.000) e/ou leucopenia (<3.000) e alguns estudos sugerem a dosagem da enzima tiopurina me-tiltransferase (TPMT) antes de iniciar o tratamento.4,5,14

Nos casos de colangite autoimune, isto é, sobrepo-sição de hepatite e colangite, o ácido ursodesoxicóli-co pode ser associado ao tratamento imunossupres-sor, embora ainda faltem mais estudos demonstrando sua eficácia e melhora de prognóstico.

Prognóstico

O prognóstico das crianças com HAI, que respon-dem ao tratamento imunossupressor, geralmente é bom, sendo que o tratamento é efetivo em 85% dos casos e a sobrevida em 10 anos é superior a 90%.4,12 Porém, a necessidade do uso de imunossupressores

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Doenças hepáticas autoimunes em crianças e adolescentes

referência, porém os avanços recentes das técnicas de imagem colocaram a colangiorressonância como principal exame de partida para o diagnóstico dessa doença.6,17,18,20 Essa modalidade é segura, não invasi-va, sem a necessidade de irradiação e tem sensibili-dade e especificidade semelhante à CPRE.6,17,20

A realização de colonoscopia é recomendada, mesmo em pacientes assintomáticos, para o rastreio de DII ou câncer colorretal, em pacientes já diagnos-ticados.15 Devem ser realizados rastreios anuais para colangiocarcinoma com ultrassonografia ou colan-giorressonância, associados à dosagem sérica do marcador tumoral CA-19.9.14

Quando há achados típicos nos exames de ima-gem, não é necessária a realização da biópsia he-pática para confirmar o diagnóstico.14,17,20 Ela se de-monstra útil quando há suspeita de CEP de pequenos ductos ou de colangite autoimune.14,17 Seus achados mais comuns são fibrose periductal com infiltração inflamatória, proliferação ductular, obliteração de ductos e ductopenia, sendo que o achado de “anéis em casca de cebola”, correspondente à fibrose peri-ductal, é raro em crianças.6,17,20

Tratamento

Até o momento, não existe tratamento capaz de modificar a história natural da CEP, com exceção do transplante hepático.6,14,16-18,20 Devido a isso, o trata-mento dessa doença consiste em controlar os sinto-mas e identificar e tratar as possíveis complicações e doenças associadas.17

O prurido pode ser tratado inicialmente com áci-do ursodesoxicólico (UDCA) ou colestiramina. Caso não haja melhora, pode ser acrescentada rifampici-na e, se ainda persistirem os sintomas, naltrexona ou sertralina.14,18 Os pacientes devem ser triados para osteoporose e osteopenia, com reposição de cálcio e vitamina D, quando necessário.17,18 Em casos de co-langites de repetição, devem ser pesquisadas esteno-ses dominantes e outras alterações em vias biliares passíveis de abordagem endoscópica, com dilatação e colocação de stent quando necessário.14,17,18

O UDCA é o fármaco mais estudado e utilizado até o momento na CEP. Tem como possíveis mecanismos de ação o aumento da hidrofilidade e da excreção dos ácidos biliares, além de efeitos imunomoduladores, com redução da produção de citocinas estimuladas por ácidos biliares.14,16 O uso do UDCA foi avaliado em

de rotina ou durante avaliação de hepatomegalia.14,16 Quando sintomática, pode apresentar-se com sinto-mas leves como dor abdominal, fadiga, anorexia, ic-terícia e perda de peso; ou complicações da cirrose e insuficiência hepática.14,16,17 Durante o curso da doen-ça, podem surgir outras complicações como colangi-tes de repetição (secundária à estenoses dominantes), colangiocarcinoma e, mais tardiamente, carcinoma de vesícula biliar e câncer colorretal (secundário à DII associada), que devem ser rastreados.17Essa entidade deve ser suspeitada em todo paciente com quadro de colestase sem causa definida, com hepatomegalia ou hepatoesplenomegalia e enzimas canaliculares alte-radas, especialmente no sexo masculino, ou pacien-tes com DII e bioquímica hepática alterada.3,6,7,14,17

Diagnóstico

A identificação da CEP é em geral realizada no diag-nóstico diferencial de pacientes com alterações clíni-cas e laboratoriais sugestivas de colestase, associado a sinais típicos da doença em vias biliares em exames de imagem (colangiorressonância ou colangiografia endoscópica retrógada), com ou sem achados na his-tologia.6,14 Conforme mencionando anteriormente, de-vem ser afastadas as causas de colangite esclerosante secundária, principalmente em crianças.3,6,16

Devem ser solicitados exames de bioquímica hepática (AST, ALT, GGT, FA), função hepática (albu-mina, coagulograma) e bilirrubinas. Em geral, há pe-quena elevação de enzimas hepáticas (AST e ALT) e, mais marcadamente, de FA e GGT, sendo esta última mais sensível em crianças.14,17,19 Níveis mais altos de AST/ALT, superiores a cinco vezes o valor de referên-cia, devem levantar a suspeita de HAI associada, a chamada colangite autoimune.14 Os níveis de bilirru-binas são tipicamente normais e níveis elevados su-gerem doença avançada ou outras complicações.14,17 Os níveis séricos de albumina podem estar reduzidos e o RNI alargado com a evolução da doença. Pode haver positividade para autoanticorpos, como FAN, anticardiolipina, FR e p-ANCA, sendo este último de-tectável em até 80% dos pacientes.14,17,19

A colangiografia é o principal método diagnósti-co para a identificação da CEP. Os achados típicos são dilatações e estreitamentos multifocais inter-calados da árvore biliar (árvore biliar em conta de rosário).17,20 Por muitos anos a colangiopancreatogra-fia retrógrada endoscópica (CPRE) era o exame de

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doses baixas (10-15 mg/kg/dia), intermediárias (17-23 mg/kg/dia) e altas (25-30 mg/kg/dia) em diversos estudos.14 Foi observado que doses baixas são capa-zes de melhorar os exames de bioquímica hepática, porém sem modificação na mortalidade ou curso da doença; doses intermediárias podem induzir respos-ta bioquímica e histológicas, porém sem impacto na mortalidade ou necessidade de transplante hepático; doses altas foram associadas a aumento da progres-são da doenças e número de eventos adversos, como cirrose, varizes esofágicas, necessidade de transplan-te hepático, colangiocarcinoma e morte.14,16,18

Além das indicações habituais de transplante he-pático (falência hepática progressiva, complicações da hipertensão porta, carcinoma hepatocelular), a CEP possui indicações específicas, como prurido in-tratável e colangite bacteriana de repetição.17,18

PROGNÓSTICO

A CEP é uma doença progressiva sem terapêuti-ca efetiva até o momento, sendo que cerca de 50% dos pacientes necessitarão de transplante hepático no período de 12 anos após o diagnóstico.16,17,19 A re-corrência da doença, após o transplante hepático, é reportada na literatura em 25 a 50% dos casos.16,17,20

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Faculdade de Medicina da UFMGBelo Horzonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Paula Valladares Guerra ResendeE-mail: [email protected]

1 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculdade de Medicina-FM, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 UFMG, FM, Especialização em Gastroenterologia Pediátrica. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 UFMG, Hospital das Clínicas, Setor de Gastroenterologia Pediatrica. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A dieta isenta de glúten tem se tornado muito comum na população geral, sendo que apenas uma minoria tem diagnóstico das doenças relacionadas a essa substân-cia – doença celíaca (DC), alergia ao trigo (AT) e sensibilidade ao glúten não celí-aca (SGNC). Essas entidades são diferentes, mas com sintomatologia muitas vezes semelhante. O diagnóstico é baseado nas manifestações clínicas e exames para DC e AT. O tratamento é a dieta de exclusão do glúten ou trigo (AT), porém com rigor na retirada do glúten e prognóstico diferentes de acordo com a doença específica.

Palavras-chave: Glúten; Hipersensibilidade a Trigo; Doença Celíaca; Dieta Livre de Glúten.

ABSTRACT

Gluten-free diet has become very common. But only a minority of people has been diag-nosed with gluten related disorders as celiac disease (CD), wheat allergy (WA) and non celiac gluten sensitivity (NGCS). These are diferent disease, but they can have similar clinical manifestations. The diagnosis is based on the clinical manifestations and tests for CD and WA. The treatment is the gluten or wheat exclusion diet, but with rigor in the withdrawal of gluten and different prognosis according to the specific disorder.

Key words: Gluten; Wheat Hypersensitivity; Celiac Disease; Diet, Gluten-Free.

INTRODUÇÃO

Recentemente a dieta isenta de glúten tem se tornado muito comum na popula-ção geral. Nos Estados Unidos, cerca de 30% das pessoas têm limitado a ingestão dessa substância, sendo que apenas uma minoria tem diagnóstico das doenças relacionadas ao glúten – doença celíaca (DC), alergia ao trigo (AT) e sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC). Apesar de o aumento recente dessas doenças estar relacionado à ocidentalização da dieta, aumento do diagnóstico e mudanças na produção e preparação do trigo, muitas pessoas têm restringindo sua dieta, sem indicação médica, podendo apresentar comprometimento nutricional.1,2

O glúten é um conjunto de proteínas de reserva usadas por algumas plantas para nutrir suas sementes durante a germinação. É encontrado no endosperma das sementes de cereais como trigo, centeio e cevada. A fração proteica do glúten solú-

Gluten related disorders

Paula Valladares Guerra Resende1, Nathália Luzias de Matos e Silva2, Graziela Cristina Mattos Schettino3, Priscila Menezes Ferri Liu1

Doenças relacionadas ao glúten

DOI: 10.5935/2238-3182.20170030

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Doenças relacionadas ao glúten

citocinas e autoanticorpos, provocando lesões em diversos tecidos.1,4

Alergia ao trigo

A alergia ao trigo é uma reação de hipersensibili-dade à proteína do trigo - reação às gliadinas, parti-cularmente a ω 5-gliadina (principal alérgeno depen-dente do trigo). O mecanismo pode ser IgE mediado ou não IgE mediado ou a combinação de ambos.1,6,7 É uma alergia alimentar em que o indivíduo pode ser sensibilizado pela exposição através da pele ou vias aéreas (asma do padeiro). A maioria das crianças com AT tem outras alergias alimentares. 1,6,7

Segundo as diretrizes de 2010 do Instituto Nacio-nal Americano de Alergia e Doenças Infecciosas, as alergias alimentares, incluindo AT, são aquelas que se apresentam com anafilaxia ou combinação de sintomas clínicos que ocorrem minutos a horas após a ingestão de alimentos, especialmente em crianças pequenas ou se é o segundo episódio depois da in-gestão de alimentos específicos.1,6,7

Geralmente, os pacientes com AT não são alérgi-cos às outras prolaminas presentes em outros grãos, tais como centeio ou cevada, e sua dieta sem trigo é menos restritiva do que a dieta sem glúten para pa-cientes com DC.1,6,7

AT geralmente se desenvolve durante infância precoce e é menos comum em adolescentes e adul-tos. A prevalência em crianças é de cerca de 0,4% com boas taxas de resolução ao longo da vida. Es-tudo realizado nos Estados Unidos estimou as taxas de resolução da AT em: 29% aos quatro anos, 56% aos oito anos e 65% até os 12 anos.1,6,7

Sensibilidade ao glúten não celíaca

A SGNC é uma entidade maldefinida, caracteri-zada pela combinação de sintomas intestinais ou extraintestinais que ocorrem tipicamente após a in-gestão do glúten que desaparecem com a dieta de exclusão, cujo diagnóstico de DC e AT foi excluído.1

A prevalência na população em geral é desco-nhecida, mas tem sido estimada entre 0,5 e 6% em diferentes países. Não existem dados sobre prevalên-cia para a população pediátrica devido à escassez de estudos em crianças. A SGNC é mais comum em meninas, adultos jovens e de meia-idade.6,7

vel em álcool é chamada de prolamina e a insolúvel de glutenina. Ambas são ricas nos aminoácidos glu-tamina e prolina.1,3

O glúten está relacionado à patogênese das três entidades: DC, AT e SGNC. O objetivo deste artigo consiste em oferecer uma visão geral e atualizada das semelhanças e diferenças desses distúrbios re-lacionados ao glúten, especialmente na infância, evitando diagnóstico errados e restrições desneces-sárias à dieta.

CONCEITO

Doença celíaca

A doença celíaca (DC) é sistêmica, imunomedia-da, desencadeada pelo glúten e suas prolaminas, em indivíduos geneticamente predispostos. Caracteriza--se pela combinação variada de manifestações clíni-cas, que regridem com a retirada do glúten da dieta. Sua prevalência é estimada em aproximadamente 1% da população mundial.4,5

A associação genética da DC é bem estabeleci-da. Sua suscetibilidade está ligada à expressão dos haplótipos DQ2 e DQ8 do complexo de histocom-patibilidade principal, presentes na superfície de células apresentadoras de antígenos leucocitários humanos (HLA – Human Leukocyte Antigen). Aproxi-madamente 90 a 95% dos pacientes herdam a codifi-cação de alelos HLA – DQ2, enquanto que a maioria dos demais possui o HLA – DQ8 ou outros marcado-res descritos mais recentemente. Além de parentes de primeiro grau, observa-se prevalência aumentada da DC em portadores de outras doenças autoimunes como o diabetes tipo 1, tireoidite de Hashimoto, he-patite autoimune, além de doenças com alteração cromossômica (síndromes de Down, Williams e Tur-ner) e a deficiência seletiva de IgA.4,5

O glúten ingerido por indivíduos geneticamente predispostos determina uma resposta inflamatória na mucosa do intestino. A transglutaminase tecidu-al, presente nessa mucosa, retira radicais aminas das moléculas de glutamina, presentes no glúten, transformando-os em ácido glutâmico. Este último possui afinidade pelos haplótipos DQ2 e DQ8. A for-mação desse complexo induz a ativação de linfóci-tos T citotóxicos na lâmina própria intestinal, assim como de linfócitos B, que estimulam a produção de

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Doenças relacionadas ao glúten

gico, disfagia, aversões alimentares e eventualmente impactação alimentar.

Outras apresentações clínicas que merecem des-taque são: anafilaxia induzida por exercício, depen-dente do trigo e asma do padeiro. A primeira é uma forma rara de anafilaxia desencadeada quando o consumo de trigo é seguido pela realização de exer-cício físico. Já na asma do padeiro, a sensibilização às proteínas do trigo ocorre por meio da inalação de partículas em trabalhadores expostos a farinhas. As manifestações clínicas são tosse crônica, asma e ri-nite, que melhoram quando a exposição é evitada.1

Sensibilidade ao glúten não celíaca

Na SGNC, as manifestações são variadas, poden-do ser gastrintestinais ou extraintestinais. Podem aco-meter diferentes sistemas e a gravidade é variável.1 Os sintomas geralmente ocorrem após algumas horas ou dias depois da ingestão de glúten, melhorando ou de-saparecendo dentro de horas ou dias após a retirada do glúten, com reincidência após sua reintrodução. Em crianças com SGNC os sintomas mais comuns são os gastrintestinais, como dor abdominal, diarreia crônica e mudança do padrão evacuatório.6,7 Porém, o risco de deficiências nutricionais secundárias à má-absorção é menor. Os sintomas se assemelham à síndrome do intestino irritável.1,6,7

As manifestações clínicas atribuídas ao SGNC têm sido descritas principalmente na população adulta e há poucos dados em Pediatria. Os pais de crianças com sintomas atribuídos ao SGNC por suspeitarem de uma associação entre a ingestão de glúten e início ou piora dos sintomas acabam iniciando a dieta de isenção glúten antes da definição diagnóstica. Essa atitude não deve ser encorajada, pois pode dificultar a correta definição diagnóstica e pode levar a desne-cessária restrição dietética.1

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico correto da entidade relacionada ao glúten é muito importante, pois as doenças têm implicações diferentes a longo prazo. Os pacientes com DC têm alto risco de associação com outras do-enças autoimunes e devem ser monitorados. Além disso, esses pacientes têm risco aumentado de mor-talidade por doenças malignas do trato intestinal e

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Doença celíaca

A DC tem clínica variada que se relaciona à in-tensidade, extensão e localização do processo infla-matório. Outros fatores que influenciam o quadro são a sensibilidade individual, a quantidade de glúten na dieta, a época da sua introdução e o efeito pro-tetor do aleitamento materno. Sua forma clássica é caracterizada por sintomas de má-absorção intesti-nal (diarreia, esteatorreia, inapetência, retardo do crescimento, deficiência de vitaminas, ferro, cálcio e ácido fólico). Os quadros atípicos têm ocorrido mais frequentemente e incluem manifestações extraintes-tinais, como a dermatite herpetiforme, defeitos no esmalte dentário, baixa estatura, atraso puberal, in-fertilidade, anemia por deficiência de ferro refratária ao tratamento, deficiência não explicada de ácido fó-lico e vitamina B12, doenças neurológicas, alterações comportamentais, artrite, osteomalácia, osteopenia, osteoporose e alterações das enzimas hepáticas.1,8,9

Alergia ao trigo

As alergias alimentares podem envolver manifesta-ções gastrintestinais, de pele ou do trato respiratório.1 Na AT, os sintomas desenvolvem-se em minutos a horas após a ingestão do trigo e são típicas de uma alergia IgE mediada, com surgimento de prurido, edema de lábios, nariz, olhos e garganta, erupção cutânea, dermatite atópica, urticária, rinite alérgica, angioedema e sibilân-cia, com risco de morte devido à anafilaxia.6,7

As manifestações gastrintestinais de AT podem ser semelhantes aos da DC e incluem dor e distensão abdominal, diarreia, náusea, vômito e constipação, mas não causam lesões gastrintestinais permanen-tes.6,7 As manifestações extraintestinais incluem fadi-ga, perda de peso, artralgia e cefaleia.

Outra possível manifestação da AT é a esofagite eosinofílica. Nessa condição, várias proteínas ali-mentares, incluindo trigo, servem como o gatilho para uma resposta imune desregulada limitada ao esôfago que causa infiltração da mucosa e camadas mais profundas com alta densidade de eosinófilos. O resultado dessa resposta inflamatória pode levar a edema, espasmo e estenose do esôfago. Clinicamen-te, há sintomas semelhantes ao refluxo gastroesofá-

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Doenças relacionadas ao glúten

necessitam de um controle dietético mais rigoroso. Por outro lado, pacientes com SGNC podem seguir uma dieta menos restrita, já que possuem menos riscos de efeitos adversos a longo prazo.1

Doença celíaca

O diagnóstico da DC é realizado pela suspeita clínica, exames sorológicos e confirmado pela histo-logia da mucosa intestinal. A European Society for Pa-ediatric, Gastroenterology and Nutrition (ESPGHAN) revisou em 2012 os critérios diagnósticos da DC ba-seada nas mudanças dos marcadores sorológicos da DC. Segundo esse protocolo, em criança e ado-lescentes sintomáticos, a sorologia antitransglutami-nase tecidual da classe IgA deverá ser realizada em uso de dieta com glúten. Caso não seja conhecida a deficiência de IgA, a dosagem desta deverá ser fei-ta nesse momento. Se a deficiência for confirmada, pelo menos uma dosagem de anticorpo IgG específi-ca para DC deverá ser realizada. Nos pacientes com idade inferior a dois anos e sintomáticos, a dosagem da antigliadina deaminada deverá ser solicitada caso as outras sorologias sejam negativas. Os pacientes com sorologia positiva deverão ser encaminhados para biópsia intestinal para confirmação diagnóstica. A realização da biópsia também deverá ser conside-rada quando existe evidente suspeita clínica mesmo se a sorologia for negativa. A realização do HLA DQ poderá ser útil nesses casos. A positividade reforça o diagnóstico e o resultado negativo de ambos (DQ2 e DQ8) exclui ou torna o diagnóstico pouco provável.

A biópsia intestinal poderá ser dispensável em casos selecionados de acordo com as novas reco-mendações da ESPGHAN. Se os anticorpos antitrans-glutaminase da classe IgA tiverem títulos muito ele-vados (mais de 10 vezes o limite superior do valor de referência), a biópsia é dispensável.  Nesses casos, é recomendada a realização do HLA para reforçar o diagnóstico sem biópsia, além de ser necessária a positividade do antiendomísio. Já nos pacientes as-sintomáticos, mas com alto risco para DC, tanto a so-rologia como a histologia são preconizadas.4

As biópsias são obtidas por meio de exame en-doscópico. Recomenda-se a retirada de cinco frag-mentos - um do bulbo e pelo menos quatro da segun-da e da terceira porções duodenais, sendo dois de cada área mencionada. Entretanto, em alguns casos a endoscopia pode não chegar à terceira porção

duodenal, sendo necessário obter mais fragmentos da segunda porção. Baseado na presença de uma ou mais lesões elementares, a histopatologia da DC é subdividida em diferentes categorias diagnósticas, de acordo com a classificação de Marsh-Oberhuber, que estadia a doença em quatro tipos: Marsh tipo 0, lesão pré-infiltrativa, histologia intestinal normal; Marsh tipo 1, lesão infiltrativa, arquitetura das vilo-sidades e mucosa normais, aumento dos linfócitos intraepiteliais (>25 linfócitos por 100 enterócitos con-tados); Marsh tipo 2, lesão hiperplásica, semelhante ao Marsh 1, mas com hiperplasia de criptas e redu-ção da relação vilosidade/cripta e Marsh tipo 3, lesão destrutiva, com aumento de linfócitos intraepiteliais, hiperplasia de criptas e atrofia de vilosidades. Esta úl-tima é subdividida em: Marsh tipo 3a, atrofia parcial de vilosidades; Marsh tipo 3b, atrofia subtotal de vilo-sidades e Marsh tipo 3c, atrofia total de vilosidades.10

O guideline da ESPGHAN sugere que, após um re-sultado positivo de antitransglutaminase ou antiglia-dina deaminada, é possível confirmar o diagnóstico de DC se a histologia for consistente (Marsh tipo 2 ou 3). E após um período de tempo de cerca de 12 meses em dieta livre de glúten, deverá ocorrer resolução dos sintomas clínicos e negativação da sorologia. Se a his-tologia for tipo 0 ou 1 de Marsh, deve-se realizar mais exames antes de se estabelecer o diagnóstico.4,10,11

O desencadeamento com glúten não é necessá-rio na maioria dos casos. Mas deve ser realizado em situações selecionadas em que exista dúvida no diag-nóstico inicial. A idade inferior a dois anos não repre-senta obrigatoriedade para o desencadeamento, com exceção do diagnóstico feito sem sorologia alterada nessa faixa etária.4

Alergia ao glúten

A dosagem de IgE específica para trigo e o teste cutâneo (TC) podem ser utilizados para o diagnósti-co da AT. A IgE específica isoladamente não define diagnóstico, devendo haver correspondência clínica.

O teste cutâneo pode ser feito a partir do prick teste ou patch teste. No prick teste, o alérgeno é colo-cado sobre a pele e uma puntura superficial na pele é realizada de modo que a solução penetre na pele. Uma reação de local é observada e avaliada a sensi-bilização. No teste de patch, o alérgeno é aplicado em um poço ou patch, que é mantido em contato com a pele por 72 horas. A variabilidade nos resultados do

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Doenças relacionadas ao glúten

DC e AT. Apesar de haver discreto aumento de an-ticorpos antigliadina e dos haplótipos HLA DQ2 ou DQ8 em pacientes com SGNC, nenhum desses testes pode ser usado para diagnóstico da SGNC.1,6

Baseado em uma conferência realizada em Sa-lerno, na Itália, foi estabelecida a realização de um questionário para auxiliar no diagnóstico da SGNC. O objetivo é avaliar a resposta clínica da dieta isenta de glúten em um paciente que não esteja realizando a restrição ou mediar as consequências da reintrodução do glúten naqueles que estão seguindo a dieta isenta.

De acordo com o consenso, pacientes com dieta habitual devem ser avaliados com base no questio-nário (Tabela 1) que aborda sintomas intestinais e extraintestinais. Após seis semanas do início da dieta isenta de glúten, eles são reavaliados e é esperada melhora dos sintomas. Diminuição de 30% no escore gerado pelo questionário é sugestivo do diagnósti-co.1,12 Para aqueles que já estão em dieta isenta, um desafio placebo-controlado duplo-cego com crosso-ver fornece elevado nível de evidência diagnóstica.

teste ocorre devido à falta de padronização da técni-ca e falta de especificidade do extrato de trigo bruto utilizado como antígeno. Muitas crianças com ecze-ma têm um prick teste positivo e não exibem reação alérgica quando ingerem trigo. Apesar disso, alguns testes podem ser úteis para identificar certas reações alérgicas do tipo tardio (não IgE mediadas) e podem ser úteis na identificação de gatilhos de alimentos em condições como esofagite eosinofílica e dermatite.

O padrão-ouro para o diagnóstico de alergias alimentares é teste de provocação oral duplo-cego placebo-controlado. O simples cego também pode ser diagnóstico se associado com história clínica e testes laboratoriais.1,6,7

Sensibilidade ao glúten não celíaca

Não existem marcadores específicos para SGNC. O diagnóstico é baseado na sintomatologia descrita pelo paciente, tendo sido excluído o diagnóstico de

Tabela 1 - Questionário para diagnóstico da SGNC- Consenso Salerno

Sintomas Basal Semana 1 Semana 2 Semana 3 Semana 4 Semana 5 Semana 6

Dor Abdominal

Azia

Regurgitação ácida

Inchaço

Náusea e vômitos

Borborigmo

Distensão Abdominal

Eructação

Aumento de flatulência

Aumento da passagem de fezes

Diminuição da passagem de fezes

Fezes amolecidas

Fezes duras

Urgência defecatória

Sensação de defecação incompleta

Dermatite

Cefaleia

Brain fog

Fadiga

Adormecimento de membros

Dor articular/ muscular

Lesões orais

Outros – especificar

Adaptado: Catassi C, Elli L, Bonaz B, et al. Diagnosis of non-celiac gluten sensitivity (NCGS): the Salerno experts’ criteria. Nutrients 2015; 7:4966–77.

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Doenças relacionadas ao glúten

para pacientes com DC. O cuidado no preparo da alimentação em casa deverá ser rigoroso, sendo sem-pre feito separado dos demais integrantes da família, tendo atenção especial com os utensílios utilizados.

O paciente e toda a família deverão ser orienta-dos sobre a dieta, leitura de rótulos dos alimentos e alternativas de substituição dos ingredientes das re-ceitas habitualmente usadas no domicílio. Consulta com nutricionista poderá ser necessária. O apoio das associações de pacientes celíacos (Associação dos Celíacos do Brasil – ACELBRA) também deverá ser orientado como forma de aprendizado e apoio.

A deficiência de certos nutrientes deve ser mais uma preocupação no diagnóstico da DC. A má-ab-sorção de ferro, ácido fólico, vitamina B12 e cálcio pode estar presente, já que esses nutrientes são ab-sorvidos na primeira porção do intestino, região fre-quentemente acometida pela doença. Além disso, a análise de cereais usados em alimentos sem glúten sugere que eles podem conter menos ferro, fibra, fo-lato, tiamina, riboflavina e niacina. A monitorização dessas deficiências após o início da dieta isenta de glúten garante completa e eficiente recuperação nu-tricional nesses pacientes. 9 Recomenda-se ainda que todo paciente com DC tenha adequada ingestão de cálcio e vitamina D.9,13

Outro cuidado na avaliação nutricional dos pa-cientes com DC em dieta isenta de glúten é uma tendência no aumento da ingestão de gordura como compensação a restrição das fontes de carboidratos. A proporção na dieta deverá ser de 50-60% de car-boidratos, 30-35% de gorduras e 10-15% de proteínas.9

Os pacientes com diagnóstico de DC devem ser acompanhados periodicamente. O seguimento das manifestações clínicas, do crescimento e desenvol-vimento das crianças e adolescentes é fundamental. A monitorização da adesão à dieta também deverá ser avaliada e incentivada em toda a consulta, pois é essencial para recuperação nutricional e prevenção de complicações.

A realização da sorologia (antitransglutaminase) após seis meses do diagnóstico para verificação do seu declínio, adesão e resposta ao tratamento. A ne-gativação da sorologia deverá ocorrer após 12 meses. Caso não ocorra melhora clínica e/ou declínio da so-rologia, deverá ser avaliada transgressão da dieta, DC refratária e avaliação dos diagnósticos diferenciais da doença. Posteriormente, nos pacientes assinto-máticos, a sorologia deverá ser realizada anualmente além do seguimento clínico.1,8,10

O desafio deve envolver a ingestão de glúten ou pla-cebo durante uma semana, seguido por uma semana de dieta isenta de glúten (washout) e, em seguida, um crossover para um segundo desafio de uma semana. O questionário é usado e variação de 30% no escore também pode sugerir o diagnóstico. Essa redução de 30% ainda necessita de validação científica.1,12

Pacientes que não têm recorrência de sintomas quando desafiados com glúten são improváveis de ter SGNC. Nestes, devem ser consideradas outras causas dos sintomas, tais como a ingestão de fermentable oli-gosaccharides, disaccharides, monosaccharides and polyols (FODMAPS).1,12

TRATAMENTO

O tratamento das doenças relacionadas ao glúten envolve a exclusão dessa proteína da dieta. Porém, existem peculiaridades de acordo com cada entidade.

Doença celíaca

O único tratamento disponível até o momento para DC é a dieta isenta de glúten. Essa exclusão deverá ser permanente e definitiva. Na maioria dos pacientes, a isenção do glúten é suficiente para me-lhora dos sintomas e das deficiências nutricionais e prevenção das complicações da DC. A dieta deverá ser iniciada apenas após a realização da biópsia e de-finição do diagnóstico. 4,9,10

Em crianças pequenas com casos graves, pode-rá ser necessária inicialmente uma dieta sem glúten e sem lactose devido a uma intolerância temporária desse carboidrato até o restabelecimento da mucosa intestinal. Mas, nas crianças maiores e naquelas sem muitos sintomas, a lactose não precisa ser suspensa.

A retirada do glúten da dieta implica a proibição de alimentos que contenham trigo, centeio e cevada em sua composição. A exclusão da aveia é contro-versa. Existe o risco de contaminação da mesma por outros grãos que contenham glúten e também alguns autores relatam risco, embora raro, de indução de atrofia e dermatite.

Para a substituição do glúten, costuma-se usar produtos à base de arroz, milho, batata, amêndoas, soja, chia, grão de bico, quinoa e mandioca. A com-posição dos alimentos deve ser sempre conhecida. A Tabela 2 mostra alimentos permitidos e proibidos

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Doenças relacionadas ao glúten

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Alergia ao trigo

Na AT, a exclusão apenas do trigo é necessária tornando a dieta menos restritiva. Diferentemen-te da DC, essa restrição pode não ser definitiva, já que o desenvolvimento de tolerância pode ocorrer. Em crianças com sintomas apenas gastrintestinais é descrita indução de tolerância em até 75% dos casos na adolescência. A tolerância ao trigo é bem superior à alergia a amendoim e nozes.1

Sensibilidade ao glúten não celíaca

O tratamento da SGNC é a dieta de isenção do glú-ten. Porém, ainda não é bem definida a rigidez dessa restrição alimentar. Também não é claro qual o tem-po em que a dieta precisa ser implementada e como monitorar a resposta ao tratamento. A experiência clínica sugere que os pacientes com SGNC variam en-tre aqueles que precisam aderir a uma dieta rigorosa aos que podem tolerar a contaminação cruzada sem consequências clínicas.

Ainda há dúvidas se SGNC é uma condição per-manente (como DC) ou temporária (como AT). Além disso, não há evidências de que a exclusão de cen-teio ou cevada é necessária na SGNC.

Tabela 2 - Lista dos alimentos permitidos e proibidos na DC

Alimentos Permitidos Alimentos Proibidos

BebidasSuco de frutas e vegetais naturais, chá, café não misturados à cevada com selo ABIC e refrigerantes. Vinhos, champanhe, aguardente e saquê.

Cerveja, uísque, vodca, gim. Ovomaltine, bebidas e preparações contendo malte.Café misturado com cevada.Bebidas com composição desconhecida.

Carnes, peixes e ovos Todos in natura Preparações à milanesa, hambúrguer, salsicha, patês, embutidos e enlatados. Verificar composição.

Gorduras, óleos e azeites Manteiga, margarina, banha de porco, gordura vegetal hidrogenada, óleos vegetais, azeite. Verificar composição.

Legumes, hortaliças e frutas Todos

Leites e derivados

Leites integrais, desnatados e semidesnatados. Leite condensado, creme de leite. Queijos frescos (minas, ricota e parmesão).Iogurte e requeijão: verificar embalagem

Leites achocolatados que contenham malte ou extrato de malte, queijos fundidos ou preparados com cereais proibidos.Verificar composição de queijos, iogurte e requeijão.

CondimentosSal, pimenta, salsinha, ervas, temperos caseiros, maionese caseira, vinagre fermentado de vinho tinto e arroz, glutamato monossódico

Mostarda, catchup, maionese e temperos industrializados podem conter glúten. Verificar composição.

Cereais, grãos, tubérculos e farinhas

Arroz, batata, milho e mandioca, feijão, ervilha, lentilha, amendoim, grão de bico e soja (extrato proteico de soja, extrato hidrossolúvel de soja).Farinha de arroz, creme de arroz. Fécula de batata.Fubá, amido de milho, canjica e pipoca. Tapioca, polvilho, farinha de mandioca.Macarrão de arroz, milho e mandioca.

Trigo, centeio, cevada, malte e aveia. Todos os produtos feitos com esses cereais (pães, biscoitos, massas e outros). Extrato proteico vegetal e proteína vegetal hidrolisada.Sempre conferir as embalagens

Fonte: www.acelbra.org.br

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Doenças relacionadas ao glúten

12. Catassi C, Elli L, Bonaz B, Bouma G, Carroccio A, Castillejo G, et

al. Diagnosis of non-celiac gluten sensitivity (NCGS): the Salerno

experts’ criteria. Nutrients 2015;7:4966- 77.

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10. Liu SM, Resende PVG, Bahia M, Penna FJ, Ferreira AR, Liu PMF, et

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Faculdade de Medicina do UNI-BHBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Gabriela Araujo Costa E-mail: [email protected]

1 Centro Universitário de Belo Horizonte – UNI-BH, Faculdade de Medicina, Núcleo de Pediatria; Prefeitura de Belo Horizonte, Gerência de Epidemiologia do Distrito Sanitário Oeste. Belo Horizonte, MG – Brasil. 2 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculda-de de Medicina, Departamento de Pediatria; Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – FHEMIG, Hospital Infantil João Paulo II. Belo Horiozonte, MG – Brasil.3 UFMG, Hospital das Clinicas, Residência em Infectologia Pediátrica. Belo Horiozonte, MG – Brasil.

RESUMO

A febre amarela (FA) é uma doença febril aguda, não contagiosa, causada por arbovírus transmitido pela picada de mosquitos. A transmissão pode ocorrer em dois ciclos: silves-tre e urbano. No silvestre, os macacos são os principais hospedeiros e amplificadores dos vírus e os vetores são mosquitos de hábitos estritamente silvestres; o homem participa como um hospedeiro acidental ao adentrar em matas sem imunização e proteção devi-das. No ciclo urbano, o homem é o único hospedeiro com importância epidemiológica e a transmissão ocorre a partir de Aedes aegypti infectados. O período de incubação varia entre três e seis dias, podendo se estender até 15 dias. A doença tem apresentação bifási-ca (período de infecção e de intoxicação): cerca de 90% dos pacientes evoluem para cura após o período de infecção, enquanto 10% apresentarão, após o período de remissão, a forma grave, conhecida como período de intoxicação, na qual ocorrem complicações que podem levar a óbito. O tratamento é suportivo, em ambiente hospitalar. Em Minas Gerais, em 2017, já foram notificados mais de mil casos suspeitos, além de 120 óbitos associados à doença. Na faixa etária pediátrica, crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos foram os mais acometidos. Todo caso suspeito de FA é de notificação compulsória imediata. O atual esquema vacinal é composto de dose única aos nove meses de idade. Pacientes que receberam uma dose comprovada ao longo da vida são considerados imunes e não necessitam de reforço. Em situações especiais, é necessário ajustar o calen-dário vacinal ao momento epidemiológico. A ocorrência da epidemia de febre amarela em MG sinaliza a necessidade de melhorar a vigilância da doença, mantendo atitude de alerta quanto a pacientes com quadro clínico sugestivo, promovendo educação continua-da e intensificando a vacinação nas populações suscetíveis nas áreas de risco.

Palavras-chave: Febre Amarela; Febre Amarela/epidemiologia; Vacinação.

ABSTRACT

Yellow Fever (YF) is an acute, non-contagious febrile illness caused by arbovirus transmitted by mosquito bites. Transmission can occur in two cycles: sylvatic and urban. In the sylvatic cicle, monkeys are the main hosts and amplifiers of viruses, and vectors are mosquitoes with strictly sylvatic habits; man participates as an accidental host on entering forests without proper immunization and protection. In the urban cycle, man is the only host with epidemiological importance and transmission occurs through infected Aedes aegypti. The incubation period varies between three to six days, and may extend up to 15 days. The disease has a biphasic presentation (period of infection and intoxi-cation). About 90% of patients evolve for cure after the infection period, while 10% will present, after the remission period, the severe form known as the intoxication period, in which complications occur that can lead to death. Treatment is supportive in hospital environment. In Minas Gerais, in 2017, more than one thousand suspected cases were reported and more than a hundred deaths were associated with the disease. In the pe-diatric age group, children and adolescents between 10 and 19 years old were the most

Yellow fever in Minas Gerais (BR) 2017

Gabriela Araujo Costa1, Aline Almeida Bentes2, Daniela Caldas Teixeira3

Febre amarela em Minas Gerais (BR) 2017

DOI: 10.5935/2238-3182.20170031

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Febre amarela em Minas Gerais (BR) 2017

EPIDEMIOLOGIA

O período de incubação varia entre três e seis dias, podendo se estender até 15 dias. A viremia humana dura no máximo sete dias, habitualmente entre 48 horas antes do início da doença e cinco dias de sintomas, período no qual o homem pode infectar mosquitos transmisso-res. Os mosquitos contaminados passam a transmitir a doença cerca de nove a 12 dias após sua contaminação e durante toda sua vida (em média, 30 dias).1,2

Em Minas Gerais, o último caso humano autócto-ne de FA silvestre havia ocorrido em 2009, no municí-pio de Ubá. No entanto, até a semana epidemiológica 10/2017, foram notificados mais de mil casos suspeitos, sendo 310 confirmados em 49 municípios, além de 120 óbitos associados à doença. Na faixa etária pediátrica, crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos foram os mais acometidos (4,8% dos casos confirmados).2,3

QUADRO CLÍNICO

O quadro típico tem evolução bifásica (período de infecção e de intoxicação); inicia-se com febre alta, ca-lafrios, cefaleia intensa, mialgias, prostração, náuseas e vômitos (período de infecção), durando cerca de três dias, seguido de remissão da febre e melhora dos sinto-mas, com duração máxima de dois dias. Cerca de 90% dos casos evoluem para cura, enquanto 10% apresenta-rão, após o período de remissão, a forma grave (perío-do de intoxicação), caracterizada por retorno da febre, insuficiência hepática e renal e resposta inflamatória exacerbada ocasionando choque e disfunção de múlti-plos órgãos. É uma doença dinâmica com possibilida-de de piora importante em período de horas ou dias, o que justifica a vigilância contínua do paciente.1,2,4

affected. All suspected cases of YF are of immediate compulsory notification. The present vaccination sched-ule consists of a single dose at nine months of age. People who have received one dose of the vaccine over a lifetime are considered immune and do not require additional doses. In special situations, it is necessary to adjust the vaccination schedule to the epidemiological moment. The occurrence of the yellow fever epidemic in MG indicates the need to improve surveillance of the disease, keeping an alert attitude towards patients with a suggestive clinical condition, promoting continuous education and intensifying vaccination in susceptible populations in risk areas.

Key words: Yellow Fever; Yellow Fever/epidemiology; Vaccination.

INTRODUÇÃO

A febre amarela (FA) é uma doença febril aguda, não contagiosa, causada por um arbovírus transmitido pela picada de mosquitos. Sua letalidade pode variar de 5% em formas oligossintomáticas a 50% em casos graves.1

A transmissão do vírus pode ocorrer em dois ciclos: silvestre e urbano. No silvestre, os macacos são os prin-cipais hospedeiros e amplificadores dos vírus, porém não são transmissores da doença. Os vetores são mos-quitos de hábitos estritamente silvestres (Haemagoggus e Sabethes); o homem participa como um hospedeiro acidental ao adentrar em matas sem imunização e pro-teção devidas. No ciclo urbano, o homem é o único hospedeiro com importância epidemiológica e a trans-missão ocorre a partir de Aedes aegypti infectados.1,2

O objetivo deste artigo é alertar os profissionais de saúde que lidam com crianças para as informa-ções-chave sobre diagnóstico e conduta nos casos suspeitos de febre amarela, no contexto da epidemia em vigência em Minas Gerais, além de fornecer orien-tações concisas sobre a vacinação no atual estado epidemiológico da doença no estado.

METODOLOGIA

Revisão das principais atualizações nas reco-mendações nacionais sobre manejo da febre amare-la, publicadas entre os anos de 2016 e 2017, a partir da consulta a publicações oficiais do Ministério da Saúde e das Sociedades Brasileiras de Infectologia e Pediatria. Considerando o atual cenário epidemio-lógico da doença no estado de Minas Gerais, foram consultadas notas técnicas regionais, publicadas no presente ano.

Tabela 1 - Classificação Clínica da FA

Forma clínica Características

LeveFebre, cefaleia e mialgia, de início súbito, com duração de até sete dias, acompanhadas ou não de um ou mais dos seguintes sinais e

sintomas: lombalgia, mal-estar, calafrios, náuseas, tonteiras.

Moderada

Manifestações clínicas da forma leve associadas a icterícia e elevação de aminotransferases, colúria, congestão

conjuntival e facial, podendo apresentar hemorragia leve (gengivorragias e epistaxe).

Grave

Além da sintomatologia das formas anteriores em mais intensidade, manifesta-se com dor abdominal, comprometimento

hemodinâmico, alteração do nível de consciência, disfunção hepática, hemorragia sistêmica, insuficiência renal aguda, na

maioria das vezes evoluindo para o coma seguido de óbito.

Fonte: Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG), 2017.2

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Febre amarela em Minas Gerais (BR) 2017

PREVENÇÃO

Medidas de proteção pessoal devem adotadas quando existe possibilidade de exposição ao vetor, tais como utilização de roupas que promovam co-bertura adequada de membros e pescoço, além de calçados fechados, preferencialmente acompanhado por meias. Para maiores de dois anos de idade, o uso de repelentes à base de DEET (Autan®, Off Kids® e Super Repelex Kids®) e icaridina (Exposis Infantil®) é eficaz e deve ser considerado. Em crianças com ida-de entre seis meses e dois anos de idade, o IR3535 (loção antimosquito Jhonson’s & Johnson’s®) pode ser utilizado. A reaplicação do repelente deve ser rea-lizada de duas em duas horas.6

VACINAÇÃO

Até março de 2017 o esquema vacinal de rotina para febre amarela era composto por uma dose aos nove meses e um reforço aos quatro anos de idade, sendo considerados imunes pacientes que já haviam recebido duas doses da vacina ao longo da vida. Em abril deste ano, o Ministério da Saúde, em conso-nância com a orientação da Organização Mundial de Saúde, recomenda a dose única de vacina contra febre amarela.7,8 A dose de reforço não é mais reco-mendada, pois 99% das pessoas que recebem uma dose adquiriram imunidade protetora em torno de 30 dias após a vacinação. Dessa forma, a vacinação de rotina contra a doença, recomendada pelo Pro-grama Nacional de Imunização, passa a ser dose úni-ca aos nove meses de idade.7

Deve ser considerado como caso suspeito todo paciente, independentemente do estado vacinal, com febre de início súbito, com duração de até sete dias, acompanhada de dois ou mais dos seguintes sintomas: cefaleia, dor abdominal, mialgia, lombal-gia, mal-estar, calafrios, náuseas, tonteiras, icterícia e/ou manifestações hemorrágicas, sendo residente ou procedente nos últimos 15 dias de região com ca-sos confirmados da doença, mortes de macacos ou isolamento do vírus amarílico em vetores. A retirada do critério de vacinação da definição de caso suspei-to deve-se ao fato de alguns indivíduos terem apre-sentado quadro clínico compatível com febre amare-la apesar do relato ou comprovação de vacinação.1,2

Todo caso suspeito de FA é de notificação com-pulsória, devendo ser informado às autoridades sani-tárias locais, em até 24 horas, pelo profissional que prestou primeiro atendimento.5

A lista dos municípios de Minas Gerais que repre-sentam áreas de risco encontra-se disponível no site www.saude.mg.gov.br/febreamarela.

DIAGNÓSTICO

A sorologia pelo método de Mac Elisa pesquisa os anticorpos contra FA e deve ser solicitada a partir do sexto dia de doença. Já o isolamento viral detecta o vírus e deve ser solicitado entre o primeiro e quinto dias de sintomas.1,2,4

TRATAMENTO

Não existe tratamento específico para doença. Dessa forma, o tratamento suportivo visa atenuar sintomas. Todo paciente da faixa etária pediátrica que preenche a definição de caso suspeito deve ser hospitalizado e receber cuidadosa assistência, per-manecendo em repouso, com reposição de líquidos e realização periódica de exames laboratoriais, con-forme gravidade do quadro. Sinais vitais, estado de hidratação e sangramentos devem ser continuamen-te monitorados. Nas formas graves, o paciente deve ser atendido em unidade de terapia intensiva, com vista a reduzir as complicações e o risco de óbito. A alta hospitalar deve ocorrer após sete dias do início do quadro, se o paciente apresenta melhora clínica e laboratorial e está há mais de 72h sem febre.1,2,4

Tabela 2 - Recomendações da vacina contra FA para crianças, em Minas Gerais, 2017

Idade Conduta

Crianças entre seis e oito meses

Não administrar vacina. Para as crianças que receberam uma dose

entre seis e oito meses, deve-se administrar a dose de rotina aos

nove meses

Crianças de qualquer idade, que receberam uma dose de vacina comprovada em caderneta de vacinação

Considerar imunizadas

Crianças acima de nove meses, que nunca foram vacinadas ou sem comprovante de vacinação

Administrar dose única da vacina

Fonte: adaptado de SMSA – BH, 2017.9

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Febre amarela em Minas Gerais (BR) 2017

A vacinação é contraindicada para crianças menores de seis meses, mães que amamentam es-sas crianças e pacientes com histórico de reação anafilática a componentes da vacina ou à dose anterior, doença do timo e imunossupressão gra-ve. Lactantes que estejam amamentando crianças menores de seis meses de idade e forem vacinadas inadvertidamente devem suspender a amamenta-ção por 10 dias.2,4

A epidemia de febre amarela em MG sinaliza a necessidade de melhorar a vigilância da doença, mantendo atitude de alerta diante de pacientes com quadro clínico sugestivo, promovendo educação continuada e intensificando a vacinação nas popu-lações suscetíveis nas áreas de risco. Aos profissio-nais de saúde que lidam com crianças, é impres-cindível a ação preventiva contínua, especialmente direcionada para a conferência e atualização da si-tuação vacinal nas consultas de puericultura e para a disseminação da informação correta para os pais e responsáveis.

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Faculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Lais Meirelles Nicolielo Vieira E-mail: [email protected]

1 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Objetivo: rever a literatura científica que aborda a gravidade de asma e seus fatores asso-ciados, tendo como referência o International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Material e métodos: revisão de literatura em bases eletrônicas com dados do Pubmed, Cochrane, Medline e EMBASE nos últimos cinco anos utilizando as palavras asma, gravidade, adolescentes. Resultados: vários fatores como obesidade, poluição, questões psicológicas, atopias têm aumentado ao longo dos anos e vêm sendo associa-dos à modificação na prevalência da gravidade dessa doença, com variação em diversas regiões. Além disso, sexo, conhecimento sobre a doença e acesso aos medicamentos tam-bém interferem na gravidade. Com a criação e a implementação do estudo ISAAC, houve obtenção de dados de forma qualificada e padronizada, permitindo comparação e análise em diversos centros do mundo para melhor entendimento dessa doença e avanços em sua abordagem. Conclusão: por se tratar de doença heterogênea, tais fatores ainda perma-necem controversos e cada vez mais estudados. O ISAAC foi de suma importância para o surgimento de novas pesquisas e conhecimentos sobre a doença nessa faixa etária.

Palavras-chave: Asma; Adolescente; Índice de Gravidade de Doença.

ABSTRACT

Objective: Review the literature analyzing the scientific studies that contemplate the severity of asthma and their associated factors, based on the International Study of Asthma and Aller-gies in Childhood (ISAAC). Materials and methods: literature review on electronic data-bases with Pubmed, Cochrane, Medline and EMBASE in the last five years using the words asthma, severity adolescents. Results: Several factors such as obesity, pollution, psychologi-cal issues, atopy have increased over the years and have been associated with a modifica-tion in the prevalence of severity of this disease with variation in several regions. In addition, gender, knowledge about disease and access to medications also interfere with severity. ISAAC have allowed data acquisition in a qualified and standardized way, allowing com-parison and analysis in several centers around the world for a better understanding of this disease and advances in its approach. Conclusion: Because it is a heterogeneous disease, these factors still remain controversial and increasingly studied. ISAAC was very important for the emergence of new research and knowledge about the disease in this age group.

Key words: Asthma; Adolescent; Severity of Illness Index.

INTRODUÇÃO

Asma é a doença crônica mais frequente na infância e considerada um problema de saúde pública.1 Anualmente ocorrem cerca de 350.000 internações por asma no

Asthma severity in adolescents: literature review

Lais Meirelles Nicoliello Vieira1, Cristina Gonçalves Alvim1, Laura Maria de Lima Belizário Facury Lasmar1, Cassio da Cunha Ibiapina1, Claudia Ribeiro de Andrade1

Gravidade da asma em adolescentes: revisão da literatura

DOI: 10.5935/2238-3182.20170032

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Gravidade da asma em adolescentes: revisão da literatura

do pela chieira”, “palavras entrecortadas” e “número de crises nos últimos 12 meses”.

Na primeira fase do estudo no Brasil, verificou-se prevalência de sintomas variando entre 18,4 e 27%, o que foi muito semelhante à fase III, que evidenciou valo-res entre 18,9 e 24,6%. Em relação à gravidade, na fase I o percentual de adolescentes que apresentaram chiado tão forte a ponto de impedir a fala permaneceu entre 2,7 e 5,7%, e na terceira fase a variação foi de 3,1 a 5,9%.3

A Tabela 1 apresenta alguns desses dados da América Latina e da cidade de Belo Horizonte-MG, referentes ao ISAAC fase III.

Dados brasileiros foram analisados nove anos após a realização da III fase do estudo. Apurou-se queda da prevalência de asma ativa de 18,5 para 17,5%, porém houve incremento na frequência de asma grave (4,5 para 4,7%).4 Percebe-se que a asma apresenta altos índices de prevalência e sintomas de gravidade entre os adolescentes, motivando o surgimento de estudos analisando possíveis fatores associados a tal situação.

Tabagismo e poluentes atmosféricos

Em estudo conduzido na capital da Macedônia, foi utilizada a fase III do ISAAC para análise de tal im-pacto em adolescentes. Detectou-se que mãe tabagis-ta aumenta o sintoma de tosse nos pacientes asmáti-cos, o que reflete um fator de gravidade.5 Em relação à conscientização desses pacientes na relação asma e tabagismo, nota-se uma discrepância. Na Virgínia, foram avaliados 1.796 adolescentes entre 14 e 18 anos de idade e constatou-se que 19% desses adolescentes fumavam e que 16% apresentavam asma, sendo que pacientes asmáticos haviam sido previamente ques-tionados sobre o tabagismo e orientados sobre o seu risco uma vez e meia mais do que os não asmáticos.6

Outro fator questionável seria a poluição. Em es-tudo conduzido em Guadalupe, nas Antilhas France-sas, com adolescentes utilizando-se o ISAAC fase II,

Brasil, constituindo-se na terceira causa de hospitali-zação entre crianças e adultos jovens.2

A asma grave representa 5% desses pacientes, porém acarreta custos elevados em seu tratamento: riscos de exacerbação e com sintomas de gravidade, internação prolongada e em centros de tratamento intensivo (CTI) e grande volume de medicamentos. Tal fato reflete condições individuais, como absente-ísmo escolar, implicando prejuízo de aprendizagem e dificuldades em relações sociais, bem como em saúde pública, com gastos elevados em medicações para tratamento das exacerbações e internação.1

O objetivo desta revisão foi analisar a gravidade da asma em adolescentes e seus possíveis fatores re-lacionados, além de correlacionar tais achados com a evolução temporal.

MATERIAL E MÉTODOS

Revisão de artigos científicos sobre gravidade da asma em adolescentes indexados nas bases de dados Publicações Médicas (PUBMED), Cochrane, Medical Literature Analysis and Retrieval System On--line (MEDLINE) e Elsevier Base de Dados (EMBASE) nos últimos cinco anos. Foram utilizadas as seguintes palavras-chave: asthma, severity, adolescent e suas correspondentes em português.

International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC)

Com o objetivo de avaliar a prevalência e gravida-de de sintomas de asma, rinite e eczema atópico de forma padronizada, de custos acessíveis e de fácil apli-cabilidade, permitindo sua comparação em diferentes lugares do mundo, foi criado o International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC), que consis-tiu na aplicação de questionários validados internacio-nalmente em crianças entre seis e sete anos de idade e adolescentes entre 13 e 14 anos. Foram realizadas três fases desse estudo, com variações importantes entre os países e níveis elevados da prevalência de asma.3

Para análise da questão prevalência, eram obser-vados aqueles que respondiam de forma afirmativa à pergunta “chieira nos últimos 12 meses”. Aqueles que respondiam positivamente preenchiam mais três perguntas que avaliavam gravidade: “sono perturba-

Tabela 1 - Dados da América Latina e Belo Horizonte – fase III ISAAC

N América Latina(n total: 165.900) N Belo Horizonte

(n total: 2.642)

Sintomas de asma 26.350 31,7% 502 19,7%

Rinoconjuntivite 28.736 34,5% 476 18,3%

Eczema 13.693 16,4% 143 5,4%

Fonte: Solé et al. (2015)6.

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Gravidade da asma em adolescentes: revisão da literatura

ao índice de gordura, principalmente sintomas como tosse e aperto no peito.13

Como se observa, parece haver relação entre o aumento da obesidade ao longo dos anos e prevalên-cia e sintomas de gravidade da asma, evidenciando a relação entre essas duas doenças.

Fatores emocionais

A adolescência representa o período de transição entre a infância e a idade adulta, fase de intensa mu-dança física e comportamental, caracterizada princi-palmente pela labilidade emocional. Diante de todas essas mudanças, foram realizados vários trabalhos acerca desse assunto. Em estudo conduzido em Sal-vador- BA para avaliar a relação de efeitos psicológi-cos com sintomas de asma verificou-se que aqueles adolescentes que não exteriorizavam seus problemas apresentavam menos chance de remissão dos sinto-mas de asma e chance aumentada de apresentar sin-tomas de gravidade da doença.14

A qualidade de vida de 146 adolescentes com asma de Belo Horizonte foi avaliada pelo questioná-rio Paediatric Asthma Quality of Life Questionnaire (PAQLQ) e problemas emocionais e comportamen-tais pelo Strengths and Difficulties Questionnaire em análise de regressão multivariada. Os resultados mostraram que aqueles que não manifestavam si-nais de gravidade e problemas emocionais obtinham maior pontuação e, consequentemente, melhor qua-lidade de vida.15

Sono

A relação entre asma e sono também vem sendo amplamente estudada. A partir da aplicação do ques-tionário ISAAC e de mais dois questionários sobre o sono (Children s Report of Sleep Patterns e Insomnia Severity Index), verificou-se que adolescentes com sintomas de gravidade da asma apresentavam sono noturno irregular, sonolência diurna e inadequada rotina de sono.16 Outro estudo dessa relação foi com base na análise de dados do protocolo National He-alth and Nutrition Examination Survey (NHANES) re-alizado em 2007 em Nova York, nos Estados Unidos. Nesse trabalho, notou-se que aqueles com sinais de gravidade da doença tinham distúrbios respiratórios noturnos mais intensos.17

inferiu-se que a exposição ao ozônio, mesmo que em baixas concentrações, poderia afetar agudamente a função pulmonar desses adolescentes asmáticos, acarretando maior número de exacerbações e con-sultas em pronto-atendimento.7

Com o intuito de avaliar essas duas questões extre-mamente polêmicas – tabagismo e poluição, estuda-ram-se 48.088 adolescentes na Índia durante dois anos. O risco de asma aumentou de acordo com o aumento à exposição de poluentes do tráfego de veículos e com a exposição ao tabagismo, principalmente materno.8

Condições ambientais

No Brasil, em estudo realizado em Petrolina, Pernambuco-PE, foram aplicados cerca de 1.500 questionários do ISAAC em adolescentes nessa re-gião semiárida do país. Diante do clima seco local, embora tivessem sidos obtidos baixos índices de pre-valência em comparação a outras regiões nacionais, tais adolescentes apresentaram acentuados sintomas de gravidade da doença, refletindo, inclusive, em sua qualidade de vida e absenteísmo escolar.9

Obesidade

Outro fator de grande impacto nos dias atuais e bastante investigado é a obesidade, a qual implica vá-rios mecanismos que afetam as vias aéreas. O índice de massa corporal (IMC) e a circunferência abdomi-nal de adolescentes foram comparados com a asma e seus sintomas de gravidade. Constataram-se taxas mais altas de prevalência de asma, índices elevados de IMC e gordura abdominal no sexo feminino. Além disso, o risco de apresentar asma com sintomas de gravidade era três vezes maior naqueles classificados como obesos graves de acordo com o IMC.10

Em extensa revisão, os autores concluíram que há associação entre obesidade e liberação de marcado-res inflamatórios, sendo uma das possíveis causas de associação dessa condição à asma.11 Em outro estu-do realizado na Polônia, obteve-se correlação entre sintomas de gravidade da asma e depósito de gordura no quadril de adolescentes, principalmente em meni-nas.12 Analisando adolescentes dinamarqueses com diagnóstico de asma após aplicação de questionário e sua relação com IMC, notou-se que sintomas de gra-vidade da doença eram diretamente proporcionais

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Gravidade da asma em adolescentes: revisão da literatura

Atopia e o papel da rinite

Sabe-se que a asma tem grande relação com doen-ças atópicas, principalmente rinite e eczema. Analisando 31 estudos que correlacionavam essas três doenças, os autores concluíram que a prevalência de asma e rinite encontra-se muito próxima, em torno de 12%. Além disso, pacientes que portavam asma ou rinite tinham chance aumentada de terem as três condições associadas (asma, rinite e eczema).18 Em estudo conduzido em Salvador com 1.176 adolescentes a partir do protocolo ISAAC fase III, a prevalência geral de asma foi 7,6%, porém esse valor aumenta para 15,2% naqueles com diagnóstico de rinite.19

Cerca de 80% dos pacientes asmáticos manifes-tam sintomas de rinite associados, muitas vezes não diagnosticados. Tal doença tem sido cada vez mais associada ao desenvolvimento de asma e sintomas de gravidade, uma vez que pacientes asmáticos com rinite apresentam maior número de consultas em pronto-atendimento e hospitalizações.20

O não controle da doença e suas comorbidades ge-ram gastos excessivos. Em estudo conduzido na França encontrou-se que em 2013 os custos com rinite em pa-cientes não asmáticos variaram entre 111 e 188 euros. Já para os pacientes com rinite e asma tal custo elevou-se para valores entre 266 e 375 euros, sendo que o trata-mento com fármacos representou 42-55% desse valor.21

Sexo

Outra questão bastante observada e discutida é a va-riação da gravidade da doença e de seus sintomas entre o sexo feminino e masculino. Tem sido apurado que a asma é mais prevalente em meninos, porém isso se inverte na adolescência, em que a prevalência e sintomas de gravi-dade são maiores em meninas, provavelmente devido às mudanças hormonais mais significativas nesse grupo.22

Com base no The Pediatric Health Information System (PHIS) foram examinados os fatores associados a maior período de internação de 25.900 pacientes com asma in-ternados em 2011 em 42 centros nos Estados Unidos. Ob-servou-se que pacientes adolescentes do sexo feminino apresentavam internação por período mais prolongado.23

Acesso aos medicamentos

Uma das causas do não controle da asma é a falta de acesso ao diagnóstico e ao seu tratamento. A investiga-

ção do impacto da implementação do “Programa de Con-trole da Asma” (ProAR) em pacientes com asma grave em Salvador apurou significativa redução (74%) do número de atendimentos de urgência e internação devido à asma na cidade após implementação do programa.24

Um dos programas pioneiros de asma no Brasil é o “Criança que Chia”, implementado em Belo Horizonte a partir do ano de 1995. Autores analisaram retrospectiva-mente os prontuários de 608 pacientes do programa e a frequência de hospitalizações e consultas em serviços de urgência antes e após a implementação do progra-ma. No período que o antecede ocorreram 895 hospita-lizações e 5.375 atendimentos em serviços de urgência, enquanto esses valores após o programa corresponde-ram a 180 hospitalizações e 713 atendimentos em urgên-cia, evidenciando o efeito significativo de sua criação.25

Com a criação e implementação desses progra-mas, além da melhora do controle da doença e qua-lidade de vida dos pacientes, há também importante redução de custos. A evolução dos custos com pa-cientes asmáticos durante 26 anos (1987-2013), antes e após a implementação do programa The Finnish National Asthma Program, revelou que os custos to-tais com esses pacientes reduziram-se 14% e os cus-tos anuais por paciente diminuíram 72%.26

CONCLUSÃO

A asma é doença multifatorial e sua gravidade está associada a inúmeros fatores. Várias mudanças compor-tamentais, dietéticas e culturais foram associadas a tal doença. Nota-se que fatores como obesidade, poluição, questões psicológicas e atopias estão sendo estudados com o objetivo de analisar relação entre elas e a hetero-geneidade da asma. Com a criação e a implementação do estudo ISAAC obtiveram-se dados de forma qualifica-da e padronizada, permitindo comparação e análise em diversos centros do mundo para melhor entendimento dessa doença e avanços em sua abordagem.

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Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 3): S68-S7268

ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – FHEMIG

Hospital Infantil João Paulo IIBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Barbara Araujo Marques

E-mail: [email protected]

1 Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais – FHEMIG, Hospital Infantil João Paulo II. Belo Horizonte,

MG – Brasil; Fundação Fiat Saúde e Bem Estar. Betim, MG – Brasil.

2 UNI-BH, Faculdade de Medicina, Núcleo de Pediatria; Prefeitura de Belo Horizonte, Secretária Municipal de

Saúde, Gerência de Epidemiologia do Distrito Sanitário Oeste. Belo Horizonte, MG – Brasil.

3 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Facul-dade de Medicina, Departamento de Pediatria; FHEMIG,

Hospital Infantil João Paulo II. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Em dezembro de 2016, um surto de mialgia aguda foi notificado no estado da Bahia, após identificação de nove pacientes de apenas três diferentes famílias, com dores musculares intensas e rabdomiólise. O intervalo para o surgimento de sintomas entre os familiares acometidos foi curto, o que sugeria uma fonte de infecção comum, de etio-logia provavelmente viral, ou uma exposição simultânea a uma toxina. Os diagnósticos iniciais considerados foram miosites virais causadas pelo enterovírus Coxsackie B (do-ença de Bornholm) e pelo Parechovirus, além da intoxicação após ingestão de peixe, ou síndrome de Haff, este o diagnóstico final mais provável. O tratamento é suportivo, com hidratação vigorosa e analgesia. Foram notificados 64 casos suspeitos na Bahia e três no Ceará, até 24 de janeiro de 2017. Pacientes provenientes desses estados nos últi-mos sete dias, com dores musculares intensas de início súbito, urina escura, elevação da creatinofosfoquinase (CPK) e aspartato aminotransferase (AST) devem ser notifica-dos à vigilância epidemiológica como casos suspeitos de mialgia aguda epidêmica.

Palavras-chave: Mialgia; Pleurodinia Epidêmica; Rabdomiólise.

ABSTRACT

In December 2016, an outbreak of acute myalgia has been notified in the Brazilian state of Bahia, after the identification of nine patients from only three different families with severe muscle pains and rhabdomyolysis. The interval for the appearance of symptoms among the affected relatives was short, which suggested a common source of infection, probably of viral etiology, or a simultaneous exposure to a toxin. The initial diagnoses considered were viral miosites and epidemic miosites caused by Coxsackie B (Bornholm disease) and Parechovirus, in addition to intoxication after fish intake, or Haff’s syn-drome, the most likely final diagnosis. Supportive care is indicated, with vigorous hydra-tion and analgesia. Sixty four suspected cases have been reported in Bahia and three in Ceará until January 24, 2017. In case of patients coming from these Brazilian states in the last seven days, with suspicion of acute myalgia - sudden onset of intense muscular pain – associated to dark urine, elevated creatine kinase and aspartate aminotransferase – notification of epidemic myalgia should be made for the epidemiological surveillance.

Key words: Myalgia; Pleurodynia, Epidemic; Rhabdomyolysis.

INTRODUÇÃO

No dia 14 de dezembro de 2016, um hospital em Salvador notificou à vigilância epidemiológica do município a ocorrência de um surto de mialgia, no qual nove pacientes de apenas três diferentes famílias apresentaram subitamente fortes do-

Acute epidemic myalgia

Bárbara Araújo Marques1, Gabriela Araujo Costa2, Aline Almeida Bentes3

Mialgia aguda epidêmica

DOI: 10.5935/2238-3182.20170033

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Mialgia aguda epidêmica

de inclusão a mialgia aguda epidêmica como tema principal. Frente à descrição do surto da doença ocorrido no Nordeste brasileiro, foram consultadas notas técnicas regionais, publicadas entre o início do surto, em dezembro de 2016, e o mês de abril de 2017.

DOENÇA DE HAFF

A doença de Haff é caracterizada por mialgia intensa de início abrupto (menos de 24 horas após a ingestão de peixe) associada a níveis elevados da enzima creatinofosfoquinase (CPK). Pode haver mioglobinúria e evolução para insuficiência renal aguda.8 Existem casos registrados em vários lugares do mundo de pacientes com sintomas semelhantes àqueles notificados na Bahia e no Ceará, provocados pela ingestão de peixe.9-12 Dos 52 pacientes da Bahia, 44 (84,6%) afirmaram terem comido peixe, das espé-cies olho de boi (Seriola dumerili) e badejo (Myctero-perca spp);7 15 pacientes tiveram amostras de fezes, urina e sangue analisadas. Entre eles, 14 informaram ter consumido peixe – a maioria olho de boi (Seriola spp) e badejo (Mycteroperca spp).13 A 15a pessoa rela-tou o consumo de comida baiana. Nas amostras, no entanto, não foi possível determinar a substância que causou a intoxicação. Uma amostra de um peixe que foi ingerido por uma paciente foi encaminhado pelo Ministério da Saúde para um laboratório dos Estados Unidos, mas ainda não há resultado divulgado.13

Em 2008, um surto de doença de Haff ligado ao consumo do peixe pacu-manteiga atingiu 27 pessoas no Amazonas.14 Desde 1924, quando a doença foi descrita pela primeira vez, houve surtos registrados na Suécia, estados da antiga União Soviética, Esta-dos Unidos e China.8 No Brasil, em outubro de 2008, foi relatado um surto de 27 casos de doença de Haff associada ao consumo de Mylossoma duriventre (pa-cu-manteiga), Colossoma macropomum (tambaqui) e Piaractus brachypomus (pirapitinga), peixes do norte da região amazônica.13 Vale ressaltar que nos surtos prévios os peixes consumidos eram de água doce, ao contrário dos casos mais recentes na Bahia, em que os peixes eram de água salgada.

Em casos anteriores, considera-se que uma toxi-na presente no peixe tenha causado a doença, mas a maioria das investigações não conseguiu identificar o agente da intoxicação. Devido à ausência de febre e pelo rápido início dos sintomas após ingestão de peixe cozido, acredita-se que as manifestações clí-

res em região cervical e trapézio seguidas por dores musculares intensas nos membros superiores, dorso e membros inferiores.1 Todos apresentaram rabdo-miólise, caracterizada por elevações significativas das enzimas musculares e mioglobinúria. Quatro pa-cientes exibiram discreto exantema.2 Um caso evo-luiu com insuficiência renal aguda, resolvida após hidratação.2 O surto espalhou-se rapidamente e até o dia 24 de janeiro de 2017 foram notificados 64 casos suspeitos.3 Destes, 60 só em Salvador. Os municípios de Vera Cruz, Dias D’Avila, Camaçari e Alcobaça re-gistraram um caso cada.3

Também foram registrados três casos no Ceará.4 Houve dois óbitos relatados, um paciente de Salvador e um de Vera Cruz.5,6 O intervalo para o surgimento da mialgia entre os familiares acometidos foi curto, o que sugeria uma fonte de infecção comum, de etio-logia provavelmente viral, ou uma exposição simul-tânea a uma toxina.1,2 As duas hipóteses foram inves-tigadas, mas a intoxicação após ingestão de peixe, ou síndrome de Haff, é a causa final mais provável do surto. Pesquisadores da Universidade Federal da Bahia chegaram a essa conclusão por exclusão dos demais diagnósticos, pois o resultado das amostras de fezes, urina e sangue de 15 pacientes não apre-sentaram vírus ou bactérias após análise em laboratório.7

Acordo de cooperação internacional entre a Secre-taria da Saúde do Estado da Bahia (SESAB), o Minis-tério da Saúde e o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control - CDC) foi firmado para intensificar as investigações dos casos.3

O objetivo deste artigo é alertar profissionais de saúde que lidam com crianças e adolescentes para a possibilidade de considerar a mialgia aguda epidêmi-ca como diagnóstico diferencial nos casos de pacien-tes com mialgia intensa, sem causa aparente, com re-lato de deslocamento para a área de ocorrência do surto e consumo recente de peixe e crustáceos.1

METODOLOGIA

Revisão de literatura utilizando as palavras-chave “pleurodynia, epidemic” na base de dados do PubMed e “mialgia”, “mialgia aguda epidêmica” e “rabdomió-lise”, nas bases de dados do SciELO e LILACS, para seleção de artigos publicados nos últimos 10 anos. A busca foi feita no período de janeiro a abril de 2017. A seleção das publicações baseou-se na leitura sistemá-tica de títulos e resumos e utilizou-se como critério

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Mialgia aguda epidêmica

Esse quadro clínico já foi associado aos seguintes vírus: influenza A e B, incluindo o H1N1, Coxsackie, Epstein-Barr, herpes simplex, parainfluenza, adeno-vírus, echovirus, citomegalovírus, sarampo, varicela--zoster, vírus da imunodeficiência humana e dengue.17 O diagnóstico de miosite viral aguda como causa de rabdomiólise é inicialmente clínico.17 As alterações laboratoriais que podem acompanhar a miosite viral são elevação de CPK e transaminases, além de graus variáveis de disfunção renal.16,17

A biópsia muscular pode ser inteiramente normal ou demonstrar graus variados de necrose. Uma vez que não existem achados diagnósticos específicos, a bióp-sia muscular raramente é realizada nesses casos, exce-to para excluir outras causas de rabdomiólise, como miopatia metabólica hereditária ou polimiosite.17

Doença de Bornholm

Infecção viral rara causada por enterovírus, prin-cipalmente Coxsackie B. A transmissão é feita por via fecal-oral e, menos comumente, por gotículas respi-ratórias. Acomete especialmente a musculatura inter-costal e, por esse motivo, também é conhecida como pleurodinia epidêmica.18

O principal sintoma é a dor torácica anterior in-termitente (em crianças, mais comumente dor abdo-minal), com duração de 15-30 minutos agravada por inspiração profunda, tosse ou movimentação brus-ca.19 A dor é comumente unilateral, acompanhada de hiperestesia e edema locais. Alterações laboratoriais como elevação da CPK e leucopenia podem ser ob-servadas. O quadro é precedido, em um a dois dias, por febre, dor de garganta, cefaleia e mialgia, de iní-cio súbito.18,19 Os sintomas normalmente cedem em dois a quatro dias, mas podem recidivar e persistir ou retornar durante várias semanas. A doença afeta principalmente crianças e adultos jovens e ocorre em epidemias, mais frequentes durante o verão e outono. O tratamento é sintomático.18,19

Parechovirus

Parechovirus (HPeV) é um RNA vírus da família Picornaviridae.20 Quando ocorre um surto por HPeV em uma comunidade, a infecção rapidamente se espalha por todos os membros da família devido à transmissão oral-fecal e por gotículas respiratórias.

nicas sejam causadas por uma toxina ou por subs-tâncias que podem ser ingeridas por peixes e crustá-ceos, como arsênio, mercúrio ou organofosforados.8

A substância não tem sabor ou odor específico e pro-vavelmente é termoestável, pois não é destruída pelo processo de cocção.8

O diagnóstico baseia-se em quadro clínico, histó-ria epidemiológica (ingestão de peixe ou crustáceos nas 24 horas precedentes ao evento) e níveis eleva-dos de marcadores de necrose muscular, particu-larmente mioglobina e CPK.9,10 Convém enfatizar a importância da notificação dos casos e da obtenção de amostras do alimento ingerido para identificação da toxina. O diagnóstico diferencial deve incluir ou-tras síndromes tóxicas nas quais ocorra rabdomiólise (por exemplo, envenenamento por arsênico, mercú-rio ou organofosforados).8,9

A doença de Haff deve ser considerada causa da rabdomiólise em todo paciente com alterações nos valores laboratoriais de marcadores de necrose mus-cular e histórico de ingestão de peixe ou crustáceo nas 24 horas antes do início dos sintomas.

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Miosite viral

O espectro clínico das síndromes musculares associadas a infecções virais varia de mialgias be-nignas a rabdomiólise com insuficiência renal por mioglobinúria.

Mialgias leves a moderadas ocorrem frequen-temente durante a fase prodrômica de qualquer in-fecção viral aguda; a musculatura do trapézio e ex-tremidades proximais são comumente envolvidas.15 Moderada fraqueza muscular pode ocorrer com ou sem anormalidades laboratoriais sugestivas de infla-mação muscular ou necrose.16 Já a miosite viral com rabdomiólise é um quadro mais intenso e persistente, decorrente de invasão direta do tecido muscular pelo agente viral, da liberação de citocinas miotóxicas e de processos imunológicos induzidos pela infecção, que podem resultar em danos musculares.15,16

O curso da miosite viral aguda complicada por rabdomiólise é altamente variável; podem ocorrer insuficiência renal, distúrbios hidroeletrolíticos, arrit-mias cardíacas, insuficiência respiratória secundária à necrose muscular, infecção e embolia pulmonar.17

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Mialgia aguda epidêmica

A mialgia ou miosite epidêmica associada ao HPeV é caracterizada por uma doença aguda febril com mialgia e fraqueza muscular envolvendo principal-mente os músculos proximais das pernas e braços.20 Surtos recentes de mialgia associados ao Parechovi-rus foram descritos no Japão em 2008, 2011 e 2014. Entretanto, nesses relatos não há descrição de mio-globinúria associada à miosite.20

TRATAMENTO

A mialgia aguda epidêmica não possui tratamen-to específico. Na ocorrência de casos suspeitos, re-comenda-se dosagem de CPK e transaminases para observação da elevação dos níveis enzimáticos, que refletem o comprometimento muscular. O volu-me de diurese e o surgimento de colúria devem ser monitorados como sinal de alerta para o desenvol-vimento de rabdomiólise. A função renal deve ser monitorada e o paciente deve receber hidratação venosa com salina hipertônica para manter a diu-rese entre 1 e 3 mL/kg/h, além de não ser indicado o uso de anti-inflamatórios e ácido acetilsalicílico (AAS). Distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos devem ser corrigidos.

NOTIFICAÇÃO

Para fins de vigilância epidemiológica, deve-se suspeitar e notificar imediatamente como caso sus-peito de mialgia epidêmica todo indivíduo que apre-sente fortes dores em região cervical e do trapézio, de início súbito, seguido de dores musculares intensas nos braços e/ou dorso e/ou coxas e/ou panturrilhas, sem causa aparente. Informações sobre deslocamen-to para a área de ocorrência do surto, sintomas em contactantes, infecção viral prévia e consumo recen-te de peixe e crustáceos são de especial relevância para a investigação.1,2

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Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 3): S73-S76 73

ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Faculdade de Medicina da UFMGBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Cássio da Cunha IbiapinaE-mail: [email protected]

1 Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Associação Brasileira de Neurologia e Psiquiatria Infantil – ABENEPI. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

Bullying, palavra intraduzível para o português, trazida, portanto, do inglês para desig-nar uma série de injúrias físicas ou morais intencionais e repetidas, realizadas até então entre os muros das escolas, tendo como atores a vítima, o agressor e o espectador, causando dor e sofrimento em uma relação desigual de poder. O presente trabalho tem por objetivo rever as principais publicações sobre o tema cyberbullying em pesquisa bibliográfica realizada na base de dados Medline, de 1996 a 2017, e no LILACS, em português, espanhol e inglês, utilizando os termos bullying, cyberbullying, crianças, adolescentes e escola. Verifica-se que 40% dos estudantes estão envolvidos em atos de bullying. Encontrou-se ainda que 80% dos estudantes desaprovam a prática, mas não sabem o que fazer a respeito. Concluiu-se que quase metade das vítimas é silenciosa.

Palavras-chave: Comportamento; Bullying; Cyberbullying.

ABSTRACT

Bullying, English word that has no translation to Portuguese, is the intentional and repetitive use of physical and/or moral abuse to dominate others. It used to be more often found within schools. This type of abuse includes, but is not limited to, the victim, the abuser (or bully), and the bystander, thus causing great pain and suffering for those involved in a relationship with the perception of an imbalance of power. The objective of thecurrent paper is to revisit the most important publications on ‘Bullying’ and ‘Cyberbul-lying’, using as bibliography research done in the Medline database, from 1996 to 2017, and in LILACS, in Portuguese, Spanish and English, using the key words ‘bullying’, ‘cyber-bullying’, ‘children’, ‘adolescents’, and ‘school’. It was discovered that 80% of students disapprove of the practice, but have no idea how to deal with it. In conclusion, findings show that almost 50% of the victims do not talk about what happened to them.

Keywords: Behavior; Bullying; Cyberbullying.

INTRODUÇÃO

O mundo contemporâneo assistiu extasiado à chegada da internet. A vida digital se impôs no nosso cotidiano e, como era de se esperar, no de nossas crianças e adoles-centes. Trazemos nos bolsos as redes sociais, grupos e câmeras. Estamos conectados 24 horas por dia, adictos das infinitas possibilidades que essa mídia nos proporciona. Ressignificamos nossas relações, redimensionamos nosso tempo e nosso espaço. A sociedade está irremediavelmente imersa nessa tecnologia, para o bem e para o mal.1

O cyberbullying, versão eletrônica do bullying, surge do encontro entre a tecnolo-gia digital e o já crescente número de casos de bullying, contendo todas as intenções

Why we need to talk about bullying and cyberbullying

Mysia Ferreira1, Valéria Loureiro Rocha2, Cássio da Cunha Ibiapina3

Por que precisamos falar sobre bullying e cyberbullying

DOI: 10.5935/2238-3182.20170034

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Rev Med Minas Gerais 2017; 27 (Supl 3): S73-S7674

Por que precisamos falar sobre bullying e cyberbullying

O silêncio da vítima se repete no cyberbullying, agora associado ao anonimato do agressor, o que lhe confere ousadia e coragem. As ofensas se multipli-cam e se expandem por meio de grupos e redes so-ciais. Imagens publicadas podem também devastar a intimidade da vítima.

DESAFIOS DA ABORDAGEM

É um fenômeno sistêmico envolvendo o indiví-duo, escola, família e a sociedade como um todo. É mandatória uma contextualização caso a caso, não existindo um manual a ser seguido.

Um pequeno trecho do estudo de Freud: “A psi-cologia das massas e análise do eu-atualíssimo” tam-bém dentro desse tema:5

Na vida psíquica do indivíduo, o outro entra em consideração de maneira bem regular, como modelo, objeto, ajudante e adversário e, por isso, desde o princípio, a psicologia individual também é ao mesmo tempo a psicologia social nesse senti-do ampliado (porém inteiramente legítimo).

PERFIL A SER OBSERVADO

Tenta-se definir o perfil dos envolvidos, trabalho árduo e sujeito a falhas, uma vez que a infância e a adolescência trazem consigo características próprias e também por serem etapas de constantes mudanças físicas e psíquicas.

A vítima costuma fugir dos padrões habituais e impostos pelo grupo; tímida, pouco sociável, com de-sempenho escolar acima ou abaixo da média e boa disciplina. Não corresponde também, muitas vezes, às imposições do grupo, sejam elas estéticas, sociais, religiosas, sexuais e raciais. Tem geralmente pouca capacidade de enfrentamento e baixa autoestima.

Por outro lado, o agressor geralmente é popular, insa-tisfeito com a escola, aluno medíocre e desafiador, busca com a prática do bullying dominar os colegas e incremen-tar seu “poder” perante o grupo – almeja o lugar de líder.

As agressões físicas, apelidos ofensivos, imposi-ção de tarefas servis e danificação dos objetos alheios são exemplos de bullying direto, desde que ocorram sistematicamente. Por outro lado, a forma indireta se caracteriza por intrigas, fofocas, boatos cruéis e ativi-dades de difamação, exposição de vídeos e imagens, de forma insistente e repetida.6

do bullying direto, com o agravante de se encontrar o agressor escondido atrás de uma tela e munido de um teclado. O campo de batalha migra das escolas para grupos e redes sociais. Munido de imagens, pa-lavras ofensivas e intimidadoras, o agressor atormen-ta a vítima, que não tem trégua. O sinal que anuncia o fim da aula não coincide com o final da injúria.1

O bullying existe desde que o mundo é mundo, não tem fronteiras sociais, culturais ou geográficas. O que chama a atenção é o crescente número de casos, com repercussões cada vez mais sérias.

São os nativos digitais, familiarizados desde cedo com todas as tecnologias, que inauguram o cyber-bullying, este sim uma nova prática que cresce com a mesma velocidade com que cresce a mídia digital.

Salienta-se que a prática de bullying não deve ser considerada uma característica normal do adolescen-te, e sim um indicador de risco para comportamentos violentos, que podem se estender à vida adulta. As víti-mas de bulliyng podem apresentar mau rendimento e fobia escolar, alterações do sono, vômitos, cefaleia, do-res abdominais, irritabilidade, isolamento social, etc.1

É importante ter clareza e excluir dessa denomina-ção conflitos habituais entre os pares; brigas, implicân-cias e provocações eventuais, que devem ser tolerados. Permitir que alunos resolvam entre si tais conflitos é fun-damental na construção das habilidades sociais e afeti-vas. Não cabe também aqui incluir agressões físicas gra-ves e homicídios, que serão tratados fora do ambiente da escola, devido à sua magnitude e implicações.2

Estudos conduzidos por Kowalsky et al. verificaram que vários alunos vítimas de bullying direto acabavam sendo também vítimas de cyberbullying. Existe, portan-to, um percentual de vítimas de bullying eletrônico que relata nunca ter sido molestado na escola. Concluiu-se, assim, que a mídia digital aumentou o número de víti-mas de bullying.3

ASSOCIAÇÃO DO BULLYING COM CYBERBULLYING

Cross et al., em estudo conduzido com 1.504 adoles-centes de 16 escolas australianas, investigaram como o cyberbullying interage com o bullying tradicional. Apura-ram que adolescentes que sofreram dificuldades emocio-nais e sociais eram mais suscetíveis a serem vítimas das duas formas de bullying e que essas “polivítimas” apre-sentavam mais prejuízos emocionais e na vida escolar.4

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Por que precisamos falar sobre bullying e cyberbullying

Um ponto relevante seria debater com as escolas as questões referentes a limites e regras, evitando-se, assim, posturas antagônicas que podem confundir crianças/ adolescentes.

PAPEL DO PEDIATRA

É pouco provável que o pediatra/hebiatra seja procurado por seus pacientes para abordar assuntos referentes a bullying, no entanto ele poderá identifi-car pacientes de risco, orientar famílias e rastrear al-terações de comportamento.9

OS ESPECTADORES

Estudo conduzido por Wood et al. entrevistou estu-dantes do sudoeste dos Estados Unidos, a fim de anali-sar a interferência do comportamento dos espectado-res na frequência e nas consequências dos incidentes de bullying.10 As pesquisas a respeito destacaram o efeito positivo do apoio social; melhora do bem-estar físico e psíquico das vítimas. Houve redução dos casos de depressão e melhora da qualidade de vida.10

Os resultados deste estudo confirmam que o in-divíduo, diante de uma plateia omissa ou incitadora, pode redobrar sua “coragem” e encontrar combustí-vel para perpetuar suas práticas violentas.

CONTROVÉRSIAS

As escolas têm o direito de censurar ou punir as agressões praticadas fora da instituição?

As medidas punitivas são efetivas no controle do bullying ou seriam apenas paliativos que reforçam ainda mais as hostilidades?

REFLEXÕES

Surgem nesse cenário reflexões absolutamente ne-cessárias:

■ não estarão as crianças replicando violências, preconceitos e desigualdades que as rodeiam?

■ a sociedade não teria aqui fracassado, incapaz de promover uma infância segura e saudável? Obser-va-se o crescimento de outros tipos de violência contra a criança.

É importante salientar que os pares são, na maio-ria das vezes, do mesmo sexo. Os meninos parecem preferir a forma direta e as meninas a indireta.

Estudo conduzido por Crayg et al. pesquisou 202.000 adolescentes (11,13 e 15 anos) em 40 países, comparando as taxas de atos de bullying entre meninos e meninas, relacionando-as também à idade. Os resul-tados, ainda que sujeitos a interpretações equivocadas, devido à subjetividade inerente ao tema, revelaram per-centuais interessantes: 26% dos adolescentes relataram já terem se envolvido em atos de bullying (10,7% como agressores, 12,6% como vítimas e 3,6% ora como agres-sores e ora como vítimas). As taxas variaram entre os países e se mostraram menores nos países onde exis-tem medidas institucionais de combate ao bullying.7

PAPEL DA ESCOLA

O mais desconcertante no bullying é o fato de se-rem os envolvidos crianças/ adolescentes, sendo que ambos necessitam de ajuda qualificada e imediata. Assim, quando o bullying é denunciado, a escola é convidada a moderar o conflito entre os envolvidos.

O grande papel da escola seria, entretanto, preve-nir os casos de bullying e seus agravos. Manter vigi-lância constante, implantar a psicoeducação, apoiar os envolvidos e suas famílias são medidas que pare-cem ter impacto.8

Os pais da vítima querem providências, os pais do agressor “não querem acreditar”. Os caminhos para reso-lução dos conflitos são tortuosos, as estratégias utilizadas no mundo dos adultos repetem-se aqui: punições, alija-mento, discussões acaloradas e até caminhos judiciais.

Os termos vítima e agressor aparentemente ade-quados acirram a discórdia e polarizam de forma quase incontornável os pares.

Talvez o grande desafio das escolas seja manter alunos motivados e professores valorizados.

PAPEL DOS PAIS

Os pais exercem evidentemente papel crucial nes-se quadro, impossível não comprometê-los na preven-ção e moderação dos conflitos. É fundamental manter um canal de comunicação aberto com os filhos sobre convivência, respeito e violência, questionar seus pró-prios posicionamentos e preconceitos em relação às diversas vertentes sexuais, religiosas e sociais.

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Por que precisamos falar sobre bullying e cyberbullying

■ a escola não teria se transformado em mais um produto a ser comercializado, perdendo seu pa-pel de educadora?

■ os pais não estariam “cegos” diante de seus filhos entregues a jogos, computadores e demasiados cursos extracurriculares?

■ o crescente desinteresse dos alunos em relação à escola não teria como um dos sintomas a intole-rância em relação aos colegas?

ESTRATÉGIAS

O tema ganhou as mídias e até o interesse público com a criação da Lei 13.185/15, que obriga escolas e clubes a adotarem medidas de prevenção e controle no combate ao bullying.11-15

Nessa linha de pensamento, ações como cartilhas, fóruns e palestras tentam um caminho para controle do bullying.

Programas institucionais acreditam serem capa-zes de promover a cidadania, o respeito e a empatia entre os pares. Além disso, pais, professores e fami-liares seriam orientados a identificar precocemente vítimas e agressores.

A justiça restaurativa, ainda incipiente como fer-ramenta para solução de conflitos, parece colher fru-tos em alguns estados onde foi implantada,11 sendo assim definida por Brancher:

Justiça restaurativa é um processo através do qual todas as partes envolvidas em um ato que causou ofensa reúnem-se para decidir coleti-vamente como lidar com as circunstâncias decor-rentes desse ato e suas implicações para o futuro.

Parece que o sucesso da medida restaurativa resi-de na escuta equânime das partes, preenchendo uma lacuna existente numa sociedade em que crianças e adolescentes nem sempre têm suas vozes ouvidas e seus direitos garantidos.

CONCLUSÕES

É importante mediar os conflitos entre crianças e adolescentes e trazer para os adultos a responsabilida-de desse cenário de violência. É impossível dissociar esse fenômeno do contexto social em que vivemos.12-15

Quando professores e pais se alienam de suas au-toridades, ficam as crianças à mercê de seus desejos tirânicos de prazer, traduzidos aqui pelo sofrimento e invalidação do “outro”.

Vamos renomear nossos filhos; nem agressor nem vítima.

Precisamos falar sobre bullying – precisamos falar sobre nós.

REFERÊNCIAS

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Universidade Federal de Minas Gerais – UFMGBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:Sarah de Lima e Silva E-mail: [email protected]

1 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Hospital das Clínicas – HC. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A realização de intervenções diagnósticas e terapêuticas dolorosas ou desagradáveis tem mais chance de sucesso e é mais segura quando a dor e a ansiedade são controladas efetivamente. Este artigo tem como objetivo elaborar recomendações sobre sedação para procedimentos em crianças e adolescentes, por não anestesiologistas, a partir da melhor evidência disponível. Foi realizada busca na literatura, que incluiu os principais sumários e diretrizes sobre o tema, e o sistema GRADE foi utilizado para hierarquizar o conjunto de evidências que sustenta cada recomendação. A sedação para procedimentos consiste em cinco etapas: preparo, monitorização, intervenções não farmacológicas, intervenções farmacológicas e alta. O preparo envolve avaliação clínica, preparo da equipe e do ma-terial. A monitorização do paciente deve ser rigorosa, de acordo com o nível de sedação. A capnografia não reduziu a taxa de eventos adversos significativos, sendo recomenda-da sua utilização quando disponível, porem não obrigatória. Entre as intervenções não farmacológicas existe evidência de moderada qualidade para sustentar o uso de técnicas de distração e hipnose. As evidências são insuficientes para recomendar o uso de um me-dicamento em detrimento a outro, sendo que a escolha deve ser realizada de acordo com o tipo de procedimento, estado clínico basal/comorbidade de cada paciente e prevendo eventos adversos associados a cada medicamento. Para garantir a liberação segura, o pa-ciente deve preencher critérios específicos, retornando à sua condição funcional inicial.

Palavras-chave: Sedação Consciente; Sedação Profunda; Criança; Adolescente.

ABSTRACT

Early postoperative negative behavior (e-PONB) is a behavioral and/or cognition change that includes emergence delirium, emergence agitation and postoperative pain. The incidence may be up to 80%, depending on how the diagnosis was made. The diagnosis is clinical and based on scales. There are several scales for diagnosis of emergence delirium and agitation. The only validated is the PAED (Pediatric Anesthesia Emergence Delirium). This scale evaluates 5 points, such as: degree of contact with the caregiver’s eyes, aware-ness of the environment, if the child’s actions are intentional, degree of consolation and agitation of the child. Risk factores include: pre-school age, anesthesia for ear, nose and throat surgery, anesthesia with sevoflurane or desflurane. Prevention mesures are very well indicated in this complication and can be made with midazolam (0.1 mg/kg) i.v. at the end of surgery; propofol (1-3 mg/kg) i.v. at the end of surgery; clonidine v.o. (4 mcg/kg) as preanesthetic medication; dexmedetomidine EV (0.2-1 mcg/kg) as preanesthetic medica-tion or in the perioperative period; fentanyl (1-2.5 mcg/kg) in the perioperative period. Total intravenous anesthesia is also a preventive mesure for emergence delirium and agitation. Because it is a self-limited complication, the treatment is only indicated for a very agitated child with a risk of self-injuries and loss of vascular lines, drains or dressings. Treatment

Procedural sedation in children and adolescents: recommendations based on grade system

Sarah de Lima e Silva1, Alexandre Rodrigues Ferreira2, Adrianne Mary Leão Sette e Oliveira1, Flávia Cordeiro Valerio1, Livia Uliana Jacome1, Brenda Corrêa de Godoi1, Jader Pinto Santos1, Flávio dos Santos Campos1

Sedação para procedimentos em crianças e adolescentes: uma proposta a partir do sistema grade

DOI: 10.5935/2238-3182.20170035

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Sedação para procedimentos em crianças e adolescentes: uma proposta a partir do sistema grade

clínica, prosseguiu-se com a pesquisa, buscando si-nopses, sínteses e, por último, estudos primários, que foram utilizados apenas quando as outras fontes an-teriores não foram suficientes para decidir. O sistema GRADE (Tabela 1) foi utilizado para hierarquizar o conjunto de evidências que sustenta cada recomenda-ção, graduando a qualidade dessas evidências (con-fiança nos efeitos) e a força dessas recomendações.

Diretrizes metodológicas: Sistema GRADE – Ma-nual de graduação da qualidade da evidência e força de recomendação para tomada de decisão em saúde / Ministério da Saúde, 2014.

Nas intervenções para as quais estudos não são factíveis ou necessários para embasá-las, por razões éticas ou porque alternativa é impensável, há consenso entre os estudiosos do tema. Assim, as recomendações relacionadas foram denominadas boa prática (BP).

DEFINIÇÕES

Sedação é o estado de depressão do nível de consciência induzida por medicamentos, em diferen-tes níveis de intensidade (Tabela 2). De acordo com as doses administradas e resposta individual do pacien-te, o resultado pode variar desde a leve tranquilidade, com consciência preservada, até a inconsciência.1,4

Sedação para procedimentos consiste em uma técnica de administração de sedativos ou agentes dissociativos associados ou não a analgésicos para induzir um estado que permita ao paciente tolerar procedimentos desagradáveis, enquanto preserva sua função cardiorrespiratória.2,3

includes midazolam, propofol, fentanyl or dexmedetomi-dine at the same doses.

Key words: Emergency Delirium; Anesthesia; Child; Preanesthetic Medication; Postoperative Period.

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, tem aumentado o número de crianças submetidas a procedimentos diagnósticos e terapêuticos fora do bloco cirúrgico. Nesse contexto, o alívio adequado da dor e da ansiedade deve ser uma prioridade no planejamento desses procedimentos.1

A realização de intervenções diagnósticas e tera-pêuticas dolorosas ou desagradáveis tem mais chan-ce de sucesso e é mais segura quando a dor e a ansie-dade são controladas efetivamente. A experiência da dor e a tensão a ela associadas levam a danos físicos e emocionais, que podem atrasar a recuperação e, in-clusive, aumentar a mortalidade.1-3 A disponibilidade de analgossedativos de ação curta possibilita a reali-zação de procedimentos sob sedação fora do bloco cirúrgico por não anestesiologistas, com eficácia e segurança, respeitados os limites inerentes à habili-tação profissional e à condição clínica do paciente.

A realização de sedação para procedimentos visa manter a segurança e o bem-estar do paciente pedi-átrico durante procedimentos, minimizar a dor física e o desconforto, controlar a ansiedade, minimizar o trauma psicológico e garantir a liberação segura do paciente ao final do procedimento.2-4

Este artigo tem como objetivo elaborar recomen-dações sobre sedação para procedimentos em crian-ças e adolescentes, por não anestesiologistas, a partir da melhor evidência disponível e utilizando o siste-ma GRADE, conforme descrito a seguir.

METODOLOGIA

Para a elaboração do presente artigo, foi realizada busca na literatura, que incluiu os principais sumários e diretrizes sobre o tema, a partir da metodologia 4S de Haynes e Di Cenzo (Figura 1). Essa metodologia pres-supõe que há fontes de informação cujas evidências já foram pré-analisadas e, portanto, são superiores.5 O primeiro passo, correspondente ao topo da pirâmide, foi a pesquisa dos principais sumários, que são a fonte mais útil, pois geralmente já incluem recomendações e reúnem o corpo de evidência. Quando os sumários não foram suficientes para responder a uma dúvida

Figura 1 - Metodologia 4S de Hayne e Di Cenzo.Fonte: Haynes RB.5

Sumários: guidelines, diretrizes

Sinopses (resumos das sínteses e estudos): ACP Journal Club,

Evidence-Based Medicine

Sínteses: revisões sistemáticas e metanálises

Estudos: RCTs, estudos observacionais

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Sedação para procedimentos em crianças e adolescentes: uma proposta a partir do sistema grade

já que demonstra um estado de sedação diferente dos relatados na Tabela 2, porém não é reconhe-cido por todas as sociedades de especialidades e agências reguladoras.7

RECOMENDAÇÕES

Para obter sedação segura e eficaz, são neces-sárias cinco etapas: preparo, monitorização, uso de intervenções não farmacológicas, seleção e adminis-tração dos medicamentos e critérios para alta.

A capacidade de retirar o paciente de um nível de sedação mais profunda em relação ao planejado, retornando-o ao nível desejado, mais superficial, com medidas clínicas e/ou farmacológicas é deno-minada resgate.2,3

Sedação dissociativa é um termo usado para descrever a sedação induzida pela cetamina, em que o paciente experimenta profunda analgesia e amnésia, mas permanece com os reflexos de via aérea intactos, respiração espontânea e estabilida-de cardiopulmonar. Esse termo foi sugerido pelo American College of Emergency Physicians (ACEP),

Tabela 2 - Classificação dos níveis de sedação induzida por medicamentos

CondiçãoFunções orgânicas

Responsividade Via aérea Ventilação Cardiovascular

AnalgesiaAlívio da dor, sem sedação intencional;

sedação pode ocorrer como efeito secundário do medicamento administrado para dor.

Pérvia Espontânea Preservada

Sedação mínimaAnsiólise

Tranquilidade e calma, com resposta aos comandos verbais; funções cognitivas e de coordenação podem estar comprometidas.

Pérvia Espontânea Preservada

Sedação moderada Depressão da consciência, com despertar ao comando verbal e/ou a um leve estímulo tátil. Pérvia Espontânea Preservada

Sedação profundaDepressão da consciência; o paciente

não acorda facilmente, porém responde a estímulos dolorosos repetidos.

Colapsável; pode ser necessário suporte à via

aérea.

Pode haver hipoventilação e

necessidade de suporte.

Frequentemente preservada.

Anestesia Geral Depressão do nível de consciência, sem despertar, mesmo por estímulos dolorosos.

Não sustentável; é necessário suporte.

Apneia; há necessidade de ventilação com pressão positiva.

Pode estar comprometida.

American Society of Anesthesiologists American Academy of Pediatrics, Resolução do CFM 1670/ 03, Joint Comission.1-3,6

Tabela 1 - Evidências de acordo com o sistema GRADE

Força de recomendação

1 Forte As vantagens de uma dada conduta claramente suplantam as desvantagens ou as desvantagens claramente suplantam as vantagens. • A maioria dos pacientes deve receber a intervenção recomendada.

2 Fraca Há certo grau de incerteza sobre a relação entre vantagens e desvantagens de uma dada conduta.• O profissional deve reconhecer que diferentes escolhas serão apropriadas para cada paciente, para definir uma decisão consistente.

Nível de Evidência Significado Fonte dos Resultados

A Alta Improvável que trabalhos adicionais irão modificar a confiança na estimativa do efeito.

Ensaios clínicos randomizados bem conduzidos e com achados consistentes. Estudos observacionais bem conduzidos, cujos resultados mostram efeitos muito fortes de intervenções, que não podem ser explicados por potenciais vieses.

B Moderada Trabalhos futuros poderão modificar nossa confiança na estimativa de efeito, podendo modificar sua estimativa.

Ensaios clínicos randomizados com problemas na condução, inconsistência, achados não dirigidos para o alvo ou desfecho de interesse, imprecisão nas estimativas, vieses de publicação.Estudos observacionais, quando relatam beneficio forte, com delineamento sem viés.

C Baixa Trabalhos futuros muito provavelmente terão importante impacto em nossa confiança na estimativa de efeito.

Ensaios clínicos randomizados com desfechos substitutos ou outras importantes limitações. Estudos observacionais, mais especificamente estudos de coorte e caso-controle.Estudos observacionais não controlados e observações clínicas não sistematizadas (relato de casos e serie de casos).

Diretrizes metodológicas: Sistema GRADE – Manual de graduação da qualidade da evidência e força de recomendação para tomada de decisão em saúde / Ministério da Saúde, 2014.

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Sedação para procedimentos em crianças e adolescentes: uma proposta a partir do sistema grade

Preparação

Avaliação clínica pré-sedação (BP)

Deve ser realizada por profissional médico treina-do, documentada no prontuário do paciente e deve incluir anamnese, exame físico detalhado visando principalmente à identificação de uma via aérea difí-cil e avaliação laboratorial se necessário.

Anamnese

A sequência mnemônica SAMPLE pode ser utili-zada (Tabela 3).

Sedação para procedimentos pode ser adminis-trada com segurança para pacientes com ingesta oral recente, em situações de urgência/emergência. Nes-sa situação, decidir caso a caso, levando-se em conta os seguintes fatores: urgência do procedimento, o ris-co basal de aspiração do paciente, profundidade de sedação desejada (2C).

A evidência disponível sobre o assunto mostra que a aspiração é um evento raro e não parece estar relacionada à ausência do tempo preconizado de je-jum, porém os estudos são de baixa qualidade.8,9 Des-sa forma, recomenda-se seguir a regra 2-4-6 orientada pelas sociedades de especialidades1,10, quando possí-vel. A regra 2-4-6 estabelece tempo de jejum de duas horas para líquidos claros (chá, água, refrigerante, ga-

torade, suco coado, contraste, manitol), quatro horas para leite materno e seis horas para sólidos, fórmulas ou outros leites que não o materno.1,10 Porém, não se deve deixar de realizar a sedação em situações de ur-gência e emergência. Nesse caso, pode ser útil optar por reduzir a profundidade da sedação, a partir da seleção apropriada dos medicamentos e suas doses e do uso de intervenções não farmacológicas.

Exame físico objetivo

O peso do paciente deve ser aferido e registrado. O exame físico tem o objetivo de detectar instabili-dade cardiorrespiratória. Além disso, é importante identificar a via aérea difícil, com base na avaliação dos seguintes sinais:

Dificuldade para posicionamento adequado da via aérea: occipital proeminente ou deformado, hi-drocefalia, obesidade, pescoço curto ou com mo-bilidade reduzida, instabilidade da coluna cervical (trauma ou trissomia do 21).

Dificuldade para ventilação e laringoscopia: ano-malia facial, micrognatia e/ou retrognatia, microsto-mia, macroglossia, mobilidade mandibular reduzida, fenda palatina ou labial, palato ogival, dentes proemi-nentes, trauma facial.

Dificuldade para intubação orotraqueal: sinais de obstrução de vias aéreas superiores (estridor, rouqui-dão, sialorreia), paciente dependente de condição de conforto para respirar (assentado / tripé).

Tabela 3 - Anamnese objetiva (sequência SAMPLE)1,3,4

Anamnese Exemplos Ações

Sinais e Sintomas

Alteração da consciência, doença neurológica, dificuldade respiratória alta ou baixa, instabilidade circulatória (choque

compensado ou não), infecção suspeita ou confirmada, hipertensão arterial/ bradicardia/ alteração das pupilas,

insuficiência renal, oligúria/ anúria, trauma, equimoses, púrpura, distensão e tensão abdominal, doença hepática, vômitos

Escolha dos passos e dos medicamentos com baixo risco de efeitos colaterais para cada condição.

Alergias Medicamentos, alimentos, asma Prever risco de reações de hipersensibilidade imediata (anafilaxia) e evitar o medicamento citado

Medicamentos Anticonvulsivantes, sedativos, betabloqueadores, IECA, diuréticos Alerta para epilepsia, doenças neurológicas, cardiopatias, arritmias, doença renal. Algumas medicações interagem com os sedativos

Passado médico

Doenças neurológicas, cardiopatias, arritmias, doença renal ou hepática, endócrino-metabólica.

Possibilidade de gestação (DUM)História de reações de emergência /reações

paradoxais com uso de sedativos. Historia de prematuridade

Contraindicações a medicamentos.Critérios de alta específicos para prematuros.

Líquidos Última refeição versus risco de aspiração Aplicar a regra de jejum 2-4-6

Eventos A situação que indicou a sedação Escolha dos passos e dos medicamentos com baixo risco de efeitos colaterais para cada condição

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Sedação para procedimentos em crianças e adolescentes: uma proposta a partir do sistema grade

Material – selecionado, conferido e funcionante, deve estar disponível para monitorização, oxigena-ção e ventilação, acesso vascular ou intraósseo, pro-teção individual e atendimento à parada cardiorrespi-ratória. Além disso, folha de urgência e emergências deve estar preenchida e medicamentos escolhidos, prescritos e preparados. Para fins de analgesia e sedação mínima, vias alternativas à via intravenosa para administração são consideradas mais adequa-das – vias oral, nasal, tópica.4,11,12

Se o procedimento é realizado sem acesso venoso, pessoal capacitado e material devem estar prontamen-te disponíveis para obtê-lo, se necessário.1,2,4,7 (BP).

Consentimento informado dos pais ou responsá-vel/ paciente deve ser obtido, sempre que possível, an-tes do procedimento (termo de consentimento livre e esclarecido – TCLE). Caso não seja possível, explicar à família o motivo e registrar no prontuário do pacien-te ou no campo específico do TCLE. Explicar sempre o procedimento ao paciente e ao acompanhante, para esclarecer dúvidas e ajudar o acompanhante a ter pre-sença segura e tranquilizadora.2,4,7 (BP).

Monitorização

A monitorização do paciente varia de acordo com o nível de sedação. Em todas as situações, o nível de seda-ção, além de dor e estresse, deve ser monitorizado regu-larmente por meio de escalas apropriadas para a idade. Para a sedação mínima, oximetria de pulso e frequência de pulso são suficientes para monitorização. Nos casos de sedação moderada, acrescenta-se a medida da pres-são arterial não invasiva (PNI) a cada 10 minutos e a vigilância da frequência respiratória. Já os casos de se-dação profunda exigirão, em adição ao já descrito para os outros níveis de sedação, monitorização contínua do ECG e redução do intervalo entre cada medida da PNI para cinco minutos. A capnografia deve ser utilizada, se disponível, conforme discutido a seguir.2,4,7

Os valores basais dos sinais vitais devem ser regis-trados e documentados antes da administração dos medicamentos. Para algumas crianças que são muito irritadas ou não cooperativas, isso pode não ser pos-sível e um registro no prontuário do paciente deve ser feito para documentar essa circunstância.4 (BP).

Algumas crianças ficarão moderadamente seda-das, apesar da programação de sedação mínima; se isso ocorrer, as recomendações para sedação mode-rada se aplicam. (BP).

Após anamnese e exame físico, o paciente deve ser classificado de acordo com os critérios da Ameri-can Society of Anesthesiology (ASA):1,3

■ ASA I – paciente saudável; ■ ASA II – paciente com doença sistêmica leve ou

moderada, sem limitação funcional; ■ ASA III – paciente com doença sistêmica grave,

com limitação funcional; ■ ASA IV – paciente com doença sistêmica grave,

representa constante risco de morte; ■ ASA V – paciente moribundo com perspectiva de

óbito em 24 horas, com ou sem cirurgia.

Pacientes ASA I e II podem ser sedados com segurança por médicos não anestesiologistas.1,2,4,7 Recomenda-se discutir com anestesiologista ou in-tensivista pediatra na presença de pacientes com enfermidades sistêmicas graves (classificação ASA III ou maior), pacientes com sinais indicativos de via aé-rea difícil e procedimentos intervencionistas, como broncoscopia e endoscopia digestiva alta.4

A solicitação de exames laboratoriais e de ima-gem pode ser necessária antes, durante ou após a sedação, conforme a condição clínica do paciente e o procedimento a ser realizado, não existindo obri-gatoriedade da sua realização para todos os pacien-tes rotineiramente.2,3

A equipe deve ser composta por, no mínimo, qua-tro profissionais – médicos, enfermeiro e técnico de enfermagem.2,4,7 (BP).

Preparo da equipe e material

O médico que realizará o procedimento não deve ser o mesmo responsável pela sedação/analgesia. Seu foco será o procedimento em si, deixando a car-go do médico citado anteriormente a monitorização e a assistência clínica ao paciente.

O médico responsável pela sedação/analgesia deve escolher as medicações e monitorizar o pacien-te durante todo o processo. É necessário que tenha conhecimento sobre os fármacos que serão usados, que esteja apto para lidar com seus possíveis efeitos colaterais e é recomendado que tenha certificação em suporte avançado de vida em Pediatria (SAVP).

O técnico de enfermagem e o enfermeiro auxilia-rão tanto o médico responsável pela analgesia/seda-ção quanto o responsável pelo procedimento, provi-denciando os materiais e medicações necessários.

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Sedação para procedimentos em crianças e adolescentes: uma proposta a partir do sistema grade

nicas são complementares e devem ser escolhidas de acordo com a idade/ desenvolvimento da criança. Elas podem evitar a necessidade de progredir/ asso-ciar diferentes sedações.3

■ garanta ambiente amistoso, previamente conheci-do, que promova à criança a sensação de confian-ça, eficácia e segurança (BP).

■ a equipe deve ser treinada a acolher o paciente, utilizando linguagem adaptada à idade – não ver-bal e verbal (BP).

■ acompanhantes – pais ou responsáveis – com presença de qualidade, cientes, seguros, confian-tes, com postura positiva (BP).

■ utilize/ofereça técnicas de distração, de acordo com a idade (Tabela 4) para todos os pacientes que serão submetidos a procedimentos (1B).

A distração consiste em uso de medidas sim-ples com o objetivo de desviar a atenção da crian-ça ou adolescente do procedimento e devem ser adequadas ao desenvolvimento neuropsicomotor de cada paciente. Embora exista muita variação nas formas de distração (tipo de distração, envol-vimento ativo ou passivo da criança na distração, envolvimento de pais e enfermeiros), há evidên-cia documentada e de qualidade moderada em reduzir dor advinda de procedimentos relaciona-dos à agulha. Portanto, a recomendação é forte para a utilização dessa técnica. Os estudos con-templam procedimentos relacionados à agulha em crianças abaixo de 12 anos.15

■ considere utilizar técnicas de hipnose para os pa-cientes submetidos a procedimentos (2B).

As técnicas de hipnose mais utilizadas são: téc-nica da luva mágica e do pó mágico. A criança ou adolescente e sua família devem ser informados sobre o procedimento, as sensações associadas e como lidar ou se comportar durante a realiza-ção do mesmo.

Considere utilizar capnografia em pacientes sub-metidos à sedação moderada ou profunda, se dispo-nível e se tolerado pela criança ou adolescente (2C). Na ausência de capnografia, a inspeção visual dos movimentos respiratórios deve ser rigorosa e O

2 su-plementar não deve ser utilizado se saturação de oxi-gênio > 94%, para não mascarar hipoventilação.

A ausência da capnografia não contraindica o proce-dimento, pois estudos de baixa qualidade mostraram que a sua utilização, apesar de reduzir a taxa de dessatura-ção, não reduziu a incidência de eventos adversos signi-ficativos que demandam intervenções, como ventilação por bolsa-valva-máscara ou intubação orotraqueal.13,14

Complicações como depressão respiratória ocor-rem, com mais frequência, cinco a 10 minutos após administração da medicação e imediatamente após o término do procedimento, quando o estímulo dolo-roso é removido, sendo esses os momentos em que o médico deve estar mais atento para a necessidade de alguma intervenção.2,3

Intervenções não farmacológicas

Medidas não farmacológicas podem desempe-nhar importante papel na redução do estresse ocor-rido durante e após procedimentos diagnósticos ou terapêuticos. Crianças expostas a situações de ansie-dade provocadas por procedimentos médicos dolo-rosos apresentam elevado risco de desenvolverem alterações cognitivas e comportamento evitativo em relação a médicos ou cuidados em saúde. Em alguns casos, transtornos psiquiátricos podem ser desenvol-vidos, como síndrome do estresse pós-traumático, por exemplo.4 Acredita-se que a abordagem para a analgossedação deva ser interdisciplinar e, nesse âmbito, técnicas psicológicas podem ser usadas in-dependentes ou associadas aos fármacos. Essas téc-

Tabela 4 - Técnicas de distração em função da idade

Idade Métodos físicos Distração comportamental Distração cognitiva/imaginária

2-4 anos Carícias, contato, tom de voz, embalar, mimos, massagem

Jogos de soprar, jogos preferidos (antes e depois), música

Livro de figuras, desenho animado, caleidoscópio, brinquedos animados

4-7 anos Carícias, mimos, respiração, massagem Jogos de soprar, música, livros, bonecas

Livros, desenho animado, contar histórias, imaginar cenários agradáveis, temas de super-heróis, luva mágica, torneira da dor, surpresa

7-12 anos Relaxamento, respiração, massagem

Jogos de soprar, demonstração do cuidado, música, caleidoscópio, modelagem

Livros, desenho animados; luva mágica; torneira da dor, imaginação mental, metáforas terapêuticas

Acima de 12 anos Relaxamento, respiração Jogos de vídeo, demonstração, música Imaginação mental, metáforas terapêuticas

Didier C. Utilization des techniques de distraction et de jeulors des douleurs aiguës provoquées par les soins chez l’enfant.17

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Sedação para procedimentos em crianças e adolescentes: uma proposta a partir do sistema grade

seis meses é feita a partir de extrapolação dos dados de estudos com neonatos.16

A glicose deve ser administrada dois minutos antes do procedimento. O mecanismo de ação parece estar re-lacionado à liberação de opioides endógenos devido ao sabor doce. Dose para neonatos: 0,1 mL de glicose 25% a 2 mL de glicose 50%. Dose para lactentes entre um e seis meses: 0,75 mL de glicose 50% a 2 mL de glicose 75%.

Intervenções farmacológicas

Muitos medicamentos estão disponíveis para au-xiliar na realização de sedação para procedimentos (Tabela 5). É recomendado, porém, que o médico se familiarize com algumas opções e desenvolva pro-ficiência na utilização desses medicamentos. Uma sedação/ analgesia eficaz depende da habilidade do médico de titular o nível de sedação adequado, que permita que o procedimento seja realizado sem inter-ferências e com segurança (Figura 2).

■ evidência de moderada qualidade mostra que a hipnose reduz dor e estresse relacionados a pro-cedimentos que necessitam de agulha.15 Entretan-to, essa aplicação é limitada devido à reduzida oferta de profissionais treinados em hipnose. Por isso, é gerada uma recomendação mais fraca, quando comparada à distração.

■ evite frases como: “tudo vai ficar bem”, “vai pas-sar logo”, que aumentam a tensão dos pacientes em vez de acalmá-los (BP).

■ utilize glicose como adjuvante no alívio da dor relacionada a procedimentos em neonatos (1B).

■ considere glicose como adjuvante no alívio da dor relacionada a procedimentos em neonatos lactentes menores de seis meses (2C).

Evidência de moderada a alta qualidade mostra redução dos escores de dor em neonatos submeti-dos a procedimentos com agulha, com pouca evi-dência de dano. A recomendação para lactentes até

Tabela 5 - Agentes utilizados para sedação para procedimentos em Pediatria

Medicamento Dose Início de Ação Duração Precauções / advertências / Riscos

Cetamina50 mg/mL

Anestésico dissociativosedativo, analgésico, amnéstico. Preserva reflexos protetores das vias aéreas.

Evitar na instabilidade hemodinâmica (efeitos inotrópicos negativos e vasodilatadores, principalmente se associado a opioides).Risco de agitação paradoxal: choro inconsolável, hiperatividade e agressividade.

EV: 30-60 segIM: 10-15 min

IN: 5-8 minVO: 7-15 min

Analgesia: 15-30 min

IM: 3-4 horasIV: 1-2 horasIN: 30-45 min

Taquicardia e hipertensão.VômitosHipersalivaçãoAgitação/ alucinaçãoApneiaLaringoespasmoContraindicações relativas: <3 meses, porfiria, glaucoma ou injúria ocular, angina, ICC, doença coronária. Psicose, sialorreia.

Midazolam5 mg/ mL1 mg/mL

Benzodiazepínico sedativo, não analgésico, ansiolítico, amnéstico, anticonvulsivante

EV:0,3 mg/kgVO: 0,25-0,5 mg/kg (máx: 20 mg)IN: 0,2-0,3 mg/kg (máx 10 mg)

EV: 1-3 minVO: 20-30 minIN: 20-30 min

EV: 30-60 minVO: 30-60 minIN: 30-60 min

Evitar na instabilidade hemodinâmica (efeitos inotrópicos negativos e vasodilatadores, principalmente se associado a opioides).Risco de agitação paradoxal: choro inconsolável, hiperatividade e agressividade.

Propofol* 10 mg/mL

Sedativo/Hipnótico não barbitúricoanestésico geral

EV: 0,5-1 mg/kg mg/kg + bolus adicionais de 0,5 mg/kg até o máximo de 3 mg/kg

30 seg 3-10 min

Vasodilatação e depressão miocárdica.Depressão respiratória e apneia.Contraindicado se alergia a ovo e soja.Evitar em pacientes com débito cardíaco reduzido ou hipovolemia

Dexmedetomedina100 mcg/mL

Agonista seletivo receptor α-2 adrenérgico, efeito sedativo prolongado e analgesia

EV: 0,5-1 mcg/kg EV lento em 10 minutos, seguida de manutenção de 0,2-0,7 mcg/kg/h.IN: 1,5 mcg/kgVO: 3-4 mcg/kg

EV: 5-10 min EV: 30-70 min

Risco de depressão respiratória é mínimo.Hipertensão/hipotensão.Bradicardia grave em pacientes com doenças do sistema de condução ou que utilizam fármacos que reduzem a condução no nó AV (ex digoxina, nifedipina). Contraindicação: ICC direita, choque séptico (risco de elevação de PSAP e redução do débito cardíaco)

Fentanil50 mcg/mL

Opioide sintético, promove analgesia para procedimentos de dor moderada a grave

EV:1-2 mcg/kg, repetir metade da dose inicial a cada 3-5 minutos, se necessário.IN: 2 mcg/kg (máximo 100 mcg)IM:1-2 mcg/kg

EV: 2-3 minIN: 5-10 minIM: 7-8 min

EV: 30-60 minIM: 1-2 horas

Risco de hipoxemia, depressão respiratória e apneia principalmente quando associados amidazolam e propofol. Rigidez torácica e glótica (revertidos com naloxone e bloqueadores neuromusculares)

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Sedação para procedimentos em crianças e adolescentes: uma proposta a partir do sistema grade

ou cetamina para sedar, com segurança e efi-ciência, crianças e adolescentes submetidos a procedimentos não dolorosos, quando as técni-cas não farmacológicas sozinhas não forem sufi-cientes e a sedação com midazolam for ineficaz ou contraindicada (2C). Deve ser consultada a legislação institucional sobre o uso do propofol. Em muitos serviços, o uso permanece restrito aos anestesiologistas e terapia intensiva. A Resolução do CFM 1670 036 estabelece que sedação profun-da só pode ser realizada por médicos qualifica-dos e em ambientes que ofereçam condições seguras para sua realização. A bula do medica-mento orienta que deve ser administrado por pessoal treinado em técnicas de anestesia (ou, quando apropriado, por médicos treinados em cuidados de pacientes em terapia intensiva).

Apesar de serem escassos os estudos que utilizam a cetamina para procedimentos não dolorosos, como extrapolação dos dados de estudos com procedi-mentos dolorosos, é possível concluir que se trata de medicação segura e eficaz e que pode ser alternativa para sedação para procedimentos não dolorosos.24

PROCEDIMENTOS NÃO DOLOROSOS

As evidências são insuficientes para recomendar um medicamento em superioridade a outro (2C).18-24 Por isso, a escolha do sedativo deve ser feita caso a caso, prevendo eventos adversos associados a cada droga e de acordo com estado clínico basal, comor-bidades de cada paciente e experiência do médico.

A partir da busca realizada, incluindo medica-mentos disponíveis no Brasil e mais amplamente utilizados, recomenda-se uma abordagem escalo-nada justificada pela disponibilidade, custo, facili-dade de manejo e familiaridade do pediatra com os medicamentos.

■ após a preparação adequada, em ambiente mo-nitorizado, com pessoal treinado e habilitado, considere midazolam para sedar, com segurança e eficiência, crianças e adolescentes submetidos a procedimentos não dolorosos, quando as técni-cas não farmacológicas sozinhas não forem sufi-cientes (2C).

■ após a preparação adequada, em ambiente mo-nitorizado, com pessoal treinado e habilitado, considere utilizar propofol, dexmedetomidine

Figura 2 - Seleção de Medicamentos.

Procedimento doloroso?

Considere anestésico local

Dor mínima:Anestésico local + técnicas

não farmacológicas.Se ansiedade importante:

midazolam

Se sedação com midazolam ine�caz ou contraindicada

Colonoscopia

Dor moderada a intensa:cetamina com ou sem midazolam

oufentanil e MIDAZOLAM

Sim Não

Midazolam

Procedimentos com dor mínima:Acesso venoso periférico; Sutura; Passagem de SVD, SVA, SNG; Punção lombar

Procedimentos com dor moderada a intensa:Mielograma; Redução de fratura; Inserção e retirada de drenos e �os de �xação cardíaca; Incisão e drenagem de abscesso; Acesso venoso central; Desbridamento de queimadura; Biópsias; Tratamento de feridas; Troca de curativo

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Sedação para procedimentos em crianças e adolescentes: uma proposta a partir do sistema grade

Os lactentes jovens ou crianças portadoras de necessidades especiais devem voltar ao nível de res-ponsividade observado antes da sedação. Devido ao risco significativo de apneia após sedação, crianças nascidas a termo com idade gestacional < ou igual a 45 semanas e prematuros com idade gestacional < 60 semanas devem ficar em observação por tempo mais prolongado, antes da alta.2,3

■ todas as crianças nascidas a termo ou prematuras com idade pós-conceptual ≥ 45 semanas: 12 horas;

■ crianças prematuras com idade pós-conceptual de 46 a 60 semanas e comorbidades significativas (anemia, apneia da prematuridade, broncodispla-sia pulmonar): 12 horas;

■ crianças prematuras com idade pós-conceptual de 46 a 60 semanas, sem comorbidades: 6 horas (12 horas se usados opioides ou outras medica-ções que causam depressão respiratória).

Os doentes que desenvolvem apneia durante a observação justificam observação prolongada até es-tarem livres de apneia durante pelo menos 12 horas.

CONCLUSÃO

Sedação para procedimentos pode ser realizada com segurança por médicos não anestesiologistas, desde que ocorra preparação adequada, monitoriza-ção rigorosa e o médico seja adequadamente treina-do em suporte avançado de vida e no  tratamento das complicações. O uso das intervenções não farmaco-lógicas representa um dos principais avanços dos últi-mos anos e deve ser difundido para melhor qualidade da assistência à criança submetida a procedimentos.

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PROCEDIMENTOS DOLOROSOS

Anestésicos locais devem ser associados sempre que possível. Os anestésicos locais abolem o estímu-lo doloroso, permitem reduzir a dose de analgésicos/ sedativos sistêmicos e promovem o alívio prolongado da dor (após o procedimento).11,12

Lidocaína

■ Dose máxima sem epinefrina: 5 mg/kg; ■ Dose máxima com epinefrina: 7 mg/kg; ■ Duração: 1 hora. ■ Associação com vasoconstritor (epinefrina): re-

duz a taxa de absorção do anestésico, aumentan-do a duração do bloqueio (em 50%) e reduzindo a concentração sérica da droga (em 1/3).EMLA

■ Lidocaína + prilocaína: creme. ■ Aplicar 1h antes do procedimento.

Os medicamentos ou combinações de medica-mentos cetamina com ou sem midazolam e fentanil + MIDAZOLAM parecem ser seguros e eficazes para se-dar crianças submetidas a procedimentos dolorosos. As evidências novamente são insuficientes para reco-mendar um medicamento em superioridade a outro e, portanto a escolha do sedativo deve ser realizada caso a caso, prevendo eventos adversos associados a cada droga e de acordo com estado clínico basal/ comorbidade de cada paciente (2C).25-28

Critérios de alta

A monitorização deve continuar até que a criança preencha os critérios para a alta segura.1-4 Esses crité-rios incluem: (BP)

■ perviedade das vias aéreas e função cardiovascu-lar estável;

■ reflexos presentes; ■ capacidade de falar (se apropriado à idade); ■ capacidade de se sentar sozinho (se apropriado à

idade) e manter a vigília; ■ hidratação adequada com o manejo de correto da

náusea ou vômito; ■ manejo adequado de qualquer dor continuada.

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ARTIGO DE REVISÃO

Instituição:Universidade Federal de Minas Gerais – UFMGFaculdade de Medicina, Departamento de PediatriaBelo Horizonte, MG – Brasil

Autor correspondente:José Ricardo Borém LopesE-mail: [email protected]

1 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Hospital das Clínicas – HC, Setor de Gastroenterologia Pediátrica. Belo Horizonte, MG – Brasil.2 UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria; HC, Setor de Gastroenterologia Pediátrica. Belo Horizonte, MG – Brasil.3 UFMG, Faculdade de Medicina. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A obstrução extra-hepática da veia porta é uma das principais causas de hemorra-gia digestiva alta em crianças. Estudos sobre sua fisiopatologia revelam que um dos principais fatores de risco é a história de cateterismo umbilical venoso no período neonatal. Existem poucos dados sobre a incidência, a prevalência, os fatores de risco e os efeitos do tratamento da trombose de veia porta nesse período. Foi feita busca nos sistemas de dados MEDLINE, PUBMED, Elsevier, Web of Science, SCIELO e LILACS, sendo incluídos artigos em português e inglês. A incidência de trombose de veia porta após cateterismo umbilical varia de 1-43%, dependendo do desenho do estudo, da população estudada e do momento de realização do ultrassom. Os principais fatores de risco associados são sepse e permanência do cateter por tempo prolongado. Ainda não é claro se o tratamento com anticoagulação interfe-re no desfecho a longo prazo. Se optado pelo tratamento, este deve ser feito com heparina, reservando-se o ativador tissular do plasminogênio apenas para casos com trombos ameaçadores à vida ou que comprometem algum órgão ou membro. A evolução é em geral benigna, porém cerca de 3% dos casos evoluem com obstrução extra-hepática da veia porta e hipertensão portal.

Palavras-chave: Trombose Venosa; Veia Porta; Cateterismo; Recém-Nascido.

ABSTRACT

The extrahepatic obstruction of the portal vein is one of the most important causes of upper gastrointestinal bleeding in children. Studies about its physiopathology reveals that umbilical vein catheterization during the neonatal period is one of the most relevant risk factor. There are few data on the incidence, prevalence, risk factors and the effect of treatment of portal vein thrombosis in the newborn. It was conducted a search in the database of the MEDLINE, PUBMED, Elsevier, Web of Science, Scielo e Lilacs and in-cluded articles in Portuguese and English. The incidence of portal vein thrombosis after umbilical vein catheterization varies from 1% to 43% depending on the population, the moment of the ultrasound and the design of the study. The main risk factors are sepsis and longtime of catheterization. It is still not clear if the treatment with anticoagulation, either heparin or tissue plasminogen activator, changes the prognosis. If chooses to treat, it should be done with heparin; the thrombolysis reserved for the cases where there is limb, organ, or life threatening thromboses. Spontaneous regression of neonatal portal vein thrombosis is common but about 3% of these patients progress to extrahepatic obstruction of the portal vein and portal hypertension.

Key words: Venous Thrombosis; Portal Vein; Catheterization; Infant, Newborn.

Portal vein thrombosis after umbilical vein catheterization: review of the epidemiology, prophylaxis, diagnostic and treatment

José Ricardo Borém Lopes1, Thaís Costa Nascentes Queiroz1, Bárbara Fonseca Gazzinelli1, Eleonora Druve Tavares Fagundes2, Alexandre Rodrigues Ferreira2, Jayne Rodrigues Santos3, Andre Carneiro Rocha3

Trombose de veia porta após cateterismo venoso umbilical: revisão da epidemiologia, profilaxia, diagnóstico e tratamento

DOI: 10.5935/2238-3182.20170036

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vitamina K. No RN pré-termo essa diferença é ainda maior, porém atinge níveis equivalentes aos do RN termo em torno de seis meses após o nascimento.3,5

Com exceção da alfa-2- macroglobulina, todos os fatores anticoagulantes estão reduzidos, sendo que nos primeiros dias de vida os níveis de anti-trombina encontram-se em 30% dos adultos e os de proteína C e proteína S em 50%. No prematuro essas porcentagens são ainda mais baixas, che-gando a níveis 95% mais baixos. Não existe estudo avaliando os níveis dessas proteínas em RN abaixo de 30 semanas. Essa redução da antitrombina tem grandes implicâncias clínicas, uma vez que pode ser o motivo pelo qual recém-nascidos precisam de doses elevadas de heparina para atingir uma anticoagulação terapêutica.3,5

O RN termo apresenta níveis de plasminogênio cerca de 60% do adulto, que se mantêm reduzidos por todo o período neonatal. Não se sabe quanto a prematuridade afeta o plasminogênio. Apesar disso, os valores de dímero-D que indicam fibrinólise ativa são aumentados cerca de oito vezes em relação aos valores encontrados em adultos, o que impede sua utilização para diagnóstico de trombose no RN.3

Apesar de todas as diferenças relatadas, o RN en-contra-se em um estado de equilíbrio. Para que ocor-ra a formação do trombo na veia porta é necessário que haja desequilíbrio na hemostase. De acordo com Virchow, esse distúrbio pode ser de três etiologias di-ferentes que interagem: dano endotelial, redução do fluxo portal e um estado pró-coagulante.2

O RN com CVU é um paciente de alto risco para a TVPo, pois ele apresenta o dano endotelial pela passagem do cateter, a redução do fluxo portal de-vido a dispositivo dentro do lúmen vascular que re-duz consideravelmente sua luz e, além disso, pode ter várias comorbidades como sepse e outros estados pró-coagulantes.

EPIDEMIOLOGIA

Os estudos mostram diferentes incidências de trombose após CVU, variando de 0 a 43%. Essa gran-de variabilidade é explicada pelas diferenças entre os estudos: se são prospectivos ou retrospectivos, momento de realização do ultrassom (US), método diagnóstico utilizado e variáveis relacionadas ao ca-teter. A Tabela 1 sumariza os principais estudos que avaliam a TVPo pós-CVU.

INTRODUÇÃO

A obstrução extra-hepática da veia porta (OEHVP) com hipertensão portal é uma das principais causas de hemorragia digestiva alta em crianças e adolescen-tes. Ela é secundária à transformação cavernomatosa de um trombo na veia porta sem doença hepática as-sociada. É sabido que um dos fatores de risco para seu desenvolvimento é o cateterismo venoso umbi-lical (CVU) durante o período neonatal.1,2 Estima-se que cerca 15% de todos os pacientes admitidos na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e 50% dos prematuros com peso de 1.000g ou menos tenham a veia umbilical cateterizada.3

A taxa de complicação do CVU com trombose de veia porta (TVPo) é extremamente variável entre os estudos, chegando a 43% em análise de autópsias.4,5,6

Aproximadamente 3% dos casos desenvolvem quadro de OEHVP com hipertensão portal. Ainda não se sabe quais fatores influenciam um desfecho negativo nem se o tratamento com anticoagulantes no período neonatal modificaria as taxas de hipertensão portal no futuro.7,8

A abordagem endoscópica precoce dos pacientes com OEHVP com a realização de ligadura elástica das varizes poderia alterar a história da doença com impor-tante ganho em qualidade de vida para esses doentes.1,2,9

MÉTODOS

Foi realizada revisão não sistemática da literatura científica disponível em sites que sumarizam as evidên-cias disponíveis (Uptodate, Dynamed) e nas bases de dados MEDLINE, PUBMED, Elsevier, Web of Science, Scielo e Lilacs sendo realizada a busca de artigos em língua inglesa e portuguesa. Foram selecionados 30 ar-tigos considerados mais relevantes nos últimos 30 anos.

HEMOSTASIA NO RECÉM-NASCIDO

O período neonatal é o de principal risco de eventos tromboembólicos durante toda a infância. A hemostase neonatal é diferente da criança maior e do adulto.3,10 A função plaquetária é reduzida, o que é compensado pelo hematócrito elevado e pela ex-pressiva concentração de fator de von Willebrand e do fator tecidual. Todos os fatores de coagulação são reduzidos, com exceção do fator V e VIII, sendo mais significativa a redução dos fatores dependentes de

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vimento do trombo. Fisiologicamente, um cateter em posição de alto fluxo sanguíneo teria menos probabilidade de dar origem a um evento trom-boembólico, porém os resultados dos estudos são conflitantes, pois enquanto alguns indicam uma relevância,8,13 outros não encontraram diferenças estatísticas.11,22 As revisões da literatura publicadas até o momento divergem sobre o fato, sendo que Willians e Chan em 2011 relataram relevância para o posicionamento do CVU6 e Saxonhouse em revi-são publicada em 2015 considerou que a posição não era importante.10

Já em relação ao tempo de permanência, existe concordância de que cateteres presentes por tempo prolongado aumentam o risco de tromboembolismo. 6,10 Guimarães et al. não encontraram paciente com TVPo quando o cateter ficou, em média, 120 minu-tos.12 A presença do CVU por mais de seis dias foi defi-nida como fator de risco independente para o evento tromboembólico em um estudo.13

Trombofilia

Em revisão publicada em 2015, Klaassen et al. chegaram à conclusão de que o tromboembolismo neonatal é uma doença multifatorial cujos fatores clí-nicos são mais importantes do que trombofilia, não se indicando a pesquisa de distúrbios de coagulação de rotina, especialmente no trombo relacionado ao cateter.23 Esses dados corroboram o estudo de Heller et al., que encontraram mais chance de trombofilia apenas em pacientes com trombose não relaciona-da a cateter.24 Em estudo multicêntrico conduzido na Itália houve uma relação entre trombofilia e evento tromboembólico nas primeiras 24 horas de vida.21

Apesar de ainda não estar totalmente claro o papel que a trombofilia tem na TVPo neonatal, ele pare-ce ser significativo apenas em trombos precoces ou não relacionados a cateteres.

Outros

Outros fatores de risco já relacionados à trombo-se neonatal, mas com risco relativo menor, são: dia-betes gestacional, crescimento intrauterino restrito, mãe com trombofilia, pré-eclâmpsia, desidratação, peso ao nascer abaixo de 1.250 g e hematócrito aci-ma de 55%.5,6,10

Como pode ser observado, a trombose neonatal não pode ser considerada rara. As maiores incidên-cias foram encontradas em estudos com angiografia ou doppler precoces.13,14,16,18,19 Diferenças também fo-ram encontradas quando o exame ultrassonográfico era realizado por causa de sintomas ou se era feito por rastreio, sendo a incidência maior naqueles em que o US era realizado devido ao desenho do estudo. As me-nores incidências foram encontradas nos estudos com tempo de permanência do CVU inferior a 24 horas.15

FATORES DE RISCO PARA TROMBOSE DE VEIA PORTA

Sepse

A relação entre a sepse e eventos tromboembóli-cos já é bem firmada. A infecção altera a hemostasia tanto por estimular a coagulação quanto por reduzir o efeito anticoagulante e a fibrinólise. Depois do ca-teter central a sepse é o principal fator de risco para o desenvolvimento de eventos tromboembólicos em recém-nascidos. Está presente em torno de 60% dos casos de trombose venosa.6,21

Posição do cateter e tempo de permanência

É uma questão polêmica se a posição da ponta do cateter umbilical exerce impacto no desenvol-

Tabela 1 - Incidência e prevalência de TVPo ou OEHVP após CVU de acordo com os estudos pros-pectivos e retrospectivos

Estudo Número de pacientes

Desenho do estudo

Incidência/Prevalência

Schwartz et al.11 100 Prospectivo 1%

Guimarães et al.12 40 Prospectivo 2,5%

Kim et al.13 100 Prospectivo 43%

Morag et al. 7 3626 Retrospectivo 3,6%*

Sakha et al.14 50 Prospectivo 34%

Turebylu et al.15 53 Prospectivo 7,1%

Nemati et al.16 164 Prospectivo 3,04%

Farahmand et al.17 40 Prospectivo 5%

Gharehbaghi et al.18 256 Prospectivo 4,7%

Chandrashekhar et al.19 30 Prospectivo 10%

Maamouri et al.20 38 Retrospectivo 2,6%

* em admissões na unidade de cuidados intensivos neonatais.

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DIAGNÓSTICO

É consenso entre os estudos que os casos de TVPo relacionados a cateter umbilical são em sua grande maioria assintomática na fase aguda.4,5,6,10 Os pacientes com manifestações agudas relevantes da TVPo são raros e se resumem a relatos de caso. Os sinais clínicos já relacionados à TVPo são inespecí-ficos e pouco confiáveis, como: infecção persistente relacionada ao cateter e obstrução do dispositivo. Entre as alterações laboratoriais documentadas estão plaquetopenia e alterações em transaminases.6,8

O diagnóstico da TVPo é essencialmente realizado por meio de US com doppler, mas outros métodos de imagem também podem ser realiza-dos, como: angiografia, tomografia computadoriza-da e ressonância magnética.4,5,6,10

O US com doppler, apesar de ter algumas desvan-tagens como ser operador dependente e apresentar algumas dificuldades técnicas que atrapalham a in-terpretação do exame, por exemplo, paciente não cooperativo, gás no intestino e variações anatômicas do sistema portal, tem grandes vantagens, como: ser menos invasivo, menos traumático para o paciente, disponível à beira do leito e financeiramente mais viável.5,6 Em crianças apresenta alta sensibilidade e especificidade, 94-100% e 90-96%, respectivamente.1

Na avaliação pelo doppler pode ser vista a interrup-ção ou alteração no fluxo sanguíneo devido ao trombo. Além dos sinais do doppler, o US também permite a vi-sualização direta do trombo no interior da veia porta.1,2

Na tomografia sem contraste, o trombo é visibili-zado como uma imagem isodensa ou hiperdensa (se ocorrida com menos de um mês) aderida ao tecido. Após a injeção do contraste é observada falha de en-chimento, com redução do lúmen do vaso na região. Apresenta sensibilidades e especificidades seme-lhantes ao US sem o prejuízo de ser examinador de-pendente, porém com a grande desvantagem da ex-posição à radiação e ao contraste intravenoso além do alto custo. A ressonância apresenta sensibilidade e especificidade superiores tanto ao US com doppler quanto à tomografia, com sensibilidade de 100% e es-pecificidade de 98%, bem próximo do padrão-ouro, que é a angiografia. Tem como desvantagens a ne-cessidade de sedação e intubação orotraqueal, alto custo e a exposição a contraste intravenoso.2,6

A angiografia esplenoportal é considerada o padrão-ouro para detecção de TVPo, porém é um procedimento invasivo que necessita de intubação

orotraqueal com sedação e exposição ao contraste.4,5

Devido aos avanços das outras técnicas diagnósticas já é considerado um método obsoleto em adultos.2

PROFILAXIA DO TROMBOEMBOLISMO NO PERÍODO NEONATAL

Poucos trabalhos avaliam a profilaxia do trombo-embolismo no período neonatal. Entre os dispositivos estudados há mais dados na literatura sobre os cateteres centrais de inserção periférica e do cateterismo umbili-cal arterial do que do cateterismo umbilical venoso.25

Sobre o cateter umbilical arterial, metanálise da Cochrane de 2000 mostrou benefício no uso de hepa-rina não fracionada contínuo na dose de 0,25 – 1,0 UI/mL com o objetivo de evitar oclusão do dispositivo. Não foi constatada diferença nas taxas de tromboem-bolismo, porém não é recomendada a utilização de heparina em bolus. Essa revisão baseou-se principal-mente em cinco trabalhos randomizados.26

Em 2008, a Cochrane fez revisão sobre o uso de heparina contínuo em cateter central de inserção peri-férica e não foi evidenciado benefício na profilaxia de tromboembolismo. Porém, mostrou que havia redução na taxa de oclusão do dispositivo e nenhum óbito devi-do aos fenômenos hemorrágicos. Com isso, concluiu-se que utilizar heparina não fracionada contínua na dose de 0,5IU/kg/h aumenta o tempo útil do cateter, mas não tem impacto na prevenção de tromboembolismo.27

Em relação ao CVU, ainda não existe recomenda-ção sobre a utilização ou não da heparina. Se for pos-sível uma extrapolação dos resultados achados para cateter central de inserção periférica e cateter umbili-cal arterial, dificilmente seria recomendada sua utiliza-ção, visto que essa via de acesso venoso é considerada temporária e deve ter duração máxima de cinco dias.28

Nas revisões publicadas que abordam o tema, a orien-tação é para que não seja feita a heparinização.4,6

Outro mecanismo tentado para evitar a ocorrência de tromboembolismo é o uso de filtro na linha intrave-nosa. Em metanálise sobre o tema publicada em 2015 pela Cochrane, não houve diferença estatística entre o uso ou não de filtros na linha intravenosa para os se-guintes desfechos: mortalidade, septicemia suspeita ou comprovada, flebite local, trombo, enterocolite ne-crotizante, duração de patência do dispositivo, tempo de permanência no hospital, números de cateteres in-seridos e custos financeiros. Porém, fez a ressalva de

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A medicação mais utilizada para anticoagulação é a heparina de baixo peso molecular, com destaque para enoxaparina. Os cumarínicos não são utiliza-dos na trombose neonatal devido à dificuldade na monitorização da dose, da administração – por não ser comercializado em solução –, pelo fato de que as fórmulas infantis são ricas em vitamina K e todos os fatores dependentes de vitamina K estão reduzidos no período neonatal.6,25

Quando comparado a crianças mais velhas, os recém-nascidos necessitam de doses mais altas de enoxaparina para atingir anticoagulação terapêu-tica. A dose inicial indicada é de 1,5 mg/kg a cada 12 horas.10,25 Estudos mais recentes indicam que uma dose maior seria necessária, sendo 1,7 mg/kg para RN termo e 2,0 mg/kg para RN prematuro. Mais estudos, porém, ainda são necessários para fazer essa reco-mendação.4 A taxa de hemorragia significativa em me-nores de três meses devido à enoxaparina é de 3%.6

A monitorização deve ser feita com a atividade de antiXa, o exame deve ser colhido 4-6 horas após a injeção subcutânea, devendo ser mantido entre 0,5 e 1 UI/mL. A enoxaparina deve ser suspensa 24 horas antes de qualquer procedimento invasivo, especial-mente punção lombar.3,25

A heparina não fracionada, apesar de ser pouco utilizada no contexto da unidade de cuidados inten-sivos neonatais, tem algumas vantagens em relação à enoxaparina. Tem meia-vida curta, o que pode ser be-néfico em pacientes críticos que apresentam quadro clínico instável, permitindo melhor controle de acor-do com a condição clínica e seu efeito pode ser com-pletamente revertido com protamina, se necessário.25

que os estudos em que se baseia a recomendação tem qualidade baixa a muito baixa. Em conclusão, afirma que são necessários mais estudos para recomendar a utilização de filtros na linha intravenosa.29

Tratamento

O papel da anticoagulação na trombose neona-tal e principalmente da trombose da veia porta ainda não é claro. Grande quantidade dos casos resolve-se espontaneamente e outros levam apenas à atrofia do lobo hepático esquerdo, com quadro assintomático. A anticoagualção ou a trombólise só seriam benéfi-cas se levassem à redução da porcentagem dos pa-cientes que evoluem para OEHVP.4,6,10

É consenso entre as diferentes revisões sobre o tema que as tromboses neonatais devem ser acompanhadas por equipe multidisciplinar, composta de neonatologis-tas, um cirurgião pediátrico e hematologista pediátrico experiente ou, quando não for possível, que a equipe conte com hematologista de adultos com suporte, mes-mo que a distância, de um hematologista pediátrico. O serviço ainda deve ser equipado com laboratório ade-quado, equipe de radiologia e banco de sangue.10,25

O primeiro passo após a identificação do trombo é decidir se o benefício da intervenção é maior que os riscos. As recomendações do “American College of Chest Physicians” para anticoagulação em recém--nascidos e crianças é de que, após feito o diagnós-tico de trombose relacionado ao cateter venoso um-bilical, sejam realizados 3-5 dias de anticoagulação seguida pela remoção do cateter. O objetivo dessa intervenção é evitar que ocorra embolismo ao se re-mover o dispositivo com um trombo aderido.25

Se a trombose for observada apenas após a re-moção do dispositivo, os casos assintomáticos po-dem ser acompanhados com suporte clínico e acom-panhamento radiológico ou com anticoagulação. Nos episódios em que não foi iniciada anticoagula-ção e ocorre extensão do trombo, a anticoagulação deve ser considerada. Se for decidido pela anticoa-gulação, ela deve ser realizada com heparina não fracionada substituída por heparina de baixo peso molecular ou iniciada com heparina de baixo peso molecular e mantida por seis semanas a três meses. As recomendações, porém, são baseadas basica-mente em extrapolação de princípios da terapia em adultos, relatos de caso, estudos observacionais e experiência da prática clínica.25

Tabela 2 - Contraindicações a anticoagulação e trombólise

Contraindicações absolutas e relativas para iniciar anticoagulação ou trombólise em recém-nascidos

Absolutas

1. Cirurgia em sistema nervoso central ou isquemia (incluído isquemia perinatal) nos últimos 10 dias

2. Sangramento ativo

3. Procedimentos invasivos em 3 dias ou menos

4. Convulsões há menos de 48 horas

Relativas

1. Plaquetas <50.000/mm³ ou 100.000/mm³ para pacientes críticos

2. Concentração de fibrinogênio <100 mg/dL

3. RNI>2

4. Grave deficiência de coagulação

5. Hipertensão arterial sistêmica

Fonte: adaptado de Saxonhouse MA. Thrombosis in the Neonatal Intensive Care Unit. Clin Perinatol. 2015;42(3):651–73.10

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Trombose de veia porta após cateterismo venoso umbilical: revisão da epidemiologia, profilaxia, diagnóstico e tratamento

de hemorragia maciça está indicada a interrupção da infusão associada à administração de crioprecipita-do na dose de 5-10 mL/kg ou 1 U/5 kg.25

Importante salientar que a conduta frente à TVPo deva ser individualizada levando-se em considera-ção os riscos de sangramento, condição clínica do paciente e possível benefício do tratamento.25

PROGNÓSTICO

Após o diagnóstico de TVPo são reportados três principais desfechos: recanalização do vaso com de-saparecimento do trombo, atrofia do lobo hepático esquerdo e obstrução extra-hepática da veia porta com hipertensão portal.4,6,10

Os estudos mais importantes sobre o prognóstico da TVPo foram conduzidos por Morag et al. O primeiro, contendo a análise retrospectiva de 133 casos de TVPo no período neonatal, relatou inicialmente 73% de reso-lução com 27% de desfechos desfavoráveis (atrofia de lobo esquerdo responsável em 83% e hipertensão porta por 17%), sendo a mediana de tempo para recanaliza-ção de 63 dias (2-626 dias)7. No segundo, foram obtidos dados após 2-8 anos (média de cinco anos) de 70 des-ses 133 pacientes iniciais e encontrou-se hipertensão portal associada à atrofia de lobo esquerdo em dois, atrofia de lobo esquerdo isolado em 16, esplenomega-lia sem hipertensão portal isolada em três e esplenome-galia com atrofia de lobo esquerdo em dois. No estudo foi considerada hipertensão portal a identificação de vasos colaterais portossistêmicos. Todos os pacientes com atrofia do lobo esquerdo isolada eram hígidos, sem alterações clínicas ou laboratoriais.8

Pode-se concluir que não é comum a TVPo no perío-do neonatal evoluir com hipertensão portal. Isso prova-velmente é devido ao alto índice de recanalização encon-

Antes do início da terapia devem ser obtidos he-mograma completo, atividade de protrombina e tem-po de tromboplastina parcial ativado e fibrinogênio. As plaquetas e o fibrinogênio devem ser repetidos diariamente nos primeiros três dias e então pelo me-nos duas vezes por semana após atingir a dose tera-pêutica.10 A heparina não fracionada deve ser inicia-da com um bolus de 75-100 UI/kg e depois mantida em infusão contínua na velocidade de 28 UI/kg/hora. A monitorização da dose deve ser feita com atividade de antiXa, sendo indicado manter essa atividade en-tre 0,35 e 0,7 UI/mL. Ela deve ser dosada quatro horas após a dose de ataque e quatro horas após a modifi-cação da dose contínua.25

Apresenta taxa de hemorragia e de trombocitope-nia induzida por heparina superiores à da enoxapari-na. Além disso, ao contrário da última, necessita de acesso venoso, por ser uma droga de infusão contí-nua.10,25 Em caso de sangramento ativo, deve-se inter-romper a infusão de heparina e, caso seja necessário, aplicar sulfato de protamina conforme a quantidade de heparina utilizada.25 Devido ao risco de osteopo-rose e osteopenia, não deve ser utilizada por tempo prolongado. Se for indicado seu uso no início da tera-pia, deve ser substituída por heparina de baixo peso molecular após no máximo 30 dias.25

A trombólise deve ser realizada apenas em casos de trombose de grandes vasos com comprometimen-to de órgãos ou membros, ou seja, a não ser que o trombo se estenda aos vasos adjacentes, veia cava inferior, veias renais ou átrio direito com sintomas, o risco da trombólise é maior que o benefício. Ela deve ser realizada com ativador do plasminogênio tecidual recombinante, com administração prévia de plasma fresco congelado.25

A dose a ser utilizada é de 0,5 mg/kg/h por seis ho-ras e deve ser feita monitorização do fibrinogênio com menor concentração tolerada de 1 g/L. O tempo de tromboplastina parcial ativado não deve ser utilizado para o controle da dose e é recomendado manter as plaquetas acima de 100.000/mm³. É indicada a admi-nistração de heparina não fracionada em baixas doses (10 UI/kg/hora) concomitante e deve ser mantida nes-sa dose por 48 horas seguida de heparinização plena.25

A terapia trombolítica está associada a altos índi-ces de complicações. Sangramentos pequenos ocor-rem em 22% dos casos, hemorragia com necessidade de transfusão em 15% e óbito secundário a hemorra-gia em 1,25%.30 Se houver sangramento menor é in-dicada apenas pressão sobre o local, mas em casos

Tabela 3 - Monitorização da terapia trombolítica em neonatos

Imagem da trombose Antes do início da terapia e a cada 12-24 horas depois.

Fibrinogênio Antes do início da terapia e a cada 4-6 horas durante a infusão e depois 12-24 horas

Plaquetas Antes do início da terapia e a cada 4-6 horas durante a infusão e depois 12-24 horas

Imagem do SNC Antes do início do tratamento e diariamente após

Coagulograma Antes do início da terapia e a cada 4-6 horas durante a infusão e depois 12-24 horas

Plasminogênio Antes do início do tratamento e a cada 12-24 horas.

Fonte: adaptado de Saxonhouse MA. Thrombosis in the Neonatal Intensive Care Unit. Clin Perinatol. 2015;42(3):651–73.10

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Trombose de veia porta após cateterismo venoso umbilical: revisão da epidemiologia, profilaxia, diagnóstico e tratamento

são da heparinização. Antes de iniciar a heparina, avaliar contraindicações à anticoagulação (Tabela 2).

O exame de imagem deve ser repetido a cada 3-7 dias para acompanhamento. Se o trombo estiver no ramo esquerdo da veia porta, estiver estável ou redu-zindo de tamanho é indicado apenas o acompanha-mento clínico. Caso o trombo esteja aumentando ou com propagação para o ramo direito ou comum da veia porta, está indicado o início de enoxaparina ou heparina não fracionada em paciente crítico, nas do-ses de 1,5 mg/kg de 12 em 12 horas e 75-100 UI/kg de dose de ataque e manutenção com 28 UI/kg/h, res-pectivamente. No caso do uso inicial da heparina não fracionada ela deve ser substituída pela heparina de baixo peso molecular no prazo máximo de 30 dias.

A monitorização do tratamento deve ser realizada com a atividade antiFXa. O nível terapêutico é entre 0,5 e 1 unidade/mL. A heparinização deve ser mantida pelo pe-ríodo mínimo de seis semanas e máximo de três meses.

Se houver propagação do trombo para veia cava inferior, átrio direito ou ventrículo direito com reper-cussão clínica, avaliar possibilidade de trombólise com ativador do plasminogênio tecidual recombinan-te com transfusão prévia de plasma e uso concomi-tante de heparina não fracionada. Manter US seriados para acompanhamento do trombo até seu desfecho.

CONCLUSÃO

O período neonatal é o de maior risco para fenôme-no tromboembólico durante toda a infância. A trombose de veia porta após o cateterismo umbilical é complica-ção bem mais comum do que se supunha anteriormen-te. Ainda não se sabem ao certo todos os fatores que influenciam sua formação - a sepse e o longo tempo de permanência do cateter são os fatores mais estudados. A profilaxia com heparina não parece reduzir a incidên-cia dessa complicação, sendo necessários mais estudos para descobrir como evitar a formação do trombo.

A maioria dos casos evolui para regressão ou atro-fia do lobo hepático esquerdo, porém uma porcen-tagem desses pacientes irá evoluir para OEHVP com hipertensão portal e todas as suas consequências. É fundamental a elaboração de estudos para descobrir quais são os fatores que influenciam essa evolução des-favorável. Devido ao elevado risco de efeitos colaterais com o tratamento com anticoagulantes ou trombolíti-cos, é imprescindível que se obtenha mais evidências sobre a eficácia da anticoagulação no prognóstico.

trado e ao fato de que a maioria dos trombos se situa no ramo esquerdo da veia porta, que sem propagação para o ramo direito ou principal não desenvolve OEHVP.6

Caso ocorra a transformação cavernomatosa da veia porta com subsequente hipertensão portal, as consequências podem ser catastróficas. É estimado que 90 a 95% dos pacientes com OEHVP tenham vari-zes de esôfago. Cerca de 70% apresentarão pelo me-nos um episódio de hemorragia digestiva alta devido ao rompimento das varizes com taxa de mortalidade de 2-5% devido ao rompimento das varizes. O primei-ro episódio de sangramento habitualmente ocorre durante a primeira década de vida.1,2,9

As varizes anorretais atingem prevalência de 80 a 90%, seu sangramento é mais raro, porém pode levar à hemorragia maciça. Esplenomegalia é praticamen-te universal nesses pacientes, podendo ser assinto-mática ou se manifestar com dor abdominal ou hipe-resplenismo. O retardo de crescimento manifesta-se em até 50% dos pacientes. Ascite e encefalopatia são incomuns e geralmente transitórias, desencadeadas por sangramento gastrintestinal.1,2,9

Devido ao risco dessas complicações graves, é in-dicada monitorização rigorosa da trombose de veia porta neonatal para acompanhamento de sua evolu-ção. Caso evolua para OEHVP, é possível intervenção precoce. Essa intervenção pode ser com realização de profilaxia do sangramento digestivo por meio de pro-cedimento endoscópico ou cirúrgico, terapia nutricio-nal e suporte psicológico ao paciente e familiares.1,2,9

PROPOSTA DE RASTREIO E MANEJO DA TVPO PÓS-CVU

Baseado nas evidências mais recentes, sugere-se que o rastreio de TVPo deve ocorrer em todo RN com CVU e pelo menos um fator de risco para evento trom-boembólico: sepse mesmo que presumida, CVU por mais de seis dias, desidratação, hematócrito superior a 55%, diabetes gestacional, crescimento intrauteri-no restrito, mãe com trombofilia, e pré-eclâmpsia e peso ao nascer < 1.250 g. Deve ser realizado com US com doppler um dia antes da retirada do CVU. Se não houver trombo associado ao cateter não é necessária mais alguma terapia ou exame de imagem. Se houver trombo na veia porta é indicada heparinização com enoxaparina na dose de 1,5 mg/kg de 12 em 12 horas por três dias seguida pela retirada do CVU e suspen-

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RELATO DE CASO

Instituição:UFMG, Faculdade de Medicina,

Departamento de Pediatria.Belo Horizonte, MG – Brasil.

Autor correspondente:Lígia Maria Alves dos Santos

E-mail: [email protected]

1 Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, Faculdade de Medicina, Departamento de Pediatria.

Belo Horizonte, MG – Brasil.2 Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte.

Belo Horizonte, MG – Brasil.3 Universidade José do Rosário Velano – Unifenas,

Curso de Medicina. Belo Horizonte, MG – Brasil.

RESUMO

A tuberculose pulmonar infelizmente ainda constitui uma doença com grande relevância epidemiológica. Em 2015 acometeu cerca de dez milhões de pessoas no mundo, entre elas 1.000.000 de crianças. Existem vários fatores que podem dificultar o diagnóstico, assim como seu controle e tratamento. Destaca-se a diversidade das apresentações clínicas. O presente trabalho relata um caso de um lactente de três meses de idade, oligossintomático, cujo diagnóstico foi suspeitado e posteriormente confirmado pela cultura, devido à manutenção de imagem radiológica após tratamen-to de pneumonia comunitária.

Palavras-chave: Tuberculose Pulmonar; Tuberculose Pulmonar/diagnostico; Lactente.

ABSTRACT

Background: Unfortunately, pulmonary tuberculosis remains a disease with a great epidemiological relevance. In 2015, around ten million of people in the World were af-fected by tuberculosis,1 000.000 children’s among them. Many factors can difficult the diagnosis, control and treatment of the disease. Among this factors, clinical presentation diversity can be highlighed. In this study, a case of a three months old infant was de-scribed. Patient s diagnosis was suspected due to persistent radiological imaging after a community-acquired pneumonia treatment.

Key words: Tuberculosis, Pulmonary; Tuberculosis, Pulmonary/diagnosis; Infant.

INTRODUÇÃO

No ano de 2015 a tuberculose acometeu cerca de 10 milhões de pessoas no mun-do, sendo que, destas, 1 milhão e meio foram a óbito pela doença. Na população pediátrica foram cerca de 1 milhão de novos casos registrados. A taxa de declínio da incidência da tuberculose permaneceu em 1,5% entre os anos de 2014/2015, taxa que precisava estar entre 4 e 5% até 2020 para alcançar os marcos da meta da Orga-nização Mundial de Saúde.1,2

As manifestações clínicas mais comuns nas crianças são febre baixa, tosse, irri-tabilidade e inapetência.1 Na apresentação radiológica são comuns as adenomega-lias hilares e paratraqueais direitas, mas pode-se observar opacidade de qualquer aspecto.1 Os autores apresentam um caso de tuberculose pulmonar em um paciente de apenas três meses de idade não infectado pelo vírus HIV e encaminhado para propedêutica de massa mediastinal.

Pulmonary tuberculosis in young infant: a case report

Ligia Maria Alves dos Santos1, Laura Maria de Lima Belizario Facury Lasmar1, Maria das Graças Rodrigues de Oliveira2, Gabriela Belizario Lasmar3, Claudia Ribeiro de Andrade1

Tuberculose pulmonar no lactente jovem: um relato de caso

DOI: 10.5935/2238-3182.20170037

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Tuberculose pulmonar no lactente jovem: um relato de caso

Recebeu alta após 23 dias de internação, tendo recebido 21 dias de ceftriaxone e amoxicilina com clavulanato por sete dias e foi encaminhado para se-guimento ambulatorial ao Serviços de Pneumologia Pediátrica e Cirurgia do Hospital das Clínicas UFMG para esclarecimento da massa mediastinal.

Mantinha tosse, após um mês da alta hospitalar, com então cinco meses e 13 dias de vida, mantendo bom ganho de peso e ótimo estado geral. Ao exame físico encontrava – se taquipneico (frequência respi-ratória de 60 irpm) e com linfadenomegalia cervical das cadeias cervicais anterior direita e esquerda, sem sinais flogísticos. Restante do exame sem alterações. Foi realizada biópsia de linfonodos cervicais direitos. A análise patológica acusou, à microscopia, numero-sos granulomas com células gigantes com áreas de necrose caseosa, congestão e edema, caracterizan-do linfadenite crônica granulomatosa caseificante. A pesquisa de BAAR foi negativa.

Diante de tais achados, foram solicitados teste tuberculínico cujo resultado foi 18 mm e lavado gás-trico, em regime de internação hospitalar. Este apre-sentou pesquisa de BAAR e auramina negativa em duas amostras. Por fim, a cultura do lavado identifi-cou complexo Mycobacterium tuberculosis. Realizado também o teste de sensibilidade da micobactéria en-contrada aos tuberculostáticos, entre eles estreptomi-

RELATO DE CASO

Paciente de três meses de idade, sexo masculi-no, nasceu de parto cesáreo eletivo, mãe portadora do vírus HIV sem pré-natal, realizado antirretroviral periparto. Fez uso de zidovudine e sulfametoxazol + trimetropim. Após duas cargas virais negativas foi descartada transmissão vertical.

Com três meses e 25 dias iniciou quadro de fe-bre, tosse e hiporexia. Após três dias de evolução foi encaminhado para internação e iniciado ceftriaxone para tratamento de pneumonia comunitária.

A Figura 1 mostra a radiografia simples de tórax à internação, que evidenciou extensa opacidade em hemitórax direito, sem nível hidroaéreo, sem acometi-mento do lobo inferior. Após 15 dias de antibioticotera-pia o paciente apresentou melhora clínica importante, caracterizada por remissão da febre, tosse e melhora do apetite, no entanto, mantinha alteração radiológica inalterada. Assim, foi solicitada tomografia computa-dorizada de tórax, que revelou grande massa hetero-gênea com áreas de necrose localizada em lobo su-perior direito, obstrução abrupta do brônquio direito, conforme ilustrado na Figura 2. Após o exame foram levantadas as hipóteses de tumor sólido de origem in-definida e malformação congênita do pulmão.

Figura 1 - Radiografia de tórax em PA demonstrando opacidade em lobo superior e médio.

Figura 2 - Tomografia de tórax de alta resolução eviden-cia massa heterogênea com áreas de necrose localizada em lobo superior direito.

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Tuberculose pulmonar no lactente jovem: um relato de caso

paratraqueais.4 Ao exame físico observa-se a linfade-nomegalia sem outros sinais flogísticos, como calor, hiperemia e dor, com consistência usual. Por sua vez, o acometimento do parênquima pulmonar é menos frequente, especialmente na extensão apresentada por esse paciente. Acredita-se que, apesar da extensa lesão, o paciente permanecia assintomático devido ao crescimento lento da lesão característica da mico-bactéria e, desse modo, proporcionou uma adapta-ção da fisiologia pulmonar do lactente.3

Considerando as características clínicas do pa-ciente na chegada ao serviço de urgência juntamente com uma imagem radiológica alterada, a principal hipótese levantada deve ser de pneumonia bacte-riana5, o que só pode ser revisto com cautela após avaliação cuidadosa. Os achados que fazem pensar, retrospectivamente, em outro diagnóstico são: pa-ciente clinicamente estável, sem esforço respiratório e hipoxemia, algo pouco provável diante de área de opacidade tão extensa em lactente jovem.6

Os tumores também podem apresentar-se como massa heterogênea, com áreas de necrose e que não apresenta características de consolidação em uma tomografia de tórax.7 Entre eles, pode-se citar o neu-roblastoma.8 Assim, deve-se aventar essa possibilida-de na ausência de epidemiologia para tuberculose.

Entre os achados radiológicos a tuberculose tem apresentação multivariada. A principal altera-ção parenquimatosa é caracterizada por opacidade de limites imprecisos, sem predileção por lobos ou seguimentos, invariavelmente associada à linfade-nomegalia mediastinal ou hilar do lado da lesão. Podem ocorrer ainda lesões cavitárias, nódulos ou mesmo fenômenos obstrutivos, promovendo áreas de atelectasia lobares ou mesmo erosão de paredes brônquicas com eliminação para a árvore respirató-ria de material caseoso proveniente de linfonodos. O acometimento pleural é raro nessa faixa etária.4 A radiografia do paciente relatado foge muito das apre-sentações mais comuns da doença, o que torna o seu diagnóstico mais difícil pela falta de suspeição.

A linfadenite crônica granulomatosa caseificante não é um achado patognomônico da tuberculose. Ela também está presente na sarcoidose, doença da arranhadura do gato, brucelose, sífilis, hanseníase e infecções micóticas, mas diante da idade do paciente e da história epidemiológica a tuberculose se torna a principal hipótese diagnóstica.8

A positividade da cultura para essa micobactéria é um achado difícil e deve-se tentar em todos métodos

cina, isoniazida, rifampicina, etambutol e pirazinami-da, sendo sensível a todos.

Os pais negaram contato com tuberculose em vá-rias ocasiões, mas frente aos resultados dos exames foi relatado que a mãe estava em tratamento de tuber-culose e que os tuberculostáticos foram suspensos por alteração nos exames hepáticos.

Durante a internação no Hospital das Clínicas, o pa-ciente mantinha dissociação clínico-radiológica, com excelente estado geral, bom ganho de peso. Ao exame físico a única alteração verificada era a taquipneia. Foi iniciado tratamento com isoniazida, rifampicina e pira-zinamida. Após 30 dias de tuberculostáticos, a radiogra-fia simples de tórax exibiu nítida redução da opacidade em hemitórax direito. A Figura 3 mostra a radiografia simples de tórax após seis meses de tratamento.

DISCUSSÃO

A tuberculose é uma doença com apresentações clínicas muito variadas. Em especial, no acometimen-to de lactentes e crianças, o quadro se apresenta oli-gossintomático na maioria das vezes3, como apresen-tado pelo caso relatado, daí a grande importância da epidemiologia para a busca do diagnóstico.1 Diante do grande estigma da doença, ainda se observa gran-de dificuldade no momento da busca epidemiológica.

Os lactentes e os pré-escolares têm uma forma de tuberculose que acomete principalmente linfo-nodos e caracteristicamente os linfonodos hilares e

Figura 3 - Radiografia simples de tórax demons-trando opacidade em lobo superior direito sugesti-vo de atelectasia.

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Tuberculose pulmonar no lactente jovem: um relato de caso

possíveis. Nesse caso, chama a atenção a realização do lavado gástrico, de execução simples e não invasi-vo. A positividade da cultura, segundo a Organização Mundial de Saúde, é de 25 a 50% quando realizadas três amostras. O lavado gástrico não é um procedi-mento gerador de aerossóis e é considerado procedi-mento de baixo risco para transmissão, podendo ser realizado com segurança no leito do paciente ou em uma sala de procedimentos. Ressalta-se que no caso apresentado o risco de transmissão pelo paciente é desprezível considerando-se sua menor idade.

CONCLUSÃO

O presente caso traz mensagens importantes so-bre o diagnóstico e assistência aos pacientes com tu-berculose A doença continua sendo subdiagnostica-da e o abandono do tratamento é uma realidade com implicações individuais e coletivas. Os pilares do diagnóstico se alicerçam, como em todas as doenças transmissíveis, na anamnese, no exame físico e histó-ria de contato. Nosso paciente apresentava dissocia-ção clínico-radiológica, que deve sempre levantar a suspeição de tuberculose. E o exame clínico comple-to, incluindo linfonodos, pode auxiliar no esclareci-mento. A história de contágio deve ser pesquisada de formas variadas e em repetidas situações, pois pode

não ser revelada inicialmente. O lavado gástrico deve ser tentado em lactentes (que não expectoram e não estão aptos a realizar o escarro induzido), pois é não invasivo e, como nesse caso, pode isolar o agente.

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