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E D I T O R I A L

Caros Amigos,

Resgatar a Terra da atual crise ambiental e favorecer o nascimento deum novo paradigma de civilização não só é possível como já está sendoimplementado com excelentes resultados em várias frentes. Uma delas éo projeto “Cultivando Água Boa”, apresentado nesta edição, uma ver-dadeira revolução cultural promovida pela hidrelétrica de Itaipu. Atra-vés de princípios, valores, hábitos e educação, a harmonização socieda-de-natureza atinge o tão desejado desenvolvimento sustentável. Mais umacomprovação de que a humanidade já conta com instrumentos eficien-tes para projetar uma nova era de ecocidadania sem traumas e comsegurança. Basta determinação política focada no conceito de que “pa-trimônio mundial” é o conjunto de bens materiais e imateriais.

Três outros artigos dissecam as falsas premissas que alimentam o “deus mer-cado” e o atual modelo de desenvolvimento predatório avesso a mudançasque afetem o imediatismo do “lucro pelo lucro a qualquer preço”. Ou seja,pela irresponsável política de crescimento econômico que abriu a “caixa dePandora” das mudanças climáticas, da destruição de florestas, da degradaçãode rios e mananciais, do consumismo irresponsável, da hiperprodução de lixo,da fome e da miséria, da dizimação da biodiversidade... entre outros flagelos.

Embora já seja consenso que o crescimento econômico ilimitado atualmenteem prática não é sustentável – como elencam o Relatório Brundtland (Nossofuturo comum) e outros irrefutáveis estudos referenciados nesta edição – , perpe-tua-se em escala global o uso abusivo e excessivo dos recursos naturais semconsiderar-se a capacidade de suporte dos ecossistemas. Em sinergia de abor-dagem desta questão, diversos autores diagnosticam e apresentam alternativaspara tal insensatez. Um deles explica a gênese do dilema entre desenvolvimen-to e preservação do patrimônio natural, questão global que, em nosso país,pode chegar a agudas e irreversíveis consequências caso o projeto do novoCódigo Florestal for aprovado na íntegra pelo Congresso.

Os recentes deslizamentos de encostas ocorridos na Serra do Mar, no esta-do Rio de Janeiro, em janeiro último, são analisados por dois geólogos, querevelam serem aqueles solos florestados altamente instáveis, tenham ou nãosofrido ações antrópicas. A fragmentação da Mata Atlântica – um dos bio-mas mais ameaçados do mundo – também é analisada.

Ao nominar 2011 Ano Internacional das Florestas, a ONU agiu mais doque acertadamente ao chamar a atenção da governança global e da soci-edade civil para a mais grave das crises: a perda avassaladora dos recur-sos florestais e dos “serviços ecossistêmicos”, que garantem a sobrevi-vência da biodiversidade. Tão distanciados da natureza estamos que es-quecemos um fato básico: não somos donos, mas hóspedes da Terra. Emais: que nossa casa cósmica saberá muito bem viver sem nós, uma vezque não depende de nossa presença para existir.

Helio CarneiroEditor Editada e impressa no Brasil.

A Revista Cidadania & Meio Ambiente nãose responsabiliza pelos conceitos e opiniõesemitidos em matérias e artigos assinados.

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Álvaro Rodrigues dos SantosCaio Coronel (Itaipu Binacional)

Carlos HaagCarlos Monteiro

Darcy Poletti-HarpEric Câmara/BBC Brasil

IHU-OnLineJacques Diouf

Juan Mayr/Consultor do PNUMALeonardo Boff

Luana Lourenço/Agência BrasilMárcia Tharakan

Marcus Eduardo de OliveiraMaury Abreu

Osvaldo Ferreira ValenteRenata Giraldi/Agência Brasil

Serviço Florestal Brasileiro

Colaboraram nesta edição

031977217763007ISSN217-630X

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Nº 31– 2011 - ANO VICapa: Floresta, por Thomas Hhusseau

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Patrimônio Mundial: rumo a um conceito holísticoEm1972 foram estabelecidos os primeiros elementos para desenvolver mecanismos práticos de gestão eproteção do patrimônio comum, do qual depende o futuro do planeta. Por Juan Mayr

2011-Ano Internacional das FlorestasConfira porque a preservação dos ecossistemas florestais é urgente e vital para a sobrevivência da flora,da fauna e da espécie humana. Por Darcy Poletti-Harp

(Re)florestarO Brasil tem papel significativo no desequilíbrio climático por comportar a maior mata tropical domundo e contribuir com desmate e queimadas para o aquecimento global. Por Marcia Tharakan

A fragmentação da Mata AtlânticaA Mata Atlântica exige ações de preservação urgentíssimas para salvaguardar e restaurar um dosbiomas mais ameaçados do mundo. Entrevista com Maury Abreu

As florestas e os deslizamentos de encostasOs deslizamentos de terra na Mata Atlântica são fenômenos naturais ou desastres provocados pelaocupação irresponsável do solo? Ou as duas coisas? Por Osvaldo Ferreira Valente

Serra do Mar: dinâmica evolutiva da escarpa e tragédiasOs delizamentos na Serra do Mar consitutem fenômeno natural agravado pelos empreendimentoshumanos que descisideram processos geológicos naturais. Por Álvaro Rodrigues dos Santos

Cultivando Água BoaEste projeto mitiga, corrige passivos ambientais e implementa um programa socioambiental que otimiza asustentabilidade em mais de 29 municípios da Bacia Hidrográfica do Paraná 3 (BP3). Por Leonardo Boff

História e meio ambiente: questão atual e urgenteA partir das consequências do capitalismo no meio ambiente, nas políticas públicas, na produçãoalimentar e na cidadania, o autor propõe reflexões sobre a ecocidadania. Por Valdemir José Sonda

Preservação e desenvolvimento: dilema constante na história brasileiraEm tempo de novo Código Florestal Brasileiro, descubra porque a preservação da natureza edesenvolvimento econômico conflitam e delineiam políticas desde o Brasil colônia. Por Carlos Haag

2011- Sete bilhões de habitantesO primeiro bilhão de habitantes se deu por volta de 1804. Neste ano, a Terra deve alcançar 7 bilhões.Qual o reflexo dessa explosão demográfica sobre a sustentabilidade do Planeta? Por José Eustáquio Diniz

Volatilidade dos preços e crises alimentaresSem decisões que permitam mudanças estruturais a longo prazo, acompanhadas de vontade política, ainsegurança alimentar global permanecerá. Por Jacques Diouf

Afinal, o que é ecossocialismo?Mudar a racionalidade econômica; aproximar ciência econômica à libertação do homem; criar um novoambiente propício à vida... Pontos da discussão do socialismo ecológico. Por Marcus Eduardo de Oliveira

Turismo e sustentabilidadeO grande desafio do destino turístico: construir sua sustentabilidade para gerar atratividade no presentee continuidade no futuro. Por Prof. Carlos Monteiro

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por Juan Mayr - Consultor do PNUMA

Somente no correr da última década o mundo passou a reconhecer os perigos queameaçam nosso planeta. Estes perigos decorrem da ausência de medidas concre-tas para solucionar as questões cada vez mais críticas em relação ao meio ambi-ente e à proteção do patrimônio cultural. 1972 marcou o início de um períododecisivo. Na verdade, nesse ano foram estabelecidos os primeiros elementos doque mais tarde tornou-se um debate de fundo destinado a desenvolver mecanis-mos práticos para a gestão e proteção do patrimônio comum, do qual depende ofuturo de nosso planeta.

rumo a um conceito holísticoPatrimônio Mundial:Patrimônio Mundial:

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O ano de 1972 foi marcado por duas grandes conferências: a 17 ª sessão da Con-

ferência Geral da UNESCO, em Paris, e aConferência das Nações Unidas sobre Am-biente Humano, em Estocolmo. Estas con-ferências, com o apoio de programas comoo Homem e a Biosfera (MAB) e do Progra-ma das Nações Unidas sobre o Meio ambi-ente (PNUMA) estabeleceram referenciaisessenciais para o desenvolvimento e o fu-turo da humanidade. Ao aprovar a Conven-ção do Patrimônio Mundial, em 1972, a Con-ferência Geral da UNESCO reconheceu queas mudanças na vida econômica e socialameaçam destruir o patrimônio natural ecultural, e que esta destruição empobrece-ria o patrimônio de todos.

Dada a extensão e gravidade da situação, aConvenção convocava a comunidade inter-nacional a proteger o patrimônio natural ecultural mundial. A Conferência das NaçõesUnidas sobre Ambiente Humano tentou defi-nir os vários princípios que devem inspirar eorientar o esforço global de preservação doambiente humano. A declaração final da con-ferência reconheceu que nossa espécie é tan-to o produto quanto o arquiteto do seu ambi-ente, o que lhe permite crescer intelectualmen-te, moralmente, socialmente e espiritualmen-te. Como resultado, a humanidade é capaz detransformar seu ambiente através do rápidodesenvolvimento da ciência e da tecnologia.

A Declaração Final reconheceu que essasnovas possibilidades poderiam incentivar aemergência de uma cultura global e uma pos-sível melhoria das condições de vida. Elaobservou, no entanto, que o uso inadequa-do desses recursos pode causar danos con-sideráveis à humanidade e a seu ambiente.Esta afirmação foi baseada em provas irrefu-táveis dos danos causados pelo homem emtodo o mundo, e provou a violação do equi-líbrio ecológico da biosfera, devido à conta-minação da água, do ar e destruição do soloe esgotamento dos combustíveis fósseis eoutros fatores perigosos para o bem-estarsocial e mental dos indivíduos. A Declara-ção de Estocolmo de 1972 sustentava que amaioria dos problemas ambientais resultavado subdesenvolvimento que afeta muitospaíses. E acrescentava que milhões de pes-soas vivem abaixo dos limites mínimos acei-táveis e são privados de alimentos, vestuá-rio, habitação decente e educação.

Ela também afirmou que a explosão popula-cional representa um desafio importante para

à preservação do meio ambiente. O relatório“Os Limites do Crescimento” foi publicadona esteira dessas conferências e apresenta-do no mesmo ano pelo Clube de Roma, queprocura promover o crescimento econômi-co ao mesmo tempo estável e durável. O re-latório, que despertou controvérsia na épo-ca, chamou a atenção para as questões rela-cionadas ao crescimento populacional e eco-nômico, e as consequências do aumento do“impacto ecológico” devido ao crescimen-to da população humana.

O relatório argumenta que o crescimento eco-nômico ilimitado não pode ser sustentado emum mundo finito, e sugere a imposição de limi-tes no tocante aos recursos naturais e ao cres-cimento demográfico e, consequentemente, àpoluição do meio ambiente. Essa hipótese ain-da hoje é pertinente. Naquele mesmo momen-to, o Programa Homem e Biosfera (MaB) tenta-va promover o uso eficiente de combustíveisfósseis e ampliar a percepção pública para asnecessidades de conservação a fim de se me-lhorar o relacionamento entre os seres huma-nos e o meio ambiente em escala planetária.

DIVERSIDADE CULTURAL E SÍTIOS

SAGRADOS SÃO PATRIMÔNIO MUNDIAL

Todos esses programas, conferências e de-clarações constituem atualmente base para

a reflexão e o desenvolvimento de uma novaabordagem. Em reconhecimento da estreitaligação entre patrimônio natural e culturalda humanidade e a necessidade de agir parapreservá-los, foram iniciadas uma série dediscussões para integrar este fato aos con-ceitos de diversidade cultural, tradições,conhecimentos e valores espirituais e sa-grados enraizados na população. Assim, foidecidido que o patrimônio da humanidadeinclui não só o hardware, mas também valo-res e práticas intangíveis. Uma nova dimen-são foi assim adicionada à equação, ao sereconhecer a relação inseparável entre osmundos natural e cultural, os quais, com oconhecimento tradicional, deu forma às pai-sagens culturais e sítios sagrados.

A integração dessas novas idéias foi auxilia-da por uma série de declarações e acordosmultilaterais, levando a debates mais amplosem diferentes fóruns. Os mais importantesforam: a Convenção (n.º 169) da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT) sobre PovosIndígenas e Tribais em Países Independen-tes, da Conferência das Nações Unidas sobreMeio Ambiente e Desenvolvimento, da Cú-pula da Terra, Rio de Janeiro (1992); a Estraté-gia de Sevilha para as Reservas da Biosfera(1996); o Fórum Permanente sobre QuestõesIndígenas das Nações Unidas, criado em 2000;a Declaração Universal dos Direitos dos Po-vos Indígenas (2006); a Declaração Universalda UNESCO sobre a Diversidade Cultural(2001); a Convenção da UNESCO para a Sal-vaguarda do Patrimônio Imaterial (2003); osSistemas de engenharia do patrimônio agrí-cola mundial; e o Congresso Mundial de Par-ques, de 2003, em Durban, na África do Sul.

A IMPORTÂNCIA DOS

CONHECIMENTOS TRADICIONAIS

Devido ao isolamento e adaptabilidade àscondições adversas, muitas civilizações man-tiveram sua língua, cultura e memória de suahistória na era da globalização. As conexões eprofundas interações culturais que estabele-ceram com seu ambiente natural provou sercrucial neste contexto. Muitas dessas civili-zações vivem em áreas caracterizadas por umelevado nível de biodiversidade. Outros, noentanto, têm pouco acesso a tais recursos.Mas, em ambos os casos, o conhecimentotradicional ajudou no desenvolvimento de for-mas sustentáveis de adaptação.

No entanto, hoje, elas estão mais ameaçadasdo que nunca em função do impacto dos mo-delos de desenvolvimento dominantes. Esta

Sierra Nevada

Nossa espécie étanto o produto

quanto o arquitetodo seu ambiente.”

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situação põe em risco um dos principais trun-fos da humanidade em seu confronto com osdesafios atuais e futuros (alterações climáti-cas, extinção acelerada de espécies, esgota-mento de água e combustíveis fósseis) e, emmuitos casos, a viabilidade das economiaslocais e regionais. Os habitantes da regiãomontanhosa de Sierra Nevada de Santa Mar-ta, inscrita na Lista indicativa da Colômbia,têm mantido a continuidade cultural de umpassado longínquo que data de bem antes daconquista espanhola, no século XVI.

A adaptação dos povos indígenas Kogui,Arhuaco e Wiwa a este território é um exem-plo perfeito de sustentabilidade cultural eambiental. Com uma população de menos de50.000 habitantes, este território ancestralespraia-se por uma formação montanhosamuito vulnerável que, a partir da costa doCaribe, ergue-se a uma altitude de 5.775 macima do nível do mar. Essa montanha sa-

grada enfeixa todas asfaixas climáticas, e con-tém amostras representa-tivas de todos os ecos-sistemas da América tro-pical. A área de terras in-dígenas (chamada de“Coração do Mundo”pelos habitantes da re-gião) é definida por umasérie de sítios sagradosinterligados.

Cada um desses sítiosestá sujeito ao direitoconsuetudinário quecontrola o comportamen-to social, cultural e ambi-ental da comunidade. To-dos estes sítios (que in-cluem rios e lagos, cerca-dos por grandes áreasagrícolas, que deságuamno Mar do Caribe, cadei-as de altas montanhas eantigos vestígios em pe-dra de ocupação huma-na) são orientados porconstelações nos pontosonde a memória culturale natural dos ancestraistem sido fielmentemantida desde a aurorados tempos. Também sãoreconhecidos como ospontos de origem das di-ferentes linhagens comu-

nitárias e constituem pontos de encontroonde todas as decisões são tomadas em ma-téria de proteção e gestão da Terra. Tambémsão sítios para oferendas, rituais e comemo-rações sazonais. Os rituais culturais, presidi-dos pelos líderes espirituais ou Mamas, man-têm o equilíbrio entre sociedade e natureza.

Hoje, no entanto, o território está ameaçadonão só pela chegada de agricultores desloca-dos, mas também por monumentais projetosde engenharia que prejudicam esta entidadecultural e seus sítios sagrados. Estas duasameaças constituem perigo significativo, nãosomente para a sobrevivência cultural de umapopulação que perdura há milhares de anos,mas também para a viabilidade do desenvol-vimento de grande parte da região Colômbia–Caraíbas. Com mais de 1,5 milhão de habitan-tes, esta região depende dos recursos daque-la imensa “fábrica de água”, muito bem pre-servadas pelas aldeias indígenas.

DIVERSIDADE CULTURAL E BIOLÓGICA:GARANTIA DE VIABILIDADE DO PLANETA

A Sierra Nevada de Santa Marta, inscrita pelaUnesco na Rede mundial de reservas da bios-fera, é um exemplo. Cada continente possuisítios, paisagens e culturas com característi-cas semelhantes, onde diversidade cultural esistemas de crença mantêm relação intrínsecacom a biodiversidade e representam fonte detroca, de criatividade e de inovação essenciaisà estabilidade e à sobrevivência. Isto torna-seainda mais evidente quando se reconhece quea agricultura representa uma das principais in-terfaces entre a cultura e a biodiversidade. Orespeito pela diversidade cultural é a melhormaneira de garantir segurança alimentar e bio-diversidade e, reciprocamente, o estilo de vidada maioria das aldeias. A diversidade cultural émuito mais complexa do que parece.

Por trás de cada cultura emergem um estilo devida e uma adaptação às condições impostaspelo ambiente natural, sua história, seus có-digos éticos e morais, seus sistemas de pen-samento e de crenças, seu desenvolvimentotecnológico e institucional. Hoje, mesmo queusufruamos de alguns benefícios da globali-zação, os sinais do declínio gradual dos siste-mas naturais que sustentam a vida e a econo-mia parecem irrefutáveis. Estes indícios de-vem nos alertar para a crise que ameaça omeio ambiente e que já estamos enfrentando.Há ainda a salientar que a diversidade cultu-ral de nosso planeta está enfrentando amea-ças sem precedentes, sendo uma delas o de-saparecimento de cerca de 2.500 das 5.000-7.000 línguas ainda em uso em todo o mundo.Estes perigos que pesam sobre a diversidadecultural e o conhecimento tradicional tambémameaçam o desenvolvimento sustentável.

Ao longo da história da humanidade, ospoderes dominantes impuseram suas lín-guas e visões culturais a outros territóriose civilizações. Chegou a hora de dar-se umbasta ao processo de globalização para quese reflita sobre os modos de superar os pro-blemas de nossa civilização. Territórioscomo a Serra Nevada de Santa Marta justi-ficam os esforços feitos até agora pela co-munidade internacional. Temos de continu-ar esses esforços para proteger o patrimô-nio da humanidade. n

Devido ao isolamento e àadaptabilidade a condiçõesadversas, muitas civilizaçõesmantiveram língua, cultura

e memória de sua história naera da globalização.

Meninas e ancião Arhuaco(Bunkwámake, Colômbia).Acima, homem Kogui.Fotos: Danilo Villafañe.

Juan Mayr - Consultor do PNUMA (Progra-ma das Nações Unidas para o Meio ambiente) eex-ministro do Meio ambiente da Colômbia.Artigo original publicado na revista PatrimoineMondial nº 48, abril de2008.

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Muitas corporações mundiais atribuem estatuto especial aáreas naturais, conferindo-lhes status de locais sagrados –seja ao reconhecer seus deuses e espíritos, seja como san-tuários dedicados aos antepassados. Em muitos casos, oacesso a esses locais sagrados era restrito. Bosques, mon-tanhas, rios e outros locais sagrados tornaram-se impor-tantes reservas de biodiversidade, preservando espéciesúnicas ou raras de plantas e animais. Sítios naturais sa-grados e paisagens culturais podem contribuir para umaeficaz conservação da diversidade biológica? Em 2005 foirealizado em Tóquio um simpósio internacional dedicadoà questão, que resultou na “Declaração de Tóquio”.

Essa Declaração incentivou entidades e pesquisadores acooperar com vista à salvaguarda da diversidade biológicae cultural de sítios naturais sagrados e paisagens culturais.Também incitou governos e gestores de áreas protegidas aconsiderar as orientações da UNESCO/UICN (União Inter-nacional para a Conservação da Natureza e dos seus Re-cursos) na conservação e gestão dos locais sagrados natu-rais. Os sítios do patrimônio mundial da UNESCO do Par-que nacional Uluru-Kata Tjuta, Austrália (Reserva da biosferaAyers Rock-Mount Olga), e o Parque nacional/Floresta na-tural do monte Quênia são dois importantes locais sagra-dos naturais. Outros locais sagrados fazem parte das Re-servas da biosfera da UNESCO: Bogd Khan Uul na Mon-gólia, Nilgiri na Índia e Dinghushan na China, sítios con-siderados sagrados ao longo dos séculos por seus ocu-pantes. A UNESCO considera tais sítios evidência da estrei-ta ligação entre a diversidade cultural e a biodiversidade.Eles realmente provam que as sociedades que neles habi-tam e seus sistemas simbióticos são capazes de conservar abiodiversidade in situ.

A inclusão do Tongariro National Park (Nova Zelândia)na Lista do Patrimônio Mundial, em 1993, como a pri-meira paisagem cultural – igualmente selecionado peloslaços espirituais que o povo maori mantém com o meioambiente – tem demonstrado que a Convenção do Patri-mônio Mundial da UNESCO adota abordagens pionei-ras na proteção da diversidade cultural e natural do pla-neta. Parque Nacional Uluru-Kata Tjuta encerra espetacu-

SÍTIOS NATURAIS SAGRADOS E DIVERSIDADE CULTURAL

lares formações geológicas que dominam a vasta planí-cie arenosa vermelha da Austrália central. O monumen-tal monólito de Uluru e as cúpulas rochosas de Kata Tjuta,a oeste de Uluru, fazem parte do sistema de crenças tradi-cionais de uma das mais antigas sociedades humanas.Os proprietários tradicionais de Uluru-Kata Tjuta são osaborígenes Anangu.

Locais sagrados contêm reservas significativas de diversi-dade genética e de espécies, e podem ajudar a protegercontra a degradação ambiental dos ecossistemas. Destaforma, a natureza transdisciplinar da interface entre aspercepções culturais e a lógica científica – no tocante àproteção eficaz da diversidade biológica e cultural encon-tradas nesses locais sagrados – fornece modelos atraen-tes para a elaboração de uma conservação integrada eprogramas de desenvolvimento implementados por orga-nizações ambientalistas e desenvolvimentistas.

Para se receber a colaboração e a participação dos povosindígenas e das comunidades locais na conservação dabiodiversidade, os exemplos de conservação tradicional delocais sagrados e de paisagens culturais terão de recebermaior reconhecimento e divulgação como modelos alter-nativos de uso da terra e, portanto, do desenvolvimentosustentável baseado no conhecimento tradicional. n

Para mais informações:n Cahiers du patrimoine mondial, n° 13 : L’union des valeursuniverselles et locales : la gestion d’un avenir durable pour lepatrimoine mondial. whc.unesco.org/en/series/13/n Conserver la diversité culturelle et biologique : le rôle des sitesnaturels sacrés et des paysages culturels. Compte rendu duSymposium international, Tokyo, 30 mai-2 juin 2005. Unesco, Paris,2006. unesdoc.unesco.org/images/0014/001478/147863e.pdfn Rössler, M.: Améliorer la conservation du patrimoine mondial : liens entrele matériel et l’immatériel. Patrimoine Mondial, n° 32, 2003, p. 64-67.n Jumelages de paysages sans frontières ? Dans : Le patrimoinemondial au 5e Congrès de l’UICN sur les parcs mondiaux. Durban,Afrique du Sud, 8-17 septembre 2003.n Cahiers du patrimoine mondial, n° 16. Centre du patrimoinemondial de l’Unesco, 2005, p. 23-26. whc.unesco.org/en/series/16/Biodiversity in Unesco - unesdoc.unesco.org/images/.pdf

Ayers Rock-Mount Olga, Parque Nacional d’Uluru-Kata Tjuta, Austrália. Parque Nacional de Tongariro

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Frente ao desastroso empobrecimento do meio ambiente, a ONU nomeou2011 – Ano Internacional das Florestas para convocar a governança glo-bal e todos os segmentos sociais a refletir e agir em defesa do verde.Confira neste artigo porque a preservação dos ecossistemas florestais éurgente para a sobrevivência da flora, da fauna e da espécie humana.

2011

Ano Internacional das Florestas Bluebells

ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS . 2011

2011

por Darcy Poletti-Harp

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Qual a situação das flores-tas no mundo? Desde1946, a Organização para

a Alimentação e Agricultura dasNações Unidas (FAO) vem divul-gando a cada cinco ou 10 anos umaAvaliação Global dos RecursosFlorestais (FRA, em inglês). Essesrelatórios são baseados em dadosrecolhidos em todos os tipos deflorestas ao redor do planeta. NoFRA 2010, os últimos resultadosforam finalmente compilados.

A taxa de desmatamento diminuiu,com uma média de 13 milhões dehectares perdidos por ano em com-paração aos 16 milhões em 1990.Além disso, o plantio de árvoresem grande escala reduziu a perdalíquida de florestas em todo o mun-do. Regionalmente, a América doSul sofreu a maior perda líquida,seguida pela África.

Na Europa, a área total de florestacontinuou a se expandir, em partedevido aos programas de reflores-tamento global postos em práticapela União Europeia, em 1990. Osesforços da China no plantio de ár-vores também deu bons resultados,

As florestas são bensda humanidade, e nossaqualidade de vida atuale futura está diretamente

vinculada às florestasque nos dão sustento.

com a Ásia reportando ganho líquido de maisde 2,2 milhões de hectares. Nas Américas doNorte e Central, a estimativa de áreas flores-tais permaneceu praticamente a mesma tan-to no final como no início da década.

Embora essas estatísticas sejam animado-ras, ainda estão longe de serem perfeitas. Eforam esses dados que levaram a ONU adesignar 2011 o Ano Internacional das Flo-restas por reconhecer que se não entender-mos que nosso cotidiano está inevitavel-mente relacionado às florestas da Planeta,que a “saúde das florestas” é a nossa saú-de, as ameaças atualmente enfrentadas pe-las florestas acabarão por triunfar.

O INCALCULÁVEL VALOR DAS FLORESTAS

Nos EUA, uma das formas mais importantesde celebrar o Ano Internacional das Florestasserá explorar novos caminhos de reflexão so-bre as florestas americanas. Em décadas pas-sadas, a jovem nação americana em crescimen-to via as florestas como recurso para a cons-trução nacional. Com foco centrado nos lu-cros potenciais das árvores, levou tempo paraas pessoas perceberem os ecossistemas flo-

restais como um todo interconectado. Afinal,as florestas são muito mais do que apenas asárvores que as definiram por tanto tempo. Cla-ro que os ecossistemas florestais fornecem ma-deira, mas também são fonte de outros inúme-ros bens, desde a água fresca potável e as opor-tunidades ilimitadas de recreação até a pura erefrescante fonte de inspiração que emana dossítios selvagens e naturais.

Um movimento crescente entre os gestoresflorestais americanos e as organizações am-bientalistas procura hoje reenquadrar a for-ma como olhar as florestas, de forma a “ver afloresta e também as árvores”. No centro destamudança de pensamento está a concepçãode “serviços ambientais” ou, em outras pa-lavras, os benefícios que os indivíduos re-cebem a partir de um determinado ecossiste-ma. Alguns desses benefícios são facilmen-te identificáveis e quantificáveis – alimento,abrigo, matérias-primas. Mas há benefíciosna forma de serviços mais abstratos e igual-mente importantes, como a regulação do cli-ma, a polinização e o controle da erosão, fa-tores que passam despercebidos em nossocotidiano. Gifford Pinchot, primeiro diretor

do Serviço Florestal dos EUA, de-finiu conservação como “a utili-zação prospectiva, a preservaçãoe / ou a renovação das florestas,das águas, das terras e dos mine-rais para o bem-estar maior domaior número de gente por maistempo”. Desde que Pinchot fez taldeclaração, no início de 1900, a idéiaexata de “bem maior” mudou emdiferentes climas políticos, econô-micos e sociais. Mas, neste novoséculo, particularmente nesta novadécada, estamos cada vez mais cons-cientes do fato de que o “bem mai-or” para os ecossistemas florestaistambém é o “bem maior” para oshabitantes do planeta.

ÁGUA

A água é o constituinte mais ele-mentar de nossa existência – 60%de nosso organismo. Em cidades evilarejos de todo o país, abrimos atorneira de onde jorra água fresca elimpa. Mas quantos realmente po-dem traçar o caminho que a águalevou para chegar às torneiras?Quantos poderiam nomear os riose lagos que compõem as bacias hi-drográficas locais e regionais?

Nos EUA, mais de 180 milhões de indivídu-os dependem das florestas para ter águapotável. Algumas das maiores cidades dopaís – de Nova York a São Francisco – têmem áreas florestais sua fonte de abasteci-mento municipal. As florestas ajudam acontrolar a erosão, reduzem a quantidadede sedimentos em nossa água, e seus siste-mas de filtragem naturais reduzem a neces-sidade de tratamento.

Nas últimas décadas, as comunidades ame-ricanas perceberam que a conservação dosecossistemas florestais beneficia diretamen-te os cidadãos. Quando na década de 1990 aqualidade da água da cidade de Nova Yorknão mais atendeu aos padrões de pota-bilidade, as autoridades municipais foramconfrontadas com duas opções: construiruma nova usina de filtragem a um custo deUS$6-8 bilhões mais US$300 milhões de custoanual de manutenção, ou investir na preser-vação da bacia hidrográfica Catskills, ondeos processos naturais de filtragem poderiamabastecer a cidade com água de qualidadeconfiável. A cidade cravou a segunda op-ção, comprando mais terras ao norte do es-

Vew Camper

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tado e fazendo melhorias nas ins-talações de tratamento existen-tes, tudo a um custo mais razoá-vel: US$1,5 bilhão. Apesar de ci-dades como Nova York trabalha-rem para garantir o futuro dosecossistemas que fornecem suafonte de água potável, outrasações ainda são necessárias. Em2003, o Government Accounta-bility Office informou que na pró-xima década pelo menos 36 esta-dos americanos sofrerão de es-cassez de água. As futuras gera-ções precisarão de água limpa efresca, e se trabalharmos em con-junto para cuidar das florestas,esses ecossistemas poderão for-necer uma solução rentável esustentável para a questão água.

BIODIVERSIDADE

A composição das florestasamericanas é muito variada. Dasflorestas pluviosas do Alascaaos pântanos da Flórida, elassão o habitat de grande varieda-de de plantas e de animais. As interaçõesentre as espécies constituem o cerne de umecossistema saudável e funcional, e a alte-ração de uma parte desta equação perturbatodo o conjunto. A biodiversidade afetanosso cotidiano bem como o cotidiano deum ecossistema. Vejamos, por exemplo, apolinização. Preocupações recentes sobrea misteriosa diminuição das populações deabelhas devido ao “colapso das colméias”trouxeram para o foco das atenções esteimportante serviço ecossistemático. Embo-ra sejam provavelmente os polinizadoresmais familiares, as abelhas produtoras demel são apenas uma entre as aproximada-mente 20.000 espécies de abelhas nativas.Sem a grande variedade de polinizadoresque a natureza oferece, a agricultura tornar-se-ia extremamente onerosa e quase impos-sível. Afinal, assim como precisamos deágua, também precisamos de alimentos. Es-peremos que o futuro não nos reserve even-tos dramáticos para nos conscientizar daimportância da biodiversidade.

Da fragmentação do habitat às mudanças cli-máticas, muitas ameaças confrontam as espé-cies que compõem os ecossistemas flores-tais. As espécies invasoras têm provado seruma das questões mais prementes a afetar asflorestas na atualidade. Nos EUA, por exem-plo, estorninhos não nativos suplantam as

populações de pássaros nativos e destroemplantações; caracóis da Nova Zelândia com-petem por recursos com insetos aquáticosnativos, fato que por sua vez afeta as popula-ções nativas de peixes que se alimentam deinsetos. Graças à capacidade de prosperar emáreas alteradas e produzir grandes quantida-des de sementes, ervas daninhas invasorasrepresentam uma grande ameaça às espéciesnativas no Oeste americano: elas sufocam asplantas nativas ao competir por luz, espaço enutrientes. Estima-se que as espécies invaso-ras têm contribuído para o declínio de 42%das espécies ameaçadas de extinção nos EUA– dado assustador que não pode ser ignora-do. Para se gerir as florestas é preciso ter emmente que sem uma floresta integral ediversificada não se pode tirar proveito detodos os serviços ecossistemáticos tão im-portantes para a saúde e bem-estar do ho-mem e da sociedade.

REGULAÇÃO CLIMÁTICA

A mudança climática é hoje uma das maiscomplexas questões enfrentada pelo mun-do, e as florestas são capazes de fornecersoluções significativas para o debate sobreo aquecimento global. Isso pelo fato de ár-vores e plantas absorverem o dióxido de car-bono da atmosfera através da fotossíntese earmazenarem o carbono em sua madeira, fo-lhas e solo. Esse processo conhecido como

“seqüestro de carbono” com-pensa diretamente o dióxido decarbono produzido pela queimade combustíveis fósseis e outrasatividades. O seqüestro de car-bono trabalha para manter o nos-so ar puro e o clima reguladoquando as árvores estão vivas.Mas quando as áreas são des-matadas, o carbono que as árvo-res uma vez armazenaram é relan-çado na atmosfera.

As árvores também são impor-tante fonte de biomassa, fonteenergética que possivelmentepoderá substituir os combustí-veis fósseis em todas as utiliza-ções – do aquecimento ao trans-porte. O Billion Ton Report pu-blicado em 2005 pelos Departa-mentos de Energia e de Agricul-tura dos EUA estima que 370milhões de toneladas secas debiomassa estão disponíveis acada ano a partir de dejetos eresíduos florestais. Em uma so-

lução criativa, muitas escolas americanasembarcaram no trem da biomassa e substi-tuíram seus antigos e ineficientes sistemasde aquecimento por combustores de bio-massa. E o mercado de biomassa continuaa se expandir por todo os EUA.

Assim como as árvores representam im-portantes soluções para as mudanças cli-máticas, elas são afetadas pelos efeitos da-nosos de tais mudanças. O aumento donúmero de incêndios florestais pode estarligado a mudanças nos padrões de tempe-ratura e de precipitação. Os invernos maisquentes têm permitido que espécies noci-vas, como o besouro do pinheiro, se des-loquem para altitudes mais elevadas e maisao norte, alteração que a partir de 1990 jádanificou severamente mais de 27 milhõesde hectares de florestas no Canadá e nooeste dos EUA.

Os cientistas prevêem que no futuro as al-terações climáticas representem a maiorameaça para as grandes árvores, bem comopara as mudas, colocando em risco tanto asflorestas históricas como as futuras. A bus-ca constante por soluções inovadoras paramelhorar a resistência florestal protegerá esustentará não só os ecossistemas impor-tantes dos EUA, mas também beneficiarãoo restante do planeta.

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ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS . 2011

As florestas e seus sistemasde filtragem naturais reduzema quantidade de sedimentos

e a necessidade de tratamentoda água para consumo.”

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Cidadania&MeioAmbiente 13

Floresta tropical e subtropical folhosa úmidaFloresta tropical e subtropical folhosa secaFloresta tropical e subtropical de coníferasFloresta temperada folhosa e mistaFloresta temperada de coníferasFloresta boreal / TaigaTundraFloresta mediterrânica, bosques e cerrado

Pradaria tropical e subtropical, savana e cerradoPradaria temperada, savana e cerradoPradaria montanhosa e vegetação arbustivaCampos inundados e savanaMangueDeserto e vegetação xerófitaRocha e gelo

BIOMAS

Definir o que constitui uma flo-resta não é fácil. As tipologiasflorestais diferem muito em fun-ção de fatores como latitude, tem-peratura, regime pluviométrico,composição do solo e atividadehumana.

MAPA MUNDIAL DA DISTRIBUIÇÃO DE FLORESTAS (Recursos naturais - florestas)

Fonte: European Commission, Joint Research Centre. 2003. Global Land Cover 2000 database(www-gem.jrc.it/glc2000).Publicado em Environment and Poverty Times #5: Pro-poor growth issue Species distribution maps. Cartógrafo/Designer: HugoAhlenius, UNEP/GRID-Arendal. Link: http://maps.grida.no/go/graphic/world-map-of-forest-distribution-natural-resources-forests

OS PRINCIPAIS BIOMAS DO MUNDO

Fonte: Publicado em Vital Forest Graphics, 2009.Link: http://maps.grida.no/go/graphic/the-main-biomes-of-the-worldCartógrafo: Emmanuelle Bournay

z Cerca de 240 milhões dos pobres do planeta que vivemem áreas florestais de países em desenvolvimento depen-dem das florestas para sua subsistência. A floresta e seusprodutos proporcionam renda, empregos e bens de consu-mo para tais famílias.

z Os recursos florestais garantem emprego formal e infor-mal a um contingente estimado de 40-60 milhões de in-divíduos. Em alguns países em desenvolvimento, o setorcontribui com mais de 8% do PIB.

z A madeira pode ser o produto florestal mais importante,mas as florestas também são fornecedoras de frutas, er-vas e mel, bem como de caça.

z Menos visíveis mas não menos importantes são os ecossiste-mas florestais, que fornecem serviços como o ciclo hidrológico.

z No entanto, a cobertura florestal global diminuiu empelo menos 20% desde os tempos pré-agrícolas.

z Enquanto a área de floresta aumentou ligeiramentenos últimos 30 anos nos países industrializados, nomesmo período ela diminuiu em quase 10% nos paísesem desenvolvimento.

z Segundo a Organização Mundial de Agricultura e Ali-mento, o desmatamento é responsável por 25% das emis-sões de gases de efeito de estufa (GEE), cuja redução éde alta prioridade na agenda global. O mapa é partede um conjunto que apresenta diferentes recursos natu-rais com foco nos países em desenvolvimento e no usodos recursos naturais para o crescimento econômico e aredução da pobreza.

Perene

Decídua

COBERTURA FLORESTAL

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FLORESTAS URBANAS

Quando pensamos em florestas,geralmente imaginamos uma vas-ta extensão de árvores, locaisonde podemos escapar da corre-ria do tráfego matinal e do energé-tico turbilhão da vida citadina.Mas, recentemente, deu-se umnovo enfoque às florestas urba-nas. Você sabia que as árvores deseu bairro economizam energia eremovem os poluentes do ar? Emmuitas cidades, organizações pú-blicas e privadas estão se consti-tuindo para explicitar a importân-cia das florestas urbanas e do pla-nejamento estratégico no fortale-cimento da “infra-estrutura verde”comunitária. Em resposta ao fatode que Nova York perdeu 9 milhectares de espaço verde de 1984a 2002, constitui-se a MillionTrees NYC com o objetivo deplantar e cuidar de 1 milhão de ár-vores na próxima década. A flo-resta urbana de Nova York abran-

Darcy Poletti-Harp – Articulista da Your National Forests (Official Magazine of the National ForestFoundation). Tradução livre do artigo The Forest & Trees: the conservation por Cidadania & MeioAmbiente. Artigo publicado na edição de Winter-Spring 2011 (www.nationalforests.org).

As atribuições de “Ano” pela ONU objetivam destacar relevantes questões políti-cas, de direitos sociais, ambientais e humanos. 2010 foi o Ano Internacional daBiodiversidade; 2006, o dos Desertos e da Desertificação; 2002, o da HerançaCultural; 1994, o da Alfabetização. Para o AAAAANONONONONO I I I I INTERNANTERNANTERNANTERNANTERNACIONALCIONALCIONALCIONALCIONAL DDDDDASASASASAS F F F F FLLLLLORESTORESTORESTORESTORESTASASASASAS

estão previstos eventos ao longo de 2011. Para verificar o calendário completo epara mais informações, visite o site www.un.org/en/events/iyof2011

DADOS FLORESTAIS GLOBAIS:z As florestas constituem o lar de 300 milhões de pessoas.z As florestas ocupam 31% do solo da Terra.z 1,6 bilhão de pessoas dependem das florestas para subsistir.z As florestas abrigam 80% da biodiversidade terrestre do planeta.

Capn madd Matt

ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS . 2011

Sem uma floresta integral ediversificada não se pode tirar

proveito dos serviçosecossistemáticos tão importantes

para a saúdedo homem e do Planeta.”

ge 24% da área total da cidade e estima-seque as árvores retirem 2.202 toneladas de po-luição e armazenem 1,35 milhões de toneladasde carbono por ano, ao mesmo tempo em quereduzem os custos de energia em 28 milhõesdólares anualmente. As estatísticas não men-tem e os benefícios são claros: as florestasurbanas estão “esverdeando” as cidades emerecem a mesma proteção e cuidados queos ecossistemas tradicionalmente definidoscomo florestas.

RECREAÇÃO

Onde você pode caminhar, pedalar, acam-par, fazer canoagem, colher cogumelos efrutas silvestres? Nas florestas. Durantetodo ano e em todos os países as pesso-as procuram as florestas para escapar darotina diária, desfrutar de atividades comoa pesca ou simplesmente olhar as estre-las e desfrutar a natureza. E se os pesca-dores não puderem mais comer o pesca-do porque as águas dos rios estão conta-minadas? E se o trinado dos pássaros co-loridos deixar de ecoar por entre as árvo-res? E se as árvores que vestem as pito-rescas montanhas que amamos forem de-vastadas por besouros? Bem, se nós nãopensarmos as florestas como ecossiste-mas integrais, se “não pudermos ver a flo-resta para as árvores”, então perderemosmuitos dos atrativos e recreações que apre-ciamos em nossas florestas.

O ser humano precisa da natureza. E. O. Wil-son, o renomado biólogo de Harvard, popu-larizou o conceito de “biofilia”, ao afirmar aexistência de um elo inato entre os humanos eseu meio natural. Estudos têm demonstradoque o acesso a espaços verdes e abertos pro-picia muita coisa, desde o aumento da produ-tividade laboral à redução do tempo de con-valescença hospitalar. No entanto, apesar dis-so, as crianças passam cada vez menos tem-po na natureza. Entre 1997 e 2003, o númerode crianças americanas que desfrutaram a na-tureza diminuiu 50%. Agora, enfrentamos umduplo desafio: proteger as florestas para asatividades de lazer e inspirar a próxima gera-ção de administradores florestais a saborearsua própria conexão com o ar livre.

MOTIVOS PARA COMEMORAR

A ONU teve bons motivos paradesignar 2011 como o Ano Inter-nacional das Florestas. A Avalia-ção Ecossistêmica do Milênio, fi-nalizada em 2005, revelou que60% dos serviços ecossistêmi-cos globais foram de alguma for-ma degradados. As florestas sãobens da humanidade, e nossaqualidade de vida atual e futuraestá diretamente vinculada às flo-restas que nos dão sustento. Es-peremos que neste e nos anosvindouros novas vozes se unamna discussão sobre a saúde dafloresta e sua sustentabilidade.

Devemos formar tanto no con-texto público quanto privadogrupos de reflexão para quebraras velhas barreiras que histori-camente têm freado o ritmo deconservação e gestão susten-tável. Novos programas devemser desenvolvidos para colocar

as crianças em contato com a natureza, demodo a que elas melhor compreendam eapreciem a importância da água limpa e dosecossistemas saudáveis. Se trabalharmosjuntos e tivermos em mente tudo o queestá em jogo – da água potável à diversi-dade genética da flora nativa –, podere-mos levar a mensagem do Ano Internacio-nal das Florestas a todas as frentes. Por-tanto, comece a comemorar! Faça uma ca-minhada entre as árvores do seu bairro epense em como elas estão tornando suacidade mais saudável e mais verde. Acam-pe sob as estrelas. Aprenda a identificaras espécies invasoras. Mostre a uma cri-ança as maravilhas da natureza. Saia decasa para ver a floresta e as árvores. n

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z O ano de 2011 foi definido pela Organização das Nações Unidascomo Ano Internacional das Florestas, e a resolução da ONU quetrata do assunto ressalta a importância de gerir as florestas em bene-fícios da população, além do papel do manejo florestal sustentávelpara o desenvolvimento e a erradicação da pobreza.

z O Brasil, que tem a maior área de floresta tropical do mundo e maisde 60% de sua área com cobertura florestal, deve avançar na conquistadesses objetivos este ano. Por meio das concessões florestais, mais de 1milhão de hectares dentro de unidades de conservação de uso sustentá-vel já estão direcionadas para a atividade econômica com critérios desustentabilidade, avalia o diretor-geral do Serviço Florestal Brasileiro.Para Antônio Carlos Hummel: “Esta é uma política nova e que vai propi-ciar a efetiva implantação das unidades de conservação e a geração deuma economia florestal sustentável para a Amazônia. Estamos demons-trando que floresta em pé gera renda e conserva a biodiversidade.”

z Na Flona do Jamari (RO), concessão que já entrou em operação, 96 milhectares foram concedidos para a iniciativa privada. A extração madeirei-ra potencial é de 68 mil metros cúbicos de madeira legal por ano, comuma receita estimada de R$3,3 milhões distribuída entre governo federal,estadual e municipal. A atividade produtiva trouxe a oportunidade deempregos para os moradores locais, com carteira assinada e respeito àlegislação trabalhistas. Durante os 40 anos da concessão, mais de 80%dos funcionários devem ser contratados na região, conforme cláusula docontrato assinado entre as empresas e o Serviço Florestal.

O ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS E O BRASIL

FlorestaTapajos (corte legal) - UN Photos

z A atividade madeireira sustentável será especialmente im-portante em outras localidades onde haverá concessões,como na região da BR-163 (rodovia Cuiabá-Santarém), noPará, que registra baixos indicadores socioeconômicos. AFlona do Crepori, por exemplo, que terá parte de sua áreaconcedida, está no município com o menor PIB per capitado país, Jacareacanga.

COMUNIDADESz As comunidades que dependem da floresta para sua sub-sistência também têm sido foco de ações específicas dogoverno federal. Desde 2010, povos e comunidades tradi-cionais, assentados da reforma agrária e agricultores fami-liares têm recebido apoio para realizar o manejo de flores-tas por meio do Programa Federal de Manejo Florestal Co-munitário e Familiar. “Essa foi uma conquista que já buscá-vamos há vários anos: políticas públicas integradas, de lon-go prazo e focadas no atendimento das comunidades envol-vidas com o uso do recursos florestais. A ação conjunta doInstituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)e do Serviço Florestal é um dos resultados dessa política”..

z O primeiro Plano Anual de Manejo Florestal Comunitárioe Familiar, elaborado pelos ministérios do Meio Ambientee Desenvolvimento Agrário, trouxe uma série de atividadesem fortalecimento organizacional, fortalecimento institucio-nal, regularização ambiental, crédito, assistência técnica,extensão e capacitação de base florestal, infra-estrutura eprodução, beneficiamento e comercialização.

z Moradores de assentamentos receberam cursos paraaprender a se organizar em torno de uma associação e afazer a gestão financeira, de sustentabilidade e de éticanos empreendimentos comunitários. Também houve açõespara capacitar gestores e tomadores de decisão em órgãosdo governo para produzir e aplicar ações de regulamenta-ção, fomento e mecanismos de incentivo e crédito, tendocomo objetivo principal o desenvolvimento sustentável dosetor florestal.

z Foi ainda disponibilizado crédito aos comunitários paraatividades florestais, entre várias outras iniciativas, comocapacitação para produção de não madeireiros, curso so-bre exploração madeireira de impacto reduzido para líde-res comunitários e implementação de infraestrutura em as-sentamentos.

CONSERVAÇÃOz No Brasil,que tem mais de 500 milhões de hectares deflorestas e cerca de 20 milhões de pessoas morando naAmazônia, buscar o uso sustentável dos recursos florestaiscom a geração de renda para seus habitantes é um impera-tivo. “Já avançamos muito nos últimos anos, mas não se podedormir sobre os louros. Ainda existem desafios enormes paraconsolidação do modelo das concessões florestais e do ma-nejo florestal comunitário e familiar”, afirma Hummel. n

Fonte: Artigo publicado no site www.florestal.gov.br (02/02/2011).

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AOrganização Meteorológica Mundial(OMM), ligada à Organização das

Nações Unidas (ONU), divulgou recente in-formação de que a temperatura da Terra au-mentou 0,53ºC, o que atribuiu a 2010 o sta-tus de ano mais quente desde 1988.

Estes informativos advertem para a tendên-cia de um aquecimento significativo na Terraa partir de 2010, período o qual já entramos.Ou seja, os estudos científicos estão apon-tando para a seguinte assertiva: ‘Não hávolta, cada ano será, de fato, mais quenteque o anterior’. Só nos resta agir e interagir,local e globalmente, para amenizarmos asconsequências desta inevitável alteraçãoclimática e de suas mazelas em nossas vidas.

Não nos esqueçamos de que o Brasil tem umpapel significativo na questão do aquecimen-to global. Por comportar a maior mata tropi-cal do mundo, a sua lastimável contribuiçãopara este fenômeno se dá pelas poluiçõesprovenientes das queimadas nas florestas,em geral para a pastagem de gado, ou pelodesmatamento para a retirada e venda ile-gais de madeiras. Estas condutas irrespon-sáveis e criminosas fazem lançar na atmosfe-ra toneladas de CO

2 e destroem, gradativa-

mente, a maior riqueza natural do mundo.

Uma estimativa do Instituto Nacional dePesquisas Espaciais – INPE mostrou uma

A cada ano temos a impres-são de que o verão está maisquente que o anterior. Co-mentários a este respeito setornam corriqueiros. Toda-via, infelizmente não se tratade mero boato ou disse-me-disse: a Terra está, compro-vadamente, mais quente.

por Marcia Tharakan

Marcia Tharakan – Advogada e ambientalistacom especialização em Direito Ambiental.E-mail: [email protected] [email protected]

(Re) Florestar!redução de 13,6% na taxa de desmatamentonos anos de 2009/2010 em relação ao perío-do anterior. Trata-se de um pífio índice deredução de desmatamento. Ademais, há umaconstante oscilação entre aumento e que-da de desmatamento no período de um ano.

Dados do mesmo INPE traçam uma relaçãode como o desmatamento do bimestre no-vembro/dezembro de 2010 ficou distribuí-do entre os estados, e colocam no rankingda vergonha nacional os reincidentes esta-dos do Mato Grosso, Pará, Amazonas eRondônia. Uma verdadeira seta a indicaronde esta prática precisa ser mais severa-mente vigiada, banida e punida.

O resultado do desrespeito e agressão à natu-reza? Ela está nos dando o seu troco. O aqueci-mento global e as suas consequências aca-bam se tornando uma bola de neve, ou de fogo!

Mais uma vez o Brasil foi mostrado como ovilão do clima na imprensa estrangeira. Arevista norte-americana Science informouque a seca que assolou a Floresta Amazô-nia em 2010 inverteu a sua função: fez comque ela produzisse mais CO

2 do que absor-

vesse. É alarmante que em apenas 10 anosa Amazônia tenha registrado duas grandessecas. A primeira, de 2005, foi consideradaà época a pior dos últimos 100 anos, e a de2010 superou a sua antecessora. As duas

Pantanal Matogrosense - Naina Psytrance

ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS . 2011

juntas lançaram na atmosfera cerca de 8 bi-lhões de toneladas de CO

2.

A explicação científica é que as secas daAmazônia são consequências diretas doaquecimento do planeta. Conforme se cons-tata, há uma cadeia de episódios climáti-cos, onde um desencadeia o outro, o quedemonstra a gravidade da situação. A res-ponsabilidade é de todos, e a conta a serpaga também será rateada.

2011 é o Ano Internacional das Florestas, eno auge destas calorosas discussões climá-ticas acerca do aumento de temperatura, se-cas e desmatamentos, as florestas adquiremum incontestável plus de importância nanossa condição de bem estar e na do pró-prio planeta Terra.

É nítida a dissonância entre o sentido dedesmatar e viver. Com viver combinamossemear, regar, conservar, plantar. Estamos,neste momento, escrevendo parte da histó-ria que nunca mais será apagada. Se optar-mos por viver e jogarmos a semente destaideia em nossas mentes férteis, com o temcolheremos os frutos da vida! n

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A fragmentação da Mata AtlânticaEntrevista com Maury Abreu

Figurando entre os cinco pri-meiros hotspots de biodiversi-dade mundial, a Mata Atlânti-ca exige ações de preservaçãourgentíssimas para salvaguar-dar – e, o ideal – restaurarum dos biomas mais amea-çados do mundo

IHU ON-LINE – QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS PROBLEMAS QUE VIVEM

HOJE A MATA ATLÂNTICA E A COSTA BRASILEIRA?Maury Abreu – O maior dos problemas na Mata Atlântica é, semdúvida, a fragmentação do hábitat. O grande desmatamento pelo quala Mata Atlântica passou, e ainda passa, transformou o que antes erauma floresta contínua em um conjunto de pequenos fragmentos compouca ou nenhuma conexão entre eles. Isso desencadeia uma série deproblemas para as populações silvestres.

Outro grande problema de conservação tanto na Mata Atlântica quantoem espécies marinhas é o conflito com o ser humano. Em terra firme,muitas espécies são caçadas por suas belas peles ou plumas. Alémdisso, a perda do ambiente natural força muitos organismos a exploraráreas urbanas ou de criação de gado, o que agrava esses conflitos. Nacosta, os conflitos ocorrem principalmente entre pescadores e algu-mas espécies marinhas. Em algumas praias gaúchas, pescadores oca-sionalmente atacam leões marinhos que, devido à escassez de alimen-tos, acabam atacando e danificando redes de pesca.

Falando dessa maneira faz parecer que os pescadores são inocen-tes. Mas quando paramos para pensar que essa escassez de alimen-tos se deve, principalmente, à pesca predatória e à superexploraçãode recursos causada pelo ser humano, então não há como culpar osleões-marinhos. Outros problemas ainda poderiam ser apontados,como o tráfico de animais silvestres e a morte de animais marinhospor ingestão de lixo e afogamento em redes de pesca.

IHU – QUAL A IMPORTÂNCIA DA BUSCA POR ESPÉCIES DA FAUNA AINDA

NÃO IDENTIFICADAS?M.A. – Como podemos proteger aquilo que não conhecemos? Se aconservação da biodiversidade é importante, “conhecer” essa bio-diversidade é ainda mais importante! A diversidade biológica, sejaem termos de diversidade de espécies, de interações ou processosecológicos, é essencial para o equilíbrio dos ecossistemas. Maspara preservar esse equilíbrio, primeiro precisamos conhecê-lo. Porisso, a descoberta de novas espécies é tão importante.

IHU – COMO ANALISA A FISCALIZAÇÃO DOS ÓRGÃOS RESPONSÁVEIS

PELO MONITORAMENTO DAS ÁREAS DE CONSERVAÇÃO NO PAÍS?M.A. – Ineficientes. Órgãos governamentais geralmente se de-fendem afirmando que não há recursos, e isso é uma realidade.Mas, mesmo quando os recursos estão disponíveis, as fiscaliza-ções não são efetivas. No fim, me parece que a fiscalização ageexclusivamente sobre os pesquisadores, que enfrentam uma imen-sa bateria burocrática para conseguir trabalhar. Para piorar a situ-ação, já houve ocasiões em que pessoas responsáveis por admi-nistrar áreas de conservação acabam sendo as que mais degradama área, ou a tornam praticamente uma “propriedade particular”onde podem fazer o que desejam. ONGs e grupos particularesacabam sendo aqueles que mais fiscalizam essas áreas, usando amídia como aliada e exigindo ações mais concretas.

IHU – EM QUE NÍVEL ESTÁ A QUESTÃO DO DESMATAMENTO DA MATA

ATLÂNTICA? QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DESSE TIPO DE AÇÃO?M.A. – O desmatamento pelo qual a Mata Atlântica passou trans-formou a floresta em pequenas manchas fragmentadas, restandohoje cerca de 8% da sua extensão original. Imagine que essasmanchas são pequenas cidades, mas que não existem estradas e odeslocamento entre uma cidade e outra é extremamente difícil. Essaé a situação na qual se encontram os organismos que vivem nesteambiente fragmentado. E isso é especialmente crítico para espéci-es de grande porte, que precisam percorrer grandes distânciaspara sua sobrevivência.

O isolamento destes fragmentos também pode trazer problemas gené-ticos. Populações silvestres que vivem isoladas tendem a diminuir asua variabilidade genética, o que diminui a chance de resposta caso apopulação venha a sofrer algum dano. Populações com maior variabi-lidade genética têm maiores chances de responder positivamente auma alteração no ambiente. Se a população é atacada por algumadoença ou praga, por exemplo, a chance de existir algum indivíduocom alguma informação genética que permita sobreviver a essa doen-ça é maior quanto maior for a diversidade genética na população.

Julica Lopes

ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS . 2011

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O desmatamento florestal também provoca problemas na estrutura doambiente. Ambientes muito fragmentados podem perder o que é cha-mado de micro-habitat, uma porção do habitat com um conjunto devariáveis muito específicas (pH do solo, temperatura, luminosidade,etc.). Perdendo esses micro-habitats perdem-se também espécies inti-mamente associadas a eles. E isso pode gerar um efeito cascata queafetará todos os organismos silvestres e, num futuro não muito dis-tante, acabará tendo forte influência também na vida humana. Porexemplo, existem espécies vegetais de grande importância econômicapara o ser humano cuja manutenção e sobrevivência dependem forte-mente de espécies animais. Se o equilíbrio não for mantido, mais cedoou mais tarde o ser humano acabará sendo afetado negativamente.

IHU – O QUE PENSA DO NOVO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO?M.A. – Para a comunidade cientí-fica está claro que o Novo Códi-go visa beneficiar exclusivamen-te agricultores e proprietários deterra, sem se preocupar com asconsequências à biodiversidade.As previsões na comunidade ci-entífica são o aumento na frag-mentação, cujas consequências jáforam mencionadas antes, e dosimpactos ao ambiente. Essas me-didas cedo ou tarde trarão gravesproblemas à sociedade. Exemplodisso é a proposta de redução nasfaixas de proteção ao longo dosrios de 30 para 15 metros. Há tem-pos a comunidade científica aler-ta para os riscos da ausência demata ciliar no entorno dos rios, ha-vendo inclusive um grande proje-to na Unisinos que visa o estudoe a preservação da mata ciliar doRio dos Sinos. Contudo em todoo Brasil a comunidade não temdado atenção a esse problema, eos resultados já são sentidosatravés de catástrofes, inunda-ções de rios e enchentes. Se asrecomendações científicas tives-sem sido tomadas desde o prin-cípio, talvez catástrofes dessetipo pudessem ser evitadas.

As modificações propostas noNovo Código Florestal também terão grandes impactos negativosnos chamados “serviços do ecossistema”. A natureza presta umasérie de “serviços gratuitos” para a sociedade humana, como polini-zação e dispersão de sementes de espécies com interesse econômico,ciclagem de nutrientes, controle natural de pragas, etc. Se os sistemasecológicos que suportam esses “serviços” não forem preservados,será necessário um investimento financeiro muito maior no futuro.Então, o que vale mais a pena?

IHU – O AQUECIMENTO GLOBAL TEM ALTERADO O COMPORTAMENTO

DA MATA ATLÂNTICA E DA COSTA BRASILEIRA?M.A. – Os efeitos provocados pelo aquecimento global são mun-diais. Não há lugar no planeta que não seja afetado de algumamaneira, por menor que seja. No ambiente aquático, ele afeta cur-sos de marés e altera a temperatura do oceano, afetando assim

microorganismos e organismos muito sensíveis que servem dealimento para outros organismos de maior porte. No ambiente ter-restre, o aumento na temperatura global pode levar a alterações nocomportamento e na sobrevivência de alguns organismos. Tambémexiste uma tendência de aumento de ventos e furacões devido aoaquecimento global, e isso afetará significativamente as espécies ter-restres danificando ainda mais o ambiente já fragmentado da MataAtlântica. Imagine uma árvore caindo no meio da floresta pela forçado vento. Ela não cai sozinha, mas leva dezenas outras espécies comela, além de abrir uma imensa clareira que aumenta a intensidade lumi-nosa no interior da mata, e isso tem efeitos altamente significativosnas espécies vegetais e animais que vivem ali.

IHU – QUAL É A DEFINIÇÃO DE BIOMA QUE A MATA ATLÂNTICA PRE-CISA? O QUE FALTA PARA CONS-TITUIRMOS ESSA DEFINIÇÃO?M.A. – A Mata Atlântica é umdos biomas mais ameaçados doplaneta. Tendo somente cerca de8% de sua extensão original, elapossui mais de 8.700 espécies deplantas e vertebrados endêmicos(organismos que ocorrem exclu-sivamente nela e em nenhum ou-tro lugar do mundo). Por isso, obioma figura entre os cinco pri-meiros hotspots de biodiversida-de mundial: regiões do planetaonde ocorrem níveis excepcionaisde endemismo e que estão seve-ramente ameaçados. Em 1988, ha-viam sido reconhecidos dez hots-pots. Hoje, devido ao constanteimpacto humano sobre o planeta,já temos 34 hotspots identificadosao redor do mundo. O que a MataAtlântica precisa, agora, é de fis-calização adequada, puniçõesmais severas àqueles que incenti-vam o desmatamento e maior rigi-dez dos órgãos ambientais naconcessão de licenças para em-presas de grande porte. Comoprofissional, vejo muitos relatóri-os ambientais mais elaborados,com informações importantes au-sentes ou contraditórias.

Maury Abreu graduou-se em Ciências Biológicas pela Universidade doVale do Rio dos Sinos e é atualmente mestrando em Biologia na mesmainstituição. Também atua como consultor técnico ambiental. Texto publica-do pelo IHU On-line (Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universida-de do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS (07/12/2010).

Não digo que devemos ser radicais e vetar qualquer tipo de empreen-dimento. O ser humano é parte do planeta, e vai provocar mudançascomo qualquer outro ser vivo. Mas cabe a nós, como seres conscien-tes e inteligentes, amenizar os impactos ao menor nível possível. E paraisso bastam as grandes empresas e governos aceitarem sugestões demanejo e conservação, e mudarem um pouco a visão de resultadosimediatistas. Mas a conservação exige sacrifícios; por outro lado oretorno, tanto financeiro como em qualidade de vida, pode ser muitomaior no futuro. É só aprender a ter paciência. n

z O Ministério do Meio Ambiente divulgou em dezembro pas-sado o levantamento do desmatamento da Mata Atlântica en-tre 2002 e 2008. Nesse período, a floresta perdeu 2.742 km²de área nativa, uma média de 457 km² anuais de derrubadas.

z A Mata Atlântica já perdeu 75,88% de sua área original, eé o bioma mais devastado do país.

z Entre 2002 e 2008, o estado que mais desmatou o bioma foiMinas Gerais, com 909 km² a menos de mata nativa no perío-do. Em seguida, aparecem o Paraná, com 542 km², e a Bahia,com 426 km².

z Entre os municípios que mais desmataram o bioma no pe-ríodo, estão cidades nas regiões que exploram madeira paraabastecer fornos da indústria siderúrgica, principalmente emMinas Gerais e na Bahia.

z A Mata Atlântica era o único bioma ainda sem dadosatualizados de devastação. Em 2011, o governo pretendedivulgar taxas do desmatamento do Cerrado, Caatinga,Pampa e Mata Atlântica em 2008 e 2009. Atualmente, omonitoramento anual só é feito na Amazônia. “A partir des-ses dados temos condições de mudar o patamar de políticaspúblicas de conservação da região”, informa a ministra doMeio Ambiente, Izabella Teixeira.

z Apesar do grande percentual devastado, o ritmo de derruba-da na Mata Atlântica é menor que nos outros biomas. Porano, a floresta nativa do litoral perde 0,04% de vegetação. NaAmazônia, esse percentual é de 0,42% por ano e no Cerradochega a 0,69%.

Fonte: Luana Lourenço, da Agência Brasil (2/12/2010)

MATA ATLÂNTICA: 75% da cobertura original desmatada

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por Osvaldo Ferreira Valente

e os deslizamentos de encostas

Os deslizamentos deterra na Mata Atlân-tica são fenômenosnaturais ou desastresprovocados pelaocupação irrespon-sável do solo?Ou as duas coisas?

Vi, num programa de televisão, logo de-pois da tragédia na Região Serrana, uma

apresentadora dizer que a sua área de trabalhoestava protegida dos riscos de deslizamentosda encosta logo atrás, pois a área estava co-berta de floresta e sem nenhuma intervençãohumana. Não é bem assim; ela estava desco-nhecendo os fenômenos naturais que fazemas superfícies da Terra, principalmente as maisinclinadas, estarem sempre procurando novospontos de equilíbrio.

As serras são muito rochosas. Ao longo dotempo, e em algumas encostas, foram sen-do formadas camadas de solos sobrelajedos e, sobre essas camadas, foram sur-gindo vegetações diversas até chegar à for-mação florestal. Portanto, os solos são ra-sos. Ao longo de dezembro de 2010 e prin-cípio de janeiro de 2011, a sequência dechuvas na região de Teresópolis, Petrópolise Nova Friburgo deixou o solo rasoencharcado, bem próximo da saturação. Porisso, as chuvas intensas da madrugada dodia 12 de janeiro (também fenômeno natu-ral) saturaram camadas de solos sobrelajedos das áreas com fortes declives, mascobertas com florestas, dando a falsa im-pressão de estarem absolutamente protegi-das. Ali foram formados escoamentos quechamamos de sub-superficiais, ou seja, ver-dadeiras enxurradas ocultas correndo abai-xo das superfícies, desestabilizando as ca-madas de solo e provocando osescorregamentos.

Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro flo-restal, especialista em hidrologia e manejo de pe-quenas bacias hidrográficas e professor titularaposentado da Universidade Federal de Viçosa(UFV). Colaborador e articulista do EcoDebate.E-mail: ovalente{at}tdnet.com.brPublicado em www.ecodebate.com.br (18/01/2011).

A terra transportada levando árvores arranca-das inteiras ao encontrar obstáculos como ascasas construídas nos vales logo abaixo de-vem ter formado pequenas represas momentâ-neas, acumulando volumes razoáveis de água.Como eram momentâneas, elas passaram a seromper quase ao mesmo tempo, formando gran-des massas de água e lama que foram se unin-do enquanto desciam e levando tudo que en-contravam pela frente. A partir daí, os fenôme-nos naturais se juntaram às ações humanas eos desastres foram inevitáveis. Os vales sãoestreitos e as casas se concentravam em suaspartes mais baixas, agravando tudo.

Como já deve ter ficado claro para o leitor, asflorestas que ocupam encostas com as carac-terísticas descritas não são capazes de evitaros deslizamentos: acabam indo junto e colabo-rando para agravar os problemas nos valesabaixo. Troncos, galhos e folhas ajudam naformação de diques provisórios e que se rom-pem logo a seguir, levando grandes volumesde lama com poder de destruição amplificado.Já vivenciamos fatos semelhantes em SantaCatarina e em Angra dos Reis em anos recen-tes: massas florestais inteiras deslizadas e ocu-pando os vales. Temos a mania de acreditarque as pobres árvores podem resolver todosos nossos problemas. Se elas pudessem falar,certamente reclamariam dos muitos encargosque não podem suportar. Por isso, não acon-selharia a apresentadora a se sentir protegida,por perceber, apenas superficialmente, que aencosta das proximidades está segura.

O QUE FAZER SE O FENÔMENO É NATURAL?Em artigos e entrevistas, os geólogos EdézioTeixeira de Carvalho e Álvaro Rodrigues dosSantos, especialistas na questão, têm insis-tido na feitura urgente de cartas geotécnicasde cidades que ocupam encostas. Com baseem tais cartas, planos diretores definiriam asáreas de risco e ordenariam as ocupações,prevendo, inclusive, a retirada de moradiasnelas existentes. O Governo Federal, atravésdo Ministério das Cidades, poderia financiara feitura das cartas e treinar pessoal parausá-las na composição dos planos direto-res. Posteriormente, criar programas de fi-nanciamentos para que os municípios pos-sam desocupar áreas de riscos já habitadas.

A prevenção será sempre mais barata doque a reconstrução, além de preservar o bemmais precioso que existe – a vida. Que asexpressões de pânico e tristeza mostradasnas telas da TV sejam inspiradoras dasmuitas reuniões que estão sendo feitas porautoridades para que planejem ações técni-cas e não fiquem apenas nas lamentações ena identificação de culpados... sempre emadministrações passadas, obviamente. n

As florestas

FRIBURGO - FOTO VALTER CAMPANATO--ABr

ANO INTERNACIONAL DAS FLORESTAS . 2011

Friburgo - Valter Campanato/ABr

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Ao menos aprender definitiva-mente a lição: caso os empre-

endimentos humanos não levem emconta, desde seu projeto, implan-tação e operação, as característicasdos materiais e dos processos ge-ológicos naturais com que vão in-terferir e interagir, é certo que a Na-tureza reagirá com conseqüênciasextremamente onerosas social e fi-nanceiramente, e muitas vezes trá-gicas no que diz respeito à perdade vidas humanas.

Há cerca de 60 milhões de anos, ao início doperíodo Terciário (65 milhões de anos atrás),a escarpa da Serra do Mar (então uma proto-Serra do Mar) estava situada a cerca de 50km à frente da atual linha do litoral sudestebrasileiro. Sabem como ela chegou até a atu-al posição, ou, mais cientificamente, proce-deu a essa incrível regressão geológica? Àcusta de muito escorregamento, muita corri-da de detritos, muita erosão. Essa é nossaquerida Serra do Mar, com sua história, suasleis, seus ritmos, seu calendário próprio, suasidiossincrasias, sua deslumbrante beleza...

Em momentos geológicos como o atual, dedomínio da floresta atlântica (floresta ombró-fila densa), a regressão erosiva da escarpada Serra do Mar se dá como consequênciade deslizamentos isolados, em episódios dechuvas não muito intensas, e miríade de des-lizamentos concomitantes (de todas as natu-rezas) em eventos de elevada pluviosidadeconcentrada, como o que ocorreu na regiãoserrana do Rio de Janeiro. E que, identica-mente, ocorreu em 1967 em Caraguatatuba,SP, e na Serra das Araras, no Rio.

Mas é como se o processo mais radical deerosão regressiva da escarpa, ainda quevivo, respirando sem aparelhos, estivesseem boa parte contido, latente, como conse-qüência da espetacular proteção proporci-onada pela floresta.

por Álvaro Rodrigues dos Santos

Dinâmica evolutiva da escarpa e tragédias:

Álvaro Rodrigues dos Santos – Geólogo, autordos livros Geologia de Engenharia: Conceitos,Método e Prática, A Grande Barreira da Serra doMar, Cubatão, Diálogos Geológicos, entre ou-tros. Consultor em Geologia de Engenharia,Geotecnia e Meio Ambiente. Criador da técnicaCal-Jet de proteção de solos contra a erosão.Texto publicado em www.forumdaconstrucao.-com.br. E-mail: [email protected]

SERRA DO MAR

Deslizamentos concomitantes na Serradas Araras/RJ, em 24/1/1967, devido àelevada pluviosidade concentrada.

Preteritamente, em ocasião de mudanças cli-máticas radicais, ambiente geológico em quea floresta atlântica em grande parte desapare-cia, recolhendo-se a pequenos refúgios, ossolos formados durante o anterior clima quen-te florestado, e então desprotegidos, eram la-vrados violentamente por chuvas torrenciais,momentos geológicos de intensa regressãogeomorfológica da escarpa. Para onde foi todoesse material? Está ainda em depósitos colu-vionares e aluvionares mais próximos, na pró-pria Serra ou em seu sopé, ou lá na Bacia deSantos sendo furado pela Petrobrás.

Bem, é com esse organismo vivo, com suasleis próprias, processos, sua história e dinâmi-cas evolutivas, que estamos lidando. Senãopor venerar, até religiosamente, essa entidadenatural (a Serra), que seja por alguma inteligên-cia e responsabilidade: é preciso chegar comum pouco mais de respeito no pedaço. Todasas feições aluvionares e coluvionares quese espalham das meias encostas até o sopéda Serra, sugerem que não chove mais hojena região do que já choveu ao longo detodo o Quaternário (iniciado há 2 milhõesde anos) e parte do Terciário.

É preciso, portanto, ter-se mais cuidado emtratar essa questão das mudanças climáti-

cas globais. Se essas mudanças realmenteestão ocorrendo em escala global, não hánada a elas relacionado ocorrendo hoje emnossa Serra. Há apenas a continuidade desua longa história geológica. O único fatornovo atuante é o bicho homem potenci-alizando escorregamentos com suas inter-venções tecnicamente desastradas.

É possível que com o histórico das chuvasque caíram nesse início de 2011 na regiãoserrana nobre do Rio houvesse acontecidoum grande evento natural de deslizamen-tos e corridas, mesmo sem a intervençãodo homem – como aconteceu em Caragua-tatuba e Serra das na Araras, em 1967. Maso fato é que o homem potencializa e trans-forma, por sua presença, esses eventos emterríveis tragédias. Enfim, sabe-se que detantos em tantos anos há a probabilidadede ocorrência de trombas d’água concen-tradas como essas. Não há nada de novono quartel pluviométrico de Abrantes.

Por outro lado, se as encostas de alta decli-vidade já nos chamavam a atenção por seualto grau natural de instabilidade, essas últi-mas tragédias têm nos alertado sobre a im-portância em termos mais cuidado em definircomo geologicamente estáveis certas feiçõesde relevo de topografia mais suave.

Por exemplo: áreas de topografia suave à fren-te da boca e ao longo de vales com evidênci-as geológicas de anterior ocorrência de corri-das de lamas e detritos, corpos de tálus ecorpos coluvionares, sopé e topo imediatosde encostas de alta declividade. n

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Por Leonardo Boff . Fotos Caio Coronel/Itaipu Binacional

Desenvolvido pela Itaipu Binacional, o projeto “Cultivando ÁguaBoa” mitiga e corrige passivos ambientais e implementa um ambi-cioso programa socioambiental que otimiza a sustentabilidade emmais de 29 municípios da Bacia Hidrográfica do Paraná 3 (BP3).

Somos as mudanças que queremos noplaneta. Esta frase que parece arrogan-

te é, na verdade, o testemunho do que sig-nifica o projeto “Cultivando Água Boa” im-plementado pela grande hidrelétrica ItaipuBinacional nos limites entre o Brasil e o Pa-raguai envolvendo cerca de um milhão depessoas. Os diretores da empresa – JorgeSamek e Nelton Friedrich – com suas equi-pes sabiamente entenderam o desafio glo-bal que nos vem do aquecimento global eresolveram dar uma resposta local, o maisinclusiva e holística possível. Esta se mos-trou tão bem sucedida que se fez uma refe-rência internacional. Seus diretores inspi-radores dizem-no claramente:

“A hidrelétrica Itaipu adotou para si opapel de indutora de um verdadeiro mo-vimento cultural rumo à sustentabilida-de, articulando, compartilhando, soman-

CULTIVANDO ÁGUA BOA

do esforços com os diversos atores da Ba-cia Paraná 3 em torno de uma série deprogramas e projetos interconectados deforma sistêmica e holística que compõemo Cultivando Água Boa. Eles foram cria-dos à luz de documentos planetários comoa Carta da Terra, o Tratado de EducaçãoAmbiental para Sociedades Sustentáveis,a Agenda 21 e os Objetivos do Milênio”.

Operaram, o que é extremamente difícil, umaverdadeira revolução cultural, vale dizer, in-troduziram um complexo de princípios, valo-res, hábitos, estilos de educação, formas derelacionamento com a sociedade e com a na-tureza, modos de produção e de consumo quejustifica o lema, escrito em todas as camisetasdos quatro mil participantes do último grandeencontro em meados de novembro: “Somosas mudanças que queremos no planeta”.

Com efeito, a gravidade da crise do siste-ma-vida e do sistema-Terra é de tal magni-tude que não bastam mais as iniciativas dosEstados, geralmente, tardias e pouco efica-zes. A humanidade inteira, todos os sabe-res, as instâncias sociais e as pessoas indi-viduais, devem dar a sua contribuição e to-mar o destino comum em suas mãos. Casocontrário, dificilmente, sobreviveremos co-letivamente.

Christian de Duve, prêmio Nobel de Fisio-logia de 1974, nos adverte em seu conhe-cido livro “Poeira Vital: a vida como impe-rativo cósmico” (1997) que “nosso tempolembra uma daquelas importantes ruptu-ras na evolução, assinaladas por extinçõesem massa”. Efetivamente, o ser humanotornou-se uma força geofísica destruido-ra. Outrora eram os meteoros rasantes que

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O Cultivando Água Boa, fundamentado em documentos nacionais e planetários,visa a estabelecer critérios e condições para orientar as ações socioambientaisrelacionadas com a conservação dos recursos naturais e centradas na qualidadee quantidade das águas e na qualidade de vida das pessoas.

A denominação Cultivando Água Boa, com o verbo no modo gerúndio paradenotar continuidade, processo e realça a necessidade de que, assim como secultiva o solo para que dê bons frutos, a água também precisa de “cultivo”, oucuidado, para se manter abundante e com qualidade hoje e sempre.

Trata-se de um movimento de participação permanente, em que a Itaipu, além demitigar e corrigir passivos ambientais, trabalha com a sociedade para mudar osseus valores.

O QUE MUDARz Modos de ser/sentir Modos de ser/sentir Modos de ser/sentir Modos de ser/sentir Modos de ser/sentir – Objetiva, através de um amplo processo de sensibili-zação, informação e capacitação forma e informal, a mudança de conceitos evalores, sentimentos e crenças, pautados na ética do cuidado.z Modos de viverModos de viverModos de viverModos de viverModos de viver – Busca alterar a relação do ser humano com o seu meio,com a natureza, com os recursos naturais, no seu manejo sustentável para oatendimento das necessidades humanas, tendo como essência a água.z Modos de produzirModos de produzirModos de produzirModos de produzirModos de produzir – Procura estabelecer a cultura e fornecer a tecnologianecessária para processos de produção sustentáveis e saudáveis.z Modos de consumirModos de consumirModos de consumirModos de consumirModos de consumir – Incentiva a mudança nos hábitos de consumo dapopulação, tanto nos aspectos quantitativos e qualitativos, alinhados ao concei-to de sustentabilidade.

ONDE AGIRO programa definiu como território de atuação a unidade de planejamento danatureza, a Bacia Hidrográfica. Decorrente deste conceito, a área de influênciade atuação direta da Itaipu deslocou-se de 16 municípios conhecidos comolindeiros e que tiveram áreas inundadas pelo reservatório da usina, na margembrasileira, para os 29 municípios da Bacia Hidrográfica do Paraná 3 (BP3).

Fonte: http://www.itaipu.gov.br/meioambiente/cultivando-agua-boa Aconselhamos visitaao site para aprofundamento das ações de cidadania e sustentabilidade ambiental promo-vidas pela Itaipu Binacional.

ameaçavam a Terra, hoje o meteoro rasan-te devastador se chama ser humanosapiens e demens, duplamente demens.

Dai a importância de “Cultivando ÁguaBoa”: mostrar que a tragédia não é fatal.Podemos operar as mudanças que vão des-de a organização de centenas de cursosde educação ambiental e capacitação aosurgimento de uma consciência coletivade co-responsabilidade e cuidado peloambiente; da gestão compartilhada dasbacias hidrográficas; de incentivo à agri-cultura familiar; da criação de um refúgiobiológico de espécies regionais; de corre-dores de biodiversidade unindo várias re-servas florestais; de mais de 800 km decercas de proteção das matas ciliares; doresgate de todos os rios; do cultivo deplantas medicinais; da geração de energiamediante os dejetos de suínos e aves; daconstrução de um canal de 10 km para ven-cer um desnível de 120 metros e permitir apassagem de peixes de piracema; até a cri-ação de um Centro Tecnológico, Centrode Saberes e Cuidados Ambientais e daUniversidade da Integração Latino-Ame-ricana, entre outras aqui não citadas.

A sustentabilidade, o cuidado e a partici-pação/cooperação da sociedade civil sãoas pilastras que sustentam este projeto.A sustentabilidade introduz uma raciona-lidade responsável pelo uso solidário dosrecursos escassos. O cuidado funda umaética de relação respeitosa para com a na-tureza, curando feridas passadas e evi-tando futuras, e a participação da socie-dade cria o sujeito coletivo queimplementa todas as iniciativas. Tais va-lores são sempre revisados e pactados. Oresultado final é a emergência de um tiponovo de sociedade, integrada ao ambien-te, com uma cultura da valorização de todaa vida, com uma produção limpa e dentrodos limites do ecossistema e com profun-da solidariedade entre todos. Uma auraespiritual benfazeja perpassa os encon-tros como se todos se sentissem um sócoração e uma só alma.

Não é assim que começa o resgate da natu-reza e o nascimento de um novo paradigmade civilização? n

Leonardo Boff – Teólogo. Artigo socializadopela ALAI, América Latina en Movimiento(www.alainet.org) e publicado pelo portal Eco-Debate (20/12/2010).

UM PROJETO DE QUALIDADE

No sentido horário: carrinhoeletrico dos catadores; agricultura orgânica,tanques de criação de pacu e redes de pesca.

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questão atual e urgente

por Valdemir José Sonda

A partir das consequên-cias do modelo de de-senvolvimento capitalis-ta no meio ambiente,nas políticas públicas,no sistema de produçãoalimentar e na cidada-nia, o autor propõe re-flexões que ecoam osanseios de justiça sociale ecológica consubstan-ciados na ecocidadania.

Nas últimas décadas do século pas-sado, a temática ambiental come-çou a ser debatida com mais inten-

sidade em todo o planeta, tendo em vistaas profundas alterações geradas pelo mo-delo econômico de desenvolvimento insus-tentável que leva o nome de capitalismo.Um dos marcos políticos deste debate, en-volvendo governos, organismos internaci-onais, organizações não-governamentais,movimentos populares, comunidades indí-genas, estudantes, cientistas, entre outros,tomou corpo com a Conferência das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente e Desenvol-vimento – ECO 92 – realizada de 3 a14 dejunho, no Rio de Janeiro, e que teve a parti-cipação de delegações de 175 países.

Como desdobramento deste evento, nosanos seguintes, mais precisamente em 1997,intelectuais, cientistas, filósofos, teólogos,escritores, ativistas das causas ambientais,

HISTÓRIA e MEIO AMBIENTE:dos direitos humanos, se envolveram, nosquatro cantos do planeta, dando formaàquele que talvez seja um dos documentosmais amplos e necessários do nosso tempo– a Carta da Terra. Organizada em quatrograndes eixos, assim está resumida: (a) Res-peitar e cuidar da comunidade de vida; (b)Integridade ecológica; (c) Justiça social eeconômica; (d) Democracia não violência epaz. Tais eixos estão pautados na ciênciacontemporânea, no direito ambiental, nasabedoria das grandes tradições filosóficase religiosas do mundo, etc.

A Carta da Terra, lançada no Palácio da Paz,em Haia, a 29 de junho de 2000, faz umaprofunda crítica ao atual modelo de desen-volvimento responsável por mudanças cli-máticas, destruição avassaladora de flores-tas milenares, degradação dos rios e ma-nanciais, produção do lixo doméstico, in-dustrial, dejetos urbanos e rurais, gestação

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Valdemir José Sonda – Professor do Curso deHistória da UNIOESTE. Mestre em História So-cial pela Universidade Federal Fluminense (UFF).Artigo socializado pela Universidade Estadual doOeste do Paraná (Unioeste) e publicado no portalwww.ecodebate.com.br (28/10/2010).

da fome e da miséria, dizimação da biodi-versidade, utilização indiscriminada de agro-tóxicos no meio agrícola, entre tantas ou-tras práticas, são sintomas claros de ummodelo de civilização insustentável quesempre esteve pautado não no respeito àsdemais e variadas espécies de vida, maspreponderantemente no lucro sobre todasas coisas. Desafiando a humanidade agestar e desenvolver a visão de um modode vida sustentável em nível local, regionale global, sob pena de inviabilizarmos a con-tinuidade da vida no planeta às futuras ge-rações, o documento faz um chamamento àconstrução de novas práticas socioambi-entais includentes, responsáveis e pruden-tes em beneficio da maioria da humanidade.

O teólogo, pensador contemporâneo e eco-logista Leonardo Boff – um dos co-organi-zadores do documento, juntamente com Pau-lo Freire, Gorbatchev, Fritjof Capra, VandanaSchiwa, e inúmeras outras personalidades –afirma que a Declaração Universal dos Direi-tos Humanos teve o mérito de dizer “todosos homens” têm direitos e o defeito de pen-sar ‘só nos homens’. Os indígenas, os es-cravos e as mulheres tiveram de lutar paraserem incluídos em ‘todos os homens’. As-sim, hoje, também a natureza precisa ser in-cluída como portadora de direitos, ou seja,enquanto mais um membro da sociedadeampliada. Nesse sentido, a Carta da Terra éum avanço em relação à Declaração Univer-sal dos Direitos do Homem, pois amplia oconceito de cidadania política e social para oconceito de ecocidadania, não excluindo anatureza, entre outros grupos marginaliza-dos, como portadores de direitos.

Assim sendo, na relação entre História eMeio Ambiente, podemos trazer à tona, duasrevoluções. Por volta dos anos 1960, enquan-to camponeses, estudantes, operários e in-telectuais cubanos construíam linda e cora-josamente a Revolução Cubana, os EstadosUnidos da América do Norte inventaram adita Revolução Verde: um pacote tecnológi-co e ideológico que prometia acabar com afome no mundo, a partir da implementaçãode uma agricultura técnica e comercial. Aagricultura, até então camponesa, por exem-plo, começou a ser tratada como coisa atra-sada, anacrônica, improdutiva: coisa de je-cas, índios, quilombolas, ribeirinhos e colo-nos sem inteligência. O incentivo ao desflo-restamento, a aquisição de máquinas pesa-das nas atividades agropecuárias, a utiliza-ção de insumos e venenos, e os emprésti-

mos bancários acabaram por se tornar re-gra. E na mesma medida que a monoculturada soja, do milho e do trigo aumentavam oterreno de cultivo, a cultura tradicional daagricultura nacional – feijão, arroz, por exem-plo – diminuíam de espaço.

Tamanhas transformações juntamente coma industrialização do “Brasil Ame-o ou Dei-xe-o” dos anos 70 ocasionaram, entre ou-tras coisas, o inchaço de nossos centrosurbanos, a favelização das médias e gran-des cidades brasileiras, o que desestrutu-rou demograficamente várias regiões, pro-vocando ainda mais desequilíbrios ecológi-cos através da ocupação desordenada dehabitações em meio a terrenos impróprios esem as condições infraestruturais que a dig-nidade humana merece. Tanto isto é verda-de que, no período, de cada 100 brasileiros70 viviam no campo e 30 na cidade. Nosanos 90, de cada 100, 70 estavam nas cida-des e 30 no campo, segundo dados do IBGE.

Nestes últimos 50 anos, desde os temposda Ligas Camponesas, e nos últimos 21anos, com o Movimento dos Trabalhado-res Rurais Sem-Terra e demais setores pro-gressistas e democráticos da sociedadebrasileira, a Reforma Agrária radical é umdos mais fortes brados nacionais capaz depermitir a volta do homem do campo para ocampo. Assim, o ajuntamento de milharesde explorados, excluídos edesesperançados dando vida aos acampa-mentos feitos de lonas pretas, apontando

para as cercas da exclusão do latifúndio re-trógrado, mesquinho, violento e antiecoló-gico estão transformando, com sacrifício eorganização, algumas regiões brasileiras.

Diante do atual contexto socioeconômico epolítico, o imperialismo norte-americano ten-ta, e infelizmente muitas vezes consegueenfiar goela abaixo no sentido norte-sul maisuma “revolução”, no bojo da biotecnologia,em que os Organismos Geneticamente Mo-dificados – os tais de transgênicos –, sãoapontados como a salvação da lavoura.

Dessa forma, hoje existem, nitidamente, doisprojetos de vida, alicerçados em:Capitalismo: no pensamento, na ação, naprodução e na comercialização através daagricultura convencional, a partir da gran-de propriedade agroexportadora. Este con-tinua postulando o adubo químico, o inse-ticida, o herbicida, o fungicida, a exporta-ção, as sementes geneticamente modifica-das na monocultura da soja, da cana, doscítricos, do feijão e do arroz.Solidariedade: na cooperação, na estru-tura familiar, de tradição camponesa, indí-gena, negra e popular, a partir da pequena emédia propriedade. Esta, no espírito da Cartada Terra, busca recuperar o conhecimentomilenar e tradicional das comunidades indí-genas, dos quilombolas, dos caiçaras e se-ringueiros, do sertanejo, da agricultura fa-miliar, a fim de produzir para a mesa do povobrasileiro o pão, o feijão, o arroz, a soja or-gânica, as frutas, numa relação de profun-do respeito com o Meio Ambiente.

Existem nestas duas modalidades projetospolíticos distintos, pois a soberania de umpovo é preservada a começar pelo direito àsoberania alimentar contra os abutres doagronegócio consorciados com os interes-ses das 10 maiores empresas multinacionaisdo setor: Monsanto, Bunge, Cargill, Syngen-ta, ADM, Basf, Bayer, Novartis + Adventis,Nestlé e Danone, que também estão de olhosaguçados em nosso patrimônio hídrico. Parafinalizar, Leonardo Boff, nos diz o seguinte:“Toda injustiça social é uma injustiça ecoló-gica contra o ser humano, contra as águaspoluídas, contra os solos envenenados,contra o ar empesteado”. n

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A soberania de um povoé preservada a começarpelo direito à soberania

alimentar.”“

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PRESERVAÇÃO & DESENVOLVIMENTO:por Carlos Haag

Aprovado em agosto de 2010 pelacomissão especial da Câmara dosDeputados e devendo ser votadono Congresso, o projeto do novoCódigo Florestal é alvo de críticas.Para cientistas e ambientalistas, apossível homologação causará im-pactos graves na biodiversidade enos serviços ecossistêmicos emrazão das reduções significativasnas áreas de preservação perma-nentes (APP) e da anistia a desma-tamentos feitos até 2008. Descu-bra neste artigo como o dilemaentre preservação da natureza edesenvolvimento econômico ali-menta discussões e delineia políti-cas desde os tempos da colônia.

No Brasil há um padrão histórico: aspreocupações com o meio ambiente, emgeral, resultaram da atuação de grupos decientistas, intelectuais e funcionários pú-blicos que, por meio de suas inserções noExecutivo, procuraram influenciar as deci-sões dos governantes em favor da valori-zação da natureza”, explica o historiadorJosé Luiz de Andrade Franco, da Universi-dade de Brasília, autor de Proteção à natu-reza e identidade nacional no Brasil (Fio-cruz). “Por isso, o andamento das políticasde proteção à natureza sempre dependeumais de ligações com governos e apenassecundariamente do eco que as pessoaspreocupadas com as questões ambientaisalcançam na sociedade.”

Foi assim com o Código Florestal original,criado em 1934 por Getúlio Vargas, frutode articulações de um grupo de pesquisa-dores do Museu Nacional do Rio de Janei-ro (MNRJ), que, usando a sua influênciajunto a círculos do poder, defendeu a in-tervenção de um Estado forte para garan-tir, por meio de leis, o equilíbrio entre pro-gresso e patrimônio natural. A legislação,que colocava limites ao direito de proprie-dade em nome da conservação, protegen-do áreas florestais, foi revista em 1965 du-rante a ditadura militar. Pela primeira vez ocódigo será revisto em uma sociedade de-mocrática e aberta ao debate com a opi-nião pública. Colheremos melhores frutosdo que no passado?

“Os protetores da natureza dos anos 1920-1940, que geraram a legislação, eram a favorde um Estado forte, mas tinham propostas detransformação social e ambiental bastante re-novadoras. Os conservacionistas dos anos1960-1980 não estavam na vanguarda do ques-tionamento político do regime militar, mas ti-nham preocupações com a natureza aindamuito distantes do itinerário político das es-querdas”, lembra Franco. “Hoje os ambienta-listas mais preocupados com as questõessociais têm uma postura bastante antropo-cêntrica, deixando, muitas vezes, as questõesurgentíssimas da biodiversidade na sombra.”

Segundo o pesquisador, sociedade e Esta-do, no Brasil, ainda são hegemonicamente

dilema constante na história brasileira

Parque Nacional de Itatiaia - Violinha

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Cidadania&MeioAmbiente 27

desenvolvimentistas. “O sucesso a médioe longo prazo do ambientalismo está na suacapacidade de reverter essa disposição depromover o crescimento econômico a qual-quer custo.” Para o historiador, não é deestranhar que esses protetores da naturezado passado tenham sido quase esquecidosna corrente forte do desenvolvimentismoque prevaleceu no país da década de 1940em diante. “Surpreende, sim, que eles te-nham sido esquecidos pelos ambientalis-tas brasileiros, ‘científicos’ e ‘sociais’, que,a partir dos anos 1980, emergiram como ato-res relevantes na ciência, no ativismo, namídia e nos movimentos sociais.”

Franco chama esses protetores de “a segun-da geração de conservacionistas” brasilei-ros, intelectuais que, entre os anos 1920 e1940, cobraram do Executivo a manutençãode um vínculo orgânico entre natureza e so-ciedade, porque, afirmavam, defender a na-tureza era uma forma de construir a nossanacionalidade. Eram, na sua maioria, cientis-tas do MNRJ: Alberto José Sampaio (1881-1946), Armando Magalhães Correa (1889-1944), Cândido de Mello Leitão (1886-1948)e Carlos Frederico Hoehne (1882-1959). Atendência desses círculos intelectuais, comocaracterístico na história ambiental nacional,foi integrar-se ao Estado para reclamar dasautoridades um comportamento mais racio-nal dos agentes econômicos privados.

“Havia entre eles a convicção de sua res-ponsabilidade na construção da identida-de nacional e na organização das institui-ções do Estado”, observa Franco. A sériede códigos ambientais decretados pelo go-verno Vargas, somada à criação dos primei-ros parques nacionais, indica o relativo su-cesso alcançado por eles. “Eles acredita-vam que a intervenção autoritária de Vargasiria resolver os conflitos e a competição in-justa. A partir disso, pensavam, um novohomem se ligaria à natureza e aos outroshomens”, analisa a historiadora ReginaHorta Duarte, da Universidade Federal deMinas Gerais, autora do artigo “Pássaros ecientistas no Brasil”. Para colocar em práti-ca suas teorias eles criaram sociedades pú-blicas para proteção da natureza: Socieda-de dos Amigos das Árvores, Sociedade dosAmigos do Museu Nacional, Sociedade dosAmigos da Flora Brasílica, entre outras.

A iniciativa mais ambiciosa dessas organiza-ções foi a Primeira Conferência Brasileira deProteção à Natureza, realizada em 1934, com o

apoio do regime varguista, que acabara decriar o Código Florestal, o Código de Caça ePesca e a Lei sobre Expedições Científicas. AConstituição de 1934 também incluía um arti-go sobre o papel dos governos federal e esta-duais na proteção das “belezas naturais”. Ociclo de palestras foi aberto com a leitura de“Natureza”, do poeta alemão Goethe. “Umaevidência da importância dada pelos partici-pantes à percepção estética do mundo natu-ral. Por essa visão, a natureza deveria ser ad-mirada, cuidada e transformada num jardim”,conta Franco. “Essa influência romântica,porém, nunca descartou a possibilidade douso econômico da natureza e a necessidadede renovar fontes esgotadas sempre era lem-brada. Além de ser um ‘jardim’, o mundo na-tural era percebido como indústria. Daí asvárias propostas da criação de ‘berçários deárvores’, que eram, ao mesmo tempo, jardinse áreas de produção de madeira em larga es-

cala.” Os organizadores da conferência esta-vam atualizados sobre a ação dos protetoresda natureza de outros países. Conheciam afundo a experiência americana e o debate en-tre os preservacionistas de John Muir, quedefendiam a contemplação estética da natu-reza, e os conservacionistas liderados porGuif-ford Pinchot, que acreditavam na explo-ração racional de recursos naturais. As duascorrentes ganharam seu espaço na Presidên-cia de Theodore Roosevelt (1901-1909), o queresultou no crescimento do Parque Yosemitee na criação de várias reservas e mais cinconovos parques nacionais.

Mas o que dividia os americanos era con-senso no Brasil e não havia ingenuidade nogrupo, apesar da combinação que faziam deromantismo, ciência e nacionalismo. “Naque-le momento, os conceitos de proteção, con-servação e preservação eram intercambiá-veis. Para os cientistas, a natureza deveriaser protegida, tanto como conjunto de re-cursos produtivos a ser explorado racional-mente pelas gerações futuras, quanto comodiversidade biológica, objeto de ciência econtemplação estética.” Argumentos utilitá-rios coexistiam em harmonia com estéticos, etudo era parte de um projeto maior da uniãoentre natureza e nacionalidade.

Segundo Franco, as metáforas que eles usa-ram para representar a sociedade brasileiraconvergiam com as imagens do ideário po-lítico varguista. “Essa forma de proteger anatureza estava em sintonia com o projetode Estado corporativista de Vargas e essaconvergência ajudou a elevar o status ins-titucional adquirido por um número de pro-postas relacionadas à proteção ambiental eao controle público e privado dos recursosnaturais”, analisa o pesquisador.

“Antes da revolução de 1930, a descentrali-zação política fortaleceu o controle das eli-tes regionais, incentivando a exploração ex-trema de recursos naturais. A destruição dasflorestas era agravada pelas ferrovias que,na definição de Euclides da Cunha, eram ‘fa-zedoras de desertos’”, observa o historia-dor José Augusto Pádua, da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro e autor de Um so-pro de destruição: pensamento político e crí-tica ambiental no Brasil escravista (Zahar).

Em 1915, o jurista e filósofo Alberto Torres (1865-1917) alertou para a situação: “Os brasileirossão, todos, estrangeiros em sua terra, a qual nãoaprendem a explorar sem destruir”. “Ele foi o

Parque Nacional da Serra dos Órgãos - Rajiva

Os conservacionistasbrasileiros dos anos

1920-40 postulavamque defender anatureza era

uma forma deconstruir a nossanacionalidade.”

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Carlos Haag - Editor da revista PesquisaFapesp. Artigo publicado em Pesquisa Fapesp,edição 176 – Outubro 2010.

primeiro brasileiro a usar o ter-mo conservação como se em-pregava nos EUA, incluindo-o na sua proposta de uma novaConstituição. Suas ideias iriaminfluenciar os cientistas doMNRJ”, observa Franco. Ape-sar do prestígio de intelectuaiscomo Torres, as ações políti-cas concretas foram nulas.“Mesmo com o apoio do pre-sidente Epitácio Pessoa, queconfessava o seu incômodopelo fato de o Brasil ser o úni-co país de grandes florestassem um Código Florestal, a le-gislação continuou omissa”,lembra Pádua. É possível, en-tão, imaginar o impacto da açãodos protetores da naturezaquando, poucos anos depoisdo código e poucos mesesantes da nova Constituição de1937, que elevou os bens na-turais à categoria de patrimô-nio público, foi decretada a cri-ação do Parque Nacional deItatiaia. A ditadura estado-novista iria criar, até 1939, maisoutros dois parques: o da Ser-ra dos Órgãos, no Rio, e o doIguaçu, no Paraná.

“Mas nos anos seguintes a ação governa-mental para a preservação mostraria seuslimites claros, com orçamentos ínfimos paraórgãos florestais, precariedade da fiscaliza-ção e ausência de uma participação efetivada sociedade civil. A fundação de parquesnacionais não privilegiou ecossistemas degrande biodiversidade, mas áreas próximasa centros urbanos, como Itatiaia ou serrados Órgãos, ou estratégicas, como Igua-çu”, nota Regina Horta. “A preservaçãopatrimonial era realmente importante nosprojetos do governo Vargas. Mas, além deseu simbolismo cultural e político, a nature-za, para além dos parques, era principalmen-te vista como fonte de riquezas exploráveispara o desenvolvimento econômico, e osprojetos industrializantes ganharam o com-prometimento do Estado Novo.”

“A ideologia do crescimento a qualquer cus-to sempre retirou a importância dos temasambientais. Só hoje temos uma situação po-tencialmente nova, em que a união entre umEstado poderoso e uma esfera pública maisdinâmica pode criar uma verdadeira política

de gestão sustentável da natureza”, notaPádua. Segundo o pesquisador, há uma con-tinuidade dos problemas ambientais desdea colônia, como queimadas, desflorestamen-to e degradação dos solos e das águas, mas,ao mesmo tempo, houve muita reflexão so-bre essas questões, desde o século 18. Bas-ta lembrar que em 1876 o engenheiro e líderabolicionista André Rebouças já pedia a cri-ação de parques nacionais, pois “a geraçãoatual não pode fazer melhor doação às gera-ções vindouras do que reservar intactas, li-vres do ferro e do fogo, as belas ilhas doAraguaia e do Paraná”. Para Rebouças, arazão do descaso com a natureza era a escra-vidão, hipótese também defendida pelo abo-licionista Joaquim Nabuco, para quem erapreciso o uso econômico racional da nature-za brasileira. “Eles procuraram estabeleceruma relação causal entre escravismo e práti-cas predatórias. A combinação entre a abun-dância de trabalho cativo, barato, e uma fron-teira aberta para a ocupação de novas terrasteria estimulado uma ação extensiva e des-cuidada na produção rural, baseada no avan-ço das queimadas, deixando terras degrada-

das e abandonadas”, expli-ca Pádua. Para esses intelec-tuais, a devastação ambien-tal não era o “preço do pro-gresso”, mas o “preço doatraso”, resultado da perma-nência de práticas rudimen-tares de exploração da terra.

Nisso ambos eram herdeirosda preocupação ambientaliluminista de José Bonifácio,um fisiocrata egresso da Uni-versidade de Coimbra, a pri-meira instituição, já no sécu-lo 18, a formar intelectuais querefutavam a exploração des-cuidada dos recursos natu-rais da colônia. “Destruir ma-tos virgens, nos quais a na-tureza ofertou com mão pró-diga as mais preciosas madei-ras do mundo, e sem causa,como se tem praticado no Bra-sil, é extravagância insofrível,crime horrendo e grande in-sulto. Que defesa produzire-mos no tribunal da Razãoquando os nossos netos nosacusarem de fatos tãoculposos?”, escreveu o futu-ro Patriarca da Independên-cia em 1819. “É preciso lem-

brar a riqueza do debate intelectual sobre te-mas ecológicos no país; e em alguns momen-tos, como no século 19, ele foi um dos maisintensos do mundo, apesar da pobreza dosresultados. O que ‘relativiza’ o papel dos EUAe da Europa na gênese da preocupação ambi-ental moderna”, explica Pádua. A análise dahistória ambiental transforma a contribuiçãodos intelectuais dos séculos 19 e meados do20 em algo surpreendentemente atual. “Elesnão eram ambientalistas no sentido moderno,mas in-cluíam os temas da destruição do mun-do natural no debate sobre o futuro do paíscomo um todo, relacionando-os com traçosestruturais da sociedade, como, por exemplo,o escravismo. Guardadas as diferenças decontexto, é disso que precisamos hoje: incluira dimensão ambiental no centro do debatesobre o futuro do Brasil e da humanidade.” OCódigo Florestal do século 21 agradece aslições do passado. n

Valerio Pillar

Destruir matas virgens, nos quaisa natureza ofertou com mãopródiga as mais preciosas

madeiras do mundo, e sem causa,como se tem praticado no Brasil,é extravagância insofrível, crime

horrendo e grande insulto.José Bonifácio de Andrade e Silva

(1763-1838).

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por José Eustáquio Diniz Alves

Logo após o primeiro bilhão de indiví-duos, informa o Global Population Pro-

file, do US Census Bureau, que o mundoalcançou segundo bilhão em 1924. Portan-to, levou-se 118 anos para se acrescentarmais um bilhão de pessoas ao contigentedemográfico do planeta. O terceiro bilhão dehabitantes deu-se em 1959, 37 anos depoisdo segundo bilhão. O quarto bilhão, em 1974,15 anos após o terceiro bilhão. O quinto bi-lhão foi chancelado em 1987, 13 anos após oquarto bilhão. O sexto bilhão aconteceu em1999, 12 anos após o quinto bilhão. O sétimobilhão de habitantes da Terra deve ser atin-gido no quarto trimestre de 2011, também 12anos depois do bilhão anterior.

A estatística mundial registra para 2010 onascimento de 132 milhões de crianças eo óbito de 56 milhões indivíduos. Isto sig-nifica um aumento natural de 76 milhõesde pessoas (quase uma Alemanha) à po-pulação mundial durante o ano de 2010.

sete bilhões de habitantes!

A humanidade levou milhões de anos de evolução parachegar ao seu primeiro bilhão de habitantes por volta de1804. Neste ano, segundo projeção da divisão de popu-lação da ONU, a Terra deve alcançar 7 bilhões. Qual oreflexo dessa explosão demográfica sobre a sustentabili-dade de nosso planeta?

Ou 6,3 milhões por mês (um Paraguai). Ou209 mil por dia (quase uma Islândia). Ou8,7 mil novos habitantes por hora (quase apopulação de Tuvalu), ou 145 pessoas porminuto, ou 2,4 pessoas por segundo(World Vital Events – Census Bureau).

EXPLOSÃO DEMOGRÁFICA E PAÍSES POBRES

A maior parte desse incremento natural temocorrido nos países menos desenvolvidos emais pobres. Infelizmente, muitas criançasque nascem são frutos de gravidez indeseja-da ou de relações sexuais forçadas e violen-tas. Em geral, os países com fecundidade maiselevada são aqueles nos quais as mulherese os casais carecem de serviços de saúdesexual e reprodutiva, sendo grande as ne-cessidades não satisfeitas de informação emeios contraceptivos. Para muitas mulheres,a interrupção da gravidez se torna uma alter-nativa perigosa, pois ao recorrerem ao abor-to inseguro acabam aumentando as estatís-ticas de mortalidade materna.

O fato é que são os países mais pobres,especialmente alguns africanos e asiáticosque apresentam as maiores taxas de cresci-mento demográfico. A África tem cerca de 1bilhão de habitantes atualmente. Deve pas-sar para 2 bilhões em 2050 e pode chegar a3 bilhões antes do final do século 21. O im-pacto desta população crescente sobre oaquecimento global tem sido baixo, mas apressão sobre a terra e a água é cada vezmaior. Nestes casos, o crescimento popula-cional elevado tem como resultado o au-mento da pobreza, o crescimento da exclu-são social e o agravamento dos problemasambientais e a perda da biodiversidade.

Já os países ricos trocaram o crescimentopopulacional pelo crescimento do consumo.Em 2000, os países do G-7 (EUA, Japão, Ale-manha, França, Reino Unido, Itália e Cana-dá) com 11% da população mundial detinham50% do PIB mundial (medido em poder deparidade de compra). Esta alta concentração

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2011

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O estudo Mitigation: More inhabitants, moreemissions põe lenha na fogueira da discussãosobre emissões de CO2 provocadas pela ativi-dade humana por tocar uma questão delicadaignorada nas negociações sobre mudanças cli-máticas: o crescimento populacional. Há quemdiga que cientificamente a questão não é rele-vante. Mas o maior obstáculo para essa discus-são talvez seja a possibilidade dela detonar umbarril de pólvora político: controle de natalida-

José Eustáquio Diniz Alves – Doutor emdemografia e professor titular do mestrado emEstudos Populacionais e Pesquisas Sociais daEscola Nacional de Ciências Estatísticas –ENCE/IBGE. O autor expressa seus pontos devista em caráter pessoal. Colunista do portalEcoDebate. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br

RE F E R Ê N C I A S :Global Population Profile 2002 – US Census Bureau -ww.census.govWorld Vital Events – www.census.gov/cgi-bin/ipc/pcwe7 Billion and Counting – //dotearth.blogs.nytimes.com

da produção e do consumo em poucos paí-ses está mudando e a participação do G-7 naeconomia mundial caiu para 40% em 2010,devendo chegar a menos de 30% até 2030.O G-7 vai perder posição relativa, mas o vo-lume absoluto de produção e consumo pro-vavelmente vai continuar aumentando.

CHINA E ÍNDIA: A EXPLOSÃO DO CONSUMO

O que já acontece e vai continuar acontecen-do nas próximas décadas é um aumento ele-vado da produção e do consumo nos paísesem desenvolvimento, especialmente na Chi-na e na Índia (a chamada Chíndia). O aumentoda renda e da economia nos países em desen-volvimento é bom para o combate à pobrezaquando acompanhado de políticas sociais deinclusão social. Mas a pressão sobre o meioambiente pode se tornar insuportável.

A China, por exemplo, até 1970 tinha uma po-pulação muito grande, mas um consumo percapita muito baixo. Assim, a Pegada Ecológi-ca da China era baixa. Mas desde as reformaslideradas por Deng Xiaoping, o país optoupelo baixo crescimento populacional e peloalto crescimento da economia e do consumo.Assim, a China sozinha vai precisar, dentrode pouco tempo, de um Planeta inteiro paraatender sua febre de produção e consumo.

Algo parecido está acontecendo na Índiaque segue o modelo chinês de crescimentoda produção e do consumo. Mas com umadiferença: a população da Índia continuacrescendo, vai ultrapassar a população daChina até o ano de 2028, quando ambos ospaíses terão por volta de 1,46 bilhão de ha-bitantes. Mas a China vai sofrer declíniopopulacional a partir da década de 2030 en-quanto a da Índia deve continuar crescen-do (se não houver queda significativa dafecundidade), podendo chegar a 2 bilhõesde habitantes ainda no século 21. A pres-são do consumo crescente destes dois pa-íses – os dois mais populosos do mundo –vai significar um impacto incalculável so-bre o meio ambiente.

BRASIL: NA ZONA DE CONFORTO DEMOGRÁFICO

Com um território imenso, uma densidadedemográfica de apenas 23 habitantes por km2

(contra 51 hab/km2 no mundo, em 2010) e umapopulação que vai se estabilizar ou começara declinar já na década de 2030, o Brasil temuma situação demográfica privilegiada. Aspressões sobre o meio ambiente não são tãograndes como na China e na Índia. Mas opais precisa cuidar do padrão de produção e

consumo para reduzir sua Pegada Ecológicae garantir a sustentabilidade ambiental, poisestamos longe de uma situação ideal.

Além de territorialmente grande, o Brasil temgrande disponibilidade de terra e água, em-bora muitos ainda vivam em assentamentosprecários e em áreas de risco. As tragédiasclimáticas que se repetem e se agravam a cadaanos são “naturalmente” frutos da falta deplanejamento, controle urbano e degradaçãodos recursos naturais. O problema mais sériodo Brasil não é, evidentemente, o contingen-te populacional, mas sua condição social, suadistribuição espacial e a capacidade de go-vernança de seus dirigentes.

O mundo chegar a 7 bilhões de habitantescom aumento da esperança de vida não dei-xa de ser uma grande vitória contra a morta-lidade precoce. Mas a continuidade do cres-

cimento demográfico desregrado e o agra-vamento das condições ambientais é umperigo que deve ser evitado. Muitas espéci-es vegetais e animais pagaram com a extin-ção o “sucesso” das atividades humanas naTerra. Mais importante do que ter uma po-pulação grande é ter a grandeza de sabercompartilhar o habitat comum, cuidar da saú-de do Planeta e conviver em paz e harmoniacom todos os seres vivos do Planeta. n

POPULAÇÃO: O PROBLEMA DA QUESTÃO CLIMÁTICA?

de, diferença nos níveis de natalidade em diferentes grupos étnicos, culturais ou religi-osos, e direito a liberdades individuais.

MENOS GENTE, MENOS EMISSÕES DE GEE?Para a equipe do Centro Nacional para Pesquisas Atmosféricas dos EUA liderada porBrian O’Neil, especialista na relação população/emissões, uma redução apenas mo-derada do crescimento populacional até 2050 poderia levar a cortes de 16% a 29%nas emissões necessárias para se evitar mudanças climáticas perigosas.

A previsão de O’Neil vai contra a opinião de boa parte da comunicade científica deque a população não é variável tão importante nas mudanças climáticas. Para eles,as medidas de redução da natalidade não levariam a grandes mudanças nas regi-ões em que a população mais cresce. E mesmo se levasse, como essas regiõescostumam estar perto das áreas mais pobres do mundo, o efeito sobre as emissõesgeradas pela atividade econômica seria irrelevante.

O’Neil e sua equipe argumentam que se nascessem 1,5 bilhão de pessoas a menosque o estimado entre 2000 e 2050, o mundo cortaria até 1,4 gigatoneladas deemissões de CO2, ou seja, mais de 16% por cento do total atual. O envelhecimentoda população também poderia reduzir as emissões em até 20%, mas o crescimentodas áreas urbanas zerariam estes ganhos. Se os ganhos podem ser tão significati-vos, como indica o estudo de O’Neil, e praticamente sem a necessidade de enormesinvestimentos, não seria irresponsável ignorar esta variável?

FFFFFonteonteonteonteonte: Reportagem de Eric Câmara, in Planeta e Clima, BBC BrasilBBC BrasilBBC BrasilBBC BrasilBBC Brasil. Publicado em www.eco-debate.com.br em novembro de 2010. O estudo integral pode ser consultado em NatureClimate Change (publ. online 26 October 2010), www.nature.com/nclimate/index.html

Jim Rowe

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A história precisa ser sempre um eter-no recomeço? Estamos enfrentando o quepoderia ser uma outra grande crise alimentar.

O Índice de Preços dos Alimentos da FAO(Organização das Nações Unidas para a Agri-cultura e a Alimentação) voltou a atingir seunível mais alto no final de 2010. E, nos próxi-mos anos, a volatilidade e os preços continu-arão altos, se não atacarmos as causas estru-turais do desequilíbrio do sistema agrícolainternacional. Seguimos reagindo a fatoresconjunturais e, portanto, a gerenciar crises.

Até 2050, será necessário aumentar emz 70% a produção agrícola mundial, ez 100% nos países em desenvolvimento.

Para isso, a primeira e mais importante ques-tão é a do investimento: a participação daagricultura na ajuda oficial ao desenvolvi-mento agora está em torno de 5%, e deveretornar ao patamar de 19%, de 1980, alcan-çando os US$ 44 bilhões por ano.

O orçamento destinado à agricultura pelospaíses de baixa renda e importadores de ali-mentos, que hoje gira em torno dos 5%, de-veria atingir um mínimo de 10%, e os investi-mentos privados nacionais e estrangeiros,que representam cerca de US$ 140 bilhõespor ano, deveriam subir para US$ 200 bilhões.Esses valores são uma fração do que se gas-

por Jacques Diouf

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Jacques Diouf é diretor-geral da Organizaçãodas Nações Unidas para a Agricultura e a Alimen-tação. Publicado na Folha de S.Paulo (7/02/2011)

e

ta anualmente na compra de armas, em tornode US$ 1,5 trilhão. Em seguida, temos o co-mércio internacional de produtos agrícolas,que não é livre nem justo. É preciso, ainda,chegar a um consenso nas negociações daOrganização Mundial do Comércio (OMC)para colocar fim à distorção dos mercadose das medidas comerciais restritivas.

Os países da OCDE proporcionam à sua agri-cultura um apoio equivalente a quase US$365 bilhões por ano, e seus subsídios e pro-teção tarifária a favor dos biocombustíveiscausam o desvio de 120 milhões de tonela-das de cereais do consumo humano para osetor de transportes.

Por último, temos a especulação financeira exa-cerbada pelas medidas de liberalização dosmercados futuros de produtos agrícolas, emum contexto de crise econômica e financeira.Essas condições tornaram instrumentos dearbitragem de risco em produtos financeirosespeculativos que substituem outros investi-mentos menos rentáveis. É urgente introduzirnovas medidas de transparência e de regula-mentação para fazer frente à especulação nosmercados futuros de produtos agrícolas.

Em um contexto também incerto do pontode vista climático, marcado por inundaçõese secas, é necessário poder financiar pe-quenas obras de controle de água, meios

de armazenamento locais e estradas rurais,assim como portos de pesca e matadouros.Só dessa forma será possível garantir a pro-dução de alimentos e melhorar a produtivi-dade e a competitividade dos pequenos agri-cultores, diminuindo os preços ao consu-midor e aumentando a renda das popula-ções rurais, que representam 70% dos po-bres no mundo. A aplicação dessas políti-cas globais deve ser baseada no respeitodos compromissos assumidos pelos paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento.

A gestão de crises é importante, mas a pre-venção é melhor. Sem decisões que permitammudanças estruturais a longo prazo, acompa-nhadas de vontade política e dos recursosfinanceiros necessários para sua aplicação, ainsegurança alimentar permanecerá.

Isso dará margem a instabilidade políticaem diversos países e poderá ameaçar a paze a segurança mundial. Se não forem segui-dos por ações, os discursos e promessasdas grandes reuniões internacionais ape-nas aumentarão a frustração e a revolta emum planeta cuja população vai aumentar dosatuais 6,9 bilhões de pessoas para 9,1 bi-lhões no ano de 2050. n

Sem decisões que permitam mudançasestruturais a longo prazo, acompanhadasde vontade política, a insegurançaalimentar global permanecerá.

de PREÇOS& CRISES

ALIMENTARES

VOLATILIDADE

Oxfam International

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Afinal, o que é ecossocialismopor Marcus Eduardo de Oliveira

Mudar radical-mente a raciona-lidade econômi-ca; aproximar aspreocupações daciência econômi-ca para a necessi-dade de libertar ohomem; criar umnovo ambientepropício para avida de todos osseres humanos,sem a divisão cos-tumeira que privi-legia alguns emdetrimento demuitos e reconhe-

Socialismo, sim, no sentido de enalte-cer os laços sociais e políticos querespeitam, primeiramente, a Mãe Ter-

ra. Socialismo no sentido de fazer a crítica ver-dadeira ao “deus capitalismo”, que se afirmaconsoante à idéia básica de que o mercado –altar sagrado do dinheiro – pode tudo. Essesocialismo, aqui defendido, se põe em posi-ção contrária a essa premissa, pois entendeque o mercado é incapaz de resolver tudo eque o mundo não pode viver apenas de con-sumo e mais consumo, como o “deus capita-lismo” sempre quis que fosse e quer que seja.

Quem tem olhos para ver sabe que a con-tradição entre capital e natureza aí está postae deve ser repensada à luz de uma novaperspectiva que inclua, essencial e prefe-rencialmente, o ser humano dentro do obje-to de análise dos modelos econômicos, par-tindo da premissa que o mundo não é, comodissemos, um objeto, uma simples e qual-quer mercadoria pronta para ser digerida porbocas ávidas. Se o consumo consome oconsumidor, o socialismo ecológico – ecos-socialismo – vem para refutar o deus-mer-cado e pôr novas regras no jogo, defen-

dendo as bases de sustentação da vida,condenando, primeiramente, o consumoartificialmente induzido pela publicidadeque faz a sobrevivência daquele “deus”que ora mencionamos.

Esse socialismo ecológico, defendido peloeconomista mexicano Enrique Leff, pelo so-ciólogo Michael Lowy, por Victor Wallis,John Bellamy Foster, Jean-Marie Harribey,Raymond Willians, David Pepper e tantosoutros acadêmicos de destaque, aponta paraa necessidade de incutir no imaginário co-

cer, definitivamente, a existência de limites ao crescimento. São esses al-guns pontos centrais da discussão em torno do que se convenciona cha-mar socialismo ecológico ou, como alguns preferem, de ecossocialismo.

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letivo a verdade de que toda vez que o ca-pital se constrói sob as ruínas da natureza éa vida de todos nós que entra em perigo.Talvez seja por isso que Enrique Leff acer-tadamente pontua que “a economia está ge-rando a morte entrópica do mundo”. Essa“morte”, em nosso entendimento, é cadavez mais explícita quando se percebe que aúnica preocupação dos “Senhores da Eco-nomia Mundial” é em salvar o grande capi-tal, não em salvar o planeta e a vida. Porsinal, melhor seria dizer em salvar a vida,pois o planeta saberá viver sem nós, umavez que não depende de nossa presençapara sobreviver.

Pelo lado da economia voraz e consumista,base do deus-mercado, que a tudo destróiem nome de atender aos ditames mercado-lógicos, somos sabedores de que a ordemda macroeconomia comandada por esses“Senhores” é uma só: fazer crescer e cres-cer e crescer cada vez mais a economia mun-dial. Do outro lado, para o bem da sobrevi-vência e do respeito às leis da vida, a ordemda ecologia também é una: lutar pela possi-bilidade de assegurar a sobrevivência denossa espécie.

O fato é que já não é mais possível aceitar aprédica mercadológica que leva uma minoriaprosperar enquanto uma maioria conhece deperto o drama da exclusão numa sociedadeque parece não ser de outra natureza além daconsumista, insuflada pela propaganda, finan-ciada pelo capital, destruidora da natureza.

Os que defendem o modelo de fazer a eco-nomia crescer sem limites para promover a“felicidade geral”, como se isso fosse exe-quível, e como se não houvesse nenhumtipo de diferença socioeconômica, se equi-vocam ao ignorar que esse “crescimento”é dependente das leis da natureza e a na-tureza, em toda sua amplitude, não é (enunca será) capaz de dar conta dessa polí-tica de crescimento.

Nesse sentido, a economia parece ser com-pletamente míope em relação à necessida-de de se regular a produção. Para o bemdaqueles que se encontram ao lado da eco-logia e contra a economia destruidora cabeatentar aos preceitos desse novo pensa-mento que ganha, cada vez mais, contornode paradigma que veio para ficar. Consoan-te a isso, analisemos a seguir o que tem ditoLowy e Bellamy Foster que trabalham a idéiade “ecossocialismo”.

O QUE É ECOSSOCIALISMO?Para Lowy, “trata-se de uma corrente de pen-samento e de ação ecológica que toma para sias conquistas fundamentais do socialismo –ao mesmo tempo livrando-se de suas escóri-as produtivistas”. Já o sociólogo John Bella-my Foster definiu o ecossocialismo como sen-do “a regulação racional da produção, respei-tando a relação metabólica entre os sistemassociais e os sistemas naturais, de forma a ga-rantir a satisfação das necessidades comunsdas gerações presentes e futuras”.

Portanto, a definição dada por Foster não estámuito distante da recomendação feita peloRelatório Brundtland (ver quadro). Para me-lhor ilustrar-se essa questão, três aspectosrealçam o posicionamento de Foster. São eles:z O reconhecimento dos limites ao cresci-mento e a ruptura com a lógica produtivistaque associa o aumento do bem-estar a um

Marcus Eduardo de Oliveira é economista eprofessor de economia da FAC-FITO e doUNIFIEO, em São Paulo. Membro do GECEU– Grupo de Estudos de Comércio Exterior(UNIFIEO) e articulista do Portal EcoDebate,do site “O Economista” e da Agência Zwela deNotícias (Angola). Contatos: e-mail –prof.marcuseduardo{at}bol.com.brTwitter – http://twitter.com/marcuseduoliv

NOTA DO EDITOR:Aconselhamos a leitura do texto integral de An EcosocialistManifesto, de Joel Kovel e Michael Lowy, que pode ser bai-xado de www.ecosocialistnetwork.org/Docs.htm

z Elaborado em 1987 pela ComissãoMundial sobre Meio Ambiente e Desen-volvimento, da ONU, o Relatório Brundt-land (do nome da primeira-ministra daNoruega, Gro Harlem Brundtland, quechefiou a Comissão) faz parte de umasérie de iniciativas, anteriores à Agenda21, que reafirma uma visão crítica do mo-delo de desenvolvimento adotado pelospaíses industrializados e reproduzido pe-las nações em desenvolvimento.z O relatório ressalta os riscos do usoexcessivo dos recursos naturais sem con-siderar a capacidade de suporte dosecossistemas. O relatório aponta paraa incompatibilidade entre desenvolvi-mento sustentável e os padrões de pro-dução e consumo vigentes.

NOSSO FUTURO COMUM (RELATÓRIO BRUNDTLAND)

aumento da produção. Colocar o prefixo econa palavra socialismo implica conciliar aigualdade intrageracional com a igualdadeintergeracional;z A reformulação do sistema produtivo deforma a torná-lo dependente unicamente douso de recursos renováveis, articulandocom o princípio anterior. Cumpre ressaltarque a sustentabilidade exige um uso dosrecursos renováveis a um ritmo que garan-ta a sua renovação;z O uso social da natureza, privilegiando agestão comunitária de recursos comuns.

Como visto, os termos ecossocialismo e soci-alismo ecológico estão longe de ser apenasmodismos ou meras retóricas românticas. Sãoconceitos que ganham contornos relevantesnum mundo que vive intensamente a maisgrave crise ecológica de toda a história. Parao bem de todos nós, o pensamento em defesada sustentabilidade se fortalece no dia a dia.A natureza e a vida agradecem. n

z No documento, o desenvolvimento sus-tentável é concebido como “aquele que sa-tisfaz as necessidades presentes, sem com-prometer a capacidade das gerações futu-ras de suprir suas próprias necessidades”.z Fica muito claro, nessa nova visão dasrelações homem-meio ambiente, quenão existe apenas um limite mínimopara o bem-estar da sociedade; há tam-bém um limite máximo para a utiliza-ção dos recursos naturais, de modo aque sejam preservados.z A versão em português do Relatório Brundt-land foi publicada pela Fundação GetúlioVargas, e sua referência bibliográfica é: Nos-so futuro comum / Comissão Mundial so-bre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Riode Janeiro: Editora da FGV, 1988.

Fonte: Wikipedia

O planeta saberáviver sem nós, uma

vez que não dependede nossa presençapara sobreviver.”

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Turismo & sustentabilidadepor Prof. Carlos Monteiro

Um destino turístico deve construir seu desenvolvimentosustentável no presente para gerar atratividade e conti-nuidade no futuro. O grande desafio é como construirsua sustentabilidade e desenvolver melhoria contínua daqualidade de vida tanto dos moradores e turistas semcomprometer as potencialidades do destino.

Os visitantes de um destino turístico de-sejam apenas desfrutar das belezas na-

turais? Ou será que cansados da vida nasgrandes cidades buscam um lugar recheadode “estórias” e de experiências que merece-rão ser contadas? O que você pensa a res-peito? Será que o turista quer somente bele-zas naturais? E se o tempo estiver ruim? Oque fazer? Como preservar, respeitar e con-viver com a cultura local? Quantas dúvidas!

No Brasil, no âmbito do Programa de Regio-nalização do Turismo, foi desenvolvido o pro-jeto Economia da Experiência, que tem comoreferência as teorias postuladas por RolfJensen no best-seller The Dream Society ( ASociedade dos Sonhos, 1999) e por JosephPine e James Gilmore em The Experience Eco-nomy (Economia da Experiência, 1999). Segun-do esses analistas, o turista não quer mais sermeramente contemplativo, mas protagonistade sua própria experiência no destino que es-colheu para sonhar. A partir dessa linha depensamento, o principal objetivo dos profis-sionais do turismo seria adaptar suas empre-sas ao novo conceito. Assim, estabelecimen-tos e serviços ganham importantes diferenci-ais e passam a oferecer experiências memorá-veis aos visitantes através da valorização eda singularidade de cada destino.

EXPERIMENTAÇÃO E SUSTENTABILIDADE

O conceito da experimentação começa napesquisa da história, tradição e cultura pormeio das vivências experimentadas, que setornam uma “marca do destino”. Ao se ali-nhar todo o potencial turístico do destino –belezas naturais, história, cultura e atrati-vos – com bons serviços pode-se criar umaboa receita para satisfazer moradores e tu-ristas. E como clientes satisfeitos são bonsdivulgadores, possibilita-se que outros vi-sitantes venham conhecer o destino turís-tico. Nada melhor do que uma boa indica-ção! Ou seja, o famoso “boca a boca”.

Por outro lado, a construção da sustentabi-lidade exige um esforço conjunto no senti-do da busca por soluções aos problemasque surgem em todo processo de desen-volvimento turístico. Não podemos esque-cer a infra-estrutura básica para atender ademanda do fluxo turístico e a capacidadede carga estabelecida. Outro aspecto sumaimportância a ser considerado é oassociativismo – prática testada e aprova-da que direciona o trabalho conjunto parao diálogo social. Já está comprovado que oisolamento em nada contribui para a sus-tentabilidade de uma coletividade.

Neste cenário construtivo e participativo, pre-cisamos analisar alguns aspectos importantes:z HOTELARIA/HOSPEDAGEM – É importanteque os meios de hospedagem participemde uma associação local para refletir sobresuas necessidades. Entre muitos aspectos,destaca-se como fundamental o treinamen-to na qualificação profissional dos funcio-nários e os cuidados básicos/essenciaiscom os serviços de hotelaria.

z MEIOS DE TRANSPORTE – Os que forne-cem serviços de transportes, traslados epasseios – também reunidos de formaassociativa – devem prover veículos bemequipados e em excelente estado de con-servação e manutenção, com equipes bemtreinadas, capacitadas, uniformizadas, aten-ciosas e educadas. O relacionamento entreos membros da equipe, o atendimento e aqualidade dos serviços prestados deveconstituir uma preocupação constante.

z GASTRONOMIA/ALIMENTAÇÃO – Para os for-necedores da área alimentação deveriam coli-gar-se em associação que os represente. Higi-ene, conservação, manipulação, qualidade dosalimentos, atendimento, variedade de cardápi-os e de pratos típicos devem ser “marca regis-trada” na culinária do destino turístico.

A partir desta perspectiva sistêmica, a partici-pação e a interação dos representantes dosdiversos segmentos da comunidade local, de-vidamente coordenados por um Conselho Ges-tor, são fundamentais para o desenvolvimentode projetos específicos e estruturantes. É indi-cado que os projetos estejam alinhados e com-patibilizados entre si, e geridos pelo Conselho.Outro aspecto importante: a participação dosrepresentantes da comunidade e demais ato-res sociais na elaboração e priorização de pro-jetos que irão compor o programa de desen-volvimento sustentável.

A sustentabilidade de um destino dependedo modelo de turismo a ser desenvolvido, quedeve considerar os elementos básicos de umplano turístico, a saber: o público alvo a atrair,o levantamento e a proteção do patrimôniohistórico, natural e cultural, a oferta turística,o melhoramento contínuo de produtos e ser-viços, a elaboração de um calendário de even-tos, o estabelecimento de estratégias de com-petitividade de mercado e a divulgação.

Ainda sobre a elaboração de um plano para odesenvolvimento sustentável não se pode es-quecer de traçar cenários (realistas, otimistas epessimistas), analisar os fatores de influência,as tendências de mudanças, os riscos e oportu-nidades, assim como, estudar os diversos as-pectos de viabilidade de cada projeto e do pro-grama como um todo. Nessa perspectiva, acre-ditamos que a participação de todos os atoresdeste processo – cada um no seu espaço e comos seus conhecimentos e competências – po-derão efetivamente contribuir para o desenvol-vimento sustentável do destino turístico. n

Carlos Monteiro – Mestre em Administraçãoe Desenvolvimento Empresarial, Consultor e Pro-fessor na área de Turismo, Administração eMarketing, Presidente ADESP – Associação parao Desenvolvimento Sustentável Participativo.E-mail: [email protected]

Philoucn

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