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2 ALTO DA RAIA Alto da Raia FICHA TÉCNICA Director: Manuel Alcino Fernandes; Colaboradores: Luís Queirós; Hélio Bernardo Lopes; Jorge Carvalheira; António Lourenço André; João Borges Vieira; José Manuel F. Gonçalves; Carlos Barroco Esperança; Paulo J. Brito e Abreu; Domingos Lopes Cerqueira e Laura Brás Ramos. Fotografia: Samuel Fernandes; Paginação: Paulo Canelas - Casa Véritas - Guarda (Tel. 271 222 105); Impressão: Fábrica da Igreja Paroquial de S. Miguel da Sé. Tiragem: 1000 exemplares; Periodicidade: Bimestral; Depósito Legal: Nº. 107036/97; e-mail: [email protected]; Propriedade: Centro Social do Rio Seco * Largo da Capela Nº. 3 - 6355-160 S. Pedro de Rio Seco * Tel. 271 513 369 | 271 511 054 * NIB da conta corrente: 0035 0360 0006 1414 23044; * e-mail: [email protected] Actualidade Manuel Alcino Fernandes No discurso sobre o Estado da União 2018, Donald Trump pediu o reforço das forças militares e a modernização do ar- senal nuclear. «Esperamos nunca ter de usá-lo», disse o presidente norte-ameri- cano, «mas torná-lo tão forte e tão pode- roso que irá impedir qualquer acto de agressão por quem quer que seja». Curiosa esta afirmação de Trump se recordarmos que em 2016, quando pou- co informado sobre os mecanismos da dissuasão, terá argumentado para um dos seus conselheiros: «Para que serve ter armas nucleares se não as podemos uti- lizar?». Na Estratégia de Segurança Nacio- nal, Donald Trump disse implicitamen- te que as forças armadas americanas fo- ram suplantadas e que o seu armamento é obsoleto face ao poderio da Rússia e da China. Outro paradoxo, se tivermos em linha de conta que o orçamento das For- ças Armadas dos Estados Unidos é nove vezes superior ao da Rússia e três vezes superior ao da China, de acordo com os números recentemente divulgados pelo SIPRI. Esta doutrina de Segurança Nacional de Trump, baseia-se numa análise rigo- rosa dos «desafios» à potência norte- americana. Nenhuma novidade é anun- ciada, a não ser uma aliança com a Aus- trália, a Índia e o Japão para conter a China e combater a Coreia do Norte. A «guerra sem fim» e as sucessivas inter- venções militares levadas a cabo nos últimos anos pelos Estados Unidos, à EDITORIAL O recuo do Pentágono escala mundial, parecem agora ter per- dido apoios no Congresso, posição que poderá levar a um abrandamento da ten- são militar, sobretudo no Médio-Orien- te Alargado. Num artigo intitulado «Trump, o Gor- batchev norte-americano», o escritor francês Thierry Meyssan refere que «os Estados Unidos chegaram à beira do colapso interno e a sua política, desde a queda da União Soviética, é um embate entre duas escolas: de um lado os parti- dários da prosperidade, do outro os do imperialismo». Num quadro desta natu- reza, o presidente norte-americano «co- locou-se, para já, na desconfortável po- sição de Mikhaïl Gorbatchev». A União Soviética desintegrou-se em 1991, levando a sua economia a recuar várias décadas e a provocar a queda em cascata de vários dos seus aliados. À época, a questão de saber quais seriam as consequências desse cataclismo sobre o outro grande império do século XX — os Estados Unidos e seus aliados — já se colocava duma forma incontestável. Nessa altura, o Congresso norte-ame- ricano rejeitou o «sonho» dos Presiden- tes Bush pai e Clinton, de evitar algumas intervenções militares num mundo onde os EUA poderiam vir a tornar-se no motor da economia mundial. Ao invés, consi- derou que «o Pentágono deveria apro- veitar o desaparecimento da URSS para estender a seu domínio militar a todo o planeta. Daí, que nos mandatos de Geor- ge Bush Jr. e de Barack Obama, os docu- mentos que descreviam a Estratégia de Segurança Nacional partiam do princí- pio que os EUA eram a única superpo- tência no mundo». Decorridas três décadas, os EUA dão agora alguns sinais de pretenderem rom- per com o essencial daquela narrativa. A explanação conserva ainda certos ele- mentos míticos dos mandatos preceden- tes, mas tenta, acima de tudo, reposicio- nar os Estados Unidos como a Repúbli- ca que eram em 1791 (quer dizer, no momento do compromisso do Bill of Rights) e não mais como o Império em que se tornaram a 11 de Setembro de 2001. A mensagem que Donald Trump procura agora passar para o exterior é que o papel da Casa Branca, da sua diploma- cia e das suas forças armadas, não é mais o de dar ordens ao mundo, mas sim o de «proteger os interesses do povo norte- americano». Embora considere igualmente os Es- tados Unidos como a incarnação do «Bem», contrariamente aos seus prede- cessores Trump não diaboliza os seus rivais e inimigos, antes parece procurar compreendê-los. Retoma o seu slogan «America First!», para fazer dele a sua base filosófica e conquanto, historica- mente, esta fórmula continue a ser asso- ciada ao apoio ao nazismo, não era esse o seu sentido original. Na opinião de Thierry Meyssan, «tratava-se, inicial- mente, de romper com a política atlan- tista de Roosevelt: a aliança com o Im- pério britânico para procurar impor uma nova ordem mundial». Em relação à prosperidade dos Es- tados Unidos, condição do desenvolvi- mento das suas capacidades de Defesa, Donald Trump é um defensor do sonho americano do «Estado mínimo» e da teoria do «escorrer da riqueza». Nesse sentido, ele prossegue a desregulamen- tação de todos os sectores onde a inter- venção do Estado supostamente não será necessária. Mas ao contrário da doutrina Wolfo- witz, a Casa Branca já não considera a União Europeia como um competidor, mas antes como o componente civil da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). «A mensagem que Donald Trump procura agora passar para o exteri- or é que o papel da ‘Casa Branca’ e das suas forças armadas não é mais o de dar ordens ao mundo, mas sim o de ‘proteger os interesses do povo norte-americano’». De acordo com o Jornal de Negócios, a ADSE é res- ponsável pelo financiamento de 20% da despesa dos hos- pitais privados. A este valor junta-se o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e as deduções fiscais, atingindo assim os 51%. Os responsáveis pelo subsistema de saúde dos funci- onários públicos defendem as reduções de preços como medida para assegurar a sustentabilidade financeira da ADSE. Os privados consideram que os valores propostos são inferiores ao custo dos actos médicos e neste conflito entre Ministério da Saúde e grupos privados de saúde, os últimos ameaçam deixar de trabalhar com a ADSE. Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), a SAÚDE 51% da despesa dos hospitais privados é paga pelo Estado ADSE financia 20% da despesa corrente dos privados. Para além deste financiamento, somam-se os valores que o SNS paga a prestadores privados e as deduções fiscais por des- pesas de saúde. Assim, a despesa total dos grupos priva- dos paga pelo Estado alcança os 51%. De acordo com a Conta Satélite da Saúde do INE, só pela prestação de serviços que os hospitais públicos actu- almente não conseguem realizar, o SNS pagou 554 mi- lhões de euros aos privados (30% dos serviços prestados por estes). Juntam-se a estes valores os gastos do Estado com as deduções fiscais às despesas de saúde nesses hospitais. Contabilizam-se igualmente os 294,4 milhões pagos pela ADSE a privados. «Só pela prestação de serviços que os hospitais públicos actualmente não conseguem realizar, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) pagou 554 milhões de euros aos privados»

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22222ALTO DA RAIA

Alto da RaiaFICHA TÉCNICA

Director: Manuel Alcino Fernandes; Colaboradores: Luís Queirós; Hélio Bernardo Lopes; Jorge Carvalheira; António Lourenço André; João Borges Vieira; José ManuelF. Gonçalves; Carlos Barroco Esperança; Paulo J. Brito e Abreu; Domingos Lopes Cerqueira e Laura Brás Ramos. Fotografia: Samuel Fernandes; Paginação: Paulo Canelas- Casa Véritas - Guarda (Tel. 271 222 105); Impressão: Fábrica da Igreja Paroquial de S. Miguel da Sé. Tiragem: 1000 exemplares; Periodicidade: Bimestral; DepósitoLegal: Nº. 107036/97; e-mail: [email protected]; Propriedade: Centro Social do Rio Seco * Largo da Capela Nº. 3 - 6355-160 S. Pedro de Rio Seco * Tel. 271 513369 | 271 511 054 * NIB da conta corrente: 0035 0360 0006 1414 23044; * e-mail: [email protected]

Actualidade

Manuel Alcino Fernandes

No discurso sobre o Estado da União

2018, Donald Trump pediu o reforço dasforças militares e a modernização do ar-senal nuclear. «Esperamos nunca ter deusá-lo», disse o presidente norte-ameri-cano, «mas torná-lo tão forte e tão pode-roso que irá impedir qualquer acto deagressão por quem quer que seja».

Curiosa esta afirmação de Trump serecordarmos que em 2016, quando pou-co informado sobre os mecanismos dadissuasão, terá argumentado para um dosseus conselheiros:  «Para que serve terarmas nucleares se não as podemos uti-lizar?».

Na Estratégia de Segurança Nacio-

nal, Donald Trump disse implicitamen-te que as forças armadas americanas fo-ram suplantadas e que o seu armamentoé obsoleto face ao poderio da Rússia e daChina. Outro paradoxo, se tivermos emlinha de conta que o orçamento das For-ças Armadas dos Estados Unidos é novevezes superior ao da Rússia e três vezessuperior ao da China, de acordo com osnúmeros recentemente divulgados peloSIPRI.

Esta doutrina de Segurança Nacional

de Trump, baseia-se numa análise rigo-rosa dos «desafios» à potência norte-americana. Nenhuma novidade é anun-ciada, a não ser uma aliança com a Aus-trália, a Índia e o Japão para conter aChina e combater a Coreia do Norte. A«guerra sem fim» e as sucessivas inter-venções militares levadas a cabo nosúltimos anos pelos Estados Unidos, à

EDITORIAL

O recuo do Pentágonoescala mundial, parecem agora ter per-dido apoios no Congresso, posição quepoderá levar a um abrandamento da ten-são militar, sobretudo no Médio-Orien-

te Alargado.

Num artigo intitulado «Trump, o Gor-batchev norte-americano», o escritorfrancês Thierry Meyssan refere que «osEstados Unidos chegaram à beira docolapso interno e a sua política, desde aqueda da União Soviética, é um embateentre duas escolas: de um lado os parti-dários da prosperidade, do outro os doimperialismo». Num quadro desta natu-reza, o presidente norte-americano «co-locou-se, para já, na desconfortável po-sição de Mikhaïl Gorbatchev».

A União Soviética desintegrou-se em1991, levando a sua economia a recuarvárias décadas e a provocar a queda emcascata de vários dos seus aliados. Àépoca, a questão de saber quais seriamas consequências desse cataclismo sobreo outro grande império do século XX —os Estados Unidos e seus aliados — já secolocava duma forma incontestável.

Nessa altura, o Congresso norte-ame-ricano rejeitou o «sonho» dos Presiden-tes Bush pai e Clinton, de evitar algumasintervenções militares num mundo ondeos EUA poderiam vir a tornar-se no motorda economia mundial. Ao invés, consi-derou que «o Pentágono deveria apro-veitar o desaparecimento da URSS paraestender a seu domínio militar a todo oplaneta. Daí, que nos mandatos de Geor-ge Bush Jr. e de Barack Obama, os docu-

mentos que descreviam a Estratégia de

Segurança Nacional partiam do princí-pio que os EUA eram a única superpo-tência no mundo».

Decorridas três décadas, os EUA dãoagora alguns sinais de pretenderem rom-per com o essencial daquela narrativa. Aexplanação conserva ainda certos ele-mentos míticos dos mandatos preceden-tes, mas tenta, acima de tudo, reposicio-nar os Estados Unidos como a Repúbli-ca que eram em 1791 (quer dizer, nomomento do compromisso do Bill of

Rights) e não mais como o Império emque se tornaram a 11 de Setembro de2001. A mensagem que Donald Trumpprocura agora passar para o exterior é queo papel da Casa Branca, da sua diploma-cia e das suas forças armadas, não é maiso de dar ordens ao mundo, mas sim o de«proteger os interesses do povo norte-americano».

Embora considere igualmente os Es-tados Unidos como a incarnação do«Bem», contrariamente aos seus prede-cessores Trump não diaboliza os seus

rivais e inimigos, antes parece procurarcompreendê-los. Retoma o seu slogan

«America First!», para fazer dele a suabase filosófica e conquanto, historica-mente, esta fórmula continue a ser asso-ciada ao apoio ao nazismo, não era esseo seu sentido original. Na opinião deThierry Meyssan, «tratava-se, inicial-mente, de romper com a política atlan-tista de Roosevelt: a aliança com o Im-pério britânico para procurar impor umanova ordem mundial».

Em relação à prosperidade dos Es-tados Unidos, condição do desenvolvi-mento das suas capacidades de Defesa,Donald Trump é um defensor do sonhoamericano do «Estado mínimo» e dateoria do «escorrer da riqueza». Nessesentido, ele prossegue a desregulamen-tação de todos os sectores onde a inter-venção do Estado supostamente não seránecessária.

Mas ao contrário da doutrina Wolfo-

witz, a Casa Branca já não considera aUnião Europeia como um competidor,mas antes como o componente civil daOrganização do Tratado do AtlânticoNorte (OTAN).

«A mensagem que Donald Trumpprocura agora passar para o exteri-or é que o papel da ‘Casa Branca’ edas suas forças armadas não é maiso de dar ordens ao mundo, mas simo de ‘proteger os interesses do povo

norte-americano’».

De acordo com o Jornal de Negócios, a ADSE é res-ponsável pelo financiamento de 20% da despesa dos hos-pitais privados. A este valor junta-se o Serviço Nacionalde Saúde (SNS) e as deduções fiscais, atingindo assim os51%.

Os responsáveis pelo subsistema de saúde dos funci-onários públicos defendem as reduções de preços comomedida para assegurar a sustentabilidade financeira daADSE. Os privados consideram que os valores propostossão inferiores ao custo dos actos médicos e neste conflitoentre Ministério da Saúde e grupos privados de saúde, osúltimos ameaçam deixar de trabalhar com a ADSE.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), a

SAÚDE

51% da despesa dos hospitais privadosé paga pelo Estado

ADSE financia 20% da despesa corrente dos privados. Paraalém deste financiamento, somam-se os valores que o SNSpaga a prestadores privados e as deduções fiscais por des-pesas de saúde. Assim, a despesa total dos grupos priva-dos paga pelo Estado alcança os 51%.

De acordo com a Conta Satélite da Saúde do INE, sópela prestação de serviços que os hospitais públicos actu-almente não conseguem realizar, o SNS pagou 554 mi-lhões de euros aos privados (30% dos serviços prestadospor estes). Juntam-se a estes valores os gastos do Estadocom as deduções fiscais às despesas de saúde nesseshospitais. Contabilizam-se igualmente os 294,4 milhõespagos pela ADSE a privados.

«Só pela prestação de serviços que os hospitais públicos actualmente não conseguem realizar,o Serviço Nacional de Saúde (SNS) pagou 554 milhões de euros aos privados»

33333ALTO DA RAIAGeral

Com toda a naturalidade, arecente tomada de posse de RuiRio como líder do PSD, depois deconhecida toda a sua equipa dire-tiva, teriam de surgir mudanças naquase globalidade do nosso am-biente partidário. Sobretudo, noâmbito do PSD e do PS, porquepelo lado do CDS, PCP, Bloco deEsquerda e Verdes as mudançasforam ínfimas.

Claro está que estas mudançasno discurso do PSD são um merobaralhar e dar de novo, emboracom as roupagens da moda im-posta pelos êxitos da governaçãode António Costa, suportado peloPS, Bloco de Esquerda, PCP eVerdes. Simplesmente, esta mu-dança no discurso do PSD é me-ramente aparente, porque só foipossível pelo facto do sonho daanterior liderança – com adapta-ções de circunstância, o PSD foisempre um partido da nossa Di-reita liberal – se ter mostradocomo quimérico e completamen-te destituído de realidade.

A prova de que é isto uma re-alidade está logo nas prioridadesde consenso apresentadas por RuiRio, sempre com o sonho de le-var a uma destruição do atual ejusto sistema da nossa SegurançaSocial Pública, a fim de lhe per-mitir passá-lo para o domínioprivado. Um sonho que o PS, oBloco de Esquerda, o PCP e Ver-

ANÁLISE

O Dito e a Realidade

des sempre contrariaram em maisde quatro décadas de vida da nos-sa III República.

Esta diferença constituiu umseparador matricial fundamentalentre os que sempre se disseramde Esquerda e os da Direita quesurgiu na sequência da Revoluçãode 25 de Abril, depois plasmadana Constituição de 1976, suces-sivamente revista, e que só mere-ceu o apoio do PSD por razões detática circunstancial. Hoje, já comos partidos europeus da Interna-cional Socialista generalizada-mente rendidos à tática neolibe-ral e por isso quase extintos, oPSD voltou a mostrar a sua ver-dadeira face ideológica: um par-tido de Direita e neoliberal.

A vitória de António Costa nacorrida contra António José Se-guro evitou o fim de mais umpartido da Internacional Socialis-ta, mas porque o atual Governo,

liderado por aquele, operou a jus-tiça essencial para a enorme mai-oria dos portugueses que se viramatingidos pela política da anteri-or Maioria-Governo-Presidente.Essa justiça suportou-se, em es-sência, na promoção do EstadoSocial, ao invés da tentativa dasua destruição, que este ternopolítico havia tentado.

Já todos perceberam que oEstado Social, tal como semprefuncionou ao longo da III Repú-blica, é uma estrutura essencial noapoio dos portugueses ao PS. Deigual modo, os mais lúcidos e de-sinteressados não duvidam de queoutro é o sonho (de sempre) doPSD e do CDS. O que significaque se o PS acabar por ceder naestrutura do Estado Social aos ob-jetivos estratégicos (de sempre)do PSD e do CDS, nesse mesmodia iniciar-se-á o fim do próprioPS.

Com frequência, ouve-se di-zer que o atual Governo vem pro-duzindo bons resultados – é ver-dade e que tal se ficou a dever àação do Governo, mas por igualao essencial apoio do Bloco deEsquerda, PCP e Verdes – outraevidência. E ouve-se mesmo estaoutra cassete: quem puser um fimnesta atual forma de governação,será fortemente penalizado. Sim-plesmente, isto só é verdade se oGoverno não iniciar, fruto deconjugações políticas com o PSD– a Direita, portanto –, mudançasque levem a um desmantelamen-to do Estado Social, mormentenas vertentes da Segurança Soci-al Pública, da Saúde e da Educa-ção. Mexer no que quer que sejadestas matérias, bom, será o iní-cio do suicídio...

Hoje, com mais de quatro dé-cadas de vida política nesta nos-sa III República, o encanto dosportugueses com a política, mes-

Hélio Bernardo Lopes

«Se no Estado Social, nas ver-tentes da Segurança Social Públi-ca, da Saúde e da Educação, o PS

acabar por ceder aos objetivosestratégicos do PSD e do CDS,

nesse mesmo dia iniciar-se-á o fimdo próprio Partido Socialista».

mo com a democracia, está lon-ge de ser forte. Se se virem de-samparados no plano do EstadoSocial, naturalmente, os portu-gueses acabarão por abandonaros que possam ter abandonado oque sempre apresentaram comosendo o seu ideário: o EstadoSocial. Convém que os dirigen-tes políticos do PS nunca esque-çam esta realidade evidentíssi-ma. E também que conjeturemsobre aonde teria chegado o PSse António José Seguro tivesseprosseguido pelo caminho que seia percebendo.

Por fim, os fogos florestais dopróximo verão. Como muito bemreferiu o Primeiro-Ministro An-tónio Costa, eles para nós volta-rão no tempo quente e seco queacabará por chegar dentro demeses. E ninguém pode hoje du-vidar de que mais uns fogoscomo os do passado verão servi-rão muitíssimo bem a estratégiade tentar pôr em causa o Gover-no liderado por António Costa.Convém estar atento e não vol-tar a cometer certos atos de evi-dência forte, até sinceros e ver-dadeiros, mas que a nossa nefan-da grande comunicação sociallogo transforma, de modo sensa-cionalista, em armas a alimentarcontra a imagem do Governo daesquerdas, para usar as palavrasde Assunção Esteves. Enfim, aver vamos...

Previsões AgrícolasAs previsões agrícolas, em Fe-

vereiro, apontam para um aumen-to da produção de azeitona paraazeite (+25%, face a 2016), com osolivais intensivos a compensarema menor produtividade dos tradici-onais, afetados pela seca meteoro-lógica persistente. Quanto aos ce-reais de outono/inverno, assinala-se, pelo quinto ano consecutivo,uma diminuição da área instalada,prevendo-se que nesta campanha seatinja um mínimo histórico de 121mil hectares, a menor área dos úl-timos cem anos (desde que existemregistos sistemáticos). O desenvol-vimento vegetativo das searas énormal.

Gado, aves e coelhos abatidosO peso limpo total de gado aba-

tido e aprovado para consumo emdezembro de 2017 foi 38 342 tone-ladas, o que correspondeu a umdecréscimo de 6,2% (-0,1% emnovembro). Registou-se um menor

Boletim Mensal da Agricultura e Pescas

Síntese sobre a evolução da produção e dos preçosvolume de abate de suínos (-6,9%),ovinos (-23,3%) e caprinos (-11,0%). O peso limpo total de avese coelhos abatidos e aprovados paraconsumo foi 28 772 toneladas, oque representou uma variação po-sitiva de 3,1% (+8,2% em novem-bro), devido a um maior volume degalináceos (+6,4%), patos (+2,1%)e coelhos (+0,2%).

Produção de aves e ovos O volume de produção de fran-

go teve um acréscimo de 8,0%(+1,8% em novembro), com 28 465toneladas produzidas, acompanha-do de um aumento do número decabeças em 3,6% (-3,9% em no-vembro). A produção de ovos degalinha para consumo teve umacréscimo de 8,7% (-1,5% em no-vembro), com 9 870 toneladas pro-duzidas.

Produção de leite e produtoslácteos

A recolha de leite de vaca foi

de 151,8 mil toneladas, o que sig-nifica um acréscimo de 3,7%(+4,6% em novembro). A produçãototal de produtos lácteos foi supe-rior à do mês homólogo em 10,8%(+13,4% em novembro), devido àmaior produção de produtos fres-cos como o leite para consumo(+13,2%) e os leites acidificados(+8,9%),bem como um aumento naprodução de manteiga de 7,9%.

Pescado capturadoO volume de capturas de pes-

cado em Portugal diminuiu 16,6%(-24,0% em novembro), resultanteda menor captura de peixes mari-nhos, nomeadamente cavala. Às 4466 toneladas de pescado corres-pondeu uma receita de 14 581 milEuros, valor que representa umdecréscimo de 17,0% (-13,8% emnovembro).

O preço médio do pescado des-carregado foi 3,20 Euros/kg, ouseja, um aumento de 0,8% (+15,9%em novembro).

Preços e índices de preçosagrícolas

Em janeiro de 2018, as maio-res variações em módulo no índicede preços de produtos agrícolas noprodutor foram observadas nosovos (+41,5%), nos ovinos e capri-nos (+15,6%), na batata (-59,3%) enos hortícolas frescos (-10,8%). Emcomparação com o mês anterior, asvariações de maior amplitude ocor-reram nas plantas e flores (+6,1%),nos frutos (-15,5%) e nos ovos (-

5,0%). Em dezembro de 2017, oíndice de preços de bens e serviçosde consumo corrente (INPUT I)baixou 1,7% enquanto o índice depreços de bens e serviços de inves-timento (INPUT II) evoluiu favo-ravelmente (+1,5%). Relativamen-te ao mês anterior, verificou-se umaumento de 0,4% no índice de pre-ços de bens e serviços de consumocorrente. No índice de preços debens e serviços de investimento nãose observou qualquer alteração.

44444ALTO DA RAIA Geral

O Instituto da Habitação e daReabilitação Urbana (IHRU) re-alizou um inquérito por todo opaís, cujos resultados resultam naconstatação que “persistem emPortugal situações de grave ca-rência habitacional”: 187 dos 309municípios têm carências habita-cionais sinalizadas; foram iden-tificadas 25.762 famílias comoestando em situação habitacionalclaramente insatisfatória; exis-tem 14.748 edifícios e 31.526fogos sem as condições mínimasde habitabilidade; existem muni-cípios onde a percentagem de fa-mílias em situação de carênciahabitacional face ao total das re-sidentes assume uma expressãobastante significativa (acima dos3%), designadamente, Mira,Monforte, Mourão, Murtosa,Amadora, Almada, Loures eMesão Frio.

Destaca-se ainda uma outraconclusão paradoxal: é na Área

HABITAÇÃO

Em Portugal há 26 mil famíliassem uma habitação digna

Metropolitana de Lisboa (AML)que se concentram 54% das25.762 famílias que precisam deser realojadas ou que vivem emcasas indignas e a necessitar dereabilitação, porém, é tambémem Lisboa que está a esmagado-ra fatia de casas vazias (a maio-ria pertence a particulares).

Neste sentido, embora estasituação não se verifique apenasna capital do país, aqui concen-tra-se a maior diferença entrecasas vazias e carências habita-cionais: há 17 vezes mais casasonde não mora ninguém (sãoquase 50 mil) do que famíliaspara realojar (são 2867), quandoessa diferença é de 12 vezes maisno Porto (25.833 casas vaziaspara 2094 famílias), quatro vezesmais em Loures (11.670 vs.2673), três vezes mais na Ama-dora (9303 vs. 2839).

Os dados do inquérito doIHRU revelam que, ao todo, há735 mil fogos vagos em Portugal,

um número “largamente” supe-rior às necessidades. O levanta-mento permite ainda focos dife-rentes. Por exemplo, verifica-seque a distribuição das carênciasde alojamento está presente emtodo o território, mas concentra-se sobretudo nas áreas metropo-litanas de Lisboa e do Porto, querepresentam 74% do total dasfamílias sinalizadas.

Na introdução do relatório, oIHRU refere que o total de famí-lias identificado é 39% inferiorao que tinha sido diagnosticadono PER, o programa que em 1993fez o levantamento para erradi-car aos bairros de barracas nasáreas metropolitanas de Lisboa ePorto. Das famílias identificadasnessa altura, ainda faltam realo-jar 2531, refere-se ainda, ou seja,falta executar 5,2% do programa,que não foi concluído em sete de20 municípios.

O arrendamento ou a rea-bilitação são as soluções apon-

«Os dados do inquérito do IHRU revelam que há 735 mil fogosvagos em Portugal, um número “largamente” superior às necessi-dades, e que a distribuição das carências de alojamento se concen-tra, sobretudo, nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto»

tadasNeste momento, quase meta-

de de quem está em grave carên-cia habitacional (47%) vive embarracas e construções precáriasou então em “conjunto urbanoconsolidado degradado”, identi-fica o relatório, que revela aindaque é na AML que estão 45% dasbarracas, enquanto na Área Me-

tropolitana do Porto prevalecemas casas degradadas.

Segundo o IHRU, a soluçãopara o realojamento digno destasfamílias deverá passar mais peloarrendamento, aquisição ou rea-bilitação de habitações existen-tes do que por construções novas.

Fonte: IHRU

CONTAS BANCÁRIAS

Comissões aumentaram maisde 100 milhões em 2017

Ao longo de 2017, cinco ban-cos portugueses arrecadarammais de 1.876 milhões de euros emcomissões, uma média de 5 mi-lhões por dia. As contas divulga-das pela agência Lusa dizem res-peito às receitas com comissõesbancárias da Caixa Geral de De-pósitos, BCP, Santander Totta,BPI e Montepio. Ficam de fora oNovo Banco e o Crédito Agríco-la, que ainda não apresentaram osresultados de 2017.

Nos cinco bancos considera-dos, a receita em comissões tota-lizou 1.876,8 milhões de euros,um aumento de 102.8 milhões emrelação ao ano anterior. O banco

«Nos cinco bancosconsiderados, a

receita em comis-sões em 2017 totali-

zou 1.876 milhõesde euros»

que cobrou um montante maiorem comissões foi o BCP (666.7milhões, mais 22.9 milhões queem 2016), seguindo-se a Caixa(465 milhões, mais 15 milhõesque em 2016), o Santander (331.1milhões, subiu 25.4 milhões), oBPI (297 milhões, subiu 24 mi-lhões) e o Montepio (117 milhões,uma subida de 16 milhões face a2016).

O total das comissões recebi-das pela banca refere-se à ativida-de tradicional das aberturas emanutenções de conta, processosde crédito, operações de rotina,bem como aos serviços da ativi-dade nos mercados financeiros.

O desemprego, a precarie-dade, a irregularidade dos con-tratos e os baixos salários difi-cultam ou impossibilitam queum jovem em Portugal consi-ga suportar os custos de habi-tação, de acordo com um estu-do da Caritas Europa. O rela-tório da Caritas foi divulgadono dia 27 de fevereiro e refereque “Os preços da habitaçãoem Portugal, quando compara-dos com a média dos valoresdos rendimentos, são despro-porcionados”. O documentoidentifica ainda os principaisdesafios relacionados com apobreza e a exclusão socialentre os jovens em Portugal.

De acordo com o estudo, o

Maioria dos jovens em Portugal nãoconsegue arrendar ou comprar casa

preço das casas antigas sofreuum novo aumento (9,2%), maiselevado que o preço das casasnovas (3,5%) subindo em mé-dia 7,1% em 2016 e 7% apenasno primeiro trimestre de 2017”.Com as condições de trabalhoem Portugal, com desemprego,precariedade, contratos irregu-lares e baixos salários, é difícilque os jovens possam compro-meter-se com o arrendamentoou a compra de habitação. Orelatório da Caritas destacaainda um estudo do Núcleo deObservação Social da CáritasPortuguesa (NOS), segundo oqual “a situação da habitaçãotornou-se incontrolável”.

O relatório refere ainda que

maioria das habitações sociaisprecisa de obras, e estima-seque os custos superem os 50milhões de euros. Além disso,a oferta de habitações para osgrupos mais vulneráveis “pra-ticamente desapareceu”. Paraultrapassar este problema rela-cionado com a autonomia dosjovens, o relatório recomendaaos decisores políticos que fa-cilitem a “habitação a preçosacessíveis para os jovens deacordo com os seus rendimen-tos de modo a proporcionar-lhes a oportunidade de iniciaruma vida independente”.

Atentando nas condiçõesde emprego e de salários, subli-nha também que “as oportuni-dades de emprego e os níveissalariais diminuíram acentua-damente desde a crise financei-ra de 2008. Portugal registaainda um elevado nível de de-semprego jovem, muitos delesemigraram e as habilitações denível superior não estão a servalorizadas pelo mercado detrabalho”.

«O relatório divulgado pela Caritasrefere que “Os preços da habitação em

Portugal, quando comparados com amédia dos valores dos rendimentos, são

desproporcionados”

55555ALTO DA RAIARegional

Com vista a expor o projectoda área de serviço que vai serconstruído naquela Localidade dafronteira, Isidoro Alanís, Alcaldede Fuentes de Oñoro, reuniu como Presidente da Junta de Fregue-sia de Vilar Formoso, ManuelGomes, e com o Presidente daCâmara Municipal de Almeida,António José Machado. O Autar-ca abordou ainda o desenvolvi-mento de espaços para a instala-ção de empresas de serviços co-merciais e industriais, junto aonovo corredor internacional deligação da autovia A-62 à autoes-trada portuguesa A-25.

Mercê de um subsídio con-cedido pelo Serviço Público deEmprego de Castilha y Léon, oAyuntamiento de Fuentes deOñoro tem vindo a proceder adiversas reparações com valoretnográfico-cultural e à criaçãode uma rota conducente à va-lorização turístico-cultural domunicípio. Esta intervençãoabrangeu ainda trabalhos deconservação de cinco fonteshistóricas da Povoação e vári-as pontes de pedra que cruzama Ribeira daquela Localidade.

A iniciativa abrangeu tam-bém o reforço da sinalização einformação, que incorpora nes-ta rota a «Batalha de Fuentes deOñoro», recuperando, destemodo, espaços e elementosarquitectónicos com reconhe-cido valor histórico-cultural eetnográfico, visando a promo-ção turística Local.

O projecto insere-se numamedida da Junta de Castilla yLeón que destinou, em 2017,uma verba superior a dois mi-lhões de euros à província deSalamanca, através de 23 pro-gramas de formação e empre-go. Fuentes de Oñoro foi umdos municípios subsidiados

FUENTES DE OÑORO

Município recupera espaçoscom valor etnográfico-cultural

por este programa de políticaactiva do Serviço Público deEmprego da Região, que temfuncionado «alternando acçõesde formação e emprego emdiversas áreas, através da exe-cução de obras ou serviços deutilidade pública e interessesocial».

A iniciativa teve como ob-jectivo proporcionar uma for-mação completa aos desempre-gados participantes, de formaa facilitar a inserção no merca-do laboral», deu a conhecer a

«Iniciativa decorre de um Programade política activa do Serviço Público deEmprego da Região de Salamanca»

O Ayuntamiento de Fuentesde Oñoro vai proceder à revisãogeral das «Normas UrbanísticasMunicipais», com vista a adaptá-las às mudanças observadas des-de a sua última aprovação. Esta re-visão integral das Normas Urba-nísticas, além da adaptação à nor-mativa de Urbanismo de Castillay León, vai permitir a Fuentes deOñoro contar com instrumentosurbanísticos ajustados às mudan-ças operadas na classificação dosolo e às alterações decorrentes daconstrução da autoestrada de Cas-

Delegação Territorial da Juntade Castilla y Léon.

Os programas têm vindo adesenvolver-se em torno dediferentes temáticas, em que sedestacam as áreas de constru-ção e obras públicas, salubrida-de, promoção turística e meioambiente. Puderam candida-tar-se a estes fundos organis-mos autónomos e outras enti-dades públicas da Junta deCastilla y Léon, corporaçõeslocais e organizações sem finslucrativos.

Ayuntamiento avançacom revisão às «NormasUrbanísticas Municipais»

tillha – Fronteira.O município pretende ainda

que o novo documento possibili-te a criação de novas zonas para ainstalação de estabelecimentosindustriais e do sector terciário(comércio e hotelaria), bem comoas condições urbanísticas adequa-das para acolher outros estabele-cimentos comerciais, com vista aminimizar o impacto que o novotraçado da autoestrada que liga àfronteira portuguesa produzirá naeconomia do município de Fuen-tes de Oñoro.

Fuentes de Oñoro e Vilar Formosoprocuram plataforma de cooperação

Nesse Encontro, e consideran-do a importância de trabalhar deforma conjunta no desenvolvi-mento de actividades transfrontei-riças, foi proposto criar um «Gru-po de Trabalho» entre as três au-tarquias para coordenar acções decooperação em projectos de inte-resse comum para esta zona daraia. Em reunião posterior e comvista a debater a futura ligação daA-62 com a A-25, os responsáveismunicipais destacaram a necessi-dade de reformar o tecido empre-sarial e turístico da fronteira, parareforçar a cooperação entre a Es-panha e Portugal.

FRONTEIRA

Raia elabora projectos de cooperação

Entidades Transfronteiriças deram os pri-meiros passos, no passado mês de fevereiro,para a preparação de um programa estratégicode valorização da raia. O primeiro encontrodecorreu no espaço CEDET (Centro de Desen-volvimento Transfronteiriço), em Vilar Formo-so. De acordo com os responsáveis da iniciati-va, «pretende-se trabalhar em medidas concre-tas na luta contra o despovoamento deste terri-tório e promover a qualificação da oferta e adefesa da fronteira de Vilar Formoso, sem es-quecer a valorização das nossas tradições e adinamização e intercâmbio de experiências em-presariais transfronteiriças que valorizam o ter-ritório». Na reunião foi debatido o plano quecontempla a elaboração de dois projectos decooperação transnacional: «Descobrir a Raia»e «A fronteira que nos une». A elaboração destes

projectos envolve diversos parceiros: Ayunta-miento de Fuentes de Oñoro, Junta de Fregue-sia de Vilar Formoso, Câmara Municipal deAlmeida, Câmara Municipal de Pinhel, Univer-sidade da Beira Interior, Universidade de Sala-manca, ADR Territórios do Côa, Fundação CôaParque e Adecocir (Associação para o Desen-volvimento de Ciudad Rodrigo).

Os problemas enunciados são comuns aambos os lados do território, daí a necessidadede trabalhar em conjunto para alcançar os ob-jectivos pretendidos. Um desses exemplos decolaboração é o «Consórcio Transfronteiriçode Cidades Amuralhadas», que integram Ciu-dad Rodrigo e a Câmara Municipal de Almei-da, onde a promoção turística sempre contoucom um apoio importante e vantajoso para osdois lados da fronteira.

ANMP defende uma coope-ração forte entre a AdministraçãoCentral e a Administração Local

Numa reunião realizada emBoticas, com vista a debater a«Descentralização e Reprogra-mação do Portugal 2020», o Con-selho Directivo da AssociaçãoNacional dos Municípios Portu-gueses (ANMP) defendeu, comoobjetivo programático, que a flo-resta seja considerada uma prio-ridade nacional, também em ter-mos de financiamento no âmbitodo Quadro Comunitário Portugal2020. A ANMP considera que,«com um forte envolvimento dasAutarquias, deve promover-se oordenamento e a implementaçãode medidas de defesa da florestae fomentar a criação de medidasde proteção civil junto das popu-lações».

LIMPEZA DAFLORESTA

De acordo com a ANMP, osMunicípios estão, naturalmente,empenhados neste processo, masconhecem a realidade e sabemque, para que a legislação sejaexequível e tenha os efeitos po-sitivos pretendidos, é precisotempo, meios humanos e finan-ceiros e o conhecimento atuali-zado do cadastro das proprieda-des.

Por isso, para a Associação,«as penalizações previstas na leido Orçamento do Estado nãoresolvem os problemas da flores-ta. Os problemas existentes nafloresta portuguesa resolvem-seatravés da adoção de políticasnacionais e de uma cooperaçãoforte entre a Administração Cen-tral e a Administração Local,envolvendo também as diversasentidades públicas e privadas».

66666ALTO DA RAIA Regional

A inauguração dasobras de requalificação daEscola Básica do 1º. Ciclode Pinhel teve lugar no iní-cio do ano em curso. A ce-rimónia contou com a pre-sença de alunos, professo-res e funcionários, Execu-tivo da Câmara Municipal

PINHEL

Município garanteacesso gratuitode medicamentosa pessoas carenciadas

O município de Pinhel celebrou um protocolo com a As-sociação Dignitude, no sentido de garantir o acesso gratui-to de medicamentos a pessoas carenciadas. O programapretende também abranger casos de inesperada carênciaeconómica decorrentes de situações de desemprego repen-tino ou de confronto com doença incapacitante, entre ou-tros casos a analisar.

A Vice-Presidente da Câmara Municipal de Pinhel,Daniela Capelo, explicou que a autarquia vê com muitoagrado esta nova parceria com a Associação Dignitude,tendo em conta a realidade socioeconómica do concelho eo facto de que há pessoas cujos parcos rendimentos dificul-tam ou impedem o acesso aos medicamentos de que preci-sam. Nesse sentido, e no entender de Daniela Capelo, aadesão ao Programa «abem» – Rede Solidária do Medica-mento, formalizada no dia 1 de fevereiro, no Salão Nobreda Câmara Municipal de Pinhel, será um importante con-tributo para a melhoria das condições de vida e de saúde dapopulação deste concelho.

GUARDA

IPG promoveu JornadasLuso-Espanholasde Gestão Científica

Entre 7 e 10 de fevereiro decorreram, no Instituto Po-litécnico da Guarda (IPG), as XXVIII Jornadas Luso-Es-panholas de Gestão Científica, promovidas pela UnidadeTécnico Cientifica de Gestão e Economia da Escola Supe-rior de Tecnologia e Gestão (ESTG).

Sob o lema Interioridade e Competitividade: Desafios

Globais da Gestão, «estas jornadas vieram dar continuida-de aos laços de intercâmbio académico e científico entre asinstituições de ensino superior portuguesas e espanholas,com o intuito de incentivar a divulgação e o desenvolvi-mento de projetos docentes e de investigação».

As Comunicações apresentadas abordaram os temas:Administração Pública, Contabilidade, DesenvolvimentoRegional, Docência: Metodologia e Experiências Docen-tes, Empreendedorismo, Empresa Familiar, Estratégia, Éticae Responsabilidade Social, Finanças, Fiscalidade, Gestãodas Organizações sem Fins Lucrativos, Gestão de Despor-to, Inovação e Gestão do Conhecimento, Marketing, Orga-nização de Empresas, Recursos Humanos e Turismo.

ENSINO

Pinhel inaugura EscolaBásica do 1º. Ciclo

de Pinhel, Direção doAgrupamento de Escolas eda Delegada da Direção-Geral dos Estabelecimen-tos Escolares da RegiãoCentro.

O Presidente da Câma-ra de Pinhel, Rui Ventura,

lembrou que a empreitada,a cargo da autarquia, teveinício em julho de 2017,tendo decorrido dentro dosprazos estipulados. Ao va-lor da adjudicação, orçadoem 285 mil euros (compar-ticipado em 85% pelo Cen-tro 2020), o município de

«O Projecto foi comparticipado em 85% peloprograma ‘Centro 2020’ e o investimento totalrondou os 500 mil euros»

Pinhel somou alguns traba-lhos que considerou neces-sários e oportunos, peloque o investimento totalrondou os 500 mil euros.

A intervenção incidiu,sobretudo, na requalifica-ção de espaços específicos,mas também em arranjosinteriores e exteriores nosentido de melhorar o es-quema funcional e a efici-ência energética do conjun-to, bem como satisfazer asatuais exigências que reca-em sobre uma escola públi-ca. No interior do edifícioforam substituídos pavi-mentos, tectos falsos, por-tas, caixilharias, infraestru-turas de águas e esgotos einstalações sanitárias. Noexterior, os pavimentos docampo de jogos e do cam-po de recreio também fo-ram completamente reno-vados.

«Tudo a pensar no bem-estar de alunos e professo-res e de todos aqueles quetrabalham na EB1 de Pi-nhel», frisou o Presidenteda Câmara Municipal.Também o Diretor doAgrupamento de Escolas,José Monteiro Vaz, e a De-legada da Direção-Geraldos Estabelecimentos Es-colares da Região Centro,Cristina Oliveira, tiveramoportunidade de usar dapalavra para referir que aintervenção levada a efei-to foi fruto do empenho domunicípio e de uma apostacontínua na área da Educa-ção, assim como do «bomentendimento entre todos eda capacidade de criar si-nergias em prol de objeti-vos comuns».

ENSINO

Presidente do Politécnico da Guardaelogia ideia do Governo em reduzirvagas em Lisboa e Porto

O Governo pretende reduzir cinco por cento dos lugares nas instituições de ensino superior de Lisboa ePorto, para que mais estudantes se candidatem a instituições fora das grandes cidades. Esta medida abrangeseis instituições: Universidade de Lisboa, Universidade Nova de Lisboa, ISCTE – Instituto Universitário deLisboa, Instituto Politécnico de Lisboa, Universidade do Porto e Instituto Politécnico do Porto, bem comoa Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril e as Escolas Superiores de Enfermagem de Lisboa e do Porto.

No concurso nacional de acesso de 2017 estas instituições abriram 22 mil lugares para novos alunos eterão de reduzir 1 100 vagas. O presidente do Instituto Politécnico da Guarda, Constantino Rei, elogia opropósito do Governo e dá «os parabéns» a quem teve «a coragem» de avançar com a proposta. ConstantinoRei considera que é uma medida «eficaz» e «um sinal» positivo que o Governo quer dar ao interior do país.

77777ALTO DA RAIARegional

A Biblioteca enquanto lugar de desas-sossego cultural, deve promover e incen-tivar o acesso à informação, aos recursose materiais que custodia. A sua orientaçãodeve ser antropobibliocentrica contribuin-do para cimentar valores de cidadania e asua missão deve centrar-se na disponibili-zação aos utilizadores de produtos e servi-ços bem como satisfaze-los em todas assuas necessidades e ânsias informacionais.

Se são os utilizadores que fazem a bi-blioteca, é igualmente verdade que é a bi-blioteca que deve seduzir e (in)formar osseus utilizadores, sendo esta uma relaçãobiunívoca, de diálogo e parceria: parceriada Biblioteca com eles, e da Biblioteca comoutros parceiros da mesma caminhada, dosmesmos anseios sendo assim incontestá-vel que há dois ingredientes fundamentaispara que a biblioteca leve a bom termo assuas iniciativas: vontades e aspirações.

EM ALMEIDA E VILAR FORMOSO

Biblioteca Municipaldisponibiliza livrosaos Utentes dos Centrosde Saúde

«O objectivo é reforçar o trabalho em rede entre Ins-tituições locais e promover a leitura em diferentes espa-ços, porque a leitura de um bom livro pode ter excelen-tes efeitos terapêuticos».

Assim, o Município através daBMMNR decidiu dar início ao projeto depromoção da leitura denominado Biblio-

Saúde que consiste na organização de lo-tes de livros destinados a colocar à dispo-sição no Centro de Saúde de Almeida e ex-tensão de saúde de Vilar Formoso, preen-chendo o tempo de espera dos seus utentesde forma original e diferente.

São objetivos desta ação, promover aleitura em diferentes espaços; reforçar otrabalho em rede entre instituições locais;contribuir para a redução dos níveis de ili-teracia.

Ambiciona-se, igualmente, que os uten-tes usufruam de uma boa leitura, porque aleitura de um bom livro, pode ter excelentesefeitos terapêuticos!

Público-alvo: Utentes do Centro de saú-de de Almeida e Extensão de saúde de VilarFormoso.

Programa Valorizaravança nas AldeiasHistóricas de Portugal

Las Fortificaciones Abaluartadas del

Siglo XVIII

 Até 18 de Abril, vai estar patente noMuseu Histórico Militar de Almeida a ex-posição temporária “Juan Martin Zermeño-Ingeniero del Rey - Las FortificacionesAbaluartadas del Siglo XVIII”. Esta mos-

EXPOSIÇÃO TEMPORÁRIAtra consta de 67 painéis, nos quais se ilus-tram projetos diferentes desde Espanha,Africa, Cuba, Filipinas, Venezuela, Hondu-ras, Uruguai e Chile.

Para além de contextualizar a figura deJuan Martin Zermeño e sua importância naengenharia militar, ilustrando a sua capaci-dade de análises, supervisão e controlo dasnecessidades de todo o sistema integraldefensivo, esta exposição dá a conhecertambém, a par desta figura maior, outroengenheiro com obra de vulto, Manuel deAzevedo Fortes, com obra em Portugal e naFortificação de Almeida, destacando-se aPlanta da Praça com as Obras Adicionais,1736, assistida por José Fernandes Pinto deAlpoim.

Decorreu no mês passado, no Postode Turismo da Aldeia de Monsanto, a ce-rimónia de apresentação dos projectos eassinatura de contratos no âmbito do Va-lorizar – Programa de Apoio à Valoriza-ção e Qualificação do Destino: Linha deApoio à Valorização Turística do Interi-or e Redes Wi-Fi nas 12 Aldeias Histó-ricas de Portugal.

Quanto às Redes Wi-Fi: Projecto“Aldeias Históricas de Portugal – SmartLands”, vai permitir a instalação de re-des wi -fi de qualidade dentro das Aldei-as, a par da promoção da gestão inteli-gente, considerando-se neste contexto apreparação da base tecnológica para que

o sistema inteligente dê resposta nosdomínios do social, ambiental, mobili-dade, cultural e económico, contribuin-do para o posicionamento previsto na es-tratégia – Território Sustentável. A can-didatura assume valor de cerca de 750 mileuros.

Já a Valorização Turística do Interi-or: Projeto “Experience Aldeias Históri-cas de Portugal, vai incidir em duas di-mensões estratégicas para a qualificaçãoe diferenciação do destino Aldeias His-tóricas de Portugal. Por um lado, na gas-tronomia/produtos endógenos e, por ou-tro, no cycling&walking/mobilidade,num montante de mais de 443 mil euros.

A Biblioteca Municipal EduardoLourenço (BMEL), da Guarda, vai or-ganizar no mês de março um ciclo de-dicado à vida e à obra da poetisa Natá-lia Correia. Segundo uma nota da Câ-mara Municipal da Guarda enviada àagência Lusa, a “intensa e carismáticapoetisa” Natália Correia (1923 – 1993)será lembrada ao longo do mês demarço com uma exposição, um recital,um documentário, uma conferência eum colóquio. No âmbito da iniciativa,a biblioteca trará à Guarda personali-dades que conviveram com a escritoraou que são conhecedoras da sua obra,

BMEL destaca vidae obra de Natália Correia(1923-1993)

como a arquiteta Helena Roseta, o ro-mancista, dramaturgo e jornalista Fer-nando Dacosta e a atriz Elisabete Pie-cho. O programa da BMEL dedicado àpoetisa começa no dia 05 de março,com a exposição “Natália Correia: afeiticeira cotovia”.Escritora portugue-sa, natural de Fajã de Baixo, São Mi-guel, Açores, fez os estudos secundá-rios em Lisboa e sem estudos universi-tários foi, em 1979, deputada à Assem-bleia da República. Colaborou em di-versos jornais e revistas. Não se pren-dendo fortemente a nenhuma correnteliterária, esteve inicialmente ligada aosurrealismo e, segundo a própria, a suamais importante filiação estabeleceu-se em relação ao romantismo. A obrade Natália Correia estende-se por gé-neros variados, desde a poesia ao ro-mance, teatro e ensaio.

Foi fundadora da Frente Nacionalpara a Defesa da Cultura, interveio po-liticamente ao nível da cultura e do pa-trimónio, na defesa dos direitos huma-nos e dos direitos da mulher. Tendo tidoum papel ativo na oposição ao EstadoNovo, apelou sempre à literatura comoforma de intervenção na sociedade. Foiuma figura de destaque das tertúliasque reuniam nomes importantes dacultura e da literatura portuguesas dosanos 50 e 60. A sua obra está traduzidaem várias línguas. Ficou conhecidapela sua personalidade polémica e vi-gorosa, a qual se reflete na sua escrita.

1010101010ALTO DA RAIA Geral

Cheguei à Guarda logo depois da guerra, mas estanão nos livrou dos exercícios físicos militares bemtormentosos... A Guarda era ao tempo um burgo muitoreduzido, pouco passava além das muralhas, com oseu frio arrepiante e nevões abundantes e frequentes,às vezes à altura dos joelhos... E duravam dias sobreo solo! Nesse ano, o primeiro que cá passei, houveum desses, respeitável, em 27 de Maio! De aterrar osmais valentes e para aprender bem a lição consola-vam os recém-chegados soprando-lhes ao ouvido queaté já nevara no S. João!

Desde Tomás Ribeiro, no seu “D. Jaime”, até aos re-latos dos meus Pais, que aqui tiraram o curso na an-tiga Escola Normal, tudo respingava frio e vento gé-lido, de tal sorte que a cidade era a terra dos quatro FF(Farta, Fria, Feia e Falsa): a mestria e veia “diplomá-tica” de certo autarca e seus asseclas, converteram-na em cinco FF, mais testemunho da atenção e afectopela mais alta cidade de Portugal: Farta, Forte, Fria,Fiel e Formosa – belo golpe de magia para os cépti-cos e pessimistas. Honra lhes seja feita por isso!

É que tenho ouvido os mais rasgados elogios àGuarda, feitos por quem de cá não é e a vê pela pri-meira vez (embora o inverso não deixe de ser verda-de...). Repare-se que este rebusco de memória vemapenas da década de quarenta, pois não fui cá estu-dante. Que ficou de mim, desde esses tempos já muitopróximos? (mais de meio século já conta! As Feirasde S. João e S. Francisco, feitas no Campo (ali ao ladodo antigo quartel), largamente frequentados, comalegria nas caras e nos corações, mil brincadeiras àmistura, com o hábito de oferecer a “feira” (qualquer

CRÓNICA

Da Guarda – Um Rebuscoda Memória

bugiganga ou pequena lembrança que se ofertava aosamigos, às meninas do nosso círculo ou às pessoasmais chegadas).

Eram dias de reboliço e havia bancas por todo olado, sem faltarem os pirolitos e as gasosas... a garo-tada com os apitos e assobios, o realejo e o rufar dospequenos tambores, entravam agressiva mas tolera-damente nos ouvidos e julgo que transmitiam algumaboa disposição aos que passavam ao lado. Dava-seconta que a cidade bolia e havia sorrisos indiscrimi-nados dos que deambulavam pelas ruas atravancadas,daqui para ali, o tocar nas mercadorias com as mãose até com os pés, por estarem estendidas ao longo dospasseios! Era a publicidade ao vivo...

Como tudo mudou! Um dos traços característicoseram os bailes no Club (Egitaniense), dotado de salascom dignidade e de um salão de baile à altura, e osbailes eram vários – no Carnaval, na “mi-carême”, odos finalistas do liceu e outros. Alguns com traje degala: tinham o seu interesse, animavam as hostes, dis-punham bem e davam um certo “tom” à vida social daurbe, que via nisto uma pontinha do campo do seubrasão.

Uma das facetas mais curiosas, que os neuróniosestão a chamar ao bico da minha caneta, era o contra-to dos ranchos de ceifeiros: rapazes e raparigas dasaldeias circunvizinhas, vinham em grupos alegres,com chapéus e lenços enfeitados com flores silves-tres, cantando e bailando, às ordens de um maioralque os contratava para as ceifas (quando as searas vi-cejavam por aí, vergadas à brisa que soprava e faziam

ondular aquele mar vegetal). Havia uma arremataçãodisputava pelo maioral que os havia de levar ao localpróprio da seara do arrematante.

Cantavam, bailavam em movimentos rápidos e jo-vens, que se transmitiam à gente citadina que deles selembre com saudade, lamentando o corte desta tradi-ção bem curiosa. Nuno de Montemor, num dos seuslivros (não me lembro qual) retrata esta faceta do nossoverdadeiro folclore que hoje não podemos presenciarPara se ver a proporção do que era a cidade, lembroque, quando chegávamos à estação, vindos de com-boio, mal se via, lá no alto, uma luzinha tremeluzentee que até se deixava de ver com a agitação da rama-gem das árvores em volta: qual pirilampo a aparecere desaparecer, é o pleno contraste com que hoje su-cede, em que chegamos e vemos o brilho de muitasluzes de autêntico centro urbano.

Não é possível dar correspondência exata desta re-alidade porque se passou de oito (ou perto disso) parao oitenta (mais e mais) Escolas? As primárias, e o se-minário maior, o liceu, bastante mais tarde a Escolado Magistério. Nada mais. Carros lá se iam vendo meiadúzia; transportes colectivos urbanos, zero (que éigual a nada). Parques de estacionamento, nem pen-sar nisso Nem, aliás, eram necessários. Neste retrato“à la minute”, aqui têm a Guarda que eu vim encon-trar, mas que, na sua pobreza e miserabilismo, aindafaz vir ao espírito e ao coração um resquício vivo desaudade.

Abílio Bonito Perfeito(Minha Terra Alta de Azul e Neve – BMEL)

CENTRO SOCIALDO RIO SECOInstituição Particular de Solidariedade Social (IPSS)Largo da Capela, n.º 3 – Tel. 271513369 – 271511147 - 2715110546355 – 160 S. Pedro de Rio [email protected]/[email protected]

CONVOCATÓRIA

De conformidade com o disposto na alínea b) do n.º 2 do art.º 27ºdos Estatutos, convoco todos os sócios do Centro Social do Rio Secopara uma sessão ordinária da Assembleia-geral, a realizar no Domin-go, dia 25 de Março de 2018, pelas 14H30, na sede da Associação,com a seguinte

=ORDEM DE TRABALHOS=

1 – Período de antes da ordem do dia;2 – Apreciação da Conta de Gerência da Instituição, relativa ao

ano de 2017, bem como do parecer do Conselho Fiscal;3 – Outros assuntos.

Se à hora marcada não estiver presente mais de metade dos Asso-ciados com direito a voto, a Assembleia-geral reunirá 1/2 hora depoiscom qualquer número de sócios, de harmonia com o estipulado nosEstatutos do Centro Social do Rio Seco.

S. Pedro de Rio Seco, 26 de Fevereiro de 2018

O Presidente da Mesa da Assembleia-geral(António dos Santos Afonso)

Centro Social do Rio SecoDonativos para o Alto da Raia:

Augusto André ..................................................................... 30.00€Maria Elisa Silva Rodrigues Morais .................................... 10.00€José Lourenço Ferreira ........................................................ 20.00€Amélia Sousa Afonso .......................................................... 10.00€José Augusto da Rocha Lourenço........................................ 30.00€Amélia Alexandre dos Santos .............................................. 10.00€Maria Isabel Pereira Martinho Silva .................................... 20.00€Vitor José Monteiro Gouveia ............................................... 20.00€Manuel Pereira de Oliveira .................................................. 10.00€Américo Carriço Rocha ....................................................... 40.00€

Outros Donativos:Carlos Alberto Rodrigues Queirós ..................................... 500.00€

1111111111ALTO DA RAIALocal

O professor Robert Dottrens,antigo presidente da secção deEducação da Comissão NacionalSuiça para a Unesco, no seu li-vro “Educar e Instruir III”, afir-ma a páginas 134 que “a escolanão é o único lugar onde a crian-ça aprende alguma coisa; o jovemaluno tem já alguma experiênciaao entrar na escola, continua a en-riquecer-se fora da escola e é de-sejável ensinar-lhe a continuar aaprender quando sair da escola.”

Os jogos tradicionais desem-penharam e continuam a desem-penhar um papel importantíssi-mo na aprendizagem / formaçãoglobal do aluno porque fazemparte dessa escola da Vida a queDottrens se refere. A escola tra-dicional tem-se dedicado essen-cialmente ao desenvolvi-mentode um aspecto da educação, o as-pecto intelectual. As instalaçõesescolares, a formação desempe-nho dos professores e a falta de

MEMÓRIAS

A Escola da Rua

meios e de espaços relegarampara segundo plano e, em muitoscasos, para o esquecimento, oaspecto sensorio-motor, que per-mite que o aluno domine e gostedo seu corpo, se sinta bem den-tro dele, desenvolva e tire parti-do das suas capacidades nas re-lações consigo, com os outros ecom o espaço que o rodeia, apren-dendo a conduzir-se, a relacio-nar-se e a colaborar.

E se há duas ou três dezenasde anos atrás a falta de tratamen-to na escola deste segundo aspec-to poderia ser considerado dis-

pensável, o mesmo não aconteceactualmente, uma vez que ospadrões de vida se modificaram.A escola da Vida passou a estar“encaixotada” em grandes prédi-os das grandes cidades. As aldei-as desertificaram-se, o contactocom a natureza desapareceu, ospassatempos tradicionais ao arlivre foram substituídos pela te-levisão e os serões em famíliapelas discotecas.

O desenvolvimento sensório-motor adquirido pelo espetar dopica-chão, pelo jogar de “a man-ta”, pelo bater com o pau na “cho-

António André

«Os jogos tradicionais fizeram parte daEscola da Vida de uma parte da populaçãode S. Pedro e desempenharam um papelimportante no seu desenvolvimento e naocupação dos seus tempos livres»

na” ou no “bete”, nas correriasdo pilha, do esconde-esconde ena condução do arco, na trans-posição dos muros e no trepar aárvores, não se faz. A energiaacumulada e a agressividade tí-pica do jovem, descarregadas em“lutas ordeiras” e nos exercíciosatrás referidos, passaram a ser in-teriorizadas e, posteriormente,extravasadas contra pais, profes-sores, escola e sociedade. A ac-tividade espontânea, mas inten-sa, ao ar livre, complementadacom a actividade escolar, propi-ciava um desenvolvimento glo-bal mais equilibra-do, uma soci-

abilização mais forte e uma hie-rarquização de forças que condu-ziam ao respeito pelo outro.

É com base no pressuposto deque os jogos tradicionais fizeramparte da Escola da Vida de umaparte da população de S. Pedro edesempenharam um papel im-portante no seu desenvolvimen-to e na ocupação dos seus tem-pos livres, de que as gentes de S.Pedro sempre dedicaram o me-lhor das suas vidas aos trabalhosno campo e de que a religiãosempre constituiu para a grandemaioria um forte lenitivo para asdoenças, cansaços e outras agru-ras da vida que descrevi, no meuLivro «Memórias da Terra», deacordo com as minhas recorda-ções e alguns testemunhos, al-guns pontos que julgo importan-tes e, agora, já quase esquecidos,daqueles três aspectos da vida dasgentes de S. Pedro.

António Lourenço R André

Esta investida por parte doinimigo deixou no ar dúvidas, aque até hoje ninguém deu respos-ta e por certo jamais a terá. Elapermanece, mas não sinto ne-nhum problema em a colocar.Durante a comissão tive o cuida-do de escrever um diário que re-ligiosamente conservo e em pa-ralelo, sobretudo em situações demais gravidade rascunhei algunscroquis, eles também um exce-lente suporte para que a memó-ria não se esfume com o avançarda idade. Foi o que fiz com a BaseAérea N.º 12 de Bissalanca, queao tempo servia também a verten-te civil e é hoje o Aeroporto deBissau, denominado: Osvaldo

Vieira.

Concluindo: tempos antes,nas vésperas do Natal, incumbi-ram-nos de executar um golpe demão a um ponto de apoio da guer-rilha na zona de Jabadá, cabendoà minha secção iniciar o assalto.Assim às 23 horas do dia anteri-or, num determinado local do rioGeba, duas lanchas LDM (lan-chas de desembarque médio),abicaram à margem, despejandoo terceiro e quarto pelotões daCompanhia de Paraquedistas121, escalados para esta acção.

Calcorreando uma picadabordejada por frondosa mata,cerca das duas horas da madru-gada um irritante nevoeiro veiodificultar a progressão, obrigan-do-nos a caminhar bem juntosuns dos outros para não partir a

MEMÓRIAS DO ULTRAMAR

Ataque à Base de Bissalanca/Aeroporto (II)

fila. Aquela inesperada dificulda-de fez alguns graduados a chega-rem-se à frente, caminhando to-dos lentamente, parando de vezem quando para à luz de pilhaconsultar a carta topográfica. Jáamadrugada ia alta quando foidada a ordem para parar, sendo-nos transmitido redobrar caute-las, pois podíamos a qualquermomento esbarrar com o objec-tivo, isto tendo em atenção odesagradável nevoeiro que per-sistia. Enquanto assim nos en-contrávamos, quando menos sepodia esperar, eis que se ouve ànossa frente o cantar de um gali-náceo, que naquele momento elugar, ninguém contaria existir.Ficámos hirtos e de imediato veioa ordem de só se desencadear oassalto quando a visibilidade talpermitisse.

Atentos, sabendo agora que oobjectivo estava ali, suportandoum frio de rachar, fruto dum ca-cimbo que paulatinamente, to-mou o lugar do nevoeiro, bom-

bardeados por pingos geladosque tombavam do arvoredo, as-sim permanecemos cerca de umahora, possuídos duma enormeansiedade a que não era estranhaa incerteza do que se ia passar ànossa frente. Para uma força deelite, instruída e preparada paraa dureza do combate, esta, emsituações de difícil retrocesso, àmedida que o tempo passa, tor-na-se um doloroso suportar, masnão havia nada a fazer, tivemosque aguentar.

Enquanto isto, o novo dia láia aparecendo e com ele veio a or-dem para arrancar. Assim fize-mos. Eu e a minha equipa corre-mos em frente, mas quando es-barrámos com o objectivo, esteera um enorme redondel, prote-gido à volta por cancelas feitas deramos e caniço, no interior doqual havia oito tabancas e muitogado bovino, quase todo deitado.Cumprindo o que na instruçãotínhamos aprendido, colocámo-nos junto à cancela que dava

acesso ao interior, enquanto duassecções se postavam lateralmen-te. Este foi o segundo e inespera-do obstáculo que não prevíamos,daí nova ordem para nos manter-mos quietos.

Expectantes e atentos, o co-ração em acelerada bombagem,ali estávamos, quando duma dastabancas saem duas mulheres quese dirigem para junto das cance-las, onde se encontrava a secçãodo furriel Máximo, que do ladode fora se encontravam tão pró-ximos, que mal podiam respirarpara não serem detectados. Amais nova depois de ter urinado,reentrou na tabanca, a mais ve-lha permaneceu em posição dedefecar, quando se sentiu alivia-da também reentrou, mas na ta-banca ao lado, pormenor bastan-te para intuirmos haver ali caçagrossa, nenhum de nós duvidan-do que algo de diferente ao queestávamos habituados, estavapara acontecer. De soslaio olhopara os companheiros que a fo-

lhagem permitia ver e em todoseles a concentração era suprema.

Em dado momento começa-ram a sair das tabancas algumasmulheres, alguns velhos e aindameia dezena de crianças, come-çando a enxotar os animais quese foram erguendo e quando jáestavam de pé, saem também dastabancas elementos armados emcorreria, disparando várias raja-das na nossa direcção por sobreo dorso da manada. Colados aochão sem que nenhum de nósfosse atingido, os animais assus-taram-se, entrando em pânicoderrubando algumas cancelas,escapuliram todos na mesma di-recção.

Naquela grande confusão,aproveitam os guerrilheiros paratambém fugirem, fazendo-o parao lado oposto ao nosso, embre-nhando-se na mata, escapando àsecção do Sargento Batista quelhes moveu uma curta persegui-ção, mas com nulo resultado.Quando a situação acalmou as-sistimos ao que já tínhamos vis-to em situações anteriores. Mu-lheres com olhar conformado, naincerteza do destino que lhespudesse estar reservado. Velhoscom estranha serenidade, fitan-do-nos com expressão clementee as crianças com esbugalhadosolhos negros, invadidas pelomedo, vivendo talvez o primeiromomento de terror das suas cur-tas existências.

Domingos Lopes Cerqueira

«Naquela grande confusão, apro-veitam os guerrilheiros para fugi-rem, embrenhando-se na mata, esca-pando à secção do Sargento Batistaque lhes moveu uma curta persegui-ção, mas com nulo resultado»Domingos Cerqueira

1212121212ALTO DA RAIA Geral

O soldado de sentinela olhavaexpectante para a estrada, vendouma carruagem aproximar-se quelhe parecia vir escoltada. O solbaixo de inverno caía a esconder-se lá para os lados de Valverde, oque lhe dificultava a visão. Maispróximos, deu então conta dequatro cavaleiros dragões querodeavam o carro, puxado porpossantes cavalos, reconhecendono conjunto o transporte habitualdo General Comandante. Desa-perrou o mosquete, levando o cãolentamente à caçuleta, desarman-do a arma. Perfilou-se e bradoupela guarda que, comandada pelosargento, num instante formou emsentido.

A carruagem não se deteve,mas não passou despercebido virà boleia do condutor em lugar deum sargento regulamentar, um Sr.Major de Cavalaria: - que estra-nho! A viatura passou sem abriras portas ou janelas, mas pelosnarizes dos soldados habituadosa cheiros menos agradáveis foisentido um sensual aroma femi-nino…

A viatura transpôs a segundaporta interior da fortaleza, que jáas tinha aberto de par em par. Numtrote desenvolvido seguiu rua adi-ante, voltou pela esquerda, logo aseguir se detendo junto ao paláciodo antigo governador português,agora na condição de prisioneirodos franceses, tal como toda aguarnição da rendida praça.

Escurecia rapidamente, e emsol se pondo, um friinho gélidocomeçou a sentir-se, pressentin-do-se mais uma enregelada noite.A tropa espalhava-se pela destru-ída praça, acendendo aqui e ali fo-gueiras para cozinharem as suas ra-ções, aquecendo também os cor-

HISTÓRIA

Napoleon and Iberiapos entorpecidos. Dos almeiden-ses nem vivalma dos que escapa-ram à fatídica explosão no paiol dapraça em Agosto de 1810 de mámemória.

Da carruagem que estacionoujunto à porta saíram dois vultos,embuçados pelas roupas e poucaluz às vistas dos presentes. Deimediato foram conduzidos para ointerior do edifício pelo major, queprontamente saltara para terra. Dalia pouco, as várias chaminés dopequeno palácio expeliam abun-dante fumo de lenha.

O carro permanecia no mesmosítio onde chegara. O major voltoue deu ordens aos dragões, tendorecomendado ao cocheiro para querecolhesse aos estábulos da guar-nição, voltasse ali ao mesmo localpela alva, mas que não falhasse.Assim fez e, mal os primeiros vis-lumbres do arrebol apareceram doslados de Malpartida, o nosso cabo-guia já se encontrava aguardandoordens parado no terreiro defronteao palácio, com os solípedes devi-damente pensados. Passados mi-nutos, apareceu o major, que cor-respondeu ao cumprimento mili-tar e ordenou que esperasse, en-trando na casa.

Não tinha passado meia hora,já o sol despontava alguns acanha-dos raios, quando surgiram apres-sados os mesmos passageiros davéspera, logo tomando assento.Deviam ser gente importante, poiso Sr. Major desdobrava-se emmesuras, não se entendendo, con-tudo, quaisquer palavras que tro-cavam. Sentou ao lado do cochei-ro, dizendo-lhe para subir ao cas-telo, agora um amontoado de ru-ínas de pedras enegrecidas pelaexplosão da pólvora, nele impre-videntemente guardada. A partir

dali, foi dando indicações para irseguindo pela muralha, dandovolta à praça. Os estremunhadosmilitares que se cruzavam, vendoum carro e um oficial superior àvista, perfilavam-se respeitosa-mente. As cortinas das janelas fo-ram corridas parcialmente, sem seconseguir vislumbrar o interior daberline, que seguia em movimen-to lento.

Fechado o circuito das mura-lhas, o carro enfiou pelo interiorda segunda Porta de Santo Antó-nio, desceu o fosso, subiu o reve-lim e estacou já no interior daprimeira porta. A guarda forma-va do lado exterior. Um persona-gem de estatura baixa, envergan-do grosso capote desceu da berli-

ne que, devido ao exíguo espaço,o fez tropeçar. Para não cair va-leu-lhe apoiar-se levando as mãosà parede granítica, refazendo oequilíbrio. Passou pela guarda,mas quem estivesse atento terianotado o arregalar de olhos dosargento empertigado que, por ummomento, ficou de beiça depen-durada. O vulto afastou-se leve-mente e parou. Havia com certe-za de ser o de um grande oficial.De mãos nas costas fixou por ins-tantes a porta magnífica da forta-leza encimada pelo brasão de ar-mas do Reino de Portugal. Elevoulevemente a mão para o corpo daguarda formado e introduziu-se nacarruagem, que partiu ligeira emdirecção ao norte, levantando umapequena nuvem de pó, com qua-tro caleiros à sua volta…

Dias depois, numa das taber-nas da praça-forte, agora a servirde improvisada messe, um dossargentos que fazia serviço deguarda, já um pouco toldado pelaeau de vie ordinária, insistia com

os seus camaradas e colegas demesa: Je suis sure qu’il etait lui…Eu conheço-o de o ver quandofazia serviço no corpo da guardanas Tulherias.

O sargento, admirador do seuImperador, nos tempos mortosquando em serviço na casa daguarda em Almeida, com um es-copro e cinzel emprestado, foiriscando a pedra. No mesmo lo-cal onde o seu conhecido grandehomem tinha colocado as mãospara não tombar, foi gravando asArmas da França e um grande N.O resultado do trabalho, apesar de

ter persistido pelos tempos fora,não ficou terminado, pois emAbril de 1811 foram recebidasordens para pela noite abandona-rem da Praça em direcção a Espa-nha a caminho da França.

Ao longo dos anos, o desmo-bilizado sargento foi narrando oepisódio aos amigos, mas a maioremoção desse passo vivido emPortugal, gravado profundo nassuas recordações, era ao abrir-sea porta da carruagem, ter sentidoum odor de mulher confundidocom perfume de senhora.

Rui Brito da Fonseca

O secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, vol-tou a pressionar Portugal para incrementar o seu orça-mento de Defesa, defendendo que deve aproveitar o cres-cimento económico para o efeito. “Portugal começou aaumentar o orçamento da Defesa e vemos que, com ocrescimento económico que está a registar, há maismargem para o aumento dos gastos em Defesa”, defen-deu em Bruxelas, antes de uma reunião com os ministrosda Defesa dos estados-membro da aliança militar.

O secretário-geral da NATO recordou que cada paísapresentou um plano para atingir o compromisso esta-belecido em 2014, na cimeira da Aliança Atlântica, re-alizada no País de Gales, para num espaço de 10 anos(até 2024), destinar 2% do Produto Interno Bruto a des-pesas militares. À época era ministro da Defesa do go-verno PSD/CDS José Pedro Aguiar Branco. Atualmen-te, Portugal canaliza 1,32% do PIB para este setor.

NATO volta a pressionar Portugalpara aumentar despesa militar

1313131313ALTO DA RAIAGeral

Há uma meditação a que, ir-remediavelmente e mais do queuma vez, somos conduzidos, apergunta pelo homem: Quemsomos realmente?

Józef Maria Bochenski, des-tacado filósofo polaco, professorextraordinário na Universidad deFriburgo, será o nosso guia, nes-ta aventura permanente de pro-curar responder a tão inquietan-te interrogação. Primeiramente,o homem é um animal e, em se-gundo lugar, é um animal raro, deespécie única. É, pois, antes detudo, um animal e apresenta to-das as caraterísticas do animal. Éum organismo, tem órgãos sen-síveis, cresce, alimenta-se emove-se, possui poderosos ins-tintos: o da conservação e da luta,o sexual e outros, exatamentecomo os outros animais.

É, contudo, um animal raro.Nada suporia que, desde o pontode vista biológico, conseguisseimpor-se na natureza. O homemé, com efeito, um animal maldotado. Vista, olfato e ouvidodébeis. Armas naturais, como asunhas, faltam-lhe quase comple-tamente. A sua força é insignifi-cante. Não pode correr, nem na-dar, velozmente. Nasce nu. Mor-

ANTROPOLOGIA SOCIAL

A inquietante interrogação:Que é o homem?

re mais facilmente que a maioriados animais de frio, calor e aci-dentes. Biologicamente, o ho-mem quase não teria direito àexistência. Pelas suas caraterís-ticas faz tempo que deveria ter-se extinguido, como outras espé-cies animais mal dotadas.

E, contudo, não sucedeu as-sim. Foi bem-sucedido. O ho-mem é dono da natureza. Elemudou a face da terra. Não hálugar, de imediato, para falar daextinção da raça humana. O quese teme mais é que se multipli-que em excesso.

Como foi isso possível? To-dos conhecemos a resposta: pelarazão. O homem, com toda a suadebilidade, possui uma capacida-de única: a inteligência. É incom-paravelmente mais inteligenteque nenhum outro animal e pos-suidor de uma “outra inteligên-cia” capaz de gerar: a técnica, atradição, o progresso, a capaci-dade de pensar de modo diferen-te que os outros animais e, final-mente, a reflexão.

A técnica consiste, essencial-mente, no facto do homem se ser-vir de certos instrumentos produ-zidos por ele próprio. A produ-ção, com vista a um fim, de ins-

trumentos complicados, com lar-go e paciente trabalho, é tipica-mente humana. A técnica só foipossível desenvolver-se porqueo homem é um animal social,constrói a sociedade pela tradi-ção. A tradição não é ingénita,nem tem nada a ver com os seusinstintos: é aprendida. O homempode aprender a tradição porquepossui uma linguagem muitocomplexa. Graças à tradição ohomem é progressivo, aprendemais e mais. O homem é inven-tivo. Enquanto os outros animaistransmitem rigidamente o seu“saber” de geração a geração,entre os humanos uma geraçãosabe ou, pelo menos, pode sabermais que a precedente.

O homem é capaz de abstra-ção. Enquanto os outros animais“pensam” sempre com vista aoparticular e concreto, o homempode pensar o geral, o universal.A isso deve as suas maiores con-quistas, tanto no plano da cria-ção das ciências, como na cria-ção dos valores. O homem écapaz de reflexão, pode pensarem si mesmo, preocupar-se con-sigo, perguntar-se pelo sentidoda vida. É o único animal quetem clara consciência da finitu-

José ManuelF. Gonçalves

«O homem é capaz de abstração, podepensar o geral, o universal. A isso deve as

suas maiores conquistas, tanto no plano dacriação das ciências, como na criação dos

valores. É o único animal que tem claraconsciência da finitude»

de.Platão, filósofo grego, fun-

dador da nossa filosofia ociden-tal, propõe, então, que o que nosfaz homens é a psique, a alma, oespírito. Mas esta proposta nãoé aceite por aqueles que negampura e simplesmente que no ho-mem haja algo mais do que ocorpo e os movimentos corpo-rais associados. É a solução domaterialismo rigoroso. Um ma-terialismo mais moderado de-fende que a consciência é fun-ção do corpo, uma função que sópelo seu grau se diferencia dados outros animais. Aristóteles,filósofo grego, naturalde Estagira, aluno de Platão, diz que o homem é um todo e estetodo tem diversas funções: físi-cas, vegetativas, animais e espi-rituais. São funções, não do cor-po, mas do homem, do todo. Talcomo Platão, considera que asfunções espirituais do homemsão algo completamente particu-lar que não se dá nos outrosanimais. Os platónicos são daopinião que o homem é um com-posto de corpo e alma, entidadesdistintas e separáveis.

Todas estas posições reme-tem para duas questões funda-mentais: Há algo essencialmen-te diferente no homem que o dis-tingue dos outros animais? Emque relação está esse algo comos outros elementos da naturezado homem?

Há, porém, outra questãofundamental. Apesar das carate-rísticas apontadas, que fazem doser humano um ser único na na-

tureza, o homem não é só isso. Étambém, por essas mesmas ca-racterísticas, um ser incomple-to, inquieto e no fundo, segun-do alguns, miserável. O homemcria constantemente novas ne-cessidades e nunca está satisfei-to. Uma invenção completamen-te especial do homem é o dinhei-ro, que nunca é o bastante. Pa-rece como se, por essência, es-tivesse destinado a um progres-so infinito e como se só o infini-to pudesse satisfazê-lo. Mas, porsua vez, o homem tem consciên-cia da sua finitude e, sobretudo,da sua mortalidade. Estas duasqualidades juntas dão como re-sultado uma tensão, pela qual ohomem aparece como um enig-ma trágico.

Qual é, pois, o seu sentido,qual é o fim da sua vida? Iden-tificar-se com algo mais amploque ele mesmo, sobretudo, a so-ciedade ou a humanidade? Ou ohomem não tem sentido algum,como afirmou Jean Paul Sartre,filósofo existencialista francês,é uma paixão inútil? Ou essa in-satisfação tem de ter um senti-do, mesmo que não alcançávelno decurso temporal da existên-cia? Mas como? Admitindo aimortalidade da alma? Chegadosa este limite, entramos no silên-cio da obscuridade já não acla-rável racionalmente, quer dizer,filosoficamente. Estamos já aentrar no terreno da religião,afinal, mais um produto da par-ticularidade caraterizadora dohomem que é a reflexão.

José Manuel F. Gonçalves

O poeta chileno Nicanor Par-ra, vencedor do Prémio Cervan-tes em 2011, morreu em janeiropassado, aos 103 anos. Era o der-radeiro sobrevivente do “trio degrandes poetas chilenos”, queformava com Pablo Neruda eVicente Huidobro. Considerado odestruidor dos cânones tradicio-nais da lírica, com a sua “antipo-esia”, Nicanor foi um dos maio-res vultos do universo literário-político chileno e latino-america-no, inspirando outros além-fron-teiras e além-mares.

Nicanor Parra recebeu o Pré-mio Nacional de Literatura doChile (1969); Prémio de Literatu-ra Latino-americana Juan Rulfo(1997); Prémio Rainha Sofia dePoesia Ibero-americana (2001) e

Nicanor Parra (1914-2018) - LITERATURA

Morreu o poeta chileno Nicanor Parrao Prémio Cervantes (2011). Oautor de “Poemas e anti-poemas”foi também um combatente pelademocracia, passou períodos deexílio nos EUA e pertenceu àFrente de Intelectuais que se opôsao general Augusto Pinochet, ten-do apoiado a campanha pelo“Não”, no referendo de 1988, quelevou ao afastamento do ditador.

Na sua obra destacam-se tam-bém “Cancionero sin nombre”(1937), “La camisa de fuerza”(1968), “Artefactos” (1972), “Po-esía política” (1983), “Hojas deParra” (1985) e “Discursos desobremesa” (2006). Com Nerudaescreveu “Discursos” (1960), li-vro de ensaios que viria a marcara literatura da época. Em Portu-gal, surge na coletânea “Poesia do

Século XX - de Thomas Hardy aC.V. Cattaneo”, com tradução deJorge de Sena (Inova, 1978), ema “Rosa do Mundo - 2001 poemaspara o futuro”, traduzido por JoséBento (Assírio & Alvim, 2001), epor Miguel Filipe Mochila, para“Acho Que Vou Morrer de Poe-sia” (Língua Morta, 2015).

Além de “Poemas e anti-poe-mas”, na sua obra destacam-se aobra de estreia, “Cancionero sinnombre” (1937), “La camisa defuerza” (1968), “Artefactos”(1972), “Poesía política” (1983),“Hojas de Parra” (1985), “Discur-sos de sobremesa” (2006). ComNeruda escreveu “Discursos”(1960), livro de ensaios que mar-cou a literatura da época. EmPortugal, surge na coletânea “Po-

esia do Século XX - de ThomasHardy a C.V. Cattaneo”, com tra-dução de Jorge de Sena (Inova,1978), em a “Rosa do Mundo -2001 poemas para o futuro”, tra-

duzido por José Bento (Assírio &Alvim, 2001), e por Miguel Fili-pe Mochila, para “Acho Que VouMorrer de Poesia” (Língua Mor-ta, 2015).

1414141414ALTO DA RAIA Geral

A música e a literatura (particularmen-te o texto poético) são primos carnais.Ambos são trabalhos com o som, o dosfonemas ou o dos acordes. Por realizar fi-cará sempre o objectivo de fazer dum textouma partitura de Lizt. Claro que nada distointeressa ao mercado, nem o mercado mediz nada a mim. Disso estão as livrariascheias, com romances de 700 páginas.Convirá ao leitor saber que o papel deleagora é fundamental, depois que o autor saiude cena. Há na colectânea textos que mecomovem, na sua aparente insignificância.

FábulasO mais certo é ter-lhe tomado medo.

Mas fosse ele por ter chegado a velho, ouporque se cansou dos ruídos do mundo, o

CRÓNICA

Colectânea«Disse-lhe o meu pai a única

palavra certa duma vida: o rapazdiz que quer escrever livros! Odoutor achou que o mundo estavaperdido. E o cavalo ficou sempalafreneiro»

homem deitou-lhe as rédeas por cima eafastou-se. Comprou uma horta distante efez nela uma mansarda debaixo do carva-lho. Depois levantou a cerca à sombra dalatada e soltou nela as galinhas. E assimviveram um tempo. O homem comia osovos, e as galinhas catavam as minhocas eo milho que a horta dava.

A certa altura a raposa saltou a vedação.Avançou pelo terreiro, espaventou as gali-nhas, esganou logo a mais gorda e comeu-a. O homem assistiu àquilo tudo sentado noalpendre e não mexeu uma palha. As gali-nhas amontoaram-se ao canto, pasmadaspelo terror. E a raposa, aprisionada na cer-ca, ficou a fazer a digestão. Quando a fomelhe voltava, esgorjava outra galinha. E ohomem assistia àquilo tudo sentado no al-pendre.

Jorge Carvalheira

Depois chegou a cegonha, deu duasvoltas no ar e fez ninho na copa do carva-lho. E em breve engordava os filhos com ossapos-conchos que havia nas redondezas,e eram muitos. Engordavam os filhos dacegonha, benza-os Deus, mas a barriga daraposa dava horas. Um dia começaram apintar as uvas da parreira. E quanto maisela pulava, a abocanhá-las, mais a barrigaminguava. Certa tarde passou lá por cimaum corvo, trazia um queijo no bico, rouba-do à janela duma velha que o tinha a secarao sol. Viu a raposa magrita, deu-lhe duasde conversa e foi-se embora. A raposa des-fez-se ali em queixumes, mas o homemassistiu àquilo tudo sentado no alpendre enão mexeu uma palha.

Quando os filhos levantaram voo, foi acegonha que ouviu os lamentos dela e dei-xou-se condoer. Fez umas papas do milhoque a horta dava, meteu-as numa cabaça ebaixou a partilhá-las com a raposa. Logoela as estendeu em cima duma laja, ondeem tempos as galinhas debicavam o milho.E foi assim que a raposa se desforrou demisérias e a cegonha ficou a ver navios.

Foi então que o homem se levantou eveio abrir a porta do cerrado. Fatigara-sedo mundo, quisera afastar-se dele, vieraencontrá-lo em casa. E deste modo se dis-pôs a relatar as muitas fábulas dele.

Vindo do nadaé mais longe

A casita era mais baixa, hoje nem pa-rece a mesma. Tinha uma escada interiore uma cozinha de lastro. A lenha vinhada aldeia ao lombo da marquesa, e eu vivinela seis meses de transição num colégioparticular, quando deixei para trás o Cí-cero das Catilinárias e entrei no mundoprofano.

A alma doce da minha avómaterna fazia-me a comida, e a donaAdriana pôs-me em dia com as ciênciasnaturais, que eu não tinha no currículo. OCrespo tinha então, lá fora da muralha,uma construção anexa onde guardava umcavalo. Hoje transformaram-na em gara-gem, e o povo guarda lá dentro audis ebeémes de barriga apodrecida pelo sal dasestradas da Europa. Mas enquanto foiuma estrebaria, o doutor precisava dumpalafreneiro. E eu servia às mil maravi-lhas.

Então disse-lhe o meu pai a única pa-lavra certa duma vida: o rapaz diz quequer escrever livros! O doutor achou queo mundo estava perdido. E o cavalo ficousem palafreneiro.

Jorge Carvalheira

I A Palavra é pau da lavra. A

semente, seminífera, é a Palavrade Deus – e a linguagem, o Ver-bo, é de origem divina. Quandose diz que o homem é um animalracional, deve entender-se: é ohomem animal provido de «Lo-gos». Seguindo e segundo Ale-xandre Herculano, a língua quefalamos é aquela em que pelaprimeira vez nossa Mãe nos dis-se: meu filho. A língua, por isso,é uma forma de liga. Se a oração,entre outras cousas, é uma Arteda Palavra, é porque é, a comu-nicação, o professar primordialda comunidade. E comunicaçãocom Amor, ela redunda, dessar-te, em comunhão de sentimentos.Como acontece, «verbi gratia»,nas Artes, na paixão, no senti-mento estético. Ou melhor, nocomungar, comunial, do comu-nitarismo, no pão da Palavra tor-nado comum. E pra mirarmos,desta feita, pra admirarmos omiráculo, eis a oração… do co-ração.  

II O médico ou esculápio, ele

tem que se lhe diga. No romancede Júlio Dinis, «As Pupilas doSenhor Reitor», existe, ou insis-te, a personagem João Semana:ele é um médico aldeão que labo-ra por bonomia, solidariedade, edesinteressado sacerdócio: bemlonge das inovações teóricas e dosaber físico-químico, aquilo quemonta, em João Semana, é qualescorreita, a recta, e a palavracorrecta. Cagliostro, aqui, diria:«in herbis et in verbis», ou seja,«com as ervas e as palavras» - eeis aqui o paládio do nosso pro-gredimento. Na transição do sé-culo XIX para o vigésimo século,na escola de Nancy, que é plagafrancesa, um Psicólogo existiu, denome Émile Coué (1857 – 1926):como cura ou terapia para o do-lente e o doente, ele fazia-o repe-tir, ao acordar e ao deitar, comoacalanto e alimento: «Todos osdias, sob todos os aspectos, eu sou,e eu estou, cada vez melhor»: enão é que, para o aflito, e não é,

desta sorte, que surgia, que surdiao bem-estar??? E a tal ponto queisso é, a tal ponto que aduzimos:se afirmar, de feito, é firme tornar,o ser o firme, aqui, é deixar de serenfermo……………….

 III

 Reincidindo, dessarte, e rati-

ficando: seguindo e segundo a«Carta aos Hebreus», «A fé é agarantia das cousas que se espe-ram e a certeza das que não sevêem». «Seja-vos feito segundoa vossa fé», lê-se, outrossim, noApóstolo S. Mateus. Ora àquilo aque, na Cristologia, se chama«Fé», chamam, os Psicólogos,«auto-sugestão». O que é, paraJoseph Babinski, a histeria??? Équal «pitiatismo», é doença curá-vel através da sugestão. Na Psico-logia, ou fala da Alma, à tácticadescrita no verbete anterior chama-se, modernamente, o «métodoCoué» - como se chama, a ÉmileCoué, o «Pai do condicionamentoaplicado». Que o Autor em ques-tão, ele pôs a circular o efeito «pla-cebo»: se o dolente tiver muita féno seu médico, e ele lhe ministrar,para dormir, um comprimido àbase do miolo do pão, afiançandoao doente que o soporífero é efi-caz, então ele age, quimicamente,

«Só se conhece, veramente, aquilo quese ama – e assimilar uma lição é tornar-se similar àquele que a proferiu»

Singularidades e Raridades

(in memoriam do Padre Manuel Antunes)como se fosse um neuroléptico – eentão dorme o enfermo, e a cura égarantida. Outrossim, quando odoente projecta, no analista, senti-mentos amorosos, então se dá,segundo Sigmund Freud, a «trans-ferência» ou «transfert» - e é céle-re, o sarar, através da relação. Elaé farta e ela é fé, ela é crença, des-sarte, com a força da querença. Di-gamo-lo desde já: não se limita, o«transfert», ao tratamento e ao teorpsicanalítico; pois que ele é fontede sucesso, ele é um trunfo e triun-fo no «rapport» doente-médico, se-cretária-patrão, e aluno-professor.Só se conhece, veramente, aquiloque se ama – e assimilar uma li-ção é tornar-se similar àquele quea proferiu. Seguindo e segundoCarl Gustav Jung, a esta identi-dade, identidade parcial, entre osujeito e objecto, se dá o nome,numinoso, de «participação mís-tica»: ela é típica e tópica nas cri-anças, na neurose, e na mentali-dade primitiva. E pra findar, ra-pidamente, o nosso arrazoar,grande parte das doenças são deorigem psicossomática, quero eudizer: o corpo está na mente e amente está no corpo pra que sefaça o miráculo de uma só cousa– e eis a força e a fé, e eis a fonte,o fastígio, da compreensão.

Paulo Jorge Brito e Abreu

DESTAQUEDO MÊS

Rui de Pina(1440?-1522?)na BibliotecaEduardoLourenço

Rui de Pina (1440?-1522?), escrivão, notáriopúblico, diplomata e cro-nista português, nascido e-falecido na cidade da Guar-da, foi autor de extensaobra cronística.

Ao serviço de D. João II,foiincumbido de várias mis-sões diplomáticas, de entre asquais se destaca a represen-tação dos interesses portu-gueses em Barcelona, apósa viagem de descoberta deColombo. Foi nomeadocronista-mor do reino,guarda-mor da Torre doTombo e da livraria régiapor D. Manuel,em 1497.

Escreveu as crónicas devários reis, entre os quaisD. Sancho I, D.Afonso II,D.Sancho II,D.Afonso III,D.Dinis, D.Afonso IV,D.Duarte, D.Afonso V eD.João II, adotando um-ponto de vista que exalta-va os feitos dos monarcas. 

1515151515ALTO DA RAIAGeral

Quem regressou da guerra colonial, desejou esquecê-la, e não pôde. Saímos da guerra, e a guerra não saiu de nós,pelos mortos que lá deixámos e estropiados que trouxemos,torturantes recordações de anos injustos e inúteis. Por menostraumática que possa ter sido a guerra, nunca mais se es-quecem as rugas dos pais que nos aguardaram, a ansiedadeque viveram e a angústia pelos perigos, reais ou imaginá-rios, a que nos julgaram expostos. E mal souberam do queos mosquitos foram capazes, do que o clima fez ou daalimentação que nos coube. Deixámos que partissem semlhes dizer.

A sobrevivência, mesmo sem mazelas aparentes, car-rega feridas que nunca cicatrizam, memórias doridas, in-quietações que regressam, angústias que persistem. Nin-guém faz a catarse de tão longo tempo e tão penetrantesofrimento, ninguém conta tudo o que viu e grande partedo que soube.

Integrar um exército de ocupação é uma provação trau-mática insuperável. Ainda hoje, quase meio século decor-rido, tortura-me a memória o funeral do Martins, com o paia implorar permissão para depor um último beijo na testado filho, corpo de que restavam os membros inferiores epedaços indeterminados numa urna fechada, junto à covado cemitério da Missão de Massangulo, onde o jovemcapataz dos caminhos de ferro foi sepultado.

Quem pode esquecer o homem que pedia ajuda para selevantar, com pernas amputadas no choque de dois com-boios onde vários negros morreram esmagados, ou quei-mados no vapor das caldeiras, trabalhadores dos caminhosde ferro, receosos de saltarem e serem suspeitos de fuga,condicionados pelo medo simultâneo da tropa e da Freli-mo?

Quem esqueceu os aviões de combate (Fiat) que lança-vam bombas em aldeamentos que destruíam e cujas palho-tas abrigavam crianças, mulheres e combatentes da Freli-mo?

Nunca me refiz da impotência perante o último suspirodo Dias, do peso do corpo inerte nos meus braços, algunsminutos depois de almoçar comigo, esmagado dentro dacerca de arame farpado, sob uma roda da Berliet ondeinsistiu em sentar-se no guarda-lamas, a recolher, na en-

CRÓNICA

Pesadelos da guerra colonial

fermaria, lágrimas do nosso desespero. Morreu em 11 dejaneiro de 1968. Doze dias depois, uma mina rebentou sobum Unimog da Comp.ª 1799 (Malapísia) e fez explodir odepósito de combustível.  Morreram queimados o furrielCarlos Madeira e o condutor Eduardo Franco, o Mafra, estereduzido a escassos restos, e outros ficaram estropiados.Foram as três primeiras baixas dos que fizeram a viagemsem retorno.

Quase 18 mil noites após o regresso, ainda falo com oMoura, morto nas águas revoltas do Zambeze, com viatu-ras e homens perdidos onde a reviravolta da jangada oslançou e os crocodilos esperavam. O funeral do Martins,o capataz que a bazuca atingiu à queima-roupa, foi talvezo pior momento de 26 meses em que, por amargurada opção,não vim de férias a Portugal, mas há um dia de que nuncafalei, que ora refiro pela primeira vez, quase 50 anos vol-vidos.

Um dia qualquer, preparava-me para ir a Vila Cabralcomer a iguaria habitual, um bife com batatas fritas e ovoa cavalo. À saída, veio alguém trazer um preso destinadoa ser entregue à Pide. Foi de Unimog, entre soldados comuma das mãos agarrada ao banco e outra à G-3. Ninguémo terá designado ‘turra’, palavra carregado de ódio racista,

que na CCS os militares mais politizados e instruídos pro-curaram erradicar.

Durante o percurso desejei que fugisse, sabendo queera impossível fazê-lo e continuar vivo. Chegados a VilaCabral, o Unimog levou o prisioneiro. O condutor nãocarecia de instruções, não era preciso. Nem os soldados queo escoltaram. Não me recordo onde era a Pide, a memóriatem o dom de apagar o que aflige, e calculo o destino da-quele soldado andrajoso do IN (inimigo, na designaçãomilitar), pois sabia do que a Pide era capaz e imaginei o quelhe reservaria.

E lá segui com outros camaradas a caminho do almoçono Café Planalto, indiferente ao eventual encontro comimpiedosos comandantes de milícias, o Daniel Roxo ou oPorto, incensados por colonos, ou dois capitães de Coman-dos, célebres pelo desapego à vida e à ética e amor ao ál-cool, todos objeto do meu profundo desprezo. A um dessescapitães, a Frelimo pôs-lhe fim à carreira e à vida, poucotempo depois. O rosto impassível do prisioneiro perseguiu-me, e alheei-me da refeição e do convívio.

Há coisas de que não falamos, e os fantasmas da guerracolonial permanecem.

Carlos Barroco Esperança

O Município da Guarda pu-blicou mais um número da Re-vista Cultural «Praça Velha».Esta edição assinala uma duplaefeméride. Por um lado, os 20anos de publicação desta Revis-ta que «tem dado a conhecermuito do que de melhor se temproduzido em termos científi-cos, culturais e literários sobrea Guarda, o seu concelho e a suaregião». E por outro, comemo-rar os 110 anos da inauguraçãopioneira do antigo Sanatório

Sousa Martins, «um complexohospitalar de vanguarda e denível verdadeiramente interna-cional, cuja história e cuja obra

CULTURA

«Praça Velha» assinala20 Anos de Publicação

urge conhecer e divulgar me-lhor».

Na nota Editorial da Revis-ta, Victor Manuel Amaral refe-re que «hoje, o antigo Sanató-

rio, como instituição modelarquase secular, é um compêndiode múltiplas Histórias. A histó-ria dos que aí trabalharam, dosque aí estiveram internados edos que aí se curaram, mas tam-bém a história da formação eevolução do seu rico, raro e sin-gularíssimo património arquite-tónico, técnico e artístico. OSanatório da Guarda – que du-rante décadas e décadas assimfoi popularmente conhecido –

constitui um Património Cultu-ral da maior valia para a Cida-de, a Região e para todos. Cabe-nos a nós, guardenses, estudar,proteger, conservar e divulgarum património que é de alcan-ce verdadeiramente nacional».

Sobre a comemoração dos110 anos do Sanatório, escre-veram Adérito Tavares – «Sou-sa Martins e o Desenvolvimen-to das Ciências Médicas emPortugal, na Transição do sécu-lo XIX para o século XX»; Ai-res Diniz – «A Investigação e aPrática da Medicina na Guarda»;Dulce Helena Pires Borges – «OSanatório Sousa Martins e o

Conceito de Obra de Arte Total»e, também, J. Pinharanda Gomes– «O Poeta António Alves Mar-tins (1894-1929) no Sanatório daGuarda (A carta a Ladislau Pa-trício)».

No domínio do Património eHistória, destaque para os arti-gos de Adriano Vasco Rodrigues– «A Guarda na Guerra de Su-cessão de Espanha 1700-1714»;Jorge Costa Lopes – «Heterodo-xia, Ortodoxias e Existencialis-mo: Eduardo Lourenço e Vergí-lio Ferreira (a propósito do cin-quentenário de HeterodoxiasII)» e para o artigo de José LuísLima Garcia – «O Poder Local

na História da Contemporanei-dade Portuguesa».

Os Leitores desta edição nú-mero 37 da «Praça velha» podemler ainda uma Entrevista ao Mé-dico José Guilherme, conduzidapor Hélder Sequeira; alguns Po-emas de João Esteves Pinto;«Memórias de Coimbra», deJosé Ferraz Alçada e «Memóri-as ligadas á Guarda e ao Sanató-rio Sousa Martins» - recordaçõesde Manuel Leal Freire.

Nas últimas páginas, a Re-vista deixa também algumasnotas de conhecidas figuras dodistrito da Guarda sobre Livrospublicados na nossa região.

Carlos Esperança

«A sobrevivência, mesmo sem mazelas aparentes, carrega feridas quenunca cicatrizam, memórias doridas, inquietações que regressam, angústiasque persistem»