Édipo neurose e tecnologia (2)
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INTRODUÇÃO
Acontecimentos moldam o mundo, que gira em ritmo cada vez mais rápido. Mais
de 300 anos separam as primeiras encenações das peças de William Shakespeare, no século XVI
na Inglaterra, dos filmes de Charles Chaplin, nos anos 20 do século passado. Entre o cinema e a
advinda da televisão, apenas três décadas. A revolução tecnológica acelerada dos últimos anos,
de certa forma, têm se tornado o senhor da sociedade, impondo alterações comportamentais que
também atingem a vida familiar. É disto que trata o presente trabalho, que pretende levantar
algumas hipóteses para a reflexão sobre essa nova conformação de família frente às mudanças
provocadas pelo rápido e inexorável desenvolvimento da tecnologia e suas consequentes
neuroses.
O mundo vive hoje preso a uma teia, chamada rede. Nos países ditos desenvolvidos
e naqueles em desenvolvimento a parcela da população ainda não conectada a esta rede é muito
pequena, ― a vida no planeta está globalizada e escravizada pelo desenvolvimento alucinante
da tecnologia. Este conjunto de fatores tecnológicos, muito provavelmente, está acarretando
problemas na ordem psíquica da sociedade. Os valores sociais atuais nenhuma relação têm com
esses mesmos valores de alguns anos atrás, e os atuais nenhuma relação vão ter com os
vindouros. A ética e a responsabilidade estão à deriva, a violência está disseminada e a vida não
tem mais significado nem valor.
O consumismo exacerbado, que também atingiu os lares, é outro ponto a ser
considerado - o “ter” passou a ser prioridade em relação ao “ser”, e, os quadros de neurose
obsessiva estão se alastrando. Todos os sentidos são constantemente bombardeados pela
massiva quantidade de informações a que todos estão expostos diariamente. Os volumes dessas
informações sem filtro incitam o consumo além do razoável, principalmente às crianças que, em
seu período de formação são altamente influenciáveis.
Na sociedade deste início de século, existe uma predominância expressiva desta
neurose, a obsessiva, e a questão que se coloca, é: qual é a relação entre o Édipo estabelecido
por Freud no início do século passado e neste início do século XXI.
O desenvolvimento desta análise será feito comparando-se os conceitos de
“normalidade” no Complexo de Édipo estabelecidos por Sigmund Freud, em seus textos, e suas
consequências. Assim, será construída uma teia de compreensão das relações edípicas na
infância e as neuroses obsessivas na vida adulta na pós modernidade.
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CONSTITUIÇÃO DO COMPLEXO ÉDIPO
“Œdipus Rex”, peça teatral grega escrita por Sófocles em 427 a.C. e que foi
considerada por Aristóteles, como a melhor versão do mito dentre os diversos escritores da
época, contemporaneamente, é a origem do mito do Édipo na Psicanálise. Mais de dois mil anos
depois de Sófocles, ela toma forma novamente nas mãos de Sigmund Freud, que embora em
1896, já estivesse com a teoria da sexualidade praticamente composta em sua mente, a pedra
angular desta teoria ainda estava por ser descoberta.
Havia a suspeita de que a histeria e seus fatores causais remontavam a infância,
pela sedução sexual, onde a histeria tinha como causa uma atividade sexual passiva e a neurose
obsessiva uma atividade sexual ativa. A sexualidade infantil antes de 1897 era encarada como
um fator latente que poderia vir à luz com resultados desastrosos somente pela intervenção de
um adulto. Em 1897 Sigmund Freud viu-se obrigado a abandonar a sua teoria da sedução,
anunciando em uma carta a Fliess, sua descoberta do Complexo de Édipo, em sua auto-análise.
Sigmund Freud em 15 de outubro de 1897 (Freud ESB 1996, vol.1, carta 71, p.
314) menciona pela primeira vez o nome de Édipo:
A lenda grega captou uma compulsão que todos reconhecem porque todos a sentiram. Cada espectador foi um dia germe, na imaginação, um Édipo, e se aterroriza diante da realização de seu sonho transposto na realidade. Estremece diante do recalcamento que separa seu estado infantil de seu estado atual.
As relações do filho com sua mãe são para ele uma fonte contínua de excitação e satisfação sexual, a qual se intensifica quanto mais ela lhe der provas de sentimentos que derivem de sua própria vida sexual, beijá-lo, niná-lo, considerá-lo substituto de um objeto sexual completo. Seria provável que uma mãe ficasse bastante surpresa se lhe dissessem que assim ela desperta, com suas ternuras, a pulsão sexual do filho. Ela acha que seus gestos demonstram um amor assexual e puro, em que a sexualidade não desempenha papel algum, uma vez que ela evita excitar os órgãos sexuais do filho mais do que o exigido pelos cuidados corporais. Mas a pulsão sexual, como sabemos, não é despertada apenas pela excitação da zona genital; a ternura também pode ser muito excitante.
Logo após Freud ter mobilizado o nome de Édipo para a sexualidade, em suas
análises e estudos, trouxe também uma interpretação de Hamlet, como um novo Édipo, e mais
tarde associou estes dois dramas à dos deuses gregos Gaia, Urano, Cronos, Zeus. Sem
praticamente tomar conhecimento do significado original dos mitos, que tinha por função
separar o mundo divino do dos mortais. Pelos escritos de Freud, Cronos era o pai da horda
selvagem “devorava os filhos”, e Zeus um filho que luta com o pai para lhe tomar o lugar. Freud
ilustra com isso o declínio da antiga tirania patriarcal, que para a psicanálise, nada mais é do que
a concepção de toda rivalidade entre pai e filho, seu sucessor natural.
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Em 1910, Freud estabelece sua teoria sobre o Complexo de Édipo
(odipuskomplex). Levando à simples observação do coito, percebido, fantasiado, alucinado, a
história do desejo pela mãe e a rivalidade com o pai. Embora o termo Complexo de Édipo só
apareça nos escritos de Freud nesse ano, já estava preparada sua descoberta na análise de seus
pacientes, concretizando-se na sua autoanálise, que o leva a reconhecer em si, o amor pela mãe,
e o consequente ciúme do pai, em conflito com a afeição que lhe dedica. As primeiras
elaborações da teoria tinham como base o menino, e durante bom tempo ele afirmou que o
complexo poderia ser transposto tal e qual para a menina. Isto foi rebatido pela tese sobre a
“organização genital Infantil da libido” em 1923, onde na fase fálica só um órgão é levado em
consideração para os dois sexos.
A sexualidade não se inicia na puberdade, com a completa formação dos órgãos de
reprodução. As brincadeiras e as curiosidades infantis não possuem esse tanto de inocência
atribuída. Pelos relatos psicanalíticos, nota-se que a sexualidade está presente até nos lactentes,
e nesse sentido Laplanche & Pontalis (1980, p. 476) diz que:
A sexualidade não designa somente as atividades e o prazer que dependem do funcionamento do aparelho genital, mas toda uma série de excitações e de atividades, presentes desde a infância, que procuram um prazer irredutível na saciedade de uma necessidade psicológica fundamental (respiração, fome, função de excreção etc.), e que se acham, a título de componentes, na forma dita normal de amor sexual.
Os Primeiros Estágios do Desenvolvimento Sexual
O ato de sugar o seio, apesar de sua finalidade primeira ser saciar a fome, torna-se
um ato de prazer, e será procurado pela criança na sucção de diversos objetos, ou de partes de
seu próprio corpo, especialmente o polegar. Nada mais é do que um prazer físico, localizado na
mucosa bucal que causa uma experiência voluptuosa. Adicione-se a isso que a ocasião do
aleitamento é um estreito contato físico com a mãe, esta é a fase oral, na qual ainda existem
outros fatores nesta situação de prazer. Através das manipulações de que a criança é objeto,
sentirá a disposição da mãe, seja ela, hostil, amorosa ou angustiada, portanto, por mais amorosa
que seja a mãe; não será apenas uma fonte de prazer e satisfação, mas também de privação, ela
não satisfará somente a saciedade, o sofrimento e a raiva estarão presentes quando tarda a
aplacar a fome do filho.
O controle voluntário da musculatura põe em ação outra função corporal, a
defecação; é o início da fase anal, que também vai se associar ao prazer. Ele é qualificado nesta
fase como auto-erótico, porque a criança também obtém satisfação com o próprio corpo, sem
recorrer a objetos exteriores. A mucosa anal é sua sede e a excitação dessa mucosa é obtida pelo
acúmulo, pela pressão e a expulsão das matérias fecais. O controle do esfíncter pode fazer com
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que a criança tire partido dessa excitação. A retenção que dá uma sensação agradável, e sua
consequente expulsão se torna um prazer aumentado. Nesta fase novos fatores são introduzidos
nessa relação. Durante o aleitamento a mãe dava alguma coisa à criança, satisfazia um desejo
sem pedir nada em troca, apesar de que, a disciplina dos horários a que a criança era submetida,
com seus desejos nem sempre satisfeitos, tinha reações afetivas. A partir deste momento a
criança pode manifestar sua submissão, seu descontentamento e mesmo sua oposição aos atos
que não envolvem unicamente a alimentação. O asseio vai lhe fornecer uma situação
privilegiada, alguma coisa lhe será pedida em troca, que ela pode conceder ou recusar.
A zona genital começa a ser a principal fonte erógena, entre o terceiro e o quarto
ano da criança. Embora ela exista desde os primórdios da infância a primazia da fase oral e anal
tem predomínio sobre a zona genital. Pode-se observar ereções e excitações genitais mesmo que
não haja um carregamento de intenções sexuais, a simples manipulação dos órgãos durante a
higiene é suficiente.
Na fase fálica a região genital passa a ser a zona erógena principal. Esta fase é
comum aos dois sexos. A menina desconhece ainda a existência da cavidade vaginal, porém,
reconhece o clitóris, (cavidade vaginal e clitóris são dois momentos distintos de percepção física
na menina, primeiro ela reconhece o clitóris, por ser externo), que é um equivalente anatômico
do pênis, assim como este, também é sede de excitações e sensações agradáveis. Nesta idade
começa a surgir uma curiosidade em relação à diferença entre os sexos, o desconhecimento da
vagina na menina e com muito mais razão no menino a diferença entre os sexos é em termos de
presença ou ausência de pênis, apesar de que essa ausência não ser reconhecida pela menina, o
clitóris é um pênis que ainda vai crescer. A descoberta da anatomia feminina pelo menino,
normalmente constitui-se um choque, que vai ser ocultado pela amnésia infantil. Essa ausência é
sentida como uma privação, ou mutilação, deixando a idéia de uma anatomia comum ainda
intacta. Apesar de existir alguns seres desprovidos de pênis, não implica ainda de que todas as
mulheres são iguais, principalmente a mãe.
O pênis e seu correspondente o clitóris tornam-se as zonas erógenas
predominantes, sendo que o pênis é o único atributo reconhecido pelos dois sexos; a diferença é
feita apenas em termos de presença ou não presença, e, esta não presença pode ser resultado de
uma mutilação, falta provisória que ainda poderá se desenvolver. É nesse meio de paixões
desenfreadas que surge um novo elemento nesta relação, uma figura que incomoda, que
compromete sua relação de amor exclusiva com a mãe. Percebe que ela não é tudo, este
elemento é o pai. Apesar de ser causa de sofrimento, aparece também como um alívio, pois a
criança escapa dessa relação fechada com a mãe. Até este ponto a evolução de ambos os sexos
tem um caminho paralelo, e, a partir daí tomam direções divergentes.
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Nos meninos o pênis tem agora, na fase edípica, um valor particular por ser um
polo de sensações e excitações libidinais, ele não esconde os toques e tentativas de masturbação,
sendo até mesmo exibidos. Todo o prazer do corpo agora se resume no nível de seu pênis. O
menino sente prazer em olhar o decote de sua mãe, exibe-se nu em público, ou mesmo em uma
brincadeira morde a coxa da irmãzinha, ou mesmo da mãe. Todos esses prazeres vão repercutir
no seu pequeno pênis, trazendo uma excitação genital. Este objeto tão precioso digno de
orgulho, torna-se seu objeto narcísico. O culto ao pênis coloca-o a um nível de poder absoluto e
virilidade. Ao mesmo tempo em que se coloca toda esta situação ocorre também que este
símbolo além da força é vulnerável, exposto aos perigos.
Com toda esta valorização do pênis torna-se visto por todos ― meninos e meninas
― como representante do desejo, nasce o falo, que é o pênis fantasiado, símbolo da onipotência
e também de sua fragilidade.
Existem três desejos incestuosos que se dirigem ao Outro, o primeiro é de possuí-lo
dirigido à mãe; o segundo o de ser possuído pelo Outro dirigido ao pai e o terceiro é o de
suprimir o corpo do Outro, também dirigido ao pai. Estes três desejos implicam em três
fantasias de prazer que é a realização imaginária de um desejo não realizável.
A primeira fantasia de prazer é a de possessão, que se manifesta de modo típico para a idade, exibindo-se de maneira escandalosa, brincar de papai e mamãe, ou de médico, ser um palhaço, dizer palavrões mesmo que não conheça seus significados e até imitar posições sexuais. Muitas vezes o gesto predominante é o de tocar o corpo de um de seus pais, irmãos ou irmãs, beijá-lo, mordê-lo ou maltratá-lo. O roteiro básico do desejo incestuoso de possuir o Outro, é o desejo de ter a mãe apenas para si. É a situação edipiana básica. (NASIO, 2007, P.29).
A segunda fantasia é a de se possuído pelo Outro, é onde o menino sente prazer em seduzir o Outro para tornar-se seu objeto. É uma fantasia de sedução em relação à mãe, um irmão mais velho ou até mesmo o pai. É um papel passivo no teatro da fantasia de ser possuído. (NASIO, 2007, P.31)
A terceira fantasia de prazer relaciona-se ao desejo de suprimir o Outro, normalmente neste caso é o pai. É uma posição sexual ativa, é a fantasia de “matar” o pai para poder ter a mãe somente para si. Isto se percebe muito quando da ausência do pai, ele torna-se o chefe da família, e, frequentemente divide o leito de sua mãe. (NASIO, 2007, P.32)
Ao lado dos desejos incestuosos e das fantasias de prazer também existem as três
fantasias de angústia da castração. A angústia de castração não é sentida, mas sim inconsciente.
É a supressão do órgão viril, símbolo de potência e orgulho, símbolo de seu prazer. É uma
angústia fantasiada. Muitas vezes a mãe o surpreende na manipulação de seu órgão genital, e o
adverte que isto é errado, ameaça-o com o “corte”, ou seja, a castração de seu pênis-falo, e
também frequentemente esta ameaça será executada pelo pai. A primeira fantasia de angústia é
justamente a oposta à fantasia de prazer, de possuir o Outro. É a angústia da ameaça de
castração, do seu órgão mais investido e precioso. O agente da ameaça é justamente o pai
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repressor, é a Lei de Interdito do incesto. A segunda fantasia de angústia é a oposta a fantasia de
ser possuído pelo Outro. O oferecer-se ao pai a ameaça de castração tem por objetivo o Falo,
não considerado agora como um apêndice que pode ser eliminado, mas sim como símbolo da
virilidade. O agente da ameaça agora é o pai sedutor, assim tornando-se a mulher-objeto do pai.
A terceira fantasia de angústia é oposta a fantasia de suprimir o pai. A ameaça recai sobre o
pênis-Falo, a parte exposta do corpo. O agente da ameaça neste caso é o pai odiado, intimidando
a criança em seus desejos parricidas.
A angústia de castração leva a uma precipitação do final da crise edipiana. Entre
suas fantasias e angústias, entre as alegrias e os medos, o que prevalece são os medos. A
angústia torna-se mais forte que o prazer, então a criança desiste da busca incestuosa desistindo
do objeto de seus desejos. Para salvar seu pênis-falo, para proteger seu corpo. A Submissão à
Lei do Interdito do incesto causa a renúncia aos pais, chegando assim à culminação do
Complexo de Édipo masculino. A criança consegue preservar seu Falo, mas o custo é abandonar
seus pais sexualizados. Entre proteger a mãe ou seu pênis, ele protege seu pênis,
dessexualizando assim ambos os pais, recalcando desejos, fantasias e angústias. Assim a criança
se separa dos pais e está pronta agora para desejar outros parceiros, escolhidos fora de sua
família.
Na menina, a situação edipiana é diferente, em um tempo pré-edipiano, ela
considera-se ainda possuidora do falo, e tem um desejo de possuir a mãe. Este fato é essencial
para a menina, pois ainda detentora do poder, deseja a mãe como objeto sexual, adotando a
mesma postura do menino edipiano. Assim como o menino ela julga ter um falo que lhe permite
as fantasias de onipotência e de prazer onde mostra um papel sexual ativo em relação a mãe.
Seu comportamento neste instante é idêntico ao do menino, exibicionista, às vezes voyerista e
também agressiva. Em resumo a menina é levada pelo desejo incestuoso de possuir a mãe,
sente-se feliz por tê-la toda para si e adota uma posição nitidamente masculina em relação à
mãe. Em um segundo tempo, quando se defronta com a visão do pênis, sua reação é muito mais
intensa do que no menino. Ela fica decepcionada por não ter um pênis, as suas sensações
clitoridianas e vaginais lhe davam um sentido de poder. Agora com a visão do pênis ela percebe
que o centro do poder não está nela, mas, no corpo do outro. Esta fantasia da menina é a fantasia
da dor de privação, enquanto o menino vivia a angústia de castração, a menina vive a dor de ter
perdido. A menina sente-se enganada, alguém mentira à ela dizendo que ela detinha o poder, e
que o teria para sempre e a mãe é esse alguém. Uma mãe onipotente ontem, mas, impotente
hoje, pois, não pode lhe dar um Falo que ela mesma não possui. É uma dor de humilhação.
Tem inicio então um terceiro tempo, no qual a menina, sentindo-se lesada em sua
onipotência, ela lamenta o falo que lhe foi tomado. Neste terceiro tempo surge o que os
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psicanalistas chamam de inveja do falo. O pênis não a interessa, mas o que lhe interessa é o
poder a ele atribuído deixando-a com inveja. Em um quarto tempo, o pai entra neste palco e a
menina volta-se para ele em busca de refúgio e consolo e também para reivindicar seu poder e
potência. Mediante a recusa do pai em lhe dar a força que dá à sua mãe, representa o fim de uma
esperança de conquistar o mítico falo. Ela se volta aos braços do pai, agora, não para ter o
poder, mas sim, para ser ela a fonte de poder do pai. Ela quer se tornar a favorita do pai; tem
agora o desejo incestuoso de ser possuída por ele. Ao sentimento masculino de inveja sucede o
desejo feminino de ser possuída pelo pai. Neste momento ela efetivamente entra no Édipo em
que a fantasia maior do que ser possuída pelo pai é a de ser sua mulher.
A mãe desacreditada volta à cena como mulher amada e um modelo de
feminilidade. A filha identifica-se com ela, mais exatamente com o desejo da mãe em agradar o
companheiro e ser amada por ele. O comportamento edipiano da menina espelha-se no ideal
feminino cuja referência é a mãe. Ela observa a mãe admirada, apesar de rival, no aprendizado
de seduzir um homem. Assim é realizado o primeiro desejo da filha com o desejo da mãe, o de
ser a mulher do homem amado e dar-lhe um filho. A negação primeira do pai em lhe dar o
poder e seguida da negação de não possuí-la, leva a menina a identificar-se com o pai. Este é
um fenômeno saudável no desenvolvimento do Édipo feminino, uma vez que a menina não
pode ser o objeto do pai, quer ser como ele. Isto significa que a menina aceita recalcar seu
desejo de ser possuída pelo pai, sem com isso renunciar à sua pessoa. Enquanto o menino
resigna-se em perder a mãe por covardia a menina, que nada tem a perder, apodera-se do pai.
Ela mata o pai fantasiado e identifica-se com o pai real ressuscitando-o como
modelo. Identificada assim com os traços masculinos do pai depois de ter se identificado com os
traços femininos da mãe ela abandona a cena edipiana, na espera de seus parceiros na sua vida
de mulher.
Os Resultados do Édipo
O que foi dito refere-se a uma resolução da crise edipiana considerada favorável,
em que o sujeito agora constituído possa chegar a uma vida sexual, profissional e social sem as
inibições, problemas ou graves conflitos. A isto se supõe uma “dissolução” do Complexo de
Édipo, ou seja, a liberação da angústia de castração pela renúncia do objeto edipiano, deixando-
o livre para a busca de outros objetos sem a rivalidade em relação ao progenitor do mesmo sexo.
Se esta “dissolução”, não for possível haverá a volta para outras soluções que trazem limitações
ou sofrimentos, com comportamentos e pensamentos que acabam por colocá-lo à margem da
sociedade. Dois resultados possíveis são as neuroses e as perversões. Ambas têm como causa
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um desejo edipiano que não deixou de existir, e que a angústia de castração, a que ela está
associada ainda existe com toda intensidade.
O neurótico ou o pervertido tem uma preocupação dupla; deve manter vivo o
desejo edipiano, o que é relativamente fácil, pois, toda a relação será uma relação edipiana, de
uma maneira disfarçada para que o ego possa continuar cego. Por outro lado, tem de escapar do
perigo da castração, e como o disfarce não protege suficientemente, devem ser postos em ação
outros meios para negar ou evitar esse perigo. É a escolha feita entre as diversas soluções que
dependerá a orientação para um ou outro tipo de perversão ou neurose.
Na neurose o comportamento do indivíduo praticamente não se afasta do que se
considera normal, o neurótico não está constrangido a se afastar de certa normalidade para obter
o prazer. Se a neurose age sobre a atividade sexual é no sentido de uma limitação ou diminuição
do prazer, parece haver uma “economia” na atividade sexual, pois, a atração é para um
sofrimento subjetivo e por sintomas variáveis, dependendo do tipo de neurose. Já na perversão
é onde o prazer não pode ser obtido pela simples proximidade dos órgãos sexuais do homem e
da mulher.
Freud reconheceu (1905, vol. VII, p. 180) essas inclinações e interesses nas
manifestações nos primeiros anos de vida, quando qualificava as crianças de “perversos
polimorfos”, para escândalo de seus contemporâneos. Criança se torna perversa polimorfa por
efeito da sedução. Na criança ainda não existem barreiras que se contrapõem à sedução como
vergonha, repugnância e moralidade.
AS NEUROSES
A resolução da crise edipiana nos neuróticos é comprometida por fixações da libido
a um estágio infantil de desenvolvimento psíquico e social. O neurótico de uma forma geral não
é resignado às satisfações do estágio infantil fixado, ele não cede facilmente e quando cede a
essa regressão é de uma forma envergonhada, simbólica e disfarçada, que podem permitir-lhe
ignorar sua natureza.
Para Freud, (1916, vol. XV p. 171) os sintomas neuróticos têm uma formação
análoga à dos sonhos. O sonho é a satisfação disfarçada de um desejo, ou pelo menos a
representação disfarçada de um desejo; e é nesse sentido que o sintoma torna-se uma formação
substitutiva, significando que proporciona uma satisfação de substituição e substitui
simbolicamente a satisfação real. A regressão ao estágio conduzido surge como pervertida
frente à sexualidade genital. Esses sintomas são em primeiro plano uma conjugação de um
desejo e de uma defesa. A psicanálise tenta explicar sua diversidade e o que leva o sujeito a ter
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um tipo determinado de manifestação e não outro. A necessidade de se determinar o tipo de
neurose leva em consideração a natureza do desejo e a defesa aplicada que estrutura a
personalidade. Os diversos personagens que formam o meio familiar da criança e seu papel
representado constituem uma importância relativa uma vez que as identificações são externas.
Existe uma relação entre os mecanismos de defesa e alguns estágios do
desenvolvimento libidinal, pelo fato de que existe uma predominância em que um modo de
defesa em particular seja associado a determinado tipo de neurose. A projeção, que coloca no
outro as intenções que não se consegue reconhecer em si mesmo, está numa posição bem
delineada na paranoia. Acontece aí uma reação onde há a adoção de um comportamento oposto
dessas tendências não aceitas. (aversão – atração, doçura – agressividade). As neuroses são mais
caracterizadas pelos meios de defesa do que pelos sintomas, mas, é o dispêndio de energia não
disponível, durante um tempo considerável e sua rigidez é que faz com que ele se torne um
neurótico. É a natureza do desejo em busca da satisfação encontrando oposição do ego que
elege os mecanismos de defesa. O desejo é expressão parcial de uma pulsão, é componente pré-
genital da sexualidade durante um momento do desenvolvimento libidinal, que entra em
regressão. Na determinação do tipo de neurose leva a questionar quais os tipos de fixação são
levados em consideração. Esses fatores determinantes são de ordem histórica e constitucional; a
fixação está condicionada às circunstâncias que marcam a vida do sujeito, tais como os cuidados
excitações corporais a que foi submetido, qual a atenção dada pelo meio familiar a uma
determinada função e sua consequente orientação. Nasio (2007, p. 97)diz:
Em suma, quer se trate de fobia, histeria ou obsessão, o sofrimento de um neurótico é explicado por sua necessidade de repetir compulsivamente a mesma situação na qual sofreu o impacto de uma angústia traumática. Em outras palavras, a neurose é o retorno compulsivo de uma fantasia infantil de angústia de castração.
A Desconstrução da Família
“O que diferencia realmente o homem do animal é que, na humanidade, uma família não poderia existir sem sociedade, isto é, sem uma pluralidade de famílias prontas a reconhecer que existem outros laços afora o da consanguinidade, e que o processo natural da filiação somente pode prosseguir através do processo social da aliança”
Claude Lévi-Strauss, apud Roudinesco.
A família, como o mundo moderno a conhece vem de uma lenta e longa evolução.
A antropologia diz que a família é uma união, mais ou menos estável, duradoura e com
aprovação social, de um homem, uma mulher e seus descendentes, é um fenômeno universal,
presente em todos os tipos de sociedade.
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A família se origina no estilhaçamento de outras duas famílias, uma fornecendo o
homem e outra a mulher, que pela união formarão nova família. Assim estabelecem-se os laços
matrimoniais entre os grupos sociais, existindo aí a proibição do incesto, onde as famílias
podem se unir unicamente umas às outras e nunca por sua conta e consigo.
A família conjugal dita nuclear como se conhece hoje no ocidente é a consumação
de uma longa evolução. Distingue-se três grandes períodos nessa evolução (ROUDINESCO,
2003, p. 14):
A primeira fase é uma família tradicional servindo, sobretudo, para assegurar a transmissão patrimonial. Os casamentos são “arranjados” entre os pais dos futuros esposos, muitas vezes unidos em idade precoce, sem que a vida afetiva e sexual seja levada em consideração. Nessa visão, a célula familiar é imutável, inteiramente submetida a uma autoridade patriarcal, um espelho da monarquia em seu direito divino.
A segunda fase, a família dita “moderna”, aparece no final do século XVIII e meados do século XX. Baseada no amor romântico sanciona a reciprocidade de sentimentos e desejos carnais através do casamento. Valoriza a divisão do trabalho entre os esposos; os filhos têm sua educação assegurada pelo Estado. A autoridade é dividida constantemente entre o Estado e os pais de um lado e entre os pais e as mães de outro.
A terceira fase, família pós-moderna, surgida em meados dos anos 60 do século XX, que une dois indivíduos em busca de relações íntimas ou realização sexual. A transmissão da autoridade fica mais problemática na medida em que os divórcios, separações, composições e recomposições conjugais tornam-se corriqueiras.
No decorrer dos tempos a evolução das sociedades desde o final do século XIX até
meados do século XX os movimentos existentes até então de repressão e exibição da
sexualidade que não se excluem e tem como consequência o modelo edipiano, que de fato é
uma nova organização na família, que tem sua origem na própria sociedade civil, estabelecida
em três fenômenos: a revolução da afetividade, exigindo que o casamento burguês seja
associado ao amor e a revelação da sexualidade feminina e masculina; o lugar concedido ao
filho cujo efeito é maternalizar a célula familiar; a prática sistemática da contracepção, que
dissocia o desejo sexual da procriação, dando uma organização individual da família.
Eis que chega ao mundo a Primeira Guerra Mundial, agonia dos impérios centrais
ainda presos aos restos do feudalismo patriarcal que estava morrendo. Nações contra nações,
uma disseminação criminosa de filhos, pais e irmãos. As mulheres longe do confronto tendo
como referência as cartas vindas do front, onde não se descrevia o horror nas trincheiras e nem
as vidas interrompidas pelo acaso de um projétil. As mães, filhas e irmãs tiveram que aprender
prescindir dos homens cujos sofrimentos estavam nos hospitais ou restos mortais nos
cemitérios. A necessidade de sobrevivência obrigou-as a sair de casa em busca do sustento,
assim começou a emancipação do símbolo mais humilhante da dominação masculina, que lhes
vetava a vida na cidade. Assim sozinhas em meio aos semelhantes, se originaram as crianças da
geração futura, que muitas vezes conheciam os pais somente através das lágrimas das mães em
luto.
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Não bastasse isso, vinte anos depois sobrevêm a Segunda Guerra mundial, que
acabou por arrastar as mulheres ao combate, substituindo os homens na retaguarda das batalhas,
na resistência, incorporadas dotadas de uma determinação que até então era prerrogativa dos
homens. Esta guerra não mais foi uma guerra de canhões baionetas e fuzis, mas, sim uma guerra
de extermínio da humanidade, em nome de uma raça dita eleita. Com os ornamentos
carnavalescos, surge o nazismo, que tinha por objetivo não a eliminação do inimigo, da nação,
mas, a humanidade dita pela própria voz do nazismo como subumanidade. Em nome de uma
raça ariana pura haveria a tentativa de eliminação das mulheres, homens, idosos, crianças,
anormais deficientes, loucos, enfim os “outros”. As mulheres acabaram por entrever entre
Auschwitz e Hiroshima, um anúncio de um novo mundo que as incitava a tomar as rédeas de
sua condição. (Simone de Beuvoir, apud ROUDINESCO, 2003, p. 75):
Não era indiferente ser ariano ou judeu, agora eu sabia mas não percebera que existia uma condição feminina. De repente, encontrei um grande número de mulheres com mais de quarenta anos e que, através da sua diversidade de suas oportunidades e seus méritos, tinham todas passado por uma experiência idêntica: haviam vivido como seres relativos.
Saindo da segunda grande guerra surgiram as técnicas de regulação dos
nascimentos, que substituíram o “coitus interruptus”, e o uso dos preservativos masculinos, as
mulheres tomaram para si o planejamento familiar, com os dispositivos intra-uterinos, a pílula
anticoncepcional e o aborto, conquistaram, a um custo de lutas difíceis, poderes que permitiram
reduzir a dominação masculina e inverter seu curso, seus corpos se modificaram juntamente
com suas aspirações e desejos. Na segunda metade do século XX essas modificações se
aprofundaram, pelas regras da estética e da moda e a uniformidade das aparências corporais,
formaram a grande revolução da condição feminina. Tornaram-se menos rebeldes, menos
histéricas, menos depressivas, tendo como consequência uma afirmação: de que elas se
masculinizavam e que os homens se feminilizavam. Diriam que os filhos destas mulheres
“viris” e desses homens “andróginos” nunca conseguiriam garantir para si uma identidade.
Essas metamorfoses apenas traduziam as angústias de um mundo abalado pelas próprias
inovações.
O divórcio, instituído na revolução, restrito, proibido e finalmente restabelecido,
embora sempre condenado pelos conservadores, sob a alegação que este seria o final da
instituição família, na abolição dos sentimentos e o aniquilamento de toda a vida social. A
família sofria uma desconstrução que a afastava da instituição do casamento, não mais perene.
O direito canônico, necessário à legitimação da união conjugal, de seus filhos, acabou perdendo
seu simbolismo laico frente ao aumento dos divórcios. Este rito festivo antes considerado o ato
fundador da célula familiar passou a ser visto como um contrato mais ou menos duradouro.
Assim dessacralizou-se o casamento e a humanização dos laços de parentesco, a família
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contemporânea frágil, neurótica em desordem buscando um equilíbrio entre homens e mulheres,
a família construída desconstruída e reconstruída busca sua alma incerta.
Os filhos agora possuem dois ou mais pais e mães, criados agora com meios-
irmãos ou meias-irmãs, sob um mesmo teto, porém diferente muitas vezes daquele de origem.
A família “irregular” tornou-se monoparental, as filhas das mães tornaram-se mães solteiras,
não mais colocadas à margem da sociedade, não mais sendo vistas como transgressoras do
casamento, mas, sim como “produção independente”. O divórcio agora corrente ainda era
também uma transgressão, onde as mulheres divorciadas não eram recebidas com bons olhos
nas famílias. As mulheres agora podiam controlar o nascimento dos filhos, os homens podiam
ter filhos em diversos leitos. Essas crianças habitavam famílias coparentais, recompostas,
biparentais, multiparentais, pluriparentais ou monoparentais. Isto não será mais visto como uma
estrutura de parentesco, com a morte do pai não mais se dissemina a cultura dos interditos e das
funções simbólicas. Essa família mais parece uma tribo insólita, uma rede assexuada, fraterna,
sem hierarquia ou autoridade, na qual cada um se sente autônomo ou funcionalizado, tornou-se
o discurso familiar do final dos anos sessenta.
Toda a contestação desta década foi um movimento antiedipiano, anticapitalista e
libertária, uma cultura do narcisismo e do individualismo, a religião do eu. O que Édipo fora
para Freud como o herói conflituoso de um poder patriarcal decadente, Narciso encarnava uma
humanidade sem interdito, fascinada pelo poder da própria imagem, um verdadeiro desespero
de identidade. Surge nesse tempo, homens e mulheres homossexuais prescindindo do coito
vaginal para fundar uma família, agora queriam procriar filhos com uma pessoa da sua escolha.
Nesse meio aparece o progresso da inseminação artificial substituindo as relações sexuais por
uma intervenção médica. Pela primeira vez na humanidade a ciência substituía o homem e a
mulher, trocando o ato sexual por um ato médico. Até então as mulheres podiam conhecer o
prazer sem o risco da procriação, agora “fabricam-se” os filhos livremente, sem prazer ou
desejo. A princípio ainda essas crianças, tinham como genitores seus pais e mães, mas diante da
infertilidade masculina, usou-se o sêmen de um desconhecido. Aperfeiçou-se a inseminação in
vitro, as doenças das trompas e ovários não mais impediam a gravidez nas mulheres, com um
sêmen e um óvulo anônimos, fertilizados em proveta e posteriormente implantados no útero da
mãe. Surgiu ainda na impossibilidade do útero da mãe não ser capaz de abrigar o ente esperado,
a barriga de aluguel. Esta criança, dito assim, originada de um sêmen muitas vezes
desconhecido, um óvulo nas mesmas condições, era abrigada no ventre de uma terceira pessoa.
Se o óvulo fosse da mãe, esta criança locatária de um útero estranho teria duas mães, o se o
sêmen fosse do próprio pai, com um óvulo desconhecido a criança teria três mães. Surgiram
assim projetos que derivam da fantasia da eternidade, ou da inseminação post morten.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pouco mais de um século se passou desde que Freud orquestrou sua composição
teórica da sexualidade, do Édipo, do inconsciente, das histéricas que frequentavam seu gabinete.
Em 1932 Melanie Klein, abrindo o leque da análise infantil esboçada por Freud, publica “A
Psicanálise de Crianças”. A este tempo, ainda a sociedade tradicionalista era baseada no
paternalismo, o homem da casa, o provedor, o interditor supremo, único detentor do falo dentro
da célula mater da sociedade. A mãe, era rainha absoluta dentro deste núcleo, cuidava, tratava,
dava amor e carinho aos seus rebentos e também ao seu senhor.
A sociedade hoje muito mais voltada para um consumismo exacerbado, em
detrimento dos sentimentos, procura avidamente a posse dos bens materiais. A figura paterna
detentora do falo, chefe, proprietário, provedor e mandatário maior desse núcleo básico está
deixando de existir. A mãe, maternal, doméstica e domesticada, o grande seio, organizadora de
seu território, dona absoluta de sua prole, provedora do bem estar, conforto e carinho, em nome
deste consumismo teve que sair de seu reduto maior, para o mundo, em busca das necessidades
de consumo. A família fechada, assim, deixa de existir. Pai e Mãe, nos dias atuais, têm de sair
em busca dos proventos, sustentáculo imprescindível para a estrutura doméstica atual. As
mulheres em particular, saíram de seu lugar comum de dona de casa e mãe prestimosa, para as
ruas. Formam uma força de trabalho que se equipara ao homem. Muitas se tornaram detentoras
absolutas do falo. Até poucas gerações atrás ─ cerca de vinte anos mais ou menos ─ ainda
existia um elo familiar composto pelo núcleo precedente, os avós, que ainda baseados naquela
estrutura anterior se encarregavam do auxílio na formação dos grupos familiares de seus filhos.
As crianças, ainda tinham uma relação familiar mais fechada. Os avós de hoje,
ainda relativamente jovens, estão também mergulhados em batalhas quixotescas. Os filhos,
quando elas se permitem tê-los são em número reduzido, sendo o filho único, na maioria dos
lares pós-modernos, um lugar comum. Esses filhos, desde muito cedo, são colocados em
creches, escolinhas maternais, ou ainda se as posses materiais forem suficientes, com uma babá,
praticamente em tempo integral, e as figuras parentais necessárias ao desenvolvimento desses
filhos, tornam-se ausentes. Pode-se dizer que essas figuras são simples coadjuvantes na
biografia dessas crianças, chegam a seus lares ao anoitecer, encontram os filhos já devidamente
alimentados e higienizados, prontos para o sono da noite, tornando-se assim meros visitantes
noturnos e de finais de semana. O grande outro (A), foi substituído por vários outros (a),
deixando de ser referência no correr da vida infantil. Some-se a isso outros fatores tais como a
adoção quando a mãe não pode deixar que o período de gravidez, licença maternidade, etc.,
torne-se um transtorno em sua vida profissional. O desenvolvimento da engenharia genética
que permite, por exemplo, a fecundação in vitro, a inseminação artificial e a barriga de aluguel,
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não podem deixar de pesar nas decisões de formação deste pseudo núcleo familiar. As uniões
desfeitas e as mães solteiras, às vezes ainda adolescentes ― por opção própria ou por acaso ―
deram azo ao surgimento do filho criado por somente um dos pais ou mesmo por vários pais, ou
ainda pelos avós, tornando-os irmãos da mães ou do pai. A adoção de crianças por
homossexuais é uma realidade.
Outro peso muito grande, colocado num dos pratos desta balança vivencial, é a
quantidade maciça de informação que invade os lares pelo computador, televisão, celular, I pod,
Ipad, tablet, etc. Como babá eletrônica, esses meios de comunicação tornam-se formadores de
padrão de conduta e educação, nem sempre em acordo com a realidade e os padrões sociais de
um lar. O padrão “Globo” de comportamento tornou-se um formador do desenvolvimento da
personalidade.
Qual seria o resultado do somatório de todos esses fatores?
Aquele Édipo clássico “Freudiano” em que o pai ou a mãe formam as figuras do
desejo e do interdito para os filhos estão gradativamente sendo substituídos por outras figuras, e,
portanto a resolução edípica em cuja dependência estão as neuroses, foi profundamente
modificada, de tal forma, que a neurose obsessiva passou a ser a tendência natural nesse nosso
tempo. Os sentidos são inundados por estímulos de consumo, posição social, comportamento,
etc., conduzindo a uma obsessão. As crianças hoje, não são mais crianças, passam pela infância
sem percepção do que é ser criança. Nesta sociedade Darwiniana, onde a lei do mais forte
impera, a seleção “artificial” baseada nas melhores formações possíveis, não dão mais tempo do
viver da infância. As crianças hoje vão para a escola, aprendem outro idioma, frequentam
academia, praticam esportes, fazem dietas, possuem e pertencem a um mundo virtual, aonde a
competição por um lugar precede todas as outras necessidades. É o competir pela vida. Se,
estão nos lares, durante o pouco tempo que lhes sobra depois de tantas atividades, estão isoladas
em um mundo particular, no formato da tela de um computador.
Não mais têm tempo de espreitar seus pais, de desejá-los incestuosamente, de
competir com um e com outro pela atenção. São crianças vazias de conteúdo, não conseguem
mais escrever com uma caneta esferográfica. Estão preocupadas em vencer sempre: em vencer
no vídeo game virtual, a vida tornou-se virtual é apenas mais um jogo a conquistar. O padrão
de conduta mudou, a competição é cada vez mais acirrada, cada vez mais a escassez de
empregos está à espreita para liquidar os mais fracos. O raciocínio e o pensamento deixaram de
ser analógicos e passaram a ser digitais, é o mundo dos bits e dos bytes, é zero ou um, morto ou
vivo, dentro ou fora, não existe mais meio termo.
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Nas raras vezes em que procuram os pais, muitas vezes esses pais não são os
mesmo de antes, dormem em uma casa e acordam em outra, ao lado de um pai ou mãe estranho,
com irmãos que só são irmãos pela metade, e, que até ontem não conheciam. Aquele que a
criança chamava de papai ou mamãe agora é um estranho, em quem o papai ou a mamãe estão
aos abraços e beijos. Não importa a classe social em que vivem, A, B, C ou D; o ambiente
circunvizinho da criança é apenas um ambiente que beira a promiscuidade. A sexualidade,
elevada a seu máximo grau, não permite uma passagem pela infância e adolescência mais ou
menos tranquilas. O cotidiano hoje é uma série de ficar, de relações amorosas anônimas onde
muitas vezes nem o nome do parceiro se sabe. A luta pela conquista do sexo oposto foi
banalizada a tal ponto que não mais importa quem, quando nem o por quê?
Quando Freud estruturou seu complexo de Édipo, estava baseado na sociedade do
nascente século XX, como será que ele construiria esta estrutura no nascer do século XXI? As
referências não mais existem, os parâmetros são agora completamente desvirtuados, como fica
agora a diferença entre os sexos, a angústia de castração, se hoje tanto meninos quanto meninas
possuem falo e usam dele como quem usa de um brinquedo. Onde estará a resolução do Édipo
tão cantada e estruturada para uma vida mais ou menos normal. O Édipo hoje está morto. As
novas gerações, as atuais, estão de uma maneira geral naufragadas nesse mundo irreal. Assim o
que sobrará quando estas crianças tornarem-se adultos? Não há que se perguntar que mundo
estaremos oferecendo aos filhos, mas sim que filhos estaremos oferecendo ao mundo.
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