edição nº 236
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Jornal Universitário de Coimbra A CABRA - Edição nº 236TRANSCRIPT
JorNAL UNIvErsITárIo DE coImbrA
acabra
8 DE NovEmbro DE 2011 • ANo XXI • N.º 236 • QUINZENAL GrATUIToDIrETor cAmILo soLDADo • EDITorEs-EXEcUTIvos INês AmADo DA sILvA E João GAspAr
“A equação da
inovação”
Uma ideia para o
Ensino Superior
por J.Norberto Pires
Pág. 20
CeM ANOs De FCtuC
Condicionados pelas dificuldadeseconómicas que se fazem abatersobre as famílias, muitos estudantesda UC passam por privações. Tam-bém o novo regulamento de bolsas,sucessor do decreto-lei 70/2010, vemretirar a ainda mais estudantes o di-reito de receber este apoio que, paramuitos, se revela essencial para a per-manência no ensino superior. Quemdeseja ficar é, cada vez mais, obrigadoa definir estratégias e encontrar al-ternativas de financiamento.
DestAque
O sufoco financeirodos estudantes
A comemorar a sua 18ª edição oFestival Caminhos do CinemaPortuguês, apresenta-se de 9 a 17de novembro ao público com maisde 150 filmes. Com uma maiorparticipação do público na vota-ção, o evento, entre documentá-rios, curtas e outros géneros, traza Coimbra películas como “OBarão” de Edgar Pêra, “Viagem aPortugal” de Sérgio Tréfaut ouainda “Cisne” de Teresa Villa-verde.
CAMINhOs
Um adulto festivalde cinema português
Pág. 2 e 3 Pág. 7
Estudantes presentesna greve geral dia 24de novembro, apósdecisão em MagnaNa AM de ontem, 7, ficou decidida a presença dos estudantes
de Coimbra na manifestação de 24. Eleições para os corpos
gerentes da AAC marcadas para os dias 28 e 29
presença dos estudantesde Coimbra na greve geralconvocada pelas centraissindicais, CGTP e UGT,
para o próximo dia 24 de novembro,foi deliberada ontem,7, em Assem-bleia Magna(AM). A decisão resultoude uma moção proposta pela
DG/AAC aprovada por larga maioria,numa intenção de demonstrar o de-sagrado dos estudantes face aos cor-tes anunciados para o ensinosuperior.
Também em AM ficou acordadoque as eleições para os corpos geren-tes da ACC vão realizar-se nos dias 28
e 29. Ao contrário do que vem sendohabitual, este ano as eleições nãoterão período de reflexão, devido àaprovação de uma moção apresen-tada em Magna. Dia 24, face à pre-sença dos estudantes na greve geral,não haverá campanha eleitoral.Pág.5
A
Plataformas como o Puzzled ByPolicy surgem como instrumentospara ajudar a uma melhor infor-mação dos cidadãos. Numa con-juntura de crise a informaçãotorna-se vital para um real exercí-cio da cidadania, em que os mediasão fundamentais para um conhe-cimento económico-social das po-pulações.
CIDADANIA e INFORMAçãO
É preciso informaçãopara exercício cívico
Pág. 17
A Faculdade de Ciências e Tecnolo-gia da Universidade de Coimbra ce-lebra um século de existência desdeda reforma republicana de 1911, queuniu as Faculdades de Matemáticae Filosofia, criadas pelo Marquês de
Pombal. O último século de ensinoé indissociável da reforma pomba-lina, que introduziu o ensino expe-rimental e modernização dosplanos de estudo e descobertas in-ternacionais, como o lítio.
A faculdade que se diz das ciências assinala o seu centenário desde a reforma republicana de 1911
Pág.14
Pág.10
Pág. 12 e 13
fe
lip
e g
re
sp
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Linhas ferroviárias abandonadase agora suspensas
PET do atual governo prevê suspensãodas linhas do Oeste e Vouga
no próximo anoMais informação em
acabra.net@
As secções desportivas reclamampelo esforço que fazem, todos osanos, para manter as condições doestádio, quando surge a notícia deque o estádio universitário vai pas-sar a ser pago. A medida, votada emConselho Geral da Fundação Cultu-ral da Universidade de Coimbra e
que já motivou as demissões doselementos do Conselho Desportivoda Associação Académica de Coim-bra da comissão de gestão do Está-dio Universitário de Coimbra , vaientrar em vigor já no próximo mêsde janeiro.
Princípio “utilizador-pagador” no Estádio Universitário
olga juskiewicz
2 | a cabra | 8 de novembro de 2011 | terça-feira
deStAque
O que a CRISE es
ingresso no ensino superior– com todas as dificulda-des que acarreta – já não éuma garantia de estabili-
dade. Aos constrangimentos que osjovens têm de contornar, soma-se,agora, um cenário de asfixia finan-ceira, no qual o estudante, com ousem apoio, tem de movimentar-se.
Espelho da crise económica queafeta as famílias, os jovens enfrentamlimitações agravadas pelas novas res-trições no âmbito da atribuição debolsas, bem como pela impotênciados serviços de ação social (SAS).Serviços esses que estão menos hu-manizados desde que em abril, pordespacho do ex-ministro da ciência etecnologia e ensino superior, Ma-riano Gago, é obrigatório que os SASprocessem as candidaturas às bolsasatravés da plataforma da direção-geral do ensino superior, ao invés detodo o processo ser tratado direta-mente nos serviços.
As perspetivas de futuro, condicio-nadas, desta forma, pelas posses eco-nómicas, passam pela intenção deabandonar um país que não garanteas condições necessárias para a me-lhoria do nível de vida dos estudan-tes. Apesar de preferir que Portugal“oferecesse condições de trabalho aosseus jovens”, o secretário de estadodo ensino superior, João Queiró,afirma que “havendo a atual situaçãode desemprego” é possível que “hajadiplomados que procurem essa opçãonoutros países”. No entanto, o secre-tário de estado tem dúvidas quanto àexpressão “fuga de cérebros”, pois“não há dados concretos”, mas reco-nhece que é “bem visível” que se estáa assistir a “uma fase de procura demelhores condições de vida” no es-trangeiro.
O ensino universitário atravessa,assim, uma etapa
crítica – etanto as
univer-s i d a d e s
como os estudantesfazem escolhas e poupanças
para sustentar a situação de crise.João Queiró acredita que, antes de asituação económica do país melhorar,“ainda vai piorar um bocado”.
Estudantes e SASfragilizadosNo ano letivo de 2010/2011, menos12 mil estudantes do ensino superiorreceberam bolsade ação sociale s c o l a r(ASE) emrelação aoano ante-rior. Devidoao regula-mento deatribuiçãode bolsas,e s t i p u l a d opelo decreto-lei70/2010, o factode os rendimentosfamiliares ultrapas-sarem os valores de-finidos fez comque 32 porcento dose s t u d a n t e svissem o seu pe-dido de bolsa inde-ferido. Também 19por cento dos candi-datos a bolsa nãoapresentou um nú-mero suficiente decréditos efetuados noano anterior.
Nesse ano, os Serviços de Ação So-cial da Universidade de Coimbra(SASUC) viriam a indeferir mais 700bolsas de ASE que no ano anterior,constituindo uma quebra de 35 porcento no número de bolsas atribuí-das. Para o presente ano letivo, asperspetivas não parecem melhorar.
João Queiró defende medidas maisrigorosas no que toca ao aproveita-mento escolar. Se no ano passado osECTS a realizar por um estudante de-veriam totalizar os 50 por cento, se-gundo o novo regulamentoapresentado pelo Ministério da Edu-
cação e Ciência, esta percentagemsobe para 60 no ano letivo2012/2013.
Apesar de o processo de atribui-ção não estar ainda concluído, pers-
petiva-se que, a nível nacional, cercade dez mil alunos possam vir a per-der o apoio para estudar, a maioriadevido ao fim do regime transitório,em vigor no ano anterior (que con-sistiu em atribuir a bolsa mínima aquem não preencheu os requisitos se-gundo o decreto-lei 70/2010). Aindaassim, João Queiró considera que a
estimativa de dez mil alunos é um nú-mero “exagerado”.
Como avança o jornal Público, emtodo o país, “os indeferimentos deve-rão chegar quase aos 30 por cento, onúmero mais alto dos últimos anos”.Contrapondo-se aos cálculos, o ad-ministrador dos SASUC, Jorge Gou-veia Monteiro, afirma que “écompletamente prematuro fazer esti-
mativas de quantosalunos vão ficar
sem bolsa esteano porque há
um cruza-mento de mui-
tos fatores quese alteraram”.
Segundo o admi-nistrador, no ano
passado, cerca de800 estudantes re-ceberam bolsa emCoimbra ao abrigodeste regime transi-tório.
É também emCoimbra que se vai
operar o maiorcorte nos servi-
ços de açãosocial. Se-
g u n d oGouveiaM o n -teiro, a
v e r b ac o n s i g -
nada peloOrçamento do
Estado (OE) paraos SASUC, passa de 5,5 milhões deeuros (verba que se mantinha há qua-tro anos seguidos) para 4,84 milhõesde euros. Ainda que o OE para 2012atribua aos serviços de ação social daUC a verba mais elevada dos SAS dopaís, as situações de carência e até deabandono do ensino superior pare-cem multiplicar-se. Face às desistên-cias, o administrador dos SASUCgarante que o número de 600 aban-donos da UC que se registou até feve-reiro de 2011 não pode ser usadocomo indicador por não ser preciso.“As anulações têm muitas outras ra-zões”, refere Gouveia Monteiro, queacredita que “o grande sinal de aban-dono são os estudantes que desapa-recem e não se voltam a matricular,nem nesta, nem noutra universidade,não tendo concluído os estudos”. Oadministrador lembra a importânciade um estudo que faça “esta despis-tagem de forma muito mais organi-zada, para se poder perceber qual é ovolume daqueles que desaparecemdo sistema de ensino superior”.
O
Foi em 2010 que as regras de atribuição de bolsa mais privaram
aceder a este apoio. Somando a atual conjuntura socioeconómic
permanecer no ensino superior. Por Inês Amado da Silva, An
Ilustrações de tIago dInIs
8 de novembro de 2011 | terça-feira | a cabra | 3
deStAque
stá a tirar aos ESTUDANTES
Bárbara Antunes: “O meu pai diz que o curso é a herança que deixa”Estudante do segundo ano de Psicologia, Bárbara Antunes tem 20 anos.
É para ir a casa que, todas as semanas, diz poupar 10 euros do seu di-nheiro – porque ir a casa “faz falta”, e trabalha ao sábado num café de Viana do
Castelo, a sua zona. “Se trabalhar as oito horas de todos sábados do mês, consigo 50euros”, conta.
O pai, reformado, mantém uma pequena empresa que gera prejuízo; a mãe man-tém dois empregos, com os quais consegue 800 euros ao fim do mês. A
irmã está também no ensino superior (ES). Sempre lhe recusarambolsa: “quando me dizem que os meus pais têm rendimentos
a mais acho que está tudo maluco. É ridículo”. Quanto ao futuroprofissional, admite ser necessária adaptação e disponibilidade
para o que vier, “temos que nos sujeitar”. Nunca equacionou deixar deestudar: “o meu pai diz que o curso é a herança que deixa”, conta Bár-
bara - mas assegura que “o ES é cada vez mais para quem tem dinheiro”.
Ana Garcia: Quanto ao futuro, “não dá para ter uma visão positiva”A preocupação de tirar boas notas foi o motivo que a levou a re-petir o primeiro ano de Direito, que diz ser um curso “dispen-dioso”: “os livros todos para o semestre rondam os 150/200 euros”.Agora no segundo ano, “como, à partida, não tenho os 50 créditosexigidos, não terei bolsa”. É por isso que, de há três semanas paracá, trabalha num call center. Filha de pais divorciados, afirma que o pai, apesar de não ganhar“propriamente mal”, é consumido pelo valor do empréstimo à ha-bitação. A mãe está desempregada depois de a fábrica onde tra-balhava ter fechado. Recebe a bolsa mínima, valor que lhe paga oalojamento na residência e tem cortado “naquilo que, no fundo,não é essencial” (concertos, cd's). E assegura que, quanto ao futuro,“não dá para ter uma visão positiva quando se está a par do queacontece atualmente”.
Sofia Peres: Os SASUC aconselharam-na a desistir dos estudosSofia Peres vive dos abonos, da pensãoda avó, e dos trabalhos que a mãe fazocasionalmente. Ficou sem bolsaaquando da alteração das regras deatribuição, por estas não terem emconta as mudanças de curso. Este anovoltou a concorrer, mas um erro naavaliação das dívidas na segurança so-cial deixou o processo pendente.Confrontados com o seu “complicado”processo, os SASUC aconselharam-naa desistir dos estudos. Indignada pela
falta de apoios sociais, conseguiua ajuda do fundo do Justiça e
Paz que incumbe nos seusmembros o princípio de“retribuir e ajudar outrosalunos que estão namesma situação”, explicaa jovem de 19 anos.Com um bom aproveita-mento escolar e planospara montar o seu pró-
prio negócio, a aluna dosegundo ano de Estudos Artísti-
cos vê os seus horizontes limitadospelos constrangimentos económicos.“Já ponderei deixar de estudar quandoas coisas estavam mesmo difíceis”,lembra Sofia, que aponta a “incompe-tência na maneira como os SASUC ava-liam os processos, dos quais estãogeralmente sobrecarregados” comomotivo da má avaliação dos casos.
Tiago Cruz: “Aminha situaçãonão me permitepagar todas as despe-sas”Todos os dias de aulas, oestudante do ter-ceiro ano de di-reito faz ocaminho entreFigueira da Foz ea faculdade poisnão tem alojamentoem Coimbra. Apesar deter recebido bolsa noprimeiro ano, assim nãofoi no segundo e poruma cadeira ficou de forado sistema de atribuição de bolsas. Noentanto, com o rendimento do agre-gado familiar de uma empregada do-méstica e dois irmãos a estudar noensino básico, Tiago Cruz não se man-teria no ensino superior sem o InstitutoJustiça e Paz. “A minha situação nãome permite pagar todas as despesasinerentes à frequência no ES”. O estu-dante poupa em tudo o que pode:“evitar refeições fora das cantinas, tra-zer comida de casa, pedir livros em-prestados ao invés de os adquirir eandar a pé” são apenas algumasdas medidas paraTiago conseguircortar. Aúnica des-pesa men-sal fixa éo passesocial queusa parase deslo-car entrea Fi-gueira eC o i m -bra.
Filipe Salazar: “Não sei se vai ser
possível voltar”Sem bolsa no segundo ano de Jorna-lismo, com o pai desempregado háano e meio e a perda de um dos em-pregos da mãe, Filipe Salazar, com 20anos, congelou a matrícula quandodevia estar a frequentar o último anoda licenciatura. Residente na Maia, oestudante sentiu que “as coisas emcasa estavam muito apertadas” e nãose sentiria bem se não ajudasse. Depoisde já ter acumulado dois empregos eum deles ter fechado, Filipe trabalhanuma empresa de telecomunicaçõesna área do telemarketing em regime depart-time. O irmão mais velho tem 22anos e também trabalha, nunca tendotido hipótese de frequentar o ES. En-
quanto estudava emCoimbra, Filipe candi-datou-se às residênciasuniversitárias, sem su-cesso. O próprio re-vela que houve finsde semana em queos 50 euros de orça-mento semanais en-curtavam para 30 eficava sem ir a casa.“Tenho perspeti-vas de voltar”,
conta, “masnão sei sevai serpossível”.
Rosa Cardoso: “Preciso mesmo de ser independente”A frequentar o 5º ano de Medicina, Rosa Cardoso diz não passar fome nem lhefaltarem bens essenciais. “Tenho muitas amigas que me estão sempre a oferecerajuda”, conta. A estudante de 23 anos revela encontrar-se numa situação familiarcomplicada, que não lhe permite contar com ajuda dos pais, apenas com a dostios. A bolsa de cerca de 400 euros que lhe era atribuída passou para o montantemínimo: “o que é que eu vou fazer à minha vida, isso é impossível”, terá recla-mado nos SASUC, e a resposta que obteve foi que “há pessoas em situaçõesbem piores”. Entretanto, Rosa tem evitado as idas a casa ao fim-de-semana, emGuimarães. Vive numa residência, admitindo que lhe seria impossível pagar umquarto. “Comer na cantina ainda fica um bocadinho caro, tento fazer o máximopossível de refeições em casa”, conta também. O seu maior objetivo é poder sus-tentar-se “sem ter que recorrer a outras pessoas”: “preciso mesmode ser independente”.
Estudante de Direito: “Tenho medo que os meus pais medigam para desistir por não poderem pagar”Sem bolsa desde o ano passado, por não ter comple-tado os requisitos de aproveitamento escolar, a estu-dante de 20 anos do curso de Direito, que não se quisidentificar, voltou este ano a candidatar-se após tercompletado as cadeiras em falta. A “lenta verifica-ção das candidaturas à bolsa” faz com quetenha de fazer alguma ginástica financeirapara pagar propinas, rendas e material es-colar.Com ambos os pais a trabalhar com o ordenado mínimo nacional, ajovem de Leiria gasta algum dinheiro em deslocações e confessa evitar fazer al-
gumas viagens a casa. “Tenho medo que os meus pais medigam para desistir por não me poderem pagar os estu-dos”, confessa, explicando que tem de gerir um orça-mento mensal reduzido.A sua prioridade é acabar o curso e ter um empregoem concordância com as possibilidades económicas-tendo em conta o “desemprego” que a fará deixar
de lado a vontade de ser advogada.
Ruben Viegas:“No centro comercial, 70 porcento dos trabalhadores são licenciados”O seu futuro será fora do país. “É frustrante umapessoa andar a estudar 17 anos de uma vida para receber o ordenadomínimo”, justifica o estudante de 21 anos, a frequentar a licenciatura emAdministração Publico-Privada (APP). Candidatou-se a bolsa quando en-trou no ensino superior. “Entretanto o meu pai ficou desempregado e foi-me concedida a bolsa”, recorda. Na segunda matrícula, Rúben não obtevebolsa porque o ano de adaptação lhe correu “um bocado mal” e fez menosuma cadeira do que as necessárias para atingir o aproveitamento escolar. O estudante deAPP viu o seu pedido para a bolsa indeferido e começou a trabalhar. “Não foi uma ob-rigação mas ajudou bastante”, lembra. O estudante trabalha em regime part-time numcentro comercial onde garante que 70 por cento dos seus colegas são licenciados.
Nuno Margarido: “Mais do que uma instituição para gerir, os SASUC devem seruma instituição para cuidar”“Se não tivesse vindo para a faculdade poderia ter um futuro melhor, e não teriaestas preocupações”, defende Nuno Margarido, 23 anos, a frequentar o últimoano em Direito. O jovem acredita que há dois tipos de estudantes para doistipos de ensino superior público.À espera de saber se vai ser admitido na residência a que se candidatou, vive a
“situação embaraçosa” de morar com os amigos. Com uma irmã mais nova aindano ensino secundário, o pai desempregado e a mãe a ganhar pouco mais que o or-
denado mínimo, sente-se como apenas “mais um número” nas listas dos SASUC.Um dos constrangimentos que ultrapassa é a “vergonha” de não poder comprar os li-vros pedidos pela licenciatura. Considera a hipótese de ir trabalhar para o estrangeiro.Propõe ainda que os estudantes possam trabalhar nas cantinas, e outros espaços daUC, sem prejuízo na bolsa, afirmando a sua convicção de que os SASUC, “mais do
que uma instituição para gerir devem ser uma instituição para cuidar”.
Foi em 2010 que as regras de atribuição de bolsa mais privaram os estudantes de a receber. O novo regulamento vai cortar ainda mais o número de estudantes que podem
aceder a este apoio. Somando a atual conjuntura socioeconómica, são cada vez mais aqueles que passam dificuldades e se vêm obrigados a encontrar estratégias para
permanecer no ensino superior. Por Inês Amado da Silva, Ana Francisco e Camilo Soldado
4 | a cabra | 8 de novembro de 2011 | Terça-feira
EnsIno suPErIor
Dos cartazes aos autocolantes Apesar de ainda não ser semana oficial de campanha, os projetos apostam já na
divulgação das suas ideias. Por detrás da difusão trabalham equipas com
estruturas diferentes, que se adequam ao orçamento disponível. Por Inês Balreira
poucos dias dos estudan-
tes da Universidade de
Coimbra (UC) serem cha-
mados às urnas para escolher os
novos corpos gerentes da Associa-
ção Académica de Coimbra (AAC),
os projetos já conhecidos ultimam
os pormenores para os tempos de
campanha que se avizinham.
Situada no número 91B da Ave-
nida Sá da Bandeira, fica a sede do
projeto “Desperta a Academia”. O
espaço, bastante amplo, era uma
antiga sucursal da Caixa Geral de
Depósitos, que se encontrava fe-
chado há mais de 10 anos. A sede
divide-se numa sala espaçosa,
onde se realizam as reuniões, e em
duas mais pequenas: uma sala en-
vidraçada para algumas das reu-
niões e outra, que funciona como
espécie de gabinete.
Os outros projetos já conheci-
dos – “Liga-te à Academia” e
Frente de Acção Estudantil (FAE)
– não têm ainda sede definida. Ri-
cardo Morgado, da “Liga-te à Aca-
demia” conta que tinham um sítio
certo para a sua sede, contudo, de-
vido a problemas, tiveram que
pensar numa segunda opção, que
ainda está a ser pensada. “O local
carecia de uma licença e não nos
quiseram emprestar o espaço”, ex-
plica. Por sua vez, Manuel Afonso,
elemento da FAE, conta que tam-
bém ainda não encontraram um
sítio para a sede. “Pedimos aos
Serviços de Acção Social da UC
uma sede permanente, mas eles
ainda não deram resposta. Apenas
nos disponibilizaram as cantinas”,
afirma.
Organização da campanha Por detrás de toda a divulgação
trabalha um conjunto de pessoas,
cuja organização vai variando de
projeto para projeto. No caso da
FAE, a equipa funciona por plená-
rio em que estão presentes todos
os membros. “Nunca começamos
a trabalhar do zero, tudo o que são
ideias já vêm de trás”, esclarece
Manuel Afonso. Sílvia Franklim,
também membro da FAE, conta
que para hoje à noite, dia 8, está
convocada uma reunião aberta
para todos os que queiram parti-
cipar no projeto.” Depois da reu-
nião vamos articular a questão da
lista, do programa e da campa-
nha”, acrescenta a estudante.
No projeto de Ricardo Morgado
existe um encarregado pela divul-
gação em cada faculdade. “O res-
ponsável trabalha com o diretor
de campanha, é assim que o ma-
terial é distribuído e as coisas fun-
cionam”, adianta o representante
da “Liga-te à Academia”. Contra-
riamente, a “Desperta a Acade-
mia” não tem diretor de
campanha, como esclarece o seu
representante, André Costa. “As-
sentamos no princípio de que
todos devem participar nas deci-
sões e na equipa de campanha.
Assim sendo, o nosso projeto não
tem diretor de campanha, tem
uma equipa coordenadora, de 19
elementos”, explica. Tal como a
“Liga-te à Academia”, a “Desperta
a Academia” tem um elemento da
equipa em cada faculdade e ainda
alguns elementos para funções es-
pecíficas, como a comunicação in-
terna e externa e o trabalho
gráfico.
Financiamento para asatividadesEm tempos de crise também os
projetos têm que encontrar for-
mas de se auto financiar. “Somos
um movimento que não é finan-
ciado, não temos apoio de ne-
nhuma juventude partidária nem
de nenhum lobby económico”, as-
severa André Costa. O estudante
revela que desenvolveram um sis-
tema de três níveis de financia-
mento: o primeiro provém do
contributo pessoal dos elementos;
o segundo é fruto de iniciativas
próprias, como jantares de projeto
ou a venda de postais aos turistas
durante o mês de agosto; o ter-
ceiro provém do que conseguem
ao mobilizar a sociedade, os co-
merciantes, a família e amigos.
Por sua vez, Ricardo Morgado
garante que os lucros conseguidos
até agora pelo seu projeto advêm
de “um esforço de equipa”, mas
que futuramente vão poder usu-
fruir do ‘plafond’ disponibilizado
pela AAC. “Estamos em crise, não
podemos andar a esbanjar di-
nheiro numa campanha, quando
esta vale cada vez mais pelas suas
ideias”, afirma o estudante. Sílvia
Franklim explica também que o fi-
nanciamento que têm conseguido
provém das coletas que fazem no
fim das reuniões. A estudante
acrescenta ainda que futuramente
contam também com a verba dis-
ponibilizada pela AAC.
A
O projeto “Desperta a academia” é o único com sede já definida
“Não podemos
esbanjar dinheiro na
campanha quando
esta vale cada vez
mais pelas ideias”
Pré-CamPanha eleitoral Para os CorPos gerentes da aaC
Inês BalreIraInês BalreIras
Inês BalreIra
Novo senadorda FLUC eleito a 12 dedezembro
No próximo dia 12 de dezembro os
estudantes da Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra (FLUC)
vão escolher o seu novo represen-
tante para o Senado Universitário.
Desde o início do ano letivo que a
FLUC não tem representatividade
orgão.
A senadora eleita o ano passado,
Diana Taveira deixou de ser aluna da
UC, encontrando-se a frequentar o
mestrado em Lisboa. Como tal, a es-
tudante teve de renunciar o cargo ao
fim do primeiro ano, que deveria ser
ocupado por um dos suplentes da
lista – Fábio Pereira e André Mendes.
Porém, nenhum dos dois aceitou o
cargo.
Diana Taveira explica que quando
se candidatou sabia que poderia ter
de abandonar o Senado, no entanto
“estava descansada” uma vez que os
suplentes “comprometeram-se a ocu-
par o lugar, o que acabou por não
acontecer”. “Eu ia informando-os das
reuniões para estarem a par dos as-
suntos quando um deles tivesse que
assumir o cargo”, acrescenta. O pri-
meiro suplente, Fábio Pereira, afirma
que a situação foi inesperada. “Já sa-
bíamos que a Diana iria sair, da
minha parte sugiram problemas e
não consegui aceitar as funções, as
razões do André não as sei”, explica o
estudante. Fábio Pereira revela ainda
o seu desconforto perante a situação:
“acho que é triste termos saído assim,
porque nos candidatámos para de-
fender os interesses dos estudantes
da FLUC e não conseguimos”.
O coordenador geral do pelouro da
Política Educativa e também respon-
sável pelo pelouro da Ligação aos Or-
gãos, Samuel Vilela, explica que o
esperado nesta situação é que “sejam
convocadas eleições intercalares para
cumprir o ano de mandato que falta”.
Samuel Vilela adianta que as eleições
vão ser convocadas hoje pela reitoria
e vão decorrer no dia 12 do próximo
mês. O coordenador diz ainda ter co-
nhecimento da renúncia dos dois su-
plentes, inclusive questionou André
Mendes acerca da possibilidade de
aceitar o cargo até novas eleições,
sem resposta positiva até ao mo-
mento. “Acho que é grave nenhum
dos dois ter assumido o cargo e se a
intenção não era de continuar, que o
assumissem até haver eleições para
manter a representatividade da fa-
culdade”, acrescenta Samuel Vilela.
Até ao fecho da edição não foi pos-
sível contactar o segundo senador su-
plente, André Mendes.
Inês Balreira
8 de novembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 5
EnsIno suPErIor
6Eduardo Melo
O mandato da atual direção-geral da Associação Acadé-mica de Coimbra (DG/AAC)tem sido pautado por suces-sivas demissões. Porém, opresidente da DG/AAC ga-rante que não se vive umclima de instabilidade.
Na semana que passou houve
mais uma demissão, a do tesou-
reiro. Miguel Andrade afirmou
que se “sentia perseguido pela
falta de confiança” desde que
iniciou funções. Porque é que
existe uma falta de confiança
entre os elementos da tua
equipa? Essa falta de confiança não
existe dentro da minha equipa. A
única questão relativamente ao Mi-
guel prendeu-se com algumas falhas
técnicas que eu tive a oportunidade
de explicar. Acho muito estranho que
alguém queira provocar um caso des-
tes e referir-se a perseguição política,
fazendo-o publicamente da maneira
que o fez e que é assessorado pelo as-
sessor de uma lista candidata à DG.
O clima de instabilidade que
se vive na DG/AAC pode ser mo-
tivo para uma falta de confiança
dos estudantes nos seus diri-
gentes e um consequente afas-
tamento da AAC? Eu percebo que
as pessoas possam achar isso não co-
nhecendo a realidade, mas não é isso
que se passa. Acredito que neste mo-
mento se possa tentar colar a imagem
de instabilidade e percebo que isso
seja vantajoso para alguns. Acredito
que os estudantes saberão fazer esse
julgamento e saberão compreender
que nenhuma decisão é tomada com
leviandade, mas sim como forma de
proteger os seus interesses.
Quem é que vai ocupar o
lugar de tesoureiro? Philip San-
tos? Eu requeri ao Conselho Fiscal
indicação sobre o procedimento para
substituir o tesoureiro. Só depois de
ter essa indicação é que poderei rea-
lizar essa substituição. Poderá ser o
Philip como poderá não ser…
O facto de já vários elemen-
tos da DG/AAC acumularem
cargos pode prejudicar as fun-
ções para que foram inicial-
mente designados? Não acredito
nisso. Se assim fosse e se prejudicasse
as suas funções já teria havido outro
tipo de reorganização. Isso não se ve-
rifica e estamos descansados quanto
à atuação do Samuel Vilela e do João
Pereira.
Como é que vês os três pro-
jetos que já se apresentaram
como candidatos aos corpos ge-
rentes da AAC? Até este momento
não conheço o conteúdo dos três pro-
jetos. Sei apenas que, se houver a ten-
tação de criticar esta DG, cá estarei
para a defender. Obviamente tenho
as minhas opiniões, mas guardo-as
para mim. Acho que os estudantes
conseguem avaliar os projetos e es-
colher o melhor para a AAC.
O que esperas da próxima
DG/AAC, independentemente
da lista que ganhar? Espero uma
DG com uma postura cada vez mais
preocupada com a defesa dos direitos
dos estudantes, que seja capaz de
dizer que a AAC está presente e tem
ideias concretas para o desenvolvi-
mento da nossa sociedade. Penso que
será necessário ao longo do próximo
ano intensificar ainda mais a postura
reivindicativa da AAC.
Inês Balreira
“Acredito que se tente colar a imagem deinstabilidade e que seja vantajoso para alguns”
Presidente da Direção-Geralda Associação Académica de
Coimbra
Estudantes na greve geral dia 24 Manifestação do dia 24
vai contar com a
presença dos estudantes
de Coimbra. Em AM
ficaram marcadas as
eleições para os corpos
gerentes da AAC,
dia 28 e 29
Por deliberação da Assembleia
Magna (AM) realizada ontem, 7,
os estudantes da Universidade de
Coimbra (UC) vão sair à rua no
próximo dia 24 de novembro. A
Associação Académica de Coim-
bra (AAC) associa-se, assim, à
manifestação do dia da greve
geral de trabalhadores, convocada
pelas centrais sindicais CGTP e
UGT, em Lisboa. A decisão re-
sulta de uma moção proposta pela
direção-geral da AAC (DG/AAC),
como forma de demonstrar o des-
contentamento dos estudantes
face à atual conjuntura económica
e social do país, mas principal-
mente aos cortes já anunciados
para o ensino superior (ES). O
coordenador-geral do pelouro da
Política Educativa, Samuel Vilela,
salienta que esta não deve ser
“uma iniciativa isolada por parte
dos estudantes”.
A concentração está agendada
para as 15 horas no Largo Mar-
quês do Pombal, tendo como des-
tino final uma manifestação em
frente à Assembleia da República.
O presidente da DG/AAC,
Eduardo Melo, afirma que os es-
tudantes vão seguir o curso nor-
mal da manifestação, mas não
pode confirmar se os estudantes
se vão juntar desde o início aos
trabalhadores devido a questões
logísticas.
Um dos vários elementos do
quórum a congratular a iniciativa
da DG/AAC foi o estudante da Fa-
culdade de Direito da UC, Hugo
Ferreira, que depois da moção ter
sido proposta, confessou que iria
apresentar uma semelhante. Con-
tudo, o estudante da FEUC,
André Martelo, afirma que a “jun-
ção aos trabalhadores não faz sen-
tido. Não fazemos greve, somos
estudantes e não trabalhadores”.
André Martelo revela que existem
associações de estudantes que
estão a preparar uma manifesta-
ção nacional para o dia 29 deste
mês, à qual a AAC não vai aderir.
Segundo o aluno da FEUC a par-
ticipação nesta iniciativa seria
“muito mais concertada”. Em res-
posta, Eduardo Melo afirma que
a DG/AAC “não tem conheci-
mento” do evento agendado para
dia 29. “Acho curioso aqueles que
pedem manifestação, atrás de
manifestação venha agora criti-
car”, protesta o dirigente. André
Martelo adiantou que está tam-
bém convocada uma manifesta-
ção em Coimbra para o dia 24.
Definição do calendárioeleitoral Outro assunto que marcou esta
AM foi a discussão e aprovação do
regulamento eleitoral. Por deci-
são maioritária, os estudantes vão
escolher os novos corpos gerentes
da AAC nos dias 28 e 29 do pre-
sente mês. Caso haja necessidade
de se recorrer a uma segunda
volta esta vai ter lugar a 5 e 6 de
dezembro.
O regulamento estipula ainda
que os projetos candidatos te-
nham entre os dias 14 e 16 para
apresentarem a sua candidatura
oficial enquanto lista. O período
de campanha decorre entre os
dias 19 e 27, sendo que contraria-
mente aos outros anos, estas elei-
ções ficam pautadas por uma
ausência de período de reflexão.
A decisão provém de uma moção
proposta pelo estudante da Fa-
culdade de Letras da UC (FLUC),
André Amador. Ficou ainda esti-
pulado que dia 24 não haverá
campanha eleitoral, uma vez que
os estudantes se juntam à greve
geral. A proposta partiu do estu-
dante da FLUC, Tiago Martins.
Quanto às listas para o conselho
fiscal serão apresentadas separa-
damente das listas para a
DG/AAC e mesa da AM, sendo
que os elementos para o referido
órgão são eleitos pelo método de
Hondt, não havendo lugar para
uma segunda volta.
Na sequência da definição do
calendário eleitoral foi apresen-
tada uma moção relativa ao ‘pla-
fond’ disponibilizado pela AAC às
listas concorrentes durante a
campanha. O proponente, Diogo
Barbosa, estudante da FLUC, su-
geriu que as listas concorrentes
pudessem apenas utilizar as ver-
bas disponibilizadas pela Associa-
ção, de maneira a evitar “os
milhares de euros em materiais
de campanha”. No entanto, a
moção foi reprovada.
Inês Balreira
Ana Morais
este ano não haverá dia de reflexão para as eleições. a decisão provém de uma moção aprovada na aM.
rafaela carvalhO
ENsiNo suPErior6 | a cabra | 8 de novembro de 2011 | Terça-feira
Fundação Cultural da UC reestruturada e com novas metas Numa fase de dinamização do órgão,vão ser incluídas trêsnovas estruturas. Entreelas está o Centro de Produção de Conteúdos, a situar-se na Casa dasCaldeiras
O Centro de Produção de Con-
teúdos, a Loja e Circuito Turístico
e a Rede da Universidade de Coim-
bra (UC), são unidades que vão
passar a ser geridas pela Fundação
Cultural da UC (FCUC). A inclusão
no órgão, que tem por objetivo pro-
mover, apoiar e dinamizar iniciati-
vas no âmbito das atividades
científicas, culturais e sociais da
UC, faz parte de um processo de di-
namização que a estrutura vai so-
frer nos próximos tempos.
A Casa das Caldeiras é o local es-
colhido para acolher o novo Centro
de Produção de Conteúdos. O cen-
tro “será uma unidade que vai en-
quadrar projetos da UC, como a
televisão web UCV, e o iTunes Uni-
versity, que consiste na divulgação
de um segmento da plataforma
iTunes de conteúdos produzidos
por universidades”, explica a vice-
reitora para a Cultura, Clara Al-
meida Santos. O objetivo é que este
funcione como um elo de ligação
entre as valências e recursos dis-
persos pela UC.
Quanto à integração da Loja e
Circuito Turístico, a aposta é im-
pulsionar o branding e merchandi-
sing da UC, bem como
disponibilizar uma oferta turística
de uma forma mais integrada. O
vice-reitor para a Inovação, Recur-
sos Humanos e Novos Públicos,
Henrique Madeira, explica que a
intenção é disponibilizar “material
a bons preços, mas acima de tudo
passar uma imagem apelativa e in-
teressante da UC”. O também coor-
denador da loja e circuito aponta o
início de 2012 como data de rees-
truturação da loja. “Vamos ter uma
loja online a sério, com uma grande
diversidade de produtos ao dispor
da comunidade universitária e dos
turistas em geral”, conta.
A dinamização do Circuito Turís-
tico da UC conta ainda com a cola-
boração da Câmara Municipal de
Coimbra. “A lógica da promoção
cruzada tem de ser implementada
e o grande objetivo é fazer com que
os turistas compreendam que esta
cidade tem muito mais a oferecer
do que uma visita de um par de
horas”, explica Clara Almeida San-
tos. A rentabilização do circuito tu-
rístico permite ainda a manutenção
do espólio e publicitar a imagem da
UC. “O espólio precisa ser bem cui-
dado e isso é um custo enorme. A
maneira como o orçamento de uma
universidade é formado tem pouco
em consideração este fator”, aclara
Henrique Madeira.
Um novo impulso para arestante FCUC Com a inclusão destas novas uni-
dades na FCUC, também as outras
já integradas - Teatro Académico
de Gil Vicente (TAGV), Auditório
da Reitoria, Palácio de S. Marcos e
Estádio Universitário de Coimbra
(EUC) – vão sofrer uma dinamiza-
ção. O TAGV vai apostar na “fo-
mentação e desenvolvimento das
redes de criação e produção”, como
refere a vice-reitora para a Cultura.
Contudo, Clara Almeida Santos es-
clarece que “o mais importante será
definir a dinâmica de programação
em curso, que tem as limitações a
que os tempos correntes obrigam,
mas que segue uma linha”.
Os objetivos quanto ao EUC pas-
sam por continuar a apoiar o des-
porto universitário. Contudo, foi
recentemente aprovado o regime
de utilizador-pagador. Clara Al-
meida Santos explica que “não é
possível à UC assumir todas as des-
pesas de funcionamento”. Relativa-
mente ao auditório da reitoria e ao
Palácio de S. Marcos vão continuar
a servir a mesma lógica de funcio-
namento. Porém, à semelhança do
EUC, a sua utilização vai passar a
ser paga, apesar de os “preços pra-
ticados serem quase simbólicos”,
esclarece a vice-reitora.
Clara Almeida Santos refere
ainda que, num futuro próximo,
“terá de haver uma preocupação
alargada, caso a UC venha a ser
classificada como património da
Humanidade”.
Contas vão ser pagas atéao final do mandato daatual DG/AAC, revela ocoordenador geral dos núcleos. Falta de tesoureironão deverá afetar o processo
Anualmente, os 26 núcleos da As-
sociação Académica de Coimbra
(AAC) recebem da direção-geral da
AAC (DG/AAC) a quantia referente
aos lucros que obtiveram na Festa
das Latas desse ano. No entanto, exis-
tem contas de 2010 ainda por saldar.
O coordenador geral dos núcleos,
José Amável confirma esta situação,
afirmando ainda que “os processos de
tesouraria são complexos e a
DG/AAC não teve possibilidade de
pagar aos núcleos antes”, atendendo
a que é necessário “ter em conta ou-
tras despesas”. No entanto, foi esti-
pulado um prazo em conselho
inter-núcleos para o pagamento das
contas em atraso, que o coordenador
aponta para dois a três meses após a
latada de 2011. José Amável revela
ainda que para além das contas de
2010 vão ser pagas já as referentes a
2011. Questionado sobre a falta de te-
soureiro o coordenador afirma que “a
questão temporária do tesoureiro
está a ser tratada com a maior celeri-
dade e não vai afetar a continuação
deste processo”. O núcleo de estu-
dantes de Química é um dos exem-
plos que ainda não recebeu os lucros
de 2010, como confirma a sua presi-
dente Cristiana Marques.
No entanto, houve já núcleos que
receberam a quantia de 2010. O pre-
sidente do núcleo de Engenharia In-
formática, Tiago Abrantes, revela que
a “DG/AAC pagou a núcleos que esti-
vessem numa situação financeira
mais apertada”, mas que, não é o caso
do seu núcleo. Um dos que já recebeu
o pagamento foi o núcleo de Psicolo-
gia e Ciências da Educação, confirma
o seu presidente, Ricardo Viegas. “Fi-
zemos um pedido de agilização de
verbas porque tínhamos saído de
uma presidência complicada e quere-
mos realizar umas jornadas científi-
cas e, apesar de já estarmos numa
situação melhor, queríamos esse
acerto de contas”.
Existem ainda outros núcleos que
não vão receber quantia alguma, uma
vez que têm contas em atraso com a
DG/AAC. José Amável explica que,
com estes núcleos, foi feita uma “mo-
dalidade em que a dívida seria sub-
traída ao valor que têm para receber”.
O núcleo de Economia é um dos que
se encontra nesta situação e abdicou
do montante de 2009 e 2010 para
saldar as dívidas, como confirma o
presidente do núcleo, Dino Alves.
Pagamento dos lucros da Latada 2010 em atraso
arquIvo - rafaela Carvalho
Para além do Centro de Produção de Conteúdos, que vai funcionar na Casa das Caldeiras, vão ser integrados na Fundação Cultural a loja e o circuito turístico, bem como a Rede UC
Inês Balreira
Inês Balreira
Ana Francisco
Inês BalreIra
CuLTurA8 de novembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 7
cápor
Cinema
tagv 21h30 • 3 a 4 euros
cultura
exposição
sala arte à parte
entrada livre
tertúlia
BiBlioteCa muniCipal
18h • entrada livre
músiCa
vários loCais
sessões às 21h ou 21h30de 0 a 5 euros
exposições
CapC – Casa muniCipal da Cultura
3ª a sáB - 14h às 18h
s/inFormação de preço
Por Rafaela Carvalho
17NOV
ConFerênCia e leituras
FluC e tCsBvários horários • entrada livre
15NOV
exposição e Colóquio
Colégio das artes
18h • entrada livre
Curso livre de paleograFia
arquivo históriCo
15h • 10 a 15 euros
Cinema
FluC - sala 1020h• entrada livre
“À CoNvErsA CoM… GAsPAr sobrAL”
Cinema
auditório do msCav21h30 • entrada livre
“véNus NEGrA”DE AbDELLATiF KEChiChE
“o PoDEr DA EsCriTA DoCuMENTAL”
9NOV
“brANCo”DE KrzyszToF KiEsLowsKi
FEsTivAL DE MúsiCA DE CoiMbrA 2011
“reesCrever o pós-moderno”de Jorge Figueira
18NOV
“soNNENALLEE”DE LEANDEr hAubMANN
21NOV
“i CouLD Do ThAT”DE MAriANA roquE
“DoN’T shiT whErE you EAT” E “A sALA”
18 anos a gerar visibilidade nopanorama do cinema nacional
ilmar em português. A roda-
gem de películas em idioma
lusitano passa há dezoito
anos por Coimbra, com um festival a
trilhar as novidades recentes da pro-
dução cinematográfica portuguesa.
Neste outono, contam-se algumas
novidades mas a matriz é sempre a
mesma: desafiar as pessoas a ver o
que de melhor há no nosso cinema.
O Festival Caminhos do Cinema
Português, único no país, destaca-se
igualmente pela escolha de uma ci-
dade fora do circuito das grandes me-
trópoles. Organizado pelo Centro de
Estudos Cinematográficos (CEC) da
Associação Académica de Coimbra, o
Caminhos é composto por uma
equipa de colaboradores, que traba-
lham desde a formação em works-
hops até à programação de todo o
evento. O presidente do CEC, Vítor
Ferreira, ressalva o esforço interino,
aumentado pelos “problemas cróni-
cos de falta de pessoal” na secção. Sa-
lienta ainda que nada é feito em vão,
pois o fim último faz com que todos
tentem “levar o festival a bom porto e
dar-lhe um palco cada vez melhor”.
As novidades são várias, confe-
rindo um novo rosto a esta edição.
Acolhe-se como novo espaço o Cen-
tro Cultural Dom Dinis, a gratuiti-
dade de sessões para idosos -
“Caminhos Séniores” - a decorrer nos
dias 12 e 13 de Novembro. Realizam-
se também as “Master Sessions”,
onde o conteúdo dos filmes dá azo a
discussão entre realizadores e au-
diência. E como a atração de público
é sempre relevante, este ano pro-
move-se, ainda, a sua participação di-
reta na classificação de filmes: em
todas as sessões é distribuído um bo-
letim de votação para a eleição do
melhor filme segundo a audiência.
Filmes,realizadores e júriDe longas a curtas, documentários a
animações, os géneros espelham a di-
versidade e a consagração dos auto-
res selecionados a concurso. Na
secção competitiva, há João Canijo,
com “Sangue do meu Sangue”, o
filme de ficção português mais visto
do último ano e Teresa Villaverde
com “Cisne”, só para nomear alguns.
A aposta em novos talentos é refor-
çada pelos “Ensaios Visuais”, que
destacam jovens amantes da sétima
arte. Em “Retrospetiva” revisitam-se
outros tempos e na categoria de “Ci-
nema Mundial” viaja-se pelo trabalho
de diferentes realizadores estrangei-
ros.
A seleção dos filmes passa por vá-
rios critérios. Vítor Ferreira defende a
representatividade das obras a con-
curso e dos seus criadores: expõe “a
qualidade dos filmes em si” e “todo o
cinema produzido em Portugal du-
rante um ano”. Para Rodrigo Barros,
co-realizador da curta metragem
“Nocturnos”, este festival revela-se
importante pelo facto de nunca ter
realizado um filme antes: “conheci a
Aya Koretzky [co-realizadora de
“Nocturnos”] e decidimos fazer este
trabalho. Abordámos a forma de vida
dos indigentes, assunto esse com
pouco espaço mediático”, explica. No
caso de Tiago Cravidão, autor de
“Magiae Naturalis”, foi através da
promotora Andar Filmes que a cola-
boração se concretizou.
Na opinião do presidente do CEC,
o júri é uma mais-valia para o festi-
val. Heterogéneo, com elementos re-
conhecidos pela opinião pública, este
encontra no seu seio jurados prove-
nientes de “diversas tendências” para
fomentar a “discussão” aquando da
deliberação dos possíveis galardoa-
dos. São José Correia, um dos ele-
mentos, encontra neste festival
“grande mérito” e crê que “há uma
geração a mudar de atitude”, to-
mando “o gosto pelo cinema portu-
guês”. O painel de jurados estende-se
às três secções: para além do júri ofi-
cial, há o júri da Revista C, o júri de
Ensaios Visuais e o júri da Federação
Internacional de Cineclubes.
O que esperarMas o “Caminhos” vai para além da
mostra de filmes. “A ideia de fazer um
ciclo de formações completas já vem
de há algum tempo”, adianta o for-
mador do workshop de edição de som
e imagem e membro do CEC, Tiago
Santos. A ideia é fornecer uma com-
ponente mais profissional aos parti-
cipantes, dar-lhes a parte prática que,
na opinião do formador, é quase ine-
xistente. Os módulos vão desde lin-
guagem cinematográfica com o
doutorado em Cinema Fausto Cru-
chinho, pré-produção com o produ-
tor de documentários da RTP José
Farinha e montagem com João Brás.
“Isto é um ensaio”. Apesar de já
terem algumas inscrições garantidas
para as atividades dos workshops,
Vítor Ferreira admite a hipótese de a
ideia falhar. No entanto, Tiago San-
tos espera que “haja formandos sufi-
cientes para fazer o curso inteiro e, a
partir daí, haver uma linha que una
todos os módulos”.
Expetativas para a edição-Vítor Ferreira espera que “com a he-
terogeneidade do painel de jurados,
saia dali uma decisão que seja repre-
sentativa daquilo que é, efetivamente,
o melhor do cinema portuguêsde
2010/2011”. No que diz respeito à re-
lação visibilidade/retorno, Tiago San-
tos não tem pudor em afirmar que a
visibilidade “é enorme”, mas a reper-
cussão da mesma não se efetiva da
mesma forma : “é dificil porque os or-
çamentos são baixos”.
D.r.
“sangue do Meu sangue”, da autoria de João Canijo será um dos muitos filmes a exibir, assim como “Cisne”, de Teresa villaverde
o único festival de cinema português do país atinge a maioridade. Numa semana commais de 150 filmes, construir um curso prático de cinema e aumentar a participação dopúblico na votação são as novidades. Por Liliana Cunha e Ana Duarte
F
8 e 9NOV
Jornadas de dramaturgia
espanhola Contemporânea
14 a 18NOV
19NOV
Até
7DEZ
Até
9DEZ
Até
D.r.
CulTuRa8 | a cabra | 8 de novembro de 2011 | Terça-feira
Há vida por detrás das paredes doIngote e da Rosa. E vem à varanda
AnA pAtRíciA AbReu
Até dia 30, é possível ver fotos de “4 mulheres extraordinárias” nos bairros
AnA pAtRíciA AbReu
Quatro mulheres distintase, no fundo, com algo emcomum, que vale a penamostrar: é este o tema daexposição fotográfica“Mulheres do Bairro”
Uma exposição de fotografiapouco convencional. No Bairro daRosa e no Bairro do Ingote, de 15 deoutubro a 30 de novembro, será pos-sível admirar, espalhadas pelos bair-ros e suspensas em varandas,fotografias de “quatro mulheres ex-traordinárias”, que fazem parar até omais distraído transeunte. “Atrás dascasas vivem pessoas e foi isso quequis mostrar”, explica Francisco Pa-ramos, recém licenciado em Comu-nicação, Design e Multimédia, pelaEscola Superior de Educação deCoimbra, que promoveu e trabalhoutoda a exposição “Mulheres doBairro”.
A escolha das mulheres não foi aoacaso. Há várias razões que levamFrancisco a preferir estas e não ou-tras, ainda que com histórias seme-lhantes. Com isto, conheceumulheres a quem hoje chama de “fa-mília” e para quem é o “menino deouro”. A exposição que, a princípio,tencionava realizar no Parque de Nó-madas, acabou por vir a tomar formanestes bairros, depois de se ver con-frontado com as suas realidades.
“Histórias de Vida”, o nome doprojeto, pretende conceder vitali-dade a estes locais, dando a conhecero quotidiano de quem lá vive e des-pertando, ainda, a comunidade paraa cultura. E foi assim que conheceuManuela Braz, Ludovina Santos,Adriana Colotto e Elisa Teixeira, quepartilharam com Francisco as suasvivências, deixando-o entrar não sónas suas vidas, mas também nas suascasas. “Foi um menino de ouro queme apareceu aqui. Agora considero-o um neto”, refere Ludovina – “TiBina” para as gentes do bairro.
“Queremos uma cidadesem fronteiras”
Numa primeira impressão, podeparecer difícil receber uma ideiacomo esta – um projeto de partilhaintensa, onde a vida das pessoas é (li-teralmente) exposta. Mas o feedbackfoi bom e a exposição ganhou vida.“As pessoas dos bairros receberammuito bem o projeto e acarinharamdesde logo o Francisco, chegando atéa vê-lo como um membro da comu-nidade”, refere a presidente da Asso-ciação de Moradores do Bairro daRosa, Manuela Braz. Essa intimidadefoi crescendo e, sem tabus, o recém-licenciado tomou conhecimento dadura realidade que se vive por ali:pais que lutam para sustentar a suafamília, casas degradadas que ser-vem de abrigo a idosos, imigrantesdistribuídos pelos lotes e, acima detudo, a criminalidade.
Mas os fantasmas do planalto nãoafastaram o “rapaz das fotos” – comoficou conhecido para os habitantes –, muito pelo contrário. “Senti neces-
sidade de fazer alguma coisa poraquele sítio, por aquelas pessoas, edurante três meses andei por lá atirar fotos e a conhecer aqueles quesão marginalizados” explica Fran-cisco, lamentando profundamente asituação. E Manuela acrescenta: “éuma coisa fenomenal, que retrata avida das pessoas e mostra que hámuito para conhecer por detrás dasparedes destes edifícios”.
Da parte da Câmara Municipal deCoimbra, o apoio foi total. O verea-dor da Habitação, Francisco Queirós,defende a filosofia do “este é umbairro como os outros” e salienta aimportância deste tipo de atividades.Apesar disso, no início, houve algumreceio: Francisco Queirós reconheceque, no seio de uma crise, “esta ideiapodia não resultar”. Os moradoresforam convocados, em jeito de con-ferência, para aprovação, e a sur-presa não poderia ser melhor: “foimuito bem recebida e toda a gentemostrou interesse em ser um dosrostos do trabalho do Francisco”, re-força o vereador.
Pelo facto de a experiência tervindo a revelar-se enriquecedora,tanto para os moradores como para adinamização dos próprios bairros,projetos futuros ficaram em sus-penso para mais tarde ali voltarem.O intuito? Desmistificar a velhalenda do perigo latente que paira naRosa e no Ingote e fazer saber a todosque há mais para além disso. Essatem sido, aliás, a batalha de Fran-cisco Queirós: “queremos uma ci-dade sem fronteiras, uma cidade semguetos, onde toda a gente se conhecee onde o preconceito não existe”.
Ana Duarte
Mariana Santos Mendes
Coimbra vai acolher no próximo dia nove de novembro o primeiro espetáculo da digressãonacional da peça "À procura de Ricardo III"
“É noite?/ É de noite?/ Que noite éesta?” pergunta Ricardo III. Shakes-peare transpõe para o papel a vidadaquele que foi o último rei de Ingla-terra e em cinco atos, temos umdrama histórico. Hoje, pela mão doencenador Luís Mestre, há a busca domonarca. “À procura de Ricardo III”é a reescrita do texto shakespearianodo século XXI. António Durães inter-preta a obra, que estará no TeatroAcadémico Gil Vicente (TAGV)quarta-feira, 9 de novembro, pelas21h30.
É em Coimbra que “À procura deRicardo III” inicia a sua digressão na-
cional, depois de ter tido a sua estreiaabsoluta na Casa das Artes de VilaNova de Famalicão. O diretor doTAGV, Fernando Matos de Oliveira,classifica a vinda deste espetáculo aCoimbra como a afirmação da cidadenum “circuito de teatro de nível, qua-lidade e referência do panorama cul-tural”. Deste modo, Matos de Oliveirapretende também dar um contributoà cidade e gerar a oportunidade dacomunidade contactar com “grandesartistas portugueses, sejam atores,dançarinos ou músicos”.
Para além da aposta em novos con-ceitos culturais, a nova programaçãodo TAGV prevê uma aproximaçãoentre instituição – público: “quere-mos dar a experiência às pessoas detrabalhar com várias personalidadesda cultura, através de, por exemplo,workshops”. E com este propósito,Luís Mestre irá trabalhar numa “ofi-cina de escrita” a 7 e 8 deste mês,onde será abordada a escrita parateatro e a prática teatral.
Àcerca de “À procura de RicardoIII”, Luís Mestre define-a como uma
“reescrita”. “Já tinha pensado nesteprojeto e já o tinha discutido com al-gumas pessoas, inclusivé com o An-tónio Durães [ator principal da peça],que aceitou de imediato”, acrescenta.Mas porquê um palco tão escasso depersonagens? O encenador explicaque esta é uma peça onde existe um“homem só, aparentemente doente eque padece de algo desconhecido”.Apesar de aparecer um enfermeiroem cena, aquele que trata do homemenfermo, este não fala e, ainda assim,revela-se importante na peça: “ohomem que se auto-denomina Ri-cardo III revê sempre várias pessoasligadas a ele próprio nessa persona-gem secundária e é isso que torna odrama intrigante”, justifica Luís Mes-tre.
“À procura de Ricardo III” apre-senta-se como um processo gradual:“as expetativas para a digressão de-pendem de várias fases de apresenta-ção e de trabalho”, aclara Mestre. Nopróximo ano, irá decorrer uma novareescrita da peça, para tentar perce-ber quem é, realmente, a persona-
gem: “no início de 2012 já iremosapresentar um novo homem, com ca-racterísticas diferentes, mas talvezcom as mesmas incertezas”. O con-vite é feito ao público para aparecer e
acompanhar o “homem aleijado e só”numa bebida: “Tragam-me whisky/E sirvam-se./ Não gosto de beber so-zinho”.
Com Daniel Silva
A revisitação de Shakespeare por um homem só
Ana Duarte
D.R.
despoRTo8 de novembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 9
fuTSALAMSAC x Académica16h • Pavilhão Escola Eb 2.3general Humberto Delgado
bASquETEbOLAcadémica de Coimbra x barcelos-H. Terço-givec16h • Pavilhão MultidesportosMário Mexia
12NOV
12NOV
12NOV
12NOV
a g e n d a d e s p o r t i v a
VOLEIbOLS. Mamede x Académica de Coimbra16h • Pavilhão S. Mamede
RugbyAcadémica x Técnico16h • Estádio universiário deCoimbra
A Académica pode ser a últimaetapa de Orlando SimõesUma semana após a suaapresentação, o técnico debasquetebol ainda não con-seguiu inverter os maus re-sultados, averbando maisdois desaires. Finda a par-tida frente ao Barreirense,Orlando Simões abriu o jogoe contou os seus planos. O que é que o fez aceitar este
convite da Secção de Basquete-
bol da Associação Académica de
Coimbra?
Foi, de alguma maneira, o desafio deestar todos os dias no pavilhão. Umacoisa é durante muitos anos ter feitoisso, outra coisa é treinar as seleçõesnacionais, em que apenas se trabalhanos períodos de férias com os joga-dores. Prefiro o frenesim dos treinose jogos. Este foi um grande desafioque tinha que aceitar pelo envolvi-mento e pelo respeito que tenho peloemblema da Académica e pelo seusignificado. E, apesar de ser umgrande desafio, por causa da épocaque a equipa fez no ano passado, nãoregateio esforços, sei muito bemaquilo que me espera. E há condiçõespara a equipa crescer.
Acredita que ainda é possível al-
cançar as metas do ano pas-
sado?
O resultados da época regular nãoestão muito condicionados. Mas, cla-ramente, o número de derrotas doano passado foi muito pequeno. Aparticipação no play-off e a capaci-dade de lá chegar vai depender doque façamos daqui para a frente. Aparada estava muito alta e o desafioelevado.
E o plantel, está à altura?
Eu direi que não. Perdemos estes doisjogos. Mas não me vou desculparcom os jogadores. Temos a neces-sidade de melhorar e, se for pos-sível, reforçar o plantel. Desde oprimeiro momento em quecheguei, identifiquei doispontos débeis. Um delesera não termosum jo-
gador que intimidasse, que ressal-tasse na área próxima de cesto.
Como tem sido a sua relação
com o ex-treinador Luís Santa-
rino, agora dirigente da secção?
Normalíssima. Eu conheço o Luís, eleconhece-me, não houve qualquer tipode problema na passagem de teste-munho.
E para quando será possível ver
uma Académica com ambições
de conquistar títulos?
Esse é um problema que a direção e acidade têm que perceber. Até agoratêm jogado para estar nos pontosaltos. Mas o salto ainda é grande. En-quanto existirem plantéis como os doPorto, Benfica e CAB-Madeira, quesão totalmente profissionais, com jo-gadores que treinam duas vezes pordia, é difícil. A grande maioria dos jo-gadores da Académica é compostapor estudantes ou trabalhadores.
Está nos seus horizontes pes-
soais dar esse salto na AAC?
Depende dos objetivos que a di-reção tenha. Pa-rece-me queexiste umaa m b i ç ã og r a n d eda di-r e ç ã oem, sepossí-vel, seintro-mete-r e mnestea n oo u
já no próximo nos lugares cimeiros.Mas é muito cedo para se falar sobreisso. É evidente que, para quem entrano comboio em andamento como eu,as preocupações são tantas que nãose pode pensar em altos voos. Aminha preocupação, neste momento,é consolidar o grupo e fazer de cadajogo uma final.
Gostaria de ficar por Coimbra?
Eu penso a curto prazo. Assumi ocompromisso para esta época comoutra de opção, mas é preciso as pes-soas estarem satisfeitas com os resul-tados. Não aponto a logo prazo. Épreciso fazermos uma boa época, re-cuperarmos este atraso que temos.
Depois de momentos melhores,
como o Eurobasket em 2007, vê
a possibilidade de momentos
assim na Académica?
O período das seleções nacionais temum timing. Foram seis anos em queestive nos seniores e em que conse-guimos um feito histórico. O nonolugar no campeonato é uma coisa queprovavelmente Portugal não vai mais
repetir. Mas diria que esse espaçojá passou. Enquanto treinador
de clube, gostava de o ter-minar com algum su-cesso. Quando treinei oOliveirense, ganhámos aTaça da Liga. Vamos vero que conseguimosfazer aqui.
Quando pretende
terminar essa
c a r -
reira?
Eu não gostava de me alongar muitomais. Tinha previsto por volta dos 60anos. Este desafio, a confirmar-se,pode projetar-me para além disso, jáque fiz 59 agora. Estes dois anos es-tariam dentro dos limites.
Então há a hipótese de terminar
a carreira em Coimbra?
Sim, acho que sim.
E depois disso, equaciona conti-
nuar?
Tenho um objetivo, que é treinar jo-vens. Irei fazer isso, é algo que játenho traçado há muito tempo. Ouem Coimbra ou em Sangalhos, ondecomecei.
Então pode ficar na formação
da Académica…
Sim, não fecho a porta a isso. Quemrecolheu tanto do basquetebol temobrigação de dar um contributo tam-bém à formação.
Depois da sua passagem pelos
sub-20, considera que a Acadé-
mica tem jogadores com capaci-
dade para lá estarem?
Eu conheço mal a formação da Aca-démica porque não trabalhamos con-juntamente. Acho que é um problemaque a direção tem em mãos, com aCâmara Municipal de Coimbra, e seique estão a tentar resolvê-lo já no fu-turo. Têm de encontrar uma oficinade trabalho, ter um pavilhão. Eu gos-tava de estar em cima de tudo, por-que posso-lhe dizer que o distrito deCoimbra tem tido pouca presença dejovens nas seleções nacionais. Issosignifica que o basquetebol de forma-ção, aqui, não tem tido um nível tãobom quanto se esperava.
Quer deixar algum apelo à
cidade?
Eu gostava de ver mais genteno basquetebol. Também sei
que não é um desportomuito tradicional. Mas as
pessoas só vêm pratica-mente quando se joga
com as equipas maisconceituadas. A equipamerece um apoiomaior do público.
Fernando Sá Pessoa
Futsal universitárioprestes aarrancar
O treinador da equipa da secçãode fustal da Associação Académicade Coimbra (AAC), João Oliveira,garante ter um “conjunto forte, te-mido pelas outras universidades”.Depois dos treinos de captaçãorealizados no passado mês de ou-tubro, a Académica voltará a mar-car presença no campeonatouniversitário de futsal, a ter inícionos dias 23 e 24 deste mês, emVila Real, e o objetivo é chegar àfase final, que terá lugar em Braga.As expectativas da equipa depen-dem da disponibilidade de algunsjogadores, que constituem aequipa profissional da Acadé-mica/OAF.
O treinador queixa-se da falta depreparação constante, ao alegarfazerem “apenas três a quatro trei-nos antes de cada encontro”. Talfacto poderá ser determinantepara baixar o rendimento daequipa. Esta situação deve-se à in-compatibilidade da agenda dos jo-gadores da Académica/OAF defutsal. Refere ainda que, “quandoesses jogadores estão presentes, ascoisas correm um pouco melhor”.Mas nem sempre podem contarcom eles, e é por isso que o técnicoprocura “uma equipa mais oumenos mista”, onde pode contarcom jogadores que, apesar de nãocompetirem ao mais alto nível,”têm total disponibilidade paraservir a equipa”.
Contudo, o plantel está prepa-rado e conta, para além dos joga-dores da Académica/OAF, comaqueles que participaram nos re-centes treinos de captação prota-gonizados pela Académica. Ainiciativa, já levada a cabo nos úl-timos três anos, é ideia de JoãoOliveira, por causa “da saída de al-guns jogadores”, tendo, por isso,proposto “fazer alguns treinos decaptação”. Aylton Rita, coordena-dor de desporto da DG/AAC, re-vela que, “apesar de não serematletas de cariz profissional, mui-tos deles têm uma qualidade ra-zoável”. O mesmo afiança que estaação advém da “necessidade de re-novar os plantéis das equipas” e,segundo o próprio, “o número deestudantes que participaram nestainiciativa, este ano, foi, sem dú-vida, o mais elevado, com 87 ins-critos”.
Recorde-se que a Académica jáfoi campeã em 2008 e vice-cam-peã no ano passado, neste torneio,para além de já ter marcado pre-sença no campeonato europeu.
Fábio Santos
OrlandO SimõeS • TreinadOr da SecçãO de BaSqueTeBOl da aac
olgA juskiewicz
DESPorTo10 | a cabra | 8 de novembro de 2011 | Terça-feira
Prolongamento
BASQUETEBOL
Depois detrês derro-tas nos trêsp r i m e i r o sjogos do
campeonato,a Académica, agora com Or-lando Simões ao leme, via noencontro com o Barreirense aoportunidade de mudar orumo dos acontecimentos.Pouca sorte para o novo trei-nador, que viu a equipa sairvencida do Pavilhão Multi-desportos. 57-61 foi o resul-tado final. Está difícilreencontrar o caminho das vi-tórias, depois do excelenteterceiro lugar do ano passado.
RUgBy
No passadodia 29 deOutubro, aequipa sé-nior de
rugby daAAC foi a Lisboa vencer ocampeão GD Direito. A contarpara o Campeonato SuperBock – fase de apuramento, aAcadémica alcançou umgrande resultado (21-18).Com a vitória sobre os advo-gados, a equipa sobe aoquarto lugar, posto que dáacesso à fase final.
fUTEBOL
Em jogo acontar paraa sexta jor-nada doC a m p e o -
nato da Divi-são de Honra da Associaçãode Futebol de Coimbra, Aca-démica-SF recebeu, no pas-sado dia 6 de Novembro, oCarapinheirense. O resultadopara com o líder acabou porser uma derrota, por 1-0, peloque agora a luta pela subidaestá mais equilibrada. Os es-tudantes prosseguem o cam-peonato em terceiro lugar,com apenas um ponto amenos do que o primeiroposto.
ANDEBOL
Em jogo dasétima jor-nada da ter-ceira divisãodo campeo-
nato nacio-nal, a Académica recebeu evenceu, no Pavilhão nº 3 doEstádio Universitário, o lan-terna vermelha Almeirim eascendeu assim ao segundolugar, embora com mais umjogo que o Académico e Viseu.Mantêm-se abertas as possi-bilidades de subida.
Fernando Sá Pessoa
A decisão sobre o princípio de “utilizador-pagador” do Estádio Universitário continua a
motivar discordâncias entre todos. Apesar do dinheiro que as secções desportivas
usaram para a manutenção do mesmo, a medida vai avançar. Por Fernando Sá Pessoam carta enviada à reitoriapor Eduardo Melo, presi-dente da direção-geral As-
sociação Académica de Coimbra(DG/AAC) e do Conselho Desportivo(CD/AAC), são usados como argu-mentos contra o princípio de “utiliza-dor-pagador” os investimentos feitospelas secções desportivas no EstádioUniversitário de Coimbra (EUC).“Cerca de 600 mil euros”, pode ler-se, é o valor que foi por elas gasto, sónos últimos cinco anos, na manuten-ção do estádio. Instado a comentar adecisão da Fundação Cultural da Uni-versidade de Coimbra (FCUC), naqual o EUC está inserido, o membrodo CD/AAC, Miguel Franco, não tempudor em afirmar a postura contra adecisão tomada. E lança a dúvida se“o estádio ficará a ganhar com isto”.Na referida carta, esta posição é fun-damentada com a “ausência de apoiopela UC para o desporto universitá-rio”, pelo que a decisão da FCUC éconsiderada “incompreensível”.
Não obstante o posicionamento doCD/AAC, é mostrada disponibilidadepara ouvir a outra parte, pelo que éum Eduardo Melo compreensívelaquele que diz entender “as necessi-dades de investimento” no estádio,
A coordenadora do pelouro do des-porto da DG/AAC, Filipa Godinho,aproveita para deixar, também ela, asua deixa. Este princípio não sepauta, para a dirigente associativa,por princípios de “justiça”, dado osvalores que já foram pagos pelas sec-ções para que o estádio se pudessemanter aberto. “Se tem condiçõesque permitem a prática desportiva, éporque as secções têm lá estado”.
A vice-reitora para a Cultura daUC, Clara Almeida Santos, atual res-ponsável pela FCUC, prefere dizer, noentanto, que o documento que vãopropor “, tem em consideração as es-pecificidades das secções e a singula-ridade do desporto universitário”.Defende, por isso, “o trabalho emconjunto”.
Manter o EUC em funcionamentoOtimista, Clara Almeida Santos, prin-cipal rosto desta resolução, avançaque a situação que até aqui se vivia
era “insustentável e sem paralelo”,apontando o dedo à exclusividadedeste caso relativamente ao resto dopaís. Responsável pela FCUC, a vice-reitora considera que não estão emcausa os investimentos realizados an-teriormente, mas sim o trabalho emconjunto entre a FCUC e as secçõesdesportivas que deverá ser feito, para“benefício das mesmas”. Admite que“talvez se possam operar algumasmelhorias no estádio”, em resposta aopiniões que visam a falta de quali-dade das atuais infraestruturas e apossibilidade de esta taxa não se vira traduzir em benefícios mateiais.
Falta de diálogo e de informaçãoA respeito de uma suposta ausênciade conversações, a vice-reitora de-fende-se, retorquindo que só aindanão houve reunião com as secçõesdesportivas “por indisponibilidadede agenda do presidente daDG/AAC”, primeiramente e, numafase posterior, por a própria ter-seausentado do país.
Sobre a convocação de EduardoMelo para a reunião onde foi votadoo princípio “utilizador-pagador”, Mi-guel Franco lamenta que ela tenha
sido feita apenas com uma hora deantecedência. E queixa-se ainda quenenhuma das outras partes foi ou-vida, pelo que, na sua opinião, ocor-reu uma “decisão unilateral”. Noentanto, convidada a comentar a de-missão de Miguel Portugal e de JaimeCarvalho do CD/AAC, Clara AlmeidaSantos assegura que esses “elemen-tos foram auscultados exploratoria-mente” e que Eduardo Melo tambémteve direito de voto.
Jaime Carvalho, taxativo, mantém-se firme, ao afirmar que “tudo de-pende da forma como as coisas foremfeitas”.
“Querem pôr a AAC forado EUC?” O presidente da secção de Ténis,Eduardo Cabrita, vai mais longe nasdeclarações que faz. Para o membroda comissão de gestão do estádio uni-versitário, as recentes declarações davice-reitora, que dão conta da possi-bilidade de o estádio fechar caso assecções não cedam, são, ironiza, “en-graçadas”. Numa alusão ao desportoa que está ligado, Cabrita diz que noténis, muitas vezes, “é o adversárioque provoca o erro”. Deixa, por isso,o alerta, ao temer “que tudo isto
acabe numa grande salsada”. E dizainda que é preciso perguntar: “quemé que está a ganhar com isto?”.
Lançando duras farpas à formacomo as coisas estão a ser conduzi-das, sublinha várias vezes o até agoraquase total desconhecimento sobreaquilo que se está a passar, e apro-veita para lembrar que, “dentro doestádio, não existe só a AAC, há ou-tras entidades que a utilizam, como aFaculdade de Ciências do Desporto eEducação Física”.
Para o próximo ano civilJá sobre o timing em que a decisãofoi tomada, o dirigente desportivoadianta que os membros da fundaçãocultural “não foram, provavelmente,esclarecidos sobre o que é a realidadedesportiva”. “Não é lógico”, completaEduardo Cabrita, “que, num setordesportivo que funciona de agosto ajullho, virem propor alterações paraas quais não estão preparados”. Mi-guel Franco lamenta que, até agora,ninguém fora da FCUC “tenha a mí-nima noção dos valores em causa”,mas lembra que “o que está decididoformalmente é o princípio utilizador-pagador entrar em vigor a partir dejaneiro”.
E
O Estádio Universitário de Coimbra vai passar a ser pago pelas secções da AAC
olga juskiewicz
Investimento das secções noEUC não vale como argumento
A VOZ DAS SECÇÕESEm cima da mesa não estará, no entanto, apenas a decisão em si, como é sabido, mas a forma como o processo tem sido conduzido. De entre as várias secções
desportivas da academia, Rui Pita, presidente da secção de Futebol, coloca-se até ao lado do princípio aprovado a 17 de outubro passado, temendo, única e ex-clusivamente, a forma como as coisas se poderão vir a processar. “Concordo com o “utilizador-pagador”, desde que existam condições para trabalharmos”, reitera.Existe, pois, entre as várias modalidade que usufruem do estádio, a ideia de que poderão a vir a pagar uma taxa extra, “sem que isso se traduza em melhorias conc-retas”. Mais receoso está Rui Fonseca, presidente da secção de Judo, que, augura, se o princípio avançar, revelar-se-á uma “machadada muito forte, tendo que seequacionar toda a atividade das secções conforme estão a ser”.
Com vista, no entanto, a formar uma posição coesa sobre o assunto, para posteriormente se encetarem as almejadas negociações com a Fundação Cultural,decorreu ontem, dia 7 de novembro, (já após o fecho de edição d’A CABRA) uma reunião entre as secções desportivas. Com efeito, visou-se encontrar uma “posiçãoconjunta”, como esperava Filipa Godinho. Posteriormente, refere a coordenadora, a ideia será alcançar um ponto intermédio de consenso com o organismo da re-itoria, tentando salvaguardar que as secções “não saiam prejudicadas”. Aguardam-se agora novidades sobre a matéria.
8 de novembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 11
CiDADE
os autarcas e funcionários da administração local são a face mais visível do Estado junto da população.
Para o bom exercício das suas competências, é necessária uma formação adequada - proporcioná-la é a
função do Centro de Estudos e Fomação Autárquica, com sede nacional em Coimbra. Por Ana Morais
CEFA, a formar autarcas desde 1980
formação ministradaaos funcionários da ad-ministração públicacentral ou local é funda-
mental para assegurar a qualidade deserviços prestados aos cidadãos”, as-segura o vice-presidente do Centro deEstudos e Formação Autárquica(CEFA ), Nuno Marques Pereira.Criado na década de 80 com “a mis-são de desenvolver ações na forma-ção do pessoal da administraçãolocal”, ainda enquanto instituto pú-blico e sob a tutela do Estado, o CEFApassou a fundação de direito privadode utilidade pública em dezembropassado, na sequência do Programapara a Reestruturação da Adminis-tração Central do Estado.
A Fundação CEFA tem funções quelhe são “atribuídas por lei” e que só o
CEFA pode prestar, certifica o vice-presidente - as formações para car-reiras específicas da administraçãolocal, isto é, a formação inicial ondese podem incluir polícias e bombei-ros municipais ou fiscais e adminis-trativos. Para além desta formaçãoexistem ainda dois cursos destinadosa altos dirigentes. Mas quando sequestiona a formação de um presi-dente de câmara, por exemplo, a res-posta é negativa – “o CEFA não fazformação para autarcas eleitos”, ad-mite Nuno Marques Pereira. Con-tudo, o vice-presidente revela anecessidade de a situação ser repen-sada e encara-a como um “desafio”,
lembrando que “também tem dehaver vontade política”.
A formação prestada é descentrali-zada, ou seja, estende-se para alémda sede – “desde Monção a Vila Realde Santo António, e nas ilhas quandoé preciso”. São fundamentais as par-cerias estabelecidas e os acordos comos Países Africanos de Língua OficialPortuguesa fazem parte do círculo doCEFA, “sobretudo em Angola e Mo-çambique”. Os formadores são “fun-cionários autárquicos de exceção,professores universitários e outrosnomes sonantes da administraçãopública”, refere Marques Pereira.
Formação “fundamental”O responsável pela Divisão de Patri-mónio e Aprovisionamento da Câ-mara Municipal de Coimbra, AntónioCarvalho, frequentou o primeirocurso do CEFA e considera que estelhe permitiu “ter um acesso mais rá-pido a uma carreira administrativa naautarquia local”, e encara este traba-lho de formação autárquica como“fundamental”. É necessário que se“atualizem os conhecimentos na ad-ministração local, pois a legislação al-tera-se rapidamente e é importanteque se esteja em permanente atuali-zação”, assegura. Com a profunda re-forma da administração local queestá a acontecer, o CEFA tem vindo apensar em formações nesse âmbito e“a criar espaço de discussão”.
No passado mês de outubro, depoisde serem notificados pelo CEFA deque poderiam cessar a sua qualidadede funcionários públicos ou até deque poderiam ser dispensados, osfuncionários da instituição foramconvocados pelo Sindicato dos Tra-balhadores da Administração Públicae de Entidades com Fins Públicos(SINTAP) para uma greve. Segundoo responsável sindical, José Abraão,esta situação era “injusta e ilegal”. No
dia da greve, os funcionários desloca-ram-se a Lisboa para exporem a si-tuação ao Secretário de Estado daAdministração Local, Paulo Júlio,que lhes deu garantias de que tal nãoaconteceria. Assim, José Abraãoafirma que “está o problema resol-vido”, acrescentando também que onúmero de funcionários (cerca de 40)“não é excessivo”.
Cortes do OEDepois da extinção, em 2011, doCEFA enquanto instituto público, osórgãos de gestão da Fundação são no-meados pela Associação Nacional deMunícipios Portugueses e pela Asso-ciação Nacional de Freguesias. Se-gundo Marques Pereira, a passagema fundação privada “trouxe vantagensem termos de gestão, tornou tudo
mais flexível e maleável”.Notícias recentes dão conta de uma
diminuição da transferência do Orça-mento do Estado (OE) para 2012,num financiamento que provém tam-bém de fundos comunitários e depropinas pagas pelos formandos. Ovice-presidente revela que esta dimi-nuição já tem vindo a notar-se aolongo dos últimos anos e lamenta queisso possa implicar “reflexos na ge-rência da instituição”. Contudo, Mar-ques Pereira assegura que estáprevisto para breve uma revisão dosestatutos da fundação e só depoisdisso é “que poderá decidir-se ondecortar”.
“A
“A fundação CEFAnão faz formaçãopara autarcas eleitos,mas isso deve ser repensado”
“A diminuição datransferência do OEpode ter reflexos nagerência da instituição”
inês amado da silva
inês amado da silva
A missão do CEFA é a de “desenvolver ações na formação do pessoal da administração local”, afirma Nuno Marques Pereira
inês amado da silva
inês amado da silva
Ferrovia esquecida, aband o peT lançado pelo Governo atual prevê a suspensão das linhas do oeste, Vouga e um troço da linha do es
linhas ferroviárias e munícipes. a má gestão da Cp e a não-renovação da ferrovia são apontadas com
ão se vê vivalma, nemgente que chega, nemgente que vai, nem gente
que fica. A estação da MarinhaGrande parece fugir da cidade que seagita de manhã, criando um subter-fúgio de silêncio onde nem o tic-tacdo relógio do apeadeiro se ouve, componteiros parados desde há dez anospara cá. E na calmaria escutam-se ospassos de um andar que se faz vaga-roso, como que aceitando o compassodo lugar. É um idoso, com os seussacos, a chegar à estação. Deixa-osencostados a um poste e volta paratrás, certo de que ninguém por láanda para se apoderar dos seus per-tences. Numa esquina, e apoiado auma árvore também ela esquecida, ovelho urina e fá-lo ali porque até ascasas de banho se mostram cerradas.Foi há dez anos que a estação da Ma-rinha Grande fechou portas apesar dea circulação na linha se ter mantido.“Ó se era diferente!” lembra Joaquim,dono de um café que se prostra emfrente da referida estação, não perce-bendo o porquê de esta ter fechado há10 anos: “havia tanto movimento, tí-nhamos isto sempre cheio”. Agora,valem-se dos clientes das redondezase não de passageiros que por aliparam, porque esses são coisa parca einconstante.
Na estação ferroviária de Leiria ocenário é idêntico. Três taxistasparam à frente da mesma, mas de-pressa se repara que a sua funçãolembra mais um paciente pescador delinha, que clientes nem vê-los. Ao
contrário da paragem da MarinhaGrande, em Leiria a estação mantém-se aberta, apesar de a bilheteira le-vantar a placa “Encerrado” o diainteiro. O movimento da estação faz-se com uma conversa entre os mes-mos taxistas que lá esperam, mas queperto do almoço lá desistem, pormeia dúzia de pessoas que aguardamum comboio a sair em direção à Ma-rinha Grande e um pequeno café,dentro da estação, que lembra o visi-tante da suspensão, em janeiro dopróximo ano, da linha do Oeste,assim como da do Vouga, e de um pe-queno troço da linha do Este. “Querassinar?”, pergunta de imediato aempregada de balcão assim que al-guém pede café, apontando para umapetição. Conta que até para o mer-cado de Leiria a levou, “com a ajudade mais dois moços”, onde, garante,“apresentamos soluções”. “Isto estáuma bagunça, está esquecido”, desa-bafa um dos clientes do café.
O desabafo repete-se também nosbancos de quem espera o comboio,como quem também espera por pro-messas que se fazem “há mais de 20anos”, recorda o presidente da Câ-mara Municipal de Caldas da Rainha,Fernando José da Costa, apontandopara os vários programas eleitoraisde “todos os partidos”. Em vez disso,a política de transportes parece vi-rada para o transporte automóvel erodoviário: “estamos a observar umabandono completo da utilização docomboio”, critica o membro da Co-missão de Defesa da Linha do Oeste,
Heitor Castro. Daniel Conde, cidadãoassociado ao Movimento Cívico PelaLinha do Tua, sustenta este aban-dono: “a nível nacional perdeu-se umterço de ferrovia, mais de 40% depassageiros desde 1989 e 50% de fun-cionários nos caminhos de ferro”.“Estamos a ir completamente emcontraciclo àquilo que têm sido as li-nhas orientadoras da União Europeiapara os transportes”, aponta HeitorCastro, deixando também a sua in-credulidade por esta medida ser to-mada, através de imposições da“troika”, no Plano Estratégico deTransportes (PET), lançado peloatual governo.
Sem modernização não há utentesE, no que toca ao abandono dos com-boios, a culpa recai em quem? Nos ci-dadãos ou na gestão das linhas?Daniel Videira Murta, professor dacadeira Economia dos Transportes naFaculdade de Economia da Universi-dade de Coimbra (FEUC), consideraque, “apesar de haver alguma negli-gência por parte dos governos notransporte ferroviário, a culpa tam-bém é dos utentes que preferem otransporte individual”, garantindoque, em Portugal, “para cada român-tico do comboio há 1000 latinos apai-xonados pelo carro”. Já na ótica deHeitor Castro, o problema reside namá gestão por parte da ComboiosPortugal (CP): “se se realizasse umarenovação, modernização, eletrifica-ção e duplicação de linhas no Oeste, a
SuSpenSão de linhaS12 | a cabra | 8 de novembro de 2011 | Terça-feira
N
“Vemos um
abandono
completo da
utilização do
comboio , o que
é um contraciclo
daquilo que têm
sido as diretrizes
da União
Europeia”, critica
Heitor Castro
Ferrovia esquecida, abandonada e, agora, suspensao peT lançado pelo Governo atual prevê a suspensão das linhas do oeste, Vouga e um troço da linha do este. a motivação financeira desta medida não é encarada como justificação possível para os utentes das
linhas ferroviárias e munícipes. a má gestão da Cp e a não-renovação da ferrovia são apontadas como causas que fomentam o abandono da utilização do comboio. Texto e Fotografia por João Gaspar
procura de passageiras poderia sermultiplicada em quatro, cinco ou seisvezes”, reiterando que a mobilidadeno Oeste “está intimamente ligadacom a revitalização da linha ferroviá-ria”. Na linha do Vouga, apesar deesta representar um maior fluxo depassageiros, 68% dos passageiros quevão ser afetados pela suspensão daslinhas, também a oferta condiciona aprocura e a utilização daquele meiode transporte.
Jorge Almeida, vice-presidente daCâmara Municipal de Águeda (CMA),município afetado pela suspensão do“Vouguinha” (apelido que a linha ga-nhou), considerava os horários como“absolutamente inadequados”: “Atésetembro de 2010, o primeiro com-boio chegava a Águeda às 8h30, istonum conselho francamente empresa-rial”, o que tornava impossível a uti-lização deste meio de transporte portodos os trabalhadores que iniciariamo seu trabalho às 8 horas. Também aofinal da tarde, o mesmo problema severificava, segundo Jorge Almeida,com o último comboio a sair às18h30, “o que impossibilitava o usodo comboio para quem trabalhasseno comércio ou noutro tipo de servi-ços que saia depois das 19 horas”.Este “desajuste completo de horá-rios”, levou a que a câmara refizesse,em conjunto com a CP, um horáriomais adequado para o ramal doVouga. Resultado? “Nos primeirostrês meses aumentámos em 13% onúmero de passageiros, e no primeirosemestre deste ano obtivemos um au-mento de 30% relativamente aomesmo período em 2010”.
“Não há no país nenhuma linha acrescer desta forma”, atesta o vice-presidente da CMA, lembrando tam-bém que, a suspensão da linha ocorrenum momento em que foram feitosinvestimentos na melhoria do já cen-tenário Vouguinha. “Temos váriostrabalhos ainda a decorrer na estaçãode Águeda, em taludes, supressão depassagens de nível”, explica. A indig-nação está sempre presente no dis-curso de José Almeida, que nãoencontra qualquer justificação paraesta decisão para além da “cegueira eirracionalidade de pessoas que nemvieram ao terreno – decidiram emcima do joelho e pronto!”, lembrandoque não há, de momento, nenhumeixo rodoviário entre Águeda e Aveiroonde seja possível fazer uma ligaçãomais rápida. “É mau de mais para serverdade”, desabafa, afirmando que“as populações têm todo o direito emse sentirem defraudadas”.
Na Linha do Oeste, apesar de per-correr uma zona de elevada densi-dade populacional, o problema residetambém na questão da oferta de ser-viço: “demora-se tanto a ir das Caldas
da Rainha para Lisboa hoje como hácem anos atrás e assim não há trans-porte ferroviário que resista”, asse-vera o Presidente da CMCR, quelembra também a má oferta de horá-rios. A ligação de Leiria a Lisboa-En-trecampos é feita apenas cinco vezespor dia e demora quatro horas, a li-gação Caldas da Rainha a Lisboa-En-trecampos já tem uma oferta de dezviagens por dia e demora duas horase meia e Torres Vedras a Leiria exis-tem apenas quatro opções e a viagempode demorar duas horas, tudo op-ções duas a três vezes mais longasque o uso do transporte rodoviário ouautomóvel. “Assim é impossível com-petir com os outros meios de trans-porte”, comenta Fernando José daCosta.
O presidente da CMCR acreditaque a modernização da Linha doOeste também seria uma soluçãopara outro problema que a CP atra-vessa – a saturação da Linha doNorte. Para além desse argumento,Fernando José da Costa aponta tam-bém para a ferrovia como um “alíviono tráfego automóvel e rodoviárioque Lisboa recebe diariamente”, con-siderando que “os cidadãos apenasnão utilizam o comboio porque nãoos serve ou em termos de tempo ouem termos de horário”. Heitor Castroteme mesmo o encerramento total dalinha, que vai apenas estar disponívelpara o transporte de mercadorias: “éinviável a linha viver do transporte demercadorias e, mais tarde ou maiscedo, vai deixar de existir”.
Urgência na aposta ferroviária“A situação mais chocante é a daLinha do Oeste”, censura o membroda comissão executiva da AssociaçãoComboios XXI, Nuno Oliveira, lem-brando que a mesma zona “ia ter umaconcessão de autoestradas, mas emtermos de linha ferroviária é cons-tantemente negligenciada”. “Não hánenhuma direção estratégica para ne-nhum meio de transportes, muitomenos para a articulação dos váriosmeios”, explana Nuno Oliveira, quenão aceita como motivo principal ode redução de custos: “a suspensãode linhas representa uma fração mi-núscula dos prejuízos”.
“É lamentável que o argumento fi-nanceiro seja evocado sistematica-mente e que prevaleça sobre todos osoutros”, reprova Heitor Castro, re-cordando que “nenhuma empresa detransportes no mundo tem lucro”. Omesmo reitera que “o negócio dostransportes não pode ser visto comouma fábrica de salsichas, em que seolha para um cliente à procura de for-mas de lucrar”. De acordo com omembro do movimento cívico quedefende a Linha do Oeste, se as polí-ticas de transportes continuarem namesma linha, “vai existir mais umfator que leva à desertificação do país,com aldeias a deixarem de ter o seuúnico meio de transporte público dis-ponível”.
Situação que toca a Daniel Conde,defensor da manutenção das linhasdo Tua, Corgo e Tâmega que, se-gundo, o PET vão continuar suspen-sas. “No vale do Tua há várias aldeiasque não têm qualquer tipo de trans-porte alternativo, estão completa-mente isoladas, com a maior parte dapopulação idosa e reformada”,afirma. O mesmo lança duras críticasà tutela que tomou a decisão de sus-pensão das linhas, considerando queas tomou através de “dados absurdose manipulados”, como o caso de cadapassageiro no Tua custar 29 mil eurosao Estado por ano, ou as automoto-ras “consumirem 140L/100km,quando consomem, em média, ape-nas 37L/100Km”. Daniel Conde ob-serva ainda que “há sempreinvestimento para levantar a linha epara desfazer tudo mas nunca maishá verba para a repor”.
Na estação de Leiria, Mário Al-meida, 76 anos, espera pelo comboiopara a Marinha Grande. Ao seu ladotem uma bicicleta que usa para fazero restante caminho de Leiria para aOrtigosa, onde mora o seu filho. Apartir de 2012 a alternativa é o auto-carro e ficar-lhe-á seis euros maiscaro dos 2,25 que paga hoje pela via-gem. “Ver o meu filho? Só se ele de-pois quiser vir cá a casa!”.
“O negócio dos
transportes não
pode ser visto
como uma fábrica
de salsichas. Não
se olhar para um
cliente à procura
de formas de
lucrar”
8 de novembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 13
SuSpenSão de linhaS
CIÊNCIA & TeCNologIA14 | a cabra | 8 de novembro de 2010 | Terça-feira
FCTUC: mais de cem anos de Ciência
celebrar o seu centenário,
a Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universi-
dade de Coimbra (FCTUC), assi-
nala uma longa e natural evolução
desde a reforma republicana de
1911, que caracteriza o modelo
atual, mas também nela estão pre-
sentes os primeiros passos dados
no ensino experimental com a Re-
forma Pombalina de 1772.
“A Reforma Pombalina de 1772
foi um verdadeiro terramoto inte-
lectual”, define o professor catedrá-
tico, Carlos Fiolhais, no qual foi
fundado um ensino baseado na ob-
servação e na experiência, já in-
cluindo autores da Revolução
Científica, como Galileu e Newton,
nos planos de estudo. Pretendia-se
um “estatuto internacional” para a
instituição. O mais importante
nesta mudança estrutural de ensino
terá sido a criação da Faculdade de
Matemática e da Faculdade de Fi-
losofia, aponta o historiador de
Ciência, Décio Martins.
“Em 1759, houve um desmante-
lamento do nosso sistema educa-
tivo, que era essencialmente
dominado pelos jesuítas e oratoria-
nos em Lisboa”, explica o também
diretor do Museu de Física da UC.
Com a expulsão dos jesuítas do
país, faltavam pessoas que garan-
tissem o funcionamento de um
curso na área das ciências. Para
esses lugares foram contratados
mestres estrangeiros e construídas
novas infraestruturas, entre elas, o
Laboratório Químico, o Gabinete
de Física Experimental, agora si-
tuado no Museu da Ciência, ou o
Jardim Botânico.
Décio Martins elogia a ação do
Marquês de Pombal que criou con-
dições muito específicas para o en-
sino da física. O gabinete de física, à
altura, “podia ser considerado
como um dos mais bem equipados
da Europa”, apetrechado com seis
centenas de instrumentos fabrica-
dos em Portugal. Da mesma forma,
“o Laboratório Químico terá sido
caso único no mundo”, construído
de raiz para o ensino da química.
Estava previsto, também, um Ob-
servatório Astronómico que, por
falta de financiamento, foi adap-
tado a uma unidade de menores di-
mensões, no Pateo das Escolas da
UC, demolido aquando do Estado
Novo.
Faculdades de Filosofia eMatemática Nas faculdades de Matemática e de
Filosofia surgia uma complementa-
ridade no ensino: “os estudantes de
filosofia deviam frequentar algu-
mas cadeiras na Faculdade de Ma-
temática, e os de matemática
deviam frequentar algumas cadei-
ras de filosofia”, conta o historiador
e refere ainda que este era “um mo-
delo bem desenhado na altura, que
acabava por ser uma gestão de re-
cursos”.
O brasileiro Vicente Coelho Sea-
bra foi um dos primeiros estudan-
tes da Reforma Pombalina,
concluiu o curso de filosofia, fez o
curso de medicina e continuou in-
teressado na química, marcando a
história da faculdade quando “pu-
blicou “uns” Elementos de Quí-
mica, publicados um ano antes de
Lavoisier [criador da Química mo-
derna] publicar “os” Elementos de
Química”.
Durante a reforma destacaram-
se várias personalidades no ensino
em Coimbra. Tomé Henriques So-
bral usava o Laboratório Químico,
durante as invasões francesas, para
o fabrico de pólvora em ajuda ao
exército, ou no combate a epide-
mias. Por sua vez, José Bonifácio de
Andrade e Silva, numa viagem à Es-
candinávia, descobriu o terceiro
elemento químico - o lítio.
Uma nova abordagem ao traba-
lho científico foi conseguida por
António dos Santos Viegas, profes-
sor da casa durante mais de 50
anos, que “procurou que os estu-
dantes desenvolvessem teses e dis-
sertações sobre temas atuais”,
destaca Décio Martins. Um dos
seus alunos, Henrique Teixeira
Bastos, fez os primeiros estudos do
raio-x em Coimbra, em fevereiro de
1896, dois meses após a descoberta
dos mesmos.
A ideia de televisão, na forma
mais técnica do termo, já era pen-
sada por um estudante de Coimbra.
Adriano Paiva é tido como perso-
nalidade que lançou a “possibili-
dade de transmitir imagens através
de impulsos elétricos, utilizando as
propriedades fotossensíveis do se-
lénio”, sublinha o físico.
Reforma de 1911 Carlos Fiolhais assevera que “a Re-
forma Pombalina não continuou
com o mesmo vigor do início. Há
cem anos, houve outra reforma,
esta republicana”, na qual “as duas
faculdades pombalinas da área das
ciências se uniram para formar a
Faculdade de Ciências”. A cidade
universitária tinha avançado até
determinado ponto, “mas foi pre-
ciso fazer ajustes”, indica o diretor
do Museu de Física. Era necessário
acompanhar os avanços da física e
desdobrar essa cadeira anual em
duas, criar mais institutos e criar
cadeiras mais específicas, como a
ótica, a acústica, a eletricidade -
“uma evolução natural”, refere
Décio Martins.
“Em 1973, a Faculdade de Ciên-
cias da Universidade de Coimbra
passou também a ser de Tecnolo-
gia, formando engenheiros. Foi-se
tornando a grande escola de ciên-
cias e tecnologia que é hoje”, carac-
teriza Carlos Fiolhais.
Referente à situação atual, Décio
Martins deixa a crítica à falta de
condições que alguns investigado-
res sentem: “infelizmente, muitos
dos nossos melhores cérebros pro-
curam condições no estrangeiro,
mas isso depende da capacidade
política e económica do país”. “Se
não tivessem investido em dez es-
tádios de futebol há uns anos atrás,
talvez tivéssemos ganho muito
mais”, conclui.
Com Juliana Pereira
Centenário da FaCuldade de CiênCias e teCnologia
fotomontagem por felipe grespan:
Num século, a FCTUC acumulou um vasto património, viu passar nos seus corredores figuras de importânciainternacional, conceptualizou a ideia de televisão, descobriu um elemento químico e acompanhou avançoscientíficos. Mas não são apenas 100 anos que desenham a história desta faculdade. Por Filipe Furtado
Afoto CeDiDa por imagoteCa mUniCipal De CoimBra
D.r:
foto CeDiDa por imagoteCa mUniCipal De CoimBra
pUBliCiDaDe
“A reforma
pombalina de 1772
foi um verdadeiro
terramoto
intelectual”
“Se não tivessem
investido em estádios
há uns anos atrás,
talvez tivéssemos
ganho muito mais”
filipe grespan
8 de novembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 15
CIÊNCIA & TeCNologIA
Falta de informação leva utilizadores a subscrever serviços aoperadoras e a fazer gastos desnecessários
A partir de 12 de Janeiro de
2012, toda a zona litoral vai deixar
de receber o sinal analógico para
dar lugar ao digital – o que tem
sido designado por Televisão Digi-
tal Terrestre (TDT). Contudo “a
mensagem não está a passar da
forma correta” e “verifica-se um
desconhecimento deste novo sis-
tema” pela maioria da população,
assegura o técnico de áudio e vídeo
da Associação Portuguesa para a
Defesa do Consumidor (DECO),
António Alves, ainda que o apagão
decorra dentro de dois meses. “As
perguntas têm sido muitas, numa
altura em que estamos próximos
do ‘swich-off‘, o que é preocu-
pante”, acrescenta o técnico.
Por outro lado, o funcionário da
Portugal Telecom (PT) Bluestore,
André Cabral, declara que "a in-
formação tem estado a escoar bas-
tante bem", mas defende que "as
pessoas se acomodam às operado-
ras que lhes dão uma maior aber-
tura de canais". Também o técnico
da DECO alerta para a situação:
"as empresas de serviços de televi-
são paga têm aproveitado a oca-
sião para impingir o seu produto
aos consumidores”, e garante que
“as pessoas vão ter que fazer a
transição para a TDT agora ou
quando deixarem de subscrever
esses serviços, por isso o melhor é
fazerem-no já”. António Alves sa-
lienta ainda que "as pessoas têm
direito a ter televisão gratuita".
Ao contrário do que se pensa, a
TDT pode trazer também alguns
problemas na transmissão. A qua-
lidade de imagem aumenta e “tem,
de facto, uma nitidez acrescida”,
admite António Alves. No entanto,
quando a intensidade do sinal es-
tiver fraca ou se situar numa zona
de refleção de sinal (em vales ou
rodeado por prédios muito altos),
“pode ocorrer uma interrupção da
transmissão do sinal ou a pixeliza-
ção de imagem”.
António Alves aconselha a po-
pulação a “verificar se está ou não
numa zona de cobertura de sinal
terrestre” e só depois passar para a
instalação do equipamento. Na
maioria dos casos, será apenas ne-
cessário comprar o aparelho des-
codificador e fazer a sintonia dos
canais. Porém, em raras exceções,
“poderá ter de haver uma mu-
dança da antena” por falta de pre-
paração daquele equipamento
para receber o sinal digital, explica
o funcionário da PT. O técnico da
DECO garante que “essa é uma si-
tuação que vai corresponder a
poucos casos”, mas que tudo isso
implica custos que podem ascen-
der a mais de duzentos euros, caso
haja mais do que um aparelho te-
levisivo na habitação.
TDT pode implicar despesas elevadas
Juliana Pereira
Anonymous – ‘hacking’ social
Camilo solDaDo
grupo Anonymous nas-
ceu em 2008 e debru-
çara-se, há pouco tempo,
com a ideia de terminar com o Face-
book - a rede social que agrega, se-
gundo estatísticas do próprio ‘site’,
cerca de 800 milhões de pessoas. 5
de novembro foi a data estabelecida
como meta para esse propósito,
como pode ser ouvido em diversos ví-
deos disponibilizados na plataforma
YouTube. A ideia, contudo, foi poste-
riormente abandonada “por existir
alguma discussão interna sobre
avançar ou não com a operação”, co-
meçou por referir ‘TheAnonMes-
sage’, nome pelo qual o membro do
grupo Anonymous deseja ser men-
cionado. “O Facebook é, hoje em dia,
o principal mensageiro de informa-
ção de todas as revoluções e movi-
mentos mundiais. Logo, se o ataque
acontecesse neste momento, seria
uma má mensagem por parte dos
Anonymous, a de que não nos preo-
cupamos com os protestos mun-
diais”, sustenta ainda
‘TheAnonMessage’.
Elísio Estanque, sociólogo do Cen-
tro de Estudos Sociais (CES) da Uni-
versidade de Coimbra, destaca “o
potencial que a Internet apresenta de
utilização bondosa, progressista, de
denúncia e maior transparência das
instituições; por outro lado, pode ser-
vir como uma estratégia de controlo
da vida privada de cada um”. Opinião
que fica patente quando ‘TheAnon-
Message’ declara que “o Facebook
está a usar a privacidade, vendendo
informação confidencial a governos
corruptos, como é o caso da Síria. Há
uma grande probabilidade que, após
a resolução de todas as pontas soltas
no mundo, possa haver um ataque
em grande escala ao Facebook, como
forma de dizer que estamos aqui e de
que estamos atentos.” Os últimos co-
municados dos Anonymous apontam
essa mesma investida para 2012.
Atacar os males da internetMas nem só do Facebook vive a in-
ternet. “A rede está disponível, pelo
menos em potência, para grupos neo-
nazis, de extrema-direita, ou de pe-
dofilia”, acrescenta Elísio Estanque.
E a ‘Operação DarkNet’, lança-se
também para esses problemas. Em
outubro, o grupo internacional en-
cerrou 40 sítios de pornografia in-
fantil, expondo cerca de 1500
pedófilos. ‘TheAnonMessage’ asse-
vera que “os Anonymous pretendem
dar um exemplo: expor um molesta-
dor faz com que haja menos um pe-
dófilo na internet e menos uma
pessoa a abusar de crianças”.
Quando se fala nos Anonymous,
pensa-se numa estrutura altamente
organizada. Contudo, a realidade é
outra, como nos mostra ‘TheAnon-
Message’: “nós funcionamos como
uma organização descentralizada,
sem líder. As ideias surgem através
dos vários membros e são partilha-
das através do IRC (Internet Relay
Chat, um protocolo de comunicação)
ou comunicados públicos”, explica,
afirmando que as más ideias acabam
“simplesmente por morrer”. “Se és
um Anonymous, acreditas em liber-
dade, justiça, igualdade, discurso
livre e exclusão de censura”, aponta
o membro do grupo ativista como
fundamentos da organização.
Apesar dos ideais pelos quais os
Anonymous se pretendem reger, o
grande público pode ter uma perce-
ção distorcida destes “hacktivistas”,
nome pelo qual preferem ser intitu-
lados. O membro do grupo refere que
“qualquer coisa dita sobre nós é pura
especulação, como foi o caso da FOX
(canal televisivo norte-americano),
que nos apelidou de demónios e ci-
berterroristas”.
‘Hacktivismo’“Há determinados grupos que se es-
pecializam e se aperfeiçoam em do-
minar os instrumentos que permitem
aceder a sítios e plataformas protegi-
dos”, afirma o sociólogo do CES, re-
ferindo a Wikileaks como um
exemplo óbvio. A associação dos
Anonymous com esta organização in-
ternacional levou a algumas baixas
entre os membros, presos por sus-
peita de ligação aos ataques à PayPal
e à Mastercard, entre outras empre-
sas. TheAnonMessage encara esta si-
tuação como “um sacrifício do
coletivo. Todavia, o nosso apoio à Wi-
kileaks continua e queremos que as
pessoas entendam que a cadeia é
para criminosos, não para hacktivis-
tas que querem devolver direitos às
pessoas”.
Ainda na memória recente estão as
insurreições no Magrebe, com revo-
luções em países como a Tunísia,
Egito e Líbia. ‘TheAnonMessage’
considera que “os Anonymous, jun-
tamente com outros grupos, funcio-
nam como primeiros
impulsionadores da mensagem, atra-
vés da internet. Depois, o encerra-
mento desta pelos governos, que
mostra haver algo a esconder, levou
as pessoas para a rua”.
No final da conversa realizada via
Skype, retém-se uma das frases de
TheAnonMessage: “seremos sempre
a faísca que acende o fogo do conhe-
cimento”.
Com Filipe Furtado
o grupo internacional Anonymous lança-se na internet numa luta contra os problemas sociais e pela liberdade de direitos. Rótulo? "Hacktivistas", respondem para quebrar ideias erradas do público acercada sua atividade, dos seus propósitos e da forma como o fazem. Por Paulo Sérgio Santos
A organização descentralizada do grupo luta contra problemas sociais e pela liberdade de direitos
Oolga jUskiewiCz
16 | a cabra | 8 de novembro de 2011 | Terça-feira
PAís
Sem conceber, Portugal perde geraçõesA população mundialnão cessa de aumentar,mas Portugal regista amenor taxa de fertilidade desde há trêsdécadas. Habitantes comvida mais longa serão o futuro
Vir ao mundo significa deixardescendência, renovar gerações epropagar a humanidade. No en-tanto, a população portuguesacontraria esta necessidade e o nú-mero de nados vivos que nasce nopaís é cada vez menor: nos próxi-mos quatro anos, Portugal vai sero país com a segunda pior taxa defecundidade em todo o mundo.“Não asseguramos a substituiçãode gerações desde 1982”, afirma aespecialista em demografia Cris-tina Sousa Gomes. Tal poderá, alongo prazo, significar a dispari-dade entre faixas etárias, comuma população mais envelhecida:“progressivamente vão existirmais pessoas de idade e menos jo-vens na sociedade”, sustenta a do-cente da Universidade de Aveiro(UA).
Nas últimas três décadas, a ten-dência de decréscimo manteve-se.Se o valor médio para garantir arenovação de gerações é de 2,1 fi-lhos, “em oitenta e noventa, o in-dicador reduziu-se até 1,49crianças por mulher”, sendo que,entre 1995 e 2000, veio a verifi-car-se “uma ligeira recuperaçãopara 1,56” e, no ano de 2009, atin-
giu-se o valor de 1,39, resume aresponsável pelo serviço de comu-nicação do INE, Isabel Silva. Pararecolher dados indicativos destaprogressão, o Instituto Nacionalde Estatística (INE) apura, combase nas Conservatórias do Re-gisto Civil, “o número de nadosvivos por cada 1000 mulheres”.“Os dados são enviados de formaeletrónica”, explica Isabel Silva, eo Índice Sintético de Fecundidadeé a ferramenta utilizada paramedir a oscilação demográfica.
Condicionantes da baixa fecundidade“A dinâmica populacional inter-fere na contração da economia”,analisa a secretária geral da Asso-ciação Portuguesa de Famílias
Numerosas (APFN), Ana Cid.Contrariando o convencional, asfamílias numerosas são um con-tributo importante para a renova-ção de gerações, pois o número defilhos é maior. Todavia, tambémelas estão a diminuir: “não só sen-timos, como é um facto compro-vado pelos dados do últimoCensos”.
Como lamenta a secretáriageral, esta é uma situação que sedeve “às penalizações que existemsobre as famílias numerosas commuitos filhos a cargo”. Existem
“despesas essenciais como a ne-cessidade de uma casa maior ou ocálculo da água por escalões quenão entram na tributação ao Es-tado”, explica Ana Cid, que ga-rante ainda: “as mulheres queremter mais filhos, só não estão a terporque não podem”.
Já a obstetra da maternidadedos Hospitais da Universidade deCoimbra, Teresa Sousa Fernan-des, constata o contrário na suaexperiência. “As pessoas formadasnão estão motivadas para serempais porque têm outras opções devida”, afirma a obstetra. “princi-palmente gente que tem aspira-ções na vida e com uma maiorformação académica”. Para AnaCid a barreira económica é, aindaassim, a mais gravosa. Ressalvaainda uma outra, “a cultural”, poisnão se considera o nascimento decrianças como “a possibilidade deum futuro melhor, amanhã”. Dis-tingue ainda que, por vezes, “den-tro da própria família” seequaciona a chegada de um novomembro “como mais encargos,mais preocupação”. “Isso com-promete toda a nossa situação de-mográfica”, compadece.
Poderá descer mais?Em prospetiva, a especialista emdemografia da UA adianta que ataxa de fecundidade não descerámuito mais -“ já está tão baixa”,constata. É tempo de pensar emcomo será a pirâmide etária dopaís mais tarde, “um estreita-mento ao nível dos mais jovens”,mas salienta que o envelheci-mento da população não é neces-sariamente mau: “significa apossibilidade de ter as pessoas atémais tarde”.
Liliana Cunha
“As pessoas formadas
não estam motivadas
para serem pais
porque têm outras
opções de vida”
Ilustração de tIago dInIs
Resolver processos queenvolvam o corromperdo dinheiro públiconunca foi consensual,mas o poder público nãose pode elevar ao poder judicial
A imagem da administração pú-blica portuguesa tem sido abaladapor casos em que as figuras que acompõem são constituídas argui-das em casos de corrupção,fraude fiscal e desvio de capitaispúblicos. Existe a possibilidadedestas se recandidatarem aosmesmos cargos, não lhes sendoatribuída nenhuma penalização.Para o constitucionalista JorgeMiranda, “a condenação penalnão pode envolver uma restriçãode um direito fundamental comoo de se candidatar e ser eleito”. No
momento de votar, “o eleitor faz aavaliação do político não em fun-ção da sua conduta moral e doabuso que possa ter feito do cargopolítico, mas da obra que omesmo terá realizado” explica ainvestigadora do Centro de Inves-tigação e Estudos Sociológicos daUniversidade de Lisboa (ISCTE),Ana Maria Belchior. Dá comoexemplo “o cenário assistido re-centemente na Madeira com areeleição de Alberto João Jar-dim”.
É do senso comum a diferençaque existe entre alguém que éconstituído arguido e alguém con-siderado culpado: “a Constituiçãodeclara todo o arguido inocenteaté transito em julgado da decisãode condenação”, lembra JorgeMiranda. No entanto, refere tam-bém que a condição de culpado“não deveria impedir que o ar-guido condenado seja preso”, ha-vendo até a hipótese deabsolvição no final com “direito aindemnização”. Isto serviria para
que não houvesse “recurso a milexpedientes processuais” e paraque se “valorizasse o tribunal deprimeira instância”. Quanto aossetores das contratações e das ne-gociações, a investigadora doISCTE considera que “há umaimagem de pureza na condutaética”. Apesar de não “grassar acorrupção” na Administração Pú-blica, há setores em que “esta as-sunção não é propriamentenova”. Acrescenta ainda que “hátodo um historial que se temvindo a consolidar”, devido à“falta de mecanismos de vigilân-cia e de fiscalização, assim comoa incapacidade de por vezes fazerfuncionar o sistema de punição”.Esta falha acaba por funcionar“como estímulo”.
Recursos no processopenal Para o professor de Direito Pro-cessual Penal da UniversidadeNova de Lisboa (UNL), FredericoCosta Pinto, a libertação ou o não
cumprimento das penas como re-sultado do recorrer do processopenal “não é problema das figurasda administração pública”.
“Os casos têm uma maior co-bertura mediática e aquilo que éuma árvore é tomada pela flo-resta”, explica. Costa Pinto evocaas “centenas e centenas de pro-cessos que terminam pelo país eque as penas são cumpridas”. Elu-cida que “o que se passa é que ar-guidos de elevado estatutosocioeconómico têm possibili-dade de contratar escritórios deadvogados que conseguem susci-tar mais problemas ao término doprocesso”. Tal, deve-se, segundoo mesmo, à postura “mais agres-siva” desses escritórios. O recor-rer da decisão do processo,condição a que todos os arguidostêm direito, tende “a modificarum pouco as penas concretasaplicadas”. Esta alteração “deveser vista” como o “bom funciona-mento do sistema”, já que, as de-cisões dos tribunais superiores
“podem estar erradas e devem sercriticadas”, de modo a fazer-se“boa justiça”, explica Costa Pinto.A possibilidade de recorrer a vá-rias instâncias pode ter o “pressu-posto implícito de que as pessoasdeviam ser responsabilizadas deforma mais severa”.
“Não podemos substituir umajustiça de tribunais por justiça deopinião pública”, atenta o docenteda UNL. A reflexão pública decasos de corrupção dentro do Es-tado pode atingir níveis de con-testação elevada, mas, numestado de direito, “a responsabili-dade criminal é atribuída pelostribunais”. Para se desfazeremequívocos, há que reconhecer adevida importância às instânciasjurídicas para se saber “em quebase se decidiu e com que ele-mentos, então aí poderemos verse havia razão ou não para baixara pena”, esclarece Frederico CostaPinto.
Com Liliana Cunha
Opinião pública não substitui justiça nos tribunais
Joana Castro
8 de novembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 17
Vive-se, no momento atual, uma conjuntura de crise, na qual toda a informação é pertinente e necessáriapara se exercer o conceito de cidadania.Plataformas como Puzzled By Policy surgem para ajudar. Por Maria Garrido
revisto em instrumentosinternacionais como a De-claração Universal dos Di-reitos Humanos, o direito
à informação “é indissociável da li-berdade de opinião, que é o seu fun-damento, e exige concatenação àgarantia de objectivismo e plura-lismo”, sublinha a professora de Di-reito Constitucional da Faculdade deDireito da Universidade do Porto(FDUP), Luísa Neto.
Entendendo o sistema informa-tivo como “suporte da ação políticae do diálogo” entre os órgãos dopoder e os cidadãos, e a sua difusão“essencial ao conhecimento econó-mico-social”, a docente defendeainda que “a possibilidade de acessoà informação deve ser igual paratodos, devendo pertencer à socie-dade e em seu nome ser exercida”.
“Informar os cidadãos com as car-tas todas, acho que é imperioso”.Quem o diz é a professora de Socio-logia da Comunicação da Universi-dade da Beira Interior, Antónia doCarmo Barriga. Considerando que ainformação tem “sobretudo umvalor social muito elevado”, a do-cente relaciona a questão com o con-ceito de cidadania: “se quisermos sercidadãos por inteiro, temos que estarinformados”. “É uma questão de ci-dadania e também uma questão deeconomia pessoal”, acrescenta. Jó-natas Machado, professor de Direitoda União Europeia da Faculdade deDireito da Universidade de Coimbra(FDUC), consolida esta acepção, aoafirmar que “sem informação sepode perder a cidadania”, tornando-se o “cidadão em súbdito”.
Cidadania e democraciaparticipativa Assim, para o indivíduo poder conti-nuar a ser cidadão e a agir como talnum sentido mais participativo, háuma necessidade de informar e es-clarecer. Mas estes atos não podepartir apenas dos media. Devempartir, também, da própria iniciativado cidadão em procurar essa infor-mação: “é preciso que as pessoasqueiram ser esclarecidas e que,aqueles a quem compete esse escla-recimento, esclareçam bem”, asse-
vera o professor de Direito Comuni-tário da Faculdade de Direito daUniversidade de Lisboa, FaustoQuadros. No entanto, Quadros acre-dita que um dos entraves pode ser a“falta de informação e a informaçãoerrada” a que acedemos.
“A aquisição destas competênciasde informação é um dos pré-requisi-tos para uma cidadania activa ecompleta: hoje, de facto, «saber époder» ”, completa Luísa Neto.Sendo “os meios de comunicação asveias e as artérias, as informaçõesque estes facultam devem ser abran-gentes, diversificadas, críticas, fiá-veis, justas e de confiança”, conclui.
Na atual situação de crise, onde ademocracia parece, também, dealgum modo, afectada por esta con-juntura, Jónatas Machado afirmaque “se vive uma crise democrática,no sentido de que não basta existirinformação”. Para o professor, “porvezes o problema não é a falta de in-formação”, mas o facto de os cida-dãos não serem dotados de meios deacção: “informar sim, mas tambémdotá-los de meios para agir, desig-nadamente quando se verifica que asinstituições que deviam proteger osseus interesses não protegem”. Sepor um lado “os sistemas de obten-ção de informação, de acountability
[responsabilização], de prestação deinformação e de exigência dessa in-formação falham”, por outro “tam-bém é verdade que por vezes aquelesque deviam ter agido com base nainformação disponível, não agiram”,refere.
Para Fausto Quadros, não se viveuma crise democrática. “Não direique estamos a viver uma crise de-mocrática; direi antes que a demo-cracia está a ser posta à prova emmomentos de crise, e é nestes mo-
mentos que a democracia mostra oseu valor e a sua força”, acredita oprofessor. “Nos tempos que correm”,alerta já Antónia do Carmo Barriga,“não convém estar-se desatento”.Para a docente é “fundamental”haver “interpretação, debate e parti-cipação cívica”, bem como é “umdever de qualquer cidadão ser parti-cipativo e activo, envolver-se nos as-suntos da Sociedade: é umaobrigação”, lembra.
Como tal, há consequências queemergem da falta de esclarecimentosobre as medidas que são tomadas eque nos governam. Falta de esclare-cimento que resulta, diz Fausto Qua-dros, nas “opiniões disparatadas eerradas sobre a crise e não sermoscapazes de a ultrapassar”. Tal comodestaca Luísa Neto, “a comunicação– entendida como um debate ani-mado e civilizado entre cidadãos – éo elemento vital da democracia”.
Puzzled By Policy Corroborando a ideia inicial de que oacesso à informação deve estar dis-ponível a todos, surge um projectointitulado “Puzzled By Policy”, fun-dado com o suporte da ComissãoEuropeia no âmbito do Programa deApoio à Política de TIC. Liderado
pela National University of Ireland,Galway e constituído por um con-sórcio de 12 parceiros em nove paí-ses europeus (onde entra Portugalcom a Agência LUSA), o projeto“tem como objetivo principal forne-cer a todos os cidadãos europeus, in-dependentemente da suaalfabetização ou conhecimentos tec-
nológicos, uma atraente e simplesplataforma de participação nasquestões políticas atuais, com espe-cial enfoque na questão da imigra-ção”, refere a responsável por parteda agência portuguesa, TeresaGomes.
No comunicado de imprensa en-viado pela agência, podemos encon-trar o propósito desta iniciativa faceà “situação preocupante” que é a “di-ficuldade de acesso e utilização deinformações, recursos e ferramen-
tas, para o cidadão médio da UniãoEuropeia (UE) ”. “Os governos reco-nhecem hoje que, para realizarempolíticas públicas eficazes, precisamde encorajar a participação do cida-dão e da comunidade em geral noprocesso de decisão política”, explicaainda o mesmo comunicado.
A plataforma propõe-se então “en-frentar o défice democrático, combi-nando conceitos e tecnologias departicipação eletrónica, totalmentetestados”, trabalhando a redução da“complexidade da elaboração de po-líticas e processos legislativos, anível da UE, e capacitando os cida-dãos no processo de decisão polí-tica”. A coordenadora do projecto,Deirdre Lee, justifica que a “eParti-cipation não pretende substituir osmodos tradicionais de participação,mas sim complementá-los para faci-litar uma inclusão mais ampla”.
Deirdre Lee acredita que “a plata-forma pode encorajar uma maiorparticipação através do forneci-mento de uma política de informa-ção, da facilitação de um discursoinformativo entre as partes interes-sadas e da capacitação dos cidadãospara se tornarem mais ativos nacriação de modelos políticos”.
Com Diana Teixeira
P
O sistema informativo age como “suporte da ação política e do diálogo” com os cidadãos, afirma Luísa Neto
“Informar oscidadãos comas cartas todas”
MarIa garrIdo
Mundo
O direito à
informação é
consagrado em vários
instrumentos
internacionais
A cidadania e a
informação são dois
conceitos
diretamente
relacionados
ArteS18 | a cabra | 8 de novembro de 2011 | terça-feira
cinema de horror temsido caracterizado poruma falta de originali-
dade crónica, compensada apenaspor alguns artifícios que, de formaesporádica, resultam, mas quetêm sido levados até à exaustão.exemplo disso é o estilo câmarana mão, onde somos voyeurs davida captada pelas próprias mãosdas personagens principais.
exemplos de uma boa execuçãodeste estilo contam-se pelos dedosdas mãos. ruggero deodato des-poletou este engenho com o filmeholocausto canibal, em 1980, echega a ser estranho que só maistarde, no final dos anos 90, é quea febre tenha pegado com o jáclássico Projecto Blair Witch, dedaniel myrick e eduardo Sán-chez. A partir daí, o género foi-sereinventado com poucos casos desucesso, como cloverfield, onde seintroduziu o elemento “monstrogigante ataca cidade” e a produçãoespanhola [rec], que traduziu deforma exímia a sensação de claus-
trofobia associada ao género“zombie”.
Actividade Paranormal foi umsucesso nas bilheteiras, em parteporque Steven Spielberg viu ofilme e decidiu investir, não só nadistribuição, mas também na pro-dução de um novo final, franca-mente mais fraco que o original,mas que deixou em aberto a pos-sibilidade para sequelas. Foi issoque aconteceu. Um filme que viveem torno da tensão e dos poucos,mas memoráveis, momentos desusto, transformou-se num fran-chise de sucesso destinado a umaestreia por cada dia das Bruxas.
este ano estreou Actividade Pa-ranormal 3 e, espantem-se, é umaprequela dos dois filmes anterio-res. Aqui, a acção decorre em1988 e podemos assistir ao desen-rolar dos eventos que levaram àmaldição das irmãs Katie e Kristirey. É sem dúvida um festival desustos, ideal para um momentobem passado no cinema, mas queperde em suspense. Aquilo que
funcionou no primeiro filme, eque foi aqui completamete postode parte, é o facto de não termosde ver tudo. As câmaras não têmde ser omnipresentes e estar sem-pre no local da acção, isso acon-tece em Actividade Paranormal 3e desafia todo o propósito de es-tarmos confinados a uma câmaracaseira. Apesar de um final re-compensador, acaba por dar de-masiadas respostas a algo queganha com o factor “desconhe-cido”. Se queriam oferecer res-postas talvez não fosse má ideia ouso de uma narrativa convencio-nal.
As interpretações estão bastanteacima do esperado, especialmenteda parte das duas jovens actrizes,que nos convencem na perfeiçãoque existe uma entidade desco-nhecida a acompanhá-las.
Um filme de emoções fortesmas lamentavelmente fáceis. me-morável apenas para quem nãoestá regularmente exposto ao gé-nero.
Actividade paranormal 3
Cin
em
a
Actividade paranormal a mais
CríTiCa de josé sanTiago
de
Henry JooSt
Ariel ScHulmAn
Com
cHriStopHer nicHolAS SmitH
lAuren Bittner
2011
amília, mulheres, Áfricae vergonha. Algumas pa-lavras que regem este
filme de Oliver Schmitz, um reali-zador sul-africano que se preo-cupa, mais uma vez, em levar parao grande ecrã os problemas dacomplexa sociedade do seu país. Oenredo desenrola-se numa pe-quena vila nos subúrbios de Joa-nesburgo e gira à volta de chanda,uma promissora pré-adolescenteque tem como única preocupaçãoos estudos. A situação muda dras-ticamente quando morre umairmã mais nova e chanda se vê emapuros para evitar a desagregaçãoda família. A jovem, aparente-mente imune a sentimentos, ébastante madura para a idade queleva. À morte da irmã, junta-se oalcoolismo do padrasto, a prosti-
tuição da melhor amiga e a doençada mãe.
com excepção de chanda, tem-se a sensação de que paira pelo arum grande vulto de ignorância, fo-mentado pelo medo e pela incom-preensão. A mãe, atingida pelaSidA, chega a visitar um falso mé-dico. chanda insiste que ela sedeve deslocar ao hospital, mas avergonha faz com que permaneçaem casa. O problema, para alívioda comunidade, é parcialmenteresolvido pela vizinha mrs. tafa.com recurso a uma vidente, estaconvence lillian, a mãe dechanda, de que a sua casa estáamaldiçoada e que deve partir. Acasa e os dois irmãos mais novosficam ao cuidado de chanda, que,nada convencida com as históriassobrenaturais, faz todos os esfor-
ços para encontrar a mãe e desco-brir a verdade. Schmitz, que atéaqui tinha tornado esta películafortemente emotiva sem ser sen-sacional, acaba o filme com umgrande cliché à hollywood.chanda consegue trazer a mãepara casa e miraculosamente re-verte as opiniões dos vizinhos emseu favor. O que num instante erauma multidão enraivecida dis-posta a apedrejar a jovem passapara um pacífico coro religioso.
contudo, isso não estraga ofilme. mostra-nos mulheres, luta-doras, que enfrentam os precon-ceitos e o ostracismo de umacomunidade que outrora lhes foiamigável para simplesmente semanterem juntas como uma famí-lia.
Schiuu!
a Vida, acima de Tudo”
joão Valadão
“ O
F
”
ve
r
Artigo disponível na:
filme
De
Oliver Schmitz
eDitora
PriSvideO
2011
FeitAS8 de novembro de 2011 | terça-feira | a cabra | 19
orna-se praticamenteimpossível falar deAllen halloween sem
fazer menção ao álbum que veiodar um abanão ao rap português,no ano de 2006. Sem que nada ofizesse prever, Projecto maryWitch deu início a um fenómenode culto nacional só comparávela dealema e valete. A expecta-tiva sobre um próximo disco queseria aquele de Janeiro, deAgosto, do dia das Bruxas e atédo Natal, foi fugindo semprepara as mesmas datas do ano se-guinte.
contudo, não é propriamentefácil escutar a Bruxa. Qualquerdesculpa serve para não se gos-tar, desde a voz cavernosa aoritmo lento, passando pela du-reza do conteúdo, sem nunca es-quecer algum défice napós-produção e/ou no processode gravação.
É um álbum que vale mais pelaenvolvência do que pela perfei-
ção. As batidas são negras, ora espelham o terror, ora a expec-tativa angustiante de um qualquer filme de suspense. houveuma evolução clara e a diversidade na produção é evidente. em“O Ódio”, parecemos regressar a Augustus Pablo; em “O con-vite”, é distinta a forma como o tema ganha força pela junção dobaixo em conjunto com as teclas; “hora de Ponta” transporta-nos para um ambiente de perseguição citadina com os ecos e asbackvocals tão característicos.
A lírica é forte, Allen relata o quotidiano, é um storyteller natoe, apesar da dureza das palavras, a mensagem não é de todo ne-gativa. trata-se de uma espécie de “ouve o que eu vi, não quei-ras o que eu vivi”, reforçada pelos seus “tropas” Johnny Ganza(já falecido), Buts mc e Ka tha Brabo bem como Psydin Ató-mico, J-cap e lord G. O ponto negativo do álbum prende-se nanova abordagem aos refrões feita por halloween. O estilo maiscantado não abona a favor e o exemplo disso é o tema “crazy”,talvez dos piores do artista.
É imperfeito, é duro, é sujo mas é real. Precisa de ser ouvidode olhos fechados pois esta realidade é a deles, não a nossa.
solidão ainda almejava na-quela casa ao pé da praia.Ali, alguém vivia sozinhocom um boneco de boca
traçada por botões vermelhos. O bo-neco era o filho que crisóstomo, aos40 anos, desejava ter. Sentia-se ape-nas metade do que era. A força doseu desejo de paternidade faz comque vá à procura. camilo, rapazinhofranzino que tinha perdido o seu avô,encontra-o. tão naturalmente comonasce o dia, camilo e crisóstomoeram pai e filho. Já isaura era a mu-lher que diminuía, vivia sentindo-semenos que os bichos do quintal.isaura encontra crisóstomo. e ca-milo ganha uma mãe. O Antoninoera maricas. Ao falar, parecia emanarflores. dizia as palavras certas, masera profundamente rejeitado. A suamãe, matilde, acreditava que deveriaodiar o seu filho. Pensa que errou. Aanã tem uma história que comove efacilmente identificamos com situa-ções conhecidas. A prontidão comque todos a ajudavam não nascia dagenerosidade que classifica as almascristãs, mas sim de um desejo de des-graça alheia que secretamente oscilana mão dedicada.
mas não esqueçamos o preconceitohomossexual. Passando-se o enredonum meio rural, observamos a cons-trução de uma imagem repleta demitos que não detêm vestígios de ló-
gica e facilmente se tornam saberesuniversais.
As personagens apresentadasnesta obra acabam por se encontrar ecomo peças de um puzzle, comple-tam-se. Juntas, tornam-se felizes. Aindolência que percorre os senti-mentos mais tristes pode ser confun-dida com auto-comiseraçãopermanente. Porém, já FernandoPessoa nos dizia que o homem é umser descontente. Sentir-se apenas“metade do que se é” é comum. Nasua obra, O filho de mil homens, val-ter hugo mãe não deixa escapar aspequenas coisas que nos impedemde ser mais essa metade. com umolhar sensível, ao longo de páginasonde a simplicidade impera, o autorconta-nos a história de pessoas tam-bém simples. mas nada de confu-sões: a simplicidade não é sinónimade pobreza. Através desta obra per-cebe-se como não são necessáriascomplicadas peripécias para cons-truir um enredo envolvente. Aqui,clama-se pela atenção do leitor paraas peculiaridades da vida. com umfinal que satisfaz todos os desejos defamília e felicidade, compreendemoscomo as mentes humanas se ocupamde coisas insignificantes e como semantêm lutas para procurar aquiloque pode estar a um mero passo dedistância.
oje em dia, nem mesmo vi-deojogos maiores são capa-zes de nos presentear cominesperadas formas, de tão
cristalizado se tornou o vocabulário vi-deolúdico; um pequeno relance é agorasuficiente para caracterizar uma obraaté ao seu mais intimo detalhe. “Nier”carrega esse fardo em peso ao assumir-se como pastiche, parecendo meraobra de carácter copista. Se fosse qua-dro, teria em foco uma cena tirada aregra e esquadro dos beat’em ups deKamiya (“Bayonetta”), simplesmentedesprovida do carácter genial e trans-gressor neles; à sua volta, um enqua-dramento estrutural de “zelda”ortodoxo, mas sem a elegância carac-terística de miyamoto; e como pano defundo figurativo algo como uma nar-rativa J-rPG com marca de qualidadeSquare enix, embora na base deenorme influência temática e estéticade Fumito Ueda. Ficando-nos por aí nanossa análise, descartaríamos “Nier”como produto inferior e derivativo, in-digno de posterior reflexão.
mas o jogo está para além de tais re-preensões pois demonstra conhecer aessência das suas apropriações,usando-as quer como forma de elevarcontextos dramáticos, quer como viapara um meta-discurso humorista
onde brinca com a memória de títulosmatriciais como “Advent” ou “residentevil” para os elogiar e parodiar. Assim,a habilidade não se encontra nas infi-nitas apropriações em si mesmas (em-bora elas sejam sintomáticas de umincomum conhecimento histórico dogénero), mas na leveza com que Yokotaro (realizador) as usa como pedrasde toque para esconder a sua fealdadee depois abordar um tema sentido euniversal – o pai que busca salvar afilha de uma doença mortal – apesarde todo o artificialismo formal com queo esconde. É a bizarria constante quetorna a acção interessante e esta ape-nas é expressa através da sua capaci-dade para percorrer uma imensapaisagística de outros videojogos, re-sultando em convulsões estéticas, nar-rativas e mecânico-diagramáticasexcitantes e inauditas. mas é sempre ocoração e alma por detrás da subver-são de códigos de género e falta de ori-ginalidade que fazem com que “Nier”seja mais que uma mera inflexão sobreos caminhos do passado. Uma obraque por aparentar ser falsa acabou in-compreendida (foi o canto de cisne doestúdio), mas que não deixa ser bemmais genuína que a falsa originalidadeque a rodeia.
oUvir
de
VAlter Hugo mãe
ediTora
AlFAguArA
2011
de
HAlloween
ediTora
SonoterApiA
2011
Árvore Kriminal”
Carlos Braz
Artigos disponíveis na:
Ao filho de mil Homens”
rUi CraVeirinHa
niCole inÁCio
nier”
JoGar
pigmaleão
GUerra DaS CaBraS
A evitar
Fraco
Podia ser pior
vale a pena
A cabra aconselha
A cabra d’Ouro
ler
Fly nigga, Fly!
h
Ser mais metade
PlaTaforma
XBoX 360/pS3
ediTora
SquAre eniX
2011
t
soLtas20 | a cabra | 8 de novembro de 2011 | terça-feira
uma ideia PaRa o ensino suPeRioR
a equação da inovação: humanidades e ciências
J. noRBeRto PiRes • PResidente do conseLho de administRação do coimBRa iPaRque
Eles não sabem nem so-nham, que o sonho co-manda a vida, que sempre
que um homem sonha, o mundo pulae avança, como uma bola colorida,entre as mãos de uma criança”, diziaAntónio Gedeão na sua “Pedra Filo-sofal”. Eu acredito muito no poder daimaginação e da intuição. São facto-res distintivos que devem ser devida-mente considerados. O nosso
modelo de ensino considera es-
sencial a acumulação de conhe-
cimento específico, amemorização de informação, e umacerta tendência de análise rigorosa(“científica,” como dizem), muito for-mal e padronizada, em detrimento
do apelo à imaginação e à capa-
cidade de ver mais à frente. As
duas coisas são necessárias, e a
questão está em saber onde co-
locar o foco para que encontre-
mos o ponto de equilíbrio.
Albert Einstein é um excelenteexemplo. Jogou com a sua intuição ecapacidade imaginativa, e grandeparte das suas realizações mantêm-seválidas até hoje. Perguntava-se váriasvezes quando fazia determinadas su-posições ou avaliava certas teorias, seDeus seguiria aquele caminho. JamesMaxwell escreveu as equações funda-mentais sobre o electromagnetismo.E fê-lo em grande parte por intuição,para manter a simetria entre propa-gação da luz em matéria e no vazio,usando a sua capacidade de imaginarcomo deveria ser. Nicola Tesla, paramim o maior inventor de todos ostempos, imaginou como poderia co-mandar à distância e como criarrobôs. E com isso nasceu a “tele-au-tomática” e foram realizadas expe-
riências inovadoras de tele-robótica.O obsessivo John Nash ficava horas aolhar para quadros e paisagens, comose estivesse a imaginar ou a ver maisalém, e depois escrevia as suas ideiase propostas. Steve Jobs imaginou umnovo mundo e das suas mãos saíramalgumas das peças de engenhariamais inovadoras dos últimos 100anos.
O que fazemos é uma mistura deimaginação, intuição, intelecto
e trabalho, muito trabalho.
Todos os que hoje reconhecemoscomo génios tinham estas caracterís-ticas. Davam muito valor à imagina-ção e à intuição, tanto ou mais valordo que davam à inteligência, e traba-lhavam muito, incansavelmente.
A equação da inovação tem,
portanto, de ter estes 4 elemen-
tos. Mas em que medida?
Hemingway escreveuum livro fabulosochamado “Ovelho e o Mar”.Nele o velhoSantiago, quenão pescava umsimples peixe há84 dias, tinha nosmagníficos olhosazuis o brilhod e
querer apanhar o maior peixe da suavida. Mesmo muito cansado, com umbarco a cair de podre, e a vela remen-dada. E conseguiu, ganhando de novoo respeito de todos. E nós viajamos aCuba com ele. O Principezinho, deSaint-Exupery, descobriu que afinalmais importante do que navegar, vere desvendar novas realidades, é im-portante descobrir o valor das coisase das pessoas, e que isso exige tempo.
A Universidade de Coimbra temestas valências todas e pode realizar,com os seus alunos, a fórmula da ino-vação. É uma universidade clássica,devia explorar esta sua mais-valia.Nenhum aluno de ciências ou enge-nharia deveria poder concluir o seucurso sem estudar a história dasideias, sem ter conhecimentos musi-cais de alguma valia, sem falar de li-teratura com alguma profundidade,ou sem ter um curso de escrita cria-tiva. São estímulos à imaginação e àcriatividade que me parecem essen-
ciais. Nenhum aluno de humanida-des deveria poder concluir o seucurso sem falar de matemática, fí-sica, discutir a história do pensa-
mento científico ou estar numlaboratório a resolver um problemaprático.
Faríamos uma autêntica
revolução se trabalhás-
semos mais na
fronteira entre as
humanidades e
as ciências:
porque é lá
que mora a
i n o v a ç ã o .Sejam arroja-dos nos curri-cula.
o amaRe(Lamento) do PRato sociaL
Fito a montra de mãos que reviram as distintas mesclas aritmo mecanizado. Recolho o prato dianteiro, como quemnão espera melhor que o aceitável - o trágico discernimentoque mais tarde vim a raivosamente lamentar. Após o recos-tar cómodo no assento, arrasto a pequena malga, meia vaziade caldo. Sorvo sofregamente a mistura aguada, que graças adeus vem quente, fazendo escorregar as pequenas víscerasde esparguete, a compensar a mígua de ingredientes da so-lução, que se derrama ligeiramente pelo canto da boca. Aca-bada, agora sim, preparo-me para o mata-bicho. Mirofixamente a mixórdia. Um empadão acompanhado de saladatimidamente temperada a azeite. Não será assim tão mau.Manejei os talheres, procurando o melhor ângulo para abor-dar o bloco ressequido, que deixava adivinhar a sua estadiaprolongada em stock. Trespassei a dura carapaça, cujo inte-rior desvendou o recheio de batata mole, tragicamente con-
jugado com a enorme porção de legumes. As aparências iludem. Aamálgama contorceu-se entre os maxilares, revelando o doce do milhoe da cenoura, a frescura das ervilhas, e a cebola despropositada, que alíngua procurava incessantemente evitar. Meia ingestão serviu paracompreender que o hábito não ia atenuar vómito que, contudo, cum-priu a malfadada missão de me saciar. Benta a água que lubrificouvezes sem conta o canal que lentamente deixava deslizar a aberrantemistura. Desarmada de vida nas papilas gustativas, capitulei. Repou-sei a minha ténue esperança na pequena taça de maçã cozida, qual pa-pinha de bebé, que deixava adivinhar o seu manuseamento prévio.Desviei a atenção com o polvilhar da canela, e lancei-me vorazmenteao viscoso líquido. Salivei por mais, inconsolável ainda assim pela ca-rência de algo mais consistente.
Por Patrícia Cunha
tom
ai e
co
mei
inêS Balreira
aRte.Ponto
m foco de luz iluminava umacadeira vazia e uma guitarra.Senta-se uma mulher, faz-se
silêncio para melhor se ouvirem osphados que ela tem para cantar.Lula Pena regressa quase um anodepois ao TAGV, desta vez como 1ªparte duma sessão que seria con-cluída por B Fachada. Mas concen-tremo-nos agora na música de LulaPena. Uma voz rouca, sussurrante,inconfundível.
“Está aqui qualquer coisa que nãodeixa…”, confidencia ao público,quando tem de recomeçar a sua mú-sica. Lula queria proximidade, maso palco estava demasiado distanteda plateia. “Estão confortáveis?”,questionou, pouco antes de recome-çar a tocar. Apenas se escuta a gui-tarra e a voz, que transportam oauditório para outras paragens,onde nacionalidades e sonoridadesdiferentes se misturam. E para ter-minar a viagem da melhor maneirapossível chama ao palco o compa-nheiro que irá prosseguir a noite. BFachada senta-se ao piano para in-
terpretar o seu dueto com Lula Penaincluído no último registo da can-tora, Troubadour.
B Fachada não é só para meninos.E nesta noite, em particular, não foimesmo recomendado a meninos.Num concerto maioritariamenteconstituído por temas tocados aopiano, com espaço também para aguitarra (quando o concerto já iamais adiantado), o músico de Cas-cais canta sobre o amor, obsceno ouapaixonado, e pormenoriza a “Horada passa” - temas novos, que serãoincluídos no disco que será editadoperto do final do ano.
Quando pega na guitarra, alguémsugere que toque “Monogamia”. Bacede ao pedido. “É assim?”, ques-tiona ao auditório sobre a correçãodas palavras que ia cantando. Comletras irónicas e uma postura empalco descontraída, o artista arrancagargalhadas do público, que se deixacativar até pelos erros – “Atéquando me engano batem palmas!”– exclama, surpreso. E para quemnão aceita que se vá embora, como
uma certa senhora que abandonouo concerto. Talvez esperasse umoutro artista e se tenha irritado comum Fachada demasiado sincero, quereagiu com um honesto “Se pudesseia eu!”, após o fechar da porta.
Perto do final surgiram temas doregisto anterior “de Inverno”, queculminou num regresso de LulaPena ao palco para cantar em con-junto o “Barrigão”. A cumplicidadeentre os dois artistas foi bem evi-dente, sobretudo num encore abso-lutamente único: os músicosregressaram ao palco, onde ao pianoe guitarra recriaram um tema tradi-cional. Lula deu o mote, pedindo aopúblico para repetir os versos ”Noalto daquela serra está um lenço aacenar, está dizendo viva viva,morra quem não sabe amar”. Fa-chada no piano também cantou coma guitarrista, e o público respondeuao apelo da nova música portuguesaque também respeita e reinventa atradição, terminando assim da me-lhor maneira uma noite memorável.
Por Daniel Silva
uma noite de cumplicidade(s)Roque Beat #3 - B Fachada e LuLa Pena • taGV • 20 de outuBRo
Daniel Silva.
U
d.r.
Já tinham terminado a refei-ção há algum tempo mas man-tinham-se sentados à mesa,
olhando para a televisão em silêncio.O noticiário abrira com pormenoressobre um novo caso de corrupção en-volvendo políticos e, logo de seguida,passara a antecipar e detalhar a fortepossibilidade de duas ou três agên-cias de rating descerem a notação dealguns bancos; eles ouviam, indife-rentes e apáticos, como se o que es-cutavam não tivesse nada a ver comas suas vidas (na verdade, não tinha)e apenas se mantivessem aparente-mente atentos porque não havia ne-nhuma alternativa melhor.
Então, por fim, ela levantou-se damesa e levou os pratos cobertos derestos de salmão para a cozinha, cam-baleando ligeiramente; ele deixou-seestar sentado durante uns segundosmas, de repente, acabou por se deci-dir a ir à casa de banho, onde lavouas mãos cuidadosamente, até sentirque extinguira o odor a casca de la-ranja. Quando ambos regressaram àsala (quase em simultâneo, o que nãodeixou de ser peculiar: se a compa-nhia do outro não era desejada, por-que não aproveitaram aoportunidade para se refugiaremnum qualquer recanto seguro dacasa?), ainda falavam de agências derating e aumentos de juros e possibi-lidades de falências na televisão. Eledeslizou para o sofá e deixou-se estar,imóvel e inerte, como se se prepa-rasse para se desligar do mundo (outalvez apenas da sua vida familiar),entrando numa espécie de hiberna-ção protectora; ela, por seu lado, re-colhia algumas migalhas acumuladasna mesa (migalhas dele, ela nunca to-cava em pão), uma a uma, com ex-cessiva e desnecessária concentração;e apanhava uma microscópica fibra
de casca de laranja (dele), que caíraao chão e fora inadvertidamente es-magada.
Quando ia a passar junto da televi-são (migalhas e casca de laranja bempresas na mão), ela parou e disse(sem o olhar):
– Espanta-me que nunca nin-guém se tenha lembrado decriar uma agência de ratingque se dedique a prever osriscos de falência dos casa-mentos. Que analise umarelação e diga: prevejo con-sideráveis riscos de incum-primento a curto prazo. Ou:na actual conjuntura, é al-tamente previsível que asexpectativas se deteriorem.
Ele continuou prostradono sofá, estático e silencioso,respirando devagarinho,com os olhos quase fechados;mas, ao ouvi-la, sorriu timi-damente, quase com gosto. Erespondeu:
– Uma escala que medisse orisco de falência dos casamentos,antes das pessoas se casarem? Tinha-nos dado muito jeito, não achas?
Ela, então, aproximou-se dele e es-tendeu a mão na direcção do seurosto, como se o fosse acariciar; masnão lhe tocou: limitou-se a abrir amão e deixar cair sobre o seu cabelodesgrenhado as migalhas (e a casqui-nha de laranja) que tinha recolhidona mesa. Ele abriu os olhos mas nãose mexeu, olhando-a com alguma cu-riosidade, com alguma surpresa, com(alguma?) vontade de se indignar; eela, quando percebeu que ele nem seiria dar ao trabalho de sacudir as mi-galhas do cabelo, suspirou em silên-cio (um suspiro interior,simultaneamente secreto e ostensivo)e marchou para a cozinha, onde ligou
a máquina de lavar louça e ficou à es-pera durante cinquenta minutos parade lá retirar dois pratos, quatro ta-lheres e um copo (os mesmos queiriam servir para o jantar do dia se-guinte, de todos os dias seguintes).
Após o divórcio, encontra-ram-se algumas vezes paratratar de assuntos práticos
relacionados com os resquícios – ofuneral, por assim dizer – do casa-mento (e também, mais secreta-mente, para se vigiaremmutuamente; para constatarem se ooutro não estaria demasiado feliz, de-masiado cedo). Curiosamente, acaba-vam sempre por rir (rir mesmo, comgosto e vontade, com prazer; juntos:como já não acontecia há anos)quando recordavam a expressão dojuiz perante a resposta deles à sua úl-tima questão; “e, já agora, de quemconsideram que foi a responsabili-dade por o vosso casamento não ter
resultado?”, perguntara o juiz. “Dasagências de rating, claro”, tinhameles respondido quase em coro (eporquê?, por que motivo tinhamdado aquela resposta imprópria e dis-paratada, em uníssono?). Riam e,pouco depois, despediam-se, um
pouco surpreendidos con-sigo próprios; algo
aliviados porperceberem
que, afinal,o outronão pare-cia assimtão feliz;algo em-baraçadospor teremrido (teriasido maisp r ó p r i od i s c u t i -r e m ? ) ,por terem
apreciadoesse riso
partilhado.E riso após riso, foram prolon-
gando o pós-divórcio, forçando umaaproximação ténue e artificial (obvia-mente inconsequente), acalentandouma indefinida e inconfessável (ob-viamente desesperada?) possibili-dade de regressão. Até que, certo dia,um deles (não importa quem) se in-teressou súbita e inesperadamentepor um – ou uma – colega lá do es-critório e tudo se precipitou: houveumas saídas e uns copos e umas gar-galhadas e uns toques e, por fim,umas fodas (umas valentes fodas); e,nesse momento, esqueceram-seagências de rating e juízes surpreen-didos e risos partilhados, esqueceu-se tudo. E a vida lá seguiu em frente,finalmente.
soLtas8 de novembro de 2011 | terça-feira | a cabra | 21
Risco de FaLência (Remixed) Por Paulo Kellerman micRo-conto
ia de Romaria da Festa dasLatas - o justiceiro solitáriodesce a avenida com a efígie
do ministro espetada numa lança.Certamente que tal metáfora é coisaque só fez sentido numa mente asso-berbada por consumo literário. Afi-nal, quem me garante que não setratava de uma procissão? Com estatimidez, ao transeunte distraído maisparece uma cruzada em prol dohomem que agravou a austeridadesuperior do ensino moderadamenteuniversitário?
Aquela carantonha era o estan-darte de uma tropa fandanga, umaorda mongol, que não conhece a lei ea ordem. Na sua marcha de terraqueimada, ocupa os dois lados daavenida. A praça, livre da acampadamunicipal, agora é para cortar a di-reito. Alguns há que atalham no ca-minho para a terra santa, cortandosenda pelos jardins, não sei se do há-bito, se para cumprir mais uma cape-linha na sua peregrinação.
Os infiéis atacam a coluna que vai
partida. Pelo meio lá aparecem coma sua politização! Não sabem quecada macaco deve ficar no seu galho?Que este não é momento para falardessas coisas sérias? O que vai pen-sar a minha mãezinha que me veiover descer a avenida, mais despidoque uma garota de uma escola desamba do carnaval da Mealhada,numa euforia ébria? Que eu virei umbolchevique? Ai dEUS nos acuda!
A fauna aqui é outra. Nasce da cria-tividade creacionista e anti-darwi-nista dos “doutores”. No génerofeminino, o magote consiste em vá-rios especímenes a cuja designação sepode acrescentar o sufixo “inho”, que,como diz a publicidade, é bem portu-guês. Joaninhas, ratinhos (!!!), leoa-zinhas, coelinhas – ou seja, qualquercoisa a que se possa ajuntar um parde orelhas e uma cauda. No géneromasculino, a matrafona é rainha e se-nhora, tradicionalmente uma apostaganha nas comemorações pagãs doEntrudo. Voltando ao início, é bicha-rada que é pouco dada à evolução, e
mais à preservação da espécie.Lá pelo meio, uns quanto engana-
dos, ainda trazem uns dixotes sobreo estado do país, sobre o ensino su-perior, enquanto enterram a dentuçano térreo nabo. Já há vacina contra aMononucleose? (lá vão os hipocon-dríacos a correr para a wikipedia)
Outros há, que equivocados sem
dúvida, pensam que aquele apetrechode alcova serve para pedinchar di-nheiro. Talvez tivessem ficado con-fundidos com a iniciativa simbólicada DG. Meus caros, desenganem-se,qualquer penico, por mais coloridoque seja, de plástico da toga ou por-celana das caldas, serve para mijar!
Olhando agora para a retaguarda,
vem lá o carro vassoura. Literal-mente. Tenta-se limpar por estas pa-ragens o que por outras se sujou. Ocandidato a carregador do pianoainda tem de se contentar com umlugar na cauda do pelotão. Os dafrente são roladores, já partem com avantagem de conhecer o terreno, ojovem aspirante é um trepador, naverdadeira acepção da palavra.
Não serão com certeza as latas queapanhou que se irão tornar no lastroque não lhe permitirá chegar aosprint final. Também desse lado hámuito veterano das clássicas, que jápor várias vezes foram ao controloanti-doping.
Enfim, Dom Quixote lá seguiu, pauno ar, contra os seus moinhos simbó-licos. Não leva escudeiro. Os sanchosde pança farta foram escorraçados apontapé. Outros virão para tomar oseu lugar. Também o Lone Rangertinha o seu Tonto.
*Por escolha do autor este texto
não segue as regras do novo Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa.
monumentais Panados sociaisPor doutorando Paulo Fernando • facebook.com/paulofernandophd
Drafaela Carvalho
the Lone RanGeR
natural de leiria, Paulo Kellerman,cedo se lançou para a escrita, cola-borando com pequenas histórias nosjornais diário de leiria, região de lei-ria e no suplemento dna do diáriode notícias. Cresceu a gostar de Paulauster, salman rushdie e Calvin &Hobbes. É nos contos que se ex-pressa e foi com eles que em 2005ganhou o Prémio de Grande ContoCamilo Castelo Branco, com o livro“Gastar Palavras”. das palavras quemais gasta conta “foder, angústia esexo”, coisa que o irrita profunda-mente – essa de gastar palavras. Fun-cionário público, Kellerman lança assuas reservas sobre o desejo de serescritor a tempo inteiro. “Trabalhopara isso, mas não digo logo quesim”. Para além da escrita, fez rádiodurante 12 anos e é um confessoapaixonado de música eletrónica. Ir-rita-se com o extremismo técnico delobo antunes e com o piloto auto-mático em que entrou saramago n’aCaverna ou n’o Homem duplicado.não tem pressa em escrever um ro-mance, continuando pelos contos,que normalmente publica no seu blo-gue agavetadopaulo.blogspot.com.o seu último livro intitula-se “Chegade Fado” e foi lançado em 2010.
João Gaspar
Paulo Kellerman • 37 anos
I
IIiluStração por ana Beatriz MarqueS
opinião22 | a cabra | 8 de novembro de 2011 | Terça-feira
Cartas ao diretorpodem ser
enviadas para
8 de Novembro. Celebra-se o dia
mundial do Urbanismo. Temos por
hábito dedicar um dia, que apodamos
de mundial, a coisas que, manifesta-
mente, se encontram em posição de
desprezo, de desvantagem, ou de sub-
jugação excessiva. Assim, num con-
texto global marcado pela presença
insistente das guerras regionais, ce-
lebramos o dia mundial da Paz. Cele-
bramos o dia da mulher, dada a
condição de desigualdade de género.
Celebrámos em tempos o dia do ope-
rário, por se tratar de uma classe ex-
plorada e subjugada. Até chegamos a
celebrar o dia da Terra, para nos lem-
brarmos do desgaste que exercemos
sobre o planeta.
Neste caso, não é propriamente o
Urbanismo que se encontra debili-
tado, são as cidades. Ou, por outra, é
a incapacidade de o urbanismo tratar
o grave problema das cidades con-
temporâneas que o torna frágil, quase
inútil.
Onde radica essa incapacidade?
Radica, em meu entender, em duas
origens distintas, embora comple-
mentares.
Por um lado, o vazio programático
do poder contemporâneo. O Urba-
nismo sempre foi uma ciência ema-
nada do poder político, embora em
determinados momentos, anteriores
à crise de 1929, o tenha sido também
do poder económico. Dado o esvazia-
mento de conteúdos programáticos
firmes, os governos democráticos
contemporâneos, quer sejam locais
ou nacionais, tendem para a degene-
rescência da esfera decisória, ver-
tendo-a em gestos de mera
simulação, onde não há mais lugar
para a regulação firme e efectiva do
espaço urbano, para o Urbanismo.
Por outro lado, e agora tão na
moda, a instituição do “fim” da ci-
dade, profeticamente prenunciada
por teóricos oriundos de várias áreas
do saber, inclusivamento do próprio
urbanismo. Confrontados com o alas-
tramento das áreas metropolitanas,
difuso, irracional e irresponsável pelo
espaço que desperdiça e pelos gastos
infraestruturais acrescidos que gera,
os pensadores contemporâneos do
urbanismo preferem, ao jeito neo-li-
beral, encarar o problema como uma
“fatalidade” dependente do livre e li-
bertino funcionamento dos merca-
dos, de solos e imobiliário.
A cidade fica então entregue a si
própria e às suas vivências e culturas,
agora cada vez mais marginais. O seu
funcionamento deixa de ser inteli-
gentemente delineado e regulado,
passa a diluir-se no espaço metropo-
litano indiferenciado, tábula rasa di-
fundida a partir de um centro que
contem em si uma cidade, igual-
mente vazia.
Apesar disso, et pour cause, ainda é
possível pensá-la num sentido mais
global, concebê-la enquanto entidade
que, no quadro de determinados pa-
râmetros, se insinua como alternativa
sólida, credível e realista, ao fenó-
meno hegemónico e inelutável do
crescimento difuso. Sim, apesar des-
ses novos determinismos metropoli-
tanos, muito up to date, atrevo-me a
pensar que subsiste ainda uma enti-
dade, ontologicamente reconhecível,
que se inscreve numa matriz de con-
tinuidade histórica, a que continua-
mos, e continuaremos, a chamar
cidade. Os modelos a partir dos quais
podemos balizar essa entidade são
globais, embora deva reconhecer que,
para o que aqui nos interessa, são de
salientar aqueles que se identificam
segundo uma matriz de localização
geográfica centrada na bacia do Me-
diterrâneo, com especial incidência
na Europa do Sul. Há, contudo, por
toda a Europa, provas incontestáveis
de subsistência, e de florescimento,
de cidades de média dimensão, que
não se inscrevem em vórtices de ab-
sorção metropolitana e que se inse-
rem em redes de articulação, quer
com as suas regiões de influência,
quer com outros pólos urbanos con-
géneres. Não seria possível enumerá-
las, nem será necessário citá-las.
Visitamo-las, reconhecêmo-las e
identificamo-las a partir das suas es-
pecificidades culturais. Conseguimos
circunscrever os seus limites, en-
canta-nos a vida dos espaços públi-
cos, potenciada por consideráveis
índices de densidade populacional.
São mais fáceis de manter e mais ba-
ratas de infraestruturar que o espaço
peri-urbano difuso. Por isso, e pela
qualidade de vida urbana, insinuam-
se como uma incontestável alterna-
tiva à metropolitanização global.
Resisto, portanto, na consideração
da cidade como uma possibilidade,
como uma opção operativa. Fran-
çoise Choay considera que o urbano,
modelo cultural hegemónico, se des-
vinculou da ideia de espaço que lhe
estava associada e alastrou por todo
o território, provocando a morte da
cidade1. Por muito que nos deixemos
seduzir por esta ideia, é também im-
possível deixar de constatar uma rea-
lidade dinâmica e futurante, através
da qual um elevado número de cida-
des de média dimensão sobrevive e
floresce, sem serem absorvidas pela
voracidade metropolitana e sem se
insinuarem elas próprias como pólos
expansionistas. Para isso, muito con-
tribuem medidas políticas concerta-
das, quer de carácter nacional, quer
de carácter local, que fixam e clarifi-
cam autonomias e influências de ca-
pitalidade territorial e
administrativa, medidas que ajudam
a sobrevivência da centralidade ur-
bana, face à utilização indestinta do
território metrolitano periférico.
*Por escolha do autor este texto
não segue as regras do novo Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa.
*Docente do Departamento de Ar-
quitectura e investigador do Centro
de Estudos Sociais
não é propriamente o urbanismo que seencontra debilitado,são as cidades. ou, por outra, é a incapacidade de o urbanismo trataro grave problema dascidades contemporâneas
diA MundiAl do urBAnisMo - As cidAdes. soBrevivênciA e perenidAde de uMA AlternAtivA
josé António BAndeirinhA*
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A Cabra errou: Na edição 235, no
artigo “A Coimbra queirosiana re-
descoberta” é referido que Eça de
Queirós habitou a República Bota-
Abaixo. De facto, o escritor habitou
uma república que ficava ao lado do
que é hoje a Bota-Abaixo. Apresen-
tamos as nossas desculpas.
OpiniãO8 de novembro de 2011 | Terça-feira | a cabra | 23
Secção de Jornalismo,
Associação Académica de Coimbra,
Rua Padre António Vieira,
3000 - Coimbra
Tel. 239821554 Fax. 239821554
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Diretor Camilo Soldado Editores-Executivos Inês Amado da Silva, João Gaspar Editoras-Executivas Multi-média Ana Francisco, Catarina Gomes Editores Inês Balreira (Ensino Superior), Ana Duarte (Cultura), Fernando SáPessoa (Desporto), Ana Morais (Cidade), Filipe Furtado (Ciência & Tecnologia), Liliana Cunha (País), Maria Garrido(Mundo) Secretária de Redação Nicole Inácio Paginação Inês Amado da Silva, Rafaela Carvalho Redação DianaLima, Diana Teixeira, Félix Ribeiro, Joana de Castro, Paulo Sérgio Santos Fotografia Ana Patrícia Abreu, Camilo Sol-dado, Daniel Silva, Felipe Grespan, Inês Amado da Silva, Inês Balreira, João Gaspar, Olga Juskiewicz, Rafaela CarvalhoIlustração Ana Granado, Ana Beatriz Marques, Tiago Dinis Colaborou nesta edição Mariana Santos Mendes, DanielSilva, Juliana Pereira, Mariana Neves Colaboradores Permanentes Carlos Braz, João Miranda, João Ribeiro, JoãoTerêncio, João Valadão, José Afonso Biscaia, José Miguel Pereira, José Santiago, Lígia Anjos, Luís Luzio, PedroMadureira, Pedro Nunes, Rafael Pinto, Rui Craveirinha Publicidade João Gaspar 239821554; 917011120 ImpressãoFIG – Indústrias Gráficas, S.A.; Telefone. 239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: [email protected] Tiragem 4000 exemplaresProdução Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra Propriedade Associação Académica de Coim-bra Agradecimentos Reitoria da Universidade de Coimbra, J.Norberto Pires, Serviços de Acção Social da Universi-dade de Coimbra, Paulo Kellerman
editorial
Uma QUestão de direito
ode parecer redundante mastorna-se inevitável voltar afalar de regulamentos deatribuição de bolsas e ação
social escolar (ASE) que, a par coma também já propalada asfixia fi-nanceira das instituições do ensinosuperior (IES), deveria estar notopo da lista de assuntos mais pre-mentes a tratar pelo Ministério daEducação e Ciência.
Depois de o decreto-lei 70/2010ter varrido uma parte significativadas bolsas de ASE (menos 12 mil anível nacional no ano letivo de2010/2011), o novo documento queregula a atribuição de bolsas parececlaramente insuficiente pois conti-nua a excluir estudantes com difi-culdades em encontrar recursospara a manutenção no ensino supe-rior (ES).
Posto isto, está em causa o direitoà liberdade de aprender, consa-grado na Constituição da RepúblicaPortuguesa. Para um ensino que sequer público, gratuito e universal,os últimos anos têm indicado o ca-minho contrário, com a exclusão dequem não tem possibilidades de su-portar os custos inerentes à fre-quência no ES.
É arrepiante a facilidade com quese encontra casos de quem congeloua matrícula na Universidade deCoimbra por não ter possibilidadesou teve que começar a trabalharpara sustentar a permanência. Che-gámos a um ponto em que os estu-dantes evitam ir comer às cantinaspor ser impossível suportar duas re-feições de dois euros e quarenta pordia, só para nomear um dos muitosexemplos de poupança.
É legítimo perguntar até queponto um estudante com este tipode necessidades consegue aguentaras despesas (alimentação, propinas,alojamento, viagens a casa, etc…)até meio do ano letivo sem lhe veratribuída a bolsa.
Com esta marginalização, o en-sino superior como degrau socialdeixa de existir, perdendo-se aoportunidade de melhoria de condi-ções de vida de uma camada da po-pulação portuguesa. É retirar ahipótese de formação no ensino su-perior a toda uma geração. Perde-seaqui também uma oportunidade dedesenvolver o país através da quali-ficação superior e, consequente-mente, alavancar a recuperaçãoeconómica.
Numa altura tão crítica em que sóagora os Serviços de Ação Social da
Universidade de Coimbra recebe-ram os dados do aproveitamentoescolar relativos ao anterior ano le-tivo, pode depreender-se que a con-clusão do processo de atribuição debolsas acontecerá novamente de-pois de janeiro.
Enquanto isto, a academia pareceandar mais entretida com o períodopré eleitoral e respetivas jogadas doque com os problemas efetivos queos seus sócios em maiores dificulda-des enfrentam. Mais do que esperarpor saber quem vai ser o eleito nodia 29 de novembro para ocupar acadeira da presidência, espera-seque o atual mandato cesse para quequem venha a seguir tome medidasrealmente eficazes no combate àssucessivas medidas negligentes einsensíveis tomadas pela tutela.
Camilo Soldado
É arrepiante a facilidade com que se encontra casos de quem congelou a matrícula na UC por não ter
possibilidades de sustentar a permanência“
P
Inês balreIra
acabra.netRedação:Secção de JornalismoAssociação Académica de CoimbraRua Padre António Vieira3000 CoimbraTelf: 239 82 15 54
Fax: 239 82 15 54e-mail: [email protected]
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Abrir e fechAr de cortinAs por Joana de Castro 200
x 100
Cortinas. De fumo, de fogo, de
água, de engano e de mentira.
Que nos abrem e fecham con-
forme a vontade de outrem.
Conforme a vontade de alguém
que não nos deixa arredá-las
para ver aquilo que é. Como se
vivêssemos com a realidade cen-
surada pelo abrir e fechar de
cortinas e de portas, de barrei-
ras à verdade a que todos nós
aspiramos conhecer, vencer e
ultrapassar. Como se vivêsse-
mos no centro da cebola e qui-
séssemos, desesperadamente,
sair para o lado de fora da casca.
Como se do lado de fora da ce-
bola não houvesse mais portas e
mais cortinas que abrem e fe-
cham e sobem e descem até ao
derradeiro cair do pano das cor-
tinas da vida.
Segundo o Plano Estratégico dos
Transportes, integrado na Secreta-
ria de Estado das Obras Públicas,
Transportes e Comunicações, até ao
final do ano as linhas ferroviárias
do Oeste e Vouga vão ficar suspen-
sas. A mobilidade sustentável fica
descurada, assim como uma polí-
tica ferroviária sólida. Também a
Comboios de Portugal merece a re-
primenda pela má gestão das linhas
ferroviárias que dão origem a um
decréscimo de passageiros. Os ho-
rários dos comboios e a oferta de
serviços parcos e de má qualidade
impedem muitos utentes de pode-
rem utilizar este meio para se des-
locarem. A.M.
Eduardo MeloMin. Economia e
EmpregoFCUC
Desde que Eduardo Melo iniciou o
mandato que se vive um clima de ins-
tabilidade na AAC. A sua direção
ficou marcada de início pela história
mal contada do secretário-geral da
Queima das Fitas. Seguiu-se a demis-
são do administrador, e com ele, os
coordenadores dos pelouros de liga-
ção aos órgãos e relações internacio-
nais abandonaram a DG. Na última
semana foi o tesoureiro que se demi-
tiu, também em situação um pouco
ambígua. Há quem alegue jogadas
políticas em torno das próximas elei-
ções. A verdade é que mais uma vez
Eduardo Melo pouco ou nada clarifi-
cou a situação, aliás, como aconteceu
das outras vezes. I.B.
A Fundação Cultural da Univer-
sidade de Coimbra votou, em Con-
selho Geral, o princípio do
“utilizador-pagador”, no que con-
cerne ao regime de utilização do es-
tádio universitário de Coimbra.
Assim sendo, as secções desportivas
da AAC vão passar, a partir do pró-
ximo ano, a ter de prestar contas
com uma “renda de casa”. Para
muitas, mais não é que passar a
pagar por um espaço que têm sus-
tentado sozinhas. Conselho Des-
portivo e Associação Académica
souberam da proposta pouco antes
da sua votação. Esperam-se, pelo
menos agora, negociações.
F.S.P.
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