edicao de aniversario marco e abril de 2012

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1 “TUDO SOBRE UMBANDA, CANDOMBLÉ E CULTOS AFRICANOS - CULTURA E RELIGIOSIDADE NEGRA”. ANO 2 EDIÇÃO ESPECIAL 02 Março/Abril de 2012

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“TUDO SOBRE UMBANDA, CANDOMBLÉ E CULTOS AFRICANOS - CULTURA E RELIGIOSIDADE NEGRA”.

ANO 2 — EDIÇÃO ESPECIAL 02 Março/Abril de 2012

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EDITORIAL Saudações amigos leitores, com as bênçãos de Olódùmarè, de Èsù e de todas as Divindades (Irúnmolè), completamos 1 Ano de Edições, no mês de Março. E para comemorar este “Um Ano”, resolvemos fazer uma Edição Especial de Aniversário, com algumas das matérias já publicadas em nossa revista, para que aqueles leitores que estão chegando agora, possam ter o gostinho de ler algumas das matérias publicadas em nossa Revista. Nesta edição especial também teremos a maravilhosa entrevista do Bàbá Sérgio Borges (Bàbá Olóògùn Oògùnládé), grande Sacerdote e Mago (Olóògùn) dentro do Culto Tradicional Yorùbá (Ìsèse Àgbáyé). Para comemorar nosso primeiro aniversário, e também para mostrar nosso carinho e gratidão para com nossos leitores, estaremos sorteando (no dia 30/06/2012) para um desses, o fabuloso livro: “Èsù e a Ordem do Universo”, da autoria de Bàbá Síkírù Sàlámì e Ìyákèmi Ribeiro. Mais uma vez, de todo coração, esperamos que gostem... Uma ótima leitura....

Por Hérick Lechinski - O Editor

“Olódùmarè - Deus do Univer-so, Rei Imortal e Invisível perante o Qual tremem todos os pode-res, permita-me jamais ser venci-do, mas sempre ser o vencedor.” - Bàbá Olúmoko A l á y é l ú Sàngógbèmi

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ÍNDICE Livro do Mês: “Exu e a ordem do Universo” Pág. 04 Ìsèse Àgbáyé – O Tradicional Culto Indígena Yorùbá Pág. 05 Entrevista do Mês: Falando de Axé com o Bàbá Olóògùn Oògùnládé Pág. 08 Epítetos de Òrúnmìlà-Ifá Pág. 12 Ìyámi Òdù – A Misteriosa Esposa de Ifá Pág. 14 Ìyámi Òsòròngà – A Grande Mãe Emplumada Pág 18 Odù do Mês: Òsáméjì – O Odù que nasceu o Poder Feminino Pág. 20 Òrìsà do Mês: Òsanyìn – O Grande Mago das Folhas e Florestas Pág. 22 Candomblé – A Importante Herança Religiosa Africana Pág. 28 Ìjèsà de Lògùn Ede não é o mesmo Ìjèsà de Òsun? Pág. 30 Folha do Mês: Ewé Kúkúndùnkú – A Mestra das Folhas quando o dia Nasce Pág. 34 Criação do Mundo segundo a Tradição Bantu Pág. 36 Cultura Vòdún, a Nação Jèjí no Brasil Pág. 41 Umbanda, Uma Religião tipicamente Brasileira Pág. 44 Caboclos, de um Brasil Caboclo Pág. 47 Os Ciganos na Umbanda Pág. 50 Santo do Mês: São Jorge, o Guerreiro Pág. 54 A Ética e a Moral na Religião Tradicional Africana Pág. 57 Personalidades Negras: Zumbi dos Palmares Pág. 58 A Música Africana e sua Influência Pág. 60 História da Capoeira Pág. 62 Edições Anteriores Pág. 65 Contatos Pág. 66

Ìbà Olódùmarè Elédà mi - Saudações a Olódùmarè, O meu Criador.

Ilè Ògéré Ìbà - Terra, cujo poder se espalha por todo o Universo, Saudações.

Mo júbà Èsù Alágbára Irúnmolè - Eu respeitosamente saúdo Èsù, o Poderoso dentre as Divindades.

Ìbà gbogbo - Saudações a Todos!!!

Kò sí èyí ti yóò móo jeun

Tàbí yóò móo se ìgúnwà tí kò

Ní fi ti Èsù síwájú

Não existe ninguém que

coma.

Ou esteja instalado com

realeza.

Sem que haja recorrido a Èsù

primeiro.

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Livro do Mês Após um longo tempo de espera, cerca de duas

décadas, Dr. Síkírù Sàlámì (King) e a Drª Ìyákèmi Ribeiro entregam ao público leitor, para serem compartilhados, alguns conhecimentos sobre o Orixá Exú, a Primeira Estrela a ser Criada. O livro trata sobre a Divindade Exú e não sobre os Exús, espíritos cultuados na Umbanda.

Falam, sim, da Divindade primordial, a partir de

conhecimentos preservados no âmbito da tradição oral ioruba, mais precisamente, no corpus literário de Ifá: em odus, orikís, cantigas, rezas, saudações e evocações.

A coleta de informações junto a Babalaôs

nigerianos e outras fontes fidedignas, demandou muitas viagens ao território ioruba, viagens essas realizadas pelo autor principal desta obra, Síkírù Sàlámì (King), doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo, fundador e líder espiritual do Oduduwa Templo dos Orixás, espaço de ensinamentos e práticas da Religião Tradicional Iorubá, em Monagaguá-SP, Brasil.

1º livro brasileiro, que fala desta Majestosa

Divindade, com coerência e através de fontes fidedignas, verdadeiras, livro completo e que o leitor pode confiar...

Adquira você também o seu e uma Ótima

Leitura...

Exu E a ordem do

Universo Dr. Profº Síkírù Sàlámì

(Bàbálóòrìsà King) Drª Ìyákèmi Ribeiro

Participe e Ganhe você também.... http://falandodeaxe.webnode.com.br/ganhe-

o-livro-exu-e-a-ordem-do-universo/

Em comemoração de seu 1º Aniversário, a Falando de Axé estará sor-teando de presente aos seus leitores, um (1) livro “Exú e a Ordem do Universo”, o sorteio será dia 30 de junho de 2012. Para ganhar, basta você entrar no site da Revista e deixar seu nome e uma mensagem com as matérias que você gostaria de ver nas próximas edições...

Participe, este livro pode ser seu... Boa Sorte!!! Wúre fún o...

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Ìsèse Àgbáyé – O Tradicional Culto Indígena Yorùbá

Ìsèse Àgbáyé ou Èsìn Yorùbá é como é chamado e conheci-do o tradicional culto indí-gena yorùbá. Uma religião ancestral praticado dês dos primórdios da Terra, há mi-lênios... A tradicional religião nigeria-na, também referida como religião indígena yorùbá, engloba manifestações e fundamentos culturais, sociais e religiosos de um país da África, chamado Nigéria. O Èsìn yorùbá (culto yorùbá) possui ensinamen-tos, práticas e rituais que organizam a estrutura das sociedades nativas nigeria-nas, permitindo também, concepções próprias a res-peito de Deus e do Uni-verso em geral. Porém, mesmo dentro de uma mesma comunidade, cidade

ou estado, podem existir pequenas divergências em relação as concepções a respeito do sobrenatural. É uma tradição religiosa que em quase nada foi influen-ciada pelas religiões adota-das recentemente, como o cristianismo, islã, judaísmo, entre outras. Pelo contrá-rio, assim como no Brasil, muitos cristãos e mulçuma-nos vão em busca de sacer-dotes do Culto Iorubá para se tratarem, principalmente os Bàbálawo (adivinhos, de-tentores dos segredos). É um culto que além de praticado na Nigéria, muito vem sendo praticado e difundido em países da América, Ásia e Europa. O Ìsèse Àgbáyé é um culto completamente étnico e tri-bal, por mais que sua base seja única, possui também

suas diferenças, variando seus costumes e liturgias, de acordo com cada etnia e tribo. De todos os Cultos Africa-nos, foi e é o mais influ-ente no Brasil, falando reli-giosamente. A primeiro vez que este veio ao nosso país, foi em meados do século XVIII, com a vinda de es-cravos africanos de origem Nàgó (yorùbá, ìjèsà, igbó, egbá, etc), através do tráfi-co escravista. Chegando a-qui, pela diferença cultural, o mesmo teve que ser rea-daptado a nossas terras e a cultura existente, nascendo ai o Candomblé, CULTO AFRO-BRASILEIRO, de MATRIZ AFRICANA. Então, muito da tradição deste culto per-deu-se e muito de outras culturas foi agregado a es-te, gerando

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Mas na década de 90, o Bàbálóòrìsà Síkírù Sàlámì (King), o finado Bàbálóòrìsà Ribas, a Ìyálóòrìsà Sandra Epega e mais alguns ou-tros sacerdotes, começam o resgate ao Culto Tradicional Indígena Yorùbá em nossas terras, trazendo ao Brasil sacerdotes iorubás oriundo da Nigéria. E então, esta religiosidade retorna à nossa terra e hoje, diferente da primeira vez, podemos ter o livre arbí-trio e o privilégio de cultuar as divindades Iorubás, como estas eram e são cultuadas em suas terras natais, na Ni-géria. Hoje, além das Ilé Èsìn (casas de culto) da Ìyálóòrìsà Sandra Epega (em Diadema/SP) e do Bàbálóòrìsà King (em Mong-aguá/SP), podemos encon-trar espalhadas pelo Brasil a fora, diversas outras casas de culto que praticam o Èsìn Yorùbá (Ìsèse Àgbáyé), se-guindo as mais variadas tradi-ções religiosas, Abéòkúta, Ìbàdàn, Òsogbo, Èkìtì, etc.

o lugar de origem de suas primeiras tribos, de seus ancestrais primordiais. lfé é o berço de toda religião tradicional iorubá, é um lugar sagrado, onde as divindades (Orixás) chegaram, criaram, povoaram o mundo e depois ensinaram aos mortais como as cultuarem... Os iorubas mais tradicionais seguem um calendário lunar, com semanas de apenas qua-tro dias (ojó Obàtálá, ojó A-wo, ojó Ògún, ojó Jàkúta), nos quais cultuam suas di-vindades. No Ojó Òsè (Ojó Obàtálá), dia de Obàtálá, dia em que rendem homenagem às di-vindades criadoras, cultuam Obàtálá (Primogênito de Olódùmarè, o criador da raça humana, senhor de todos os òrìsà [irúnmolè fúnfún]), Yèmowó (Esposa de Obàtá-lá, divindade dos búzios e da p r o s p e r i d a d e ) , È s ù (Divindade organizadora do U n i v e r s o ) , E g ú n g ú n (Ancestrais masculinos), Orò (Ancestral primordial), Òkè (Divindade das mo n t a n h a s )

Culto Iorubá prega a exis-tência de uma Divindade regente e governante da Terra, chamada Olódùmarè, que equivale ao Deus-/Alá/Jeová dos outros po-vos. Este criou a raça hu-mana e governa a Terra com o auxílio de outras divindades, chamadas Irúnmolè (popularmente co-nhecidas como Orixás no Brasil). Cada divindade des-tas, possui seu corpo sacer-dotal, que através de co-munidades (conventos, templos, casas, sociedades) difundem e preservam seus cultos. A maior autoridade sacerdo-tal desta religião hoje, é o Àràbà Àgbáyé, da Cidade de Ilé Ifè na Nigéria, que a-lém de Àràbà Àgbáyé (Chefe Universal de todos os Sacerdotes de Òrúnmìlà), detém o título de Olú Ìsèse Àgbáyé (Senhor desta Religião no Mundo), sua pes-soa para os seguidores deste culto, equivale ao Papa para os católicos. É um represen-tante de Òrúnmìlà sobre a Terra e é considerado um descendente consanguíneo desta divindade. Guarda se-gredos incalculáveis da hu-manidade. É também uma autoridade política na Nigéria. O mesmo esteve no Brasil em Setembro de 2009. O Culto Iorubá, como já dito, foi o culto que deu origem a diversos outros cultos religio-sos no Novo Mundo, como a Santeria em Cuba e o Can-domblé no Brasil. A cidade de Ilê Ifé (Ilé Ifè) é considerada pelos iorubás

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e Agemo ( Di vi nd a de representada pelo camale-ão, a primeira a caminhar sobre a Terra com seus descendentes). No Ojó Awo, dia do Segredo, dia em que rendem homena-gem as divindades detento-ras dos segredos, mais pre-cisamente Òrúnmìlà (Ifá), a divindade da sabedoria. Cul-tuam Èlà (Divindade da Luz), Òrúnmìlà (Divindade da Sa-bedoria), Òsun (Divindade da maternidade), Òsanyìn (Divindade detentora dos segredos das folhas), Olókun (A poderosa e riquíssima di-vindade dos mares), Yèmoja (Divindade dos rios e prote-tora das cabeças). No Ojó Ògún, dia do Guerrei-ro, dia em que rendem ho-menagem as divindades guerreiras e caçadoras, cul-tuam Ògún (Patrono de to-dos os caçadores e divin-dade do ferro), Òsóòsì (Divindade caçadora que pro-tege contra as feiticeiras), Ìja (Divindade da família de Ògún), Òrìsà Oko (Divindade funfun da fazenda e da agricultura e grande ca-çador). No Ojó Jàkúta, dia do Mor-tífero atirador de pedras, rendem homenagens às divindades Sàngó (Divindade do trovão e ancestral de Òyó), Oya (Divindade dos ventos e tempestades, es-posa de Sàngó), Baáyànnì (Divindade da família de Sàn-gó),Sònpònná (Divindade da terra, das doenças e epi-demias) e Nàná Bùkúù (Divindade antiga da morte e mãe de Sònpònná).

ritualística, pelos seus ensi-namentos de moral e conduta e principalmente, pelas suas magníficas divindades. Espero que essa matéria possa incentivar aos leitores a busca da conhecer mais sobre esse magnífico culto. Ìbáse a todos!!

Por Hérick Lechinski (Ejòtolà T’Òsùmàrè)

Ao contrário do Brasil, on-de várias divindades passa-ram a ser cultuadas em um mesmo templo, na Ni-géria as divindades são cultuadas cada uma em seus respectivos templos ou sociedades. Existindo em ca-da cidade nigeriana, os res-pectivos templos de cada divindade. Porém, cada di-vindade possui seu templo principal na cidade de sua origem, por exemplo, o principal templo de Sàngó encontra-se em Òyó, o principal templo de Òsun, encontra-se em Òsogbo, o principal templo de Yèmoja se encontra em Abéòkúta, o principal templo de Òrúnmìlà encontra-se em Ilé Ifè e assim por diante. Quando existem pessoas que devem ser iniciadas a uma determinada divindade e não existe o templo desta na cidade natal da pessoa, a mesma é encaminhada ao templo mais próximo desta divindade no país (Nigéria). Com toda esta recriação do Culto no Brasil, o culto não teve apenas percas, mas ga-nhos também, o ato de cultuarem várias divindades em um mesmo templo, por exemplo. Bom, este foi apenas um pouco do que é esta es-plendida e complexa religi-ão, que a cada dia que passa, mais e mais devotos vem semeando em nossa terra. Infelizmente, ainda muito mal interpretada por alguns, porém, muito amada por outros, por sua simples e ao mesmo tempo complexa

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ENTREVISTA DO MÊS

Falando de Axé com o Bàbá Olóògùn Oògùnládé

Falando de Axé: O senhor poderia nos falar quando e co-mo conheceu o Culto a Òrìsà, como começou sua espirituali-dade? Bàbá Ifágbàmilá Odùyémi Oògùnládé (Sérgio Borges): Àború Àboyè Àbosise, na verda-de não existiu um quando, e sim, tudo isso fez parte de um processo natural em minha vi-da. Fui criado por meus avós e os mesmos eram sacerdotes de religiões de matrizes africanas (Candomblé). O barulho do ata-baque sempre me seduziu. Nunca me interessei pela Igre-ja, pela primeira comunhão ou pela crisma, coisas assim. A es-piritualidade afro (e afro-brasileira) esteve presente des-de os meus primeiros dias e sempre me fascinou mais que tudo. Falando de Axé: O que levou o senhor a escolher o Èsìn

yorùbá/Ìsèse Àgbàyé como reli-gião? Bàbá Ifágbàmilá Odùyémi Oògùnládé (Sérgio Borges): O que mais me fascina, ao falar sobre tudo isso, é que, simples-mente eu não escolhi isso. Não despertei um belo dia e disso vou ser sacerdote, ou vou me iniciar em Ifá para ampliar os meus horizontes. As coisas sim-plesmente aconteceram. Passei por um período muito complica-do em minha vida, onde uma enfermidade quase me levou a morte, e após inúmeras tentati-

vas frustradas de cura, em tra-tamentos convencionais e espi-rituais, acabei viajando à África. Ali encontrei muito mais que a solução de meu problema. Fui me apaixonando pelas pes-soas, pela cultura, enfim, por tudo. E uma coisa foi levando a outra. Falando de Axé: A seu ver, de acordo com sua experiência sa-cerdotal, o que o Èsìn yorùbá (Religião Tradicional Yorùbá) possui, que as outras religiões não possuem? Bàbá Ifágbàmilá Odùyémi Oògùnládé (Sérgio Borges): Muitas vezes, quando eu come-ço a falar de nossa religião, sempre faço questão de frisar a importância da vivência da cul-tura e na sociedade yorùbá, na compreensão e no entendimen-to do que vem a ser o Èsìn yorùbá. Você pode comprar mi-lhões de livros, ler dezenas de sites, tirar duzentas mil fotos com Ìrùkèrè nas mãos. Viajar à África, uma, duas ou três vezes ou ate mesmo montar sites com copias de escritos meus em fó-runs antigos (rsrsrs).

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Mais se você não tiver vivencia-do tudo aquilo, se não olhar para os yorùbás e se sentir co-mo um deles, ser reconhecido (reconhecimento esse, que na-da tem a ver com a compra de certificados) como um deles, você jamais ira compreender o que verdadeiramente vem a ser o Èsìn yorùbá. E sem isso meu amigo, e impossível compreen-der e passar para os seus o que o Èsìn Yorùbá tem que o difere de todas as outras religiões. Muitas pessoas veem o Èsìn yorùbá como prática de resulta-dos, outras apenas uma nova opção por serem sacerdotes sem perspectivas e na verdade não conseguem compreender o maravilhoso caminho de vida presente em nossa tradição. Dentre todas as possibilidades presentes em nossa cultura

Falando de Axé: O que o se-nhor tem a dizer sobre o Culto a Òrúnmìlà-Ifá no Brasil nos dias de hoje? Bàbá Ifágbàmilá Odùyémi Oògùnládé (Sérgio Borges): Infelizmente a resposta mais apropriada seria uma tarja ne-gra. Muitos podem estar se per-guntando com que propriedade eu falo isso, não e mesmo. Res-pondo apenas com a proprieda-de de ter sido o primeiro sacer-dote branco a divulgar o Ifá em nosso país. E exatamente por isso é que a maior vontade que tenho é simplesmente não co-mentar o que se passa. O Ifá (Culto à Òrúnmìlà) teve um crescimento desproporcio-nal nos últimos anos, uma coisa que eu sempre temi, porque infelizmente quantidade não significa qualidade e isso tem refletido diretamente na vida de muitas pessoas. A cada dia que passa, surgem mais e mais Bàbálawos, pesso-as iniciadas que em sete dias se aventuram a fazer as mais des-medidas loucuras, munidas de um livro e de algumas supostas verdades defendidas por um grupo, que apesar de serem a minoria, vem fazendo um enor-me estrago em nossa religião. Mas acredito na verdade e sei que esse não será o final de algo tão lindo e complexo como o Culto a Òrúnmìlà-Ifá no Bra-sil.

religiosa, nada e mais belo do que a capacidade de tornar o ser humano através de sua di-vindade pessoal (Orí) uno com todas as energias da Natureza, energias essas que tem sua ver-dade expressa nas mais diver-sas manifestações (os Irúnmolè, Òrìsà), conseguindo assim, mui-to mais do que lograr uma me-lhora financeira ou o retorno de um amor perdido, lograr uma vida plena, podendo contemplar todas as manifestações divinas, tendo consciência de sua res-ponsabilidade e também do im-portante papel que possui na preservação, na manutenção e principalmente da interação com todas as expressões do Sagra-do. E isso meu amigo, em nossa Religião (Èsìn yorùbá/Ìsèse àg-bàyé) não se pode copiar, se vivencia ou não.

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Falando de Axé: O senhor acredita na possibilidade da e-xistência de Bàbálawos Brasilei-ros e em futuras Egbé Ifá no Brasil? Bàbá Ifágbàmilá Odùyémi Oògùnládé (Sérgio Borges): Eu já disse isso algumas vezes, e volto a afirmar sem sombra de duvidas que sim, acredito fielmente nisso. Acredito que o mesmo Ifá que existe na Nigé-ria, pode vir a existir no Brasil, mas para isso se torna necessá-rio que algumas correções se-jam feitas. Primeiro, o constante intercam-bio que vem sendo feito, só que com a vinda de sacerdotes ver-dadeiros, para que assim as pessoas estejam sempre em contato com a verdadeira religi-ão yorùbá. Segundo, uma maior união en-tre as lideranças verdadeiras de nossa tradição, para que assim possamos vislumbrar um futuro melhor. Essa união seria útil em muitos aspectos, porque assim preser-varíamos o Ifá e também con-seguiríamos preservar as pesso-as bem intencionadas de muitos aventureiros e dos muitos es-tragos que vem acontecendo. A criação de um Conselho Bra-sileiro ou latino Americano de Ifá, assim como existe em Cu-ba, conselho esse que deveria ser divido entre os mais varia-dos níveis iniciáticos, aonde o aspirante assim como os mem-bros antigos deveriam ser sub-metidos a uma entrevista e a um questionário, provando seu conhecimento e capacidade de exercer o sacerdócio a que se propõe. Garanto a vocês que dos du-zentos bàbálawos ou sacerdo-tes supostamente tradicionais,

dos desejos das divindades e também na correção, preserva-ção e principalmente na com-preensão dos diversos proble-mas presentes no dia a dia dos seres humanos. É um oráculo impar, que neces-sita de muito estudo, devida ao fato de o mesmo permitir um dialogo aberto com as divinda-des, permitindo a negociação e a composição das mais diferen-tes oferendas, do preparo das medicinas e muito, muito mais. Falando de Axé: Bàbá, o que é uma Iniciação (feitura de san-to) e sua real importância, para o senhor? Bàbá Ifágbàmilá Odùyémi Oògùnládé (Sérgio Borges): Muitas vezes costumo questio-nar as pessoas sobre a diferen-ça entre uma iniciação e um assentamento. Na iniciação, buscamos desper-tar características que se en-contram adormecidas na vida do iniciando, criando assim con-dições para que o mesmo, em contato com a divindade em questão possa vivenciar sua existência de uma maneira ple-na, e em contato com a verda-de presente na manifestação de suas divindades.

não mais que dez dariam a cara a participar disso. Porem seria muito importante na estruturação de nossa religi-ão. Falando de Axé: O que o se-nhor poderia nos dizer sobre o Culto ao Òrìsà Òsanyìn e sua importância para a Religião Tra-dicional Yorùbá e seus adeptos? Bàbá Ifágbàmilá Odùyémi Oògùnládé (Sérgio Borges): Como eu disse a Falando de Axé uma vez em uma matéria sobre Òsanyìn, Òsanyìn é extrema-mente importante em nossa tra-dição religiosa. E impossível pensarmos em nossa religião sem pensarmos em Òsanyìn, porque sem as ervas, cascas, raízes e outros elementos da natureza, simplesmente não e-xistiria a Religião Tradicional Yorùbá. E mais uma vez afirmo tudo co-meça (Igbèrè - iniciação) e ter-mina (Ìsìnkú - funeral) com Òsanyìn. Falando de Axé: Fale para nós, sobre seus futuros projetos em relação à Religião Tradicio-nal Iorubá? Bàbá Ifágbàmilá Odùyémi Oògùnládé (Sérgio Borges): Estou estruturando e trabalhan-do em algumas coisas e no mo-mento apropriado, a partir de junho de 2012, tudo será divul-gado. Falando de Axé: Fale para nós sobre a importância do Mérìndínlógún Ifá (Jogo de Bú-zios)?

Bàbá Ifágbàmilá Odùyémi Oògùnládé (Sérgio Borges): Acredito que como todo oráculo, desde que bem manipulado, o Mérìndínlógún possui importân-cia fundamental na transmissão

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Em um assentamento, procura-mos equilibrar o destino de u-ma determinada pessoa, suprin-do deficiências energéticas pre-sentes em suas características pessoais. Porem, diferente do que vemos por ai, iniciação como o próprio nome diz, e apenas o inicio, inicio esse que cria condições para que a pessoa mergulho nos aspectos mais secretos e profundos de uma tradição reli-giosa. Por exemplo, uma Ifá tite ou Ìtèfá não faz de ninguém um bàbálawo, apenas cria con-dições para que o mesmo possa vivenciar o dia a dia de uma egbé bàbálawo, para que com o passar dos anos, através do iko ate e do itowobiye, seja reco-nhecido por seus pares como membro de determinada

O Òrìsà em si e extremamen-te sábio, mas infelizmente nossas escolhas, muitas ve-zes equivocadas nos levam a situações de extrema dificul-dade onde muitas vezes não conseguimos enxergar ou vislumbrar um novo horizon-te. Não importa qual caminho tenha te levado ao Òrìsà, ou qual situação você possa es-tar vivenciando, simplesmen-te acredite, faça as coisas certas, pelos motivos certos e você vera que no final as coisas irão acontecer da me-lhor maneira possível, e que embora ninguém possa pas-sar as dificuldades por você, os Òrìsàs sempre nos acom-panham e é incrível como no final de algo que parece sem solução, as coisas simples-mente acontecem e sempre a transformação vem nos le-vando ao melhor caminho, caminho esse que nem sem-pre e o caminho que esco-lhemos.

Obrigado a todos.

sociedade, podendo assim exer-cer com maestria a função a qual se propõe.

Falando de Axé: Bàbá deixe uma mensagem para os leito-res de nossa revista e para os devotos de Òrìsà.

Bàbá Ifágbàmilá Odùyémi Oògùnládé (Sérgio Bor-ges): Muitas vezes pessoas nos procuram tristes e nos dizem que fizeram isso e a-quilo, e que se encontram sem caminho, sem perspecti-va, perdidas e que não com-preendem como determinado Òrìsà pode ter permitido que tal situação esteja presente em sua vida.

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Os epítetos são na realidade ORÍKÌ, recitações que relatam características da divindade e

as exaltam. Pois, para o povo yorùbá, a melhor forma de invocar uma energia é exaltando seus feitos e suas qualidades. Os epítetos de Õrúnmìlà-Ifá são vários, apresento neste

texto alguns deles, com o intuito de contribuir um pouco, para a desmistificação dessa divindade aqui no Brasil.

IFÁ OLÓKUN: Se traduzirmos literalmente ficará: Ifá o Senhor do Oceano. Mas, essa pe-

quena palavra quer dizer muito mais que isso e pode ter várias interpretações. Uma delas é: Ifá é tão amplo quanto o Oceano, por isso seu culto exige total dedicação de seus sa-cerdotes e devotos. Outra idéia é de que, Olókun (Deusa do Oceano) após ter ficado anos

casada com Odùdúwà (pai do povo yorùbá), foi casada com Õrúnmìlà-Ifá, e o titulo de se-

nhor dos oceanos foi atribuído à ele também.

ÇLËRÌÍ ÌPÍN: Senhor que conhece o destino, aquele que está presente no momento que

Olódùmarè (Deus) dá o sopro divino, aquele que conhece os pactos feitos por cada um de

nós antes de virmos ao Àiyé (Mundo – Terra). Por isso, através da iniciação de Ifá, o devo-

to conhece os mistérios que envolvem seu destino e sua existência. IBÌKEJÌ ELÉDÙNMARÈ: A segunda pessoa em importância após Elédùnmarè (Deus), ou

seja, a importância de Ifá é tão grande, que, acima dele apenas está o Deus supremo do

Õrún (Céu – plano espiritual).

ÕRÚNMÌLÀ AKÉRÉ FINÚ SÔGBÖN: Orumilá homem pequeno que usa o próprio interior

como fonte de sabedoria. Esse epíteto deixa claro a sabedoria de Ifá, que é, de encontrar as respostas que ele necessita dentro dele mesmo. Essa sabedoria é ensinada aos inicia-dos em Ifá, de utilizar o próprio conhecimento interior para solucionar problemas do dia-dia. AGBÁYÉ GBÕRUN: Aquele que vive no mundo visível e no mundo invisível, ou, o mais an-

tigo nos dois mundos. Deixando claro, que Ifá está presente em todas as partes do univer-so.

Epítetos de Õrúnmìlà –

Ifá

Por Zarcel Carnielli-Ômô

Ifá Ilésire (Bàbá Òÿàláÿínà

Omigbàmi Ajétúnbí)

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ÒKITÌBÌRÍ APA ÔJÖ IKÚ DÀ: O poderoso que altera o dia da morte. Através da iniciação

de Ifá, as pessoas se agirem corretamente, tendem a garantir vida longa, pois, qualquer morte prematura que estivesse no caminho da pessoa, Ifá tem o poder para cortar. ÔKÙNRIN ÀGBÔNMÌRÈGÚN: Homem do coquinho que nós nunca esquecemos. Lembran-

do a importância do IKIN (COQUINHO DE DENDÊ) dentro do culto de Ifá, e a importância

de que, para que algo tenha força, é preciso que seja lembrado (cultuado). ÇRIGI A BÔ LÀ: Aquele que ao ser venerado, traz a sorte, a prosperidade. Ressaltando

que através de Ifá a pessoa reconquista sua sorte e sua prosperidade.

ALÁDÉ: Senhor da coroa. O que possui uma cabeça tão boa que não perde a coroa, Ifá é o

eterno rei da sabedoria, fonte inesgotável de informações e orientação. Por isso chamado de dono da coroa. São vários os epítetos para Ifá, chamados também de “nomes de louvor”, mas, nesse tex-to, procurei destacar os mais importantes e utilizados, pois, através deles, qualquer um pode saudar Ifá e também aprender um pouco mais sobre ele e sua importância na vida e no dia-dia da humanidade. Mais uma vez agradeço à todos os mestres que tive e tenho, Bàbá Kekeje (Antonio de Sàn-gó), Ìyá Dela (Marta de Õÿun), Bàbá Fábùnmi (ni iranti – in memorian), Bàbá Awodiran e Bàbá King.

Biografia consultada: CÂNTICOS DOS ORIXÁS NA ÁFRICA, Síkírù Sàlámì – Profº. Dr. King. Ed Oduduwa. *A Interpretação dos epítetos foram feitos por mim, baseado naquilo que pude entender de Ifá nesses 14 anos de iniciado, 14 anos que aprendi que Ifá não é apenas tão amplo co-mo o Oceano, mas sim, tão amplo quanto o Universo. Que Ifá abençoe a todos.

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Ìyámi Òdù - A misteriosa esposa de Ifá Ìyámi Odù-logboje é um Òrìsà feminino, dentro do

corpo literário de Ifá, alguns ìtàn dizem que essa foi a primeira divindade feminina a vir para a Terra.

Chamada também de Òdù, essa energia misteriosa é

ainda pouco conhecida no Brasil, justamente porque seu culto é restrito aos seus iniciados, podendo apenas ser louvada e não manipulada, por aqueles que são apenas devotos e não iniciados em seu culto.

Ìyámi Òdù é a esposa de Ifá, seu assentamento é o

Igbá-Òdù (Cabaça de Òdù), ou seja, ela é a mãe de todos os 256 Odù, signos de Ifá.

A Igbádù é uma cabaça cujo dentro tem uma série

de elementos sagrados e secretos que não podem ser

vistos por pessoas não preparadas. Esses elementos

representam o céu e a terra em sua união fecunda. Igbá

odù normalmente é envolvida em um òjá funfun (pano

branco) e uma roupa de palha, sempre deve ser colada em

um local restrito, pode ser guardada dentro do Àpèrè

Odù, um tipo de caixa em madeira que lembra muito um

carretel de linha gigante.

Para falar de Ìyá mi Òdù dentro do contexto de Ifá, é preciso falar antes de Ifá.

Ifá é o deus do destino, e o grande revelador do destino humano. Na

tradição Yorùbá só existe UMA iniciação em Ifá, essa é chamada de Itefá, pois é

no Ita-ifá (terceiro dia da iniciação) que surge o odù revelador do destino do

devoto. Nesse procedimento o devoto passa por um ritual chamado Igbó-dù

(floresta de Odù) que pode ser feito em uma mata fechada, ou em um quarto

sagrado onde encontra-se Ìyámi Òdù. Nesse ritual o devoto é APRESENTADO à

esposa de Ifá, onde o iniciado pede para que a mesma lhe favoreça com um bom

destino.

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Muitos dizem que Isefá é a iniciação de Ifá, chamada de primeira mão, devido o sincretismo com o culto de Ifá afro-cubano, isso é um grande equivoco, pois, Isefá ou Sese, é apenas um trabalho feito para Ifá, onde os ikin são lavados e sacralizados. Não é um processo iniciático.

Lembro aqui que o Itefá não é uma iniciação sacerdotal, ou seja, ser

submetido à ela, não implica que a pessoa será Bàbálawo, e sim apenas, que a pessoa passa a ser um iniciado de Ifá e poderá através dessa iniciação ter uma vida mais equilibrada e harmoniosa com seu próprio destino.

Dentro do culto de Ifá existe outra consagração, chamada de Ìpínodù, essa

seria na realidade a iniciação na divindade Odù-logboje, ou seja, o devoto é

iniciado na esposa de Ifá. Essa iniciação é obrigatória para todos os iniciados que

possuem destino para serem Bàbálawo, pois, apenas após ela que os mesmos

poderão começar a aprender Ifá com seu mestre, para que após 15 ou 30 anos

venham a ser submetidos ao Iko-ate (avaliação), onde caso aprovados, serão

publicamente declarados como sacerdotes de Ifá.

Porém, a mesma consagração pode ser feita para outras pessoas,

principalmente aquelas que irão atuar no sacerdócio do culto dos outros òrìsà,

devido a importância social e espiritual, essa iniciação possibilita suporte

energético para tamanha responsabilidade.

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Nessa iniciação, o devoto caso seja do sexo MASCULINO, recebe a cabaça contendo os símbolos de Odù-logboje, ou seja, ele recebe o Igbá odù. Assim como, todas as orientações de como utilizar este elemento tão SAGRADO. Lembramos que, Igbá odù deve ser algo protegido dos olhos de qualquer pessoa. Além disso, é nessa consagração que o dedo do meio de ambas as mãos recebe um tipo de magia que possibilita a marcação dos odù, portanto, o sacerdote após isso passa a ter o direito de em alguns ebo utilizar os sinais dos odù para ativar a energia benéfica dos mesmos para solucionar um eventual problema. Logo, isso deixa claro, o risco de se riscar odù sem ter sido submetido ao Ìpínodù, além de que, os odù riscados sem essa iniciação, não possuem função energética alguma.

Ìyámi Odù tem vários oríkì (epítetos – nomes em louvor) são eles: *Odulogboje (Aquela cujo pote é feito de chumbo e não de madeira); *Ajerereabojuojo (Aquela cujos olhos estão voltados para todas as direções); *Adakinikinikara (Juíza suprema que distingue o bem do mal); *Alaburaja (A sanguinária que ama o sangue e dele se alimenta); *Okalekotogowo (Aquela que dá vida e cobra); *Iyami agba (Minha mãe anciã); *Iyami Igba iwa (Minha mãe da cabaça da existência). Existem alguns orúko, nomes, em honra a Odù-logboje, tais como: *Oduso (criança que teve o nascimento anunciado pelo signo de Odù). *Odubiyi (dado para a criança que nasce com seis dedos na mão ou no pé). *Odutola (Odù é prosperidade) *Odugbemi (Odù me apóia) entre outros...

Segue uma orin (cântico) em honra a Odù-logboje: “Odù aya ifá Odù de o aya Ifá o Odù bá mi se o Odù-wa la n pé l’odù Odù àgbà awa omo re Odù. Odù esposa de Ifá. Odù chegou, esposa de Ifá. Odù me ajude. Nossa Odù, que não conhecemos, nos salve. Odù a antiga, nós somos seus filhos Odù.

Ìyámi Odù-logboje é considerada por alguns, o aspecto positivo de Ìyámi

Òsòròngà, não podemos de forma alguma dizer se isso é de fato ou não

verdadeiro, mas, que a relação entre essas forças é bem próxima, isso não

podemos ter dúvidas.

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Odù é aquela que detém o poder supremo do conhecimento de Ifá, portanto, um sem o outro é algo incompleto.

Odù cobra de seus filhos, uma postura discreta, sem ostentação de poder, pois isso baixa a energia vital de seus devotos.

Bem, não poderia deixar de dar os devidos créditos às fontes consultadas.

Fonte oral: Bàbá Olójè Apesi Rasaki Sàlámì, meu amigo e mestre, que tem trabalhado comigo em prol do Culto yorùbá. Fonte biográfica: “Poemas de Ifá e valores de conduta entre os Yoruba da Nigéria”, tese de doutorado do querido mestre: Dr. Prof. Bàbá Síkírù Sàlámì (King).

Espero com o texto acima, ter contribuído para que você amigo leitor, tenha compreendido o papel dessa energia muito poderosa dentro do plano material e espiritual. A relação da mesma com Ifá e com a grande mãe do universo. Não sou Bàbálawo, mas como iniciado em Ifá, luto para que este culto seja praticado com seriedade pelos seus devotos e procuro dar minha contribuição para isso propagando um pouco, do pouco conhecimento que possuo.

Um abraço!

Ire o!

Por Zarcel Carnielli - Omo Ifá Ilésire (Bàbá Òsàlásínà Omigbàmi

Ajétúnbí)

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Ìyámi Òÿòròngà A Grande Mãe

Emplumada

“Duas coisas despertam mais a curiosidade humana, uma é a

beleza, e a outra são as representações mágicas – Magia.” -

Adéboyè Bàbálolà.

Eyénímòrè, Ìyámi Àjé, Ìyámi Eléyé são apenas alguns dos muitos nomes ou oríkì, que fazem referência a mesma divindade, ou seja, Ìyámi Òsòròngà. Associada a beleza e ao poder feminino, poder esse que nos envolve e que têm cada vez mais despertado a curiosidade e o desejo dos seres-humanos, Ìyámi tem sido cada vez mais mal interpretada. Hoje, devido ao constante intercâmbio com sacerdotes iorubás, podemos observar o nascimento de três correntes:

1ª- A mais antiga e tradicional de todas, que defende a iniciação e o culto aos mistérios dessa Divindade – Ìyámi Òsòròngà.

2ª- Que defende que a divindade deve ser apaziguada, mais nunca evocada, pois tratasse de um Ebora colérico e impossível de se manipular, causando danos terríveis aos sacerdotes que se atrevam a isso.

3ª- E a terceira e mais nova, porem com um grande número de adeptos que diz que as

iniciações no Culto de Ìyámi (Òsòròngà) são um grande invento e que a mesmas (Àwon

Ìyámi Àjé) devem ser esquecidas, e apenas apaziguadas através de Ifá.

No Odù Òsá-àjògún, Òrúnmìlà revela a importância de Ìyámi Òsòròngà no destino dos seres–humanos e sua relação com a mesma, por ser ela a divindade responsável pelo controle, envio e apaziguamento dos Àjògún (executores divinos) à vida dos seres – humanos. Ao observamos o que nos foi escrito, podemos chegar a conclusão que se torna impossível que um Sacerdote possa executar suas funções sacerdotais, sem ser iniciado nos segredos do culto a essa divindade. Sendo assim, quais seriam os procedimentos iniciáticos corretos dentro do culto a Ìyámi Òsòròngà? Durante o tempo que vivi na Nigéria, pude perceber que algumas pessoas possuem características inerentes a esta divindade adormecidas em seu interior, e que são despertadas em situações extremas, revelando a essas pessoas possibilidades e potencialidades inimagináveis.

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Porém, possuir essas características, não faz de ninguém uma Àjé ou um Osó e sim cria condições para que essas características sejam despertas e logo depois de um procedimento iniciático apropriado, controlada e diretamente direcionada, permitindo que a pessoa em questão entre em contato com essa sociedade, sendo conhecidos em território yorùbá como Omo àiyé. Os Omo àiyé passam por situações muitas vezes incompreendidas, entrando em contato com essa divindade em sonhos, sendo guiados por uma Ìyámi (Àjé) ou um Osó, recebendo assim os mais diversos aprendizados, que contribuirão muito para seu crescimento espiritual, físico e financeiro, se tornando lideres reconhecidos em suas comunidades. Em outros casos, pude observar que muitos sacerdotes não possuem essas características, porém, sem isso o trabalho dos mesmos se tornaria limitado e ineficiente, sendo assim os mesmos são pactuados, passando a possuir marcações que o identificarão como membros desse culto e sociedade. Junto a Òsanyìn, Ifá e Èsù Òdàrà, Ìyámi Òsòròngà possui papel fundamental no preparo das mais variadas magias e encantamentos, uma vez que, além de estar sempre presente nos enunciados orais destes sortilégios, a mesma junto as Àjé e Osó devem sempre ser invocadas, alimentadas ou apaziguadas corretamente, para que a magia ou a medicina em questão alcance a totalidade de suas potencialidades.

Dentro de todo esse contexto, podemos concluir que Ìyámi Eléyé (Òsòròngà) é uma

divindade importantíssima a todos os seres humanos, e que enquanto caminharmos encima da

Terra, devemos estar em contato com sua energia buscando assim nos beneficiarmos de todas

as suas potencialidades que nos levarão a uma existência mais completa e realizada.

Por Sérgio Borges — Olóògùn Oògùnládé (Bàbá Ifágbàmilà Olàifá Odùyémi) MSN: [email protected]

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Õsá méjì – O

Odù qual nasceu

o Poder Feminino Õsá méjì ou como também é conhe-

cido, Õsá Çlëyç é o décimo (10º) Odù na

ordem de Ifá, fala no Mërìndínlógún Ifá (Jogo de búzios) com nove (9) búzios a-bertos e sete (7) búzios fechados. É um

odù de natureza feminina, ligado ao ele-

mento fogo, é um Odù extremamente pe-

rigoso.

Este é o principal Odù de Ìyámi Òÿòròngà, e foi por este Odù que as Àjë (feiticeiras) vieram ao Mundo (Àiyé). Está

associado à magia, principalmente ao Po-

der Feminino, ao fogo e a noite.

Este Odù rege também a invocação

dos Odù no Ôpön Ifá.

Rege o sangue, que flui sob seu co-mando, principalmente o sangue mens-

trual.

Õsá méjì criou todos os pássaros e

animais feiticeiros, como os gatos (muitos são reencarnações das próprias Àjë - fei-

ticeiras), os antílopes de pêlos vermelhos

(grandes aterrorizadores dos Ôdç – caça-

dores), a coruja (símbolo de Ìyámi Òÿòròngà e das Àjë – feiticeiras), o bacu-

rau, o pintarroxo, o vermelhão, o abutre,

a andorinha e o Odídçrë. Este Odù (signo) fala de paralisia e

de pessoas estropiadas.

- Àwon Òrìÿà que falam neste Odù = Ìyámi Odù (Odùlogboje), Ìyámi Òÿòròngà, Àwôn Çlëyç (feiticeiras), Ôlösà, Olókun, Yèmoja, Õÿun, Ìrókò, Ôya, Egúngún. - Suas cores = O Vermelho (pupa) - cor

do sangue, mas também aprecia o branco (funfun) e o preto (dúdú).

- Suas folhas = Ewé owú (folha de algo-

dão – Gossypium barbadense), Àlúpàídà (língua de galinha – Sida linifolia), Ewé Iná (folha de fogo – Cidemia hirta). - Corpo Humano = Rege os olhos, as narinas, as orelhas, as pernas, coxas e

pés, a vagina e o principal, o útero. Õsá divide com Ìròsùn méjì a regência do co-

ração (que bombeia o sangue). É Õsá quem preside o fluxo do sangue, a aber-

tura dos olhos e os intestinos, estes fa-zem dele o um dos mais temíveis dos

Odù.

- Os filhos deste Odù = As pessoas nascida sob este odù (signo) são pessoas

bastante alegres e brincalhonas, chegan-do muitas vezes a serem exageradas.

Com intuição muito forte, as mulheres

possuem grande inclinação a feitiçaria. Muitas vezes sendo necessário se inicia-

rem em Ìyámi. As pessoas deste Odù

também são bastante vingativas e des-

confiadas, metódicas, críticas e às vezes

individualistas. São daquelas que só acre-ditam vendo.

ODÙ DO MÊS

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- Èwò’s deste Odù = As pessoas que

nascem neste odù não devem visitar mu-

lheres que deram a luz recentemente.

Não podem vestir roupas vermelhas e a-zuis. Não devem beber vinho de palma e

não podem comer carne de galo. Não de-vem usar folhas de Ìrókò e de bambu, e

ter em casa ou utilizar instrumentos de

bambu. Devem evitar praticar relações sexuais durante o dia, não devem olhar

os órgãos sexuais do parceiro ou parcei-ra. E devem ter muito cuidado ao praticar

o mal contra os outros e principalmente a

feitiçaria (manipulação do Àÿç de Ìyámi).

- Odù em Ire – Positivo

Este Odù em Ire fala de saúde, paz e vida

longa, prosperidade, realização de proje-tos profissionais, progresso, boas idéias

no âmbito profissional, mas pede que a pessoa seja um pouco individualista, para

que venha a conseguir algumas realiza-ções. Fala de um relacionamento amoro-

so bom, muitos filhos (homens). Vitória

sobre os inimigos. Deve estar sempre junto à família, respeitar mãe, esposa,

filhas e parentes mulheres. Proteção de

Ìyámi, Olókun ou Ôya. Fala de poderes es-

pirituais, grande força espiritual que pode resolver problemas.

- Odù em Ibi – Negativo

Este Odù em Ibi fala hemorragias, mens-

truação excessiva, doenças de sangue,

doenças nos olhos, para mulher proble-mas no útero e na vagina, para homens

problema com intestinos. Doença prove-niente a feitiçaria. Aborto. Problemas nas

pernas e cardíaco. Dificuldades financei-

ras, muitas vezes proveniente a feitiços ou Ègún (espíritos errantes). Separação,

brigas no relacionamento. Se for homem, pode estar casado com mulher vil. Proble-

mas entre mãe e filho. Vitória dos inimi-gos. Pessoa incrédula, que não leva a re-

ligiosidade a sério. Teimosa, autoritária,

que está perturbada. Muita tristeza.

Por Hérick Lechinski

(Ejòtolà T’Òsùmàrè)

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Òrìsà do Mês Òsanyìn — O

Grande Mago das Folhas e

Florestas

“Ewéeelére o Ilé Òmúsà Ewé

Òsanyìn” Õsanyìn (Oÿónyìn, Ossãe, Osaim, Ossanhe, Ossanha) é uma divindade que indepen-

dente de como é chamado, conhecido e cultuado, seja no Culto Tradicional Iorubá – Êsin Yorùbá, ou nos cultos descendentes do mesmo, como o Candomblé, a Santeria Cubana

ou ate mesmo a Umbanda, um fato é certo, não podemos negar sua importância e que dês dos nossos primeiros passados dentro da liturgia de algum desses cultos sua energia se faz presente e necessária ser cultuada. Muitas dúvidas surgem em nossa mente a respeito do que vem a ser essa divindade, e verdadeiramente o que vem a ser a sua real finalidade. Divindade da floresta? Divindade das folhas? Divindade da magia? Ou, até mesmo a divindade da Vida? Sim, Divindade da Vida, ou ate mesmo do Re-nascimento, pois, não podemos negligenciar o fato de que desde o ingresso de uma pes-soa dentro da Religião dos Orixás, quando a mesma “morre” para a sociedade e renasce para o Culto, até o fim de sua jornada dentro desta, as folhas estão presentes em tudo. Seja no primeiro Omièrõ (banho de folhas que acalmam e purificam), seja na

lavagem e preparação dos símbolos litúrgicos de adoração de um determinado Òrìÿà, também conhecidos como Ojúbô, ou ate mesmo na preparação do banho aonde será lava-

do nosso corpo nas cerimônias fúnebres - Ìsinkú, sempre encontraremos Õsanyìn.

São conhecidos diversos “relatos” de seu egoísmo e de sua insistência em não compartilhar com as demais divindades os segredos das folhas, egoísmo esse, que levou os Orixás a buscarem uma maneira de se apoderarem de seu segredo. Onde a par-tir daquele momento, cada Orixá teve conhecimento de suas folhas. É sabido tam-

bém que, apesar de Õsanyìn possuir o conhecimento das folhas (Àwôn Ewé), os Ôfõ’s (poemas de ativação, encantamentos que despertariam o axé de cada folha) seriam de conhecimento única e exclusivamente de Õrúnmìlà, porem posso garantir que apesar

de tudo isso, o segredo de Õsanyìn vai muito além. Como Sacerdote (Bàbálawo) de

Õrúnmìlà-Ifá, me foi passado às sete principais maneiras de se preparar (montar,

assentar) um Ojúbô Õsanyìn, ojubós estes, utilizados pelos Bàbálawo’s nas mais diver-

sas situações. Os Bàbálawo’s possuidores dos segredos de Õsanyìn são conhecidos co-

mo Adahunÿe:

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Os sete principais Ojúbô Õsanyìn montados pelos Bàbálawo’s Adahunÿe são:

- Osanyin Elewu pupa - Osanyin Olode - Osanyin Alaro - Osanyin Olosun (Opa osun) - Osanyin Onimoriwo - Osanyin Onide - Osanyin Onigi

E assim como os Õsanyìn preparados pelos Àwòl’òrìÿà (Sacerdotes de Òrìÿà), os mesmos têm as mais variadas utilizações e finalidades dentro na liturgia tradicional iorubá.

Mas nada intriga mais, desperta mais curiosidade e derruba mais tabus do que o

Òrìÿà Õsanyìn preparado pelos sacerdotes de Õsanyìn, os Olóõsanyìn ou pelos

conhecedores de sua liturgia, como os Oníÿçgùn (Médicos Herbalistas), ou ainda os

Olóògùn (Magos Tradicionais Yorùbá).

“...Kòògo egbòrò ìrin.

Aképè nìgbá õràn kò sun-wõn...

Aquele que é tão forte quanto uma barra de ferro.

Aquele que é invocado quando as coisas não estão bem...”

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Um Olóògùn versado na liturgia de

Õsanyìn não necessita de instrumento

divinatório, pois, seu próprio Òrìÿà (Õsanyìn) revela no momento da

consulta, os motivos que levaram o consulente a sua casa, os acontecimentos passados que o levaram a essa situação, o correto tratamento baseado nos elementos presentes na Natureza e os acontecimentos futuros, desde que a pessoa esteja disposta a explorar as potencialidades energéticas que serão despertas após a realização do

Ise (trabalho espiritual).

Questionando um dos meus

mestres, no inicio de minha jornada dentro da tradição e da liturgia de

Õsanyìn, acerca da divisão de seus

conhecimentos a respeito das folhas com as outras divindades e também da

necessidade de se ter o ôfõ (encantamento) adequado pra que cada

Ise (trabalho espiritual) fosse

manipulado, o mesmo sorriu, coçou a cabeça e me disse assim: - Você realmente acredita que, um

Òrìÿà que nos revela a hora que uma

pessoa virá em nossa casa, o que será feito por essa pessoa, e inúmeras outras coisas mais, que nos acorda no meio da noite para nos avisar quando algo vai ocorrer, não teria conhecimento do que as outras divindades estariam tramando. E continuou dizendo:

- Oògùnládé (Sérgio Borges), os

Olóògùn’s são pacíficos, pois possuem o

conhecimento da essência de sua

divindade. E como Õsanyìn sabia o que

iria ocorrer, tendo conhecimento que

essa disputa não cessaria, apenas

compartilhou com as outras divindades

aquilo que queria, guardando pra si, seu

verdadeiro segredo e finalidade. Ainda

buscando mais respostas, dei ênfase na

questão da necessidade dos ôfõ (encantamentos) no preparo das magias

e medicinas e então obtive a seguinte

resposta:

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- Você sabe, que a iniciação de um Olóõsanyìn, ou de um Olóògùn e composta

de sete passos, certo? E que em um desses passos o mesmo recebe e deve engolir

um Olugbohun (magia que faz com que nossas palavras voem com o vento e tem o

poder de fazer com que os nossos desejos aconteçam), um Afose (magia para dar

força à palavra) e um Epe (magia que dá poder de comando, usado para orar, abençoar

e ate mesmo maldizer objetos animados e inanimados) e um Mayehun (ninguém

recusa um pedido meu) e que isso passa a agir internamente, mesclado-se com sua

própria essência. E que posteriormente o Olóògùn passará por um ritual semelhante

ao Ajegun (ritual esse feito as mãos de um Bàbálawo que potencializa os signos

marcados no Ôpön Ifá e também as medicinas preparadas pelo mesmo) conhecido

como Akôògùn, ritual esse que transforma o sacerdote de Õsanyìn, naquilo que ele e

normalmente conhecido: Akô (homem) Oògùn (medicina; magia) = HOMEM MEDICINA

= Mago.

Mas o que vem a ser um Olóògùn, ou um homem medicina = Akôògùn?

É um sacerdote que recebeu corretamente suas iniciações dentro dessa tradição

(Õsanyìn) e passa também a ser conhecido como Ômô Àiyé. Para entendermos

melhor o que é um Omo Àiyé, temos antes que entender que entre o Õrun (Mundo

Espiritual) e o Àiyé (Mundo Material), existe um espaço supra sensível que converge

com o Õrun e o Àiyé, habitado por energias e espíritos poderosos como Èÿù, Ìyámi (Àjë), Oÿó, Êmêrê, Egúngún, Çgbë Worowo e todos os Ajògún’s, e ao se transformar

em um Ômô àiyé, o sacerdote em questão possui plenas condições de evocar e

manipular essas energias buscando restaurar a ordem e o equilíbrio de sua comunidade, afastar pestes e ate mesmo guerrear, quando se torna extremamente

necessário, pois, como foi dito anteriormente, o Olóògùn, por conhecer todas as

possibilidades de seu sacerdócio, deve ser antes de mais nada um homem de paz.

E as mulheres, até onde podem ir dentro desse Culto - Õsanyìn?

Conheci em Akaka, na Nigéria, muitas mulheres que manipulavam Õsanyìn e

que passaram por todos os rituais, sendo conhecidas como Aboògùn ou Mulher

Medicina. Porem, sempre são anciãs, as mais velhas da comunidade e só iniciam seu

aprendizado mais elevado dentro dos segredos de Õsanyìn depois que seu período

menstrual chegou ao fim. Preconceito, machismo?

Claro que não, é sabido por todos, que a regra menstrual e um dos maiores

tabus dentro nossa religião, pelo fato da mesma fazer com que a mulher se aproxime

ao máximo da energia negativa de Ìyámi Àjë (Minha Mãe Feiticeira), e ao encontrar-se

nessa situação energética, como a mesma ao ser acordada a noite por Õsanyìn, pode

preparar uma medicina de cura, transformação ou prosperidade?

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Em uma de suas preces diárias o Olóògùn (Mago) começa saudando o Àiyé e

posteriormente algumas das energias que coexistem nessa maravilhosa dimensão:

Aiye mo júbà o! Aiye eu te saúdo! Eyin Iyami Eleye mejeje Iba o! A senhora dos pássaros eu te saúdo! Iya mi mo kan o emi ni omoaiye Iya mi eu te conheço, pois sou um omoaiye! Oso kelekeleija mo kan o, emi ni omoaiye! Feiticeiros eu vos conheço, pois sou um omoaiye! Emere mo kan wo emi ni omoaiye! Emere, eu te conheço, pois sou um omoaiye! Esu mo juba o, Esu ma se mi omo elomiran ni o se o! Iba Osanyin, Osanyin mo kan o emi ni omoaiye! Osanyin eu te saúdo, Osanyin eu te conheço pois sou um omoaiye! Kulukuluse e egungunmo kan o, egungun won a ni ki won o lo ile Osanyin! Egungun eu te conheço, todas as pessoas que vão ate a casa dos ancestrais, necessitam também ir ate Osanyin!

Logo, podemos concluir que ao possuirmos o verdadeiro conhecimento a

respeito da tradição do culto a Õsanyìn, encontraremos todas as respostas aos

nossos anseios, desejos e duvidas, dentro dessa própria tradição.

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Para concluir, gostaria de falar a respeito de um ìtàn (história do corpo literário

de Ifá), que é muito difundido por alguns Bàbálawo’s (Sacerdotes de Õrúnmìlà-Ifá),

ìtàn esse, que afirma ser o ÇBÔ – Sacrifício (filho de Õrúnmìlà), muito mais eficaz que

a OÒGÙN – Magia/medicina (filho de Õsanyìn). E novamente afirmo, ao conhecermos

Õsanyìn vemos que muitos tabus caem por terra, assim como esse, defendido e muito

pelos Bàbálawo’s.

Ewe ori igi koloilele! As folhas que ficam nas árvores! Bee ni tilele o lo ori igi! Tem mais utilização que as que ficam no chão! A difa fun Osaniware omo Osanyin! Foi feito a divinação a Osaniware, filho de Osanyin! Abu fun Ogunigbeyin ti nse omo Osanyin! E também a Ogunigbeyin filho de Osanyin! A difa fun Ojunmonle ti nse omo bibi inu Agbonniregun! E também foi feito uma divinação para Ojunmonle, filho de Orunmila! Ise Ari Ogunigbeyin kedere! Foi feito um Ise para Ogunigbeyin! Ari Ojumonlela iku! Ojunmole não verá mais a morte! Ari Ojunmolela iku! Ojunmole não verá mais a morte! Lailai ni isejogunlo jani ebo da!

Desde então, o Iseogunlo (trabalhos espirituais feito pelos Olóògùn’s ) se tornaram

mais eficazes que os Çbö’s (trabalhos espirituais realizados pelos Bàbálawo’s)!

E claro, jamais devemos defender a supremacia de uma divindade sobre a outra

ou de um Bàbálawo sobre um Olóògùn ou de um Olóògùn sobre um Àwòl’òrìÿà, e sim,

devemos compreender que todos os sacerdotes assim como todas as divindades possuem importância impar dentro de nossa maravilhosa tradição.

Por Sérgio Borges - Olóògùn Oògùnládé

(Bàbá Ifágbàmilà Olàifá Odùyémi)

Msn: [email protected]

Ilé Òmúsà Ewé Õsanyìn!!!

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A religião dos Òrìsàs (Orixás), conhecida e chama-da de Candomblé aqui no Brasil, é oriunda da África, sendo trazida pelos negros africanos à época da escra-vidão, nos calabouços dos navios negreiros. Segundo Verger "a presença dessas religiões africanas no novo mundo é uma consequência imprevista do tráfico de es-cravos. Escravos estes que foram trazidos para os dife-rentes países das Américas e das Antilhas, provenientes de regiões da África escalo-nadas de maneira descontí-nua", diz ainda que "no to-cante à Bahia, esses contatos foram particularmente in-tensos com Angola e o Congo, até aproximadamen-te o final do século XVII, desviando-se, mais tarde, em direção à costa do Les-te do Forte São Jorge de Mina, situada no golfo de Be-nin, entre o rio Volta e o rio Lagos. Tais relações limitaram-se, posteriormente, à parte

"Òrúnmìlà disse, o ser humano transformou-se

Òrìsà Eu disse, ser humano transformei-me Òrìsà

Òrúnmìlà disse, você não vê Ògún

Era ser humano Mas quando se tornou

sábio e poderoso Transformou-se Òrìsà

Òrúnmìlà disse, ser hu-mano transformou-se

Òrìsà Eu disse, ser humano transformei-me Òrìsà

Òrúnmìlà disse, você não vê Òrìsànlá

Era ser humano Mas quando se tornou

sábio e poderoso Transformou-se Òrìsà

É um sábio que se tornou Òrìsà

Adoram somente aqueles que são sábios

É ser humano que se transformou Òrìsà".

central da referida região, conhecida pela triste deno-minação de "Costa dos Es-cravos", cujo porto principal era Uidá". Do berço da cultura dos Òrìsàs vieram sacerdotes de diversas etnias, das quais destacamos algumas: Kétu (atual república do Be-nin), Ìjèsà, Ìjèbu, Òyó, Daho-mé, Egbá, Kongo, dentre ou-tras. Mais do que escra-vos, embarcaram nos cala-bouços dos navios negrei-ros, grandes sacerdotes, que com eles trouxeram suas Di-vindades, que são as repre-sentações mais belas e pode-rosas da natureza, como rios, lagos, oceanos, pântanos, pe-dras, florestas, etc. Para nós, os Òrìsàs fo-ram seres humanos que em função da sua sabedoria e poderes foram divinizados, tornando-se grandes Ances-trais, conforme ilustra-nos o excerto de um Ìtàn de Ifá:

Candomblé, A

Importante herança religiosa Africana

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Na África, o culto aos Òrìsàs não ocorre de forma tão pluralista como no Brasil, em suma, um templo é reser-vado ao culto de poucas di-vindades, geralmente o Òrìsà local e mais alguns que for-mam o seu "panteão". No Brasil, contam os antigos, que houve a ne-cessidade da unificação do culto dessas divindades para que a cultura não fosse perdi-da, sobretudo, em razão da perseguição e descrimina-ção à época. Isto posto, os sacerdotes de diversas localidades africanas, reuni-ram-se de forma que o Òrìsà da sua tradição, fosse cultuado com outros num mesmo ambiente que a prin-cípio, não ocorria na África. Nascia então, o "Candomblé", que é um termo em Kimbun-do (Angola). Os antigos con-tam ainda, que foi nessa pri-meira "reunião" que a cantiga "Omo Alákétu re Faraimora" foi entoada. Resumidamente, a cantiga pede que os "Filhos de Alákétu se abracem (reunião) para louvar". À alusão ao "Alákétu" (rei da cidade de Kétu) deve-se, es-sencialmente, à Òsóòsì, que foi um dos reis de Kétu e que teria sido o primeiro Òrìsà cultuado no Brasil, tornando-se, assim, o "Onílè" (Dono da Terra). Assim surge o Can-domblé, a Importante He-rança Religiosa Africana, que a nós foi delegada, por reis, príncipes e grandes sa-cerdotes africanos.

Texto adaptado por Wemerson Elias

(Dofono D’Sàngó)

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Ìjèsà de Lògùn Ede não é o mesmo Ìjèsà de Òsun?

Hoje vou comentar um pouco sobre esse que é, sem dúvidas, o toque mais

popular do Candomblé, o Ìjèsà. Digo mais, esse toque extrapolou os limites da re-ligião africana, tomando espaço também no cenário musical brasileiro. Prova disso, são os chamados Grupos Carnavalescos de Afoxé, que possuem em sua estrutura rítmica o Ìjèsà (Filhos de Gandhi, Korin Efan, etc.).

Ademais, há ainda, diversas músicas de conhecimento público cuja base é o

Ìjèsà, como exemplo, menciono o quase hino “É D’Oxum” de Gerônimo (imortalizado por Gal Costa, Jauperi e, tantos outros) e “Muito Obrigado Axé”, in-terpretada por Ivete Sangalo e Maria Bethânia. Sobre a última, é importante frisar que, a marcação rítmica do Ìjèsà realizada por Márcio Brasil, percussionista de I-vete é primorosa, invejando a muitos Ogans (vejam vídeo abaixo e comprovem um verdadeiro Ìjèsà Nàgó).

http://www.youtube.com/watch?v=S-bEwxtBFBw&feature=player_embedded No entanto, a ampla divulgação do toque, associada às suas diversas inter-

pretações, a depender do segmento religioso ou na música profana, não foi so-mente benéfico ao mesmo. Hoje, deparamo-nos com alguns “Ditos Ijexás”, que em nada nos faz lembrar o toque como originalmente era executado. Em suma, esse ritmo é mais utilizado para Òsun, a grande Deusa das Águas Doces, mas há, tam-bém, uma infinidade de cânticos em Ìjèsà para Èsù, Ògún, Lògùn E-de, Yánsàn, Òsanyìn, Òsàlá, dentre outros.

Muito embora, seja comum nos tradicionais Candomblés Kétu, ouvir um re-

presentativo número de cânticos em Ìjèsà, eu estaria sendo leviano se olvida-se a origem deste toque, o identificando como Kétu.

A origem desse ritmo no Brasil remete-nos à Nação de nome análogo, que

teve seu prestígio alavancado pelo patriarca Eduardo Ìjèsà, dito detentor supremos do Culto a Òsun e Lògùn Ede no Brasil. Na casa de Pai Eduardo, contam os antigos que o único toque executado era o Ìjèsà, à exceção de uma cantiga, que por moti-vos óbvios não cabe mencionar aqui. Essa cantiga, não louvava nem Òsun, nem Lògùn Ede, mas sim, o povo de Ede, uma antiga província africana. Há também o Ilé Àse Kalè Bókun, da célebre Mãe Estelita do Ìjèsà.

Além do Candomblé de Seu Eduardo e o Kalè Bókun, havia o Candomblé do

Olóòròkè. Meu Pai Tarrafa, venerável Ògán baiano, um dos meus Mestres, que fora suspenso no Olóòròkè,

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certa vez me disse que na Casa de Dona Matilde (assim que ele chamava a

casa), tocava-se somente Ìjèsà. Narrou-me que, a própria Divindade de Dona Ma-tilde quando chegava a terra, entoava certos cânticos no ritmo ìjèsà, tal como “Olóòròkè Olóòròkè”. Comentava que era algo muito bonito, pois ao som do Ìjèsà (tocava-se somente Ìjèsà) as pessoas dançavam em homenagem à Divindade da Casa.

Outra importante casa, cujo toque era o Ìjèsà, era a de Júlia Bugan, na Lín-

gua de Vaca. Na casa de Mãe Júlia Bugan, o ritmo do Ìjèsà era tocado por mulhe-res, nos tambores chamados “Ilú Bata Demi”. Essas mulheres à época das festivi-dades de Òsun iam até o Gantois, tocando nestes tambores, onde eram recebidas por Mãe Menininha.

Achei oportuno esse intróito, ante a importância deste toque para o Candom-

blé e, sobretudo, por Ìjèsà não ser somente um ritmo, mas também uma Nação. Mas, como enuncia o título: Ìjèsà de Lògùn Ede não é o mesmo Ìjèsà de Òsun?

Não! Não é o mesmo! Há uma confusão generalizada no que diz respeito ao Toque

de Ìjèsà de Lògùn Ede. Nesse sentido, não preciso discorrer muito, basta observar a dança. Vejamos, se os toques do Candomblé estão com consonância com a dan-ça dos Orixás, como fica a dança de Lògùn Ede, com o Ìjèsà de Òsun?

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Bom, vou procurar mostrar essa diferença, fundamentando-me em 4 discos, todos realizados por renomados membros do Candomblé. São eles:

Ìjèsà de Òsun: Cinqüentenário de Mãe Menininha; Ìjèsà de Òsun: Odún Orin; Ìjèsà de Lògùn Ede: Candomblé da Casa de Òsùmàrè; Ìjèsà de Lògùn Ede: Luiz da Muriçoca. O Ìjèsà de Òsun: Antes do que vou dizer, é importante frisar que, há diferenças entre casas,

mas vou falar sobre o modo o qual aprendi e da forma que está registrada nos Dis-cos de Mãe Menininha e no Disco Odún Orin.

Assim sendo, é importante saber que em nenhum dos três atabaques, o to-

que de Ìjèsà é executado da mesma forma. Ou seja, a marcação no Hunlé (o me-nor dos atabaques) é distinta do Hunpi (médio) e, obviamente do Hun (o maior dos três e que faz as variações). Além disso, há a importante marcação do Agogo. Como sei que muitos vão indagar: “O Hunpi é diferente do Hunlé”? Peço que escu-tem atentamente a faixa de Òsun, do disco Odún Orin (pode ser o de Mãe Menini-nha também, mas pelo fato da gravação ser antiga, o ouvido tem que estar bem apurado, razão pela qual peço que escutem o Odún Orin. Está bem mais fácil de identificar a diferença).

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Bom, peço que vejam (com atenção) a marcação básica do Hunlé, iniciada aos 23 segundos (slep, "slep, open, slep" – 1, 2, 3). Aos 25 segundos, entra o Hun-pi, com uma marcação de 4 batidas invertidas (totalmente distintas do Hunlé, iden-tificaram?). Esse é o chamado Ìjèsà de Òsun.

E o Ìjèsà de Lògùn Ede? Bom, valho-me do antológico disco de Seu Luiz da Muriçoca e do Disco de

Meu Tio Erenilton: CLIQUE AQUI (SEU LUIZ DA MURIÇOCA) CLIQUE AQUI (OGAN ERENILTON)

Aqui não há muito que dizer, basta ouvir a diferença deste Ìjèsà (de Lògùn Ede) nestes dois Discos, para o Ìjèsà de Òsun, constantes nas outras gra-vações. Basta falar que, no Ìjèsà de Lògùn, diferente do Ìjèsà de Òsun, o Hunpi e Hunlé começam com batidas e tempos diferentes. Vejamos: Vamos tentar ilustrar da seguinte forma: Open (batida aberta) e Slap (a bati-

da seca – fechada). Hunlé do Ìjèsà de Òsun: Slap – Open – Slap Hunlé do Ìjèsà de Lògùn Ede: Open – Open – Slap – Open – Slap – Slap – Slap – Open – Open Bom, nesse sentido, acho que a diferença é notória. Vale destacar, também

que, no Ìjèsà de Òsun, há casas (das três principais escolas) que a marcação no Hunpi e no Hunlé é a mesma. Mas em todas, o Ìjèsà de Lògùn Ede é distinto do Ìjèsà de Òsun. Parece algo simples, mas há uma diferença significativa. Muitos almejam as “17 passagens da Hamunya” ou “Toque Daju-a”, mas há ainda, uma profusão de toques que devemos nos atentar e que estão sendo esquecidos.

Espero, uma vez mais, ter esclarecido um pouco sobre mais um dos impor-

tantes toques do chamado Candomblé Nàgó-Kétu, o qual pertenço.

Por Ògán Carlos Vinícius (Òpótún do Ilé Àse Ibùalámo – SP)

http://www.opotunvinicius.com/2011/08/ijesa-de-logun-ede-nao-e-o-mesmo-ijesa.html

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Folha do Mês

Ewé Kúkúndùnkú, a Mestra

das folhas quando o Dia nasce

Nome Yorùbá = Ewé Kúkúndùnkú. Nome Popular = Folha de batata-doce.

Nome Científico = Ipomoea batatas.

Ewé kúkúndùnkú é uma folha feminina, de èrò (apaziguamento), ligada ao elemento água e também ao elemento terra, nasce na água e também na terra. É

uma folha de prosperidade e multiplicação. Por isso que a principal divindade ligada

ao Àse desta folha é Òsúmarè - Divindade ligada tanto ao elemento água, quanto ao elemento terra, e uma das principais divindades yorùbá da prosperidade.

A origem desta folha (planta) é as Américas, muito cultivada dês de épocas

pré-coloniais no México e no Perú.

Kúkúndùnkú é uma folha de grande importância, tanto na liturgia yorùbá, onde é conhecida pelos nomes de òdùnkún, ànàmó yáyá, òdùnkún àdùnmó e èdunmùsí,

quanto na liturgia dos Candomblés Jeji-Nàgó. É utilizada em Omièrò (banho de folhas apaziguadoras), àgbo ìgbèrè (banhos compostos por diversos

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elementos de origem vegetal, animal e mineral, utilizado em iniciações) de iniciados dos Òrìsà Òsúmarè, Nàná e Ìyèwá. Em òògùn (medicinas) curativas e

mágicas e etc. Seus frutos, kúkúndùnkú funfun (batata-doce branca) e kúkúndùnkú pupa (batata-doce vermelha ou roxa) são utilizados em oferendas, a batata-doce

vermelha em oferendas à Òsúmarè. São utilizados também em ebo (oferendas) para atingir a prosperidade. E quando utilizadas com um determinado ofò –

encantamento, “despertam” Òsúmarè. A batata-doce branca é utilizada em oferendas a Yèmoja, Ògún e em algumas casas à Sàngó (Àyrá).

Medicinalmente, a folha de batata-doce é utilizada cozida em casos de tumores e inflamações, sobretudo na boca e na garganta, aplicando-se em gargarejos.

“Efun l’ebá lé k’ojúmon ó

Efun l’ebá lé k’ojúmon

Kúnkúndùnkú

Olórí ewé

Efun l’ebá lé k’ojúmon”

Quando o dia nasce.

Quando o dia nasce. Kúkúndùnkún

É a mestra das folhas.

Quando o dia nasce.

Por Hérick Lechinski (Ejòtolà T’Òsùmàrè)

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Criação do Mundo segundo a Tradição Bantu

Segundo a história tradicional contada pelos mais idosos e categorizados Nganga (sacerdotes) de tribo bantu (Angola), que todos os povos negros descen-deriam dos Bungu e estes diretamente do Nzambi (Deus Supremo da mitologia bantu).

Eis a história tal qual foi contada, da criação do Mundo e a ascendência divi-na destes povos. Nzambi, a quem também chamam Ndala Karitanga (Deus criador de si próprio), Nzambi ia Kalunga (Deus Supremo e Infinito) e Nzambi Ampungu (Deus Poderoso), depois de ter criado o Mundo e tudo quanto nele existe , criou uma mulher para que fosse sua esposa e para que, por seu intermédio, pudesse ter descendência humana, a fim de que esta povoasse a Terra e dominasse todos os animais selvagens, por ele criado.

Disse a sua esposa que passaria a chamar-se Ná Kalunga, em virtude da filha

que iria dar a luz, se chamar Kalunga.

Com efeito, tal como Nzambi tinha anunciado, passados nove meses, nasceu sua filha. Esta foi crescendo como qualquer criança normal, junto de seus divinos pais, na Sanzala dia Nzambi (aldeia de Deus). Logo que sua filha atingiu a puber-dade, Nzambi, informou Ná Kalunga, sua esposa, que tencionava mostrar para Ka-lunga, sua filha, tudo que havia criado e que após três meses retornaria. Esta resolução não agradou à divina esposa que tentou opor-se a que sua fi-lha o acompanhasse. Porém Nzambi lembrou-lhe que ela tinha sido por ele criada para lhe obedecer, visto que, além de seu marido, era também seu Deus. Contrariada, mas impotente para obrigar Nzambi a desistir do seu intento, limitou-se a deixar ir à filha com o pai, enquanto ela ficou a chorar amargamente.

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Logo que anoiteceu, Nzambi, instantaneamente, construiu uma Kuabata (palhoça), na qual instalou uma só cama. Ao ver único leito, a filha recusou-se a dormir com o pai e saiu, a chorar da cabana.

Ao ver a recusa da filha e não podendo convencê-la de outra forma, disse-lhe

que se não viesse imediatamente para junto dele, seria devorada pelas feras que infestavam a floresta.

Transitada de medo pelo que acabava de ouvir, Kalunga entrou novamente na

cabana, deitou-se junto de seu pai e com ele dormiu não só naquela noite, mas durante todo o tempo que durou a viagem. Finda esta, regressaram a casa e, Ná Kalunga, tal como tinha previsto, verificou que a filha estava grávida do próprio pai. Enraivecida pelo fato e pelo desgosto, no meio das maiores blasfêmias, enfor-cou-se numa árvore, perante os olhos atônitos da filha e de Nzambi, que nada fez para evitar tal suicídio.

Desgostoso pela atitude da mulher, que não compreendeu os seus desígnios

para povoar o Mundo que ele tinha criado, mostrando ser indigna de continuar a ser esposa daquele que lhe tinha dado o ser, em vez de lhe dar vida, novamente, a amaldiçoou e transformou-a num espírito maligno, a quem deu o nome de Mulungi Mujimo (ventre ruim da primeira mãe que existiu na Terra).

A partir dessa altura, Nzambi passou então a viver maritalmente com sua fi-

lha Kalunga, a qual depois da morte da mãe passou a chamar-se também Ndala Karitanga e a ser a segunda divindade.

Algum tempo depois da morte de sua mãe, durante um sonho, teve uma vi-

são que deixou apavorada. Viu a mãe com a cabeça apoiada nas mãos, a olhá-la com rancor e a insultá-la, dizendo que ainda ia devorá-la, enquanto ela envergo-nhada, pedia perdão a mãe e dizia que de nada era culpada, posto que, seu pai a tal a tinha obrigado. No meio desta aflição, acordou e contou ao pai o pesadelo.

Este a sossegou, dizendo-lhe que nada receasse daquela que tinha sido sua

mãe e que agora era espírito mal, pois nenhum mal lhe poderia fazer, mas apenas lhe pedir comida. Portanto, disse Nzambi, vamos dar-lhe. Levantaram-se ambos e Nzambi preparou um pequeno montículo de terra, junto da porta casa simulando uma sepultura. Disse ele então a filha, que fosse buscar carne e outra comida e a pusesse sobre aquela sepultura, proferindo, ao

mesmo tempo, as seguintes palavras: Mam’é nzanga ua-ku-kurila. Halapui-la kanda uiza kuri yami nawa: ny ngu-na-ku mono nawa, ngu n’eza ny ku ku cheha (minha mãe acabo de vir chorar-te; agora, não vol-tes a ter comigo outra vez, porque se volto a ver-te, venho matar-te). Nzambi (aldeia de Deus).

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Logo que sua filha atingiu a puberdade, Nzambi, informou Ná Kalunga, sua esposa, que tencionava mostrar para Kalunga, sua filha, tudo que havia criado e que após três meses retornaria.

Esta resolução não agradou à divina esposa que tentou opor-se a que sua fi-

lha o acompanhasse. Porém Nzambi lembrou-lhe que ela tinha sido por ele criada para lhe obedecer, visto que, além de seu marido, era também seu Deus.

Chegado que foi o tempo, Kalunga deu à luz um filho ao qual Nzambi deu também, o nome de Ndala Karitanga, passando este a ser a terceira divindade.

Logo que o seu filho-neto cresceu e atingiu a adolescência, Nzambi ordenou-

lhe que casasse com sua mãe Kalunga, para que esta concebesse dele muitos fi-lhos de ambos os sexos, a fim de povoarem a Terra e dominarem todos os animais.

Cumprindo as ordens de Nzambi, sua filha e seu filho-neto casaram e tiveram um filho e uma filha. Quando estes chegaram à maioridade, Nzambi ordenou, en-tão, que o primeiro casasse com sua mãe e a filha casasse com seu pai, dizendo que já não se justificava a primeira união que ele tinha ordenado, informando-os, ainda que depois daquelas uniões, as seguintes se fizessem sós entre primos. Por fim, depois de lhes ter ensinado tudo o que deveriam fazer, para a que sua descen-dência crescesse e multiplicasse, para que lutasse contra as doenças e os

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feitiços que um dos descendentes do sexo feminino, viria a possuir, porque ele lhes legaria.

Disse, também, que viriam outros descendentes divinos e que após deixarem

a vida terrena, cada um dentro de sua atribuição, iria supervisionar o mundo que ele havia criado.

Nzambi despediu-se de todos, chamando depois, o seu cão, que sempre o a-

companhava, dirigiu-se para à Sanzala Kasembe diá Nzambi (Aldeia Encantada de Deus), e dali subiu para o espaço, levando consigo o cão.

Naquela altura as rochas estavam moles, por terem sido formadas a pouco

tempo. Ainda hoje se podem observar as pegadas esculpidas, numa rocha ali exis-tente, especialmente do pé direito de Nzambi, assim como da pata dianteira do seu cão, estas pegadas existem também em diversas outras rochas espalhadas por to-da a África, incluindo Angola.(vide pré - história da Lunda do autor).

Foi, pois, dali, que o Nzambi subiu à TCHEUNDA TCHA NZAMBI (aldeia de

deus), ou céu como nós lhe chamamos, onde se conserva, através dos séculos, pa-ra recompensar os bons e castigar os maus.

A pergunta feita a diferentes sacerdotes bantu, como é e quem foi que criou

Nzambi, eles responderam que, sendo ele Ndala Karitanga, se deve ter criado a si mesmo e que tudo o mais é mistério que jamais alguém conseguiu ou conseguirá desvendar.

A resumida lenda que acabamos de expor, foi contada por dois velhos natu-

rais da região do Sombo, conselho de Camissombo. Um chamava-se Tchinjamba Sá Fuca e o outro Sá Hongo, ambos já falecidos. O primeiro morreu no Luaco, o se-gundo faleceu na sua terra natal com cerca de 90 anos em 1994.

Comprovação feita pela Seção de Arqueologia e pré-história do Museu do

Dundo-Angola, de que são originais e não forjadas por mãos humanas. Segundo as indicações dos nativos, a Sanzala Kasembe diá Nzambi, situa-se entre os rios Lu-embe e Kasai, junto da nascente do Mbanze. Dão-lhe estes nomes, por estar perto do Meue (estrangulamento) do Kasai.

Neste ponto, o rio tem apenas cerca de quatro metros de largura. Segundo a

tradição oral, foi junto à nascente do Mbanze que se estabeleceram, primeiramen-te, os chefes e autoridades divinas, Ndumba ua Tembu, Muambumba, Muaxisenge e outros, quando fugiram à soberania do Muatianvua.

Foi naquele mesmo ponto que mais tarde, reuniram-se novamente, e ali pla-nearam a separação e distribuição de terras que cada um deveria ocupar.

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Lenda é a narração escrita ou oral de caráter maravilhoso, na qual os fa-tos históricos são deformados pela imaginação popular ou pela imagina-ção poética *.

Nzambi s.m. – Deus Criador. Autor da existência e de suas característi-cas dominantes - o bem e mal.

Conquanto seja o Ente supremo, não rege diretamente os destinos do Univer-

so. No tocante ao nosso planeta, serve-se de intermediários a entidade espiritual. Em face das atribuições de que se revestem, assumem o caráter de semideuses. Por efeito desse privilégio, é a elas, pois, a quem os crentes se dirigem em suas e-mergências. Decorrentemente, a quem prestam culto.

Enquanto as entidades espirituais permanecem nas profundezas do globo.

Nzambi paira em toda parte, sem lugar determinado. Pelo alheamento a que votou os problemas mundanos, só são invocados em última instância. Tal como noutros povos, também existem sinônimos para designá-lo, Kalunga, Lumbi lua Suku, etc.

Kalungangombe, o juiz dos mortos, tem o poder de suprimir a existência. Mas, se Nzambi não concordar com a decisão, o mortal continuará subsistindo. Por-tanto, intervém quando necessário.

Do Livro: Crenças, Adivinhação e Medicina Tradicionais dos TCHOKWE do

Norte de Angola

Por Tata Mungangaiami, Curitiba–PR.

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CULTURA VÒDÚN, A NAÇÃO JÈJÍ

NO BRASIL

Como costume da maioria dos povos no mundo, o culto aos antepassa-

dos é um elo com o passado que dá sentido e justifica o presente e faz pro-jetar o futuro. Esse tipo de culto é movido pela admiração, saudade e tam-bém utilizado como um oráculo de orientação e aconselhamento. A termino-logia ´´Vòdún´´ é designada para explicar os fenômenos da natureza e co-mo deificação de ancestral. Este é um costume dos Povos que habitam o Be-nin, Togo, Gana e Nigéria. Fazendo um recorte étnico poderíamos falar que tal nome ´´Vòdún´´ é usual dos Povos Fòn, Gún, Ajá (antigo Èwé), Bariba e Somba.

Falando sobre Vòdún, podemos dizer que um grande raio que cai sobre

uma árvore pode ser chamado de Vòdún e como um ancestral que teve uma grande relevância aos olhos de um povo também pode ser elevado ao status de Vòdún.

Em sua pátria-raiz, o Benin, o Culto aos Vòdún é de extrema importân-

cia para constituição familiar, fazendo um tipo de organograma de impor-

tâncias e organizando a questão hierárquica dentro da chamada ´´ Hεnnù´´

ou família. O culto também é importante como resgate e manutenção das

tradições mais remotas das famílias tradicionais do Benin e assim manten-

do-se vivo o elo com o passado.

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O Culto preserva muito a questão familiar tendo em seu mais velho o chamado ´´Hεnnùgán´´ ou também conhecido como ´´Dàá´´ o Grande Pa-triarca. Entrando no âmbito religioso e apoiado nos costumes familiares a religião Vòdún ´´Vòdúnsínsɛn´´ é organizada por clãs como as famílias no Benin são organizadas e com o mesmo cunho orgranomático onde os Vòdún são divididos por clãs. E cada clã tem o seu fundador chamado de Akɔ Vòdún que é a liderança e o mais respeitado, ele também recebendo o nome de Gbenúgán, Akɔnɔ, Akɔsú ou Dàdá/Dàá. Existem outras variáveis de no-menclaturas para tal cargo dependendo do costume de cada povo ou famí-lia. Também é atribuído a cada Vòdún um domínio de algum fenômeno da natureza ou costume como a caça, pesca, guerra, agricultura e afins. O que nós conhecemos como Culto Vòdún com tais divisões e organização foi fruto do pensamento de um revolucionário que viveu entre os séc. X e XI com o nome de Yegú Tennú Gesu, filho do Rei Tenú Gesú da cidade de Tàdó que mais tarde o jovem Yegú seria conhecido como Agàsú (O Bastardo), Ajáhutɔ (O matador de Ajá), Kpɔví (O filho da pantera), Kpɔsú (A Pantera-macho), Dàdáxó (O grandioso Patriarca) e como Kɔkpon (O rei fundador da terra). Ele foi o fundador da cidade do Allada e seus filhos fundaram muitas cida-des e como principais a cidade do Dànxomɛ, Glènxwé, Ajácɛ ou Hògbònú (Porto Novo).

O culto tem uma divisão básica entre dois elementos: Àyì (Terra) e Jí

(Céu) e assim temos os Àyìvòdún que seriam os Vòdún ligados aos elemen-tos e fenômenos da Terra que é encabeçado por Sàkpàtá e os Jívòdùn que seriam os Vòdún ligados aos elementos e fenômenos do céu que é encabe-çado por Xɛbyosò. Dentro desta divisão existem subdivisões e classificações como exemplo:

Àyìvòdún: Vòdún da terra Zùnvòdún: Vòdún da floresta. Atínhùnvé: Vòdún que habita o interior das árvores. Não seria: àtín-

mɛvòdún ou Àtínvòdún Sòvòdún: Vòdún do trovão e raio. Tɔvòdún: Vòdún das águas Hεnnùvòdún: Vòdún de ancestrais reais. Em relação às práticas religiosas existem tanto no Benin quanto no

Brasil cerimônias públicas e privadas. Isto é uma característica do Culto

Vòdún e a participação da comunidade é de extrema importância, pois as

festas públicas são realizadas para o contato dos ancestrais com os seus

descendentes, assim acontecendo uma troca importantíssima entre o pas-

sado e o presente. No Benin os cultos mais importantes são dos Hεnnùvòd-

dún por estar mais próximo a uma realidade atual, porém existem os cultos

tradicionais que podemos destacar três: Xɛbyosò, Sàkpàtá e Dàn. No Brasil

a herança dos cultos reais pouco ficou, mas dos três principais Vòdún, sim!

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Em suma, podemos dizer que o Culto Vòdún é basicamente uma forma

de cultuar ancestrais e fenômenos da natureza. Estes dois misturam-se quando o culto é praticado assim como, exemplo: Sògbó é um Vòdún ances-tral ligado ao poder do raio.

No Brasil, algumas formas de Culto chegaram como O Kerebetãn de

Zòmádonù (Tradição dos Mina/Dànxomé - Maranhão), Os Tambores do Egi-to e Turquia (Tradição Ewe, Fanti, Ashanti e Ajá – Maranhão), Zo godo Bo-gun Male Hundó (Tradição dos Maxí/Bariba - Bahia), Xwe Sejá Hùn De (Tradição dos Maxí/Bariba - Bahia), Xwe Kpo Zenhen (Tradição dos Aj-a/Ayizo – Bahia), Xwe Kpo e Ji (Tradição dos Maxí/Savalú - Bahia), Casa A-marela (Tradição dos Fòn/Dànxomé – Pernambuco), Xwé Kpɔ Dàgbá (Tradição dos Màxí/Alàdá – Rio de Janeiro) e também em algumas casas no Sul do Brasil dentro do costume do rito Batuque.

Em relação à relevância do nome do Culto no Brasil temos O Kerebetãn

(Xwélegbetan) de Zomadonu com os Cultos Reais, Os Tambores com os

Vòdún Togolêses e Ganêses, Zo Godo Bogun Male Hundó com o culto aos

Sòvòdún, Xwe Se Já Hùn De com os cultos a Dàn e Sàkpàtá, Xwé Kpɔ Dàgbá

com o culto a Sakpatá, Gú, Dàn, Atòlú e Jɔ.

Por Ralph Mesquita

(Doté Vodùnnò Zodaáví Fasóví Xebyososí)

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Umbanda, Uma

Religião tipicamente brasileira

A Umbanda é uma Religião tipicamente Brasilei-ra, nasceu no Brasil, em me-ados do século XX, mais precisamente em 1908, nasceu da miscigenação das diversas raças e credos e-xistentes em nosso País. Foi oficialmente conhecida no RJ, em subúr-bios cariocas. Adaptada ao modo de vida do brasileiro é uma religião de fácil a-cesso a todos e sem discrimi-nação alguma. E ao contrá-rio, sofre grande discrimi-nação, principalmente por parte das religiões protestan-tes. A Umbanda é estru-turada, moralmente, em três princípios: fraternidade, caridade e respeito ao próxi-mo. Admite um deus cria-dor, conhecido como Olórum ou Zambi, que é o criador de tudo e todos. Seus adeptos (chamados também de "umbandistas" ou "filhos de fé") cultuam divindades de-nominadas Orixás e reveren-ciam espíritos chamados Gui-as.

ato pelo qual uma pessoa médium, inconsciente, cons-ciente ou semi-consciente, permite que espíritos falem através de seu corpo físico e mental. Os espíritos pos-suem diversos arquétipos pelos quais se apresentam através da incorporação. Ca-da arquétipo está ligado a uma determinada Linha Espi-ritual. Como exemplos desses arquétipos podemos citar: - Caboclos; - Boiadeiros; - Pretos-velhos; - Baianos; - Crianças; - Exús e Pombogiras, en-tre outros.

Sua orientação espiri-tual ou doutrinária é feita pelos Guias - espíritos que atuam na Umbanda sob uma determinada linha de trabalho que, por sua vez, está ligada diretamente a um determi-nado Orixá. Os guias têm sapiência e consciência da natureza humana e os atri-butos para que essa humani-dade possa evoluir e seguir por um caminho melhor. Os guias se manifes-tam através da mediunida-de dos médiuns, sendo a prática da incorporação a matriz do trabalho deles -

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Os arquétipos são rou-pagens utilizadas pelos guias para se apresentarem nos terreiros e não espíritos que, necessariamente, te-nham sido escravos, índios ou crianças, embora existam aqueles que realmente o fo-ram. Cada terreiro ou con-glomerado de terreiros têm a sua forma de interpretar e manifestar a Religião de Um-banda. São diversos ritos que diferem de casa para casa. Alguns utilizam atabaques, já outros, não utilizam tais ins-trumentos, preferindo somen-te o ritmo das palmas e o cântico dos pontos cantados. De maneira geral, toda gira de Umbanda ini-cia-se como o processo de defumação - elemento carac-terístico de quase todas as giras - que consiste na queima de ervas e essên-cias, com a finalidade de limpeza da matéria e do espírito, e do ambiente do terreiro antes do início da sessão e do trabalho das enti-dades que ali estarão. Normalmente as giras se iniciam com os pontos cantados, defumação e a in-corporação. As giras variam de casa para casa e po-dem ser de atendimento e/ou de desenvolvimento, específicas para cada gru-pamento de entidades, ou seja, gira de pretos-velhos, de caboclos, de crianças etc. Nas giras de atendi-mento os médiuns incorpo-rados pelos seus guias

Durante o processo de desenvolvimento, os médiuns passam por diver-sos rituais, como: amacis, camarinhas, deitadas, ofe-rendas, etc. Os quais são fundamentados e variantes para cada forma de Umbanda existente. A Umbanda tem ori-gens variadas (dependendo da vertente que a pratica). Em meio as festas nas senzalas os negros escravos comemoravam os Orixás por meio dos Santos Católicos. Nessas festas eles incorpora-vam seus Orixás, mas tam-bém começaram

(caboclos, pretos-velhos, cri-anças, etc.), procedem ao atendimento espiritual ao pú-blico, em que todos são con-vidados a se consultarem com um guia e/ou a tomar um "passe". Nas giras de de-senvolvimento, os médiuns da casa são desenvolvidos pelos guia chefe da casa ou por outros guias mais experientes, para o traba-lho espiritual. O desenvolvi-mento (que também varia de casa para casa) consiste em "chamar" o guia do mé-dium e "firmá-lo" nesse mé-dium até que ele, o guia, pos-sa incorporar sem a necessi-dade da ajuda de um guia mais experiente.

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a incorporar os espíritos ditos ancestrais, como os Pretos-Velhos ou Pais Velhos (espíritos de ancestrais, que não era de antigos Babalaôs, Babalorixás, pois esses eram cultuados no Culto aos Egu-guns em Itaparica, Bahia, e nem Iyalorixás, pois, essas eram cultuadas no Culto das Iyás), eram antigos "Pais e Mães de Senzala": escravos mais velhos que sobrevive-ram à senzala e que, em vida, eram conselheiros e sabiam as antigas artes da religião da distante África), que iniciaram a ajuda espiri-tual e o alívio do sofrimento material daqueles que esta-vam no cativeiro. Embora houvesse certa resistência por parte de alguns, pois, considera-vam os espíritos incorpora-dos dos Pretos-velhos como Eguns (espírito de pessoas que já morreram e não são cultuados no candomblé), também houve admiração e devoção. Com os escravos foragidos, forros e liberta-dos pelas leis do Ventre Livre, Sexagenário e poste-riormente a Lei Áurea, co-meçou-se a montagem das tendas, posteriormente terrei-ros. Em alguns Candom-blés também começaram a incorporar Caboclos (índios das terras brasileiras como Pajés e Caciques) que foram elevados à categoria de ancestral e passaram a se-rem louvados. O exemplo dis-so são os ditos Candomblé de Caboclo. Muito comuns no norte e nordeste do Brasil até hoje.

sagrada; a unidade de três letras; daí a trindade em um. É uma sílaba composta pelas letras A, U e M (das quais as duas primeiras com-binam-se para formar a vogal composta O). É a sílaba místi-ca, emblema da divindade, ou seja, a Trindade na Unidade (sendo que o A representa o nome de Vishnu; U, o nome de Shiva, e M, o de Brahmâ); é o mistério dos mistérios; o nome místico da divindade, a palavra mais sagrada de to-das na Índia, a expressão laudatória ou glorificadora com que começam os Vedas e todos os livros sagrados ou místicos. As outras palavras componentes se supõem, como: Bandha, de origem sânscrita, no mesmo glossá-rio significa laço, ligadura, sujeição, escravidão. A vida nesta terra. Autores dessa corrente esotérica, analisando as duas palavras, definiram Umbanda como sendo a jun-ção dos termos Aum + Ban-dha, que seria o elo entre os planos: divino e terreno. A palavra mântrica Aumbandha foi sendo passada de boca a ouvido e chega até nós como Umbanda. E assim nasce a nossa adorada Umbanda, uma reli-gião tipicamente brasileira.

Texto adaptado por Hérick Lechinski

(Ejòtolà T’Òsùmàrè)

No início do século XX com o surgimento da Umbanda, esta que muitas vezes era realizada nas praias e que começou a ser conhecida pelo termo macumba, pois, macumba nada mais é que um deter-minado tipo de madeira usada para produzir o ata-baque usado durante as giras; por ser um instru-mento musical, as pessoas referiam-se da seguinte for-ma: "Estão batendo a ma-cumba na praia", ficando então conhecidas as giras co-mo “macumbas”. Com o pas-sar do tempo, tudo que envolvia algo que não se enquadrava nos ensinamen-tos impostos pelo catolicis-mo, protestantismo, judaís-mo, etc., era considerado macumba. Com isso, acabou por virar um termo pejora-tivo.

Referência Histórica-Literária

A mais antiga referên-cia literária e denotativa ao termo Umbanda é de Heli-Chaterlain, em Contos Popu-lares de Angola, de 1889. Lá aparece a referência à palavra Umbanda, como: curador, magia que cura, si-nônimo de Kimbanda.

Visão Esotérica sobre o vocábulo Umbanda

Segundo a corrente esotérica que existe na Umbanda, a origem do vo-cábulo Umbanda estaria na raiz sânscrita AUM que, na definição de Helena Petrovna Blavatsky, em seu Glossário Teosófico, significa a sílaba

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Caboclos — De um Brasil Caboclo

A denominação “caboclo”, embora comumente designe o mestiço de branco com índio ou o mulato de cor bronzeada com cabelos corridos, tem, na Umbanda, significado um pouco diferente. Caboclo, para nós umbandistas, são almas de índios que se incorporam no “cavalo”, como denominam o médium que lhes dá passividade. Os índios que baixam nos terreiros são os mesmos habitantes das terras brasileiras, antes e depois de seu descobrimento até nossos dias.

Constituem o braço forte da Umbanda,

muito utilizados nas sessões de desenvolvimento dos médiuns, curas através de ervas e simpatias, desobsessões, solução de problemas psíquicos e materiais, repressão a espíritos malévolos, principalmente eguns (espíritos errantes ou almas penadas), demandas, materiais e espirituais e uma série de outros serviços e atividades executados nas tendas. Há quem julgue que, por se tratar de espíritos de selvagens – como são tidos pela maioria das pessoas que se dizem civilizadas – são ignorantes, maus, rudes e atrasados. Para compreende-los melhor, vamos buscar seus usos, costumes e atividades, na História do Brasil.

Quando Pedro Álvares Cabral aqui

aportou, encontrou seres humanos vivendo em estado quase primitivo: os indígenas. Viviam eles exclusivamente de caça, pesca e colheita de frutos silvestres, formando nações e tribos com usos e costumes praticamente semelhantes.

Os mais adiantados plantavam milho, mandioca e fumo. Moravam em toscas choupanas cobertas de palhas, andavam geralmente nus com pequena tanga de penas e adornavam o corpo com pinturas de cores vivas, colares, braceletes, brincos e bugigangas, feitos de pequenos ossos, dentes de animais, madeira e penas coloridas de aves. Quando a caça rareava e a pesca se tornava insuficiente para o sustento da tribo, mudavam-se de lugar. Eram nômades.

A indústria era, principalmente,

voltada para a guerra, à caça e à pesca. Fabricavam a lança, o arco, a flecha, armadilhas, cordas, redes, peneiras, balaios, potes, urnas e utensílios de barro, bem como canoas feitas de um só tronco de árvore ou balsas de vários troncos amarrados. Para a caça, utilizavam vários tipos de armadilhas, até hoje usadas no interior, como o laço que capturavam pássaro; caçavam, também, ateando fogo ao mato, mas deixando um estreito caminho por onde os animais tentavam fugir, sendo aprisionados e mortos. Para a pesca, utilizavam redes, chamadas “puçás”,

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flechas que atiravam nos peixes maiores, anzóis e uma planta conhecida como “timbó”, a qual jogada na água matava os peixes. Os que habitavam o litoral calavam tubarões, dos quais tiravam os dentes para fazer pontas de flechas ou lanças. Nas festas, ingeriam bebidas alcoólicas extraídas da fermentação do milho (cauim), mandioca, caju ou do jenipapo. Era costume furar as orelhas, nariz e lábios, onde enfiavam pedaços de ossos ou de madeira para servir de enfeites. Da reunião de choupanas ou taperas, casas feitas de pau e barro, cobertas de palha, formavam a taba ou aldeia, geralmente rodeada por uma cerca de paus, para proteção contra ataques inimigos, em cuja entrada penduravam o crânio de inimigos mortos.

Os homens dedicavam-se à caça, à

pesca e, principalmente, à guerra, enquanto as mulheres trabalhavam na cozinha, manufatura de tecidos, louças, fabrico de bebidas fermentadas e nos trabalhos de plantação e colheita. Obedeciam a um chefe, sempre o mais forte e valente guerreiro, a que chamavam “morubixaba” e eram assistidos por um mais velho, sacerdote, curandeiro e adivinho, a quem devotavam grande respeito: o pajé. Certas tribos eram antropófagas (comiam carne humana). Acreditavam em um deus poderosa, chamado Tupã, adoravam o Sol (Guaraci) e a Lua (Jaci). Acreditava, também, em vários gênios ou espíritos bons e maus, senhores da guerra, da morte e da caça. Havia, outrosim, os espíritos maléficos, sendo o mais temido o “Anhangá” (diabo velho), que lhes impunha os sonhos maus e pesadelos. Os índios adoravam muito as “poracês”, tipo de danças guerreiras ou religiosas, animadas ao som da membi (buzina), inúbia (flauta ou corneta de guerra), maracá (chocalho), uaí (tambor) e outros.

Os dois maiores grupos de indígenas

eram os Tupi-guaranis e os Jês ou Tapuias. Os primeiros, mais adiantados, falavam uma língua geral e comum a todos: O Nhengatú ou Tupi antigo. Os do segundo grupo possuíam várias línguas e eram mais atrasados, praticando inclusive o canibalismo.

Os tupis habitavam quase toda a costa brasileira e viviam constantemente em guerra, com outras tribos, sendo, por isso, excelentes guerreiros e hábeis canoeiros. Dividiam-se em nações numerosas, formando tribos menores, tais como, guaranis, omáguas, tupinambás, tupiniquins, carijós, potiguares, maués, caetés, tamoios, guaianás, etc. Já os tapuias ou jês, formavam os xavantes, caiapós, caingangues, botucudos e outros. Havia também, outras nações ou grupos menores: Os Nuaruaques, especialistas na fabricação de objetos de arte e cerâmica, utensílios de barro, que faziam com muito aprimoramento; os Caraibas, bem atrasados e bastante cruéis, adotando a antropofagia como alimentação.

A influência indígena foi bem

acentuada, tanto no vocabulário como na alimentação, folclore, uso e costume do povo brasileiro.

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Na Umbanda, sua contribuição foi significativa, dando-nos a linha de Oxóssi, totalmente integrada por espíritos de índios e índias, bem como vários deles trabalhando em outras linhas. Deles obtivemos infinidade de palavras até hoje usadas: capim, catapora, mandioca, pipoca, jaguar, manacá, mocotó, e nomes de cidades, rios e acidentes geográficos: Araçatuba, Itapira, Tietê, Itapeti, Jaraguá, etc.

Não obstante sua existência

rude, inculta, bárbara até, não quer isso dizer sejam espíritos malévolos ou atrasados. No tocante à Ciência Curativa, são exímios conhecedores das ervas de nossa flora medicinal. Muitos que hoje vêm aos terreiros, foram pajés, velhos curandeiros ou magos, tanto que são utilizados em trabalhos de cura através de ervas, demandas espirituais – pois, foram hábeis guerreiros – proteção espiritual a pessoas e tendas e desenvolvimento de médiuns, porque possuem fluidos mais grosseiros, adaptando-se perfeitamente à aura do médium principiante, por sua essência mais primitiva. Acresce, ainda, que sob a estrutura fluídica de um índio, se esconde muitas vezes um padre, um missionário, um pacificador indígena, um bandeirante ou um médico, cujas primeiras existências humanas, foram como silvícolas. Isso se explica, porque para o espírito a forma não é nada, dando mais valor ao conteúdo divino do trabalho de caridade.

Malgrado praticassem atos

selvagens, não são responsáveis por suas faltas e crimes, em razão do pouco entendimento que possuíam. Deus leva em conta a intenção maldosa, a má-fé, a perversão, a malícia, que forma a culpa individual no espírito adiantando , o mesmo não acontecendo com o índio que, não possuindo compreensão espiritual, não sabe discernir entre o bem e o mal sujeitos a lei do Karma, como espíritos que engatinham no caminho evolutivo da espécie humana, porquanto não são dirigidos pelo intelecto, pela razão,

senão pelo instinto e reflexo animais, prevalecentes em suas mentes precárias e ingênuas, assim como as crianças, irresponsáveis por seus atos, práticas e costumes espontâneos e inconscientes, mais próximos da natureza animal. Tanto que as leis da sociedade humana os exime de responsabilidades criminais porventura lhes atribuídas e, segundo relata um Mentor Espiritual de grande sabedoria, a alma do índio não sofre as consequências dolorosas após a morte do corpo físico, como sofrem os civilizados já cientes da ética e moral cristã, à vista de seu psiquismo em formação, vivendo no astral, conhecido como Juremá ou Aruanda, um lugar formado por bosques e campos etéreos, caçando e pescando como faziam quando encarnados, sem nenhum constrangimento ou dores morais.

Quando baixados nos terreiros, são energéticos e autoritários, mostrando-se intolerantes com a hipocrisia e fraquezas dos filhos de fé. Conservam os mesmos hábitos e costumes adotados na Terra, razão por que se lhes dão o arco, a flecha, a tanga de penas, o cocar, o charuto e outros apetrechos que lhe são familiares.

Texto de J. Edison Orphanake (Sacerdote de Umbanda e autor de vários livros

Umbandistas, dentre eles, “Conheça a Umbanda”)

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Os Ciganos na Umbanda

Falar sobre o denso universo cigano é tratar de um assunto bastante comple-xo. Talvez muitos ainda não conheçam a fundo esse povo que prima pela inteligên-cia, pela luz, inspiração, magia, energia, o amor e a força que cada um tem dentro de si. O grande universo cigano é riquíssimo em magias de todas as finalidades, principalmente na Grande Magia de viver. Irmãos do Sol e da Lua, utilizam a natu-reza para fazer seus feitiços e magias, filhos dos ventos e das estrelas são um povo sofrido, sem nenhum apoio governamental, estão espalhados pelo mundo inteiro, levam uma vida sofrida e dura sem nenhum conforto ou moleza. Trabalham inten-samente a cada dia, enfrentam preconceitos, dificuldades de todo o tipo, mas ain-da assim são um povo que onde passam deixam alegria, religiosidade, ética, co-nhecimentos esotéricos e deixam sobre tudo o grande valor do amor e da vida co-mo ela simplesmente é.

Existe uma legião de espíritos ciganos que viveram entre nós, que ainda em

sua vida terrena, já eram mestres, de grande entendimento sobre o mundo espiri-tual. Já buscavam luz como forma de atenuar os problemas de ordem física, moral e astral. Fazendo desta forma um trabalho que emana amor. Os Espíritos Ciganos são como todos os outros espíritos e também dispõe da liberdade do livre arbítrio. Hoje existe uma discussão muito grande sobre o trabalho destes amigos astrais em linhas não apropriadas para Ciganos, como a Umbanda, por exemplo, torno a dizer que o livre arbítrio é dádiva de Deus, e assim sendo, podem estes espíritos entrar em qualquer linha espiritual que lhe convenha.

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Os ditos Exú Wladimir, Exú Cigano, Pombagira Cigana, Ciganinha da Estrada, e muitos outros, são espíritos que por vezes assim se apresentam para a melhor identificação de seus médiuns e clientes, trabalhando com o mesmo padrão apre-sentado e conhecido. A denominação destes espíritos para os próprios pouco im-porta, se é para fazer o trabalho para o qual se tem permissão de Deus, não irá fa-zer diferença.

Os Espíritos Ciganos de outras linhas, são espíritos tão ciganos quanto os de

linha mais pura, somente ainda não tiveram oportunidade de integrar seu protegi-do para que os trabalhos sejam feitos numa linha Romaí (Cigana). A influência des-tes espíritos em distintos setores de nossa vida terrena e espiritual é permitida por Duvéli (Deus), e conforme o problema que passamos, podemos evocar os Ciganos e pedir por sua ajuda. Estes grandes amigos são bastante conhecidos e vibram ge-ralmente pelo domínio do Mestre do Clã que pertencem, no entanto cada um deles tem as suas próprias especialidades mágicas, e características próprias advindas de sua vida terrena. São inúmeros os espíritos ciganos, sendo impossível citar todos.

Saudação: Salve os Ciganos! A corrente astral de Umbanda é aberta a todos os espíritos que queiram pra-

ticar a caridade, independentemente de suas origens terrenas e encarnações, e que os acolhe em suas linhas de ação.

Houve época em que dirigentes umbandistas não aceitavam ciganos em seus

trabalhos. Eles incorporavam, então, disfarçados, nas linhas dos Baianos, dos Exus e Pombogiras.

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O Oriente luminoso que organizou a Umbanda, antes das décadas de 1950 e

1960, integrou os espíritos ciganos à Linha do Oriente. A Umbanda acolhe todos os filhos de Deus em suas linhas, e tamanha foi a simpatia do povo umbandista por essas entidades e a seriedade de seu trabalho, orientando com sabedoria, ensinan-do a beleza da criação e a alegria de viver, que foi criada uma linha ou corrente in-dependente, específica para eles, com sua própria hierarquia, magia e ensinamen-tos.

Seus trabalhos estão voltados para as necessidades mais terrenas dos consu-

lentes, e hoje, a influência do povo cigano na Umbanda cresce cada vez mais. Na linha dos Ciganos, encontramos espíritos que tiveram encarnações como

ciganos e também os que foram atraídos para essa linha por afinidade a magia ci-gana. Por isso, os ciganos na umbanda não têm a obrigatoriedade de falar espa-nhol ou romanês (Dialeto Cigano), ler cartas ou fazer adivinhações. Há os espíritos ciganos que fazem isso porque já o faziam quando encarnados e outros não.

A linha dos Ciganos tem seus rituais e fundamentos adaptados à Umbanda. É

uma linha espiritual especial, hoje em expansão, cujas entidades trabalham na irra-diação dos Orixás, mas louvam sua Padroeira Santa Sara Kali.

A influencia das entidades ciganas se fez presente desde a metade do século

XX, no culto Jurema ou Catimbó, com o determinado chefe Kalon, Mestre João Ci-gano. Ponto do Mestre João Cigano:

“Sou eu rei dos ciganos, Sou eu rei dos ciganos, Trabalho em poço fundo, Vim procurar meus mestres, Que curam no outro mundo!”

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Os ciganos são desprendidos das coisas materiais e exemplo de liberdade, de amor à natureza e a Deus. São monoteístas, conhecem o livre-arbítrio, a lei de cau-sa e efeito, acreditam na reencarnação e são austeros e severos do ponto de vista religioso.

São profundos conhecedores das magias e das essências e dos elementos á-

gua, terra, fogo e ar, das ervas e das pedras, reconhecendo todas as dádivas da natureza como bens divinos.

Na Umbanda, atuam como guias espirituais de maneira extremamente res-

peitosa e sempre procuram mostrar o caráter fraterno do povo cigano, seu respeito com o alimento e a capacidade de repartir o pão. Aceitam o ritual umbandista, co-mo meio evolucionista, e retribuem com suas ricas orientações e com a alegria de seus cantos e danças.

São bastante conhecidos na Umbanda os ciganos Wladimir, Juan, Igor, Iago,

Ramiro, Pablo, Juanito, entre outros e as ciganas Sara, Najara, Carmem, Sulamita, Sunakana, Sarita, Ilarim, Madalena, Rosita, Esmeralda e muitas outras. As entida-des ciganas atuam nas irradiações dos diversos Orixás.

Quando estamos em processo de desenvolvimento da incorporação para re-

ceber em nossa aura os Mestres Ciganos Astrais, teremos pontos comuns a serem observados no trabalho astral destes espíritos, levando em consideração o Grupo ao qual pertencem, e também pontos comuns a todos os espíritos ciganos. Quanto maior for o abandono e a concentração nesta hora, os sentidos ficarão mais aguça-dos e o trabalho astral fluirá com mais facilidade. Pontos comuns a todos os espíri-tos ciganos são: Sensação de frio e calor ao mesmo tempo na altura do umbigo, sensação de peso na nuca, alegria, sensação de ser outra pessoa, incomodo na ga-rganta/laringe, desequilibro, sensação de flutuação, formicação em todo o corpo, pontas dos dedos sensíveis, olhos pesados, sensação de energia sobre posta, regi-ão lombar sensível em toda extensão (coluna).

Por Jéssycka Rayanna (Lhaer Kalinata ki Ritj Shuvanji em

Kumpania Kalé de Ramona Torres) Fonte: O aprendizado a mim passado por minha Bibi, Shuvani Ramona Tor-res e o Livro “A linha do Oriente na Umbanda” de Alberto Marsicano e

Lurdes de Campos Vieira.

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Santo do Mês

São Jorge, o Guerreiro

São Jorge é sem dúvida nenhum um

dos santos católicos mais cultuados no

Mundo. Cultuado e festejado com grande

fervor e fé todo dia 23 de abril. Na

Umbanda, São Jorge é sincretizado com o

orixá Ogum, o grande guerreiro quebrador

de demandas e no Candomblé, São Jorge é

sincretizado com Ògún (Òrìsà guerreiro) e

às vezes Òsóòsì (Òrìsà caçador e da

fartura). Mas temos que deixar bem claro,

que São Jorge é São Jorge, Ògún é Ògún e

Òsóòsì é Òsóòsì, o sincretismo se dá

apenas, por uma necessidade que existiu

com a vinda de africanos para o Brasil, na

época do tráfico escravista. Hoje, os dias

são outros e a necessidade é outra

também, a de cultuarmos sabendo o que

estamos cultuando.

São Jorge é o patrono (padroeiro) da

Inglaterra. No Rio de Janeiro ele tem

tantos devotos, que dês do ano de 2008

que o dia 23 de abril virou feriado nacional

e todos tiram o dia de folga pra prestar a

e l e s u a s h o m e n a g e n s .

São Jorge é um santo guerreiro, o dono da espada e do escudo, aquele que combate o mal (representado pelo dragão).

Além de patrono da Inglaterra, é

também de Portugal, Geórgia, Catalunha,

Lituânia, da cidade de Moscou, além de

ser padroeiro dos escoteiros. No dia 23 de

Abril comemora-se seu martírio. Há uma

tradição que aponta o ano 303 como ano

da sua morte.

A Vida de São Jorge

Grande mártir é o título honroso

que se atribuía, nos livros litúrgicos do

catolicismo, a São Jorge pela sua

impavidez, coragem e galhardia, com as

quais enfrentou duros e prolongados

suplícios, antes de ser degolado em 23 de

abril de 303, durante o reinado de

Diocleciano, na Ásia Menor.

Aos 17 anos Jorge entrou para a

vida militar e pela sua aplicação,

capacidade no manejo das armas e

excepcional destreza nos torneios de

eqüitação, chegou a ocupar cargos

importantes no exército romano.

Diocleciano, o imperador romano da

época, chamou para coadjuvá-lo no

governo do Império Maximiano, que

deixou em Roma, Cloro, que transferiu

para as Gálias, Galério que foi com ele

para a Ásia Menor, na outra sede do

Império em Nicomédia, para onde ele

p r ó p r i o s e t r a n s f e r i u .

Sabendo Diocleciano dos méritos do

jovem oficial Jorge, chamou-o para

comandar a corte-prima da Guarda

I m p e r i a l .

Não obstante os efe itos

destruidores da nona perseguição geral

contra os cristãos, desencadeada em 274,

esses encontravam ainda alguma trégua

para reanimar-se e vir a público.

Os quatro monarcas, desta vez

associados, decidiram baixar novos editos

para exterminar os cristãos. Maximiano e

Cloro agiram no Ocidente, Diocleciano, -

que a princípio relutara -, e Galério,

vibraram a espada da perseguição contra

os cristãos no Oriente. A décima das

perseguições gerais, levada a cabo pelos

quatro monarcas foi a mais terrível e

devastadora de todas. Os historiadores

cristãos Lactâncio e Eusébio contam que,

quando o edito desta contra os cristãos

foi afixado no fórum de Nicomédia,

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esse pergaminho teria sido arrancado e

rasgado por um jovem cristão, cuja identidade

não pode ser verificada, mas cuja autoria

atribuíram alguns ao tribuno Jorge.

Enfurecido, o imperador Diocleciano mandou

despojar o tribuno das insígnias militares e

metê-lo na prisão. Depois de vários suplícios -

fora atado a uma roda ouriçada de pontas que a

cada volta dilacerava-lhe as carnes,

raspadeiras com garras de ferro, banho de cal

viva, flagelação, fogo em brasa e veneno -, os

algozes finalmente decidiram decapitar o

corajoso mártir.

No Oriente, a devoção ao santo

espalhou-se a partir do século V, enquanto que,

no Ocidente, desde o século XI graças às

Cruzadas. No Ocidente, destacou-se a

Inglaterra, onde a devoção ao santo foi tão

forte que a Cruz Vermelha sobre o fundo

branco de São Jorge, é um dos elementos que

compõem o pavilhão nacional britânico, a

UNION Jack.

Desde muito cedo, portanto, tanto as Igrejas

do Oriente, quanto as do Ocidente celebram em

seus calendários a memória-recordação da

morte do santo como ocorrida em 23 de abril

de 303.

Texto readaptado por Hérick Lechinski (Ejòtolà T’Òsùmàrè)

Música

Canto pra Ogum — Zeca

Pagodinho e Jorge Bem Jor

Eu sou descendente Zulu.

Sou um soldado de Ogum.

Um devoto dessa imensa legião de Jorge.

Eu sincretizado na fé.

Sou carregado de axé.

E protegido por um cavaleiro nobre.

Sim vou na igreja festejar meu protetor,

E agradecer por eu ser mais um

vencedor,

Nas lutas nas batalhas.

Sim vou no terreiro pra bater o meu

tambor.

Bato cabeça firmo ponto sim senhor.

Eu canto pra Ogum.

Ogum!

Ogum!

Um guerreiro valente que cuida da gente

que sofre demais.

Ogum!

Ele vem de Aruanda ele vence demanda

de gente que faz.

Ogum!

Cavaleiro do céu escudeiro fiel

mensageiro da paz.

Ogum!

Ele nunca balança ele pega na lança ele

mata o dragão.

Ogum!

É quem da confiança pra uma criança

virar um leão.

Ogum!

É um mar de esperança que traz

abonança pro meu coração.

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Deus adiante paz e guia. Encomendo-me a Deus e a virgem Maria minha mãe.

Os doze apóstolos meus irmãos. Andarei neste dia nesta noite.

Com meu corpo cercado vigiado e protegido, Pelas as armas de São Jorge.

São Jorge sendo com praça na cavalaria. Eu estou feliz porque eu também sou da sua companhia.

Eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge,

Para que meus inimigos tendo pés não me alcancem, Tendo mãos não me peguem não me toquem,

Tendo olhos não me enxerguem, E nem em pensamento eles possam ter para me fazerem mal.

Armas de fogo o meu corpo não alcançará. Facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar.

Cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar. Pois eu estou vestido com as roupas e as armas de Jorge.

Jorge é da Capadócia.

Salve Jorge!

"Uma pequena fé levará tua alma ao céu; uma grande fé trará o céu para sua alma."

(Charles Spurgeon)

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A Ética e a Moral na Religião Tradicional Africana

Ao contrário do que muitos pensam, a ética e a moral são de importância substancial no pensamento e na vida dos africanos, que são baseadas nos costumes, em leis tradicionais, tabus e tradições de cada um dos povos da África. Deus é visto como o derradeiro sancionador e sustentador da moralidade. O re-lacionamento humano pelo parentesco e vizinhança é extremamente importante e a ética e moral tradi-cionais são construídas, largamente, através das relações humanas. Moralidade pode ser resumida, em Yorùbá, pela palavra Ìwà - caráter. Os Akan de Gana chamam o cará-ter de Suban. Caráter é a essência da ética africana e sobre ele se estabelece a vida de uma pessoa. Deus exige que o homem seja puro eticamente. Deus é o buscador de corações, que a tudo vê e sabe e cujo julgamento é correto e inevitável. Deus julga os homens por seu comportamento aqui e agora, bem como no porvir. Dessa forma a paz na vida após a morte é decidida de acordo com a moral exercida, pelo ser humano, sobre a terra. Mau comportamento pode destruir o destino de uma pessoa, enquanto bom caráter é uma armadura suficiente contra o mal e a desgraça. Os costumes regulam o que deve e o que não deve ser feito. De acordo com Mbiti: "Roubar, agredir as pessoas, mostrar desrespeito aos mais velhos, mentir, praticar feitiçaria, dormir com a mulher de alguém, matar, caluniar as pessoas e assim por diante são consideradas grandes ofensas, que podem ser severa-mente punidas pela sociedade através do degredo, indenização, pagamento de multas, espancamento, apedrejamento e até mesmo a morte. Por outro lado, a bondade, a cortesia, a generosidade, a hospitali-dade, o respeito, a diligência, a frugalidade e o trabalho duro são aspectos da moral ensinadas às crian-ças em várias comunidade africanas, como princípio básico de vida." (Mbiti, John. Introduction to African Religion. London:Heinemann. Os Yorùbá e, na verdade, os africanos têm a moralidade como a essência que torna a vida alegre e agra-dável. Para os Yorùbá, segundo Bólájí Ìdòwú, o bom caráter (ìwà rere) deve ser a mola mestra na vida das pessoas. De fato é isso que distingue o ser humano dos animais. Quando os Yorùbá dizem de al-guém O şe Ènìyàn (os atos da pessoa), querem dizer que ela se comporta como deve, ou seja, ela mos-tra que sua vida e suas relações com os outros são regrados pelas suas melhores características. A des-crição contrária kìí şe ènìyàn, n şe lof’awon ènìyàn bora (Ele não é uma pessoa, ele assumiu a pele de uma pessoa). Isso significa que a pessoa é socialmente indigna; em consequência de sua característica, não está apta a ser chamada de pessoa, embora tenha a aparência de uma. Em geral, deve-se dar ênfase a que Deus, as divindades e os antepassados requerem um bom compor-tamento dos seres humanos. Mas podemos perguntar por que as pessoas que seguem a Religião Tradicional Africana, assim como os seguidores de outras religiões (cristianismo, islamismo, judaísmo, hinduísmo etc), praticam atos imorais? A resposta é simples: hoje, muitas pessoas professam uma determinada religião, porém deixam de agir de acordo com os princípios e os ditames dessa mesma religião, que é a principal causa para os atos de corrupção, violação dos Direitos Humanos, péssimas práticas eleitorais, etnicismo, bem como outras prá-ticas imorais e aéticas. No entanto, esses problemas não são insuperáveis, basta que as pessoas façam valer aquilo que apren-deram e unam a religião à moralidade, que são coisas indissociáveis. Um adágio Yorùbá diz Ìwà l’èsìn, Èsìn ni Ìwà (religião é uma exibição de moralidade, moralidade é o maior ato de adoração). Por isso é que os adeptos das diversas religiões devem saber e acatar que nossos atos de adoração só se tornarão dignos e significativos ao Criador, se eles forem acompanhados pela ética e pela moral.

Texto de Mário Filho. Revisado e Adaptado por Wemerson T’Sàngó

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PERSONALINADES NEGRAS

Vinte de novembro é o Dia Nacional da Consciência Negra. A data transfor-mada em Dia Nacional da Consciência Negra pelo Movimento Negro Unificado em 1978 – não foi escolhida ao acaso, e sim como homenagem a Zumbi, líder máximo do Quilombo de Palmares e símbolo da resistência negra, assassinado em 20 de novembro de 1695. O Quilombo dos Palmares foi fundado no ano de 1597, por cer-ca de 40 escravos foragidos de um engenho situado em terras pernambucanas. Em pouco tempo, a organização dos fundadores fez com que o quilombo se tornasse uma verdadeira cidade. Os negros que escapavam da lida e dos ferros não pensa-vam duas vezes: o destino era o tal quilombo cheio de palmeiras.

Com a chegada de mais e mais pessoas, inclusive índios e brancos foragidos,

formaram-se os mocambos, que funcionavam como vilas. O mocambo do macaco, localizado na Serra da Barriga, era a sede administrativa do povo quilombola. Um negro chamado Ganga Zumba foi o primeiro rei do Quilombo dos Palmares.

Alguns anos após a sua fundação, o Quilombo dos Palmares foi invadido por

uma expedição bandeirante. Muitos habitantes, inclusive crianças, foram degola-dos. Um recém-nascido foi levado pelos invasores e entregue como presente a An-tônio Melo, um padre da vila de Recife. O menino, batizado pelo padre com o nome de Francisco, foi criado e educado pelo religioso, que lhe ensinou a ler e escrever, além de lhe dar noções de latim, e o iniciar no estudo da Bíblia. Aos 12 anos o me-nino era coroinha. Entretanto, a população local não aprovava a atitude do pároco, que criava o negrinho como filho, e não como servo.

Zumbi dos Palmares, o maior ícone da resistência negra ao escravismo no

Brasil

Zumbi, símbolo da resistência negra

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Apesar do carinho que sentia pelo seu pai adotivo, Francisco não se confor-mava em ser tratado de forma diferente por causa de sua cor. E sofria muito vendo seus irmãos de raça sendo humilhados e mortos nos engenhos e praças públicas. Por isso, quando completou 15 anos, o franzino Francisco fugiu e foi em busca do seu lugar de origem, o Quilombo dos Palmares. Após caminhar cerca de 132 quilô-metros, o garoto chegou à Serra da Barriga. Como era de costume nos quilombos, recebeu uma família e um novo nome. Agora, Francisco era Zumbi. Com os conhe-cimentos repassados pelo padre, Zumbi logo superou seus irmãos em inteligência e coragem. Aos 17 anos tornou-se general de armas do quilombo, uma espécie de ministro de guerra nos dias de hoje.

Com a queda do rei Ganga Zumba, morto após acreditar num pacto de paz com os senhores de engenho, Zumbi assumiu o posto de rei e levou a luta pela li-berdade até o final de seus dias. Com o extermínio do Quilombo dos Palmares pela expedição comandada pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, em 1694, Zumbi fugiu junto a outros sobreviventes do massacre para a Serra de Dois Irmãos, então terra de Pernambuco.

Contudo, em 20 de novembro de 1695, Zumbi foi traído por um de seus prin-

cipais comandantes, Antônio Soares, que trocou sua liberdade pela revelação do esconderijo. Zumbi foi então torturado e capturado. Jorge Velho matou o rei Zumbi e o decapitou, levando sua cabeça até a praça do Carmo, na cidade de Recife, on-de ficou exposta por anos seguidos até sua completa decomposição.

“Deus da Guerra”, “Fantasma Imortal” ou “Morto Vivo”. Seja qual for a tradu-

ção correta do nome Zumbi, o seu significado para a história do Brasil e para o mo-vimento negro é praticamente unânime: Zumbi dos Palmares é o maior ícone da resistência negra ao escravismo e de sua luta por liberdade. Os anos foram passan-do, mas o sonho de Zumbi permanece e sua história é contada com orgulho pelos habitantes da região onde o negro-rei pregou a liberdade.

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A música africana exerceu grande influência sobre

outras manifestações musi-cais no mundo.

A Música Africana e sua Influência A música africana

exerceu grande influência sobre outras manifesta-ções musicais no mundo. Toda a gente conhece os espirituais negros, canta-dos pelos escravos africa-nos levados para a Améri-ca. Esses cânticos mani-festavam a realidade quoti-diana que eles viviam e era uma habilidade para asse-gurarem a sobrevivência cultural.

Constituía uma fonte de conselhos e de valores comportamentais; uma a-firmação da própria identi-dade étnica e cultural para quem vivia uma profunda tensão entre a esperança e a resignação, entre a ale-gria e a dor. A idéia-base dos espirituais é que a es-cravidão é uma afronta a Deus, é a negação da Sua vontade. Também os calls (chamamentos) e os cries (gritos) do Sul dos Estados Unidos são uma herança africana.

Há cantigas tristes e alegres, amargas e plenas de humor. Todas elas se encontram relacionadas com o ritmo do trabalho. Os calls que ressoavam nas plantações de algodão e de cana-de-açúcar, nos portos e nos locais de labor serviam para comunicar mensagens ou manifestar u m a e m o ç ã o . Os blues eram os cânticos dos Negros do Norte estadunidense. Para os Brancos, os escravos negros eram apenas um na-dinha, superiores aos ani-mais. Nos cânticos deles descobre-se a influência das canções do Sul. Os blues, cânticos trágicos da dor humana, provavelmen-te retiraram o nome da ex-pressão inglesa to “have the blues”, que significa “estar dominado pela me-lancolia”, pelo desespero. Foram conhecidos como a “música do Diabo”, porque os cantores manifestavam o seu mal-estar, atribuindo-o ao Diabo ou à má sorte.

O cantor fala sempre daquilo que não tem e nun-ca virá a ter. Não se nota neles uma atitude de revol-ta nem de desafio. O autor lamenta-se e procura uni-camente sofrer o menos possível. Também o jazz é um tipo de música que contém uma saudade da África. Não é música afri-cana, mas não existiria sem a África. É resultado do encontro entre o “branco” e o “negro” no Sul dos Estados Unidos. No início, foi criado por músicos negros e era con-siderado como a expres-são de uma minoria. Este gênero de música caracte-riza-se pela improvisação e ritmo sincopado. É uma derivação dos espirituais e dos blues.

Hoje, o jazz inspira muito da música moderna. O famigerado banjo é a versão norte-americana de um tradicional instrumento africano de três cordas chamado akonting (ou e-konting, como é conhecido no Senegal).

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É um instrumento tradicional do povo jola (ou diola, de acordo com a grafia em fran-cês), utilizado pelos griots (classe de músicos itinerantes do Norte da África, algo seme-lhante ao trovador europeu), e de acordo com a tradição oral do mesmo povo, o instru-mento teria surgido na vila de Kanjanka, onde hoje é a região de Casamança, no Sul do Senegal. Aliás, o nome dado à afinação mais comum do instrumento relembra tal tradição, pois recebe o nome de kan (como é chamado o som da corda de acompanhamento), jan (o som da segunda corda) e ka (o da terceira), ao invés do convencional ré-sol-fá, na tradi-ção ocidental.

A partir de Casamança, o instrumento tornou-se parte da tradição musical da Gui-né-Bissau e também da Gâmbia (mesmo porque os Jola estão distribuídos entre os três países, como convém à arbitrária e exploratória partilha da África feita pelos colonizado-res europeus no final do século XIX). É bem semelhante ao banjo moderno, só que de di-mensões maiores. O corpo é feito de uma grande cabaça recoberta com pele animal, sen-do que o “braço” do instrumento consiste de uma larga vara que atravessa a cabaça. Pos-sui três cordas, como já foi dito, dando uma o acompanhamento (assim como no banjo comum, de cinco cordas) e as outras duas, a melodia.

Onde está a ligação com o banjo?

É só observar o formato do instrumento, o modo como é construído, a técnica usa-da para tocá-lo (a técnica designada o´teck assemelha-se bastante à mais antiga forma de se tocar banjo), o sistema de cordas de acompanhamento e coisas do gênero.

A ligação com a lusofonia?

Casamança fez parte da Guiné-Bissau até 1886, quando foi incorporada no Senegal francês. Até hoje, a influência portuguesa é grande na área, havendo muitos Câmaras, Oli-veiras, (o “Kamarrá” e o “Oliverrá”, ambos jogadores da seleção francesa, são naturais de lá).

Há ainda o dialeto crioulo, o mesmo da Guiné-Bissau, que lá também se usa como “língua franca”, além de tradições européias e da religião católica, bem como nomes de localidades (Ziguinchor, a capital de Casamança e maior cidade, alegadamente deve o seu nome à expressão em português «cheguei e choram», fazendo referência aos africanos temerosos de estarem presenciando a sua vez de serem atirados para os temíveis navios negreiros portugueses.

Em acréscimo, o akonting deu origem a instrumentos similares em toda a região da população jola (na Guiné-Bissau e na Gâmbia, onde boa parte da população fala crioulo); há o buchundu, instrumento do povo manjaco (Guiné-Bissau e Gâmbia), o busunde (do povo papel, da Guiné-Bissau), e ainda o kisinta, dos Balantas, também da Guiné-Bissau.

Na verdade, todos estes instrumentos são creditados como ancestrais do banjo, a-parecendo o akonting como o instrumento que mais se assemelha aos primeiros banjos norte-americanos, sendo por isso uma espécie de “elo perdido” na história musical dos Estados Unidos. Apesar de o banjo ter surgido na parte norte da África Ocidental, certo é que os colonizadores portugueses, à semelhança dos donos de escravos norte-americanos, começaram a apelidar o instrumento de “banjo”, designação proveniente da palavra m´banza, que em quimbundo (a língua do segundo maior grupo étnico de Angola) significa “lar”, “cidade”, como provável referência ao “banzo” que os escravos negros de-viam sentir ao apoiar os seus lamentos nas cordas do instrumento…

Texto de Maria Bijóias e Foto por Vikki Gregory's Flickr

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O Brasil a partir do século XVI foi palco de uma das maiores violências contra um povo. Mais de dois milhões de negros foram trazidos da África, pelos colonizadores portu-gueses, para se tornarem escravos nas lavouras da cana-de-açúcar. Tribos inteiras foram subjugadas e obrigadas a cruzar os oceanos como animais, em grandes galeotas chama-das de navios negreiros. Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro foram os portos finais da maior parte desse tráfico.

Ao contrário do que muitos pensam, os negros não aceitaram pacificamente o cati-

veiro; a história brasileira está cheia de episódios onde os escravos se rebelaram contra a humilhante situação em que se encontravam. Uma das formas dessa resistência foi o qui-lombo; comunidades organizadas pelos negros fugitivos, em locais de difícil acesso. Ge-ralmente em pontos altos das matas. O maior desses quilombos estabeleceu-se em Per-nambuco no século XVII, numa região conhecida como Palmares. Uma espécie de Estado africano foi formado. Distribuído em pequenas povoações chamadas mocambos e com uma hierarquia onde no ápice encontrava-se o rei Ganga-Zumbi, Palmares pode ter sido o berço das primeiras manifestações da Capoeira.

Desenvolvida para ser uma defesa, a Capoeira foi sendo ensinada aos negros ainda

cativos, por aqueles que eram capturados e voltavam aos engenhos. Para não levantar suspeitas, os movimentos da luta foram sendo adaptados às cantorias e músicas africa-nas para que parecessem uma dança. Assim, como no Candomblé, cercada de segredos, a Capoeira pode se desenvolver como forma de resistência. Do campo para a cidade a Capoeira ganhou a malícia dos escravos de 'ganho' e dos fre-quentadores da zona portuária.

Na cidade de Salvador, capoeiristas organizados em bandos provocavam arruaças

nas festas populares e reforçavam o caráter marginal da luta. Durante décadas a Capoeira foi proibida no Brasil. A liberação da sua prática deu-se apenas na década de 30, quando uma variação da Capoeira (mais para o esporte do que manifestação cultural) foi apresen-tada ao então presidente, Getúlio Vargas. De lá para cá a Capoeira Angola aperfeiçoou-se na Bahia mantendo fidelidade às tradições, graças principalmente ao seu grande guru, Mestre Pastinha, que jogou Capoeira até os 79 anos, formando gerações de angoleiros.

História da Capoeira

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Elementos da Capoeira Angola Já dizia o Mestre Pasti-

nha, "Capoeira Angola é, an-tes de tudo, luta e luta vio-lenta." Mas atualmente a Ca-poeira é normalmente prati-cada como um esporte ou simplesmente folclore para preservar as tradições.

É claro que entre os

praticantes sérios, em seus treinos, os golpes são ape-nas simulados e a Capoeira torna-se um exercício físico e mental. A violência dos seus golpes, no entanto, não deixa espaço para meio ter-mo; ou joga-se Capoeira 'para valer', com as suas sé-rias conseqüências ou ape-nas simula-se um jogo. A possibilidade de enquadrá-la em regras esportivas é ine-xistente; quem assim o faz está sendo leviano ou não conhece de fato a Capoeira.

Os Golpes

A Capoeira Angola tem um número relativamente pe-queno de golpes que podem, no entanto, atingir uma har-moniosa complexidade atra-vés de suas variações. As-sim como a música tem ape-nas sete notas. Os seus principais golpes são: Cabeçada, Rasteira, Ra-bo de Arraia, Chapa de Fren-te, Chapa de Costas, Meia Lua e Cutilada de Mão.

A Música A Capoeira é a única

modalidade de luta marcial que se faz acompanhada por instrumentos musicais. Isso deve-se basicamente às suas

origens entre os escravos, que dessa forma disfarça-vam a prática da luta numa espécie de dança, enganan-do os senhores de engenho e os capitães-do-mato. No início esse acompanhamento era feito apenas com palmas e toques de tambores. Poste-riormente foi introduzido o Berimbau, instrumento com-posto de uma haste tensio-nada por um arame, tendo por caixa de ressonância u-ma cabaça cortada. O som é obtido percutindo-se uma haste no arame; pode-se va-riar o som abafando-se o som da cabaça e (ou) encos-tando uma moeda de cobre no arame; complementa o instrumento o caxixi, uma cestinha de vime com se-mentes secas no seu interi-or.

O Berimbau, um ins-trumento usado inicialmente por vendedores ambulantes para atrair fregueses, tornou-se instrumento símbolo da Capoeira, conduzindo o jogo com o seu timbre peculiar. Os ritmos são em compasso binário e os andamentos - lento, moderado e rápido são indicados pelos toques do Berimbau. Entre os mais co-nhecidos estão o São Bento Grande, o São Bento Peque-no (mais rápido), Angola, Santa Maria, o toque de Ca-valaria (que servia para avi-sar a chegada da polícia), o Amazonas e o Iuna.

Numa roda de angolei-

ros o conjunto rítmico com-pleto é composto por: três berimbaus (um grave - Gun-ga; um médio e um agudo - Viola); dois pandeiros; um reco-reco; um agogô e um atabaque. A parte musical

tem ainda ladainhas que são cantadas e repetidas em co-ro por todos na roda. Um bom capoeirista tem obriga-ção de saber tocar e cantar os temas da Capoeira.

O Jogo "Capoeira é um diálo-

go de corpos, eu venço quando o meu parceiro não tem mais respostas para as minhas perguntas" - Mestre Moraes.

O jogo da Capoeira na

forma amistosa, ou seja, na roda é verdadeiramente um diálogo de corpos. Dois ca-poeiristas se benzem ao pé do Berimbau e iniciam um lento balé de perguntas e respostas corporais, até que um terceiro 'compre o jogo' e assim desenvolve-se suces-sivamente até que todos en-trem na roda.

A Malícia Elemento básico da

Capoeira Angola, a malícia ou mandinga a torna ainda mais perigosa. Essa malan-dragem que faz que vai e não vai, retira-se e volta rapida-mente; essa ginga de corpo que engana o adversário, faz o diferencial da Capoeira em relação às outras artes mar-ciais. Essa é uma caracterís-tica que não se aprende ape-nas treinando.

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Mestres

Vicente Ferreira Pasti-nha (1889-1982) - Mestre Pas-tinha, "mestre da Capoeira de Angola e da cordialidade baiana, ser de alta civiliza-ção, homem do povo com toda a sua picardia, é um dos seus ilustres, um de seus o-bás, de seus chefes. É o pri-meiro em sua arte; senhor da agilidade e da coragem..." Jorge Amado. Baiano de Sal-vador, do Pelourinho, Pasti-nha foi o grande mestre da Capoeira Angola, aperfeiço-ando a arte centenária dos escravos. Ele organizou uma escola, estabeleceu um mé-todo de ensino com base nas antigas tradições e ainda es-creveu o primeiro livro do gênero, onde expõe a sua concepção filosófica. Foi com o Mestre Pastinha que foram instituídas as cores amarelo e preto para o uni-forme dos angoleiros e a constituição da bateria com-posta por três berimbaus, dois pandeiros, um ataba-que, um reco-reco e um ago-gô. "Capoeira é tudo o que a boca come", dizia ele na sua singular filosofia. Formou capoeiristas como João Grande, João Pequeno, Curi-ó e tantos outros.

Antônio Carlos Moraes

- Mestre Caiçara. Uma das lendas da Capoeira; sua his-tória mais parece tirada de

livros de ficção. Numa época em que o Pelourinho não ti-nha o glamour de hoje.

Mestre Caiçara ditava

as regras num território de prostitutas e cafetões; de tra-ficantes e malandros. Todos tinham que pedir a sua ben-ção. Gravou um dos princi-pais discos da Capoeira An-gola onde exemplifica os di-versos toques de berimbau, além de cantar ladainhas e sambas de roda. Faleceu em agosto de 1997.

João Pereira dos San-

tos - Mestre João Pequeno. Aluno do Mestre Pastinha e um dos mais antigos e im-portantes mestres da Capo-eira Angola em atividade. Pe-la academia do Mestre João Pequeno, no Centro Históri-co de Salvador, passaram alguns dos principais ango-leiros da nova geração. É possível vê-lo quase todas as noites jogando e ensinan-do a tradicional arte da Ca-poeira. Academia de Capoei-ra Angola de Mestre João Pe-queno Centro de Cultura Po-pular Forte de Santo Antônio - Santo Antônio além do Car-mo Salvador – Bahia.

João Oliveira dos San-

tos - Mestre João Grande. Phd Honoris Causa. Um dos principais discípulos do mestre Pastinha. Por mais de 40 anos o Mestre João Gran-de tem praticado e ensinado Capoeira Angola. Ele viajou para África, Europa e Améri-

ca do Norte, onde ensina atu-almente, em sua academia na cidade de New York.

De lá ele continua mantendo o intercâmbio com a Bahia e acompanhando a movimentação da Associa-ção Brasileira de Capoeira Angola.

Fonte: http://www.abrasoffa.org.br/folclore/danfes

fol/capoeira.htm

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