edição 408 - de 23 a 29 de dezembro de 2010

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www.brasildefato.com.br Uma visão popular do Brasil e do mundo Circulação Nacional R$ 2,80 São Paulo, de 23 a 29 de dezembro de 2010 Ano 8 • Número 408 Guilherme C. Delgado O debate econômico Os cadernos econômicos da grande imprensa já começam a insistir em um aparentemente novo vilão macroeconômico – a pressão inflacionária, que supostamente os alimentos exerceram em 2010 e continuariam a exercer em 2011. Pág. 2 Silvio Mieli O ativismo midiático Há dez anos, o encontro entre as ruas e as redes digitais ganha forma numa dinâmica que aproximou ativismo e tecnologia contra um inimigo comum: o poder, que manifesta-se nos cortes orçamentários e das privatizações. Pág. 3 Leandro Konder Bussunda e seus amigos Jovens de classe média, num processo de resistência que tinha elementos políticos, deixava claro que o humor – refletindo a crise do Estado e dos Costumes – aparecia como indicador de uma reviravolta no riso dos brasileiros. Pág. 7 Reprodução MPB O centenário de Noel Pág. 8 O país dos espiões Nos EUA, de cada 350 pessoas, uma é espiã. É o que revelou em julho o jornal The Washington Post. Tal fato, somado ao trabalho de inteligência executado por diplomatas estadunidenses e denunciado pelo Wikileaks, evidencia o nível de paranoia existente no país desde os ataques de 11 de setembro, que o fez desenvolver um complexo e inchado sistema de espionagem interna e externa. Págs. 10 e 11 Por trás do marketing Natura demite lesionados Pág. 7 Estado penal Prisões em massa no Brasil Pág. 4 Paraná Treze anos de impunidade Pág. 6 ISSN 1978-5134 Reprodução

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Uma visão popular do Brasil e do mundo

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Page 1: Edição 408 - de 23 a 29 de dezembro de 2010

www.brasildefato.com.br

Uma visão popular do Brasil e do mundoCirculação Nacional R$ 2,80

São Paulo, de 23 a 29 de dezembro de 2010Ano 8 • Número 408

Guilherme C. Delgado

O debate econômicoOs cadernos econômicos da grande imprensa já começam a insistir em um aparentemente novo vilão macroeconômico – a pressão infl acionária, que supostamente os alimentos exerceram em 2010 e continuariam a exercer em 2011. Pág. 2

Silvio Mieli

O ativismo midiáticoHá dez anos, o encontro entre as ruas e as redes digitais ganha forma numa dinâmica que aproximou ativismo e tecnologia contra um inimigo comum: o poder, que manifesta-se nos cortes orçamentários e das privatizações. Pág. 3

Leandro Konder

Bussunda e seus amigosJovens de classe média, num processo de resistência que tinha elementos políticos, deixava claro que o humor – refl etindo a crise do Estado e dos Costumes – aparecia como indicador de uma reviravolta no riso dos brasileiros. Pág. 7

Reprodução

MPB

O centenário de Noel Pág. 8

O país dosespiões

Nos EUA, de cada 350 pessoas, uma é espiã. É o que revelou em julho o jornal The Washington Post.

Tal fato, somado ao trabalho de inteligência executado por diplomatas estadunidenses e denunciado pelo

Wikileaks, evidencia o nível de paranoia existente no país desde os ataques de 11 de setembro, que o

fez desenvolver um complexo e inchado sistema de espionagem interna e externa. Págs. 10 e 11

Por trás do marketing

Natura demite lesionadosPág. 7

Estado penal

Prisões em massa no BrasilPág. 4

Paraná

Treze anos de impunidadePág. 6

ISSN 1978-5134

Reprodução

Page 2: Edição 408 - de 23 a 29 de dezembro de 2010

Brasil condenado na OEA

OS CADERNOS econômicos da grande imprensa já começam a in-sistir em um aparentemente no-vo vilão macroeconômico – a pres-são infl acionária, que supostamen-te os alimentos exerceram em 2010 e continuariam a exercer em 2011, na medida em que continuassem pressões de demanda por commo-dities nos mercados externos. Co-mentaristas do mercado fi nancei-ro citados pelo jornal O Estado de São Paulo reconhecem que deve-rá ocorrer melhoria inesperada na balança comercial brasileira devido ao esquentamento da demanda asi-ática por commodities. Mais adian-te, economistas analistas conjun-turais dos grandes bancos estimam que essa demanda trará pressões sobre o preço dos alimentos, que de resto já estaria presentes em 2010, empurrando a infl ação para fora do centro da meta de 4,5% ao ano para os 5,2% que se projeta pa-ra até fi nal de dezembro.

Conquanto as previsões dos ban-cos tenham um endereço certo – aumentar a taxa de juros Selic, cujo consequência mais direta seria fre-ar o crescimento e impactar a dívi-da pública –, há um outro lado da análise macroeconômica que preci-sa ser aproveitado.

Existe de fato um arranjo de economia política que insere as exportações primárias na tentati-va de resolver o desequilíbrio ex-terno, que, diga-se de passagem, não se refere a balança comercial, mas à conta de serviços (juros, lu-cros e dividendos, assistência téc-nica, fretes e viagens internacio-nais principalmente). Como es-se desequilíbrio não para de cres-cer, em grande medida gerado pe-la crescente entrada de capitais, atraídos pela mais alta taxa de ju-ros do mundo, muitas milhões de toneladas de grãos, carnes e mi-nérios continuarão a ser embarca-dos para suprir este defi cit. O mo-vimento alinhamento cambio ju-

ros, por sua vez, contribui para valorizar o Real e por esta via des-valorizar as exportações, produzi-das crescentemente no setor pri-mário da economia.

Ora, se mesmo com o dólar muito barato os analistas dos grandes bancos enxergam tensões infl acionárias oriundas do aque-cimento do mercado externo de commodities, algo que também se verifi cou em 2008, muito maiores seriam estas tensões com mudan-ças na política cambial e de juros que produzissem desvalorização do Real.

Seguindo a lógica do mercado fi nanceiro, o ajuste deste trinômio equilíbrio externo, infl ação e cres-cimento econômico, é bem con-vencional e autointeressado – au-mentar a taxa de juros, reduzir as despesas do Orçamento Fiscal e de Seguridade, com o que se lo-graria reverter a tensão infl acio-

nária pela redução do crescimen-to econômico.

Mas mesmo dentro da lógi-ca convencional do ajuste macro-econômico, as contas não fecham. Continuará a pressão pelo desequi-líbrio externo face aos juros mais altos e dólar desvalorizado; e pe-la lógica da superaceleração das ex-portação de commodities, supon-do que continue o ciclo de expan-são asiático, haveria também ten-são doméstica sobre os preços dos alimentos. Tampouco o desequilí-brio fi scal se resolve com aumento de juros, tal é o grau de vinculação da dívida pública líquida mais as reservas internacionais com a taxa de juros Selic – os dois agregados, que grosso modo compõem a dí-vida pública bruta (que já está aci-ma dos 60% do PIB), pagam remu-neração vinculada a taxa Selic do Banco Central.

Em síntese, o debate sobre o tri-nômio equilíbrio externo, infl a-ção e crescimento, esconde o argu-mento central do discurso do ajus-te macroeconômico – a questão da distribuição do excedente econô-mico. Pela política social e agrá-ria do Estado poderíamos resga-tar essa questão. Mas isto não es-tá na pauta da grande mídia. Pre-cisa ser resgatado no debate polí-tico, sob pena de retrocessos gra-ves. O novo governo terá muito ce-do que se manifestar, até mesmo porque os ajustes de conjuntura e as questões estruturais que demar-cam a questão distributiva são in-separáveis. Mas esse debate precisa ser traduzido para uma linguagem de compreensão geral, que infeliz-mente não é linguagem da política econômica.

Guilherme C. Delgado é doutor em economia pela Unicamp,

economista aposentado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(IPEA) e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz .

debate Guilherme C. Delgado

Como está o debate econômico

crônica Luiz Ricardo Leitão

EM 1969, A ORGANIZAÇÃO dos Estados Americanos (OEA) decidiu promulgar e adotar uma Convenção, também designada de Tratado, co-mo forma de reafi rmar o propósito de consolidar os regimes democrá-ticos estabelecendo e assegurando o direito à liberdade, justiça social e todos os direitos essenciais dos seres humanos.

No dia 29 de outubro de 1985, o então ministro das Relações Exte-riores do Brasil, Olavo Setúbal, en-viou ao Congresso Nacional as Ex-posições de Motivos, propondo a adesão do país à Convenção Ameri-cana sobre Direitos Humanos, afi r-mando que tal fato “constituiria compromisso ou garantia adicional, nas esferas nacional e internacional, de efetiva proteção contra violação dos direitos humanos; contribuiria, igualmente, para projeção da con-quista interna da democracia na ór-bita internacional e para cristaliza-ção defi nitiva, no plano internacio-nal, da imagem do Brasil como país respeitador e garantidor dos direitos humanos”.

Mas foi apenas em setembro de 1992 que o Brasil fi nalmente ade-riu à Convenção. Portanto, assumiu os compromissos com o respeito aos direitos humanos.

A Organização Americana de Di-reitos Humanos decidiu criar uma

Corte Internacional para julgar os Estados que assumiram o compro-misso de respeitar as regras estabe-lecidas na Convenção Americana. O Brasil assumiu e se comprometeu a respeitar as decisões dessa Corte In-ternacional em dezembro de 1998.

Como se sabe, a ditadura civil-mi-litar, instaurada no Brasil em abril de 1964, matou, perseguiu, tortu-rou e exilou muitos militantes e lu-tadores do povo. Alguns desses mili-tantes estão desaparecidos até hoje. O sumiço dessas pessoas é respon-sabilidade do Estado brasileiro, por-que seus agentes sequestraram e de-sapareceram com seus corpos. Por-tanto, é o Estado que responde pa-ra seus familiares e nas instâncias internacionais. Enquanto esses mi-litantes, ou seus restos mortais não forem localizados, está ocorrendo o crime de sequestro. Ou seja, o Esta-do, como pessoa jurídica que é, de-ve responder para as famílias das ví-timas e nas cortes internacionais so-bre esse crime. Ou o Estado diz onde estão os corpos, ou será condenado, como de fato foi.

ResponsabilidadesEm 1979, os militares decidiram

enviar ao Congresso Nacional a Lei de Anistia. Com essa lei, eles preten-diam se eximir das responsabilida-des pelos crimes cometidos contra a

humanidade e contra os direitos hu-manos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) foi chamado para interpretar e dizer qual o real alcance dessa le-gislação. E, para a vergonha nacio-

nal, o STF disse que a Lei de Anistia isentou todos os torturadores.

Porém, no dia 14 de dezembro de 2010, a Corte Interamericana tor-nou pública a decisão sobre o caso do desaparecimento de pelo menos 70 camponeses e militantes que es-tavam no Araguaia, tentando orga-nizar a luta contra a ditadura civil-militar.

Essa decisão é histórica. Espera-mos que seja um divisor de águas na questão do respeito aos direitos humanos no Brasil. Ela é histórica, porque enfrenta de maneira cora-josa, coragem que faltou aos minis-tros do STF, a questão do desapa-recimento forçado dos militantes e lutadores do povo durante a dita-dura civil-militar.

Busca da verdadeO Brasil não pode mais continuar

se omitindo e se esquivando da bus-ca da verdade sobre os reais aconte-cimentos que levaram ao desapare-cimento mais de 400 pessoas entre os anos de 1964 e 1988.

Cabe ao Poder Executivo levar adiante uma luta contra a menti-ra e enquadrar os funcionários pú-blicos militares, realizando buscas nos arquivos pessoais de documen-tos de interesse público nacional e internacional. E, assim, colocar às claras, iluminar os porões da dita-

dura e oferecer à sociedade nacio-nal e internacional informações re-ais, e não a mentira sempre repeti-da pelas autoridades da Polícia Mi-litar e das Forças Armadas, sobre os reais acontecimentos no caso dos desaparecidos políticos.

De outro lado cabe à sociedade, aos movimentos sociais, organiza-ções de direitos humanos continu-ar pressionando o Estado para que faça sua parte e tome as providên-cias necessárias para localizar os corpos dos desaparecidos políticos.

Neste momento, e de agora em diante, é preciso pensar como dar efetividade a essa decisão da Corte. No Ministério da Justiça estão em funcionamento duas comissões: a de Anistia, que recebe, analisa e, quan-do verifi cada a violação dos direitos humanos, repara os prejuízos eco-nômicos; e a dos mortos e desapa-recidos. E está em andamento a dis-cussão sobre a criação da Comissão da Verdade, que pretende desven-dar as circunstâncias dos desapare-cimentos dos militantes políticos.

A condenação do Brasil na Cor-te Interamericana é um chamado ao povo para que se organize e lu-te para colocar fi m aos desmandos das Forças Armadas, que precisam abandonar a fi losofi a da segurança nacional, para que não se esqueça e nunca mais aconteça.

de 23 a 29 de dezembro de 20102editorial

Gama

Em torno de Marx e NoelLEANDRO KONDER esperou pacientemente por dezembro e, com a ver-ve de um Noel paganíssimo, brindou-nos em dose dupla, assumindo sua cátedra de cronista neste brioso semanário e, de quebra, publicando mais um trabalho marxiano de rara argúcia e sutileza. Admirador antigo do au-tor, não hesito em recomendar aos nossos leitores a prazerosa leitura do recém-lançado Em torno de Marx, um ensaio de enorme valia para to-dos aqueles que apreciam não só as contribuições do pensador alemão no campo da história, na crítica da economia política, ou na análise das lutas de classes e das relações de produção, mas também aos que nunca subes-timaram a dimensão fi losófi ca da obra de Karl Marx, cuja importância pa-ra a construção do conhecimento no mundo ocidental nem sequer os sa-cerdotes do credo neoliberal logram ignorar.

Apesar de fustigado por contratempos de saúde, Konder não arrefece e continua a provocar-nos fecundas refl exões desde sua trincheira na “bata-lha das ideias”. Para quem se admira de tanta coerência e resistência, cabe aqui revelar o segredo da tenacidade: o mestre se cuida à base de doses di-árias de pura dialética, sorvidas de um composto terapêutico bastante co-nhecido, mas pouco experimentado, que se chama práxis. Ou seja: sem ja-mais prescindir da teoria, ele congrega suas energias criadoras a fi m de conceber lúcidas respostas para os desafi os concretos que a realidade ob-jetiva nos postula.

Em tempos de refl uxo do movimento de massas e de severa revisão do próprio legado de Marx, os textos reunidos neste volume são um ótimo aperitivo para quem ainda julga que a principal tarefa dos fi lósofos não é apenas interpretar o mundo, mas, sim, transformá-lo. Afi nal de con-tas, mesmo acuado pela crise fi nanceira do Velho Mundo, o pensamen-to conservador não deixa de manifestar-se com vigor – e até com furor – na mídia e na academia globalizada, como fez há dois meses o Prêmio No-bel de Literatura, Mario Vargas Llosa, em palestra proferida em Princeton (EUA), quando declarou, literalmente, que a razão crítica no pós-68 não produziu muitas vezes mais do que uma “inútil masturbação”.

Se o leitor suspeita que tenciono patrocinar uma confraria (ou seria qua-drilha?) de cronistas no Brasil de Fato, vale a pena ler os singelos en-saios da I Parte (“Marx e a Moral”, “Marx e a Religião”, “Marx e a Dialéti-ca”, entre outros) ou as digressões tecidas por Konder na II Parte sobre al-guns dos mais brilhantes herdeiros do fi lósofo-militante alemão, tais co-mo Adorno, Benjamin, Lukács e Gramsci. Contudo, caso o livro não este-ja à mão, basta conferir aqui mesmo, nesta subversiva gazeta, sua crônica dedicada ao centenário do fi lósofo do samba, o inigualável Noel Rosa.

Mestre Leandro identifi ca no Poeta da Vila uma natureza dialética a que muitos estudiosos nem sempre concedem a devida e necessária atenção. Com a fi neza que lhe é peculiar, ele adverte que o artista “combinava per-feitamente a disciplina exigida pela arte, a poesia e a musicalidade”, assim como “a boemia, a disponibilidade para o novo, e um ânimo brincalhão sempre pronto para ser reativado.” E ainda escarnece da crítica, ao lem-brar que a unidade dos dois elementos perceptíveis na formação da cons-ciência do compositor (o espírito libertário das canções e a autodisciplina exigida pelo labor artístico) “é um problema para nós, pesquisadores, mas não para ele”...

Oxalá essa maestria em reunir facetas tão opostas do caleidoscópio hu-mano venha a ungir os combatentes populares no limiar de 2011, ano que já prenuncia novos desafi os e lutas agudas para o movimento social de Bruzundanga. E haja dose do composto dialético de LK para avaliar com isenção e objetividade o que nos aguarda após o reinado de Lulinha Paz & Amor – uma era de inegável ascensão do país na economia capitalista glo-balizada, mas de profundas lacunas e equívocos na construção de um pro-jeto alternativo de sociedade igualitária e libertária.

Luiz Ricardo Leitão é escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa – Poeta da Vila,

cronista do Brasil e Lima Barreto: o rebelde imprescindível.

Editor-chefe: Nilton Viana • Editores: Cristiano Navarro, Igor Ojeda, Luís Brasilino • Repórteres: Beto Almeida, Claudia Jardim, Dafne Melo, Daniel Cassol, Eduardo Sales de Lima, Leandro Uchoas, Mayrá Lima, Patricia Benvenuti, Pedro Carrano, Renato Godoy de Toledo, Vinicius Mansur • Assistente de Redação: Michelle Amaral • Fotógrafos: Carlos Ruggi, Douglas Mansur, Flávio

Cannalonga (in memoriam), João R. Ripper, João Zinclar, Joka Madruga, Leonardo Melgarejo, Maurício Scerni • Ilustradores: Aldo Gama, Latuff, Márcio Baraldi, Maringoni • Editora de Arte – Pré-Impressão: Helena Sant’Ana • Revisão: Edilson Dias Moura• Jornalista responsável: Nilton Viana – Mtb 28.466 • Administração: Valdinei Arthur Siqueira • Programação: Equipe de sistemas • Assinaturas: Francisco Szermeta • Endereço: Al. Eduardo Prado, 676 – Campos Elíseos– CEP 01218-010 – Tel. (11) 2131-0800/ Fax: (11) 3666-0753 – São Paulo/SP – [email protected] • Gráfi ca: FolhaGráfi ca • Conselho Editorial: Alipio Freire, Altamiro Borges, Anselmo E. Ruoso Jr., Aurelio Fernandes, Delci MariaFranzen, Dora Martins, Frederico Santana Rick, José Antônio Moroni, Hamilton Octavio de Souza, Igor Fuser, Ivan Pinheiro, Ivo Lesbaupin, Luiz Dallacosta, Marcela Dias Moreira, Maria Luísa Mendonça, Mario Augusto Jakobskind, Nalu Faria,Neuri Rosseto, Otávio Gadiani Ferrarini, Pedro Ivo Batista, René Vicente dos Santos, Ricardo Gebrim, Sávio Bones, Vito Giannotti • Assinaturas: (11) 2131– 0800 ou [email protected] • Para anunciar: (11) 2131-0800

No dia 14, a Corte Interamericana tornou pública a decisão sobre o caso do desaparecimento de pelo menos 70 camponeses e militantes que estavam no Araguaia, tentando organizar a luta contra a ditadura civil-militar

Mestre Leandro identifi ca no Poeta da Vila uma natureza dialética a que muitos estudiosos nem sempre concedem a devida e necessária atenção

O novo governo terá muito cedo que se manifestar, até mesmo porque os ajustes de conjuntura e as questões estruturais que demarcam a questão distributiva são inseparáveis

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de 23 a 29 de dezembro de 2010

obtidos pelo WikiLeaks. Mas o seu conteúdo, ainda que bombástico, é menos importante do que o proces-so de inversão do fl uxo de informação que esta década de luta concretizou.

A partir de agora, a ascensão do movimento de mas-sas não poderá mais prescindir desta nova classe, es-pécie de cérebro social composto pelos programadores de informática, jornalistas, pesquisadores, ao mesmo tempo técnicos, artistas e ativistas.

Entre o virtual das redes e o núcleo duro da realidade social sairá o desenho da segunda década do milênio. A propósito, um fotógrafo viu manifestantes chutan-do um carro na Rua Regent, no centro de compras de Londres. O carro conseguiu fugir da multidão, mas uma imagem fl agrou o olhar de horror de Camilla, duque-sa da Cornuália, e do príncipe Charles, confi nados em seu Rolls-Royce. Os estudantes cercavam o carro e pro-testavam contra um projeto aprovado pela câmara bai-xa do Parlamento, que triplicava o preço das matrículas universitárias na Inglaterra. A nova década promete.

A década doativismo midiático

HÁ UM FIO CONDUTOR entre as batalhas nas ruas de Londres, Roma, Milão, Paris, Atenas e os embates di-gitais que convergiram ao fenômeno WikiLeaks.

Há exatos dez anos, o encontro entre as ruas e as re-des digitais começou a ganhar forma numa dinâmica que aproximou ativismo e tecnologia contra um inimi-go comum: o poder, que manifesta-se através da des-regulamentação do mercado de trabalho, do desem-prego, dos cortes orçamentários e das privatizações.

Herdeiro direto do zapatismo, este novo ativismo gerou os Centros de Mídia Independente, as agências de informações alternativas e os blogs livres. Uma ex-periência riquíssima forjada nas ofi cinas políticas de Seattle, Gênova, nas manifestações contra a invasão do Iraque, nos fóruns sociais e nos seminários contra a propriedade intelectual.

Os ativistas da mídia que articularam esta suble-vação eram vistos com desconfi ança até começarem a pautar a mídia corporativa, o que acabou se confi r-mando com a publicação de milhares de telegramas

Luiz Fernando Menezes/Folhapress

instantâneo frases soltas

Silvio Miele

nor presença do público na vida dos brasileiros que vi-vem nos grotões do campo e da cidade. Assim, terão me-nos informação sobre verbas para a saúde, políticas pú-blicas para a agricultura, reforma agrária, pesca, meio-ambiente, transportes, educação no campo etc.

Sem a Voz do Brasil, crescerá o defi cit democrático. Os que acusam a Voz do Brasil de ser “chapa-branca”, ca-lam-se diante do fato de que o rádio comercial, predo-minante hoje, pode ser apresentado precisamente co-mo “rádio chapa-mercado”. O curioso, pela incoerência, é que, ao lado dos grandes empresários de mídia que pa-trocinam a fl exibilização da Voz do Brasil – com o claro intuito de torná-lo sem audiência, facilitando sua extin-ção – encontram-se alguns atores do movimento de de-mocratização da mídia. Junte-se ao silêncio destes mo-vimentos, estranha atitude da Fenaj que, mesmo ten-do aprovado em seu Congresso a defesa da Voz do Bra-sil, manteve a resolução na gaveta. Silêncio da Fenaj, dos sindicatos de jornalistas, dos movimentos sociais diante do risco da Voz. A Abert comemora esta paralisia de quem tanto fala em regulamentação.

Voz do Brasil e regulamentação da mídia

A REGULAMENTAÇÃO da mídia passou a fazer parte da agenda de debates políticos da sociedade brasileira. Após a realização da Confecom, onde a proposta mereceu des-taque e foi incluída entre as teses aprovadas, agora foi o próprio governo federal, por ação do ministro Franklin Martins, da Secom, que assumiu posição clara e inequí-voca pela regulamentação. O objetivo é combater a tira-nia midiática no Brasil, um de seus maiores defi cits de-mocráticos.

Na contra-mão dos esforços para a regulamentação, nota-se um incoerente silêncio do movimento de demo-cracia na mídia em relação a uma iniciativa da Abert e dos magnatas da mídia para fl exibilizar a transmissão da Voz do Brasil – o mais antigo programa do rádio brasilei-ro ainda no ar. O programa surgiu de um esforço de regu-lação do Estado sobre o campo informativo, na Era Var-gas, levando informações relevantes para cerca de 80 mi-lhões de ouvintes. Vencedor de vários prêmios de jorna-lismo, reconhecido como canal de acesso a informações precisas e objetivas sobre o Estado, o governo e a cidada-nia, a Voz do Brasil, se fl exibilizada, resultará numa me-

Beto Almeida

BANHO DE MAR – Mulher se refresca nas águas da praia de Santos, no litoral de São Paulo, na tarde do dia 21 deste mês, início ofi cial do verão

comentários do leitor

Código FlorestalTenho dedicado parte de minha vi-da acadêmica a estudar os impactos da agricultura no solo e na água e estou se-guro que as modifi cações de nosso Có-digo Florestal, da maneira como estão sendo propostas, terão profundos im-pactos negativos nos ecossistemas fl u-viais. Além disso, deverá ocorrer um aumento da sedimentação dos rios e o assoreamento de nossos reservatórios destinados à geração de energia elétri-ca. Então, os impactos serão muito ne-gativos: água de pior qualidade, altera-ção de ecossistemas aquáticos, assore-amento de rios, reservatórios e portos. Outra coisa importante. Se fi zermos os cálculos de quanta área precisamos para alimentar a população brasileira e ainda cultivar culturas de exportação, não ne-cessitamos de mais terras para cultivar.

Gustavo Merten, via correio eletrônico

Brasil condenadoFoi fundamental ao direito à verdade e à memória a decisão da Comissão Intera-mericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA que condenou o Brasil pela sua responsabilidade no desaparecimento de pessoas no Araguaia. Já que nossos governantes tucanos e petistas e alia-dos não tiveram coragem de romper as amarras, que a decisão da CIDH os leve à reboque e que sejam lembrados pela omissão frente às famílias e à memória de ex-companheiros que tombaram.

Paulo Búfalo, via correio eletrônico

Democracia brasileiraNós não nos demos conta, quando fa-lamos em Estado Democrático no Bra-sil, de duas coisas importantes: de que a democracia se resume tão apenas ao ato de votar e que nenhum “cheiro de democracia” chega ao povo pobre. Na

realidade, a democracia no Brasil, pa-ra a maior parte do povo, é um simula-cro. Passados esses 26 anos do fi m (?) da ditadura empresarial-militar, ainda temos forças de segurança militariza-das, impunidade total e completa das corporações militares em relação aos crimes praticados na ditadura. Como sabemos, a impunidade dos fortes é a raiz do problema. Quando não se pode tocar em um ministro como o sr. Nel-son Jobim, depois de tudo que se sa-be dele, dá para ver quem manda em quem. O Rio é apenas mais uma trági-ca página de um livro que a gente faz que não existe.

Renato Machado, via correio eletrônico

Cartas devem ser enviadas para o endereço da redação ou através do correio eletrônico [email protected]

3

Defenderei sempre a liberdade de imprensa e de culto, mas reafi rmo que nenhuma estratégia política ou econômica é efetiva se não se refl etir na vida de cada trabalhador e trabalhadora, empresário e famílias das regiões desse imenso país

Dilma Rousseff, ao ser diplomada presidenta da República pelo TSE, último passo antes da posse

O Mercosul não é um convento, não é um encontro de freiras. Isso aqui é um encontro de chefes de Estado e de países soberanos, que sempre vão ter divergências. Sempre haverá um país com interesse diferente do outro, tentando não prejudicar o outro, mas defender a sua soberania

Lula, no encerramento da Cúpula do Mercosul

Fizemos tudo o que poderia ser feito, mas não fi zemos tudo que precisa ser feito

Jerson Kelman, presidente da Light, ao afi rmar que existe risco de

apagões no Rio de Janeiro

Poderá a OEA fazer algum tipo de advertência ao Brasil, mas fi cará apenas na advertência diplomática. Não terá nenhum efeito

Nelson Jobim, ministro da Defesa, ao comentar a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA de condenar o Brasil por não ter investigado crimes cometidos no episódio da Guerrilha do Araguaia

A minha saída do PT, que vem em seguida à minha vinda para o Senado, tem a ver com aquilo que considero uma falta de percepção do Partido dos Trabalhadores, para não deixar fi car no que já conquistamos e fechar as portas para novos desafi os. A questão da sustentabilidade ambiental é a utopia deste século e nenhum partido foi capaz de perceber isso, inclusive o PT

Marina Silva, senadora pelo PV do Acre, no seu discurso de despedida do Senado, no dia 16

Marina Silva faz discurso de despedida durante sessão plenária do Senado

José Cruz/ABr

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brasilde 23 a 29 de dezembro de 20104

Luciana Araujode São Paulo (SP)

AS OPERAÇÕES policiais nas comunida-des da Vila Cruzeiro e Complexo do Ale-mão, no Rio de Janeiro, o posto de tercei-ra maior população carcerária do mundo e a criminalização dos movimentos so-ciais são exemplos cotidianos do avan-ço da remilitarização da segurança públi-ca no Brasil, na esteira do avanço do ne-oliberalismo. No seminário “Encarcera-mento em massa: símbolo do Estado pe-nal”, com a participação de cerca de 450 pessoas, foi discutida a relação dessa po-lítica com o aprofundamento da histórica segregação social brasileira e o estímulo à indústria do controle do crime. O even-to aconteceu entre os dias 7 e 9 no salão nobre da Faculdade de Direito da USP, promovido pelo Tribunal Popular: o Es-tado brasileiro no banco dos réus, articu-lação de entidades e movimentos que de-senvolve atividades de resistência e soli-dariedade às vítimas da violência estatal.

O ex-secretário de polícia e ex-gover-nador do Estado do Rio de Janeiro, Ni-lo Batista, destacou que “nunca o sistema penal participou tanto da acumulação capitalista como agora”. Ele participou da mesa de abertura do seminário jun-to com a socióloga Vera Malaguti e a de-fensora pública Carmen Silvia Moraes de Barros. “Atrás de todo choque de ordem tem sempre um deslocamento de econo-mias informais populares para as econo-mias formalizadas de grandes empresas, e também a indústria do controle do cri-me”, ressaltou.

Nesse momento, poucas semanas após o início das operações policiais nas co-munidades cariocas controladas pelo Co-mando Vermelho, transnacionais como a Phillips, Procter & Gamble e outras já discutem instalar novas plantas no Rio. As indústrias têm recebido incentivos fi s-cais dos governos federal, estadual e mu-nicipal – caso da P&G, que obteve redu-ção do IPTU e do ISS e se estabeleceu na região da Cidade de Deus em 2009. A evolução do arsenal bélico exibido pelos trafi cantes e agentes do Estado também evidencia a lucratividade dessa “guer-ra” urbana para indústria armamentis-ta. “Guerra” que teve início há quase 20

Tribunal Popular debate avançoda militarização da segurançaVIOLÊNCIA Operações policiais no Rio, o posto de terceira maior população carcerária do mundo e a criminalização dos movimentos sociais são exemplos cotidianos da guerra à pobreza

anos no Rio de Janeiro e não acaba nun-ca, porque os verdadeiros responsáveis pela entrada de armas e drogas no país, e sua relação com a estrutura do Estado, não são enfrentados.

Somente a pobreza vem sendo ataca-da, pela via militar, para assegurar que a cidade esteja “preparada” para receber a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpía-das de 2016.

“O Rio de Janeiro está vivendo, para que fl uam os negócios olímpicos trans-nacionais, um verdadeiro massacre das favelas”, denuncia a socióloga e secretá-ria-geral do Instituto Carioca de Crimi-nologia, Vera Malaguti.

Para Vera, as chamadas Unidades de Polícia Pacifi cadora (UPPs) são parte de um projeto que transforma as favelas em “campos de concentração” altamen-

te militarizados, cuja população é abso-lutamente controlada e há mortes em sé-rie. Ela criticou duramente o anúncio fei-to pela presidenta eleita, Dilma Rousseff, de expandir o modelo das UPPs para to-do o país no próximo governo.

A “guerra ao crime”O Brasil tem hoje quase 500 mil presos

amontoados em menos de 300 mil vagas. De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional, 60% dos deten-tos são negros, 58% têm entre 18 e 29 anos e 44% ainda aguardam julgamen-to (são presos provisórios). “É um encar-ceramento em massa da pobreza, porque não há notícia de encarceramento das elites”, destaca o juiz e presidente do Ins-tituto de Criminologia e Política Crimi-nal, Juarez Cirino dos Santos. Na mes-ma mesa, o integrante da Associação Ju-ízes pela Democracia (AJD), Rubens Ro-berto Rebello Casara, avalia que “perde-mos o pudor de praticar ilegalidades con-tra as camadas mais pobres da sociedade brasileira” e que “não cabe falar em guer-ra, que pressupõe baixas nos dois exérci-tos: o que está acontecendo no Rio é ex-termínio”. (veja abaixo entrevista com o magistrado)

A reportagem tentou obter o levanta-mento consolidado das mortes, prisões e apreensões realizadas junto à assesso-ria de imprensa da Polícia Militar do Rio de Janeiro desde o dia 21 de novembro. A orientação foi procurar a 21ª Delegacia Policial. Lá, a informação foi de que os dados não estão disponíveis. A reporta-gem foi orientada a encaminhar um do-cumento solicitando ao delegado-chefe a divulgação de números que deveriam ser públicos. Até o fechamento desta edição, a Secretaria de Segurança Pública não divulgou o número de mortes ocorridas nos dias 21 a 24 de novembro.

As famílias denunciam o arromba-mento de residências, furto de pertences e ameaças em todas as comunidades on-de há ações do “choque de ordem”.

Em São Paulo, à criminalização das pe-riferias soma-se a ação estatal que poten-cializa as difi culdades para que essa par-cela da população tenha condições míni-mas de acesso ao Judiciário. O Núcleo de Situação Carcerária da Defensoria Públi-ca do Estado dispõe de apenas 45 defen-sores para atender a uma população de quase 180 mil presos. E o Judiciário atua como “justiceiro social”, na opinião da coordenadora do Núcleo, Carmen Silvia.

A situação se complica para os por-tadores de doenças mentais, mulheres e adolescentes. “Depósitos de seres hu-manos” como o Hospital de Custódia de Franco da Rocha seguem em funcio-namento. As mulheres e mães dos pre-sos são aviltadas durante as visitas e dis-criminadas pela sociedade. E as internas das instituições socioeducativas, embora representem apenas 4,5% da população jovem privada de liberdade, chegam a ín-dices de 80% de medicalização nas uni-dades – como verifi cado na Bahia pela advogada Jalusa Arruda.

Tudo somado, a evidência de um Esta-do penal em vigor no Brasil é cabal. Na tentativa de combater esse modelo, as entidades e movimentos que se articu-lam no Tribunal Popular decidiram rea-lizar novas atividades em 2011, incluindo um ato no Complexo do Alemão em ja-neiro. Também será organizado um Tri-bunal Popular da Terra, para discutir co-mo a não realização da reforma agrária no país potencializa a criminalização da pobreza e a segregação social.

O sistema penal brasileiro em números494.598 pessoas presas

299.587 vagas existentes em todo o país

57.195 pessoas cumprindo pena em delegacias

60% dos detentos são negros

58% têm entre 18 e 29 anos

44% são presos provisórios (prisões em fl agrante, preventivas, temporárias aguardando julgamento)

41% cometeram crimes patrimoniais sem violência ou relacionados às drogas

Fonte: Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), dezembro/2010

de São Paulo (SP)

Durante o seminário “Encarceramento em massa: símbolo do Estado penal”, re-alizado entre os dias 7 e 9, o Brasil de Fato conversou com o juiz Rubens Ro-berto Rebello Casara. Em sua fala, na mesa sobre o sistema de justiça no Bra-sil, no dia 8, o magistrado criticou o Esta-do brasileiro, que teria hoje três estraté-gias para conter os “indesejáveis”: as po-líticas assistencialistas, o encarceramen-to em massa e o extermínio direto. Veja a seguir a entrevista.

Brasil de Fato – O comandante geral da PM anunciou no dia 7 de novembro uma operação “choque de ordem” nos complexos da Penha e do Alemão no Rio de Janeiro. Desde o início da gestão atual da Prefeitura do Rio, essa vem sendo uma política que, sob a justifi cativa de combater o comércio ilegal, tem imposto muita violência contra as camadas mais pauperizadas do povo. Como o senhor vê a aplicação dessa política nas comunidades, do ponto de vista da legalidade?Rubens Roberto Rebello Casara – Parece-me que no Rio estamos passan-do por um momento de crise da legalida-de. Na perspectiva de combater ilegalida-des graves, que a gente pode chamar de meras irregularidades administrativas, o

Estado, não raro, tem violado a própria legalidade. E, com isso, tem perdido a le-gitimidade da sua atuação. O momen-to é complicado. E o que me surpreende diante desse quadro é que medidas niti-damente ilegais têm adquirido um apoio popular muito grande, que acaba por es-timular novas medidas ilegais. Essa es-piral compromete seriamente a ideia de democracia.

Esse apoio popular que o senhor menciona é generalizado ou mais localizado na classe média, Zona Sul e entorno das comunidades?

Paradoxalmente, tenho percebido o apoio popular inclusive da população mais atingida pelas ilegalidades. É ób-vio que tem polos de pensamento crí-tico dentro de associações de morado-res, nas comunidades e na própria elite, que têm tentado fazer um discurso con-tra-hegemônico. Mas, de um modo geral, esses aplausos mostrados correspondem à realidade. E isso vai da Zona Sul à Zo-na Norte.

E a utilização das Forças Armadas? A Marinha se retirou da região do Alemão no dia 7. Mas o Exército continua, inclusive com a atribuição de poder de polícia e patrulha. Do ponto de vista jurídico isso é legal?

Nós temos uma Constituição que tra-ta das atribuições dos vários órgãos e entidades. E a utilização das Forças Ar-madas, qualquer uma delas, é fl agran-temente contrária à Constituição. Mas o texto da Constituição é interpretado. E sempre tem algum jurista de plantão pa-ra declarar legítimo ou constitucional es-se tipo de atuação. Sempre com o discur-so do interesse público, que é o principal

discurso para [legitimar] as práticas fas-cistas e autoritárias. Agora, interesse pú-blico de quem? Me parece que não é o de quem está tendo a casa violada, está sen-do ameaçado, expulso do local de resi-dência ou proibido de circular livremen-te no local onde reside.

Alguns analistas mais críticos da atual política centram muito a discussão na necessidade de um expurgo de uma “banda podre” das polícias como solução para o problema da criminalidade e dos abusos no Rio. Na sua avaliação, isso é viável na atual confi guração do Estado?

E acho que o problema é estrutural, e essa demonização de atos individuais acaba ocultando o verdadeiro problema, que é uma estrutura autoritária que pro-picia esse tipo de ato, esse tipo de viola-ção. Não adianta punir A, B, C ou D por atos isolados, porque isso não resolve o problema. Você ofi cialmente pune, re-tira a complexidade do problema e re-defi ne esse problema, tratando como se fosse um mero desvio pessoal. Nós te-mos práticas autoritárias que são reite-radas de longo período. O que me parece mais digno de nota é que essas ilegalida-des que sempre se deram no subterrâneo estão sendo explicitadas e, mais que isso, naturalizadas. Não estão sendo proble-matizadas. Têm-se entendido como na-turais ilegalidades gritantes.

Justifi cadas inclusive pelo Judiciário.

Sim, justifi cadas até pelo Judiciário. Não faltam agentes estatais para legiti-mar esse tipo de situação.

Agora se acelerou um processo de revisão da legislação. O Senado inclusive aprovou um projeto de revisão do Código de Processo Penal que vinha tramitando há algum tempo e agora segue para a Câmara. Como o senhor vê esse movimento?

Preocupa muito mudanças legislati-vas em clima de pânico ou de emergên-cia, porque a pressa é uma péssima con-selheira para a criação de normas legais. No caso do Código de Processo Penal que foi aprovado, a situação muda um pouco porque o Código atual, como também o Código Penal, remonta à ditadura do Es-tado Novo. Os dois têm inspiração na le-gislação fascista italiana. Já são leis de vi-és autoritário. Então, eu acho que há es-perança, com a cabeça no lugar, a par-tir de debates, de que essas alterações venham a contribuir para a conforma-ção de uma sociedade menos autoritária, mais próxima de um ideal democrático. Embora a simples mudança de leis nun-ca tenha resolvido, em nenhum lugar do mundo, nenhum tipo de problema. (LA)

Espiral de medidas ilegais compromete a democraciaPara o juiz Rubens Casara, o Rio passa por um momento de “crise da legalidade”

QUEM ÉFundador do Movimento da Magistratura Fluminense pela Democracia (MMFD) e membro da Associação Juízes pela Democracia (AJD), Rubens Roberto Rebello Casara é juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e titular da segunda vara criminal de Campo Grande na Zona Oeste da capital fl uminense.

“Mas, de um modo geral, esses aplausos mostrados correspondem à realidade. E isso vai da Zona Sul à Zona Norte”

500mil presos, amontoados em menos

de 300 mil vagas, têm o Brasil

“Atrás de todo choque de ordem tem sempre um deslocamento de economias informais populares para as economias formalizadas de grandes empresas”

Celas superlotadas: o sistema penal a serviço do capital

Marcello Casal Jr./ABr

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de 23 a 29 de dezembro de 2010 5brasil

Leandro Uchoasdo Rio de Janeiro (RJ)

O WIKILEAKS – articulação transnacio-nal que tem revelado, através da sociali-zação de telegramas ultrasecretos na in-ternet, segredos vitais da diplomacia es-tadunidense – nem sempre surpreende. Documentos recentes relacionados ao pré-sal brasileiro, divulgados pelos ati-vistas, revelam o que os movimentos so-ciais ligados ao setor energético já diziam há muito tempo – com provas documen-tais, no entanto.

Basicamente, são quatro conclusões principais: as empresas de petróleo dos EUA estão muito interessadas no pré-sal; a representação diplomática esta-dunidense no Brasil atua praticamente a serviço dessas empresas; as corporações e a embaixada se organizaram, junto a companhias e grupos políticos brasilei-ros, para barrar no Congresso Nacional projetos considerados danosos a seus in-teresses; e o ex-presidenciável José Ser-ra, e seu partido, o PSDB, compromete-ram-se até a medula com esses interesses estrangeiros durante a campanha presi-dencial deste ano.

O modelo de exploração do pré-sal proposto pelo governo federal, por exemplo, aprovado dia 2 no Congres-so, trouxe grande preocupação à diplo-macia estadunidense. Funcionários da Embaixada dos EUA enviaram telegra-

mas ao governo Obama, entre 2008 e 2009, elencando suas ponderações so-bre o pré-sal. Uma das mensagens tem como título uma pergunta que já deixa claro seu longo conteúdo. “A indústria de petróleo vai conseguir combater a lei do pré-sal?”. No telegrama, os diplo-matas lamentam a maneira como a de-fi nição do marco regulatório está sendo conduzida pelo governo brasileiro e pe-lo Congresso. Reclamam especifi camen-te de a Petrobras ser a única operadora e da criação da PetroSal. No documento vazado, há elementos sufi cientes para se inferir que os representantes dos EUA atuaram para cooptar parlamentares brasileiros, para que defendessem seus interesses. Patrícia Padral, diretora da Chevron, uma das maiores empresas no ramo do petróleo, faz revelações bom-básticas. Segundo ela, o tucano Serra, na época forte candidato a presidente do país, teria prometido barrar os pro-jetos do atual governo, caso fosse eleito. “Ficou claro não só a importância que o governo dos EUA deu ao pré-sal como o entreguismo de Serra. Tudo o que ví-

nhamos denunciando”, diz Edison Mu-nhoz, diretor do Sindicato dos Petrolei-ros (Sindpetro-RJ).

Pelo modelo aprovado dia 2 no Con-gresso, as corporações que vierem a ex-plorar o pré-sal não serão donas do pe-tróleo retirado da terra – como aconte-ce hoje, graças à Lei do Petróleo, apro-vada em 1997 durante o governo FHC. Elas terão, agora, que entregar 30% da produção à União. Patrícia, da Chevron, acusa o governo Lula de fazer uso políti-co do novo modelo. A criação da Petro-Sal, nova estatal para fi scalizar a ação

de empresas no pré-sal, também é cri-ticada. O diretor-geral da Petrobras na África, Ásia e Eurásia, Fernando José Cunha, diz a representantes do Consu-lado que a empresa iria acabar minan-do recursos da Petrobras. Segundo ele, anova estatal só estaria sendo criada por interesses partidários – para ser utiliza-da pelo PMDB. Lamenta-se, também,no texto, que a Petrobras exerça contro-le absoluto sobre a compra de equipa-mentos e contratação de pessoal, o que prejudicaria os fornecedores nos EUA.

Nos telegramas, a intenção da Petro-bras de adiar os leilões da Agência Nacio-nal do Petróleo (ANP) é igualmente cri-ticada. A diplomacia considera que a de-mora da empresa teria o objetivo de ga-rantir à Petrobras a dianteira do proces-so em futuras licitações. Desconfi ava-se que essa postura poderia levar os exe-cutivos a vender sua produção à estatal, por conta do atraso, para garantir a segu-rança energética do país. É citado, espe-cialmente, o presidente da empresa, José Sérgio Gabrielli, que seria o protagonis-ta de tal estratégia. O governo federal re-tirou, em 2007, 41 blocos localizados no pré-sal e em seu entorno da lista de áre-as a serem licitadas. As reservas de Tu-pi, primeira área do pré-sal onde se com-provou a existência de petróleo, tinham recentemente sido anunciadas. “Quando o governo Lula percebeu o tamanho das reservas, realmente puxou o freio nos lei-lões”, comenta Munhoz.

A então ministra-chefe da Casa Civil, presidente eleita Dilma Rousseff (PT), é fartamente citada. Os telegramas pre-viam que, se ela concorresse à presidên-cia, o desenvolvimento de campos de pe-tróleo, aliado aos projetos de infraestru-tura do PAC, poderiam estimular sua candidatura. O comentário surgiu pou-co depois de Haroldo Lima, diretor geral da ANP, ter dito que o campo Carioca, na Bacia de Santos, tinha mais de 33 mi-lhões de barris de petróleo – estimativa que, até então, carecia de confi rmação.

do Rio de Janeiro (RJ)

No telegrama “A indústria de petróleo vai conseguir combater a lei do pré-sal?”, os métodos utilizados pelos estaduni-denses, de cooptação do Congresso Na-cional, fi cam claros. O objetivo, a princí-pio, seria impedir que a China obtivesse vantagens competitivas. Segundo os re-presentantes do Consulado no Rio de Ja-neiro, a estatal da China poderia apre-sentar ao governo lucros mais substan-tivos. O tucano José Serra já era apon-tado como parceiro dos estadunidenses. Ele teria dito para deixar, a princípio, o PT fazer “o que quisesse”, porque assim as rodadas de licitação não iriam aconte-cer e, então, seria comprovada a superio-ridade, segundo ele, do modelo de con-cessão (implantado no Brasil por FHC, e recentemente substituído pela partilha). Sendo assim, segundo Serra, eles conse-guiriam mudar de novo em seguida. Ge-raldo Biasoto, um dos responsáveis pe-lo programa de governo de Serra, confi r-mou a denúncia.

Nos documentos vazados, Patrícia Pa-dral, diretora da Chevron, lamenta a atuação dos tucanos no processo de dis-cussão das leis do governo Lula no Con-gresso. “O PSDB não apareceu nesse de-bate”, disse. Segundo ela, Serra se posi-cionou claramente contra as leis, mas publicamente não se comportava com o “senso de urgência” necessário. Em

do Rio de Janeiro (RJ)

Telegrama vazado pelo Wikileaks, da-tado de 30 de junho de 2008, lamen-ta que a reativação da 4ª Frota da Ma-rinha dos Estados Unidos tenha causa-do “reação nacionalista” no Brasil. Em trecho, diz-se que “o governo brasileiro é muito sensível à soberania. A 4ª Frota do Comando do Sul dos Estados Unidos não poderia vir em pior hora”. A 4ª Fro-ta é uma divisão da marinha responsável por operações no Atlântico Sul. Tem cer-ca de 15 mil ofi ciais e duas dúzias de na-vios. Sua instalação nas proximidades da fronteira brasileira, no mesmo momen-to em que o pré-sal havia sido descober-to, causou mal-estar e indignação na es-querda brasileira.

Os telegramas também afi rmam que o governo brasileiro planejava lançar uma campanha publicitária de 50 milhões de dólares para divulgar a descoberta e acu-mular capital político. Afi rma-se que o crescimento das reservas de petróleo no Brasil teria a vantagem de “impac-tar o papel da Venezuela na região”. O país não tem boas relações políticas com os EUA, entretanto, é um dos principais exportadores de petróleo para eles. A to-do momento, nos telegramas, fi ca claro o entusiasmo dos estadunidenses com o pré-sal brasileiro, chamado de “no-va excitante descoberta” e “oportunida-de de ouro”. Como nítida representante dos interesses das petroleiras, a diploma-cia dos EUA parece interessada não ape-nas na exploração, mas no alto potencial tecnológico envolvido na operação de ex-tração de petróleo em camadas profun-das. (LU)

uma passagem, o telegrama do Consu-lado é explícito: “com a indústria resig-nada com a aprovação da lei na Câma-ra dos Deputados, a estratégia agora é recrutar novos parceiros para trabalhar no Senado, buscando aprovar emendas essenciais na lei, assim como empurrar a decisão para depois das eleições de ou-tubro”, escreve.

No telegrama, o Consulado deixa cla-ro que o empresário Eike Batista, do-no da empresa OGX, e com atuação ca-da vez mais ativa no ramo do petróleo, é um de seus parceiros. Lideranças dos movimentos sindicais do setor têm de-nunciado as contratações, pelo empresá-rio, de ex-funcionários da Petrobras pa-ra trabalhar em sua empresa, tendo aces-so a informações privilegiadas. Ele tam-bém é acusado de precarização do traba-lho em seus negócios no ramo do petró-leo. A Federação das Indústrias do Esta-do de São Paulo (Fiesp) e a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) são igual-mente citadas no telegrama entre os par-

ceiros próximos do Consulado. Em um dos trechos se afi rma que “[Carla] Lacer-da, [diretora de relações internacionais] da Exxon, disse que a indústria planeja fazer uma ‘marcação cerrada’ no Senado, mas, em todos os casos, a Exxon também iria trabalhar por conta própria para fa-zer lobby”.

O texto ainda deixa claro que a Che-vron atuou pela confi rmação, junto ao Congresso estadunidense, do nome de Thomas Shannon como embaixador no Brasil. Ele teria grande possibilidade de atuar pelos interesses das petrolíferas de seu país junto aos congressistas brasilei-ros. Mas o telegrama termina sugerin-do cautela para as empresas de petróleo dos EUA. Segundo o texto, congressistas brasileiros teriam afi rmado, a represen-tantes do Consulado, que “ao falar mais abertamente sobre o assunto, as empre-sas de petróleo estrangeiras correm o ris-co de galvanizar o sentimento nacionalis-ta sobre o tema e prejudicar a sua causa”. Não poderiam ter sido mais claros. (LU)

Wikileaks comprova cobiçaestadunidense pelo pré-salLOBBY Telegramas da diplomacia dos EUA revelam as preocupações com a aprovação do modelo de partilha, a cooptação de parlamentares brasileiros e o projeto entreguista gestado entre os tucanos

O imperialismo nos detalhesDiplomacia estranha nacionalismo brasileiro quando se anunciou a atuação da 4ª Frota próxima à fronteira

“Ao falar mais abertamente sobre o assunto, as empresas de petróleo estrangeiras correm o risco de galvanizar o sentimento nacionalista sobre o tema”

Entreguistas em passo lentoPetrolíferas estadunidenses tinham nos tucanos os principais parceiros no Brasil

“Ficou claro não só a importância que o governo dos EUA deu ao pré-sal como o entreguismo de Serra”

Nos telegramas, a intenção da Petrobras de adiar os leilões da Agência Nacional do Petróleo (ANP) é igualmente criticada

A então ministra-chefe da Casa Civil, presidente eleita Dilma Rousseff (PT), é fartamente citada

O ex-presidenciável José Serra estaria comprometido com os interesses estadunidenses

Elza Fiúza/ABr

O empresário Eike Batista, segundo os documentos, seria parceiro do Consulado dos EUA

Fábio Pozzebom/ABr

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brasilde 23 a 29 de dezembro de 20106

NeocolonialismoDespachos da embaixada dos

Estados Unidos no Brasil revelam, segundo o site WikiLeaks, que o mi-nistro da Defesa, Nelson Jobim, con-siderava o Ministério das Relações Exteriores dirigido por diplomata antiamericano, enquanto o próprio Jobim seria bem mais “confi ável” para os Estados Unidos. Na mudança de governo, Celso Amorim caiu fora e Nelson Jobim foi mantido no cargo. Isso é para agradar os gringos?

InformanteDe acordo com a representante do

site WikiLeaks Brasil, a jornalista Natália Vianna, entre os documen-tos da diplomacia dos Estados Uni-dos liberados para os jornais Folha de S. Paulo e O Globo, existem in-formações que apontam um político brasileiro como interlocutor privile-giado do governo estadunidense. Se a Folha e o Globo não divulga tais documentos é porque resolveram proteger o tal político. É só prestar a atenção!

Aplauso burguêsEm editorial na capa, dia 19 de

dezembro, o jornal Folha de S. Paulo rendeu homenagens ao pre-sidente Lula ao dizer que, salvo as ressalvas conservadoras de sempre, ele “deixa o governo como estadista democrático que honrou boa parte dos compromissos assumidos numa trajetória épica”. É a consagração junto à mídia golpista da burguesia. A mídia chapa-branca nem sabe mais o que dizer!

IncógnitaA grande questão na área dos

direitos humanos é saber como a nova ministra Maria do Rosário, deputada do PT-RS, vai conduzir a aprovação da lei que cria a Comis-são da Verdade, que visa apurar os crimes praticados pela ditadura militar contra opositores políticos torturados e assassinados. Lula colocou panos quentes, deixou o as-sunto em banho-maria. O governo Dilma Rousseff vai avançar ou se acovardar?

Disputa MalvinasNas rodovias da Argentina, exis-

tem placas com a mensagem “as Malvinas são argentinas”, que ser-vem para manter acesa a disputa com a Inglaterra pelas ilhas locali-zadas no litoral da América do Sul, ocupadas pelo império britânico. Agora a disputa esquentou de novo com a perspectiva de se explorar petróleo nas ilhas, onde as pros-pecções de empresas inglesas e es-tadunidenses avançam. A coisa vai esquentar!

Mais violênciaA prefeitura do Rio de Janeiro

continua usando a truculência para “limpar” a cidade para a Copa do Mundo e as Olimpíadas: no dia 17 atacou a comunidade da Restinga, usou tratores para demolir casas e deixou ao desalento dezenas de mo-radores. Um grupo de defensores públicos buscou uma ordem judicial para conter a violência, mas a de-cisão demorou a sair. Até quando a população pobre será tratada com total desrespeito?

Injustiça políticaA Lei da Ficha Limpa tem servido

de pretexto para implacável perse-guição política a João Capiberibe, que foi eleito senador pelo Amapá em 2002, cassado pelo TSE em 2004 por “compra de votos”, em proces-so altamente suspeito montado por adversários políticos. Agora, eleito novamente em 2010, foi declarado inelegível pelo TSE. Por trás dessas manobras contra a vontade popular está o dedão da oligarquia Sarney.

Direitos humanosNo dia 21, o Senado Federal ou-

torgou a comenda Dom Helder Câmara de 2010, conferida a quem se destacou na defesa dos direitos humanos, aos defensores públicos Wagner de La Torre (SP) e Antonio Roberto Cardoso (PA), aos bispos Dom Pedro Casaldáliga (MT) e Ma-noel da Cruz (CE) e ao deputado estadual Marcelo Freixo (Psol/RJ), que têm denunciado a criminaliza-ção da pobreza e ação nefasta das milícias nas favelas cariocas.

Rádio gratuitaNo apagar das luzes do governo,

como tem acontecido corriqueira-mente no Brasil, o Ministério das Comunicações trata de premiar amigos e aliados com concessões de rádio e de TV por baixo do pano. O que se sabe até agora é a entrega de uma concessão gratuita de rádio no município de Paracatu (MG), a Mu-rilo Santana Pereira, assessor do ex-ministro Hélio Costa. Mas podem ter outras. Viva a farra das concessões!

fatos em focoHamilton Octavio de Souza

Pedro Carranode Laranjeiras do Sul (PR)

UMA FOTO DE Sebastião Salgado, ho-je na memória de militantes de todo o mundo, retrata um sem-terra empu-nhando a foice e rompendo uma por-teira. Cabeça baixa, rosto coberto pe-lo boné, ele era seguido por uma multi-dão. O local da imagem foi a ocupação que reuniu 3.340 famílias em Rio Bonito do Iguaçu (PR). A tomada de parte dos 87 mil hectares do latifúndio aconteceu em 17 de abril de 1996, mesmo dia do massacre de Eldorado dos Carajás (PA), quando 17 trabalhadores sem-terra fo-ram mortos. Apenas a primeira de uma série de tristes coincidências.

Meses mais tarde, em 16 de janeiro de 1997, os agricultores Vanderlei das Ne-ves, de 16 anos, e José Alves dos San-tos, de 34, foram vítimas de embosca-da de milícia privada, na divisa entre a plantação de pinus da fazenda Pinhal Ralo e o cultivo de milho na parte ocu-pada pelos agricultores. O território era grilado pela empresa madeireira conhe-cida como Giacomet-Marodin, adquiri-da da Votorantim, e hoje chamada Arau-pel. No mesmo dia do assassinato, o go-verno federal tinha decretado a desapro-priação da área.

“A ocupação foi um fato político gran-de, a empresa pagou apenas R$ 150 de impostos no ano de 1996. Havia denún-cias na imprensa. O Lula, na época, este-ve aqui. O repórter Caco Barcellos tam-bém”, dimensiona Laurecir, militante do MST. As vítimas foram seis ao todo, duas assassinadas e quatro sobreviventes. As armas usadas eram de calibre 12, 22, 357 e fuzil 762. Na emboscada, ao tentar pro-teger o rosto, Vanderlei das Neves teve as mãos perfuradas pelos tiros à queima roupa. Todos os disparos vieram da mes-ma direção, fato reconhecido pela perícia no local do crime.

Os réus, acusados pela chacina, esta-vam mais velhos quando foram a júri. Ainda que o inquérito do crime tenha si-do fi nalizado em poucos meses, passa-ram-se oito protelações na Justiça e mais de treze anos de espera. Jorge Dobinski da Silva, de 69 anos, e Antoninho Valde-cir Somensi, de 57, funcionários da em-presa até hoje, foram a julgamento no dia 14 de dezembro, na cidade de Laran-jeiras do Sul (PR), a partir de denúncia do Ministério Público. A acusação contou

com a assessoria do advogado Luiz Edu-ardo Greenhalgh. Os jurados reconhece-ram que houve crime contra os sem-ter-ra, mas, por quatro votos a dois, não atri-buíram os incidentes aos dois acusados. Ao longo de todo o processo, não hou-ve associação entre a ação de milícias na região e a empresa proprietária dessas grandes extensões de terras.

Jacson Zilio, promotor do Ministé-rio Público que acompanha o caso des-de 1997, apontou o tempo como um dos fatores que pesou para que o processo não apontasse os responsáveis dos cri-mes. “Acho que o resultado é fruto des-sa demora, se tivesse uma resposta antes não seria assim. O distanciamento da da-ta do fato é algo que acabou nos prejudi-cando”, analisa.

A absolvição deixa a chacina sem res-posta por parte do Estado. De acordo com a organização Terra de Direitos, a impunidade que se verifi ca no âmbito penal não exclui a chance de outras for-mas de responsabilização, no âmbito in-ternacional, junto à Organização dos Es-tados Americanos (OEA).

Logo após o depoimento no júri, no dia 14, José das Neves, vítima e testemunha ocular dos fatos, afi rmou ao Brasil de Fato que se manteve na luta pela terra após a morte do fi lho. Como tantos ou-tros que vivenciaram aquele período, ho-je, ele é assentado. “Vanderlei tinha um desejo profundo no coração de ter terra. Perdeu a vida, mas nós precisávamos de um pedacinho de terra, por isso não de-sisti”, conta. Foi em 1998, um ano de-pois, que Neves teve acesso à terra pro-metida, em uma região do Paraná mar-cada por ocupações massivas e práticas de pistolagem.

Guardas, seguranças, milíciasÀ época do assassinato dos sem-terra,

a imensa área da Araupel era controla-da por um corpo de 60 seguranças. Anto-ninho Valdecir Somensi chefi ava 20 de-les. De acordo com os depoimentos ao longo do julgamento, os vigilantes pres-tavam continência para os proprietá-rios da Araupel. Anos antes haviam fei-

to curso de tiro na fazenda e tinham co-mo hierarquia antigos quadros oriundos das Forças Armadas. A emboscada de 16 de janeiro de 1997 foi o ponto culminan-te, o terceiro atentado contra os sem-ter-ra após ocuparem a área da Giacometi-Marodin. O que daquela vez resultou em morte.

“Nunca tive orientação sobre o uso de armas”, alegou Somensi durante o jul-gamento, embora tenha reconhecido que usava uma arma por conta própria. O estopim foi lançado no dia 15 de ju-nho de 1996, quando o posto dos segu-ranças foi tomado pelos sem-terra e se-te guardas foram desarmados por mem-bros do movimento. As armas foram en-tregues à polícia.

A situação a partir dessa data se agra-vou, apontaram o Ministério Público e a acusação. A situação era tensa, de acor-do com a exposição do MP, tratava-se de uma área grande de terras, a segun-da maior fazenda do sul do Brasil, e havia uma “estrutura militarizada de defesa”.

Um jovem agricultor, presente entre o público que assistiu ao julgamento, tra-balhou por um ano em empresa terceiri-zada pela Araupel. Antes de 1997, ele re-lata que havia controle não só sobre os funcionários, mas sobre as pessoas que entrassem no território da empresa. Esse e outros agricultores da região apontam que a Araupel tem histórico de assassi-nato de posseiros e caçadores. Cemité-rios clandestinos dentro da proprieda-de são atribuídos a assassinatos, ao pas-so que a empresa, em vídeo institucional, atribui o cemitério ao fato de possuir lo-cais de moradias de funcionários no seu território, que fi ca distante da cidade mais próxima.

Mais de treze anos deimpunidade, e contando...JUSTIÇA Acusados de assassinar dois sem-terra em 1997 são absolvidos no Paraná

de Laranjeiras do Sul (PR)

A morte do jovem Vanderlei das Ne-ves e de José Alves dos Santos é o se-gundo caso de assassinato de trabalha-dores rurais sem-terra que vai a júri no Paraná, em contraste com o alto núme-ro de assassinatos no campo. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mos-tram que, entre 1998 e 2009, houve as-sassinato de 19 trabalhadores rurais sem-terra no estado.

A organização de direitos humanos Terra de Direitos revela que existem dois assassinatos ocorridos há mais de cinco anos em fase de inquérito policial. Outros dois assassinatos aconteceram há mais de dez anos, e os acusados ain-da não foram julgados.

A realização do julgamento e a reper-cussão política dos fatos, quase 14 anos depois, podem ser considerada uma vi-tória. O advogado Luiz Eduardo Gree-nhalgh, que prestou assessoria à acusa-ção, pondera este contexto. “Da região sul, o Paraná é o estado que possui fa-zendeiros mais reacionários. No Paraná, vigorou durante muitos anos a UDR. E, no Paraná, se cometeu um dos maiores crimes contra os trabalhadores rurais, basta a gente lembrar o caso Teixeiri-nha (uma perseguição implacável con-tra esse agricultor), e também a chacina

Apenas trabalhadores entre os réus Latifúndio participou apenas indiretamente do julgamento

da Giacometi-Marodin. Fazer realizar o júri, nessas circunstâncias do processo, já é sim uma vitória. O resultado em si foi adverso por várias circunstâncias”, declara Greenhalgh, elencando o fale-cimento de uma testemunha, o impedi-mento do delegado à época depor no tri-bunal e as oito remarcações do júri.

Neste e noutros casos de assassina-tos não foi possível acusar a compa-nhia ou os donos da propriedade onde aconteceu o confl ito pela terra. São ca-sos como o do assassinato do militante Valmir Mota de Oliveira, o Keno, de 34 anos, na área da transnacional Syngen-ta (outubro de 2007), atacado pela se-gurança privada contratada formalmen-te pela empresa suíça. Os seguranças, e também os sem-terra, são acusados pe-la justiça.

“Tecnicamente é impossível respon-sabilizar penalmente uma empresa, em qualquer caso. São as pessoas que res-pondem pelos crimes. Para que se pu-desse responsabilizar os donos da em-presa seria necessário que algum fun-cionário delatasse, o que não ocorreu”, explica Fernando Prioste, advogado da organização Terra de Direitos, que pres-tou assessoria à acusação, no julgamen-to em Laranjeiras do Sul.

Trata-se de um terreno desigual, no qual os movimentos sociais muitas ve-zes são criminalizados, e os júris alcan-

çam os seguranças, os capatazes e os pistoleiros, porém não os proprietários da terra. A criminalização, no fi nal das contas, atinge apenas trabalhadores, ainda que em lados opostos. É a refl exão de Cláudio de Oliveira, do setor de direi-tos humanos do MST, para quem “o Po-der Judiciário é conservador dentro da organização do Estado. Na medida em que os movimentos populares passaram a fazer política e ter atuação dentro dos poderes Executivo e Legislativo, o Judi-ciário foi uma válvula de escape para a criminalização na tentativa de impedir a atuação dos movimentos sociais no ce-nário da política”, defende.

Em que pese a impunidade para as mortes, uma liderança do MST da re-gião sugere que indiretamente o latifún-dio esteve no banco dos réus. “Se não há condenação, vamos ver o latifúndio pas-sar ileso e se sentindo com mais moral. A única questão é que isso não apaga a vio-lência histórica deles na região”. (PC)

A criminalização, no fi nal das contas,

atinge apenas trabalhadores, ainda

que em lados opostos

Esse e outros agricultores da região apontam que a Araupel tem histórico de assassinato de posseiros e caçadores

“Vanderlei tinha um desejo profundo no coração de ter terra. Perdeu a vida, mas nós precisávamos de um pedacinho de terra, por isso não desisti”

Pela acusação, Luiz Eduardo Greenhalgh fala aos jurados

Pedro Carrano

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brasil de 23 a 29 de dezembro de 2010 7

É BEM CONHECIDA a importância do humor na cultura brasileira.

Na Antiguidade, as pessoas acha-vam que o corpo humano precisa-va de quatro humores: a bílis ne-gra para o fígado, a bílis amarela pa-ra o pulmão, o humor vermelho do sangue (imprescindível ao coração) e um quarto elemento, enigmático, que às vezes era aceito, às vezes era recusado, e era mencionado apenas como o humor – sem sobrenome. Filosofi a, literatura, música e políti-ca frequentemente se tocam, se mis-turam. Na Grécia antiga, os livros de Aristóteles justifi cavam as comédias de Aristófanes, que faziam o público rir às gargalhadas. Muita gente, po-rém, não gostava.

Duas tendências, em geral, se ma-nifestam, desde aquela época, na história do humor. A gente verifi -ca que os engraçados em momen-tos e situações distintas nos fazem rir de maneira diferente. Surge o humor de esquerda (Barão de Itara-ré, Millor Fernandes) e o humor de direita (Delfi m Netto, Mario Henri-que Simonsen). A partir da segun-da metade do século 20, o humor de

esquerda liderou um saudável movi-mento inovador, ousado. O Pasquim “bombou”, teve uma enorme reper-cussão. O veterano Jaguar, Sergio Porto (Stanislau Ponte Preta), Ivan Lessa, os desenhistas Cassio Lore-dano, os irmãos Chico e Paulo Caru-so, Chico Buarque e Caetano Veloso e uma legião de nomes que enrique-ceram a cultura brasileira.

Tenho a impressão de que nos fal-ta, ainda, uma análise do fenômeno “Casseta e Planeta”, publicação que nasceu surpreendendo com o radi-calismo de suas posições.

Um grupo de jovens de classe mé-dia, mergulhados num processo de resistência que tinha elementos po-líticos, deixava claro que o humor – refl etindo a crise do Estado e dos Costumes – aparecia como indica-dor de uma reviravolta no riso dos brasileiros.

Esses jovens reanimavam métodos polêmicos que, na época, eram ame-açados de repressão. Na tradição na-cional, as polêmicas giravam em tor-no de como era pensada e praticada a relação entre o indivíduo indepen-dente e a coletividade efetiva.

Quando os confl itos se multiplica-vam, os jovens se divertiam às cus-tas deles. Um dos garotos, respon-dendo a uma pergunta de um jorna-lista que gostaria de saber onde se situava o consenso, esclareceu: “ele varia historicamente. No momen-to atual, estamos todos consensual-mente dispostos a dar uma surra no dissidente”.

O “dissidente”, no caso, era Mar-celo Madureira. E o proponente da surra era Claudio Manoel. O grupo era constituído de gente moça, que se unia, mas não abria mão da au-tonomia intelectual. Todos tinham talento, porém Bussunda era o que mais se aproximava da genialidade.

Desde cedo, Bussunda se serviu da psicanálise como uma das fon-tes de seu pensamento (sua mãe era psicanalista). Ele desconfi ava das iniciativas políticas que se basea-vam em sistemas teóricos. Em cam-panha eleitoral, sugeriu a seus cole-gas, na faculdade, que não votassem em políticos, porque eram corrup-tos. Lançou a candidatura à Câmara dos Deputados do macaco Tião. Ar-gumentava que o macaco é um po-

lítico que já estava onde todos esta-rão: atrás das grades.

De Bussunda partiram atos isola-dos de rebeldia anticapitalista. Elee seus companheiros combatiamdebochadamente as ideias conser-vadoras de Itamar Franco, Anto-nio Carlos (Fraudalhães) Maga-lhães, Paulo Maluf. Uma vez, TimMaia aceitou o convite para parti-cipar de um espetáculo do grupo;aceitou e não compareceu. Bussun-da não se assustou com a ausênciado cantor e interpretou-o, com to-do seu volume e com toda a suavoz. Fez sucesso.

Os garotos de Casseta e Plane-ta há bastante tempo não são maisgarotos. Talvez tenha chegado ahora de repensar o caminho per-corrido e de analisar os confl itosatuais. O que não se pode é tro-peçar nas diferenças importantesque se formaram a partir dos gre-gos. Os irreverentes não têm pro-blemas no plano dos humores quecorrespondem à demanda de san-gue, pulmão e fígado. É possível,no entanto, que estejam enroladosno humor sem sobrenome.

Bussunda e seus amigos Leandro Konder

Os garotos de Casseta e Planeta há bastante tempo não são mais garotos

Michelle Amaralda Redação

DURANTE 18 ANOS, Adenilda Costa dos Santos trabalhou na linha de pro-dução da empresa de cosméticos Natu-ra. Há 12 anos, está doente e passa por tratamento médico por conta de lesões decorrentes de sua atividade profi ssio-nal. No dia 29 de novembro, a trabalha-dora foi demitida sob alegação de falta de comprometimento com a empresa.

Adenilda faz parte de um grupo de 33 trabalhadores demitidos das fábricas da Natura em Cajamar (SP). Destes, 22 possuem algum tipo de lesão adquirida durante o tempo em que trabalharam na empresa.

Os funcionários lesionados estavam em processo de reabilitação profi ssio-nal. Grande parte desses operários es-tavam com cirurgia programada e tra-balhavam em linhas de produção es-pecífi cas, criadas para aqueles que es-tavam em recuperação. Após a demis-são do grupo, uma das linhas foi desa-tivada.

Segundo a advogada do Sindicato dos Químicos Unifi cados, Milene Simone, esta demissão é ilegal, porque “fere a garantia de tratamento durante o perí-odo em que o trabalhador estiver doen-te, que está assegurada na cláusula 17ª da Convenção Coletiva dos Trabalha-dores Químicos e Plásticos”.

Os 22 funcionários procuraram o sin-dicato e foram submetidos a exame clí-nico que comprovou que possuem Le-são por Esforços Repetitivos / Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Tra-balho (LER/DORT) e que necessitam de tratamento médico prolongado.

As doenças ocupacionais são regu-lamentadas pela Lei 8.213 de julho de 1991, que, além do tratamento, garante a estabilidade profi ssional de 12 meses após a doença. Os trabalhadores da Na-tura ainda estão doentes, por isso não poderiam ter sido demitidos, conforme explica a advogada trabalhista.

De acordo com a entidade dos traba-lhadores, este não é um caso isolado na política da Natura com os funcionários que adoecem em suas linhas de produ-ção. No entanto, Nilza Pereira de Al-meida, da diretoria colegiada do sindi-cato, afi rma que essa é a primeira vez que a empresa demite tantos funcioná-rios de uma só vez.

Nilza conta ainda que, desde 1995, o sindicato acompanha casos semelhan-tes, que já somam 98 funcionários do-entes demitidos pela empresa.

Natura demite trabalhadores doentesMUNDO DO TRABALHO Funcionários dispensados passavam por reabilitação profi ssional e tratamento médico devido a lesões adquiridas com a atividade exercida na empresa

Falta de comprometimentoEm nota encaminhada ao Brasil de

Fato, a Natura afi rma que houve “o desligamento de 33 colaboradores de suas fábricas de Cajamar por falta de comprometimento”. A empresa cita que os trabalhadores utilizavam a reabili-tação para “justifi car comportamentos inadequados”.

Roberta Silva de Oliveira, funcioná-ria da Natura há quinze anos, diz que a falta de comprometimento alegada pela empresa, no momento de sua demissão, se deve, na verdade, às faltas constantes decorrentes do tratamento médico a que era submetida.

“Disseram que eu estava sendo demi-tida por falta de comprometimento com a empresa. Eu faltava, mas sempre com atestado médico, atestado do ortopedis-ta, porque eu fazia tratamento”, explica Roberta.

A trabalhadora, que sofre de tendini-te, bursite e hérnia de disco, conta que foi diagnosticada com LER em 1996 e, desde então, passa por acompanha-mento médico. Durante esse período, Roberta foi afastada pelo Instituto Na-cional de Seguridade Social (INSS) em quatro ocasiões.

Já Adenilda Costa do Santos conta que na fábrica Rio da Prata – uma das três fábricas da Natura em Cajamar – da qual era funcionária, a própria empre-sa restringia a rotina de trabalho daque-

les que possuíam algum tipo de lesão. A trabalhadora relata que, juntamen-te com outras três colegas em reabilita-ção, cumpria o período de trabalho diá-rio em um espaço reservado, na fábrica, sem acesso a nenhuma atividade profi s-sional. “Éramos obrigadas a cumprir o horário de trabalho e não davam servi-ço para nós devido às restrições médi-cas”, descreve.

Tratamento médicoO médico do trabalho do Sindica-

to Químicos Unifi cados, Roberto Car-los Ruiz, que examinou os 22 trabalha-dores demitidos, explica que a queda de produtividade no caso deles é justifi cada pelas dores que sentem por causa das le-sões. “Não tem como manter o mesmo padrão [trabalho] com a lesão que eles têm, é uma consequência óbvia da infl a-mação o rendimento desses trabalhado-res cair”, detalha.

O médico chama atenção para a neces-sidade do tratamento clínico para estes trabalhadores demitidos, em sua maioria mulheres com idades entre 35 e 44 anos. A demissão, entre outras coisas, signifi -ca a suspensão do convênio médico que lhes garantia a realização do tratamen-to médico.

Para os funcionários que tinham cirur-gias agendadas, a Natura afi rma que está “cumprindo a legislação vigente e a con-venção coletiva da categoria e estendeu o prazo de vigência do plano de saúde”.

No entanto, o médico afi rma que não basta garantir a realização da cirurgia, é necessário um acompanhamento. “O que eles necessitam é de assistência à saúde, que envolve não apenas o tra-tamento médico, mas a fi sioterapia, eventualmente acupuntura, terapia ocupacional e acompanhamento psico-lógico”, defende doutor Ruiz. Ele acres-centa que “a interrupção [do tratamen-to] pode piorar o quadro clinico desses trabalhadores”.

ReintegraçãoDe acordo com Nilza Pereira de Al-

meida, num primeiro momento, o sin-dicato encaminhou uma carta pedindoa reintegração dos funcionários, que foinegada pela empresa. A partir daí, foiiniciado um período de denúncia publi-ca da situação vivida pelos trabalhado-res da Natura. “Todos os órgãos legaisque a gente puder acionar, a gente vaiacionar”, relata a diretora do sindicato.

Segundo a advogada trabalhista, Mi-lene Simone, “a reintegração das fun-cionárias é possível se forem compro-vados indícios de que a Natura teve aintenção de se livrar desses trabalhado-res doentes”.

A advogada afi rma que o sindicatoestuda a forma como será realizado oprocesso judicial contra a empresa, sede forma individual para cada traba-lhador ou em grupos de dez. “Vamospedir para que o contrato [dos traba-lhadores] seja reativado e que a dis-pensa seja anulada”, descreve.

Os trabalhadores buscam revertersuas demissões. Uma comissão, forma-da por representantes do Sindicato dosQuímicos Unifi cados e duas ex-funcio-nárias, esteve em Brasília (DF) no dia15 de dezembro e entregou um dossiêde denúncias contra a empresa a parla-mentares e representantes do Ministé-rio do Trabalho. Como resultado, a co-missão obteve a garantia de que estasdenúncias serão investigadas.

Os representantes dos trabalhado-res também estiveram reunidos como assessor da senadora e ex-ministrado Meio Ambiente, Marina Silva (PV/AC). Nas últimas eleições, Marina Sil-va concorreu à Presidência da Repúbli-ca tendo como seu vice Guilherme Le-al, um dos principais acionistas da Na-tura. O objetivo do contato com a sena-dora é tentar fazer chegar a GuilhermeLeal, através dela, a situação dos traba-lhadores demitidos.

De acordo com a entidade dos trabalhadores, este não é um caso isolado na política da Natura

Uma comissão, formada por representantes do Sindicato dos Químicos Unifi cados e

duas ex-funcionárias, esteve em Brasília (DF) no dia 15 de dezembro e entregou um dossiê de denúncias contra a empresa

Fábrica da Natura em Cajamar (SP)

Fernando Stankuns/CC

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culturade 23 a 29 de dezembro de 20108

Pedro Nathan

SE ESTIVESSE VIVO, Noel Rosa teria completado 100 anos em 11 de dezem-bro. Além de sua contribuição na divul-gação do samba, é necessário enfatizar sua preocupação em produzir uma arte de expressão popular. De sua vida e de sua obra fi cam valiosas pistas aos que se aventuram nos caminhos do povo. Neste texto, uma breve apresentação do poeta, com algumas contextualizações.

Prazer em conhecê-loNoel de Medeiros Rosa, sambista

e compositor, abandonou a faculda-de de Medicina por uma vida dedica-da ao samba. Nasceu em 1910 no bairro de Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Des-de cedo, teve contato com os morado-res dos cortiços e dos morros, bem co-mo com os ritmos que vinham de lá. Como poucos de sua época, soube re-tratar seu tempo e os tipos urbanos que ali viviam. Para alguns autores, inclusi-ve, sua obra traz elementos para enten-dermos o processo e as contradições da formação histórica do Brasil.

“Baleiro, jornaleiro, motoneiro,Condutor e passageiroPrestamista e vigaristaE um bonde que parece uma carroçaCoisa nossa, Muito nossa!”(“São coisas nossas”, Noel Rosa)

Noel começou sua carreira musical junto com outros garotos de Vila Isa-bel, dentre eles também estava o com-positor Braguinha, no conjunto Flor do tempo, que depois viria a se chamar Bando dos tangarás. O grupo come-çou tocando músicas no estilo da em-bolada nordestina, que era moda no país. É importante lembrar que naque-le tempo, o Brasil ainda era basicamen-te rural.

“Minha viola Tá chorando com razãoPor causa de uma marvadaQue roubou meu coração”(“Minha viola”, Noel Rosa)

Mais tarde, Noel trocaria esses ritmos pelo samba. Segundo o escritor Luiz Ri-cardo Leitão, ele já estaria antevendo a transformação do Brasil em um país urbano. Frequentou os botequins da Lapa do Rio de Janeiro dos anos 1930 e foi o primeiro a fazer parcerias com os novos compositores do morro, dentre os quais, Angenor de Oliveira, Cartola. Também foi um dos pioneiros a gravar

suas canções no rádio, que só começa-va no Brasil (e que por um bom tempo, seria o principal veículo de comunica-ção de massa). Devido à sua saúde pre-cária, faleceu em 4 de maio de 1937, ví-tima de uma tuberculose.

Mesmo que, hoje em dia, nem todas as pessoas conheçam quem foi Noel, se já não ouviram suas músicas, ao menos tomaram contato com alguma manifes-tação que lhe fi zesse referência, mesmo indiretamente. Isso porque sua obra infl uenciou grande parte da produção cultural brasileira dos séculos 20 e 21. Mas se sua criação tem tanto a dizer pa-ra nossa realidade, é porque o contexto em que foi produzida nos legou heran-ças históricas.

Nuvem que passouO período de produção musical de

Noel Rosa – pelo menos no que se refe-re às músicas que fez a partir de quan-do se tornara um músico profi ssional – vai, mais ou menos, de 1929 a 1937. Nesse curto espaço de tempo, ocorrem pelo menos três grandes acontecimen-tos políticos e econômicos de grande relevância: O crack, ou a quebra da bol-sa de valores de Nova York em 1929, re-sultado da maior crise de superpordu-ção até então ocorrida no capitalismo; a chamada revolução de 1930, processo que colocou Getúlio Vargas no poder, em benefício da burguesia industrial (até então, na República do “café com leite”, quem ditava a regra era a bur-guesia agrária); o Estado Novo, dita-dura implantada pelo próprio governo Vargas, alguns meses após a morte de Noel (e dois anos depois, eclodiria a II Guerra mundial). Foi, portanto, um pe-ríodo de turbulência, em que a história até parecia caminhar mais depressa.

Assim, se a referência tradicional do samba era a da malandragem indivi-dual, como um meio de sobrevivência e ascensão social, para Noel o ponto de partida era o coletivo: a crise geral e a situação das maiorias.

“Vivo contente embora esteja na miséria

Que se dane! Que se dane!Com essa crise levo a vida na pilhériaQue se dane! Que se dane!”(“Que se dane”, Noel Rosa)

É verdade que não podemos reduzir a obra de Noel pura e simplesmente a um refl exo de sua época. Por outro lado, é certo que todos esses acontecimentos forneceram matéria-prima e condições sufi cientes para que o poeta se tornasse o artista que, de fato, se tornou.

No rádioNesse mesmo período, o rádio come-

ça a se desenvolver, seguindo a política do governo Vargas de estimular sua di-fusão em âmbito nacional. Nesse bojo, o próprio samba viria a ser apropriado como uma forma de estabelecer uma identidade nacional. A indústria cultu-ral apenas engatinhava. Mesmo assim, alguns dilemas já se faziam presentes:

“Quem dá mais?Por um samba feito nas regras da arteSem introdução e sem segunda parteSó tem estribilho, nasceu no SalgueiroE exprime dois terços do Rio de

Janeiro.”(“Quem dá mais?”, Noel Rosa)

O samba, enquanto expressão legíti-ma de resistência de um povo, agora, passava a tocar no rádio. Mas nem to-dos os sambistas tiveram oportunida-de de ouvir suas composições em ca-deia nacional. Com o desenvolvimento dessa indústria, a música perderia cada vez mais o seu caráter de trabalho co-letivo para, em sua forma de mercado-ria, aparecer como mero entretenimen-to. Mesmo tocando nas rádios, era mais um sambinha que se dissolvia no ar:

“Fiz um poema pra lhe darCheio de rimas, que acabei de musicarSe por capricho, não quiseres aceitarTenho que jogar no lixo mais um

samba popular.”(“Mais um samba popular”, Noel

Rosa/Vadico)

Claro que o nível de padronização ainda não era tão grande, se compara-do ao que fazem, hoje, as grande grava-doras. Porém, a canção das rádios e dos discos já era, claramente, tratada como artigo de troca. Havia, inclusive, os que comprassem até as autorias das músi-cas, como Francisco Alves e, anos de-pois, Roberto Carlos. A seguinte ques-tão já se anunciava: como expressar o canto popular e agradar aos anuncian-tes ao mesmo tempo?

Noel viveu essa situação, como todo artista de seu tempo. Não conseguiu dar uma solução para o problema – só mesmo uma revolução poderia resolver isso, já que se tratava de uma conse-quência do capitalismo internacional. Mesmo assim, fez claramente a opção pela música que vinha do morro, parti-cularmente do Estácio de Sá.

Nasci no Estácio É muito difícil entender a obra de

Noel sem levar em conta a infl uência

dos sambistas do morro do Estácio.Foi nesse morro que o samba ganhouo ritmo e a cadência modernos. Foi látambém que surgiu a primeira escolade samba (Deixa falar) e, pelo menos,dois instrumentos que até hoje são uti-lizados em rodas de samba: o surdo e otamborim. Realmente, o samba cario-ca nasceu no Estácio. Antes disso, erao samba praticado na casa de Tia Ciata,trazido da Bahia, derivado da umbiga-da (o semba de Angola) e muito pareci-do com o ritmo do maxixe. Ismael Sil-va, um dos grandes nomes do Estácio eparceiro de Noel em algumas músicasé quem diz:

“O estilo (antigo) não dava paraandar. Eu comecei a notar uma coisa.O samba era assim: tan tantan tantantan. Não dava. Como é que umbloco ia andar assim? Aí a gentecomeçou a fazer um samba assim:bum bum patcumbumprugurudum.” (citado em livro de Sérgio Cabral,

1996, p. 242)

Percebendo a força social do sambado Estácio, Noel contribuiu para suaexpansão. Pelo bem e pelo mal, o sam-ba já não era só um fenômeno do mor-ro, foi apropriado pelas massas.

“O samba, na realidadeNão vem do morro nem lá da cidadeE quem suportar uma paixãoSentirá que o samba entãoNasce do coração.”(“Feitio de oração”, Noel Rosa/Vadico)

Traga a conta, seu garçom!Em seu tempo, Noel nos deixou pistas

para o desenvolvimento de uma arte po-pular que pudesse traduzir o sentimen-to geral da população e seus problemas mais candentes. O exemplo que nos dei-xou, ao ir de encontro ao povo e se ex-pressar através de sua realidade e de seuritmo, certamente, nos vale até hoje. Na certa, as respostas encontradas na épo-ca de Noel não poderão dar conta dos desafi os colocados, hoje, para a organi-zação da classe trabalhadora.

Sem dúvida, ainda é necessário, senão “subir o morro”, ao menos, “pisarno barro”. Contudo, não basta. A socie-dade se transforma e as mediações pa-ra esse tipo de trabalho também se tor-nam mais complexas. Antes de qual-quer coisa, sabemos que a saída estáem nos organizarmos coletivamente –mas com que roupa?

Pedro Nathan é cartunista e militante da organização Consulta Popular.

Cem anos de

Noel RosaMEMÓRIA O poeta da vila conseguiu expressar no samba do morro o sentimento de toda a cidade

Pedro Nathan

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de 23 a 29 de dezembro de 2010 9américa latina

Eduardo Videlade Buenos Aires (Argentina)

ENTRE O MATO, alguns garotos se es-condem detrás de um muro. De quan-do em quando, saem, apontam contra seus adversários e, depois, correm pa-ra se proteger de novo ou em busca de outro objetivo. O terreno baldio, cenário da disputa, não forma parte do Parque Indo-americano nem de nenhum outro terreno abandonado do sul da cidade de Buenos Aires, capital da Argentina, e sim do lugar que já foi o Velódromo mu-nicipal, no Parque Tres de Febrero. Um espaço público esquecido, com instala-ções em risco de desmoronamento que, apesar disso, é explorado por uma em-presa privada para competições de pain-tball, uma batalha com balas de tinta.

O local pode ser um paradigma dos bosques do bairro de Palermo, capaz de demonstrar que não apenas no sul da ci-dade de Buenos Aires ocupam-se terre-nos públicos em estado de abandono. Lá, vários clubes fazem uso de generosos espaços, alguns outorgados por meio de venda durante a última ditadura (1976-1983), outros obtidos mediante permis-sões de uso, renovados na democracia.

Algumas ocupações foram legalizadas, ainda que sua legitimidade continue questionada. Outras usurpações persis-tem diante da vista grossa ou cumplici-dade dos mesmos funcionários que se escandalizam quando famílias sem-teto acampam em um terreno baldio.

Como no caso do Club Universitario Buenos Aires que, segundo denuncia a Associação Amigos do Lago de Paler-mo, esticou os alambrados de suas ins-talações e ganhou terreno para que seus sócios possam estacionar seus veículos nos fi ns de semana. Ou da empresa Pan-ter SRL, que continua se atribuindo o di-reito de explorar os espaços sob os arcos do ex-Paseo de la Infanta – hoje, Paseo Marcela Iglesias –, a maioria, vazios ou fechados, junto ao espaço abandonado do que deveria ser a Plaza de la Shoá.

Apropriações Muitos dos locais gastronômicos sur-

gidos no furor dos anos 1990 sob os ar-cos ferroviários desapareceram, mas uma dezena subsiste. Como o restau-rante Guindado que, em frente ao Pla-netário, fecha com fi tas um amplo se-tor do parque e se reserva como próprio o espaço sob os arcos vazios para usá-lo como estacionamento.

A atividade comercial se diversifi cou no local: em outro dos arcos, funciona uma ofi cina de artes gráfi cas. Incomo-dados pelo trabalho do Página/12, os responsáveis pela ofi cina seguiram, em um Peugeot 207 cinza, o carro em que o cronista e a repórter fotográfi ca des-te diário percorreram o parque para fa-zer esta matéria.

Na rua Belisario Roldán, detrás de umas moitas, levantam-se as arquiban-cadas do velódromo. Essa estrutura, ce-nário de competições esportivas desde a década de 1950 e dos primeiros festivais do rock argentino nos anos 1960, de-ve ser demolida, segundo determinou o Centro Argentino de Engenheiros, por-que sua deterioração é tal que é conside-rada irrecuperável.

Apesar disso, o terreno serve de base de operações para os caminhões da em-presa Mantelectric; tem um setor ocu-pado pela 23ª Delegacia de Buenos Ai-res como espaço policial para veículos roubados; e, dentro da pista abandona-da, a empresa TegBall explora a ativida-de em que um grupo de amigos brinca de se eliminarem com armas de brin-quedo e manchas de tinta. “Mínimo de dez pessoas, a 50 pesos por cabeça e 15 a recarga de munições”, explica um em-pregado.

O velódromo havia sido concedido pe-lo ex-intendente Carlos Grosso em blo-co, junto ao Golf Club e ao Clube Hípico. As administrações sucessivas anularam a concessão, mas os terrenos tiveram destinos diferentes. Enquanto o golfe foi recuperado para a cidade, o velódro-mo fi cou abandonado e o hípico conti-nua em mãos privadas.

Na calçada em frente, a Força Aérea ocupa 13 hectares, produto de uma ces-são por decreto de 1956, que venceu há 31 anos. Lá, apesar disso, funciona o Co-mando de Operações Aéreas – ainda que dentro do terreno não se veja ne-nhum avião – e o Ministério de Defe-sa constrói um edifício, assim como de-pendências do Serviço Meteorológico Nacional.

O percurso deste diário seguiu pela chamada Plaza de la Shoá, criada por lei municipal há dois anos, mas que con-tinua sendo um terreno baldio cercado na avenida do Libertador, com publici-dade da gestão do atual prefeito Mauri-cio Macri e alambrado no outro extre-mo, entre as vias das ferrovias Mitre e San Martín.

Ali segue presente a empresa Panter SRL, responsável pela exploração do lo-cal onde morreu a menina Marcela Igle-sias, em 1996, quando caiu sobre ela uma escultura mal instalada. A maio-ria dos arcos está vazia, apesar de ainda subsistirem duas confeitarias, BomFim e Crobar, “embora a atividade comercial no local não esteja permitida pelo Códi-go de Planejamento Urbano”, diz Osval-do Guerrica Echevarría, titular da Asso-ciação de Amigos do Lago.

O abandono tem outra cara no edifício histórico conhecido como Lactario. No século 19, pouco tempo depois de criado o parque, as crianças humildes da cida-de iam ali tomar o leite que se produzia no local. Lá é também onde funcionou em 2000 a Casa Jovem, administrada pela juventude do Partido Socialista.

Uma história de desapropriações A maior perda de espaço público no

Parque Tres de Febrero se deu durante a última ditadura. Dos 400 hectares que tinha esse espaço verde desenhado pelo arquiteto de paisagens franco-argentino Carlos Thays, no fi nal do século 19, ho-je restam apenas 140 para o uso público. O resto passou à esfera privada. É o ca-so do Club Gimnasia y Esgrima de Bue-nos Aires (Geba) que, segundo o levan-tamento realizado pelos Amigos do La-go, “comprou” 80 hectares da cidade de Buenos Aires quando esta era governa-da pelo intendente da ditadura, Osval-do Cacciatore. Depois de se benefi ciar de sucessivas renegociações, o clube re-cebeu a escritura das mãos do ex-inten-dente, Carlos Grosso.

Outro dos benefi ciados foi o Automó-vil Club Argentino, que em 1982 com-prou da cidade três hectares, onde man-tém sua escola de direção. O terreno ga-nhou uma escritura na gestão de Aníbal Ibarra. Também em 1978 a intendência “de fato” entregou três hectares à Asso-ciação Argentino-Japonesa por 20 anos. Depois de usufruir do local sem permis-são durante 17 anos, a entidade recebeu em 2010 uma nova concessão para ex-plorar o espaço, por outras duas déca-das.

Durante a presidência de Carlos Me-nem, o parque perdeu outros 3,5 hecta-res, que foram doados à comunidade is-lâmica. Pelo menos não se pode alegar ilegalidade nesse caso, já que a lei foi aprovada pelas duas câmaras do Con-gresso. Muito diferente é o que aconte-ceu com o terreno, também pertencen-te ao parque, que esse mesmo governo vendeu à Sociedade Rural em 1992, mas por um decreto assinado por Carlos Me-

nem e o ex-ministro da Economia Do-mingo Cavallo.

O montante de 30 milhões de dóla-res-pesos por meio do qual esse imó-vel de aproximadamente 11 hectares foialienado foi considerado um “preço vil”pelo promotor José Maria Campagno-li, a cargo da investigação penal do fa-to. Para piorar, a Sociedade Rural nun-ca terminou de pagar essa soma e, em2004, concedeu a exploração do terre-no a uma empresa, La Rural AS, quehoje é explorada pelo empresário Fran-cisco de Narváez.

Nesse terreno, não apenas se levama cabo feiras e exposições como, tam-bém, festas e bailes de questionável ha-bilitação. Por essa venda fraudulenta, o ex-ministro Cavallo está sendo proces-sado. Em 2002, durante a presidênciade Eduardo Duhalde, o Onabe (Orga-nismo Nacional de Administração deBens) vendeu ao Vilas Club 4,5 hectares à razão de 100 pesos o metro quadrado. A denúncia penal, apresentada em julhode 2006, está em trâmite em uma pro-motoria de instrução.

A entrega de patrimônio não envolveapenas espaços verdes. Os Amigos do Lago denunciam que em 2007 o então chefe de governo, Jorge Telerman, en-tregou à empresa Hipódromo Argentinode Palermo AS o edifício da praça de es-tacionamento coberta localizada na ave-nida Dorrego, a título gratuito, por cincoanos, “para uso exclusivo dos usuários das máquinas caça-níqueis” que funcio-nam no salão de jogos. “O prefeito Mau-ricio Macri revogou o decreto, mas nãofez nada para recuperar a praça de es-tacionamento, que também está dentrodo terreno do parque”, adverte Guerri-ca Echevarría.

Espaços recuperadosEntre tantos avanços privados sobre o

espaço público, os Amigos do Lago con-quistaram, nos últimos meses, a recupe-ração de quase nove hectares. “Median-te denúncias em promotorias de instru-ção e contravencionais, notas e reuniões com funcionários, o Ministério de Espa-ço Público recuperou quase dois hecta-res da Plaza Haiti, um hectare que ha-via sido usurpado pelo Club Alemán de Equitación e, nos últimos dias, um hec-tare e meio que o clube Geba havia ocu-pado e meio hectare usurpado pelo La-wn Tennis Club”, exemplifi cou Echevar-ría.

Os vizinhos, no entanto, sustentamque esses resultados parciais não con-seguem reverter a situação de deterio-ramento e abandono, “que apenas po-de ser remediada com a designação de um diretor do parque por concurso, acriação de um conselho assessor e a ela-boração de um Plano de Manejo parao parque”, diz Echeverría. Essas fi gu-ras haviam sido criadas por lei, com vo-to unânime dos legisladores, mas Macri vetou a norma no começo de sua gestão em 2008.

Com 20 anos de luta pela recupera-ção do parque, a associação propõe que os espaços “sejam recuperados para ouso público, com atividades recreati-vas, desportivas e culturais, tanto debai-xo dos arcos como nos espaços abertos recuperados”, explica Carlos Liut, vice-presidente da associação Amigos do La-go de Palermo.

É a única maneira, sustentam, de que o espaço não fi que nas mãos de usurpa-dores, cuja única necessidade, pelo que se viu, é a de obter ganhos comerciais. (Página/12)

Tradução: Igor Ojeda

Os espaços são públicos,seus ocupantes, privadosARGENTINA Por meio de vendas a preços vis, concessões infi nitamente renovadas ou o simples expediente de cercar, todo tipo de atores privados ocupa terrenos em Buenos Aires e os “loteiam” a seu modo

Apenas

140dos 400 hectares originais do Parque Tres de Febrero,

em Buenos Aires, permanecem sob uso público

Outras usurpações persistem diante da vista grossa ou cumplicidade dos mesmos funcionários que se escandalizam quando famílias sem-teto acampam em um terreno baldio

(...) os responsáveis pela ofi cina seguiram (...) o carro em que o cronista e a repórter fotográfi ca deste diário percorreram o parque para fazer esta matéria

Entre tantos avanços privados sobre o espaço público, os Amigos do Lago conquistaram, nos últimos meses, a recuperação de quase nove hectares

Outro dos benefi ciados foi o Automóvil Club Argentino, que em 1982 comprou da cidade três hectares, onde mantém sua escola de direção

O Automóvil Club Argentino foi uma das entidades favorecidas com áreas públicas do Parque durante a última ditadura

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O Club Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires também “comprou” terras do Tres de Febrero durante governo civil-militar

Reprodução

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internacionalde 23 a 29 de dezembro de 201012

Michael Moore

PREZADO GOVERNO sueco,Olá! Ou como vocês dizem: Hallå! Co-

mo você sabe, aqui nos Estados Unidos, adoramos o seu país. Seus Volvos, su-as almôndegas, seus móveis difíceis de montar – nunca nos cansamos de tu-do isso.

Apenas uma coisa me chateia: por que a Anistia Internacional, num relatório es-pecial, declarou que a Suécia se recusa a lidar com a real tragédia do estupro? Na verdade, a organização diz que em toda a Escandinávia, incluindo o seu país, estu-pradores “desfrutam de impunidade”.

E as Nações Unidas, a União Europeia e os grupos suecos de direitos humanos chegaram à mesma conclusão: a Suécia não trata crimes sexuais com seriedade. De que outra maneira, você poderia ex-plicar estas estatísticas de Katrin Axels-son, da organização Mulheres Contra o Estupro:

– A Suécia tem o mais alto número de denúncias per capita de estupro da Eu-ropa;

– O número de estupros quadruplicou nos últimos 20 anos;

– O número de condenações? Decres-ceram intensamente.

Segundo Axelsson: “No dia 23 de abril de 2010, Carina Hägg e Nalin Pekgul, respectivamente membro do Congresso Nacional e líder das Mulheres sociode-mocratas da Suécia, escreveram no Göte-borgs (jornal sueco) que até 90% de to-dos os casos denunciados de estupros no país nunca são julgados”.

Deixe-me dizer isso novamente: em nove entre dez casos de mulheres que denunciaram ter sido vítimas de estupro você nunca se incomodou nem em come-çar os procedimentos legais de investiga-ção. Não é de se admirar que, de acordo com o Conselho Nacional Sueco de Pre-venção Contra o Crime, hoje em dia é es-tatisticamente mais fácil alguém sofrer abuso sexual na Suécia do que ser rou-bado.

Qual é a mensagem para os estuprado-res? A Suécia os adora!

Então, imaginem a nossa surpresa quando, de repente, você decidiu ir atrás de um tal de Julian Assange com ba-se nas denúncias de crime sexual. Bem, mais ou menos isso: primeiro, você o acusou. E, então, depois de investigar, você retirou as acusações mais graves e o pedido de prisão.

No entanto, um deputado conservador colocou pressão em você e eis que um gi-ro de 180 graus ocorreu. Você reabriu a investigação contra Assange. Mas, desta vez, você não o acusa de qualquer coisa, apenas o quer para “questioná-lo”.

Logo, você – que fi cou de braços cru-zados anteriormente, deixando milha-res de mulheres suecas serem estupradas enquanto seus abusadores estão livres – decidiu que agora era hora de falar gros-so com um homem, o mesmo homem que o governo estadunidense quer preso, encarcerado ou, dependendo de qual po-lítico ou erudito você escute, executado.

Mas que notável cavalheiro das Cru-zadas você se tornou, governo sueco! As mulheres suecas devem agora se sentir mais seguras.

Bem, na verdade não. Na verdade, muitas veem através de você. Elas sa-bem o que na verdade são essas “acusa-ções-que-não-são-acusações”. E elas sa-bem que você, cínica e asquerosamente, usa de uma real e diária ameaça que exis-te contra as mulheres em todo o lugar do mundo para ajudar o interesse do gover-no estadunidenses em silenciar o traba-lho do Wikileaks.

Eu não pretendo saber o que aconteceu entre o senhor Assange e as duas mulhe-res que fi zeram as denúncias (tudo o que eu sei é o que eu ouvi na imprensa, assim como estou tão confuso como qualquer outra pessoa). E lamento se eu me preci-

pitei desnecessariamente a tirar conclu-sões apressadas no meu esforço de des-tacar um essencial valor estadunidense: todas as pessoas são absolutamente ino-centes até que se prove o contrário, de-pois de superada qualquer dúvida numa corte de Justiça.

Eu acredito com convicção que toda acusação de crime sexual dever ser in-vestigada vigorosamente. Não há nada errado em a sua polícia querer interrogar o senhor Assange sobre essas alegações. E, ainda que eu entenda o porquê ele se escondeu (é o que as pessoas geralmente fazem quando são ameaçadas de assassi-nato), ele deveria responder às pergun-tas da polícia.

Ele também deveria se submeter ao exame de doenças sexualmente trans-missíveis que as supostas vítimas solici-taram. Eu entendo que a Suécia e o Rei-no Unido possuem um acordo e os meios para que você envie seus investigadores a Londres para que eles possam interrogar o senhor Assange, onde ele está, em pri-são domiciliar sob fi ança.

Mas acho que isso difi cilmente ocor-reria. Você não faria todo o caminho atéoutro país para perseguir um suspeito de crime sexual quando vemos que não consegue nem mesmo ir até suas pró-prias ruas para ir atrás dos casos denun-ciados de estupro no seu país. Isso, Su-écia, você raramente escolheu fazer no passado e esse é o porquê de toda es-sa coisa agora cheirar mal de uma pon-ta à outra.

E não vamos nos esquecer de uma ob-servação fi nal feita por Axelsson:

“Ha uma longa tradição de uso de ale-gações de estupro e de crimes sexuais em favor de agendas políticas que não têm nada a ver com a segurança das mulhe-res. No sul dos Estados Unidos, o lincha-mento de homens negros era frequente-mente justifi cado com base nas acusa-ções de estupro ou mesmo de que eles tinha apenas olhado para uma mulher branca. As mulheres não veem com bons olhos que as nossas exigências por segu-rança sejam usadas maliciosamente en-quanto o estupro segue sendo, no melhor dos casos, negligenciado ou, no pior, até protegido”.

A tática de usar uma acusação de estu-pro para perseguir minorias ou agitado-res, culpados ou inocentes (enquanto fa-zem vista grossa para limpar os crimes no resto do tempo) é o que eu receio que esteja acontecendo aqui. Eu gostaria de me assegurar que as pessoas de bem não permaneçam em silêncio e que você, Su-écia, não tenha êxito se de fato você está mancomunada com governos corruptos como o nosso.

Na semana passada, Naomi Klein es-creveu: “O estupro está sendo usado no processo contra Assange da mesma for-ma em que a ‘liberdade das mulheres’ foi usada para invadir o Afeganistão. Acor-dem!”.

Eu estou de acordo. A menos que você tenha evidência (e

acredito que se tivesse já teria expedido um mandado de prisão a essa altura), re-tire a tentativa de extradição e comece a trabalhar naquilo que até aqui você tem se recusado a fazer: proteger as mulhe-res da Suécia.

Atenciosamente,

Michael Moore

Michael Moore é cineasta eescritor estadunidense.

Tradução: Aleksander Aguilar

Ángel Luis Lara

QUATORZE DE DEZEMBRO de 2010. Milhares de pessoas tomaram as ruas de Roma e desnudaram a normalidade ins-titucional com qual o poder veste o Es-tado de exceção e com qual amordaça o mundo.

Enquanto Berlusconi e os partidos en-cenavam no parlamento italiano sua ené-sima representação, estudantes, precari-zados, migrantes, associações e movi-mentos de fodidos batiam sua raiva e es-perança ao ritmo da expressão. O velho e o novo. Representação e expressão. Em Roma, vimos um pedaço de futuro. O que virá e já chegou. Não se trata de uma má-quina do tempo até o futuro, mas sim de uma ponte: da radicalidade da resistên-cia dos estudantes em Londres à deter-minação do protesto em Roma.

Muitos pensarão que no deserto da Eu-ropa começou a ser gerado o milagre da ressurreição. Se equivocam. O desejo que move a nova pele da revolta é outra coi-sa, uma coisa muito outra. Outros mapas e outras coordenadas mais além, muito mais além da esquerda.

A crise demonstra, a cada dia, sua condição de dispositivo de poder: é uma máquina com a qual o capital instaura o artifício da legitimidade de sua guerra contra a vida. O interessante é que, além de ser uma estratégia, a crise é uma má-quina paradoxal que junta, ao mesmo

tempo em que separa: enquanto distan-cia o de cima e o de baixo, une a esquer-da e a direita.

Direita e esquerdaDiante da conjuntura presente de li-

mite do sistema, os partidos de um e ou-tro espectro coincidem em impor e pro-por uma saída impossível através do ve-lho. A direita executa a tradução legis-lativa do mantra dos mercados, bancos e corporações. Sal na ferida: mais neoli-beralismo como fi cção de solução ao in-cêndio estrutural que o próprio neolibe-ralismo desatou. A esquerda exibe o au-ge de sua obsolescência na proposta de uma viagem impossível ao passado pa-ra restaurar o mantra keynesiano. De-vir caranguejo: investimentos públicos em infraestruturas para gerar empre-go para repartir renda para estimular o consumo. Do Estado ao serviço do mer-cado, ao mercado governado pelo Esta-

livros: de A república, de Platão, ao Tró-pico de Câncer, de Henry Miller; de Mo-by Dick, de Melville, a Ulisses, de Joyce; de Nossa palavra é nossa arma, do sub-comandante Marcos, ao Final de parti-da, de Samuel Beckett.

Livros. Cultura. O comum das histórias e das palavras. Um comum que, longe da escassez como defi nição, só se reconhece no excesso ingovernável para as leis do dinheiro e da propriedade. Um excesso feito movimento que não se deixa repre-sentar. Em que pese que a esquerda sem-pre entende os movimentos a partir da ótica da oceanografi a, como ondas que aparecem subitamente e depois se reti-ram, deixando aos partidos uma praia fe-cunda para a representação e a política institucional, o desejo coletivo que sus-tenta a ponte de Roma a Londres nasce e vive nos antípodas: desejo coletivo de reapropriação do comum da política. Pu-ro ato de desprivatização. A gestação de uma potência constituinte.

Marx falou da topeira. Deleuze, daserpente. Fela Kuti aprendeu que, ape-sar do fascínio do fogo, a água é a for-ça mais potente: transparente e sempre em movimento. Water no get enemy. Expressão, confl ito, radicalidade, auto-nomia: o comum do novo elemento li-quido. Acabou-se a esquerda, seus par-tidos, suas representações, seu sentido.Game over. Acabou-se o delegar a vida. Apesar de nascer no deserto da Europa, a ponte de Roma a Londres não é umamiragem.

É uma nova qualidade de infraestrutu-ra, uma coisa muito diferente. Contra a direita e mais além da esquerda. Welco-me to the future. Movimento, movimen-to, movimento. A pele de um novo ani-mal político. (La Jornada)

Ángel Luis Lara é sociólogo espanhol

Tradução: Tatiana Merlino

Carta ao governo da SuéciaWIKILEAKS Você, que deixou milhares de mulheres suecas serem estupradas enquanto seus abusadores estão livres, decidiu que agora era hora de falar grosso com um homem que o governo estadunidense quer preso

A ponte de Londres a Roma

Na verdade, a Anistia Internacional diz que em toda a Escandinávia, incluindo o seu país, estupradores “desfrutam de impunidade”

EUROPA

ANÁLISE Acabou-se a esquerda, seus partidos, suas representações, seu sentido. Game over

do. O privado e o público, o público e o privado. Esquerda e direita. O velho e o velho. A dialética da contradição sinte-tizada. Hegel ressuscitado. Com razão, Paolo Virno há alguns anos nos dizia que ele não era mais de esquerda.

No entanto, a ponte de Roma a Lon-dres é uma infraestrutura muito outra: não é fruto nem do investimento privado nem do público, mas sim uma construção do comum. Uma esfera diversa que, lon-ge dos postulados da esquerda e do eco-logismo mais complacente com as leis da economia política, não é um bem escas-so, e sim um excedente permanente.

CulturaOs estudantes que se batem nas ruas

de Londres e Roma o sabem bem. Co-locam no centro do confl ito a mais co-mum das armas – o corpo – e as prote-gem dos ataques da polícia com precá-rios escudos que decoram com capas de

Não se trata de uma máquina do tempo até o futuro, mas sim de uma ponte: da radicalidade da resistência dos estudantes em Londres à determinação do protesto em Roma

O jornalista e ciberativista Julian Paul Assange, principal porta-voz do site WikiLeaks

Policial prende manifestante ferido

Cau Napoli/CC

New Media Days/CC