ebook o legislativo brasileiro

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  • O LEGISLATIVOBRASILEIRO:FUNCIONAMENTO,

    COMPOSIO EOPINIO PBLICA

  • O Legislativo brasileiro: funcionamento, composio e opinio p-blica / organizadora, Rachel Meneguello. Braslia : Senado Federal, Secretaria Especial de Comunicao Social, 2012. 177 p.

    ISBN 978-85-7018-396-5

    1. Poder legislativo, Brasil. 2. Assembleia legislativa, Brasil. 4. Poltica partidria, Brasil. I. Meneguello, Rachel. II. Ttulo.

    CDDir 341.2536

    Projeto grfico:Liu Lopes

    Reviso:Cludia Moema

  • SUMRIO

    APRESENTAO

    PREFCIO

    Percepes pblicas sobre o Parlamento brasileiro:dados dos ltimos 50 anos

    Rachel Meneguello

    O Senado nos editoriais dos jornais paulistasFernando Antnio Azevedo

    Vera Lcia Michalany Chaia

    As Cmaras Municipais brasileiras: perfil de carreira e percepo sobre o processo decisrio local

    Maria Teresa Miceli Kerbauy

    Caminhos, veredas e atalhos: Legislativos estaduais e trajetrias polticas

    Ftima Anastasia, Izabela Correa e Felipe Nunes

    Poder de atrao, complexidade institucional e processo decisrio: anlise comparada de

    Assembleias Legislativas no BrasilFabiano Santos

    Quando trocar de partido pode no ser um bom negcio: migraes na Cmara Federal, 1987-2002

    Andr Marenco

    7111335

    63

    95

    155

    123

  • 6 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

  • 7O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    APRESENTAO

    predominante no Pas a viso crtica sobre os parlamentares e partidos polticos, a ideia de que nossas instituies representativas so frgeis, e que carecem de uma maior estruturao capaz de redefinir a relao dos cidados com a poltica, dos partidos com suas bases, bem como a relao dos parlamentares com sua funo de representar e legislar. Por um lado, as Casas Le-gislativas tm sido palco de aes e movimentaes que acusam as fragilidades de sua constituio e funcionamento. Em boa medida, suas crticas recaem sobre as influncias que nosso sistema eleitoral exerce, tanto sobre o comportamento dos eleitores quanto sobre o comportamento das elites parlamentares, temas que ocupam h um bom tempo as reflexes sobre a reforma poltica no Pas.

    Por outro lado, um maior conhecimento sobre o Legislativo quanto sua composio e o padro de trajetrias polticas que caracteriza as elites nacionais, estaduais e locais, bem como as formas em que sua dinmica reflete as imposies do sistema poltico nos vrios nveis, so imprescindveis para compreender seu papel e importncia no regime democrtico.

    Os temas que norteiam os trabalhos desta coletnea analisam elementos que caracterizam o Legislativo e seu desempenho nos vrios nveis, e os aspectos que concorrem para a formao de sua imagem pblica.

    Em especfico, so trs os temas priorizados pelas reflexes desenvolvidas: a composio e funcionamento dos Legislativos em sistemas subnacionais de mbito estadual e local, a dinmica de migraes partidrias, e a imagem do Parlamento, da forma como percebida ao longo do tem-po pela opinio pblica, e da forma como constituda pela mdia impressa.

    Assim, na trilha desses temas centrais, uma das principais contribuies do trabalho de Andr Marenco, com base na anlise do comportamento de bancadas estaduais relativo s trocas partidrias durante o mandato parlamentar, afirmar a cautela necessria para julgar as influn-cias do sistema de lista aberta na explicao dessa dinmica. Outras variveis parecem revelar pis-tas mais promissoras para a compreenso desse fenmeno, como o recrutamento e a presena do voto partidrio. Ao abordar as migraes em quatro legislaturas da Cmara dos Deputados (1987 a 2002), seu trabalho sugere que a estratgia da infidelidade partidria tem custos significativos que refletem, em boa medida, a organizao do sistema de partidos dos estados.

    Focalizando, igualmente, o comportamento das elites polticas, o trabalho de Fabiano San-tos analisa o impacto da estrutura federativa e do sistema eleitoral sobre as estratgias de carreira dos parlamentares. Seu estudo mostra uma forte relao entre o padro de recrutamento para os Legislativos estaduais e o grau de complexidade interna desses rgos, que estabelece uma

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    importante fonte de atrao. A anlise aponta tambm os efeitos da fragmentao partidria, entendida como processo de adaptao dos atores polticos que redefine as suas oportunidades de insero na estrutura do governo.

    Ao comparar, especificamente, os Legislativos estaduais de Santa Catarina e Rio de Janeiro, luz de sua complexidade institucional interna e das relaes com os Executivos, seu trabalho permite identificar os efeitos das instituies sobre a organizao da base de apoio aos Executivos estaduais e sobre o processo decisrio nas Assembleias. Com isso, fornece pistas das formas nas quais se realiza a accountability pelos deputados estaduais em contextos diferenciados.

    O estudo dos padres de carreira dos deputados estaduais se aprofunda no trabalho de Ftima Anastasia, Izabela Correa e Felipe Nunes com a comparao dos Legislativos dos Esta-dos do Cear, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Analisando as legislaturas do perodo ps-1988, os autores comparam os padres de recrutamento e as trajetrias dos parlamentares, com base nas variveis do contexto no qual se movimentam e nas caractersticas de desenvolvimento institucional interno, e encontram semelhanas importantes com o que ocorre na Cmara Federal, tanto no que se refere ao perfil sociolgico das elites polticas quanto na distribuio das cadeiras nas Assembleias, reflexiva de um alto grau de fracionamento dos subsistemas par-tidrios. Nessa anlise, o sistema eleitoral de lista aberta posto em xeque, dado o alto grau de fracionamento observado nos subsistemas partidrios e o atrelamento imposto sobre a obten-o de cadeiras pelos parlamentares e a transferncia de votos partidrios, o que condiciona, na opinio dos autores, os atributos da accountability e da representatividade democrtica.

    O trabalho de Maria Teresa Kerbauy tem como uma das principais contribuies reinte-grar o Legislativo local s anlises do Legislativo brasileiro, sobretudo luz das inovaes insti-tucionais que marcam o padro de relaes entre Legislativos e Executivos locais e os processos deliberativos de polticas pblicas. Por meio de uma anlise comparada entre os Estados de So Paulo e Santa Catarina, com base em entrevistas realizadas com prefeitos e presidentes de Cmaras de Vereadores, a autora apreende as distintas vises desses atores polticos quanto elaborao e deliberao de polticas pblicas, o papel dos Conselhos Municipais e o equilbrio entre Legislativo e Executivo.

    A autora apresenta ainda um completo perfil socioeconmico, demogrfico, regional e poltico dos vereadores do Pas para as gestes constitudas em 1996, 2000 e 2004, e aponta pistas para a reflexo sobre as estratgias polticas das elites parlamentares locais e valorizao dos partidos.

    Os trabalhos de Vera Chaia e Fernando Azevedo e de Rachel Meneguello acolhem um enfoque distinto sobre o Parlamento brasileiro, qual seja, o da construo e percepo da ima-gem pblica do Legislativo. No caso do trabalho de Chaia e Azevedo, o estudo da construo da imagem do Senado Federal, nos editoriais dos jornais Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo nos anos de 2003 e 2004, mostra que os temas abordados e os enquadramentos realizados pro-duziram uma imagem fortemente negativa, em que o fisiologismo, a infidelidade partidria, o

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    absentesmo e a frgil densidade ideolgica dos partidos constituram os referenciais centrais sobre a instituio para o leitor desses veculos de informao.

    O trabalho de Meneguello, por sua vez, resgata a percepo do Parlamento brasileiro a partir de dados de pesquisas de opinio para um amplo perodo poltico que cobre a expe-rincia democrtica de 1945-1964, o perodo da ditadura militar e o perodo democrtico ps-1985. Em linhas gerais, os dados revelam que o descrdito e a desconfiana so aspectos constantes da relao entre os cidados brasileiros e as instituies representativas ao longo do tempo, e sugerem as dificuldades do processo democrtico em redimensionar a relao dos eleitores com o sistema representativo.

    Esta coletnea resultado de reflexes originalmente realizadas ao longo do ano de 2004, desenvolvidas no mbito do convnio entre o Interlegis e o CESOP Centro de Estudos de Opinio Pblica da Universidade de Campinas e publicadas em livro nesta oportunidade. O conjunto de trabalhos integra especialistas de vrias universidades do Pas e apresenta ao leitor um painel sobre vrias dimenses do Parlamento brasileiro, no curso dos seus mais de 150 anos de existncia. Nossa ideia que ela contribua para compreender o funcionamento do sistema democrtico brasileiro e suas perspectivas.

    Rachel MeneguelloProfessora Livre-Docente do Departamento de Cincia Poltica/IFCH

    Diretora do CesopUnicamp

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    PREFCIO

    com satisfao que saudamos a chegada de obra to rica sobre os entrelaces e as intrincadas relaes existentes entre a opinio pblica e o comportamento poltico do Parlamento brasileiro.

    A opinio pblica um julgamento momentneo, compartilhado por inmeras pessoas que no necessariamente se conhecem, mas que fazem parte de um mesmo grupo. Sua capaci-dade de mobilizao e coeso pode erguer e derrubar governos, influenciar decises, mudar os rumos da histria. Num governo democrtico, o papel da opinio pblica ainda mais rele-vante: ela que legitima e sustenta o governo que, por isso mesmo, precisa estar atento a ela.

    Numa democracia, o Parlamento tem como um de seus principais objetivos a represen-tao da sociedade. Ao votar, o cidado delega a um representante o poder de tomar decises em seu lugar. Se o representante no atende s expectativas do representado, substitudo por outro. A grande dificuldade do modelo representativo o problema de como tornar as aes do representante mais congruentes com os interesses dos representados. Se o representante pretende-se manter na funo por um perodo mais longo, ele deve conhecer a opinio dos cidados que o escolheram e que tm o poder final sobre seu mandato, para poder agir em conformidade com o que esperam. A reside a importncia de ouvir a opinio pblica.

    Os captulos deste livro cobrem aspectos que vo desde os diagnsticos da popularidade de nossas instituies democrticas, medida nos resultados de pesquisas de opinio e na ima-gem do Senado retratada na mdia impressa, at investigaes de como a estrutura do processo decisrio tem afetado as trajetrias polticas dos nossos parlamentares tanto em mbito federal quanto estadual e municipal inclusive no que se refere ao tema da fidelidade partidria, to recorrente nos noticirios e nas propostas de reforma poltica.

    Passados 25 anos desde a eleio da Assembleia Constituinte e 20 anos desde o retorno das eleies diretas para todos os cargos do Poder Executivo, desfrutamos j de considervel tempo de vivncia democrtica, o que possibilitou a realizao das pesquisas aqui veiculadas. Em celebrao do aniversrio da democracia no Brasil, do momento em que a opinio pblica brasileira recobrou a sua fora, o livro vem em muito boa hora. Esperamos que os trabalhos de pesquisadores seniores e jovens que aqui esto congregados sejam de grande utilidade para todos os interessados no tema.

    Fernando Cesar MesquitaDiretor da Secretaria Especial de Comunicao Social

    Senado Federal

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  • 13O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Percepes pblicas sobre o Parlamento brasileiro:

    dados dos ltimos 50 anos1

    Rachel Meneguello2

    Introduo3

    Uma anlise do processo de construo da democracia das ltimas dcadas ultrapassa conhecer os mecanismos institucionais de funcionamento do regime. Mas compreender o grau de adeso e a percepo pelo pblico da importncia das instituies representativas, como o Congresso Nacional e os parlamentos regionais e locais, um ponto central para desvendar o paradoxo que contorna o cenrio brasileiro no qual convivem patamares reconhecidos de con-solidao institucional, e nveis altos, generalizados e continuados de desencanto e desconfiana dos cidados para com os polticos e a representao poltica.

    A eroso da confiana nas instituies representativas em geral um fenmeno que se ob-serva h mais de duas dcadas nas vrias sociedades democrticas. Se, por um lado, a democracia persiste como a forma de regime para a organizao e funcionamento da vida poltica dos vrios pases fundada em nveis significativos de apoio de massa, por outro, a perda de credibilidade no Parlamento, nos partidos e nos polticos em geral uma tendncia crescente apontada por estudos internacionais (Norris, 1999; Listhaug, 1995; Rose, 2001).

    Entre as razes dessa falta de confiana e descrdito, a percepo da ineficincia das ins-tituies para articular e responder s demandas da sociedade e da presena de motivaes me-ramente individuais para boa parte dos polticos concentra as principais crticas dos cidados.

    Os estudos mostram que as avaliaes negativas do desempenho dos polticos e das ins-tituies representativas so vetores que condicionam a avaliao do desempenho do sistema

    1 Este artigo resultado de reflexes realizadas ao longo de 2004, desenvolvidas no mbito do convnio entre o Interlegis e o CESOP Centro de Estudos de Opinio Pblica da Universidade de Campinas. O material foi revisado em 2009, pela autora.2 Professora Livre-Docente do Depto. de Cincia Poltica do IFCH e Diretora do CESOP Centro de Estudos de Opinio Pblica, ambos da Universidade de Campinas (UNICAMP). Pesquisadora do CNPq.3 Este trabalho foi realizado com a colaborao de Rosilene Gelape (Cesop/Unicamp) e Gabriel Nucci (Graduao em Cincias Sociais/Unicamp).

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    democrtico e se traduzem em uma tendncia crescente de insatisfao da opinio pblica sobre como a democracia e suas intermediaes funcionam. Assim, embora as democracias em geral consolidadas e em consolidao atestem um funcionamento estabelecido sobre dinmicas institucionais relativamente slidas, o distanciamento dos cidados da poltica e dos assuntos pblicos, ou seja, indicadores do desengajamento cvico observado nas pesquisas, traduz os limites do governo representativo (Norris, 2000). O caso brasileiro enquadra-se nesse cenrio.

    Ao longo dos 24 anos da experincia democrtica iniciada em 1985, o cidado brasileiro teve acesso informao poltica ampliada, envolveu-se em uma dinmica eleitoral e repre-sentativa intensa, formou preferncias polticas e concorreu para o alinhamento do quadro partidrio, constituindo bases para um significativo nvel de apoio ao regime democrtico. Dados de pesquisa nacional realizada em 2006 indicam a presena de um mapa de refern-cias normativas de adeso democrtica de intensidade importante, em que cerca de 65% dos entrevistados afirmam a preferncia pela democracia como a melhor forma de governo, bem como a necessidade dos partidos e do Congresso para seu funcionamento. Essas preferncias vm acompanhadas, entretanto, de forte insatisfao com o desempenho do regime e das ins-tituies representativas, e so marcadas por forte desconfiana nos partidos polticos e no Congresso Nacional (Moiss e Meneguello, 2007).

    De fato, dados de opinio coletados em pesquisas realizadas ao longo do perodo ps-85 mostram que, apesar da relativa consolidao de mecanismos de participao e de represen-tao, a presena de uma generalizada desvalorizao das instituies representativas marca a percepo sobre o funcionamento democrtico brasileiro de forma paradoxal: os cidados brasileiros apoiam de forma crescente a democracia, mas no confiam nas formas de interme-diao institucional.

    Este trabalho apresenta um retrato das percepes dos cidados sobre o Parlamento bra-sileiro a partir de dados de pesquisas de opinio pblica coletados em um perodo amplo, que cobre os anos da experincia democrtica de 1946 a 1964, a ditadura militar at 1985 e a recente democracia.

    Uma primeira concluso sobre os dados mostra que a democracia brasileira no tem sido capaz de redimensionar a relao dos cidados com o sistema representativo, apesar da intensa e regular dinmica eleitoral que marca todo o perodo de democratizao, da ampla participao poltica e do apoio significativo ao regime. Os dados de pesquisas mostram que a percepo pblica geral do Congresso e da atuao dos polticos e dos partidos predominan-temente negativa, indicando uma persistente viso crtica e insatisfeita sobre o funcionamento dessas instituies.

    Sob uma perspectiva histrica, possvel sugerir o descrdito e a desconfiana como aspectos constantes da relao entre os cidados brasileiros e as instituies representativas. No entanto, a ausncia de informaes longitudinais que possam dar conta das tendncias de comportamento e opinio em perodos mais longos de tempo impossibilita identificar os

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    traos predominantes da cultura democrtica e do sistema de crenas e valores que permeiam as relaes entre os indivduos e o sistema representativo.

    As informaes histricas pontuais resgatadas no perodo democrtico de 1946, bem como para o perodo da ditadura de 1964, em que predominam percepes negativas dos es-paos da poltica parlamentar e partidria, permitem apenas acompanhar a tese de que as bases da nossa democracia representativa imperfeita esto arraigadas em um padro de desenvolvi-mento poltico em que a hibridez ideolgica e institucional (combina) estruturas e prticas polticas autoritrias e liberais ao longo do perodo republicano (Trindade, 1985).

    A busca, realizada por essa pesquisa para identificao de fontes de dados e informaes sobre os valores e percepes do pblico brasileiro com relao ao Legislativo, revelou uma importante lacuna no campo da pesquisa sobre a democracia no Pas, marcada pela ausncia de estudos especficos com um grau de profundidade capaz de desvendar, no mbito dos referen-ciais polticos do eleitorado, o papel do Parlamento e sua importncia para o funcionamento da sociedade democrtica.

    Neste trabalho foram resgatados valiosos registros histricos constantes da Coleo Pes-quisas Especiais do IBOPE Instituto Brasileiro de Opinio Pblica e Estatstica, acervo nico depositado no AEL Arquivo Histrico Edgard Leuenroth da Unicamp. Esse acervo, formado de relatrios datilogrficos produzidos desde a implantao daquela empresa em 1943, contm dados que mostram nos perodos entre 1948 e 1962, e durante o regime militar de 1964, a presena de graus de insatisfao e uma avaliao crtica dos cidados com relao s institui-es representativas. Para esses perodos, infelizmente no h registros de pesquisas que cubram com alguma regularidade e com parmetros continuados as percepes do eleitorado sobre os Parlamentos nacional, locais e estaduais. Alm disso, as pesquisas cobrem universos limitados, reduzidos em boa parte dos casos aos Municpios de So Paulo, Rio de Janeiro e Braslia.

    O perodo democrtico ps-85, por outro lado, acolheu uma onda de produo intensa de pesquisas de opinio, e a questo democrtica ganhou papel central no conjunto de temas abordados com o pblico brasileiro. Entretanto, no h informaes que resultem de questio-namentos especficos amplos sobre as percepes das instituies representativas nos questio-nrios de pesquisas empresariais. Por sua vez, tambm no encontramos pesquisas de mbito nacional ou local de natureza acadmica, realizadas ao longo do perodo, que permitissem identificar de forma aprofundada as bases da adeso e percepo polticas sobre as distintas instncias representativas.

    Os dados identificados e utilizados neste texto advm de questes isoladas aplicadas em distintas pesquisas realizadas em anos variados. Obtivemos um retrato amplo da percepo pblica do Parlamento brasileiro, mas limitado pelas caractersticas dos dados existentes. Para o perodo mais recente, analisamos questes presentes em bases de dados em formato eletrnico, produzidas entre 1982 e 2006 por empresas de pesquisas e centros acadmicos, constantes do

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    Banco de Dados de Pesquisas por Amostragem do CESOP Centro de Estudos de Opinio Pblica, tambm da Unicamp.

    A organizao do texto em trs partes responde aos trs perodos abordados. A primeira apresenta um breve panorama dos dados sobre a percepo pblica do Parlamento para o perodo entre 1948 e 1962; a segunda parte analisa as informaes para os anos do regime militar; e a terceira apresenta dados para o perodo democrtico ps-1985.

    A experincia de 1946-1964 A democracia populista de 1946 instituiu, pela primeira vez na histria poltica brasileira,

    a competio partidria como principal forma de acesso ao poder. Nesse perodo, estabeleceram--se normas e mecanismos para a instalao de uma estrutura democrtica, definiu-se a presena de um Parlamento com prerrogativas constitucionais, um quadro multipartidrio e a existncia regular de eleies. Esse cenrio que, primeira vista, cumpria regras bsicas do funcionamento de democracias representativas convivia, de fato, com heranas mantidas do perodo ditatorial anterior e, sobretudo, erguia-se sobre as bases de uma cidadania limitada, em que o analfabetismo era o principal fator de excluso poltica.

    A manuteno do principal legado do Estado Novo (1937-1945), a centralizao burocr-tica, associada a um estado de carter patrimonial e clientelstico, imps os limites da armao institucional do perodo democrtico, marcando os limites de organizao dos partidos e de legi-timao das instituies representativas (Souza, 1985).

    A poltica populista levada a cabo nos anos 50, altamente mobilizadora do eleitorado, mos-traria sua capacidade de estruturao de preferncias no incio dos anos 60, mas esse perodo no foi capaz de abrigar um processo denso de fortalecimento de atores sociais, bem como a sua articu-lao em foras polticas em um grau razovel de consolidao. A forte presena do personalismo como caracterstica da vida poltica e a pequena representatividade dos partidos seriam algumas das condies que marcariam a relao dos cidados com a poltica representativa e com as insti-tuies nesse perodo e nos perodos seguintes.

    Que informaes sugerem que o descrdito e a percepo negativa sobre o Legislativo bra-sileiro marcam o mapa de valores sobre o sistema representativo nesse perodo? Os trs conjuntos de dados resgatados para nveis distintos do Parlamento em trs locais distintos permitem ilustrar a percepo sobre o desempenho dos parlamentares e do Congresso Nacional.

    O primeiro conjunto, coletado logo no incio do perodo, em 1948, na cidade de So Paulo, apresenta um nvel alto de insatisfao com o desempenho dos deputados estaduais, com forte concentrao nos estratos mais ricos de entrevistados. Os principais motivos da insatisfao convergem para a percepo da ineficincia e do distanciamento da populao.

    Assim, para os quase 60% dos que se declaravam insatisfeitos com a atuao dos parlamen-tares estaduais paulistas, mais de 32% indicavam a causa na baixa representatividade, afirmando

  • 17O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    sua distncia da populao; 13% apontavam a ineficincia, afirmando o no cumprimento das promessas; e mais de 26% davam como causa o descrdito sobre sua atuao, considerando os po-lticos mentirosos e desonestos, ou ainda, no motivados pelos interesses pblicos (Tabelas 1 e 2).

    Tabela 1. Satisfao com a atuao dos deputados estaduais

    Cidade de So Paulo 1948 (%)

    Pergunta: Est satisfeito com a atuao dos deputados estaduais?Data: setembro/1948, n=600.Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1948, vol.7.

    Tabela 2. Motivos da insatisfao com a atuao dos deputados estaduais (%)

    Pergunta: Por qu? (entre os que no se manifestaram satisfeitos).Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1948, vol.7.

    Dos 37% de indivduos que se consideravam satisfeitos com a atuao dos deputados, qua-se a metade (47,6%) reconhecia o cumprimento do dever e trabalho para a populao (Tabela 3).

    Tabela 3. Motivos da satisfao com a atuao dos deputados estaduais (%)

    Pergunta: Por qu? (entre os que se manifestaram satisfeitos).Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1948, vol.7.

    Total A/B C D

    Sim 37 10 23,2 35,5

    No 59 80 53,6 36,9

    S/op. 4 10 23,2 27,6

    Total

    No tm trabalhado para o povo 32,2

    No tm cumprido as promessas 13,0

    S discutem 11,4

    Querem ganhar sem trabalhar 9,9

    S cuidam dos prprios interesses 5,2

    No cuidam dos interesses do Estado 3,7

    S cuidam da poltica 3,2

    So todos mentirosos 2,8

    No aparecem na Cmara 1,6

    No sabem 17,0

    Total

    Tem cumprido o dever 24,8

    Tem trabalhado para o povo 22,8

    Abriram escolas 0,6

    No opinaram 51,8

  • 18 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    O segundo conjunto de dados segue para 1957 na cidade do Rio de Janeiro, ento Capital do Pas, e mostra a primeira avaliao de desempenho do Congresso para o perodo analisado. Tambm ali ocorre o predomnio de uma avaliao negativa do trabalho parlamentar, igual-mente concentrada no estrato mais rico dos entrevistados e com a maioria de homens. Os dados mostram que 37% do total de indivduos consideram que os parlamentares no trabalham di-reito e, destes, quase 50% so membros do estrato socioeconmico mais rico (Tabela 4).

    Tabela 4. Avaliao do trabalho dos parlamentares

    Cidade do Rio de Janeiro/DF 1957 (%)

    Pergunta: Na sua opinio, os deputados e senadores, de maneira geral, tm cumprido com o seu dever ou acha que eles no tm trabalhado direito?Data: janeiro/1957, n=800.Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1957, vol.1.

    Esta pesquisa tambm oferece uma primeira avaliao pelo pblico das relaes entre os Poderes Executivo e Legislativo na sua dimenso da eficincia. Quase 40% afirmam o Con-gresso Nacional como um entrave para os trabalhos do governo, mas aqui essas opinies pre-dominam no estrato mais pobre dos entrevistados, a classe C (Tabela 5).

    Tabela 5. Avaliao sobre a colaborao dos parlamentares

    com o trabalho do Executivo 1957 (%)

    Pergunta: Em sua opinio, o Senado e a Cmara Federal tm contribudo para facilitar ou dificultar as obras do Governo?Data: janeiro/1957, n=800.Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1957, vol.1.

    O terceiro conjunto de dados refere-se ao ano de 1962, a dez meses das eleies legisla-tivas de outubro daquele ano, e deve ser destacado. Esse o nico conjunto de informaes de

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A B C Homens Mulheres

    No trabalham direito 37 49,4 36,4 35,2 41 32,9

    Cumprem com seu dever 28,7 27,3 28,4 29,5 32,8 25

    No sabem 14,3 14,3 16,4 13 9,4 19,1

    No opinaram 20 9 18,8 22,3 16,8 23

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A B C Homens Mulheres

    Dificultam 39,9 36,4 37,5 42 44 35,7

    Facilitam 30,9 33,8 34,2 28,4 37,5 24,2

    No sabem 15,8 16,9 18,2 14,1 9,3 22,1

    No opinaram 13,4 12,9 10,1 15,5 9,2 17,7

  • 19O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    todo o perodo republicano pesquisado, inclusive o perodo mais recente, que apresenta uma percepo positiva majoritria sobre a atuao do Congresso Nacional.

    Os dados mostram que, na pesquisa realizada em Braslia, 43% dos entrevistados con-sideravam boa a atuao do Congresso Nacional. Apontam tambm um fenmeno observado em todas as pesquisas para os perodos posteriores, que associa a predominncia da avaliao crtica ou negativa ao segmento de entrevistados com maior escolaridade.

    Em linhas gerais, essas informaes acompanham os achados de trabalho de Lavareda (1991), com base nos quais o autor ilustra uma clara tendncia consolidao do sistema de partidos por meio de dados de adeso e identificao partidria.

    Tabela 6. Avaliao da atuao do Congresso Nacional

    Braslia 1962 (%)

    Pergunta: Como classifica a atuao do Congresso Nacional?Data: 31/01 a 6/02/1962, n=502.Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1962, vol.9.

    Os anos da ditadura As pesquisas de opinio realizadas em lugares e em perodos no democrticos devem ser

    observadas com extrema cautela. A mais cuidadosa metodologia de elaborao da pesquisa no consegue ponderar as presses que condicionam a manifestao das opinies dos indivduos. No caso dos relatrios de pesquisa histricos utilizados neste trabalho, sobre os quais no h informaes metodolgicas suficientes para avaliar o processo de sua realizao, a interpreta-o dos dados tem cautela redobrada. sob a luz dessa ressalva que devem ser analisadas as opinies dos cidados nos anos entre 1968 e 1972 no Rio de Janeiro, So Paulo e Estado da Guanabara, a respeito do papel do Congresso, do envolvimento com a poltica e do desempe-nho de parlamentares.

    Mesmo assim, o que motiva apresentar esses dados a lgica singular que marca o re-gime militar brasileiro, em que coexistem mecanismos formais da democracia representativa, que sobrevivem sob a forma tutelada, e prticas autoritrias, especialmente nos considerados anos de chumbo, marcados pela extrema represso do Estado sobre setores da sociedade civil.

    As cinco pesquisas obtidas para os anos entre 1968 e 1972 permitem avaliar a percepo dos cidados com relao ao papel das Casas Legislativas nesse contexto. Em 1968, dados da

    TotalGrau de escolaridade Sexo

    Superior Secundria Primria Homens Mulheres

    Boa 43 28 40 49 45 39

    M 30 54 38 19 34 22

    No sabem 27 18 22 33 21 39

  • 20 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    pesquisa, aplicada nas cidades do Rio de Janeiro e So Paulo sobre o interesse pela poltica que se realiza no mbito dos Poderes Executivo e Legislativo, mostram um significativo distancia-mento global dos indivduos com relao a essas instncias.

    Especialmente para So Paulo, em torno de 66% dos indivduos se declaram indiferentes poltica parlamentar nacional e estadual. O maior envolvimento poltico ocorre com relao ao governo municipal, com 78% dos indivduos afirmando interesse nas atividades polticas locais. Mas o que de fato se destaca que a indiferena e a decepo definem predominan-temente a relao com as instituies representativas. Assim, por volta de 66% declaram-se indiferentes s atividades do Congresso Nacional e da Assembleia Legislativa, sendo que no h diferenas entre estratos socioeconmicos, bem como entre homens e mulheres (Tabela 7).

    Tabela 7. Motivao com relao s atividades do Legislativo e do Executivo

    Cidade de So Paulo 1968 (%)

    CONGRESSO NACIONAL

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Estimulado 15 15 15 16 17 12

    Decepcionado 15 18 15 10 22 4

    Indiferente 67 65 66 69 57 83

    Sem opinio 3 2 4 5 4 1

    ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Estimulado 15 16 12 18 17 12

    Decepcionado 17 20 20 8 23 5

    Indiferente 66 63 66 70 56 83

    Sem opinio 2 1 2 4 4

    GOVERNO FEDERAL

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Estimulado 25 23 24 29 27 22

    Decepcionado 28 32 29 18 31 22

    Indiferente 46 45 47 49 40 46

    Sem opinio 1 2

  • 21O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Tabela 7. (Continuao) Motivao com relao s atividades do Legislativo e do Executivo

    Cidade de So Paulo 1968 (%)

    Pergunta: Como o senhor se sente no que se refere s seguintes atividades polticas?Data:15 a 30/setembro/1968, n=800. Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1968, vol.5.

    Para o Municpio do Rio de Janeiro, muito maior a decepo dos indivduos com relao a todas as instncias polticas, mas especialmente maior, comparada a So Paulo, a decepo com relao ao Congresso Nacional (40%) e Assembleia Legislativa (34%). Diferentemente dos paulistas, na cidade do Rio de Janeiro, as maiores propores de indivduos decepcionados com os dois nveis do Parlamento esto no estrato mais pobre, a classe D (Tabela 8).

    Tabela 8. Motivao com relao s atividades do Legislativo e do Executivo

    Cidade do Rio de Janeiro 1968 (%)

    GOVERNO ESTADUAL

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Estimulado 27 26 26 30 27 27

    Decepcionado 23 30 21 14 26 19

    Indiferente 48 44 51 51 45 53

    Sem opinio 2 2 5 2 1

    GOVERNO MUNICIPAL

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Estimulado 78 79 81 73 77 79

    Decepcionado 2 1 2 8 2 3

    Indiferente 18 19 17 18 18 18

    Sem opinio 2 1 1 3

    CONGRESSO NACIONAL

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Estimulado 8 8 7 7 7 8

    Decepcionado 40 39 39 42 42 38

    Indiferente 51 52 53 48 50 52

    Sem opinio 1 1 1 3 1 2

  • 22 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Tabela 8. (Continuao) Motivao com relao s atividades do Legislativo e do Executivo

    Cidade do Rio de Janeiro 1968 (%)

    Pergunta: Como o senhor se sente no que se refere s seguintes atividades polticas?Data:15 a 30/setembro/1968, n=800. Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1968, vol.5.

    Em outra pesquisa realizada no Rio de Janeiro no mesmo ano de 1968, os dados repetem a percepo crtica com relao ao desempenho da Assembleia Legislativa: 40% afirmam que os deputados no cuidam como deviam dos assuntos do Estado e 25% afirmam que os de-putados s cuidam dos prprios interesses. Na mesma pesquisa, 23% afirmam que a atuao dos deputados fraca ou que eles no fazem nada (Tabelas 9 e 10).

    ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Estimulado 11 14 14 6 12 9

    Decepcionado 34 35 29 37 35 34

    Indiferente 53 49 55 55 52 54

    Sem opinio 2 2 2 2 1 3

    GOVERNO FEDERAL

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Estimulado 14 15 14 12 16 10

    Decepcionado 42 42 35 46 40 45

    Indiferente 43 41 51 40 43 43

    Sem opinio 1 1 2

    GOVERNO ESTADUAL

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Estimulado 16 16 19 14 19 11

    Decepcionado 39 39 34 42 38 41

    Indiferente 43 43 44 42 41 45

    Sem opinio 2 2 3 2 2 3

  • 23O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Tabela 9. Avaliao da atuao da Assembleia Legislativa

    Rio de Janeiro 1968 (%)

    Pergunta: O que o sr. vem achando da atuao da Assembleia Legislativa?Data: setembro/1968, n=1835. Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1968, vol. 6.

    Tabela 10. Avaliao da atuao dos deputados federais

    Rio de Janeiro 1968 (%)

    Pergunta: E de maneira geral, o que vem achando da atuao dos Deputados Federais?Data: setembro/1968, n=1835.Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1968, vol. 6.

    Dois anos depois, j em 1970, em pesquisa realizada na Guanabara, registra-se uma percepo distinta, com a afirmao da importncia da atuao do Parlamento na conduo dos problemas do Pas. Nessa pesquisa, realizada a um ms das eleies legislativas nacionais, aproximadamente 80% dos entrevistados afirmavam a importncia da boa escolha poltica para o desempenho do Congresso, e pouco mais de 61% acreditavam na real importncia do Congresso para o sucesso das aes do Executivo (Tabelas 11 e 12).

    Os dados contextuais dessa pesquisa em especfico nos obrigam a lembrar a prudncia mencionada para a anlise dos dados coletados durante o perodo da ditadura. Sobre as bases do

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Cuida seriamente dos problemas do estado 24 29 19 28 25 22

    Cuida dos problemas do estado, mas no tanto quanto devia

    40 40 45 39 40 40

    No cuida dos problemas do estado, e sim dos interesses particulares dos deputados

    25 23 28 21 25 24

    No opinaram 11 8 8 12 10 14

    TotalClasse socioeconmica Sexo

    A/B C D Homens Mulheres

    Muito Boa 6 11 7 3 6 6

    Boa 31 30 36 28 33 27

    Regular 29 30 28 28 29 27

    Fraca 10 10 9 12 11 10

    No esto fazendo nada 13 12 12 17 13 15

    No opinaram 11 7 8 12 8 15

  • 24 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    AI-5 de dezembro de 1968, e da Lei e Segurana Nacional de 1969, as eleies de 1970 foram marcadas pela ampla vitria do partido do governo militar, a Arena, e pelas altas propores de votos em branco e nulos, alm das abstenes. Os dados das eleies de 1970 sugerem que as manifestaes de crdito instituio do Parlamento observadas na pesquisa estavam fortemente dissociadas da percepo sobre o sistema poltico e seu funcionamento. As atitudes do eleitorado brasileiro parecem ter traduzido, de fato, um significativo distanciamento da poltica.

    Tabela 11. Opinio sobre a escolha dos membros do Congresso

    Guanabara 1970 (%)

    Data:outubro/1970; n=500.Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1970, vol.5.

    Tabela 12. Opinio sobre a importncia do Congresso para soluo dos problemas do pas

    Guanabara 1970 (%)

    Pergunta: Na sua opinio, a contribuio do Congresso no sentido de colaborar com o Governo Federal para resolver os problemas mais importantes do pas :Data: outubro/1970, n=500.Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1970, vol. 5.

    Total

    importante escolher bem as pessoas que devem fazer parte do Congresso, porque dessa forma este poderia funcionar melhor.

    79

    No tem muita importncia, porque o bom funcionamento do Congresso no influi muito na soluo dos problemas mais importantes do pas

    18

    Sem opinio 3

    TotalClasse

    socioeconmicaGrau de instruo Sexo

    A/B C D Primrio Secundrio Superior Homens Mulheres

    Realmente importante

    61 55 59 66 62 60 60 58 65

    At certo ponto importante

    18 22 21 13 16 20 22 18 18

    No tem qualquer importncia

    15 19 14 13 12 16 18 18 10

    Sem opinio 6 4 4 8 10 4 6 7

  • 25O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Finalmente, em uma nica pesquisa de avaliao simultnea do desempenho dos Parla-mentos de mbito nacional, estadual e local, realizada em So Paulo em 1972, os dados mos-tram percepes muito semelhantes para os vrios nveis de atuao, com todas as avaliaes positivas girando em torno de 30% para o Congresso, Assembleia e Cmara de Vereadores. Entre os trs nveis de atuao, os vereadores so os que recebiam maior avaliao negativa (10%), e os senadores, a maior avaliao positiva (36%) (Tabela 13).

    Tabela 13. Avaliao da atuao dos parlamentares do Congresso,

    Assembleia e Cmara de Vereadores Cidade de So Paulo, 1972 (%)

    Pergunta: De modo geral, como o sr. avalia a atuao dos seguintes polticos em So Paulo?Data: 8-16/setembro/1972, n=505.Fonte: Coleo IBOPE, Pesquisas Especiais, 1972, vol. 4.

    VEREADORES

    TotalClasse

    socioeconmicaSexo Faixa de idade

    A/B C D Homens Mulheres 18-24 25-29 30-39 40-49 50+

    tima/boa 29 28 30 34 34 22 29 25 32 33 25

    Regular 27 27 29 23 28 26 31 21 29 26 29

    M/pssima 10 15 3 8 12 7 7 14 8 13 7

    No sabem 34 30 38 35 26 45 33 40 31 2 39

    DEPUTADOS ESTADUAIS

    TotalClasse

    socioeconmicaSexo Faixa de idade

    A/B C D Homens Mulheres 18-24 25-29 30-39 40-49 50+

    tima/boa 31 30 30 33 35 24 28 27 31 36 27

    Regular 29 29 26 31 30 28 31 25 32 29 27

    M/pssima 6 9 2 5 8 3 6 6 6 7 7

    No sabem 34 32 42 31 27 45 35 42 32 28 39

    DEPUTADOS FEDERAIS

    TotalClasse

    socioeconmicaSexo Faixa de idade

    A/B C D Homens Mulheres 18-24 25-29 30-39 40-49 50+

    tima/boa 32 31 30 34 38 23 25 26 32 41 28

    Regular 28 29 25 28 28 27 32 25 32 25 25

    M/pssima 4 7 1 4 5 3 6 6 2 6 4

    No sabem 36 33 44 34 29 47 37 43 34 28 43

    SENADORES

    TotalClasse

    socioeconmicaSexo Faixa de idade

    A/B C D Homens Mulheres 18-24 25-29 30-39 40-49 50+

    tima/boa 36 37 31 36 42 26 31 31 28 43 32

    Regular 25 24 27 24 25 24 23 27 24 16 28

    M/pssima 4 7 1 4 6 2 4 4 3 8 6

    No sabem 35 32 41 36 27 48 38 27 42 28 35

  • 26 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Se, por um lado, as poucas informaes existentes sobre a opinio a respeito do Parlamento para os anos da ditadura inviabilizam traar tendncias sobre a percepo do desempenho e atuao do Legislativo, por outro, a presena de algum grau de interesse e aproximao dos cidados com as esferas de representao adiciona mais um aspecto para o entendimento das consequncias da via eleitoral liberalizante que o regime assumiu a partir dos anos 70.

    O curso do prprio regime mostraria que o hibridismo ideolgico e institucional promoveria canais de recuperao e construo da oposio poltica centrados no mbito eleitoral, e as pesquisas acadmicas, realizadas nas dcadas de 70 e 80 sobre a transio poltica, mostrariam o impacto dessa dinmica na construo de identidades e referenciais para o eleitorado, criando canais de reapro-ximao esfera representativa (Lamounier e Cardoso, 1975; Reis, 1978; Lamounier, 1980; 1985).

    As percepes sobre o Parlamento no perodo ps-1985

    Aps 21 anos de regime militar, no incio do perodo ps-85, as tendncias de opinio refletiam o baixo grau de institucionalidade da democracia e apontavam para uma generalizada crise de representatividade, predominante nas populaes dos grandes centros, e estreitamente associada ausncia de credibilidade nas instituies no Pas. Esse um aspecto permanente do perodo democrtico.

    Em parte, a crescente percepo negativa seria devida maior visibilidade dos conflitos no Parlamento, levando a que a populao redimensionasse sua avaliao dos polticos e da poltica a partir do acesso ao seu funcionamento real, sobretudo proporcionado pelas novas transmisses pela TV com a implantao dos canais de TV legislativos.

    Por outro lado, a retrica da transio democrtica privilegiou as eleies diretas presi-denciais como mecanismo central do novo regime, colocando em segundo plano as estruturas representativas como referenciais de funcionamento do sistema para o pblico de massa.

    Pesquisa realizada na capital paulista logo no incio do novo regime, em 1985, mostrava que apenas 35,4% dos entrevistados consideravam que o poder do Congresso e dos parlamen-tares deveria aumentar na nova conjuntura democrtica. Apenas em 1987, sob a perspectiva dos avanos da Assembleia Constituinte, essa opinio se alteraria para 51%. Mas dados de pes-quisa realizada tambm na Cidade de So Paulo em 1988 sobre aspectos da transio poltica indicavam que, de fato, a eleio direta para a Presidncia da Repblica, e no o Congresso ou os partidos, emergia como referencial bsico da construo do novo regime4.

    As informaes coletadas no perodo que acolheu os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte em 1987 mostram que, apesar de o experimento parlamentar desenvolvido na elaborao da nova Constituio ter estabelecido bases significativas para o fortalecimento dos

    4 Coleo de Pesquisas IDESP (1985, 1987, 1988) Banco de Dados do CESOP.

  • 27O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    partidos, a populao no apenas no percebeu os polticos e parlamentares como atores im-portantes da transio poltica, como tambm manteve os patamares de desconfiana sobre seu desempenho. Em pesquisa nacional realizada em 1987 para avaliar a percepo da importncia da nova Constituio e do apoio elaborao do pacto social preconizado pelo novo Gover-no, deputados e senadores eram considerados os atores menos importantes para viabiliz-lo, apesar de mais de 75% dos entrevistados reconhecerem a importncia da Constituio para a democracia (Tabelas 14 e 15):

    Tabela 14. Atores polticos e sociais mencionados

    como importantes para a elaborao do pacto social

    Brasil 1987 (%)

    Fonte: IBO/BR87.FEV-00014.

    Tabela 15. A credibilidade dos polticos, grupos e organizaes

    Brasil 1987 (%)

    Pergunta: Nos ltimos tempos, muitas pessoas e organizaes tm tentado mostrar ao povo brasileiro a situao em que o Pas realmente se encontra. Para cada pessoa e/ou organizao que eu citar, por favor diga-me se o(a) Sr(a) acha que ela tem falado:Fonte: IBO/BR87.FEV-00014.

    Total

    Sindicatos 16,5

    Igreja 11,8

    Agricultores 9,7

    Governadores 9,2

    Governo Federal 6,1

    Imprensa 4,9

    Prefeitos 4,6

    Industriais 4,2

    Deputados Federais 2,6

    Senadores 2,1

    Polticos Igreja TelevisoLderes sindicais

    Empresrios Ministros

    Fala s a verdade 3,1 44,2 16,4 15,5 7,3 10,0

    Fala mais verdades do que mentiras

    15,0 31,4 47,1 40,2 24,4 33,8

    Fala mais mentiras do que verdades

    50,6 11,0 26,9 23,4 37,0 34,6

    Fala s mentiras 25,0 3,5 2,8 6,3 18,2 11,0

  • 28 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Ao avaliar a atuao do trabalho parlamentar, as percepes so semelhantes, predomi-nando a ideia de que os deputados e senadores no desempenham suas atribuies. Dados de pesquisa realizada em 1989 j apontavam a insatisfao de aproximadamente 60% da popula-o com o trabalho de fiscalizao do dinheiro pblico pelos parlamentares de todos os nveis: vereadores, deputados estaduais, federais e senadores.

    Tabela 16. Percepo do cumprimento da funo dos parlamentares

    de legislar e fiscalizar o uso do dinheiro pblico 1989 (%)

    Pergunta: Os vereadores, deputados e senadores tm como principais funes fazer leis e fiscalizar o uso do dinheiro pblico. Na sua opinio, os vereadores da sua cidade cumprem essa funo? E os deputados da Assembleia do estado? E os deputados e senadores do Congresso Nacional?Fonte: DAT/BR89.SET-00186.

    Tabela 17. Percepo geral do cumprimento da funo dos parlamentares

    de legislar e fiscalizar o uso do dinheiro pblico Brasil 1990 (%)

    Pergunta: Os parlamentares, isto , vereadores, deputados e senadores, tm como principais funes fazer leis e fiscalizar o uso do dinheiro pblico. Na sua opinio, eles cumprem ou no essas funes?Fonte: DAT/BR90.MAR-00219.

    Os dados coletados durante a dcada de 90 confirmam a baixa estima s instituies polticas e a crtica sua atuao como as orientaes dominantes das opinies gerais. O dis-tanciamento dos polticos da populao e a dissociao de suas funes originais marcam a ideia geral negativa construda sobre os polticos e as arenas representativas. Os polticos so percebidos como agentes isolados em uma instncia distante da populao, incapazes de acio-nar os laos de representao: so considerados insensveis s demandas da populao (52,1%), orientados por interesses particularistas (83,1%) e que atuam voltados satisfao dos interes-ses dos setores privilegiados da sociedade (83,7%) (Tabelas 18, 19 e 20).

    Vereadores Deputados EstaduaisDeputados Federais

    e Senadores

    Cumprem 19,3 15,8 16,9

    No cumprem 57,2 55,8 55,7

    Mais ou menos 14,1 15,5 14,2

    No sabe 9,4 12,9 13,2

    Total 100,0 100,0 100,0

    %

    Cumprem funes 13,2

    No cumprem funes 65,9

    Mais ou menos/em parte 16,9

    Outras respostas/No sabe 4,1

    Total 100,0

  • 29O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Mesmo entre aqueles que percebem alguma atuao representativa, predomina a ideia de que os polticos respondiam em primeiro lugar aos seus prprios eleitores e, em segundo lugar, aos interesses de todo Pas (Tabela 21).

    Tabela 18. Percepo da sensibilidade dos polticos s presses populares 1990 (%)

    Pergunta: Na sua opinio, de um modo geral os polticos brasileiros so ou no sensveis s presses populares?DAT/BR90.MAR-00219.

    Tabela 19. Percepo sobre as preocupaes dos polticos brasileiros 1990 (%)

    Pergunta: Os polticos se preocupam mais com os interesses dos fracos ou dos poderosos?DAT/BR90.MAR-00219.

    Tabela 20. Percepo dos interesses que importam aos polticos brasileiros 1

    Brasil 1990(%)

    Pergunta: De um modo geral os polticos brasileiros pensam mais:Fonte: DAT/BR90.MAR-00219.

    %

    So sensveis 27,4

    No so sensveis 52,1

    s vezes sim, outras no/mais ou menos

    12,5

    Outras respostas 1,0

    No sabe 7,1

    Total 100,0

    %

    Interesses dos fracos 9,8

    Interesses dos poderosos 83,7

    Outras respostas 3,8

    No sabe 2,7

    Total 100,0

    %

    Nos prprios interesses 83,1

    Nos interesses da populao 10,9

    Outras respostas 3,6

    No sabe 2,5

    Total 100,0

  • 30 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Tabela 21. Percepo dos interesses que importam aos polticos brasileiros 2

    Brasil,1990(%)

    Pergunta: Os polticos brasileiros pensam nos interesses:Fonte: DAT/BR90.MAR-00219.

    O impacto da percepo negativa do desempenho da poltica representativa sobre a ideia geral do funcionamento democrtico fica bastante claro nas informaes das pesquisas realizadas em 1993 e 1995. A indiferena ou a inutilidade dos rgos de representao para o funcionamento democrtico so os aspectos que predominam nas opinies gerais. Assim, em pesquisa realizada em 1993, aproximadamente 30% do eleitorado nacional consideravam que, levando em conta a baixa utilidade do Parlamento, o Brasil poderia passar bem sem o Con-gresso Nacional. As justificativas dessa afirmao apontavam sua ineficincia (eles no esto fazendo nada; no resolvem nada; so incapazes; no cumprem o dever), o distanciamento da populao (no trabalham para o benefcio do povo; no correspondem aos interesses da po-pulao), o trabalho em benefcio prprio (porque eles s trabalham por interesses prprios; s se preocupam com eles; eles fazem leis favorveis a eles; s querem benefcio prprio), as prticas desonestas e corruptas (porque h muita corrupo; so todos corruptos; s sabem roubar; so desonestos), alm de configurar um gasto pblico desnecessrio (o dinheiro gasto com os deputados muito alto).

    Na mesma pesquisa, os indicadores de satisfao com o Congresso eleito em 1990 situa-vam 46% dos indivduos avaliando o trabalho parlamentar com notas menores que cinco, em uma escala de um a dez:

    Tabela 22. Avaliao do grau de satisfao com o Congresso Nacional

    Brasil, 1993 (% de notas)

    Pergunta: Estamos completando agora trs anos de funcionamento do Congresso Nacional, isto , dos deputados e senadores eleitos em 1990. Voc diria que est totalmente satisfeito ou totalmente insatisfeito com o trabalho do Congresso Nacional nesses trs anos? Numa escala de 1 a 10 pontos, em que 1 significa que est totalmente insatisfeito e 10 que est totalmente satisfeito, que nota voc daria ao trabalho do atual Congresso Nacional?Fonte: DAT/BR93.MAR-00322.

    %

    Interesses dos seus prprios eleitores 44,5

    Interesses de todo o pas 32,6

    Outras respostas 15,8

    No sabe 7,1

    Total 100,0

    Notas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

    % 13,6 8,5 11,1 12,7 17,5 9,6 7,3 7,2 2,5 4,4

  • 31O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Note-se aqui que, em outubro de 1992, ou seja, cinco meses antes de essa pesquisa ser realizada, o Congresso Nacional atuara de forma definitiva para recuperar sua credibilidade em uma das conjunturas mais importantes da histria republicana, com a aprovao do im-peachment do ento Presidente da Repblica, Collor de Mello, primeiro presidente a sofrer um processo dessa natureza em toda a Amrica Latina, finalizando um movimento de intensa mobilizao popular pelo resgate da moral e honestidade no Poder Pblico. Paradoxalmente, a atuao do Congresso no teve impacto positivo na percepo geral do papel da instituio naquela conjuntura.

    A mesma pergunta sobre a importncia do Congresso foi repetida em pesquisa nacional dois anos depois, em 1995, e os dados revelam no somente a manuteno da percepo negati-va, mas tambm o seu fortalecimento, aumentando de 30% para 40% a proporo de indivduos que no creditavam sua importncia para o Pas (Tabela 23). Essa tendncia tambm aparece nos dados de avaliao do desempenho dos parlamentares, que receberam notas pela sua atuao maiores ou iguais a cinco de pouco mais da metade dos entrevistados (58,2%) (Tabela 24).

    Tabela 23. Percepo da importncia do Congresso

    Brasil 1995 (%)*

    * Apenas respostas vlidas.Pergunta: Olhando as coisas do ponto de vista de sua utilidade e para que tudo v bem, voc acha que o Brasil precisa do Congresso Nacional, isto , da Cmara dos Deputados e do Senado, ou ns poderamos passar bem sem eles?Fonte: DAT/BR95.SET-00461; n=2.921.

    Tabela 24. Avaliao do desempenho dos parlamentares

    Brasil 1995 (%)

    Pergunta: De zero a dez, que nota voc d para o desempenho dos atuais deputados federais e senadores?Fonte: DAT/BR95.SET-00461.

    Uma anlise da evoluo das tendncias de avaliao do Congresso ao longo de 13 anos, entre 1995 e 2008, mostra que, mesmo com algumas oscilaes localizadas nos momentos especficos de incio de novas legislaturas, como em 2003 e 2007, as avaliaes positivas no

    % (*)

    O pas precisa da Cmara dos Deputados e do Senado

    60,0

    O pas poderia passar bem sem o Congresso Nacional

    40,0

    Total 100,0

    Notas 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

    % 10,7 2,3 5,5 6,8 8,7 20,6 11,4 8,3 9,0 3,1 4,8

  • 32 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    ultrapassam 24% em todo esse perodo. Alm disso, essa tendncia acompanhada do forte crescimento das avaliaes negativas na conjuntura das denncias de corrupo envolvendo parlamentares e membros do governo, e que deram origem em 2005 s Comisses Parlamen-tares de Inqurito do Bingo e do Mensalo.

    Grfico 1. Evoluo da avaliao do desempenho do Congresso Nacional

    Brasil 1995-2008 (%)

    Nota: o complemento dos dados para 100% deve-se s respostas no sei.Perguntas: (1998)> No final do ano termina o mandato dos atuais deputados federais e de parte dos senadores que formam o atual Congresso Nacional. Na sua opinio, os atuais senadores e deputados federais, eleitos em 1994, esto tendo um desempenho...; (1995, 2000-2008)> Voc diria que os senadores e deputados federais que esto atualmente no Congresso esto tendo um desempenho....Fonte: Pesquisas do Instituto Datafolha. Banco de Dados do CESOP/Unicamp.

    Esse perodo recente acolheu ondas importantes de mobilizao eleitoral que, inclusive, transformaram o perfil socioeconmico da Cmara dos Deputados e deram ingresso a setores mais amplos da sociedade brasileira na elite governante (Rodrigues, 2006). Os avanos reais em direo ampliao da representao poltica parecem seguir, entretanto, na via inversa das percepes sobre o desempenho e a credibilidade institucional.

    Estudos sobre as bases da adeso democracia no Brasil indicam que esse cenrio cons-tante de insatisfao e desconfiana dos cidados com as instituies representativas um fator central para balizar os posicionamentos crticos com relao ao funcionamento do sistema, mas no afeta de forma significativa a crescente preferncia pelo regime democrtico (Meneguello, 2007; Moiss, 2008).

    Sabemos que, apesar do regular funcionamento do Congresso e dos partidos em todos os perodos ilustrados, a ideia geral dos cidados brasileiros sobre o processo de democratizao

  • 33O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    est muito mais fortemente associada ao papel das eleies e ao processo de escolha, do que aos construtos institucionais que caracterizam a arena representativa.

    Os dados apresentados explicitam que as percepes pblicas negativas com relao ao parlamento e aos partidos brasileiros so continuidades histricas, e o paradoxo da convivn-cia entre mecanismos fortalecidos de funcionamento democrtico e altos nveis de insatisfao com as instituies representativas um fenmeno complexo a ser analisado.

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  • 35O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    O Senado nos editoriais dos jornais paulistas1

    Fernando Antnio Azevedo2

    Vera Lcia Michalany Chaia3

    Jornalismo poltico e democracia

    A cobertura jornalstica das atividades polticas o embate partidrio e eleitoral e as ativi-dades do governo e do Legislativo fundamental para as democracias contemporneas. Pela sua magnitude demogrfica, as democracias representativas do sculo XXI so basicamente de massa, nas quais os cidados acompanham o jogo poltico por meio da mdia de massa, ou seja, a TV (aberta e a cabo), o rdio, a grande imprensa escrita (jornais e revistas) e, mais recentemente, os grandes provedores e sites da Internet. Embora no seja a nica fonte de informao poltica (h os livros, a conversao, os debates em associaes e sindicatos, etc.), principalmente pela mdia de massa que hoje o indivduo se conecta com a esfera poltica e busca as informaes necessrias para intervir no debate pblico e escolher governos e representantes polticos. Neste contexto, frequentemente descrito como uma democracia de pblico4 (Manin, 1995), a quali-dade do debate pblico e da deliberao poltica depende, antes de qualquer outra coisa, de dois requisitos bsicos: a visibilidade (que implica o processo de publicizao) da sociedade poltica (entendida aqui como o Estado e seus aparatos polticos, governo, Legislativo e partidos), e, no plano da sociedade civil, o livre acesso do cidado s informaes polticas, o que significa a exis-

    1 Este artigo resultado de reflexes realizadas ao longo de 2004, desenvolvidas no mbito do convnio entre o Interlegis e o CESOP Centro de Estudos de Opinio Pblica da Universidade de Campinas. O material foi revisado em 2009, pela autora.2 Professor do Departamento de Cincia Poltica, UFS-Car.3 Professora do Departamento de Polticas, PUC-SP. 4 O autor usa a expresso democracia de pblico em oposio expresso democracia de partido. Esta lti-ma, tipicamente presente em alguns pases europeus nos anos 50 e 60, baseia-se na centralidade dos partidos no sistema poltico, no voto partidrio e na existncia de polticas de classe. J a democracia de pblico definida pela forte centralidade da mdia, pela tendncia individualizao e personalizao da poltica (em detrimento das estratgias partidrias e dos princpios programticos), pelo crescimento de um eleitorado sem vnculo ou fidelidade partidria e pela volatilidade do voto. Grosso modo, essas novas caractersticas seriam decorrentes do declnio da poltica ideolgica e do crescimento da influncia da mdia de massa na formao da opinio pblica, especialmente a TV.

  • 36 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    tncia de uma dupla garantia a liberdade de imprensa e a representao na mdia das principais correntes de opinies.

    Alm desses requisitos, o contedo e a forma das coberturas polticas dependem em larga medida da cultura poltica e jornalstica e do formato das instituies polticas de cada pas. Em pases onde a poltica passou por um processo de ideologizao (como a Frana e a Itlia at os anos 70), predominou, em grande parte do tempo, uma combativa e mltipla imprensa de opinio: os grupos polticos mais importantes editavam seus prprios jornais para divulgar e de-fender seus pontos de vista. Em outras naes, de forte tradio social-democrata, como os pases nrdicos, a grande imprensa convive com um Estado que financia jornais de grupos polticos e sociais minoritrios, com o objetivo de assegurar a pluralidade de opinio na sociedade. Nos Estados Unidos, onde desde cedo predominou a imprensa comercial (e, portanto, a tenso entre interesses privados e pblicos), a cobertura poltica sempre foi primariamente dependente do n-vel de competio entre os jornais e do grau de adeso aos princpios deontolgicos (construdos no processo coletivo de profissionalizao dos jornalistas) e da aceitao de teorias jornalsticas, como a liberal, a da responsabilidade social e do jornalismo cvico. Por sua vez, o formato insti-tucional e poltico predominante num pas como o regime de governo (presidencial ou parla-mentar), o sistema partidrio (bipartidrio ou multipartidrio) e o nvel de competio (eleies polarizadas ou no) influencia o foco e a intensidade das coberturas polticas. de se esperar, por exemplo, que, no presidencialismo, a imprensa privilegie a cobertura do Executivo e da figura presidencial, enquanto, no parlamentarismo, a ateno seja deslocada para a atividade parlamen-tar. Entretanto, bastante bvio que a imprensa aumenta sua cobertura poltica quando a com-petio eleitoral polarizada, como aconteceu nas eleies norte-americanas de 2004. Por fim, evidente que a dimenso cultural desempenha um papel importante na orientao mais geral das coberturas polticas: em contextos em que os valores cvicos so fortes e positivos (como a defesa dos valores democrticos e da participao poltica), a cobertura jornalstica tende a acompanhar e reforar os mesmos valores.

    Imprensa e cobertura do Legislativo: uma breve reviso

    A literatura internacional confirma que, nos regimes presidencialistas que aqui nos inte-ressam diretamente para efeitos de anlise e comparao, a cobertura poltica privilegia a arena executiva e, nela, especificamente a Presidncia e a figura presidencial. Essa tendncia par-ticularmente visvel nos Estados Unidos e parece ter-se aprofundado ao longo do sculo XX, conforme indicam diversas pesquisas citadas por Wladimir Lombardi Jorge (2003:12). Uma das explicaes correntes atribui o aumento da cobertura presidencial em detrimento do Legislativo ao fato de que a figura do presidente personaliza o poder, enquanto no Congresso o jogo poltico diludo entre vrios atores coletivos (partidos) e individuais (polticos). Outras pesquisas citadas pelo autor (2003-13) mostram tambm que a cobertura do Congresso norte-americano apresen-

  • 37O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    ta assimetrias no que se refere ateno da mdia com as duas casas legislativas: o Senado, quando confrontado com a Cmara, recebe usualmente maior ateno, tanto da mdia impressa como da eletrnica. Uma das explicaes para esse comportamento a magnitude do corpo Legislativo, ou seja, o fato de o Senado ser uma casa com menos membros e com polticos mais antigos e conhecidos facilitaria a individualizao da cobertura.

    O Congresso norte-americano, alm da menor visibilidade, possui uma imagem muito mais negativa do que o Poder Executivo. A mdia nos Estados Unidos frequentemente descreve o Congresso como uma instituio lenta, conflituosa, incompetente e corrupta (Jorge, 2003:14). Esse enquadramento negativo, contudo, no parece ser uma exclusividade daquele pas e nem uma viso restrita mdia. Diversas pesquisas realizadas sobre a imagem do Parlamento mostram que tanto a imprensa quanto o eleitor costumam ser muito crticos em relao aos seus Legisla-tivos e aos polticos de um modo geral. Uma pesquisa Gallup5 realizada em 2004, envolvendo 50.000 entrevistados em todos os continentes, mostrou que 46% dos europeus, 50% dos norte--americanos, 82% dos africanos e 87% dos latino-americanos (dos quais 80% dos brasileiros) no confiam em seus polticos. Essa avaliao negativa, embora diga respeito especificamente figura do poltico profissional, termina sendo transferida em parte para a instituio legislativa, pois o Parlamento uma das arenas mais visveis da atuao poltica. Por sua vez os gatekeepers6, alegando critrios de noticiabilidade, de um modo geral preferem publicar ou veicular matrias negativas (escndalos, corrupo, polmicas, disputas partidrias e individuais) que terminam projetando uma imagem caricatural em detrimento de informaes mais tcnicas ou rotineiras sobre o processo legislativo. O resultado dessa deciso editorial um provvel efeito de agenda--setting7, com a agenda da mdia formatando a agenda do pblico e vice-versa, num efeito circular que tende a reforar e sedimentar esteretipos e preconceitos contra a atividade parla-mentar.

    Comparando o jornalismo poltico brasileiro com o norte-americano, podem ser feitas trs afirmaes preliminares todas apontando fortes similaridades: devido ao nosso presidencialis-mo forte (que divide com o Congresso a prerrogativa de propor leis, alm de poder editar medida provisria), que faz do presidente a figura central do sistema poltico, a cobertura jornalstica, tanto na imprensa escrita quanto na eletrnica, tem como foco principal o Poder Executivo (Presidncia e ministrios); na cobertura legislativa, a imprensa tem como foco predominante os membros do Congresso, relegando ao segundo plano a instituio; e a imprensa, ao enquadrar de forma negativa os membros do Congresso, termina, por extenso, enquadrando negativamente a prpria instituio.

    5 Voice of the People Survey 2004, survey financiado pelo Frum Econmico Mundial.6 Editores que definem a pauta jornalstica e selecionam as notcias que sero publicadas ou veiculadas.7 Sobre o efeito agenda-setting, ver Azevedo (2004).

  • 38 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Embora a maioria dos analistas polticos e estudiosos da relao entre mdia e poltica no Brasil8 concorde plenamente com as afirmaes anteriores, apenas alguns poucos estudos e pes-quisas as confirmam com dados empricos consistentes. Devem ser citadas, pela conexo direta com o tema aqui explorado, a obra de Vera Chaia (2004), que examina o relacionamento entre a imprensa e a Cmara Municipal de So Paulo nas Legislaturas de 1989-92 e 1993-96, nos go-vernos de Luiza Erundina e Paulo Maluf; a pesquisa de Malena Rehbein Rodrigues (1997), que analisa a relao entre a mdia e o Congresso Nacional a partir da perspectiva da agenda-setting e discute o duplo papel que a imprensa desempenha, de fonte de informaes polticas e de veculo de grupo de presses; e a pesquisa de Ana Lcia C. R. Novelli (1999), que observou a cobertura de jornais e revistas sobre a 50a Legislatura (1995-1998) do Congresso Nacional para constatar que a avaliao negativa dos polticos entre a mdia e o eleitor contamina diretamente a imagem da instituio.

    Um dos trabalhos mais importantes sobre a relao mdia e Legislativo no Brasil o do j citado Wladimir Lombardi Jorge (2003) que examinou o padro de cobertura sobre o Congresso Nacional realizada pelos principais jornais nacionais (Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo e JB) entre 1985 e 1990. Como vrios de seus achados ajudam a tipificar o padro de relao entre a mdia e o Legislativo no caso brasileiro e mostram tendncias ainda observveis no perodo focado por este artigo, julgamos importante reproduzir alguns dados do trabalho citado, at porque eles so relevantes inclusive para reforar a anlise que desenvolvemos mais adiante.

    Um primeiro ponto a ser destacado a observao de Jorge de que o Congresso s recebeu maior ateno da mdia em relao ao Executivo apenas durante o perodo constituinte, mas mesmo assim a nfase da cobertura se restringiu basicamente em torno dos membros do Con-gresso em detrimento da instituio (Tabela 1).

    Tabela 1. Distribuio da cobertura jornalstica do Congresso Nacional, segundo foco da notcia

    1985-1990 (%)

    Fonte: Jorge, Wladimir Lombardo (2003: 86).

    8 Ver, sobre a literatura referente mdia e poltica no Brasil, Azevedo e Rubim (1997).

    Foco da notcia

    Semestre/AnoTotal2o

    19851o

    19861o

    19872o

    19871o

    19882o

    19881o

    19891o

    1990

    Instituio 32 42 22 10 17 14 27 22 22

    Membros 61 42 69 79 71 79 67 66 68

    Outros 7 15 9 12 12 8 6 12 10

    Total 100 100 100 100,0 100 100 100 100 100

    Nos Absolutos 249 205 451 400 449 240 278 251 2.523

  • 39O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Foco da notcia Total

    CPI 3

    Plenrio 27

    Subcomisso 2

    Comisso 10

    Outros 58

    Total 100

    Nos Absolutos 2.523

    O autor mostra tambm que a imprensa, alm de focar predominantemente os membros do Congresso em detrimento da instituio, cobre apenas secundariamente as atividades legisla-tivas tpicas, como o trabalho das comisses e subcomisses e mesmo as atividades desenvolvidas em plenrio pelos deputados e senadores (Tabela 2).

    Tabela 2. Distribuio da cobertura jornalstica do Congresso Nacional, segundo foco da notcia

    1985/1990 (%)

    Fonte: Tabela adaptada de Jorge, Wladimir Lombardo (2003: 89).

    Por sua vez, como indica a Tabela 3, as notcias institucionais, ou seja, aquelas referentes diretamente ao funcionamento interno do Congresso, so majoritariamente negativas quando comparadas aos demais temas, nos quais predominam as matrias neutras.

    Tabela 3. Distribuio da cobertura jornalstica do Congresso Nacional,

    por teor da notcia, segundo temas 1985/1990 (%)

    (*) Incluem todas as notcias cuja frequncia do tema de 1% ou menos.Fonte: Jorge, Wladimir Lombardo (2003: 145).

    Por fim, e reforando a hiptese de Ana Lcia C. R. Novelli, citada anteriormente, Jorge enfatiza o fato de que a avaliao negativa da instituio decorre, basicamente, das notcias e dos comentrios crticos sobre a atuao individual dos parlamentares, como a presena do parlamen-tar, violao de normas e nepotismo (Tabela 4).

    TemasTeor da notcia

    TotalNos

    AbsolutosNegativo Neutro Positivo

    Poltico 13 82 5 100 1.248

    Econmico 11 82 7 100 717

    Institucional 72 20 7 100 312

    Sindical 2 95 2 100 129

    Outros(*) 15 78 7 100 117

    Total 18 75 6 100 2.523

  • 40 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Tabela 4. Distribuio da cobertura jornalstica do Congresso Nacional, segundo grupos de assunto (%)

    Fonte: Jorge, Wladimir Lombardo (2003: 145).

    Em sntese, os dados da pesquisa de Jorge reproduzidos aqui mostram de forma clara que a cobertura do Congresso brasileiro obedece a um padro que tem vrios pontos em comum com o caso norte-americano, como a forte individualizao da cobertura e a viso negativa do desempenho da instituio construda a partir das crticas atuao individual dos parlamenta-res. Tambm, como no caso norte-americano, a imprensa omite ou relega ao segundo plano as informaes sobre a rotina do trabalho Legislativo nas comisses e subcomisses e at mesmo a atividade desenvolvida no plenrio das duas casas deliberativas.

    Finalmente, devem ser mencionadas, nesta breve reviso da literatura, as pesquisas de-senvolvidas por Argelina Figueiredo e Fernando Limongi (1999) sobre a relao entre o Execu-tivo e o Legislativo que mostram que, sob a Constituio de 1988, o Executivo se constituiu no principal legislador de jure e de fato. Segundo os autores, alteraes constitucionais intro-duzidas ainda durante o regime militar transformaram o Poder Executivo na principal fonte de iniciativa legislativa e boa parte dessas prerrogativas foi preservada aps a redemocratizao e a promulgao da Carta de 1988. Numa breve reviso da relao entre o Executivo e o Legis-lativo, os autores lembram que: Na vigncia da Constituio de 1946, as leis de iniciativa do Executivo corresponderam a 43% do total de leis do perodo, participao que aumentou para 89% no perodo militar. Aps a Constituio de 1988, manteve-se o padro do regime militar: a mdia de leis do Executivo atinge 85% (Figueiredo e Limongi, 1999:49).

    Esses dados indicam que boa parte da agenda do processo legislativo provm, na ver-dade, do Poder Executivo, uma vez que este mantm a prerrogativa de propor projetos de leis, emitir medidas provisrias e solicitar urgncia para a tramitao de seus projetos. Neste sentido, e diferentemente do caso norte-americano, o Congresso brasileiro atua em moldes similares queles encontrados em regimes parlamentaristas, pois, para ver suas iniciativas apro-vadas, o chefe do Executivo distribui as pastas ministeriais com o objetivo de obter apoio da maioria dos legisladores (Figueiredo e Limongi, 1999:13). Justamente por conta dessas

    Grupos de assuntos Total

    Trabalho dos Legisladores 77

    Comparecimento 75

    Outros 2

    Violar Normas 12

    Uso do Emprego Pblico 9

    Outros 2

    Total 100

    Nos Absolutos 226

  • 41O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    caractersticas e da fragmentao partidria, que o presidencialismo brasileiro caracterizado como um presidencialismo de coalizao (Abranches, 1988), no qual o chefe do Executivo, a cada incio de mandato, procura montar uma coalizao partidria que lhe d maioria e controle do Congresso. Portanto, em nosso sistema poltico, a relao entre o Executivo e o Legislativo seria pontuada pelo predomnio do Executivo e por uma lgica parlamentarista em que os partidos importam, ao contrrio do que defende a corrente que v um predomnio das estratgias individualistas no Congresso. Assim, essas caractersticas especficas que tipificariam nosso caso so variveis importantes e devem ser levadas em conta na anlise da imagem do Congresso produzida pela mdia.

    O Senado e os editoriais na imprensa paulista

    A noo de uma imprensa livre, que vigia o poder e defende o cidado e, por extenso, a democracia, inspirou a analogia da imprensa como o Quarto Poder, expresso cunhada na Inglaterra no sculo XIX. A ideia da imprensa como um atento co de guarda (e s vezes, mo-tivado pelo jornalismo investigativo, como um verdadeiro co de ataque) materializa-se por excelncia nas pginas de opinio dos jornais, onde os artigos e as colunas assinadas debatem os temas mais candentes do momento e o editorial define a posio do jornal diante das questes pblicas. Deste modo, as pginas opinativas constituem fontes importantes para se apreender e analisar o interesse temtico e as formas de enquadramento adotadas pelos jornais em suas abor-dagens sobre o funcionamento das instituies polticas.

    O jornalismo opinativo pressupe expressar a opinio dos meios de comunicao. Esse gnero significa que o discurso editorial baseado em comentrios, avaliaes e opinies sobre determinada temtica. Na avaliao de Pedro Celso Campo (01/05/2002), os editoriais podem, legitimamente, esclarecer, ilustrar opinies, induzir a aes e at entreter. O editorial institu-cional. o pensamento oficial do jornal (...) O pblico ao qual se dirige o definidor do estilo do editorial, mas no do seu contedo. Acredita-se que apenas 5% do universo de leitores de um jornal leiam o editorial do dia. um pblico pequeno, mas exigente. Por sua vez, Snia de Bri-to, em seu trabalho a argumentao e a perlocuo no discurso jornalstico: o editorial (1994), afirma que a finalidade do editorial dirigir a opinio pblica persuadindo atravs de exortao, apelo, aviso, palavra de ordem ou constatao dos fatos (...) O editorial moderno no apenas opinio. Inclui anlise e clarificao: expe, interpreta, esclarece, analisa padres e significados da catica mistura de acontecimentos dirios (Campo, 01/05/2002).

    neste sentido que podem ser compreendidos os editoriais dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. So jornais regionais e nacionais, com um pblico-alvo composto pelos formadores de opinio pertencentes classe mdia alta e aos setores empresariais. O perodo de anlise dos editoriais desses dois jornais delimitado pela legislatura 2003-2006 e abrange todos os editoriais publicados entre janeiro de 2003 e outubro de 2004. O enquadramento temtico

  • 42 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    do material consultado foi realizado a partir de trs categorias, todas elas usadas na anlise do material da Folha de S. Paulo e a primeira dela, por razes que mais adiante sero explicadas, no caso de O Estado de S. Paulo:

    relacionamento Executivo/Senado: nesta categoria esto includos os editoriais referentes ao relacionamento entre o Executivo e o Legislativo, envolvendo a Presidncia da Repblica, Ministrios, rgos governamentais e o Senado, bem como as medidas provisrias e projetos de leis oriundos do Executivo e as iniciativas e programas do governo Federal discutidos no Senado Federal;

    funcionamento do Senado: esta categoria cobre os editoriais com foco nas questes in-ternas e as atividades tpicas do Senado, abrangendo assuntos como articulao e negociao poltica entre bancadas e parlamentares, atividades das comisses, subcomisses e mesa diretora, tramitao de projetos oriundos do Legislativo e o desempenho dos senadores;

    outros editoriais: todos os outros editoriais que no se enquadram em nenhuma das duas categorias anteriores.

    Alm dessas categoriais, cada editorial foi classificado de acordo com seu teor (positivo, negativo ou neutro) em relao imagem do Senado.

    Os editoriais do jornal Folha de S. Paulo

    A Folha de S. Paulo que reivindica para si o papel de co de guarda que fiscaliza o poder sem rabo preso (expresso usada numa de suas campanhas publicitrias) publica trs editoriais diariamente na pgina A-2, ao lado dos colunistas e articulistas mais prestigiosos do jornal. O levantamento dos temas-alvos de todos editoriais publicados em 2003 e 2004 pelo jor-nal revela que o Senado foi pouco comentado pelos editoriais. Por exemplo, em 2003, dos 1.095 editoriais publicados, apenas 27 (2,5%) abordavam direta ou indiretamente o Senado. Em 2004 o percentual tambm girava em torno dos 3%. Os principais temas nos editoriais tratavam de assuntos relacionados ao do Executivo, especialmente a Presidncia e os ministrios, e ao fun-cionamento do Congresso Nacional, da Cmara dos Deputados e, finalmente, do Senado. Por-tanto, o Senado no tem, no Brasil, a mesma visibilidade encontrada no caso norte-americano.

    Mesmo os editorais dedicados ao Senado envolvem de alguma maneira questes conexas com o Poder Executivo, como se pode constatar na Tabela 5:

  • 43O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Categorias2003 2004 Total

    Nos Absolutos

    %Nos

    Absolutos%

    Nos Absolutos

    %

    Relacionamento Executivo/Senado

    9 33 9 37 18 35

    Funcionamento do Senado 10 37 12 50 22 43

    Outros 8 30 3 13 11 22

    Total 27 100 102 100 51 100

    Tabela 5. Distribuio dos editoriais sobre o Senado publicados

    pela Folha de S. Paulo, segundo categorias 2003-2004

    Sem dvida, como j mencionado anteriormente, isso se deve ao fato de o Executivo possuir iniciativa legislativa e capacidade de legislar por medida provisria. Como lembra Jorge (2003), boa parte das leis aprovadas no Congresso Nacional oriunda do governo, o que significa que o Executivo tem um razovel controle sobre a agenda do Congresso. Dentro dessas condi-es, perfeitamente esperado que a imprensa, ao analisar o Congresso Nacional ou uma das suas casas, faa-o em grande parte a partir da sua conexo com o governo federal.

    De ponto de vista do teor das matrias, os editoriais so predominantemente negativos (Tabela 6), situao que se repete tambm no caso dos editoriais de O Estado de S. Paulo. Esse resultado apenas reitera a constatao feita no incio deste texto de que as notcias sobre o Le-gislativo federal recebem, na maior parte das vezes, um tratamento negativo por parte da mdia.

    Tabela 6. Distribuio dos editoriais sobre o Senado publicados pela

    Folha de S. Paulo, segundo teor das matrias 2003-2004

    A seguir, apresentam-se alguns textos selecionados do levantamento, com o objetivo de indicar os principais temas explorados ao longo de 2003 e 2004 e mostrar como a imagem do Se-nado e de um modo mais amplo do prprio Congresso Nacional construda pelos editoriais.

    Teor das matrias2003 2004 Total

    Nos Absolutos

    %Nos

    Absolutos%

    Nos Absolutos

    %

    Positivo 5 19 7 29 12 24

    Negativo 13 48 10 42 23 45

    Neutro 9 33 7 29 16 31

    Total 27 100 24 100 51 100

  • 44 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    Entre os principais temas explorados pela Folha de S. Paulo sobre a relao entre o Execu-tivo e o Legislativo, esto as reformas previdencirias, tributria e da Justia, a questo da gover-nabilidade do PT e o uso das medidas provisrias por parte do governo Lula.

    Sobre a primeira questo (a das reformas), a Folha de S. Paulo, como a maioria da grande imprensa nacional, posicionou-se a favor (como j tinha feito durante o governo FHC), sendo que os editoriais publicados eram sempre no sentido de cobrar, da parte do Congresso Nacional, a agilidade na aprovao dos projetos reformistas. Entretanto, o jornal considera as reformas, especialmente a tributria, como empreendimentos parciais e incompletos.

    O presidente Luiz Incio Lula da Silva tem o que comemorar com a votao em segundo turno pelo Senado das emendas que introduzem mudanas nas reas previdenciria e tributria. O governo de fato deu passos frente. um exagero, no entanto, falar na existncia de uma reforma tributria. Nada semelhante a isso ocorreu. O que se votou foi uma fatia de uma colcha de retalhos tributria justa-mente aquela que assegura ao governo um mnimo de conforto fiscal at 2007.(Pela metade. Folha de S. Paulo, 19/12/2003, p. A-2).

    Em relao ao tema da governabilidade, os editoriais comentavam as dificuldades advindas da fragmentao partidria no Congresso e os desafios que isso implica para o governo petista, que necessita montar e consolidar uma maioria parlamentar estvel para aprovar seus projetos. O tema da governabilidade quase sempre foi abordado em conexo com as prticas polticas do Legislativo federal e de suas duas casas deliberativas. Em editorial que discutia a reforma poltica e as prticas fisiolgicas do Congresso, outro tema recorrente nas pginas de opinio do jornal, o editorialista afirmou que:

    Mtodos heterodoxos (...) tm sido utilizados com freqncia alarmante na poltica brasileira. Desde o incio da redemocratizao, Cmara e Senado so palcos de nebulosas transaes envolvendo troca de votos por cargos, por libe-rao de verbas oramentrias e, at mesmo, por outras formas mais sonantes de retribuio. Esse vergonhoso mercado poltico j propiciou uma srie de escndalos, que serviu para alertar e despertar a indignao da opinio pblica. No se pode dizer, no entanto, que as presses advindas da revelao de casos acintosos tenham mudado substancialmente os usos e costumes da poltica na-cional ainda que os possam ter revestido de tonalidades menos gritantes. O Partido dos Trabalhadores foi desde o incio um dos agentes renovadores da cultura poltica brasileira, impondo rgidas normas internas e contribuindo para elevar o grau de transparncia das negociaes congressuais. Isso no sig-nifica, no entanto, que, uma vez no poder, o PT no passe a fazer concesses realistas diante da necessidade de conquistar votos e apoios. Tambm a gesto

  • 45O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    de Fernando Henrique Cardoso foi antecedida de expectativas quanto mora-lizao de procedimentos, fundadas no discurso e no histrico de muitos dos membros do PSDB. No obstante a realidade repeliu as esperanas iniciais, como atestaram as escaramuas para aprovar a emenda da reeleio. (PT He-terodoxo. Folha de S. Paulo, 28/09/2003, p. A-2).

    Esse trecho do editorial resume a viso crtica com que, de um modo geral, a imprensa brasileira avalia os usos e costumes polticos no Congresso Nacional. Frequentemente os jornais e as revistas semanais, como Veja, acusam tanto os deputados quanto os senadores de prticas fisiolgicas na sua relao com o Executivo e lamentam que a atual lei que regula a atividade dos partidos no coba a infidelidade partidria e a troca de legenda. A passagem mostrada a seguir tpica e exemplifica bem os argumentos usados pela imprensa na defesa da reforma poltica.

    Dados levantados pela Folha revelam que a infidelidade partidria bater recor-des at o prximo dia 3, quando extingue-se o prazo para mudana de partidos. Esse verdadeiro efeito manada em busca da sombra e das benesses do poder tem sido administrado de forma engenhosa pelo partido governista. Convenien-temente, no o PT o principal receptor das novas adeses, e sim as legendas aliadas, que vo sendo, dessa forma, como que terceirizadas para fazer o servio.Tudo isso deixa patente a necessidade de que a constantemente lembrada, mas sempre adiada, reforma poltica venha a ocupar as atenes do pas. Novas regras precisam ser estabelecidas para que o comrcio de votos e a vergonhosa desero partidria motivada por interesses de ocasio possam ser coibidos. Difcil esperar que os atores e beneficirios desse lamentvel espetculo venham a tomar a iniciati-va de mud-lo. (PT Heterodoxo. Folha de S. Paulo, 28/09/2003, p. A-2).

    Finalmente, quanto s medidas provisrias, o tom adotado nos editoriais de crtica ao abuso dessa prerrogativa constitucional por parte do governo federal. Nesse caso, o jornal assu-miu a perspectiva do Senado e do Congresso Nacional e pregou a limitao do uso das medidas provisrias.

    H pouco tempo, os presidentes das duas Casas do Congresso Nacional am-bos aliados do governo federal queixaram-se do excesso de medidas provisrias, que estaria congestionando a pauta e dificultando os trabalhos. Agora foi a vez do ministro da Coordenao Poltica, Aldo Rebelo (PC do B-SP), reconhecer que o governo tem exagerado na edio de MPs. A utilizao em grande escala desse dispositivo no novidade na poltica bra-sileira. As MPs constituem um recurso eficaz para que o Executivo possa impor

  • 46 O LEGISLATIVO BRASILEIRO: FUNCIONAMENTO, COMPOSIO E OPINIO PBLICA

    suas prioridades agenda do Congresso. Por isso mesmo, durante a era Fernando Henrique Cardoso o recurso abusivo a esse mecanismo foi repetidamente critica-do pelos partidos de oposio. O que chama ateno nas declaraes de Rebelo que o partido do atual governo sempre esteve entre os crticos mais incisivos e contumazes dessa prtica. Nos 24 meses iniciais de seu mandato, FHC publicou 71