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Formação trabalho e aprendizagem , Tradição e inovação nas práticas docentes João Formosinho • Joaquim Machado • Elza Mesquita EDIÇÕES SÍLABO Formação, trabalho e aprendizagem

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Este livro debruça-se sobre a relação entre a formação, o trabalho

e a aprendizagem profissional, pondo em evidência a tensão

entre uma tradição escolar, construída enquanto instituição de

ensino coletivo, e a procura de inovação nas práticas docentes,

reduzidas frequentemente a normas de uma pedagogia burocrá-

tica que privilegia a pedagogia da transmissão em detrimento da

pedagogia da participação e da descoberta. Representa, assim,

uma contribuição sobre o modo de aprender, o modo de inte-

ragir e o modo de colaborar.

João Formosinho

Joaquim Machado

Elza Mesquita

é professor catedrático aposentado da Universidade do Minho e

professor convidado da Universidade Católica Portuguesa. Foi Presidente do Conselho

Científico-Pedagógico da Formação Contínua de Professores. Tem publicações nas áreas

da formação de professores, administração educacional, currículo e educação básica.

é professor convidado da Universidade Católica Portuguesa. Tem

publicações nas áreas da utopia e do imaginário educacional, das políticas educativas, da

formação de professores, da pedagogia e da organização e administração de escolas.

é professora adjunta do Instituto Politécnico de Bragança. Tem publica-

ções nas áreas da formação de professores, da supervisão pedagógica e da literatura para

a infância.

Formação

trabalho e

aprendizagem

,

Tradição e inovação

nas práticas docentes

João Formosinho • Joaquim Machado • Elza Mesquita

EDIÇÕES SÍLABO

Formação, trabalho

e aprendizagem

Tradição e inovação nas práticas docentes

Fo

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ISBN 978-972-618-792-9

9 789726 187929

496

FORMAÇÃO,

TRABALHO E

APRENDIZAGEM

Tradição e Inovação

nas Práticas Docentes

JOÃO FORMOSINHO

JOAQUIM MACHADO

ELZA MESQUITA

EDIÇÕES SÍLABO

É expressamente proibido reproduzir, no todo ou em parte, sob qualquer forma

ou meio, NOMEADAMENTE FOTOCÓPIA, esta obra. As transgressões

serão passíveis das penalizações previstas na legislação em vigor.

Visite a Sílabo na rede

www.silabo.pt

Editor: Manuel Robalo

FICHA TÉCNICA

Título: Formação, Trabalho e Aprendizagem

– Tradição e Inovação nas Práticas Docentes

Autores: João Formosinho, Joaquim Machado, Elza Mesquita

Capa: Ana Pereira

1ª Edição – Lisboa, fevereiro de 2015.

Impressão e acabamentos: Europress, Lda.

Depósito Legal: 388327/15

ISBN: 978-972-618-792-9

EDIÇÕES SÍLABO, LDA.

R. Cidade de Manchester, 2

1170-100 Lisboa

Telf.: 218130345

Fax: 218166719

e-mail: [email protected]

www.silabo.pt

Índice

Prefácio

Do modo de aprender ao modo de colaborar

– Para uma pedagogia da colaboração docente

JÚL I A OL I V E I RA - FOR MO SI NHO

Os modos de aprender 9 Aprender a interagir é parte da aprendizagem profissional 11 Aprender a colaborar é essencial para o sucesso da ação docente 12

Introdução 13

Capítulo 1

Formação inicial, profissão docente e competências

para a docência – A visão dos futuros professores

E L Z A M E SQ UI T A

Introdução 19 Formação inicial de professores 21 Profissão docente 25 Competências docentes 27 Representações sobre a formação inicial de professores 31

Representações sobre a profissão docente 33 Representações sobre as competências necessárias ao exercício profissional 36 Considerações finais 39

Capítulo 2

Individualismo e colaboração dos professores

em situação de formação

E L Z A M E SQ UI T A • J OÃ O F OR M O SI N HO • JO AQ UI M M ACH A D O

Introdução 43 Desenvolvimento 45 Análise de resultados 51 Conclusão 55

Capítulo 3

Docência e integração na educação básica

em Portugal

E L Z A M E SQ UI T A • J OÃ O F OR M O SI N HO • JO AQ UI M M ACH A D O

Introdução 57 Antecedentes do estudo 59 Questões e objetivos do estudo 60 Referencial teórico 61

Desafios educativos do século XXI 61 Persistência prática da pedagogia da transmissão 66 Pedagogia da participação versus pedagogia da transmissão 67

A emergência da diferença: mudança dos ritmos, espaços e tempos pedagógicos, dos processos e produtos de aprendizagem 71

Pressupostos metodológicos 75 Resultados preliminares 78 Conclusão 81

Capítulo 4

Formação e trabalho – Tradição e inovação

nas práticas docentes

E L Z A M E SQ UI T A • J OÃ O F OR M O SI N HO • JO AQ UI M M ACH A D O

Introdução 83 Formação e mudança 86 Trabalho docente: a necessidade de mudança na cultura profissional 87 Metodologia 93 Resultados 94 Considerações finais 100

Capítulo 5

Escola, trabalho e aprendizagem – Entre a retórica

da colegialidade e a socialização num padrão

de trabalho fragmentado

J O Ã O F O R MO S I N HO • J O A Q U I M MA C H A DO

Introdução 103 Padrão de trabalho e colaboração docente 104 Re-estruturação da escola e equipas educativas 106

Criação de equipas de ano 109 A unidade ano e a articulação do trabalho dos professores 112 Clima de trabalho e desenvolvimento dos professores 116

Referências bibliográficas 119

Prefácio

Do modo de aprender

ao modo de colaborar

Para uma pedagogia da colaboração docente

JÚLIA OL IVE IRA-FORMOSINHO

Os modos de aprender

Processa-se na sociedade um debate entre a conceção de

cultura como reprodução e a conceção de cultura como recria-

ção. Assim, no desenvolver deste exercício encontramos a cul-

tura, como realidade dinâmica, a confrontar-se com essa defini-

ção do que é conhecimento e o processo de o construir.

A pedagogia da transmissão que se centra na lógica dos

saberes, no conhecimento que quer veicular, resolve a comple-

xidade do ato educativo através da escolha unidirecional dos

saberes a transmitir e da delimitação do modo e dos tempos

para fazer essa transmissão, tornando neutras as dimensões que

contextualizam esse ato de transmitir. Ele representa um pro-

cesso de simplificação centrado na regulação e controlo de prá-

ticas desligadas da interação com outros polos, de uma resposta

à ambiguidade através da definição artificial de fronteiras e de

respostas tipificadas pelos regulamentos. A obsessão com os

exames faz parte desse processo de simplificação.

Daí que este seja o modo pedagógico congruente com o

modo organizacional baseado na burocracia, pois esta é baseada

na simplificação do juízo que fundamenta a ação, na pré-decisão

no centro da ação que vai ser desenvolvida na periferia (Formo-

sinho & Machado, 2008).

A persistência e resistência do modo transmissivo são expli-

cadas pela simplicidade, previsibilidade e segurança da sua con-

cretização.

As pedagogias da participação centram-se na integra-

ção das crenças e dos saberes, da teoria e da prática, da ação e

dos valores. As pedagogias participativas respeitam a complexi-

dade do ato educativo. Parte dessa complexidade resulta da

integração de saberes, práticas e crenças se fazer quer no espaço

da ação e reflexão, quer no espaço da produção de narrativas

sobre o fazer e para o fazer.

As pedagogias da participação centram-se nos atores que

constroem o conhecimento para que participem progressiva-

mente no desenvolvimento do processo educativo. As pedago-

gias da participação realizam um diálogo constante entre a

intencionalidade conhecida para o ato educativo e o seu desen-

volvimento com os atores nos diferentes contextos. Os professo-

res e os alunos são considerados não como meros executores de

uma pedagogia previamente prescrita, mas antes como atores,

porque são pensados como ativos, competentes e com direito a

co-definir o itinerário do projeto de apropriação da cultura que

chamamos educação.

A interatividade entre saberes, práticas e crenças é cons-

truída por estes atores na construção do seu itinerário de

aprendizagem, mas em interação com os seus contextos de vida

e com os contextos de ação pedagógica. Assim, a interdepen-

dência entre os atores e os ambientes faz das pedagogias da

participação espaços complexos onde lidar com a ambiguidade,

a emergência, o imprevisto se torna critério do fazer e de pensar.

A participação implica a escuta, o diálogo e a negociação, o

que representa um importante elemento de complexificação

deste modo pedagógico. Estas são características que fogem à

possibilidade de uma definição prévia total do ato de ensinar e

aprender exigindo a sua contextualização quotidiana.

Aprender a interagir é parte da aprendizagem profissional

Escutar, dialogar e negociar são parte de um processo de

interação que é essencial para o sucesso das pedagogias partici-

pativas. Aprender a interagir é um campo de ação complexa,

que implica níveis de integração, que se concretizam por avan-

ços e recuos mediante as situações que se apresentam no quoti-

diano educativo.

No âmbito da aprendizagem profissional, a competência de

ação, a vários níveis, tem a ver com uma integração e mobiliza-

ção que se faz com reflexão e é mais produtiva se for acompa-

nhada. Por isso a formação prática de qualquer professor exige

uma indução supervisionada ao exercício da docência, pois não

se passa, com facilidade, do saber ao saber fazer, dos conheci-

mentos ao conhecimento profissional prático e à ação profissio-

nal. São necessários processos experienciais longos e apoiados.

Nem o aplicacionismo reducionista da ação profissional a um

domínio científico nem o praticismo ou a afirmação exacerbada

do valor da prática (Formosinho, 2009; 2002b; 2001) podem

responder à complexidade da ação profissional.

Esta aprendizagem profissional deve visar sempre provocar

e melhorar as aprendizagens dos educandos. O desafio para a

construção do saber profissional prático ao nível da interação

educativa é, então, a tripla formação de ciclo de vida, onde a

formação inicial e continuada se integram, focalizadas no quoti-

diano profissional e monitorizando a relação entre o que é ensi-

nado e o que é aprendido.

Aprender a colaborar é essencial para o sucesso da ação docente

O processo educativo é um processo intrinsecamente com-

plexo, mas, a evolução acelerada da sociedade contemporânea

tem vindo a complexificá-lo cada vez mais. Na sociedade atual,

pós-industrial e pós-moderna, urbanizada e massificada, infor-

matizada e globalizada, imersa na mediatização da vida social e

na revolução da informação, quer a família quer a escola estão

cada vez mais desprotegidas e impreparadas para uma educação

completa das crianças.

A variedade de experiências adequadas à preparação das

crianças e jovens para a vivência na sociedade atual ultrapassa

largamente as possibilidades de um qualquer professor em

desempenho solitário.

A colaboração docente é um meio que permite lidar mais

adequadamente com essa complexidade, pois leva à partilha de

informações sobre contexto familiar de cada educando, sobre

sua personalidade e estilo de aprendizagem, sobre o progresso

nas várias unidade curriculares – é, assim, uma mais valia para

a ação docente numa escola para todos.

Este livro representa uma contribuição sobre estes temas: o

modo de aprender, o modo de interagir e o modo de colaborar.

Introdução

A abordagem da docência como uma profissão de desenvol-

vimento humano implica a sua consideração como prática social

e exige que o investigador considere o professor na sua relação

com o processo de ensino-aprendizagem, pela epistemologia da

prática que o grupo profissional põe em ação e pelo conheci-

mento prático que desenvolve no seu percurso profissional e no

processo continuado de formação e desenvolvimento profissio-

nal.

Na sua formação profissional importam as aprendizagens

realizadas no curso de formação inicial, mas também aquelas

que hauriu no exercício do ofício de aluno e na convivência com

os diferentes estilos postos em ação pelos seus professores.

Diversos estudos mostram a influência do modo de organi-

zação do trabalho na construção da identidade profissional e na

fixação das aprendizagens profissionais, bem como a necessi-

dade de pensar a mudança organizacional associando-lhe a

formação, donde emerge a conceptualização da formação cen-

trada nos contextos educativos e nas práticas profissionais.

Este livro reúne cinco capítulos que estudam a relação entre

a formação, o trabalho e a aprendizagem profissional, pondo

em evidência a tensão entre uma tradição escolar, construída

enquanto instituição de ensino coletivo, e a procura de inovação

nas práticas docentes, reduzidas frequentemente a normas de

uma pedagogia burocrática que privilegia a pedagogia da

14 Formação, Trabalho e Aprendizagem

transmissão em detrimento da pedagogia da participação e da

descoberta.

O modo tradicional de organização do processo de ensino-

-aprendizagem alicerça a ideia de ensino compartimentado ao

longo do dia, fazendo atribuir um professor a um grupo de alu-

nos – a turma – que aloca num determinado espaço escolar – a

sala de aula –, onde se transmitem blocos de conhecimentos

perfeitamente delimitados nos programas. Esta gramática

escolar privilegia um padrão de trabalho individual e isolado,

deixando para as margens o trabalho colaborativo e solidário.

No primeiro capítulo – intitulado Formação inicial, pro-

fissão docente e competências para a docência: a visão

dos futuros professores – investiga-se o que os futuros

professores pensam sobre a profissão docente e sobre as com-

petências necessárias ao exercício profissional e identificam-se

as suas perceções sobre os contributos da formação inicial

(curso de formação pré-Bolonha) na construção de competên-

cias profissionais. O estudo seguiu uma linha qualitativa e

recorreu a entrevistas semidiretivas para a recolha dos dados. A

análise de conteúdo releva a natureza multidimensional da pro-

fissão docente; as múltiplas competências pessoais/profissio-

nais necessárias ao exercício da docência, as fragilidades do

modelo de formação para dois ciclos de ensino e a fundamental

articulação entre os saberes teóricos e a prática profissional.

Na verdade, como referimos, a formação dos professores

resulta, não apenas da formação inicial, mas sobretudo da

socialização do aprendiz de professor enquanto aluno e da

socialização pelo trabalho e da interação com os pares. Por isso,

numa organização social como a escola, formar em contexto de

trabalho implica a produção de mudanças, não apenas na ação

individual, mas também na ação coletiva e no modo de pensar

essa ação. Implica, sobretudo, mudar o modo como as ações

Introdução 15

individuais se articulam entre si num quadro de interdependên-

cia cooperada entre os atores.

A uma lógica compartimentada, baseada numa cultura pro-

fissional individualista, contrapõe-se uma cultura participada e

colaborativa. As culturas de colaboração são dificultadas num

sistema escolar onde o currículo se situa numa lógica centrali-

zada e a docência se baseia quase somente na relação dos pro-

fessores com os seus alunos, não promovendo interações dos

professores entre si. A promoção do trabalho colaborativo

requer a passagem de uma cultura da homogeneidade para

uma cultura da diversidade, de uma cultura da subordinação

para uma cultura de autonomia e de uma cultura do isola-

mento para uma cultura da colaboração.

No segundo capítulo – intitulado Individualismo e cola-

boração dos professores em situação de formação –

destacam-se as relações que se estabelecem entre professores

no terreno, os seus formadores e coordenadores no âmbito de

Programas Nacionais de Formação Contínua, procurando com-

preender o significado do trabalho docente e da formação numa

perspetiva de colaboração.

O estabelecimento de um modelo de trabalho baseado na

perspetiva colaborativa com fins e interesses comuns implica

momentos de partilha de experiências e entreajuda entre pes-

soas, permite refletir sobre o que cada um faz e pensa e pressu-

põe a vontade de introduzir outras formas e outros métodos de

abordagem e de ação, sobretudo quando alicerçados em pro-

gramas de integração curricular e de cooperação profissional.

No terceiro capítulo – intitulado Docência e integração

na educação básica em Portugal – problematiza-se a rela-

ção entre a educação tradicional e a educação democrática

visando compreender por que é que, sendo mais adequada a

16 Formação, Trabalho e Aprendizagem

pedagogia da participação para o desenvolvimento global da

criança, se continua a manter, nas escolas portuguesas, uma

pedagogia suportada pela uniformidade de métodos e progra-

mas.

Metodologicamente fundamentado nos princípios orienta-

dores relativos à investigação-ação, este capítulo estuda as prá-

ticas potenciadoras de uma educação integrada e os contributos

da formação em contexto. O discurso dos professores envolvi-

dos no estudo realça a parca formação (inicial e contínua) rela-

tivamente à prática de um ensino integrado e participado e

salienta a compartimentação disciplinar como fator constran-

gedor. Afirma também a necessidade de redefinição no trabalho

do professor, nomeadamente na autorreflexão das práticas, na

partilha dessas práticas com os seus pares e no desenvolvimento

profissional ao longo da vida. Constata, porém, que o trabalho

de cooperação expressa-se sobretudo na partilha a dois.

A análise dos discursos atesta também a hipótese das práti-

cas pedagógicas tenderem mais para uma pedagogia transmis-

siva do que para uma pedagogia da participação.

No quarto capítulo – intitulado Formação e trabalho:

tradição e inovação nas práticas docentes – ilustra-se

uma perspetiva pedagógica onde é possível perceber, através

dos processos formativos no contexto dos programas nacionais

de formação contínua, a emergência de múltiplas possibilidades

pedagógicas favorecedoras do processo cooperativo de aprendi-

zagem. A temática em questão exigiu um quadro concetual

sobre os processos de formação de profissionais que recupera a

herança das práticas pedagógicas à luz do que foram acumu-

lando e (re)elaborando no decorrer da experiência profissional,

seja perante processos de mudanças instituídas, seja perante

inovações instituintes.

Introdução 17

As questões de investigação orientam-se para apreender que

visão têm os professores, os coordenadores (também formado-

res) e os formadores sobre o trabalho colaborativo entre profes-

sores e de que forma pensam que os Programas de Formação

Contínua teriam contribuído para a promoção desse tipo de tra-

balho. O objetivo é compreender as práticas pedagógicas dos

professores do 1.º Ciclo do Ensino Básico numa perspetiva cola-

borativa, importando delimitar o modo como os atores se orga-

nizam objetiva e subjetivamente na prática quotidiana e como

valorizam a interação, considerando ainda a formação que reali-

zaram e pressupondo que ela tenha tido efeitos construtivos na

sua ação.

Os principais resultados desta investigação permitem pro-

blematizar as condições de possibilidade de transformação das

práticas profissionais e perspetivar os contextos de trabalho

como espaços e tempos próprios para os professores trabalha-

rem em conjunto, encorajando à experimentação de novas

gramáticas pedagógicas suportadas numa cultura de colabora-

ção.

O estudo realizado mostra uma tensão na docência entre

discursos e intenções, pois percebe-se que, por vezes, o que

dizem fazer num contexto profissional onde prevalece um

padrão de trabalho isolado e uma cultura individualista, em

termos de estratégias em sala de aula e fora dela, é condicio-

nado por perspetivas e orientações de grupos formais e infor-

mais que influenciam os seus valores e crenças e condicionam

formas de se assumirem perante si e perante os outros, como

transmissivos e individualistas, ligados a uma forte cultura

pedagógica tradicional.

Na verdade, independentemente do ciclo ou nível de ensino,

as conceções e práticas dos professores relativamente ao traba-

lho escolar e à sua organização são marcadas pela tensão entre a

18 Formação, Trabalho e Aprendizagem

retórica da colegialidade docente e a socialização num padrão

de trabalho fragmentado, celular e solitário.

No quinto capítulo – intitulado Escola, trabalho e

aprendizagem: entre a retórica da colegialidade e a

socialização num padrão de trabalho fragmentado –

descreve-se uma experiência de introdução de trabalho colabo-

rativo em equipa docente numa escola básica dos 2.º e 3.º ciclos

e conclui-se que a profissionalidade docente reflexiva também é

marcada pela tensão entre o desejo de inovar e a exigência de

cumprimento das normas estabelecidas, o fascínio da mudança

e o medo da desconformidade de procedimentos.

Neste sentido, como mostram os estudos de sociologia das

organizações, são sustentáveis as mudanças operadas por gru-

pos e não as procuradas pelos indivíduos isoladamente.

Por isso, as mudanças a introduzir na escola devem ser pen-

sadas numa perspetiva sistémica tendo em conta, não apenas a

dimensão da sala de aula, mas também as dimensões organiza-

tivas da escola e do currículo estabelecido, bem como as dimen-

sões que concernem aos docentes enquanto grupo profissional,

nomeadamente os saberes profissionais consolidados, com suas

(in)certezas) e (des)confianças.

Enfim, os processos de mudança da escola exigem a partici-

pação e o empoderamento dos profissionais, não sendo de pôr

de parte um apoio externo diversificado e à medida dos prota-

gonistas da mudança.

Capítulo 1

Formação inicial, profissão

docente e competências

para a docência

A visão dos futuros professores1

ELZA MESQUITA

Introdução

A experiência no âmbito da supervisão conduz à perceção de

que os alunos/futuros professores possuem representações

anteriores sobre a profissão docente e sobre as competências

necessárias ao seu exercício. Sabe-se que constroem uma ima-

gem sobre a profissão a partir das situações experienciadas ou

observadas enquanto alunos e enquanto estagiários, conside-

rando, assim, que a profissão tem especificidades próprias e que

a docência pode ser construída também pela sua vivência.

(1) A autora agradece à EDUSER: revista de educação da Escola Superior de Educação

de Bragança que acolheu a 1.ª edição deste texto em 2010 e que agora se adapta.

20 Formação, Trabalho e Aprendizagem

A investigação foi realizada com a intenção de perceber a

visão que os alunos/futuros professores tinham sobre as com-

petências necessárias ao exercício profissional e o contributo da

formação inicial na construção dessas mesmas competências,

na esperança de que as conclusões do estudo nos pudessem aju-

dar a (re)situar a nossa prática profissional como professora

supervisora na formação inicial.

O estudo excluiu a formulação de hipóteses, sujeitas a verifi-

cação, uma vez que se seguiu uma orientação de análise de

conteúdo com base na descrição e interpretação dos fenómenos,

dirigido por três objetivos: (i) conhecer a forma como os alunos,

futuros professores, pensam a profissão docente; (ii) conhecer

as representações que os alunos, futuros professores, têm das

competências necessárias ao exercício profissional; e (iii) iden-

tificar os contributos da formação inicial, percebidos pelos

sujeitos do estudo, na construção de competências profissio-

nais. Estes objetivos constituíram-se a partir da seguinte pro-

blemática: Que representações têm os alunos futuros professo-

res, do quarto ano do curso de Professores do 2.º Ciclo do

Ensino Básico – Variante de Educação Visual e Tecnológica, a

frequentarem o ano terminal (habilitados para dois graus de

ensino – 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico), da profissão docente

e das competências necessárias para ser professor de 1.º Ciclo

do Ensino Básico e de Ensino Básico em Educação Visual e Tec-

nológica? E que representações têm do modo como se aprende a

ser professor de 1.º Ciclo do Ensino Básico e professor de

Ensino Básico em Educação Visual e Tecnológica? Na tarefa que

nos propusemos, foi nossa pretensão dar respostas coerentes à

problemática e atingir os objetivos traçados.

A escolha dos colaboradores do estudo não foi uma escolha

aleatória, uma vez que se tiveram em consideração alguns crité-

rios de seleção, a saber: serem alunos da formação inicial da

Formação Inicial, Profissão Docente e Competências para a Docência 21

Escola Superior de Educação de Bragança; ter-se trabalhado

diretamente com os formandos no estágio pedagógico do 1.º

Ciclo do Ensino Básico; pertencerem à mesma turma; serem de

um curso de variantes (pelo facto de realizarem dois estágios

pedagógicos); estarem no terminus da sua formação, com os

dois estágios pedagógicos realizados; e serem de uma turma

pouco numerosa.

No desenvolvimento da dimensão prática do estudo reali-

zado procurámos inscrever a investigação num modelo de

investigação qualitativa, quer porque nos procedimentos de

recolha da informação e análise se valorizou mais o qualitativo

do que o quantitativo, quer pela natureza dos objetivos, que se

incluíram numa perspetiva de compreensão hermenêutica dos

fenómenos (Loureiro, 1997). Para tal, realizou-se uma investi-

gação qualitativa, suportada pela técnica da entrevista para a

recolha dos dados, posteriormente submetidos a uma análise de

conteúdo. Como resultado da leitura das entrevistas, realizou-se

uma análise temática, colocando nos parágrafos, de um ou mais

períodos, palavras-chave identificativas de cada temática e res-

petivo conteúdo (Bardin, 1995). Os parágrafos foram reagrupa-

dos, dando origem a temáticas sobre as quais se pretendeu

refletir no presente texto.

Formação inicial de professores

A formação inicial é, por excelência, o período de iniciação

do futuro profissional. O formando experimenta aí a primeira

etapa referida em vários estudos como sendo um ritual de pas-

sagem de aluno a professor (Formosinho, 2001; Ralha-Simões,

1995). É um momento descrito por sentimentos contraditórios,

onde se incorporam as representações pré-existentes do que é

22 Formação, Trabalho e Aprendizagem

ser-se professor e a realidade que se observa diretamente. Esta

tarefa não é fácil porque a «formação de professores é um ter-

reno atravessado por clivagens ideológicas que vão determinar

não só as condicionantes institucionais que o contextualizam,

mas que influenciam decisivamente até o próprio conhecimento

científico a que recorrem» (A. Estrela, cit. por Ralha-Simões,

1995, p. 62).

Sobre a formação inicial de professores considera-se que

esta deve manter um equilíbrio entre os aspetos técnicos e as

finalidades sociais a que essa formação tem de dar resposta – a

Educação. Somos conscientes: (i) dos consensos e desacordos

sobre a importância da formação inicial como forma de prepa-

ração do futuro professor; (ii) de que o estudante da profissão já

tem «uma imagem consolidada do que é ser aluno e também do

que é ser professor», uma vez que, enquanto aluno, teve a

oportunidade de observar «vários professores diariamente»,

imitando-os e moldando-se a eles «em atividades de role play

espontâneo» (Formosinho, 2001, p. 50); e (iii) de que a auto-

-perceção da competência do futuro professor está ligada às

«próprias conceptualizações» construídas ao longo da «sua

história pessoal, anterior, contemporânea e ulterior a essa etapa

da formação» (Ralha-Simões, 1995, p. 211).

Tida, então, por uma preparação formal e intencional, a fase

da formação inicial, é vivida numa instituição de formação de

professores, onde o futuro professor assimila conhecimentos

pedagógicos e onde começa por realizar as suas práticas de

ensino (Marcelo García, 1999), apresentando-se como o pri-

meiro contacto com os saberes profissionais e a realidade edu-

cativa. As instituições de formação ao assumirem o processo

formativo terão de ter em conta a complexa realidade que

envolve a formação de professores, que foi sendo perspetivada

ao longo do tempo e sustentada por diversas correntes educa-

Formação Inicial, Profissão Docente e Competências para a Docência 23

cionais que, de uma ou outra forma, procuraram estabelecer as

competências necessárias para se ser professor e, concomitan-

temente, que estratégias e objetivos deveriam estar subjacentes

à formação.

O grande objetivo político do sistema de formação de profes-

sores é que esta contribua para uma melhoria da qualidade de

ensino e das aprendizagens dos alunos. Esta melhoria deve pro-

vir da contínua capacitação profissional dos professores ao

longo da vida, para que possam atuar, sempre numa atitude

reflexiva e investigativa, como profissionais da mudança, capa-

zes de gerir uma escola autónoma e o respetivo território edu-

cativo onde interagem (Campos, 2002).

Decorre de uma primeira análise que a formação inicial de

professores tem legislação enquadradora que determina os res-

ponsáveis desta formação, e certifica os parâmetros quantitati-

vos que asseguram o equilíbrio entre as diferentes componen-

tes, os meios de acesso, bem como o grau académico que habi-

lita para a docência (Campos, 2003). São apresentadas algumas

fragilidades encontradas na formação inicial, nomeadamente:

uma rotinização de estratégias na preparação de professores,

que inibe o desenvolvimento da inovação educacional; uma

incapacidade de se adaptar às mudanças operadas pela socie-

dade e pela escola, nos últimos anos; práticas de formação des-

fasadas que não encontram estratégias que possibilitem a arti-

culação entre a teoria e a prática; e dificuldade de se articular

com escolas, onde os futuros professores vão trabalhar. Destes

aspetos lacunares sobressai a valorização que as instituições

formadoras continuam a fazer dos modelos clássicos de forma-

ção, privilegiem eles uma visão mais académica ou mais técnica

da formação de professores. Aponta-se também no sentido de

uma (re)concetualização da formação inicial de professores, que

valorize a construção de competências nas dimensões aponta-

24 Formação, Trabalho e Aprendizagem

das pelo Perfil Geral de Desempenho Docente (Decreto-Lei n.º

240/2001), centrando essa construção na investigação a realizar

sobre a ação profissional. Assim, são consideradas como alicer-

ces para a construção de um projeto de formação as competên-

cias evidenciadas no Perfil Geral de Desempenho Docente, defi-

nidas pelo extinto INAFOP,1 bem como as apresentadas por Per-

renoud (2000) para a formação contínua de professores.

Criar um projeto de formação inicial, em diálogo com as exi-

gências sociais da profissão, remete para as palavras de Alonso

(1988), ao referir que o «conhecimento (cultura) não é estático,

acabado, perene, uniforme, muito pelo contrário, cada vez mais

o conhecimento é algo aberto, provisional, mutável, diverso e

em permanente reconstrução» e não podemos olhar para os

professores que estamos a formar como «indivíduos passivos,

recetáculos vazios, seres sem experiência, mas [como] pessoas

em crescimento e, portanto, ativos, criativos, com experiência e

individualidade próprias» (p. 57).

Pensou-se, também, problematizar a noção de formação de

professores no sentido de perceber se os princípios que lhe

estão subjacentes se comprometem com a ideia explorada sobre

o que é ser um professor competente. Neste sentido, surgem

algumas reflexões que ajudaram a entender a importância da

formação inicial na construção de competências profissionais

para a docência. Ressalva-se, neste estudo, que a formação ini-

cial não deve ser considerada como um momento estático na

construção do conhecimento profissional, uma vez que se cor-

robora a opinião de Rodrigues e Esteves (1993) quando atestam

que «a formação não se esgota na formação inicial» (p. 41).

(1) INAFOP (Instituto Nacional de Acreditação da Formação de Professores).

Este livro debruça-se sobre a relação entre a formação, o trabalho

e a aprendizagem profissional, pondo em evidência a tensão

entre uma tradição escolar, construída enquanto instituição de

ensino coletivo, e a procura de inovação nas práticas docentes,

reduzidas frequentemente a normas de uma pedagogia burocrá-

tica que privilegia a pedagogia da transmissão em detrimento da

pedagogia da participação e da descoberta. Representa, assim,

uma contribuição sobre o modo de aprender, o modo de inte-

ragir e o modo de colaborar.

João Formosinho

Joaquim Machado

Elza Mesquita

é professor catedrático aposentado da Universidade do Minho e

professor convidado da Universidade Católica Portuguesa. Foi Presidente do Conselho

Científico-Pedagógico da Formação Contínua de Professores. Tem publicações nas áreas

da formação de professores, administração educacional, currículo e educação básica.

é professor convidado da Universidade Católica Portuguesa. Tem

publicações nas áreas da utopia e do imaginário educacional, das políticas educativas, da

formação de professores, da pedagogia e da organização e administração de escolas.

é professora adjunta do Instituto Politécnico de Bragança. Tem publica-

ções nas áreas da formação de professores, da supervisão pedagógica e da literatura para

a infância.

Formação

trabalho e

aprendizagem

,

Tradição e inovação

nas práticas docentes

João Formosinho • Joaquim Machado • Elza Mesquita

EDIÇÕES SÍLABO

Formação, trabalho

e aprendizagem

Tradição e inovação nas práticas docentes

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ISBN 978-972-618-792-9

9 789726 187929

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