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EENNSSAAIIOO

CADERNO DE PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO, SÃO PAULO, V.1, Nº 8, 1º TRIM./99

CULTURA E MUDANÇAORGANIZACIONAL: EM BUSCA DACOMPREENSÃO SOBRE O DILEMA

DAS ORGANIZAÇÕES

Carmen Diva Monteiro1

Elvira Cruvinel Ventura2

Patrícia Nassif da Cruz3

RESUMO

Usando como pano de fundo uma estória, este tra-balho faz a análise de alguns dos principais aspec-tos que envolvem cultura e mudança organizacio-nais e as relações que entre si mantêm estes temas.Para tanto, busca enfocar os seguintes assuntos: aorganização e sua cultura; o poder nas organiza-ções; o agente de mudanças; o universo de inserçãodas organizações; os obstáculos para a mudança; operigo das precipitações; o destino das organiza-ções estanques; e inferências sobre o futuro dasarquiteturas organizacionais.

INTRODUÇÃO

Muitas metáforas podem ser usadas na tentativa deexplicar o funcionamento das organizações. Mor-gan (1996) descreve algumas, a saber:

1) Organizações como máquinas: desenvolvimentoda organização burocrática; máquinas feitas de

1 Mestranda em Administração Pública na

FGV/EBAP/RJ; formada em Engenharia Civil pelaUFPa e cursou Mestrado em Engenharia Civil naPUC/RJ. Email: [email protected] [email protected].

2 Mestrado em Administração Pública pela EBAP-Escola Brasileira de Administração Pública/FGV-RJe graduada em Administração Pública pela Escola deAdministração de Empresas de São Paulo-EAESP-SP. Email: [email protected].

3 Mestranda em Administração Pública pela FundaçãoGetúlio Vargas - FGV-RJ; graduada em CiênciasEconômicas pela Universidade Federal de Juiz deFora-MG e pós-graduada em Administração de Re-cursos Humanos pela Faculdade Machado Sobrinhoem Juíz de Fora e em Teoria Econômica pela Funda-ção Getúlio Vargas. Email: [email protected].

partes que se interligam, cada uma desempe-nhando um papel claramente definido no fun-cionamento do todo;

2) Organizações como organismos: compreender eadministrar as “necessidades” organizacionais eas relações com o ambiente; diferentes tipos deorganizações como pertencendo a diferentes es-pécies;

3) Organizações como cérebros: importância doprocessamento de informações, aprendizagem einteligência; cérebro como um computador, cé-rebro como um holograma;

4) Organizações como culturas: realidades social-mente construídas sustentadas por um conjuntode idéias, valores, normas, rituais e crenças;

5) Organizações como sistemas políticos: sistemasde governo baseados em vários princípios polí-ticos que legitimam diferentes tipos de regrasassim como os fatores específicos que delineiama política da vida organizacional;

6) Organizações como prisões psíquicas: as pes-soas caem nas armadilhas dos seus própriospensamentos, idéias e crenças ou preocupaçõesque se originam na dimensão inconsciente damente;

7) Organizações como fluxo e transformação:compreensão da lógica de mudança que dáforma à vida social (sistemas autoprodutores,causalidade mútua, lógica dialética;

8) Organizações como instrumentos de dominação:aspectos potencialmente exploradores das orga-nizações; sua essência repousa sobre um pro-cesso de dominação em que certas pessoas im-põem seus desejos sobre as outras.

O presente trabalho propõe-se a abordar as organi-zações vistas como culturas e as organizações vistascomo fluxo e transformação, ou seja, pretendeenfocar as relações entre cultura e mudança organi-zacional. Para tanto, apresentaremos o texto “An-tiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho”, deautoria anônima. Por meio deste conto abordare-mos o conceito de cultura e as formas culturaisexistentes nas organizações. Através da lenda en-fatizaremos também o papel do agente de mudan-ças, delineando algumas visões sobre a mudança

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organizacional e os fatores-chave que nelaintervêm.

A ESTÓRIA

A seguir, apresentamos o texto, pedindo a atençãodo leitor para as partes por nós grifadas para poste-rior análise.

Antiga Lenda Egípcia do Peixinho Vermelho

No centro de formoso jardim, havia um grandelago (1), adornado de ladrilhos azul-turquesa.Alimentado por diminuto canal de pedra, escoavasuas águas, do outro lado, através de grade muitoestreita.Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comuni-dade de peixes (2), a se refestelarem, nédios esatisfeitos, em complicadas locas, frescas e som-brias. Elegeram um dos concidadãos de barbata-nas para os encargos de Rei, e ali viviam, plena-mente despreocupados, entre a gula e a pre-guiça.Junto deles, porém, havia um peixinho ver-melho(4) menosprezado de todos.Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refu-giar-se nos nichos barrentos.Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavampara si todas as formas larvárias e ocupavam,displicentes, todos os lugares consagrados aodescanso.O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Porisso mesmo era visto, em correria constante, per-seguido pela canícula ou atormentado de fome.Não encontrando pouso no vastíssimo domicílio, opobrezinho não dispunha de tempo para muitolazer e começou a estudar com bastante interesse.Fez o inventário de todos os ladrilhos que enfeita-vam as bordas do poço, arrolou todos os buracosnele existentes e sabia, com precisão, onde sereuniria maior massa de lama por ocasião deaguaceiros.Depois de muito tempo, à custa de longas perqui-rições, encontrou a grade do escoadouro (6).À frente da imprevista oportunidade de aventurabenéfica, refletiu consigo:- “Não será melhor pesquisar a vida e conheceroutros rumos?”Optou pela mudança.

Apesar de macérrimo pela abstenção completa dequalquer conforto, perdeu várias escamas, comgrande sofrimento, a fim de atravessar a passagemestreitíssima.Pronunciando votos renovadores, avançou, oti-mista, pelo rego d’água, encantado com as novaspaisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam,e seguiu, embriagado de esperança...Em breve, alcançou grande rio e fez inúmerosconhecimentos.Encontrou peixes de muitas famílias diferentes,que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aospercalços da marcha e descortinando-lhe maisfácil roteiro.Embevecido, contemplou nas margens homens eanimais, embarcações e pontes, palácios e veícu-los, cabanas e arvoredo.Habituado com pouco, vivia com extrema simplici-dade, jamais perdendo a leveza e a agilidade natu-rais.Conseguiu, desse modo, atingir o oceano (5), ébriode novidade e sedento de estudo.De início, porém, fascinado pela paixão de obser-var, aproximou-se de uma baleia (7) para quemtoda água do lago em que vivera não seria maisque diminuta ração; impressionado com o espetá-culo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragadocom os elementos que lhe constituíam a primeirarefeição diária.Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dospeixes, rogando proteção no bojo do monstro e,não obstante as trevas em que pedia salvamento,sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceocomeçou a soluçar e vomitou, restituindo-o àscorrentes marinhas.O pequeno viajante, agradecido e feliz, procuroucompanhias simpáticas e aprendeu a evitar osperigos e tentações.Plenamente transformado em suas concepções domundo, passou a reparar as infinitas riquezas davida. Encontrou plantas luminosas, animais estra-nhos, estrelas móveis e flores diferentes no seiodas águas. Sobretudo, descobriu a existência demuitos peixinhos, estudiosos e delgados tantoquanto ele, junto dos quais se sentia maravilhosa-mente feliz.Vivia, agora, sorridente e calmo, no palácio decoral (9) que elegera, com centenas de amigos,para residência ditosa, quando, ao se referir aoseu começo laborioso, veio a saber que somente no

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mar as criaturas aquáticas dispunham de maissólida garantia, de vez que, quando o estio sefizesse mais arrasador, as águas de outra altitudecontinuariam a correr para o oceano.O peixinho pensou, pensou ... e sentindo imensacompaixão daqueles com quem convivera na in-fância, deliberou consagrar-se à obra do progressoe salvação deles.Não seria justo regressar e anunciar-lhes a ver-dade? Não seria nobre ampará-los, prestando-lhesa tempo valiosas informações?Não hesitou.Fortalecido pela generosidade de irmãos benfeito-res que com ele viviam no palácio de coral, em-preendeu comprida viagem de volta.Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dosregatos se encaminhou para os canaizinhos que oconduziram ao primitivo lar.Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida deestudo e serviço a que se devotava, varou a gradee procurou, ansiosamente, os velhos companheiros.Estimulado pela proeza de amor que efetuava,supôs que o seu regresso causasse surpresa e entu-siasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhecelebraria o feito, mas depressa verificou queninguém se mexia.Todos os peixes continuavam pesados e ociosos,repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, prote-gidos por flores de lótus, de onde saíam apenaspara disputar larvas, moscas ou minhocas despre-zíveis.Gritou que voltara à casa, mas não houve quemlhe prestasse atenção, porquanto ninguém, ali,havia dado pela ausência dele. Ridiculizado, pro-curou, então, o Rei de guelras enormes (3) e co-municou-lhe a reveladora aventura.O soberano, algo entorpecido pela mania de gran-deza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro seexplicasse.O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo,esclareceu, com ênfase, que havia outro mundolíquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era umainsignificância que podia desaparecer de momentopara outro. Além do escoadouro próximo desdo-bravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora,corriam regatos ornados de flores, rios caudalososrepletos de seres diferentes e, por fim, o mar, ondea vida aparece cada vez mais rica e mais sur-preendente. Descreveu o serviço de tainhas e sal-mões, de trutas e esqualos. Deu notícias do peixe-

lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou quevira o céu repleto de astros sublimes e que desco-brira árvores gigantescas, barcos imensos, cidadespraieiras, monstros temíveis, jardins submersos,estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-losao palácio de coral, onde viveriam todos, próspe-ros e tranqüilos. Finalmente os informou de quesemelhante felicidade, porém, tinha igualmente seupreço. Deveriam todos emagrecer, conveniente-mente, abstendo-se de devorar tanta larva e tantoverme nas locas escuras e aprendendo a trabalhare estudar tanto quanto era necessário à venturosajornada.Assim que terminou, gargalhadas estridentes co-roaram-lhe a preleção. Ninguém acreditou nele.Alguns oradores tomaram a palavra e afirmaram,solenes, que o peixinho vermelho delirava, queoutra vida além do poço era francamente impossí-vel, que aquela história de riachos, rios e oceanosera mera fantasia de cérebro demente e algunschegaram a declarar que falavam em nome doDeus dos peixes, que trazia os olhos voltados paraeles unicamente.O soberano da comunidade, para melhor ironizaro peixinho, dirigiu-se em companhia dele até àgrade de escoamento e, tentando de longe, a tra-vessia, exclamou, borbulhante:- “Não vês que não cabe aqui nem uma só dasminhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui!Não nos perturbe o bem-estar ... Nosso lago é ocentro do universo ... Ninguém possui vida igual ànossa! ...”Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizoua viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, nopalácio de coral, aguardando o tempo.Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e de-vastadora seca (8) .As águas desceram de nível. E o poço onde viviamos peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se,compelindo a comunidade inteira a perecer, ato-lada na lama.....

Apresentada a estória, faremos associações entrealguns elementos do texto e aqueles elementos queencontramos na cultura de uma organização, nota-damente a dificuldade em gerir a mudança e opapel fundamental do agente de mudança (embora,nesta estória, ele não tenha conseguido “salvar” asua comunidade “organizacional”).

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Paralelo: Estória com Cultura e Mudança Or-ganizacional

Destacamos alguns personagens e símbolos quejulgamos importantes para o alcance do objetivo denosso artigo, qual seja, fazer um paralelo entre aestória com a cultura e transformações de umaempresa.

(1) Um grande lago e (2) uma Comunidade dePeixes: A Organização e sua Cultura

O grande lago e a comunidade de peixes represen-tam na nossa realidade a organização e a sua cul-tura. Não nos esqueçamos de que o lago é apenas olocus organizacional, posto que a comunidade(indivíduos e sua cultura) é que verdadeiramente“cria” a organização. A cultura organizacional, porsua vez, é formada por políticas internas e externas,sistemas, crenças, valores e clima organizacional.O interesse sobre cultura organizacional recrudes-ceu nos anos 70, devido ao fenômeno japonês. OJapão surgiu como líder do poder industrial, apesarde não ter recursos naturais, não ter energia e serum país superpovoado (mais de 110 milhões dehabitantes). Entretanto, nenhum desses fatoresimpediu que houvesse um alto nível de cresci-mento, um baixo nível de desemprego e a maisbem-remunerada e saudável população trabalha-dora do mundo. Assim, entender a cultura dessepovo tornou-se importante para compreender a suaascensão na economia mundial.Segundo Fleury (1991), há vários caminhos para sedesvendar a cultura de uma organização. Dentreeles destacam-se:

1) O Histórico das Organizações: o momento decriação de uma organização e sua inserção nocontexto político e econômico da época propiciao pano de fundo necessário para compreensãoda natureza da organização, sua metas, seusobjetivos. O fundador neste contexto tem umpapel fundamental, pois ele detém a concepçãoglobal sobre o projeto da organização e tem opoder para estruturá-la, desenvolvê-la e tecerelementos simbólicos consistentes com esta vi-são.Os incidentes críticos por que passou a organi-zação, tais como crises, expansões, pontos de

inflexão, de fracassos ou sucessos também sãoformadores de sua história. Nestes momentos, otecido simbólico se revela mais facilmente aopesquisador, pois certos valores importantes deserem preservados ou, pelo contrário, questio-nados, emergem com maior nitidez;

2) O Processo de Socialização de Novos Membros:o momento de socialização é crucial para a re-produção do universo simbólico. É através dasestratégias de integração do indivíduo à organi-zação que os valores e comportamentos vãosendo transmitidos e incorporados pelos novosmembros. As estratégias mais usuais são osprogramas de treinamento e integração de no-vos funcionários. Os rituais de socialização de-sempenham ao mesmo tempo o papel de inclu-são do indivíduo ao grupo e delimitação do pro-cesso de exclusão dos demais;

3) As Políticas de Recursos Humanos: as políticasde recursos humanos têm papel relevante noprocesso de construção de identidade da organi-zação por serem as mediadoras da relação entrecapital e trabalho. Analisando as políticas ex-plícitas e principalmente as políticas implícitasde recursos humanos de uma organização é pos-sível decifrar e interpretar os padrões culturaisdesta organização;

4) O Processo de Comunicação: a comunicação éum dos elementos essenciais no processo decriação, transmissão e cristalização do universosimbólico de uma organização. É preciso iden-tificar os meios formais orais (contactos diretos,reuniões, telefonemas) e escritos (jornais, cir-culares, memos) e os meios informais, como porexemplo a "rádio-peão". O mapeamento dosmeios permite o desvendar das relações entrecategorias, grupos e áreas da organização;

5) A Organização do Processo de Trabalho: aanálise da organização do processo de trabalhoem sua componente tecnológica e em sua com-ponente social, como forma de gestão da forçade trabalho, possibilita a identificação das cate-gorias presentes na relação de trabalho. Assim,ela é importante para desvendar aspectos for-madores da identidade organizacional, além defornecer o referencial para se decifrar a dimen-são político-constitutiva do elemento simbólico.Ou seja, para se questionar como elementos

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simbólicos ocultam ou instrumentalizam rela-ções de poder é preciso rebater a análise para oplano concreto das relações entre os agentes noprocesso de trabalho;

6) As Técnicas de Investigação: derivam das pro-postas teórico-metodológicas desenvolvidas pe-los autores. Na ênfase quantitativa utiliza-se le-vantamento de opinião, através de questioná-rios, escalas, entrevistas, etc. Na ênfase qualita-tiva utilizam-se dados secundários da própriaorganização (documentos, relatórios manuais depessoal, organogramas, jornais, etc.). As técni-cas para coleta de dados primários mais utiliza-das são entrevistas, observação participante enão participante e dinâmicas de grupo, com usode jogos e simulações.

Cultura usualmente é tida como o padrão de desen-volvimento refletido nos sistemas sociais de conhe-cimento, ideologia, valores, leis e rituais cotidianos.Também é vista como o grau de refinamento evi-dente em tais sistemas de crenças e práticas.A antropologia serve de base para o estudo da cul-tura organizacional. Requer uma ruptura radicalcom a crença de que existe um centro do mundo ede que algumas culturas são mais avançadas ouevoluídas que outras. O antropólogo social ou or-ganizacional deve ter elevado grau de relativismocultural, de modo a neutralizar eventuais distorçõesprovocadas por seu contexto cultural de origem. Aexperiência da alteridade leva a se perceber a pró-pria cultura, através do reconhecimento de que elanada tem de natural e sim é essencialmente for-mada de construções sociais, e a cultura do outro.A cultura pode ser entendida como um sistemasimbólico, tal como a arte, o mito, a linguagem, emsua qualidade de instrumento de comunicação entreas pessoas e os grupos sociais, que permite a elabo-ração de um conhecimento consensual sobre osignificado do mundo; e também como um instru-mento de poder e legitimação da ordem vigente.Na perspectiva da Antropologia, a dimensão sim-bólica é concebida como capaz de integrar todos osaspectos da prática social. Segundo Durhan(Fleury, 1987), os antropólogos tenderam sempre aconceber os padrões culturais não como um moldeque produziria condutas estritamente idênticas, masantes como as regras de um jogo, isto é, uma es-trutura que permite atribuir significado a certasações e em função da qual se jogam infinitas parti-

das. Não existe também a preocupação em estabe-lecer relações entre as representações e o poder.Entre os sociólogos uma corrente importante para aanálise da cultura é o interacionismo simbólico(Fleury, 1987), no qual toda atividade está sujeitaao hábito. Qualquer ação freqüentemente repetidatorna-se um padrão que pode ser reproduzido, comeconomia de esforço e tempo. Os fenômenos estãopré-arranjados em padrões que parecem ser inde-pendentes da apreensão que cada pessoa faz delesindividualmente. A realidade se impõe como obje-tivada, isto é, constituída por uma série de objetivosque foram designados como objetos antes da "mi-nha" aparição (enquanto indivíduo) em cena.Existe o compartilhar de um senso comum sobre arealidade, produzindo signos (sinais que têm signi-ficação). No nível das organizações observa-secomo certos símbolos são criados e os procedi-mentos implícitos e explícitos para legitimá-los.Discute-se também os processos de socializaçãovivenciados pelo indivíduo, quais sejam:

1) Socialização Primária: onde o indivíduo setoma membro de uma sociedade. O cunho darealidade do conhecimento é internalizadoquase que automaticamente pelo indivíduo,através, principalmente, da linguagem;

2) Socialização Secundária: introduz um indivíduojá socializado a novos setores do mundo obje-tivo. A identificação acontece somente na me-dida necessária para a comunicação entre sereshumanos. Sua extensão e seu caráter são deter-minados pela complexidade da divisão do tra-balho e pela distribuição social do conheci-mento de uma dada sociedade.

Smircich (Fleury, 1987) propõe duas linhas depesquisa:

1) A cultura como uma variável, como algumacoisa que a organização tem: ligada ao modelosistêmico de organização, tem um objetivonormativo - realizar diagnósticos com análisescomparativas que subsidiem a elaboração deestratégias de ação das empresas. Por sua vezesta linha de pesquisa considera dois tipos devariáveis:

a) como variável independente, externa à orga-nização (a cultura da sociedade em que se

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insere a organização e que é trazida paradentro por seus membros);

b) como variável interna à organização (as or-ganizações produzem bens, serviços e pro-dutos culturais como lendas, ritos, símbo-los); é resultado do desempenho e de repre-sentações dos indivíduos nas organizações;

2) A cultura como raiz da própria organização,algo que a organização é: esta segunda aborda-gem procura ir além da visão instrumental daorganização para pensá-la como um fenômenosocial derivado do conceito antropológico decultura.Dentro dessa abordagem, a autora coloca trêscorrentes antropológicas que embasariam aspesquisas sobre cultura organizacional:

a) Cognitivista: cultura é definida como umsistema de conhecimento e crenças compar-tilhados. É importante determinar quais asregras existentes em uma determinada cul-tura e como seus membros vêem o mundo;

b) Estruturalista: a cultura se constitui de sig-nos e símbolos. É convencional, arbitrária eestruturada. É constitutiva da ação socialsendo, portanto, indissociável desta;

c) Simbólica: define cultura como um sistemade símbolos e significados compartilhadosque necessita ser decifrado e interpretado.As pessoas procuram decifrar a organizaçãoem termos de pautar e adequar o seu própriocomportamento.

Nesta última corrente, Van Maanen (Fleury, l991)identifica vários tipos de estratégias de socializa-ção, que podem ser combinados em função de seadequar o mais eficientemente possível o indivíduoaos objetivos e natureza daquela organização (tem aver com a socialização secundária de Berger).Para Schein, também desta última corrente, culturaorganizacional é o conjunto de pressupostos básicosque um grupo inventou, descobriu ou desenvolveuao aprender como lidar com os problemas deadaptação externa e integração interna e que fun-cionaram bem o suficiente para serem consideradosválidos e ensinados a novos membros como a formacorreta de perceber, pensar e sentir, em relação aesses problemas. Ainda, a cultura de uma organiza-

ção pode ser apreendida em vários níveis (Fleury,1991):

1) Nível dos artefatos visíveis: fáceis de obter, masdifíceis de interpretar. É o ambiente construídoda organização, arquitetura, layout, a maneirade as pessoas se vestirem, padrões de compor-tamento visíveis, documentos públicos;

2) Nível dos valores que governam o comporta-mento das pessoas : valores manifestos na cul-tura, ou seja, expressam o que as pessoas re-portam ser a razão do seu comportamento, oque na maioria das vezes são idealizações ouracionalizações;

3) Nível dos pressupostos inconscientes: sãoaqueles pressupostos que determinam como osmembros de um grupo percebem, pensam esentem. À medida que um pressuposto vai setornando cada vez mais taken for granted, vaipassando para o nível do inconsciente.

O mesmo autor diz que se a organização como umtodo vivenciou experiências comuns pode existiruma forte cultura organizacional que prevaleçasobre várias subculturas das unidades (cultura dosgerentes, do sindicato, etc.). Schein coloca como demaior importância o papel dos fundadores da or-ganização no processo de moldar seus padrõesculturais, que imprimem sua visão de mundo aosdemais e também sua visão do papel que a organi-zação deve desempenhar no mundo.Schein propõe ainda categorias para se investigar ouniverso cultural de uma organização:

1) Analisar o teor e o processo de socialização dosnovos membros;

2) Analisar as respostas a incidentes críticos dahistória da organização;

3) Analisar as crenças, valores e convicções doscriadores ou portadores da cultura;

4) Explorar e analisar junto a pessoas de dentro daorganização as observações surpreendentes des-cobertas durante as entrevistas.

Esta linha de estudos assume os sistemas culturaisapenas em sua capacidade de comunicação e deexpressão de uma visão consensual sobre a própriaorganização. Entretanto, a dimensão do poder está

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ausente destes estudos. Para ir além da propostaclássica, que define cultura como representaçõessimbólicas que expressam formas comuns deapreender o mundo, é necessário "politizar" o con-ceito de cultura, investigando como o universosimbólico expressa relações de poder, oculta-as einstrumentaliza o pólo dominante da relação.

(3) O Rei de Guelras Enormes: O Poder nasOrganizações

O Rei representa na lenda o poder. Percebe-se nafigura do rei um líder de comportamento autoritá-rio, sem a devida responsabilidade para com seusseguidores (comunidade de peixes). Nas organiza-ções, essa faculdade de um homem determinar ocomportamento de outro homem pode se dar atra-vés da manipulação, da persuasão, da ameaça depunição e até pela promessa de benefícios e vanta-gens.Nesta perspectiva, Max Pagès, estudando o fenô-meno do poder e suas articulações na vida de umaorganização, trabalha de forma analítica (e não-antropológica) o fenômeno do poder sob diferentesmatizes, aliando o referencial marxista à psicaná-lise freudiana (postura “sistêmico-dialética"):

1) Como fenômeno de alienação econômica (pers-pectiva marxista);

2) Como fenômeno político de imposição e con-trole sobre as decisões e organização do traba-lho;

3) No nível ideológico, como um fenômeno deapropriação de significados e valores;

4) No nível psicológico, como um fenômeno dealienação psicológica.

Fleury (l987) coloca a introdução do conceito demediação como um processo que transforma acontradição básica entre capital e trabalho em umacontradição interna às políticas da organização. Aorganização hipermoderna tem esta característica,identificada em quatro categorias:

1) Mediações de ordem econômica (salários, car-reira, etc.);

2) Mediações de ordem política (sistema decisó-rio);

3) Mediações de ordem ideológica (quer tornar-seum lugar de produção de significado e valor);

4) Mediações de ordem psicológica (de vantagens/restrições para prazer/ agonia, mecanismo dereforço circular, que assegura a manutenção dosistema psicológico em consonância com a es-trutura da organização e os reproduz).

O conceito de ideologia desenvolvido pelos autoresaproxima-se do conceito de cultura organizacional.Para o autor a ideologia não reside apenas no dis-curso dos dirigentes, mas é elaborada pelo conjuntodos empregados. A função essencial da ideologianão é apenas mascarar as relações sociais de produ-ção, mas reforçar a dominação e conseguir a explo-ração dos trabalhadores. Utiliza da metáfora da"religião", que na empresa é colocada em práticanos dispositivos da política de pessoal. Em suapesquisa, analisa os dogmas, mandamentos daempresa, ritos (confissão: entrevistas de avaliação;missa: reuniões; batismo: programa de treina-mento, etc.).Fleury (l989) define cultura a partir da concepçãode Schein, mas incorpora a dimensão política ine-rente a este fenômeno. Assim, cultura organiza-cional é concebida como:

“um conjunto de valores e pressupostos básicosexpressos em elementos simbólicos, que em suacapacidade de ordenar, atribuir significações,construir a identidade organizacional, tantoagem como elemento de comunicação e con-senso, como ocultam e instrumentalizam as re-lações de dominação” (Fleury,1989:22)

Há, ainda, o mito da “grande família”, que revelaas duas faces presentes nas relações de trabalho: aface visível da solidariedade, de cooperação, e aface oculta da dominação e submissão.

(4) O Peixinho Vermelho: O Agente de Mudan-ças

Na lenda, o peixinho vermelho representa o agentepromotor de mudança. É considerado um líderdemocrático, cooperativo, aberto à mudança e so-

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bretudo humano. Buscava conhecimento através doestudo e também conhecia bem a realidade em quevivia, ou seja, os problemas, a estrutura, as bases dogrande lago.Nas organizações, esse agente de mudanças é co-nhecido como empreendedor. Estes, por sua vez,são elementos dispostos a inovar e criar produtos,estratégias e situações que promovem o desenvol-vimento organizacional.Até meados da década de 70, falar em mudançaorganizacional era predominantemente falar emprojeto ou desenho organizacional. A idéia de mu-dança estava centrada no conceito de alteração deorganogramas, na criação, modificação ou extinçãode cargos e funções. É somente nos anos 80 queesta abordagem vai ganhar forma. Grande parte dointeresse pelo tema deve-se ao fato de que, apósoperar todo tipo de mudança em suas empresas,muitos administradores perceberam que ainda eranecessário mudar os valores comuns e as crençasdos grupos para que os resultados surgissem.Para Herzog (citado por Wood, 1992), mudança nocontexto organizacional engloba alterações funda-mentais no comportamento humano, nos padrõesde trabalho e nos valores em resposta a modifica-ções ou antecipando alterações estratégicas, derecursos ou de tecnologia. Ele considera tambémque a chave para enfrentar com sucesso o processode mudança é o gerenciamento das pessoas, man-tendo alto nível de motivação e evitando desapon-tamentos. Para ele, grande desafio não é a mudançatecnológica, mas mudar as pessoas e a cultura or-ganizacional, renovando os valores para ganharvantagem competitiva.Deal e Kennedy (citados por Wood 1992), acredi-tam que a mudança é necessária quando ocorremperturbações ambientais e mudar torna-se umaquestão de sobrevivência. Delisi, Linder e Koch eSteinhauser (Wood, 1992) exploram a relação entretecnologia de informação e mudança cultural e opotencial de impacto que a variável tecnológica temsobre as organizações.Para Morgan (1996), o processo de mudança tradi-cionalmente tem sido dado como um problema demudança das tecnologias, estruturas, habilidades emotivações dos empregados. Embora seja correto, amudança efetiva depende das mudanças de imagensque deve guiar as ações.O’Toole (Wood, 1992) considera que os fatores-chave em uma mudança cultural são: a) que a

mudança seja construída sobre as forças e valoresda organização; b) que haja participação em todosos níveis; c) que a mudança se dê de forma holís-tica, relacionando-se com a estrutura, estratégica,sistemas de recompensa, sistemas de controle; d)que a alta gerência lhe dê todo apoio e que se torneum processo contínuo e; e) que seja planejada alongo prazo e executada em etapas.Segundo Pettigrew (Fleury, 1991) a cultura é pen-sada como um conjunto complexo de valores, cren-ças e pressupostos que definem os modos pelosquais uma empresa conduz seus negócios. Essenúcleo de crenças e pressupostos são manifestosnas estruturas, sistemas, símbolos, mitos e padrõesde recompensas dentro da organização. Seria muitomais fácil ajustar as manifestações de cultura doque modificar o núcleo de crenças e pressupostosbásicos de uma organização. No entanto, qualquerestratégia para modificar a cultura organizacionalterá de envolver pensamentos e ação tanto no níveldas crenças básicas como no de suas manifestações.O ponto de partida para esta análise da mudançaestratégica é a noção de que a formulação do con-teúdo de qualquer nova estratégia supõe controlarseu contexto e processo. O contexto externo é oambiente social, econômico, político e competitivo.O contexto interno é a própria cultura organizacio-nal, através da qual as idéias de mudança devemfluir. O processo de mudança refere-se às ações,reações e interações das várias partes interessadas.Segundo Morgan (1996) aprende-se a encarar sis-temas vivos como entidades distintas caracterizadaspor inúmeros padrões de interdependência, tantointernos, como em relação aos seus ambientes.Caso nos coloquemos “dentro” desses sistemaspercebemos que estamos dentro de um sistemafechado de interação e que o ambiente é parte daorganização do sistema.O padrão do sistema deve ser entendido como umtodo. Por isso não faz sentido dizer que um sistemainterage com seu ambiente, são transações dentrode si mesmas. Se as relações com o ambiente sãointernamente determinadas, então os sistemas sópodem evoluir e mudar através de mudanças auto-geradas na identidade. Quando uma organizaçãodeseja entender o seu ambiente, deve então enten-der-se a si mesma, uma vez que a compreensão doambiente é sempre uma projeção de si própria.Muitas organizações encontram sérios problemasem lidar com o mundo exterior por não reconhece-

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rem que são uma parte do seus respectivos am-bientes.

(5) O Oceano: o Universo de Inserção das Orga-nizações

O oceano significa o universo de inserção das or-ganizações que sobreviverão e se adaptarão aosimpactos das transformações exigidas pela dinâ-mica do mundo globalizado da Era da Informação.De acordo com Toledo (l997), a mutabilidade é ocenário em que as pessoas e organizações vão en-contrar neste fim de milênio e no começo do pró-ximo. Diante disso, coloca-se a necessidade dasempresas se adequarem aos novos paradigmas paraque permaneçam no mercado. Muitas organizaçõesse vêem como centros, olhando apenas para o seupróprio umbigo, fechadas ao ambiente, em si mes-mas, às mudanças. Não querem se comprometer,pois tal ação exige risco.Um novo modelo de gestão deve, então, ser criadoneste cenário de competitividade crescente, tantono nível das relações externas quanto internas. Àmedida que os cenários mudam os seres humanossão instados a mudar, a oferecer soluções criativase a mobilizar novos recursos. E a transformaçãodesse fluxo de mudanças se encontra na sinergia,parceria e na globalização que são formas de união.

(6) A Grade de Escoadouro: Os Obstáculos paraa Mudança

Na lenda o escoadouro representa o caminho para amudança, a ponte. Toda mudança implica algumsacrifício e é sempre cercada por incertezas. É estapassagem estreitíssima que levaria a outro mundo(oceano, rios, riachos, plantas). Mas, para se che-gar do outro lado, através desse escoadouro, erapreciso que os peixes emagrecessem, renunciassema muitos hábitos, atitudes, crenças, valores. Dessemodo, não atravessar esse escoadouro significanegar a necessidade de mudanças e dizer não àsnovas oportunidades, enfim, significa uma resistên-cia à mudança.As organizações por estarem inseridas num con-texto de mudanças constantes precisam se adaptaràs novas realidades com as quais se defrontam. Porexemplo, tais realidades poderiam ser a necessi-

dade de uma nova política de recursos humanos, ouuma nova forma de gestão e planejamento; ouainda, mudanças nas estruturas, sistemas e proces-sos ou urgência de informatização; ou até mudan-ças políticas e novas tecnologias. A despeito de taispressões, muitas organizações não procedem asatitudes necessárias para instaurarem o processoque as levaria a modificar o seu status quo. Talvezo maior foco de resistências seja o fato de que aquestão não é somente mudar, e sim gerenciar amudança, o que implica na tarefa extremamentedifícil de gerenciar a própria cultura da organiza-ção.Segundo Pettigrew (Fleury, 1991) as dificuldadesde se gerenciar a cultura de uma organização sãodevidas aos seguintes problemas:

1) Problema dos níveis: a cultura existe em umavariedade de níveis diferentes na empresa. Re-fere-se às crenças e pressupostos das pessoasdentro da organização. É muito mais difícilmodificar manifestações de cultura;

2) Problema da infiltração: a cultura refere-setambém aos produtos da empresa, às estruturas,aos sistemas, à missão da empresa, recompen-sas, socialização;

3) Problema do implícito: é difícil modificar coisasque são implícitas no pensamento e no com-portamento das pessoas;

4) Problema do impresso: a história tem grandepeso na administração presente e futura namaioria das organizações;

5) Problema do político: refere-se às conexõesentre a cultura organizacional e a distribuiçãodo poder na empresa. Esses grupos de podernão estão dispostos a abandonar tais crenças;

6) Problema da pluralidade: a maioria das empresanão possui uma única cultura organizacional,podendo apresentar uma série de subculturas;

7) Problema da interdependência: a cultura estáinterconectada não apenas com a política daempresa, mas com a estrutura, os sistemas, aspessoas e as prioridades da empresa.

Para criar e manter a cultura, a rede de concepções,normas e valores devem ser afirmados e comunica-dos aos membros da organização de uma forma

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tangível (Fleury, 1991), que são as formas cultu-rais, ou seja, os ritos, rituais, mitos, estórias, gestose artefatos.O rito se configura como uma categoria analíticaprivilegiada para desvendar a cultura das organiza-ções. Ao desempenhar um rito, as pessoas se ex-pressam através de diversos símbolos: certos gestos,linguagem, comportamentos ritualizados, artefatospara salientar uma visão consensual apropriada àocasião. Comparando os relatos antropológicos dosritos das sociedades tribais com os da vida dasorganizações modernas, Beyer e Trice (Fleury,1991) identificaram seis tipos de ritos:

1) Ritos de passagem: o processo de introdução etreinamento básico no Exército americano;

2) Ritos de degradação: o processo de despedir esubstituir um alto executivo;

3) Ritos de confirmação: seminários para reforçara identidade social e seu poder de coesão;

4) Ritos de reprodução: atividades de desenvolvi-mento organizacional;

5) Ritos para redução de conflito: processos denegociação coletiva;

6) Ritos de integração: festas de natal nas organi-zações.

Para os autores, os ritos organizacionais são facil-mente identificáveis, porém dificilmente interpre-táveis. Pode-se, então, identificar duas posturasteóricas básicas ao se trabalhar o conceito de cul-tura, que não são excludentes:

a) aqueles que consideram a cultura como a inte-ração/comunicação entre as pessoas e grupos eelaboração de um conhecimento consensual so-bre significado do mundo. (arte, mito, lingua-gem => sistema simbólico);

b) aqueles que consideram a cultura como uminstrumento de poder e legitimação da ordemvigente (ideologia).

(7) A Baleia: O Perigo da Precipitação

Na nossa estória o encontro com a baleia representaexatamente o extremo da organização que resiste àsmudanças: é aquela que se deixa levar inconse-

qüentemente por qualquer “onda” que lhe acenecom a promessa de solução de seus problemas,aceitando o modismo da mudança sem uma avalia-ção adequada de suas reais necessidades e um pla-nejamento sério para levar a termo tais tentativasde transformação.Podemos incluir aqui as chamadas “maquiagens”,muda-se a forma mas o conteúdo permanece omesmo. Ou então são os “desvios” da mudança, emque a empresa, por ignorância, falta de orientaçãoou por má interpretação dos fatos não procedeu deforma a viabilizar aquilo que pretendia e acabafaceando situações danosas para as quais não temdefesa, e que podem inclusive vir a causar-lhe aextinção. A baleia também pode representar o re-conhecimento do erro, quando os desvios mencio-nados são detectados em sua fase inicial e ainda sãopassíveis de serem corrigidos.

(8) A Seca: O Destino das Organizações Estan-ques

A seca representa o futuro para aquelas organiza-ções que não aceitarem os novos paradigmas.Aquelas que não acompanharem o influxo dosrequisitos para a sobrevivência no mercado globali-zado estão destinadas a desaparecer. As mudançasglobais na economia delineiam um novo cenárioque traz, para as empresas, drásticas mudanças nasrelações de troca: exigência dos consumidores enecessidade de qualidade de vida no trabalho. Porisso, é necessário que as mudanças se façam nosprocessos sociais internos, para que se modifiquemtambém as pessoas a fim de que este modelo degestão funcione.Diante disso, torna-se necessário superar as barrei-ras dos antigos comportamentos. Em primeirolugar, através da quebra dos paradigmas construí-dos sobre a realidade passada, para que um novoparadigma possa fazer emergir uma nova realidadesobre ele construída. As organizações devem sepreparar para os possíveis desafios, através de umprocesso contínuo de aprendizagem, mobilizaçãode recursos adicionais para atenderem às novasdemandas e adaptação ao novo ambiente; casocontrário, as organizações estão fadadas à morte(falência).

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(9) O Palácio de Coral: O Futuro das Organiza-ções

Em nossa estória o palácio de coral representa onovo estado possível da organização, ou, dito deoutra forma, como serão as arquiteturas organiza-cionais para o século XXI. Desde meados dos anos80 têm aumentado as pressões sobre as empresasque desejam continuar no mercado com êxito. Astransformações por que passa a nossa época sãobastante diferenciadas daquelas trazidas no bojo daRevolução Industrial que motivou a reorganizaçãodas relações mundiais de produção e trabalho.Várias foram as forças que delinearam este novocenário organizacional, dentre as quais pode-secitar a tecnologia, a competição, o excesso deoferta, a globalização, as expectativas do cliente, aparticipação governamental, as relações de pro-priedade e a dinâmica das forças de trabalho.Neste contexto, é fácil perceber que as organizaçõespara sobreviverem devem enfrentar todos estesdesafios, o que pressupõe uma capacidade de prevermudanças e administrá-las, privilegiando a adapta-bilidade, a flexibilidade, a sensibilidade, a decisãoe a rapidez; daí a crucial importância do desenvol-vimento antecipado de estratégias, ou, dito de outraforma, o que faz a diferença fundamental entre asempresas no mundo moderno é a qualidade do seuplanejamento estratégico.Assim, podemos inferir que no futuro as organiza-ções provavelmente terão, entre outras, as seguintescaracterísticas: organizações em redes de fornece-dores, concorrentes e clientes cooperando parasobreviver; limites organizacionais imprecisos(várias lealdades); sistemas de trabalho de altodesempenho (processos e qualidade total); equipesserão a norma; subunidades serão autônomas; nor-mas e valores darão coesão para direção e coorde-nação ativas; formas organizacionais fluidas etransitórias; ênfase do aprendizado em nível desistema; desenvolvimento da visão estratégica evisão específica; e menor ênfase no desempenhofinanceiro de curto prazo.

CONCLUSÃO

De acordo com Tavares (l991), as característicaspróprias de cada organização nascem das estraté-gias adotadas por seus dirigentes a fim de manter a

empresa. As pessoas têm que estar de acordo comestas características, e estes pressupostos vão seinternalizando, formando uma posição a respeito de“como as coisas são”.A partir de exigências para mudança no ajusta-mento externo estas podem impulsionar desdobra-mentos internos de alteração nos sistemas de inte-gração e coordenação. As culturas mudam pelosmesmos processos pelos quais se formam, trans-formam sua interpretação em ação visível, atravésdo exemplo vivido e inteligível para o grupo comoum todo, permitindo uma orientação no agir einteragir do cotidiano da empresa.O grande dilema que parece estar no bojo de todaesta transformação é a questão do gerenciamentodas contradições entre cultura e mudança organiza-cional. Enquanto a primeira enseja uma sedimenta-ção lenta, mais definida pela passagem do tempo, asegunda pede a adaptabilidade instantânea pararesponder aos desafios que este mesmo tempo lheimpõe. Faz-se mister, portanto, aprender a mudar,o que significa aprender a apreender o que pode edeve ser feito com os instrumentos e técnicas dis-poníveis do planejamento e do controle do pro-cesso, pois, embora não possamos realmente prevero futuro, parece claro que este mesmo futuro nãoserá alcançado a menos que tentemos ir até ele.Alguns quesitos terão maior relevância sobre outrosao longo deste caminho que estamos percorrendono sentido de aprendermos a mudar. Apenas paraexemplificar o gênero de desafios que nos esperapodemos citar: a administração de contratos deparceria (parceiros não são empregados); o equilí-brio de tendências opostas; a administração degrupos e suas implicações (já que o trabalho emequipe vai prevalecer, como ficam questões comocompensação, avaliação, feedback e procedimentosdisciplinares?); alta tecnologia versus liberdadescivis (como normatizar o sigilo da informação?será a perda de liberdade maior que o ganho emprodutividade?); e possível lentidão de algumasmudanças (a capacidade de adaptação ditará oritmo).Um outro aspecto que merece atenção é o caráterepisódico que parece estar erroneamente associadoao processo de mudança. Mudar é um processocontínuo, que deve ser incorporado ao modus ope-randi da empresa de forma a permitir a sua inser-ção na dinâmica das transformações que caracteri-zam o atual estágio de transformações aceleradas

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do mundo moderno. Mudar é estar em sintonia comeste processo social por que passa a humanidade,filtrando o melhor e aprendendo com o erro.

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