drogas psicoestimulantes: uma abordagem toxicológica … e biologicas/dr… · buscavam os efeitos...
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Drogas psicoestimulantes:
uma abordagem toxicolgica sobre cocana e metanfetamina
Brbara Elisa Pereira Alves
Emmanuel de Oliveira Carneiro
Farmacutica. Aluna de Ps-Graduao em Farmcia e Qumica Forense, pela Pontifcia Universidade Catlica de
Gois/IFAR
Farmacutico. Mestre em Cincias Farmacuticas pela Universidade Federal de Gois UFG. Professor do
IFAR/PUC-GO. Endereo: IFAR Instituto de Estudos Farmacuticos. SHCGN 716 Bl B Lj 05 Braslia/DF CEP:
70770-732. Email: [email protected]
Resumo
A cocana, a anfetamina e seus derivados so as drogas de abuso que representam a classe dos psicoestimulantes.
Atuam por mecanismos distintos no sistema nervoso central, que resultam no aumento da disponibilidade de
monoaminas na fenda sinptica. Provocam efeitos excitatrios semelhantes que podem colocar em risco a vida do
usurio. Por outro lado, parmetros cinticos diferem consideravelmente entre as drogas e as suas formas de
apresentao sendo um fator determinante para a escolha da via de administrao pelo usurio. O objetivo deste
artigo revisar a literatura referente ao tema, abordando aspectos da toxicologia destas drogas.
Palavras-chave: Psicoestimulantes. Cocana. Anfetaminas. Crack. Metanfetamina.
Psychostimulant drugs:
a pharmacological approach to cocaine and methamphetamine
Abstract
Cocaine, amphetamine and its derivatives are psychostimulants drugs used abusively. They act by different
mechanisms in the central nervous system, increasing the availability of monoamines in the synaptic cleft, which
induces, in general, similar excitatory effects that may endanger the user`s life. Moreover, kinetic parameters differ
significantly between drugs and their presentation forms, being a determining factor for choosing the administration
route by the user. The aim of this paper is to review the literature on the topic, covering toxicology aspects of these
drugs.
Keywords: Psychostimulants. Cocaine. Amphetamines. Crack. Meth.
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1 INTRODUO
O consumo de drogas universal nas diferentes culturas humanas em todos os tempos. O
homem pela sua prpria natureza procura alternativas para aumentar a sensao de prazer e
diminuir o desconforto e o sofrimento. Para tanto, utiliza de maneira indiscriminada substncias
capazes de modificar o funcionamento do sistema nervoso, induzindo sensaes corporais e
estados psicolgicos alterados. O abuso de substncias psicoativas tem sido alvo de preocupao
na sociedade devido a sua ntima relao com o aumento da criminalidade, acidentes
automotivos, comportamentos anti-sociais e evaso escolar.
A Secretaria Nacional Anti-Drogas SENAD e o Centro Brasileiro de Informaes sobre
Drogas Psicotrpicas CEBRID definem drogas psicotrpicas como:
As drogas utilizadas para alterar o funcionamento cerebral, causando modificaes no
estado mental so chamadas drogas psicotrpicas. O termo psicotrpicas formado por
duas palavras: psico e trpico. Psico est relacionado ao psiquismo, que envolve as
funes do sistema nervoso central; e trpico significa em direo a. Drogas
psicotrpicas, portanto, so aquelas que atuam sobre o crebro, alterando de alguma
forma o psiquismo. Por essa razo, so tambm conhecidas como substncias
psicoativas.4,5
De acordo com o mecanismo de ao no sistema nervoso central elas so classificadas
em: a) Depressoras: barbitricos, benzodiazepnicos, opiceos, etanol, inalantes; b) Estimulantes:
cocana, anfetaminas e derivados; c) Perturbadoras: LSD, mescalina, canabinides. 4,5
O efeito estimulante no sistema nervoso central caracterizado por euforia, acrescido de
estado de alerta, aumento de energia e intensa emotividade. A cocana e as anfetaminas so as
principais representantes desta classe por exercerem poderoso efeito estimulante no sistema
nervoso central.6
A cocana tem uma origem histrica bastante rica. Existem registros do depsito das
folhas de coca junto s tumbas de sepultamento em stios arqueolgicos no Peru h mais de 2.500
anos. Este ritual mantido at os dias atuais pelos ndios peruanos que acreditam ser um item
necessrio para o alm da vida. 7,8
Em 1855, o qumico alemo Friedrich Gaedecke extraiu o ingrediente ativo da folha da
coca, que ele chamou de erythroxylon. Em 1859, outro qumico alemo, Albert Niemann, isolou
o alcalide a partir das folhas da planta e denominou-o cocana.9 A partir da descoberta dos
qumicos alemes, a cocana passou a ser empregada em vrios produtos.10
Inicialmente foi livre
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e bastante comercializada. Era indicada para dores, cansaos, substituto alimentar, e at mesmo
empregada como anestsico.9,11
Entre o final do sculo XIX e o incio do sculo XX, aconteceu uma drstica mudana na
viso social da cocana que passou de um tnico sem efeitos colaterais para uma droga com
restries severas, levando ao declnio do consumo. 11
Entretanto, no incio dos anos 70, eis que ressurge a disponibilidade e o abuso da cocana
principalmente nos Estados Unidos da Amrica (EUA). Como conseqncia desse retrocesso,
constatou-se, ao final de 1980 e incio de 1990, o crescimento do consumo de cocana tambm na
populao brasileira.11,12,13
Weiss e cols (1994) atribuem esse fenmeno, dentre outros fatores,
considervel parcela da populao que nasceu e cresceu em meio ao consumo e apologia s
drogas resultando na negligncia quanto s sanes legais.14
O uso da cocana tem demonstrado aumento preocupante, pois apresentou um padro de
consumo crescente de modo significativo de acordo com Galdurz, Noto & Carlini, 1997.
Segundo eles, o consumo de cocana quadriplicou no perodo compreendido entre os anos 1987 e
1997, passando de 0,5% para 2,0%. Um levantamento realizado no ano de 1999 na cidade de
Curitiba analisou 682 pronturios de adolescentes internados naquele ano por uso de drogas. O
trabalho constatou que 77,7% das internaes se deram devido ao uso de cocana e seus
derivados, no caso o crack. Este quadro revelou conseqncias devastadoras para a sociedade
como o abandono escolar, a prtica de crimes e o envolvimento no trfico de drogas.7
A anfetamina (1-metil-2-feniletilamina), sintetizada em 1887 na Alemanha, foi o
primeiro membro de um grupo de compostos que possuem estruturas e propriedades biolgicas
semelhantes: as "anfetaminas". Tambm compem esse grupo as metanfetaminas e 3-4
metilenodioximetanfetamina (MDMA). 15,16
A metanfetamina, um derivado da anfetamina com efeitos similares a esta, foi sintetizada
em 1919 no Japo com o objetivo de se obter um substituto sinttico para a efedrina no
tratamento da congesto nasal.16,17
Nos Estados Unidos (EUA) conhecida tambm como "ice",
"chalk", "speed", "meth", "glass", "crystal".18,19,20,21,22
Um breve histrico da utilizao de metanfetamina demonstra o surgimento de vrias
epidemias relacionadas ao uso abusivo: foi introduzida no mercado farmacutico em 1930 como
descongestionante nasal, nesta poca o fcil acesso ao medicamento contribuiu para o uso
descontrolado nos Estados Unidos.16,22
Teve grande participao durante a Segunda Guerra
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Mundial (1939-1945), quando foi largamente utilizada por soldados de diversos pases que
buscavam os efeitos euforizantes da droga, como diminuir o sono e cansao, alm de aumentar o
desempenho fsico e intelectual.16,22
Novo surto foi observado em 1960, quando a metanfetamina
se popularizou entre grupos sociais, como os hippies. Ainda na dcada de 60, era comercializada
no Brasil na forma de um medicamento, o Pervitin, muito apreciado por jovens estudantes. Em
pouco tempo vrios casos de dependncia foram descritos na literatura cientfica brasileira.22
Foi banida em vrios pases, incluindo o Brasil, devido aos efeitos danosos que causa ao
corao e sistema nervoso central. Porm, no incio dos anos 90, retornou aos Estados Unidos na
sua forma mais poderosa e viciante, o ice. 22,17
Esta forma de utilizao da metanfetamina despertou o interesse dos consumidores por
apresentar diversas vantagens em relao a outras preparaes. O ice (forma fumada) produz um
efeito extremamente prazeroso e de maior durao, o processo de produo envolvido simples e
barato, a administrao fcil (utiliza-se um cachimbo caseiro) e mais segura. Todos esses fatores
fizeram do ice uma das drogas mais consumidas nos EUA.22
Atualmente, no Brasil, os grupos mais expostos que utilizam estas substncias
ilicitamente buscando os efeitos estimulantes so estudantes, motoristas de caminho, pessoas
obesas que pretendem emagrecer rapidamente e frequentadores de festas raves.4,18
O presente artigo tem como objetivo apresentar uma reviso da literatura existente sobre a
classe de substncias psicoestimulantes em especial as suas maiores representantes: a cocana e a
anfetamina, com destaque para os respectivos derivados crack e ice, cujo uso abusivo tem se
tornado crescente e preocupante. A abordagem do tema contemplar desde a origem,
obteno/sntese, alcanando aspectos toxicolgicos (toxicocintica e toxicodinmica) e
fisiopatolgicos relacionados ao uso abusivo destas substncias.
2 METODOLOGIA
Trata-se de um trabalho de reviso da literatura, em que foram pesquisados os descritores:
drogas psicoativas, psicoestimulantes, cocana, crack, anfetamina e metanfetamina nas seguintes
bases de dados: Lilacs, Scielo, Bireme e Pubmed. Foram utilizados efetivamente 39 artigos
indexados em revistas cientficas, duas teses, uma dissertao e seis sites da internet.
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3 DISCUSSO
3.1 Formas de apresentao da cocana
A cocana, ou benzoilmetilecgonina, o principal alcalide (base fraca) natural extrado
das folhas das espcies Erythroxylum coca e Erythroxylum novogranatense, aps processo
qumico relativamente complexo.23,24
A planta botanicamente classificada como um arbusto,
cultivado em clima tropical a altitudes que variam de 450 m a 1800 m acima do mar.7,8
nativa
dos Andes e cresce principalmente em ambientes quentes e midos em pases como Chile, Peru,
Bolvia e Brasil.25
Atualmente a cocana se apresenta em diversas formas aos seus consumidores
levando a perfis toxicocinticos, toxicolgicos e grau de dependncia distintos.
Pasta de coca: um produto bruto, no refinado, obtido nas primeiras fases de extrao da
cocana a partir das folhas de coca. resultante da macerao das folhas com lcali, solvente
orgnico como querosene ou gasolina e cido sulfrico. possvel encontrar tambm na sua
composio farinha, areia, acar e talco.23
Essa pasta contm em mdia 40 a 85% de sulfato de
cocana alm de inmeras impurezas txicas.5,26
Recebe outras denominaes como bazuco, pasta
base ou simplesmente pasta. A pasta de coca fumada (inalada), pois se volatiliza a
aproximadamente 90C, produzindo efeitos quase imediatos com maior disponibilidade e
facilidade de uso.26,27,28
utilizada como precursora na produo do cloridrato de cocana.26, 27
Cloridrato de cocana: este sal pode ser consumido de duas maneiras, dissolvido em gua e
aplicado por via endovenosa ou ainda aspirado e absorvido pelas mucosas.5,26,29
comercializado
sob a forma de um p branco, cristalino, inodoro, de sabor amargo e conhecido entre os
consumidores como p, farinha, neve ou branquinha devido a suas caractersticas.30
O
p obtido mediante o processo de transformao das folhas da coca em pasta de cocana e esta
em cloridrato pela adio de cido clordrico. No estvel ao calor e, portanto, no pode ser
fumado. 23,28
Crack: um subproduto da cocana em sua forma bsica obtido pelo aquecimento da soluo
aquosa de cloridrato de cocana com um composto bsico, geralmente o bicarbonato ou hidrxido
de sdio. Esse procedimento envolve o aquecimento at a obteno de uma soluo oleosa,
seguido do resfriamento at a precipitao da base livre, com a formao de pedras que
vaporizam a 98C e podem ser fumadas. Os consumidores dessa droga utilizam recipientes como
cachimbos de fabricao caseira, onde aquecem as pedras e inalam o vapor ou, ainda, fumam
como cigarros associado com tabaco, maconha, fenciclidina entre outras drogas.26,29
O nome
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popular crack proveniente do rudo produzido no aquecimento dos cristais.23, 26, 27, 28,29
O acesso
facilitado em todas as classes sociais devido ao baixo valor e a simplicidade da
administrao.29,31
A sensao de prazer percebida quase que instantaneamente (10 a 15
segundos) aps uma pipada (fumada no cachimbo) e tem curta durao, de 5 minutos em
mdia. Essa caracterstica leva o usurio a desenvolver dependncia mais rapidamente quando
comparado ao uso por outras vias (nasal, endovenosa).5,23,26
Oxi: Descoberto recentemente entre 2004 e 2005, graas s pesquisas realizadas pela
Organizao no governamental Rede Acreana de Reduo de Danos - REARD no estado do
Acre (Brasil), fronteira com a Bolvia. O nome oxi devido ao processo de oxidao que
acontece durante a fabricao dessa droga, podendo ser considerada a cocana enferrujada.32
obtido por um mtodo semelhante ao crack diferindo apenas na adio de querosene e cal virgem
ao cloridrato de cocana ao invs de bicarbonato de sdio. Segundo os pesquisadores da REARD,
provvel que esta droga tenha surgido a partir da tentativa dos traficantes de diminurem o custo
do refino da cocana e da produo do crack utilizando substncias mais baratas e txicas.32,33
vendido em pedras que apresentam colorao amarelada ou esbranquiada dependendo da
quantidade de querosene ou cal virgem. Da mesma forma que o crack, consumido em latinhas
com furos, triturado em cigarros, ou ainda aspirada na forma de p, associado ou no a outras
drogas como maconha ou tabaco. Possivelmente, trata-se de uma das mais potentes e perigosas
drogas conhecidas. muito comum o consumo acompanhado de bebidas alcolicas. A utilizao
do lcool importante no ritual de uso porque alivia os sintomas da fissura que so percebidos
entre uma pipada e outra. Esta forma de apresentao da cocana tem se alastrado por
comunidades extremamente humildes devido ao baixo valor de venda, com o preo variando de 2
a 5 reais por 5 pedras de oxi. 33
importante ressaltar que todas as preparaes base de cocana so frequentemente
adulteradas pelos fabricantes resultando em um produto diludo e com baixo grau de pureza. O
objetivo poupar o ingrediente principal, a cocana, e aumentar o volume e o peso da droga a ser
vendida, ludibriando o consumidor. Tal conduta dificulta definir a real composio da droga, o
que pode levar a interaes imprevisveis e intensificar os efeitos txicos, arriscando ainda mais a
vida do usurio. Entre os adulterantes mais comuns esto anestsicos locais (lidocana,
benzocana), acares (manitol, lactose, sacarose), estimulantes (cafena, efedrina), toxinas
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(quinina, estricnina), e compostos inertes (inositol, amido, talco), bem como outras substncias,
por exemplo, farinha, clcio, aspirina, gesso.23,34,31
3.2 Formas de apresentao da metanfetamina
resultante da adio de um grupo metil na cadeia lateral da molcula de anfetamina, o
que lhe confere maior solubilidade em lipdeos, melhor penetrao, bem como aumento da
permanncia no sistema nervoso central (6-24h) e, consequentemente, proporciona efeitos
estimulantes mais intensos e duradouros.18,21,35
A metanfetamina se apresenta em forma de p
branco, cristalino, inodoro e com sabor amargo que facilmente solvel em gua ou associaes
alcolicas. Pode ser administrada por vias distintas: inalada, fumada, injetada ou ingerida. As
sensaes so mais intensas quando utilizadas nas formas fumada ou injetada, enquanto que pela
via oral observa-se um retardo dos efeitos.21,36
Em 1980, surge o cloridrato de metanfetamina,
uma variante na forma cristalizada, fumvel e com maior potencial de causar dependncia que as
outras modalidades de metanfetamina.37
O cloridrato de metanfetamina encontrado nas ruas
como um slido cristalino, incolor, muitas vezes contaminado com compostos qumicos
utilizados na sntese. Recebe vrias denominaes entre os usurios como ice, speed,
cristal, cranck, meth, crystal meth, Tina, Christine, Yaba. 20, 21
O ice consumido
de forma semelhante ao crack, ou seja, por meio de cachimbos caseiros que permitem inalar os
vapores da droga.
O processo de sntese facilmente realizado em laboratrios clandestinos utilizando como
precursores medicamentos que dispensam a apresentao de receita mdica indicados para tratar
gripes e resfriados contendo efedrina.20,19,36
Um dos mtodos mais comuns envolve reao de
reduo da L-efedrina metanfetamina utilizando cido ioddrico (cido hidridico) e fsforo
vermelho. O produto desta reao a D-metanfetamina, que lipossolvel e voltil. Em seguida,
forma-se o sal em p solvel em gua, cloridrato de metanfetamina, pela adio de cido
clordrico. Na etapa posterior, adiciona-se o cloridrato de metanfetamina lentamente gua e
eleva-se a temperatura at aproximadamente 100C, formando uma soluo superssaturada. Por
fim, a soluo resfriada, o que resulta na precipitao dos cristais de metanfetamina.20,21
O
processo de sntese rpido, fcil e relativamente barato, a utilizao de ingredientes legais e
disponveis, as propriedades de reforo, o elevado potencial para abuso so fatores que tornam o
ice uma droga extremamente perigosa.38,19
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Os riscos que envolvem a exposio do usurio no so restritos apenas ao cloridrato de
metanfetamina, mas tambm aos produtos intermedirios altamente txicos formados durante o
processo de sntese como o cido fenilactico e o acetato de chumbo.35
Alm disso, muitos dos
produtos qumicos utilizados nos laboratrios clandestinos so explosivos e os resduos gerados
so corrosivos e txicos.38,20
3.3 Toxicocintica
As diferentes vias de administrao da cocana determinam vrios parmetros
toxicocinticos como velocidade de absoro, pico de concentrao plasmtica entre outros.26,39
A absoro pela mucosa nasal muito mais lenta quando comparada via inalatria, o
que se deve baixa difuso pela mucosa naso-orofarngea, bem como s propriedades
vasoconstritoras da cocana que dificultam o fluxo. A biodisponibilidade da ordem de 60%,
porm nveis mais baixos de concentraes plasmticas so produzidos em tempo prolongado
devido reduzida velocidade de absoro. O pico de concentrao plasmtica atingido
normalmente em 60 minutos e a droga persiste no organismo por at 6 horas.26,28,40
Embora mais
lenta em relao aos aparecimentos dos efeitos, a via intranasal equivalente no que se refere
intensidade destes, quando comparada com a via intravenosa.39
A cocana fumada ou crack, por sua vez, absorvida quase que instantaneamente. A alta
velocidade de penetrao explicada pela extensa rea de superfcie dos pulmes e a elevada
vascularizao deste rgo.5
O pico plasmtico atingido rapidamente entre 5-10 minutos28
e a
biodisponibilidade de aproximadamente 70%. O efeito farmacolgico produzido
extremamente rpido e intenso podendo ser comparado via intravenosa.39
Aps a absoro, a cocana atravessa as membranas celulares, inclusive a barreira
hematoenceflica, com muita facilidade. Quando fumada, possvel detectar cocana no sistema
nervoso central em 5 segundos, enquanto que aspirada ou administrada pela via intravenosa,
atinge o crebro em 30 segundos.26
A cocana rapidamente metabolizada por enzimas plasmticas e hepticas que
hidrolisam as duas funes steres presentes na molcula (um grupo metil ster e outro benzoil
ster). A reao mediada por carboxilesterases sobre o grupo metil ster da cocana produz
benzoilecgonina, enquanto que a ao de colinesterases sobre o grupo benzoil ster leva a
formao do ster metilecgonina. Posteriormente, pequenas pores desses produtos podem ainda
sofrer novo processo de hidrlise e formar, por fim, a ecgonina. A norcocana, outro metablito,
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produzida em pequenas quantidades por desmetilao no fgado atravs do sistema citocromo
P450. o nico produto da biotransformao que possui atividade biolgica.26,39,40,41
Devido ao curto tempo de meia vida biolgica da cocana (aproximadamente 60 minutos),
no comum encontr-la de forma inalterada na urina do usurio. Portanto, utiliza-se a
benzoilecgonina como o principal indicador biolgico de exposio para monitorar a utilizao
da droga. A benzoilecgonina possui tempo de meia vida biolgico de 6-8 horas e pode ser
detectada na urina at 14 dias aps o consumo dependendo da quantidade ingerida e da
frequncia de uso.28, 39,40
Com o uso concomitante de etanol, a cocana transesterificada por esterases presentes no
fgado formando cocaetileno, que pode ser um biomarcador para este tipo de exposio.39
Esse
metablito possui alta taxa de distribuio no crebro e no sangue, meia-vida plasmtica 3 a 5
vezes maior que a da cocana e ainda pode se acumular nos tecidos, dificultando a eliminao e
prolongando os efeitos nocivos. A combinao aumenta os nveis plasmticos de cocana e,
consequentemente, eleva o risco de morte sbita em at 18 vezes devido aos efeitos txicos
principalmente no corao e fgado.28,41
A absoro da metanfetamina tambm depende da via de administrao, refletindo
posteriormente nos efeitos observados.16,20,38
A metanfetamina fumada, popularmente conhecida
como ice ou cristal, a preparao mais apreciada pelos usurios e diversos fatores podem
explicar esta preferncia. O ice alcana uma biodisponibilidade de 90,3 10,4%, aproximando-se
da administrao parenteral sem, contudo, expor o usurio aos riscos associados ao uso de drogas
intravenosas.20
Outra caracterstica importante da metanfetamina a alta solubilidade em
lipdeos, que facilita a distribuio rpida por todo o organismo e permite, inclusive, transpor a
barreira hematoenceflica e portanto alcanar o sistema nervoso central, onde permanece por
longo perodo. 16,42
Esse perfil toxicocintico confere ao ice efeitos rpidos, intensos e duradouros (6-24
horas), bem como potencializam o desenvolvimento de dependncia.21,38
A distribuio no
organismo completa podendo acumular-se especialmente nos rins, pulmes, lquido
cefalorraquidiano e crebro. A ligao s protenas plasmticas baixa (15-30%) e o volume de
distribuio se aproxima de 5 L/Kg de peso corporal, porm esses valores so variveis.16,42
A biotransformao da metanfetamina ocorre principalmente por enzimas hepticas que
realizam reaes de N-desalquilao, hidroxilao aromtica, desaminao e oxidao resultando
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em pelo menos 7 metablitos ativos.16,42
A N-desalquilao da metanfetamina, via CYP 2D6,
produz anfetamina como metablito ativo. O metabolismo da anfetamina envolve desaminao
pelo citocromo P450, originando p-hidroxianfetamina e fenilcetona. Esta ltima, por sua vez,
oxidada a cido benzico que excretado como derivado glicuronado ou conjugado com a
glicina (cido hiprico). Uma pequena parte da anfetamina oxidada noradrenalina, que
posteriormente pode sofrer glicuronidao ou hidroxilao, o que gera neste caso outro
metablito ativo, a o-hidroxinoradrenalina, que atua como falso neurotransmissor contribuindo
para o efeito da droga, especialmente nos usurios crnicos. Considerando a atividade biolgica
dos vrios metablitos, o tempo de meia-vida da metanfetamina se estende por 10-30 horas
dependendo da pureza da droga, do pH da urina, e da quantidade consumida. 38
Em condies normais, nas primeiras 24 horas, o rim excreta cerca de 40-45% da
metanfetamina inalterada, 15% como p-hidroxianfetamina e 4 a 7% na forma de anfetamina. Por
ser uma base fraca, o pH da urina influencia consideravelmente na taxa de excreo da
metanfetamina. Sendo assim, quando a urina alcalinizada, apenas 2% excretado na forma
inalterada e 0,1% como anfetamina, prolongando os efeitos devido ao aumento do tempo de
meia-vida da droga. Na prtica clnica, comum acidificar a urina de pacientes intoxicados
visando acelerar a excreo, podendo eliminar nesses casos at 76% como metanfetamina e 7%
como anfetamina.16,20,42
3.4 Toxicodinmica
A cocana e as anfetaminas so estimulantes poderosos do sistema nervoso central e
exercem seus efeitos por aumentarem significativamente a concentrao de monoaminas
(dopamina, serotonina e noradrenalina) na fenda sinptica. Apesar de compartilharem um
resultado em comum, a maior disponibilidade desses neurotransmissores, os mecanismos
caractersticos de cada droga diferem em alguns pontos especficos.6,20
A cocana desempenha uma ao simpaticomimtica indireta, atuando principalmente nos
transportadores localizados na membrana pr-sinptica, que so responsveis por interromper a
sinalizao qumica por meio do sequestro das catecolaminas. O bloqueio ocasionado pela
cocana aumenta os nveis de dopamina, serotonina e noradrenalina na fenda sinptica e resulta
na superestimulao dessas vias.26,28,30
Est claro na literatura cientfica que as alteraes
observadas no sistema dopaminrgico so mais relevantes e esto intimamente relacionadas ao
mecanismo de recompensa e adio.43
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As metanfetaminas atuam por vrios mecanismos que se associam para alcanar
concentraes extremamente altas de monoaminas na fenda sinptica.36,42,44
As metanfetaminas,
assim como a cocana, bloqueiam a recaptao das monoaminas ligando-se s protenas
transportadoras desses neurotransmissores localizadas na membrana pr-sinptica.20,22,36,38
Neste
ponto, estas drogas diferem da cocana apenas em relao ao stio de ligao, sendo que a
metanfetamina capaz de ocupar o mesmo local que a dopamina na protena transportadora,
enquanto a cocana age em outra poro produzindo uma deformao alostrica que impede a
recaptao da dopamina.22
As metanfetaminas afetam a expresso de protenas transportadoras na
superfcie do neurnio.36
Outro efeito observado a inverso da atividade do transportador de
monoaminas que passa a expulsar os neurotransmissores do citosol para o meio
extracelular.20,36,44
A metanfetamina promove tambm a liberao das aminas biognicas
armazenadas em vesculas no citoplasma neuronal, por meio da inverso do transportador
vesicular da monoamina (VMAT), impedindo a incorporao dos neurotransmissores em
vesculas e causando o efluxo rpido para o citosol.45
Outra estratgia adotada a inibio da
atividade da enzima que metaboliza as monoaminas, monoaminoxidase (MAO), alm de
potencializar a atividade e expresso da enzima que sintetiza dopamina, tirosina hidroxilase (TH).
O resultado desses mecanismos combinados uma macia liberao de sinalizadores, aumentan-
do, assim, a neurotransmisso monoaminrgica.6,22,36,42
Todas as drogas de abuso atuam sobre o sistema dopaminrgico, mais especificamente
sobre a via mesocorticolmbica, que se projeta da rea tegmentar ventral do mesencfalo para o
ncleo accumbens e o crtex pr-frontal, que compem o chamado sistema de recompensa
cerebral. Essa ao pode ocorrer de forma direta, sobre os neurnios dopaminrgicos, ou indireta,
sobre neurnios de outros sistemas que modulam a atividade dopaminrgica (glutamato, cido
gama-aminobutrico - GABA, noradrenalina, serotonina, opiides). A estimulao do ncleo
accumbens a partir da ativao da via mesolmbica tambm responsvel pela sensao de prazer
obtida com o uso da droga e tem um papel central no reforo dos comportamentos de busca. O
crtex pr-frontal, por sua vez, est envolvido nos processos de tomada de decises, sendo
responsvel pelo controle inibitrio, e costuma estar hipofuncionante nos dependentes qumicos
ou indivduos com outras comorbidades psiquitricas, principalmente aqueles com sintomas de
impulsividade.6,43,44
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A maior disponibilidade de dopamina cerebral atribudo ao bloqueio do transportador pr-
sinptico de dopamina (DAT) responsvel pelo aumento agudo da substncia nos feixes
dopaminrgicos incrementando a neurotransmisso e desencadeando o mecanismo de
dependncia por meio do sistema de recompensa.43,46
A dopamina presente em abundncia na fenda sinptica se liga a diferentes tipos de
receptores dopaminrgicos do neurnio ps-sinptico, denominados Tipo D1-like (D1e D5) ou
Tipo D2-like (D2, D3, D4) classificados com base em propriedades moleculares e
farmacolgicas. A ao do neurotransmissor finalizada por sequestro do mesmo para o interior
do neurnio pr-sinptico por meio do transportador de dopamina (DAT) que est bloqueado pela
ao da cocana e da metanfetamina. A enzima catecol-O-metiltransferase (COMT) tambm
responsvel por interromper a atividade da dopamina por mecanismo enzimtico. A ativao de
receptores Tipo D1-like estimula o mecanismo de transduo via Protena G estimulatria
produzindo quantidades crescentes do segundo mensageiro adenosina monofosfato cclico
(AMPc). J a ativao de receptores tipo D2-like age diminuindo a formao de AMPc por meio
da protena G inibitria. Seguindo a via estimulatria, o aumento dos nveis de AMPc aciona uma
cascata de eventos incluindo ativao da protena quinase A (PKA), que desloca-se at o ncleo
onde fosforila e consequentemente ativa o fator de transcrio dependente de quinase e, por fim,
modula a expresso gnica. Diferenas genticas, bem como o uso crnico de drogas de abuso
podem alterar essa cascata intracelular e influenciar significativamente na resposta de cada
indivduo s drogas.44
Com o uso crnico da cocana observado o desenvolvimento de tolerncia devido a
eventos como diminuio da liberao do neurotransmissor, alterao da sensibilidade dos
receptores catecolaminrgicos, ou ainda, depleo de receptores ps-sinpticos.43,46
No caso da
metanfetamina, o fenmeno da tolerncia se instala rapidamente em alguns minutos aps a
administrao, antes mesmo que os efeitos agradveis desapaream e a concentrao da droga no
sangue caia significativamente.19,38,43,46
Nesse caso, o mecanismo suposto consiste em
fosforilao do receptor resultando no desacoplamento entre a protena G e o receptor
propriamente dito.42
Em ambos casos os usurios, a fim de manter a sensao de euforia,
administram a droga repetidamente e, assim, consolidam o comportamento compulsivo.19,38,43,46
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3.5 Efeitos txicos
As manifestaes clnicas tambm dependem de diversos fatores como a droga, a dose, a
via de administrao, a frequncia do uso e a pureza, pois a presena de adulterantes misturados
pode ter efeitos txicos diretos.23,28,46
Inicialmente, a administrao de cocana provoca uma sensao de euforia associada com
agitao, hiperatividade, insnia, aumento da percepo sensorial e do prazer sexual, melhora das
funes motoras, reforo da autoconfiana, perda da sensao de fadiga e reduo do
apetite.26,28,30,46
Aps o efeito agudo aparece um perodo de desconforto, depresso, cansao, e
disforia, to rpido e intenso quanto os efeitos produzidos pela cocana.28
Se instala, ento, o
desejo compulsivo pela droga (craving) acompanhado de ansiedade, confuso, tremores,
irritabilidade, comportamento violento, alucinaes visuais e tteis, crises paranicas e
convulses tnico-clnicas.26
Efeitos simpaticomimticos manifestam-se principalmente no sistema cardiovascular
resultando em elevao da presso arterial e frequncia cardaca, palpitaes, arritmias,
hipertenso pulmonar e infarto agudo do miocrdio. A cocana tambm provoca sintomas de
sudorese, midrase, tremores e hipertermia.26,28
A temperatura do corpo aumenta devido perda
de controle dos receptores dopaminrgicos hipotalmicos regulatrios. Essa hipertermia pode ser
acompanhada por convulses e causar morte sbita em doses baixas, mas contnuas da droga.26
O crack est intimamente associado com a maioria das complicaes agudas,
principalmente com os sintomas respiratrios. O tamanho das partculas formadas na combusto
pequeno o suficiente para depositar-se no alvolo pulmonar, acumulando pigmentos carbnicos
intra e extracelulares. Durante o tabagismo de crack, um resduo escuro formado, sendo
reutilizado com mais droga o que agrava o quadro respiratrio. Os sintomas respiratrios incluem
tosse com expectorao negra, dor torcica, dispnia, hemoptise, sibilos, e exacerbao da
asma.23
Complicaes neurolgicas como cefalia, acidente vascular cerebral, hemorragia
cerebral e convulses tambm esto descritos na literatura.23
O mecanismo sugerido no
desenvolvimento de acidente vascular cerebral inclui vasoespasmo, vasculite cerebral, agregao
plaquetria, cardioembolismo e picos hipertensivos associados com descontrole do fluxo
sanguneo cerebral.28
O crack se destaca mais uma vez por produzir facilmente esses efeitos.23
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13
Em situao de overdose observado no paciente irritabilidade, agressividade, delrios e
alucinaes. Ocorre tambm aumento da presso arterial e da temperatura corporal, assim como
taquicardia e degenerao dos msculos esquelticos. O paciente vai a bito por vrias
complicaes que envolvem convulses, hemorragia cerebral, falncia cardaca ou parada
respiratria. As convulses e morte so as consequncias mais comuns relacionadas overdose
de cocana.30,46
Alm das complicaes causadas pela ao da prpria droga e dos adulterantes, outras
consequncias clnicas do consumo so determinadas pela via de administrao utilizada. O uso
endovenoso o que tem maior potencial mrbido, devido possibilidade de contaminao com o
vrus HIV e hepatite. A via pulmonar acarreta leses orais e respiratrias e a nasal causa prejuzo
local na mucosa com ulceraes e sangramentos.46
Os efeitos observados em dependentes de psicoestimulantes, como a cocana, anfetaminas
e seus derivados, so coincidentes em vrios aspectos. A metanfetamina tambm produz
imediatamente aps a utilizao euforia intensa, com elevado estado de alerta, da autoestima,
aumento da energia e incremento da libido e prazer sexual, diminuio do cansao, da
necessidade de dormir e do apetite.21,22,47
Difere da cocana apenas pela maior durao dos seus
efeitos que pode se estender at por 12 horas.21,37
A toxicidade aguda caracterizada pelos efeitos perifricos exacerbados, incluindo
tremores, midrase, palpitaes, sudorese, hipertenso, arritmias cardacas, assistolia, colapso
cardiovascular, edema pulmonar, coagulao intravascular disseminada, rabdomilise,
insuficincia renal aguda, hepatotoxicidade. Outros efeitos txicos graves so surtos psicticos e
transtornos paranides, distrios do humor, estado alucinatrio, comportamento violento,
depresso, hipertermia, convulso e acidente vascular cerebral isqumico e
hemorrgico.19,20,21,42,45,47
As principais causas dos efeitos txicos so o desenvolvimento de
dependncia e overdose, muitas vezes induzidas pela tolerncia que leva o dependente de
metanfetamina a aumentar a frequncia e a dose ingerida para conseguir reproduzir a intensidade
dos efeitos da primeira vez.42
comum o usurio, que faz uso compulsivo de metanfetamina,
apresentar comportamento estereotipado, caracterizado por repetir movimentos inusitados por
horas podendo ser acompanhado por ranger dos dentes.22
O dependente de ice caracteriza-se por fazer uso da droga por horas seguidas ou mesmo
dias. No entanto, aps o efeito eufrico, experimenta extrema fadiga, dores de cabea, exausto,
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confuso mental, hipersonolncia, ansiedade, hiperfagia, depresso e fissura. Quando finalmente
o usurio consegue dormir, assim permanece por 24-36 horas ininterruptas.19,22,37,45
O uso crnico da metanfetamina parece causar alteraes neuronais irreversveis. Essas
mudanas podem resultar em sintomas neurolgicos e psiquitricos, que so provavelmente
causados pela depleo de dopamina. A psicose anfetamnica, por exemplo, um efeito txico
observado aps o uso continuado de derivados de anfetamina, com sintomas semelhantes aos de
esquizofrenia paranide, que pode ser associada com quadros de confuso, delrios e
comportamento agressivo expondo o usurio a situaes de risco. Esses sintomas psicticos
podem persistir por meses ou anos, mesmo aps o uso da droga ter cessado.22,37,42
Infarto do miocrdio, doenas respiratrias, derrame, cardiomiopatia, rabdomilise,
hepatite, ansiedade, depresso, disfuno psicomotora e morte foram reportadas.37,47,48
comum ocorrer mudanas na aparncia fsica de usurios de metanfetamina a longo
prazo, produzindo um efeito de envelhecimento. Essas mudanas geralmente resultam de
desnutrio grave, crie dentria (conhecido como "boca meth"), falta de higiene e perda de
peso.20,37
Nos casos de overdose de metanfetamina, instala-se um quadro ainda mais preocupante,
caracterizado por hipertermia, taquicardia, seguida por colapso circulatrio e convulses,
podendo ser fatal. E ainda, usurios podem entrar em coma seguido de choque cardiovascular e
morte.22
Assim como a cocana, a via de administrao utilizada influencia em parmetros
importantes como o incio e durao dos efeitos. Essa caracterstica pode ser determinante para a
escolha da droga pelo usurio. Imediatamente aps fumada ou injetada intravenosamente, a
metanfetamina produz um efeito extremamente prazeroso (flash, rush), porm de curta durao.20
Quando cheirada ou utilizada por via oral, esse efeito no alcanado, apenas uma euforia mais
duradoura produzida aps 15-20 minutos, mas no to intensa como ocorre com as vias
anteriores.19,22,37
A metanfetamina, quando comparada cocana, compartilha muitos aspectos
semelhantes, a ponto de usurios de cocana descreverem os mesmos efeitos prazerosos de
recompensa dos dependentes de metanfetaminas.26
Porm, possvel verificar diferenas quanto
durao do efeito, frequncia do consumo e necessidade de repetir a droga. Por exemplo, o
efeito da metanfetamina, dependendo da via de administrao, varia de 4-8 horas, enquanto o
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efeito da cocana somente de 10-30 minutos. Dessa forma, o crack necessita ser consumido a
cada 10-15 minutos, enquanto que a metanfetamina somente ser utilizada novamente aps horas.
A durao mdia do uso ininterrupto do crack de 12 horas, por outro lado, usurios de
metanfetamina utilizam a droga durante 24 horas.22
O abuso de drogas, cocana ou metanfetamina, um grande fator de risco para o
desenvolvimento de transtornos psiquitricos e neurolgicos, devido s diversas alteraes na
quantidade ou densidade de neurnios, bem como na expresso de fatores trficos no crebro e a
funcionalidade da barreira hematoenceflica.47
Estudos mostram diminuio do nmero de
clulas dopaminrgicas e serotoninrgicas, diminuio da densidade dos transportadores de
monoaminas e da expresso gnica do RNA, mensageiro que codifica o transportador de
dopamina (DAT) e de serotonina em diversas regies do crebro.25,42,47
H evidncias que o
consumo de psicoestimulantes pode ocasionar perda de terminais dopaminrgicos e at mesmo de
neurnios inteiros.25
Tem sido postulado que a neurotoxicidade segue mecanismos que envolvem produo de
espcies reativas de oxignio provenientes do metabolismo da dopamina e da serotonina,
danificando os componentes celulares como lipdios, DNA e protenas.25,42
Sabe-se que a
dopamina capaz de induzir a morte celular programada ou apoptose em determinadas clulas.45
Alm disso, a hipertemia observada na intoxicao aguda/crnica de dependentes parece
incrementar a degenerao neuronal.42
4. CONSIDERAES FINAIS
Nos dias atuais, a utilizao de drogas em geral representa um dos maiores problemas que
a sociedade enfrenta. Em particular, as drogas psicoestimulantes so responsveis por afetar uma
imensa parcela da populao, pois seus efeitos no atingem apenas o usurio, mas tambm a sua
famlia e a sociedade ao redor. Vrios fatores esto envolvidos na busca dos efeitos euforizantes
proporcionados pelos estimulantes centrais, dentre eles cita-se frustraes particulares, problemas
financeiros, rotina estressante, famlias desestruturadas, desinformao entre outros. A base da
soluo para esse trgico cenrio est no conhecimento e na informao proporcionados por
trabalhos desta natureza. Os efeitos alcanados com a utilizao da cocana e da metanfetamina
refletem o mecanismo de ao dessas drogas, que permite o acmulo de monoaminas na fenda
sinptica superestimulando vias dopaminrgicas, serotoninrgicas e noradrenrgicas. A escolha
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do usurio pela forma de utilizao (injetvel, oral, fumada ou inalada) est intimamente
relacionada com o perfil toxicocintico obtido com o uso por meio das diferentes vias de
administrao. De qualquer maneira, as sensaes vivenciadas parecem ser recompensadoras no
incio, mas muito provavelmente o indivduo se torna dependente e as consequncias desastrosas
resultantes do consumo colocam em risco a vida do usurio.
A estratgia do trfico inovar com drogas cada vez mais baratas e prejudiciais, como o
oxi. Tambm investem no retorno de substncias antigas, como a metanfetamina, com o perfil
ainda mais txico. Nesse sentido, os estudos e as pesquisas devem ao menos acompanhar essas
tendncias, com o objetivo de subsidiar programas de educao social, orientar a alocao de
recursos pblicos na sade, segurana e estrutura familiar, e inclusive embasar o
desenvolvimento de novos frmacos e tratamentos para os dependentes.
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