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  • Drogas psicoestimulantes:

    uma abordagem toxicolgica sobre cocana e metanfetamina

    Brbara Elisa Pereira Alves

    Emmanuel de Oliveira Carneiro

    Farmacutica. Aluna de Ps-Graduao em Farmcia e Qumica Forense, pela Pontifcia Universidade Catlica de

    Gois/IFAR

    Farmacutico. Mestre em Cincias Farmacuticas pela Universidade Federal de Gois UFG. Professor do

    IFAR/PUC-GO. Endereo: IFAR Instituto de Estudos Farmacuticos. SHCGN 716 Bl B Lj 05 Braslia/DF CEP:

    70770-732. Email: [email protected]

    Resumo

    A cocana, a anfetamina e seus derivados so as drogas de abuso que representam a classe dos psicoestimulantes.

    Atuam por mecanismos distintos no sistema nervoso central, que resultam no aumento da disponibilidade de

    monoaminas na fenda sinptica. Provocam efeitos excitatrios semelhantes que podem colocar em risco a vida do

    usurio. Por outro lado, parmetros cinticos diferem consideravelmente entre as drogas e as suas formas de

    apresentao sendo um fator determinante para a escolha da via de administrao pelo usurio. O objetivo deste

    artigo revisar a literatura referente ao tema, abordando aspectos da toxicologia destas drogas.

    Palavras-chave: Psicoestimulantes. Cocana. Anfetaminas. Crack. Metanfetamina.

    Psychostimulant drugs:

    a pharmacological approach to cocaine and methamphetamine

    Abstract

    Cocaine, amphetamine and its derivatives are psychostimulants drugs used abusively. They act by different

    mechanisms in the central nervous system, increasing the availability of monoamines in the synaptic cleft, which

    induces, in general, similar excitatory effects that may endanger the user`s life. Moreover, kinetic parameters differ

    significantly between drugs and their presentation forms, being a determining factor for choosing the administration

    route by the user. The aim of this paper is to review the literature on the topic, covering toxicology aspects of these

    drugs.

    Keywords: Psychostimulants. Cocaine. Amphetamines. Crack. Meth.

  • 1

    1 INTRODUO

    O consumo de drogas universal nas diferentes culturas humanas em todos os tempos. O

    homem pela sua prpria natureza procura alternativas para aumentar a sensao de prazer e

    diminuir o desconforto e o sofrimento. Para tanto, utiliza de maneira indiscriminada substncias

    capazes de modificar o funcionamento do sistema nervoso, induzindo sensaes corporais e

    estados psicolgicos alterados. O abuso de substncias psicoativas tem sido alvo de preocupao

    na sociedade devido a sua ntima relao com o aumento da criminalidade, acidentes

    automotivos, comportamentos anti-sociais e evaso escolar.

    A Secretaria Nacional Anti-Drogas SENAD e o Centro Brasileiro de Informaes sobre

    Drogas Psicotrpicas CEBRID definem drogas psicotrpicas como:

    As drogas utilizadas para alterar o funcionamento cerebral, causando modificaes no

    estado mental so chamadas drogas psicotrpicas. O termo psicotrpicas formado por

    duas palavras: psico e trpico. Psico est relacionado ao psiquismo, que envolve as

    funes do sistema nervoso central; e trpico significa em direo a. Drogas

    psicotrpicas, portanto, so aquelas que atuam sobre o crebro, alterando de alguma

    forma o psiquismo. Por essa razo, so tambm conhecidas como substncias

    psicoativas.4,5

    De acordo com o mecanismo de ao no sistema nervoso central elas so classificadas

    em: a) Depressoras: barbitricos, benzodiazepnicos, opiceos, etanol, inalantes; b) Estimulantes:

    cocana, anfetaminas e derivados; c) Perturbadoras: LSD, mescalina, canabinides. 4,5

    O efeito estimulante no sistema nervoso central caracterizado por euforia, acrescido de

    estado de alerta, aumento de energia e intensa emotividade. A cocana e as anfetaminas so as

    principais representantes desta classe por exercerem poderoso efeito estimulante no sistema

    nervoso central.6

    A cocana tem uma origem histrica bastante rica. Existem registros do depsito das

    folhas de coca junto s tumbas de sepultamento em stios arqueolgicos no Peru h mais de 2.500

    anos. Este ritual mantido at os dias atuais pelos ndios peruanos que acreditam ser um item

    necessrio para o alm da vida. 7,8

    Em 1855, o qumico alemo Friedrich Gaedecke extraiu o ingrediente ativo da folha da

    coca, que ele chamou de erythroxylon. Em 1859, outro qumico alemo, Albert Niemann, isolou

    o alcalide a partir das folhas da planta e denominou-o cocana.9 A partir da descoberta dos

    qumicos alemes, a cocana passou a ser empregada em vrios produtos.10

    Inicialmente foi livre

  • 2

    e bastante comercializada. Era indicada para dores, cansaos, substituto alimentar, e at mesmo

    empregada como anestsico.9,11

    Entre o final do sculo XIX e o incio do sculo XX, aconteceu uma drstica mudana na

    viso social da cocana que passou de um tnico sem efeitos colaterais para uma droga com

    restries severas, levando ao declnio do consumo. 11

    Entretanto, no incio dos anos 70, eis que ressurge a disponibilidade e o abuso da cocana

    principalmente nos Estados Unidos da Amrica (EUA). Como conseqncia desse retrocesso,

    constatou-se, ao final de 1980 e incio de 1990, o crescimento do consumo de cocana tambm na

    populao brasileira.11,12,13

    Weiss e cols (1994) atribuem esse fenmeno, dentre outros fatores,

    considervel parcela da populao que nasceu e cresceu em meio ao consumo e apologia s

    drogas resultando na negligncia quanto s sanes legais.14

    O uso da cocana tem demonstrado aumento preocupante, pois apresentou um padro de

    consumo crescente de modo significativo de acordo com Galdurz, Noto & Carlini, 1997.

    Segundo eles, o consumo de cocana quadriplicou no perodo compreendido entre os anos 1987 e

    1997, passando de 0,5% para 2,0%. Um levantamento realizado no ano de 1999 na cidade de

    Curitiba analisou 682 pronturios de adolescentes internados naquele ano por uso de drogas. O

    trabalho constatou que 77,7% das internaes se deram devido ao uso de cocana e seus

    derivados, no caso o crack. Este quadro revelou conseqncias devastadoras para a sociedade

    como o abandono escolar, a prtica de crimes e o envolvimento no trfico de drogas.7

    A anfetamina (1-metil-2-feniletilamina), sintetizada em 1887 na Alemanha, foi o

    primeiro membro de um grupo de compostos que possuem estruturas e propriedades biolgicas

    semelhantes: as "anfetaminas". Tambm compem esse grupo as metanfetaminas e 3-4

    metilenodioximetanfetamina (MDMA). 15,16

    A metanfetamina, um derivado da anfetamina com efeitos similares a esta, foi sintetizada

    em 1919 no Japo com o objetivo de se obter um substituto sinttico para a efedrina no

    tratamento da congesto nasal.16,17

    Nos Estados Unidos (EUA) conhecida tambm como "ice",

    "chalk", "speed", "meth", "glass", "crystal".18,19,20,21,22

    Um breve histrico da utilizao de metanfetamina demonstra o surgimento de vrias

    epidemias relacionadas ao uso abusivo: foi introduzida no mercado farmacutico em 1930 como

    descongestionante nasal, nesta poca o fcil acesso ao medicamento contribuiu para o uso

    descontrolado nos Estados Unidos.16,22

    Teve grande participao durante a Segunda Guerra

  • 3

    Mundial (1939-1945), quando foi largamente utilizada por soldados de diversos pases que

    buscavam os efeitos euforizantes da droga, como diminuir o sono e cansao, alm de aumentar o

    desempenho fsico e intelectual.16,22

    Novo surto foi observado em 1960, quando a metanfetamina

    se popularizou entre grupos sociais, como os hippies. Ainda na dcada de 60, era comercializada

    no Brasil na forma de um medicamento, o Pervitin, muito apreciado por jovens estudantes. Em

    pouco tempo vrios casos de dependncia foram descritos na literatura cientfica brasileira.22

    Foi banida em vrios pases, incluindo o Brasil, devido aos efeitos danosos que causa ao

    corao e sistema nervoso central. Porm, no incio dos anos 90, retornou aos Estados Unidos na

    sua forma mais poderosa e viciante, o ice. 22,17

    Esta forma de utilizao da metanfetamina despertou o interesse dos consumidores por

    apresentar diversas vantagens em relao a outras preparaes. O ice (forma fumada) produz um

    efeito extremamente prazeroso e de maior durao, o processo de produo envolvido simples e

    barato, a administrao fcil (utiliza-se um cachimbo caseiro) e mais segura. Todos esses fatores

    fizeram do ice uma das drogas mais consumidas nos EUA.22

    Atualmente, no Brasil, os grupos mais expostos que utilizam estas substncias

    ilicitamente buscando os efeitos estimulantes so estudantes, motoristas de caminho, pessoas

    obesas que pretendem emagrecer rapidamente e frequentadores de festas raves.4,18

    O presente artigo tem como objetivo apresentar uma reviso da literatura existente sobre a

    classe de substncias psicoestimulantes em especial as suas maiores representantes: a cocana e a

    anfetamina, com destaque para os respectivos derivados crack e ice, cujo uso abusivo tem se

    tornado crescente e preocupante. A abordagem do tema contemplar desde a origem,

    obteno/sntese, alcanando aspectos toxicolgicos (toxicocintica e toxicodinmica) e

    fisiopatolgicos relacionados ao uso abusivo destas substncias.

    2 METODOLOGIA

    Trata-se de um trabalho de reviso da literatura, em que foram pesquisados os descritores:

    drogas psicoativas, psicoestimulantes, cocana, crack, anfetamina e metanfetamina nas seguintes

    bases de dados: Lilacs, Scielo, Bireme e Pubmed. Foram utilizados efetivamente 39 artigos

    indexados em revistas cientficas, duas teses, uma dissertao e seis sites da internet.

  • 4

    3 DISCUSSO

    3.1 Formas de apresentao da cocana

    A cocana, ou benzoilmetilecgonina, o principal alcalide (base fraca) natural extrado

    das folhas das espcies Erythroxylum coca e Erythroxylum novogranatense, aps processo

    qumico relativamente complexo.23,24

    A planta botanicamente classificada como um arbusto,

    cultivado em clima tropical a altitudes que variam de 450 m a 1800 m acima do mar.7,8

    nativa

    dos Andes e cresce principalmente em ambientes quentes e midos em pases como Chile, Peru,

    Bolvia e Brasil.25

    Atualmente a cocana se apresenta em diversas formas aos seus consumidores

    levando a perfis toxicocinticos, toxicolgicos e grau de dependncia distintos.

    Pasta de coca: um produto bruto, no refinado, obtido nas primeiras fases de extrao da

    cocana a partir das folhas de coca. resultante da macerao das folhas com lcali, solvente

    orgnico como querosene ou gasolina e cido sulfrico. possvel encontrar tambm na sua

    composio farinha, areia, acar e talco.23

    Essa pasta contm em mdia 40 a 85% de sulfato de

    cocana alm de inmeras impurezas txicas.5,26

    Recebe outras denominaes como bazuco, pasta

    base ou simplesmente pasta. A pasta de coca fumada (inalada), pois se volatiliza a

    aproximadamente 90C, produzindo efeitos quase imediatos com maior disponibilidade e

    facilidade de uso.26,27,28

    utilizada como precursora na produo do cloridrato de cocana.26, 27

    Cloridrato de cocana: este sal pode ser consumido de duas maneiras, dissolvido em gua e

    aplicado por via endovenosa ou ainda aspirado e absorvido pelas mucosas.5,26,29

    comercializado

    sob a forma de um p branco, cristalino, inodoro, de sabor amargo e conhecido entre os

    consumidores como p, farinha, neve ou branquinha devido a suas caractersticas.30

    O

    p obtido mediante o processo de transformao das folhas da coca em pasta de cocana e esta

    em cloridrato pela adio de cido clordrico. No estvel ao calor e, portanto, no pode ser

    fumado. 23,28

    Crack: um subproduto da cocana em sua forma bsica obtido pelo aquecimento da soluo

    aquosa de cloridrato de cocana com um composto bsico, geralmente o bicarbonato ou hidrxido

    de sdio. Esse procedimento envolve o aquecimento at a obteno de uma soluo oleosa,

    seguido do resfriamento at a precipitao da base livre, com a formao de pedras que

    vaporizam a 98C e podem ser fumadas. Os consumidores dessa droga utilizam recipientes como

    cachimbos de fabricao caseira, onde aquecem as pedras e inalam o vapor ou, ainda, fumam

    como cigarros associado com tabaco, maconha, fenciclidina entre outras drogas.26,29

    O nome

  • 5

    popular crack proveniente do rudo produzido no aquecimento dos cristais.23, 26, 27, 28,29

    O acesso

    facilitado em todas as classes sociais devido ao baixo valor e a simplicidade da

    administrao.29,31

    A sensao de prazer percebida quase que instantaneamente (10 a 15

    segundos) aps uma pipada (fumada no cachimbo) e tem curta durao, de 5 minutos em

    mdia. Essa caracterstica leva o usurio a desenvolver dependncia mais rapidamente quando

    comparado ao uso por outras vias (nasal, endovenosa).5,23,26

    Oxi: Descoberto recentemente entre 2004 e 2005, graas s pesquisas realizadas pela

    Organizao no governamental Rede Acreana de Reduo de Danos - REARD no estado do

    Acre (Brasil), fronteira com a Bolvia. O nome oxi devido ao processo de oxidao que

    acontece durante a fabricao dessa droga, podendo ser considerada a cocana enferrujada.32

    obtido por um mtodo semelhante ao crack diferindo apenas na adio de querosene e cal virgem

    ao cloridrato de cocana ao invs de bicarbonato de sdio. Segundo os pesquisadores da REARD,

    provvel que esta droga tenha surgido a partir da tentativa dos traficantes de diminurem o custo

    do refino da cocana e da produo do crack utilizando substncias mais baratas e txicas.32,33

    vendido em pedras que apresentam colorao amarelada ou esbranquiada dependendo da

    quantidade de querosene ou cal virgem. Da mesma forma que o crack, consumido em latinhas

    com furos, triturado em cigarros, ou ainda aspirada na forma de p, associado ou no a outras

    drogas como maconha ou tabaco. Possivelmente, trata-se de uma das mais potentes e perigosas

    drogas conhecidas. muito comum o consumo acompanhado de bebidas alcolicas. A utilizao

    do lcool importante no ritual de uso porque alivia os sintomas da fissura que so percebidos

    entre uma pipada e outra. Esta forma de apresentao da cocana tem se alastrado por

    comunidades extremamente humildes devido ao baixo valor de venda, com o preo variando de 2

    a 5 reais por 5 pedras de oxi. 33

    importante ressaltar que todas as preparaes base de cocana so frequentemente

    adulteradas pelos fabricantes resultando em um produto diludo e com baixo grau de pureza. O

    objetivo poupar o ingrediente principal, a cocana, e aumentar o volume e o peso da droga a ser

    vendida, ludibriando o consumidor. Tal conduta dificulta definir a real composio da droga, o

    que pode levar a interaes imprevisveis e intensificar os efeitos txicos, arriscando ainda mais a

    vida do usurio. Entre os adulterantes mais comuns esto anestsicos locais (lidocana,

    benzocana), acares (manitol, lactose, sacarose), estimulantes (cafena, efedrina), toxinas

  • 6

    (quinina, estricnina), e compostos inertes (inositol, amido, talco), bem como outras substncias,

    por exemplo, farinha, clcio, aspirina, gesso.23,34,31

    3.2 Formas de apresentao da metanfetamina

    resultante da adio de um grupo metil na cadeia lateral da molcula de anfetamina, o

    que lhe confere maior solubilidade em lipdeos, melhor penetrao, bem como aumento da

    permanncia no sistema nervoso central (6-24h) e, consequentemente, proporciona efeitos

    estimulantes mais intensos e duradouros.18,21,35

    A metanfetamina se apresenta em forma de p

    branco, cristalino, inodoro e com sabor amargo que facilmente solvel em gua ou associaes

    alcolicas. Pode ser administrada por vias distintas: inalada, fumada, injetada ou ingerida. As

    sensaes so mais intensas quando utilizadas nas formas fumada ou injetada, enquanto que pela

    via oral observa-se um retardo dos efeitos.21,36

    Em 1980, surge o cloridrato de metanfetamina,

    uma variante na forma cristalizada, fumvel e com maior potencial de causar dependncia que as

    outras modalidades de metanfetamina.37

    O cloridrato de metanfetamina encontrado nas ruas

    como um slido cristalino, incolor, muitas vezes contaminado com compostos qumicos

    utilizados na sntese. Recebe vrias denominaes entre os usurios como ice, speed,

    cristal, cranck, meth, crystal meth, Tina, Christine, Yaba. 20, 21

    O ice consumido

    de forma semelhante ao crack, ou seja, por meio de cachimbos caseiros que permitem inalar os

    vapores da droga.

    O processo de sntese facilmente realizado em laboratrios clandestinos utilizando como

    precursores medicamentos que dispensam a apresentao de receita mdica indicados para tratar

    gripes e resfriados contendo efedrina.20,19,36

    Um dos mtodos mais comuns envolve reao de

    reduo da L-efedrina metanfetamina utilizando cido ioddrico (cido hidridico) e fsforo

    vermelho. O produto desta reao a D-metanfetamina, que lipossolvel e voltil. Em seguida,

    forma-se o sal em p solvel em gua, cloridrato de metanfetamina, pela adio de cido

    clordrico. Na etapa posterior, adiciona-se o cloridrato de metanfetamina lentamente gua e

    eleva-se a temperatura at aproximadamente 100C, formando uma soluo superssaturada. Por

    fim, a soluo resfriada, o que resulta na precipitao dos cristais de metanfetamina.20,21

    O

    processo de sntese rpido, fcil e relativamente barato, a utilizao de ingredientes legais e

    disponveis, as propriedades de reforo, o elevado potencial para abuso so fatores que tornam o

    ice uma droga extremamente perigosa.38,19

  • 7

    Os riscos que envolvem a exposio do usurio no so restritos apenas ao cloridrato de

    metanfetamina, mas tambm aos produtos intermedirios altamente txicos formados durante o

    processo de sntese como o cido fenilactico e o acetato de chumbo.35

    Alm disso, muitos dos

    produtos qumicos utilizados nos laboratrios clandestinos so explosivos e os resduos gerados

    so corrosivos e txicos.38,20

    3.3 Toxicocintica

    As diferentes vias de administrao da cocana determinam vrios parmetros

    toxicocinticos como velocidade de absoro, pico de concentrao plasmtica entre outros.26,39

    A absoro pela mucosa nasal muito mais lenta quando comparada via inalatria, o

    que se deve baixa difuso pela mucosa naso-orofarngea, bem como s propriedades

    vasoconstritoras da cocana que dificultam o fluxo. A biodisponibilidade da ordem de 60%,

    porm nveis mais baixos de concentraes plasmticas so produzidos em tempo prolongado

    devido reduzida velocidade de absoro. O pico de concentrao plasmtica atingido

    normalmente em 60 minutos e a droga persiste no organismo por at 6 horas.26,28,40

    Embora mais

    lenta em relao aos aparecimentos dos efeitos, a via intranasal equivalente no que se refere

    intensidade destes, quando comparada com a via intravenosa.39

    A cocana fumada ou crack, por sua vez, absorvida quase que instantaneamente. A alta

    velocidade de penetrao explicada pela extensa rea de superfcie dos pulmes e a elevada

    vascularizao deste rgo.5

    O pico plasmtico atingido rapidamente entre 5-10 minutos28

    e a

    biodisponibilidade de aproximadamente 70%. O efeito farmacolgico produzido

    extremamente rpido e intenso podendo ser comparado via intravenosa.39

    Aps a absoro, a cocana atravessa as membranas celulares, inclusive a barreira

    hematoenceflica, com muita facilidade. Quando fumada, possvel detectar cocana no sistema

    nervoso central em 5 segundos, enquanto que aspirada ou administrada pela via intravenosa,

    atinge o crebro em 30 segundos.26

    A cocana rapidamente metabolizada por enzimas plasmticas e hepticas que

    hidrolisam as duas funes steres presentes na molcula (um grupo metil ster e outro benzoil

    ster). A reao mediada por carboxilesterases sobre o grupo metil ster da cocana produz

    benzoilecgonina, enquanto que a ao de colinesterases sobre o grupo benzoil ster leva a

    formao do ster metilecgonina. Posteriormente, pequenas pores desses produtos podem ainda

    sofrer novo processo de hidrlise e formar, por fim, a ecgonina. A norcocana, outro metablito,

  • 8

    produzida em pequenas quantidades por desmetilao no fgado atravs do sistema citocromo

    P450. o nico produto da biotransformao que possui atividade biolgica.26,39,40,41

    Devido ao curto tempo de meia vida biolgica da cocana (aproximadamente 60 minutos),

    no comum encontr-la de forma inalterada na urina do usurio. Portanto, utiliza-se a

    benzoilecgonina como o principal indicador biolgico de exposio para monitorar a utilizao

    da droga. A benzoilecgonina possui tempo de meia vida biolgico de 6-8 horas e pode ser

    detectada na urina at 14 dias aps o consumo dependendo da quantidade ingerida e da

    frequncia de uso.28, 39,40

    Com o uso concomitante de etanol, a cocana transesterificada por esterases presentes no

    fgado formando cocaetileno, que pode ser um biomarcador para este tipo de exposio.39

    Esse

    metablito possui alta taxa de distribuio no crebro e no sangue, meia-vida plasmtica 3 a 5

    vezes maior que a da cocana e ainda pode se acumular nos tecidos, dificultando a eliminao e

    prolongando os efeitos nocivos. A combinao aumenta os nveis plasmticos de cocana e,

    consequentemente, eleva o risco de morte sbita em at 18 vezes devido aos efeitos txicos

    principalmente no corao e fgado.28,41

    A absoro da metanfetamina tambm depende da via de administrao, refletindo

    posteriormente nos efeitos observados.16,20,38

    A metanfetamina fumada, popularmente conhecida

    como ice ou cristal, a preparao mais apreciada pelos usurios e diversos fatores podem

    explicar esta preferncia. O ice alcana uma biodisponibilidade de 90,3 10,4%, aproximando-se

    da administrao parenteral sem, contudo, expor o usurio aos riscos associados ao uso de drogas

    intravenosas.20

    Outra caracterstica importante da metanfetamina a alta solubilidade em

    lipdeos, que facilita a distribuio rpida por todo o organismo e permite, inclusive, transpor a

    barreira hematoenceflica e portanto alcanar o sistema nervoso central, onde permanece por

    longo perodo. 16,42

    Esse perfil toxicocintico confere ao ice efeitos rpidos, intensos e duradouros (6-24

    horas), bem como potencializam o desenvolvimento de dependncia.21,38

    A distribuio no

    organismo completa podendo acumular-se especialmente nos rins, pulmes, lquido

    cefalorraquidiano e crebro. A ligao s protenas plasmticas baixa (15-30%) e o volume de

    distribuio se aproxima de 5 L/Kg de peso corporal, porm esses valores so variveis.16,42

    A biotransformao da metanfetamina ocorre principalmente por enzimas hepticas que

    realizam reaes de N-desalquilao, hidroxilao aromtica, desaminao e oxidao resultando

  • 9

    em pelo menos 7 metablitos ativos.16,42

    A N-desalquilao da metanfetamina, via CYP 2D6,

    produz anfetamina como metablito ativo. O metabolismo da anfetamina envolve desaminao

    pelo citocromo P450, originando p-hidroxianfetamina e fenilcetona. Esta ltima, por sua vez,

    oxidada a cido benzico que excretado como derivado glicuronado ou conjugado com a

    glicina (cido hiprico). Uma pequena parte da anfetamina oxidada noradrenalina, que

    posteriormente pode sofrer glicuronidao ou hidroxilao, o que gera neste caso outro

    metablito ativo, a o-hidroxinoradrenalina, que atua como falso neurotransmissor contribuindo

    para o efeito da droga, especialmente nos usurios crnicos. Considerando a atividade biolgica

    dos vrios metablitos, o tempo de meia-vida da metanfetamina se estende por 10-30 horas

    dependendo da pureza da droga, do pH da urina, e da quantidade consumida. 38

    Em condies normais, nas primeiras 24 horas, o rim excreta cerca de 40-45% da

    metanfetamina inalterada, 15% como p-hidroxianfetamina e 4 a 7% na forma de anfetamina. Por

    ser uma base fraca, o pH da urina influencia consideravelmente na taxa de excreo da

    metanfetamina. Sendo assim, quando a urina alcalinizada, apenas 2% excretado na forma

    inalterada e 0,1% como anfetamina, prolongando os efeitos devido ao aumento do tempo de

    meia-vida da droga. Na prtica clnica, comum acidificar a urina de pacientes intoxicados

    visando acelerar a excreo, podendo eliminar nesses casos at 76% como metanfetamina e 7%

    como anfetamina.16,20,42

    3.4 Toxicodinmica

    A cocana e as anfetaminas so estimulantes poderosos do sistema nervoso central e

    exercem seus efeitos por aumentarem significativamente a concentrao de monoaminas

    (dopamina, serotonina e noradrenalina) na fenda sinptica. Apesar de compartilharem um

    resultado em comum, a maior disponibilidade desses neurotransmissores, os mecanismos

    caractersticos de cada droga diferem em alguns pontos especficos.6,20

    A cocana desempenha uma ao simpaticomimtica indireta, atuando principalmente nos

    transportadores localizados na membrana pr-sinptica, que so responsveis por interromper a

    sinalizao qumica por meio do sequestro das catecolaminas. O bloqueio ocasionado pela

    cocana aumenta os nveis de dopamina, serotonina e noradrenalina na fenda sinptica e resulta

    na superestimulao dessas vias.26,28,30

    Est claro na literatura cientfica que as alteraes

    observadas no sistema dopaminrgico so mais relevantes e esto intimamente relacionadas ao

    mecanismo de recompensa e adio.43

  • 10

    As metanfetaminas atuam por vrios mecanismos que se associam para alcanar

    concentraes extremamente altas de monoaminas na fenda sinptica.36,42,44

    As metanfetaminas,

    assim como a cocana, bloqueiam a recaptao das monoaminas ligando-se s protenas

    transportadoras desses neurotransmissores localizadas na membrana pr-sinptica.20,22,36,38

    Neste

    ponto, estas drogas diferem da cocana apenas em relao ao stio de ligao, sendo que a

    metanfetamina capaz de ocupar o mesmo local que a dopamina na protena transportadora,

    enquanto a cocana age em outra poro produzindo uma deformao alostrica que impede a

    recaptao da dopamina.22

    As metanfetaminas afetam a expresso de protenas transportadoras na

    superfcie do neurnio.36

    Outro efeito observado a inverso da atividade do transportador de

    monoaminas que passa a expulsar os neurotransmissores do citosol para o meio

    extracelular.20,36,44

    A metanfetamina promove tambm a liberao das aminas biognicas

    armazenadas em vesculas no citoplasma neuronal, por meio da inverso do transportador

    vesicular da monoamina (VMAT), impedindo a incorporao dos neurotransmissores em

    vesculas e causando o efluxo rpido para o citosol.45

    Outra estratgia adotada a inibio da

    atividade da enzima que metaboliza as monoaminas, monoaminoxidase (MAO), alm de

    potencializar a atividade e expresso da enzima que sintetiza dopamina, tirosina hidroxilase (TH).

    O resultado desses mecanismos combinados uma macia liberao de sinalizadores, aumentan-

    do, assim, a neurotransmisso monoaminrgica.6,22,36,42

    Todas as drogas de abuso atuam sobre o sistema dopaminrgico, mais especificamente

    sobre a via mesocorticolmbica, que se projeta da rea tegmentar ventral do mesencfalo para o

    ncleo accumbens e o crtex pr-frontal, que compem o chamado sistema de recompensa

    cerebral. Essa ao pode ocorrer de forma direta, sobre os neurnios dopaminrgicos, ou indireta,

    sobre neurnios de outros sistemas que modulam a atividade dopaminrgica (glutamato, cido

    gama-aminobutrico - GABA, noradrenalina, serotonina, opiides). A estimulao do ncleo

    accumbens a partir da ativao da via mesolmbica tambm responsvel pela sensao de prazer

    obtida com o uso da droga e tem um papel central no reforo dos comportamentos de busca. O

    crtex pr-frontal, por sua vez, est envolvido nos processos de tomada de decises, sendo

    responsvel pelo controle inibitrio, e costuma estar hipofuncionante nos dependentes qumicos

    ou indivduos com outras comorbidades psiquitricas, principalmente aqueles com sintomas de

    impulsividade.6,43,44

  • 11

    A maior disponibilidade de dopamina cerebral atribudo ao bloqueio do transportador pr-

    sinptico de dopamina (DAT) responsvel pelo aumento agudo da substncia nos feixes

    dopaminrgicos incrementando a neurotransmisso e desencadeando o mecanismo de

    dependncia por meio do sistema de recompensa.43,46

    A dopamina presente em abundncia na fenda sinptica se liga a diferentes tipos de

    receptores dopaminrgicos do neurnio ps-sinptico, denominados Tipo D1-like (D1e D5) ou

    Tipo D2-like (D2, D3, D4) classificados com base em propriedades moleculares e

    farmacolgicas. A ao do neurotransmissor finalizada por sequestro do mesmo para o interior

    do neurnio pr-sinptico por meio do transportador de dopamina (DAT) que est bloqueado pela

    ao da cocana e da metanfetamina. A enzima catecol-O-metiltransferase (COMT) tambm

    responsvel por interromper a atividade da dopamina por mecanismo enzimtico. A ativao de

    receptores Tipo D1-like estimula o mecanismo de transduo via Protena G estimulatria

    produzindo quantidades crescentes do segundo mensageiro adenosina monofosfato cclico

    (AMPc). J a ativao de receptores tipo D2-like age diminuindo a formao de AMPc por meio

    da protena G inibitria. Seguindo a via estimulatria, o aumento dos nveis de AMPc aciona uma

    cascata de eventos incluindo ativao da protena quinase A (PKA), que desloca-se at o ncleo

    onde fosforila e consequentemente ativa o fator de transcrio dependente de quinase e, por fim,

    modula a expresso gnica. Diferenas genticas, bem como o uso crnico de drogas de abuso

    podem alterar essa cascata intracelular e influenciar significativamente na resposta de cada

    indivduo s drogas.44

    Com o uso crnico da cocana observado o desenvolvimento de tolerncia devido a

    eventos como diminuio da liberao do neurotransmissor, alterao da sensibilidade dos

    receptores catecolaminrgicos, ou ainda, depleo de receptores ps-sinpticos.43,46

    No caso da

    metanfetamina, o fenmeno da tolerncia se instala rapidamente em alguns minutos aps a

    administrao, antes mesmo que os efeitos agradveis desapaream e a concentrao da droga no

    sangue caia significativamente.19,38,43,46

    Nesse caso, o mecanismo suposto consiste em

    fosforilao do receptor resultando no desacoplamento entre a protena G e o receptor

    propriamente dito.42

    Em ambos casos os usurios, a fim de manter a sensao de euforia,

    administram a droga repetidamente e, assim, consolidam o comportamento compulsivo.19,38,43,46

  • 12

    3.5 Efeitos txicos

    As manifestaes clnicas tambm dependem de diversos fatores como a droga, a dose, a

    via de administrao, a frequncia do uso e a pureza, pois a presena de adulterantes misturados

    pode ter efeitos txicos diretos.23,28,46

    Inicialmente, a administrao de cocana provoca uma sensao de euforia associada com

    agitao, hiperatividade, insnia, aumento da percepo sensorial e do prazer sexual, melhora das

    funes motoras, reforo da autoconfiana, perda da sensao de fadiga e reduo do

    apetite.26,28,30,46

    Aps o efeito agudo aparece um perodo de desconforto, depresso, cansao, e

    disforia, to rpido e intenso quanto os efeitos produzidos pela cocana.28

    Se instala, ento, o

    desejo compulsivo pela droga (craving) acompanhado de ansiedade, confuso, tremores,

    irritabilidade, comportamento violento, alucinaes visuais e tteis, crises paranicas e

    convulses tnico-clnicas.26

    Efeitos simpaticomimticos manifestam-se principalmente no sistema cardiovascular

    resultando em elevao da presso arterial e frequncia cardaca, palpitaes, arritmias,

    hipertenso pulmonar e infarto agudo do miocrdio. A cocana tambm provoca sintomas de

    sudorese, midrase, tremores e hipertermia.26,28

    A temperatura do corpo aumenta devido perda

    de controle dos receptores dopaminrgicos hipotalmicos regulatrios. Essa hipertermia pode ser

    acompanhada por convulses e causar morte sbita em doses baixas, mas contnuas da droga.26

    O crack est intimamente associado com a maioria das complicaes agudas,

    principalmente com os sintomas respiratrios. O tamanho das partculas formadas na combusto

    pequeno o suficiente para depositar-se no alvolo pulmonar, acumulando pigmentos carbnicos

    intra e extracelulares. Durante o tabagismo de crack, um resduo escuro formado, sendo

    reutilizado com mais droga o que agrava o quadro respiratrio. Os sintomas respiratrios incluem

    tosse com expectorao negra, dor torcica, dispnia, hemoptise, sibilos, e exacerbao da

    asma.23

    Complicaes neurolgicas como cefalia, acidente vascular cerebral, hemorragia

    cerebral e convulses tambm esto descritos na literatura.23

    O mecanismo sugerido no

    desenvolvimento de acidente vascular cerebral inclui vasoespasmo, vasculite cerebral, agregao

    plaquetria, cardioembolismo e picos hipertensivos associados com descontrole do fluxo

    sanguneo cerebral.28

    O crack se destaca mais uma vez por produzir facilmente esses efeitos.23

  • 13

    Em situao de overdose observado no paciente irritabilidade, agressividade, delrios e

    alucinaes. Ocorre tambm aumento da presso arterial e da temperatura corporal, assim como

    taquicardia e degenerao dos msculos esquelticos. O paciente vai a bito por vrias

    complicaes que envolvem convulses, hemorragia cerebral, falncia cardaca ou parada

    respiratria. As convulses e morte so as consequncias mais comuns relacionadas overdose

    de cocana.30,46

    Alm das complicaes causadas pela ao da prpria droga e dos adulterantes, outras

    consequncias clnicas do consumo so determinadas pela via de administrao utilizada. O uso

    endovenoso o que tem maior potencial mrbido, devido possibilidade de contaminao com o

    vrus HIV e hepatite. A via pulmonar acarreta leses orais e respiratrias e a nasal causa prejuzo

    local na mucosa com ulceraes e sangramentos.46

    Os efeitos observados em dependentes de psicoestimulantes, como a cocana, anfetaminas

    e seus derivados, so coincidentes em vrios aspectos. A metanfetamina tambm produz

    imediatamente aps a utilizao euforia intensa, com elevado estado de alerta, da autoestima,

    aumento da energia e incremento da libido e prazer sexual, diminuio do cansao, da

    necessidade de dormir e do apetite.21,22,47

    Difere da cocana apenas pela maior durao dos seus

    efeitos que pode se estender at por 12 horas.21,37

    A toxicidade aguda caracterizada pelos efeitos perifricos exacerbados, incluindo

    tremores, midrase, palpitaes, sudorese, hipertenso, arritmias cardacas, assistolia, colapso

    cardiovascular, edema pulmonar, coagulao intravascular disseminada, rabdomilise,

    insuficincia renal aguda, hepatotoxicidade. Outros efeitos txicos graves so surtos psicticos e

    transtornos paranides, distrios do humor, estado alucinatrio, comportamento violento,

    depresso, hipertermia, convulso e acidente vascular cerebral isqumico e

    hemorrgico.19,20,21,42,45,47

    As principais causas dos efeitos txicos so o desenvolvimento de

    dependncia e overdose, muitas vezes induzidas pela tolerncia que leva o dependente de

    metanfetamina a aumentar a frequncia e a dose ingerida para conseguir reproduzir a intensidade

    dos efeitos da primeira vez.42

    comum o usurio, que faz uso compulsivo de metanfetamina,

    apresentar comportamento estereotipado, caracterizado por repetir movimentos inusitados por

    horas podendo ser acompanhado por ranger dos dentes.22

    O dependente de ice caracteriza-se por fazer uso da droga por horas seguidas ou mesmo

    dias. No entanto, aps o efeito eufrico, experimenta extrema fadiga, dores de cabea, exausto,

  • 14

    confuso mental, hipersonolncia, ansiedade, hiperfagia, depresso e fissura. Quando finalmente

    o usurio consegue dormir, assim permanece por 24-36 horas ininterruptas.19,22,37,45

    O uso crnico da metanfetamina parece causar alteraes neuronais irreversveis. Essas

    mudanas podem resultar em sintomas neurolgicos e psiquitricos, que so provavelmente

    causados pela depleo de dopamina. A psicose anfetamnica, por exemplo, um efeito txico

    observado aps o uso continuado de derivados de anfetamina, com sintomas semelhantes aos de

    esquizofrenia paranide, que pode ser associada com quadros de confuso, delrios e

    comportamento agressivo expondo o usurio a situaes de risco. Esses sintomas psicticos

    podem persistir por meses ou anos, mesmo aps o uso da droga ter cessado.22,37,42

    Infarto do miocrdio, doenas respiratrias, derrame, cardiomiopatia, rabdomilise,

    hepatite, ansiedade, depresso, disfuno psicomotora e morte foram reportadas.37,47,48

    comum ocorrer mudanas na aparncia fsica de usurios de metanfetamina a longo

    prazo, produzindo um efeito de envelhecimento. Essas mudanas geralmente resultam de

    desnutrio grave, crie dentria (conhecido como "boca meth"), falta de higiene e perda de

    peso.20,37

    Nos casos de overdose de metanfetamina, instala-se um quadro ainda mais preocupante,

    caracterizado por hipertermia, taquicardia, seguida por colapso circulatrio e convulses,

    podendo ser fatal. E ainda, usurios podem entrar em coma seguido de choque cardiovascular e

    morte.22

    Assim como a cocana, a via de administrao utilizada influencia em parmetros

    importantes como o incio e durao dos efeitos. Essa caracterstica pode ser determinante para a

    escolha da droga pelo usurio. Imediatamente aps fumada ou injetada intravenosamente, a

    metanfetamina produz um efeito extremamente prazeroso (flash, rush), porm de curta durao.20

    Quando cheirada ou utilizada por via oral, esse efeito no alcanado, apenas uma euforia mais

    duradoura produzida aps 15-20 minutos, mas no to intensa como ocorre com as vias

    anteriores.19,22,37

    A metanfetamina, quando comparada cocana, compartilha muitos aspectos

    semelhantes, a ponto de usurios de cocana descreverem os mesmos efeitos prazerosos de

    recompensa dos dependentes de metanfetaminas.26

    Porm, possvel verificar diferenas quanto

    durao do efeito, frequncia do consumo e necessidade de repetir a droga. Por exemplo, o

    efeito da metanfetamina, dependendo da via de administrao, varia de 4-8 horas, enquanto o

  • 15

    efeito da cocana somente de 10-30 minutos. Dessa forma, o crack necessita ser consumido a

    cada 10-15 minutos, enquanto que a metanfetamina somente ser utilizada novamente aps horas.

    A durao mdia do uso ininterrupto do crack de 12 horas, por outro lado, usurios de

    metanfetamina utilizam a droga durante 24 horas.22

    O abuso de drogas, cocana ou metanfetamina, um grande fator de risco para o

    desenvolvimento de transtornos psiquitricos e neurolgicos, devido s diversas alteraes na

    quantidade ou densidade de neurnios, bem como na expresso de fatores trficos no crebro e a

    funcionalidade da barreira hematoenceflica.47

    Estudos mostram diminuio do nmero de

    clulas dopaminrgicas e serotoninrgicas, diminuio da densidade dos transportadores de

    monoaminas e da expresso gnica do RNA, mensageiro que codifica o transportador de

    dopamina (DAT) e de serotonina em diversas regies do crebro.25,42,47

    H evidncias que o

    consumo de psicoestimulantes pode ocasionar perda de terminais dopaminrgicos e at mesmo de

    neurnios inteiros.25

    Tem sido postulado que a neurotoxicidade segue mecanismos que envolvem produo de

    espcies reativas de oxignio provenientes do metabolismo da dopamina e da serotonina,

    danificando os componentes celulares como lipdios, DNA e protenas.25,42

    Sabe-se que a

    dopamina capaz de induzir a morte celular programada ou apoptose em determinadas clulas.45

    Alm disso, a hipertemia observada na intoxicao aguda/crnica de dependentes parece

    incrementar a degenerao neuronal.42

    4. CONSIDERAES FINAIS

    Nos dias atuais, a utilizao de drogas em geral representa um dos maiores problemas que

    a sociedade enfrenta. Em particular, as drogas psicoestimulantes so responsveis por afetar uma

    imensa parcela da populao, pois seus efeitos no atingem apenas o usurio, mas tambm a sua

    famlia e a sociedade ao redor. Vrios fatores esto envolvidos na busca dos efeitos euforizantes

    proporcionados pelos estimulantes centrais, dentre eles cita-se frustraes particulares, problemas

    financeiros, rotina estressante, famlias desestruturadas, desinformao entre outros. A base da

    soluo para esse trgico cenrio est no conhecimento e na informao proporcionados por

    trabalhos desta natureza. Os efeitos alcanados com a utilizao da cocana e da metanfetamina

    refletem o mecanismo de ao dessas drogas, que permite o acmulo de monoaminas na fenda

    sinptica superestimulando vias dopaminrgicas, serotoninrgicas e noradrenrgicas. A escolha

  • 16

    do usurio pela forma de utilizao (injetvel, oral, fumada ou inalada) est intimamente

    relacionada com o perfil toxicocintico obtido com o uso por meio das diferentes vias de

    administrao. De qualquer maneira, as sensaes vivenciadas parecem ser recompensadoras no

    incio, mas muito provavelmente o indivduo se torna dependente e as consequncias desastrosas

    resultantes do consumo colocam em risco a vida do usurio.

    A estratgia do trfico inovar com drogas cada vez mais baratas e prejudiciais, como o

    oxi. Tambm investem no retorno de substncias antigas, como a metanfetamina, com o perfil

    ainda mais txico. Nesse sentido, os estudos e as pesquisas devem ao menos acompanhar essas

    tendncias, com o objetivo de subsidiar programas de educao social, orientar a alocao de

    recursos pblicos na sade, segurana e estrutura familiar, e inclusive embasar o

    desenvolvimento de novos frmacos e tratamentos para os dependentes.

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