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Compartilhe Compartilhe Compartilhe DROGAS Cracolândia: programa da prefeitura tem hotéis insalubres e viciados que recebem sem trabalhar Reportagem de VEJA SÃO PAULO acompanhou por um mês o trabalho de varrição de ruas e praças e entrou nos abrigos contratados pela gestão municipal Por: Adriana Farias e Aretha Yarak 27/03/2015 às 23:00 Atualizado em 30/03/2015 às 11:43 O local persiste em “minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicarse como larvas no esterco”. Essa descrição feita por Aluísio Azevedo no clássico O Cortiço serve também TODAS AS MÍDIAS 114Quarto da Pensão Azul, na Alameda Barão de Piracicaba: risco de interdição por problemas de segurança (Foto: Mário Rodrigues )

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03/04/2015 Cracolândia: programa da prefeitura tem hotéis insalubres e viciados que recebem sem trabalhar | VEJA São Paulo

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DROGAS

Cracolândia: programa daprefeitura tem hotéis insalubres eviciados que recebem sem trabalharReportagem de VEJA SÃO PAULO acompanhou por um mês o trabalho de varrição

de ruas e praças e entrou nos abrigos contratados pela gestão municipal

Por: Adriana Farias e Aretha Yarak 27/03/2015 às 23:00 Atualizado em 30/03/2015 às 11:43

O local

persiste em “minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração,que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicarse como larvas noesterco”. Essa descrição feita por Aluísio Azevedo no clássico O Cortiço serve também

TODAS AS MÍDIAS

114Quarto da Pensão Azul, na Alameda Barão de Piracicaba: risco de interdição porproblemas de segurança (Foto: Mário Rodrigues )

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03/04/2015 Cracolândia: programa da prefeitura tem hotéis insalubres e viciados que recebem sem trabalhar | VEJA São Paulo

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como retrato atual de qualquer um dos sete hotéis do centro contratados pela prefeiturapara abrigar usuários de crack no programa De Braços Abertos.

A ideia do projeto, iniciado em janeiro de 2014 por Fernando Haddad, é retirar daCracolândia os viciados, oferecendo a eles um teto, três refeições diárias e um saláriosemanal de 115 reais por serviços como a varrição de ruas e praças (a jornada é de quatrohoras por dia e o pagamento é feito em dinheiro vivo).

+ Exmodelo Loemy Marques luta contra o crack

No início, as moradias passaram por uma reforma, que incluiu pintura, troca de piso ecompra de mobiliário. Meses depois, esses ambientes viraram um cenário de desolação. Osquartos hoje têm banheiro entupido e encardido, além de um forte odor de latrina que seespalha pelos corredores. A visita de ratos e ratazanas é corriqueira e não distinguedormitórios com adultos de quartos com crianças.

+ Inédita na Cracolândia, heroína é vendida por 25 reais a grama

Nos cômodos é comum tropeçar em marmitas esquecidas pelo chão e em entulhos. Roupassujas espalhamse por cadeiras e camas. Pelo teto, o forro aparente denuncia dezenas de“gatos” de energia. O risco de incêndio é agravado pela ausência de extintores, roubadospara virar moeda de troca por pedras de crack, o mesmo destino de vários outros itens. Arelação inclui fiação elétrica, resistência de chuveiro, televisores, maçanetas, caixas deenergia e até pias de banheiro. “Eles destroem tudo”, reclama Manoel Soares Souza,responsável por três dos sete hotéis. “É impossível repor as peças.”

O governo municipal paga aos estabelecimentos uma taxa mensal de 500 reais porhóspede. Até o fim do ano passado, a manutenção ficava a cargo da prefeitura. Um novocontrato assinado recentemente passou a responsabilidade para os donos dos hotéis. “Vai

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03/04/2015 Cracolândia: programa da prefeitura tem hotéis insalubres e viciados que recebem sem trabalhar | VEJA São Paulo

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ser sempre melhor morar aqui do que na rua, mas as condições estão horríveis”, reclamaMarina Pinheiro, de 38 anos, que está no programa há cerca de seis meses.

A situação desses endereços chegou a tal ponto que o caso virou objeto de um inquéritocivil no Ministério Público do Estado de São Paulo, aberto em julho do ano passado. Noúltimo relatório técnico do caso, conduzido pelo promotor de Habitação e Urbanismo MárioAugusto Vicente Malaquias, foi constatado que os imóveis são insalubres e inseguros. Nofim do ano, em meio a uma discussão entre duas moradoras, por pouco não ocorreu umagrande tragédia. Alguém ateou fogo a uma parte do último andar do Hotel Seoul, localizadono número 223 da Alameda Barão de Piracicaba. Ninguém se feriu, mas dois quartos foramdestruídos.

Há cerca de um mês, o Corpo de Bombeiros voltou para uma nova vistoria e constatou queos imóveis continuam irregulares. O relatório foi entregue à promotoria há duas semanas eestá em análise. Uma das possibilidades envolve a interdição dos locais. Nesse caso, osusuários seriam despejados de volta às ruas.

Essa questão não representa o único ponto problemático do programa de Haddad, queconsumiu desde o início um investimento de cerca de 10 milhões de reais. O controle defrequência ao serviço dos 321 cadastrados no trabalho de varrição é bastante frouxo.Muitos aparecem cedo para marcar o ponto e desaparecem em seguida. Matam o tempoperambulando pelas ruas ou voltam para o hotel. Outros não cumprem nem metade dajornada de quatro horas, e há ainda quem justifique as faltas com atestados médicossuspeitos.

+ Filial da Cracolândia surge na região da Paulista

Uma das poucas beneficiárias do projeto a falar abertamente sobre isso é Flávia Brito, de39 anos, que se diz desestimulada com a situação. “Pouca gente vai trabalhar e eu tambémfui perdendo a vontade. Hoje, vou no máximo duas ou três vezes por semana”, relata. “Amaioria das pessoas que aparecem não faz nem duas horas de varrição. Uma turma dormeno Largo do Arouche porque virou a noite e fica assim até o fim do expediente. Oorientador, que deveria ver tudo isso, passa o tempo mexendo no celular.”

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A excabeleireira Flávia Brito, de 39 anos: "A turma fica dormindo porque virou a noite, e oorientador, que deveria ver tudo, passa o tempo mexendo no celular" (Foto: Mário Rodrigues)

Ela vive na Cracolândia há dois anos, desde que se separou do marido por sofreragressões físicas. Flávia experimentou drogas pela primeira vez com ele, que já erausuário. Antes de chegar ao fundo do poço, trabalhava como cabeleireira. Quando soube doDe Braços Abertos, ficou entusiasmada com a possibilidade de conseguir sair do infernodas ruas e foi uma das primeiras a entrar no projeto.

Agora se diz decepcionada e sonha ganhar um tratamento longe dali, a exemplo do queocorreu com a exmodelo Loemy Marques, que recebeu ajuda do programa doapresentador Rodrigo Faro depois de sua história se tornar pública em umareportagem deVEJA SÃO PAULO, no ano passado. (veja quadro abaixo)

+ Modelo que morava na Cracolândia recupera autoestima

Durante um mês, entre fevereiro e março, a jornalista Adriana Farias acompanhoudiariamente a rotina de varrição da De Braços Abertos e constatou que o depoimento da excabeleireira Flávia Brito está longe de ser exagerado. A repórter de VEJA SÃO PAULOchegava perto das 8 horas ao local de distribuição do serviço, na Alameda Barão dePiracicaba, e permanecia com as equipes em boa parte da jornada. Em média, ao longodesse período, compareceram ao expediente cerca de cinquenta cadastrados, ou 15% dototal.

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Em meio à jornada de trabalho, beneficiária usa espaço de bar para dormir (Foto: MárioRodrigues)

Na manhã da última sextafeira (6), por exemplo, uma beneficiária, já alterada por terconsumido bebida alcoólica, abandonou o grupo depois de alguns quarteirões. Largou avassoura na Praça Olavo Bilac, ficou por aproximadamente quarenta minutos sentada emum açougue, seguiu para um boteco, onde pediu algo mas não foi atendida, discutiu comuma moça na rua e caminhou algumas quadras pela Alameda Glete até dar o horário finaldo trabalho.

Apareceu momentos depois para fazer a marcação do ponto de saída. Na tarde do mesmodia, recebeu o pagamento e comprou uma garrafa de pinga. Assim como ela, oscadastrados comparecem em peso ao galpão da Alameda Barão de Piracicaba às sextaspara pegar o dinheiro do programa. Nesses dias, entre 14 e 17 horas, quando ocorre adistribuição do dinheiro, o local fica bastante movimentado. Em parte desse período, areportagem de VEJA SÃO PAULO chegou a contar a presença de mais de duas centenasde pessoas.

A coordenação de tudo fica aos cuidados de uma ONG contratada pela prefeitura, aAssociação de Desenvolvimento Econômico e Social às Famílias (Adesaf). Ela recebe 815000 reais por mês do município para pagar as despesas com seus profissionais e o auxílioaos 453 cadastrados. Além dos 321 varredores, 111 pessoas estão em licença médica(como mulheres que acabaram de ter filho) e as restantes, espalhadas por empresasprivadas (nesse caso, ganham apenas uma bolsa moradia).

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+ Vizinhos da Cracolândia

A Adesaf também está à frente das atividades disponíveis para o período da tarde, comocursos de crochê e de vôlei, criados para ocupar o tempo dos beneficiários. Mas quaseninguém aparece. A entidade integrouse ao trabalho há seis meses, em substituição àONG que iniciou o projeto, a União Social Brasil Gigante. Essa troca ocorreu porinsatisfação da prefeitura com a organização do programa.

Mas a Adesaf não conseguiu ainda melhorar o controle das equipes nem reduzir o abusodos atestados médicos, alguns comprados na região da Sé. “Já marquei o ponto e não fui,peguei um atestado para dor de dente sem estar com dor... Tem uma galera que faz issodireto”, relata Flávia Brito. Mesmo quem resolve trabalhar não encontra muito estímulo.Numa sexta (13 de fevereiro), um usuário foi dispensado do serviço à toa, apesar de tersido o único de uma equipe de quarenta pessoas a comparecer. “Falei para ele: ‘Vaipassear, na hora de bater o ponto você aparece’”, disse um orientador.

A beneficiária Marina Pinheiros, de 39 anos, no ambiente onde vive com as duas filhas desde queentrou no programa municipal: "Vai ser sempre melhor morar aqui do que na rua, mas as

condições estão horríveis" (Foto: Mário Rodrigues)

Há indícios de que a conivência desses profissionais não ocorre apenas por desleixo.“Alguns estão ganhando um dinheirinho para bater o cartão para os beneficiários sem queeles sigam para trabalhar, assim fazem vista grossa e garantem o pagamento na sexta”, dizFlávia. Segundo usuários ouvidos por VEJA SÃO PAULO, o pedágio custaria de 30 a 40reais por semana.

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Itens do uniforme dos varredores como calça, bota, camisa, boné e luva estão em falta,porque foram vendidos para comprar droga. Nem mesmo os sacos que forram os carrinhosde lixo escaparam. Parte do dinheiro arrecadado com furtos e os pagamentos da De BraçosAbertos vão parar no bolso dos bandidos da área. “A maioria faz dívida com eles na quintapara acertar na sexta, tem uns que devem 200, 300 reais em droga. Quando ganho os 115reais da semana, trabalhando todos os dias, uso 50 reais para pagar o que devo”, contaFlávia. Ou seja, ainda que sem intenção, o projeto ajuda a sustentar o tráfico. Considerandoapenas o grupo de varrição, o negócio pode injetar quase 37 000 reais por semana naCracolândia.

Procurado por VEJA SÃO PAULO para comentar as irregularidades, o governo municipalprometeu apurar os desvios. “Vamos investigar e tomar as devidas providências”, dizLuciana Temer, secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social. “A região émuito complexa e os usuários estão inseridos em uma realidade bastante complicada.Sabíamos que teríamos de contornar diversos problemas.” Até mesmo a polícia encontradificuldade por ali. “Assim que prendemos um traficante, aparece outro para vender no lugardele. A substituição é muito rápida”, diz Ruy Ferraz Fontes, diretor do DepartamentoEstadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc).

+ Polícia prende a “rainha da cracolândia”

O De Braços Abertos nasceu na gestão Haddad como uma alternativa inovadora pararesolver o problema de forma mais humanitária, sem tratar os usuários como criminososnem propor como única porta de saída ao vício um período de internação. Acabou virandouma das principais bandeiras da gestão. Em junho do ano passado, o prefeito ciceroneou opríncipe Harry, da Inglaterra, em visita às instalações do projeto.

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Depois de ser desmantelada, no início de 2014, a "favelinha" ressurgiu na esquina da RuaHelvétia com a Alameda Cleveland: usuários montaram cerca de cinquenta barracas, onde o

tráfico de drogas acontece sob as lonas (Foto: Mário Rodrigues)

Um ano depois da implementação, a prefeitura atribuiu ao programa uma grande mudançana paisagem da região central, a começar pela diminuição do “fluxo”, nome que se dá aomovimento de pessoas que vendem e consomem droga nas ruas da Cracolândia, que caiude 1 500 para 300 indivíduos nas contas oficiais. Outro ponto positivo envolveu a queda nosíndices de violência na região da Luz. Ao longo de 2014, um levantamento da Polícia Militarmostrou que os furtos de veículo caíram pela metade e houve uma redução de mais de 30%nos registros de furto a pessoas.

Aos poucos, porém, começaram a ficar evidentes no local os sinais de uma recaída.Atualmente, cerca de 600 pessoas se concentram entre a Rua Helvétia e a AlamedaCleveland. O retorno de um volume maior de gente para a área contribuiu para orenascimento da “favelinha”. A aglomeração de barracas armadas naquele pedaço haviadesaparecido no começo de 2014. Elas ressurgiram em agosto. Hoje, cerca de cinquentaestão armadas.

Os traficantes agem por ali com desenvoltura. “Isso dificulta muito nosso trabalho”, afirmaLuciana Temer. “Temos denúncias sobre traficantes que tentam impedir que osbeneficiários trabalhem.” Em fevereiro, Haddad anunciou um acordo com a Secretaria deSegurança Pública do Estado para aumentar o combate ao crime naquela localidade. Aparceria prevê a entrega de todas as imagens gravadas na região no último ano para ajudaras investigações da Polícia Civil.

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+ Corregedoria investiga participação de policiais no tráfico da Cracolândia

A relação entre as instâncias municipal e estadual, no entanto, nem sempre é amistosa. Emoutubro passado, o prefeito afirmou que o aumento do número de usuários nas ruas e avolta dos barracos se deviam à baixa presença da Polícia Militar no local. O comando dacorporação negou a acusação. O embate se repete em relação às políticas de saúde para aCracolândia. O De Braços Abertos seria uma forma diferente de abordar o problema, emcontraposição a projetos como o Recomeço, programa estadual que prevê a internação dosusuários, até mesmo forçada em casos extremos. Criada em janeiro de 2013, a iniciativa járealizou cerca de 50 000 atendimentos médicos e sociais na região da Luz e encaminhou 1500 usuários da Cracolândia a centros de tratamento.

Quarto da Pensão Azul, na Alameda Barão de Piracicaba: risco de interdição por problemas desegurança (Foto: Mário Rodrigues)

De acordo com os especialistas que apoiam o projeto de Haddad, a aposta na linha deredução de danos é a mais adequada. Uma das referências mundiais em tratamento contradrogas, Carl Hart, neurocientista da Universidade Columbia, nos Estados Unidos, é um dosentusiastas. Para ele, a prefeitura acertou em apostar na reinserção social dos usuários.“Eles reconquistaram um papel na sociedade, e isso é encorajador”, afirma. Dentro dessalógica, as prioridades são a recuperação da autoestima e a recolocação social. À medidaque isso ocorre, a pessoa tende a reduzir paulatinamente o consumo de drogas.

Até aqui, porém, os resultados do De Braços Abertos em termos de recuperação de

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viciados não são nada animadores, ainda mais se for levado em conta o investimento de 10milhões de reais. Da turma de dezesseis beneficiários do programa de Haddad queconquistaram independência e seguiram para o mercado formal de trabalho, em agosto de2014, apenas sete continuam firmes no serviço.

+ Pastora vira 'entidade' na Cracolândia após dez anos de trabalhos sociais

Um deles é Francisco Jorge Oliveira, de 57 anos, que foi usuário de crack por duasdécadas. “Chorei quando vi meu registro na carteira de trabalho. Peguei firme e pedi a Deusque me desse força, pois seria minha última chance”, diz. Para Carlos Guimarães, diretor daGuima Conseco, empresa de serviços de limpeza que aceitou empregar os usuários, odesempenho deles é surpreendente. “Eles são dedicados e abraçaram a oportunidade”,elogia.

O exmorador da Cracolândia Francisco Jorge Oliveira, de 57 anos, que conseguiu um empregofixo por meio do programa Braços Abertos: "Chorei quando vi meu registro na carteira de

trabalho" (Foto: Mário Rodrigues)

Nas próximas semanas, a Guarda Civil Metropolitana deve fazer a remoção da “favelinha”.Além disso, nove famílias que atualmente vivem na Pensão Azul, um dos hotéis emsituação mais periclitante, serão realocadas para outro endereço, na Freguesia do Ó.Outros moradores em melhor situação também serão encaminhados para estabelecimentosfora da Cracolândia. Até maio, a prefeitura pretende pôr na rua os trailers que levarão o DeBraços Abertos a seis regiões da capital. Fazem parte dessa lista os bairros de CidadeTiradentes, Santana, Vila Mariana, Santo Amaro, Jaguaré e M’Boi Mirim.

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O programa foi inspirado em iniciativas semelhantes de outros países, como os EstadosUnidos. Mas há uma diferença importante. Por lá, recebe o bônus financeiro apenas quemconsegue ficar abstinente. “Quanto mais longe da droga, maior a compensação financeira”,explica o psicólogo André de Queiroz Constantino Miguel, da Unifesp. Essa ausência de umvínculo forte com o tratamento médico ainda é uma das principais lacunas do projeto dacapital. “Enquanto a saúde não estiver presente de maneira mais intensa, não será possívelacreditar em uma real recuperação dessas pessoas”, afirma Arthur Guerra, coordenador doprograma de estudos de álcool e drogas da USP.

Essa discussão mostra que a Cracolândia não foi um fenômento improvisado. Ela é fruto dedécadas de falta de consenso sobre como lidar com o problema e da ineficiência das açõesdo poder público. Apesar das boas intenções e da propaganda da prefeitura, o programa DeBraços Aberto ainda não se mostrou capaz de mudar o cenário dramático da região.

O QUE É O PROJETO DE BRAÇOS ABERTOS...

› Desde janeiro de 2014, o projeto De Braços Abertos oferece moradia, alimentação, segurode vida e atividades de lazer e de capacitação técnica a usuários de drogas da Cracolândia.Em troca da prestação de serviços, como varrição de ruas e praças, eles recebem até 115reais por semana. Atualmente, 453 pessoas estão cadastradas. Até agora, foram gastoscerca de10 milhões de reais com a iniciativa.

E OS PROBLEMAS...

› Em um primeiro momento, a aglomeração de pessoas que vendem e consomem crack nomeio da rua, também conhecida como “fluxo”, foi reduzida de 1 500 para 300, segundodados da prefeitura. Nos últimos meses, porém, o número voltou a crescer. Hoje, em tornode 600 usuários circulam por ali diariamente.

› Cerca de 15% dos beneficiários têm comparecido para trabalhar na varrição, conformeconstatação da reportagem.

› Os hotéis que integram o projeto sofreram sucessivos furtos de fiação, de encanamento ede louças de banheiro.

A RECUPERAÇÃO DA EXMODELO

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Após repercussão da história de Loemy revelada por VEJA SÃO PAULO, o programa A Hora doFaro, da Record, ofereceu tratamento para a jovem (Foto: Mário Rodrigues)

A exmodelo Loemy Marques, de 25 anos, completou quatro meses de internação em umaclínica em Sorocaba para tratamento contra o vício em crack. Em abril, ela será transferidapara uma unidade em Mairiporã, onde dará início à reabilitação psicossocial. A nova fasedeve durar até agosto. Com 1,79 metro, ela passou de 60 para 77 quilos e agora sonha emser psicóloga com especialização em dependência química. Sua história foi revelada porVEJA SÃO PAULO em novembro de 2014. Loemy veio do interior de Mato Grosso tentar acarreira de modelo em São Paulo, mas o sonho acabou na Cracolândia, lugar em que viveupor dois anos.O atual tratamento é custeado pela produção do programa Hora do Faro, daRede Record.